' a Chave Para a Teosofia - PDF
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SUMRIO
BLAVATSKY E SUA OBRA.........................................................................................3 PREFCIO DO AUTOR ............................................................................................10 TEOSOFIA E SOCIEDADE TEOSFICA .................................................................13
SIGNIFICAO DO NOME TEOSOFIA................................................................13 Como procede a Sociedade Teosfica?................................................................15 A religio da sabedoria esotrica em todas as idades...........................................18 A Teosofia no o Buddhismo..............................................................................24
TEOSOFIA EXOTRICA E ESOTRICA..................................................................28 O QUE A SOCIEDADE TEOSFICA MODERNA NO .....................................28 Tesofos e membros da Sociedade Teosfica......................................................34 Diferena entre Teosofia e Ocultismo....................................................................39 Diferena entre a Teosofia e o Espiritismo ............................................................42
Por que a Teosofia interessa.....................................................................................50 O TRABALHO DA SOCIEDADE TEOSFICA..........................................................55
FINS DA SOCIEDADE...........................................................................................55 A origem comum do homem..................................................................................57 Nossos outros objetivos.........................................................................................62 Carter sagrado do compromisso..........................................................................64
RELAES DA SOCIEDADE TEOSFICA COM A TEOSOFIA .............................67 DO PRPRIO PROGRESSO................................................................................67 O abstrato e o concreto .........................................................................................71
ENSINAMENTOS FUNDAMENTAIS DA TEOSOFIA ...............................................76 SOBRE DEUS E A ORAO................................................................................76 necessrio rezar?...............................................................................................81 A orao comum destri a confiana em si mesmo ..............................................86 Da origem da alma humana...................................................................................89 Ensinamentos buddhistas sobre o que precede ....................................................92
DOUTRINAS TEOSFICAS RELATIVAS NATUREZA E AO HOMEM.................98 A UNIDADE DE TUDO EM TUDO.........................................................................98 Evoluo e iluso...................................................................................................99 A constituio setenria de nosso planeta...........................................................102 A natureza setenria do homem..........................................................................105 Distino entre a alma e o esprito ......................................................................108 Os ensinamentos gregos.....................................................................................112
OS VRIOS ESTADOS POST-MORTEM...............................................................117 O HOMEM FSICO E O ESPIRITUAL .................................................................117 Da recompensa e castigo eternos, e do Nirvana .................................................125 Dos vrios "princpios" no homem .......................................................................133
DA REENCARNAO OU RENASCIMENTO........................................................140 O QUE A MEMRIA, CONFORME A DOUTRINA TEOSFICA?...................140 Por que no recordamos nossas vidas passadas? .............................................144 Da individualidade e personalidade .....................................................................150 Da recompensa e castigo do Ego........................................................................153
KAMA- LOKA E DEVAKHAN ..................................................................................159 DO DESTINO DOS "PRINCPIOS" INFERIORES...............................................159 Por que os Tesofos no acreditam na volta dos espritos puros .......................162 Algumas palavras sobre os skandhas .................................................................171 Da conscincia aps a morte e aps o nascimento.............................................174
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O que significa na realidade o aniquilamento ......................................................180 Palavras definidas para coisas determinadas......................................................189
NATUREZA DE NOSSO PRINCPIO PENSANTE..................................................196 DO MISTRIO DO EGO......................................................................................196 Natureza complexa de manas .............................................................................202 O evangelho de So Joo ensina esta doutrina ..................................................206 DOS MISTRIOS DA REENCARNAO ...........................................................217 OS RENASCIMENTOS PERIDICOS................................................................217 Que Karma? .....................................................................................................221 Quem so os que sabem?...................................................................................242 Diferena entre a f e o conhecimento, ou a f cega e a arrazoada ...................245 Deus tem o direito de perdoar? ...........................................................................250
O QUE TEOSOFIA PRTICA..............................................................................256 DO DEVER..........................................................................................................256
Relaes da Sociedade Teosfica com as reformas polticas ................................261 Do prprio sacrifcio.............................................................................................267 Da caridade .........................................................................................................272 Da Teosofia para as massas ...............................................................................275 Como os membros podem ajudar Sociedade...................................................278 O que o tesofo no deve fazer...........................................................................280
CONCEITOS ERRNEOS SOBRE A SOCIEDADE TEOSFICA.........................289 TEOSOFIA E ASCETISMO .................................................................................289 A Teosofia e o matrimnio ...................................................................................293 A Teosofia e a educao .....................................................................................294 Por que existe tanta preveno contra a Sociedade Teosfica?.........................303 A Sociedade Teosfica um negcio para fazer dinheiro?.................................312 O ncleo ativo da Sociedade Teosfica ..............................................................318
OS MAHATMAS TEOSFICOS .............................................................................321 SO "ESPRITOS DE LUZ" OU DUENDES MALDITOS?...................................321 Abuso dos nomes e termos sagrados .................................................................333
CONCLUSO..........................................................................................................338 O futuro da Sociedade Teosfica ........................................................................338
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BLAVATSKY E SUA OBRA
Uma requintada aptido literria foi a principal herana de Helena
Petrovna Fadeef von Blavatsky. Nascida em 1831, madame Blavatsky (como hoje mundialmente conhecida) pertencia mais nobre linhagem da aristocracia russa. Isso no impediria que ela abandonasse o conforto dos palcios para conhecer de
perto a aventura espiritual e material dos homens.
Depois de receber uma aprimorada educao musical e lingstica, ela
casou-se com o general Nicforo von Blavatsky, governador da Provncia russa
Erivan, muito mais velho do que ela. O casamento duraria apenas alguns meses.
Aps a separao, madame Blavatsky foi morar em Constantinopla. A
partir desse ponto, ela pde visitar quase todos os pases da sia Menor, estudando seus costumes e suas prticas religiosas.
Em 1851, completamente sem dinheiro, ela foi fixar-se em Londres,
passando a lecionar piano para sobreviver. Com apenas vinte anos de idade, ela j era completamente emancipada da famlia e no tinha condies de regressar
ptria.
Na capital inglesa ela freqentou sesses espritas, onde conheceu o
clebre mdium Douglas Home e fez parte de alguns crculos revolucionrios. A
influncia desses contatos se manifestaria de maneira acentuada, em 1856, quando
se filiou associao carbonria Jovem Europa, a convite de Mazzini. Mais tarde,
madame Blavatsky lutaria ao lado de Garibaldi, em Viterbo, e depois em Mentana,
onde recebeu tantos ferimentos que foi dada como morta no campo de batalha.
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Porm, em 1870, Blavatsky aparece no Cairo, onde funda uma sociedade esprita
cuja propaganda era feita por um rgo denominado Revista Espiritualista do Cairo. Pouco tempo depois, desiludida com as fraudes observadas, ela abandona a prtica
do Espiritismo.
Em meados de 1873, madame Blavatsky resolveu partir para os Estados
Unidos. Essa viagem seria decisiva para sua atividade futura pois, em Nova York,
ela conheceria o coronel Henry Steele Olcott, recm-chegado da guerra civil e que
dividia seu tempo entre as lojas manicas e os centros espritas.
Essa amizade representou a consolidao definitiva dos seus planos, no
terreno espiritualista. Assim, um ano depois, em fins de 1875, eles fundariam a
Sociedade Teosfica. Essa misso fora sugerida a Blavatsky, aos vinte anos de
idade, quando ainda residia na Inglaterra. Conta-se ainda que nessa poca ela
conheceu um dos membros da Embaixada do Nepal, que lhe surgira vrias vezes,
em suas primeiras vises, quando era criana. No resta dvida que Blavatsky era
dotada de faculdades parapsicolgicas, que se manifestariam durante toda sua vida
at a hora da morte. Esse embaixador devia ser provavelmente um daqueles
iluminados da sia Central, descritos por Van Der Neilen em seu livro Nos Templos do Himalaia. So seres devotados causa da espiritualidade e capazes de inspirar
os caminhos da metafsica oriental. Esses iluminados despertam faculdades latentes
na alma, revelando ao discpulo ou eleito de sua proteo, a mais alta sabedoria.
Esse embaixador deve ter sido o guia espiritual de Blavatsky quando ela
publicou, em 1877, sua obra sis sem Vu, em quatro volumes, que revolucionaria
alguns setores das culturas americana e europia, demonstrando categoricamente
os postulados ocultistas ao mesmo tempo em que criticava os conceitos
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materialistas e atacava o imperialismo jesutico. A certeza de um "guia espiritual" nos vem do fato de Blavatsky, na referida obra, ter feito citaes de 1400 livros que lhe
eram desconhecidos e at ignorados. Esse fato foi cautelosamente investigado pelo
crtico ingls William Emmett Coleman, seguindo as informaes de um escritor
familiarizado nesse campo de investigaes fenomnicas (Jacques Bergier - Os Livros Malditos, Ed. HEMUS, 1972).
Madame Blavatsky era uma personalidade autodeterminante, combativa
no ideal e humilde junto aos mestres. Ela fazia jus ao mrito de estranhas e belas comunicaes com um mundo bem diverso desse que se acha ligado
(principalmente em sua poca, filosoficamente dominada pelo positivismo) aos cinco sentidos humanos. Evidentemente ela acabaria provocando contra si o dio clerical
catlico e anglicano , que naquela poca andava de mos dadas com a poltica
europia, eminentemente colonizadora. Tudo isso era fortalecido pela intransigncia
da filosofia materialista e pelo orgulho de um cientificismo que se julgava insupervel. Foi assim que o sculo 19 desembocou no sculo 20 com solene
mediocridade: no ano de 1901 o Bureau Francs de Invenes fechava suas portas
porque "tudo j estava descoberto..."
Blavatsky sofreu campanha acrrima dos inimigos da sua doutrina:
difamaes violentas, ataques a mo armada, e at um sinistro provocado a bordo
do navio em que ela viajava para o Oriente. Sabe-se que no ano de 1870, ao atravessar o canal de Suez, explodiu a embarcao "onde a maior parte dos
viajantes foi reduzida a poeira to fina que nem se achou mais vestgio de seus cadveres", J. Bergier, livro citado. Desse ataque, madame Blavatsky escapou
miraculosamente.
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Vrias frentes decidiram lutar contra a fundadora da Sociedade Teosfica:
ora o governo ingls, e conseqentemente a polcia do vice-rei da ndia, ora os
missionrios protestantes; sem falar nos jesutas. A Sociedade de Pesquisas Psquicas, sediada em Londres, tinha na pessoa de Hodgson, vigoroso panfletista,
um caluniador de Blavatsky; porm, E.S. Dutt provou a integridade moral da
acusada, bem como a honestidade de seus propsitos. Dutt provou ainda a
existncia de uma conspirao, muito bem organizada, para destru-la. Logo no
incio do nosso sculo, surgem ainda duas obras contrrias ao valor da fundadora da
Sociedade Teosfica: Jos Vasconcelos com Estudios Indostnicos e Ren Gunon
com L Thosophisme - - Histoire d'une Pseudo-religion; respectivamente de 1923 e
1929.
Essas acusaes, porm, iriam se arrebentar como o vidro de uma
garrafa contra o rochedo impassvel da evidncia. Basta ler as respostas de G. R.
Mead, Concerning H.P.B.; J. Ranson, Madame Blavatsky Occultist; F. Arundale, My
Guest H.P.B.; W. Kingsland, La Verdadera H. P. Blavatsky; A. L. Cleather, H.P.
Blavatsky, as I Knew Her e, principalmente, a documentada e volumosa obra de
Mario Roso de Luna, Una Mrtir dei Siglo XIX, Helena Petrovna Blavatsky. So
estudos criteriosos, desapaixonados, que convergem unanimemente consagrao
de uma consciente missionria da Teosofia, da qual ela foi pioneira no Ocidente.
So testemunhos de vrios matizes, que desmentem as acusaes e restabelecem
a verdade. As principais obras de madame Blavatsky so Isis sem Vu, 1877; A
Doutrina Secreta, sntese de filosofia, cincia e religio, em seis volumes, 1888; The
Theosophical Glossary, 1890; A Voz do Silncio, 1889; Narraes Ocultistas, 1890;
Pelas Grutas e Selvas do Hindusto, 1890; e A Chave da Teosofia, em 1891, ano
da sua morte.
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Assim, o livro que estamos apresentando ao pblico a ltima obra da
grande mestra. E tambm o mais acessvel. Parece que no fim da vida ela sentiu
necessidade de popularizar seus ensinamentos. Por essa razo, A Chave da
Teosofia, obra eminentemente didtica, se apresenta como um roteiro capaz de
orientar todos os que desejam inaugurar seus estudos, ingressando no saguo desse vasto edifcio cultural.
A Chave da Teosofia no a sntese dos diversos livros de Blavatsky.
Pode, quando muito, ser encarado como operao inicial de um complicado
processo matemtico. sempre bom esclarecer que nossa mentalidade ocidental tem sido suprida por subsdios culturais, muitas vezes contrrios estrutura
metafsica. Ainda perduram, em setores de influncia da didtica oficial -- ou da
filosofia aplicada , o sensualismo de Condillac e a "tbua rasa" de Locke como
resduos do aforismo caduco: "Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu".
Admite-se a origem das idias na experincia externa (sensao) e na interna (reflexo).
Situada em campo contrrio, A Chave da Teosofia tem como ncleo a
metafsica. A definio adotada a de Ranzoli, em lugar da de Andrnico de Rodes,
por indicar aquela parte excelsa do saber humano que trata da essncia ltima das
coisas, enquanto procura explicar o mundo e a existncia, valendo-se do mtodo
apriorstico, isto , partindo do ser em si, do ente necessrio e perfeito. Pode ser
entendida como o conhecimento que se obtm com a intuio direta das coisas.
A esse propsito, citamos o espiritualista Huberto Rohden, para
esclarecer e avaliar o conceito:
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"Para que o homem seja capaz de ver e conscientizar a realidade metafsica em todas as factividades fsicas, ele deve isolar-se por longo tempo na
pura metafsica, at que o ltimo resqucio do fsico desaparea no horizonte de seu
consciente, e ele permanea, sozinho e desnudo, no seu cosmo-consciente,
sentindo em si o grande uno, longe de todo verso. Mas precisamente aqui que
est o tremendo problema para quase todos os homens do Ocidente, que, em geral,
tm 100% de conscincia fsica e 0% de conscincia metafsica. Esse peso-morto
tem milhares de anos na raa humana e alguns decnios em cada indivduo.
Neutralizar esse peso-morto um problema de rdua soluo" (in Sabedoria, n. 81, pg. 299).
A Chave da Teosofia , portanto, uma tentativa de tornar a metafsica
acessvel ao postulante habituado a tatear outros caminhos. Entretanto, mesmo
vencendo as primeiras etapas de sua tarefa, no convm lanar-se imediatamente
nos seis volumes da Doutrina Secreta. Isto porque essa gigantesca obra no foi
elaborada de acordo com o mtodo expositivo adequado nossa mentalidade
ocidental. Pelo contrrio, fruto de uma intuio direta, esse livro parece mais um jogo intelectual de proposies abstratas e concretas, ora conseqentes, ora autnomas,
que rompem o equilbrio e o arranjo da pesquisa. Quanto a isso, Mario Roso de Luna o maior defensor de Blavatsky, seu discpulo mais fiel e criterioso bigrafo
fez a seguinte apreciao:
"Esse edifcio ciclpico do saber arcaico um monumento prodigioso,
mas ao mesmo tempo desordenado e confuso. No vamos entrar na controvrsia de
que assim tenha sido feito deliberadamente, como parece deduzir-se at das frases
de certos tpicos, e com o objetivo de estimular o estudante sincero, afastando, outrossim, os leitores possudos de mera frivolidade cientfica; mas a verdade que
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a tarefa de tais estudantes, diante desses complicados volumes, seguida no raro
de desalento s comparvel ao do bom catlico simplesmente emotivo manuseando
a Bblia''.
Por razes evidentes, a Sociedade Teosfica da Frana achou oportuna a
publicao de um volume que fosse o meio-termo entre os rudimentos de A Chave
da Teosofia e a altitude de A Doutrina Secreta. Assim, em 1923, surgiu o Brevirio
da Doutrina Secreta, cujo prefcio advertia: "A se encontra, de alguma maneira, a essncia da Doutrina Arcaica, obtida, no pelo exame do texto, mas por eliminao
de pargrafos considerados menos importantes".
A Chave da Teosofia no oferece prmios curiosidade, porque esta a
tangente que resvala na sabedoria; tambm no ilumina a mente, porque no um
sol de conhecimento; mas d ao estudioso a oportunidade de empolgar-se menos
com a tecnocracia dominante, e orientar-se a si mesmo no melhor sentido de sua
humanizao. A Chave da Teosofia no uma escola que leve o homem ao
caminho da liberao, pois esta s alcanada de dentro para fora de ns mesmos.
Preferimos ver nela uma convocao de fora para dentro, para despertar em nosso
corao o primado do esprito. A Chave da Teosofia poder ser um passo e j teria cumprido sua misso que nos aproxime das portas da eternidade.
Edmundo Cardillo
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PREFCIO DO AUTOR
O objetivo deste livro est expresso exatamente no seu ttulo: A CHAVE DA TEOSOFIA, e poucas palavras so necessrias para explic-lo. No um texto
completo de Teosofia, mas sim, unicamente, uma chave para abrir a porta que
conduz a um estudo mais profundo. Esta obra distingue as principais linhas da
Religio da Sabedoria, e expe seus princpios fundamentais, contestando as vrias
objees que possa fazer o ocidental sincero e tratando de apresentar conceitos pouco familiares, na forma mais simples e em linguagem a mais clara possvel.
Acreditar que conseguiria jazer a Teosofia inteligvel, sem esforo mental por parte do leitor, seria esperar demasiado; mas confiamos que a obscuridade que ainda
reina na obra devida ao pensamento profundo que lhe intrnseca e no
linguagem e confuso. Para o homem de mente preguiosa e para o obtuso, a
Teosofia ser um enigma; pois no mundo intelectual, assim como no espiritual, o
homem s progride por seus prprios esforos. O escritor no pode pensar pelo
leitor, e nem este tiraria qualquer proveito se isto fosse possvel. Faz tempo que
aqueles que esto interessados na obra da Sociedade Teosfica sentem
necessidade deste trabalho, e esperamos que, isento o mais possvel de
tecnicismos, preencher seu objetivo junto a muitas pessoas cuja curiosidade est desperta, embora ainda s intrigadas e no convencidas.
Tivemos cuidado de separar o certo do falso no que diz respeito s
doutrinas espiritualistas e vida alm-tmulo, e de apresentar sob seu verdadeiro
aspecto os fenmenos espiritualistas. Explicaes sobre este particular dadas h
tempos foram causa da ira desencadeada contra a autora desta obra, preferindo os
espiritualistas, como muitos outros, acreditar mais no que lhes agrada do que no que
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certo, aborrecendo-se sobremaneira com tudo aquilo que vem destruir uma
agradvel iluso. Durante o ano passado a Teosofia foi o alvo dos ataques mais
violentos por parte do Espiritismo como se os que s possuem meia-verdade
sentissem maior antagonismo pelos possuidores da verdade inteira, do que os que
nada tm a ver com ela.
Expresso um verdadeiro agradecimento aos tesofos que me dirigiram
perguntas, o que me ajudou muito a escrever esta obra, que resultar por ela mesma mais til, sendo esta sua melhor recompensa.
H. P. B.
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H. P. BLAVATSKY
A CHAVE DA TEOSOFIA
Exposio clara
em forma de perguntas e respostas
da
TICA, CINCIA E FILOSOFIA
Dedicada por H. P. B.
a todos os seus discpulos
para que aprendam e possam
por sua vez ensinar.
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TEOSOFIA E SOCIEDADE TEOSFICA
SIGNIFICAO DO NOME TEOSOFIA
Pergunta: Acontece freqentemente considerar-se a Teosofia e suas
doutrinas como uma nova religio. uma religio? Tesofo: No, no . A Teosofia a Cincia ou Sabedoria divina.
P: Qual o verdadeiro significado do termo?
T: "Saber Divino", ia (Theosophia) Sabedoria dos deuses,
como ia (Theogonia), genealogia dos deuses. A palavra a, em grego
significa um deus, um dos seres divinos, e de modo nenhum "Deus", no
sentido que atualmente damos a esse termo.
No , portanto, a "Sabedoria de Deus", segundo traduzem alguns,
mas sim Sabedoria Divina, a possuda pelos deuses. O vocbulo tem milhares
de anos de existncia.
P: Qual a origem deste nome?
T: Ele nos foi transmitido pelos filsofos alexandrinos chamados de
amantes da verdade, Filaleteos, palavra composta de (phil) "amante" e de
aa (aletheia) "verdade". O nome Teosofia data do terceiro sculo de nossa
era, e os primeiros que o empregaram foram Amnio Sakas e seus discpulos1
que fundaram o Sistema Teosfico Ecltico.
1 Tambm chamados analogistas. Segundo o professor Alexandre Wilder, M.S.T., em seu
Neoplatonismo e Alquimia, eles eram chamados deste modo devido ao seu mtodo para interpretar
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P: Qual era o objetivo desse sistema? T: Inculcar, antes de tudo, certas grandes verdades morais nos
discpulos e em todos aqueles que eram "amantes da verdade". Da vem a
divisa adotada pela Sociedade Teosfica: "No h religio superior verdade"2
.
O principal objetivo a que se propunham os fundadores da Escola Ecltica Teosfica era um dos trs objetivos de sua sucessora moderna, a
todas as lendas sagradas e narraes, bem como os mitos e mistrios, por meio de uma regra ou princpio de analogia e correspondncia; de maneira que acontecimentos referidos como tendo se passado no mundo externo, eram considerados como expressando operaes e experincias da alma humana. Eram tambm designados de neoplatnicos. Ainda que se atribua geralmente a Teosofia ou Sistema Ecltico Teosfico ao terceiro sculo, dando crdito a Digenes Larcio, sua origem muito mais antiga, uma vez que atribua o sistema a um sacerdote egpcio, Pot-Amun, que viveu nos primeiros tempos da dinastia ptolemaica. O mesmo autor nos diz que o nome Copto, e significa "o que est consagrado a Amun, Deus da Sabedoria". A Teosofia o equivalente de Brahm-Vidya, o conhecimento divino. 2 A Teosofia Ecltica compreendia trs partes: 1 A crena uma Divindade absoluta,
incompreensvel e suprema, ou essncia infinita, que a raiz da natureza inteira e de tudo quanto existe, visvel e invisvel. 2 A crena a natureza eterna, imortal do homem, porque sendo este uma radiao da alma universal, de natureza idntica a ela. 3 A Teurgia, ou "obra divina", ou o ato de produzir uma obra dos deuses; de Theoi, "deuses", e ergein, "fazer alguma coisa". O termo muito antigo, mas no era de uso popular, apenas fazia parte do vocabulrio dos Mistrios. Era crena mstica de que purificando-se a si mesmo, tanto quanto aos seres incorpreos, isto , voltando a adquirir a prpria pureza original da natureza, o homem podia conseguir que os deuses lhe comunicassem mistrios divinos e at conseguir faz-los visveis em certas ocasies, seja subjetiva ou objetivamente. Isto era praticamente provado pelos adeptos iniciados e sacerdotes. Era o aspecto transcendental do que agora se chama Espiritismo; mas tendo sido este profanado e mal interpretado pela massa, chegou a ser considerado por alguns como magia negra, e foi proibido. Ainda se conserva uma pardia da teurgia de Jmblico na magia cerimonial de alguns cabalistas modernos. A Teosofia atual evita e reprova esses tipos de magia e "necromancia", por serem por demais perigosos. A teurgia verdadeira, divina, requer uma pureza e santidade de vida, quase sobre-humanas, pois de outra forma podem degenerar em mediunismo ou magia negra. Os discpulos prximos de Amnio Sakas, os chamados Theodidaktos ("ensinados por Deus"), como Plotino e seu discpulo Porfrio, reprovaram a teurgia no incio, mas posteriormente reconciliaram-se com ela, graas a Jmblico que escreveu uma obra com esse objetivo, intitulada De Misteriis, sob o nome de seu prprio mestre, um famoso sacerdote egpcio chamado Abammon. Amnio Sakas nasceu de pais cristos; desgostoso do Cristianismo dogmtico espiritual desde sua infncia, converteu-se em neoplatnico, e, como a J. Boehme e outros videntes e msticos clebres, atribui-se que a sabedoria divina lhe foi revelada em sonhos e vises. Este foi o motivo pelo qual se lhe chamou Theodidakto. Decidiu reconciliar todos os sistemas religiosos e, demonstrando sua identidade de origem, estabelecer um credo universal baseado na tica. To pura era sua vida, to profundo e vasto seu saber, que vrios padres da Igreja eram seus discpulos secretos. Clemente de Alexandria fala muito alto a seu favor. Plotino, o "So Joo" de Amnio, tambm era um homem universalmente respeitado e estimado, com uma instruo e integridade enormes. Aos 39 anos de idade, acompanhou o imperador romano Gordiano e seu exrcito, ao Oriente, a fim de ser instrudo pelos sbios da Bactriana e da ndia. Teve uma Escola de Filosofia em Roma. Seu discpulo Porfrio, cujo verdadeiro nome era Malek (judeu, helenizado), reuniu todos os escritos de seu mestre. Porfrio tambm foi um grande autor e deu uma interpretao alegrica a alguns fragmentos dos escritos de Homero. O sistema de meditao empregado pelos filaleteianos conduzia ao xtase; sistema parecido prtica da yoga, na ndia. O que se sabe sobre a Escola Ecltica, deve-se a Orgenes, Longino e Plotino, discpulos de Amnio. (Veja: Neoplatonismo e Alquimia, de A. Wilder.)
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Sociedade Teosfica, ou seja, o de reconciliar sob um sistema de tica comum baseado em verdades eternas, todas as religies, seitas e naes.
P: Como podem demonstrar que isto no um sonho impossvel, e que
todas as religies do mundo esto baseadas em uma mesma e nica verdade?
T: Seu estudo e anlise comparados o demonstram. "A Religio da
Sabedoria" era una na antigidade, e isto fica provado pela identidade da
filosofia religiosa primitiva, e pelas idnticas doutrinas ensinadas aos
iniciados durante os Mistrios, instituio universalmente difundida em outros
tempos: "Todos os cultos antigos demonstram a existncia de uma s
Teosofia anterior a eles. A chave que explicar um deles h de explicar todos;
de outro modo no poderia ser a verdadeira" (A. Wilder, obra citada).
Como procede a Sociedade Teosfica?
P: No tempo de Amnio havia antigas e importantes religies, e s no
Egito e Palestina, as seitas eram numerosas; como se pode reconcili-las entre si?
T: Fazendo o que estamos fazendo agora. Os neoplatnicos
formavam uma corporao numerosa e pertenciam a vrias filosofias
religiosas3, como sucede a ns tesofos. O Judeu Aristbulo afirmava
naqueles dias que a tica de Aristteles representava os ensinamentos
esotricos da Lei de Moiss; Flon, o judeu, se esforava em reconciliar o
3 O Judasmo estabeleceu-se na Alexandria sob Filadelfus, e os mestres helnicos converteram-se
desde ento em perigosos rivais do Colgio de Rabinos da Babilnia. O autor do Neoplatonismo diz com muita oportunidade: "Os sistemas buddhista, vedntico e mgico foram expostos durante aquele perodo, ao mesmo tempo que as filosofias da Grcia. No era estranho, portanto, que os pensadores opinassem que a luta de palavras devia cessar, e achassem possvel extrair dessas vrias doutrinas um sistema harmnico... Panteno, Athengoras e Clemente foram instrudos inteiramente na filosofia platnica, e compreenderam sua unidade com os sistemas orientais".
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Pentateuco com a filosofia pitagrica e platnica; e Josefo provava que os
essnios do Carmelo eram simplesmente os copistas e discpulos dos
terapeutas egpcios (os que curavam). O mesmo ocorre em nossos dias. Podemos provar a origem de cada religio, assim como de cada seita, at a
mais insignificante. No so as ltimas mais do que pequenas ramificaes
nascidas das maiores; mas umas e outras saem do mesmo tronco, a Religio
da Sabedoria.
Provar isto foi o objetivo de Amnio, que tentou fazer com que cristos e gentios, judeus e idolatras, abandonassem suas lutas e disputas para que pudessem perceber que todos estavam de posse da mesma verdade,
oculta sob diferentes aspectos, e de que todos provinham de uma nica
origem4. O mesmo objetivo guia a Teosofia.
P: E quais so as fontes que os autorizam a emitir semelhante julgamento com relao aos tesofos de Alexandria?
T: Um nmero incalculvel de escritores conhecidos. Mosheim, entre
eles, diz que:
4 Mosheim, falando sobre Amnio, disse: "Compreendendo que no s os filsofos da Grcia, seno
tambm os das naes brbaras estavam de perfeito acordo uns com os outros, com relao a cada ponto essencial, props-se a expor os princpios de todas essas diferentes seitas, para demonstrar que todas haviam nascido da mesma e nica origem, e que todas tendiam a um mesmo e nico fim". Se o escritor que fala de Amnio na Enciclopdia de Edimburgo conhece a matria que trata, nesse caso descreve aos tesofos modernos, suas crenas e sua obra, porque afirma ao referir-se ao Theodidaktos: "Adotou as doutrinas admitidas no Egito (as esotricas eram as da ndia), concernentes ao universo e divindade, considerados como constituindo um grande todo relativo eternidade do mundo. . . Estabeleceu tambm um sistema de disciplina moral, que permitia s pessoas viverem segundo as leis de seu pas e os preceitos da natureza, mas que exigia dos sbios a exaltao de seu esprito por meio da contemplao".
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"Amnio ensinou que a religio das massas
estava relacionada com a filosofia, e que, com ela, se
deturparam gradualmente, obscurecendo-se pelos
conceitos, mentiras e supersties puramente humanos;
que era por conseguinte necessrio devolv-la sua
pureza original, purific-la dessas escrias e base-la em
princpios filosficos; que o objetivo do Cristo era estabelecer e restaurar em sua integridade primitiva a
sabedoria dos antigos; reduzir o domnio da superstio
que prevalecia no universo; corrigir de um lado, e de outro
exterminar os diferentes erros que se introduziram nas
distintas religies".
Os tesofos modernos dizem a mesma coisa. A nica diferena
consiste em que, enquanto o grande Filaleteu encontrava apoio e ajuda de dois padres da Igreja para seu intento: Clemente e Athengoras; em todos os rabinos cultos da sinagoga, na academia e no bosque, enquanto ensinava uma
doutrina comum a todos, ns, seus discpulos e continuadores, no somos
reconhecidos, mas sim pelo contrrio, ultrajados e perseguidos. Fica assim demonstrado que as pessoas eram mais tolerantes h 1.500 anos, do que o
so neste sculo das luzes.
P: No se pode encontrar a causa do apoio dado pela Igreja, pelo jato de ser Amnio cristo e haver ensinado o Cristianismo apesar de suas heresias?
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T: De modo nenhum. Ele nasceu cristo mas jamais aceitou o Cristianismo da Igreja. Diz o dr. Wilder: "S teve que expor suas doutrinas, segundo as antigas colunas de Hermes, que tanto Plato como Pitgoras
conheciam antes e com as quais constituram sua filosofia". Encontrando as
mesmas idias no prlogo do Evangelho de So Joo, sups muito
acertadamente que a inteno de Jesus era a de restaurar a grande doutrina da
sabedoria em sua primitiva integridade. Considerava ele que as narraes da
Bblia e as histrias dos deuses eram apenas alegorias explicativas da
verdade, ou ento fbulas inaceitveis.
Alm disso, conforme a Enciclopdia Edimburgo: "reconhecia
(Amnio) que Jesus era um homem excelente e amigo de Deus", mas declarava que no se props abolir inteiramente o culto dos demnios
(deuses), e que sua nica inteno era purificar a religio antiga.
A religio da sabedoria esotrica em todas as idades
P: Uma vez que Amnio nunca escreveu suas idias, como poderemos
certificar-nos da verdade com relao sua doutrina?
T: Nem Buddha, nem Pitgoras, nem Confcio, nem Orfeu, nem
Scrates, nem mesmo Jesus, deixaram qualquer escrito atrs de si. Sem
dvida, a maior parte era de personagens histricos, e todas as suas doutrinas
sobreviveram. Os discpulos de Amnio (entre os quais esto Orgenes e Herennius) escreveram tratados e explicaram sua tica. Indubitavelmente esta ltima to histrica quanto os escritos apostlicos, seno mais. Alm disso,
seus discpulos: Orgenes, Plotino e Longino (conselheiro da famosa rainha
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Zenbia) deixaram abundantes dados sobre o Sistema Filaleteu, pelo menos at onde podia ser conhecida publicamente sua profisso de f, pois a escola
dividia seus ensinamentos em exotricos e esotricos.
P: Sendo esotrica o que se chama de religio da Sabedoria, como
puderam ser transmitidos seus dogmas ou princpios at nossos dias?
T: A religio da Sabedoria sempre foi uma e a mesma, e sendo a
ltima palavra do conhecimento humano possvel foi cuidadosamente
conservada. Existia antes dos tesofos alexandrinos, alcanou os modernos e
sobreviver a todas as demais religies e filosofias.
P: Por quem e onde foi conservada?
T: Entre os iniciados de cada nao; entre os profundos
investigadores da verdade, seus discpulos; e naquelas partes do mundo onde
estas matrias sempre foram mais apreciadas e investigadas: na ndia, na sia Central e na Prsia.
P: Vocs podem dar alguma prova de seu esoterismo?
T: A melhor prova consiste no fato de que cada culto religioso, ou
melhor, filosfico antigo, compreendia um ensinamento esotrico ou secreto, e
um culto exotrico (pblico). Outro fato bastante conhecido que os mistrios dos antigos dividiam-se em "maiores" (secretos) e "menores" (pblicos); como nas solenidades chamadas na Grcia de Eleusianas. Desde os Hierofantes de
Samotrcia, Egito, os brmanes iniciados da ndia antiga, at os rabinos
hebreus, todos, por temor profanao, ocultaram suas verdadeiras crenas.
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Os rabinos hebreus chamavam as suas sries religiosas seculares, a Mercavah
(o corpo exterior), "o veculo" ou a coberta que oculta a alma, quer dizer, a sua cincia secreta mais elevada. Na antigidade nenhuma nao jamais divulgou, atravs de seus sacerdotes, seus verdadeiros segredos filosficos para as
massas, dando a estas somente a parte exterior deles. O Buddhismo do Norte
tem seus "veculos" "maiores" e "menores", conhecidos sob o nome de
Mahayana ao que esotrico e de Hinayana ao exotrico, que so duas
escolas. No se lhes deve censurar o segredo guardado, pois seguramente a
ningum ocorrer alimentar um rebanho de ovelhas com dissertaes
cientficas eruditas sobre botnica, ao invs de ervas. Pitgoras denominava a
sua Gnose "o conhecimento das coisas que so" ou pipipipi pipipipi, e
reserva esses conhecimentos somente para seus discpulos que haviam
jurado guardar segredo; para aqueles que podiam assimilar esse alimento mental e encontrar nele satisfao; aos que juramentavam para guardar o segredo e o silncio.
Os alfabetos ocultos e as cifras secretas so o desenvolvimento dos
antigos escritos hierticos egpcios, cujo segredo estava antigamente em poder dos hierogramatistas, sacerdotes egpcios iniciados. De acordo com
seus bigrafos, Amnio Sakas juramentava a seus discpulos para que no divulgassem suas doutrinas superiores, exceto queles que j haviam sido instrudos nos conhecimentos preliminares, e que tambm estavam ligados
por juramento.
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Finalmente: no encontramos o mesmo costume no Cristianismo
primitivo, entre os Gnsticos, e at nos ensinamentos de Cristo? Acaso no
falou ele s massas em parbolas de duplo sentido, explicando unicamente
aos discpulos seus motivos? "A vocs disse dado conhecer os
mistrios do reino dos cus; mas aos de fora todas essas coisas se explicam
em parbolas" (Marcos, IV. 11). "Os Essnios da Judia e do Carmelo faziam igual distino, dividindo seus membros em nefitos, irmos e perfeitos ou
iniciados"5 . Exemplos deste tipo podem ser encontrados em todos os pases.
P: Pode-se alcanar a "Sabedoria Secreta" unicamente pelo estudo? As
enciclopdias definem a Teosofia com sentido parecido ao que faz o dicionrio
Webster, isto , como uma suposta comunicao com Deus e os espritos
superiores, e a conseqente aquisio do conhecimento sobre-humano por meios
fsicos e procedimentos qumicos. Isto exato?
T: No acredito, nem existe lexicgrafo algum capaz de aplicar-se a
si mesmo, ou explicar aos demais, como se pode alcanar o conhecimento
sobre-humano por meio de procedimentos fsicos ou qumicos. Se Webster
tivesse dito por meios metafsicos e alqumicos, teria sido uma definio
quase correta, aproximada da verdade; o que escreveu absurdo. Os antigos
tesofos, assim como os modernos, sustentam que o infinito no pode ser
conhecido pelo finito, isto , percebido pelo finito; mas que a essncia divina
pode ser comunicada ao Ego Espiritual em estado de xtase. Dificilmente se
pode alcanar essa condio, como sucede com o hipnotismo, por
"procedimentos fsicos e qumicos".
5 Veja: Neoplatonismo e Alquimia, de A. Wilder.
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P: Como se explica isto?
T: Plotino definiu o verdadeiro xtase como "a liberao da
inteligncia de seus conhecimentos finitos, e sua unio e identificao com o
infinito", Esta a condio mais elevada diz o professor Wilder mas sua
durao no permanente, e s a muito poucos dado alcan-la. Esta
situao idntica ao estado que se conhece na ndia com o nome de Samadhi. Este praticado pelos iogues, que o facilitam fisicamente pela maior
abstinncia na comida e bebida, e por um esforo mental contnuo para
purificar e elevar a mente. A meditao silenciosa e no pronunciada, ou,
como diz Plato, " o ardente desejo da alma at o divino; no para pedir alguma graa ou favor particular (como sucede com a orao comum), seno pelo bem em si, pelo Bem Supremo Universal" (do que somos na terra uma parte, e de cuja essncia todos procedemos). "Assim, pois - conclui Plato , guarda silncio em presena dos seres divinos, at que se dissipem as nuvens
diante de teus olhos e te permitam ver com a luz que deles emana, no aquele
que se apresenta como bom, mas como aquele que intrinsicamente bom6.
P: Portanto, a Teosofia no um sistema novo como acreditam alguns?
6 Isto o que o ilustre autor de Neoplatonismo, o professor A. Wilder, M.S.T., descreve como
fotografia espiritual: "A alma a cmara onde todos os fatos e acontecimentos futuros, passados e presentes esto fixados, e a mente chega a ter conscincia deles. Mas alm de nosso mundo limitado, tudo um s dia ou estado o passado e o futuro compreendidos no presente. . . A morte o ltimo xtase na terra. A alma ento se v livre das travas do corpo e sua parte mais nobre une-se natureza superior, participando assim da sabedoria e presena dos seres superiores. A verdadeira Teosofia para os msticos aquele estado que Apolnio de Tyana descreveu: "Posso ver o presente e o futuro como em um claro espelho. O sbio no precisa contemplar os vapores da terra e a corrupo do ar para prever os acontecimentos. . . Os theoi, ou deuses, vem o futuro; os homens comuns, o presente; os sbios, aquilo que vai ter lugar". A Teosofia dos sbios de que fala. fica bem clara na afirmao: "O Reino de Deus est em ns mesmos".
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T: S gente ignorante pode consider-la desta maneira. Em sua tica
e ensinamentos, seno no nome, to antiga quanto o mundo, assim como ,
entre todos, o sistema mais amplo e catlico (universal).
P: Como se explica ento que a Teosofia tenha sido to desconhecida
nas naes do hemisfrio ocidental? Por que foi um livro fechado para as raas, sem
dvida alguma mais cultas e adiantadas?
T: Cremos que antigamente existiram naes, seguramente mais
"adiantadas" espiritualmente do que ns estamos. Mas h vrias razes que
motivam essa ignorncia voluntria. Uma delas foi dita por So Paulo nos
Cultos Atenienses: a falta, durante longos sculos, de verdadeiro
conhecimento espiritual, e at de interesse por ele, devida a uma inclinao
exagerada s coisas sensuais e uma ampla sujeio letra morta do dogma e do ritualismo.
Mas a principal razo o fato de haver-se conservado sempre
secreta a verdadeira Teosofia.
P: Foram apresentadas provas da existncia do segredo, mas qual a
causa real dele?
T: As causas eram as seguintes: primeiramente, a perversidade da
natureza do homem vulgar e seu egosmo tendendo sempre satisfao de
seus desejos pessoais em detrimento do prximo. A semelhantes seres jamais se pode confiar segredos divinos. Em segundo lugar, sua incapacidade para
conservar os conhecimentos sagrados e divinos, lmpidos de toda
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degradao. Esta ltima foi a causa da perverso das verdades e smbolos
mais sublimes, e da transformao gradual das coisas espirituais em formas
antropomrficas e comuns; em outras palavras, o rebaixamento da idia divina
e a idolatria.
A Teosofia no o Buddhismo
P: Freqentemente vocs so considerados como "Buddhistas
Esotricos". Vocs so discpulos de Gautama Buddha?
T: No, pois isto equivaleria a dizer que todos os msicos so
discpulos de Wagner. Alguns, entre ns, .pertencem religio Buddhista; e,
sem dvida, contamos entre ns com muito mais hindus e brmanes que
buddhistas, e mais cristos (europeus e americanos), que buddhistas convertidos.
Esse erro nasceu da m interpretao do verdadeiro sentido do ttulo
da excelente obra de Sinnett, O Buddhismo Esotrico, onde deveria ter sido
escrita a palavra Buddhismo com um s d ao invs de dois, porque nesse caso
esta palavra teria expressado a idia do autor, ou seja: Sabedoria (Bodha, bodhi, "inteligncia", "sabedoria"), ao invs de Buddhismo, que significa a filosofia religiosa de Buddha, o Gautama. A Teosofia, como j se disse, a religio da Sabedoria.
P: Que diferena existe entre o Buddhismo a religio fundada pelo
prncipe de Kapilawastu e o Budhismo ou "Sabedoria", que est sendo mostrado
como sinnimo de Teosofia?
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T: Exatamente a que existe entre o ritualismo e a teologia dogmtica
das Igrejas e seitas, e os ensinamentos secretos do Cristo, que se chamaram "os mistrios do Reino dos Cus". Buddha significa o "Iluminado" por Bodha
ou conhecimento, Sabedoria. Esta se arraigou e difundiu nas doutrinas
esotricas que Gautama ensinou somente aos seus Arhats escolhidos.
P: Sem dvida, alguns orientalistas negam que Gautama tenha ensinado
jamais qualquer doutrina esotrica. T: Tambm podem negar que a natureza possua segredos ignorados
pelos homens da cincia. Provarei mais adiante pela conversao de Buddha
com seu discpulo Ananda. Suas doutrinas esotricas eram simplesmente a
Gupta Vidya (cincia ou conhecimento secreto) dos antigos brmanes, cuja chave seus modernos sucessores perderam por completo, com raras
excees; e essa Vidya passou ao domnio do que se conhece agora como
doutrina interior (secreta) da escola Mahayana do Buddhismo do Norte. Os que o negam so simples pretendentes, ignorantes do Orientalismo. Aconselho
que se leia o Buddhismo Chins do reverendo Edkins, especialmente os
captulos referentes s escolas e ensinamentos exotricos e esotricos, e
comparar ento o testemunho de todo o mundo antigo sobre esse particular.
P: Mas a tica da Teosofia no semelhante que ensinou Buddha?
T: Certamente, porque aquela tica a alma da religio da Sabedoria,
e foi em outros tempos propriedade comum dos iniciados de todas as naes.
Mas Buddha foi o primeiro a fundir essa tica sublime com seus ensinamentos
pblicos, e a fazer dela a base e a essncia de seu sistema pblico. Nisto
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consiste a imensa diferena que existe entre o Buddhismo exotrico e as
demais religies. Porque, enquanto em algumas delas o ritualismo e o dogma
ocupam o primeiro e mais importante lugar, a tica sempre foi o principal no
Buddhismo.
Isto explica a semelhana - - quase a identidade - - que existe entre a
tica da Teosofia e a da religio de Buddha.
P: Existem alguns graus importantes de diferena?
T: Existe uma notvel diferena entre a Teosofia e o Buddhismo
exotrico, este ltimo representado pela Igreja do Sul, que nega por completo: a) a existncia de qualquer Divindade, e b) uma vida consciente post-mortem, e at uma individualidade consciente que sobreviva ao homem. Esta , ao
menos, a dou trina da Seita Siamesa, hoje considerada como a forma mais pura do Buddhismo exotrico. Assim , na verdade, se nos referimos
unicamente aos ensinamentos pblicos de Buddha, e mais adiante darei o
motivo desta reticncia da sua parte. Mas as escolas da Igreja Buddhista do Norte, estabelecidas naqueles pases de onde se retiraram os Arhats iniciados
depois da morte do Mestre, ensinam tudo o que se conhece hoje em dia com o nome de Doutrinas Teosficas, porque so parte da cincia dos iniciados,
provando assim como foi sacrificada a verdade em altares de letra morta, pela
ortodoxia demasiado zelosa do Buddhismo do Sul. No entanto, quo mais
sublimes, mais nobres, mais filosficos e cientficos mesmo em sua letra
morta so sem dvida seus ensinamentos, se forem comparados com os de
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qualquer outra religio ou Igreja! Mas, sem dvida, a Teosofia no o Buddhismo.
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TEOSOFIA EXOTRICA E ESOTRICA
O QUE A SOCIEDADE TEOSFICA MODERNA NO
P: Portanto, no so essas doutrinas um renascimento do Buddhismo
nem esto decalcadas na Teosofia neoplatnica?
T: No. Mas o melhor meio de contestar suas perguntas citando um
apontamento sobre a "Teosofia", lido na Conveno Teosfica em Chicago
(abril, 1889), pelo dr. J.D.Buck, M.S.T.
Nenhum tesofo se expressou ou compreendeu melhor a verdadeira
essncia da Teosofia, do que o fez nosso estimado amigo dr. Buck:
"A Sociedade Teosfica foi fundada com a
finalidade de difundir as doutrinas teosficas e promover e
favorecer a vida teosfica. No esta Sociedade a primeira
com este intento. Tenho em meu poder uma obra
intitulada: Transaes Teosficas da Sociedade Filadlfica,
publicada em Londres no ano de 1697; e outra chamada:
Introduo Teosofia, ou seja, a Cincia do Mistrio de Cristo, quer dizer, da Divindade, Natureza e Criatura,
compreendendo a filosofia de todos os poderes em ao,
na vida, mgicos e espirituais, formando um guia prtico
para a pureza e santidade mais sublimes, e a perfeio
evanglica para adquirir a viso divina e as santas artes
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anglicas, poderes e outras prerrogativas da regenerao",
publicada em Londres em 1855, com a seguinte
dedicatria: Aos estudantes das universidades, colgios e
escolas da cristandade; aos professores de cincias
metafsicas, mecnicas e naturais em todas as suas
formas; aos homens e mulheres do magistrio da f
fundamental ortodoxa; aos destas, arrianos,
swedenborgianos e demais credos imperfeitos e mal
fundamentados, racionalistas e cticos de qualquer
espcie; aos maometanos, judeus e patriarcas orientais versados e de julgamento reto; mas especialmente ao ministro e missionrio evanglico, tanto os dos povos
brbaros como os intelectuais, humilde e afetuosamente
dedicada esta introduo Teosofia ou cincia dos
princpios e mistrios de todas as coisas.
No ano seguinte (1856), publicou-se outro livro de seiscentas pginas: Miscelneas Teosficas. Esta obra
teve apenas quinhentos exemplares, destinados
distribuio gratuita em bibliotecas e universidades. Esses
movimentos primitivos foram numerosos e nasciam dentro
da Igreja, com pessoas de grande piedade, zelo e reputao inatacveis. Todos aqueles escritos revestiam
forma ortodoxa, usando expresses crists, e, como as
obras do eminente eclesistico William-Law, s se
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distinguem para o leitor comum, por sua enorme piedade e
sinceridade. Todos, sem exceo, tentavam unicamente
fixar a origem, explicar o sentido mais profundo e o valor
original das Escrituras crists e expor e estimular a vida
teosfica. Logo essas obras foram esquecidas e hoje em dia so geralmente desconhecidas. Tentaram reformar o
clero e reavivar a verdadeira piedade, e sempre foram mal
recebidas. Uma s palavra: "heresia", jogava-as no esquecimento como a todas as utopias semelhantes. Na
poca da Reforma, Joo Reuchlin tentou o mesmo objetivo sem resultado, apesar de ser amigo ntimo e confidente de
Lutero. A ortodoxia jamais quis ser ilustrada. Sempre se disse a esses reformadores como
ocorreu com Paulo Festus que a instruo demasiada
tornara-os loucos, e que seria perigoso seguir adiante.
Apesar da verbosidade que nesses escritores era devida
em parte ao costume, educao, e tambm ao freio do
poder secular, e, voltando questo principal, pode-se
dizer que esses escritores eram teosficos no seu mais
rigoroso sentido, e s se referem ao conhecimento do
homem sobre sua prpria natureza e vida superior da
alma. O presente movimento teosfico tem sido acusado
algumas vezes de tentar converter o Cristianismo ao
Buddhismo, o que significa simplesmente que a palavra
"heresia" perdeu sua fora e renunciou ao seu poder.
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Em todas as pocas existiram indivduos que
compreenderam mais ou menos claramente as doutrinas
teosficas e as aplicaram em sua vida particular. Essas
doutrinas no pertencem exclusivamente a religio
alguma, e no esto relacionadas de modo especial a
nenhuma sociedade ou poca. So privilgio de toda alma
humana. A ortodoxia deve ser interpretada por cada um
segundo sua natureza, de acordo com suas necessidades
peculiares e sua prpria experincia. Isto vai explicar por
que aqueles que imaginam ver na Teosofia uma nova
religio, buscam em vo seu credo e seu ritual. A lealdade
verdade seu credo e "honrar cada verdade por seus
atos seu ritual". As massas compreendem muito pouco
esse princpio de fraternidade universal, e raras vezes
reconhecem sua importncia transcendental. Provam-no a
diversidade de opinies e falsas interpretaes sobre a
Sociedade Teosfica. Esta Sociedade foi organizada sob o
princpio nico da fraternidade essencial do homem, como
acabo de demonstrar ainda que breve e imperfeitamente.
Tem sido atacada porque a consideravam buddhista e
anticrist, como se se pudesse ser as duas coisas a um s
tempo, precisamente quando ambos o Buddhismo e o
Cristianismo , conforme foram estabelecidos por seus
inspirados fundadores, consideram a fraternidade como o
ponto essencial e nico da doutrina e da vida. Tambm
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consideraram a Teosofia como uma coisa nova no mundo,
ou tudo como um antigo misticismo disfarado com um
novo nome. Embora sendo verdade que muitas sociedades
fundadas nos princpios de altrusmo ou fraternidade
essencial, e unidas para defender esses princpios, tiveram
vrios nomes, no menos certo que muitas delas foram
tambm chamadas teosficas, e seus princpios e
objetivos eram os mesmos desta atual Sociedade que tem este nome. Em todas essas sociedades, a essncia da
doutrina foi sempre a mesma, e tudo o mais incidental,
embora seja falo que muitas pessoas se fixem no acidental e descuidem o essencial".
No possvel contestar melhor e mais explicitamente suas
perguntas, do que como o faz um homem que um de nossos mais apreciados
e sinceros tesofos.
P: Sendo assim, qual o sistema que adotam alm da tica buddhista?
T: Nenhum e todos. No estamos ligados a qualquer religio ou
filosofia especial: escolhemos o bom que em cada uma encontramos. Mas
necessrio que se repita aqui que a Teosofia, como todos os sistemas antigos,
est dividida em duas partes: a Exotrica e a Esotrica.
P: Em que consiste a diferena?
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T: Em geral os membros da Sociedade Teosfica podem professar a
religio ou a filosofia que acharem mais conveniente, sempre que simpatizem
com um ou mais dos trs objetivos da associao e estejam dispostos a defend-los. A Sociedade uma corporao filantrpica e cientfica para a
propagao da idia de fraternidade no terreno prtico e no no terico. No
importa que os membros sejam cristos ou muulmanos, judeus ou zoroastristas, buddhistas ou brmanes, espiritualistas ou materialistas; mas
cada membro tem que ser um filantropo, ou um estudante investigador da
literatura ariana e outras antigas, ou dedicar-se s cincias psquicas. Numa s
palavra, deve contribuir, se possvel, realizao de um dos objetivos do programa, pelo menos. De outra maneira, ingressar como "membro" no teria
razo de ser. Assim a maioria da Sociedade Exotrca, formada por membros
"ligados" e "independentes"7. Estes podem chegar a ser tesofos de fato ou
no. So membros por pertencerem Sociedade, mas esta no pode converter
em tesofo a uma pessoa que no tem o sentido das coisas divinas, ou que
aprecia as coisas da Teosofia de uma maneira muito particular -- (sectria, se que se pode usar essa expresso ou egosta). O ditado: "generoso quem faz generosamente" pode parafrasear este caso, e diramos: " Tesofo todo aquele que vive e pratica a Teosofia".
7 "Membro ligado" o que faz parte de uma Rama da S.T.; e "membro independente" o que
pertence S.T., tem seu diploma expedido pela sede central (Adyar, Madras), mas no est filiado a nenhuma Rama ou Grupo.
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Tesofos e membros da Sociedade Teosfica
P: O que foi dito, segundo se entende, refere-se aos membros do crculo
externo; mas como quanto aos que se dedicam ao estudo esotrico da Teosofia?
So estes os verdadeiros tesofos?
T: No necessariamente, a menos que tenham dado provas de que
possam ser assim considerados. Entraram em um grupo interior e se
comprometeram a observar, to estritamente quanto lhes seja possvel, as regras do crculo oculto. Esta uma empresa difcil, uma vez que a primeira e
principal das regras a renncia completa da prpria personalidade, isto , um
membro que se comprometeu, tem que se converter em um perfeito altrusta,
no pensar jamais em si mesmo, e esquecer sua prpria vaidade e orgulho em funo do bem de seus semelhantes, alm do de seus irmos do crculo
esotrico. Se pretende tirar proveito das instrues esotricas, sua vida ser
de abstinncia em todas as coisas, de abnegao e estrita moralidade,
cumprindo com seu dever com relao a todos os homens. Os poucos
tesofos verdadeiros com que conta a Sociedade Teosfica encontram-se
entre esses membros. Isto no quer dizer que fora da S.T. e do grupo interior
no existam tesofos; h em nmero muito maior do que geralmente se
acredita, e, seguramente, muito mais que entre os membros do crculo externo
da Sociedade Teosfica.
P: Neste caso, a qual a vantagem de pertencer chamada Sociedade
Teosfica? Onde est o estmulo, qual o mvel para isso?
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T: Nenhum, exceto a vantagem de obter instrues esotricas, as
doutrinas puras e verdadeiras da "religio da Sabedoria"; e, se cumpre
realmente o programa, gozar do grande apoio do auxlio mtuo, e da simpatia.
A unio a fora; a harmonia e os esforos simultneos bem
dirigidos fazem milagres. Este tem sido o segredo de todas as associaes e
comunidades, desde que a humanidade existe.
P: Mas por que no pode um homem de inteligncia bem equilibrada e de
propsito sincero, de indomvel energia e perseverana, chegar a ser ocultista e at
adepto, trabalhando sozinho?
T: Pode conseguir, mas existem dez mil probabilidades contra uma,
de que falhar em sua empresa. Uma razo existe entre muitas outras, a de
que no se encontram em nossos dias livros sobre Ocultismo ou Teurgia, que
revelem os segredos da Alquimia ou da Teosofia da Idade Mdia, em
linguagem vulgar. Todos so simblicos ou parablicos; e como foi perdida a
chave no Ocidente, h muitos sculos, como pode algum conhecer o
significado exato do que l ou do que estuda? Este o maior perigo, perigo
que conduz magia negra inconsciente ou ao mediunismo irremedivel. Quem
no tiver um iniciado por mestre, melhor que abandone este perigoso estudo.
Olhe em volta e observe. Enquanto dois teros da sociedade
civilizada ridiculariza a mera possibilidade de que possa haver algo na
Teosofia, Ocultismo, Espiritismo ou na Cabala, o outro tero compe-se de
elementos mais heterogneos e opostos possveis. Alguns crem no mstico e
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at no sobrenatural (!), mas cada um cr a sua maneira. Outros se atiram sem nenhum auxlio ao estudo da Cabala, do Psiquismo e Mesmerismo, Espiritismo
ou qualquer outra forma de misticismo. Resultado: no existem dois homens
que pensem da mesma forma nem que se ponham de acordo com relao a
qualquer dos princpios ocultos fundamentais, ainda que muitos reivindiquem
e pretendam possuir a ltima palavra do saber, e queiram fazer crer aos
profanos nessas matrias, que so adeptos perfeitos. No s h carncia de
um conhecimento exato e cientfico do Ocultismo acessvel ao Ocidente, como
da verdadeira astrologia (o nico ramo do Ocultismo que possui em seus ensinamentos exotricos um sistema de leis definidas), seno tambm que ningum sozinho pode ter a menor idia do significado do verdadeiro
Ocultismo. Alguns se limitam antiga Sabedoria, Cabala e ao Zohar judeu, que cada um interpreta a seu modo, segundo a letra morta dos mtodos
rabnicos. Outros consideram a Swedenborg ou a Boehme como a ltima
expresso da mais elevada sabedoria, enquanto outros, finalmente, vem no
mesmerismo o grande segredo da antiga magia. Todos estes sem exceo,
quando querem levar suas teorias prtica, caem rapidamente -- como
resultado de sua ignorncia -- na magia negra. Felizes aqueles que se livram
desse perigo, carecendo como carecem de experincia e critrio que possam
gui-los para distinguir o real do falso.
P: Isto d a entender que o grupo esotrico da S.T. recebe seus
ensinamentos de verdadeiros iniciados e mestres em sabedoria esotrica?
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T: No diretamente. A presena pessoal desses mestres no
necessria. Basta que dem suas instrues a alguns dos que estudaram sob
sua direo durante anos e que consagraram sua vida inteira a seu servio.
Estes podem, por sua vez, transmitir a cincia recebida aos que no
tiveram esta oportunidade. prefervel uma parte da cincia verdadeira a uma massa de conhecimentos no digeridos e mal interpretados. Uma ona de ouro
vale mais que uma tonelada de p.
P: Mas que meio temos para averiguar se a ona de ouro verdadeiro e
no uma falsificao?
T: Conhece-se uma rvore por seus frutos, um sistema pelos seus
resultados. Enquanto nossos adversrios no nos provem que algum
estudante solitrio de Ocultismo, atravs das idades, converteu-se em um
santo adepto como Amnio Sakas, em um Plotino, em um teurgista como
Jmblico, ou fez coisas como as que se atribuem a So Germano, sem mestre
algum para dirigi-lo, e tudo isto sem ser um mdium, um ilusionista ou um
charlato, ento confessaremos nosso erro. Mas at prova em contrrio, os
tesofos preferem ater-se lei natural, provada e conhecida, da cincia
sagrada tradicional. H msticos que fizeram grandes descobrimentos em
qumica e cincias fsicas, quase penetrando nos domnios da Alquimia e do
Ocultismo; outros, que somente luz de seu gnio redescobriram parte ou
totalmente os alfabetos perdidos da "Lngua do Mistrio", e so, portanto,
capazes de ler corretamente os escritos hebreus; e ainda outros que, sendo
clarividentes, puderam entrever passageiros resplendores dos segredos da
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natureza; mas todos esses so especialistas. Um inventor terico; o outro
um hebrasta, isto , cabalista sectrio; o terceiro, um Swedenborg moderno,
que nega tudo aquilo que est fora de sua cincia ou religio particular.
Nenhum deles pode se vangloriar de haver produzido um benefcio
universal ou nacional, nem mesmo um benefcio para si mesmo. Excetuando
alguns curandeiros que seriam tachados de charlates pelo Real Colgio de
Mdicos e Cirurgies, nenhum ajudou a Humanidade com sua cincia, nem sequer algumas das pessoas que os rodeavam. Onde esto os caldeus da
antigidade, os homens que realizavam curas maravilhosas, "no por meio de
encantos ou feitios, mas pela simplicidade"? Onde um Apolnio de Tyana
que curava os enfermos e despertava os mortos em qualquer circunstncia?
Conhecemos na Europa alguns especialistas capazes do primeiro, mas
ningum capaz do segundo, exceto na sia, onde o segredo da ioga, "viver na morte", ainda se conserva.
P: objetivo da Teosofia criar semelhantes adeptos curadores? T: So vrios os objetivos da Teosofia, mas os mais importantes so
aqueles que podem contribuir para o alvio do sofrimento humano de qualquer
forma, tanto moral como fisicamente e consideramos a primeira muito mais
importante que a segunda. A Teosofia tem que apontar a tica e purificar a
alma, se quer aliviar o corpo fsico, cujas doenas, salvo em casos de acidentes, so hereditrios. O Ocultismo no estudado com fins egostas
para a satisfao de ambio pessoal, o orgulho ou a vaidade, e dessa forma
nem chegar jamais a alcanar o fim proposto, de aliviar a humanidade que
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sofre. Nem tambm estudando apenas um ramo da filosofia esotrica poder
algum chegar a ser ocultista, mas somente estudando-os todos, ainda que
no os domine perfeitamente.
P: Portanto, no se ajuda a alcanar este importantssimo objetivo, seno aos que estudam as cincias esotricas?
T: De modo nenhum. Todo membro do crculo externo tem direito
instruo geral, se a deseja; mas poucos querem converter-se no que se chama de "membros ativos", e a maior parte prefere ser os "Zanges da
Teosofia". Saiba que na Sociedade Teosfica estimulam-se as investigaes
privadas, contanto que no ultrapassem os limites que separam o exotrico do
esotrico, a magia cega do inconsciente.
Diferena entre Teosofia e Ocultismo
P: Teosofia e Ocultismo so idnticos?
T: De maneira nenhuma. Um homem pode ser muito bom tesofo - -
dentro ou fora da Sociedade sem ser, de qualquer maneira, ocultista. Mas
ningum pode ser um verdadeiro ocultista, sem ser tesofo em toda a
extenso do termo; de outra maneira, no ser mais do que um mago negro,
consciente ou inconsciente.
P: O que quer dizer isto?
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T: J disse que um tesofo verdadeiro deve pr em prtica o ideal
moral mais elevado; deve esforar-se em reconhecer sua unidade com a
humanidade inteira e trabalhar incessantemente para os demais. Pois bem: se
um ocultista no desempenhar desta forma sua misso, o far de maneira
egosta, em seu benefcio pessoal; e, se adquiriu maiores poderes prticos que
os demais homens, comumente, exatamente por esse motivo, converte-se em
inimigo do mundo e dos que o rodeiam, muito mais terrvel que um simples
mortal.
P: Ento um ocultista um homem que possui maior poder que os
outros?
T: Muito maior -- se o ocultista prtico realmente instrudo e no se
contenta em s-lo apenas de nome. No so as cincias ocultas "aquelas
cincias imaginrias da Idade Mdia que tratavam da suposta ao ou
influncia de qualidades ocultas ou poderes sobrenaturais, como a alquimia, a
magia, a necromancia e a astrologia", conforme as descrevem as
enciclopdias; porque so cincias reais, verdadeiras e muito perigosas.
Ensinam a fora e influncia secretas das coisas da natureza, desenvolvendo e
cultivando os poderes ocultos "latentes no homem", dando-lhe enormes
vantagens sobre os mortais mais ignorantes. Bom exemplo disso o
hipnotismo, hoje em dia to comum e objeto de indagaes cientficas. O poder hipntico foi descoberto quase por acaso, e preparou o caminho do
mesmerismo. Atualmente, um hipnotizador experimentado, com seu poder,
pode fazer quase tudo o que lhe ocorrer: desde obrigar a um homem a se
tornar bobo inconscientemente, at induzi-lo a cometer um crime s vezes
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at por meio de algum cmplice do hipnotizador e em benefcio deste. No
um terrvel poder, se entregue em mos de pessoas sem escrpulos? E, sem
dvida, este no mais do que um dos menores ramos do Ocultismo.
P: Mas magia e feitiaria, e todas essas cincias ocultas, no so
consideradas pelas pessoas mais cultas e ilustradas como restos de antiga
ignorncia e superstio?
T: Esta observao mistura vrios pontos de vista num s golpe. Os
"mais cultos e ilustrados" tambm consideram o Cristianismo e todas as
demais religies como restos de ignorncia e superstio. As pessoas agora
comeam a crer no hipnotismo, e alguns (at entre os mais cultos), na Teosofia e nos fenmenos. Mas quem - exceto os pregadores e os fanticos
cegos - se atrever a confessar sua crena nos milagres bblicos? Aqui onde
nasce a diferena. Existem tesofos muito bons e puros, que podem crer nos
milagres sobrenaturais, inclusive os divinos; mas nenhum ocultista acreditar
neles. O ocultista pratica a Teosofia cientfica, baseada no conhecimento exato
dos trabalhos e segredos da natureza, enquanto que o tesofo que pratica os
poderes chamados anormais, sem a luz do Ocultismo, tender simplesmente a
uma forma perigosa de mediunismo, porque, ainda que professe a Teosofia e
seu mais elevado cdigo de tica, trabalha s escuras, apoiado em f sincera
mas cega. Qualquer tesofo ou esprita que intente cultivar um dos ramos da
cincia oculta, como o hipnotismo, o mesmerismo ou os segredos para
produzir os fenmenos fsicos, sem o conhecimento da rationale filosfica
desses poderes, como uma nave sem timoneiro em meio ao oceano
embravecido.
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Diferena entre a Teosofia e o Espiritismo
P: Vocs no acreditam no Espiritismo?
T: Se voc entende por "Espiritismo" a explicao que os espritas
do a alguns fenmenos anormais, declaro decididamente que no. Eles
sustentam que todas essas manifestaes so produzidas pelos "espritos"
dos mortos -- geralmente seus parentes que, segundo dizem, voltam terra
para se comunicar com aqueles a quem esto unidos por afeto. Negamos isso
de forma absoluta. Afirmamos que os espritos dos mortos no podem voltar
terra -- salvo em casos raros e excepcionais, dos quais falarei mais adiante ;
nem tampouco se comunicam com os homens, exceto por meios inteiramente
subjetivos. O que aparece objetivamente to-somente o fantasma do homem "ex-fsico". Mas cremos decididamente no Espiritismo psquico, ou melhor
dizendo, "espiritual".
P: Negam tambm os fenmenos?
T: Por certo que no -- salvo em caso de engano consciente.
P: Ento como os explicam?
T: De muitas maneiras. As causas de tais manifestaes no so to
simples como crem os espritas. Antes de tudo, o deus ex machina das
chamadas "materializaes" geralmente o corpo astral ou "duplo" do
mdium, ou de outra pessoa presente. Tambm esse corpo astral o produtor
ou fora ativa nas manifestaes de escrita sobre pedras, como as de
"Davenport".
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P: Foi dito "geralmente": o que ento que produz, o restante?
T: Depende da natureza das manifestaes: s vezes so restos
astrais, as cascas kamolquicas das personalidades que foram; e outras, os
elementais. "Esprito" uma palavra de mltiplo significado. Na realidade,
ignoro o que entendem os espritas por esse termo; mas o que pretendem,
segundo entendo, que os fenmenos fsicos so produzidos pelo Ego que se
reencarna, pela "individualidade" espiritual e imortal. Refutamos inteiramente
essa hiptese. A individualidade consciente dos mortos no pode se
materializar, nem abandonar sua prpria esfera mental devakhnica, para
voltar ao plano de objetividade terrestre.
P: Sem dvida muitas comunicaes recebidas de "espritos" revelam no
s inteligncia como conhecimento de fatos ignorados pelo mdium, e algumas
vezes at jatos que no esto conscientemente presentes no esprito do investigador ou de qualquer outro componente da reunio.
T: Isto no prova que a inteligncia e o conhecimento mencionados
pertenam a espritos ou emanem de almas desencarnadas. Existiram
sonmbulos que compuseram msicas, poesia e resolveram problemas
matemticos durante seu perodo de xtase, sem nunca terem tido
conhecimentos de msica nem de matemtica. Outros respondiam
inteligentemente s perguntas que lhes faziam, e, em vrios casos, at falavam
idiomas como o hebreu ou o latim, que desconheciam totalmente em estado de
viglia e tudo isto enquanto estavam profundamente adormecidos. Voc
acha que esses fenmenos eram produzidos por "espritos"?
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P: Ento como se explica?
T: Afirmamos que, se a chama divina no homem uma e idntica em
sua essncia com o Esprito Universal, nosso "Eu espiritual" praticamente
onisciente; mas, por seus impedimentos da matria no pode manifestar seu
saber. Quanto mais desaparecerem esses impedimentos, isto , quanto mais
se paralise o corpo fsico no que se refere sua atividade e conscincia
prprias e independentes, como nos estados de sono profundo, xtase ou
mesmo de enfermidade, mais profundamente poder se manifestar o Eu
interior neste plano. Essa nossa explicao sobre esses fenmenos de uma
ordem elevada verdadeiramente assombrosa, nos quais se mostra uma
inteligncia e um saber inegveis. Enquanto as manifestaes de ordem
inferior, como os fenmenos fsicos, as vulgaridades e conversas do j mencionado "esprito", necessitaramos (para explicar somente nossas mais importantes doutrinas, com relao a esse ponto), de mais tempo e espao do que podemos agora dedicar ao assunto. No pretendemos intervir nas crenas
dos espritas, nem nas demais crenas. O nus probandi deve recair nos que
crem nos "espritos"; e atualmente tanto os dirigentes como os mais
inteligentes e instrudos entre os espritas, se bem que ainda convencidos de
que as manifestaes de ordem mais elevada tm por causa as almas
desencarnadas, so os primeiros a confessar que nem todos os fenmenos
so produzidos por espritos. Gradualmente chegaro a reconhecer a verdade
inteira; mas enquanto isso, no temos o direito nem o desejo de convert-los a nossas opinies, tanto mais quando acreditamos que nos casos de
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manifestaes puramente psquicas e espirituais, h comunicao mtua do
esprito do homem vivente com o de personalidades desencarnadas8.
P: Quer dizer que rebatem, a filosofia do Espiritismo in totum?
T: Se por "filosofia" compreende-se as mal definidas e disformes
teorias, na verdade a rebatemos. Mas na realidade eles no possuem filosofia
alguma. Isto dito pelos seus melhores, mais intelectuais e ardentes
defensores. Ningum negar, nem pode negar, com exceo de algum
materialista cego da escola de Huxley, sua fundamental e incontestvel
verdade, isto , que os fenmenos se manifestam pelos mdiuns, dirigidos por
foras invisveis e inteligentes. Com relao sua filosofia, prefiro ler o que diz
o inteligente editor de Light (Luz), o defensor mais ardente e culto com que os espritas contam. Aqui est o que escreveu M.A. Oxon um dos mais cotados
espritas filosficos no que se refere falta de organizao e cego
fanatismo:
"Este ponto merece ser considerado seriamente,
pois a importncia e gravidade do momento vital.
Possumos uma experincia e um conhecimento fora dos
8 Dizemos que em tais casos no so os espritos dos mortos os que descem terra, mas sim os
espritos dos vivos que ascendem regio das almas espirituais puras. Na realidade no existem nem a subida nem a descida, mas sim uma troca de estado ou condio para o mdium. Quando este entra em "transe", o Ego espiritual liberta-se de seus entraves e se encontra no mesmo plano de conscincia dos espritos descarnados. Ento, se houver alguma atrao espiritual entre eles, podem-se comunicar, como acontece freqentemente durante o sonho. A diferena entre uma natureza medinica e outra no sensitiva a seguinte: o esprito do mdium, em liberdade, passa a ter faculdade e facilidade para influir sobre seus prprios rgos apesar do corpo fsico estar em letargia -- fazendo-os atuar, falar e escrever vontade. O Ego pode fazer repetir, como um eco, em linguagem humana, os pensamentos e idias da entidade desencarnada. Mas o organismo no receptor nem sensitivo no pode ser infludo deste modo. Por isto, ainda que raro, o ser humano cujo Ego no tenha uma livre correspondncia durante o sonho com aqueles a quem amou e perdeu, sem dvida em virtude do positivo e no receptivo de seu invlucro fsico e de seu crebro , nenhuma recordao lhe sobra quando acorda, com exceo, s vezes, de alguma idia obscura de um sonho muito vago.
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quais qualquer outro conhecimento resulta
comparativamente insignificante. O esprita comum se
irrita, se algum se atreve a refutar seu indubitvel
conhecimento do futuro e sua absoluta certeza com
relao vida vindoura. Enquanto outros homens uniram
suas dbeis mos, que tateiam no sombrio e secreto
futuro, ele marcha audazmente como quem possui um
mapa e no tem dvidas do caminho. Enquanto a outros
bastou uma piedosa aspirao, ou se contentaram com
uma f hereditria, ele se vangloria de saber o que os
outros s crem e de que com seus vastos conhecimentos
pode suprir o deficiente das crenas que hoje agonizam, baseadas somente na esperana. arrogante em seus procedimentos com relao s esperanas mais caras e
prediletas do homem. Parece dizer: 'Vocs esperam
naquilo que eu posso demonstrar. Aceitaram uma crena
tradicional em tudo aquilo que posso provar
experimentalmente de acordo com o mais estrito mtodo
cientfico. Esto caindo as antigas crenas: separem-se
delas, pois contm tanto erro quanto verdade. S sendo
construdo sobre o alicerce do fato demonstrado, pode o
edifcio ter a solidez e estabilidade necessrias. Todos os
antigos cultos se desmoronam: fujam deles para que no sejam esmagados na queda'.
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Quando algum se encontra frente a frente com
uma pessoa semelhante, o que acontece? Algo muito
curioso e pouco agradvel. Est to seguro do terreno que
pisa, que no se importa de assegurar-se da interpretao
dos demais sobre seus assuntos. A sabedoria dos sculos
cuidou de dar a explicao do que com razo considera
como provado; mas ele no dedica o mnimo tempo ao seu
estudo. Nem est de completo acordo com seus irmos
espritas. Parece a histria da velha escocesa que formou
uma 'igreja' junto com seu marido. Tinham certas chaves para o cu, ou melhor, ela as guardava, pois, 'no tinha
muita confiana em Diogo'. O mesmo sucede com as
seitas espritas, divididas e subdivididas at o infinito, e
cujos indivduos no 'esto muito seguros uns dos outros'. Alm disso, a experincia coletiva da humanidade
unnime em que a unio a fora e a desunio a origem da
debilidade e dos fracassos. Um punhado de homens
instrudos e disciplinados converte-se num exrcito, e
cada homem vale por cem indisciplinados que lhe faam
frente. Em cada diviso do trabalho humano, a organizao
sinnimo de xito, de economia de tempo e trabalho, de
benefcio e desenvolvimento. A falta de mtodo e
planejamento, o trabalho inconstante, a energia vacilante e o esforo indisciplinado conduzem ao completo fracasso.
A voz dos sculos testemunha a verdade. O esprita aceita
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a sentena e age em conseqncia? Certamente no.
Rebela-se contra a organizao. Cada um lei para si
mesmo e espinho para seus vizinhos". (Light, junho, 22, 1889.)
P: Segundo eu havia entendido, a Sociedade Teosfica foi fundada para
matar o Espiritismo e a crena na individualidade futura do homem.
T: Voc est equivocado. Todas as nossas crenas esto justamente baseadas nessa individualidade imortal; mas, como tantos outros, voc
confunde a personalidade com a individualidade. Os psiclogos ocidentais
parecem no ter estabelecido distino alguma entre ambas, e precisamente
essa diferena que d a chave para a inteligncia da filosofia oriental, e a
causa fundamental da divergncia que existe entre as doutrinas teosfica e
esprita. Mesmo tendo que enfrentar uma maior hostilidade dos espritas
contra ns, devo declarar aqui que a Teosofia o verdadeiro e puro
Espiritismo, mesmo que a imitao moderna deste nome, como o praticam
atualmente as massas, sensivelmente um materialismo transcendental.
P: Explique mais claramente sua idia.
T: O que quero dizer que apesar de nossas doutrinas insistirem na
identidade do esprito e da matria, e mesmo dizendo que o esprito matria
potencial, e a matria simplesmente esprito cristalizado (como, por exemplo, o gelo vapor solidificado); sem dvida, como a condio original e eterna de tudo no esprito, seno Meta-Esprito (a matria visvel e slida
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simplesmente sua manifestao peridica), por cham-lo assim, sustentamos que o termo esprito s se pode aplicar verdadeira individualidade.
P: Mas qual a distino entre essa "verdadeira individualidade" e o "Eu
ou Ego" de que todos temos conscincia?
T: Antes de responder devo discorrer sobre o que voc entende por
"Eu ou Ego". Distinguimos entre o fato simples de conscincia prpria, o
sentimento simples de que "Eu sou eu", e o pensamento complexo de que sou
o "sr. Smith" ou "a sra. Brown". Acreditando como acreditamos, em uma srie
de nascimentos para o mesmo Ego, ou reencarnao, essa distino o eixo
fundamental da idia inteira. "Sr. Smith" na realidade significa uma longa srie
de experincias dirias, todas unidas pela continuao da memria, formando
aquilo que o sr. Smith chama de "meu eu". Mas nenhuma dessas
"experincias" realmente o "Eu" ou o "Ego", nem produz ao sr. Smith a
sensao de ser ele mesmo, pois esquece a maior parte de suas experincias
dirias, e produzem nele o sentimento de egoidade unicamente enquanto
duram. Portanto, ns, os tesofos, distinguimos entre esse conjunto de "experincias" que chamamos de falsa personalidade (por ser to fugaz e finita), e aquele elemento do homem a que se deve o sentimento do "eu sou eu". Para ns, este "eu sou eu" a verdadeira individualidade: e sustentamos
que este "Ego" ou individualidade representa como o ator nos palcos muitos
papis na pea da vida9. Consideramos cada nova vida na terra, do mesmo
Ego, como uma representao diferente no cenrio de um teatro: aparece uma
noite como Macbeth, na seguinte como Jlio Csar, depois ser Romeu, na
9 Ver mais adiante, "Individualidade e Personalidade"
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prxima Hamlet ou o Rei Lear, e assim sucessivamente, at que tenha
completado o ciclo de encarnaes. O Ego comea sua peregrinao de vida
em papis bem secundrios como o de um espectro, um Ariel ou um duende;
logo representa um papel de coadjuvante: um soldado, um criado, um cantor no coro; depois ascende a "papis falados": desempenha alternadamente
papis principais e outros insignificantes, at que, finalmente, despede-se da
cena como Prspero, o mago.
P: Entendo. Mas foi dito que aquele verdadeiro Ego no pode voltar
terra imediatamente aps a morte. Tem o ator a liberdade de voltar, se quiser,
cena onde desempenhou seus atos anteriores, se que conservou o sentido de sua
individualidade?
T: Simplesmente nego, porque um regresso semelhante terra seria
incompatvel com um estado qualquer de felicidade e bem-aventurana sem
mescla depois da morte, conforme quero provar. Acreditamos que o homem
sofre tantas e imerecidas penas e misrias durante sua vida, por culpa dos
demais com quem est relacionado, ou por causa do ambiente que o rodeia,
que seguramente tem direito a um descanso e uma tranqilidade perfeitos,
seno felicidade, antes de voltar a carregar novamente o peso da vida.
Poderemos discutir este ponto em mincias, mais para frente.
Por que a Teosofia interessa
P: Entendo at certo ponto as doutrinas teosficas, mas observo que so
muito mais complicadas e metafsicas que as do Espiritismo ou as idias religiosas
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comuns. Explique-me como o sistema da Teosofia despertou tanto interesse e tanta
animosidade ao mesmo tempo?
T: Creio que existem vrias razes para isso. Entre as vrias causas
que podem ser citadas, em primeiro lugar figura a grande reao que existe,
filha das grosseiras teorias materialistas que prevalecem hoje entre os homens da cincia. Em segundo lugar, o descontentamento geral com relao
teologia artificial das diferentes Igrejas crists, e o nmero cada vez maior de seitas que se combatem umas s outras. Terceiro, uma percepo crescente
do fato de que as crenas que se contradizem to evidentemente no podem
ser verdadeiras, e que pr tenses no comprovadas no podem ser reais. A
essa natural desconfiana nas religies convencionais, deve-se acrescentar o
fracasso completo das mesmas, quanto conservao da moral e
purificao das massas. Quarto, a convico em muitos e o saber em alguns,
de que deve existir em algum lugar um sistema filosfico e religioso, que seja cientfico e no somente especulativo. Finalmente, a crena de que talvez tal
sistema deva ser buscado em doutrinas que antecederam a toda f moderna.
P: Mas como esse sistema veio revelar-se precisamente agora?
T: Porque precisamente agora encontrou ocasio propcia e a poca
preparada para ele; o que provado pelo decidido esforo e o empenho de
tantos ardentes escritores e sbios, em alcanar a verdade custe o que custar,
e onde estiver oculta. Levando isto em considerao, os depositrios dela
permitiram que pelo menos uma parte dessa verdade fosse divulgada. Se a
formao da Sociedade Teosfica tivesse sido adiada para daqui a alguns
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anos, metade das naes civilizadas seria declaradamente materialista, e a
outra metade, antropomorfista e fenomenalista.
P: A Teosofia deve ser considerada de algum modo como uma
revelao?
T: De maneira nenhuma nem mesmo no sentido de uma revelao
de alguns seres superiores, sobrenaturais, ou pelo menos sobre-humanos;
tem somente o sentido de um "descobrimento'' de verdades muito antigas, por
inteligncias at agora ignorantes delas; ignorantes at mesmo da existncia e
conservao dessa cincia arcaica10.
P: J falamos de "animosidade": por que a Teosofia tem encontrado tanta
oposio e, em geral, pouca aceitao, se a verdade tal como ela a apresenta?
T: Por muitas e diversas razes, uma das quais a averso que os
homens sentem pelas "inovaes". O egosmo essencialmente conservador,
e odeia que o molestem. Prefere a mentira fcil e cmoda maior verdade, se
esta exigir um sacrifcio pessoal, por insignificante que seja. O poder da inrcia mental enorme, quando se trata de algo que no signifique um
benefcio ou recompensa imediatos. Nossa poca essencialmente prtica e
10 Est na moda, de uns tempos para c, ridicularizar a no