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Movimento ISSN: 0104-754X [email protected] Escola de Educação Física Brasil Tavares, Otávio Doping: argumentos em discussão Movimento, vol. 8, núm. 1, enero-abril, 2002, pp. 41-55 Escola de Educação Física Rio Grande do Sul, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115318040005 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Page 1: Redalyc.Doping: argumentos em discussão · Doping: argumentos em discussão OtávioTavares 1 Resumo O doping constitui-se num grande problema do esporte contemporâneo. Apesar do

Movimento

ISSN: 0104-754X

[email protected]

Escola de Educação Física

Brasil

Tavares, Otávio

Doping: argumentos em discussão

Movimento, vol. 8, núm. 1, enero-abril, 2002, pp. 41-55

Escola de Educação Física

Rio Grande do Sul, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115318040005

Como citar este artigo

Número completo

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Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Doping: argumentos em discussão

Otávio Tavares1

Resumo

O doping constitui-se num grande problemado esporte contemporâneo. Apesar do discur-so quase hegemônico de condenação destaprática, a eliminação doping do cenário espor-tivo parece ainda distante. Baseado na premis-sa de que argumentos são válidos na medidade sua correspondência na prática, o objetivodeste texto é examinar os argumentos que fun-damentam o discurso sobre a imoralidade dodoping em termos de seu mérito lógico. Pro-curamos demonstrar através de perguntas ecomparações que estes argumentos são falhosna medida em que não podem ser validadosna prática. Por fim procuramos situar a ques-tão do doping dentro de uma dimensão sim-bólica do esporte.

Descritores: Doping; Atleta; Ética.

Abstract

The use of doping is one of the major issues of

contemporary sport. The solution of the drug-taking

problem seems to be distant despite the almost

hegemonic opinion against doping. If arguments should

correspond practical consequences, the aim of this paper is

to exam the arguments against doping in sportin terms of

their logic. We tried to demonstrate through questions and

comparisons that those arguments are not valid since they do

not correspond practical consequences. Finally we try to

focus doping against the symbolic dimension ofsport.

Key Words: Doping; Ethics;Athlete.

Introdução

Não parece ser difícil constatar que embora seja,institucionalmente falando, quase hegemônico odiscurso de condenação ao uso de substânciasdopantes, paradoxalmente, é cada vez mais certo quea eliminação do uso destas substâncias hoje proscritaspara uso atlético parece cada vez mais distante deuma solução. Em face da observada persistência daproblemática do doping mesmo diante de regu-lamentos, controles e campanhas, o objetivo destetexto é examinar os argumentos que fundamentam odiscurso sobre a imoralidade e a ilegalidade do dopingem termos de seu mérito lógico. Partindo da premissaclássica de Cícero de que argumentos são "as razõesque dão fé a alguma coisa duvidosa", sua con-seqüência lógica é que eles possam ser capazes defazer passar a proposição da imoralidade do dopingcomo uma coisa verdadeira. Afinal, como afirmaAbbagnano (1998:79), um argumento é algo "que dealgum modo produza um grau qualquer de persuasão".Para que isto se realize, claro está que esta capacidadede persuasão será tanto maior quanto mais coerentefor sua correspondência com a prática. Assim, osargumentos anti-doping não serão examinados pelocaráter de sua veracidade (por que aceitamos quepodem ser verdadeiros), mas sim pela qualidade deserem em si mesmos necessários e suficientes aocombate ao uso de drogas no esporte.

E evidente que sendo o esporte um fenômeno com-plexo não é possível pensar o problema do dopingcomo uma questão de bons ou maus argumentosapenas. Na verdade, o exame da validade de umargumento, de sua correspondência a conseqüênci-as práticas só é possível a partir do diálogo com ocontexto sócio-histórico da produção da moral so-

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cial e com a perspectiva interna do praticante2. É apartir desta compreensão que tentamos abordareste problema complexo. Como não vivemos nummundo de anjos inocentes nem de robôs friamenteracionais mas naquele no qual nossos sentimentos,desejos e pulsões são limitados pela noção moralde certo e errado, acredito que a qualidade dos ar-gumentos colocados se constituem numa dimensãoimportante de análise.

Gostaria de enfatizarporém que não se trata dedefender aqui o uso dodoping ou mes-mo de sualegalização, mas de lançarum olhar crítico sobre arazoabilidade, a coerênciae a efetividade dosargumentos anti-dopingmais utilizados. Assim,este texto não ambicionapropor uma solução para oproblema do doping masrefletir a partir de questõese comparações sobre opoder dos argumentosanti-doping de dar fé aalguma coisa que pareceduvidosa para muitos.

Esporte, auto-controle e doping

O uso de substâncias que aumentem o rendimentofísico ou que pelo menos gerem a crença nisto é quasetão antiga quanto o desenvolvimento das atividadesfísicas organizadas. Seja no oriente, seja no ocidente,em sociedades simples ou complexas, a utilização dealgum artifício (físico, químico, psicológico)destinado a aumentar as capacidades físicas humanasparece de tal forma presente que, penso, teríamospoucas dificuldades em classifica-los como um

universal cultural. Entretanto, estas práticas, se ob-servadas do ponto de vista tanto dos sentidos quantodas formas, atingem uma variabilidade bastante ele-vada3 .

As sociedades modernas, todavia, tem se trans-formado no sentido de uma maior 'docilização' dasnormas de conduta e relações em seus diversostempos e espaços sociais, mormente através demecanismos de introjeção, tornando-se mais reativasa determinados comportamentos. Norbert Elias, naconstrução de sua teoria do processo civilizatórioobservou que em determinadas sociedades ocidentaismas, especialmente na Inglesa, onde diga-se depassagem também surge a forma moderna de esporte,"o domínio da conduta e da sensibilidade tornou-semais rigoroso, mais diferenciado e abrangendo tudo,mas, também, mais regular, mais moderado ebanindo quer excessos de punição quer deautocomplacência" (1992:41). Neste contexto, oesporte moderno tem aparecido como um veículoprivilegiado para a promoção de uma certamoralidade pública e de um padrão de autocontrole4.Com efeito, o Olimpismo de Pierre de Coubertin,desenvolvido no final do século XIX e início do séculoXX e que é por nós entendido como ideologiaparticular de prática esportiva5, deu forma intelectuala estas preconizações. Na verdade, ciente de que oexcesso é uma característica da competição e docaráter neutro do esporte, ou seja, que suapositividade ou negatividade está diretamenterelacionada ao conjunto de valores que condicionamsua prática, Coubertin esteve permanentementepreocupado com a elaboração deste conjunto6. Istoé particularmente importante na medida em que foia expansão objetivada do movimento olímpico umdos principais elementos de globalização de umdeterminado conjunto de formas, crenças e sentidosde prática esportiva preponderante durante os setentaprimeiros anos do século XX (Donnelly, 1995; Grupe,1992 eLenk, 1976).

Em resposta a esta situação, o uso de drogas e dedeterminados procedimentos que aumentem orendimento físico do atleta passou gradualmente a

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Seja no oriente, sejano ocidente, em

sociedades simples oucomplexas, a

utilização de algumartifício (físico,

químico, psicológico)destinado a aumentaras capacidades físicas

humanas parece de talforma presente que,

penso, teríamospoucas dificuldades

em classifica-los Comoum universal

cultural.

ser considerado imoral e, na esfera do esporte orga-nizado, ilegal. Tendo sempre os Jogos Olímpicoscomo referência, é interessante lembrar que em suasprimeiras edições modernas o doping era raro masnão ilegal, tanto que uma das misturas dopantes maisusadas consistia em um coquetel com cocaína, cafe-ína e estricnina7. Do mesmo modo, até o início docontrole médico em 1968, era raro mas não impos-sível que atletas usassem anfetaminas e posteriormen-te à Segunda Guerra Mundial, esteróides anabólicos(DeRose, op.cit.).

De maneira não-exaustiva, é possível dizer que emface das qualidades educativas historicamente tributadasao esporte, de seu crescente valor econômico e datransformação das drogas e psicotrópicos em umaquestão social controversa, o doping foi se tornandocada vez mais uma problemática sensível no campo doesporte. Neste sentido, são igualmente crescentes asinstituições, organismos e políticas destinadas acombater o uso de determinadas substâncias eprocedimentos definidas como auxílios ilegais aodesempenho humano8. Todavia, um problema semprepresente, e central para este artigo, é o de se determinaro que pode ou deve ser caracterizado como doping ounão. Este é o tipo de questão que comporta abordagenstécnicas (se uma dada droga ou processo auxilia dealguma forma o rendimento e/ou é potencialmenteperigosa para a saúde), sócio-culturais (se umadeterminada prática ou hábito cultural particular secoaduna e em que nível com um sistema institucionalmais geral), éticos (havendo uma ou mais éticas doesporte, em relação a quais delas o doping configura-se como uma transgressão) e políticos (quem possuilegitimidade suficiente para determinar o que seja odoping assim como para organizar seu controle e asformas de punição), sempre permeados de uma certatensão inerente aos processos com um número maiorde variáveis. Em face destas irresoluções, de acordocom a Declaração Final da Conferência Mundial sobreDoping no Esporte (1999), o doping é definido como:

"o uso de um artifício, substância ou método, poten-

cialmente perigoso para a saúde do aúeta e/ou capaz de

aumentar sua performance, ou a presença no corpo do

atleta de uma substância ou a constatação do uso de um

método presente na lista anexa ao Código do Mo\imento

Olímpico And-Doping".

Um primeiro exame desta definição revela que ela éconstituída de argumentos que podem ser divididosem três tipos: (a) um argumento de ordem técnico/científica; (b) um argumento de ordem ética; (c) umargumento assilogístico'. A definição de doping comosubstância ou método potencialmente perigosos paraa saúde é o que chamo de argumento técnico/científico. Possui raízes no discurso médico, um tipode discurso de intervenção freqüentemente de ordemmoral, porém quase sempre revestido de cien-tificidade. Neste sentido, parte da premissa que asevidências técnicas que o fundamentam sãosuficientes para legitima-lo como um regulador docomportamento individual e social. Em segundo lugaraparece um argumento de ordem ética. Com efeito,como já discuti em outro texto (Tavares, 1999b), acaracterização do doping como um artifício capazde aumentar a performance, embora, como veremosadiante, contraditória à própria natureza do esportetradicional, parece estar baseada de alguma formano conceito de fair play como uma representaçãoidealizada do ethos cavalheiresco do esporte vitoriano.Neste sentido, o aumento da performance parece serentendido como algo que ofenda uma éticafundamental do esporte. A terceira parte destadefinição configura-se como uma definição deelevado pragmatismo. Ao estabelecer que são dopingos métodos e substâncias presentes em um indexproibitório, em última análise está se dizendo que édoping o que é ou for considerado doping pelos órgãoslegitimamente dispostos a declará-lo. Desta maneirao critério de validade fundamenta-se primariamenteno consenso atingido pelas instituições que tem ocontrole sobre o tema. Uma construção arbitráriaque impede qualquer tentativa de exame de seusargumentos dentro dos limites deste texto, uma vezque nos obrigaria a discutir pontualmente cada umadas substâncias e métodos presentes na referida lista.

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Gostaria de enfatizarporém que não se trata dedefender aqui o uso dodoping ou mes-mo de sualegalização, mas de lançarum olhar crítico sobre arazoabilidade, a coerênciae a efetividade dosargumentos anti-dopingmais utilizados. Assim,este texto não ambicionapropor uma solução para oproblema do doping masrefletir a partir de questõese comparações sobre opoder dos argumentosanti-doping de dar fé aalguma coisa que pareceduvidosa para muitos.

Esporte, auto-controle e doping

O uso de substâncias que aumentem o rendimentofísico ou que pelo menos gerem a crença nisto é quasetão antiga quanto o desenvolvimento das atividadesfísicas organizadas. Seja no oriente, seja no ocidente,em sociedades simples ou complexas, a utilização dealgum artifício (físico, químico, psicológico)destinado a aumentar as capacidades físicas humanasparece de tal forma presente que, penso, teríamospoucas dificuldades em classifica-los como um

universal cultural. Entretanto, estas práticas, se ob-servadas do ponto de vista tanto dos sentidos quantodas formas, atingem uma variabilidade bastante ele-vada3 .

As sociedades modernas, todavia, tem se trans-formado no sentido de uma maior 'docilização' dasnormas de conduta e relações em seus diversostempos e espaços sociais, mormente através demecanismos de introjeção, tornando-se mais reativasa determinados comportamentos. Norbert Elias, naconstrução de sua teoria do processo civilizatórioobservou que em determinadas sociedades ocidentaismas, especialmente na Inglesa, onde diga-se depassagem também surge a forma moderna de esporte,"o domínio da conduta e da sensibilidade tornou-semais rigoroso, mais diferenciado e abrangendo tudo,mas, também, mais regular, mais moderado ebanindo quer excessos de punição quer deautocomplacência" (1992:41). Neste contexto, oesporte moderno tem aparecido como um veículoprivilegiado para a promoção de uma certamoralidade pública e de um padrão de autocontrole4.Com efeito, o Olimpismo de Pierre de Coubertin,desenvolvido no final do século XIX e início do séculoXX e que é por nós entendido como ideologiaparticular de prática esportiva5, deu forma intelectuala estas preconizações. Na verdade, ciente de que oexcesso é uma característica da competição e docaráter neutro do esporte, ou seja, que suapositividade ou negatividade está diretamenterelacionada ao conjunto de valores que condicionamsua prática, Coubertin esteve permanentementepreocupado com a elaboração deste conjunto6. Istoé particularmente importante na medida em que foia expansão objetivada do movimento olímpico umdos principais elementos de globalização de umdeterminado conjunto de formas, crenças e sentidosde prática esportiva preponderante durante os setentaprimeiros anos do século XX (Donnelly, 1995; Grupe,1992 eLenk, 1976).

Em resposta a esta situação, o uso de drogas e dedeterminados procedimentos que aumentem orendimento físico do atleta passou gradualmente a

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Seja no oriente, sejano ocidente, em

sociedades simples oucomplexas, a

utilização de algumartifício (físico,

químico, psicológico)destinado a aumentaras capacidades físicas

humanas parece de talforma presente que,

penso, teríamospoucas dificuldades

em classifica-los Comoum universal

cultural.

ser considerado imoral e, na esfera do esporte orga-nizado, ilegal. Tendo sempre os Jogos Olímpicoscomo referência, é interessante lembrar que em suasprimeiras edições modernas o doping era raro masnão ilegal, tanto que uma das misturas dopantes maisusadas consistia em um coquetel com cocaína, cafe-ína e estricnina7. Do mesmo modo, até o início docontrole médico em 1968, era raro mas não impos-sível que atletas usassem anfetaminas e posteriormen-te à Segunda Guerra Mundial, esteróides anabólicos(DeRose, op.cit.).

De maneira não-exaustiva, é possível dizer que emface das qualidades educativas historicamente tributadasao esporte, de seu crescente valor econômico e datransformação das drogas e psicotrópicos em umaquestão social controversa, o doping foi se tornandocada vez mais uma problemática sensível no campo doesporte. Neste sentido, são igualmente crescentes asinstituições, organismos e políticas destinadas acombater o uso de determinadas substâncias eprocedimentos definidas como auxílios ilegais aodesempenho humano8. Todavia, um problema semprepresente, e central para este artigo, é o de se determinaro que pode ou deve ser caracterizado como doping ounão. Este é o tipo de questão que comporta abordagenstécnicas (se uma dada droga ou processo auxilia dealguma forma o rendimento e/ou é potencialmenteperigosa para a saúde), sócio-culturais (se umadeterminada prática ou hábito cultural particular secoaduna e em que nível com um sistema institucionalmais geral), éticos (havendo uma ou mais éticas doesporte, em relação a quais delas o doping configura-se como uma transgressão) e políticos (quem possuilegitimidade suficiente para determinar o que seja odoping assim como para organizar seu controle e asformas de punição), sempre permeados de uma certatensão inerente aos processos com um número maiorde variáveis. Em face destas irresoluções, de acordocom a Declaração Final da Conferência Mundial sobreDoping no Esporte (1999), o doping é definido como:

"o uso de um artifício, substância ou método, poten-

cialmente perigoso para a saúde do aúeta e/ou capaz de

aumentar sua performance, ou a presença no corpo do

atleta de uma substância ou a constatação do uso de um

método presente na lista anexa ao Código do Mo\imento

Olímpico And-Doping".

Um primeiro exame desta definição revela que ela éconstituída de argumentos que podem ser divididosem três tipos: (a) um argumento de ordem técnico/científica; (b) um argumento de ordem ética; (c) umargumento assilogístico'. A definição de doping comosubstância ou método potencialmente perigosos paraa saúde é o que chamo de argumento técnico/científico. Possui raízes no discurso médico, um tipode discurso de intervenção freqüentemente de ordemmoral, porém quase sempre revestido de cien-tificidade. Neste sentido, parte da premissa que asevidências técnicas que o fundamentam sãosuficientes para legitima-lo como um regulador docomportamento individual e social. Em segundo lugaraparece um argumento de ordem ética. Com efeito,como já discuti em outro texto (Tavares, 1999b), acaracterização do doping como um artifício capazde aumentar a performance, embora, como veremosadiante, contraditória à própria natureza do esportetradicional, parece estar baseada de alguma formano conceito de fair play como uma representaçãoidealizada do ethos cavalheiresco do esporte vitoriano.Neste sentido, o aumento da performance parece serentendido como algo que ofenda uma éticafundamental do esporte. A terceira parte destadefinição configura-se como uma definição deelevado pragmatismo. Ao estabelecer que são dopingos métodos e substâncias presentes em um indexproibitório, em última análise está se dizendo que édoping o que é ou for considerado doping pelos órgãoslegitimamente dispostos a declará-lo. Desta maneirao critério de validade fundamenta-se primariamenteno consenso atingido pelas instituições que tem ocontrole sobre o tema. Uma construção arbitráriaque impede qualquer tentativa de exame de seusargumentos dentro dos limites deste texto, uma vezque nos obrigaria a discutir pontualmente cada umadas substâncias e métodos presentes na referida lista.

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Sob o prisma da ética doesporte, a questão do dopingestá intrinsecamente ligada à noção do 'jogo justo' epor conseguinte a um conjunto de comportamentosgenericamente encapsulados no conceito de fair play.Assim, me parece importante que primeiramenteexaminemos, ainda que rapidamente, o conceito defair play. Em segundo lugar, em face das implicaçõesrelativas ao tipo de comportamentos regulados peloconceitode fairplaye suas implicaçõescomaquestãodo doping, examinarmos algumas distinções sobre anatureza das regras no esporte.

tência do próprio jogo.

Já o fair play não-formal, estende-se além docampo das regras e regulamentos. Diz respeito, emprincípio, ao comportamento esportivo baseado nosvalores morais do praticante. Na medida de suarealização subjetiva, esta categoria do fair play étambém difusamente definida. Ao contrário dofair play formal, claramente delimitado pela própriaexistência das regras esportivas, o fair play não-formal se realiza "recusando vantagensinjustificáveis" (Grupe, op. cit.). Segundo oCódigo de Ética Desportiva do Conselho daEuropa (1996), o fair play,

Conceitos de fair play

De uma forma bastante genérica, o fairplay é en-tendido em um plano mais geral como uma atitu-de de prática esportiva moralmente boa. Nestecontexto, o termo 'fairplay tem se revelado umcampo amplo o suficiente a interpretações diver-sas de seu significado. Uma iniciativa bastantecomum é traduzi-lo como 'jogo limpo' ou qualificá-lo como 'espírito esportivo'. Estas expressões re-velam-se contudo bastante limitadas na medida emque não avançam no sentido da elucidação doconceito. Ou seja, não estabelecem um campodemarcatório onde se reconheçam que normas eatitudes o caracterizam.

Segundo Lenk (op. cit.), o fairplaypode ser enten-dido como um valor dotado de uma dupla nature-za. Assim, ele se divide em duas categorias, o fairplay formal e o fair play nao-formal. O fair playformal, relaciona-se objetivamente ao cumprimentode regras e regulamentos que o competidor, emprincípio, tem que cumprir, podendo ser assim con-siderado como uma "norma-obrigação" (Lenk,ibid.: 137). Não parece ser difícil encontrar manei-ras de exemplificar esta natureza do fair play umavez que, ainda que atos de indisciplina, violência,violações à regra e reclamações ocorram comfreqüência, o princípio do respeito as regras espor-tivas permanece sendo a base comum ao desenvol-vimento de qualquer disputa esportiva, constituin-do-se em um 'acordo'prévio necessário para a exis-

"Cobre as noções de amizade, de respeito pelo outro, e de

espírito esportivo, representa um modo de pensar, e não

simplesmente um comportamento. O conceito abtangea

problemática da luta contra a batota, a arte de usar a

astúcia dentro do respeito as regras, o doping, aviolência

(tanto física quanto verbal), a desigualdade de

oportunidades, a comercialização excessiva ea corrupção".

A natureza subjetiva do fair play não-formal temdado margem a interpretações mais ou menosrigorosas do que seria este "modo de pensar" ouestas "vantagens injustificadas", o que tem levadomuitas vezes ao entendimento do fair play comoum comportamento esportivo verdadeiramentealtruís-tico,recusandoporexemplo,avantagemobtidagraças a um erro da arbitragem ou um acidente depercursosofrido por um adversário10.

Na verdade podemos perceber que alguns com-portamentos de fair play não-formal são maisfreqüentes em um esporte do que em outros1'. Nofutebol por exemplo, ele pode ser facilmenteexemplificado pelo ato do atleta que joga a bolapara fora do campo de maneira a permitir que umcompanheiro de jogo contundido, mesmo do timeadversário, possa receber atendimento médico. Noentanto, este não parece ser um exemplo válido parao basquete. Também é difícil imaginar que umvelocista interrompa sua participação numa provapara auxiliar um companheiro caído. Os exemplos

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particulares poderiam ser multiplicados aqui pelonúmero de modalidades existentes. Isto parece de-monstrar que cada esporte desenvolve dentro de suatradição uma maneira própria de articular seu va-lores éticos, com seus valores técnicos e estéticos12.Embora na história dos esportes registrem-se di-versos casos de atletas que se comportaram de ma-neira verdadeiramente altruística, este comporta-mento de fair play é inegavelmente menos comumde ser observado, na medida em que é, na maioriadas vezes, intangível por regras escritas ainda queseja legitimado culturalmente. Ou seja, é válido dizerque embora um comportamento compatível com aidéia de fair play não-formal é, até certo ponto,uma expectativa presente entre jogadores e públicoesportivo, sua realização depende muito mais devalores morais subjetivamente significados.

Em síntese, a noção de um fair play formal talcomo proposta Lenk, equivale a uma estruturaconceituai necessária para a realização do esportena prática, traduzida na forma de regras e suafuncionalidade e que à ela os indivíduos aderemlivremente. No entanto, ainda que a adesão a umconjunto formal de regras seja necessária a própriarealização do jogo/esporte, ela não fornece em sinenhuma razão moral que abstenha um jogadorda violação às regras do jogo. Pelo contrário, estademarcação (entre o que é permitido e o que nãoé) pode ser interpretada como o oferecimento deescolhas, entre a obediência estrita as regras ousua quebra, inaceitável mas ainda assim possível,ao preço de certas sanções. As próprias regras aoestipularem diferentes sanções para diferentesviolações, oferecem a necessária referência parauma tomada de decisões13. O doping emboraprima facie possa ser entendido como a negaçãodo fair play do tipo não-formal, tem sidocrescentemente tratado pelo prisma da legalidade.Neste contexto, parece importante observar umatipologia das regras esportivas para compreendersob que tipo de regras esportivas e sob que tipode fair play o doping deve ser compreendido.

Uma tipologia das regras noesporte

Os jogos são práticas governadas por regras. Basica-mente, as regras são o que definem a própria práticado jogo. Neste sentido, as regras dos jogos podemser divididas em dois tipos: as regras constitutivas eas regras regulatórias14.

Segundo Klaus Meyer (apud McDonald, 1997), asregras constitutivas são aquelas que definem o que éum jogo. Determinam exatamente o objetivo do jogoe os meios pelos quais através de prescrições eproscrições ele será atingido. Tambémapresentam uma estruturadescritiva, definindocaracterísticas em termosde instalações eequipamentos. "As regrasconstitutivas [em suagrande maioria] nãodeterminam o que osjogadores devem fazermas constituem oconceito da ação per-mitida, prescrita ouproibida e tem então aforma lógica de 'X contacomo Y no contexto C'(Loland, op. cit.: 84). Jáas regras regulatórias sãoaquelas que"especificam o tipo e aseveridade das penalidades a serem aplicadasquando uma regra constitutiva qualquer tiver sidoviolada" (Meyer apud McDonald, op. cit.: 2).Posteriormente um terceiro tipo de regras, asregras auxiliares foi proposto por Klaus Meyer.Segundo este autor, estas regras são aquelas destina-das a regular/limitar a conduta fora do campo de jogo.Estas regras são definidas como "restrições ou quali-ficações externas, contingentes e suplementares, adi-cionais à uma atividade pré-existente já definida porsuas regras constitutivase regulatórias" (ibid.: 3)15.

Em face destas distinções entre tipos de fair play e

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O uso ou não desubstâncias eprocedimentos dopantes é irrelevan te para arealização mesma deum determinadoesporte. Ou seja, emtermos da tipologiadas regras esportivas,o doping não ofendeas regras quecaracterizam eregulam a realizaçãode uma dada práticaesportiva.

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Sob o prisma da ética doesporte, a questão do dopingestá intrinsecamente ligada à noção do 'jogo justo' epor conseguinte a um conjunto de comportamentosgenericamente encapsulados no conceito de fair play.Assim, me parece importante que primeiramenteexaminemos, ainda que rapidamente, o conceito defair play. Em segundo lugar, em face das implicaçõesrelativas ao tipo de comportamentos regulados peloconceitode fairplaye suas implicaçõescomaquestãodo doping, examinarmos algumas distinções sobre anatureza das regras no esporte.

tência do próprio jogo.

Já o fair play não-formal, estende-se além docampo das regras e regulamentos. Diz respeito, emprincípio, ao comportamento esportivo baseado nosvalores morais do praticante. Na medida de suarealização subjetiva, esta categoria do fair play étambém difusamente definida. Ao contrário dofair play formal, claramente delimitado pela própriaexistência das regras esportivas, o fair play não-formal se realiza "recusando vantagensinjustificáveis" (Grupe, op. cit.). Segundo oCódigo de Ética Desportiva do Conselho daEuropa (1996), o fair play,

Conceitos de fair play

De uma forma bastante genérica, o fairplay é en-tendido em um plano mais geral como uma atitu-de de prática esportiva moralmente boa. Nestecontexto, o termo 'fairplay tem se revelado umcampo amplo o suficiente a interpretações diver-sas de seu significado. Uma iniciativa bastantecomum é traduzi-lo como 'jogo limpo' ou qualificá-lo como 'espírito esportivo'. Estas expressões re-velam-se contudo bastante limitadas na medida emque não avançam no sentido da elucidação doconceito. Ou seja, não estabelecem um campodemarcatório onde se reconheçam que normas eatitudes o caracterizam.

Segundo Lenk (op. cit.), o fairplaypode ser enten-dido como um valor dotado de uma dupla nature-za. Assim, ele se divide em duas categorias, o fairplay formal e o fair play nao-formal. O fair playformal, relaciona-se objetivamente ao cumprimentode regras e regulamentos que o competidor, emprincípio, tem que cumprir, podendo ser assim con-siderado como uma "norma-obrigação" (Lenk,ibid.: 137). Não parece ser difícil encontrar manei-ras de exemplificar esta natureza do fair play umavez que, ainda que atos de indisciplina, violência,violações à regra e reclamações ocorram comfreqüência, o princípio do respeito as regras espor-tivas permanece sendo a base comum ao desenvol-vimento de qualquer disputa esportiva, constituin-do-se em um 'acordo'prévio necessário para a exis-

"Cobre as noções de amizade, de respeito pelo outro, e de

espírito esportivo, representa um modo de pensar, e não

simplesmente um comportamento. O conceito abtangea

problemática da luta contra a batota, a arte de usar a

astúcia dentro do respeito as regras, o doping, aviolência

(tanto física quanto verbal), a desigualdade de

oportunidades, a comercialização excessiva ea corrupção".

A natureza subjetiva do fair play não-formal temdado margem a interpretações mais ou menosrigorosas do que seria este "modo de pensar" ouestas "vantagens injustificadas", o que tem levadomuitas vezes ao entendimento do fair play comoum comportamento esportivo verdadeiramentealtruís-tico,recusandoporexemplo,avantagemobtidagraças a um erro da arbitragem ou um acidente depercursosofrido por um adversário10.

Na verdade podemos perceber que alguns com-portamentos de fair play não-formal são maisfreqüentes em um esporte do que em outros1'. Nofutebol por exemplo, ele pode ser facilmenteexemplificado pelo ato do atleta que joga a bolapara fora do campo de maneira a permitir que umcompanheiro de jogo contundido, mesmo do timeadversário, possa receber atendimento médico. Noentanto, este não parece ser um exemplo válido parao basquete. Também é difícil imaginar que umvelocista interrompa sua participação numa provapara auxiliar um companheiro caído. Os exemplos

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particulares poderiam ser multiplicados aqui pelonúmero de modalidades existentes. Isto parece de-monstrar que cada esporte desenvolve dentro de suatradição uma maneira própria de articular seu va-lores éticos, com seus valores técnicos e estéticos12.Embora na história dos esportes registrem-se di-versos casos de atletas que se comportaram de ma-neira verdadeiramente altruística, este comporta-mento de fair play é inegavelmente menos comumde ser observado, na medida em que é, na maioriadas vezes, intangível por regras escritas ainda queseja legitimado culturalmente. Ou seja, é válido dizerque embora um comportamento compatível com aidéia de fair play não-formal é, até certo ponto,uma expectativa presente entre jogadores e públicoesportivo, sua realização depende muito mais devalores morais subjetivamente significados.

Em síntese, a noção de um fair play formal talcomo proposta Lenk, equivale a uma estruturaconceituai necessária para a realização do esportena prática, traduzida na forma de regras e suafuncionalidade e que à ela os indivíduos aderemlivremente. No entanto, ainda que a adesão a umconjunto formal de regras seja necessária a própriarealização do jogo/esporte, ela não fornece em sinenhuma razão moral que abstenha um jogadorda violação às regras do jogo. Pelo contrário, estademarcação (entre o que é permitido e o que nãoé) pode ser interpretada como o oferecimento deescolhas, entre a obediência estrita as regras ousua quebra, inaceitável mas ainda assim possível,ao preço de certas sanções. As próprias regras aoestipularem diferentes sanções para diferentesviolações, oferecem a necessária referência parauma tomada de decisões13. O doping emboraprima facie possa ser entendido como a negaçãodo fair play do tipo não-formal, tem sidocrescentemente tratado pelo prisma da legalidade.Neste contexto, parece importante observar umatipologia das regras esportivas para compreendersob que tipo de regras esportivas e sob que tipode fair play o doping deve ser compreendido.

Uma tipologia das regras noesporte

Os jogos são práticas governadas por regras. Basica-mente, as regras são o que definem a própria práticado jogo. Neste sentido, as regras dos jogos podemser divididas em dois tipos: as regras constitutivas eas regras regulatórias14.

Segundo Klaus Meyer (apud McDonald, 1997), asregras constitutivas são aquelas que definem o que éum jogo. Determinam exatamente o objetivo do jogoe os meios pelos quais através de prescrições eproscrições ele será atingido. Tambémapresentam uma estruturadescritiva, definindocaracterísticas em termosde instalações eequipamentos. "As regrasconstitutivas [em suagrande maioria] nãodeterminam o que osjogadores devem fazermas constituem oconceito da ação per-mitida, prescrita ouproibida e tem então aforma lógica de 'X contacomo Y no contexto C'(Loland, op. cit.: 84). Jáas regras regulatórias sãoaquelas que"especificam o tipo e aseveridade das penalidades a serem aplicadasquando uma regra constitutiva qualquer tiver sidoviolada" (Meyer apud McDonald, op. cit.: 2).Posteriormente um terceiro tipo de regras, asregras auxiliares foi proposto por Klaus Meyer.Segundo este autor, estas regras são aquelas destina-das a regular/limitar a conduta fora do campo de jogo.Estas regras são definidas como "restrições ou quali-ficações externas, contingentes e suplementares, adi-cionais à uma atividade pré-existente já definida porsuas regras constitutivase regulatórias" (ibid.: 3)15.

Em face destas distinções entre tipos de fair play e

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O uso ou não desubstâncias eprocedimentos dopantes é irrelevan te para arealização mesma deum determinadoesporte. Ou seja, emtermos da tipologiadas regras esportivas,o doping não ofendeas regras quecaracterizam eregulam a realizaçãode uma dada práticaesportiva.

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Page 7: Redalyc.Doping: argumentos em discussão · Doping: argumentos em discussão OtávioTavares 1 Resumo O doping constitui-se num grande problema do esporte contemporâneo. Apesar do

tipos de regras, parece ser possível dizer que o dopingse situa numa situação de fronteira. Uma vez quenormas descritivas não podem servir como premissaspara conclusões normativas, seu uso parece serfacilmente classificável como um tipo de com-portamento regulado por regras de tipo auxiliares.Isto permite dizer que o uso ou não de substâncias eprocedimentos dopantes é irrelevante para a realizaçãomesma de um determinado esporte. Ou seja, emtermos da tipologia das regras esportivas, o dopingnão ofende as regras que caracterizam e regulam arealização de uma dada prática esportiva. Isto explicaporque sujeito a um conjunto normativo concreto odoping é entendido como uma questão subjetivamentesignificada. Para um jogador mais preocupado ematingir o máximo de realizações em sua carreira doque com o processo do próprio jogo, o uso do dopingpode ser uma estratégia racional. No entanto, podeesta estratégia racional ser justificada sob um pontode vista moral? Parece-nos que baseados em umainterpretação conservadora do que seria a ética doesporte, a resposta tem sido não. E baseadoprincipalmente neste tipo de compreensão que sãoerigidos os principais argumentos contra o doping.

Examinando os argumentosanti-doping

Primeiro argumento: O doping é

potencialmente perigoso para a saúde

Nos dias atuais, o argumento da ameaça à saúde pelouso de drogas parece ser aquele que demonstra termaior força e visibilidade. Numa sociedadecrescentemente medicalizada, com forte orientaçãopara a saúde e uma também crescente recusa ao en-velhecimento, não surpreende que antes de mais nada,a primeira justificativa no combate ao doping estejabaseada numa questão de saúde. Apesar de em casoscomo o dos esteróides anabólicos androgênicos serconhecido que a interrupção do uso reverta seus efei-tos danosos, reconhece-se o risco potencial para asaúde de uma série de substâncias atualmente capi-tuladas como doping16. Todavia, como foge ao esco-

po deste trabalho discutir especificamente os efeitossobre a saúde desta ou daquela substância, mas nosconcentrar nos argumentos que justificam a proibi-ção de uso no esporte de uma série delas, pergunta-se: é o fato destas drogas e/ou procedimentos serempotencialmente perigosas para a saúde o que as tor-na condenáveis? Se assim o for então é necessárioexplicar aos milhões de praticantes do esporte mun-do afora porque sendo o doping proibido pelos seusriscos para a saúde, as bebidas alcoólicas e o cigarrocontinuam permitidos, o que não é algo fácil. Háum número comparativamente maior de evidênciasque comprovam os malefícios do cigarro para a saú-de e no entanto as restrições à sua venda são míni-mas, quando existentes. Muito pelo contrário, pordiversas vezes as indústrias do tabaco se utilizam deimagens e contextos esportivos para a promoção desuas marcas com a cálida complacência dos organis-mos esportivos nacionais e internacionais.

De maneira idêntica também a indústria de bebidas,a despeito dos fatos que apontam para os problemassócio-econômicos associados ao álcool, tornando-sepor vezes uma questão de saúde pública, recebe poucaou nenhuma atenção dos indivíduos preocupados napromoção de uma moralidade esportiva quandoassociam suasmarcas àatividadesesportivas17. Há,éclaro, imensos interesses comerciais em jogo nestaquestão, mas pode-se pensar que os gruposfarmacêuticos também são suficientemente fortes eestão potencialmente interessados em auferir grandeslucros com a venda indiscriminada do que hoje érestrito.

Como não se trata aqui de erigir dilemas do tipo "ouinstaura-se a decência ou locupletemo-nos todos"18,deixemos de lado comparações que parecem fáceis eobservemos à própria prática esportiva. Não pareceser mais um fato controverso a constatação de quequanto maior o nível de exigência do esporte de altacompetição maiores são os riscos potenciais à saúdedos próprios praticantes. Neste contexto, o caso doboxe é o mais evidente. Embora não possua os dados,penso ser pouco provável que a grande maioria dassubstância dopantes somadas tenha causado tantos

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males à saúde de seus usuários quanto o boxe. Este éum dos poucos esportes que tem por objetivoespecífico a ruína física do oponente, e no entanto,embora seja potencialmente perigoso à saúde, com aexceção dos poucos países em que é proibido, nãoparece estar no horizonte das preocupações de muitaspessoas uma campanha para banimento do boxe damesma maneira que se faz com o doping.

O que é evidente no boxe, também é bastanteverdadeiro para um sem-número de outros esportes.Não faz muito tempo, não foi o próprio OscarSchmidt, nosso jogador de basquete mais famoso ebem sucedido que afirmou que a dor fazia parte doseu uniforme? Certamente a atividade física envolveum certo risco para a saúde que é tanto maior quantomaiores forem as exigências físicas envolvidas naatividade praticada. Também é certo que outrasatividades não-esportivas também envolvem riscos eacidentes físicos. Todavia, a quantidade de lesões,dores, inchaços, torções e fraturas que vivenciam osatletas de alto nível durante sua carreira esportiva,torna risível a idéia de que o doping deve ser proibidosimplesmente porque pode causar mal à saúde.

Por último, é importante observar que o argumentodo risco potencial à saúde gera uma série de questõespráticas ainda em aberto. Veremos rapidamentealguns deles aqui. Por exemplo, qual posição deveser tomada se um atleta tem razões médicas paratomar uma droga em particular que é todavia proibidapelos regulamentos anti-doping? Um primeiroproblema é saber se as alegações de uso médico sãoverdadeiras. Neste ponto a história do esporte mostraque por diversas vezes a ética médica se torna o ele-mento em questão. Por exemplo, nos Jogos Olímpi-cos de 1984, as comissões médicas dos Estados Uni-dos e da Suíça forneceram atestados indicando quetodos os atletas de suas equipes de pentado modernonecessitavam utilizar beta-bloqueadores por razõesde saúde. Neste caso, considerando que a práticamédica não é uma ciência exata, a efetivação do con-traditório é sempre um risco a ser assumido.

Uma segunda e mais complexa questão é saber se,

sendo possível determinar que o uso de determinadadroga proibida é necessária à um dado atleta, istolegitima seu uso no esporte. Qual o critério a seradotado? Sem se precisar exatamente qual a diferençaentre a necessidade de uso e o fator de ganho obtidopelo atleta com a ingestão de determinado produto,qual seria a decisão mais justa e adequada? Permitirque ele compita usando por motivo de saúde algoque aos outros é proibido? Ou impedi-lo de participarjustamente por usar algo sem o qual ele não podecompetir em condições de igualdade?

Segundo argumento: O doping melhora o

desempenho esportivo

Deixemos de lado aqui a discussão sobre a efetividadeou não das substâncias usadas e dos procedimentostomados para melhorar o desempenho atlético.Certamente algumas delas efetivamente melhoramdireta ou indiretamente a performance. Outras,embora de efeito incerto, despertam a crença emsua efetividade, o que sob um argumento puramentepsicológico também podem até mesmo causar umamelhora de resultados. A questão é: este é umargumento suficiente para se justificar a proibiçãodo uso de determinadas drogas?19

Pode parecer simplório dizer mas, apropria naturezado treinamento esportivo é tão somente uma questãode melhora do desempenho. Isto significa dizer que,dentro de uma lógica discriminante, este argumentoinicial, tomado em toda simplicidade de suaformulação, não é suficientemente eficiente. Amelhora do rendimento, em seus mais variados as-pectos, é uma condição intrinsecamente ligada à pró-pria natureza da competição esportiva tomada comoprocesso. Assim, se o esporte de alto nível vive dabusca constante da superação do desempenho, porque um artefato que conviesse a realização deste ele-mento central da prática esportiva seria, em si mes-mo, algo errado e condenável?

Por outro lado, colocados ainda sob o mesmo aspecto,tênis, roupas, bicicletas, varas de salto e uma série deoutros equipamentos também são especialmenteprojetados para melhorar o desempenho atlético. Um

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tipos de regras, parece ser possível dizer que o dopingse situa numa situação de fronteira. Uma vez quenormas descritivas não podem servir como premissaspara conclusões normativas, seu uso parece serfacilmente classificável como um tipo de com-portamento regulado por regras de tipo auxiliares.Isto permite dizer que o uso ou não de substâncias eprocedimentos dopantes é irrelevante para a realizaçãomesma de um determinado esporte. Ou seja, emtermos da tipologia das regras esportivas, o dopingnão ofende as regras que caracterizam e regulam arealização de uma dada prática esportiva. Isto explicaporque sujeito a um conjunto normativo concreto odoping é entendido como uma questão subjetivamentesignificada. Para um jogador mais preocupado ematingir o máximo de realizações em sua carreira doque com o processo do próprio jogo, o uso do dopingpode ser uma estratégia racional. No entanto, podeesta estratégia racional ser justificada sob um pontode vista moral? Parece-nos que baseados em umainterpretação conservadora do que seria a ética doesporte, a resposta tem sido não. E baseadoprincipalmente neste tipo de compreensão que sãoerigidos os principais argumentos contra o doping.

Examinando os argumentosanti-doping

Primeiro argumento: O doping é

potencialmente perigoso para a saúde

Nos dias atuais, o argumento da ameaça à saúde pelouso de drogas parece ser aquele que demonstra termaior força e visibilidade. Numa sociedadecrescentemente medicalizada, com forte orientaçãopara a saúde e uma também crescente recusa ao en-velhecimento, não surpreende que antes de mais nada,a primeira justificativa no combate ao doping estejabaseada numa questão de saúde. Apesar de em casoscomo o dos esteróides anabólicos androgênicos serconhecido que a interrupção do uso reverta seus efei-tos danosos, reconhece-se o risco potencial para asaúde de uma série de substâncias atualmente capi-tuladas como doping16. Todavia, como foge ao esco-

po deste trabalho discutir especificamente os efeitossobre a saúde desta ou daquela substância, mas nosconcentrar nos argumentos que justificam a proibi-ção de uso no esporte de uma série delas, pergunta-se: é o fato destas drogas e/ou procedimentos serempotencialmente perigosas para a saúde o que as tor-na condenáveis? Se assim o for então é necessárioexplicar aos milhões de praticantes do esporte mun-do afora porque sendo o doping proibido pelos seusriscos para a saúde, as bebidas alcoólicas e o cigarrocontinuam permitidos, o que não é algo fácil. Háum número comparativamente maior de evidênciasque comprovam os malefícios do cigarro para a saú-de e no entanto as restrições à sua venda são míni-mas, quando existentes. Muito pelo contrário, pordiversas vezes as indústrias do tabaco se utilizam deimagens e contextos esportivos para a promoção desuas marcas com a cálida complacência dos organis-mos esportivos nacionais e internacionais.

De maneira idêntica também a indústria de bebidas,a despeito dos fatos que apontam para os problemassócio-econômicos associados ao álcool, tornando-sepor vezes uma questão de saúde pública, recebe poucaou nenhuma atenção dos indivíduos preocupados napromoção de uma moralidade esportiva quandoassociam suasmarcas àatividadesesportivas17. Há,éclaro, imensos interesses comerciais em jogo nestaquestão, mas pode-se pensar que os gruposfarmacêuticos também são suficientemente fortes eestão potencialmente interessados em auferir grandeslucros com a venda indiscriminada do que hoje érestrito.

Como não se trata aqui de erigir dilemas do tipo "ouinstaura-se a decência ou locupletemo-nos todos"18,deixemos de lado comparações que parecem fáceis eobservemos à própria prática esportiva. Não pareceser mais um fato controverso a constatação de quequanto maior o nível de exigência do esporte de altacompetição maiores são os riscos potenciais à saúdedos próprios praticantes. Neste contexto, o caso doboxe é o mais evidente. Embora não possua os dados,penso ser pouco provável que a grande maioria dassubstância dopantes somadas tenha causado tantos

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males à saúde de seus usuários quanto o boxe. Este éum dos poucos esportes que tem por objetivoespecífico a ruína física do oponente, e no entanto,embora seja potencialmente perigoso à saúde, com aexceção dos poucos países em que é proibido, nãoparece estar no horizonte das preocupações de muitaspessoas uma campanha para banimento do boxe damesma maneira que se faz com o doping.

O que é evidente no boxe, também é bastanteverdadeiro para um sem-número de outros esportes.Não faz muito tempo, não foi o próprio OscarSchmidt, nosso jogador de basquete mais famoso ebem sucedido que afirmou que a dor fazia parte doseu uniforme? Certamente a atividade física envolveum certo risco para a saúde que é tanto maior quantomaiores forem as exigências físicas envolvidas naatividade praticada. Também é certo que outrasatividades não-esportivas também envolvem riscos eacidentes físicos. Todavia, a quantidade de lesões,dores, inchaços, torções e fraturas que vivenciam osatletas de alto nível durante sua carreira esportiva,torna risível a idéia de que o doping deve ser proibidosimplesmente porque pode causar mal à saúde.

Por último, é importante observar que o argumentodo risco potencial à saúde gera uma série de questõespráticas ainda em aberto. Veremos rapidamentealguns deles aqui. Por exemplo, qual posição deveser tomada se um atleta tem razões médicas paratomar uma droga em particular que é todavia proibidapelos regulamentos anti-doping? Um primeiroproblema é saber se as alegações de uso médico sãoverdadeiras. Neste ponto a história do esporte mostraque por diversas vezes a ética médica se torna o ele-mento em questão. Por exemplo, nos Jogos Olímpi-cos de 1984, as comissões médicas dos Estados Uni-dos e da Suíça forneceram atestados indicando quetodos os atletas de suas equipes de pentado modernonecessitavam utilizar beta-bloqueadores por razõesde saúde. Neste caso, considerando que a práticamédica não é uma ciência exata, a efetivação do con-traditório é sempre um risco a ser assumido.

Uma segunda e mais complexa questão é saber se,

sendo possível determinar que o uso de determinadadroga proibida é necessária à um dado atleta, istolegitima seu uso no esporte. Qual o critério a seradotado? Sem se precisar exatamente qual a diferençaentre a necessidade de uso e o fator de ganho obtidopelo atleta com a ingestão de determinado produto,qual seria a decisão mais justa e adequada? Permitirque ele compita usando por motivo de saúde algoque aos outros é proibido? Ou impedi-lo de participarjustamente por usar algo sem o qual ele não podecompetir em condições de igualdade?

Segundo argumento: O doping melhora o

desempenho esportivo

Deixemos de lado aqui a discussão sobre a efetividadeou não das substâncias usadas e dos procedimentostomados para melhorar o desempenho atlético.Certamente algumas delas efetivamente melhoramdireta ou indiretamente a performance. Outras,embora de efeito incerto, despertam a crença emsua efetividade, o que sob um argumento puramentepsicológico também podem até mesmo causar umamelhora de resultados. A questão é: este é umargumento suficiente para se justificar a proibiçãodo uso de determinadas drogas?19

Pode parecer simplório dizer mas, apropria naturezado treinamento esportivo é tão somente uma questãode melhora do desempenho. Isto significa dizer que,dentro de uma lógica discriminante, este argumentoinicial, tomado em toda simplicidade de suaformulação, não é suficientemente eficiente. Amelhora do rendimento, em seus mais variados as-pectos, é uma condição intrinsecamente ligada à pró-pria natureza da competição esportiva tomada comoprocesso. Assim, se o esporte de alto nível vive dabusca constante da superação do desempenho, porque um artefato que conviesse a realização deste ele-mento central da prática esportiva seria, em si mes-mo, algo errado e condenável?

Por outro lado, colocados ainda sob o mesmo aspecto,tênis, roupas, bicicletas, varas de salto e uma série deoutros equipamentos também são especialmenteprojetados para melhorar o desempenho atlético. Um

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exemplo recente e famoso é o da fast skin, a vestimentade nado conhecida no Brasil por 'Pele de Tubarão'. Aquestão inicial era exatamente saber se e quanto estavestimenta poderia melhorar o desempenho dosnadadores que a vestissem. Antes dos Jogos Olímpicosde Sidnei (2000), uma série de argüições e objeçõesforam levantadas junto à Federação Internacional deNatação (FINA) e ao Comitê Organizador dos JogosOlímpicos de Sidnei (SOGOC) pedindo a proibiçãode seu uso baseados exatamente na possibilidade destavestimenta atuar como um auxílio ao rendimento, i.e.como uma forma de doping. Conforme sabemos, seuuso está permitido baseado na premissa de que suaqualidade central é a de diminuir a resistência àpassagem do fluxo de água junto ao corpo do atleta,diminuindo então um obstáculo à um melhorrendimento e não melhorando o rendimento atléticopropriamente dito, como faria, por exemplo, no casoda corrida, uma sapatilha.

Em contas finais, no que se refere às condições hidro-dinâmicas ideais de nado, os adetas deveriam nadarnus, o que não é permissível de acordo comimperativos morais, sociais e econômicos vigentes.Não seria então o caso de se perguntar se, diante deum conjunto tão grande de interdições que nãopermitem aos adetas outra escolha se não vestir algo,a distinção entre auxílio ao desempenho' e 'eliminaçãode obstáculo' perde, pelos efeitos práticos, suavalidade? Antes que uma resposta seja obtida énecessário que se observe porém que, se é possívelmensurar com razoável fidedignidade a melhora daperformance ou não em função dos implementosutilizados, é extremamente difícil determinar se nascondições objetivas e pontuais de uma determinadaprova, o sucesso ou o insucesso foi significativamentedeterminado pelo uso de determinado implemento.

A idéia de que o uso de drogas é moralmente erradosimplesmente porque elas funcionam como umpotencializador do desempenho é dificilmentesustentável quando colocada em confronto com asconseqüências práticas do uso de outros elementosacessórios à prática esportiva. Ainda assim, de ma-neira bastante diferente do que se entende e se sanci-

ona habitualmente como doping, o uso de im-plementos objetivamente desenvolvidos para propor-cionar um aumento de rendimento não tem sido con-siderados como ajuda injusta e/ou ilegal.

Terceiro argumento: O doping é uma ajuda

artificial ao desempenho

Este argumento, é na verdade um desdobramento e/ou um aprofundamento do argumento anterior. Maso que se quer dizer exatamente com a palavra 'artificial'aqui? Considerando que o ser humano se diferenciado mundo natural pela realização do trabalho e pelaprodução da cultura, qualquer implemento usado parao desenvolvimento das condições físicas necessáriasao progresso atlético é, necessariamente, artificial.Neste sentido, por exemplo, não seria o caso de seperguntar provocativamente se o processo dehipertrofia muscular através de equipamentos deexercício contra a resistência é de alguma formanatural? Com efeito, é necessário reconhecer que damesma maneira que muitas drogas proibidas, muitasdrogas permitidas são tão artificiais quanto. Ou seja,são preparações elaboradas intencionalmente para aobtenção de um efeito qualquer impossível ou quasede ser atingido pelas próprias condições orgânicashumanas. Assim, se o critério a ser estabelecido é oda 'des-natureza' do elemento tomado, então teríamosmuitas dificuldades em separar e justificar alegitimidade do uso ou não das vitaminas, dosesteróides anabólicos e da testosterona, para ficarmosaqui em apenas poucos exemplos.

Por outro lado, como já examinamos anteriormente,uma série de implementos, 'necessários' à práticaesportiva, são especificamente projetados para, apartir de sua configuração, ampliarem as poten-cialidades presentes no gesto esportivo humano,ajudando artificialmente o desempenho. Tomemosdois exemplos. Diferentes materiais e formasconstrutivas podem permitir que a vara da provaatlética do salto apresente diferentes reações à açãomecânica do saltador no momento da prova, fazendocom que um implemento com maior capacidade dereação mecânica ofereça ao atleta um empuxo maior

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e, por conseguinte, uma vantagem competitiva noato de saltar. Do mesmo modo por exemplo, paramuitos, o desempenho e as medalhas obtidas pelaequipe americana de ciclismo nos Jogos Olímpicosde Los Angeles (1984) tiveram muito a ver com asbicicletas de alta tecnologia20 que aquela equipe usounaquelas competições, levando atletas de desempe-nho menor a auferirem resultados acima de suaspossibilidades. No entanto, mesmo a partir das mes-mas conseqüências práticas, implementos físicos eajudas químicas ocupam patamares diferentes noconjunto das preocupações e ações normativas dossujeitos ligados à prática esportiva.

Em síntese, parece-nos que o conceito de ajuda arti-ficial ao desempenho como algo eticamente conde-nável necessita de uma melhor elaboração de formaa no futuro instituir melhor a distinção que se esperadele aqui.

Quarto argumento: O doping 'desloca'a

competição da arena esportiva para os

laboratórios

Um outro argumento de natureza ética contra o dopingé aquele que afirma que o processo de desenvolvimentode substâncias dopantes transforma a competiçãoesportiva em uma verdadeira competição entrelaboratórios de farmacologia, de tal maneiradeslocando-a de seu lugar privilegiado e/ou natural. Setal afirmativa pode ser aceita como válida, do mesmomodo também deve-se aceitar como verdadeira a idéiade que o desenvolvimento das tecnologias aplicadas aomoderno treinamento esportivo podem ser entendidoscomo uma verdadeira competição entre fisiologistas,profissionais de educação física e psicólogos, entretantos e tão diversos profissionais, em seus serviços,centros de treinamento, laboratórios de fisiologia epsicologia aplicados ao desenvolvimento do desem-penho humano. Do mesmo modo que os farma-cologistas, estes também estão preocupados com odesenvolvimento de elementos que permitam aos atle-tas a potencialização de sua performance. O mesmoargumento pode ser aplicado ao desenvolvimento con-tínuo de uma série de equipamentos esportivos. A

corrida pela construção de equipamentos cada vez maispropícios à melhora do rendimento também podeensejar que se compreenda o esporte de alta competiçãocomo um torneio entre sistemas de desenvolvimentotecnológico, ou como se tem observado maisrecentemente, entre empresas de material esportivo.Deste modo, aqueles que estão preocupados com odeslocamento da competição da arena esportiva paraos laboratórios, deveriam, quem sabe, responderporque as pesquisas desenvolvidas nos laboratórios defarmacologia são menos válidas do que aquelasdesenvolvidas em laboratórios de fisiologia do exercício,centros de treinamento esportivo ou indústrias dematerial esportivo, por exemplo.

Por outro lado, a idéia de competição deslocada deseu lugar privilegiado gerou um volume bastante ex-tenso de críticas ao esporte de competição de um modogeral e aos Jogos Olímpicos em particular tendo comobase a percepção da arena esportiva como um locus deconfrontação entre países e sistemas ideológicos. Istofoi tão mais verdadeiro quanto era presente a disputageo-política da 'Guerra Fria'. No entanto seria ilusó-rio acreditar que, mudada a configuração mundial entreos países, tornou-se inexistente ou inaplicável o con-ceito de representação da potencial nacional atravésdo esporte. O recente debate instalado no Brasil a res-peito do desempenho alcançado nos Jogos de Sidneidemonstra que ainda é perfeitamente válida a idéia deque a competição adética não é apenas algo entre indi-víduos ou equipes mas entre representantes de siste-mas sócio-econômicos. Conseqüentemente, tais siste-mas podem ser, e freqüentemente são, julgados pelosresultados que seus atletas produzem. Isto eqüivale adizer que a melhora do rendimento adético não é umaquestão que possa ou deva ser deixada exclusivamentesob a responsabilidade do adeta e seu apoio mais direto,mas que deva ser entendida como uma função dosvalores e recursos de toda uma sociedade. A este res-peito, uma comparação entre os resultados olímpicose dados do índice de Desenvolvimento Humano 2000do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-mento (PNUD) confirma que o desenvolvimento hu-mano é condição necessária, mas não suficiente parao bom desempenho esportivo. Segundo o filósofo in-

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exemplo recente e famoso é o da fast skin, a vestimentade nado conhecida no Brasil por 'Pele de Tubarão'. Aquestão inicial era exatamente saber se e quanto estavestimenta poderia melhorar o desempenho dosnadadores que a vestissem. Antes dos Jogos Olímpicosde Sidnei (2000), uma série de argüições e objeçõesforam levantadas junto à Federação Internacional deNatação (FINA) e ao Comitê Organizador dos JogosOlímpicos de Sidnei (SOGOC) pedindo a proibiçãode seu uso baseados exatamente na possibilidade destavestimenta atuar como um auxílio ao rendimento, i.e.como uma forma de doping. Conforme sabemos, seuuso está permitido baseado na premissa de que suaqualidade central é a de diminuir a resistência àpassagem do fluxo de água junto ao corpo do atleta,diminuindo então um obstáculo à um melhorrendimento e não melhorando o rendimento atléticopropriamente dito, como faria, por exemplo, no casoda corrida, uma sapatilha.

Em contas finais, no que se refere às condições hidro-dinâmicas ideais de nado, os adetas deveriam nadarnus, o que não é permissível de acordo comimperativos morais, sociais e econômicos vigentes.Não seria então o caso de se perguntar se, diante deum conjunto tão grande de interdições que nãopermitem aos adetas outra escolha se não vestir algo,a distinção entre auxílio ao desempenho' e 'eliminaçãode obstáculo' perde, pelos efeitos práticos, suavalidade? Antes que uma resposta seja obtida énecessário que se observe porém que, se é possívelmensurar com razoável fidedignidade a melhora daperformance ou não em função dos implementosutilizados, é extremamente difícil determinar se nascondições objetivas e pontuais de uma determinadaprova, o sucesso ou o insucesso foi significativamentedeterminado pelo uso de determinado implemento.

A idéia de que o uso de drogas é moralmente erradosimplesmente porque elas funcionam como umpotencializador do desempenho é dificilmentesustentável quando colocada em confronto com asconseqüências práticas do uso de outros elementosacessórios à prática esportiva. Ainda assim, de ma-neira bastante diferente do que se entende e se sanci-

ona habitualmente como doping, o uso de im-plementos objetivamente desenvolvidos para propor-cionar um aumento de rendimento não tem sido con-siderados como ajuda injusta e/ou ilegal.

Terceiro argumento: O doping é uma ajuda

artificial ao desempenho

Este argumento, é na verdade um desdobramento e/ou um aprofundamento do argumento anterior. Maso que se quer dizer exatamente com a palavra 'artificial'aqui? Considerando que o ser humano se diferenciado mundo natural pela realização do trabalho e pelaprodução da cultura, qualquer implemento usado parao desenvolvimento das condições físicas necessáriasao progresso atlético é, necessariamente, artificial.Neste sentido, por exemplo, não seria o caso de seperguntar provocativamente se o processo dehipertrofia muscular através de equipamentos deexercício contra a resistência é de alguma formanatural? Com efeito, é necessário reconhecer que damesma maneira que muitas drogas proibidas, muitasdrogas permitidas são tão artificiais quanto. Ou seja,são preparações elaboradas intencionalmente para aobtenção de um efeito qualquer impossível ou quasede ser atingido pelas próprias condições orgânicashumanas. Assim, se o critério a ser estabelecido é oda 'des-natureza' do elemento tomado, então teríamosmuitas dificuldades em separar e justificar alegitimidade do uso ou não das vitaminas, dosesteróides anabólicos e da testosterona, para ficarmosaqui em apenas poucos exemplos.

Por outro lado, como já examinamos anteriormente,uma série de implementos, 'necessários' à práticaesportiva, são especificamente projetados para, apartir de sua configuração, ampliarem as poten-cialidades presentes no gesto esportivo humano,ajudando artificialmente o desempenho. Tomemosdois exemplos. Diferentes materiais e formasconstrutivas podem permitir que a vara da provaatlética do salto apresente diferentes reações à açãomecânica do saltador no momento da prova, fazendocom que um implemento com maior capacidade dereação mecânica ofereça ao atleta um empuxo maior

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e, por conseguinte, uma vantagem competitiva noato de saltar. Do mesmo modo por exemplo, paramuitos, o desempenho e as medalhas obtidas pelaequipe americana de ciclismo nos Jogos Olímpicosde Los Angeles (1984) tiveram muito a ver com asbicicletas de alta tecnologia20 que aquela equipe usounaquelas competições, levando atletas de desempe-nho menor a auferirem resultados acima de suaspossibilidades. No entanto, mesmo a partir das mes-mas conseqüências práticas, implementos físicos eajudas químicas ocupam patamares diferentes noconjunto das preocupações e ações normativas dossujeitos ligados à prática esportiva.

Em síntese, parece-nos que o conceito de ajuda arti-ficial ao desempenho como algo eticamente conde-nável necessita de uma melhor elaboração de formaa no futuro instituir melhor a distinção que se esperadele aqui.

Quarto argumento: O doping 'desloca'a

competição da arena esportiva para os

laboratórios

Um outro argumento de natureza ética contra o dopingé aquele que afirma que o processo de desenvolvimentode substâncias dopantes transforma a competiçãoesportiva em uma verdadeira competição entrelaboratórios de farmacologia, de tal maneiradeslocando-a de seu lugar privilegiado e/ou natural. Setal afirmativa pode ser aceita como válida, do mesmomodo também deve-se aceitar como verdadeira a idéiade que o desenvolvimento das tecnologias aplicadas aomoderno treinamento esportivo podem ser entendidoscomo uma verdadeira competição entre fisiologistas,profissionais de educação física e psicólogos, entretantos e tão diversos profissionais, em seus serviços,centros de treinamento, laboratórios de fisiologia epsicologia aplicados ao desenvolvimento do desem-penho humano. Do mesmo modo que os farma-cologistas, estes também estão preocupados com odesenvolvimento de elementos que permitam aos atle-tas a potencialização de sua performance. O mesmoargumento pode ser aplicado ao desenvolvimento con-tínuo de uma série de equipamentos esportivos. A

corrida pela construção de equipamentos cada vez maispropícios à melhora do rendimento também podeensejar que se compreenda o esporte de alta competiçãocomo um torneio entre sistemas de desenvolvimentotecnológico, ou como se tem observado maisrecentemente, entre empresas de material esportivo.Deste modo, aqueles que estão preocupados com odeslocamento da competição da arena esportiva paraos laboratórios, deveriam, quem sabe, responderporque as pesquisas desenvolvidas nos laboratórios defarmacologia são menos válidas do que aquelasdesenvolvidas em laboratórios de fisiologia do exercício,centros de treinamento esportivo ou indústrias dematerial esportivo, por exemplo.

Por outro lado, a idéia de competição deslocada deseu lugar privilegiado gerou um volume bastante ex-tenso de críticas ao esporte de competição de um modogeral e aos Jogos Olímpicos em particular tendo comobase a percepção da arena esportiva como um locus deconfrontação entre países e sistemas ideológicos. Istofoi tão mais verdadeiro quanto era presente a disputageo-política da 'Guerra Fria'. No entanto seria ilusó-rio acreditar que, mudada a configuração mundial entreos países, tornou-se inexistente ou inaplicável o con-ceito de representação da potencial nacional atravésdo esporte. O recente debate instalado no Brasil a res-peito do desempenho alcançado nos Jogos de Sidneidemonstra que ainda é perfeitamente válida a idéia deque a competição adética não é apenas algo entre indi-víduos ou equipes mas entre representantes de siste-mas sócio-econômicos. Conseqüentemente, tais siste-mas podem ser, e freqüentemente são, julgados pelosresultados que seus atletas produzem. Isto eqüivale adizer que a melhora do rendimento adético não é umaquestão que possa ou deva ser deixada exclusivamentesob a responsabilidade do adeta e seu apoio mais direto,mas que deva ser entendida como uma função dosvalores e recursos de toda uma sociedade. A este res-peito, uma comparação entre os resultados olímpicose dados do índice de Desenvolvimento Humano 2000do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-mento (PNUD) confirma que o desenvolvimento hu-mano é condição necessária, mas não suficiente parao bom desempenho esportivo. Segundo o filósofo in-

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Page 11: Redalyc.Doping: argumentos em discussão · Doping: argumentos em discussão OtávioTavares 1 Resumo O doping constitui-se num grande problema do esporte contemporâneo. Apesar do

glês contemporâneo Jim Parry (1997), sob o ângulo dacompetitividade deslocada, as competições internaci-onais podem ser consideradas como fortemente injus-tas, na medida em que os países possuem condiçõesdesiguais de recursos materiais e de conhecimento,inclusive para produzir drogas cada vez mais eficien-tes e capazes de não serem detectadas pelos controlesanti-doping. E interessante observar aqui que em pes-quisa que conduzimos junto aos atletas brasileiros queforam aos Jogos Olímpicos de Atlanta (Tavares, 1998),um dos argumentos centrais daqueles indivíduos quese posicionavam contrariamente ao uso de doping eraexatamente o da diferença tecnológica entre os paísesdesenvolvidos e não desenvolvidos. Na visão pragmá-tica da maioria dos atletas brasileiros em Atlanta 1996,a proibição do uso de substâncias consideradas dopantesé a situação menos adversa. A possibilidade de libera-ção de uso do doping é claramente entendida como apossibilidade de utilização de todo o potencialtecnológico ao alcance dos países ricos sem as peiasde ordem ética e legal, o que tornaria ainda maiores adiferença nas condições de preparação entre adetas depaíses desiguais. Em face deste contexto e tendo comoreferência o argumento da competição deslocada, Parrypergunta provocativamente: "deveríamos então baniras competições internacionais?"

Quinto argumento: O uso de doping por alguns

força outros a usá-lo

Está além do escopo deste texto examinar o argumentoda negação da liberdade da ação humana implícitoneste enunciado. Por outro lado, nos parece que a idéiade que alguém pode fazer alguma coisa motivado pelapossibilidade que outra pessoa também o faça, podeser melhor explicada no conceito do "jogo da garan-tia", originário da teoria dos jogos. Se considerarmosque o 'contrato voluntário' a que estão submetidos to-dos os participantes cria uma forma de limitação raci-onal e voluntária às premissas não necessariamentemorais das estratégias e escolhas racionais, a moralidadeda ação se transforma em uma estratégia que se amol-da a diversos a priori. O que está colocado aqui é asituação que Breivik (1992) chamou de "doping game",o jogo do doping. Um dilema em que o atleta tendo a

opção de fazer ou não uso de doping, coloca-se emcomparação com seus concorrentes diretos que, elesabe, também tem uma das duas opções a fazer. As-sim, diante de quatro possibilidades de situação (eunão uso/eles não usam; eu uso/eles usam; eu uso/elesnão usam; eu não uso/eles usam), o uso do doping setorna uma boa opção caso se tenha dúvida, ainda queínfima, sobre a vontade de adesão ao 'contrato' dosoutros competidores21.

Também é baseado neste tipo de argumento, embo-ra alguns desconheçam seus fundamentos, que paramuitos a coerção e não a educação é o único caminhopossível de combate ao problema do doping. Segundoeste tipo de raciocínio, os atletas ainda que estejaminteressados em não utilizar artifícios dopantes, senão forem forçados a cooperar, por coação de uma'lei moral' de tipo Rousseauniano ou por uma outraforma de coação externa, podem efetivamente sentir-se tentados ou forçados à transgressão, inclusivebaseados em motivos bastante racionais.

No entanto, ainda que o enunciado do argumentodo tenha uma alta cota de razoabilidade, é isto quetorna o doping algo imoral? Todo adeta de alto nívelsabe o quanto é necessário de treino para se atingirum nível excelente de competitividade. Uma boa partedo volume de treinamento necessário para se atingirum nível mais alto hoje em dia pode ser explicado,da mesma maneira que o doping, pela teoria dosjogos22. Não existe outra opção para aquele que querchegar ao alto nível que não seja treinar no nível queele imagina ou sabe que todos estão treinando. Assim,é perfeitamente possível dizer que se uso de doping éimoral pelo fato de forçar aqueles que não o querema usá-lo, então da mesma maneira é imoral o nívelde treinamento hoje requerido. De fato, para mui-tos críticos do esporte moderno, o nível atualmentealcançado força a maioria dos atletas ao super-treinamento, ameaçando sua dignidade humana porsujeitarem estas pessoas a esforços físicos excessi-vos, além de impedirem seu desenvolvimento plenocomo pessoa, intelectualmente e moralmente. Deve-ríamos então, por uma forma de coação externa,impedir o treinamento de alta intensidade?

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Conclusão

Tem feito parte do mundo da modernidade a crençana possibilidade e a ambição do estabelecimento deuma ética universalista. Como parte desta tradição,o esporte, em suas mais diversas feições, e de maneiraexplícita no Olimpismo, tem advogado a existênciade "valores éticos fundamentais universais" (IOC,2001:1). Este universalismo pressupôs a construçãode uma ética da prática esportiva também universaldestinada a transformar o esporte em uma atividademoralmente boa. Neste contexto, a idéia de fair playcomo uma codificação de comportamentos se tornouem sua origem um ideal dominante e um valor decontrole para o esporte moderno. Contudo,especialmente na dimensão do esporte de rendimentoe do esporte-espetáculo, o equilíbrio entre aorientação para o desempenho e seus valoresorientadores de controle tem experimentado tensõescada vez maiores. A crescente ocorrência do uso desubstâncias dopantes no ambiente de alta competiçãoexemplifica, mais do que qualquer outra, estastensões.

Como tentei demonstrar, uma vez que os argumentosanti-doping são baseados claramente em premissasnormativas científicas, éticas ou de autoridade, odeslocamento dos sentidos, formas e dos valoressociais das práticas esportivas terminam por gerarinconsistências entre suas formulações e suasconseqüências práticas. Ou seja, ainda que sejamverdadeiros os argumentos anti-doping, eles nãosuficientes. Neste contexto, o descasamento entre anorma e os valores subjetivamente significados pelospraticantes (fair play não formal) favorece a compre-ensão que apenas punição e controle ao invés de ar-gumentação e educação são os caminhos possíveisde combate ao doping. Sob o ponto de vista da in-tervenção este parece ser o caminho mais plausível,quase inevitável.

Todavia, penso que os argumentos técnico-científi-cos e éticos do discurso anti-doping deverão sersuperados em algum momento por uma abordagemvoltada para uma essência simbólica da prática es-

portiva. A busca da excelência e da (auto) superaçãopresentes no esporte de alta competição representamde alguma forma a tentativa de obter uma resposta aquestões de ordem ontológica: qual o limite darealização de uma proeza física da espécie humana?Que ponto máximo de desempenho podemos atingircom o nosso corpo? Qual é o nível de excelência daperformance humana? Me parece que estas questõessubliminarmente presentes na prática esportiva sãoo móvel último deste fenômeno social impressionanteque é o esporte. Isto não significa dizer que a questãodo doping pode assim ser superada, ou que anecessidade de controle e punição deixe de existir.Apenas entendo que o doping como um problema sesitua numa dimensão mais profunda que a dosprincípios normativos da ação que seus argumentosexemplificam.

Para mim, estas são questões fundamentais. Talvezpossamos traçar um paralelo aqui com os enfren-tamentos vivenciados nos últimos anos pela bio-engenharia e pela engenharia genética no campo damoral e da ética. A discussão de fundo nestas áreas ésobre os limites do que entendemos ser o humano.Do mesmo modo, em face de sua dimensãoontológica, não serão os argumentos normativos, detodo insuficientes, que irão delimitar esta discussão.Levando este paralelo adiante é possível dizer que,no campo do esporte, o doping pode ser aceitávelaté certo ponto. Com efeito, se olharmos para o futurocom os olhos do presente, em um cenário de crescenteintervenção artificial sobre ávida e mesmo de algumaperda da distinção entre o artificial e o natural, nãohá porque não acreditar que alguns procedimentosde ajuda artificial ao rendimento tenham grandeschances de se tornarem legais.

Todavia, uma pergunta final pode aparecer. Se a com-paração entre as premissas dos argumentos anti-doping e suas conseqüências práticas demonstra queos problemas do doping são também, por vezes, osproblemas do próprio esporte, por que insistir nouso destes argumentos? Talvez porque para muitos, oesporte de rendimento, de espetáculo e olímpico,apesar de todos os seus dramas, vícios e problemas

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Page 12: Redalyc.Doping: argumentos em discussão · Doping: argumentos em discussão OtávioTavares 1 Resumo O doping constitui-se num grande problema do esporte contemporâneo. Apesar do

glês contemporâneo Jim Parry (1997), sob o ângulo dacompetitividade deslocada, as competições internaci-onais podem ser consideradas como fortemente injus-tas, na medida em que os países possuem condiçõesdesiguais de recursos materiais e de conhecimento,inclusive para produzir drogas cada vez mais eficien-tes e capazes de não serem detectadas pelos controlesanti-doping. E interessante observar aqui que em pes-quisa que conduzimos junto aos atletas brasileiros queforam aos Jogos Olímpicos de Atlanta (Tavares, 1998),um dos argumentos centrais daqueles indivíduos quese posicionavam contrariamente ao uso de doping eraexatamente o da diferença tecnológica entre os paísesdesenvolvidos e não desenvolvidos. Na visão pragmá-tica da maioria dos atletas brasileiros em Atlanta 1996,a proibição do uso de substâncias consideradas dopantesé a situação menos adversa. A possibilidade de libera-ção de uso do doping é claramente entendida como apossibilidade de utilização de todo o potencialtecnológico ao alcance dos países ricos sem as peiasde ordem ética e legal, o que tornaria ainda maiores adiferença nas condições de preparação entre adetas depaíses desiguais. Em face deste contexto e tendo comoreferência o argumento da competição deslocada, Parrypergunta provocativamente: "deveríamos então baniras competições internacionais?"

Quinto argumento: O uso de doping por alguns

força outros a usá-lo

Está além do escopo deste texto examinar o argumentoda negação da liberdade da ação humana implícitoneste enunciado. Por outro lado, nos parece que a idéiade que alguém pode fazer alguma coisa motivado pelapossibilidade que outra pessoa também o faça, podeser melhor explicada no conceito do "jogo da garan-tia", originário da teoria dos jogos. Se considerarmosque o 'contrato voluntário' a que estão submetidos to-dos os participantes cria uma forma de limitação raci-onal e voluntária às premissas não necessariamentemorais das estratégias e escolhas racionais, a moralidadeda ação se transforma em uma estratégia que se amol-da a diversos a priori. O que está colocado aqui é asituação que Breivik (1992) chamou de "doping game",o jogo do doping. Um dilema em que o atleta tendo a

opção de fazer ou não uso de doping, coloca-se emcomparação com seus concorrentes diretos que, elesabe, também tem uma das duas opções a fazer. As-sim, diante de quatro possibilidades de situação (eunão uso/eles não usam; eu uso/eles usam; eu uso/elesnão usam; eu não uso/eles usam), o uso do doping setorna uma boa opção caso se tenha dúvida, ainda queínfima, sobre a vontade de adesão ao 'contrato' dosoutros competidores21.

Também é baseado neste tipo de argumento, embo-ra alguns desconheçam seus fundamentos, que paramuitos a coerção e não a educação é o único caminhopossível de combate ao problema do doping. Segundoeste tipo de raciocínio, os atletas ainda que estejaminteressados em não utilizar artifícios dopantes, senão forem forçados a cooperar, por coação de uma'lei moral' de tipo Rousseauniano ou por uma outraforma de coação externa, podem efetivamente sentir-se tentados ou forçados à transgressão, inclusivebaseados em motivos bastante racionais.

No entanto, ainda que o enunciado do argumentodo tenha uma alta cota de razoabilidade, é isto quetorna o doping algo imoral? Todo adeta de alto nívelsabe o quanto é necessário de treino para se atingirum nível excelente de competitividade. Uma boa partedo volume de treinamento necessário para se atingirum nível mais alto hoje em dia pode ser explicado,da mesma maneira que o doping, pela teoria dosjogos22. Não existe outra opção para aquele que querchegar ao alto nível que não seja treinar no nível queele imagina ou sabe que todos estão treinando. Assim,é perfeitamente possível dizer que se uso de doping éimoral pelo fato de forçar aqueles que não o querema usá-lo, então da mesma maneira é imoral o nívelde treinamento hoje requerido. De fato, para mui-tos críticos do esporte moderno, o nível atualmentealcançado força a maioria dos atletas ao super-treinamento, ameaçando sua dignidade humana porsujeitarem estas pessoas a esforços físicos excessi-vos, além de impedirem seu desenvolvimento plenocomo pessoa, intelectualmente e moralmente. Deve-ríamos então, por uma forma de coação externa,impedir o treinamento de alta intensidade?

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Conclusão

Tem feito parte do mundo da modernidade a crençana possibilidade e a ambição do estabelecimento deuma ética universalista. Como parte desta tradição,o esporte, em suas mais diversas feições, e de maneiraexplícita no Olimpismo, tem advogado a existênciade "valores éticos fundamentais universais" (IOC,2001:1). Este universalismo pressupôs a construçãode uma ética da prática esportiva também universaldestinada a transformar o esporte em uma atividademoralmente boa. Neste contexto, a idéia de fair playcomo uma codificação de comportamentos se tornouem sua origem um ideal dominante e um valor decontrole para o esporte moderno. Contudo,especialmente na dimensão do esporte de rendimentoe do esporte-espetáculo, o equilíbrio entre aorientação para o desempenho e seus valoresorientadores de controle tem experimentado tensõescada vez maiores. A crescente ocorrência do uso desubstâncias dopantes no ambiente de alta competiçãoexemplifica, mais do que qualquer outra, estastensões.

Como tentei demonstrar, uma vez que os argumentosanti-doping são baseados claramente em premissasnormativas científicas, éticas ou de autoridade, odeslocamento dos sentidos, formas e dos valoressociais das práticas esportivas terminam por gerarinconsistências entre suas formulações e suasconseqüências práticas. Ou seja, ainda que sejamverdadeiros os argumentos anti-doping, eles nãosuficientes. Neste contexto, o descasamento entre anorma e os valores subjetivamente significados pelospraticantes (fair play não formal) favorece a compre-ensão que apenas punição e controle ao invés de ar-gumentação e educação são os caminhos possíveisde combate ao doping. Sob o ponto de vista da in-tervenção este parece ser o caminho mais plausível,quase inevitável.

Todavia, penso que os argumentos técnico-científi-cos e éticos do discurso anti-doping deverão sersuperados em algum momento por uma abordagemvoltada para uma essência simbólica da prática es-

portiva. A busca da excelência e da (auto) superaçãopresentes no esporte de alta competição representamde alguma forma a tentativa de obter uma resposta aquestões de ordem ontológica: qual o limite darealização de uma proeza física da espécie humana?Que ponto máximo de desempenho podemos atingircom o nosso corpo? Qual é o nível de excelência daperformance humana? Me parece que estas questõessubliminarmente presentes na prática esportiva sãoo móvel último deste fenômeno social impressionanteque é o esporte. Isto não significa dizer que a questãodo doping pode assim ser superada, ou que anecessidade de controle e punição deixe de existir.Apenas entendo que o doping como um problema sesitua numa dimensão mais profunda que a dosprincípios normativos da ação que seus argumentosexemplificam.

Para mim, estas são questões fundamentais. Talvezpossamos traçar um paralelo aqui com os enfren-tamentos vivenciados nos últimos anos pela bio-engenharia e pela engenharia genética no campo damoral e da ética. A discussão de fundo nestas áreas ésobre os limites do que entendemos ser o humano.Do mesmo modo, em face de sua dimensãoontológica, não serão os argumentos normativos, detodo insuficientes, que irão delimitar esta discussão.Levando este paralelo adiante é possível dizer que,no campo do esporte, o doping pode ser aceitávelaté certo ponto. Com efeito, se olharmos para o futurocom os olhos do presente, em um cenário de crescenteintervenção artificial sobre ávida e mesmo de algumaperda da distinção entre o artificial e o natural, nãohá porque não acreditar que alguns procedimentosde ajuda artificial ao rendimento tenham grandeschances de se tornarem legais.

Todavia, uma pergunta final pode aparecer. Se a com-paração entre as premissas dos argumentos anti-doping e suas conseqüências práticas demonstra queos problemas do doping são também, por vezes, osproblemas do próprio esporte, por que insistir nouso destes argumentos? Talvez porque para muitos, oesporte de rendimento, de espetáculo e olímpico,apesar de todos os seus dramas, vícios e problemas

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ainda seja, como diz MacAloon (1984:243), "as oca-siões nas quais, como uma cultura ou uma socieda-de [e como indivíduos, eu acrescento] nós reprodu-zimos e definimos a nós mesmos, dramatizamos nos-sos mitos coletivos e história". Neste sentido, é comose o esporte devesse ou pudesse ocupar o lugar deuma reserva moral coletiva, oferecendo um espaçode representação positiva da sociedade e um acervode exemplos positivos. Uma posição emblemáticapara os indivíduos e a sociedade que ajudasse a re-conhecer de maneira sensível, prática e imediata umpouco do que somos e temos de melhor. Para mim,o que o doping coloca de maneira inelutável em jogo,quando confrontado com a dimensão simbólica doesporte, é o verdadeiro limite do humano na compe-tição física23.

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Endereço do autor:Departamento deGinástica/CEFD/UFES;Av. Fernando

Ferrari, s/n; 29.060-970; Vitória, ESe-mail: [email protected]

Notas

1 Mestre em educação física. Doutorando emeducação física no Programa de Pós Graduaçãoem Educação Física da Universidade GamaFilho. Professor Assistente do Departamento deGinástica do Centro de Educação Física eDesportos da Universidade Federal do EspíritoSanto.

2 Se a sociologia figuracional de Norbert Elias nosmostrou que valores sociais e valores de

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.

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ainda seja, como diz MacAloon (1984:243), "as oca-siões nas quais, como uma cultura ou uma socieda-de [e como indivíduos, eu acrescento] nós reprodu-zimos e definimos a nós mesmos, dramatizamos nos-sos mitos coletivos e história". Neste sentido, é comose o esporte devesse ou pudesse ocupar o lugar deuma reserva moral coletiva, oferecendo um espaçode representação positiva da sociedade e um acervode exemplos positivos. Uma posição emblemáticapara os indivíduos e a sociedade que ajudasse a re-conhecer de maneira sensível, prática e imediata umpouco do que somos e temos de melhor. Para mim,o que o doping coloca de maneira inelutável em jogo,quando confrontado com a dimensão simbólica doesporte, é o verdadeiro limite do humano na compe-tição física23.

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Endereço do autor:Departamento deGinástica/CEFD/UFES;Av. Fernando

Ferrari, s/n; 29.060-970; Vitória, ESe-mail: [email protected]

Notas

1 Mestre em educação física. Doutorando emeducação física no Programa de Pós Graduaçãoem Educação Física da Universidade GamaFilho. Professor Assistente do Departamento deGinástica do Centro de Educação Física eDesportos da Universidade Federal do EspíritoSanto.

2 Se a sociologia figuracional de Norbert Elias nosmostrou que valores sociais e valores de

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Page 15: Redalyc.Doping: argumentos em discussão · Doping: argumentos em discussão OtávioTavares 1 Resumo O doping constitui-se num grande problema do esporte contemporâneo. Apesar do

prática esportiva guardam entre si uma relaçãocomplexa de formação de significados, filósofoscomo Gunther Gebauer e Hans Lenk enfatizam a"perspectiva interna do praticante em definir ojogo" como uma dimensão essencial para acompreensão da moral do esporte. Cf. Gebauer(1992) e Lenk (1982).

3 Segundo Eduardo DeRose (1995), o registromais antigo do uso de agentes dopantes é umapintura do imperador chinês Shen-Nung, datadade 2700 a.C., que o mostra segurando folhas deuma erva (machuang), usualmente utilizada parapreparar estimulantes. Do mesmo modo, segundoWeiler (1997), nos Jogos Olímpicos daAntigüidade muitos atletas acreditavam que aingestão de certos chás de ervas e cogumelospoderiam melhorar seu desempenho durante ascompetições.

4 Esto relação tem se tornado de tal formaevidente que Secretaria Nacional Anti-Drogas,órgão do governo federal encarregado dacoordenação do combate às drogas ilegais,lançou no ano 2000 um panfleto 'educativo' decombate ao doping esportivo. Baseado na mesmarelação é que a maconha e a cocaína estãoatualmente entre as drogas proibidas pelo ComitêOlímpico Internacional embora não hajaconsenso sobre seus efeitos sobre o desempenhoesportivo.

5 Um exame exaustivo do Olimpismo como umconstruto é por mim apresentado em Tavares(1998).

6 A respeito do Olimpismo como umaconstrução eclética em busca da promoção deum equilíbrio entre contrários observe-seDaCosta (1999).

7 Há relatos até mesmo do uso de pequenasdoses de nitroglicerina por parte de algunsatletas!

8 A mais recente destas organizações (1999) e,provavelmente, a mais poderosa delas todas éa WADA (World Anti Doping Association).Organizada como uma organização não-governamental, a WADA é uma instituiçãomultilateral que congrega organizaçõesesportivas, organizações governamentais e não-governamentais e órgãos internacionais. Temestreita ligação com o Comitê OlímpicoInternacional (COI), embora seja formal-

mente independente, tendo tido suas açõesiniciais financiadas por uma dotação de verba doCOI da ordem de 25 milhões de dólares.

9 Segundo Lalande (1993:93), para Leibniz,assilogismo é um argumento cujas conseqüênciaslógicas válidas não podem ser postas sob a formade um silogismo regular. Ou seja, os raciocíniosassilogísticos, ao contrário dos silogismos, nãosão demonstráveis com rigor. Assim, em vez deextraírem conclusões não-evidentes a partir dasevidências, os raciocínios assilogísticos possuemuma conclusão evidente e são a base de todos osoutros raciocínios que possam ser reduzidos aeles.

10 Os estudos sobre o fair play realizados porSantos & Roazzi (1995) e pelo NetherlandsSport, Tolerance and Fair Play Foundation(1997), são exemplos deste tipo de abordagem.

11 Estudos empíricos como os de Heinilä eNilsson (apud Loland, 1998) na Europa e deGomes (1999) e Portela (1999) no Brasildemonstram como as interpretações do conceitode fair play e suas ações conseqüentes podemvariar segundo os mais diversos contrastes erazões.

12 A questão da articulação de valores éticos,técnicos e estéticos na prática esportiva é melhordesenvolvida por Hugo Lovisolo no capítulo 3,'Regras, esportes, capitalismo: obrigatoriedade eescolha na educação física escolar' de A Arte daMediação (1995).

13 Em razão dos limites deste texto está seexcluindo aqui a discussão sobre distinçãonecessária entre as violações intencionais e nãointencionais e suas conseqüências práticas para ojogo e o 'espírito do jogo'.

14 Esta distinção aqui apresentada deve serentendida como uma simplificação de umadiscussão bastante complexa e, até certo ponto,inconclusa sobre as relações entre estes tipos deregras assim como sobre a real existência dedistinções que instituam estas tipologias.

15 Observe-se que se segundo Loland (op. cit.), asregras regulatórias podem ser de diferentes tipose ter diferentes graus de influência sobre aprática do jogo. Deste modo, para ele, as

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regras auxiliares propostas por Meyer são apenasuma sub-divisão das regras regulatórias, com oque não concordamos.

16 A este respeito observe-se o posicionamento doAmerican College of Sports Medicineapresentado por Hatfield (1987).

17 No caso brasileiro, a bem sucedida associaçãoentre a indústria de bebidas e o esporte tem nojogo final da Copa do Mundo de Futebol de 1994um caso exemplar. A cena dos jogadoresbrasileiros comemorando a vitória final elevandoo dedo indicador, à imagem e semelhança dacampanha de uma grande cervejaria nacionalveiculada durante todo o ano da Copa do Mundo,pode ser catalogado como um dos mais bemsucedidas campanhas de cunho subliminar jamaisvistas no Brasil.

18 Frase atribuída a Aparício Torelli, lendáriocomediante brasileiro que adotou o pseudônimode Barão de Itararé.

19 Apenas a título de ilustração, Hatfield (op. cit.),por exemplo, ao analisar o potencial deaprimoramento do rendimento durante acompetição, ou a melhora do tempo derecuperação durante o treinamento, de 42substâncias tendo como referência a força, aresistência e a massa muscular demonstrou que,no primeiro caso, apenas 7 substâncias temefeitos sobre a força, 9 substâncias tem efeitossobre resistência e 6 tem efeitos sobre a massamuscular. Já no segundo caso, apenas 6substâncias tem efeitos sobre a força, 7 sobre aresistência e 6 sobre a massa muscular. Emambos os casos a grande maioria das substânciasfoi classificada como não tendo efeitos ou sendode efeito duvidoso.

20 Não coincidentemente aquelas bicicletas foramconhecidas como moonbikes (bicicletas lunares)em função da altíssima tecnologia envolvida emseu projeto e construção.

21 A ordem das opções de ação possíveis aquiapresentadas são meramente ilustrativas. ComoBreivik (ibid.) já demonstrou, a determinação desua ordenação vai depender, dentro da teoria dosjogos, de diferentes tipologias de jogo(simétricos; assimétricos; 2x2; N casos x Ncasos) e das respectivas estratégias dominantespor parte dos atletas envolvidos.

22 Mas, ao contrário do caso anterior, pelasituação exemplificada na teoria do jogos pelo'dilema do prisioneiro'.

23 Este texto é, em parte, fruto de discussões quetive com o Prof. Dr. Jim Parry, chefe doDepartamento de Filosofia da Universidade deLeeds (Inglaterra), sobre moral e esporte, duranteo Postgraduate Seminar on Olympism de 1997 naInternational Olympic Academy (OlímpiaAntiga, Grécia). A ele, meu reconhecimento.

Recebidoem:19.11.01Revisadoem:01.03.02Aceitoem:22.03.02

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prática esportiva guardam entre si uma relaçãocomplexa de formação de significados, filósofoscomo Gunther Gebauer e Hans Lenk enfatizam a"perspectiva interna do praticante em definir ojogo" como uma dimensão essencial para acompreensão da moral do esporte. Cf. Gebauer(1992) e Lenk (1982).

3 Segundo Eduardo DeRose (1995), o registromais antigo do uso de agentes dopantes é umapintura do imperador chinês Shen-Nung, datadade 2700 a.C., que o mostra segurando folhas deuma erva (machuang), usualmente utilizada parapreparar estimulantes. Do mesmo modo, segundoWeiler (1997), nos Jogos Olímpicos daAntigüidade muitos atletas acreditavam que aingestão de certos chás de ervas e cogumelospoderiam melhorar seu desempenho durante ascompetições.

4 Esto relação tem se tornado de tal formaevidente que Secretaria Nacional Anti-Drogas,órgão do governo federal encarregado dacoordenação do combate às drogas ilegais,lançou no ano 2000 um panfleto 'educativo' decombate ao doping esportivo. Baseado na mesmarelação é que a maconha e a cocaína estãoatualmente entre as drogas proibidas pelo ComitêOlímpico Internacional embora não hajaconsenso sobre seus efeitos sobre o desempenhoesportivo.

5 Um exame exaustivo do Olimpismo como umconstruto é por mim apresentado em Tavares(1998).

6 A respeito do Olimpismo como umaconstrução eclética em busca da promoção deum equilíbrio entre contrários observe-seDaCosta (1999).

7 Há relatos até mesmo do uso de pequenasdoses de nitroglicerina por parte de algunsatletas!

8 A mais recente destas organizações (1999) e,provavelmente, a mais poderosa delas todas éa WADA (World Anti Doping Association).Organizada como uma organização não-governamental, a WADA é uma instituiçãomultilateral que congrega organizaçõesesportivas, organizações governamentais e não-governamentais e órgãos internacionais. Temestreita ligação com o Comitê OlímpicoInternacional (COI), embora seja formal-

mente independente, tendo tido suas açõesiniciais financiadas por uma dotação de verba doCOI da ordem de 25 milhões de dólares.

9 Segundo Lalande (1993:93), para Leibniz,assilogismo é um argumento cujas conseqüênciaslógicas válidas não podem ser postas sob a formade um silogismo regular. Ou seja, os raciocíniosassilogísticos, ao contrário dos silogismos, nãosão demonstráveis com rigor. Assim, em vez deextraírem conclusões não-evidentes a partir dasevidências, os raciocínios assilogísticos possuemuma conclusão evidente e são a base de todos osoutros raciocínios que possam ser reduzidos aeles.

10 Os estudos sobre o fair play realizados porSantos & Roazzi (1995) e pelo NetherlandsSport, Tolerance and Fair Play Foundation(1997), são exemplos deste tipo de abordagem.

11 Estudos empíricos como os de Heinilä eNilsson (apud Loland, 1998) na Europa e deGomes (1999) e Portela (1999) no Brasildemonstram como as interpretações do conceitode fair play e suas ações conseqüentes podemvariar segundo os mais diversos contrastes erazões.

12 A questão da articulação de valores éticos,técnicos e estéticos na prática esportiva é melhordesenvolvida por Hugo Lovisolo no capítulo 3,'Regras, esportes, capitalismo: obrigatoriedade eescolha na educação física escolar' de A Arte daMediação (1995).

13 Em razão dos limites deste texto está seexcluindo aqui a discussão sobre distinçãonecessária entre as violações intencionais e nãointencionais e suas conseqüências práticas para ojogo e o 'espírito do jogo'.

14 Esta distinção aqui apresentada deve serentendida como uma simplificação de umadiscussão bastante complexa e, até certo ponto,inconclusa sobre as relações entre estes tipos deregras assim como sobre a real existência dedistinções que instituam estas tipologias.

15 Observe-se que se segundo Loland (op. cit.), asregras regulatórias podem ser de diferentes tipose ter diferentes graus de influência sobre aprática do jogo. Deste modo, para ele, as

M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 41 - 5 5 , j a n e i r o / a b r i l 2002

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16 A este respeito observe-se o posicionamento doAmerican College of Sports Medicineapresentado por Hatfield (1987).

17 No caso brasileiro, a bem sucedida associaçãoentre a indústria de bebidas e o esporte tem nojogo final da Copa do Mundo de Futebol de 1994um caso exemplar. A cena dos jogadoresbrasileiros comemorando a vitória final elevandoo dedo indicador, à imagem e semelhança dacampanha de uma grande cervejaria nacionalveiculada durante todo o ano da Copa do Mundo,pode ser catalogado como um dos mais bemsucedidas campanhas de cunho subliminar jamaisvistas no Brasil.

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19 Apenas a título de ilustração, Hatfield (op. cit.),por exemplo, ao analisar o potencial deaprimoramento do rendimento durante acompetição, ou a melhora do tempo derecuperação durante o treinamento, de 42substâncias tendo como referência a força, aresistência e a massa muscular demonstrou que,no primeiro caso, apenas 7 substâncias temefeitos sobre a força, 9 substâncias tem efeitossobre resistência e 6 tem efeitos sobre a massamuscular. Já no segundo caso, apenas 6substâncias tem efeitos sobre a força, 7 sobre aresistência e 6 sobre a massa muscular. Emambos os casos a grande maioria das substânciasfoi classificada como não tendo efeitos ou sendode efeito duvidoso.

20 Não coincidentemente aquelas bicicletas foramconhecidas como moonbikes (bicicletas lunares)em função da altíssima tecnologia envolvida emseu projeto e construção.

21 A ordem das opções de ação possíveis aquiapresentadas são meramente ilustrativas. ComoBreivik (ibid.) já demonstrou, a determinação desua ordenação vai depender, dentro da teoria dosjogos, de diferentes tipologias de jogo(simétricos; assimétricos; 2x2; N casos x Ncasos) e das respectivas estratégias dominantespor parte dos atletas envolvidos.

22 Mas, ao contrário do caso anterior, pelasituação exemplificada na teoria do jogos pelo'dilema do prisioneiro'.

23 Este texto é, em parte, fruto de discussões quetive com o Prof. Dr. Jim Parry, chefe doDepartamento de Filosofia da Universidade deLeeds (Inglaterra), sobre moral e esporte, duranteo Postgraduate Seminar on Olympism de 1997 naInternational Olympic Academy (OlímpiaAntiga, Grécia). A ele, meu reconhecimento.

Recebidoem:19.11.01Revisadoem:01.03.02Aceitoem:22.03.02

M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 41 - 5 5 , j a n e i r o / a b r i l 2002

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