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29/5/2014 .: Gramsci e o Brasil :. http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=461 1/5 Busca: Selecione ... Política e modernidade na geografia brasileira Antonio Carlos Robert de Moraes - Fevereiro 2006 O sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar nos corações. Nelson Cavaquinho O panorama teórico atual da geografia brasileira apresenta uma diversidade considerável de orientações e filiações metodológicas, com os fundamentos de método (e mesmo conceituais) muitas vezes arrumados de forma pouco sistemática ou mesmo em arranjos bastante incoerentes. Um ecletismo difuso e não explicitado emerge em muitos trabalhos do campo disciplinar no país. A ânsia por atualização acadêmica internacional, estimulada pelos programas de pós-graduação e pelas agências de fomento, é em parte responsável por este clima babélico, ao gerar uma corrida pela busca de referências bibliográficas inovadoras como critério de avaliação do prestígio dos pesquisadores [1]. Além disso, a importação acrítica de teorias, e sua difusão num tom doutrinatório, alimenta um debate metodológico fechado, que se realiza de forma quase totalmente desconectada da produção empírica da disciplina acerca do Brasil. Completando o quadro panorâmico, emergem as ortodoxias de diferentes matizes, gerando respostas metodológicas para qualquer questionamento (seja teórico ou empírico). Motivos não faltam, portanto, para apro- fundar a discussão sobre os usos do método na reflexão geográfica brasileira hoje. 1. Se concordamos com David Harvey, que o atual momento que vivemos se instalou a partir do início dos anos de 1970, devemos acatar que as obras escritas antes de tal data não dão conta da especificidade do período histórico contemporâneo [2]. Isto não equivale a aceitar que o mundo da atualidade seja inteiramente novo ao que lhe preexistia. A melhor tradição de análise da história diz que o tempo é um constante fluir de continuidades e rupturas, e cujos padrões e conteúdos buscamos captar (ou construir) com a ação do intelecto. Compreender a especificidade de uma época implica desvendar tanto as permanências quanto as particularidades que a singularizam. E estas (numa concepção materialista) exigem a vivência como base da teoria. Vivemos na plenitude da ordem capitalista, que se expandiu como nunca antes no espaço e atinge uma velocidade de transformação ímpar em sua própria história. Hoje, diferenças geográficas são criadas, combinadas, destruídas, interconectadas, e renovadas a cada momento, em redes e fluxos materiais e virtuais em variadas escalas. E a "ciência dos lugares", "da diferenciação de áreas", "da relação homem- meio", se sente um pouco desorientada no frenesi das mudanças observáveis na superfície terrestre. Some-se a isso o mal-estar contemporâneo no plano do pensamento [3], e os questionamentos dirigidos à razão iluminista, sustentáculo teórico do mundo em que vivemos e de sua dinâmica: a modernidade. O pleno funcionamento de uma economia-mundo planetária e unipolar surpreende, entre outros, os geógrafos. E nós, os "meridionais" [4], participamos desse processo contemporâneo (por muitos chamado de "globalização") a partir de uma posição que expressa uma permanência: vivemos na periferia do sistema, atravessados de forma seletiva pelos seus fluxos e determinações. O centro ainda nos concebe e manipula como área de ajuste, se bem que hoje em dia no just-in-time, o que em grande parte sustenta a ilusão da descentralidade (ou mesmo da a-espacialidade) do capitalismo contem- porâneo. A condição periférica confere aos países pós-coloniais a vivência da modernidade associada à convivência com relações societárias pré-modernas (o que impõe uma distinção forte no campo da geografia). Aqui, a começar da nação e do Estado, tudo é marcado pela adaptação a uma funcionalidade exógena, que serve de referência ao nosso próprio entendimento dos processos [5]. Contudo, estar na periferia da economia-mundo não significa estar fora da história, num lugar de não-protagonistas dos eventos, num limbo político reativo [6]. Mas é A ds by O nlineBrow serA dv ertising A d O ptions

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Política e modernidade na geografia brasileira

Antonio Carlos Robert de Moraes - Fevereiro 2006

O sol há de brilhar mais uma vez,a luz há de chegar nos corações.

Nelson Cavaquinho

O panorama teórico atual da geografia brasileira apresenta uma diversidadeconsiderável de orientações e filiações metodológicas, com os fundamentos demétodo (e mesmo conceituais) muitas vezes arrumados de forma pouco sistemáticaou mesmo em arranjos bastante incoerentes. Um ecletismo difuso e não explicitadoemerge em muitos trabalhos do campo disciplinar no país. A ânsia por atualizaçãoacadêmica internacional, estimulada pelos programas de pós-graduação e pelasagências de fomento, é em parte responsável por este clima babélico, ao gerar umacorrida pela busca de referências bibliográficas inovadoras como critério de avaliaçãodo prestígio dos pesquisadores [1]. Além disso, a importação acrítica de teorias, esua difusão num tom doutrinatório, alimenta um debate metodológico fechado, quese realiza de forma quase totalmente desconectada da produção empírica dadisciplina acerca do Brasil. Completando o quadro panorâmico, emergem asortodoxias de diferentes matizes, gerando respostas metodológicas para qualquerquestionamento (seja teórico ou empírico). Motivos não faltam, portanto, para apro-fundar a discussão sobre os usos do método na reflexão geográfica brasileira hoje.

1. Se concordamos com David Harvey, que o atual momento que vivemos se instaloua partir do início dos anos de 1970, devemos acatar que as obras escritas antes detal data não dão conta da especificidade do período histórico contemporâneo [2].Isto não equivale a aceitar que o mundo da atualidade seja inteiramente novo aoque lhe preexistia. A melhor tradição de análise da história diz que o tempo é umconstante fluir de continuidades e rupturas, e cujos padrões e conteúdos buscamoscaptar (ou construir) com a ação do intelecto. Compreender a especificidade de umaépoca implica desvendar tanto as permanências quanto as particularidades que asingularizam. E estas (numa concepção materialista) exigem a vivência como baseda teoria.

Vivemos na plenitude da ordem capitalista, que se expandiu como nunca antes noespaço e atinge uma velocidade de transformação ímpar em sua própria história.Hoje, diferenças geográficas são criadas, combinadas, destruídas, interconectadas, erenovadas a cada momento, em redes e fluxos materiais e virtuais em variadasescalas. E a "ciência dos lugares", "da diferenciação de áreas", "da relação homem-meio", se sente um pouco desorientada no frenesi das mudanças observáveis nasuperfície terrestre. Some-se a isso o mal-estar contemporâneo no plano dopensamento [3], e os questionamentos dirigidos à razão iluminista, sustentáculoteórico do mundo em que vivemos e de sua dinâmica: a modernidade. O plenofuncionamento de uma economia-mundo planetária e unipolar surpreende, entreoutros, os geógrafos.

E nós, os "meridionais" [4], participamos desse processo contemporâneo (por muitoschamado de "globalização") a partir de uma posição que expressa umapermanência: vivemos na periferia do sistema, atravessados de forma seletiva pelosseus fluxos e determinações. O centro ainda nos concebe e manipula como área deajuste, se bem que hoje em dia no just-in-time, o que em grande parte sustenta ailusão da descentralidade (ou mesmo da a-espacialidade) do capitalismo contem-porâneo. A condição periférica confere aos países pós-coloniais a vivência damodernidade associada à convivência com relações societárias pré-modernas (o queimpõe uma distinção forte no campo da geografia). Aqui, a começar da nação e doEstado, tudo é marcado pela adaptação a uma funcionalidade exógena, que servede referência ao nosso próprio entendimento dos processos [5].

Contudo, estar na periferia da economia-mundo não significa estar fora da história,num lugar de não-protagonistas dos eventos, num limbo político reativo [6]. Mas é

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necessário estar atento a que a dinâmica capitalista manifesta-se meio diferentenas bordas e nas margens de seu espaço econômico central, pois tais diferençasdefinem em muito nossa particularidade sócio-histórica e geopolítica. A atração docolonizado ao mimetismo com o centro, acentuada hoje pelas tecnologias globais,não pode enturvar a afirmação da posição geográfica (e o ângulo) na qual vivemosa contemporaneidade e a "globalização". Se os teóricos do passado não nosexplicam plenamente o mundo do presente, também não explicam a nossa situaçãoespecífica (no mundo) as teorias vindas do centro. Nesse sentido, a simultaneidadecom as últimas teorizações das áreas de excelência do campo disciplinar nãogarante de imediato o entendimento da atualidade periférica e de suas contradiçõespróprias [7]. Antes, podem servir para introjetar teorias e conceitos que dificultam areflexão sobre nossas particularidades históricas.

2. Preocupantes, em face do contexto exposto, são as teorias geográficas atuaisque negam as escalas ou que diluem a condição periférica, encantadas pelo ritmodas transformações e por sua intensidade no tempo e no espaço [8]. Uma dasexpressões mais candentes do presente histórico (a "hipermodernidade" ou o"capitalismo tardio") reside na ilusão da superação total do passado e na crença deque vivemos um mundo inteiramente outro (estranho e sem memória). Pós-modernismo é o nome mais usual que se atribui a esta corrente de pensamento,que hoje influencia fortemente o campo disciplinar da geografia. O abandono dabusca de sentido na história (próprio das "grandes narrativas" agora finalizadas)emerge como elemento estruturante dos discursos desconstrutivistas. O proclamado"fim das ideologias" [9] se faz acompanhar da impossibilidade lógica de formulaçãode projetos alternativos ao "mundo da mercadoria", tornando a crítica mera retórica.Uma geografia despolitizada - ao mesmo tempo cosmopolita e localista [10] -emerge de tal fundamentação.

A idéia de uma universalidade geográfica das práticas sociais (a constituição doespaço geográfico como uma "totalidade empírica", nos termos de Milton Santos[11]), anima juízos finalizadores acerca das divisões e subdivisões da superfícieterrestre, minando o conteúdo objetivo de conceitos disciplinares clássicos, comoregião e território, que cada vez mais vão sendo definidos como referentes à esferada consciência dos sujeitos individuais. Uma antropologização excessiva do quadroconceitual básico da geografia é a expressão maior de tal orientação, que tem nacrítica e na recusa do Estado como agente social um ponto de convegência [12].Nesse sentido, o território das "revoluções moleculares" é subjetivo, e o espaço dos"esquizofluxos" é uma experiência pessoal e a região uma evocação sentimental (etudo flui no etéreo mundo dos discursos e das representações, no qual nãodevemos assumir posturas valorativas). Eis o suave caminho de legitimaçãoacadêmica do estabelecido, do "mundo prático" (em termos habermasianos).

As geografias pós-modernas acabam, portanto, por reificar as singularidades dopresente histórico, ao desconectá-las radicalmente de um passado tido como(teórica e ontologicamente) superado. Paradoxalmente, a crítica radical damodernidade faz o elogio de sua essência: o indivíduo autocentrado no mundoglobal sem sentido e em constante transformação. "Tudo o que é sólido desmanchano ar", já ouvimos esta frase noutros contextos [13]. Então, o que se passou: oconhecimento avançou tanto que tornou o mundo irreconhecível? Ou o mundo aindaé o mesmo e tudo que pensávamos antes é que era ilusão? Os dilemas pós-modernos animam o campo das divagações abstratas, mas também sedimentamjuízos e posturas em face do conhecimento agora qualificado como "antigo" ou"superado". A crítica do modernismo impõe um relativismo cético: eu sei e não possofazer nada, pois sei que saber o que fazer é errar.

Enquanto isso, a vida prática flui com guerras, empreendimentos, poder, governos,lucros, e toda a conhecida desigualdade inerente à sociabilidade capitalista [14].Diria Fernando Pessoa (com a devida licença poética): "é ele, o Esteves, semmetafísica". E a "velha" geografia-nova, que começava a intentar uma explicação daespacialidade contemporânea, ultrapassando o patamar da descrição empíricatradicional, tornou-se alvo central da crítica da vanguarda disciplinar, num processotão intenso que o resgate do empirismo começa a emergir hoje como umaalteridade viável (como uma saudável reação antiteórica em alguns discursosatuais). Contudo, a volta ao passado não parece ser um bom caminho para oavanço da reflexão em qualquer campo.

3. Se, por um lado, a geografia brasileira contemporânea é atravessada pelasposturas dos pós-modernos, por outro, temos também um forte conjunto detendências que assumem a defesa das formas pré-modernas de sociabilidade,fazendo do anacronismo uma orientação metodológica. O culto da tradição e da vidatradicional encontra campo fértil de difusão na geografia dos países periféricos, sejapor meio da discussão ambientalista (e a defesa dos meios naturais "originais" edas populações "tradicionais"), seja no elogio direto do gênero de vida camponês eseu "potencial" de resistência ao avanço da globalização [15]. Pelos dois caminhosteóricos uma concepção agrarista do Brasil é retomada, sem a devida avaliaçãohistoriográfica do papel de tal visão na história brasileira do último século. Pode-seperder aí toda uma crítica ao autoritarismo político e ao conservadorismo cultural navida rural brasileira. Enfim, para esta orientação, a pré-modernidade, mais que umelemento particularizador, é tomada como uma positividade para o devir do país,numa abordagem onde as experiências históricas de rerruralização de sociedades jáurbanizadas não são devidamente analisadas [16].

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Na verdade, com as posturas acima mencionadas entramos no reino da históriatotalmente explicada, de um passado teórico exemplar que permite interpretar atéprocessos que não existiam quando foram escritos os textos assim canonizados.Para os pré-modernos o mundo é límpido e simples, num itinerário onde asargumentações caminham mais no sentido da ética que no da lógica, gerando nãoraro textos mais literários que científicos em termos de estrutura e enunciados(desculpem o positivismo). A visão da história adotada possibilita que se equacionea atual economia brasileira com esquemas teóricos de cinquenta anos passados oumais, o que bem revela a despreocupação para com o presente histórico. Nocontexto de tal posição teórica, o otimismo da vontade anula totalmente o salutarpessimismo da razão, alimentando um milenarismo revolucionário pouco explicitado,notadamente em sua institucionalidade futura.

O pré-modernismo parece conceber o capitalismo como uma realidade congelada, a-histórica, sem movimento interno e sem renovação. Nessa perspectiva perdem aatualidade do modo de produção e seu funcionamento contemporâneo. Ficam,assim, prisioneiros das contradições por demais genéricas para informar a açãopolítica, tendo de optar entre o teoricismo acadêmico ou o pragmatismo partidário,cindindo inexoravelmente a idéia de práxis. E mais, parecem esquecer nessepercurso toda a "positividade" do capitalismo (de que falava Marx), geradora devalores como a democracia representativa e os direitos humanos, entre outros [17].A recusa ao Estado e o enfoque localista estabelecem pontos de diálogo entre oelogio da pré-modernidade e os pós-modernos, apesar das origens teóricasdíspares desses posicionamentos. Tal encontro, todavia, ainda não gerou umaformulação metodológica consistente no âmbito de nossa reflexão geográfica.

4. Observa-se, portanto, no panorama da geografia brasileira contemporânea, que aposição assumida em face da modernidade e do projeto moderno pode servir dereferência na identificação de campos metodológicos e de projetos teóricosdisciplinares díspares. O quanto cada projeto e cada perspectiva quer dialogar coma construção da nação e do país já se apresenta como um elemento caracterizadordas várias posições em jogo. A relevância ou não dada à escala nacional emerge,na verdade, do ponto de vista político, como importante parâmetro nacaracterização de cada proposição. No debate atual, a aceitação da possibilidade deformulação de um projeto de corte nacional já pressupõe a adesão a pressupostoshoje talvez minoritários nas ciências humanas, entre esses, uma visão positiva dacapacidade de organização institucional da sociedade e num certo desempenhodemocrático progressivo do Estado.

Em grande parte, o otimismo realista na periferia do mundo contemporâneo está emacreditar na possibilidade de efetivação do projeto moderno nessas áreas doplaneta. Vivemos uma modernidade inconclusa em seus elementos basilares, umideário iluminista radical é aqui revolucionário (obviamente, no sentido gramscianoda "guerra de posições") [18]. Cidadania plena, direitos assegurados, emprego,renda mínima, políticas sociais universalizadas e de qualidade, proteção ao meioambiente, estímulo à cultura, enfim, um horizonte de reinvidicações que integram umprojeto democrático de país. Se o conhecimento geográfico deve se engajarenfaticamente nessa construção constitui, em si, uma postura de método, compressupostos e desdobramentos epistemológicos específicos.

É claro que a construção desse projeto no Brasil não pode ocorrer como uma cópiatardia do processo passado alhures, mas manifesta-se determinada pelasparticularidades históricas e geográficas já apontadas no presente texto. Em termosdas mediações espaciais, a condição periférica emerge como essencial na localizaçãodo país na economia-mundo; em termos temporais, a atualidade do momento domodo de produção (com suas formas de socialização e acumulação próprias) deveser bem apreendida. No cruzamento de tais determinações vislumbra-se asingularidade brasileira, que se apresenta para nós como o enigma da esfinge:decifra-me ou te devoro.

A densidade geográfica de nossa formação e de nossa atualidade [19] impõe umforte conteúdo de particularidades nacionais a serem levantadas e interpretadaspelos geógrafos, cuja explicação adequada aparece como condição para se proporum projeto viável de nação para o Brasil. Explicitar posicionamentos metodológicos,adestrar o instrumental analítico com que se opera, clarificar os conceitos e teoriasutilizadas, são fundamentos prévios ao propósito de gerar uma geografia queoriente a instalação da modernidade que queremos para o país. Para tanto temosque abandonar o ideal de buscar de imediato uma utopia celeste (o céu na Terra) esuperar a desesperança do inferno do presente. É o que anima o caminho na trilhado purgatório...

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Antonio Carlos Robert de Moraes é professor titular do Departamento de Geografiada USP e vice-coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Democratização eDesenvolvimento (NADD-USP).

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Notas

[1] Diz Renato Janine Ribeiro em corajosa análise do tema: "Problemáticas de ponta

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- que não estão dadas, prontas, mas precisam ser construídas - só poderão serdefinidas por um diálogo mais intenso entre nós mesmos. Devemos quebrar umtanto as fronteiras das disciplinas e dialogar mais aqui, com menor ansiedade decada um de nós criar seu vínculo internacional - enquanto esse vínculo for pautadopela dependência, ou pela integração individual, que nos deixam quase sempre emposição subalterna. Enfraquecemo-nos muitíssimo se nos internacionalizamos sem,antes, constituir um forte e enriquecedor diálogo com quem está mais perto denós... É claro que sempre trabalharemos autores e teorias que vão muito além dasfronteiras. É claro que nada disso significa repudiar os clássicos ou negar o diálogointernacional. Mas o que não nos convém é a dependência abobada das modasmundiais, só porque saem em inglês ou francês" (A universidade e a vida atual. Fellininão via filmes. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 147).

[2] Em Condição pós-moderna, ele começa sua análise do tema constatando a"mudança abissal nas práticas culturais, bem como político-econômicas, desde maisou menos 1972" (p. 5). E reafirma esta idéia mais a frente: "o único ponto geral deacordo é que alguma coisa significativa mudou no modo de funcionamento docapitalismo a partir de mais ou menos 1970" (p. 163). E completa: "O estranho équão radicais algumas dessas respostas deram a impressão de ser e quão difícil foipara a esquerda, em oposição à direita, lidar com elas" (p. 319).

[3] Anthony Giddens, por exemplo, entende que a insegurança subjetiva marca cen-tralmente o ethos contemporâneo (As conseqüências da modernidade. São Paulo:Editora da Unesp, 1991).

[4] Tomamos emprestada esta expressão de André Martin ("Portugal, Brasil e aPerspectiva Meridionalista". Lisboa: Congresso Brasil-Portugal Geografia, 2000).Sobre a aplicação da análise gramsciana para uma escala global hoje, ver NádiaUrbinati. "From the periphery of modernity: Antonio Gramsci's theory of subordinationand hegemony". Political Theory 26/3, Tulsa: Sage, 1998.

[5] O tema da importação de idéias e da "imitação" é equacionado em suaambiguidade e complexidade por Roberto Schwarz em Um mestre na periferia docapitalismo (São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000).

[6] Para um bom equacionamento dessa questão, pode-se consultar EdgardoLander (Org.). La colonidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Buenos Aires:Clacso, 2003. Ver também Samir Amin. Eurocentrismo. Crítica de una ideologia. México:Siglo XXI, 1989.

[7] O descompasso entre as teorizações de vanguarda apoiadas na análise da vidasocial dos países centrais e as questões políticas atuais postas para as sociedadesdos países periféricos pode ser aferida, por exemplo, na excelente tese dedoutoramento de Iole Ilíada Lopes, O território e os Estados pós-nacionais: Umaabordagem geográfica das teorias recentes de Jürgen Habermas (DG/FFLCH/USP, 2004).

[8] Tanto a exacerbação do espaço como chave para a interpretação do presente(como sugere E. Soja) quanto seu aniquilamento pela velocidade e simultaneidade(como entende P.Virilio) expressam enfoques parcializantes, unidimencionais. Sobreas múltiplas dimensões da realidade e os campos disciplinares, ver Antonio CarlosRobert Moraes. Geografia, capitalismo e meio ambiente. Tese de Livre-DocênciaDG/FFLCH/USP, 2000, primeira parte.

[9] Vale aqui uma citação de Norberto Bobbio: "As ideologias do passado foramsubstituídas por outras, novas ou que pretendem ser novas. A árvore das ideologiasestá sempre verde" (Direita e Esquerda. Razões e significados de uma distinção política.São Paulo: Ed.Unesp, 1995, p. 33).

[10] É importante assinalar essa associação entre a visão de um mundo planetário(sem fronteiras), imerso em uma mesma dinâmica comum (homogenizadora), e aimediaticidade de cada lugar terrestre (em sua singularidade). Nessa perspectiva, aanálise geográfica operaria em apenas duas escalas, a global e a local, sendoirrelevantes outras óticas escalares intermediárias (entre elas, a nacional). Nessearranjo teórico, a escala global seria reveladora das estruturas e da dinâmicaeconômicas, enquanto a localidade seria apreendida numa visão culturalista. Nãoraro, gera-se um equacionamento da vida social onde a cultura é contraposta àeconomia, concebendo-se o cotidiano como uma disputa entre as identidades locaise a homogeinização globalizante, na qual o papel do cientista humano (como sujeitodo conhecimento e como ator social) não fica bem especificado. Isso explica o apelodas causas "nítidas" quando aflora certa politização nas geografias pósmodernas,como a questão indígena ou a da conservação de ecossistemas específicos, porexemplo.

[11] Milton Santos. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. SãoPaulo: Hucitec, 1996, p. 91-3.

[12] A postura antiestatista hoje predominante em alguns campos das ciênciashumanas tem uma forte inspiração nas formulações de Michel Foucault. Apontamosas dificuldades escalares de se trabalhar com tal orientação na análise geográficaem texto escrito há quase vinte anos: "Michel Foucault e a Geografia". In: ItaloTronca (Org.). Foucault Vivo. Campinas: Pontes, 1987; republicado em BoletimPaulista de Geografia, 66, São Paulo: AGB, 1988.

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[13] Trata-se de um trecho conhecido do Manifesto Comunista, texto que pode seranalisado, tal como fez Marshall Berman, como uma obra modernista (Tudo o que ésólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. São Paulo: Companhia dasLetras, 1986). Para o marxismo ocidental, pode-se consultar Nelson Brissac Peixoto.A sedução da barbárie. O marxismo na modernidade. São Paulo: Brasiliense, 1982.

[14] Ler (ou reler) José Arthur Giannotti, "Formas da sociabilidade capitalista". In:Trabalho e Reflexão. São Paulo: Brasiliense, 1983. Ver também sobre a dinâmica davida prática Maria da Conceição Tavares e José Luís Fiori (Orgs.). Poder e dinheiro.Uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.

[15] Tal concepção extranha ao marxismo até aqui citado, difunde-se com o adventodo maoísmo e da Revolução Chinesa. Na América Latina é reforçada pelo êxito daRevolução Cubana, que propaga a teoria dos focos de insurreição popular, de baserural. No Brasil, o setor mais radical da esquerda católica, agrupado na AçãoPopular, adota essa orientação já no início dos anos sessenta (para umaexemplificação historiográfica desse posicionamento, ver Amaro Helio Leite da Silva.Serra dos Perigosos: resistência indígena no alto sertão de Alagoas (década de 1960).Maceió: Dissertação de Mestrado em Sociologia/Ufal, 2005).

[16] Uma avaliação bastante dura das experiências comunistas no século XX éapresentada por Agnes Heller e Ferenc Fehér em obra da década passada. Entre oscasos tratados, o Cambodja aparece com certo destaque como "uma sociedade deneobarbárie produzida experimentalmente". Para eles: "o comunismo agrário doskhmers vermelhos foi capaz de realizar a barbárie moderna em sua máximaexpressão: a destruição física deliberada da civilização mecânica como algonegativo" (El péndulo de la modernidad. Una lectura de la era moderna después de lacaida del comunismo. Barcelona: Península, 1994, p. 218).

[17] Sobre este ponto cabe apelar novamente para Norberto Bobbio: "O tema damediocridade democrática é tipicamente fascista. Mas também é um tema queencontra seu ambiente natural no radicalismo revolucionário de qualquer coloração"(ob. cit., p. 57). Do mesmo autor vale consultar O futuro da democracia. São Paulo:Paz e Terra, 2000. Para um resgate do legado marxista quanto à matéria, ver AgnesHeller. Para mudar a vida. Felicidade, liberdade e democracia. São Paulo: Brasiliense,1982. E, para uma abordagem bem atual, Ellen Meiksins Wood. Democracia contracapitalismo. A renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.

[18] Eric Hobsbawm considera que a barbárie contemporânea se apresentafundamentalmente como uma plataforma "antiiluminista". Para ele, o Iluminismo é "aúnica base para todas as aspirações de construir sociedades adequadas a todos osseres humanos em qualquer parte da Terra e para a afirmação e a defesa dos seusdireitos como pessoas" ("Barbárie: o guia do usuário". In: Emir Sader (Org.). Omundo depois da queda. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 16-7).

[19] Ver Antonio Carlos Robert Moraes. Território e história no Brasil. 2. ed. SãoPaulo: Annablume, 2005.

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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