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© 2016, Clóvis Ultramari© 2016, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (Eduepb)© 2016, Livraria da Física© 2016, PUCPRess Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por escrito da Editora.Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)Prof. Antônio Guedes Rangel Júnior – ReitorProf. José Etham de Lucena Barbosa – Vice-Reitor Editora da Universidade Estadual da ParaíbaDiretor: Luciano do Nascimento SilvaDiretor Adjunto: Antonio Roberto Faustino da Costa Conselho CientíficoAlberto Soares MeloCidoval Morais de SousaHermes Magalhães TavaresJosé Esteban CastroJosé Etham de Lucena BarbosaJosé Tavares de SousaMarcionila FernandesOlival Freire JrRoberto Mauro Cortez MottaEditores AssistentesArão de Azevedo Souza Editora da Universidade Estadual da ParaíbaRua Baraúnas, 351 – Bairro Universitário – Campina Grande (PB) CEP 58429-500 – Tel. (83) [email protected] Editora Livraria da FísicaDiretor: José Roberto Marinho Editora da Livraria da FísicaRua Enéas Luis Carlos Barbanti, 193 – Freguesia do ÓSão Paulo (SP) – CEP 02911-000 – Tel. (11) 3459-4323livrariadafisica.com.br Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)Waldemiro Gremski – ReitorPaulo Otávio Mussi Augusto – Vice-ReitorPaula Cristina Trevilatto – Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Editora Universitária Champagnat / PUCPRessCoordenação editorial: Michele Marcos de OliveiraEditor: Marcelo Manduca

U47 2016

Editora de Arte: Solange Freitas de Melo EschipioCapa e projeto gráfico: Rafael Matta Carnasciali e Solange Freitas de Melo EschipioDiagramação: Gustavo Barreiros Slomecki Conselho EditorialAuristela Duarte de Lima MoserCilene da Silva Gomes RibeiroEduardo Biacchi GomesEvelyn de Almeida OrlandoJaime RamosLéo Peruzzo JúniorLorete Maria da S. KotzeRodrigo Moraes da SilveiraRuy Inácio Neiva de CarvalhoVilmar Rodrigues MoreiraZanei Ramos Barcellos Editora Universitária ChampagnatRua Imaculada Conceição, 1155 – Prédio da Administração 6º andar – Câmpus Curitiba – CEP 80215-901 – Curitiba (PR) Tel. (41) [email protected] Produção de ebookS2 Books

Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

Ultramari, ClovisComo não fazer uma tese / Clovis Ultramari. – Curitiba : PUCPRess, 2016.152 p. : il. ; 21 cm.

Inclui bibliografiasISBN 978-85-68324-25-7 – PUCPRessISBN 978-85-7879-295-4 – EduePBISBN 978-85-7861-397-6 – Livraria da FísicaeISBN 978-85-68324-80-6

1. Redação técnica. 2. Teses. 3. Pesquisa. I. Título.CDD 20. ed. − 808.066

Nota

Este livro intenciona contribuir para a realização de dissertações eteses, sobretudo nas áreas onde a palavra conta mais que olaboratório, a imagem ou a matemática e afins. Ao longo do texto,adota-se a palavra tese, apenas, significando ambas as possiblidades.Seu conteúdo resulta de experiência em classe de mestrado edoutorado, assim como na orientação a pesquisas diversas. O textoaqui apresentado é intencionalmente curto, visando não se constituirem mais um fardo à extensa bibliografia que aos orientandos éindicada. Outra intenção deste trabalho é a de ser uma leitura externa— estrangeira — àquilo que se entende como de interesse precípuo doorientando e diretamente relacionado ao seu campo de estudo: umacerta leitura que cada vez mais desaparece da formação dos novosacadêmicos, sempre no caminho de uma especialização cada vez maistecnicista.

A maior fonte de material utilizada para sua realização foi buscadana realização de uma disciplina e que contou com o objetivo precípuode debater a elaboração de uma pesquisa e de desenvolver uma tese. Aescolha dos temas discutidos (capítulos) segue passos empreendidospelos orientandos: ingresso no programa de pesquisa, seleção doorientador, escolha temática, leituras, elaboração dos textos, defesa.

O perfil adotado do texto é informal, irônico e prioriza visõesparticulares do autor. O livro ressalta a importância da forma e doconteúdo de uma tese, porém não reproduz manuais que destacam,com validade, a importância do apego às normas científicas depublicação. É constante a defesa de que tão importante quanto apesquisa propriamente dita é a capacidade de se expressartextualmente, sobretudo a respeito da escolha metodológica. Opúblico com interesse neste livro é, prioritariamente, o doscandidatos a mestre ou a doutor e o dos professores orientadores. Opressuposto aqui adotado é que escrever uma tese é divertido, oumelhor, deve sê-lo. Vale-se, pois, da lembrança da resposta ao joveme ensimesmado Tomasi di Lampedusa (2007), autor do conhecido IlGattopardo, o qual respondeu aos intrigados familiares que lheperguntavam o que ele estava fazendo ao escrever o dia todo: “Estoume divertindo”, teria dito o italiano.

Prefácio

Canteiros no rodapé Destrua este diário, o livro descartável criado pela ilustradora

canadense Keri Smith, não vai entrar para o cânone universal. A nãoser que o Harold Bloom tenha uma febre da selva – o que Deus nãopermita. Convenhamos, a ideia de criar uma obra para ser rasgada eatirada da escada, depois de ganhar uma ducha, deve ser levada tão asério quanto um desses títulos para colorir. Ambos estão à vendanuma gôndola perto de você, ao lado do chiclé de bola, o que dizmuito sobre eles.

Mas alto lá. Keri propõe uma experiência lúdica, seguida de umatentado contra a aura de um objeto. Bacana. No teleprompter, sehouvesse, estaria escrito que quem trabalha no mercado editorialprecisa comer. Justo. Seria pouco. Repare que a brincadeira da autoratem a ver com Duchamp, Warhol, com os iconoclastas medievais. Eiso ponto que nos leva de Keri a Ultramari, bem a gosto dessa hiperativaera dos excessos. Tem seu lado bom – a ele.

A iconoclastia é uma velha senhora de cinta liga. Entrou na moda,digamos, no século 8 da era cristã, sem nunca mais deixar de fazercabeças. Alguém, afinal, tem de pôr bigodes na Monalisa, sob o riscode que, tolinhos, nos ajoelhemos diante dela. Em Como não fazer uma

tese, o arquiteto e urbanista (e viajante) Clovis Ultramari se revela umDuchamp pichando a Gioconda, uma Keri Smith prestes a mandarteses pelos ares ou condená-las a uma ducha – para ver o que sobradepois disso. Se você teve vontade de fazer isso antes dele e não fez,meus sentimentos.

Penso que os leitores do ensaio que Ultramari aqui publica sãoadultos à beira de um ataque de nervos, pobres mortais sujeitos aosefeitos colaterais provocados pela palavra “tese”, nas suas diversasvariações para o tema. Ainda que em segredo, planejaram alguma vezfazer picadinho de sumário. Ou estiveram perto de riscar o fósforo,pondo a perder citação por citação, regra por regra da ABNT, tudocelebrado com danças a Baal.

Sem exagero, pesquisas acadêmicas de fôlego – estejam emgestação ou empacadas no brejo das citações longas – mexem com ojuízo do cidadão, pondo em ebulição toda sorte de transtornosadormecidos. Nessa hora, somos todos TDHs. Uma pesquisa dedoutorado é daqueles eventos como o casamento, a formatura ou aaposentadoria – divide a história da gente em antes e depois, semprecom algum prejuízo. Separações? Vale uma estatística. Seu status deespeciaria rara, a torna sagrada. Produz candidatos em série àchamada “escravidão pela tese” – expressão em vias de ser exploradapela psiquiatria.

Pois seus problemas acabaram. A esses escravizados, Ultramari falaao ouvido, quase uma confidência, tendo a gentileza de não ocultar ospróprios achaques, imperceptíveis debaixo de sua conhecidaelegância. Não pede calma, não oferece o amparo da racionalidade,nem pílulas de sabedoria, tampouco receitas de chás. Ao contrário,sugere que o leitor deve sim se livrar da pilha de papel, ou de partedela, deletar milhares de caracteres e até mesmo “matar” o bom aluno

[interior] que o impede de fazer algo que preste. Seu ensaio éiconoclasta – uma atitude necessária para que o mundo ganhe mais emelhores teses, teses que nasçam de corpos felizes, febris, no auge desua potência intelectual.

Em tempo. Não o tomem por um atiçador de insanidades, umapéssima companhia, ao malvado da banca. O que nos oferece ébálsamo – a começar por suas inspirações, que conosco partilha.Como não fazer uma tese é parente dos ensaios de Montaigne, dasdiabruras de Voltaire. Na estante, merece ficar ao lado do essencialFilosofia da ciência, de Rubem Alves, e de Como se faz uma Tese, deUmberto Eco, livro do qual é parente próximo. Invoca-o no título, masdesdiz duas máximas que fizeram a fama desse pequeno trabalho dosemiólogo italiano: 1) a de que a tese é como um porco – do qualtodas as partes podem ser aproveitadas. Mentira da grossa. 2) E de queo orientando deve se proteger do orientador. Ultramari mostra que arecíproca é verdadeira e faz justiça à centena de milhares deprofessores que foram aos infernos, carregados por doutorandos sempiedade.

As virtudes desse trabalho não se encerram aqui. O autor noscoloca de braço dado com Eco, mas sobretudo se revela ele mesmouma boa conversa, que é tudo o que se espera de um livro. Dá-se aconhecer, ele, um exorcista de sabichonices. Não se alinha aosorientadores tecnicistas, restritos à rebimboca da parafuseta, aoscasados com um grupelho de autores que cabem numa Kombi, aos quefazem cara de “Medusa” de Caravaggio, sei lá, só porque o aluno querler Richard Sennett ou citar a Mafalda ao lado de Sua SantidadeBakhtin.

Honesto qual o quê, informa que seu livro nasce da experiênciaacumulada na vigília ao lado de dezenas de orientados. Chama sua

lista de dicas de “cordel de avisos”. Bingo. Graças a essa publicação,agora sabemos que, qual um romântico sentado na praça combloquinho e caneta, Ultramari anota suas impressões sobre esse ritualexperimentado por pouquíssimos – a elaboração e a defesa de umatese. Sabe-se que é tarefa de risco, que pode levar muitos à overdosede Fluoxetina ou a lugar para o CVV. Agora, tomara, não mais.

Me permitam um recuo da bateria. A leitura de Como não fazer umatese me fez lembrar um depoimento do respeitável endocrinologistainfantil Romolo Sandrini, da UFPR, anos atrás. Contou que ao fazerseleções para residência médica considerava, claro, as notas, massobretudo o que os recém-formados faziam nas horas vagas. Não quebuscasse apenas os dotados de verniz cultural. Desejava pessoascapazes de entender que a cultura elaborada é um caminho paraentender o cotidiano, o outro, as paixões. Gente capaz de sacar queMadame Bovary não se resume a um clássico obrigatório aosilustrados, mas que se vissem em Emma – a mulher adúltera einsatisfeita somos nós.

Penso que Ultramari é o residente que Sandrini buscava. Ointeressado que se aventurar pela centena de páginas que seguem háde encontrar raras menções a autoridades em normas científicas, semdesmerecê-las, e fartas evidências de que a voz que ali se ouve é a deum leitor apaixonado, redator de commonplace books, um sujeito queprovoca epifanias com frases pinçadas de um grande autor que citacomo um qualquer. Dá-nos intimidade – é tudo o que precisamos paraescrever uma tese. Sugere um contrato entre os dois seres unidos poruma hipótese, à espera de um final, sei lá, Casablanca. Que tal “comquem Ilse Lund fica? ”

A novidade? Os livros e autores que o orientador Ultramari amouencurtam distâncias. Servem-lhe de senha para tratar de tudo o que

machuca os calos. Ajudam pacas. Se alguém acha que a literatura nãoajuda a descascar uma tese, vai mudar de ideia na próxima página. Asletras são uma mão na roda da ciência. Ultramari acompanha o leitorpelos labirintos da pesquisa, falando-lhe de Cervantes, de EdwardAlbee, de gente pouco familiar, mas que ficamos doidos paraconhecer. Manuais e normas técnicas deveriam condecorar o autor,por cultivar canteiros em notas de rodapé.

José Carlos Fernandes [1]

A minha dedicatória

Dedico este trabalho ao aluno que não tive.As ironias, as lembranças ruins e os momentos kafkanianos aqui

relatados têm uma função ilustrativa, pedagógica mesmo; nada alémdisso. Não se trata, aviso, de um processo de expurgo de professor eorientador desaventurado, desapontado, que cambaleia entre umaleitura de texto de aluno de modo uma hora entristecido, e, outra,entediado. A ironia, o deboche e o desespero na relaçãoaluno/professor constituem tão somente um meio para deixar minhaideia mais precisa.

Não me proponho a fazer um manual, mas sim um cordel de avisosque, para serem lidos, precisam chamar a atenção. A mensagem aquiapresentada é a de uma vivência, claro, e depois filtrada por meio deuma mirada no interior de um caleidoscópio, para então ser relatadaem forma inversa. Ninguém que tenha vivido momentos acadêmicoscomigo se encontrará no presente relato. Não procurem se localizarnestas páginas, desperdiçarão seu tempo. Mas, com certeza, vocêsestão por aqui.

O manual para uma boa tese pode ser transvestido em anti-herói, àmoda de um Raskólnikov [2] em seu inverno e verão de SãoPetersburgo, convivendo com a imagem do crime que realizou, de umLeopold Bloom [3], em suas dezoito horas perambulantes em Dublin,ou um Macunaíma [4], em suas suspensões do tempo sobre um galho

de árvore no país Brasil. Esse travestir, próximo em som e significadode transgredir, resulta de uma postura propositadamente debochada,até mesmo cínica, jamais consequência da postura de um aluno oucolega que me tenha desencorajado. O ambiente que uso paraalimentar o presente trabalho me é rico em ideias e carinhoso emrelações, uma dádiva profissional e pessoal que há muito tenho oprivilégio de receber. No bizarro amálgama das personagens deDostoiévski, James Joyce e Mário de Andrade, a imagem de algoinacabado, incômodo, mas que nos atrai intensamente, ainda que sejapara confirmar que somos distintos ou para deles nos diferenciarmos.

Com todas essas introdutórias, Macunaíma, maroto, tal comodissera ao nascer, já nos teria chamado a atenção, dizendo: “Ai quepreguiça!”.

Das lembranças que utilizei para escrever esse livro curto,ressaltam momentos de máxima satisfação; quem sabe, devido a umenxergar o mundo descaradamente poliano. Ao final de Osmoedeiros falsos [5], Andrè Gide (1977, primeira edição 1925) sugereque nos desfaçamos do seu livro e comecemos a viver. Outros autorescom menor viço sugeriram algo parecido. Por serem, na quasetotalidade, protocolares e formuladas por meio de frases quereproduzem aquilo ensinado em manuais de elaboração dedocumentos científicos, as dedicatórias perdem seus significados.Servem tão somente para o deleite provinciano dos familiares e paraum exercício de caça palavras da parte dos amigos e colegas de quemescreve uma tese: o orientador a lê buscando qual dos seus perfis foienaltecido, acreditando poder se conhecer por meio da observação deoutrem; os demais professores seguem a mesma busca, mas também aconfirmação de que aquilo que por ventura tenham repassado aoorientando de forma menos compromissada, algumas vezes, emcorredores, o tenha efetivamente influenciado; aos funcionários do

programa de pós-graduação interessa saber se as suas simpatias eeficiências burocráticas foram identificadas. Todavia, o textodedicatório quase sempre os decepciona, ofertando uma tristemesmice e atestando uma prepotente afirmação de missãocumprida: “..... A busca pelo conhecimento é incansável. Em algunsmomentos parece mesmo ser interminável .... Agradeço aos meusmestres que abreviaram essa árdua tarefa ... A eles, meu eternoagradecimento! ...”. Sempre perco um tempo prazeroso em tentaradivinhar se o autor da dedicatória utilizou deliberadamente adistância do nome do homenageado do daquele considerado sersupremo ou a Sua posição à direita ou à esquerda como algo querevele hierarquia do agradecimento. “Agradeço antes de tudo a Deus,mestre maior, de quem tudo recebi e a quem tudo devo! Agradeço atodos os colegas de aula, companheiros das horas difíceis e de quempude desfrutar de um convívio fraternal! A todos o meu muitoobrigado eterno!!!”

Minha proposta aqui é que, caso tenham paixão, masparadoxalmente também a fórmula para o difícil exercício daponderação analítica, quando da pesquisa que irão fazer, é que selivrem desde já, ainda no começo, deste livro. Talvez vocês nãonecessitem dele.

O importante, nesta dedicatória é, então, reiterar meu prazer pelosalunos que tive; mas é para alguns daqueles que não tive que dedico eindico este livro.

Sumário

Capa

Créditos

Nota

Prefácio

A minha dedicatória

1. Com medo do orientando

2. Dedicatória

3. A escolha do orientador

4. Clareza, simplicidade e concisão

5. Dos textos turvos e do Corvo

6. Quem é o leitor?

7. Autoajuda

8. Originalidades e hipóteses

9. O tempo atropelado

10. Dois tipos de tese

11. O bom e o ruim orientando

12. Da ordem das coisas

13. Uma digressão com Shiva

14. Muita leitura enlouquece

15. A responsabilidade do orientador

16. Na banca

17. Considerações finais

Referências

Com medo do orientando

Eu estou a trezentos metros do portão da universidade; mais unsoutros trezentos no interior do campus seguidos de quatro andaresque me levam a minha sala de professor orientador, onde haviamarcado uma assessoria com aluno orientando. Ainda tenho tempopara preparar o raciocínio sobre o que havia lido e, o que éverdadeiramente extenuante, neste caso, preparar a maneira de exporminhas recomendações. A leitura que fiz era a de um materialconstruído visivelmente com sofrimento e lentidão, como o de umautor desterrado obrigado a registrar seu pesadelo, porém sem ahabilidade necessária. Pronto, já me veio à cabeça a ideia de umsofrimento sem excelência criativa e de expressão. Desvio o meupensamento e sigo o caminho. A solução que ensaio adotar no curtopercurso, antes de chegar à minha sala: melhor restringircomentários, reduzir referências, identificando e valorizando o que debom teria sido possível observar.

De um ponto de vista literário, poderei relacionar a situação comduas observações de autores respeitáveis, uma do século XIX e outrados anos noventa, já do século XX.

A primeira é bastante conhecida, quase banal, eu mesmo já a useiuma meia dezena de vezes. Gustave Flaubert, como sabemos, noenfrentamento às insistentes demonstrações de curiosidade a respeitode quem seria a Madame Bovary, responde simplesmente que era elemesmo: “Madame Bovary, c´est moi”. Claro, a vida da mulher adúltera,Emma, nada tem de concretamente similar com a vida do homemFlaubert. Essa primeira relação poderá confundir ainda mais oentendimento que o aluno deve ter para continuar sua pesquisa. Os 30e poucos anos de Flaublert (se o chamo de Gustave, sei que vouparecer querer demonstrar uma intimidade intelectual que não tenhoe, para a desejada tranquilidade do aluno, melhor restar naimpessoalidade) é que construíram, passo a passo, os sonhos e asrealizações da personagem principal desse livro, como em qualqueroutro que tenha alguma consistência, eu sei. Com essa referênciaficaria límpida a imagem de um candidato a doutor, cuja experiênciamais pretérita não o qualifica como um escritor que não sofre aoeditar suas laudas. Esse raciocínio não é produtivo; ao contrário,estabelece um não-retorno, não é possível refazer o passado doorientando. Ironicamente, na avalanche de ideias que busco enquantocaminho ao longo da calçada que encurta, penso como esse fato seriarevelado na Dedicatória, num imenso obrigado a Ele.

Esqueço Flaubert e concluo que é melhor então aquela segundareferência que me venho à memória: a introdução de Three TallWomen, de Edward Albee (isso, o mesmo de Who´s afraid ofVirginia Woolf?), com referências mais contemporâneas ao meuorientando. Albee, ao sofrer as insistências e frívolas perguntas sobrequanto tempo demora para escrever uma peça de teatro, ele respondeque é a vida toda. Meu deus! mas isso me leva ao mesmo não-retornoque rejeitei minutos atrás. Com essa referência eu também poucocontribuiria; ao contrário, daria um tapa decisivo de misericórdia.

Citar Edward Albee, certamente um desconhecido a mais para oorientando, tal qual como a difundida resposta de Flaubert,constituiria um comentário meramente agressivo, desanimador aoouvido de meu interlocutor. Lembrar dessas coisas e sintetizar oraciocínio nesta curta distância de espaço e de tempo até minha salanão é fácil.

Entretanto, tenho um lapso derrotista e tudo fica claro para mim:essa tese não tem conserto! Se o passado desse meu orientando éinconsistente, pouco posso ajudar como orientador. Pior, nem dizerisso posso. Se disser, para ser honesto, teria de pensar também nomeu e isso tudo iria longe demais. Melhor então - retorno à decisãoanterior - é falar pouco. Porém, como temos tempo até a defesa final,alguma visão mais crítica em relação às coisas que o orientando leuainda é possível de se agregar. Isso, cito os dois autores, de umamaneira gentil e ainda explico, com sinceridade, a importância dotempo pretérito. Basta isso! Meu desejo é ser simples, e então asprobabilidades de ser compreendido serão ampliadas. Verbalizarei oque acho em haikais. Minha ameaça máxima será um “Quem não lê,não escreve”. Claro, o orientando conhece esse ditado. Pronto, estariadito. O óbvio recorrente que sabemos desde a primeira redação naescola primária, quando, ironicamente, nem ler corretamentesabíamos. Mas isso eu poderia ter observado quando o selecionamoscomo aluno entre outros tantos. Mas a opção pela simplicidade não épossível, tenho mesmo de sofisticar meu próprio raciocínio, e lá sevão desperdiçados o tal do Flaubert e o tal do Albee.

Lembro agora que quando esse aluno me procurou para ser seuorientador, ele mencionara estar desiludido com um outro colega meuque lhe havia prometido orientação. À época ele atestara para mimque os desejos de pesquisa eram outros. Eu acreditei. Claro, elechegou a mim como envolvido em desespero, submerso em confusões,

sem rumo, presa fácil para qualquer outra sugestão deencaminhamento acadêmico. Encaminhamento que diz respeito aouso de seu tempo pessoal, a procedimentos de leituras, de pesquisa ede escrita. Eu não pude recusá-lo. Passados 10 minutos de meu aceite,o arrependimento me assolou, mas era tarde. De qualquer modo, mediverti em relacionar esta situação com o texto treslocado de Dario Fo(2004), em que um coelho pede ajuda a um besouro para se protegerde uma águia, no seu conto The Dung Beetle.

One day he [o besouro] was happily rolling a large ball that haddug up during his research when he was startled by a desperateshout. It was the shout of a rabbit, distraught and out of breath,who threw itself down on its knees and begged.Help me! Help me!What´s wrong?There´s a horrible shadow overhead ... it´s an eagle who wants tosnatch me up, kill me, and eat me! I need someone to protectme! I´ve looked everywhere, but there is no one who can saveme. You´re the only one who can protect me.You´ve got to be kidding. I am the lowest creature on the earth

and you can come asking me for protection? (p. 41) [6]. Mesmo não tendo relatado essa possível comparação entre eu e

meu novo orientando com o zoológico do absurdo de Fo, ainda medivirto ao lembrar disso. O desesperado aluno-coelho pede ajuda a umsurpreendido orientador-besouro. Hoje, ainda, me divirto com essacomparação, mas a verdade é que me asfixio nas gargalhadas. Se ativesse expressado ao recém-acolhido orientando.

Flaubert e Albee aterrissam e taxiam novamente no espaço de meuspensamentos confusos e medrosos. Mas é mesmo necessária uma vidainteira para escrever uma tese? Essa poderia ser uma perguntaproduzida pelo alto grau de espanto do aluno. Se ele levanta essadúvida, ele passa para o comando da situação, e serei obrigado a lhedar crédito. Uma tese não vale uma vida. Bom, mas não era isso quequeria dizer; queria dizer que uma vida produz uma tese, apenas.Todavia, impossível não dizer que sem passado não se tem materialpara escrever nada. Já havia dito isso também a alunos do curso degraduação, claro, com menor índice de compreensão por parte dointerlocutor, em princípio interessado. Dizer isso significa assustar oaluno e enfraquecê-lo diante das demandas hercúleas que se lheapresentarão a seguir. Não gostaria jamais de ouvir um sussurroliterário, mas irônico: Querido [sic] orientador: você me perguntourecentemente porque eu afirmo ter medo de você, numa referência aouniverso kafkaniano, em Carta ao Pai (Kafka, 1986, p. 6, original de1919). Nesta carta jamais enviada ao Sr. Hermann, o filho se refere aopai como um tirano, um Deus que o julgava por matrimôniosmalsucedidos, salário baixo e uma tentativa literária que não evoluía.

Tu me perguntaste recentemente por que afirmo ter medo de ti,eu não soube, como de costume, o que te responder, em partejustamente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existemtantos detalhes na justificativa desse medo que eu não poderiareuni-los no ato de falar de modo mais ou menos coerente. E seprocuro responder-te por escrito, não deixaria de ser de modoincompleto, porque, também no ato de escrever o medo e a suaconsequência me atrapalham diante de ti e porque a grandeza dotema ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento.(p. 6)

Estou indo muito longe com tudo isso. Corro o risco de ser réu,

acusado pelo orientando e por minha consciência. Já não sei se naminha referência quem escreveria ao pai é orientando ou sou eu.Tento esquecer Kafka, caso contrário, minha relação com esteorientando passa a ser de medo. Acabei falando demais. Tanto falei epouco ele entendeu. Tanto falei e ele não percebeu que senti medo denão ser claro, de não ser lógico, de ser ameaçador quando deveria seratencioso.

O problema com este orientando foi o de escolher, para umapesquisa de doutoramento, um tema que nunca lhe havia sidofamiliar. Estavam aí os riscos do deslumbre de muitos alunos empesquisar temas que lhe são absolutamente novos. Tarefa difícil aminha de repassar essas observações de cautela. Mas, então, tenho desugerir que nos mantenhamos na mesmice de um tema que já podenos ter cansado? Não tenho certeza disso, mas se for para navegar poráguas mais seguras, melhor repetir um velho tema na tese que arriscarpor caminhos inéditos ao candidato. O grau de risco abordado deveestar na exata proporção da qualidade acadêmica do orientando. Daparte do aluno que ousa sem a devida capacidade está agendado seuencontro com a pretensão e percalço; da parte do aluno cauteloso ebrilhante, a agenda estabelecida é com uma eventual mesmice e umaoportunidade desperdiçada.

Entretanto, aqui misturo duas coisas: uma primeira, que é o alertaao necessário acúmulo de conhecimento – sempre crítico, claro – quedeve se apresentar no momento de se escrever a tese como algominimamente adulto; uma segunda, que é a respeito do perigo de seembrenhar por novos e desconhecidos temas no momento em que jádevemos comprovar um mínimo domínio daquilo que intencionamospesquisar. Evidentemente, o leitor desta introdução já havia

percebido a convivência confusa dessas duas coisas (ideias) no meutexto, agora esclarecidas, acredito. Meu medo novamente: é isto umdiálogo entre o roto e o rasgado? Entre dois personagens confusosdiante de um esboço de tese em risco de não ser finalizada?

Esclarecido ao leitor, você, o fato de que são duas ideias, volto ameu caminho em direção ao portão da universidade, agora reduzido acem metros.

Para simplificar, ou para facilitar, reproduzirei a máxima que, sei,simplifica por demais as coisas da vida: do sofrimento chega-se àvitória; com o trabalho constrói-se o prazer; da dor espia-se o deleite;da tristeza produz-se o júbilo; da convivência com a escuridão dacaverna vislumbra-se a luz. Posiciono-me com o braço em riste, comoestátuas de Lênin, e digo tudo isso, rapidamente. Minha sala épequena.

Melhor eu nem fazer a relação com os dois escritores que haviapensado inicialmente. Minha familiaridade com a literatura émarginal, sei da resposta dada por Flaubert por essa ser recorrentenos estudos feitos sobre sua obra, Albert Albee conheço menos ainda.Bom, na realidade, assisti ao filme Who´s afraid of Virginia Woolf(filme de 1966, com Elizabeth Taylor, Richard Burton e dirigido porMike Nichols), à peça de mesmo nome no teatro de minha cidade, liThe Goat, or, Who Is Sylvia? e Three tall Woman (de onde, logonas primeiras páginas, tirei a observação de Albee). Dito assim,mesmo com essa pequena lista, me empolgo novamente e me achocapaz de utilizar qualquer uma dessas citações. De fato, do primeiroator, do Flaubert, a observação que tenho é quase popular, a meiocaminho da obviedade; do segundo, de Edward Albee, talvez, eupudesse me arriscar a demonstrar alguma familiaridade singular.

Meu procede-retrocede nas decisões já se assemelha à falta deobjetividade de meu menos habilitado orientando! Na realidade, a

preocupação é muito mais comigo do que com o orientando. Parecerintelectual, sem o ser, me faz mal, claro, melhor parecer mediano, oque seria verdade. O que gostaria mesmo de dizer é que simplesmenteencontrei essas duas citações em uns livros que li, que acheiinteressante, que lembrei dele, do orientando, que ainda teríamostempo para ele se preparar um pouco mais, antes de se lançar aescrever a sua tese. Com essa última observação eu já teria passadodos limites e não tenho ideia de como se comportaria o equilíbrioemocional do aluno. Meu Deus! Há também essa insuportável questãoemocional! Rapidamente, investigo em minha memória se o alunoque me espera - acabo chegando antes dele - perdeu alguém dafamília. Nada disso.

Melhor mesmo talvez seja eu me concentrar no conteúdo dotrabalho que li, com pragmatismo. Farei os comentários e me limitareia eles, sem juízo de valor mais abrangente. Serei cirúrgico nas minhasobservações: falta uma introdução, o abstract tem muitos erros deinglês. Neste caso, aconselho a pedir favor a um amigo fluente nalíngua. Melhor não pedir esse favor ainda, pois a hipótese pode aindaser mais bem elaborada e por isso alterará o resumo a ser traduzidopara uma língua que o orientando acredita, juvenilmente, entender,quando na realidade não a fala, não a escreve e pouco a leu. Passorapidamente aos Agradecimentos e nada digo a respeito de exagerosna sua interpelação ao amor de sua vida, aos seus pais, a algunsoutros professores e, no máximo do delírio, a Deus.

Com isso, evito um comentário mais ecatômbico de que a tese estápouco consistente, que ainda falta muito trabalhar, que ainda nosresta uma boa revisão e que talvez fosse o caso de adiar a defesa.Melhor dizer que a defesa fica para o próximo ano; anuncio isso comodecidido e pronto. Claro, essa é a melhor estratégia.

Na realidade, não sei por que essa minha preocupação de quasedesespero em relação ao modo como o orientando irá receber meuscomentários mais negativos. Talvez porque para ele seja tãoimportante como o é para mim o resultado desse trabalho. Noentanto, matematicamente, esse raciocínio não se confirma. Eu tenhovários orientandos e ele só tem essa tese; a única na vida, espero.Além disso, nenhuma das orientações anteriores pode ser classificadacomo desastre. Ao contrário, tenho tido sorte na escolha do aluno,posso me considerar lisonjeado pela procura com que alguns bonsalunos fazem para contar com minha orientação e posso me dar porfeliz por não contar em meu curriculum de memória nenhum acidentetrágico ou mesmo um quase acidente nas defesas anteriores. Possotalvez lembrar do professor convidado que dormiu durante a prelaçãoda orientanda há alguns meses antes da escrita desse meu trabalho.Mas quanto a isso eu não tenho absolutamente nenhuma capacidadede intervenção. Enquanto eu e os professores de minha universidadeassistíamos à apresentação da aluna dedicada e merecedora derespeito, minha mão repousava sobre o espaldar da cadeira e poderiafacilmente escorregar para uma parte posterior qualquer do corpo, domeio das costas levemente curvadas à cabeça com cabeleira nãolavada no dia, do dito professor convidado. Com isso eu o teriaacordado e o ritual teria prosseguido sem problemas; talvez, nofundo, eu desejei ver o colega fragilizado, já que não simpatizara como conteúdo de sua palestra na última vez que nos vimos. Tudo o quehavia falado me pareceu velho, cheio de preconceitos acadêmicos,advindos de um profissional que parece nunca ter colocado os péssobre o solo do mundo real. Como estou indo longe! Não, ainda dápara prosseguir. O sono embalado por hipóteses e conclusõesintermináveis, mas ainda dignas de atenção, confirmavam adecadência de alguém que se deixa mostrar por suas necessidades

biológicas. Mas enfim, minha mão resistiu firme no debrum doespaldar da cadeira, roçando sobre um tecido áspero como carpet denylon, mas imóvel. Propositadamente, não acordei o professorconvidado.

Enfim, do caminho até o portão principal da Universidade agora sóme restam alguns metros, meu pensamento ficou errático e o tempojá não me é mais parceiro.

Atravesso de um edifício a outro e tento recuperar meu raciocínio.Já disse: a melhor estratégia é ser pontual, estou mesmo cansado deexigir de mim uma visão maior das coisas, uma crítica abrangente. Jádisse: vou ser pragmático, exagerarei na cordialidade, e pronto. É, meparece que assim é melhor. Cordialidade sempre funciona. Oorientando ouve o que precisa e o orientador cumpre seucompromisso, mostrando-se imparcial: a voz delicada, gentil e doce éa dele; a voz certeira, franca e algoz é a da ciência.

Antes de entrar na sala, onde meu orientando, ainda não acuado,sem prever o que poderei dizer, tranquilo e confiante nas poucas –sempre – páginas que conseguiu produzir, tomo uma decisão final:tenho de escrever um livro sobre como escrever uma tese.

O resultado é o que se apresenta agora.Ah, deleite supremo da ideia e da escrita por mim, e da leitura por

vocês!E o orientando? Desmarcou a assessoria, agora que vejo seu email.

Dedicatória

As páginas de agradecimento são aquelas que com certeza dão omaior prazer ao candidato ao título de doutor ou mestre. Essecontentamento é confirmado também, por três vezes, no texto quevocês agora leem: falei sobre isso no item dos meus agradecimentos,no item precedente onde relato meu medo do orientando e agora,neste capítulo, como recomendações para uma tese.

Ao escrever a dedicatória numa tese, já pouco de trabalho resta afazer, sendo pois, tarefa derradeira e por isso anunciadora dodescanso. Neste momento de agradecimentos está, mais que tudo,implícito o comprometimento sem anuência de outras pessoas eentes: o orientador, a família, demais professores, amigos, Deus. Aosagradecidos a corresponsabilidade. Inicia com um parágrafo quecontem, inevitavelmente, a cordialidade do reconhecimento dacontribuição, solidariedade, parceria e cumplicidade capazes degarantir a viabilização de um objetivo. Claro, viabilizado é uma palavraque nos anuncia que alguma coisa foi realizada e, mais que tudo, deforma eficaz e eficiente. Ora, uma tese impressa e submetida a umabanca não pode jamais estar completa, pois lhe faltam os testes devalidade e o debate daqueles que a avaliam. Além disso, pode estarincompleta até mesmo para ser submetida e avaliada, faltando-lhes os

quesitos mínimos para tal; mas isso é um outra e complicadíssimahistória.

No caso de a tese ter sido viabilizada, o que nos resta discutir?Detalhes! À mesma presunção é imediatamente acrescida de palavrasde verdadeiro comprometimento com o leitor, ainda que comaparência de agradecimento, afirmando: “pela maneira gentil e cortêscom que me adotaram e apoiaram meu projeto”.

A lista de agradecimentos é nauseantemente longa. Ela abrange,num simples conjunto de poucos parágrafos, pessoas e instituiçõesque jamais, pelos processos conhecidos do cotidiano, e da realidadeda vida terrestre, se encontrariam ou se importariam mutuamente. Aimpossibilidade desse encontro coloca em dúvida todas as pretensõesde validade da teoria dos conhecidos seis graus de separação [7], onde,a partir de uma relação social eu me relaciono com muitos ou mesmocom todos.

Tal lista de pessoas, entes e coisas é, no entanto, ironicamente ouesclarecidamente isolada por degraus que iniciam na formalidade dese agradecer ao orientador e à universidade, avançam para o nívelmais íntimo com expressões carinhosas aos pais, filhos, amigos e,aterrissam num grande Olímpio, com palavras rápidas, masprofundas, esposas, maridos e outros companheiros que sabidamentedividem o leito. A esses é apresentado um pedido de desculpas “pelotempo tomado”.

A quem agradecer então? A tarefa é árdua, pois mesmo que comelegância textual e sem excessos de caráter mais pessoal, aindacorremos o risco de não darmos cobertura de gentileza a todas àspessoas que realmente colaboraram na, sempre, árdua tarefa. Nãoapenas a lista de pessoas agradecidas, mas igualmente a ordem comque são apresentadas no texto de agradecimentos é atentamenteobservada sobretudo pelo leitor-amigo. Esse não se interessa

necessariamente pelo tema que tratamos, mas que, por algumaobrigação social ou gentílica, se obriga a folhear o trabalho. Fixa-seentão nas páginas introdutórias, nas figuras e eventualmente emalguma epígrafe, sem necessariamente saber que é essa a palavra quenomeia a citação de chamada de um novo item ou capítulo.

Na lista de pessoas agradecidas, há sempre o risco inevitável daindelicadeza e do exagero.

No caso da dúvida, no temor de agradecer a alguém e esquecer deoutrem, o mais apropriado é não agradecer ninguém.Aritmeticamente, o erro é evidente, agradecemos a um, deixamos esseum feliz, mas obrigamos incontáveis a ler o que interessa a esse um,apenas. Personnal advisers, ciosos da temática de se expressar gratidãoa convites, diriam o mesmo. Eles dominam esse assunto: na dúvida,diriam, escolha a discrição.

Agradeça a você mesmo, sem escrever isso, nada diga para nãoparecer presunçoso. Porém, todos sabem, o maior esforço foi seu.

Não tenho dúvida de que, mais que agradecer pessoas, e sempre seesquivando de agradecer os mais próximos, os mais íntimos, éimportante agradecer às instituições que contribuíram para odesenvolvimento da pesquisa. Com isso, avança-se inclusive numaquestão conceitual absolutamente importante dessa empreitadaacadêmica. Ao agradecer às instituições, o autor mapeia as fontes deinformações, localiza a tomada de decisões sobre o tema tratado,define os principais agentes atuantes na temática e, por último,recorta o território trabalhado. Com isso, afasta-se do estilo maispessoal e avança-se para questões diretamente relacionadas com apesquisa.

Lembro de uma tese, merecidamente julgada de alta qualidade, queagradecia com contundência as instituições públicas brasileiras peladisponibilidade, qualidade e consistência da informação e pela

presteza de seus funcionários. Ora, fica claro num agradecimentocomo esse, assim como fica claro o provável amor ao parceiro ouparceira, num agradecimento mais intimista, o respeito que o autorapresenta publicamente às estruturas de Estado. É esse o agentevalorizado, seja pela sua função insubstituível pelo mercado, seja pelacapacitação dos quadros de seu funcionalismo, seja pelo seu esforçode transparência e publicação de informações.

Um mundo passível de ser facilmente contextualizado e de grandepotencial esclarecedor no outro extremo dessa riqueza, um dúbio emuito terno “obrigado, Myrian”, que nos transforma em curiososimersos em um universo denso de amantes, tias, irmãs, esposas eamigos travestis. Nunca saberemos quem é a Myrian referenciada (ouera Sylvia?). Mas isso pouco nos importa: restam o orientado educado,pelo gesto, e a Regina enormemente satisfeita, pela lembrança.

Para além do que e de quem se deve agradecer, é necessárioobservar o volume dos agradecimentos, determinado aquilo e aqueleque realmente foi fundamental para a elaboração da tese: quanto maisinstituições e pessoas são lembradas, menos valoradas elas parecemser, perdidas numa multidão de situações e relações. Palavras,parágrafos e itens inteiros podem ser cortados sem medo. O fato de osagradecimentos e outros itens de caráter introdutório permitirem ummaior grau de autonomia textual ao autor da tese, explica os seusexcessos se evidenciam os possíveis cortes a serem feitos.

A escolha do orientador

Tema, cidade, universidade, instituto, programa de pós-graduaçãoe orientador são elementos que parecem resultar da livre opção. Emprincípio, sim; de fato, mais apropriado seria dizer que tudo possonaquele que me fortalece na submissão de uma proposta. O futuroorientando nunca saberá como funcionam as fórmulas da boadistribuição de alunos por orientador, nem tampouco quais os bonstemas que, num determinado ano, terão prioridade sobre os demaisno processo de seleção dos candidatos. Não sei dizer qual pretensaopção, caso exista de fato, se faz primeira, uma vez que todas semesclam com situações de vida muito particulares. Em algunsmanuais que se dedicam a facilitar essa possível escolha — existentede fato para alguns futuros orientandos com distinção já reconhecida—, é repetida a importância de se buscar no curriculum do possívelorientador a informação que possa ajudar na decisão. Outraorientação repetida é que se busque por universidades e programasqualificados como de excelência entre seus pares no país ou em nívelinternacional. Ora, é evidente que o futuro orientando deva buscaraquilo que se tem de melhor; porém, faz também sentido queconsidere seu perfil e sua capacidade nesta eventual seleção. Quanto aisso pouco se pode falar. Ao se analisar sob essa perspectiva, a do

aluno, a seleção é cartesiana: vale a decisão, a disponibilidade e ohistórico acadêmico do candidato apresentados com distinção nomomento do processo e do exame seletivo.

Todavia, o mais rico que se tem para dizer a respeito desse processode seleção é aquele visto segundo a perspectiva do programa e doprovável professor orientador. Qual o orientando que eu, orientador,desejo? Pode até ser o cínico, mas antes de tudo capacitado, decididoe feliz. Não é necessário justificar meu interesse pelo candidatocapacitado. O seu perfil decidido demonstra condições de objetividadee cumprimento dos prazos impostos. O candidato decidido é aqueleque demonstra segurança que prosseguirá até o final da tese, até suadefesa e correções da banca, sem medo constante, nem ameaças deabandono, nem rompantes de leitura e produção espasmódicos.Candidato feliz, sei, merece mais justificativa.

A relação orientando / orientador tem todas as condições de setransformar em uma amizade construída a partir de um grandeprojeto, ou seja, o projeto de vida daquele que ainda busca um título.Estão aí envolvidos não apenas a pesquisa e sua transcrição para opapel, mas também um convívio em momentos cruciais para oorientando; na maioria das vezes, relacionados com sua vidaprofissional. Nos anos dessa convivência, ao orientando feliz e que,portanto, transmite o prazer do convívio, são apresentadasoportunidades, ora mais, ora menos evidentes, mas sempredependentes de uma clara decisão em carpe diem, em abraçar o que selhe apresenta de novo bom. Essa é uma visão linear das coisas,reconheço; porém, não vejo alternativas a ela.

O orientador a quem nada escapa, ou aquele em momentoscrepusculares, quando algumas coisas já não lhe interessam ou que jánão as pode mais assumir, repassa ou divide projetos que podem serinteressantes a outros mais novos. Está assim constituída uma

conivência, uma parceria e uma confiança profissional orientador /orientando que certamente influencia positivamente nos diálogos daconstrução da tese. “A vida é curta, a arte é longa. A ocasião, fugidia.A esperança, falaz. E o julgamento, difícil.” (Hipócrates em Aforismos,apud Sêneca, 2006, p 25).

Não se pode desejar - nem se quer - uma relação de orientando /orientador como as vivenciadas por Platão em sua Academia naAtenas clássica, onde se imagina ter havido pouca distinção entrealunos e mestres. Experiência acadêmica e distanciamento dotrabalho braçal da elaboração da tese garantem uma distinção entreeles. Não se pode mesmo desejar no ambiente acadêmico de nossaatualidade que a troca de ideias capaz de fazer ciência se faça concretano momento em que a parceria é criada, que persista na hora da mortedo mestre e resista à produção subsequente. Ao olhar da academiacontemporânea, por vezes acusada de produtivista, esse ambientedito inovador de Platão, apesar de nos atrair incomensuravelmente,parece mais um parque de diversões, um espaço que titubeia entre aoferta do ócio e do descompromisso de se produzir mensuravelmente.No ambiente da academia contemporânea, talvez mais em algumasáreas que em outras, resiste a importante liberdade do pensar e decom quem pensar; entretanto, cada vez mais, se reduzem asliberdades de como pensar. Digressão: nossas liberdades acadêmicasiniciam pela escolha de nossas prisões: “Toutes les lois me mettent enrage ... depuis mon enfance, j´ai retenu ta leçon. Si nos libertéscommencent para le choix e nos prison, le prix de cette nuance, tous icinous le payons” [8].

A capacidade da boa escrita, sempre fundamental para o sucesso datese, resulta de missão solitária do orientando, mas a escolha docaminho adequado para a pesquisa, a bibliografia mais importante, aanálise primordial, o estilo acadêmico necessário resultam em grande

parte de uma boa relação de comprometimento mútuo entreorientando e orientador. Tenho a certeza de que essas qualificaçõesserão mais sofridas se resultarem de um esforço individual doorientando. Lembro de uma colega minha, já bastante familiarizadacom o ambiente acadêmico, que, em nosso primeiro dia no programade doutoramento, anunciou: “Faço o doutorado para ser feliz!”.

Os processos de elaboração de uma tese escondem fatalidades que,por serem de autoria do perdedor, restam pouco reveladas e assimescondem um certo lado perverso de uma pós-graduação. Além dosesperados problemas pessoais que dificultam e mesmo forçam ocancelamento de um projeto, problemas menores ganham dimensãoque impedem a escrita mesmo de partes mais fáceis de uma tese.Neste momento, as piores características possíveis de um orientadorganham mais força, como se a fraqueza do orientando colocasse lenhana fogueira já feita com o que o orientador tem de ruim. Ascaracterísticas usuais do orientador são potencializadas nestemomento: a sua não disponibilidade para discutir o produzido, o seuvaguear entre ora um caminho investigativo ora outro, o seu tédioconstante talvez causado pelos baixos salários universitários, a suaimpetuosa crítica a tudo que nos cerca, culpando governo,administração institucional e todo o resto, a sua insistência em falarsobre obviedades obtidas pela possibilidade de estar bem informadosobre tudo o que acontece. O tempo das assessorias passa e poucoresta ao orientando, nada além de mais desespero que se concretiza jána saída do gabinete.

Se existe mesmo escolha, talvez seja a do orientador em relação aoorientando. Lembro de uma vez, em processo seletivo que participei,onde o candidato, já de minha idade, afirmou que, depois de muitotrabalhar na área de consultoria, com sua empresa própria, concluiuque era chegada a hora de devolver à academia aquilo que aprendera

na vida profissional. Errado! A ninguém interessa tamanha presunçãoe bobagem. Lembro também de um candidato dizer na entrevista quetentava o programa do qual eu participava do comitê de seleçãoporque havia desistido de outro. A partir daí, nada mais interessavaem sua entrevista, a não ser o de entender os motivos que o levaram atal abandono. Outro candidato, ao ser perguntado sobre o porquê daescolha de tal programa de pós-graduação, respondeu: “Porque paraesse eu tenho bolsa!”. Resposta certa, mas a depender do modo comofoi expressa, devendo ser não apenas verdadeira, mas tambémaparentar espontaneidade e humildade. Mais que tudo, lembro deuma candidata, também com idade similar à minha, suponho, queolhou fortemente, mas com candura e diversão, nos meus olhos edisse: “Eu vou entrar nesse programa! Se não for esse ano, eu tentonovamente, até conseguir!” Afirmativa certa!

Clareza, simplicidade e concisão

Umberto Eco (1996), numa comparação bizarra e grosseira, afirmaque uma tese é como um porco [sic], pois dela tudo se podeaproveitar. Entre essa comparação e a outra, do mesmo autor, namesma obra, que diz que “fazer uma tese significa divertir-se” (p. 37),fico com a segunda. Ao contrário, eu diria que de uma tese nem tudose aproveita; quase sempre, longos trechos são desnecessários e dedifícil serventia se analisados pela perspectiva da aderência com otema, os objetivos e as hipóteses. Sob essa perspectiva, essas partes -passíveis de serem aproveitadas, segundo Umberto Eco - perdem osentido. Perdem-no não necessariamente por problemas de qualidadedas ideias, mas sobretudo pela reduzida relação com asespecificidades da tese. Este é um problema recorrente: a maior partedos diagnósticos ou mesmo dos referenciais teóricos, por exemplo,não contemplam ou não se limitam a atender àquilo queverdadeiramente interessa. Lidos separadamente, algumas vezes, sebastam; no conjunto da tese, pouco contribuem. Sem o atendimento aessas especificidades, sem guardar a homogeneidade que indica umúnico propósito, devem ser cortadas do volume final da tese. Aindaque algumas partes tenham sido importantes para o desenvolvimento

do raciocínio do autor, não necessariamente terá esse papel para acompreensão do leitor. Na maioria dos casos, o que se tem são longaspáginas de raro interesse a quem as lerá. Neste caso, o que delesaproveitar? Sei, Umberto Eco pode, com essa observação alertar quetudo se aproveita, mas desde que devidamente trabalhado: de umaleitura, de um fichamento, de um texto síntese sobre um fenômenoaparentemente menor para o desenvolvimento maior da pesquisarealizada há mais tempo, o orientando sempre poderá apropriar-se dealgo para incorporar na versão final de sua tese. Discordo de UmbertoEco, caso ele realmente entenda assim. Nada deve ser feito, nem lido,nem escrito, nem sumariado, se não o for de modo racionalizado parao intuito final da tese e especificamente para o cumprimento de seusobjetivos propostos. Cortar sem dor o produto de longas horas deprodução é a atitude certa quando, minimamente, se desconfia que háalgum excesso. Tais cortes, eu os sugeri na maioria das teses que tivea oportunidade de ler e comentar. Um exemplo são as extensasrevisões históricas e (ou) espaciais já trazidas recorrentemente pormúltiplos outros autores, quase sempre mais especialistas no tópico.Se absolutamente necessárias para a contextualização do autor datese, em nada contribuem para o prazer da leitura e a avaliação dacapacidade intelectual do autor. O conselho que daria é o uso deobservações pequenas, curtas, que demonstrem o conhecimento dessacontextualização pelo autor, apenas. A revisão histórica ou adescrição da ocupação de um território ou as características físicas deum espaço, por exemplo, devem permanecer nos trabalhos,respeitosamente, daqueles que se dedicaram a isso à exaustão. Devemtambém permanecer nas mentes de quem as leu e as necessita paracontextualizar o fenômeno que lhe interessa, sem jamais requererpaciência redobrada da banca examinadora ou do eventual futuroleitor ao ler o que já conhece. Em termos de estilo de texto, ao se

adotar essa postura de corte sem medo, sem acreditar que a tese érealmente um porco [sic, novamente], quase sempre se garanteclareza ao texto e demonstração de certeiro raciocínio. Essas questõesme provocam a responder o que não sei: para quem é feita uma tese?Para a construção do conhecimento de quem a faz ou para a delícia dequem a lê? Caso seja para atender aos interesses do autor aspreocupações com o corte e mesmo com a edição perderiam valor.Caso seja, também, para atender aos interesses do leitor,prosseguimos com os cortes em busca da concisão. Caso minha defesanão tenha ficado clara, melhor ler alguma coisa de Graciliano Ramosque, além de odiar adjetivos, por julgá-los supérfluos, reduzia, reduziao texto ao máximo possível.

Na falta da capacidade de síntese de Graciliano, ou mesmolembrando de um “faça como eu digo, mas não faça como eu faço”,prossigo, até convencer.

Vejamos a longa citação a seguir:

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá deAlagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeiralavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer.Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depoisenxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com amão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais umatorcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma sógota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram aroupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se metea escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para

enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.(Graciliano Ramos, em entrevista, 1948, in Silveria, 1998, p. 283)

À síntese Graciliano acrescentaria, esperadamente, a perfeição

gramatical como característica exigida em tudo que lia. Uma vez,personagem seu, o escritor Luis da Silva, no romance Angústia [9], sedepara com uma pichação sobre um muro. Ali estava escrito“proletários univos” e ele exclama: “Não dispenso as virgulas e ostraços; quereriam fazer uma revolução sem traços e sem vírgulas? Numarevolução de tal ordem não haveria lugar para mim”. (Ramos, 2011, p.32, primeira edição, 1936).

Realizada a necessária limpeza do texto, com cortes sem dó, eeliminados os pedaços que nada dizem, o próximo passo é juntar osrestos que permaneceram.

Quebras violentas no texto são comuns em textos de tese; jamaispor opção literária, mas mais provavelmente por absoluta falta desistematização de ideias, câmbios surpreendentes entre um assunto eoutro. Regras como aquelas insistentemente defendidas por cursinhosde jornalistas desesperados em garantir velocidade à leitura e sínteseda informação podem ser adotadas, porém com cuidado. A síntesedeve ser buscada, mas jamais em detrimento da evidência dasequência do capítulo. Para o doutorando que não é bom na escrita ecom dificuldade em conectar parágrafos que se sucedem ao longo deum raciocínio complexo, justifica-se a infeliz solução por palavrasque, em princípio, poderíamos dispensar. Neste caso, a despeito doque dizem os manuais do jornalismo contemporâneo preocupadoscom o repasse do maior volume possível de informação a um leitorcada vez mais apressado, as palavras de fato, todavia, contudo,entretanto, portanto, confirmando a ideia acima, reiterando oapresentado pelo autor em questão, do mesmo modo que anteriormente,

assim, dentre outras, podem ajudar bastante. Para os que não são bonsde texto é difícil viver sem essas palavras. Neste caso, eu nãoarriscaria. Para os bons de texto vale mais uma vez citar GracilianoRamos. Uma pesquisa sobre os fatos ocorridos na redação do jornalCorreio da Manhã, quando ele se deparava com palavras queconsiderasse supérfluas, mostra momentos didáticos e folclóricos.Medir o supérfluo ou o que faz falta é difícil. O pior é que Gracilianonão fará a revisão de nossos textos. Porém, tenho certeza de umacoisa, mas de três páginas sem o uso do ponto e vírgula é um péssimosinal, indica, na sua pausa maior que a da vírgula, pouca profundidadedo raciocínio.

Fiódor Dostoievski (1821-1881), em Crime e Castigo (2001), já aofinal do relato do percurso psicológico do anti-herói Raskólnikovrevela três exemplos de como é prazerosa uma leitura “saltada”, massem jamais nos deixar perplexos e preocupados em não entender otexto. Ao contrário, com o corte aparentemente brusco e rejeição daideia de que de uma tese tudo se aproveita, presunçosamente nosaproximamos do melhor deste livro de Dostoiéviski, da sua estratégiae habilidade literária que nos poupa tempo, da sofisticação naapresentação de ideias e, numa ousadia maior, da sucessão linear einfinita de fatos, nem todos necessários para a compreensão dahistória relatada. Temos então duas opções: uma primeira, tediosa esegura; e uma segunda, arriscada, para os poucos, para quem escrevernão é sofrer. Num recorte de pouco mais de vinte páginas, Crime eCastigo contém três momentos que ilustram o quero dizer com essadiscussão já longa. Apresento um deles, os demais restam como tarefade leitura para o leitor curioso. Este acontece quando da confirmaçãoda pena a trabalhos forçados ao personagem principal (o autor docrime). Ainda na delegacia, ao ser acuado psicologicamente aconfessar seu crime hediondo,

Raskólnikov afastou a água com a mão e pronunciou baixinho,pausadamente mas com nitidez: Fui eu que matei com ummachado a velha viúva do funcionário e sua irmã Lisavieta e aroubei. Iliá Pietróvitch ficou boquiaberto. De todos os cantosacorreu gente. Raskólnikov repetiu o seu testemunho.... (opcitada, p. 539).

Com essa descrição, o autor encerra o capítulo, abre uma página de

epílogo e a próxima palavra é: “Sibéria.” (op citada, p. 543), regiãoonde o criminoso permaneceria preso por trinta anos.

Claro, não se busca aqui o estilo, nem tampouco se aconselha aliberdade de relato de um trabalho literário. A intenção é reiterar aimportância de se evitar o texto demorado e o inútil, de se eliminar oque não interessa.

Dito dessa maneira, tudo parece fácil. Evidentemente, não o é.Muitas vezes, um grande acúmulo de texto é feito nos primeiros

momentos de desenvolvimento de uma tese, nas fases em que ocandidato mais lê, mais faz fichamento, mais acumula conhecimentoe, consequência esperada, deseja tudo colocar na versão final de seudocumento. Este é de fato um momento de construção doconhecimento vivenciado pelo autor que não precisa necessariamenteser desvelado ao leitor, que já sente as dores da leitura cansativa.

No extremo desse excesso, algumas vezes, li páginas seguidas depáginas em que é feita uma simples colagem de observações e decitações de outros autores, revelando tão somente a acumulação deleitura, sem clareza sequencial ou sem a permeação de ideias própriasdo autor da tese. Esse fato é visível pela simples avaliação gráficadessas páginas, sem nem mesmo ler suas palavras e frases: no final de

cada parágrafo, a constante simbologia de citação, ainda que indireta;no final de cada parágrafo, dentro de parênteses, o autor e o ano.

Quem não lê não escreve; ou melhor, quem não leu não escreverá!Essa é uma máxima óbvia que, já dita anteriormente, nos éverbalizada logo nos primeiros exercícios da escrita. Já discutimosisso aqui, mas agora essa lembrança tem outra razão. Para além deconteúdo e de sua análise crítica, a leitura de textos para a construçãode uma tese é necessária também para 1. Apreender a sua expressãotextual, 2. Incrementar o vocabulário, 3. Entender como o texto éconstruído e como parágrafos e itens são dispostos, 4. Adquirirconceitos utilizados e, 5. Estranhamente, também, assimilar comoalgumas palavras conhecidas são utilizadas em sentido figurado.Neste último caso, palavras que conhecemos, mas que não asutilizamos no sentido dado pelo autor do texto lido também ganhamimportância para nosso incremento vocabular.

Quando busquei referências de pesquisadores sobre essa relaçãocausal entre o ato de ler e o ato de escrever, os resultados forammúltiplos, fáceis de encontrar e sempre uníssonas ao constatarem-na.

Desnecessário discutir isso; basta aceitar esse fato como um dogmae seguir em frente. Leitura é exercício cumulativo que não pode seriniciado no período da tese e sim consolidado ao longo de um tempopassado.

Mais que isso, mais grave, não há acumulação rápida deconhecimento que não gere desconfiança, se travestida de um pseudosabichonismo, para usar uma expressão que uma vez ouvi dizer de umguardador de carros, ao comentar a situação política do país.

Personagens de Guimarães Rosa, se um dia se preocupassem pelanossa temática, acredito eu, certamente diriam que é necessárioenlarguecer o conhecimento em antes, pequenhando o desespero quepode surgir num dia pela frente. Que prazer imitar Guimarães Rosa!

Tentem, não na tese, mas nas margens do tempo gasto para escrevê-la.

Tudo se evidencia e tudo irrita: 1. O uso de riqueza vocabularquando ela não é necessária, pois nenhuma palavra se justifica por sisó; 2. O não domínio dessa riqueza, pois nos cansam as repetições depalavras; 3. O desconhecimento da boa gramática, pois, sem sabermosdireito o motivo, o desrespeito à língua pátria [sic por mim mesmo]nos vilipendia; 4. A falta de clareza textual, pois nos irritam viagensem trens fantasmas e loops no raciocínio autoral; e 5. O descuido coma prévia seleção de parágrafos que não se justifiquem, pois, a leituraem excesso e qualquer ameaça ao raciocínio cartesiano de introdução,desenvolvimento e conclusão nos incomoda. Essas, dentre outraspráticas de escrita, ficam evidentes ao longo do tempo.

Numa das definições mais literárias em verbete de enciclopédia oudicionário que já li é a utilizada por Antonio Houaiss (2007) parademonstrar o significado da palavra parágrafo: “divisão de um textoescrito, indicada pela mudança de linha, cuja função é mostrar que asfrases aí contidas mantêm maior relação entre si do que com orestante do texto”. Edição antiga do Novo Dicionário Aurélio (AurélioBuarque de Holanda Ferreira, 1975) define parágrafo pela sua forma,aparência, não chamando a atenção da necessária singularidade notexto que o insere: “Seção de discurso ou de capítulo que forma sentidocompleto, e que usualmente se inicia com a mudança de linha e entrada”(p. 1033). A versão eletrônica do Merriam-Webster (2015) defineparágrafo como “a subdivision of a written composition that consists ofone or more sentences, deals with one point or gives the words of onespeaker, and begins on a new usually indented line; a short compositionor note that is complete in one paragraph [10]. O dicionário Larousse(2009), versão eletrônica, define da mesma maneira:

Division d’un texte de prose, d’un discours, d’un chapitre quiapparaît typographiquement par un alinéa initial. (Dans lesrenvois, le paragraphe est noté par le signe §, appelé lui-même «

paragraphe ») [11]. Se conseguíssemos garantir essa característica a cada um dos

nossos parágrafos naquilo que escrevemos, grande parte do caminhoem direção à clareza de ideias, estaria realizada. Todavia, aindafaltaria: 1) ter clareza do que queremos pesquisar; e 2) ter clareza daestrutura da tese que seguiremos. Com isso temos uma chance de umapesquisa bem estruturada e bem escrita: determinação no tema,límpida definição de sua estrutura e domínio na construção dosparágrafos. Ao se ter domínio da escrita, sobretudo da importância daclareza, e da ordem das ideias dentro de cada um dos capítulos, dentrode cada um dos parágrafos, o desenvolvimento da tese se anunciadesanuviado.

Iniciada a tese desse modo, presa pela clareza de um sumário, já

nas primeiras páginas, o texto assume vida própria, muitas vezesignorando desejos ou mesmo determinações de mudança do autor.Mas com isso não precisamos nos preocupar; deixemos essa vontadede evolução que se decida por si só. Aos autores de uma tese cabe seapegar o mais rápido e máximo possível, ao sumário, uma vezdefinido. Do mesmo modo que o sumário é importante e serve comoguia seguro para se ter certeza quanto aos caminhos que devemosescolher, excluindo todas as veredas perigosas ou sendasdesnecessárias, o título similarmente deve logo ser estabelecido eindicar o grande escopo da tese. Muitos orientadores afirmam que adefinição do título é coisa para ser deixada como tarefa final: elesestão parcialmente certo. O título deve ser buscado, claro que ainda

sujeito a lapidações e adequações, desde o início, tal qual uma síntesedo que se terá de fazer pela frente.

David Lodge quando aceita o convite de discutir a arte da ficção emcolunas do jornal The Independent on Sunday, nos anos 1990, estavaciente da dificuldade de repassar um modelo literário. Uma das suaspreocupações, entre outros aproximadamente 50 tópicos, erajustamente a respeito do título. Diz ele:

Para o romancista, a escolha do título pode ser uma parte doprocesso criativo, que o ajuda a estabelecer o foco narrativo daobra. Charles Dickens, por exemplo, anotou catorze títulospossíveis para o romance folhetim que planejava começar noinício de 1854: According to Cocker, Prove it, Stubborn Things,Mr. Gradgrind´s facts, The grindstone, Hard times, Two rust anddust, Simple arithmetic, A matter of calculation, A merequestion of figures, The gradgrind philosophy. … Hard Times, ouTempos Difíceis, é adequado às preocupações sociais amplasassumidas pelo romance em sua forma final (Lodge, 2009, p.201).

Claro, Lodge fala aqui de literatura, e nós ensaiamos falar de textos

acadêmicos. Estaríamos então estilisticamente alojados nas cercaniasde um lugar que ele denomina de Romance de Ideias, o roman à thèse,o qual conta com pouco interesse narrativo e seus personagens“muito bem articulados discutem entre si questões filosóficas para láe para cá com breves intervalos para comer, beber e flertar” (Lodge,2009, p. 203). O que seriam para nós essas três atividades (comer,beber e flertar)? Não sei, talvez nem as tenhamos, pois seriam aseventuais digressões, permitidas apenas se consumadas comparcimônia.

Uma vez definido o título e o sumário pouco nos deve restar paratrilhas outras que não as desse escopo precisamente estabelecido.Com isso está afastada a possibilidade de se cometer aporias, umcaminho sem caminho, uma tortuosidade infinita, de uma revoada deborboletas, de um impasse frente a um quebra-cabeças. Enfim, ummundo de confusões que sugerem as situações criadas pelospersonagens imbecis do filme Queime depois de ler (2008, Burnafter reading, no original). Personagens liderados por funcionários deuma academia de ginástica encontram um CD perdido por funcionáriodo FBI. Acreditando que nele possa haver dados de interesse para asegurança internacional norte-americana, caem numa alucinação queos leva a situações patéticas e sem rumo: do envolvimento com aamante do marido do proprietário do CD a entrevista para a venda dainformação estratégica ao embaixador da Rússia, obcecados com umapossível guerra fria entre Estados Unidos e a já extinta UniãoSoviética. Sem dúvida, essa aporia [12] pode também ser um recursoretórico, onde o autor da tese expressa dúvidas ou explana umapanóplia de ideias diferentes ou mesmo contraditórias. A dúvida deve,pois, repousar na diversidade de ideias sobre uma temática e jamaisna estrutura do texto. Samuel Beckett, em O inominável (1989),exemplifica:

Agora onde? Agora quem? Agora quando? Nada de perguntas.Eu, digo eu. Nada de crenças. Questionamentos, hipóteses,chame-os assim. Siga, siga adiante, naquele dia que eusimplesmente fiquei em casa, em casa onde, em vez de sair, àmoda antiga, sair para passar o dia e a noite o mais longepossível, não era longe” (Beckett, 1989, p 72).

Mais fácil que evitar as aporias, ou seja, a confusão de ideias queem determinados momentos caracteriza a elaboração de uma tese, éevitar as aposiopeses [13]. Materializadas pelo recurso visível dasreticências, as aposiopeses deixam muito clara a dúvida sobre a ideiaa abraçar o caminho a escolher. Pela angústia da dúvida dopersonagem principal de o Coração das Trevas, de Joseph Conrad(2008), compreendemos melhor o que uma aposiopese significa:

Parece que estou tentando contar a vocês um sonho - fazendoum esforço inútil, porque nenhuma narração de um sonho écapaz de reproduzir aquela sensação, aquela mistura de absurdo... aquela noção de estar preso em algo incrível que pertence àprópria essência dos sonhos ... Ele calou-se por um tempo. ...Não, é impossível; é impossível reproduzir a impressão viva dequalquer época de nossa existência ... É impossível. Vivemoscomo sonhamos - sozinhos ... (Conrad, 2008, p 98).

O que quero dizer é que o início de uma tese, ou seja, a definição do

título, e sua estrutura, ou seja, o sumário, são importantes para evitarum texto de aporias ziguezagueantes revelando um raciocínio trôpegoem aposiopeses. Simples assim. Intenciono, pois, deixar clara aimportância da gênese de uma tese.

Tal gênese, sabemos, não ocorre ao se digitar a primeira letra daprimeira palavra, mas antes, muito antes, na construção intelectual epessoal de seu autor.

Quando um romance começa? A pergunta é quase tão difícil deresponder quanto dizer com precisão em que momento oembrião humano se torna uma pessoa. É raro um novo romance

começar com as primeiras palavras escritas ou datilografadas. Amaioria dos escritores faz algum trabalho preliminar, ainda queapenas de cabeça. Muitos se preparam com todo o cuidado porsemanas ou meses, fazendo esquemas da trama, compilando CVs... (Lodge, 2009, P. 14).

Tal lapso de tempo entre o preparo da tese e a primeira letra da

primeira palavra não se revela facilmente para o leitor. Isso quer dizerque o que realmente conta são as palavras que aí estão, nada mais.Lodge (2009) continua a citação acima da seguinte maneira: “Para oleitor, no entanto, o romance sempre começa com a frase de abertura(que, é claro, pode muito bem não ser a primeira frase que oromancista escreveu) ” (p. 14).

A conhecida dificuldade, temor mesmo, do autor de uma tese eminiciá-la, está também em terminá-la. Estrategicamente, tem-seouvido orientadores afirmarem que valem as refutações das hipóteses,não havendo, pois, a obrigatoriedade em confirmar o que antes, noinício da tese, se havia estabelecido como certo. Deste modo, aelaboração das considerações finais já está facilitada. Pode-se nãoapenas refutar o que preteritamente nos pareceu correto, mas pode-setambém deixar a discussão em aberto, alertando para a existência deum amplo espectro de entendimentos sobre um determinado tema ereiterando o fato de que outras pesquisas serão necessárias para ummelhor entendimento do tema discutido. Com isso nos afastaríamosda dificuldade que comumente se vê ao término de uma tese. GeorgeEliot (pseudônimo de Mary Ann Evans, 1819-1890) relata umadificuldade similar ao finalizar seus romances. Harold Bloom (2003),ao estudar as cartas dessa autora vitoriana, informa que, segundo ela,

conclusions are the weak point of most authors, but some of thefault lies in the very nature of a conclusion, which is at best anegation. Or, as we must say: the suspensive and dispersive logicof narrative is such that an effective closure – no matter hownaturally or originally it emerges from history – always stands ina discontinuous (or negative) relation to it (Bloom, 2003, p. 105)[14].

Se para o leitor de um romance o prazeroso final de história que

não deixa dúvidas é dificultado pela necessária descontinuidade,suspensão das coisas e incertezas de como o futuro se imporá, para ocaso de uma tese, essa mesma limitação pode, pois, facilitar otrabalho autoral. Tal qual observado por George Eliot, asconsiderações finais em aberto parecerão resultar, natural eoriginalmente, da pesquisa científica, em forma de ponderações quealertem o leitor para a complexidade das coisas e incapacidade de umautor em sintetizá-las numa única concepção ou mesmo juízo devalor.

Estamos assim numa situação onde o começo e o final de uma tesenos parecem seguros: o primeiro resulta de um exercício estratégico eesquemático que estabelece coisas possíveis a fazer e em que ordemfazê-las; o segundo emergirá a partir do que se fez anteriormente,como de um texto que toma corpo e se liberta das intenções dopróprio autor. Ou seja, dominamos o começo do processo, tal qual umautor-deus, mas perdemos o controle da situação, subjugando-nos àtirania do texto-entidade autônomo e vivo.

Agora, uma alegoria absurda, uma digressão estranha, a qual penseie pensei em retirar; acabei por deixar. Num primeiro momento, a tese,se parece com um veadinho em seus primeiros dias de vida,exatamente como vimos no filme de Walt Disney, Bambi, de 1942. A

despeito de um mundo animal adulto que o cercava e que insistia emprotegê-lo, o pequeno animal inicia tropeçando, porém logo seguedecidido segundo seus interesses e as vicissitudes que ele próprioencontrará. Inseguro nos seus primeiros passos, o animal ensaiamovimentos segundo insights biológicos de resposta; na sequência,aparece o homem na floresta (talvez o orientador, talvez osprofessores das disciplinas obrigatórias e eletivas) e a demonstraçãode resultados deve ser acelerada e sempre segundo as regras desobrevivência ditadas externamente, pelos elementos da selva, e nãomais pela simples reação biológica. Finalizada, pois, a fase do Bambi,o texto toma corpo e já não pertence mais ao autor: as palavras, osparágrafos, a estrutura acordada com o tempo disponível ganhamindependência e exigem um desenvolvimento por elesditatorialmente determinado.

Nesta altura, não podemos então discordar da ideia da morte doautor, permanecendo o texto como elemento autônomo capaz deestruturar, se caracterizar e mesmo de se finalizar. Não falo aqui dofim do ideal romântico, onde o artista pensava em recriar um mundo,como um Deus, a partir de seus desejos; também não falo aqui doautor que desaparece por conta dos recursos de uma internet que nospermite colar, e colar, e colar, construindo mosaicos textuais,reagrupando ideias, apenas. Claro, também não falo aqui de autorescomo São Tomás de Aquino ou Santo Agostinho que não seapresentam como autores, mas sim interlocutores da palavra de Deus,por meio de suas palavras reveladas. Finalmente, falo aqui da mortedo autor, tal qual explicitada por Roland Barthes, em seu conhecidotexto The death of the author (1967).

Probably this has always been the case: once an action isrecounted, for intransitive ends, and no longer in order to act

directly upon reality - that is, finally external to any function butthe very exercise of the symbol - this disjunction occurs, thevoice loses its origin, the author enters his own death, writingbegins. … We know that a text does not consist of a line ofwords, releasing a single “theological” meaning (the “message”of the Author-God), but is a space of many dimensions, in whichare wedded and contested various kinds of writing, no one ofwhich is original: the text is a tissue of citations, resulting from

the thousand sources of culture (Barthes, 1967) [15]. Neste texto polêmico, Barthes reitera a ideia de um autor como

sujeito social e histórico. Com isso, Barthes liberta a palavra eentende o autor como resultado de seu ato de escrever e não mais aobra como resultado do autor. Está explícita então a exigência doposicionamento político do candidato; a exigência mais comum parateses como as que priorizamos no nosso texto, onde a palavra temmais valor que números e laboratórios.

Para sintetizar o dito até então, podemos nos referenciar em Demo(1991). Para este autor o trabalho científico é avaliado duplamente,pelo seu conteúdo político e pela sua forma, sendo, o primeiroconstituído pela sua própria substância, e a segunda pela aderência aregras da elaboração da pesquisa, de técnicas de coleta e análise erespeito a normas de formatação, dentre outros.

O interesse desse capítulo era o debater a clareza do texto. Ao seufinal, parece que tal qualidade não é suficiente, mas sim e tãosomente necessária. Mas isso era de se desconfiar. Para o interesse docandidato, a forma pode enganar o leitor, iludido pela distinçãolinguística e pela sintaxe; entretanto, não se fundamenta se nãocarregada de ideias.

Dos textos turvos e do Corvo

Uma vez que o doutorando defina o sumário de sua tese(basicamente a estrutura de capítulos e itens), já tenha se submetido àindependência de seu próprio texto (o que não permite mudanças detema, dúvidas temáticas, indecisões a respeito do que pesquisará) edomine técnicas de escrita, terá por último de atentar para seusleitores. Para quem escrevemos um texto? Para poucos leitores; aceiteisso humildemente. Se isso fosse um problema - acho que não o é -,do que precisa para incrementar esse número? Claro, primeiramente,precisamos de um bom autor, mas precisamos, sobretudo, da clarezade quem será o possível leitor, tal qual um cliente desesperado àprocura de um produto específico. Não há qualidade garantida emuma tese sem a clareza do leitor que possivelmente teremos. Doponto de vista textual, e não de seu conteúdo ou ineditismo, uma teseé uma obra construída para um punhado de leitores, jamais para omundo. O fato de ser dirigida a esse punhado incrementa aimportância de focarmos neste leitor quase único, com perfilespecífico, restrito em número e exigente em conteúdo e forma. Asregras da boa escrita e também das de edição e normas de elaboraçãode documentos científicos mais uma vez ganham força. Esse é o

primeiro conselho para contentar o leitor minguado, cioso daspráticas de seu campo de conhecimento científico. Desde o começo,desde as primeiras notas sobre leituras para aprendizado anterior aoexercício da escrita da tese, já devemos dominar as normas correntesde um trabalho científico; este é um processo básico, o qual rejeitaquestionamentos. Com o tempo, proporcional à experiência eenvelhecimento do pesquisador, os textos científicos aceitam umaliberalidade e arrojo; no caso da tese, dificilmente essa é umapossibilidade. O segundo conselho é o de localizar-se no ambienteonde defenderemos a tese: qual a área de concentração das suaspesquisas, qual a origem de seus pesquisadores, qual a história dasteses já defendidas no mesmo programa. A apreensão estratégicadessas informações contribui para uma melhor relação entre o autorda tese e seus leitores minguados.

Pois bem, na maioria das vezes, o que se nos apresenta são textoscom excessiva turbidez, os quais, ao contrário de provocar interesse ecuriosidade a respeito do que pode seguir, deixa o leitor estagnado nadúvida sobre o que se passa na mente daquele que escreve, sobre quala trilha seguida pelo raciocínio agora materializada em palavras.Abaixo, um exemplo que jamais o li tal qual transcrito. Ele éhipotético e elaborado com pedaços de lembranças. Recordo que aleitura deles jamais me levou à sonolência, mas que, ao contrário,divertiram-me. Num rápido delírio de ideias, resultado dessaslembranças palimpsestas [16], de barbaridades lidas, ensaio a sínteseabaixo. É, assim, uma espécie de citação direta sem autor definido,um plágio do tempo.

No espaço urbano temos a sobrevivência do homem, juntamentecom os reinos animal, vegetal e mineral. O homem destrói omeio, o entorno e cada um desses reinos. Com isso conclui-se

pela importância de documentos aprovados pelo consórcio denações do mundo. A lei da natureza está correta: árvore porárvore, ódio por ódio, destruição gera destruição!

De tal texto, para aquilo que interessa numa tese, vale ressaltar o

excesso de opiniões pessoais, a embriaguez do raciocínio, oaborbulhamento de fatos: três fenômenos que, além de evidenciaremum raciocínio desconstrutivista, reduzido domínio de linguagem evocabulário restrito aos iniciantes da língua utilizada, atestam umaclara inépcia do autor para a linguagem escrita. Bem, para além daescrita, como a sua verbalização, nada digo. No meio dos excessos dehorrores literários desse autor hipotético, não se encontram quaisquerclarezas a respeito de seu objeto de estudo. É a partir dessadeterminação, de modo necessário, mas ainda infelizmente nãosuficiente, que se garante um saudável projeto de pesquisa, cometapas claras que iniciam na revisão teórica e estudos anteriores,prosseguem para uma investigação com escolhas de caráter maispessoal, podendo ou não se configurar em estudo de caso, e, porúltimo, finalizar, sempre na companhia de um leitor fiel.

Novamente, confirmam-se situações de dois mundos: a boa e a máescrita; a tese que satisfaz e a tese que nos esmorece; o autoresforçado e respeitoso com o leitor e o autor apressado, em dúvida; oautor abençoado com a pena que desliza fácil e o autor que risca nopapel esforços extenuantes de pouco resultado. Sem buscar emautores clássicos - o que seria fácil, porém pouco didático, creio -exemplos do poder alquímico de transformar o pouco interessante emo muito maravilhoso, recordo de duas escritas que merecem seremaqui transcritas. Como numa tese com tema de pesquisa raramentecapaz de atrair e manter a atenção do leitor, os autores a seguirconseguem nos cativar mais pela excelência da descrição, uso das

palavras e forma de agrupá-las do que propriamente pelo objetopesquisado: o primeiro nos fala de uma carta, o segundo do latido doscães.

Na introdução ao livro de Edgard Allan Poe, Pedro Süssekind nosfala em dois tipos de crítica literária: aquela que procura explicar umaobra pela vida de seu criador, com cartas, história pessoal, relaçõessociais, dentre outras; e uma segunda que se constrói pelos recursosde estilo utilizados pelo autor, ou como Poe (2008) mesmo diz, pela“teatralidade literária”, pela construção das ideias e suatransformação em obra final. Süssekind lembra, depois, de uma formamais rara de se entender a obra: pela própria narrativa do criador. Éassim que Poe, em sua obra A filosofia da composição (2008) relataos passos construtivos que garantiriam o interesse aindacontemporâneo que seu conto O Corvo (2008) recebe. Claro, nestecaso, a explicação da obra não substitui a obra. No caso de uma tese,talvez. Diria mesmo que, na maioria das vezes, mais vale o relato decomo ela foi feita e qual a metodologia utilizada que propriamenteseus resultados. Tal relato metodológico pode ser, dentre outrascoisas, a descrição esmiuçada dos passos da pesquisa, relatandoprocedimentos que foram planejados e posteriormente abandonados,fenômenos que se insinuaram importantes e depois se confirmaraminócuos, ideias a princípio brilhantes e que no decorrer da pesquisa semostraram comuns e, mais importantes, hipóteses adotadas quedesceram para o nível de meros pressupostos. Ao fazer esse relato,faço-o como um diário, para não esquecer de nada e não correr o riscode achar que aquilo que abandonou já não tem mais importância. Opersonagem Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, falando dadificuldade em fazer sua própria narrativa, diz: “Contar é muitodificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que tem

certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares”(Rosa, 1986, p. 159).

Isso tudo parece ser paradoxal, claro, mas acredito que seja mesmoassim.

Paradoxal sim, mas não necessariamente mais simples. Süssekind(2008), na mesma obra acima, menciona Kant, com sua Crítica daFaculdade do Juízo, na qual ele fala da incapacidade que os artistastêm de explicar a sua criação. Exemplifica citando: “... nenhumHomero pode indicar como suas ideias ricas de fantasia e, contudo, aomesmo tempo, densas de pensamento, surgem e se reúnem em suascabeças (Kant, 1993 p 341, apud Süssekind, 2008, p. 10). Mesmoassim, talvez contrariando Kant, Poe se propõe a relatar os passos,detalhadamente, de sua obra mais conhecida.

A primeira lição que podemos tirar de Poe em seu ensaio é de que

Só tendo em vista, constantemente, o final da história é quepodemos dar a um enredo seu indispensável ar de consequência,ou causa, fazendo com que os incidentes e especialmente o tom,apontem, o tempo todo, para o desenvolvimento da intenção(Poe, 2008, p. 18).

Nota-se então não apenas uma decisão firme de se chegar ao final

do trabalho, mas sobretudo de uma forte e apegada noção,matemática mesmo, de como proceder para sua realização a contento.É necessário prestar atenção ao fato de que uma tese não énecessariamente uma história noire, pela qual o leitor reconhece asconclusões apenas nas páginas finais; do mesmo modo, uma tese nãopode ser construída a partir de uma conclusão já definida a priori peloseu autor (vide discussão sobre a importância de hipótese em umatese). Enfim, saber onde se quer chegar não pode corresponder a se ter

a conclusão desde o primeiro momento da escrita ou da pesquisa.Infelizmente, essa é uma prática comum nas teses.

Então, nem tudo é linear na construção de uma tese; fatos, nãoapenas científicos, acontecerão e alterarão o percurso pensado. AllanPoe também reconhece esses possíveis desvios:

Estou ciente, por outro lado, de que não é nada comum que umautor tenha condições de refazer o caminho percorrido paraatingir sua finalização. Em geral, sugestões, que surgem deforma desordenada, são seguidas, e esquecidas da mesma forma(Poe, 2008, p 20).

Apesar da concessão que Poe faz aos que se desviam de caminhos

anteriormente propostos, ele insiste, agora mais fortemente, falandode si mesmo:

De minha parte, não tenho simpatia pela repugnância aludidanem, em tempo algum, a menor dificuldade em recordar ospassos progressivos de qualquer uma de minhas composições e,já que o interesse de uma análise ou reconstrução, do tipo queconsiderei desejável, é inteiramente independente de qualquerinteresse real ou imaginário pela coisa analisada, não seráconsiderada uma quebra de decoro de minha parte mostrar omodus operandi pelo qual uma de minhas obras foi construída (p.20).

E assim prossegue este decidido autor, certeiro até mesmo da

extensão precisa que sua obra deva ter. Do mesmo modo que algunsautores ainda acreditam na inspiração, relegando a transpiração [17]

para algo menos importante, outros alegam escrúpulos para adefinição prévia do número de páginas que seu trabalho deverá ter.No caso da elaboração de uma tese, a clareza em termos dadistribuição dos assuntos numa estrutura lógica e sua consequenteextensão em número de páginas é saudável e necessária. Mais umavez, Poe esclarece, sem rodeios:

... está claro que a brevidade deve estar em relação direta com aintensidade de o feito pretendido ... tendo em vista estasconsiderações ... eu concluí imediatamente qual seria o tamanhoapropriado para o meu poema – uma extensão de cerca de cemversos. Ele tem, de fato, cento e oito versos ... e aqui é bom queeu diga que, durante toda a construção, eu mantive firmementeem vista o propósito de tornar o trabalho universalmenteapreciável (Poe, 2008, p. 22).

Numa ousadia literária, mas que para nós, mais preocupados com a

construção de um documento científico, uma tese, Poe propõeinclusive a começar o seu trabalho pelo final. Uma postura que deveser decididamente levada a sério por nós que, ainda que incertos dasconclusões, estamos firmes em um propósito.

Foi aqui, então que o poema começou - pelo fim, onde todas asobras de arte deviam começar -, pois foi neste ponto de minhaspré-considerações que usei tinta e papel para compor a estrofe:Profeta, disse eu, profeta, ou demônio ou ave preta! Pelo Deusante quem ambos somos fracos e mortais. Dize a esta almaentristecida se no Éden de outra vida essa cujo nome sabem as

hostes celestiais! Disse o corvo: nunca mais! (Poe, 2008, p 28, emnota de pé de página, como referência à antepenúltima estrofe).

Todas essas observações podem assustar, pois parecem indicar que

um valor literário será cobrado na forma da tese. Não. Basta que otexto não seja turvo. Mas vejam as duas citações abaixo e pensem noprazer que se tem ao lermos uma boa escrita, uma criatividade emtermos de situações e na articulação de palavras.

Enfim, uma carta de um homem que morreu depois de a escrever[se referindo ao suicídio do personagem principal do romance, ogovernador de São Tomé e Príncipe, Luis Bernardo Valença] paraoutro que morreu antes de a ler [se referindo à Sua Majestade dePortugal, el Rei D. Carlos, assassinado e assim terminando com amonarquia] (Tavares, 2003, p. 491).

I see trees of green, red roses too,I see them bloom, for me and you,I see skies of blue and clouds of white,The bright blessed day, the dark sacred night,And I think to myself, what a wonderful world (Thiele & Weiss,

1967) [18]

A primeira citação foi retirada do livro Equador, de Miguel Sousa

Tavares (2003), no qual se tem um relato de quase um folhetim,porém engrandecido pela forma como foi escrito; quase nosconfundindo entre o tempo presente e o tempo passado, entremissivista e destinatário da carta. Uma confusão passageira, mas quenos apraz e sugere respeito a quem escreve. Observem que, nem neste

caso, nem no daquele do parágrafo a seguir, busquei autoresverdadeiramente elevados.

A segunda citação foi retirada da conhecida música What aWonderful World, de Bob Thiele e George David Weiss e cantada porLouis Armstrong (1901-1971). Escrita em anos de preconceito racial,serviu como um libelo de otimismo. Como sei isso? A beleza dapalavra convida a saber mais sobre quem a escreve e a razão que a fezassim escrever.

Claro, esses são momentos de beleza literária, fruto de um domrestrito a poucos. Por esse motivo, infelizmente, não valem o risco emuma tese. Para aquilo que se quer dizer aqui, acredito que sejaminstigantes.

Quem é o leitor?

Até aqui, falamos muito do processo da escrita de uma tese e poucode sua leitura. Deve ser interessante a razão para que isso tenhaacontecido. A primeira que me vem à cabeça é engraçada: faço essemeu livro pela escrita e não pela leitura, comunico-me,monologamente, com você, leitor, pela minha escrita e não por sualeitura.

Quem é, afinal, o leitor de uma tese? Antes de nos cansarmos ementender quem é ele, vale a desconfiança de que ele talvez nemmesmo exista. Que estranha escrita essa a de uma tese onde orasomos treinados para um estilo que provavelmente usaremos apenasuma vez, ora desconfiamos que muito escrevemos para poucos ouquase nenhum leitor. Dito assim, tudo parece sem propósito. Essa éoutra questão.

Mas quem é afinal esse eventual leitor? Novamente, vale adesconfiança de ele nem mesmo existir. Confesso, para além dasbancas que participo, eu nunca li uma tese! E agora, o que mais dizer?As que teria lido foram as reescritas em livro; as resumidas em artigos;as apresentadas em conferências, as que abri foram para buscar dadosespecíficos. Isso é um problema? Não. Eu mesmo me absolvo, simplesassim. A tese, mais que absolutamente tudo, deve atender a um ritual

para obtenção de título, tal qual um documento a mais meio a umlongo processo acadêmico e burocrático.

Leitor não é algo genérico: os leitores que são vorazes no consumode posts de redes sociais não são generosos com seu tempo na leiturade livros com mais de cem páginas, os leitores que são contumazes nabusca de notícias não necessariamente leem articulistas maisprofundos publicados no mesmo jornal, os leitores obcecados porbulas de remédios não obrigatoriamente reagiriam felizes ao sedepararem com uma tese nos seus armários de banheiro. Mas essesleitores, claro, não são os leitores de uma tese, ou melhor, agora comcerteza, digo que uma tese não é escrita para muitos leitores. Minhacerteza aumenta: teses são escritas não para serem lidas mas sim paraconfirmarem que alguém as fez.

Ainda assim, uma tese sempre terá mais sorte que a daquele livroque jamais chegou a ser publicado ou daquele que repousa na solidãode uma produção não externada do eventual autor. Uma tesedificilmente chegará às mãos de leitores que não aqueles minguadoscinco ou seis membros da banca. Melhor assim. Melhor que nada.Uma tese não é mesmo um trabalho que se populariza; o que contarealmente é o conjunto da obra, o somatório de tudo aquilo que odoutorando fará na vida acadêmica a vir.

Há doutorandos que não têm vida acadêmica pós-tese; são autoresde uma produção única.

Esse perfil de doutorandos, muito comum, lembra a situação deautores também de uma obra só, mas que conseguiram uma distinçãoe milhares de leitores. Porém, essa similaridade não énecessariamente lógica. Se um escritor de uma obra só pode serreconhecido como genial; um doutorando que limita sua produção àtese dificilmente terá a mesma avaliação. Claro, se A pode virar B, o Cnão necessariamente pode virar D.

A genialidade do autor acadêmico dificilmente se fará pela sua tese,mas sim pelo conjunto da sua obra, inserida num contexto de longo ediversificado esforço científico. É isso mesmo: ler uma tese é ler umaparte da produção de seu autor.

Uma tese, quando produção única de um autor, jamais será aquiloque To Kill a Mocking Bird foi para Harper Lee (1982, primeiraedição 1960). Neste caso, romance que discute questões raciais nosEstados Unidos dos anos 1960, tem-se uma obra que garantiu à suaautora reconhecimento duradouro, a despeito do fato de ela quasenada mais ter produzido além disso. No momento da edição finaldeste meu livro, a mesma autora lança um outro romance, Go Set aWatchman (2015), há muito esperado devido à longa ausênciaeditorial da autora.

O mesmo pode ser dito do autor de Il Gattopardo (Tomasi DiLampedusa, 2007), autor de obra única (ou quase), já citado na notaintrodutória deste livro, e reconhecido como genial. Essa lista não épequena: J.D. Salinger (2002), com O Apanhador no Campo deCenteio; Emile Bronté (1995), com O Morro dos Ventos Uivantes;Margareth Mitchell (1975), com ...E o Vento Levou. ...

A referência mais adequada para o raciocínio que se querdesenvolver aqui, e por isso justificar essa aparente digressão comesses autores que parece distante de nosso propósito, é a de OscarWilde (1998). Esse sim, autor aclamado de romance único, O Retratode Dorian Gray, explica seu reconhecimento também pelo conjuntoda obra, com poemas, ensaios e peças de teatro. Para nós, numapretensão não para sucessos, mas humildemente para uma simplesavaliação positiva daquilo que fazemos, valeria a tese, mas também oslivros, os artigos, as orientações, as aulas, .... Precisamos desseconjunto de produção; e isso é uma exigência mínima, mas, nãosuficiente. Uma tese não nos dará o muito que alguns livros deram

para alguns autores de obra única. Na maior parte das vezes odoutorando será autor de obra solitária e com um parco número deleitores.

Uma tese, se comparada a um romance, estaria entre aqueles quepodem ser bons livros, mas que não são necessariamente bons de ler.Há exceções, sem dúvida, mas não se pode mesmo esperar, na leituradeste documento acadêmico, o prazer que não nos deixa interrompê-la, o deixar-se levar pelas palavras, o fugir do mundo real que nosaflige. Mesmo para um orientando no meio de seu doutoramento, aleitura integral de uma tese de outrem nos parece pouco produtiva;melhor mesmo trocar a leitura pela consulta. Ao invés de lê-laintegralmente, vale a busca garimpeira por conclusões, dados,sínteses analíticas, posicionamentos claros e, melhor ainda,polêmicos do autor. Que teses eu li durante a elaboração da minha?De verdade, já confessei, nenhuma. Busquei, em algumas poucas,questões específicas. Na sugestão de outras para meus orientandos,indiquei partes que lembrava e que acreditava ajudar: “procure nasconclusões um modo adequado de apresentar as limitações dapesquisa”, “procure na metodologia do estudo de caso algo queacredito você possa repetir”, “procure na bibliografia os autores quevocê não pode deixar de ler”, “observe na construção do texto umestilo que pode lhe servir de modelo!”

Por isso a necessária, se merecida, transformação da tese em livros,artigos ou apresentações orais. Nestes casos, numa última tentativade encontrar um leitor, a tese se partilha em livros, artigos econferências. Numa multiplicação de diálogos, diversificam-se osmeios mas repetem-se as ideias. Isso nauseia o leitor e faz com que,envolto em tanta coisa dita e lida, já não seja seduzido nem mesmopelo muito bom, perdido na produção sideral de produtos acadêmicos.

Meio a tantas coisas, ele rareia e, se persistir, perde a capacidade daleitura cuidadosa e da crítica.

O engraçado é que chegamos a um ponto de nossa discussão nestecapítulo que nos leva a concluir o seguinte: que se dane o leitor, ele,de tão pouco, já não nos interessa. Claro, se esse leitor não existe ouse ele é escasso, nada justifica concernimento por ele. Assim, tudoaquilo que discutimos até então carece de sentido.

Ora, mas existe a banca para à qual se deve apresentar a defesa.Essa banca tem um modo único de ler e de concluir. Para o bem dodoutorando, essa leitora de teses, apesar de poder ser severa, étambém magnânima. Sua leitura ocorre em modo contextualização, oqual considera questões relativas ao programa onde a tese foidesenvolvida, ao seu tema, ao momento em que esse tema foiescolhido e mesmo a questões mais pessoais do orientando e doorientador. A banca sabe que o orientando está no meio de umprocesso e não no seu final, ela reconhece que ele está numa transiçãoentre aquele que domina um tema e que logo passará,potencialmente, a produzir conhecimento sobre esse tema.

A banca é o verdadeiro leitor de uma tese: escasso no limite,possivelmente severo, mas também idealmente magnânimo,compassivo, benevolente.

Com isso poderíamos terminar o capítulo tranquilos. Não temosleitores, porém a banca realiza um trabalho para além daquele do depercorrer as páginas com a vista. Mais que isso, bondosamente, buscanos contextos da tese coisas que não foram ditas, mas que deveriamtê-lo sido. Para terminar esse capítulo, poderíamos também voltar ànossa pergunta inicial, de forma direta. Excluindo a banca, nossoleitor existe? Com certos cuidados, foi dito que não. Vejamos o relatoa seguir.

Há um texto de Voltaire com o título Le Tombeau de laSorbonne, de 1753, no qual o autor descreve o processo de defesa datese do abade de Prades junto à Sorbonne. Em algum momento,cansado das discussões e tentando reduzir a importância das coisas,um membro diria que tudo pouco importava, pois “personne ne lit unethèse” [19] (Voltaire, 1877, p. 316).

Autoajuda

Certamente, muitos leitores compraram este livro na busca deencontrar recomendações fáceis, regras universais, receitascompreensíveis de entender e passíveis de implementar. Nada dissoestá assegurado, ao contrário. Se essa fora a intenção do presentelivro, teríamos aqui, a um tempo, uma promessa mentirosa e umarepetição de algo já ensaiado com muito mais brilho e capacidade poroutros autores. Existem inúmeras publicações com esse intuitomagnânimo de transformar positivamente o ofício ad hoc doescrivinhador de uma tese. Como foi dito em outra parte deste livro, oque vale é, antes de ouvir conselhos de como escrever (ato distinto dode pesquisar), ler, ler e ler, seguidos de escrever, escrever e escrever.

Eu, antes de iniciar os textos que aqui se apresentam em caráterfinal, busquei em outros colegas esses conselhos. Um trabalho quemerece destaque é a obra de Umberto Eco (1996), Como se faz umatese em Ciências Humanas, na qual ele se propõe a falar apesquisadores “em situação difícil, consequência de discriminaçõesremotas ou recentes” (p. 43). Nessa obra, Umberto Eco conceitua umatese, apresenta ao orientando um mundo que lhe é pouco familiar,discorre sobre a escolha do tema, aconselha sobre o uso do tempo,explica sobre a necessária organização do material de pesquisa e,

finalmente, discute a forma de redação do documento final. Outrastantas obras se propõem, em descrições cuidadosas de cada um dositens que compõem obrigatoriamente uma tese, a colaborar com oorientando inexperiente. Tais trabalhos são valiosos e alertam paraalgo que pode ser julgado como uma das características maismarcantes de um texto científico, e, mais ainda, de uma tese: onecessário ritual de relato que tem claramente um início, desenvolve-se e imobiliza-se numa conclusão que pede aprofundamentos poroutrem. No respeito ao ritual, hoje tenho certeza, desenvolve-se oconhecimento sobre aquilo pesquisado, a precisão da página de umaobra referenciada, o cuidado ao se construir quadros, tabelas e figuras,a nitidez visual na elaboração de peças gráficas, a exatidão nareprodução da fala de outros autores, o respeito e cuidado estatístico,e dentre muitos outros esmeros, mas sobretudo, o apego irrestrito auma determinada normatização técnica, não são questões de forma,apenas. Muito mais que isso, são instrumentos investigativos que nosensinam a sábia cautela na elaboração de análises e conclusões.

Na busca que fiz para identificar materiais dispostos a ajudar oautor de uma tese, chamou-me a atenção o tom messiânico com quemuitas vezes se diz o óbvio, sem, contudo, revelar como fazê-lo, semexplicitar como, de fato, concretizar o aconselhado.

A seguir, em itálico, selecionei exemplos editados daquilo queencontrei em estudos que prometem ajuda na elaboração de uma tese.São bobagens! Na sequência daquilo que encontrei e selecionei,adicionei comentários meus. Com isso reitero minha intenção: muitomais chamar a atenção de como não escrever uma tese que, arriscadae presunçosamente, ensinar a fazê-la de modo adequado. A primeiraopção é mais divertida. A segunda conta com muita produçãodisponível.

Você deve aprender a trabalhar com recursos escassos. Recursos emgrandes volumes não resultam necessariamente em bons trabalhos.

Como assimilar uma recomendação dessas? Isso é óbvio, isso é

desnecessário dizer, salvo ao orientando absurdamente inexperiente.Se falamos aqui de recurso financeiro, sem dúvida, a imposição de umlimite está ainda mais clara. O recurso que não se pode economizar, edo qual não se pode ser pobre, é o da informação; muito mais por umaquestão pragmática que propriamente de zelo com finanças. Se não háinformação disponível, deve-se procurar outro tema de pesquisa. Essasituação, entretanto, eu nunca vivencei. Há sim, muita informaçãodisponível, não necessariamente como a desejamos a princípio. Aconstrução de simulações, alterações de recortes temporais eespaciais, projeções dentre outros, se não correspondem com exatidãoà informação inicialmente buscada, colaboram para a acumulação deconhecimento metodológico. Mais uma vez, reitero minhacompreensão do valor maior de uma tese: um documento muito maisimportante pela construção do que pelo resultado.

Não espere muitos elogios, acostume-se a viver sem eles. Você deve,no fundo, rechaçá-los, temendo que sejam a voz da insinceridade, aadulação perigosa que pode lhe tirar do caminho certo.

Verdade. Páginas e páginas escritas esforçadamente por um

orientando no início de uma vida acadêmica podem trazer muitopouco de novidade para o orientador que é, de fato ou assimconsiderado, experiente. A falta de elogios a um texto enviado paraobservações do orientador pode simplesmente significar que foiavaliado como um bom trabalho. Não espere mesmo muitos elogios;no máximo, um “está bom, estamos no caminho certo”, até mesmo

porque isso garante mais segurança ao orientador, o qual procuradiminuir o comprometimento de um total fracasso ao final da tese. Dequalquer modo, isso sinaliza tranquilidade anunciada, salvo loucurasou inexperiência do orientador. Na realidade, muito mais loucurasque inexperiências. Dentre as exigências universitárias mínimastradicionalmente adotadas para a confirmação de um professor comopesquisador (o que o qualifica institucionalmente também comoorientador), dificilmente têm-se parâmetros que possam identificarhabilidades e inabilidades para a orientação. Afortunadamente,experiência em orientar pode ser adquirida em pouco tempo. O quenão se vê modificar é a visão de mundo do orientador: alguns de nóspersistirão em pouco mudar para nada mudar, em minguadamentealterarem-se ou simplesmente alternarem entre as facetas de ummesmo objeto de pesquisa, criando assim um mundo pouco flexíveldentro do qual o trabalho do orientando deve ser acomodado. Nestecaso, vai da sorte do orientando. O problema maior e mais provável é,pois, os desvarios do orientador; esses se sucedem ao longo de suavida profissional, persistem, e, pior que tudo, podem se agravar aolongo dos anos e das orientações. Neste caso também, vai da sorte doorientando. Nos casos mais graves, melhor ser minimalista na posturae convivência com esse orientador, cumprir tarefas, respeitar prazos,ignorar aquilo que nos parece muito estranho e prosseguir no objetivodefinido.

Tenha certeza do que está fazendo, aonde chegará e de como farápara concluir o trabalho.

Claro, aí temos a verdadeira epifania de bons conselhos, mas que,

de tão óbvios, passam a ser desnecessários. Além disso, essesconselhos jamais são seguidos da indicação da ferramenta necessária

para sua consecução. O conselheiro fala alto e sai correndo, muitoprovavelmente porque sabe que tal utensílio não existe.

A valorização extrema do pragmatismo que pode nos ajudar achegar ao final de uma tarefa no menor tempo possível e com umaeventual qualidade é conselho recorrente em muitos manuais deelaboração de teses. Mas o processo de construção de uma tese não ébem assim. Nada muito grave se considerarmos que mudanças serãosempre necessárias em relação ao que se havia intencionado eplanejado no início. Absolutamente nada muito sério seconsiderarmos que essas mesmas mudanças significam,minimamente, agregação de conhecimento metodológico. Todavia,tal proveitosa agregação não deve ocorrer para além de prazosacademicamente definidos, isso é evidente. Ter a certeza do que sequer pesquisar e de como fazer isso sem erro só é provável acontecerpara quem já perseguiu o mesmo caminho anteriormente. Ou é issoou vai da sorte. Mas o que se pode tirar então dessa sugestão semchances concretas de implementação? O que justifica umarecomendação tão óbvia, mas quase sempre de baixa recorrência nasua efetivação?

Talvez uma solução possa ser fechar-se a deslumbres, a descobertasconstantes, enfim, cerrar os olhos a temas cada vez mais rizomáticos,dentríticos, fracionados, atomizados, caleidoscópicos, pulverizáveisou fragmentados. Ainda que todos esses temas possam nos parecerdeliciosos de pesquisar, contemporâneos para convencer o mundoacadêmico, urgentes para responder a demandas da sociedade,simplesmente não cabem no tempo e no tamanho de uma tese, nemprovavelmente na dimensão de nossas inteligências medianas. A cadanovo conhecimento de um novo e atraente tema, lá se vai o esforçoanterior, do orientando e do orientador, fato comum nos primeirosmeses de uma pós-graduação. Numa devoção enlouquecida, trocam-

se os santos, transvestem-se suas vestes, alteram-se os pedestais,erguem-se novas catedrais, deixando-se para trás as pequenas igrejas,capelas ou mesmo efêmeras paradas de culto pouco devoto; enfim,uma longa alternância de adoção, rejeição, e adoção temporárianovamente. De fato, tudo isso vai da cabeça do orientando.

Tenha certeza da validade de seu trabalho; avalie o seu impactojunto à sociedade que o receberá ou meio àquela da qual vocêtrabalhou.

Ao se pesquisar sobre o que a academia escreve ou escreveu num

determinado período, a recorrência de temas é a maior característicaque se observa. Nos últimos anos, o que se pode observar é umaenorme ampliação no número de teses, porém esse acréscimo é feitopelo número de autores e não de temas ou mesmo de compreensõesindividuais e singulares sobre os temas escolhidos. Triste acumulaçãode recorrências! Fala-se da mesma coisa, repetidamente, com omesmo enfoque ideológico por páginas e páginas, teses e mais teses, edá-lhe teses. Esse fato que ilustra uma recorrência das coisas jáanuncia alguma dificuldade inerente ao trabalho do pesquisador,sobretudo aquele das ciências sociais e aplicadas ou humanas, eminovar, senão na forma de apresentação e debate do conteúdo,minimamente na escolha do tema. Algo acontece, talvez um simplescomodismo intelectual, que não nos deixa arriscar, que as chances,por absoluta falta de ineditismo, de verdadeiro impacto do queescrevemos sobre a sociedade, são, talvez, pífias. Há talvez umprocesso cumulativo, de pequenas novidades aqui e ali, formando umconjunto percebido apenas ao longo de um longo período. Claro, issonão desmerece os trabalhos individuais, ao contrário, constrói umamassa de conhecimento única, passível de ser apreendida não numa

única fonte, mas sim numa leitura múltipla e densa. O baixo númerode estudos epistemológicos, ou seja, interessados em nos localizar notempo e no local de uma ciência ou de um campo de conhecimentoespecífico, também indica uma reduzida preocupação em avançar-secom ideias, insinuar-se provocativamente com a necessidade demudanças. Reconheço que trabalhos epistemológicos são temidos pormuitos alunos e, certamente, evitados por muitos orientadoresdevido, talvez, a uma aparente maior dificuldade ou mesmo de umalenda que diz serem necessários maiores aprofundamentos. Umexercício de revisão, ainda que empreendido por uma busca sempreocupações de catalogação e visões mais abrangentes sobretrabalhos já concluídos e em conclusão levam, indubitavelmente, aposicionamentos mais críticos. Sei, isso seria uma mera ameaça deestudo epistemológico, mas muito útil para situar nossa pesquisa nummundo maior. Além de esse exercício poder contribuir para a ciênciana qual a tese se insere, constitui um excelente nicho de opções detemas a serem pesquisados. Com isso, o orientando ganha duascoisas: a identificação de sua inserção ampliada e um mostruário detemas e modos a pesquisar. Ao orientando, prolongadamente, e emdemasia, perdido em meio a muitos temas a pesquisar, ou mesmo, emmeio a uma cega identificação deles, a epistemologia transforma-seem uma excelente ferramenta decisória. Enfim, na dificuldade de sedefinir algo para pesquisar, pesquise-se a si mesmo, embrenhe-se naciência da qual faz parte.

Lute pelas suas ideias; a despeito de eventuais outros interesses doseu orientador ou mesmo do perfil de sua universidade, siga emfrente, decidido, iluminado pela luz da certitude, agraciado pelaforça da invencibilidade.

Se suas ideias estão corretas, e podem realmente assim estar, apostura intransigente ignora, de imediato, o necessário exercício dadúvida, de colocar frente a frente a sua visão e a dos outros. Nãoexiste pesquisa sem negociação, seja em termos propriamentecientíficos, seja em termos de relacionamento. Impressiona o númerode guias a jovens pesquisadores que insistem numa quase autoajuda,uma aluvião de conselhos simplistas e de pouco proveito.Infelizmente, esses guias, documentos que intencionam proverdetalhadamente instruções operacionais, contam com poucaaderência no cotidiano do doutorando por não considerar asincontáveis variáveis que surgem no período que se limita entre omomento do primeiro desejo de pesquisar um determinado tema e aedição final da tese. Se o orientando não é sensível o bastante paraidentificar essas variáveis que podem ser mais importantes que suacega determinação, minimamente se submete a um longo etransformador tratamento de capacitação que lhe é ofertado poraulas, convivência intelectual, leituras, buscas documentais, parcelasdas pesquisas e, sobretudo, o solitário exercício de escrever. Taisexperiências devem mesmo não apenas agregar conhecimentos, masseguramente trazer a dúvida e desconstruir a certeza; fenômenospositivos para o pesquisador. Ao falarmos assim, parece repousarmosem meio a um permissível laissez-faire que tudo nos permite e tudonos desculpa. Pode até o ser, desde que restrito ao tempo que nos édado; o que nos escapa desse tempo é perigo estabelecido. Nãofalamos aqui dos tempos dados aos romances ou das pesquisas queeventualmente possam transformar o mundo; falamos de uma tesecomum, e isso é pouco para regalias.

Garanta bons parceiros de reflexão, defina seus companheiros deestudo, de debate, afaste-se dos chorosos. Junte-se aos de boa cepa!

Este me foi o conselho mais difícil de comentar; eu mesmo o teria

feito, talvez com mais decisão ainda. Não consigo rejeitar ou ironizaro que foi dito acima, pois, confesso, acredito intensamente nele. Oproblema, porém, é ter a clareza, conseguir identificar cirurgicamentea má companhia; mas isso vale para uma vida, acho eu, não apenaspara a elaboração de uma tese que lhe é contida. Para me afinar com oestilo até então utilizado neste livro, prepotente e arriscado, eu diriaque o preconceito pode ajudar: sintomas em nossos companheiros,tais como excessos de justificativas para atrasos e para a baixaprodução, dúvidas nauseantes que não permitem avançar na pesquisa,pais e filhos que ficam doente toda semana, dentre outras posturassimilares, devem nos alertar para que há, aí, uma má companhia. Nãohá dúvida, a pesquisa e a necessária elaboração formal da tese emdocumento que outros possam ler, avaliar e aprender, devem chegar aum final claramente reconhecido como tal.

Até então falei bastante da qualidade do texto e sua importância noresultado, arriscando mesmo de ser acusado de parnasiano [20],enaltecendo a escrita pela escrita. Vale agora uma observação entre oesforço e o resultado. Inúmeras teses que comporão o entulho dopassado, juntamente com objetos visivelmente datados e obsoletos,os quais, ao olharmos para eles, nos fazem duvidar que um diaserviram para alguma coisa. Todavia, o que mais impressiona é oesforço aplicado para o desenvolvimento desses objetos. No caso dasteses, uma longa lista de meses, de assessorias, de versões em papelpara revisão e em arquivos, incansáveis empréstimos de biblioteca,aulas, downloads, discussões com colegas sempre pontuadas por umesforço em responder ao interlocutor: o que mesmo você estápesquisando?

Quero agora chamar a atenção, mais uma vez, que uma tese deveser prazerosa. Sem medo, afirmo que uma tese pode, também, sermuito mais realizada para o deleite de quem a faz do que para odeleite e proveito de quem a lê. Com isso, a sugestão inicialmenteapresentada resta ainda mais importante: não pode haverheinheinheins no meio do caminho. Blablablás manhosos, ampliarão ador, apenas; além do mais, uma tese é só uma tese!

Ouça os outros, reconhecendo diferentes ideias e pessoas.

Pode ser. Ouvir os outros a respeito de como desenvolvem a suas

teses e relatar as nossas é diálogo proveitoso. O conselho acima,distintamente, sugere ouvir outros sobre o tema tratado na tese. Paragarantir a multiplicidade de compreensões e valorizações queenriqueçam a apreensão dialética, é mesmo necessária a diversidadede fontes, sobretudo nas partes mais iniciais da tese como a discussãoconceitual. Tal multiplicidade garante a demonstração de umconhecimento ampliado, sem preconceitos. Familiarizar-se com ela étrilhar por entre um sertão de opções e riscos. Calor e retorcidosacachapantes, mas instigantes. Melhor que isso, meio a tudo isso, sóquando aparece a dúvida, um autor criticando um outro, uma ideiarejeitando uma outra. Numa tese, deparar-se frente a uma bifurcaçãode conceitos ou ideias opostas deve ser prazeroso. Se isso acontecer eo sofrimento entre a escolha de um ou de outro conceito ou ideia formuito grande, relate as opções que encontrou, apenas.

Para você que esperava aqui uma menção ao mito fáustico deGuimarães Rosa: Riobaldo, ainda que incerto da existência do Diabo edepois de muito pensar, faz um pacto com ele para vingar seu rival,Hermógenes. Riobaldo escolhe um caminho, faz uma opção. O seurelato da dúvida fascina tanto quanto o da sua decisão.

... o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios,políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a noção -proclamar por uma vez, artes assembleias, que não tem diabonenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim, davamtranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?...(ROSA, 2001, p. 131).Declaro ao senhor: hora chegada. Eu ia. Porque eu estavasabendo - se não é que fosse naquela noite, nunca mais eu iareceber coragem de decisão. Senti esse intimado. E tanto mesmonas ideias pequenas que já me aborrecendo, e por causa detantos fatos que estavam para suceder, dia contra dia. (ROSA,2001, p. 418).

Texto da poeta Sylvia Plath (2005, primeira edição 1963), relata a

mesma situação onde se deve escolher entre uma coisa e outra. Eu obusquei, tal qual a referência de Guimarães Rosa feita acima paraesclarecer ainda mais o momento em que nos defrontamos com umgrande volume de conceitos e ideias, e, eventualmente controversos.A referência a esse texto sugere uma outra questão importante, a serdiscutida em outro capítulo, que são as opções de vida que seapresentam durante o desenvolvimento de uma tese.

I saw my life branching out before me like the green fig tree inthe story. From the tip of every branch, like a fat purple fig, awonderful future beckoned and winked. One fig was a husbandand a happy home and children, and another fig was a famouspoet and another fig was a brilliant professor, and another figwas Ee Gee, the amazing editor, and another fig was Europe and

Africa and South America, and another fig was Constantin andSocrates and Attila and a pack of other lovers with queer namesand offbeat professions, and another fig was an Olympic lady

crew champion, ... (p. 77) [21]. Falávamos de diversidade de fontes a utilizar. A diversidade que

falamos aqui não é formada por quaisquer. A academia é ciosa de seuspróprios valores, finge não saber de sua soberba, não assume que éperversa; enfim, o que é aqui agora mais importante saber é que elaacredita em si, apenas. Má mesmo, perversa. Os acadêmicos nãopodem tudo ler e compreender, então fazem seleções, seja pelapreguiça, seja pela ideologia, seja pelo preconceito. A primeira fonte aser ignorada é tudo aquilo cuja origem não seja a própria academia.Ouvir os técnicos com experiência, mas externos à academia? Emprincípio, nem pensar! Se ouvi-los, o som deverá ser encapsulado emcategoria específica. Ouvir os políticos? Alguns talvez, se filiadosideologicamente para uma citação ilustrativa; se distantes na visão demundo, ouvi-los apenas com a intenção de ilustrar um extremo,daqueles ditos sem cuidado, sem tergiversações cientificas. Ouvir acomunidade? Apenas se constituintes do exato recorte de análise. Emtodos os casos, tais agentes valem, claro, quando constituintes de umconjunto amostral, como um recorte no qual se aplica umquestionário.

A lista acima de conselhos recorrentes poderia ainda ser ampliada,mas acredito que assim ela realiza a função de confirmar que uma teseé um projeto que, a um só tempo, exige demonstração deconhecimento substancioso e que não conta com aprendizado prévio.Uma tese é feita na coragem, simultaneamente construída eaprendida.

Originalidadese hipóteses

Duas grandes questões permanecem nos debates sobre o que deveconter uma tese: a originalidade e a hipótese. Professoresorientadores também a discutem, porém sem concordância se devem,a originalidade e a hipótese, serem consideradas compulsórias parauma tese.

Ao se exigir uma originalidade como preceito fundamental de umatese, dizem alguns, enfrentaríamos o problema de sermos obrigados adescartar um volume considerável delas pelo simples fato dereproduzirem, ainda que com algum olhar específico de seus autores,as mesmas conclusões há muito conhecidas e defendidas. Em segundolugar, estaríamos desconsiderando aquilo que hoje em dia élargamente entendido como um grande avanço no conhecimento.Direi mais uma vez: a forma como as coisas são vistas, ou seja, ametodologia adotada, a visão particular do observador, a forma comoé elaborada a conclusão e como é apresentada a confirmação ounegativa do pressuposto inicialmente adotado. O próprio conceito deoriginalidade parece ter-se esmaecido ao longo do tempo e, hoje, maisque no passado, já não podemos mais diferenciar o verdadeiramentenovo daquele que assim se deseja.

Personagem de Ernesto Sabato (1980), quando discute aoriginalidade na literatura argentina, diz:

... E o que eu acho mais engraçado é que Mendez repudia ainfluência europeia em nossos escritores, baseando-se em quê?Isto é o mais divertido: em uma doutrina filosófica elaboradapelo judeu Marx, o alemão Engels e o grego Heráclito. Sefôssemos consequentes com esses críticos teríamos que escreverem querandi (idioma falado por índios de certas regiões do Prata)sobre a caça ao avestruz. Tudo o mais seria adventício eantinacional. Nossa cultura vem de lá, como podemos evitá-lo? Epor que evitá-lo? (p. 168).

Não duvido de que originalidade possa conviver com influências

diversas; nem mesmo consigo imaginar uma produção que assim nãoo seja. Se não concordamos com isso, estaríamos a defender ummundo que não existe. O mesmo personagem de Ernesto Sábatocitado acima, em um determinado momento da discussão chega a seassustar com sua própria conclusão: “Não recordo quem disse que nãolia para não perder sua originalidade. Já pensou? Se alguém nasceupara fazer ou dizer coisas originais, não vai se perder lendo livros. Senão nasceu para isso, nada perderá lendo livros ...” (p. 169).

Lembro de um diálogo que teria havido entre os poetas Verlaine(1844-1896) e Rimbaut (1816-1876). O segundo teria dito ao primeiroque jamais leria poesias, pois não queria se influenciar. Quandoafirmou isso, já anunciando genialidade, Rimbaut teria então 16 anos!De qualquer maneira, no caso disso ser estranhamente verdadeiro,não foi falado para o caso de uma tese. Uma tese não é isso, mesmocom todas as aproximações que fiz até então, não é literatura e não époesia.

Com a intenção de polemizar, pergunto: valem tantos livros lidos ereferenciados? Em princípio, sim. Como alguém disse: “o fato deroubarem livros das bibliotecas não pode jamais justificar nãoconstruí-las”. O fato de não sermos leitores críticos não podejustificar o fim das editoras e a morte dos autores. De formageneralizada, a leitura é, sim, feita sem crítica; e isso, sim, preocupa.É impressionante reconhecer que uma lista de dez ou quinze autoressão lidos e citados nas teses sem jamais serem questionados. Há umgrande e temeroso consenso sobretudo em relação a esses dez ouquinze, mas também em relação a tudo aquilo que toma corpo pelapalavra escrita em livro. Há uma repetição de ideias centrais desseslivros, um inteligente e comportado rebanho a ler, a concordar e acitar aquilo que já sabemos. Melhor seria alterar a técnica queeliminar a atividade.

Quanto à hipótese, eu a entendo muito mais como uma simplesferramenta metodológica que propriamente, e impossivelmente,como algo que surge do nada, da mente do pesquisador e que numdeterminado momento irá ser atestada. Também tenho dúvidas se, namaior parte dos casos, quando ela assim se apresenta, é algo quesurge de uma desconfiança do pesquisador, de algo que demonstraindicações de ocorrer mas ainda não confirmada. Qual hipótese é,verdadeiramente, colocada em dúvida pelo seu detentor já nomomento de sua criação? Nenhuma. E, se assim o é (jamaisquestionada), ela se afasta do conceito mais importante que aqualifica como tal, algo que deve ser avaliado, certificado, confirmadoou rejeitado. Se as chances de aprovação já são grandes em suagênese, qual o verdadeiro sentido de tê-la como hipótese tal qual?Neste caso, ela faz sentido meramente como instrumentometodológico, algo que nos ajuda a construir um raciocínio. E, quantoa isso, não há dúvida, ter uma hipótese, ainda que desrespeitando seu

próprio conceito de algo a ser imparcialmente avaliado, ajudabastante a elaboração de uma tese, indicando um caminho maisseguro para a elaboração de seu texto.

Na rationale da maioria dos doutorandos que constroem umahipótese, ela é formatada segundo um pressuposto. “Minha” hipótesesempre é formatada sobre uma incongruente prepotência dacertitude. Para a ciência seria melhor que não a fosse dessa maneira,mas sim como um exercício livre, descompromissado e por issomesmo mais apta a se constituir em verdade ou em mentira. Ahipótese não deve se constituir em verdade desejada, mas, sim, emverdade mais profunda, e por isso mesmo, nem sempre confirmada.Qual o problema disso no desenvolvimento de uma tese? Nenhum.

Mesmo sem se preocupar muito com a etimologia da palavrahipótese ou mesmo distinguir o que pode significar na voz maiscorrente, é possível arriscar observar uma distinção entre o adjetivohipotético e o objeto hipótese. Hipotético, o adjetivo, nos parece umapalavra de uso mais corrente; hipótese, o substantivo, uma palavra deuso mais restrito e científico. Hipotético, na maioria das vezes, guardao sentido do improvável; hipótese, também na maioria das vezes,revela algo que está em avaliação. Assim o é no nível teórico; naprática, a hipótese serve também aos desejos e perspectivas do sujeitoque a cria, o qual não permite que ela se constitua em elementoautônomo e propositadamente desprotegido de fatores e processosdiversos que poderiam lhe subtrair a confirmação.

Caso eu esteja correto, estaríamos frente a uma perigosaaproximação entre hipótese e fé, entre algo que merece avaliação emito jamais a ser desfeito. O autor de uma hipótese conta com umattachement em relação ao seu objeto criado, seu mito. Talvez issoexplique o fato de as teses comumente se caracterizarem pelacarência da novidade nas considerações finais. A hipótese,

ironicamente, deixa de ser o elemento propulsor de uma compreensãoinédita sobre um determinado fato para se constituir em instrumentode culto, fato aliás também observado em qualquer outra relaçãoautor / tema discorrido. Podemos, de imediato, citar aqui umabiografia que apresente uma versão detratora do biografado? Nestescasos, a fé da hipótese é substituída pelo culto ao objeto estudado.

Gastón de Bachelard (1996) quando nos diz que um dos primeirosobstáculos a vencer no trabalho do cientista é o de vincular-sefortemente à sua própria opinião, à do senso comum e ao tangível.Para Bachelard a superação desses obstáculos depende primeiramentedo reconhecimento de que eles de fato existem. O real, o visível e otangível deve, pois, ser visto com desconfiança, pois muitas vezes,paradoxalmente, sugerem uma verdade que não existe. Esse problemafica evidente no caso das teses que se limitam a desenvolver umestudo de caso e não conseguem aprofundar a análise crítica daquiloque viram. Duvidar, duvidar, duvidar passa a ser o melhorprocedimento, avançar na pesquisa sem saber o que é bom e o que éruim, o que é grande ou o que é pequeno. Não julgue de imediato,deixe o barco correr que a resposta virá pela ferramenta da própriametodologia.

Qual a diferença entre uma hipótese nas ciências sociais ouhumanas e uma nas ciências duras? Antes de tudo, essas diferençassão grandes. No caso da primeira e segunda, a carga da opinião dequem a formula e do mito que se cria são mais determinantes e maisdifícil de ganhar liberdade analítica. Na terceira, fica mais explícito ocaráter ferramental da hipótese como testes cumulativos de umapesquisa, como dúvidas sendo testadas.

Hipóteses antecedem descobertas? Acho que não. Se o fossem, taishipóteses seriam premonições! Portanto, mais uma vez, as hipótesesparecem não contribuir muito para o avanço da ciência, mas tão

somente facilitar a vida do orientando na construção de sua pesquisa.Com a hipótese, a ciência pode até flertar com o messianismo, mas aoorientando está garantido um instrumento metodológico valioso.

Para terminar este capítulo, ainda resta mais uma questão: adiferença entre hipótese, evidência e teoria. Já estamos acordados emrelação à hipótese: uma afirmação que descreve um fenômeno comoverdadeiro, mas que, idealmente, deve ser submetida a avaliações.Poderíamos também dizer que uma hipótese é uma suposiçãorazoável, uma ideia com algum sentido. Evidência é mais fácil deentender: são os sinais que sugerem a formulação de uma hipótese eque se evidenciam por meio de um conhecimento anterior ou de umaobservação atenta. Para a constituição de uma teoria, necessitamos dahipótese que escapou da refutação, aquela que se confirmouverdadeira.

O parágrafo acima me fez resvalar para o perfil de manual rejeitadono início do livro. Escrevo um parágrafo adicional para garantir operfil proposto.

Os conceitos de hipótese, evidência e teoria não são tão simplescomo apresentados aqui, mas do modo como foram apresentadosajuda para uma aproximação. A distinção entre hipóteses nas ciênciasduras, sociais e humanas também não são límpidas como descrevi.Um caminho interessante para se avançar nesta discussão são os fatosque envolvem os processos experimentais de Isaac Newton (1642-1727) e suas próprias análises a respeito deles. Para a ciência de suaépoca, a hipótese é inferida a partir de um fenômeno e com issopretensamente capaz de explicar o todo ou de criar uma teoria.Porém, ao discutir suas conclusões sobre a gravidade, declararia que“Hypotheses non fingo”. Na tradução mais comum, ter-se-ia um “nãoinvento hipóteses”, como que se as buscasse nos fenômenos, nossinais, e nas suposições lógicas. Muito se fala sobre o significado mais

verdadeiro dessa observação. Para aquilo que interessa a nós nestemomento, vale situá-la na falta de explicação sobre a gravidade:Newton sabia de sua existência, entretanto insistiu em dizer que nãoconhecia os fenômenos que a faziam existir. Disse, mas não fez. Nãoresistiu e elaborou uma hipótese, ainda que mais tarde fosse refutada.

Como se sabe, tanto a recusa em formular hipóteses paraexplicar a gravidade como rejeição geral de hipótesesexplicativas na filosofia natural foram violadas pelo próprioNewton. Em sua correspondência encontramos tentativas nosentido de explicar a gravidade apelando a hipóteses acerca daexistência de certos fluidos que permeariam os corpos ....(Chibeni, 2013, p. 7).

O tempo atropelado

Uma boa tese requer duas grandes paixões: uma pela temática coma qual se decidiu pesquisar e tê-la como companheira por anos aseguir, outra pela escrita; esta, na maioria das vezes, efêmera,estranhamente sem exigências para persistir uma vez terminada atarefa acadêmica. A paixão pela pesquisa não é tema principal destadiscussão. A despeito de se esperá-la intrínseca àquele que inicia umatese, não é vista com frequência entre orientandos. Mas isso, o amor,vem com o tempo, é lento para se fazer perceber, e não manda avisar.Terminado o compromisso da elaboração da tese, libertado oorientando do orientador e dos compromissos institucionais nauniversidade, pode vingar o interesse em se saber mais, em prosseguirpesquisando. A paixão tarda, não se anuncia, não envia sinais paraque acreditemos que virá, mas, inesperadamente, pode se concretizar.De fato, não são raros os casos onde uma tese insignificante é seguidade uma longa e invejável vida de produção acadêmica. Vale ootimismo.

A paixão pela escrita, ou minimamente o respeito a ela, éabsolutamente necessário já durante a elaboração da tese comorecurso para que se obtenha a qualidade científica e também para queesse resultado seja conseguido com prazer. Ainda como orientandos,

temos uma dificuldade em perceber e respeitar a necessidade de nosdedicarmos e de se apaixonarmos pelas palavras e pela escrita.

Mas, qual a razão de se aprender um estilo de escrita e de escolhade palavras que usaremos uma ou duas vezes em toda nossa vida?Para aqueles que não seguirão a carreira acadêmica, a paixão pelaescrita e pelas palavras será exercida sobre o trabalho dos outros, emeventuais leituras. Esta paixão não é, desgraçadamente, o únicoconhecimento adquirido com validade passageira.

A escrita se consubstancia em exercícios solitários e será utilizada,na grande maioria dos casos, apenas uma vez. Por sua vez, odesenvolvimento de uma oralidade específica se dá em aulas,assessorias, debates e demais oportunidades de convivência em gruponos momentos acadêmicos. Porém, do mesmo modo, sua importânciaserá revelada apenas uma vez. Todo o aprendizado de expressaroralmente uma ideia será relevante na defesa final da tese. É nestemomento que uma tese mal elaborada ou em nada inédita buscadesesperadamente um recurso complementar para a sua não merecidaaprovação. Não são poucas as teses que, na leitura pelos futurosmembros da banca se mostram frágeis, mas ao serem apresentadas nadefesa aproximam-se de um nível de qualidade mínimo e, assim,cumpridor da missão que se propôs. Se a oralidade do orientando éinstigante, porque ele não é capaz de transformá-la em páginas?Nesta oralidade que antecede a defesa, ou seja, aquela que ocorre demodo comunitário, há a comunicação, a contribuição do interlocutore, sobretudo, cortesias e cordialidades que nos dão confiança paraseguir raciocinando e expressando. Na oralidade da defesa há tambémo ensaio, um ritual de apresentação que pode ser apreendido, umaescolha daquilo que merece ser destacado, a omissão daquilo nãofeito; nada mais que a operacionalização fácil de um procedimentoque muitos orientandos sem estratégia não se apropriam.

Na elaboração de uma tese, aprendemos coisas apenas ao finalizá-la; no ritual da defesa, no momento da avaliação final, ainda temos aúltima aula. Uma tese, a despeito de defendida em dois ou três paresde horas, ao cabo dos quais é oficialmente apresentada e entregue, éum produto sempre inacabado. Mesmo depois do ritual da defesa, estásujeita a sugestões de novas investigações, objetivo maior daatividade cientifica, numa acumulação infinita de dúvida,conhecimento e dúvida.

Uma tese é também um produto inacabado pela qualidade de suaforma, fruto que é de um aprendizado igualmente inacabado. A tese édefendida não como um produto de alguém que já sabe fazê-la.Irônica e paradoxalmente, ela é feita ao mesmo tempo em que seaprende a fazê-la, como um protótipo arriscado.

Esse atropelamento temporal de termos de fazer coisas ao mesmotempo em que somos ensinados a fazê-las se repete também na vidado orientador. Ao iniciar a carreira de orientador, a sua únicaexperiência na tarefa de orientar é a sua própria experiência quandoorientado. Um aprendizado curto, parcial e que pouco contribui para aprofissão daquele que seguirá a carreira acadêmica e terá ocompromisso de orientar. De fato, de um momento para outro,passamos de pesquisador novato para orientador inexperiente.

Muitas das vezes, conscientes ou não, contentamo-nos com pouco,ou melhor, com quase nada: avançando menos no conteúdo científicoe mais na repetição desnecessária de coisas pouco relevantes. Nãopodemos dizer que isso resulte da inexperiência, apenas. Tentemosculpar outros, então. Quem? A falta do cliente. Para quempesquisamos e defendemos teses? Para nossos deleites ou paraatender demandas? Isso, fiquemos de combinação que, em grandemedida, se nossas teses não são boas é devido a uma frágil

explicitação do interesse de quem as leem. Já discutimos isso soboutra perspectiva.

No atropelamento das coisas, o esforço deve ser redobrado, para oorientando e para o orientador. Do lado do orientado, vale o mesmo einsistente conselho: escreva, escreva, escreva! Se pudéssemos entrarnuma máquina do tempo, diria, num tempo verbal que não existe, odo imperativo passado: escreveu, escreveu, escreveu!

Claro, muitíssimo mais força que conselho meu tem a máxima dePlinio, o Velho (23 DC-79 DC) referindo-se à prática da pintura:“Nulla dies sine línea” [22]. No nosso caso, o traço do pintor se alterapara a palavra tomada nota a partir de leituras e conclusões pessoais.

Melhor nem saber do sofrimento revelado por alguns autores.Clarice Lispector (2002) afirmou que “Não, não é fácil escrever. É durocomo quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como açosespelhados” (p. 27). Raquel de Queiroz (2003) teria dito “Não há nadade súbito, nem de claro, nem de fácil. O processo todo é penoso edolorido - e se pode comparar a alguma coisa, digamos que se parecemuito com um processo fisiológico -, que se assemelha terrivelmentea uma gestação, cujo parto se arrastasse por muitos meses e até anos”(online). Pablo Neruda, ironicamente, teria dito que escrever é umatarefa fácil, bastando iniciar com maiúsculas e terminando com umponto: no meio, você coloca as ideias.

Do lado do orientador, vale usufruir da experiência, acumulandoconhecimento e procurando não se cansar daquilo que já viu. Docontrário, a fase da inexperiência passa rapidamente para aqualificação de envelhecida. Na convivência entre os dois, umesperado desejo de um que não pode envelhecer e de outro queprecisa ainda se aprimorar.

Costas levemente reclinadas para trás, olhar distante conseguido apartir da retração da retina. O corpo parece mais perto para impor

medo e o olho mais ao longe, à espreita de bobagens, de erros, defalhas. Esse pode ser o olhar do membro da banca ou do orientador,pretensiosamente fascinados com o saber que acumularam.

O orientando, talvez pela primeira vez, deixa de ser um estudanteque deve provar o conhecimento da língua, para agora demonstrarconteúdo descritivo, analítico e conclusivo. O orientador, semformação para tal, vê-se perigosamente atraído para contribuir nessamudança. Por essa razão abandona a discussão do conteúdo e gastaseu tempo na correção de palavras e estruturas textuais, atividadepara a qual nunca foi qualificado.

Na minha experiência com orientandos, muito vi de processos deaprimoramento no domínio da língua, ainda que em detrimento dodesejado conteúdo. Esses são ganhos que quase sempre conseguiobservar. É pouco? Não, não é, porém, sei, não atende aos objetivosprecípuos de um programa de pós-graduação nem tampouco daestrutura que a sociedade disponibiliza para que se faça ciência.

O orientador, no período que ainda não adquiriu a qualificação paraverdadeiramente orientar, toma a estratégia de se posicionar junto àsreferências e experiências que usou e vivenciou para elaborar suaprópria tese. Temos aí o cenário perfeito para entender o que HebertMarcuse (1982) fala sobre a “paralisia da crítica”, numa exaltaçãoconstante do óbvio, mas irrefutável, do consenso pré-estabelecido,mas confortável, quase uma tendência totalitária suavementeimposta. É verdade, na repetição das coisas conhecidas, as chances deerros diminuem.

Nestes casos, em muitos dos casos, corremos o risco de transformaruma tese em cansativas revisitas de coisas já ditas e de conclusões quejá se sabia. E se o objeto de estudo do orientado tivesse sido outro?Mantido o tema e trocado de orientador, o resultado seria diferente? Ese aquilo que se mostrou ruim fosse, de fato, bom? E se aquilo que se

mostrou maléfico é, na realidade, desejado? Tais dúvidas,explicitadas, talvez dificultem ainda mais o trajeto por um par depessoas onde um pode ser inexperiente e o outro temeroso. Mas essadificuldade é a própria essência de uma investigação científica,contendo dúvida, negação, confirmação, e, mais uma vez, a dúvida.

O que foi descrito aqui diz respeito, pois, às atrapalhaçõestemporais de uma tese: o antes é substituído pelo depois, algunsconhecimentos adquiridos são úteis apenas no momento da própriaaquisição, o testemunho da qualidade deve ser confirmado ainda meioà sua construção. Com isso, o cenário em que a ciência é produzidaparece quase anedótico. Entretanto, se coisas parecem se sobreporindevidamente e se atropelos são costumeiros, o pensar e o debateestão sempre presentes; e assim, vai-se ganhando, um pouco aqui, umpouco lá, mesmo que nem tudo seja creditado no documento da tese.

Dois tipos de tese

De modo mais fácil, gostaria de me limitar à classificação de tesetal qual Oscar Wilde uma vez teria feito em relação ao livro: “ou ele ébom ou ele não o é”, apenas isso. Uma tese boa, agregando valores deforma, conteúdo, ineditismo, importância e provocação tem aliberdade para não se submeter a nenhuma das classificações quetradicionalmente se faz. Neste caso, a ela é dada a permissão,merecidamente, de não se explicar, valendo pelo que contêm, apenas.Às outras permanece a sujeição à explicitação do modelo adotado:basicamente, a tese será ou exploratória ou conclusiva. No primeirocaso, como sabemos, a tese aprofunda o conhecimento sobredeterminado tema e, ao final, produz ensaios ou resultados nãodefinitivos; no segundo, também o sabemos, a tese adota umahipótese, aplica um teste e conclui, apresentando resultados quepossam ser utilizados na tomada de decisões. Mas o que nos parecemais importante são as características que desclassificam uma tesecomo tal. O que não é uma tese? Castro (2007) já respondeu a essapergunta. O autor nos lista cinco tipos de trabalhos de doutoramentoque não constituiriam teses verdadeiras.

A primeira é chamada tese expressa em propostas e planos.Conforme esse autor, esse problema resulta do fato de se precisar

conhecer e provar que se conhece a realidade antes de se intencionarmudá-la. No caso de se propor algo, quem seria o avaliador? O mesmoque sugeriu o plano ou a proposta? Neste caso, estranhamente,teríamos o orientando e o orientador, ambos, como agentesavaliadores e avaliados.

A segunda tipologia de tese que não é tese é a tese didática. Nestecaso, concretizadas em forma de manuais, são meros exercícios deredação, sem relatar a construção cientifica para sua elaboração.Neste caso, fica evidenciado, sempre mais uma vez, que maisimportante que os resultados é a forma como se chegou a eles. Seriaesse próprio livro uma tese? Claro que não.

A terceira tipologia criticada é a da tese que se propõe a fazer umarevisão bibliográfica. Revisões de bibliografias são necessárias,evidentemente, mas como partes de referencial teórico inicial que nospermitirá discutir os fenômenos que encontraremos nodesenvolvimento da tese. Nestes casos, dificilmente haverá espaçopara as análises, sínteses, confirmações, negações e conclusões quealiás constituem a essência de uma tese. Do mesmo modo, a tipologiade tese levantamento, aquela que agrega dados e indicadores,esperando que um dia alguém os utilize, perde também suaimportância por não permitir ou, minimamente, não valorizar achamada essência de uma tese.

Por último, Castro critica a chamada tese teórica. Neste caso, oreceio deve-se muito mais à capacidade intelectual do orientando quepropriamente do tipo adotado de tese. Nestes casos, reconheçotambém, o risco de trocar a necessária competência por uma simpleserudição cansativa é grande. Entretanto, se se tiver coragem ecapacidade para tal, perfeito! Melhor que tudo!

Outro material, similar em preocupações como as de Castro, é o deCâmara (2009) em aula inaugural de seu programa de pós-graduação:

Como não fazer uma Tese? Desenvolver ideias sem colocá-las nopapel; Esperar que outros façam sua tese; Acreditar que seuorientador tem a solução do seu problema; Não acreditar navisão geral do seu orientador; Tentar resolver todos osproblemas do mundo num único documento; Achar que não hámais nada para ser investigado; Achar que alguém já resolveuseu problema antes; Reduzir a tese a um protótipocomputacional; Reduzir a tese a uma aplicação de técnicas jáestabelecidas; Não estabelecer um vínculo entre teoria e práticano seu documento; Não considerar que a pesquisa é atividadecooperativa ...(online)

Se teses são exploratórias ou conclusivas, suas metodologias, claro,

são diversas. Um manual de elaboração de teses nos diria quemetodologias devem considerar a natureza da pesquisa (básica ouaplicada), sua operacionalização (quantitativa ou qualitativa), seusobjetivos (exploratória, descritiva e explicativa), seus procedimentostécnicos (bibliográficos, documentais, experimentais, porlevantamento, por estudo de caso, expost facto, pesquisa-ação,pesquisa participante, dentre outros). Tais instrumentos serãoaplicados, cada qual, em seus momentos específicos, os quais,organizados, constituem a estrutura e fases da elaboração de umatese: a fase decisória, a de construção e a redacional. Está bem assim.Está bem assim no nível do desejado, mas acredito que essas três fasespossam também se sobrepor positiva e propositadamente. Haverásempre capítulos que já sabemos fazê-los desde o início e podemadentrar na fase da redação desde os primeiros momentos. Asdecisões, antecedidas de dúvidas, serão comuns até mesmo naredação do capítulo final. Haverá de fato um complexo mosaico de

tempos e ações que se justapõem à simples divisão da elaboração datese em três fases e no qual o orientando deverá dominar e poderá seapropriar das potencialidades que oferece.

O bom e o ruim orientando

Há certamente uma tentativa tácita e tática em o orientador saberde antemão se o aluno orientado lhe trará problemas ou não, secumprirá adequada e eficientemente as tarefas necessárias para arealização e defesa da tese. Claro que essa previsão, se desejada, não écerteira. Por mais que os indícios que diferenciem o bom do ruim, opromissor do fracassado, o convívio gentil da permanênciainsuportável na mesma sala, e o prazer do convívio do desprazer deum compromisso, a combinação de fatores que possa definir por umou por outro dessas antíteses é complexa.

Estamos longe da classificação linear e previsível daquilo que podevir pela frente. O desejo é saber, de antemão e com segurança, o quenos espera. Infelizmente, na prática, não conseguimos aplicar aclassificação trazida por dois dos personagens de F. Dostoiévski, (1821- 1861) em Crime e Castigo (2001). De um lado, o jovem Raskólnikov(já trazido para o presente trabalho) divide as pessoas em “ordinárias”e “extraordinárias”; de outro, Lújin simplifica essas mesmas pessoasem “inteligentes” ou em “massa de imbecis”. Do mesmo modo, maisde cem anos depois que F. Dostoiévski, Orhan Pamuk, escritor turco,ao relatar sua infância e juventude, no livro Istambul (2007)

surpreende-se a si próprio em classificar as pessoas de seu entornoem inteligentes e em não inteligentes. Submissos segredos guardadospelo orientador e também pelo orientando.

Com o tempo, também passamos a praticar ensaios classificatórios.Muitas vezes eles são preconceituosos, outros tantos,verdadeiramente visionários. A seguir, explicito um desses desejos, ode classificar, se possível já no processo de seleção dos candidatos, astipologias de convivência do orientando com o orientador e de modosde elaboração da tese.

No extremo da paranoia, no limite ultrapassado do lógico, para sepoder matematizar premonições, cheguei uma vez a propor umquesito de classificação no processo de seleção do candidato quedeveria ser respondido já pela secretária da escola: a primeira pessoaque se coloca frente ao candidato ainda em seu estado bruto, sincero.Arrisquei conversar com a secretária da época sobre isso, a qual, parameu temor, arvorou reconhecer sua capacidade classificatória, capazde distinguir, sem grandes dúvidas, o bom do ruim orientando. Fiqueiimpressionado com sua firmeza a respeito de seus dons paraselecionar candidatos, mas mais que isso, fiquei com medo de elamesma também ter pensado nesse procedimento heterodoxo. Bastavaperguntar a ela e teríamos então uma primeira seleção! Claro, deimediato, a confirmação da minha ideia fortaleceu minha proposta;fiquei muito animado com isso. Na sequência, essa animação setransforma em medo. Se ela se julga capaz de escrutinar candidatosque, se, confirmados como alunos, terão convivência efêmera comela, certamente dedica mais esforços ainda na detecção de problemasdentre os professores que integram seu grupo de convívio de formamuito mais duradoura. De avaliador feliz em encontrar mais umíndice para o bem selecionar o corpo discente, rapidamente meidentifiquei como passível a infelizes reducionismos subjetivos sobre

minhas capacidades diversas. Conclui que era melhor não levar essepropósito adiante. Ao mesmo tempo, pensei: um escrutínio e umaavaliação a mais em nossas vidas acadêmicas não nos farão muitadiferença! Prossegui na conversa.

Prossegui na conversa, mas não fui além disso. Para a seleção dosnovos candidatos e orientandos melhor usar variáveis tradicionais deavaliação. Melhor esquecer a astuta opinião da secretária e ficar com afácil somatória de pontos a partir da produção acadêmica docandidato, a sua disponibilidade de tempo para a pesquisa que fará, afamiliaridade com o tema escolhido demonstrada em avaliaçãodiscursiva, a aderência de tal tema com o programa de pós-graduaçãopretendido, o conhecimento de línguas, a conjunção de interessestemáticos com um orientador e potencial capacidade em aportar boasrelações institucionais com o programa de pós-graduação.

Em capítulo anterior, onde discutíamos o perfil do orientandodesejado, quase disse que prefiro o aluno cínico ao aluno bobo.Pensando em como terminar este capítulo, lembrei do poeta JacquesPrévert (1900 - 1977). Sei que ele pode ser criticado por sua poesia delinguagem fácil e que não permite nada entre os extremos de umaanálise ou sentimento. Em Prévert, ou se é bom ou se é ruim, ou se épovo ou se é elite, ou se é professor ou se é aluno. Entretanto, mesmocom estereótipos por demais fáceis de entender, ao nos apresentar oaluno abaixo, Hamlet, vejo que minha escolha pelo orientando cínicopode não estar errada. O cínico é perigoso, porém atrai.

Le professeur: Élève Hamlet!L’élève Hamlet (sursautant): ... Hein... Quoi... Pardon.... Qu’est-ce qui se passe... Qu’est-ce qu’il y a ... Qu’est-ce que c’est? ...Le professeur (mécontent): Vous ne pouvez pas répondre«présent» comme tout le monde? Pas possible, vous êtes encore

dans les nuages.L’élève Hamlet: Être ou ne pas être dans les nuages!Le professeur: Suffit. Pas tant de manières. Et conjuguez-moi leverbe être, comme tout le monde, c’est tout ce que je vousdemande.L’élève Hamlet: To be...Le professeur: En Français, s’il vous plaît, comme tout le monde.L’élève Hamlet: Bien, monsieur. (Il conjugue:)Je suis ou je ne suis pasTu es ou tu n’es pasIl est ou il n’est pasNous sommes ou nous ne sommes pas...Le professeur: (excessivement mécontent)Mais c’est vous qui n’y êtes pas, mon pauvre ami!L’élève Hamlet: C’est exact, monsieur le professeur,Je suis «où» je ne suis pasEt, dans le fond, hein, à la réflexion,Être «où» ne pas être

C’est peut-être aussi la question [23]. (PRÉVERT, «L’accentgrave», in Paroles, 2000)

Caso ainda não tenha ficado claro aquilo que aqui se entende por

“bom orientando”, arrisco ainda outra citação, agora mais violenta, deJack Kerouac (2011, primeira edição 1957), no livro On the road.

the only people for me are the mad ones, the ones who are madto live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything atthe same time, the ones who never yawn or say a commonplace

thing, but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles

exploding like spiders across the stars [24]. (p. 81).

Da ordem das coisas

Na ordem para elaboração de uma tese, inúmeras vezes dita eredita em manuais de apoio, tem-se uma sequência lógica que deveobrigatoriamente ser perseguida, quer para o bem de quem escreve,quer para o bem de quem orienta, quer para o deleite de quem lê. Emtermos de desenvolvimento, uma boa sugestão é a que transcrevoagora:

1) escolha do tema; 2) revisão de literatura; 3) justificativa; 4)formulação do problema; 5) determinação de objetivos; 6)metodologia; 7) coleta de dados; 8) tabulação de dados; 9)análise e discussão dos resultados; 10) conclusão da análise dosresultados; 11) redação e apresentação do trabalho científico(dissertação ou tese). (Silva; Menezes, 2005, p. 29).

Ora, em posição de zombaria, a mesma recomendação de conteúdo

programático de uma pesquisa pode muitas vezes ser transformada naprática, para infelicidade ou felicidade do orientado e do orientador,em três formas, minimamente: pessimista, otimista e obediente.

Na primeira, pessimista, ter-se-ia: 1) aprovação no processoseletivo para o curso pretendido (ou disponível nas condições que se

pode fazê-lo); 2) escolha de tema de forma pragmática para inserçãono programa de pesquisa ou no interesse do pesquisador orientadordisponível; 3) alteração do tema anteriormente escolhido; 4)explicitação de dúvidas quanto ao tema escolhido; 5) realização deleituras a respeito desse tema; 6) início da escrita; 7) identificação dedeficiências quanto ao exercício da escrita; 8) quase confirmação daimpossibilidade de escrever com clareza a respeito daquilo que nomomento tem-se um sutil conhecimento, apenas; 9) redução drásticado escopo anteriormente planejado; 10) aceitação dos limites doconhecimento, da escassez de tempo, e da sujeição ao surgimento deoutros compromissos pessoais; 11) elaboração do documento final,defesa da tese e despedida da vida acadêmica.

Na segunda, otimista, ter-se-ia: 1) aprovação no processo seletivopara o curso pretendido com orientador e tema definidospreviamente; 2) aprofundamento no tema escolhido segundosugestões de leitura do orientador; 3) aporte de novidades e de ideiasde condução ao orientador por parte do orientado; 4) explicitação dedúvidas quanto ao tema escolhido de forma compartilhada com oorientador, enriquecendo e rejuvenescendo mesmo o conhecimentodeste último em relação ao tema; 5) elaboração do documento final edefesa com sucesso da tese; 6) continuidade de convivência entreorientado, orientador e tema pesquisado.

Na terceira, obediente, ter-se-ia: 1) aprovação no processo seletivopara o curso pretendido com orientador, conforme tema por elesugerido; 2) aprofundamento no tema escolhido segundo pesquisasanteriormente feitas pelo orientador; 3) desenvolvimento da tese comassessorias semanais; 4) elaboração de artigo com o orientador comoprimeiro autor; 5) produção da versão final da tese com absolutorespeito às normas técnicas; 6) cumprimento do prazo; 7) defesa datese; 8) comemoração familiar incluindo o orientador; 9) mimo ao

orientador; 10) eterna relação de amizade admirativa do orientandoem relação ao seu fiel conselheiro.

Sabemos: nem tudo é como se planeja, como nos instruem, ou talqual em algum momento acreditamos.

Tomemos como exemplo a diferença entre o aprendizadoorganizado - leitura e tomada de notas referenciadas - e o uso, nodocumento da tese, desse mesmo aprendizado. Uma coisa é anotarcoisas e dados do que se leu e que se julga importante para nossasteses, outra coisa é usar essas anotações e passar para o ato da escrita.Aí, aparecem as surpresas. As ideias que pareciam brilhantes na vozdo professor, no texto de outro autor ou na conferência de algumsujeito respeitado, ao migrarem para o papel, ganham liberdade, nãose aceitam do mesmo modo que uma vez você as viu e, claro, sãoinfluenciadas pela mão e habilidade do novo autor. Algumas vezes, aideia que parecia genial, deixa de sê-lo, outras vezes, o que pareciacristalino e capaz de sintetizar uma realidade complexa paraentender, se transforma em fenômeno sem sentido, claramentedesconexo. É neste momento, o da escrita, que verdadeiramente nosaproximamos ou nos distanciamos do que lemos ou do queescutamos. No amálgama feito entre o escutado, o observado e oassimilado na forma escrita está a comprovação ou não doaprendizado. É neste momento em que o planejado parece semetamorfosear, se fragmentar diante do cotidiano concreto.

Começo a repetir coisas que já disse. Idealmente, uma tese seconstrói em três fases: a decisória, na qual se escolhe o tema edelimita-se a pesquisa; a construtiva, em que se pesquisa, de fato; e aredacional, quando se consubstanciam coisas por meio de palavrasagregadas de forma a traduzir o nexo apreendido. Muitas vezes, o quese vê é um vai e vem infinito, saltando-se aleatoriamente de uma paraa outra fase. Quando passamos para a segunda fase, ainda estamos

sujeitos a mudar de tema, quando chegamos à terceira, ainda nãosabemos escrever e tampouco terminamos a pesquisa.

Em capítulo anterior, falamos do “tempo atropelado”, no qual oantes parece vir depois e somos forçados a demonstrar oconhecimento de fatos e teorias antes de verdadeiramente tê-losaprendidos. Lá, falamos também de nos treinarmos esforçadamentepara coisas que nos serão úteis uma vez, apenas. Aqui, falamos que aordem de tarefas para a elaboração de uma tese nos parece anárquica,desconsiderando o bom senso de se ter um início, um meio e um fim.Ao reler esses dois capítulos, me pergunto se, meio a tantosdesalinhos temporais, ainda são grandes as chances de finalizarmos oprocesso da elaboração de uma tese. São. Do mesmo modo que emoutros relatos onde problemas parecem prevalecer à calmaria e àordem natural das coisas, há também, e com mais força, uma invisívelconstituição de um mosaico de tarefas cumpridas. A cobrança para ocumprimento das exigências acadêmicas, em prazos estabelecidos,pela secretaria do programa de pós-graduação, por decisões docolegiado de professores e pelas diretrizes de agências superiores deensino e pesquisa impõem um método de operação, um checklist deobrigações ao qual nos submetemos, muitas vezes com desprazer, masque nos toma pela mão até o dia da defesa da tese.

Com isso, mais uma vez, o otimismo se impõe ao pessimismo.Neste livro, muito do que foi falado apresentou nuances dedesencanto e cores fortes de ironia. Pior, essa última, a despeito deparecer ser uma pretensa diversão foi, de fato, uma reação de quemalgumas vezes esteve verdadeiramente nervoso. Ironia e desencantoforam também utilizados por mera opção pedagógica de apresentaçãode ideias e, talvez, de apego ao título deste mesmo livro. Pedagógica eestrategicamente, o caminho da conversa com o leitor escolhido foiaquele que alerta o erro e não aquele que enaltece o certo.

Infelizmente, não seguir o caminho errado não significa, por exclusão,trilhar o caminho certo.

Sem a obrigação de sermos muito claros no repasse de uma ideiasobre como escrever uma tese e livres de quaisquer compromissoscom a escrita, poderíamos relatar os dias de orientandos eorientadores de uma forma pura? Sem compromisso algum, nem como estilo irônico, nem com a zombaria, nem com o desencanto,poderíamos descrever esses dias com exatidão? Sim. Mas entãoporque não o fiz desse modo? Não o fiz porque perderíamos conteúdodaquilo que mais nos importa aqui que é o relato crítico das tarefas eprazos que se tem para o desenvolvimento de uma pesquisa dedoutoramento.

Numa concessão a essa curiosidade em se saber como são, de fato,os dias de orientandos e orientadores, ainda que fugindo do intentomaior do livro, o que se teria enfim? O melhor dos mundos. De modogeral, sem rodeios, meus momentos com orientandos e alunos foramgratificantes, propícios ao desenvolvimento profissional,amadurecimento pessoal e descoberta de potenciais. Está aí, de fato, aessência deste livro. No final das contas, o que vi me aproxima maisde Ao mestre com carinho (Clavell, 1966) que Entre os Muros daEscola [25] (Cantet, 2008). O primeiro relata a história de um professoragraciado com a sensibilidade de seus alunos. O segundo, ainda queao final também demonstre riquezas de caráter entre os alunos,compartilha um mergulho asfixiante de um professor no interior demal-entendidos, tarefas não cumpridas, desrespeito e desinteressesde compreensão.

Uma digressãocom Shiva

De imediato, o doutorando, ao ser aprovado no exame de seleçãopara um programa de pós-graduação, acredita que deve e poderealizar uma contribuição para as grandes demandas da sociedade.Dentre aqueles orientandos que já contam com uma experiênciaprofissional é recorrente o desejo de regressar às suas empresas ouinstituições públicas com resultados definitivos para um problemaque há muito subjuga seus pares. Aos interessados na carreiraacadêmica, há a pretensão de serem capazes de agregar jovialidade aum corpo docente já cansado. Os primeiros sofrem a desilusão dointento logo na primeira disciplina que devem cumprir. Os segundosum dia perceberão que nenhum de seus colegas jamais lera uma únicapágina de sua tese. Os terceiros descobrirão que o envelhecido, se defato o é, não abre mão com facilidade de seus hábitos e de seuslugares cativos.

O que se tem aqui é então uma epifania de pretensões e grandezas,mas que logo se reduzem, meio à salutar compreensão da realidade eà imposição burocrática do cotidiano acadêmico ou profissional.

Neste capítulo curto, proponho pensar sobre uma dessaspretensões: a do orientando recruta que ao propor seu projeto de

pesquisa o faz com a intenção de entender o mundo. Na maioria dasvezes, a proposta inicial da pesquisa apresentada, majestosamente, seestende por um grande diagnóstico, um longo recorte temporal, umabsurdamente amplo universo geográfico e uma infindável lista detemas a serem pesquisados. O resultado disso é confusão intelectual,dúvida, esforço perdido, cansaço, prazo não cumprido. Já na primeiraconversa com seu orientador o orientado deveria ouvir a sábiasugestão de reduzir esta ousadia. Quase como um “quero ver o circopegar fogo”, eu, como orientador, não falo nada nesta primeiraconversa. Claro, minha intenção é outra. Sei que o tempo me ajuda.

Numa situação como essa, o orientando e sua proposta de pesquisase assemelham a Shiva, com seus quatro braços e quatro mãos, cadaqual com um gesto específico, ameaçando apanhar alguma coisa noar. Evaporam-se temas, diluem-se pressupostos, recortes vão ao longee os múltiplos dedos de Shiva delicadamente articulam suas juntas,em movimento quase sensual. Shiva também tem uma terceira visãocom um interesse distinto das outras duas, parecendo tudo olhar, aomesmo tempo, e nada apreender. O orientando olha uma coisa, seapaixona por ela, ela não corresponde, ele olha outra coisa, conseguepegar algo, enjoa, procura algo mais, pega, escapa de suas mãos, jáque uma não ajuda a outra. Nem o tridente, sua ferramentacompanheira, ajuda, mas não sustenta. Shiva ainda tem inúmerosatributos e infindáveis denominações, cada qual denominando umaqualidade ou capacidade, às vezes opostas. O orientando incialmentese apresenta como bom candidato, bom nisso, bom naquilo, medianoem outra coisa. Em um momento parece decidido, no outrocambaleia.

Shiva é reconhecido como o Deus da ambiguidade e do paradoxo epor conta dos seus atributos opostos pode confundir o fiel novato.Representado como invencível, poderoso e anunciador do terror, pode

também ser reconhecido como benevolente ou como aquele quemedita. Na eventualidade de o orientando assumir esse segundoperfil, ele pensaria mais antes de escrever, pouco se arriscaria,tomaria cuidado em tudo aquilo que faz, enfim, seria um ascetadecidido a finalizar sua pesquisa. Mas o orientando comum temmúltiplas facetas e lembra a representação de Shiva com seus quatrobraços em movimentos, parecendo dizer muita coisa ao mesmo tempoe nos fazendo entorpecer frente a opções contraditórias.

Tal qual Shiva, o orientando, com seus três olhos, parecem permitirtudo ver, tudo compreender e então chegar ao final de sua pesquisa acontento ilusoriamente. Os braços de Shiva, com braços em igualnúmero ao do orientando e do orientador juntos, prometem serlaboriosos, fortes e trabalhar em mutirão, consorciadamente. Nadadisso. Ao contrário, surge a confusão, o excesso de esforço. Braçosdiversos que prometiam o trabalho conjunto agora se perdem, commãos que desfazem aquilo que seus simétricos elaboraram.

Na primeira conversa com o orientando, fico mais quieto, deixo elepropor tudo o que quer fazer, inclusive finjo concordar quando elediscorre sobre o desejo de defender a tese no prazo mais curtopossível. Sei. Sei. Num segundo encontro podemos rever isso, agoraainda é muito cedo. Por ora, vamos nos divertir. Não falo nada sobreexageros, deixo isso para um segundo encontro, quando a realidade jáme terá ajudado. Ué, melhor aproveitar esse momento sem remorso.Quando o doutorando sai de meu gabinete, fecho a porta, suspiro eme agarro em outro pensamento; não concluo nada, o tempo meajuda. O doutorando vai sentar na minha frente e já sei de tudo: ainformação não existe, o fulano não respondeu ao questionário, osoutros professores exigiram muito trabalho na disciplina, mas nasférias vai adiantar bastante a tese, recuperar o tempo. Sei. Sei.

Num primeiro momento, tudo isso - a grande empolgaçãoshivarática - parece fortalecer o orientado iniciante, mas, tambémimediatamente, o confunde e o faz sentir medo de alguma coisa quenão sabe ainda o que é. Da grandeza do inicialmente proposto obriga-se a retroceder humilde. Neste momento, se assemelha novamente aShiva, com todas as mãos recolhidas nos bolsos que não tem, tal qualum sujeito em desconforto sem apreender a postura que mais lheconvém. Um Shiva acabrunhado, difícil de imaginar, seu oposto.

No segundo encontro, agora sim, sugiro a redução programáticasem dó. Da grande viagem tiramos alguma coisa boa. Concluo que oexagero incial até pode ajudar. No corte sugerido, minimamene,houve uma crítica e isso também é um pedaço do processo deelaboração de uma tese.

Shiva, relacionado com as fases inciais de pesquisa, é aquientendido tão somente pela sua imagem, de forma desrespeitosa, evisto como uma figura múltipla, anárquica, ruidosa, falante,estapafúrdia. Concordamos, autor e leitores, que essas analogias seconstroem a partir da leitura ignorante de uma representação sagradadistante de mim; mas o prazer do sarcasmo foi maior, o deleite dessarelação bizarra foi maior que a necessária constrição que o livro talvezmereça. Mesmo com essa ressalva, mesmo avisando que isso tudo éuma digressão, o relato está indo longe demais.

Mesmo assim avanço um pouco mais.Releio meus próprios parágrafos e eles me parecem, também, um

excitado esforço shivarático, discutindo e, mais arriscadamente ainda,apresentando ao interessado leitor os incontáveis aspectos decisóriosque envolvem o início dos trabalhos de elaboração de uma tese.

Mais uma vez, vale aqui a mensagem: há um momento, que nãotarda a chegar, no qual reduzimos os objetivos de uma tese,eliminamos capítulos planejados, limitamos as conclusões àquelas

que derivam de nosso estudo, apenas e damos maior precisão ao títuloda tese. Caso o exagero tenha sido passageiro, até que foi bom tê-loexperimentado!

Muita leituraenlouquece

O volume de obras a serem lidas para o desenvolvimento de umatese ou dissertação tem sido recorrentemente ampliado. Ao mesmotempo em que se acumulam novos autores à lista do mínimonecessário, não se abandonam alguns há muito tempo utilizadoscomo referência obrigatória. Agora, mesmo os clássicos concorremnão necessariamente com a qualidade de seus demais parespublicados, mas sobretudo com o massivo volume que se apresentadisponível a quem elabora um texto científico. Essa situação temlevado o pesquisador a gastar um tempo excessivamente precioso,reduzindo assim seu potencial para pensar por si próprio ou mesmopara elaborar ideias sobre o que leu. A leitura em excesso nos prende,quase nos imobiliza em um confortável ambiente de citações e dedemonstrações de conhecimento simplesmente acumulado. Eumesmo, na elaboração deste livro, em alguns momentos concluí queexagerei no número de citações; em muitos outros, me animei e nãoresisti ao explicitar a similaridade entre o que queria dizer e amensagem já dita por outrem.

O excesso de citações em teses pode, porém, resultar em pesquisasque cumprem pouco menos da metade de seus compromissos: quase

confirmam o conhecimento mínimo do autor para debater o tema deseu interesse, todavia restam o leitor no haver em relação a ideiasanalíticas e conclusivas. Não se escreve, reproduz-se, apenas. Emoutro capítulo deste livro já discutimos essa questão sobre outra ótica.Lá, e aqui também, serve a lembrança, trouxemos a recusa deRimbaud em ler poesia dos outros para poder escrever a sua. Nãoposso avançar muito nessa discussão por uma questão estratégica,pois arrisco colocar em dúvida o estilo que adotei neste livro e atémesmo sua utilidade.

O grande volume de informação é cativante e fácil de ser obtido.Isso talvez justifique a permanência nas teses de um estranhomosaico de reproduções de coisas já lidas e que acreditávamos suasdiscussões já esgotadas. De fato, ao lembrar daquilo que li emdocumentos científicos, concluo que muito mais vi de excesso deleitura que de demonstrações sábias para rejeitar o joio e, algumasvezes, para descartar também o trigo. A despeito de tudo isso, há algomais importante: uma tese é também demonstração deconhecimento, a construção de uma confiança do leitor no autor,atributo necessário para que a hipótese e a tese sejam confiáveis nãopor si próprias, apenas, mas também por quem as produziu.

Das memórias que guardo de minha infância, a mais divertida é ade minha mãe insistentemente me repetindo que na sua juventudeouvira falar de um senhor, com bizarra figura, que, de tanto ler ficaralouco. Este caso era relatado com nome e local de moradia, tornando-se assim um exemplo real e convincente para que eu abandonasse operigoso hábito da leitura. O nome e local eram precisos mas tambémnão permitiram jamais chegar a eles: um tal Giuseppe, na Itália. Isso enada é a mesma coisa. Desconfio que esse sujeito nem tenha existido.Mas o argumento utilizado era tão forte que mais tarde vim aentender que, caso decidisse classificar a postura de minha mãe, ela

faria parte de um grupo de agentes secretos de alguma recrudescentee bem-sucedida escola sofista [26]. Para mim, como orientador, muitomais tarde, esse mesmo argumento se confirmou correto. Vejamos.

Ao ler Miguel de Cervantes (1547-1616) me chamou atenção aexplicação que o relator da história de D. Quixote dava para a loucurade seu personagem. O magro homem de triste figura adentrara-se tãoprofundamente no mundo de suas leituras, que as tomou comorealidade. Envolvido em fatos de um passado glorioso, o qualcombinava lutas e maneirismos sofisticados de fidelidadecavaleiresca, já não era mais capaz de entender o mundo que ocercava. Deste mundo, Dom Quixote só enxergava fantasias. A citaçãoa seguir confirma esse fato.

Enfim, tanto ele se engolfou em sua leitura, que lendo passava asnoites de claro em claro e os dias de sombra a sombra; e assim,do pouco dormir e muito ler se lhe secaram os miolos, de modoque veio a perder o juízo. Encheu-se lhe a fantasia de tudo aquiloque lia nos livros, tanto de encantamentos como de contendas,batalhas, desafios, ferimentos, galanterias, amores, borrascas edisparates impossíveis; e se lhe assentou de tal maneira naimaginação que era verdade toda aquela máquina daquelassoadas sonhadas invenções que lia, que para ele não havia nomundo história mais certa. (p. 79)

O desapercebido autor de uma tese, tal qual um símio de galho em

galho, variando de autores muito múltiplos, num momento se deparacom um desejo inocente e pretencioso de tudo sintetizar e,desesperadamente percebe que já não tem muito tempo para isso. Jánão lembra mais porque leu todo um volume de coisas, porque gastoudias esperando alguém lhe enviar um livro maravilhoso que parecia

conter exatamente a sua temática mais preciosa; porque tanto sofreulendo artigos até a última palavra mesmo desconfiando da validadedele para sua pesquisa; porque fora tão respeitoso com os textos quelhe caíram nas mãos ou que lhe foram efusivamente indicados.

No ensaio de aproveitar o todo lido, sobram páginas na tese edistancia-se da necessária linearidade de um documento científico.

Muito do excesso de leitura, claramente agravado pelo reduzidoexercício crítico, resulta de constantes caridades de colegas eprofessores na indicação de mais e mais obras, todas muitointeressantes, necessárias e clássicas. Neste caso, mais uma vez,Cervantes esclarece nossa ideia quando questiona, a um só tempo,muito daquilo que está escrito em livros e ridiculariza a eternasubmissão da ignorância do leitor à pretensa sabedoria de quemescreve. A longa citação da mesma obra acima confirma esse fato.

E como essa vossa escritura não mira a mais que a desfazer aautoridade e capacidade que no mundo e no vulgo têm os livrosde cavalarias, não há razão para que andeis a mendigarsentenças de filósofos, conselhos da Divina Escritura, fábulas depoetas, orações de retóricos, milagres de santos, e sim procurarque lealmente*, saiam vossa oração e período sonoros e festivos,representando vossa intenção em tudo o que alcançardes e forpossível, dando a entender vossos conceitos sem os intricar nemobscurecer. Procurai também que, lendo vossa história, omelancólico se mova ao riso, o risonho o acrescente, o tolo nãose zangue, o discreto se admire da invenção, o grave a nãodespreze, nem o prudente a deixe de elogiar. Enfim, levai a miraposta a derribar a mal fundada máquina desses cavaleirosos

livros, detestados por tantos e elogiados por muitos mais; pois,se tanto alcançardes, não terás alcançado pouco. (p. 48-49).

Como já ocorreu antes, parece que chegamos a um momento agora

que nada mais vale o esforço, que se levantam aqui as heráldicascontra a palavra escrita e panfleteia-se contra a hierarquia acadêmica,duvidando da distinção entre quem se inicia na ciência e aquele que jáa tem como experiência vivida. Não. Não é isso. Vale o processo,sempre. Não resisto e faço mais uma menção para me ajudar, para nãoficar sozinho na defesa desse raciocínio. Mais uma vez, pois já trouxeessa citação antes, lembro da fala do velho personagem Édouard(Gide, 1977), o qual sugere se desfazer dos livros e viver. Pode sedesfazer dos livros, mas depois de os ter lidos.

O importante é reconhecer que a leitura é fundamento para quepossamos realizar nossa própria pesquisa; com isso, a despeito dealgumas críticas que tal posicionamento possa sugerir, acredito queuma revisão bibliográfica, ainda que bastante completa, jamaisequivale a uma tese. Posso, também, fazer meu empirismo a partir deleituras - meu campo são meus livros -, mas para tanto essa mesmaleitura é diferente daquela que nos garante os fundamentos doconhecimento sobre nosso tema de interesse. Esclareço. Neste casoteríamos dois tipos de leitura. A primeira, obrigatória e que até entãodefendemos que seja analítica, deixando ainda um vasto campo paraseu debate e crítica. A segunda, eventualmente substitutiva de umempírico de campo, propõe um explícito método de investigação, derecorte temporal, de recorte autoral, de como a síntese seráconstruída, e de qual é a pergunta que se busca responder.

Este capítulo iniciou-se com uma discussão sobre a necessidade deuma leitura precisa, crítica e estrategicamente selecionada. Taldiscussão indica outras duas questões. A primeira, com relação direta,

diz respeito à necessidade ou não de um estudo empírico; a segunda,de caráter mais prosaico, refere-se ao número mínimo de páginas queuma tese deve conter.

Relativamente à necessidade de um estudo empírico, já se deixouentender que, de modo geral, não há tese fácil sem tal instrumento.Mais que isso, há autores que não lhe dão sentido no caso da faltadeste procedimento. Manuel Castells (2009), dentre inúmeros outrosautores que poderiam ser citados, faz essa defesa explicitamente, logona introdução de seu trabalho A Questão Urbana, alertando para anecessidade de se aproximar da chamada realidade concreta dascoisas. Bourdieu (1999), também dentre muitos, complementaria essadefesa. Para ele o conhecimento científico deve mesmo se inspirar narealidade empírica, situada no tempo, definida espacialmente erelacionada socialmente; todavia, essa realidade apenas se transformaem objeto científico, se sujeita ao escrutínio da teoria. Para ele, essarealidade não fala por si própria e sim por meio de questõesconstruídas teoricamente. De um ou de outro modo, não parecemesmo haver crítica à importância do empirismo, mas, claro, de comoele é feito, de como o terreno e os objetos são analisados, sem oschamados impressionismos da análise. Temos então que uma tese nãosobrevive sem empirismos, mas não desprezam, jamais, a teoria esuas referências.

Relativamente ao número de páginas que uma tese deve conter,agora fica mais fácil entender a defesa que farei: uma tese não se fazcom poucas páginas. Há uma tendência em justificar a poupança deextensão em nome de uma possível concisão genial do autor e de umaabsoluta falta de tempo contemporâneo para suas leituras. Ora, comoconciliar as exigências acima com uma parcimônia de capítulos epalavras? Como, em um texto sintético, demonstrar a construção doconhecimento, intrinsicamente demorado, o empirismo, as

referências teóricas, nossas análises e nossas conclusões? 100 páginasé suficiente? Claro que não é. Quanto é o ideal? Pergunte ao seuorientador.

A responsabilidade doorientador

Era uma vez..., esse capítulo super curto fazia parte do anterior esua discussão esmaecia no meio das outras. A importância da questão- o tamanho da responsabilidade do orientador a respeito do resultadoda tese a ser defendida - sugeriu que fosse tratado sozinho. Como esseé o tema que encontrei mais dificuldade para discutir, eu o escreviestrategicamente curto. Quanto menos falo, menos risco assumo.

Falo pouco, mas me obrigo a ser incisivo. Há, sim, responsabilidadedo orientador, para o bem ou para o mal, sobre a realização equalidade da pesquisa do orientado. Porém, não acredito que devahaver culpabilização; ou seja, um orientador pode influenciar para omelhor e para o pior o desenvolvimento de uma tese, mas certamentesua influência não implica nas qualidades extremas de uma tese. Aoorientador não cabem nem os louros de uma tese com distinção, nemtampouco a culpa pela sua reprovação. Influências do orientadorexistem, claro, mas é a capacidade e dedicação do orientado quedefine o posicionamento de uma tese nos extremos do muito ruim oumuito boa. Questões relacionadas com a forma, com o tema escolhido,com o tamanho da tese e com as referências utilizadas são exemplosde uma clara interferência do orientador. Questões referentes às

análises mais específicas, aquilo que garante a especificidade de umapesquisa e muito de seu sucesso ou fracasso, relacionam-sediretamente com o trabalho solitário de quem a escreve. Vejamos aseguinte situação: Ludwig Wittgenstein (1889-1951), no momento daentrega da versão final de sua tese ao seu orientador Bertrand Russel(1872-1970), em Cambridge, teria dito algo como: “Aqui está minhatese. Você não vai entender nada daquilo que está aí escrito”. Não há,nesta observação, necessariamente uma disputa de genialidades; aocontrário, a confirmação de como o orientando pode subir na garupado orientador e enxergar mais longe [27]. Russel observa noorientando uma característica dominadora, mas, antes de tudo,reconhece a sua capacidade de gênio singular ao descrevê-lo como“the most perfect example I have ever known of genius as traditionallyconceived; passionate, profound, intense, and dominating.” (apudMcGuinness, 2005, p. 118) [28]

A eventual originalidade de uma tese já é insinuada na escolha doperfil e do detalhe da temática a ser investigada. Isso mesmo, ou se éoriginal no resultado de nossas pesquisas - e isso é uma originalidadeemprestada da realidade -, ou se é original na escolha daquilo quevamos pesquisar. Neste caso, reforça-se a figura do orientador comoaquele capaz de inserir a pesquisa de seu orientado num contextomaior do mundo acadêmico, de buscar um viés com alguma novidadeanalítica e, mais difícil, de reconhecer as restrições e os potenciaisdaquele que orienta.

Caso seja possível justificar não nos criticarmos porque nuncaenxergamos a nós mesmos com facilidade, o que dá guarida para errarquase que à vontade, é sem esforço que observamos o problemaalheio. Dito isso posso correr o risco de afirmar o que segue.

Não foram poucas as bancas que participei, incluindo aí as de meuspróprios orientandos, onde faltou essa visão mais estratégica por

parte do orientador. Também não foram poucas as vezes que observeium bom trabalho de pesquisa, porém sobre perguntas que não maisprecisam ser respondidas. Todavia, sempre faço ressalvas sobre essaresponsabilidade. Se aí está um problema que podemos culpar a nósmesmos, orientadores, em outros muitos casos, o fracasso de umatese resulta exclusivamente da postura e da capacidade de seu autor.Reduzimos assim o papel do orientador, afastando-nos do pesadocompromisso de um sucesso garantido. Não seríamos,agradecidamente, cópia da figura de Tutor, tal qual sugerido porHomero, a quem Ulisses deixara a responsabilidade da formação deseu filho Telêmaco. Durante a ausência do primeiro em sua odisseia, osegundo teria sua formação garantida por Tutor, este sim sem poderadmitir fracasso. Responsabilidade dessa proporção não justificasalário algum.

Se algo mais pode ser adicionado às responsabilidades doorientador contemporâneo é a do convencimento que a elaboração deuma tese deve se constituir em uma prazerosa tarefa. Platão, em ARepública (s.d.) ensina a importância de educar (aqui, umaapropriação para o compromisso de orientar) como se os envolvidos, otutor e o orientado, estivessem a inventar uma história, como quedesocupados, em puro estado de lazer. É deste prazer que deve surgiruma tese; difícil vislumbrar outra maneira e, caso ela exista, melhornem experimentar. No compromisso com o prazer, asresponsabilidades são divididas, sem pressão, sem medo, semculpabilização.

Na banca

Em aulas na graduação, meu comentário para mim mesmo ou parameus alunos era sempre aquele ameaçador de que a vida profissionaliria separar o que sabe daquele que não sabe, selecionar osverdadeiros profissionais. Os selecionados poderiam um dia recorrigirminhas provas, reavaliar minhas notas, recompreender os trabalhosque apresentei; tal qual um chamado ao verdadeiro último juízodaqueles que indevidamente tiveram sucesso na disciplina. Essapostura, expressada na maioria das vezes para toda uma turma, emvoz professoral e que acredita falar com sabedoria inquestionável,ajuda bastante no alívio de minha consciência. Ajuda, agora sei,quando de prováveis erros feitos defronte aos meus alunos. A ideia detais posturas marcadamente demonstradoras de autoconfiança é a deque a vida profissional corrige possíveis falhas na formaçãoestudantil. De fato, ainda não duvido disso. A vida profissional, talvezpor conta de uma visão que acredita numa determinada mão invisívelque tudo endireita, que tudo corrige, é capaz de mitigar os erros deum pretenso mestre ou das astúcias de um aluno que sempre engana.Mas também, e isso me interessa vingativamente, esses mesmosimpostores criam suas próprias ciladas.

Tudo isso, porém, são coisas das bandas da graduação. Aqui, napós-graduação, a relação é diversa, as repreensões são negociadas, asameaças de fracasso sempre passíveis de serem repousadas sobre arelação orientando e orientador, e, o que tem um significado aindamais importante, a simples obtenção do título de doutor pode ser algomuito mais essencial que o sucesso do graduando na sua profissão. Lá,na graduação, a vida profissional transforma o título; aqui, nodoutoramento, o título pode ter valor próprio.

De qualquer maneira, adiantando-me a justificativas inevitáveis,sempre procurei passar a ideia de que a verdade é algo de difícilobtenção. Essa postura conciliadora ajuda muito. No caso de uma tesenas áreas que aqui priorizamos discutir, o mais seguro é relativizar ascoisas, é não simular possuir a verdadeira e definitiva conclusão sobreuma determinada hipótese. A verdade que se anuncia aos estudantesda graduação é fundamentada numa verdadeira compreensãocompetitiva da vida, na qual os atropelos do mercado fazem as vezesdo filtro que a universidade não foi capaz de fazer. A melhor verdadeque se deve anunciar na pós-graduação é repleta de receios e terminapor concluir que ela não existe e que sua busca é pretensiosa. Comisso nos permitimos concessões longas na elaboração da conclusão denossas pesquisas, inúmeras maleabilidades conceituais, voos degrande altitude sobre questões fundamentais ao nosso tema.Tamanha flexibilidade ofertada ao aluno é também devidamenteapropriada pelo orientador. Este não mais precisa se amedrontardiante da ultrapassada necessidade de tudo saber e de tudodemonstrar com precisão.

Sei. Algum leitor na espreita já começa a criticar essa minhadiscussão sobre a “verdade”. Sei, ela está na superfície. Porém, aintenção não é discuti-la e sim contextualizar o cenário de

flexibilizações ou possibilidades que se apresenta na defesa final deuma tese. Apenas isso.

Em entrevista do escritor brasileiro Ruben Fonseca a uma jovemjornalista, essa se surpreende com a grande experiência de vida doescritor. Este responde confirmando a espetacular experiência, masque essa só lhe serve para entender o que se passou, aquilo que viu,enfim seu mundo pretérito. Do futuro, diria o escritor, entendo tãopouco quanto você. Situação como essa reitera a aproximação queobservo entre orientando e orientador, caracterizada por um diálogode flexibilizações e negociações.

No ambiente da dúvida legalizada e aplaudida, é possível seaconchegar numa proteção intelectual em que o tudo saber já não nosdeve mais preocupar, ou então a assertiva fatal não mais precisa serbuscada. Estão aí as tentações que tanto consumimos nas nossasatualidades: visão multidisciplinar, múltiplas fronteiras doconhecimento, efemeridades, novas miradas, revisitas, conhecimentomúltiplo, epistemologias da complexidade, atenção a novas erepentinas emergências temáticas e, o mais fácil do fácil, posturasrelativizadas.

Lembro agora de uma banca da qual participei e me arrependi deter dito certas coisas, tudo por conta de dúvidas de como e o que falar.Com a postura acima descrita, já há muito assimilada, começo minhafala.

Posicionamento possível número um: se o candidato chegou àdefesa, estamos aqui para debater sua pesquisa. Se esteposicionamento está correto, e mais que tudo, ético, anuncio que nãohá dúvidas quanto ao mérito do título a ser outorgado em um par dehoras e a partir desse momento fico liberto para críticas exacerbadas,se este for mesmo o caso. Agora, o limite é a cortesia: com ela e com aobservação inicial tudo posso criticar. O candidato, espero, ficará

tranquilo. Como um gato estratégico, deixa o tempo passar, apenas,apegando-se no que ouviu no começo: seu título será outorgado.

Posicionamento possível número dois: não faço o anúncio inicial; aoutorga do título, neste caso, não parece ser apropriada. Esta é umasituação menos cômoda para os membros da banca. Deles será exigidauma acrobacia de gentilezas envolta em múltiplas críticas. Aqui, omembro da banca guarda o segredo da outorga do título. O acordoentre seus pares vai se construindo; atentamente escutamos osdemais e fixamos a atenção nas críticas mais graves. Ao final, nadeliberação, mais uma vez um processual de reconhecimento, até omomento em que um professor mais corajoso expressa uma críticaveemente. Uma nova porta é aberta. A parábola de “O rei está nu”, dodinamarquês Hans Christian Andersen (primeira edição 1837), onde épreciso uma criança para revelar aquilo que todos desconfiam, vem àcabeça dos membros da banca. A vestimenta do rei não existe, ele estánu, o alfaiate real desapareceu com as sedas, o ouro e materiaisexóticos. Ninguém fala nada. A má impressão causada pela tese segueescondida até que alguém a revele. O medo agora é a possibilidade deo membro seguinte notar a crítica feita pelo colega e assumi-la na suafala. Por enquanto, o rei, ele mesmo acreditando que veste oprometido pelo alfaiate, prossegue no seu desfile meio à multidão.Mas o desconforto permanece. Fora da banca, o candidato reclama doorientador, dizendo algo como: “ele poderia ter sido mais forte naminha defesa, ele poderia ter dito que aquela ideia fora dele”.

Posicionamento possível número três: elogios explícitos àpesquisa, conforto celestial durante toda a arguição, prazer pelaoportunidade em debater uma pesquisa seriamente elaborada, bemescrita, bem apresentada, criativamente formulada. O primeiromembro faz elogios exacerbados; os próximos não farão de mododiferente. São nesses momentos que o professor se atualiza, aprende,

rejuvenesce, sente-se compensado. Neste caso, as poucas críticas sãomuito mais uma demonstração de prazer do debate; critica-se porquea temática é prazerosa, a partir de um possível pequeno erro dopostulante ao título, tem-se uma provocação para prolongar aconversa sobre algo que se gosta. O candidato se fortalece e aqualquer pequena crítica posterior responderá com confiança. Fora dabanca, o mesmo candidato reclama da pequena crítica e diz que oproblema - o qual ele não acredita existir - é detalhe que não mereciaser comentado.

Como participante de bancas de defesa, sempre lembro, talvezinapropriadamente, do suspiro inicial de Rui Barbosa (1849-1923)diante dos formandos para os quais ele era o paraninfo: “Ah! se essesmoços soubessem o que eu sei!”, teria dito ele. Se pudesse, e issotalvez eu o faça no último dia de minha vida acadêmica, eu afirmaria“Ah! Se esses candidatos soubessem o que eu não sei!” A certeza detantas dúvidas da parte dos avaliadores certamente tranquilizaria oaluno. Além disso, a banca se cansa, a banca se irrita, a banca tambémpode ter medo, a banca também pode ser insegura. Nada disso adesmerece, evidentemente. Mas é sabido que o orientador sofre omedo de uma defesa malsucedida. É sabido que uma polêmica entreos colegas de arguição pode colocar em dúvida princípiosassiduamente defendidos no período de elaboração da tese junto aoseu orientando. É sabido que o professor que não é familiarizado coma temática da pesquisa, mas que fora convidado, parcialmente, porquestões operacionais ou de relação, é penitenciado na espera de suavez de falar. É sabido também que pode haver membros da bancapreocupados com seus problemas pessoais. É sabido, mas o candidatonão tem certeza disso; no máximo, desconfia. Caso ele tivesse certezadessas possibilidades, tudo lhe sugeriria tranquilidade.

Melhor que não saiba! Por conta do medo, ele realiza oscompromissos com mais esforço, toma as coisas com mais medo.Melhor que não saiba! Há chances de aquilo que digo não ser sempredesse modo.

Para a banca, muitas vezes, o tempo de apresentação do candidatoparece interminável. Os autores de referência se repetem como umaladainha, o gaguejar e a pretensiosa construção de frases do aluno sesobrepõem ao conteúdo que se quer relatar. Muitas vezes, deseja-seinterromper a apresentação e pedir que se acelere. O nervosismo docandidato pode gerar pena por parte da banca e com isso ele ganhacomplacência. Pode, também, confirmar a sensação construída naleitura da tese de que o candidato não domina o assunto ou que suapesquisa não se sustenta. Ao aluno, sugiro que adote a calma esimpatia comedida, ainda que aparente, ainda que seja aquela queapenas embace o medo que de fato ele vivencia no seu íntimo.

Sugiro também que o aluno não se afaste do tema, por maislimitada que seja a abrangência adotada na sua pesquisa. Além disso,é sabido que quanto maior o número de flancos que se abre, maioresas probabilidades de erros. Ah! Se esses moços soubessem do riscoque correm ou que não correm adotariam sem jamais duvidar osconselhos dos mais experientes: dediquem-se com prazer.

Na hora da defesa, os minutos mais se parecem com meias horas. Omembro externo, na tentativa de justificar para si próprio a vinda delonge para esse ritual, se aprofunda na leitura do trabalho, excede novolume de observações e quase sempre ultrapassa o tempo quecordialmente lhe é outorgado. O orientador, já nas primeirasdezessete ou vinte e três palavras desse membro externo, sente agarantia tranquila de uma orientação bem-sucedida ou o horror de umesforço seu que parece ter sido em vão ou, ainda pior, a confirmação

de um desinteresse ou incapacidade do candidato que agora é expostaclara e publicamente.

Ao mesmo tempo em que o orientador ouve atentamente essasprimeiras palavras do primeiro membro a falar, decididamente aquelecapaz de impor o tom que o processo tomará - construtivo,valorizador, elogioso ou destrutivo -, o outro membro da bancaconvive com as preocupações que lhe são mais particulares. Para elesurge a preocupação de o primeiro falar aquilo que ele iria falar e comisso ele vê o valor de seu pronunciamento perder valor, minimamenteo seu pretenso ineditismo, efêmero. Mais doloroso que isso é quandoo tema da tese não lhe desperta sensibilidade, quando sabe que nãoconseguirá reagir à temática em questão com a mesma devoçãoanterior assumida pelo colega de mesa. Nestes casos, palavrasparecem frases e as frases parecem livros que jamais, por iniciativa deseus próprios instintos passionais, decidiria minimamente folhear ascinco primeiras páginas. Livros, como a própria tese, que jamaistomaria a decisão autônoma de lê-los integralmente.

Agora, volto a falar da apresentação do candidato. Os erros sãosucessivos e, apesar de o candidato haver se preparado, elesprevalecem. Talvez ele não tenha discutido essa apresentação com oorientador preliminarmente. Na tela, o texto projetado é excessivo equase não cabe no espaço que lhe é dado. Talvez, na dúvida se a bancaé ou não alfabetizada, o candidato começa a ler tudo o que estáescrito. Os erros se sucedem e tudo fica enfadonho demais. A voz quefaz a leitura é cacofônica. Candidatos com teses que priorizam apalavra desconhecem o recurso da imagem, foto ou desenho e noscansam com slides meramente textuais, e sombras, e bordas.Candidatos das áreas duras ameaçam com organogramas, gráficos emfortes cores primárias e também com sombreamentos e negritosdesnecessários. Tudo isso, na maioria dos casos por absoluta

inobservância da técnica mais básica para uma apresentação gráfica.Nos casos em que os erros se atropelam uns aos outros, fazendo atémesmo tudo parecer correto, é possível entender o desinteresse dopúblico que assiste, da banca, dos amigos e dos familiares. Essesúltimos, quase sempre, mas cada vez em menor número, não têmdiscernimento daquilo que ali acontece e contam os minutos paratudo acabar. Não há permanência na fonte da letra; desenhosabstratos surgem algumas vezes, sem se relacionarem com o escrito;sombras e cores confunde-nos ainda mais frente a raciocínios escritostambém confusos. Falou-se no sumário qual caminho seríamosobrigados a caminhar; mas esse o perdemos logo no início. Porúltimo, no derradeiro slide, um “muito obrigado!” o qual seria maisadequado se substituído por “perdão!”

Único fato capaz de aplacar os erros na apresentação gráfica,desviando nossa atenção para momentos ainda mais patéticos, é ochoro de emoções em que o aluno se deixa envolver e nos envolve.Sem dúvida, neste momento de alegria ou emoção expressas pelosoluço, lágrimas e tremores labiais, a plateia, se existente, finge nadater visto. A banca, cooptada, envolve-se e retorna com uma simplesobservação para dar prosseguimento ao ritual: “muito obrigado,passamos então à arguição dos professores, iniciando com oscomentários do professor convidado”.

Antes de eu haver discorrido sobre a fala dos membros da bancadeveria haver debatido a fala do candidato, segundo a sequência usualda defesa; agora capítulo e livros estão acabando e é melhor entãodeixar essa correção para uma eventual próxima edição.

Do modo como foi descrito acima, uma banca é um ritual triste eenfadonho. Não é. Ao contrário, o relatado aqui não é nada senão umestereótipo de situações quase raras. Se não são raras, tais desgraçassão esquecidas meio a um volume muito grande de prazer científico,

de júbilo acadêmico em que ficamos impressionados como nossastarefas são tomadas a sério e com qualidade. Mais que tudo, as sessõesde defesa são um dos remanescentes do debate científico, um dospoucos momentos onde, queiramos ou não, tomamos parte de umadiscussão, onde ouvimos aquilo que colegas pensam e produzem. Orisco do ruim existe, reconheço, mas o cenário que mais me aparecena memória é o do contentamento. Das bancas o que mais tenho namemória é um cenário de entusiasmo causado não por uma tarefacumprida, mas sim pelo bom e forte desejo de continuar a fazer aquilodo qual acabei de participar.

Ao candidato temeroso da possibilidade de ter sua defesacategorizada como rara desgraça o melhor remédio é assistir a outras,aprender na imersão.

Considerações finais

Este livro está indo longe demais, começa a entediar autor eleitores.

Ele teve o propósito maior de contribuir para a árdua, masobrigatoriamente prazerosa, tarefa de se escrever uma tese.Concentrei-me muito mais na forma de apresentação do trabalho e naforma de escrita que propriamente na sua formatação rígida que deveigualmente caracterizar um documento científico. Concentrei-metambém na inserção do orientando num mundo acadêmico que lhe éestranho e na relação com seu orientador. Essa opção não resulta deuma escala de valores nas opções de temas para se discutir, claro. Foiapenas uma opção pessoal.

O mais importante a reiterar ao final deste livro é que mesmo umatese bem-feita não altera necessariamente o mundo, mas que umatese bem escrita ajuda muito. Como uma das últimas referências entreas tantas que fiz questão de trazer aqui, lembro de uma entrevistacom Mario Vargas Llossa (2009), na qual ele expõe seu amor pelaliteratura e tenta nos convencer que um bom romance muda omundo. Ele me convenceu. Nesta fé, Llossa contrapõe a literatura àciência e à técnica. Na tese, esperamos o melhor dos dois mundos.

Não é apenas na qualidade do conteúdo, mas também na perfeição daforma que é possível a boa relação entre o autor e o escritor.

Nós leitores de Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou deTolstoi, nos sentimos membros da mesma espécie porque nasobras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamoscomo seres humanos, o que permanece em todos nós, além doamplo leque de diferenças que nos separam. (Llossa, 2009, p 64).

Llossa vai longe na defesa da boa letra. Ele insiste. Ele convence.

Seu conselho, se seguido, aumenta as chances de o leitor de uma tesefixar a atenção sobre o que escrevemos. Desse modo, haverá maispossibilidades de ele entender o entendimento que construímos, ahipótese que confirmamos ou rejeitamos, a conclusão, ainda que nãodefinitiva, que julgamos correta, a indicação de continuidades dapesquisa finda, o consórcio com outros campos de conhecimento quepoderíamos ter feito, não o fizemos, mas que sugerimos para queoutros o façam.

Falar bem, dispor de uma linguagem rica e variada, encontrar aexpressão adequada para cada ideia ou emoção que se queiracomunicar, significa estar mais preparado para pensar, ensinar,aprender, dialogar e, também, para fantasiar, sonhar, sentir eemocionar-se. (Llossa, 2009, p 67).

Além da defesa da forma, também insisti na importância do bom

ambiente em que a tese é desenvolvida, sobretudo nas relações doorientando com o orientador. Isso sim quase vale uma vida.

Em alguns momentos, exagerei no deboche e no desencanto frentea situações vividas; mas, mais uma vez, não busquem, ah meus

conhecidos, identificarem-se nesta ou naquela situação relatada. Fuiesperto o suficiente para mascará-las.

Pensei em fazer uma determinada sugestão ao orientando logo noinício deste livro. Esqueci. Faço agora. Aos meus orientandos, noprimeiro encontro, aos demais, quando de uma palestra ou de umadisciplina, recomendo a leitura de três livros basilares. Aqueles quenos ajudam a subir um degrau na visão das coisas que nos cercam e nomodo de relatar o que vemos. Para aqueles que fizeram uma leiturasalteada deste meu livro, a recomendação fica ainda mais importante.Antes, bem antes do início da tese, é importante a leitura de trêsobras: Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, OsLusíadas, de Camões, e Dom Quixote de la Mancha, de Cervantes.Ler um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário, dizÍtalo Calvino (2007). Assim, justifica-se plenamente a leitura de umclássico. Para o nosso caso, para além da justificativa de essas trêsobras serem indiscutivelmente consideradas clássicas, elas revelamuma experiência singular com a palavra, chamam a atenção do leitorpela maneira como elas são usadas, ajudam a se apaixonar pelaescrita, tanto quanto pelo conteúdo de uma obra.

Em vários momentos deste livro, ameacei resvalar para apelosexcessivos à comoção, melhor dizendo, quase sentimental. Isso ficana conta do otimismo que optei por revelar. Nesta mesma conta fica azombaria. Agora que vá!

Com tanta liberdade de forma, atributo que não tive na minha tesee que desaconselho ser adotada na dos outros, posso até terminar estelivro com a citação a seguir. Um último cinismo ou deboche, mastambém um último alarde alvissareiro. Desajeitadamente épica, massincera e otimista: a letra da música de protesto We shall overcome!(data e autor desconhecido) [29]. Com tanto esforço para se terminaruma tese, tudo dará certo!

We shall overcome, we shall overcome,We shall overcome someday;Oh, deep in my heart, I do believe,We shall overcome someday.…We’re on to victory, We’re on to victory,We’re on to victory someday;…Oh, deep in my heart, I do believe,

We shall live in peace someday [30].

Referências

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[1] José Carlos Fernandes é jornalista na Gazeta do Povo desde 1989 e professor universitário apartir de 1998. Trabalha no curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFPR. Estuda leitura.

[2] Rodión Románovich Raskólnikov, protagonista de Crime e Castigo, de Feódor Dostoiévski(2001, primeira edição 1866).

[3] Personagem central de Ulisses, de James Joyce (2012, primeira edição 1922), o qual sedesenvolve em aproximadamente 18 horas pelas ruas de Dublin, Irlanda.

[4] Macunaíma: o herói sem nenhum caráter, título e personagem principal do romance deMario de Andrade (2013, primeira edição 1928): herói sem caráter, mentiroso, que se deslumbrapor São Paulo.

[5] Le Journal des Faux-Monnayeurs, no original.

[6] Do original em italiano, na mesma publicação: Io Protettore io? Ma io so l´ultima creatura delu mónno! Tu me cojóna? No, io te respècto, stercuràrio! Bacio le mani! Io te annòmino devànti aDio, tu si prottetore mio! E abbàsta accusì! (p. 146).

[7] Referência à teoria científica dos seis graus de separação, a qual indica que são necessários,no máximo, seis laços de relação de amizade para que duas pessoas estejam ligadas. Essa teoriase populariza com a peça homônima (Six Degrees of Separation), com direção de John Guare,em 1990 e com o filme de mesmo nome (direção de Fred Schepisi, com Will Smith), de 1993.

[8] Referência à letra da música Nos libertés, trilha sonora do filme À nous deux (direção deClaude Lelouch, 1979), de Francis Lai (1979), onde se diz: “Todas as leis me causam ódio ... desdeminha infância, eu tenho guardado sua lição: se nossas liberdades começam pela escolha denossa prisão, o preço dessa nuança, todos nós a pagaremos”.

[9] A despeito de negado por Graciliano Ramos, o romance Angústia seria recorrentementecomparado a Crime e Castigo (2001), de Fiódor Dostoievski, lembrado na sequência destecapítulo.

[10] Subdivisão de uma composição que consiste em uma ou mais sentenças, trata de umaquestão ou transmite as ideias de um interlocutor, e começa, intencionalmente, em outra linha;uma composição ou nota curta que se completa em um parágrafo (tradução do autor).

[11] Divisão de um texto de prosa, de um discurso, de um capítulo que aparece tipograficamentepor uma alínea inicial. (Nas referências, o parágrafo é marcado pelo símbolo §, denominadotambém de parágrafo (tradução do autor).

[12] Situação aparentemente insolúvel, sem saída. Dificuldade ou dúvida de raciocínio queimpossibilita resposta a uma questão filosófica.

[13] Aposiopese: uso da interrupção intencional do texto, com uso de reticências.

[14] Conclusões são o ponto fraco de muitos autores, mas parte do erro repousa na próprianatureza da conclusão, a qual, na melhor das hipóteses, é uma negação. Ou, como devemosdizer: a lógica suspensa e dispersa da narrativa é tal que um fechamento conclusivo – não

interessa o qual naturalmente ou originalmente isso resulte da história – sempre resulta emdescontinuidade (ou em oposição) a ela (tradução do autor).

[15] Provavelmente, esse tem sido sempre o caso: uma vez que a ação seja recontada, porpropósitos intransitivos, e não mais com a intenção de agir diretamente sobre a realidade - ouseja, finalmente externa a qualquer função, salvo ao próprio exercício do símbolo - essadesconexão ocorre, a voz perde sua origem, o autor parece começar a morrer, a escrita começa… Sabemos que o texto não consiste de uma linha de palavras, liberando um simples significado“teleológico” (a mensagem do Autor-Deus), mas é um espaço de diferentes dimensões, nas quaissão diminuídas e contestadas as várias formas de escrita, nenhuma é original: o texto é umtecido de citações, resultante de milhares de fontes de culturas (tradução do autor).

[16] Referência ao uso do papiro ou pergaminho, os quais eram utilizados, raspados, utilizados,raspados, .... inúmeras vezes; constituindo um acumulado de texto e informações sobrepostas.

[17] Tenho como do poeta Paul Eluard (1895 - 1952) a recomendação que para um bomtrabalho literário é necessário 10% de inspiração e 90% de transpiração.

[18] Vejo árvores de verde, rosas vermelhas também,Vejo-as desabrocharem, para mim e para você,Vejo céus de azul e nuvens de branco,O dia abençoado e radiante, a noite sagrada e escura,E eu penso para mim mesmo, que mundo maravilhoso! (tradução do autor)

[19] Ninguém lê uma tese (tradução livre). Este texto de Voltaire teve sua autoria negada maisde uma vez. Todavia, compõe as Obras Completas do autor. Neste processo de defesa de teseestavam em jogo os interesses dos padres jesuítas em combater determinadas ideias quepudessem corroborar aquilo já apresentado no trabalho dos enciclopedistas franceses. Aobservação aqui citada é a de um jesuíta.

[20] Referência ao movimento literário Parnasianismo que propunha uma Arte pela Arte, sem ocompromisso com quaisquer outros elementos que não a própria arte. Valorizava a forma, quelhe era sagrada, adotando, por exemplo, a rima na poesia.

[21] Eu vi minha vida ramificando-se diante de mim como a figueira verde da história. Na pontade cada galho, como um figo gordo e roxo, um futuro maravilhoso acenou e piscou. Um figo eraum marido, um lar feliz e filhos, e outro figo era uma poeta famosa e consagrada, e outro figoera uma professora brilhante, e outro figo era Ee Gee, o impressionante editor, e outro figo era aEuropa, a África e a América do Sul, outro era Constantino e Sócrates e Átila e outros váriosamantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, outro ainda era uma campeã olímpica....(tradução do autor).

[22] Nenhum dia sem linha (tradução do autor).

[23] Professor: Aluno Hamlet!Aluno Hamlet (se levanta em susto): ... Hein ... O quê? ... Perdão .... O que acontece ... O que

há ... O que é? ...Professor (descontente): Poderia responder “presente” como todo mundo? Impossível. Você

está sempre no mundo da lua.Aluno Hamlet: Estar ou não estar nas nuvens!Professor: Chega. Chega de tantas articulações. Conjugue o verbo ser, como todo mundo.

Isso é tudo que lhe peço.Aluno Hamlet: To be...Professor: Em francês, por favor, como todo mundo.Aluno Hamlet: Sim senhor (ele conjuga)Eu sou ou eu não souTu és ou tu não ésEle é ou ele não éNós somos ou nós não somos ...Professor: (excessivamente descontente)Mas é você que não está aqui, meu caro!Aluno Hamlet: Exatamente Senhor Professor,Eu estou “onde” eu não estouE, no fundo, pensando bem,Ser “onde” não se estáÉ talvez também a questão. (tradução do autor)

[24] ... o único tipo de gente que me ocupo são os loucos, aqueles que são loucos para viver,loucos para falar, loucos para serem salvos, desejosos de tudo ao mesmo tempo, aqueles quenunca bocejam ou dizem algo lugar comum, mas que queimam, queimam, queimam comofabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas (tradução doautor).

[25] To Sir with Love e Entre les Murs (títulos originais)

[26] Termo utilizado em sentido figurado para descrever o interlocutor mais interessado naargumentação e convencimento que propriamente na verdade.

[27] Referência feita à resposta de Issac Newton quando lhe perguntaram sobre sua produçãogenial. Sua explicação, humilde, é de que se pudera enxergar mais longe foi porque estava sobreos ombros de gigantes. Referências anteriores a Newton também são encontradas.

[28] O mais perfeito exemplo de tudo aquilo que vi de genialidade tal qual tradicionalmenteentendido: apaixonado, profundo, intenso, e dominador (tradução do autor).

[29] Vários intérpretes a cantam. Sugiro ouvir versão de Joan Baez, no início de sua carreira,começo dos anos 1960. Não deixem de ouvir a música; ao contrário, a citação perde valor.

[30] Nós superaremos, nós superaremos,Nós superaremos algum dia;Oh, do fundo de meu coração, eu acredito,Nós superaremos algum dia;...Caminhamos para a vitória, caminhamos para vitória;Caminhamos para vitória algum dia;

...Oh, do fundo de meu coração, eu acredito;Viveremos em paz algum dia (tradução do autor).