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CAPÍTULO II REMÉDIO JURÍDICO PROCESSUAL E AÇÕES § 5. REMÉDIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS 1. CONCEITO. – O remédio jurídico processual é direito oriundo da lei processual, o caminho que tem de ser perlustrado por aquele que vai a juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, ou somente com ação. Tão diferentes são ação e remédio jurídico processual que to- dos os dias, ao julgarem os feitos, os tribunais declaram que o indivíduo não tem a ação. No entanto, usaram do remédio jurídico processual. Po- deriam dizer mais: que não tinham, sequer, pretensão; nem, ainda mais, direito subjetivo. A pretensão à prestação jurisdicional é pré-processual. A pretensão ao exercício de determinado remédio jurídico processual é pretensão proces- sual, oriunda de direito público subjetivo ao remédio jurídico processual, e. g., à “ação” de obra nova, à “ação” executiva de títulos extrajudiciais. É da máxima importância, para quem aplica o direito e, certamen- te, para quem o expõe, pois a responsabilidade não é menor, distinguir a pretensão à tutela jurídica, a pretensão processual que nasce do exercício daquela, a pretensão objeto do litígio e o remédio jurídico processual. La- mentável é que, na linguagem corrente, se empregue, a cada passo, o termo ação para qualquer dos quatro. 2. AUTOR E RÉU. – O indivíduo que vai a juízo e declara o que pretende é o autor. O Estado, atendendo ao seu pedido, chama a juízo a outra parte, de modo que se estabelece relação em ângulo, entre o autor e o Estado, e entre esse e o réu. É possível pensar-se, e há exemplos na legislação, no

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CaPítulo iiREMÉDIO JURÍDICO PROCESSUAL E AÇÕES

§ 5. REMÉDIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

1. ConCeito. – O remédio jurídico processual é direito oriundo da lei processual, o caminho que tem de ser perlustrado por aquele que vai a juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, ou somente com ação. Tão diferentes são ação e remédio jurídico processual que to-dos os dias, ao julgarem os feitos, os tribunais declaram que o indivíduo não tem a ação. No entanto, usaram do remédio jurídico processual. Po-deriam dizer mais: que não tinham, sequer, pretensão; nem, ainda mais, direito subjetivo.

A pretensão à prestação jurisdicional é pré-processual. A pretensão ao exercício de determinado remédio jurídico processual é pretensão proces-sual, oriunda de direito público subjetivo ao remédio jurídico processual, e. g., à “ação” de obra nova, à “ação” executiva de títulos extrajudiciais.

É da máxima importância, para quem aplica o direito e, certamen-te, para quem o expõe, pois a responsabilidade não é menor, distinguir a pretensão à tutela jurídica, a pretensão processual que nasce do exercício daquela, a pretensão objeto do litígio e o remédio jurídico processual. La-mentável é que, na linguagem corrente, se empregue, a cada passo, o termo ação para qualquer dos quatro.

2. Autor e réu. – O indivíduo que vai a juízo e declara o que pretende é o autor. O Estado, atendendo ao seu pedido, chama a juízo a outra parte, de modo que se estabelece relação em ângulo, entre o autor e o Estado, e entre esse e o réu. É possível pensar-se, e há exemplos na legislação, no

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estabelecimento da relação jurídica em linha simples entre o suplicante e o Estado, só admitida, mais tarde, a formação da outra linha do ângulo, isto é, entre o Estado e o réu. É o que ocorre, por exemplo, em todos aque-les casos em que há uma decisão antes de ser ouvido o suplicado (e. g., Código de Processo Civil, art. 928). Também há relações em linha (autor, Estado); sem réu, portanto.

Na reconvenção, o réu faz-se autor, porque pede, então, que se cumpra a promessa estatal da prestação jurisdicional. O reconvinte vem tomar par-te no mesmo processo, porém não na mesma relação jurídica processual. A figura, que se forma e de que se há de revelar a estrutura, é a do novo ângulo (reconvinte e Estado, Estado e reconvindo), inversa à primeira.

À função integradora da ordem jurídica, que tem a justiça, é indi-ferente que o autor tenha, ou não, razão, seja, ou não, o titular de direito subjetivo, ou da pretensão. O que lhe importa é que, de acordo com as leis, tenha ele o direito público subjetivo à decisão. Tal direito público subjetivo é o resultado de regra jurídica de direito pré-processual, ainda quando, o que ocorre no direito constitucional brasileiro, a regra jurídica de direito pré-processual se tenha feito de direito constitucional. O remédio jurídico processual é meio, é expediente, é instrumento. Se o direito objetivo se rea-lizou, sem luta, de remédio jurídico processual não precisou o indivíduo. Chegou-se ao fim sem o meio. Se o direito não se realizou, usa-se do meio para se chegar ao fim. A norma incidiu, mas não foi aplicada. É a diferen-ça, a muitos respeitos capital, entre a incidência e a aplicação da lei (já nos Comentários à Constituição de 1934, II, 131, 560 e 561; hoje, Comentá-rios a Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, I, 41 s.). A lei incide no momento em que se tem de criar a relação jurídica, ou a situação jurídica; a lei é aplicada quando incidiu, se ao fim se chegou normalmente, ou quando a parte, que a deixara de respeitar, passou a respeitá-la, ou quando juiz, mediante aquela prestação jurisdicional, a que aludimos, a aplica. É por isso que, se uma lei foi revogada depois de haver incidido, ainda os juízes, nas sentenças, a têm de aplicar. (Sobre incidência e aplicação das leis, Co-mentários à Constituição de 1946, I, 1ª ed., 32 s., 68; I, 2ª ed., 36, 66, 74, 85, 116, 280; IV, 2ª ed., 90, 122, 130; I, 3ª ed., 35 s.; II, 365; III, 166, 328; Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, I, 41 s.)

O fito que se tem na relação jurídica processual é a aplicação da lei. Por “lei” não se entende somente a lei escrita, mas a lei no sentido mais largo, que é qualquer fonte de direito. O que o juiz aplica é o direito, e não só o texto escrito.

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3. Relação JurídiCa ProCessual. – Na relação jurídica processual regu-lar figuram o titular, a que se chama “autor” (ou “reconvinte”), e o Estado; não o reus debendi, porque esse é o sujeito passivo da relação em exame, isto é, da relação de direito material, que se quer fazer reconhecida pelo Es-tado. Será o sujeito do outro lado do ângulo, que completará a relação jurí-dica processual em ângulo. Não é necessário que exista. Pode não aparecer; pode mesmo ser dispensado. A angularidade obedece a princípio diferente. Admita-se que autor pode, em muitos casos, ser o sujeito passivo da relação jurídica de direito material: passa a ser sujeito ativo na relação jurídica de direito processual (e. g., Código de Processo Civil de 1973, art. 570).

Do ato jurídico processual nasce a relação jurídica processual, com todas as suas consequências. Durante ela, desenvolvem-se os argumentos e as questões, quer sobre a matéria de fato, quer sobre a matéria de direito. Cada parte procura provar o que afirmou. O juiz examina tudo, e diz que lhe parece. No momento em que ele profere a sentença, não está definitiva-mente entregue a prestação jurisdicional. Tanto assim que as leis permitem reexames das sentenças proferidas, ou pelo próprio juiz, ou por outro juiz ou tribunal. Temos, aí, a noção de recurso. O recurso é inconfundível com qualquer reexame da sentença, depois de entregue definitivamente a pres-tação jurisdicional. Não se pode falar de recurso em se tratando de revisão criminal ou de ação rescisória das sentenças. Ambas são remédios jurídi-cos processuais, para pretensões características, a de rever e a de rescindir. Há, então, coisa julgada, e contra ela vai a revisão criminal ou a ação res-cisória. Também não são recurso os embargos de terceiro ou a oposição de terceiro: o terceiro, embora obrigado, como todos, a reconhecer o que se julgou, isto é, o que se contém na prestação jurisdicional, definitivamente entregue, não pode ser atingido, em seus direitos, pelo que se passou entre estranhos e o Estado, como obrigado à prestação jurisdicional. Tampouco, poderia o Estado querer obrigar-se pelo que constituiria motivo de distúr-bio social e de desrespeito ao direito objetivo, em vez de colimar um de seus fins, quando distribui justiça, que é o de apaziguar, bem simboliza-do nas mãos cruzadas, emblema encontradiço nas civilizações primitivas. Mas, em casos especiais, como os dos artigos 70-76 do Código de Pro-cesso Civil, a fortiori dos artigos 46-49, a lei permite que se integre ou se expanda a relação jurídica processual.

4. FiM do ProCesso. – O processo não defende só direitos subjetivos ou pretensões. Se bem que muitas vezes os suponha, o destino do processo é a atuação da lei, a realização do direito objetivo. Hoje, só secundariamente

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é que protege os direitos subjetivos. Por isso mesmo, o direito, a pretensão e o dever existem, a despeito da existência, ou não, dos remédios jurídicos processuais. Quando deles lança mão alguém, crendo-se, ou não, com di-reito, não lhos nega o Estado. Se só os que têm a pretensão tivessem direito ao uso dos remédios, ter-se-ia de começar do fim para o princípio: quem tem razão (direito, pretensão) tem ação, quem tem ação tem remédio jurí-dico processual. Ora, só se sabe quem tem “razão” depois que se instaurou o processo (remédio jurídico processual), que se verificou ser procedente a ação (isto é, existir) por se terem produzido as provas e se pronunciou a sentença, contendo o direito objetivo. Daí ser intimamente ligado ao foro o processo: nele, vários atos são coordenados, regulados, com o intuito de realizar, em determinado lugar e tempo, a justiça. Em consequência disso, os princípios que o governam, no direito intertemporal e no direito internacional privado, são diferentes daqueles que decidem em assuntos de direito material.

5. Direitos subJetivos seM ação. – Vimos que reduzir a ação a elemen-to do direito subjetivo seria desatender à realidade. Há direitos subjetivos sem ação. B. WindsCHeid tentou mostrar a diferença entre a actio romana e o Klagrecht, que seria conceito arbitrário, criado pelos juristas; mas as suas meditações não resolveram o problema. Não viu ele a prestação jurisdicio-nal do Estado, desde o momento em que monopolizou a justiça, fato, esse, que não se diferença, essencialmente, daqueles em que o Estado estabelece outros monopólios, como o de telégrafos, de correios e de demais serviços, – e é o fito da pretensão à tutela jurídica.

O direito subjetivo, a pretensão e a ação preexistem ao exercício, ao uso dos remédios jurídicos processuais. Se o direito do Estado A confere a ação, mas a do outro não possui o remédio, o titular do direito subjetivo e da ação não pode, no outro Estado, provocar a justiça. A ação não existe porque se vai exercer, condicionada à entrada do titular em juízo. Existe por si, independente de qualquer manifestação de vontade do titular.

Ainda mais: o remédio jurídico processual é conferido a quem quer que se ache na situação de propô-lo, variando apenas os pressupostos de legitimação ativa e passiva. O que dele se utiliza pode ter ou não ter ação. Lamentável confusão entre ação e remédio jurídico processual está em uGo roCCo (L’Autorità della Cosa Giudicata, 533), que admite seja a ação (?) universal, abstrata, indeterminada. A ação, no sentido do direito material, é direito a reclamar. Não é o direito subjetivo que já definimos,

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nem o direito-meio que os Estados conferem com os remédios jurídicos processuais. O direito de ação não é contra determinado Estado, o que dele faria direito público subjetivo; mas a admissão, por parte do direito mesmo que cria a relação, a reclamar a aplicação da lei. O remédio, sim, é direito subjetivo contra um Estado, – e o que estabelece o remédio, o Estado do foro. Aí, “ação” é conceito de direito processual. Assim, a pretensão e a ação de investigação da paternidade só existem se cabem segundo o esta-tuto pessoal; o remédio jurídico processual para que atue a regra de direito, só a lex forfi o pode fixar. Os remédios jurídicos processuais para a investi-gação da paternidade podem variar sem que o direito material da pretensão ou da ação varie. Por isso, quando alguns escritores dizem que o direito de ação é o de fazer funcionar o comando, portanto direito público perante o Estado, confundem ação e pretensão à tutela jurídica. (Em tal confusão incidiram, entre outros, uGo roCCo, L’Autorità della Cosa Giudicata, 335, e alfredo roCCo, La Sentenza Civile, 102.) A ação determinada, concre-ta, atribuída a alguém ou a certa categoria; e não indeterminada, abstrata, universal. Universais, até certo ponto, indeterminados, abstratos, são os remédios jurídicos processuais, para os quais, ainda assim, a lei determina pressupostos de legitimação ativa e passiva, que atenuem a possibilidade de serem usados por todos (universalidade), independentemente das ações que tenham (abstração) e do objeto (indeterminadão).

6. LeGitiMação ativa e Passiva. – Na ação, no sentido do direito mate-rial, há legitimado ativo e legitimado passivo, que são os pólos da relação, enquanto relação da ação. Não é o Estado que está do outro lado, no pólo passivo. A ação do marido para anular o casamento, por já estar deflorada a mulher (Código Civil de 1916, arts. 218, 219, IV, e 220), tem por titular o marido e por sujeito passivo a mulher. Não há por onde se ver, aí, direito público subjetivo. A ação do adquirente da coisa para haver o abatimento do preço ou por haver o preço pago, no caso de vícios ocultos ou defei-tos (Código Civil, arts. 1.101-1.106), tem por sujeito passivo o alienante. ¿Onde, nesse caso, o direito público subjetivo? A ação do marido para elidir a legitimidade do filho (arts. 338 e 344) tem por sujeitos passivos a mulher e o filho. Em todos esses casos, o titular é explícito. A ação do cônjuge coacto para anular o casamento é ação contra o outro cônjuge. A do pai, tutor ou curador para anular o casamento do filho, pupilo ou cura-telado, nos casos dos arts. 180, III, 181, XI, 209 e 213 do Código Civil, é contra os cônjuges. A intervenção do defensor, a que se refere o art. 222, não a torna direito público subjetivo. A ação do filho ilegítimo para impug-

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nar o reconhecimento é contra o genitor que reconheceu (art. 362), ou ou-tros interessados. A de investigação da paternidade contra o pai, herdeiros dele ou outros interessados (arts. 364 e 365). Em nenhum dos exemplos e, indutivamente, em nenhuma das ações de direito privado (porque em todas as outras se dá o mesmo), há direito público subjetivo.

A confusão entre as pretensões, as ações e relação jurídica processual, que provém da “ação” (no sentido do direito processual), foi responsável: a) pela cinca de TH. MutHer e de adolf WaCH (primeira fase) em verem na ação o direito público subjetivo à tutela pelo Estado, mediante sentença favorável; b) pela alusão de adolf WaCH a direito contra o Estado; c) pela afirmação de oskar büloW de não haver o direito público subjetivo “an-terior” ao juízo, o que nem seria verdade se atribuído ao próprio remédio jurídico processual; d) pela interminável discussão em torno à natureza da “ação”.

7. ConClusões. – Tudo se reduz ao seguinte:

I. O direito objetivo é a regra sobre as relações de direito e a sua eficiência, independente de qualquer subjetivação, exigibilidade ou acio-nabilidade. Onde começam a subjetividade, a pretensão e a ação, decide o direito objetivo, mas exteriormente, na ordem do provimento em si. O direito processual pode, excepcionalmente, colar efeito de “ação” (remé-dio) e até de pretensão ao direito subjetivo ou à própria situação subjetiva.

II. O direito subjetivo marca toda aquela precisão, aquela localização, aquela individualização, a que aludimos.

III. A pretensão pode existir sem ação. O nosso direito adota o prin-cípio de que a pretensão e a ação coincidem era, extensão numérica. Toda pretensão é, pois, acionável. Há, porém, exceções, que melhor se estudam no Código Civil, art. 248, VI, em que há pretensão e ação, e no § 1.394 do Código Civil alemão, em que há pretensão, e não ação. No direito brasilei-ro, há pretensão, e não ação, nos arts. 1.477 e 1.478 do Código Civil; nas chamadas obrigações naturais, – nem pretensão, nem ação.

IV. A ação é outro grau em que já se confere a alguém, autor, titular da ação, o reclamar, através ou por meio de ato, a verificação, a atuação da lei.

V. O remédio jurídico processual, a que corresponde a “ação” no sen-tido do direito processual, é meio instrumental, que o direito formal põe a serviço de pessoas que estejam em determinadas situações, para que, com

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o uso dele, possam suscitar a decisão, a prestação jurisdicional. Ao direito das gentes, por exemplo, falta apenas o aparelhamento que assegure tais remédios, o que de modo nenhum quer dizer que não existam direitos sub-jetivos das gentes, pretensões ou ações de direito das gentes. Do mesmo modo, a liberdade física existe, como direito, onde não exista direito ao habeas corpus, ou onde se negue a ação de liberdade física, se bem que se reconheça o direito. Subjetivação, pretensão, ação, remédios jurídicos processuais (“ações”) – são quatro fatos, técnicos, diferentes.

Além dos três fatos típicos, direito subjetivo, ação, remédio jurídi-co processual – os juristas alemães, B. WindsCHeid à frente, falaram do Anspruch, da pretensão, nome a que não conseguiram, a princípio, dar significado preciso. Desde faculdade derivada do direito, segundo Josef koHler, ou emanação, desenvolvimento ou manifestação do direito subje-tivo, conforme Carl CroMe e H. osterMann, até o fato autônomo entre o direito subjetivo (Willensmacht) e a ação (actio, Klage), de acordo com B. WindsCHeid. A pretensão ou Anspruch seria a razão jurídica de atuar, em contraposição à razão judiciária. Estaria para o direito como a actio para a fórmula (GeorG Jellinek). De posse de uma apólice ao portador, que adquiri, tenho jus a perceber-lhe os juros. A cada semestre, nasce-me o Anspruch a receber-lhe os juros. Ser atual e concreta caracteriza a preten-são jurídica. GeorG Jellinek tornou-a concreta, pelo menos mais concreta do que o direito subjetivo. Depois foi descoberto que só faltara o nome aos antigos juristas e que a pretensão é fato do mundo, e não só do conceito.

Em todas as nossas obras em que tivemos de falar da eficácia das re-lações jurídicas, precisamos, com cuidado, e deles usamos rigorosamente, os conceitos de direito, pretensão, ação e exceção (efeitos de direito ma-terial), de pretensão à tutela jurídica, de pretensão processual (oriunda do exercício da pretensão à tutela jurídica) e de pretensão ao remédio jurídico processual, à “ação”, ao rito. Linguagem de ciência há de ser precisa.

À medida que o direito subjetivo se acentua, se atualiza e se integra pelo advento de circunstâncias e condiciones iuris, surgem as pretensões jurídicas. Não é aqui o lugar para descermos à análise de tal noção, nem lhe discutirmos os serviços que possa prestar à técnica jurídica. Ao nosso assunto de agora muito nos interessa, de modo que poucas considerações nos bastam. Muitas questões resolveremos graças a ela. Quando se simpli-fica o conceito até a redução da pretensão à faculdade de exigir, facultas exigendi, distinta e “segundo momento” do direito subjetivo, a noção traz--nos enormes esclarecimentos aos institutos que temos de estudar: as rela-

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ções jurídicas processuais. Muitas vezes, é nitidamente perceptível; outras, não. Demais, as ações dependem dela. De maneira alguma se deve identi-ficar com a ação ou, a fortiori, com os remédios jurídicos processuais. No correr desta obra, à medida que as dificuldades surjam, distinguiremos, nas aplicações práticas, pretensão, ação e efeito de direito formal (remédio jurídico processual).

Panorama atual pelos Atualizadores

§ 5. A – Legislação

Os arts. 3.º e 6.º do CPC/1973, correspondentes aos arts. 17 e 18 do CPC/2015, dispõem sobre o interesse e a legitimidade para postular em juízo.

Da formação da relação processual, tem-se o art. 312 do CPC/2015. Já no CPC/1973, tem-se o art. 263. No tocante à extinção do processo, elenca-se o art. 316 do CPC/2015, correspondente ao art. 329 do CPC/1973.

§ 5. B – Doutrina

Dada a lição de Pontes de Miranda, a ação rescisória é, sobretudo, ação au-tônoma de impugnação, de natureza constitutiva negativa no que concerne ao juízo rescindendo.

Logo, ação autônoma de impugnação não se confunde com recurso. Re-curso é meio de impugnação de decisões que pressupõe a litispendência, isto é, que necessariamente deve ser manejado dentro de um processo ainda em curso, exercitado na mesma relação jurídica processual em que se originou a decisão recorrida.

Nas palavras de Alexandre Freitas Câmara, “recurso é um mecanismo de im-pugnação de decisões judiciais incidente ao processo em que a decisão impug-nada tenha sido proferida” (Alexandre Freitas Câmara. Ação Rescisória. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 25). Ação autônoma de impugnação instaura processo novo e autônomo em relação àquele em que a decisão foi proferida. (Idem, ibidem).

A ação rescisória, por outro lado, pressupõe que tenha havido o trânsito em julgado e inaugura processo novo. Por meio dela, pretende-se a anulação de uma decisão de mérito ou sua revogação, proferindo-se outra decisão em seu lugar. A finalidade da ação rescisória e do recurso é a mesma, entretanto, os pressupostos para o ajuizamento daquela e a interposição deste são distintos.

É possível conceituar a ação rescisória enquanto “demanda autônoma de im-pugnação de provimentos de mérito transitados em julgado, com eventual rejulga-mento da matéria neles apreciada” (Alexandre Freitas Câmara. Ação Rescisória.

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3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 19). É autônoma justamente porque não prolonga a relação processual. Em lugar disso, inaugura nova relação cuja presença dos partícipes do processo que originou a decisão rescindenda, obrigatoriamente deve estar presente em virtude da formação de litisconsórcio necessário.

No direito alemão, “Existe o princípio segundo o qual, depois de ultrapassada a fase recursal e do trânsito em julgado da sentença de mérito, esta sentença, ain-da que defeituosa, não é mais corrigível. O legislador abriu uma exceção a esse princípio criando a revisão do procedimento [Wiederaufnahme des Verfahrens, Ação Rescisória]” (Hans-Joachim Musielak; Wolfgang Voit. Grundkurs ZPO. 12. ed. München: C.H.Beck, 2014, § 7, n. 596. p. 379) (sem grifo no original).

Podem existir três fases na WdV: (a) quando for inadmissível, o tribunal a ex-tingue sem resolução do mérito; (b) se for admissível: (b.1) pode proferir iudicium rescindens, julgando-a improcedente ou procedente; (b.2) no caso de procedên-cia, profere o iudicium rescindens e o iudicium rescissorium ao mesmo tempo (Musielak-Voit. Grundkurs ZPO12, § 7, n. 599. p. 381). Sobre o tema ver: Burkhard Hess. Zivilprozessrecht, München: Beck, 2011, § 64. p. 258 e ss; Wolfgang Lüke. Zivilprozessrecht. 10. ed. München: Beck, 2011, § 39. p. 403 e ss.

A WdV não tem natureza recursal, razão pela qual não pode ter feito sus-pensivo nem devolutivo (Lüke. Zivilprozessrecht, § 39. p. 428 e 403-404). Nesse contexto, fala-se que a WdV é um meio extraordinário de impugnação (Leo Ro-senberg, Karl Heinz Schwab; Peter Gottwald. Zivilprozssrecht. 17. ed. München: Beck, 2010, § 159, n. 8. p. 916; Peter Gilles. Rechtsmittel im Zivilprozeß (Berufung, Revision und Beschwer im Vergleich mit der Wiederaufnahme des Verfahrens, dem Einspruch und der Wiedereinsetzung den vorigen Stand). Frankfurt am Main: Athenäum, 1972. p. 13 e 106-129; Lüke. Zivilprozessrecht10. § 39, n. 428. p. 404; Johann Braun. Lehrbuch des Zivilprozeßrechts (Erkenntnisverfahren), Tübingen: Mohr Siebeck, 2014, § 66. p. 1039).

No direito alemão, são rescindíveis por WdV as decisões interlocutórias que coloquem fim ao processo ou à execução (Lüke. Zivilprozessrecht, § 39, n. 433. p. 406).

Objetivo da WdV é rever a sentença transitada em julgado para rescindi-la e rejulgar a causa (Leo Rosenberg; Karl Heinz Schwab; Peter Gottwald. Zivilprozss-recht. 17. ed. München: Beck, 2010, § 159, n. 1. p. 915).

Há dois objetos litigiosos (Streitgegenstände) na WdV: (a) primário: rescisão da sentença (iudicium rescindens); (b) secundário: rejulgamento da causa (iudi-cium rescissorium) (Rosenberg-Schwab-Gottwald. ZPR. § 159, n. 6. p. 916).

Ver Johann Braun, in: Wolfgang Krüger; Thomas Rauscher (editores). Mün-chener Kommentar zur Zivilprozessordnung. 4. ed. München: Beck, 2012, v. 2, co-ments. §§ 578 e ss. p. 737 e ss.; Mathias Jacobs, in: Friedrich Stein; Martin Jonas (editores). Kommentar zur Zivilprozessordnung. 22. ed., Tübingen: Mohr Siebeck, 2013, v. 6. coments. §§ 578 e ss. p. 791 e ss.; Wolfgang Büscher in: Bernhard Wieczorek; Rolf A. Schütze (editores). Zivilprozessordnung und Nebengesetze (Großkommentar). 4. ed. Berlin-Boston: De Gruyter, 2014, v. 7, coments. §§ 578 e ss. p. 765 e ss.

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Sobre a questão da rescindibilidade atual das decisões de mérito na Áustria, ver: Walter H. Rechberger. Kommentar zur ZPO. 3. ed. Wien/New York: Springer, 2006, comentários ao § 529 da ZPO austríaca. p. 1688 e ss.; Wolfgang Jelinek, in: Hans W. Fasching e Andreas Konecny (editores). Kommentar zu den Zivilprozeß-gesetzen. 2. ed. Wien: Manzsche, 2005, v. 4, t. 1. p. 846 e ss.

Na Itália, merecem destaque: Francesco Bartolini; Francesca Bartolini. Codice di procedura civile commentato con dottrina e giurisprudenza. 5. ed. Piacenza: Casa Editrice La Tribuna, 2012, coment. Art. 395 e ss. p. 1940 e ss.; Franco Cipria-ni; Giampiero Balena. Codice di procedura civile annotato con la giurisprudenza, Napoli-Roma-Milano: Edizioni Scientifiche Italiane, 1999, coments. Arts. 395 e ss. p. 1238 e ss. Fabio Rota in: Federico Carpi; Vittorio Colesanti; Michele Taruffo (editores). Commentario breve al codice di procedura civile. 7. ed. Padova: Cedam, 2012, coments. Art. 395 e ss. p. 1417 e ss. Claudio Consolo (diretor). Codice di procedura civile. 5. ed. Milano: Wolters Kluwer, 2013, t. II, coments. Art. 395 e ss. p. 1264 e ss.

§ 5. C – Jurisprudência

Evolução da ação como remédio jurídico processual.

“I. Condições da ação. Interesse de agir. Teoria da asserção. 1. Primeiramente, o conceito de ação desafiou os doutrinadores por muitos séculos, pois os roma-nos firmaram conceito de ser o direito material indissociável do direito processual. Assim, somente poderia demandar o possuidor da pretensão objetiva. No entanto, a técnica jurídico-processual evoluiu no sentido de vislumbrar que a tutela juris-dicional, ou seja, a promessa de uma justiça estatal, constituía um direito público subjetivo do homem face ao Estado. Se entendermos a ação como sendo o direito de perseguir em juízo o bem da vida pretendido, percebe-se que a visão romana da ação era limitada e restrita, pois não justificava os casos de não conceder o juízo o bem da vida almejado, dando veredicto diverso daquele objetivado pelo autor. Atualmente é pacífico o entendimento de ser o direito de ação um direito abstrato e autônomo. 2. Partindo-se dessa premissa, deve-se ter em mente que as condições da ação são requisitos exigidos para que o processo siga em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presen-ça, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do reclamante em sua inicial são verdadeiras. sob pena de ser ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. a exigência de demons-tração das condições da ação significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material” (TRT-1.ª Reg., Recursos em Procedimentos Sumaríssimos 00050009720055010342, 5.ª. T., , j. 10.04.2006, rel. Des. Ricardo Areosa, DJ 08.05.2007).

Ação autônoma de impugnação.

“Processual civil. Ação rescisória. Rol taxativo. Manutenção no novo Código de Processo Civil. Duplo fundamento. Incs. V e IX do art. 485 do CPC [1973; cor-respondente aos incs. V e VIII do art. 966 do CPC/2015]. Violação a dispositivo de

§ 5. REMÉDIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS • 99

lei. Inocorrência. Existência de controvérsia e pronunciamento judicial em torno da documentação supostamente não analisada. Erro de fato. Não configuração. Improcedência da rescisória.

1. O anteprojeto do novo Código de Processo Civil mantém, em nosso ordena-mento jurídico-processual, a ação rescisória, nos termos da didática exposição de motivos, verbis: ‘também com o objetivo de desfazer ‘nós’ do sistema, deixaram--se claras as hipóteses de cabimento de ação rescisória e de ação anulatória, eliminando-se dúvidas, com soluções como, por exemplo, a de deixar sentenças homologatórias como categoria de pronunciamento impugnável pela ação anu-latória, ainda que se trate de decisão de mérito, isto é, que homologa transação, reconhecimento jurídico do pedido ou renúncia à pretensão’ (sic).

2. A ação rescisória é uma ação autônoma (ou remédio), que objetiva desfazer os efeitos de sentença já transitada em julgado, ou seja, da qual já não caiba mais qualquer recurso, tendo em vista vício existente que a torne anulável, tem a natu-reza desconstitutiva (ou seja, tirar os efeitos de outra decisão que está em vigor) e não visa a anular sentença que, portadora de vício tal que a torne inexistente. Seu escopo é atingir sentenças consideradas anuláveis, as quais estarão definitiva-mente sanadas após o prazo decadencial para sua propositura. 2.1 Noutras pala-vras: a ação rescisória é ‘ação autônoma de impugnação, de natureza constitutiva negativa quanto ao juízo rescindendo, dando ensejo à instauração de outra rela-ção processual distinta daquela em que foi proferida a decisão rescindenda’ (sic Nelson Nery Jr. Código de Processo Civil comentado. 12. ed. Ed. RT, p. 930). 2.2 As hipóteses ensejadoras da rescisão da sentença estão arroladas em numerus clausus no art. 485 do Código Buzaid, cogitando-se de rol taxativo, o qual inad-mite ampliação por interpretação analógica ou extensiva. 2.3 No caso dos autos funda-se esta rescisória em duplo fundamento: a) violação a dispositivo de lei (art. 485, V, do CPC [1973; correspondente ao art. 966, V, do CPC/2015]); b) erro de fato (art. 485, IX, do CPC [1973; correspondente ao art. 966, VIII, do CPC/2015]), fazendo-se necessário a análise de ambas as hipóteses de forma distinta.

3. Para que se possa acolher o pedido de desconstituição da coisa julgada lastreado no inc. V do art. 485 do CPC [1973; correspondente ao art. 966, V, do CPC/2015], é preciso que haja violação literal e expressa a texto de lei, de ma-neira extravagante, hipótese distinta de quando o julgador elege interpretação razoável ao preceito alvo de questionamento. 3.1. Jurisprudência: ‘para que res-cinda decisão judicial, com base em violação a literal dispositivo de lei, é neces-sária (sic) que a interpretação dada pela decisão que se pretende rescindir seja ofendida flagrante e inequivocamente a lei’. (Acórdão 575545, 20110020125991/ARC, 1.ª Câm. Civ., rel. Luciano Moreira Vasconcellos, DJe 30.03.2012, p. 53). 3. Há erro de fato quando a sentença admite um fato inexistente, ou quando consi-dera inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial so-bre o fato. (art. 485, §§ 1.º e 2.º, do CPC [1973; correspondente ao art. 966, § 1.º, do CPC/2015]). 3.1. ‘A hipótese não é a de que o órgão judicial tenha chegado à conclusão a que chegou por meio de raciocínio, exposto na motivação, em cujas

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premissas figure expressamente a afirmação do fato não ocorrido ou a negação do fato ocorrido. O que precisa haver é a incompatibilidade lógica entre o desfecho enunciado pela decisão rescindenda e a existência ou inexistência do fato, uma ou outra provada nos autos, mas porventura não colhida pela percepção do juiz, que, ao decidir, pura e simplesmente, saltou por sobre o ponto sem feri-lo’. (José Car-los Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Vol. V: arts. 476 a 565. Rio de janeiro: Forense, 2005, p. 151). 3.2 Constatação de que a documentação supostamente não analisada, além de ser controvertida, foi objeto de exame e fundamentação expressa por parte do co-legiado prolator da decisão rescindenda. 4. Ação rescisória julgada improcedente” (TJDF, ARC 20120020208038/DF, 1.ª Câm. Civ., j. 13.01.2014, rel. João Egmont).

§ 6. CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES

1. Natureza das Pretensões e das ações. – Exames sobre a natureza das pretensões e das ações de declaração, de constituição, de condenação, de mandamento e de execução levaram-nos a atitude diferente da que se firmara na Europa antes de 1939. Para nós, a ação é de condenação, por-que o elemento da condenação à prestação aparece mais do que nas outras classes de ações. Provas: a ação de condenação é também declarativa, pois que a sentença do juiz, que condena, declara a existência ou a inexistência de relação jurídica, aplica a lei (declaração autoritativa, a qual de nenhum modo se distingue daquela que se revela na sentença da ação declaratória); constitui, porque se constitui a si mesma; manda, porque há, no juiz, ine-liminável, o mandamento. A ação é de constituição, porque é mais cons-titutiva, ou mais explicitamente o é, do que as outras. Provas: na sentença constitutiva, declara-se, porque toda constituição, modificação ou extinção de relação de direito por sentença implica declaração da existência des-se direito à ação constitutiva; manda-se, porque o resíduo autoritativo do mandado lá está na própria atuação ex tunc ou ex nunc da sentença (“anu-lo”, “revogo”, “rescindo”, “constituo”); condena-se, porque algumas têm mesmo, explícita, a condenação (e. g., sentença de nulidade de casamento ou de desquite). A ação é de declaração, pois quase se satisfaz com isso. Provas: condena, tanto que há réu, e é condenado; constitui, como toda sentença, a si mesma; manda, tanto que vale como preceito. A ação é de mandamento, porquanto é mais específica em mandar. Provas: a sentença de mandamento declara (alguns escritores alemães entendem que as ordens