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06/02/2015 :: Le Monde Diplomatique Brasil :: http://www.diplomatique.org.br/print.php?tipo=ed&id=91 1/2 Imprimir página « Voltar EDITORIAL Água e democracia por Silvio Caccia Bava Estamos às vésperas de uma crise sem precedentes que tem seu foco no abastecimento de água para várias regiões metropolitanas. São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte já passam por situações de escassez, mas nada parecido com o que se anuncia para o segundo semestre deste ano. As consequências são graves: indústrias, bares, restaurantes e outros negócios fechando; desemprego; escolas sem aulas; hospitais e equipamentos de saúde necessitando de suprimento regular de água; alimentos encarecendo; e, mais do que tudo, nem uma gota de água nas torneiras de muitas residências por mais de cinco dias. A saúde pública, pelas precárias condições de higiene, fica ameaçada. Grandes mobilizações sociais, violência e repressão vão estar presentes no cotidiano dessas regiões. A instabilidade política se instala. É um pesadelo que vai se tornar realidade. E, por incrível que pareça, nenhum governante de qualquer dessas regiões apresentou para a população da sua cidade um plano de contingência, agora um plano de emergência, a fim de buscar a solidariedade da sociedade para enfrentar essa crise. Tampouco o fizeram os governos de estados com a responsabilidade pela gestão das políticas de abastecimento de água. A urgência de encontrar formas de enfrentar a falta de água é inquestionável. Todos os esforços precisam ser feitos, especialmente para atender aos setores mais empobrecidos, que não têm alternativas. Para enfrentar a crise é preciso contar com o engajamento e a mobilização de toda a sociedade. É como numa guerra, todos precisam se unir para enfrentar o inimigo. Para contar com a mobilização de toda sociedade, porém, é preciso transferir a ela informações, responsabilidades e poderes, democratizar a gestão e abri-la para a participação cidadã, permitir o controle social das políticas públicas. No caso concreto, submeter à cidadania o plano de emergência para enfrentar a escassez de água. E não há ninguém fazendo isso. Esse distanciamento dos governos com o povo, no período crítico da falta de água, vai levar a enfrentamentos. A água é vital, e quem tem sede fará qualquer coisa para sobreviver. É para evitar essa situação de barbárie que precisamos afirmar o interesse público acima de qualquer interesse privado e convocar a população a se engajar em novos espaços de gestão criados para compartilhar o enfrentamento da crise. + info sair Sem Índice

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EDITORIAL

Água e democracia

por Silvio Caccia Bava

Estamos às vésperas de uma crise sem precedentes que tem seu foco no abastecimento de água para váriasregiões metropolitanas. São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte já passam por situaçõesde escassez, mas nada parecido com o que se anuncia para o segundo semestre deste ano.

As consequências são graves: indústrias, bares, restaurantes e outros negócios fechando; desemprego;escolas sem aulas; hospitais e equipamentos de saúde necessitando de suprimento regular de água;alimentos encarecendo; e, mais do que tudo, nem uma gota de água nas torneiras de muitas residências pormais de cinco dias. A saúde pública, pelas precárias condições de higiene, fica ameaçada. Grandesmobilizações sociais, violência e repressão vão estar presentes no cotidiano dessas regiões. A instabilidadepolítica se instala.

É um pesadelo que vai se tornar realidade. E, por incrível que pareça, nenhum governante de qualquerdessas regiões apresentou para a população da sua cidade um plano de contingência, agora um plano deemergência, a fim de buscar a solidariedade da sociedade para enfrentar essa crise. Tampouco o fizeram osgovernos de estados com a responsabilidade pela gestão das políticas de abastecimento de água.

A urgência de encontrar formas de enfrentar a falta de água é inquestionável. Todos os esforços precisam serfeitos, especialmente para atender aos setores mais empobrecidos, que não têm alternativas. Para enfrentara crise é preciso contar com o engajamento e a mobilização de toda a sociedade. É como numa guerra, todosprecisam se unir para enfrentar o inimigo.

Para contar com a mobilização de toda sociedade, porém, é preciso transferir a ela informações,responsabilidades e poderes, democratizar a gestão e abri-la para a participação cidadã, permitir o controlesocial das políticas públicas. No caso concreto, submeter à cidadania o plano de emergência para enfrentara escassez de água. E não há ninguém fazendo isso. 

Esse distanciamento dos governos com o povo, no período crítico da falta de água, vai levar aenfrentamentos. A água é vital, e quem tem sede fará qualquer coisa para sobreviver. É para evitar essasituação de barbárie que precisamos afirmar o interesse público acima de qualquer interesse privado econvocar a população a se engajar em novos espaços de gestão criados para compartilhar o enfrentamentoda crise.

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A falta de água não é só responsabilidade de São Pedro. Ela é resultado do desmatamento da Amazônia; douso irrestrito da água pelo agronegócio e pela mineração; do desperdício, contaminação e falta dereaproveitamento por parte da indústria; da ocupação das áreas de mananciais; da poluição dos rios erepresas; da falta de esgotos em nossas cidades. O que acaba com a nossa água é o modelo dedesenvolvimento que submete a sociedade aos interesses dos distintos grupos empresariais, de banqueiros aexportadores de commodities.  

Enfrentar a crise significa também olhar para o futuro. Nossos governos, em sucessivas gestões, falharam noplanejamento, execução e controle das políticas de recursos hídricos e saneamento básico. Deveriam terdefendido o interesse público, mas se submeteram à lógica do setor privado. Uma lógica que, assumidapelos governantes, demonstra a captura da esfera da política pelos grandes grupos empresariais e suadoutrina neoliberal. Não foi um erro de gestão trazer a crise para os dias de hoje, foi uma opção.

Assim, é preciso também considerar o modelo de gestão dessa política, recuperar seu sentido de política emdefesa do interesse público e criar novos modelos de gestão em que o Estado e a cidadania tenham maiorpeso nas decisões que o setor privado.

A água não pode ser tratada como mercadoria, ela é essencial para a vida, ela é um direito humano, umbem público. Todos têm direito à água para beber, para cozinhar, para higiene pessoal. No entanto, afirmaresse direito é uma tarefa difícil e complexa. Para superar as causas da crise hídrica é preciso enfrentargrupos poderosos, com bancadas parlamentares para defender seus interesses no Congresso, com muitodinheiro para influir na política.

Com o bloqueio, ou captura, dos canais de negociação propiciados pela democracia, o caminho das ruas é oleito natural da expressão do desespero social, da indignação, da revolta. Aí se abre o imponderável. E osgovernos, neste momento, só têm a repressão como resposta às mobilizações sociais.

A pressão dos movimentos sociais e das manifestações de rua pode abrir espaço para a proposta de reformapolítica com Constituinte independente – a única maneira de oxigenar a democracia brasileira. Para isso,contudo, é preciso criar uma ampla coalizão na sociedade civil, como no tempo das Diretas Já!, a fim degarantir o sentido democrático dessas mudanças.

 

Silvio Caccia Bava

Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

 

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