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ÍNDICE INTRODUÇÃO................................................................................................................ 2 CAPÍTULO 1: A CANDIDATURA ................................................................................ 5 Breve contextualização geográfica e cultural ................................................................... 6 1.1 Objectivos .............................................................................................................. 8 1.2 Candidatura.......................................................................................................... 14 1.3 Projecto ................................................................................................................ 17 1.3.1 Constituição ................................................................................................... 17 1.3.2 Motivações ................................................................................................... 19 1.3.2.1 A Identidade ............................................................................................... 19 1.3.2.2 A História ................................................................................................... 25 1.3.2.3 A Memória.................................................................................................. 30 1.4 A Associação ........................................................................................................ 35 CAPÍTULO 2: A DINÂMICA ....................................................................................... 39 2.1 Conversas ............................................................................................................ 41 2.2 Entrevistas ........................................................................................................... 42 2.3 Sites...................................................................................................................... 44 2.4 Periódicos ............................................................................................................ 50 2.5 Encontros científicos ........................................................................................... 52 CAPÍTULO 3: O PATRIMÓNIO IMATERIAL NA CANDIDATURA E NOS MUSEUS ........................................................................................................................ 57 3.1 Candidatura........................................................................................................... 57 3.1.1 Bases .............................................................................................................. 58 3.2 Museus .................................................................................................................. 60 3.2.1 Ecomuseu de Barroso .................................................................................... 67 3.2.2 O caso dos museus galegos ........................................................................... 78 3.3 Promover o património imaterial: algumas propostas de actividades adicionais a desenvolver/ coordenar por museus no Norte de Portugal e na Galiza ...................... 88 CONCLUSÃO................................................................................................................ 92 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 96

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ÍNDICE INTRODUÇÃO................................................................................................................ 2 CAPÍTULO 1: A CANDIDATURA ................................................................................ 5 Breve contextualização geográfica e cultural................................................................... 6

1.1 Objectivos.............................................................................................................. 8 1.2 Candidatura.......................................................................................................... 14 1.3 Projecto................................................................................................................ 17

1.3.1 Constituição................................................................................................... 17 1.3.2 Motivações ................................................................................................... 19 1.3.2.1 A Identidade ............................................................................................... 19 1.3.2.2 A História ................................................................................................... 25 1.3.2.3 A Memória.................................................................................................. 30

1.4 A Associação ........................................................................................................ 35 CAPÍTULO 2: A DINÂMICA....................................................................................... 39

2.1 Conversas ............................................................................................................ 41 2.2 Entrevistas ........................................................................................................... 42 2.3 Sites...................................................................................................................... 44 2.4 Periódicos ............................................................................................................ 50 2.5 Encontros científicos ........................................................................................... 52

CAPÍTULO 3: O PATRIMÓNIO IMATERIAL NA CANDIDATURA E NOS MUSEUS........................................................................................................................ 57

3.1 Candidatura........................................................................................................... 57 3.1.1 Bases.............................................................................................................. 58

3.2 Museus.................................................................................................................. 60 3.2.1 Ecomuseu de Barroso .................................................................................... 67 3.2.2 O caso dos museus galegos ........................................................................... 78

3.3 Promover o património imaterial: algumas propostas de actividades adicionais a desenvolver/ coordenar por museus no Norte de Portugal e na Galiza ...................... 88

CONCLUSÃO................................................................................................................ 92 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 96

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INTRODUÇÃO

O caso em estudo apresenta como título Candidatura de Património Imaterial Galego

Português, o que não significa que o património imaterial contemplado pela candidatura

em questão (que foi traduzido para inglês como Oral Traditions) assente

exclusivamente na oralidade. A relevância dos documentos escritos em cada uma das

práticas ditas orais neste contexto está ainda por apurar, pelo que se percebe após a

leitura da candidatura1. Por outro lado, a dinâmica que envolve o processo de

candidatura revela que esta última serviu para criar objectos de cultura (ainda que de

essência denominada de “intangível” ou “imaterial”). Estes objectos são pontos-chave

para a constituição de um conceito de identidade cultural que se verá ser mais desejado

por Galegos que por Portugueses2. Seria interessante, nesta perspectiva, analisar a

criação de objectos de cultura em estudo revisitando os conceitos de evolução da

memória preconizados por Leroi-Gourhan (1993), Jack Goody (1987, 1988) e Jacques

Le Goff (1984). Como se verá, foram invocados e recriados intrumentos heterogéneos

como vestígios arqueológicos e elementos simbólicos da cultura celta e a oralidade

como meio de transmissão privilegiado de conhecimentos fundamentais para a

identidade social. Numa fase da História em que a memória está em transbordamento

(cf. Le Goff, 1984, p. 13), como irei realçando ao longo do estudo, estes instrumentos

foram escolhidos e trabalhados com objectivos definidos.

Esta candidatura despertou-me a atenção por ser um projecto que não foi aprovado mas

que mobilizou a opinião pública galega. Este último aspecto é de interesse, uma vez que

a candidatura que se propôs é a de um património partilhado entre a Galiza e o Norte de

Portugal. E em Portugal (Norte ou outras regiões) a atenção pública dedicada à

candidatura foi muito inferior à galega. Surgiu então a questão: qual o papel dos museus

neste contexto? Procurei perceber como estas instituições têm lidado com o património

imaterial, particularmente após o início do processo que culminou com a redacção da

candidatura e a sua apresentação à UNESCO. No âmbito do Norte de Portugal elegi

como estudo de caso um museu que tem desenvolvido um trabalho de relevo

estreitamente ligado ao património imaterial: o Ecomuseu de Barroso. No que diz

respeito à Galiza quis focar um museu que, sendo de fronteira, evidencia formas de ver

e trabalhar o património diferentes das do Norte português: o Museo Aberto do Couto

1 Sobre a relação dos documentos escritos e práticas orais vd. Lima (1997, pp. 47-85). 2 Sobre a objectificação cultural ver, p. e., Félix (2003, p. 226) e Handler & Gable (1997).

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Mixto, de Calvos de Randín. Para completar o panorama galego fazem-se ainda

observações pontuais sobre outros museus.

Procurar-se-á justificar esta produção cultural por se tratar de uma candidatura de

património imaterial a reconhecimento pela UNESCO, pela necessidade que uma região

– a Galiza – tem desde há alguns anos de se afirmar no mapa autonómico espanhol com

estruturas que fundamentem diferença baseada em autenticidade. Esta autenticidade

reside nas “raízes”, personificadas pela camada mais idosa e ruralizada da população;

pouco alfabetizada, a transmissão de conhecimentos de que é vista como depositária é

feita por via oral.

Apesar de se tratar de uma candidatura da euroregião Galiza-Norte de Portugal, vai-se

tornar claro que o seu motor é a nação histórica Galiza, tendo esta procurado reforço ao

aliar o Norte português ao projecto. O meu propósito é indagar as razões que levaram a

esta candidatura, fruto de uma dinâmica patrimonial que envolveu pessoas e organismos

com características, visões e pretensões muito diversas.

Será dada atenção ao processo político desencadeado pela candidatura. Tal justifica-se

pelos reflexos tidos, que se traduzem, a título de exemplo, nas instituições museológicas

surgidas e sustentadas por instâncias públicas. A incidência deste aspecto vai-se tornar

evidente nas manifestações de cariz nacionalista, mesmo quando o fundamento que se

lhes procura dar é eminentemente cultural. O nacionalismo vai ser encarado ao longo

deste trabalho como sinónimo de coesão social e auto-representação colectiva (cf.

Hobsbawm, 2005, p. 311), procurada no seio da euroregião tanto por organismos

públicos como por grupos de indivíduos, que assim definem identidade.

São as estratégias encontradas para definição de uma identidade própria em cada estudo

de caso que escolhi que vão ser analisadas. Este processo é relevante por envolver dois

territórios que, sendo confinantes, são de pertença política estatal diferentes. A

elaboração da candidatura mostra a existência de uma vontade de apoio mútuo

internacional (pelo menos inter-regional), de capitalização das semelhanças; uma

análise menos superficial evidencia construções e manuseamentos de conteúdos. Qual o

motivo desta discrepância? Tendo em consideração que foram dois antropólogos que

trabalham com o património imaterial do Norte de Portugal e da Galiza – portanto

considerados especialistas – a elaborar o texto da candidatura, é necessário inquirir para

além da componente científica. Estes antropólogos realizaram o trabalho de acordo com

as orientações que receberam da associação pedagógica Ponte... nas Ondas!, a produtora

e dinamizadora da ideia. Esta associação tinha à data da redacção da candidatura

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objectivos definidos, um dos quais – o evidenciar da dimensão da diáspora patrimonial

– foi a razão maior que a UNESCO invocou para não classificar o património imaterial

galego-português.

Ao fazer uma caracterização da associação, dos demais intervenientes no processo de

candidatura e de pessoas e instituições que trabalham o património imaterial na Galiza e

no Norte de Portugal pretendo contribuir para o aprofundamento do papel

desempenhado pelas representações associadas ao património imaterial nos debates de

cidadania. É necessário perceber, neste contexto, as diferentes formas de ver e trabalhar

o património imaterial, assim como as motivações geradas.

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CAPÍTULO 1: A CANDIDATURA

… the fate of tradition as a way of life in the present.

(Marcus & Mascarenhas, 2005: xiii)

A 17 de Outubro de 2003 a UNESCO adoptou a Convenção para a Salvaguarda do

Património Imaterial, na sua 32ª sessão. A partir desta data tornou-se possível elaborar

projectos de classificação de património imaterial, e dois anos depois, em Dezembro de

2005, foi apresentado o projecto de classificação do património galego-português. A

UNESCO não considerou este projecto estruturado para que se concedesse o estatuto de

Obra Prima do Património Oral e Intangível da Humanidade ao proposto, sugerindo

uma reelaboração e posterior recandidatura.

Os critérios contemplados pela UNESCO para a consideração das propostas de

património imaterial são os seguintes:

• Ser transmitido de geração em geração

• Ser constantemente recriado por comunidades e grupos, como resposta ao seu

ambiente, à sua interacção com a Natureza e à sua História

• Providenciar às comunidades e grupos um sentido de identidade e continuidade

• Promover o respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana

• Ser compatível com os instrumentos internacionais de regulação dos direitos

humanos

• Corresponder ao requerido no que se refere ao respeito entre comunidades e de

desenvolvimento sustentável3

O vínculo entre a paisagem e o espírito [...] estava na origem da mais poderosa de

todas as metáforas exploradas pelo seu autor (in Marot, 2006, p. 64). Foi o dito de Kay

Larson a propósito da obra artística de Robert Smithson (1938-1973). É uma afirmação

que se pode utilizar para definir também o que a candidatura do património imaterial 3 http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?pg=00002 (26/05/07).

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galego-português ao reconhecimento pela UNESCO pretendeu transmitir. É a ligação

do homem ao ambiente e às condicionantes que este impõe que faz surgir todo um

conjunto de manifestações culturais, às quais se deu a denominação de património

imaterial por melhor mostrar que é a mente que é criativa e encontra soluções para os

desafios, servindo-se de objectos para concretizar as soluções encontradas e materializar

conceitos e visões. Como diz Marot, citando Robert Smithson, “uma ruína das antigas

fronteiras” entre o espírito e a matéria [...]” (in Marot, 2006, p. 64). O processo de

simbolização, no âmbito do abstracto, pertence portanto ao domínio intelectual (logo

incorpóreo). Este conceito é essencial para a compreensão do património imaterial, uma

vez que é este género de manifestação cultural que mais se aproxima do processo

mental de apropriação e interpretação do mundo envolvente conseguido através da

simbolização.

Breve contextualização geográfica e cultural

Bernardo Bernardi (1974, p. 25) sustenta que a cultura está ligada à Natureza, na

medida em que deriva das formas que o género humano encontra para se adaptar ao

ambiente que o envolve. De aí que seja importante ilustrar o contexto geográfico das

culturas que aqui se tratam, para que as manifestações que se incluem no património

imaterial sejam correctamente e completamente entendidas.

O contexto geográfico cultural é contudo muito menos exacto e mais polémico. Já

Ramón del Valle-Inclán (1866-1936) propunha a divisão de Espanha entre as regiões do

Levante, de Castela e da Cantábria, com a região do Bierzo como ligação entre as três

(Sociedade Estatal Lisboa 98, pp. 53 e 59). E este é apenas um dos inúmeros exemplos

de intelectuais (alguns dos quais mencionaremos em altura própria no desenvolvimento

deste trabalho) que propuseram e propõem geografias culturais não correspondentes às

territoriais efectivas.

O projecto em questão pretendeu abranger as manifestações de património imaterial já

descriminadas presentes no Noroeste da Península Ibérica, concretamente os territórios

da Galiza e da região Norte de Portugal (Minho, Douro Litoral e Trás-os-Montes).

Estruturas orográficas como as serras do Gerês e do Larouco, assim como os rios Minho,

Lima e Tâmega estreitam a relação entre o Norte de Portugal e a Galiza, por se

estenderem pelos dois territórios. Conforme mencionado por Orlando Ribeiro e no

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projecto de candidatura4, esta euroregião atlântica com a extensão aproximada de

50.000 km² e cerca de seis milhões de habitantes5 implanta-se geograficamente entre o

oceano Atlântico e o Mediterrâneo, o que lhe confere especificidade.

Os grupos sociais depositários da maior parte do património imaterial são de pequena

dimensão e congregam-se em aldeias, apesar de se verificarem algumas comemorações

de festas tradicionais em cidades de média e até grande dimensão (Viana do Castelo,

Guimarães, Vigo, Santiago de Compostela...).

Alguns dos aspectos em comum destes grupos de ambos os lados da fronteira são:

• Pouca ou mesmo inexistente alfabetização, dado que são maioritariamente

compostos por pessoas de idade mais ou menos avançada, que não tiveram

oportunidade de estudar durante a infância. Dado o envelhecimento geral da

população não existem jovens que possam absorver o conhecimento transmitido

pelos mais velhos. E mesmo entre os jovens destes grupos sociais é frequente o

desinteresse por este género de património de que os mais velhos são detentores,

uma vez que este derivou de actividades cuja maioria não se pratica na

actualidade; logo, a função utilitária que justifica os conhecimentos em questão

não existe.

• A localização geográfica, mais interior e menos de litoral. A distanciação dos

grandes centros populacionais torna possível em bastantes casos a preservação

de modos de vida rurais ainda enraizados em épocas passadas, pois os meios de

comunicação e informação a nível global que raramente ultrapassam a televisão

(e esta centrada nos canais nacionais) e se pratica uma economia de subsistência,

com forte ligação à terra e aos ciclos agrários. O esforço governamental a que se

tem assistido nos anos de 2006 e 2007, no sentido de informatizar e dotar os

núcleos de população mais pequenos e isolados de Portugal de meios de

comunicação e informação mais sofisticados não aparenta resultados imediatos.

Isto é compreensível pois, além da ausência de uma metodologia de acção

integrada na realidade social presente, verifica-se que os trabalhos que as

pessoas desenvolvem permitem apenas subsistir economicamente e são ainda

muito árduos; resta por isso pouco tempo para a aprendizagem de técnicas que

4 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), p. 17. 5 Veja-se a definição em http://www.galicia-nortept.org/euroregion.asp (15/02/08).

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não são necessárias (sobretudo a camadas populacionais mais idosas) e ainda

menos dinheiro para a aquisição e manutenção de equipamentos.

A existência destas comunidades num âmbito geográfico tendencialmente

uniforme torna as ditas actividades de subsistência bastante similares; assim, é

inevitável que as manifestações daí decorrentes e que foram consideradas

património imaterial se assemelhem. Alguns dos elementos comuns que

resultaram da implantação no território desta euroregião foram o uso da pedra na

arquitectura, na forma de habitar o território e as distâncias existentes entre cada

núcleo habitacional, assim como o minifúndio, segundo Orlando Ribeiro6.

• Uma história em que, desde os primórdios e passando por ocupações que

deixaram marcas como a celta (reivindicada mas de contornos obscuros) e a

romana, houve identidade e interacção sócio-cultural, conforme se deduz das

tradições e linguagem hoje consideradas património. Acresce-se ainda a

demarcação desta euroregião das que se situam mais a Sul, tanto em Portugal

como em Espanha, onde a influência da cultura árabe é acentuada.

1.1 Objectivos

A melhor forma de iniciar a caracterização desta candidatura é lembrando Leroi-

Gourhan, quando diz que a matéria memorável é constituída pelo triplo problema do

tempo, do espaço e do homem (1983). Foi esta matéria memorável que foi “descoberta”

pelos promotores, que então a quiseram fundamentar e articular coerentemente para

(re)criar um passado colectivo.

A candidatura visou o reconhecimento de cinco formas de manifestação cultural: 1)

literatura oral, música e dança, 2) simbologia decorrente do contexto ecológico e

histórico, 3) festividades relacionadas com os ciclos agrários e da natureza, 4) falares

com pontos em comum no que diz respeito ao léxico, à morfo-sintaxe e à fonética, 4)

conhecimentos e hábitos ligados à vida marítima e fluvial, 5) formas de cultura agrária,

6) saberes e ofícios artesanais, e foi aceite pela UNESCO por cumprir o requisito de ser

uma “cultura viva e em perigo de extinção”, visto que as mudanças sociais e

6 Op. Cit., p. 17.

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económicas implicaram uma progressiva debilitação de grande parte das manifestações.

Imagem 1 Cesteiro – Paredes do Rio (Montalegre). Fonte: Baptista, 2006, p. 76.

“A proclamação deste património comum como Obra-Mestra do Património Oral e

Imaterial pela UNESCO pressuporá o reconhecimento internacional de todas estas

formas de expressão que se mantiveram na memória colectiva de ambos os povos ao

longo dos séculos e que constituem um tesouro invisível para o futuro.”7. Chama-se a

atenção para a passagem em que se fala da vontade de atingir o reconhecimento

internacional: o(s) grupo(s) que candidata(m) o seu património considera(m)-(n)o de tal

modo importante que aspira(m) ao reconhecimento do mesmo não só pelos seus

conterrâneos como por todos os demais habitantes do mundo, o que conferiria prestígio

e valor acrescentados aos que já são intrínsecos ao património em questão.

Ao longo da candidatura e sobretudo na parte denominada Action Plan verifica-se

existir uma preocupação em criar postos de trabalho relacionados com as actividades e

estruturas a desenvolver na sequência do tratamento do património imaterial. Este é um

objectivo importante, pois ao promover-se a fixação de pessoas nas zonas em questão –

que sofrem de desertificação humana –, e sobretudo de pessoas jovens, facilita-se a

7 http://www.opatrimonio.org/pt/principal.asp (16/05/07).

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transmissão geracional e contribui-se para a manutenção das manifestações culturais

que ainda existem. As infra-estruturas turísticas têm assim possibilidade de implantação,

o que desenvolve economicamente as regiões e as torna apetecíveis como locais de

trabalho e residência.

Um outro objectivo é a vontade de formar pessoas para o desenvolvimento de trabalho

relacionado com o património imaterial, o que constituiria uma mais-valia em regiões

nas quais o nível de escolaridade é bastante baixo e, em simultâneo, conferiria

instrumentos de desenvolvimento próprios para fomento de iniciativas privadas.

Passo a citar os objectivos e propostas plasmados no site da candidatura:

Língua

”Se temos uma base de expressões do património imaterial que ainda dão mostras da unidade deste sistema linguístico comum, a língua galega deve formar parte desta família linguística, deste tronco comum. Se defendemos esta unidade cultural e este património comum, propomos que a língua da Galiza seja o galego e que este forme parte do sistema linguístico galego-português presente noutros países. Por este motivo propomos que a Galiza faça parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, no seio da qual se devem reconhecer as características próprias da língua galega. Dado que o galego-português foi a língua em que se produziu e enriqueceu o tesouro do nosso património imaterial, a normativa da língua galega respeitará e promoverá as soluções comuns ao sistema linguístico galego-português e dará soluções às novas incorporações de léxico, de acordo com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Da mesma maneira, a toponímia galega, património imaterial comum a Portugal, terá como única forma a expressa no nosso idioma. Neste sentido, propomos que a denominação do nosso país seja Galiza. Organização territorial - Propõe-se que, na nova redacção do Estatuto desapareça o conceito de província, por não se adequar à realidade geográfica galega. - Deveria estabelecer-se um modelo de comarcalização com competências em áreas que se delimitarão claramente e ter-se-ão em conta as áreas metropolitanas que tenham características específicas. - Dentro dos concelhos, dotar-se-ão de estrutura jurídica própria as paróquias, reconhecendo-as como células fundamentais da composição do país e nas quais se encontram enraizados o Património e os seus portadores. Temos, em Portugal, um exemplo de organização local mais apropriada à realidade territorial da Galiza e em que o sistema municipal se estrutura a partir da freguesia. Representatividade exterior Se o nosso património imaterial galego-português se encontra espalhado pelo mundo, até onde os portadores o levaram, esta diversidade e riqueza cultural deve ser objecto de especial atenção. Por este motivo, a representação exterior do governo Galego deve figurar como um dos objectivos prioritários do novo Estatuto.

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- O Governo Galego terá representação exterior nas questões estratégicas para o desenvolvimento da Galiza, tanto nos sectores produtivos como na cooperação exterior e na difusão cultural, mediante a preparação de espaços normativos adequados. - A participação na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ou a representação na UNESCO e outros organismos de carácter cultural deverão contemplar-se no Estatuto. - Estabelecer-se-ão relações privilegiadas com Portugal, nomeadamente com a Região do Norte, para fortalecer os laços históricos que nos unem. - Se a diáspora é o capital humano que pode possibilitar as relações especiais com certas áreas do mundo, a cultura e a língua podem aproximar-nos do universo lusófono, com o qual é necessário estabelecer redes específicas e plurais no campo económico, empresarial, cultural, educativo, etc. Galiza a 4 de Maio de 2006”8.

Verifica-se que neste discurso existe uma vontade de independência por parte da Galiza

(note-se que o texto foi escrito nesta nação), que para fazer frente ao estado central não

hesita em aliar-se à vizinha zona norte de Portugal fundamentando a sua opção pela

irmandade cultural; este argumento apela a sentimentos de enraizamento, origem,

ancestralidade e acaba por possuir mais força e legitimidade que razões de carácter

imediato (como a economia ou a política).

Movements for regional autonomy and arguments supporting regional distinctiveness

have, in contrast to Spain and many other countries, been relatively muted in

continental Portugal, where folk culture has generally been deployed to represent the

Portuguese nation as a whole (Klimt & Leal, 2005, p. 13). A maior força e

desproporcional à vertente portuguesa que a dinâmica da candidatura revela contribui

para fundamentar esta afirmação. O que parece ser uma ferramenta para os Galegos é

apenas uma vantagem pouco significativa que pode concretizar-se através de pequenos

e eventuais retornos económicos e sociais pela valorização de alguns aspectos da cultura

para os Portugueses, mas cuja reduzida escala não parece merecer um grande empenho

entre as elites que têm o poder de revestir o processo de maior importância.

A questão da diáspora cultural é de grande interesse. Foi considerada um ponto fraco da

candidatura pelos envolvidos na legitimação do património relacionados com a

UNESCO, por tornar o âmbito deste mesmo património demasiado abrangente para as

intenções de classificação que o dito organismo tinha para o ano de 2005. É curioso

observar que regiões pertencentes a dois países com a mais antiga tradição colonial e

que, no caso português, tiveram algumas descolonizações traumáticas, pretendem

recuperar os laços com as culturas dos antigos pedaços de terra que já estiveram

8 http://www.opatrimonio.org/pt/noticias.asp#82 (16/03/07).

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virtualmente unidos, mesmo quando se verificou que, aquando da descolonização, se

cultivou em diversos locais uma posição de recusa de qualquer elemento que pudesse

servir de ponto de identificação com a potência ex-colonizadora9. As nações então

emergentes pretendiam criar a sua identidade a partir desta recusa (cf. Klimt & Leal,

2005, p. 14). Assim, a proposta de alargamento do reconhecimento patrimonial desta

candidatura assentaria por um lado nos países ex-colonizados que demonstram (por

meio de instituições e manifestações públicas diversas) o orgulho nas influências

portuguesas e espanholas recebidas, e por outro na aposta do esquecimento e

distanciação de épocas históricas traumáticas10. O reconhecimento do património

imaterial seria então um passo para a aproximação ou re-aproximação de culturas e para

o estudo isento de qualquer intenção de manipulação das manifestações patrimoniais.

Uma outra face desta intenção de valorizar o património com raízes no Norte português

e na Galiza é a de integrar as comunidades emigrantes, que se socorrem de elementos

representativos da cultura de origem para conservar a memória do local em que

nasceram (ou nasceram os seus ancestrais), num sistema definido (o património

classificado) que fizesse sentir a cada uma das comunidades e a cada um dos seus

membros a pertença a uma metaestrutura. Conseguido este objectivo, materializar-se-ia

uma ferramenta que as comunidades emigrantes podiam utilizar na consolidação da sua

posição no seio da entidade cultural e política de implantação (cf. Klimt & Leal, 2005, p.

14).

A língua é outro ponto que vale a pena explorar a partir de uma citação de António

Medeiros: “No Minho, logo que nos afastamos uns poucos quilómetros da fronteira

torna-se muito difusa a percepção do galego como uma língua diferenciada do

castelhano, até acontece frequentemente que seja ignorada a sua existência”. O autor

segue dizendo que conhecidos seus Galegos mencionavam com frequência que eram

mal entendidos pelos Portugueses e que estes tentavam falar-lhes num espanhol

incorrecto (Medeiros, 2003a, pp. 340 e 341), não procurando expressar-se num dialecto

9 Neste contexto é digno de nota o paradoxo que se cria entre a vontade de esquecimento de actos socialmente traumatizantes praticados pelas potências dominantes presente em antigas colónias e recriação da Rota do Escravo pela associação Ponte... nas Ondas! (cf. http://www.opatrimonio.org/pt/escolasunesco.asp?ver=B#1, 24/02/08). A associação tenta criar laços recorrendo a elementos históricos comuns, confiando na distância temporal para dar novos significados ao tema. 10 Na candidatura são apontados os seguintes países que receberam influência pela diáspora galego-portuguesa: Brasil, Cuba, Argentina, México, América Latina, Cabo Verde, Angola, os PALOP, Oeste europeu, África do Sul e Goa (Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português, (2005), p. 6).

12

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que teria mais pontos em comum com o português e que, segundo o discurso

apresentado na candidatura, é uma reivindicação do conjunto da euroregião. A proposta

feita em relação à língua, que vem na sequência do pretendido pelo Movimento Defesa

da Língua (http://www.mdl-galiza.org/) e da Associação Galega da Língua

(http://www.agal-gz.org/), justifica-se sobretudo pelo poder de transmissão ideológica,

pelo valor semiótico que um idioma possui, uma vez que o galego tem tido uma vida

independente de qualquer influência portuguesa, e com uma vertente muito relacionada

com tendências políticas de cariz nacionalista e autonómico. Note-se que um dos

principais objectivos da galega Hirmandade da Fala (nascida em 1916, aparecendo

depois outras) foi a criação da cultura da Galiza (Medeiros, 2006, pp. 108 e 113), o que

evidencia a estreita ligação entre língua – enquanto forma específica de linguagem – e

cultura.

A quase totalidade da valorização dada à língua como ponto de união entre Portugueses

do Norte e Galegos nasce destes últimos, pois tal unificação fortalece a individualidade

que a nação galega quer afirmar perante o Estado espanhol. É no entanto preciso

evidenciar o facto de que as propostas reintegracionistas de mínimos e de máximos

feitas na Galiza não foram adoptadas nem oficialmente nem por uma quantidade

significativa de Galegos, continuando a vigorar o uso da norma isolacionista ou

autonomista e estando bastante longe a possibilidade de aceitação do exclusivismo

lusista11. A base sobre a qual assenta o argumento dos promotores da candidatura (o

facto de algumas expressões de património imaterial se manifestarem em galaico-

português tanto em Portugal como na Galiza) não é sólida, pois através da leitura do

texto da candidatura (encarado aqui como documento fundamentador no qual os

promotores tiveram a oportunidade de apresentar todos os argumentos em favor da sua

pretensão), se percebe que são pontuais as manifestações em que tal acontece – Entrimo,

Lóbios e algumas zonas de Castro Laboreiro, Barroso e Terras de Bouro –, constituindo

mais a excepção que a regra. Logo, e não desvalorizando o fim apresentado de

consolidar um património comum, é patente um propósito, inserido num discurso

nacionalista, que aliás se transmite pela articulação das citações supra do texto presente

na página oficial da candidatura divulgado na Internet. Com base nas observações acima

mencionadas de António Medeiros e em outras feitas por mim, que me levam às

mesmas conclusões, pode dizer-se que a vontade de unificação linguística partirá mais

11 Vd. http://membres.lycos.fr/questione/documentos/cuadro_comparativo.html; http://www.culturagalega.org/especiais/reforma/contexto.htm (05/02/08), p. e..

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dos círculos académicos que de uma necessidade sentida pela totalidade ou maior parte

dos falantes: os fundamentos apresentados que têm mais força são os da história e da

óbvia semelhança fonética. No entanto a população portuguesa do Norte tende a falar

em espanhol aos Galegos, sem se esforçar em aprender o galego, porque os encara como

Espanhóis; do âmbito territorial bem definido que é a Galiza, é certo, mas sempre

pertencentes ao Estado espanhol e como tal distantes a todos os níveis da cultura

portuguesa.

Quando se pensa a língua como veículo privilegiado de memórias assentes em núcleos

de pessoas com alfabetização nula ou básica (detentores primeiros do património

imaterial em questão) é compreensível que esta seja tornada instrumento na “luta das

forças sociais pelo poder” para que os Galegos e Portugueses, com especial incidência

nos primeiros como se tem vindo a afirmar, possam gerir autonomamente as sociedades

históricas de que fazem parte. No contexto em questão pode-se perceber em última

instância a importância da língua através das palavras de Le Goff: “[...] a memória

colectiva não é somente uma conquista, é também um instrumento e um objectivo de

poder. São as sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou que estão em vias de

constituir uma memória colectiva escrita que melhor permitem compreender esta luta

pela dominação da recordação e da tradição [...]” (itálico meu. Le Goff, 1984, pp. 13 e

46).

1.2 Candidatura

A candidatura que aqui serve de caso de estudo foi promovida e delineada pela

Associação Cultural e Pedagógica Ponte...nas Ondas!, que trabalha com escolas da

Galiza e do Norte de Portugal ligadas à rede da UNESCO, tendo sido apoiada por

instituições de Portugal (Ministério da Cultura, Ministério da Agricultura, Ministério da

Educação, CCDRN, Região de Turismo do Alto Minho, câmaras municipais) e da

Galiza (Xunta de Galicia, Consello da Cultura Galega, Museo do Pobo Galego/

Consello Galego de Museos, Federación Galega pola Cultura Marítima, Real Academia

Galega, AGADER – Axencia Galega de Desenvolvimento Rural, Comunidade de

Traballo Galicia-Norte de Portugal, CEER – Centro de Estudos da Eurorexión.

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Universidade de Vigo)12. A redacção da candidatura esteve a cargo dos antropólogos

Xosé Manuel González Reboredo e Álvaro Campelo.

A vontade que levou à elaboração desta candidatura está relacionada (conscientemente

ou não) com as correntes de investigação que nas passadas décadas de 80 e 90 se

centraram nas utilizações que então se faziam do folclore, com figuras proeminentes

como García Canclini e Richard Handler que contemplam as formas de apropriação do

mesmo folclore pela política, por movimentos de cariz étnico, regionalista e

nacionalista e por “activistas culturais” (Klimt & Leal, 2005, pp. 5 e 6). É entre estes

que se encontram os promotores primários da candidatura em questão, a associação

Ponte... nas Ondas!, pelo ênfase dado a um processo que surgiu pela urgência sentida

em preservar e promover um determinado tipo de património. O empenho dos membros

desta associação foi tal, e inversamente proporcional ao desânimo aquando do

conhecimento da não classificação pela UNESCO, que parece inserir a dita associação

no âmbito dos chamados por Klimt e Leal de “activistas culturais”. Outros apoiantes da

candidatura, mesmo a título individual, poderiam também inserir-se neste conceito,

ponto importante que contudo terá de ficar para posterior investigação uma vez que é

periférico aos que foram delimitados para a estrutura do meu trabalho de análise.

Como dizem os autores mencionados, sustentado-se em Clifford, e conforme se

confirmou ao longo da minha investigação, a recorrência à cultura folclórica é um

aspecto da vida cultural e social da actualidade, que é marcada pela “apropriação do

conceito antropológico de cultura” (Klimt & Leal, 2005, p. 6).

Como estes “activistas culturais” trabalham a cultura do seu território é importante saber

qual a definição que deste fazem. A euroregião galego-portuguesa aparece definida nos

seguintes termos pela Comunidade de Traballo Galicia-Norte de Portugal: Localizada

no Noroeste da Península Ibérica, a Eurorrexión formada por Galicia e o Norte de

Portugal configúrase actualmente como un espazo de forte interrelación social,

económica e cultural, cheo de oportunidades e cun gran potencial de desenvolvemento

futuro. O territorio constituído polas dúas rexións ocupa unha superficie total de 51 mil

Km² e concentra unha poboación superior a 6 millóns de habitantes, o que se traduce

nunha densidade de poboación de 123 hab/Km². En termos de base económica, e en

relación cos seus respectivos contextos nacionais, o Norte de Portugal caracterízase

12 http://www.opatrimonio.org/pt/principal.asp (16/05/07).

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por ser unha rexión particularmente industrializada, en tanto que Galicia é máis

dependente do sector agrícola, ámbalas dúas en detrimento do sector terciario13.

A geografia e a ecologia da euroregião surgem então, e também, como elementos-base

fundamentais na elaboração da candidatura14, por justificarem o surgimento de

manifestações práticas e simbólicas (incluídas na proposta de classificação como

património imaterial) na sequência da adaptação dos homens ao contexto envolvente.

Assim, encontramos os ciclos agrários como super-estruturas organizativas da

candidatura e do projecto, contendo em si as celebrações rituais e necessárias à vida

prática, lúdica e espiritual das populações.

O acelerado envelhecimento da população contribuiu e contribui decisivamente para

este factor, pelo que o estímulo do contacto directo entre os informantes e as

comunidades escolares, com o intuito tanto de proceder ao levantamento da cultura

imaterial como de veicular a mesma garantindo-lhe uma sobrevivência relativa - porque

dependente dos receptores - foi uma iniciativa que demonstrou as potencialidades que

existem no âmbito educativo.

A associação patrimonial efectuada entre a região galega e a do Norte de Portugal foi

justificada pela similitude verificada em variados aspectos da cultura popular de ambos

os domínios territoriais, cuja causa se fez remontar à época em que o território hoje

talhado por fronteiras nacionais formava a Gallaecia. Entre estes aspectos conta-se o

dialecto galaico-português, presente em poemas e cantigas como as do jogral galego

Martin Codax e que uniu linguisticamente os habitantes desta região. Assim se

construiu um exemplo para argumentar que as nações nem sempre correspondem às

fronteiras estabelecidas pelos estados, tendo portanto sido muito realçada e valorizada a

cooperação internacional. Destacou-se igualmente a origem da ideia e concretização da

mesma: a sociedade civil, sobressaindo a intenção de conferir ao projecto uma forte

componente escolar.

Este projecto foi indicador da necessidade sentida por aqueles que mais próximo

estavam dos informantes de património imaterial em guardar e preservar manifestações

agonísticas - na medida em que são muitas vezes invisíveis e servem de elo com o

invisível - ao olharem para um gradual desvanecimento de parte importante da sua

história e identidade.

13 http://www.galicia-nortept.org/euroregion.asp (16/05/07). 14 http://www.opatrimonio.org/pt/candidatura.asp (21/03/07).

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Pretende-se que o papel das escolas neste projecto seja fundamental (como aliás se pode

verificar pelas iniciativas publicadas nos sites http://www.opatrimonio.org e

http://www.pontenasondas.org/), uma vez que professores e alunos de níveis de ensino

entre o primário e o universitário funcionariam como colectores do património imaterial

e o transmitiriam em programas de rádio, entre outras iniciativas (algumas já se vêm a

realizar desde há algum tempo, como as transmissões radiofónicas que se fazem desde

1995). A educação que procurou aumentar a sensibilidade em relação às raízes comuns

e às suas manifestações através dos gestos e das palavras tentou dar continuidade à

transmissão geracional que se manifestou, a título de exemplo, no livro/CD/DVD

produzido pelos “Meniños Cantores” em 2005.

É evidente a semelhança desta iniciativa com a empreendida por Michel Giacometti e

pelas brigadas do Plano Trabalho e Cultura de 1975, pese embora a índole estatal desta

última. Se o objectivo desta acção de Giacometti era a constituição de um acervo para o

Museu do Trabalho (Setúbal) enquanto se criava uma solução social para uma camada

da população – os jovens que constituíram as brigadas – numa época conturbada da

história portuguesa (vd. Branco & Oliveira, 1993), a da associação Ponte...nas Ondas!

não foi tanto a de recolha de cultura popular (neste caso, apenas a que serve de veículo

às modalidades mentais que se pretendem recolher), mas sim a de algo frágil e

intrínseco, que vive com cada informante e com ele se extingue se não for transmitido,

mobilizando de novo um sector jovem e em aprendizagem. Em ambos os casos se

verificou a procura a salvaguarda de outros saberes, considerados como podendo

fornecer um complemento alternativo às tendências pedagógicas dominantes.

A estrutura e documentação da candidatura foram inspiradas nas apresentadas por

Espanha (2001) e pela Estónia, Letónia e Lituânia (2003) quando propuseram a

classificação do Mistério de Elche e dos Cantos e Danças Bálticos, respectivamente15.

1.3 Projecto

1.3.1 Constituição

15 http://www.opatrimonio.org/pt/escolasunesco.asp?ver=B#1; http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php-URL_ID=3415&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html (16/05/07).

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A estrutura de apresentação da candidatura começa por uma secção inicial de

identificação (quem apresenta a candidatura, a expressão cultural proposta, o nome das

comunidades, localização geográfica, periodicidade das manifestações e entidades

responsáveis), onde se começa a perceber um desequilíbrio entre a Galiza e Portugal,

que irá assumido diversas formas (que iremos apontando e interpretando ao longo do

trabalho). É no item que descreve o nome das comunidades que as 48 apresentadas pela

Galiza contrastam com as 35 do norte de Portugal, podendo-se justificar pelo facto de o

território galego ser mais extenso que o português em questão. Este é, no entanto, um

ponto que reforça o peso da dinâmica e da vontade galega implícitas nesta candidatura.

Segue-se a descrição (áreas, formas, história e desenvolvimento das manifestações, os

depositários, a sustentabilidade, os riscos corridos por este património e a descrição

técnica). É esta descrição técnica a base principal de apresentação do património

imaterial galego-português; consta das cinco formas de manifestação cultural propostas

já mencionadas e segue o princípio da psicogeografia conforme a concebeu a

Internationale Situationniste: “estudo dos efeitos precisos do meio geográfico,

conscientemente ordenado ou não, actuando directamente sobre o comportamento

afectivo dos indivíduos” (in Marot, 2006, p. 60). É a interacção com a Natureza,

interacção ecológica, assente sobretudo nos ciclos agrários, que é basilar para os

redactores da candidatura. A partir deste diálogo com o território nascem as

manifestações que constituirão o património imaterial.

A candidatura continua com a secção de justificação (valor excepcional, raízes culturais,

meio de afirmação da identidade cultural, excelência na aplicação dos conhecimentos,

testemunho único de uma cultura tradicional viva e riscos de desaparecimento), a de

gestão (organismos e medidas) e o plano de acção. Uma das partes deste Action Plan

(optarei pelo termo não traduzido, uma vez que a candidatura foi redigida em inglês)

contempla o desenvolvimento de actividades dirigidas às comunidades emigrantes e à

emigração galega e do Norte português em si16, o que verifiquei (através dos

documentários inéditos cedidos pelo Ecomuseu de Barroso e pelo testemunho do

antropólogo que efectuou os mesmos documentários e se dedicou ao registo de aspectos

culturais de comunidades desta região, José João Sardinha) ser de fundamental

importância quando se fala no património imaterial. O intercâmbio cultural entre a

16 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), pp. 189 e 190.

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região galaico-portuguesa e os locais de emigração é muito forte, tendo causado, nuns

sítios mais que em outros, mutações profundas.

A última parte compreende a documentação de apoio (mapas, fotografias, vídeos,

bibliografia e documentos de autorização).

1.3.2 Motivações

1.3.2.1 A Identidade

Na abordagem ao projecto em estudo coloca-se desde logo uma questão: até que ponto e

de que forma a elaboração do mesmo constitui uma afirmação identitária? Esta vertente

é uma das que fundamentam o projecto, não só pela leitura do mesmo, como por toda a

dinâmica que envolveu a candidatura e pelos depoimentos tanto de pessoas

intervenientes na sua elaboração como por outros indivíduos e colectividades da

sociedade galaico-portuguesa.

Etno-história, tal como definiram Copans e as obras Au coeur de l’ethnie e Les ethnies

ont une histoire (cf. Copans 1999, Amselle & M`Bokolo 1985, Chrétien 1989), é a

história de grupos diversos e heterogéneos, “objectos” que a Antropologia considera

desde pontos de vista políticos e culturais e que se definem por aspectos de cultura

particulares (rituais, formas de linguagem, técnicas várias...).

Considerando que o conjunto dos conhecimentos de uma etnia age como elemento

coesivo e confere identidade a essas mesmas etnias, é portanto essencial que os

conhecimentos sejam transmitidos (Leroi-Gourhan, 1965, p. 59), sendo este um

conceito basilar na elaboração deste trabalho e aquele que é mais evidente para justificar

a recolha e vontade de classificação do património imaterial galego-português. No

entanto é necessário salvaguardar um perspectiva que é a mais adequada ao caso em

estudo e que iremos fundamentando ao longo do trabalho: a de que a etnicidade resulta

do processo de construção da nação e não o contrário, como se pretende afirmar em toda

a dinâmica da candidatura17.

As diferenças identitárias que existem entre os habitantes da Galiza e do Norte de

Portugal e que se afirmam por oposição ou por similitude entre elementos de um

17 Cf. X. González Reboredo em http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, p. 13 (05/01/08).

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conjunto – neste caso, de etnias detentoras de formas culturais específicas –, devem

também ser analisadas segundo o princípio de que existem duas etnias em confronto, e

que a identidade de cada um destes grupos se define pela diferença e pelo discurso que

cada uma tem sobre si, dependente da forma de percepção da outra que, por sua vez, é

limitada pelas condicionantes de quem a percepciona (Copans, 1999, p. 117). Ou seja,

conforme o escrito por Lourdes Arizpe, All cultural groups create a sense of identity by

defining themselves towards other groups: they may celebrate their cultural kinship or

descent, [que é o que acontece no caso desta proposta conjunta de classificação do

património imaterial galego-português, com base na identidade comum encontrada] or

they may decree their opposition or enmity towards the other group (Arizpe, 2004, p.

131).

É relevante citar uma observação externa presente numa obra de 1795, denominada

Estado político, histórico e moral do Reino de España da autoria de um viajante não

identificado, sobre o aspecto identitário entre Galegos e Portugueses:

O galego é rexo, forte, gordecho, bastante feo, traballador, bo soldado, paciente, fiel e

sobrio. Este carácter é case o mesmo que o dos portugueses das provincias do norte, cos

que se entenden moito mellor que cos españois.... Os españois desprézanos porque son

traballadores e limitados, empregándoos nos traballos máis baixos, e trátanos

duramente. Esta conducta inspíralles aversión a España e ofrecen boa ocasión a

empresas que puideran un día face-los portugueses sobre esa provincia, que lles convén

prodixiosamente. Son os mesmos costumes, a mesma aliñación e a mesma demarcación

que ese reino, do que están separados soamente polo Miño (García Mercadal, 1962: III,

520).18 São recorrentes observações com este teor ao longo da História mas optei por

transcrever esta para evidenciar que no final do século XVIII se prefigurava uma

situação que marcou a etnicidade galega até ao século XX e foi fundamental para a

constituição da candidatura em estudo. Diga-se no entanto que a atitude descrita dos

Espanhóis em relação aos Galegos foi a mesma que os Portugueses também tiveram ao

acolher imigrantes da Galiza, que vieram a e para Portugal (não só para o Norte como

para o Centro e a zona de Lisboa) desempenhar maioritariamente tarefas braçais, o que

deu origem à expressão “trabalhar como um galego”.

Para se encontrar uma possível base para a valorização do património imaterial pela

Galiza e subsequente vontade de candidatura do mesmo a reconhecimento mundial

18 Cit. em X. M. González Reboredo, http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, p. 224 (06/01/08).

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lembre-se também a crise que Espanha atravessou em 1898, com a perda das últimas

possessões ultramarinas (Filipinas e Cuba) e a instabilidade política, cultural e social

que se prolongou e teve repercussões até às primeiras décadas do século XX. A crise

patriótica e identitária atravessada pelo país nesta época e as alterações sociais,

agravadas pelos nacionalismos, pela europeização e pela modernização da cultura,

provocaram comprovadamente uma tendência para a recuperação do tradicional

(Sociedade Estatal Lisboa 98, 1998, pp. 15 e 20), patente, entre outras áreas, nas da arte

então produzida e do património. Como demonstra o catálogo da exposição apresentada

no pavilhão de Espanha na Expo ’98 de Lisboa, que se centra nas relações entre os

Ibéricos e o mar por intermédio da análise das artes plásticas, é forte a componente de

tradição nas obras seleccionadas. Um dos exemplos é o da pintura “Antónia, a Galega”

(1911) de Ignacio Zuloaga y Zabaleta, que representa uma bailaora de flamenco

envergando o traje típico e que assim vai de encontro à corrente de pensamento então

com maior peso que preconizava a permanência das tradições e do pitoresco – numa

tentativa de encarnar a verdadeira essência da identidade – mas contra a contestatária e

progressista, na qual se enquadra, por exemplo, Miguel de Unamuno (Sociedade Estatal

Lisboa 98, 1998: 204 e 205). As representações populares, em detrimento das ligadas às

classes altas, são mais um sintoma desta vontade. Na região galega e neste

enquadramento histórico (duas primeiras décadas do século XX) destaca-se Alfonso

Rodríguez Castelao (1886-1950), que através das suas obras, centradas no popular rural

e na crítica à sociedade (Sociedade Estatal Lisboa 98, 1998, p. 19), contribuiu para a

consolidação dos valores mencionados supra.

A recuperação do património imaterial na zona espanhola pode dever-se ao

prolongamento desta necessidade de consolidação da identidade e do patriotismo

através do que já está instituído, do que é conhecido e tem a chancela da transmissão

geracional (sobretudo se considera a autonomização política e territorial do estado

espanhol, que se foi consolidando ao longo do século XX e continuou pelo XXI).

Lembre-se ainda o exemplo do papel desempenhado pelo Museo do Pobo Galego, ao ter

sido criado em 1976 para fundamentar a cultura galega através da estruturação de um

discurso identitário. Em Portugal, na mesma época, já se tinha enraizado (apesar das

alterações que a revolução de 1974 provocou) a acção do Estado Novo no sentido de

revalorizar e promover as formas de cultura consideradas tradicionais, mais autênticas,

com o objectivo de conferir identidade à nação. Os agentes político-culturais foram os

etnógrafos ao serviço do Estado, que tornaram possíveis exposições de arte popular,

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concursos de ranchos folclóricos e da aldeia mais portuguesa, assim como edições de

obras etnográficas. Note-se neste contexto o epíteto que o Secretariado da Propaganda

Nacional deu a Monsanto, eleita a aldeia mais portuguesa em 1938: “síntese da raça”

(Alves, 1997, pp. 237 e 238; vd. também Félix, 2003). O emprego do termo raça

demonstra a vontade de ultrapassar a mera noção de identidade grupal, que pode ser

aplicável a núcleos de pequena dimensão, e afirmar superioridade qualitativa.

A criação do Museu de Arte Popular teve base nas mesmas motivações da do Museo do

Pobo Galego, com o reforço da dita ideia de raça conferida pelo legado da Exposição do

Mundo Português e uma ligação simbiótica à política estatal (cf. Castelo-Branco &

Branco, 2003, p. 9; Medeiros, 2003a, p. 32) que parece já não se ter verificado no caso

galego.

Apesar de o conceito da euroregião galego-portuguesa ser mais claro para alguns dos

seus habitantes do que para outros e ser notório mais em algumas zonas de Portugal do

que em outras, é essencial frisar que, dos esforços que têm vindo a ser desenvolvidos

para a aproximação e consciencialização identitárias, cabe uma grande parte à

associação Ponte...nas Ondas!, que desenvolve todas as suas actividades em parceria

com organismos da Galiza conforme se verá no ponto 4 deste capítulo.

Não se deve ainda esquecer uma observação de António Medeiros (2003, pp. 335 e 336),

que a minha percepção durante a investigação para este trabalho confirmou: a de que as

referências sobre as quais os Galegos se costumam apoiar referentes a Portugal são

positivas e estereotipadas, não coincidindo com a imagem que os Portugueses têm em

relação aos mesmos assuntos.

Assim, é necessário analisar o papel desempenhado pela iconografia, que por ser o meio

de comunicação mais imediato é o que mais se presta ao estudo das intenções dos

actores sociais/ patrimoniais. Assim, podemos estudar as imagens propostas na

candidatura desde uma perspectiva em que o simbolismo identitário é privilegiado pois,

citando um exemplo de António Medeiros a propósito das tendências que as elites rurais

minhotas demonstravam, em 2005, para se envolverem nas políticas locais de

identidade, the iconic image of the “Minho woman” appears everywhere as a

segmentary identity device repeated at all administrative levels by representatives of all

political tendencies (Medeiros, 2005, p. 71). A candidatura aparece como um

subproduto desta dinâmica, tendo sido apresentada à UNESCO pela mesma altura da

redacção do texto do autor citado. As imagens rurais estereotipadas não aparecem já

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como ícones apropriados pelo Estado central, como acontecia na vigência do Estado

Novo, mas verifica-se a mesma instrumentalização a nível local/regional.

O papel da iconografia é importante neste contexto porque a imagem é o veículo mais

imediato na transmissão de conteúdos num espaço de tempo muito reduzido, o que

permite a criação de símbolos. Estes símbolos são talvez os meios de difusão mais

eficazes e privilegiados. É assim que se toma o símbolo celta que é a espiral como

emblema da candidatura, para apresentar o fundamento das raízes antigas e comuns; é

por isso que a mulher minhota aparece associada à representação de Portugal e os

gaiteiros à da Galiza, entre muitas outras imagens utilizadas e/ou concebidas como

ícones.

Imagem 2 Capa da candidatura. Fonte: Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005).

As raízes celtas reivindicadas por Galegos e Portugueses resumem-se assim no símbolo

da candidatura, a espiral19, presente em locais do Norte de Portugal (como em Briteiros

– Guimarães) e da Galiza (Castromao, Trega, Armea, Castro de Troña entre outros), que

foi eleito como elemento comum. A apresentação das raízes celtas como um dos

fundamentos da nação galega remonta aos revivalismos do século XIX mas foi

19 Não é claro no texto da candidatura que se refere a este aspecto que o símbolo escolhido para logotipo é uma espiral. A identificação feita por qualquer observador tende inicialmente para o triskele, desmentida numa segunda análise em que se verifica serem quatro os braços. Esta utilização da iconografia, não sendo inequívoca, contribui para dificultar a percepção das intenções e do conteúdo da candidatura.

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permanecendo e ganhando vivacidade no contexto da progressiva afirmação

nacionalista (Medeiros, 2006, p. 104) através de meios tão díspares como a candidatura

em análise, a música e objectos de artesanato20. Recorde-se que foi também na época do

Romantismo que mitólogos do País de Gales procederam à construção de tradições em

que os alicerces celtas foram os que mais importância tiveram (Morgan, 2002). É

natural que as personalidades que estudavam e promoviam a cultura da Galiza

simultaneamente, informadas que eram, tivessem sido contagiadas por esta vaga de

busca de antepassados e legados celtas. Em Portugal o celtismo está longe de ser tão

marcado como na Galiza (sendo o adjectivo lusitano o mais empregue, por se ter

firmado e propagado a noção da descendência dos Portugueses deste povo), sendo que o

Norte evidencia, sim, tendência neste sentido, ditada pela sua situação geográfica

(Medeiros, 2006, p. 339). A eleição de um símbolo celta para a candidatura é

interessante, sobretudo quando se pensa na raridade dos documentos/elementos

apresentados como fundamento, na acesa controvérsia que suscitam21, e no papel que o

povo celta tem tido na mitologia de origem galega e como toda a matéria criada sobre

este assunto foi utilizada nos movimentos nacionalistas organizados na Galiza do início

do século XX (Medeiros, 2006, p. 343).

É contudo intrigante que, sendo a candidatura redigida por dois antropólogos com

trabalho desenvolvido nas regiões em questão, se apresente a raiz étnica celta como uma

mais-valia, como uma pedra basilar comum fortalecedora da identidade entre Galegos e

Portugueses. À luz do mencionado por autores como António Medeiros (2006, p. 342)

esta posição é já obsoleta, tendo servido de bandeira aos etnógrafos nacionalistas do

final do século XIX e início do XX mas caída em descrédito pelo avanço da

investigação no campo. A justificação do emprego deste fundamento pode residir no

facto de ser já tão antigo e arraigado no que grande parte dos Galegos considera a sua

identidade – manifesta através da música, de indumentárias, de artesanato, da

proliferação de símbolos – que, com propriedade ou não, tornou-se um elemento de

reconhecimento cultural tanto endógeno como de referência para observadores

exteriores. Parece predominar a primeira situação, o que adiciona peso ao emprego

deste argumento cientificamente contestável na candidatura porque se pretende

20 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), p. 86. 21 O texto que o Museu do Pobo Galego apresenta no site oficial da candidatura refere o assunto do celtismo mas faz questão de não se comprometer numa posição clara, mencionando as controvérsias existentes.

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conquistar as populações para o apoio das dinâmicas que se querem conferir aos seus

patrimónios. Estas, por outro lado, continuam a ancorar-se no seu “celtismo” porque

académicos contemporâneos como os que redigiram a candidatura o sustentam.

Durand (1996, p. 41) afirma que o mito é a “narrativa simbólica constitutiva de uma

mentalidade”, pelo que os mitos das sociedades em estudo se tornam fundamentais para

a compreensão do fenómeno do reconhecimento de importância que levou à elaboração

do projecto e à sensibilização geral em relação ao património imaterial. Os mitos,

fabricados para a sistematização de uma forma de compreender o mundo e o contexto

vivencial, ajudam consequentemente a perceber os próprios “fabricantes”. Durand fala

também em legitimar, que é o conceito que aqui mais interessa por remeter à utilização

que se fez do mito (enquanto parte do património imaterial) numa época muito recente,

caracterizada pela globalização e dissolução de fronteiras (mentais e/ ou físicas). A

abolição dos limites físicos causou impacto em algumas mentalidades e mundividências

(veja-se o caso do Couto Mixto, cujo Museu Aberto será tratado no capítulo 3), pois

apesar de estes limites fronteiriços ou raianos serem na sua maioria imateriais a sua

alteração provocou em muitas comunidades uma perda de referência identitária

relacional que provinha de tempos antigos.

Os símbolos sociais, enquanto manifestantes dos mitos, foram por consequência

valorizados, talvez para patentear a continuidade das relações – sob a forma de

património transmitido – no seio das sociedades. Cria-se assim um contraponto (que

representa a estabilidade) à necessária evolução da interacção de cada uma das

sociedades com o mundo (Durand, 1996, p. 41). Os símbolos mitificados são dos

aspectos fundamentais a considerar na análise do património em questão, uma vez que

foram utilizados para afirmar a manutenção de elementos que são próprios de cada

sociedade. Os símbolos tornam-se essenciais para demonstrar que a identidade que é

conferida a cada grupo através das suas particularidades se mantém praticamente

inalterada, e que os aspectos que entretanto se perderam foram recuperados (ou pelo

menos lembrados), na medida do possível.

1.3.2.2 A História

Sobre a história comum à euroregião não se aprofunda muito esta incidência na

candidatura, deixando que as várias partes que a constituem forneçam aos leitores os

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dados que formarão a estrutura histórica. No entanto, acontece que estes dados estão por

vezes incompletos e não se articulam de forma directa e clara quando se pretende uma

visão histórica coerente, pelo que se sente a falta de um elemento sólido que ajudaria a

suportar a reivindicação identitária comum e a classificação das manifestações culturais.

Nas motivações de ordem histórica incluí a língua, que se apresenta na candidatura

como uma das manifestações mais fortes entre as que unem os povos hoje separados por

fronteiras políticas. Aponta-se o número de falantes de galaico-português da seguinte

forma: Baixa Limia e Castro Laboreiro: 10.000 falantes; Galiza: 2.700.000 falantes;

Portugal: 10.500.000 falantes22.

Pode-se dar uma contribuição, não presente na candidatura, para o papel da História no

processo da mesma: o enquadramento que constitui a história de cariz eminentemente

nacionalista feita no século XIX, sobretudo no que à Galiza se refere (Medeiros, 2006, p.

30), com historiadores como Manuel Murguía (1833-1923), Vicente Risco (1884-1963)

e Ramón Otero Pedrayo (1888-1976), entre muitos outros.

Esta pequena caracterização da tendência histórica recente (fim do século XIX e séculos

XX e XXI) é fundamental para a sustentação de um dos argumentos desta tese no que

diz respeito a uma das motivações da constituição desta candidatura: a de que esta é um

bom instrumento a favor do nacionalismo galego. É um elemento para criação de uma

historiografia nacional periférica (face à historiografia do Estado central), apresentando

visões do passado justificativas de posições tomadas que acabam por tornar a história

uma “arma simbólica”23. Tal já não acontece em Portugal, onde foram muito fracas e

quase inexistentes as posições de autonomia regional (cf. Medeiros, 2006, pp. 31 e 38).

Apesar de terem existido propostas de regionalização em Portugal durante o século XX,

não assentaram nem na cultura nem nas consequentes vontades de reconhecimento

exógeno da divergência identitária invocada.

A unidade territorial e a consolidação identitária foram os fins principais da maior parte

dos movimentos sociais e culturais galegos recentes. Uma vez conseguida a autonomia

pela Galiza, a aliança com o Norte de Portugal, quanto mais não seja na procura de

afirmação identitária perante o Outro (que seria aqui o resto do Estado espanhol e, em

última análise, o resto do mundo), vem na sequência desta vontade de coesão e

projecção da unidade criada com esta aliança. Aliança que, até ao final desta 22 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), p. 125. 23 Cf. X. M. González Reboredo em http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, p. 12 (05/01/08).

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investigação, não vi contestada em lugar que fosse, o que é um indicador de que

realmente a colaboração transfronteiriça proposta fez sentido para os autóctones que

dela têm conhecimento. Evidencia-se também que já estava mais ou menos interiorizada

(mais na raia que no restante território), fazendo parte de vivências com raízes recuadas

no tempo. A história nacionalista feita em oitocentos e ainda no início do século XX foi

o precedente da preocupação que esta candidatura demonstrou relativamente à

afirmação da memória e da identidade específicas, pois, como diz Pollack (1992, p.

206), quando as nações são velhas de pouco tempo, existe uma necessidade real de

afirmação identitária e memorial (sobretudo quando questionadas ou acolhidas por

outros com pouco calor), visto que estas dimensões ainda não trabalham

autonomamente. Este é o caso da Galiza e não tanto o de Portugal, apesar da região

Norte ser por vezes vista como remota, desertificada e dotada de poucas valências, o

que criou um caminho natural ao entendimento com os Galegos.

O que nesta candidatura é manifesto é o apoio na memória – com a valorização de todas

as formas da mesma que se relacionam com o património imaterial – para se criar

história, sendo o resultado um fundamento histórico baseado na auto-percepção e auto-

representação populares (Pollack, 1992, p. 207). Lembramos o caso referido por Prys

Morgan em A invenção das tradições (Morgan, 2002, p. 93), no qual o autor identifica

um herói, Madoc, criado em época indeterminada da história do País de Gales e

descobridor da América no século XII. A lenda deste herói, sem demasiado relevo

durante um grande período de tempo, teria sido utilizada pelos monarcas Tudor frente às

pretensões espanholas de domínio da América do Norte em 1770. A partir desta data,

em que a utilização feita da história do herói foi política, observou-se uma retomada

histórica por entusiastas de passado galês, que chegaram ao ponto de forjar documentos

para apresentar como fundamento à existência de ancestrais galeses miscigenados com

índios do Midwest americano. Assim, e tal como ocorreu com o processo da candidatura

em estudo, a memória foi utilizada para criar história, mas como resta ainda um intenso

e longo trabalho de investigação que siga as tradições, eminentemente orais, até às

raízes presumidas, trabalho este que é fruto de uma necessária interdisciplinaridade e de

um período de tempo mais alargado que os quatro anos que a candidatura levou para se

formar (2001-2005), o fundamento histórico que apresenta pode ser questionado. Deve-

se ainda realçar que o facto de se tratar de património imaterial, assente na sua maioria

em relatos de informantes e na observação de costumes que desde um passado recente

tendem a sofrer mutações a um ritmo acelerado, torna mais moroso o processo de

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apuramento de elementos que fundamentem deixando pouca ou nenhuma margem para

dúvidas.

No que se refere à utilização política, na senda dos Tudor, observa-se que esta

candidatura se insere num movimento que em Portugal e na Galiza se tem dado no

sentido de procurar despir as manifestações folclóricas das fortes conotações políticas

que lhes foram dadas com os regimes do Estado Novo e franquista. Na Galiza

digladiam-se os reprodutores patrimoniais que são os contratados e dinamizados pela

Xunta, encarada por muitos como continuadora das manipulações franquistas e

destituidora da seriedade que é devida ao património, e os que pretendem ter uma

ligação isenta às raízes e portanto se consideram reprodutores culturais mais próximos à

“verdade”, que estão politicamente situados à esquerda (cf. Medeiros, 2006, pp. 170 e

171).

Numa outra vertente de implicação política verifica-se que a história recente criou em

1991 a euroregião que engloba a Galiza e o Norte de Portugal. As fundamentações vão

de encontro às da candidatura do património imaterial? Desde uma perspectiva social,

cultural e política, foi um movimento de recusa perante os estados centrais? De acordo

com a minha percepção, talvez estas questões tenham mais fundamento quando

colocadas à Galiza pois, como diz Medeiros (2003, p. 329) “as menções feitas a

Portugal – abstractas ou muito superficialmente fundadas, na maior parte das ocasiões –

surgem-nos como recurso para sublinhar as razões de diferença da Galiza no quadro

estatal espanhol”. O autor continua especificando ser no século XXI que esta posição

ganha força, sobretudo na facção galeguista militante.

Não é perceptível, nem manifesta na generalidade do Norte de Portugal, a noção de que

existe uma unidade como a euroregião; de aí que se possa afirmar que a consideração de

que existe um património comum partiu das elites culturais (professores, antropólogos,

historiadores), naturalmente mais habilitadas para uma visão de conjunto do que os

informantes desse mesmo património.

Coloca-se assim a seguinte questão: se confrontados com as manifestações de

património imaterial portuguesas, os informantes galegos (e vice-versa) reconheceriam

a similitude patrimonial tal como ela é apresentada na candidatura?

Os fundamentos históricos apresentados não são incontestáveis nem isentos de lacunas,

permitindo apenas pressupor e não afirmar sem dúvidas. Falando de uma candidatura de

um património em territórios transnacionais, até que ponto foi tido em consideração

tanto o que os informantes pensam como o que sentem em relação à comunhão

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apresentada com manifestações que na maioria dos casos não conhecerão? Destas

questões ficaram isentos os habitantes das raias, que pela proximidade promíscua

partilham, estes sim de forma clara e inequívoca, muitos aspectos culturais.

A fronteira é um elemento fulcral à volta do qual se activam dinâmicas várias: deter-me-

ei no ponto em que a política interage com a percepção cultural. A fronteira delineada

pelo poder central tende a ser considerada como uma imposição dos poderes locais, e,

como reacção, tende a afirmar-se a essencial relação com os “irmãos” que a fronteira

separou. O aparecimento da euroregião teria assim sido saudada como um reencontro,

apesar de que com o passar do tempo as fronteiras se vão interiorizando e naturalizando.

Parece ter havido um diluir ou uma redefinição das fronteiras entre Galiza e Portugal

pela constante (logo histórica) interacção entre as etnias do Norte português e galega,

conforme o processo estudado por Barthes 24. O mapa actual que a dinâmica desta

candidatura evidencia é o resultado de uma evolução iniciada em determinado momento

obscuro da História, momento este em que os mitos cosmogónicos englobados no

património imaterial desempenham o seu papel, mas que a candidatura procura

fundamentar com mais consistência radicando-o nos Celtas25. O conceito de fronteira

reveste-se de grande importância neste contexto porque se verifica que duas etnias

diferentes, separadas por uma convenção de limite, reivindicam a mesma cultura (o que

não que dizer dizer que ela exista com todos os matizes com que é reclamada), o que

responde às questões de identificação de uma etnia com uma cultura como coloca

González Reboredo: ¿Resulta axeitado substituí-lo concepto de etnia, ou o de

etnicidade, polo de cultura dunha vez por todas?26

Por outro lado tende-se a realçar os particularismos locais como forma de

autonomização e de captação turística. Partindo do princípio de que o discurso produz

sentido, será então admissível que o político, que se interpenetra com o cultural, o

influencie e o dirija para determinados fins. Não se pode esquecer que as fronteiras

também foram criadas como meio de defesa local, de afirmação de autonomia perante o

Outro.

Seria interessante perceber quais os locais em que se verificou este último caso e quais

aqueles em que as delimitações foram impostas contra a vontade das comunidades. 24 Cf. X. González Reboredo, http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, p. 203 (06/01/08). 25 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), p. 23. 26 X. González Reboredo em http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, p. 205 (06/01/08).

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Deve-se assim colocar a hipótese do ressuscitar da memória por determinados actores

com fins que não os culturais, como aconteceu, por exemplo, em Trás-os-Montes:

Within Portugal, folk culture has been strategically used to consolidate national identity

and, ironically enough, elite power in various arenas. The revival of a mask tradition in

Trás-os-Montes was organized by regional elites who stood to benefit from its eventual

high profile commercialization (Raposo). […] It is clear that the codification and

commodification of winter mask performances in Trás-os-Montes for audiences and

consumers well beyond the local village contributes to the establishment of a regionally

specific identity […] (Klimt & Leal, 2005, p. 15). Apesar do turismo ser um dos

principais motores da revitalização patrimonial e esta revitalização ter portanto um lado

economicamente rentável, está-se perante um diferente panorama quando é a economia

a motivação primeira da recuperação de uma manifestação com apoio na memória. Este

é o caso, a título de exemplo, das chegas de bois, da feira de Vilar de Perdizes e da

encenação da Sexta-feira 13 no Barroso.

De todas estas diferentes dinâmicas ressuma a consciência de que o que é popular e

anónimo é eterno, com contributos importantes como o do historiador Oliveira Martins

na sua “História de Portugal”, em que os ambientes (províncias, regiões) e os homens

que nele vivem passam a assumir o papel que se tinha reservado tradicionalmente na

História aos documentos inertes e inalteráveis (Medeiros, 2005, p. 74 e 2006, pp. 225 e

226). É aqui que encontramos o motivo primário que faz com que a História seja tão

importante nesta candidatura: a perenidade patrimonial que se presume através dos

textos e das acções promocionais, conceito que conduz necessariamente ao

questionamento da história de cada uma das manifestações de património imaterial.

1.3.2.3 A Memória

Odin tinha dois corvos, Hugin e Munin, cujos nomes significavam, respectivamente,

“pensamento” e “memória” (Lamas, 1991- II, p. 32). Odin, o deus supremo, tudo vê, e

as suas aves, através das suas características específicas, contribuíam de forma decisiva

para o aumento de sapiência do seu dono.

Relacionada com a oralidade que já foi tratada aparece a memória, sendo indissociáveis

visto que a oralidade é veículo das memórias relatadas. É manifesta a característica

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colectiva da memória tratada na candidatura, construída através do cruzamento e junção

de contributos individuais. Uma das ideias que mais prevalecem na redacção do

projecto é a dimensão colectiva desta memória, que se entende pretender remeter para a

construção, afirmação e projecção da identidade galaico-portuguesa que o património

imaterial conjunto procura patentear. A mutabilidade constante desta memória é

também ressalvada, a par do realçar dos pontos menos flutuantes – que são os

apresentados na candidatura como “pontos fortes”, bases para que se possa considerar o

património imaterial galego-português como uma estrutura sólida e inquestionável

precisamente porque estes “pontos fortes” se mantêm e reproduzem em sociedade –

note-se, por exemplo, que a dimensão relativa às técnicas e saberes possui um grande

peso no património imaterial e respectiva candidatura em questão e que é um aspecto

privilegiado da memória das sociedades sem escrita – ao longo de um determinado arco

cronológico através da denominada memória “étnica” por Leroi-Gourhan (1983).

Verifica-se a existência dos seguintes elementos que formam o esqueleto da memória

colectiva no espaço a que se reporta a candidatura:

a) acontecimentos, que se viveram pessoal e colectivamente, sendo que no último

dos casos apontados a vivência colectiva pode provir de tempos recuados e não

ter sido vivida pela colectividade presente em corpo, mas recriada (rememorada)

mentalmente. Exemplos: a malla (Galiza) ou malhada (Portugal) nas eiras, a

propósito das quais se realizam hoje festas em sítios como Montalegre, Ponte de

Lima (Portugal), Meira (Lugo), Valdoviño e San Sadurniño (A Coruña), em que

o simbolismo relacionado com as actividades agrícolas é manifesto; a muiñeira,

dança galega motivada pelas actividades moageiras; os cantares ao desafio ou

regueifas galegas e os cantares ou Ranchos galegos de Reis; o Carnaval ou

Entroido (os mencionados no projectos de classificação foram os de Lazarim, de

Podence, de Lindoso – Portugal – e de Laza, Verín, Xinzo de Limia, Cobres,

Vilaboa, Ulla, Viana do Bolo, Manzaneda, Vilariño de Conso, Laza, Chantada,

Salcedo – Galiza –; As Candeas ou a festa da Candelária (em desuso); os Maios;

S. João; Semana Santa; Corpus Christi ou Corpo de Cristo; S. Martinho; S. Xiao;

Natal; Festa dos Rapazes (nome dado ao ciclo da Epifania em algumas zonas de

Trás-os-Montes, como Ousilhão, as festas galegas de “alumear o pan”, do 3 de

Maio em Laza e das Fachas em Taboada, Lugo e Castelo e as variadas romarias

como as da Senhora da Agonia de Viana dos Castelo, a da Senhora da Peneda de

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Melgaço e a de Santa Maria de Ribarteme na Galiza27. A memória permite a

reconstituição de representações sacras ou profanas que unem a população em

torno de símbolos e mitos que podem ou não corresponder ao conceito de

tradicional e que, ao serem porventura vividos de novas formas, congregam as

comunidades num sentimento de pertença à nação e de serem actores principais

nesta (Medeiros, 2006, p. 45).

b) pessoas, que fazem parte da vida de cada elemento da comunidade, ou do seu

imaginário, através de relatos ouvidos a terceiros e que se tornaram de tal forma

importantes que passaram a integrar a história de vida de cada indivíduo. E é

sobretudo nas histórias de vida que se manifestam as caracterizações destas

pessoas, das personagens que têm papéis na vida individual e colectiva. O factor

idade adquire aqui uma importância especial porque a memória que ficou da

prática pessoal é diferente da que eventualmente foi transmitida, quando já não

há necessidade dessas práticas e estas se realizam por outras razões. Exemplos:

pessoas que desempenhavam ofícios específicos e essenciais à comunidade,

como os “da volta”, os telheiros, os cesteiros, os amoladores, os canteiros, os

oleiros e os moleiros. A propósito destes últimos damos um exemplo de inserção

no imaginário colectivo:

“Se tu queres que t’eu diga

Quem são os quatro ladrões,

São vendeiros e moleiros

E letrados e escrivões”28

Escolhi esta quadra popular não só por manifestar a relevância e a opinião

generalizada sobre os moleiros como também a que se instituiu sobre as demais

profissões mencionadas.

c) lugares, que têm especial importância neste estudo, em particular no capítulo 3,

em que se falará da importância e do papel que a Nova Museologia e os

ecomuseus têm e tiveram no trabalho desenvolvido no Norte de Portugal e na

Galiza com o património imaterial. Abundam os lugares de memória nesta

candidatura, sejam os que se inserem no contexto territorial das populações

sejam os que cada comunidade vê e imagina serem os seus, a imagem que

27 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), pp. 63, 65, 86, 92, 94-98, 104, 107, 108, 114 e 115. 28 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), pp. 67, 75, 77, 78 e 79.

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pretende projectar deles, como vê os dos outros, os das aldeias vizinhas, os da

Galiza imaginados/ vistos pelos Portugueses, os Portugueses imaginados/ vistos

pelos Galegos... Estas imagens e visões são projectadas na candidatura e, em

geral, nos museus, instituições de eleição para o efeito. Exemplos: os lugares de

memória desta proposta de classificação são os espaços agrícolas e marítimos na

sua generalidade, pois é lá que se desenrolam as actividades que geram o

património imaterial e que são fruto de mentalidades, mundivisões e adaptações

ao contexto. Pretende-se na candidatura definir uma série de espaços e de

pequenas vias de peregrinação que foram e são palco de acontecimentos e

comemorações, como a Franqueira, S. João D’Arga, a feira de Ponte de Lima e o

Campo da Agonia, assim como promover a documentação e o estudo dos

baldios, terras comuns de pasto, dos curros, onde na Galiza se efectua a rapa

das bestas (selecção de cavalos montanheses para venda, para uso na agricultura

ou como meio de transporte, sendo que nesta altura também se aparava o pêlo

aos animais. Alguns curros: Mougás, San Cibrán, Torroña, Serra do Galiñeiro,

A Valga e Morgadáns, todos no concello29 de Pontevedra), dos moinhos – nos

quais se desenrolavam actividades tão relevantes que originaram a sua

transmissão simbólica/ lúdica através da dança galega muiñeira, como acima

mencionado –, sendo referidos na candidatura os do Folón e do Picón, O Rosal,

os do Parque Etnográfico do río Arnoia, Allariz, e os do Parque Etnográfico de

Arenteiro, O Carballiño, todos na Galiza, e os do rio Âncora e da Gávea, em

Vila Nova de Cerveira (Portugal)30.

O património imaterial, conforme é tratado na candidatura na sua dimensão memorial,

deve ser encarado – quando se pretende uma abordagem mais profunda e inquisitiva –

tendo em conta alguns parâmetros fundamentais: a selectividade da memória, que pode

ter eliminado em alguma altura ainda não identificada fases e aspectos das

manifestações de cultura viva; e aferir com precisão as épocas de articulação de

memórias culturais, para concluir a dimensão exacta do impacto que as condicionantes

espaço/ tempo/ sociedade/ individualidade tiveram na produção dessa mesma

manifestação viva de cultura.

29 Coloca-se o termo galego por o conceito de concelho português não lhe corresponder exactamente. 30 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), pp. 183, 184, 60, 65, 66.

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A memória também interessa neste contexto quando vista como instrumento de

construção e projecção de uma imagem, ao ser articulada com a herança patrimonial

para produzir identidades (Pollack, 1992, pp. 200-204): de facto, o objectivo último

desta candidatura prende-se com a vontade de que uma determinada identidade, a

galego-portuguesa, seja reconhecida através de uma evidência, que é o património

imaterial apresentado que, por sua vez, se transmite hereditariamente através de

processos relacionados com a memória, sobretudo a da visão e a da audição. Este

património, ao ser produto de comunidades que têm uma forte ligação à terra, é

simbólico e visual, vivendo da estética, do apelo aos sentidos frequentemente em

conjunto, sendo que cada um dos estímulos contribui para a construção do todo que é

cada manifestação em particular (danças, actividades laborais acompanhadas por

cantares...) e não deixa por isso lugar à abstracção. As festas religiosas seriam as

ocorrências que mais se prestariam a dar lugar a esta abstracção de se fala, uma vez que

se pretende que o fundamento seja teológico, mas é nelas que vemos alguns dos

estímulos visuais e auditivos mais fortes, como o trajar “à época de Jesus Cristo”, vestes

em que se utilizam tecidos brilhantes de colorido berrante, em que a banda filarmónica

toca a acompanhar as procissões música que induz estados de espírito particulares, em

que se lançam foguetes que estouram no ar com euforia e em que a noite acaba com

concertos de grupos de música “pimba” cujo ex libris é uma música composta com base

em acordes simples e repetitivos e a apresentação é feita de luzes multicolores que

piscam e dançam freneticamente e de cantores e bailarinas com vestes chamativas e de

dimensão reduzida, atraindo a atenção para o elemento estético primordial: o corpo.

Refere Pollack que a memória teria a função de criar um sentimento de coerência, que a

par da unidade física (que no caso em questão seriam os limites físicos das nações

galega e portuguesa) e da continuidade cronológica seria construtora de identidade

(Pollack, 1992, p. 204). Este paradigma é aplicável à candidatura em análise, pois a

memória possui neste âmbito precisamente o papel de conferir coerência à articulação

de uma série de manifestações de cultura viva para que daí resulte a unidade com

identidade definida que formam os Galegos e os Portugueses. E assim se define a

função da História, sobre a qual acima se discorreu e que contribui para o processo com

a continuidade temporal.

A candidatura é portanto uma representação fabricada por alguns, com o acordo

(maioritário, pelo que se pode perceber através dos media) dos abrangidos pela mesma;

utiliza as auto-representações de história das comunidades e grupos implicados, de

34

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identidade e de memória para construir uma imagem para os Galegos e Portugueses,

uma imagem em que os mesmos acreditem (propósito que teve sucesso, como se verá

no capítulo 2) e em que o resto da humanidade acredite (Pollack, 1992, p. 204). Esta

finalidade, ao contrário da primeira, foi boicotada com a recusa de classificação desta

proposta de património pela UNESCO, o que provocou um profundo desânimo aos

promotores e mesmo a cidadãos portugueses e galegos que se manifestaram (sobretudo

os primeiros). Desânimo tão acentuado que pode ter uma explicação na dúvida que a

recusa da classificação suscitou sobre a validade de um meio que Galegos e Portugueses

encontraram para afirmar a sua identidade conjunta o que, consequentemente,

questionou a legitimidade desta mesma identidade. Por outro lado, tanto promotores

como populações sentiram também desvalorizada a intenção que os guiava de conseguir

a consagração da sua identidade através dos mecanismos de defesa e perpetuação que se

criariam com o reconhecimento oficial do património imaterial.

O que se pode afirmar é que a memória ajuda à reconstrução de comemorações (que,

como veremos no exemplo do Ecomuseu de Barroso, se manifesta nas Noites Celtas,

Noites das Bruxas e outras festas de temáticas várias) e das suas mudanças, sendo que

na candidatura nem sempre aparecem as justificações das ditas mutações, mas que são

fundamentais quando se pretende solidificar uma história e uma identidade para as ver

reconhecidas e projectadas.

1.4 A Associação

O principal actor visível da candidatura e associação promotora deste projecto foi a

associação Ponte...nas Ondas!, formada por professores da Galiza e de Portugal, que

procuram seguir as recomendações da UNESCO no sentido de integrar o património

imaterial das respectivas regiões no sistema educativo.

Ponte...nas Ondas! surgiu em 1995, coincidindo com a inauguração da Ponte

Internacional entre Salvaterra e Monção. Naquela altura, as escolas decidiram aproveitar

as rádios escolares que havia em muitas delas para estender uma ponte que fosse mais

além e unisse os centros educativos das duas margens do Minho. Não foi algo de

inteiramente novo na Galiza, podendo a inspiração para esta actividade provir de outra

realizada nos anos 30 do século passado: a de contar histórias infantis em linguagem

vernácula pela rádio (Medeiros, 2006, p. 125). Em Portugal, por outro lado, são

35

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evidentes as semelhanças com as iniciativas de “educação” folclórica dos cidadãos

levadas a cabo na década de 30 de 1900, através de programas emitidos em rádios

regionais (Félix, 2003, p. 208). Podem ainda mencionar-se os programas de Michel

Giacometti sobre música tradicional portuguesa (entre outras) em emissoras de rádio de

França, da Bélgica, da RFA e da Suécia (Oliveira, 2003, p. 495), que tiveram um

propósito de difusão internacional semelhante ao de Ponte... nas Ondas!

Em cada ano lectivo os professores e coordenadores de cada escola associada (cerca de

150) vão trabalhando conteúdos pré-acordados para no final do ano se fazer um

programa de 24 horas (actualmente) a partir de diversos estúdios. Este programa é

recebido em países como a França, Holanda, Finlândia, Brasil, Argentina e África,

numa tentativa de criar laços com países de emigração portuguesa e galega.

Os professores e coordenadores têm reuniões periódicas para definição contínua das

formas de trabalho, sendo esta acção homologada pela Consellería de Educación da

Xunta da Galiza. Em paralelo a associação desenvolve diversos projectos educativos,

nomeadamente em colaboração com a UNESCO31. Muitas das escolas que fazem parte

desta associação pertencen à RedeSEA, rede internacional de escolas associadas à

UNESCO32.

A primeira experiência de doze horas de rádio desta associação foi crescendo,

aprofundando e trabalhando temas como a Rota do Escravo, ou como, nas últimas

edições, o Património Imaterial Galego-Português”33. A ligação às comunidades

portuguesas e espanholas através da rádio valeu, onze anos após o início do programa, o

prémio para a Melhor Iniciativa no Campo da Comunicação nos Meios Informativos

nos Prémios “Galiza Comunicação 2005”. Além deste modo de comunicação foi

igualmente utilizada a Internet, para tocar pessoas de Espanha, de outros pontos da

Europa e do Brasil34.

A XIVª Jornada de Rádio Interescolar, prevista para Maio de 2008, terá como tema a

Identidade e o Território, para sensibilizar os participantes e ouvintes em aspectos

tratados com pormenor na candidatura: “A forma como as diferentes civilizações

modelaram a nossa identidade, através da apropriação do meio natural, o conhecimento

dessa realidade territorial, como espaço e condicionante duma cultura que se adaptou ao

meio, descobrir-nos-á a obrigação que todos temos de o utilizar de forma racional, 31 http://www.pontenasondas.org/pt/contenido.asp (24/02/08). 32 http://www.opatrimonio.org/pt/escolasunesco.asp?ver=A#2 (24/02/08). 33 http://www.pontenasondas.org/pt/contenido.asp (16/05/07). 34 http://www.opatrimonio.org/pt/noticias.asp (09/12/07).

36

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conservando os elementos patrimoniais adequados e respeitando-o como factor

identitário básico”35. A escolha deste tema, um dos que baseia e articula a candidatura,

parece ter a intenção deliberada de reforçar o relançamento desta, que irá ocorrer em

2008 e cujo apoio é requisitado ao visitante logo na página inicial do site.

Esta associação tem uma intensa actividade, tanto individualmente como em

colaboração, dirigida à promoção e valorização de diversos aspectos do património

imaterial. A actividade não esmoreceu com a recusa de reconhecimento da candidatura;

apesar de se ter observado um grande desânimo em alguns dos professores promotores,

como se verá no capítulo 2, parece não se ter deixado interferir este estado de alma

pessoal com a actividade da associação. Assim, são publicitadas mostras de património

imaterial galego-português (Pontevedra 7 a 11 de Novembro de 2007), um concurso de

recolha de tradição oral (1/05/07), o I Certame de Recolha de Tradição Oral no âmbito

da euroregião (21/06/07) e o Dia do Pião,36 além de actividades em parceria com

instituições de grande visibilidade pública como o jornal galego Vieiros, um dos mais

representativos e que facilita questionários sobre património imaterial galego-português

a preencher pelos leitores37.

A associação em questão tornou a candidatura um caso sui generis pela maneira de

operar que se tem vindo a descrever: a formação pedagógica constituiu o ponto de

partida, apesar de ter sido concretizada por antropólogos especializados na matéria, teve

nas actividades da associação o suporte para motivar a mobilização das comunidades

para o reconhecimento, protecção e divulgação do seu património imaterial. Sem este

suporte, que age como reconhecimento e legitimação por parte dos detentores e dos seus

herdeiros, dificilmente a candidatura teria sido considerada, apesar da elaboração

científica. Verificam-se como consequência dois aspectos dignos de nota: o facto de

serem os herdeiros de património os sensibilizados em primeiro lugar, incumbidos de

inquirir e proteger os conhecimentos dos mais velhos da comunidade em que se inserem,

e não directamente os mais antigos detentores dos saberes; e a primazia da opinião dos

detentores de património em relação ao interesse científico que academicamente se

possa considerar que o dito património tem. A contribuição académica tem um papel de

reforço, não sendo o factor fundamental na dinâmica e na importância conferidas ao

património. Isto transparece inclusivamente na metodologia que a UNESCO segue para

35 http://www.pontenasondas.org/pt/contenido.asp (26/1/08). 36 http://www.opatrimonio.org/pt/noticias.asp#85 (9/12/07). 37 http://www.pontenasondas.org/pt/contenido.asp (26/1/08).

37

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a classificação do património imaterial, na qual as posições dos detentores são

preponderantes, servindo o quadro científico para a articulação e clarificação dos

discursos patrimoniais. É na sequência desta política que, e segundo recomendação da

UNESCO, esta associação pretende também a inserção de material sobre o património

imaterial galego-português no sistema educativo da euroregião38.

É interessante atentar na afirmação que um informante galego fez a António Medeiros

(2006, p. 126), referindo que a cultura galega foi unha obra de professores de instituto,

e verificar que este dito a propósito dos promotores do nacionalismo do início do século

XX continua actual, como se pode ver pelo trabalho desenvolvido quotidiana e

incansavelmente pelos dinamizadores desta candidatura.

38 http://www.pontenasondas.org/pt/contenido.asp (26/1/08).

38

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CAPÍTULO 2: A DINÂMICA

Neste capítulo falarei sobre as acções que desenvolvi para travar um conhecimento

aprofundado do projecto de classificação do património imaterial galego-português

apresentado à UNESCO, assim como analisar as que visaram a promoção e divulgação

da mesma.

Antes, porém, uma breve caracterização dos principais actores envolvidos no processo:

• Associação Ponte...nas Ondas!. De acordo com o trabalho de campo efectuado,

concretamente no que se refere a entrevistas e à busca em publicações periódicas,

é patente que esta associação contribuiu com os participantes mais envolvidos

no que toca à afectividade. Tal é resultado da identificação com o património

imaterial, visto que eles próprios, enquadrados ainda – na sua maioria – nos

contextos em que as manifestações culturais em questão existiram e existem, se

consideram herdeiros, além de o serem naturalmente. Por estas razões foram os

promotores da recolha tendo em vista a candidatura à UNESCO. As

consequências deste envolvimento foram negativas, uma vez que a recusa de

classificação provocou uma sensação acentuada e generalizada de desânimo e de

trabalho feito em vão. Além disso, gerou-se um grande ressentimento em relação

aos organismos e pessoas que, chamados a desempenhar um papel na promoção

e na prestação de apoio de formas diversas (em muitos casos essenciais para o

sucesso da candidatura), terão revelado pouco ou nenhum interesse, e por vezes

mesmo uma vontade de impedir o processo. Com fundamento ou não, o

insucesso do resultado foi atribuído por alguns membros a estes factores.

• Investigadores (antropólogos) encarregados da elaboração do projecto de

candidatura: Xosé Manuel González Reboredo (Universidade de Vigo) e Álvaro

Campelo (Universidade Fernando Pessoa). Experientes no campo da cultura

popular do Norte de Portugal e da Galiza, utilizaram conhecimentos e trabalhos

anteriores para construir o projecto. A sua visão foi mais distante, na medida em

que o envolvimento emocional derivado das relações pessoais ou culturais não

foi tão acentuado, devido tanto à profissão, que obriga a uma crítica não

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tendenciosa, como ao enquadramento social (não tão ligados pela vivência

quotidiana às comunidades rurais como muitos dos membros e colaboradores da

associação Ponte...nas Ondas!, por exemplo). Nesta altura se pode, contudo,

colocar uma questão, citando Copans (1999, p. 113): a de “como o etnólogo [...]

compreende, interpreta e manipula as respostas para fins científicos”. Não

afirmando que seja o caso é, no entanto, necessário levantar o problema porque

ele tem probabilidade de existência. Por vezes inconscientemente, e até por

influência dos próprios informantes, pode acontecer que se dêem algumas das

acções mencionadas, sendo necessário identificá-las, caso existam. Tal como

Carmelo Lisón Tolosana colocou a questão, Las diferentes visiones de los

antropólogos no obedecen simplemente a que se muevan en el ámbito de teorías

antropológicas diferentes sino sobre todo a que a veces ellos mismos están

motivados por mitos diferentes, que nos llevan a visiones muy peculiares de la

misma cultura (cit. em Medeiros, 2006, p. 204).

• Deve-se ainda considerar em que medida a recolha e a avaliação deste

património imaterial foram feitos por personagens envolvidos nos grupos

protagonistas das manifestações culturais, seja por integração, seja por

proximidade (como tal entendo a existência de ligações afectivas, familiares ou

outras que possam influenciar a avaliação). Pois, se a objectividade foi posta em

causa, as leituras transmitidas do património imaterial podem não corresponder

àquilo que se deve entender como o autêntico (ou o que, do remanescente

patrimonial, pode encarar-se como mais autêntico).

• Pelo que consegui reconstituir do desenrolar do processo, o património não foi

reconhecido na euroregião por imposição, mas antes por sugestão. A consciência

que os autóctones adquiriram de que são detentores de algo valioso conferiu-lhes

segurança, auto-confiança e noção de que são únicos, sentimentos transmitidos

aos familiares (com particular atenção aos descendentes) e à comunidade.

Resultou daqui que se conseguiu animar a camada de população mais jovem

para aprender e dar continuidade aos saberes e costumes dos ascendentes; assim,

por um lado estimularam-se o turismo e a difusão da identidade cultural, e por

outro criaram-se motivos (apesar de não dos mais significativos) para a fixação

das populações que tendem a deslocar-se do interior para o litoral.

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Procurei informações junto de informantes39 que permitissem observar formas de

expressão muito diversas, algumas mais próximas que outras da dinâmica interna do

processo de candidatura. Investi na obtenção de dados que proviessem de fontes não

directamente envolvidas no processo uma vez que a posição destas é a mais visível e

clara de todas, por terem sido os promotores oficiais; para perceber a dinâmica criada

por e à volta da elaboração do projecto é, isso sim, necessário interrogar fontes

periféricas, que fornecem visões heterogéneas, subjectivas e que vão contribuindo para

a constituição de um panorama multifacetado que se cria na confluência de diversas vias.

Foi necessária a adaptação às especificidades de cada interveniente e informante e às

que caracterizaram a dinâmica deste mesmo projecto, pelo que as formas de obtenção de

informação foram as que se discriminam seguidamente.

2.1 Conversas

Houve alturas em que não se pôde levar a cabo uma entrevista formal, utilizando o

gravador e/ ou tirando notas, uma vez que me encontrei com os entrevistados em locais

em que o ruído presente no ambiente era bastante elevado e os próprios informantes

tinham afazeres ou encargos eminentes, que não tornavam possível realizar uma

entrevista sem interrupções. Por esta razão denominei estes encontros de “conversas”,

algumas das quais foram contudo completadas com uma entrevista feita por e-mail mais

tarde. Tal foi o caso, por exemplo, da conversa com com Álvaro Campelo, antropólogo

e professor na Universidade Fernando Pessoa, responsável pela contribuição escrita

portuguesa na elaboração da candidatura conjunta. Com Xerardo Pereiro, antropólogo e

professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, apenas levei a cabo uma

produtiva e interessante conversa, durante o Congresso Internacional “A Raia: 1936-

1952, Repressão, resistência e memória”, realizado entre os dias 15 e 17 de Dezembro

de 2006, em Chaves e Cambedo da Raia.

Estas conversas, por natureza livres da estruturação que um questionário envolve, foram

muito produtivas e permitiram travar conhecimento com visões dotadas de grande

abrangência e interligações temáticas que contribuíram para um mais completo e

aprofundado conhecimento de como o património imaterial e o projecto de classificação

é compreendido pelos informantes e pelos estudiosos, como é que eles acham que os

39 Discriminados ao longo deste capítulo com devida autorização.

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outros o vêem, como o enquadram nas suas experiências e na sua formação e qual a

importância antropológica e política que pode ter um projecto com estas características.

Esta foi a modalidade de trabalho de campo seguida por George Marcus (Marcus &

Mascarenhas, 2005, p. 307) durante a sua investigação para o estudo sobre a nobreza em

Portugal na actualidade (esta forma de investigar coordenou-se com outras, entre as

quais sobressai a efectuada através da Internet, sobre a qual adiante falarei). Têm as

entrevistas informais a vantagem de mostrar ao entrevistador a forma como age o

informante no ambiente em que habitualmente se move, não se criando uma situação

artificial e descontextualizada, a que o acordo prévio pode retirar naturalidade, mas, nos

casos relacionados com a minha investigação, uma comunicação integrada no lugar

físico e/ ou psicológico onde se desenrolam as actividades laborais dos informantes.

2.2 Entrevistas

Grande parte do material recolhido assenta em entrevistas, feitas tanto a intervenientes

directos no projecto de candidatura como a participantes indirectos e observadores,

tendo em vista a aquisição de pontos de vista variados.

Algumas entrevistas foram levadas a cabo por e-mail, num processo similar àquele a

que Marcus denominou de ethnography by e-mail (Marcus & Mascarenhas, 2005, p. 19)

e que resultou na elaboração da obra citada. Considerando que no mundo actual a

informação e a comunicação assentam maioritariamente em meios electrónicos, em

particular na Internet, a sua utilização para fazer entrevistas – que foi efectuada apenas

nos casos em que a necessidade ditou o uso deste método (devido à impossibilidade de

encontros físicos por compromissos e obrigações profissionais) – não é descabida, mas

antes um novo recurso a explorar nas técnicas de pesquisa. Apesar de não oferecer o

contacto e as possibilidades de desenvolvimento que uma entrevista tradicional, tête-à-

tête, proporciona, as informações conseguidas são talvez mais depuradas, visto que não

existe muita margem para tergiversação; por outro lado, é possível o contacto constante

no sentido de esclarecer algumas respostas e colocar novas perguntas, que ocorrem

frequentemente após a fase de investigação no terreno. Os informantes têm igualmente a

possibilidade de pensar durante mais tempo nos assuntos que lhes são colocados. Podem

procurar registos/ fontes de informações que lhes são pedidas e lembrar os que não

retiveram na memória e têm assente em algum lado. Outra vantagem é a de poderem

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recorrer a alguém que possui as informações solicitadas, que não estaria acessível no

momento de uma entrevista frente a frente.

A entrevista à distância é um método que está longe de ser novo. Além do caso referido

de G. Marcus, foi utilizado, por exemplo, por Peter Davis (1999, p. 229), quando

necessitou de questionar, em 1998, 36 curadores de ecomuseus.

Os objectivos eram diferentes, mas o meio revelou-se eficaz para a realização dos

mesmos, com um resultado original no caso da obra de G. Marcus e F. Mascarenhas. De

ambos os exemplos apresentados aquele que se assemelha mais ao caso presente é o

último, visto tratar-se de correspondência trocada regularmente sobre um assunto

específico. As trocas de e-mail sobre o estudo de caso presente foram mais frequentes

com uns informantes que com outros, de acordo com as necessidades surgidas ao longo

do trabalho. Não aconteceu algo de que Marcus fala no que diz respeito à sua

correspondência com Mascarenhas, pelo menos numa fase inicial: o deixar para uma

ocasião de encontro face a face o aprofundamento de alguns assuntos (Marcus;

Mascarenhas, 2005, pp. 16 e 17).

Destas entrevistas, tal como das outras, apresentarei os resultas integrados no texto do

trabalho e não em bruto (com explicações e apontamentos intercalados), como optaram

por fazer Marcus e Mascarenhas e que marcou com originalidade a sua obra, que adapta

o estudo de um tema antropológico específico às possibilidades proporcionadas pelas

NTI.

As entrevistas efectuadas por e-mail foram a Xerardo Feijoo, membro da associação

Ponte...nas Ondas! e a Álvaro Campelo (uma das entrevistas, pois foram duas as

realizadas como acima foi mencionado). As demais foram realizadas na presença física

dos entrevistados: David Teixeira, director do Ecomuseu de Barroso, José João

Sardinha, antropólogo co-responsável pelo levantamento das manifestações de

património imaterial do Norte de Portugal para a candidatura em estudo e pela

investigação e produção de conteúdos audiovisuais sobre este mesmo género de

património no Ecomuseu de Barroso, Xerardo Pereiro, com trabalho desenvolvido sobre

oralidade e relações transfronteiriças entre a Galiza e o Norte de Portugal, Alexandre

Meirinhos, músico pertencente ao grupo mirandês de música tradicional Galandum

Galundaina, e Cesáreo González, presidente da Asociación de Veciños do Couto Mixto.

Foi minha intenção entrevistar mais algumas pessoas, cujo depoimento considerava

importante pelas suas experiências e visões, tendo sido contudo estas entrevistas

impossibilitadas por razões que não puderam ser ultrapassadas.

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Os produtos destas entrevistas foram variados e complementares, servindo o

cruzamento de dados para desenhar um enquadramento do projecto de classificação do

património imaterial galego-português apresentado à UNESCO.

2.3 Sites

No tempo presente raras são as acções civis e mesmo pessoais que não se socorrem da

Internet para se tornarem conhecidas e granjearem apoios, uma vez que este meio se

tornou o mais acessível, actual, rápido e, em relação a determinados assuntos, eficaz, no

fornecimento de informação. As entidades promotoras desta candidatura recorreram

então à Internet, criando de um site. Este tornou-se a forma privilegiada de comunicação

com o público, na medida em que é a que tem um raio mais alargado de alcance

(universal) e em que as informações podem ser constantemente revistas e actualizadas.

Além disso, permite uma interacção promotores-público através do fórum.

Após exploração deste site (www.opatrimonio.org) verifica-se que não cumpre da

melhor maneira o propósito que ditou a sua criação: a transmissão de informação

específica a um público universal (com incidência privilegiada no galego e no português,

como se compreende). A apresentação de ideias é desconexa e sem uma estrutura

articulada, não se especificando – sequer em linhas gerais – o que se considera

constituir exactamente o património imaterial de Portugal e o da Galiza, nem se

apresentando poucas mas fundamentadas e claras razões da identificação que se fez

entre as manifestações patrimoniais da euroregião. Este sítio aparece como um local

para a manifestação de sentimentos e ideias dos iniciados do tema, apenas com algumas

pistas sumárias sobre o que é a candidatura. Confere-se um hermetismo paradoxal a este

suporte privilegiado de divulgação de informação.

Apesar da importância que no contexto deste trabalho adquire o site da candidatura não

quero deixar de falar de outros, que são de número elevado e revelam uma dinâmica de

apoio, de crítica, de envolvimento intelectual e emocional, de confronto de perspectivas

e de contributos a esta iniciativa de classificação do património galego-português ou,

como aparece vezes sem conta, “um património comum”. Desde já chamo a atenção

para um aspecto que se me evidenciou desde o primeiro instante das pesquisas e que se

reforçou com o aprofundamento das mesmas e através do diálogo com pessoas

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envolvidas na candidatura: a Galiza e os Galegos intervieram e manifestaram-se muito

mais, fosse positiva ou negativamente, em tudo o que é relativo à candidatura.

O site da candidatura releva de forma extraordinária a oralidade, fazendo uma

associação directa entre os conceitos “imaterial” e “oralidade”. Esta associação deriva

do facto de que as palavras ditas e articuladas em lendas, rezas, jargões, etc., se

manifestarem em todo o seu sentido sem necessidade de suportes materiais, enquanto

nos outros géneros de manifestações consideradas imateriais (como festividades,

gastronomia e artes e ofícios) a palavra ou não existe ou possui um papel complementar,

apenas como contribuição para que o todo se concretize.

• Antecipação

Em diversos sítios de Internet, tanto galegos como portugueses (com especial incidência

nos primeiros), foram-se colocando notícias de cariz pessoal que manifestavam os

sentimentos tanto de expectativa em relação à candidatura como perante o resultado da

mesma. Foi o desânimo após a reprovação da candidatura40, e é evidente uma

participação bastante acentuada dos cidadãos em geral, manifestando na sua maioria,

em sítios e blogs, o seu apoio e vontade de que o património que consideram “seu”, por

pertencer ao seu país, fosse classificado.

Para caracterizar, ainda que brevemente, o vasto universo dos apoiantes da candidatura,

pode dizer-se que alguns dos sites mais relevantes através dos quais se manifestaram

foram:

• www.pontenasondas.org (09/02/08).

• http://www.xogospopulares.com/index.php?start_from=60&ucat=&archive=&s

ubaction=&id=& (17/05/07).

• http://groups.google.pt/group/clubejovensfolcloristas (09/02/08).

• http://www.gaitadefoles.net/noticias/meninoscantores.htm (09/02/08).

Como nem todas as vozes foram de apoio à iniciativa, apesar de constituírem a

esmagadora maioria, devemos mencionar pelo menos um documento que foi colocado

40 Cf., p.e., http://circodevariedades.blogspot.com/2005_11_01_circodevariedades_archive.html (24/03/07).

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na Internet41 que serviu para a manifestação de uma postura não concretamente anti-

candidatura do património imaterial galego-português (apesar de a mencionar), mas de

crítica radicalista contra as formas de trabalhar o património imaterial em Portugal,

documento este em que o antropólogo Manuel João Ramos apresenta uma versão do seu

artigo que se encontra na obra Conservar para Quê? (Jorge (coord.), 2005). No final

deste capítulo tecerei algumas considerações acerca deste artigo, feitas a partir da sua

versão citável e não do documento electrónico.

• Reacção

“A CULTURA GALEGO-PORTUGUESA, PARA NÓS, É OBRA MESTRA!”42

Esta afirmação encabeça a página de apresentação do site oficial da candidatura e diz

muito sobre a atitude tomada perante o não reconhecimento pela UNESCO.

Após se conhecer o resultado da candidatura realizou-se a 2/12/2005 um jantar com

pessoas envolvidas na mesma, em que

“os promotores deron á o coñecer aos asistentes que a difícil aplicación dun

Plan de Acción sobre o conxunto do patrimonio tan amplo e tan diverso que se

propuña na Candidatura, e o feito de non recoller no informe remitido dende o

Consello de Filosofía de Portugal, o proceso de xestación desta Candidatura a

partir dos centros educativos galegos e portugueses, foron fundamentalmente os

argumentos que incidiron negativamente na non proclamación. Aínda así o

Patrimonio Inmaterial Galego-Portugués estivo ata última hora enriba da mesa

das decisións”. Um pouco mais à frente nesta página Web lê-se que ”Os

promotores consideran asía que “o camiño andado pode ser un bo soporte para

convencer a ambos gobernos para que o patrimonio inmaterial galego-portugués

sexa inscrito no futuro nesa Lista Indicativa”, [...] “é preciso continuar o

traballo de investigación, protección e salvaguarda das tradicións que unen

galegos e portugueses””43.

Esta última afirmação foi confirmada pela continuidade que a associação deu às suas

actividades; por outro lado, o optimismo que ressuma quando os promotores falam do

caminho que já se fez para o reconhecimento do património é mais oficial que pessoal,

41 http://iscte.pt/~mjsr/Docs/Manuel%20Ramos%20-%20Nota%20sobre%20Patrimonio%20Intangivel%20-%20Conservar%20para%20que%202005.pdf (17/05/07). 42 http://www.opatrimonio.org/ (08/12/07). 43 http://www.opatrimonio.org/pt/noticias.asp (09/12/07).

46

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segundo o que pudemos ouvir de alguns promotores em encontros científicos a que

acorri (vd. ponto 2.5 deste capítulo) nos quais não procuraram ocultar a emotividade

ligada ao desenrolar do processo. De facto, a recusa de reconhecimento do património

imaterial galego-português provocou, pelo que pude apreciar ao longo da investigação,

um desânimo que se prende com o questionamento da validade da identidade conjunta.

“A construção da identidade é um fenómeno que se produz em referência aos outros, em

referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se

faz por meio da negociação directa com outros.” (Pollack, 1992, p. 204). O processo de

negociação da identidade galego-portuguesa teve na recusa do reconhecimento

patrimonial um percalço. A este respeito pode citar-se uma frase de Prys Morgan num

artigo sobre a construção do passado galês no período romântico: “Foi necessário um

esforço sobre-humano da parte de um grupo restrito de patriotas para que seus patrícios

apreciassem seu legado, valorizassem o que era deles” (Morgan, 2002, p. 109). Pelo que

se consegue perceber através dos diversos meios acessíveis a qualquer público, é este o

estado de espírito dos promotores da candidatura, que ocupam um lugar similar, tendo

em conta as devidas distâncias temporal e espacial e as diferenças de contexto.

Contudo, e após um período de desânimo, o site oficial revitalizou-se, tentando cativar

mais uma vez apoiantes para a causa através de, por exemplo, um local onde as pessoas

se podem inscrever para manifestar a sua opinião favorável à recandidatura. Este

renascimento, acontecido no final do ano de 2007 (Novembro), deveu-se à proximidade

da altura em que se proporiam de novo formas patrimoniais para reconhecimento.

Avizinhava-se um período de apresentação de candidaturas que termina em Agosto de

2008, sendo as primeiras inscrições nas Listas Representativas do Património Imaterial

Mundial proclamadas em 2009. Esta apresentação é agora feita seguindo-se uma

metodologia diferente. São os Estados a inscrever os patrimónios na lista indicativa,

seguindo normas pré estabelecidas e podendo inscrever apenas uma proposta de

património imaterial por ano (sendo que as propostas multinacionais não têm limite de

número), segundo o convencionado na reunião que a UNESCO realizou em Tóquio em

Setembro de 2007. Nesta altura (Novembro de 2007) ainda falta contudo a aprovação da

Assembleia da República Portuguesa da Convenção para a Salvaguarda do Património

Imaterial que está em vigor desde 2006 e que regulamenta a nova forma, que acima foi

descrito, de candidatura de património imaterial a reconhecimento pela UNESCO44.

44 http://www.opatrimonio.org/pt/principal.asp (8/12/07).

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Como se pode verificar em estudos como o de Wilson Trajano Filho (2002), em que se

analisam as narrativas apresentadas pela Web sobre a Guiné-Bissau e onde se faz uma

comparação com rumores orais, a Web propicia uma liberdade de expressão maior, com

mais vertentes, em parte por se socorrer da palavra escrita, em parte por permitir o

anonimato fácil. Por estas razões são numerosos os comentários que no site oficial são

colocados sistematicamente por observadores, assim como os que aparecem

pontualmente em blogs e demais sites.

Quero analisar aqui um aspecto que se me afigurou interessante enquanto investigadora

e público receptor de informações emitidas pelos organismos promotores e apoiantes da

candidatura: a da emigração (que é abordada desde outros pontos de vista nos diferentes

capítulos do trabalho).

Pela consulta aos sites que se têm vindo a mencionar pôde-se verificar a preocupação

com a ligação às comunidades emigrantes e à sua promoção enquanto elementos

dispersos da cultura que emanou da Gallaecia mãe, seguindo a candidatura esta mesma

linha. Não é claro para o visitante destes lugares virtuais, contudo, o papel que é o mais

importante dos que as comunidades emigrantes, especialmente as galegas,

desempenharam na dinâmica cultural da sua região de origem. Este papel é o do

contributo para uma imagem representativa da Galiza, que pode para muitos

corresponder a uma identidade nacional. E é no processo cultural de construção da

nação galega, um dos pontos de maior importância deste estudo, que o argumento da

valorização da emigração ganha peso. Como diz António Medeiros (2006, p. 168)

“Genericamente esquecidos parecem estar os contributos, heteróclitos e mestiçados com

que emigrantes pouco letrados contribuíram para que a Galiza pudesse ser figurada

como comunidade de um lado e do outro do Atlântico”.

São inexistentes as referências aos costumes culturais trazidos pelos emigrantes, à dança

dos bailes agarrados que substituiu para muitos a dança das muiñeiras, ao canto de

saetas andaluzas nas procissões, à subversão do trajar típico galego (cf. Medeiros, 2006,

p. 166)...

A questão da gastronomia é de igual interesse neste contexto, pois apresenta-se como

património imaterial na candidatura. Como muitos outros emigrantes com origens em

diversos pontos de Portugal com quem tive oportunidade de conversar, a dieta que era

costumeira nas terras que os viram nascer, e costumeira porque as posses das famílias

que produziram emigrantes eram poucas ou inexistentes e obrigava ao consumo dos

mesmos alimentos todos os dias, era um aspecto traumático que ajudava à decisão de

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emigrar. Chegados à nova terra, as saudades ensinavam a valorizar os sabores da vida

anterior (a necessidade também obrigava por vezes a continuar a reduzir a quantidade e

qualidade alimentares, pelo que durante um certo período de tempo o sistema alimentar

não mudava muito, mas este aspecto foi muito residual nos relatos que ouvi e nunca o

primordial para a valorização dos alimentos “típicos” da terra de origem). Aliava-se

ainda a isto a imprensa galega dirigida aos emigrantes, que publicitava produtos

“típicos” agora acessíveis a quem na vida que teve na Galiza apenas podia sonhá-los, se

por acaso soubesse da sua existência. Assim, a valorização da gastronomia que surgiu

condicionada pelas formas de vida, por aquilo que cada família podia produzir e a que

podia aceder num sistema alimentar considerado pobre, tornou-se símbolo e ganhou

importância e projecção em grande parte devido ao que representou e representa para a

comunidade emigrante. E recorde-se que os emigrantes enriquecidos são personagens

que ganham peso tanto na sua terra como nos países de acolhimento (sendo que neste

último caso o dinheiro e consequente proeminência social não possuirão um papel tão

decisivo como no primeiro, mas sim as funções de cidadão). O dinheiro com esta

origem é ainda digno de atenção por contribuir significativamente para a realização das

festas das aldeias de origem, festas estas onde não somente se desenrolam as

manifestações de património imaterial como são lugares em que o elevado contributo

monetário dos emigrantes lhes confere o direito de interferir e sugerir a adopção de

aspectos retirados de outras culturas com que contactaram nas suas novas terras. A

capacidade financeira dos galegos regressados fez ainda com que referências que os

ligavam imaginariamente à Galiza fossem potenciadas através do emprego nos

investimentos feitos no retorno. Tal é o caso do gosto pelo celtismo e por todos os

símbolos que o transmitem – reforçado pelo contacto com emigrantes irlandeses na

América (Medeiros, 2006, pp. 343 e 344).

Não se menciona também o facto de terem sido os emigrantes, dos Galegos, os que

puderam praticar e utilizar as referências culturais da sua terra quando o regime

franquista exercia uma clara coacção aos exercícios de práticas que pudessem ajudar ou

significar diferença (cf. Medeiros, 2006, pp. 166 e 167) que, por sua vez, poderia levar

em última instância à ideia de autonomia e separação.

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2.4 Periódicos

Seleccionei duas notícias de periódicos que são paradigmáticas da situação que pretendo

ilustrar neste ponto.

Imagem 3 Notícia sobre recandidatura do património imaterial galego-português à UNESCO. Fonte: Jornal de Notícias, 4/2/2008, p. 24.

No Jornal de Notícias do dia 4 de Fevereiro de 2008 (cuja notícia de capa era o aumento

da altura média dos Portugueses...), a propósito da época carnavalesca e do Entrudo

Chocalheiro de Podence, apresentou-se uma breve notícia em fundo de página que

mencionava a recandidatura do património imaterial galego-português à UNESCO.

Ultrapassando aspectos desta notícia que mostram ter sido escrita por alguém com

deficiente informação básica sobre o tema e que não teve a preocupação de procurar na

Internet o nome e identidade da associação Ponte... nas Ondas!, nome que lhe terá sido

transmitido oralmente e foi transcrito devido a má percepção como “Comissão Ponto

nas Ondas”, e de mencionar que a candidatura inicial abrangia todo o património

imaterial da “região Ibérica”, consegue-se através do depoimento de Álvaro Campelo, o

antropólogo português responsável pela redacção da candidatura, descortinar um pouco

do que fez com que a primeira candidatura não tivesse sido aprovada. Cito:

“Será uma grande candidatura, subdividida em vários temas, que terão autonomia, “o

que permitirá caracterizar, justificar e aprofundar cientificamente e criar um plano de

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acção específica para cada um” [...]. Cada tema deverá ter uma contextualização

geográfica e uma caracterização científica. “O que falhou da outra vez não foi a

qualidade do projecto, mas sim a sua organização” [...]. Uma segunda recusa seria

“trágica”. A candidatura não avançará se não houver certeza de que receberá luz verde.

“Se não tivermos uma grande convicção e um grande acolhimento de todos os

intervenientes não avançaremos” [...]”.

Podemos concluir então que: apenas a pretexto do Carnaval e a sua forma de

comemoração em Podence, Macedo de Cavaleiros, que tem sido bastante mediatizada

em tempos recentes (podem-se apontar como exemplos a exposição “Rituais de Inverno

com máscaras”45 e o artigo “Os dias dos rapazes” de Susana Torrão na revista Notícias

Magazine de 9 de Dezembro de 2007, pp. 90-98) se menciona este projecto de

candidatura; os meios de comunicação social continuam a demonstrar desinteresse no

assunto, reflectido não só na ausência quase total de notícias como na desinformação

patente nas poucas que aparecem; apesar da reelaboração da candidatura ainda há

incerteza e insegurança dos responsáveis quanto à sua eficácia e à aceitação que poderá

vir a ter.

Imagem 4 Páginas iniciais do artigo “Os dias dos rapazes”. Fonte: Torrão, Susana (9/12/2007) “Os dias dos rapazes”, in Notícias Magazine, suplemento do Jornal de Notícias nº 191/120.

45 http://www.ipmuseus.pt/pt/noticias/H28890/TA.aspx (27/01/08).

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2.5 Encontros científicos

Participei em encontros desta natureza a fim de contactar e conhecer intervenientes na

candidatura, assim como com pessoas que se dedicam ao estudo e divulgação do

património imaterial e temas associados.

No âmbito da investigação acorri aos eventos:

• Curso “As fronteiras e as identidades raianas entre Portugal e España” (12 – 15

de Julho 2006, Ribadavia e Chaves).

• Congresso Internacional “A Raia: 1936-1952. Repressão, resistência e

memória” (15 – 17 de Dezembro de 2006, Chaves e Cambedo da Raia).

• I Encontro de Antropologia do Norte de Portugal e Galiza (8 – 10 de Novembro

de 2007, Chaves).

Uma vez que a quase totalidade dos informantes assistiu, interveio de alguma forma ou

fez comunicações nestes encontros, mesmo que não directamente relacionadas com a

candidatura em análise, foram de grande utilidade as informações que fui ouvindo neste

âmbito.

Foi assim, e através de manifestações espontâneas, que me foi apercebendo da atitude

de alguns membros da associação Ponte...nas Ondas!, com responsabilidades no seu

seio.

Tornou-se-me então evidente que a concessão de valor a elementos que foram elevados

à categoria de património imaterial pelos membros desta associação não coincidiu com

a activação desse mesmo valor. Esta falta de activação não foi só da UNESCO como

também de outros organismos nacionais e locais. Uma vez mais devemos mencionar o

relevante papel dos organismos e representantes políticos, dos detentores do poder

efectivo, que têm a faculdade de conferir ao património um estatuto institucional e

assim permitir maior dinamismo e repercussão. O resultado desta falta de convergência

foi um sentimento profundo de revolta e frustração, de esforço não reconhecido e de

algum desânimo.

Neste contexto, merecem ser formuladas algumas perguntas sobre a dinâmica gerada em

torno do património imaterial galego-português, resultantes da observação feita durante

este trabalho. É pertinente também um comentário a um artigo que, apesar de não ser

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sobre o património imaterial galego-português é uma visão de algumas dinâmicas do

património imaterial em Portugal. Da autoria de um antropólogo português, foi

publicado no ano em que a candidatura foi apresentada à UNESCO. Uma breve análise

deste artigo tem interesse no contexto deste capítulo. Além do contributo que dá para os

temas aqui tratados, introduz ramificações para assuntos abordados ao longo deste

estudo de caso.

Será portanto necessário pensar nas possíveis motivações que levariam ao surgir da

vontade, nos poderes políticos, de criar e manejar um determinado género de património.

Veja-se o estudo de caso de Eric Gable sobre Monticello, a residência de Thomas

Jefferson (2006, pp. 111-120): exista ou não intencionalidade nesse sentido, a verdade

que ressuma do processo de “reconstrução e reposição” da herança social é sempre

parcial. A exaltação de determinados aspectos implica que outros fiquem na

obscuridade, havendo sempre quem se interesse pelo que ficou no esquecimento por

estar oculto. É preciso, assim, avaliar quais as razões para a escolha que leva a

evidenciar determinados aspectos em detrimento de outros.

Como diz Copans (1999, pp. 108 e 109), as sociedades são “sujeitas a lutas de interesses

e aos esquemas ’nacionais‘ e ’multinacionais ‘”. Segundo a perspectiva evolucionista da

antropologia política, haverá uma ligação estreita entre a evolução das sociedades e o

poder dominante da política. Será que a política desempenhou, como diz o citado autor,

o papel de estrutura representativa ou coordenadora das demais nestas sociedades? E

será que ainda se pode colocar a questão, ainda segundo Copans (que, sobre o mesmo

assunto, refere a posição idêntica de Pierre Clastres), de que as sociedades reagiram de

forma a cercear o aumento ou maturação do poder de um Estado (Copans, 1999, p. 66)

ou qualquer outro organismo político de relevância nos grupos em estudo? Apesar das

particularidades étnicas, “as regularidades culturais existem, mas é o campo político

moderno que lhes incute significação e que dá coerência e continuidade ao que, por

natureza, é heterogéneo e descontínuo” (in Copans, 1999, p. 72).

A predominância de entusiasmo e desta vontade de “dar continuidade” ao que é

“heterogéneo e descontínuo”, que já verificámos existir da parte galega no que à

dinâmica da candidatura diz respeito e é contrastante com uma acção portuguesa menos

vincada, pode ser vista à luz de um escrito de Manuel Murguía datado de 1888 e citado

por António Medeiros (2006, p. 227): El peligro que [...] corre el Estado español, de

que se ahonden las diferencias que nos separan, y se conviertan en marcada hostilidad

las relaciones que al presente unen á las diferentes nacionalidades de que se compone,

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es tanto más serio, cuanto Galicia se halla constantemente solicitada por Portugal, y

puede en un momento dado venir en su auxilio y tomarla para sí, sin que nos duela, ni

mucho menos. Após esta previsão aconteceu, na verdade, a criação da euroregião. Mas a

dinâmica à volta da candidatura tal como tem sido descrita no presente trabalho mostra

que este prenúncio de Murguía tende a realizar-se culturalmente. E, pelo que se

evidencia neste estudo de caso, é Portugal que é “solicitado” pela Galiza, ao contrário

do antecipado por Murguía.

Aliás, esta constatação é feita pelo próprio António Medeiros (2006, pp. 228 e 229), que

menciona o desinteresse dos investigadores portugueses nas relações Portugal-Galiza

quando o contrário se verifica entre os estudiosos galegos, tendo sido mesmo, no início

do século XX, os artigos de maior ou menor qualidade enviados para a Galiza por

estudiosos portugueses encarados com um respeito que parece ter sido evidência

constante do apreço que Portugal tem merecido e de que a candidatura de património

imaterial é um dos mais recentes exemplos, salvaguardadas as devidas distâncias e

enquadrado num contexto diferente.

É ainda de considerar a questão da necessidade de existência de um oposto para que se

crie e afirme uma identidade, seja ela política ou cultural. Assim, ao assumir-se um ou

mais elementos de diferença (o património imaterial, no caso em estudo) haveria uma

unificação de sociedades fragmentadas e com pouco peso político e cultural que se

poderia afirmar perante as hegemonias estatais. De aí que se possa colocar a hipótese de

alguns organismos estatais não terem prestado a sua colaboração por não pretenderem

ser confrontados com a dita oposição. Por outro lado e considerando a estratégia destas

mesmas hegemonias, as entidades que mais entusiasticamente apoiaram o projecto

podem ter observado o caso desde perspectiva oposta: a existência de diferenças no

âmbito cultural e político das hegemonias seria um contributo que valorizaria a

totalidade do Estado - ou de outros níveis políticos abrangentes, como as autarquias.

Visto que os detentores deste género de património (aquele que é considerado mais puro)

se enquadram em classes rurais, mais isoladas, é lícito colocar a hipótese de que

associações e pequenos núcleos de poder local se tenham socorrido de um meio cada

vez mais valorizado46 para se projectarem na cena cultural, política e mesmo social da

nação a que pertencem.

46 Note-se a proliferação actual de praticantes urbanos, que recolhem, com maior ou menor “fidelidade”, o património performativo nas aldeias. A dimensão e projecção que os núcleos urbanos conferem a este património incentiva os detentores rurais a tomar medidas que preservam e dão visibilidade à sua herança.

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Como diz Georges Balandier (1987, p. 179), a comunidade aldeã “constitui uma

sociedade em redução, de fronteiras definidas, em que se apreende com nitidez o

confronto entre o tradicional e o moderno, entre o sacro e o histórico.” Deste modo,

haveria uma resistência do núcleo que cada aldeia representa perante a tendência

centrípeta da grande cidade, da nação e da globalização internacional. E esta tendência

manifestou-se de forma cultural, uma vez que não haveria possibilidades de competição

a outros níveis, como o financeiro e o industrial, por exemplo. Socorreu-se de um bem

único, distintivo e que possui um valor que advém da tradição construída, da

transmissão patrimonial.

Os grupos dominantes ou a cultura dominante e o Estado condicionam a relação global/

local, devendo-se ter em consideração o papel que o turismo desempenha na economia.

Se se criarem condições que atraiam os consumidores turísticos a pontos de interesse

local a economia e a imagem pública fortalecem-se.

Uma última palavra para um artigo de Manuel João Ramos (2005, pp. 67-76), intitulado

Breve nota crítica sobre a introdução da expressão “património intangível” em

Portugal. O conteúdo deste artigo não poderia casar melhor com o título da obra em que

se insere (Conservar para Quê?). A denúncia da prevalência de interesses políticos

subjacentes às acções da UNESCO que visaram e visam a protecção e promoção do

património imaterial é feita de forma clara; contudo, não se poderia fazer esta crítica a

toda e qualquer iniciativa proveniente do ser humano? Enquanto ser pensante é político,

logo todas as suas acções terão finalidades específicas.

No entanto este autor coloca algumas questões pertinentes não só em geral, mas para o

estudo de caso presente: “O que significa uma “obra-prima do património imaterial da

humanidade”? Quais os critérios de classificação e selecção de um “bem intangível”?

Quem pode, deve ou quer reclamar autoridade para designar qual o “património

imaterial” a preservar e a valorizar? [...]. Estas questões referem-se a matérias que não

foram, em Portugal, sujeitas a um debate público suficientemente alargado.” (Ramos,

2005, p. 71). São interrogações às quais se vão colocando hipóteses de resposta ao

longo deste trabalho, evidenciando-se também a falta de divulgação, mediatização e

consequentes conhecimento público e divulgação de opiniões, em Portugal, que fizeram

com que aspectos já falados neste capítulo, como as expectativas e reacções ao processo

de candidatura, fossem mais expressivas na Galiza do que em Portugal. Continuando a

citar o mesmo texto,

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“O entendimento que parece haver, entre “peritos”, “interessados” e

“decisores” (sobretudo autárquicos) do processo de candidatura, e da noção de

“património imaterial”, é que a classificação do “património imaterial” é um

instrumento que duplica a classificação do “património material” e que,

portanto, o principal interesse de uma “tradição popular” está nas

potencialidades políticas e económicas que advêm da sua classificação.

Patrimonializada, imaginam, uma tradição permite colocar no mapa do

turismo cultural internacional uma localidade ou região particular [...]”.

Mais uma vez o autor se apoia no que, pela investigação, verifiquei ser verdade (vd.

capítulo 3), não obstante o tom incrédulo e de censura que perpassa as palavras de

Manuel João Ramos. Comprova-se de diversas formas a efectiva, palpável mais-valia

política e económica que as manifestações de património imaterial provocam (apesar de

frequentemente não reconhecidas como tal, começando pelos próprios detentores e

dinamizadores), sendo portanto, e com lógica, os “decisores” autárquicos dos que se

encontram à cabeça da fila que se forma para extrair benefícios destas manifestações. A

forma como o fazem é que pode ser por vezes censurável, mas se se encararem os

“decisores” autárquicos como o que são, gente da sua terra, é uma intenção

naturalíssima a de querer “utilizar” e divulgar património imaterial que acreditam ser

característica distintiva, própria.

O objectivo que guiou a redacção deste artigo não terá sido tanto a crítica à introdução

da expressão património intangível e à sua essência como a censura a utilizações que

dele se tentaram fazer, tanto mais quanto não tinham, ostensivamente, algumas das

características exigíveis para reconhecimento de património imaterial da humanidade.

.

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CAPÍTULO 3: O PATRIMÓNIO IMATERIAL NA CANDIDATURA E NOS MUSEUS

3.1 Candidatura

Conforme dito no site oficial da candidatura à UNESCO, “a relação do território com os

sentidos das vivências das comunidades e a apropriação do mesmo por parte destas são

uma das características mais definidoras do património cultural desta região de que, a

tradição oral é um vivo testemunho. A continuidade de tradições orais e de práticas

sociais e materiais a elas associadas no Noroeste Peninsular é o que propomos para o

conteúdo a considerar como património imaterial e intangível”47. De acordo com estas

afirmações, pode em última instância considerar-se o Noroeste Peninsular (ou a Galiza e

o Norte de Portugal, particularizando) como um “museu de território” ou um

“ecomuseu”, visto que alberga os informantes e praticantes das várias manifestações

que são consideradas património imaterial.

Verifica-se contudo que a candidatura não faz qualquer referência à criação de

estruturas museológicas específicas com a finalidade de salvaguardar e promover o

património imaterial, desenhando sim um plano de acção ou Action Plan estruturado em

cinco partes: Research, Documentation, Promotion, Transmission e Spreading. No item

Promotion está contemplada a criação de uma rede de centros dedicada à cultura

tradicional e no Spreading, a itinerância de exposições sobre património oral48, sendo

estas iniciativas as que mais se aproximam de actividades desenvolvidas por museus e

profissionais de museologia. É minha opinião que se tivesse sido feita nesta candidatura

uma proposta de organismos museológicos consistentes e estruturados especialmente

para o tipo de património que se pretende classificar esta candidatura teria uma base

mais sólida, uma vez que a instituição poderia concentrar, organizar, coordenar e gerir

de forma articulada uma série de iniciativas que deste modo seriam mais eficazes, além

de servir de repositório central de informação sobre o património imaterial. Organismos

47 http://www.opatrimonio.org/pt/candidatura.asp (21/03/07). 48 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), pp. 155, 161 e 163.

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deste género teriam também, pela sua natureza, mais recursos e vocação para encontrar

soluções adequadas à recolha, ao estudo, à organização, protecção, à promoção e à

transmissão do património imaterial do que uma rede de centros para a interpretação,

encorajamento e interpretação da cultura tradicional conforme projectado, uma vez que

estes últimos teriam uma relação de grande dependência com câmaras municipais e

entidades afins criando-se como consequência um desequilíbrio entre os diversos

centros.

O que ao longo da candidatura se propõe é a distribuição das diversas iniciativas por

museus existentes de maneira a utilizar as suas especificidades, não havendo contudo

uma super-estrutura que coordenasse as acções. Na Galiza, o que mais se aproxima de

um organismo coordenador é o Consello da Cultura Galega49, enquanto Portugal não

propõe na candidatura qualquer estrutura com funções similares à da galega.

Encontramos no Ecomuseu de Barroso, que aqui é o principal estudo de caso

museológico, uma característica especial relativa à musealização estruturada que a

candidatura não contempla: a preservação do património imaterial pelos próprios

informantes, ao incluí-los num sistema “eco” que, pela sua essência, torna os habitantes

responsáveis pela preservação e continuidade do património que detêm, assim como

pela explicação do mesmo aos visitantes. A imagem, o design expositivo, são

concebidos tanto pelo ecomuseu como pelas pessoas e paisagens que constituem o seu

acervo, com predominância evidente dos primeiros, detentores de património imaterial.

3.1.1 Bases

• História

Noto que a candidatura não propôs algo que seria um dos instrumentos de

fundamentação do projecto de classificação do património imaterial e que lhe conferiria

a consistência necessária, no caso de ser aprovada pela UNESCO: a elaboração de um

estudo histórico em que se investigassem e fundamentassem as relações existentes entre

Portugal e a Galiza, no qual seriam evidentes, articulados e estruturados todos os

elementos que formam a(s) culturas(s) em questão e que a candidatura apresentou como

base para a classificação conjunta do património galego-português. O Museo do Pobo

49 Idem, p. 171.

58

Page 59: ÍNDICE · 2012-04-27 · memória preconizados por Leroi-Gourhan (1993), Jack Goody (1987, 1988) e Jacques Le Goff (1984). Como se verá, foram invocados e recriados intrumentos

Galego foi o único organismo que neste processo apresentou um pequeno texto de

fundamentação histórica, a partir do qual parece ter sido elaborado o que se encontra na

página web da candidatura50, de carácter generalista.

• Oralidade

Como já foi mencionado, a oralidade é um dos ex-libris desta candidatura, como aliás

manifesta o título da mesma (sugerido pela UNESCO). É afirmado na página web da

candidatura que o património imaterial é entendido como "o conjunto de formas da

cultura tradicional e popular ou folclórica, quer dizer, as obras colectivas que emanam

de uma cultura e se baseiam na tradição. Estas tradições transmitem-se oralmente ou

mediante gestos [“as técnicas de corpo”, o habitus de que fala Marcel Mauss e que

variam de acordo com as sociedades51] e modificam-se com o decorrer do tempo

através de um processo de recreação colectiva. Incluem-se nelas as tradições orais, os

costumes, as línguas, a música, os bailes, os rituais, as festas, a medicina tradicional e a

farmacêutica, as artes culinárias e todas as habilidades especiais relacionadas com os

aspectos materiais da cultura, tais como as ferramentas e o habitat."52.

A oralidade é portanto tratada na candidatura como veículo da maioria das

manifestações de património imaterial e naturalmente privilegiada quando se procura a

transmissão do património em questão (sendo por isso uma característica constante nas

medidas contempladas pelo Action Plan). A título de exemplo podem-se mencionar os

workshops que ensinariam técnicas artesanais diversas (não especificadas), cantares ao

desafio e contos e histórias antigos, assim como a transmissão do património imaterial –

privilegiando-se o contacto directo dos alunos com os informantes – nas escolas da

euroregião53. Considerando que estão em questão elementos culturais de comunidades

cujos membros tardia ou raramente foram alfabetizados, e que os informantes se

encontram na maioria das vezes entre os que não têm alfabetização, o veículo que é a

voz (falada e cantada) reveste-se de importância extrema. Note-se ainda que esta

circunstância reforça o conceito de património imaterial, criando-se uma sequência de

transmissão da cultura dos “pais” aos “filhos” (entendendo-se patris e filiis nos sentidos 50 http://www.opatrimonio.org/pt/documentos.asp?tipo=hc (16/05/07). 51http://classiques.uqac.ca/classiques/mauss_marcel/socio_et_anthropo/6_Techniques_corps/techniques_corps.pdf (07/01/08). 52 http://www.opatrimonio.org/pt/patrimonio.asp (16/05/07). 53 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português (2005), pp. 201-203.

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literal e figurativo) em que a comunicação feita pela fala em vez de pela escrita fomenta

a aproximação afectiva entre os intervenientes.

Seria, finalmente, útil desenvolver um trabalho de identificação e sistematização do

número de núcleos populacionais que no Norte de Portugal e na Galiza detêm este

património imaterial, localizando geograficamente (com mais ou menos precisão, de

acordo com as possibilidades) cada manifestação; tal permitiria perceber o mapa da

euroregião e as idiossincrasias de cada parcela territorial por comparação. Porque, pelo

que se pôde apurar durante a investigação (nomeadamente através dos processos

explicitados no capítulo 2) e pela leitura da candidatura, parece haver uma maior

quantidade de manifestações patrimoniais identificadas e promovidas na Galiza do que

no Norte português e importaria indagar as razões.

3.2 Museus

Desde o ano de 1995 que se prevê na legislação galega a protecção do património

imaterial (Lei 8/1995) (Pellón, 1999, p. 18), incluído no património etnográfico. Em

Portugal foi a Lei n.º 13/85 de 06-07-198554 a que contemplou primeiramente a

salvaguarda deste património.

Os museus, enquanto agentes de ligação entre as instituições que organizam o espaço

das sociedades, estão intimamente ligados ao poder (Rodríguez, s. d., p. 295) político e

são portanto dele dependentes. É importante marcar aqui este aspecto por clarificar as

acções dos museus de que adiante se falarão, concretamente na sua relação com o

património imaterial. Por natureza um caracterizador global das sociedades, o

património imaterial é simultaneamente uma mais-valia e um assunto muito delicado

(pela sua abrangência tanto em número como em relações interpessoais e intersociais)

para os poderes políticos, que devem encontrar a melhor maneira de com ele lidar e o

rentabilizar nos seus âmbitos de acção. Assim, e tal como se verá nos casos em estudo,

as regiões servem-se do(s) seu(s) museu(s), sobretudo quando são museus de território,

para projectar a sua identidade sob forma de memória colectiva (Rodríguez, s. d., p.

295) integrada na história da região. Além disso, a instituição que é o museu confere um

estatuto desejável, como referem as palavras de Hudson e Nicholls: To have no

museums in today’s circumstances is to admit that one is below the minimum level of

54 http://www.dre.pt/pdf1sdip/1985/07/15300/18651874.PDF (24/02/08).

60

Page 61: ÍNDICE · 2012-04-27 · memória preconizados por Leroi-Gourhan (1993), Jack Goody (1987, 1988) e Jacques Le Goff (1984). Como se verá, foram invocados e recriados intrumentos

civilization required of a modern state (cit. em Kirshenblatt-Gimblett, 2004, p. 61). Se

encararmos as autarquias como núcleos reprodutores da orgânica estatal perceberemos

como se torna importante a possessão de pelo menos um museu em cada concelho para

poderem afirmar poder, capacidade e dinâmica.

A época inaugurada em Portugal com a revolução de 25 de Abril de 1974 promoveu nas

instituições vocacionadas para a cultura o conceito de abertura e a missão de construir

uma política cultural que abrangesse todos os cidadãos sem olhar a classes e a níveis de

instrução (Semedo, 2004, p. 5), podendo dizer-se que se pretendia a descentralização e

uma maior “democratização” no acesso aos produtos pertencentes ao património da

Nação e que as instituições deveriam actuar de maneira a fazer com que estes produtos

fossem correctamente interpretados por qualquer pessoa, independentemente do sexo,

da instrução e da idade. Este é um dos factores que potenciará o desenvolvimento dos

ecomuseus e das instituições que não possuindo esta designação operam segundo os

mesmos princípios (vd. Filipe, 2000).

A emergência da importância dada ao património “do povo”manifestou-se, por exemplo,

no Plano de Trabalho e Cultura (PTC), acção que tomou sentido por se destinar à

recolha de elementos etnográficos que integrassem o Museu do Trabalho, inserindo-se

este na nova política de valorização da cultura popular e de interacção com os seus

detentores (Branco & Oliveira, 1993).

Por outro lado, a política está presente já na designação de um género de museu, o

ecomuseu: o surgimento do conceito (década de 60 de 1900) deu-se na época em que o

ambientalismo começou a adquirir maior importância e as instituições políticas

procuraram projectar-se numa missão de resgate e preservação do meio ambiente em

que o homens vivem (Davis, 1999, p. 3). No caso do ecomuseu em estudo (Barroso-

Montalegre) é evidente e muito estreita a ligação desta instituição à Câmara Municipal

de Montalegre, sobretudo por ter sido iniciativa e criação autárquica, exemplificando

este caso a generalizada interacção autarquias-ecomuseus em Portugal. Pode-se mesmo

apontar, no concelho de Montalegre, um dos usos do património imaterial (protegido e

promovido pelo ecomuseu) que é capitalizado em comícios políticos: a “chega de bois”

(Teixeira, 2005, p. 99). A simbiose é inquestionável, e o desenvolvimento regional

depende também da descoberta de novas formas de capitalização de outras

manifestações culturais menos mediáticas.

Para finalizar a linha de raciocínio que se tem vindo a seguir no respeitante ao papel da

política, concretamente nos núcleos de menor dimensão como as autarquias do lado

61

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português, diga-se que a dita simbiose entre elas e os museus – especialmente os

museus de território – assenta no processo desenvolvido após a revolução de 1974,

altura em que emergiu a individualidade colectiva de grupos de pequena/ média

dimensão através da instauração do poder local eleito pelas populações. A forma que

estes grupos encontraram para afirmar a sua singularidade histórica, social e económica

foi a criação de instituições culturais de cariz museológico – maioritariamente com

vocação para a Etnografia e para a Nova Museologia – dependentes sobretudo de apoios

locais, conseguindo assim desenvolver-se com autonomia em relação ao poder central.

É de facto no seio da filosofia da Nova Museologia que se criam as condições mais

propícias ao trabalho com o património imaterial, uma vez que os museus que a aplicam

devem lidar acima de tudo com os quadros presentes e conferir-lhes um futuro, não

descurando o passado mas integrando-o num processo contínuo em que a sociedade na

sua relação com os recursos ambientais constituem o paradigma mais importante.

É pertinente o estudo do património imaterial nos museus pois as instituições deste

género não estão, na sua maioria, estruturadas de forma a integrar na sua missão um tipo

de património que tem laços mais ténues com a materialidade do que qualquer outro,

exigindo portanto um tratamento específico. Uma outra contribuição fundamental é a da

motivação das comunidades para que continuem a re-criar aquilo que faz parte do

património imaterial, dentro das condicionantes que existem, pois se o que motiva esta

re-criação desaparecer ou não for incentivado, o caminho provável na maioria das

situações será o do declínio (por uma série de razões políticas, económicas e sociais que

os museus que seguem a corrente da Nova Museologia em particular estão

vocacionados para combater, não esquecendo que os museus em geral têm um papel

preponderante na luta contra a destruição, a negligência e a exploração do património).

Vários museus portugueses começaram a tratar o património imaterial ainda durante o

século XX, verificando-se um visível acréscimo de intensidade do trabalho nesta

vertente durante o XXI (ainda que em algumas instituições apenas pontualmente, como

aconteceu no Dia Internacional dos Museus do ano de 2004, em que o tema proposto

pelo ICOM – International Council of Museums, foi o Património Imaterial)55. São

exemplo o da Lourinhã56, o Museu de Lanifícios da Covilhã57, o Museu da Guarda58, o

55 http://www.min-cultura.pt/Destaque/Dia_Internacional_Museus_2004/prog_museus/mguarda.htm (23/03/07). 56 http://www.museulourinha.org/pt/noticias_mes_idoso.htm (23/03/07). 57 http://www.urbi.ubi.pt/040525/edicao/225ubi_dia_museus.htm (23/03/07).

62

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Museu da Ciência da Universidade de Lisboa59, o Museu de Angra60, o Museu

Municipal de Vila Franca de Xira61, o Museu Marítimo de Ílhavo62, o Museu Municipal

de Sabugal63, o Museu da Indústria de Chapelaria de São João da Madeira64, o Museu

Municipal de Portimão65, o Parque Arqueológico e Ambiental do Médio Tejo66, o

Museu do Trabalho Michel Giacometti67, o Museu Agrícola de Entre Douro e Minho68

(um dos que apoiou a candidatura do património galego-português à UNESCO), o

Ecomuseu do Seixal, o Museu do Monte Redondo, o Museu de Mértola, o Museu

Municipal de Loures, o Museu Municipal de Alcochete, o Museu Rural e do Vinho do

Cartaxo, o Ecomuseu de Barroso e o Museu do Contrabando e da Emigração

Clandestina (com um Espaço de Memória e Fronteira, inaugurado a 27/04/07)69, sendo

que muitos outros museus de cariz etnográfico – que não discriminaremos pelo seu

elevado número – trabalham mais ou menos directamente e por natureza com

manifestações de património imaterial. A recente criação do Museu do Contrabando e

da Emigração Clandestina demonstra a crescente importância dada ao património

imaterial, concretamente ao fenómeno da memória, considerado fundamental pelas

instituições que tratam este género de herança cultural.

Os museus apresentados na candidatura como estando a desenvolver actividades

relacionadas com o património intangível são:

Portugal

1. Museu do Traje de Viana do Castelo 2. Museu de Olaria de Barcelos 3. Museu de Etnografia da Póvoa de Varzim

58 http://www.min-cultura.pt/Destaque/Dia_Internacional_Museus_2004/prog_museus/mguarda.htm (23/03/07). 59 http://correio.cc.fc.ul.pt/~mc/dim/index.html (23/03/07). 60http://www.diarioinsular.com/noticias/imprimir.php?edicao=2_18_Maio_2004&n_id=16470&PHPSESSID=f2a (16/04/07). 61 http://www.cm-vfxira.pt/PageGen.aspx?WMCM_PaginaId=7642 (21/04/07). 62 http://nomundodosmuseus.wordpress.com/2007/04/13/museu-maritimo-de-ilhavo-cria-base-de-dados/ (22/04/07). 63 http://www.novaguarda.pt/100805/e_rot10.htm (22/04/07). 64 http://www2.ufp.pt/~slira/artigos/mesa_redonda_primavera_sergio.PDF (16/04/07).65 http://www.rpmuseus-pt.org/Pt/cont/fichas/museu_60.html (17/04/07). 66 http://216.239.59.104/search?q=cache:tdm4tiibCFEJ:www.alcultur.org/2004/intervencoes/LuisFigueira.pdf+museu+patrimonio+imaterial&hl=pt-PT&ct=clnk&cd=112&gl=pt (17/04/07). 67 http://www.geocities.com/michel_giacometti/ (17/04/07). 68 http://www.min- agricultura.pt/oportal/extcnt/docs/FOLDER/MEDIATECA/MADRPCNT_BOLETINS/MADRPCNT_BLT_REV_EDM/6.PDF (16/04/07). 69 http://www.acime.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=1790 (30/04/07).

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4. Museu de Vairão de Vila do Conde 5. Ecomuseu de Barroso de Montalegre 6. Museu Alberto Sampaio de Guimarães 7. Museu Casa Martins Sarmento de Guimarães 8. Museu D. Diogo de Sousa de Braga 9. Museu Rural de Ponte de Lima 10. Museu Rural de Paredes de Coura 11. Museu Abade de Baçal

Galiza

1. Museo das Mariñas de Betanzos 2. Museo do Pobo Galego 3. Museo Provincial de Pontevedra 4. “Fudación Liste” Museo Liste de Vigo 5. Museo Municipal de Ponteareas 6. Museo Etnolóxico de Ribadavia 7. Museo Comarcal da Limia de Vilar de Santos 8. Parque Etnográfico do río Arnoia de Allariz 9. Museo Etnográfico “Olimpio Liste” 10. Museo da Terra de Melide 11. Museo Provincial de Lugo 12. Museo-fortaleza de San Pablo de Narla de Friol 13. Museo Comarcal de A Fonsagrada 14. Museo do Castro de Viladonga de Castro de Rei 15. Museo Diocesano e Catedralício de Mondoñedo 16. Museo Histórico de Sargadelos 17. Museo Municipal “Bello Piñeiro” de Ferrol70

Verifica-se que a maioria dos museus portugueses listados na candidatura à UNESCO

como apoiantes da iniciativa praticamente não desenvolvem iniciativas de relevo (seja

em número, seja em qualidade) no sentido de proteger e promover o património

imaterial das suas regiões, nem procuram identificá-lo como tal perante os públicos. A

intenção existe, demonstrada na assinatura do documento que oficializou o apoio à

candidatura, mas os recursos disponíveis canalizam-se para o que tem consistido a

prioridade de cada instituição, desde um período anterior ao da elaboração da

candidatura. Existiam por isso poucos museus portugueses que pudesse estudar

utilizando como paradigma o trabalho desenvolvido com o património imaterial e em

articulação com a candidatura, pelo que optei por focar a análise no que mais relevo

atingiu neste âmbito, o Ecomuseu de Barroso.

70 Galician-Portuguese Oral Traditions: Candidatura de Património Imaterial Galego-Português(2005), p. 122.

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Assim, do Ecomuseu de Barroso tratarei aprofundadamente neste capítulo; as razões

que fundamentam esta eleição são tanto o facto de ser a instituição museológica do

Norte de Portugal que mais afincadamente se dedicou ao património imaterial, como as

suas características intrínsecas, de estreita ligação às comunidades (e respectivo

contexto espacial e temporal) onde exerce a sua influência. Características estas que

fazem com que seja uma das suas obrigações lidar com o património imaterial – um dos

aspectos essenciais das ditas comunidades – de uma forma dinâmica e adaptada às

mutações inevitáveis na evolução temporal e espacial das sociedades. Como se verá ao

longo do trabalho, este ecomuseu faz justiça ao nome, uma vez que cumpre as funções

de preservação, de dinamização e de orientação do património imaterial das

comunidades de uma maneira eficaz, zelando para que não se percam componentes

essenciais e apresentando os diversos elementos patrimoniais com o intuito de fazer

com que a população em geral e uma camada populacional mais jovem, que tende a

distanciar-se dos designados costumes ancestrais, em particular, se sinta motivada e

tenda a preservar uma herança71.

Na região galega, cuja forma de operar é diferente da portuguesa, optou-se por fazer

uma consideração generalista sobre o trabalho dos museus – dado o seu elevado número

– mas deter-me-ei somente no Museu Aberto do Couto Mixto de Calvos de Randín

(Orense), que trabalhou pontualmente em conjunto com o Ecomuseu de Barroso e é dos

mais activos na preservação e promoção do património imaterial da zona onde se

implanta; farei também breves observações sobre o trabalho do Museu Etnolóxico de

Ribadavia (Orense) e do Museo do Pobo Gallego, por serem das instituições que mais

se demarcam no âmbito territorial tratado.

Na região galega há contudo mais instituições dignas de nota por se destacarem no

trabalho com o património imaterial (seja de forma directa ou indirecta), como o Museo

de Antropoloxía da Fundación Sotelo Blanco (A Coruña), o Museo Etnográfico da

Limia (Vilar de Santos, Ourense), o Museo Etnográfico (Vilarinho de Conso, Ourense)

(Pulgar Sabín, 2005-IV, pp. 68, 210 e 211), o Museo Etnográfico-Pedagóxico Villapol,

o Parque Etnográfico do Cebreiro (Pulgar Sabín, 2005-III, pp. 17 e 18) e o Centro de

Interpretación do Viño e da Lampreia (Arbo, Pontevedra) (Pulgar Sabín, 2005-I, p. 36).

Em adição a este cenário em que se observa um progressivo avanço na importância

conferida ao património imaterial tanto pelos museus como pelas entidades nacionais e

71 A este respeito veja-se, entre outros, Hobsbawm & Ranger, 2002.

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internacionais que ditam a tendência a seguir pelas instituições museológicas e culturais

em geral (ICOM, UNESCO...) podemos ver que o mercado vai apresentando propostas

de software destinado à inventariação e gestão do património imaterial, como é exemplo

o programa In memoria72.

Conforme o afirmado por Barbara Kirshenblatt-Gimblett (2004, p. 59), as intervenções

patrimoniais tendem a desacelerar o ritmo da mudança, e quando se está a viver um

momento da História em que o consumo do passado é cada vez maior as acções de

patrimonialização aumentam diametralmente. A patrimonialização de manifestações

culturais vivas é um exemplo flagrante do elevado nível atingido por este consumo, que

é caricaturado num artigo do periódico The Onion denominado We May Be Running

Out of Past, citado por Kirshenblatt-Gimblett.

Uma relação dos aspectos comuns entre museus e ecomuseus (Nova Museologia) e a

candidatura servirá como introdução à caracterização dos museus que foram escolhidos

como casos de estudo:

Aspectos em comum: museus (em geral) e candidatura

1. Identificação de casos

2. Estratégia/ planificação de acções

3. Interpretação

4. Parcerias

5. Negociações

6. Escolhas/ selecções

7. Avaliações

8. Investigação

9. Turismo

Aspectos em comum: ecomuseus (Nova Museologia) e candidatura

1. Património

2. Território, paisagem e Natureza

3. População residente

72 http://www.sistemasfuturo.pt/encontro2005/programa.html (23/03/07).

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4. Anciãos (detentores da maioria/ mais antigo património)

5. Identidade cultural

6. Propriedade cultural

7. Tradições

8. Locais com função/ simbólica especial

9. Conservação/ interpretação in situ

10. Memória colectiva

11. Interacção cultura/ turismo

12. Cooperação local entre autoridades e diversos organismos, públicos e

privados

13. Participação da comunidade na criação de uma identidade local

14. Grande importância dada à colaboração com artesãos, músicos, artistas,

etc.

15. Ilustração total: o geral e o particular

16. Mostrar ligação passado-presente, Natureza-cultura e indivíduo-

tecnologia

3.2.1 Ecomuseu de Barroso

Ecomuseums [...] serve to conserve and interpret all the elements of the environment

[…] in order to establish the thread of continuity with the past and a sense of belonging

(Davis, 1999, p. 5). Esta é uma definição de ecomuseu que vai de encontro ao espírito

da candidatura do património imaterial galego-português à classificação conferida pela

UNESCO. Uma vez que as acções do Ecomuseu de Barroso se enquadram neste espírito,

além de ter colaborado em iniciativas no âmbito de promoção da candidatura, de se

inserir na filosofia da Nova Museologia e das razões que foram sendo apresentadas ao

longo do capítulo, tornou-se um estudo de caso português interessante.

Caracterização física do ecomuseu: polinucleado, foi fruto de um estudo da empresa

Quaternaire Portugal (que teve como consultor Hugues de Varine) e lançou raízes em

2001. Presentemente funciona a sede provisória em Montalegre e um pólo em Pitões

das Júnias (corte do boi do povo – pólo propriamente dito, que contempla a agricultura

de montanha, a pastorícia em regime extensivo, o lobo ibérico, o boi do povo e o tema

dos têxteis e da casa barrosã, assim como uma loja de artesanato e produtos locais –,

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abrangendo o projecto a requalificação do forno da aldeia, do canastro, do moinho do

Largo do Eiró e a elaboração de percursos pedestres para a capela de S. João da Fraga e

para o Mosteiro, entre outros). Os pólos que se prevêem abram a curto prazo são os

seguintes: Casa do Capitão de Salto (serviços aos munícipes, exposições ligadas à

exploração das minas de volfrâmio da Borralha, cultivo da terra, utilizações do pau) e

Tourém (corte do boi do povo, onde está a ser criado um centro interpretativo cujo

principal tema é a avifauna da região). Pensou-se numa fase inicial explorar os temas

ligados à fronteira, ao contrabando, ao Couto Mixto, aos guerrilheiros anti-franquistas e

aos casamentos entre Portugueses e Espanhóis, o que não se chegou a concretizar. Pólos

a criar no futuro: Castelo de Montalegre, Museu da Música e dos Cantares Populares/

Museu da Memória, Centro de Interpretação Arqueológico, Museu das Crenças

Populares, Museu do Tempo, Museu do Espaço, Casa do Fumeiro, Museu da Terra,

Forno e Forja de Paredes do Rio, Forja de Montalegre, Pisão de Tabuadela, Lagar de

Azeite de Cabril, Museu da Pessoa e o Complexo Industrial e Mineiro da Borralha

(Teixeira, 2005, pp. 74-94).

“As colecções do Ecomuseu são constituídas pelos bens móveis, pelos registos de

manifestações imateriais da cultura local, por bens imóveis de interesse cultural e

comunitário e por sítios musealizados relevantes para a caracterização do concelho de

Montalegre e da região de Barroso”73. Tal é a definição que o ecomuseu faz da missão

que assume perante o leque de património da sua região de influência.

Cumprindo um dos preceitos da Nova Museologia e particularmente da Ecomuseologia,

que visa contribuir para o desenvolvimento equilibrado e dinamizar as estruturas

autóctones, o ecomuseu não trabalha isolado, por norma, a não ser em casos de

excepção a que a necessidade obriga. Para a realização das diversas actividades fazem-

se parcerias: empresas (como o Clube Papaventos), juntas de freguesia, associações

(Associação de Desenvolvimento Regional do Alto Tâmega, Associação Social e

Cultural de Paredes do Rio e associações de defesa do património, entre outras), escolas

(escola secundária Dr. Bento da Cruz), escuteiros, agrupamentos e Biblioteca Municipal,

entre outros. Este trabalho em conjunto leva a um inevitável intercâmbio de

experiências e saberes; confere-se assim motivação e solidez às instituições e indivíduos

locais que dispondo de apoios e iniciativas se tornam mais dinâmicos e

73 http://www.anmp.pt/munp/mun/mus102w2.php?Scod=88 (23/03/07).

68

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simultaneamente autónomos, pois a partir dos resultados da experiência e das ideias

exógenas podem estruturar outras novas.

A coordenação destas actividades pelo ecomuseu funciona como factor de

desenvolvimento e de equilíbrio, garantindo também a realização das iniciativas

propostas. Estas são dirigidas principalmente à população local apesar de, cada vez mais,

se capitalizarem os eventos com o fim de atrair turistas.

O turismo é inegavelmente o elemento que pode proporcionar uma base de

sustentabilidade maior e mais imediata à sobrevivência cultural e económica local,

actuando como ponto de partida para o desenvolvimento de outras estruturas que sem a

dinâmica causada pelas actividades turísticas não teriam razão de existir. É através do

seu fomento que se procurarão melhorar os acessos, reduzir a emigração, aumentar a

capacidade de reivindicação perante o poder central (Teixeira, 2005, p. 38) e potenciar o

comércio de produtos locais.

No que se refere à cooperação inter-museística é de notar o estabelecimento de pontuais

ligações em rede entre este ecomuseu, o Museu Aberto de Calvos de Randín e o Museu

Etnolóxico de Ribadavia, o que indica a existência de um dinamismo e uma cooperação

crescentes entre o norte de Portugal e a Galiza. Nesta última desenvolve-se mais

trabalho no âmbito da protecção e promoção do património imaterial, pela razão de que

parecem ser mais os museus galegos que a ele se dedicam que os do Norte português,

região na qual se destaca, no que se refere ao trabalho com este património, o Ecomuseu

de Barroso.

A dita cooperação, que patenteia a passagem da necessidade de defesa que obrigou à

construção medieval de redutos defensivos à dissolução de fronteiras políticas, culturais,

sociais, económicas e mesmo territoriais – veja-se o exemplo do Couto Mixto

(província de Ourense) e dos Povos Promíscuos (Tourém, Soutelinho da Raia e Lama

de Arcos) – entre Estados, é uma das acções que se insere no princípio de ligações

transfronteiriças que a candidatura do património imaterial galego-português propõe

(apesar de não se referir em específico a este género de cooperação entre museus). É

uma dimensão mais alargada da estrutura comunitária aldeã, rural e baseada em relações

estreitas e na inter-ajuda como forma de vivência e de sobrevivência. De resto, não se

esqueça que grande parte das estruturas protegidas, dinamizadas e promovidas pelo

Ecomuseu são locais de manifestação de costumes comunitários: lavadouros, forjas,

moinhos, fornos, azenhas, pisões, baldios, fojos, cortes de bois...

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De acordo com a conversa levada a cabo com o director do Ecomuseu de Barroso,

David Teixeira, e com o antropólogo encarregue de fazer parte do trabalho de recolha

de património imaterial, José João Sardinha, a 9 de Abril de 2007, as iniciativas

desenvolvidas por esta instituição conferem um papel de grande importância ao

património imaterial na estratégia e na missão do museu, sobretudo por se tratar de um

museu de território. Por esta razão conceitos como o espaço, o contexto social e o tempo

tornam-se os quadros das vivências humanas, manifestadas em matéria e em abstracção.

Consequentemente, o ecomuseu promove actividades ligadas àquilo que se integrou

desde tempos mais ou menos remotos (não sendo de esquecer neste ponto a noção de

“invenção das tradições” (Hobsbawm & Ranger, 2002), que aqui se pode aplicar) na

vida dos habitantes da zona do Barroso. Pode mencionar-se, a título de exemplo, a

“queima do Judas”, realizada no mês de Abril, altura em que se encenam partes de

mitos e crenças populares, assim como Carnaval, o cantar dos Reis, os cantares ao

desafio, a segada e a malhada do centeio, o magusto, a matança do porco e os cantares

de Natal. Note-se a subjugação dos eventos à cronologia: evidencia-se a ligação, tão

falada na candidatura em estudo, da acção do ser humano quando vive quase em

exclusivo do que a terra lhe dá, ao calendário da Natureza representado nos museus do

território.

De aí que, mesmo as festividades inseridas num quadro religioso actual, mas tidas como

de raiz e essência pré-cristãs, se realizem em datas determinadas que um dia tiveram um

significado e uma razão diferentes. O caso da comemoração mediática das sextas-feiras

13 em Montalegre reforça as últimas afirmações que fizemos, apesar de ter um

enquadramento diferente. Embora existam convicções com raízes imemoriais

relacionadas com esta data foi com o aparecimento do ecomuseu que se começaram a

criar rituais para a sua visualização como acto social. O objectivo foi a dinamização

cultural e turística das pessoas e do local, utilizando como ponto de partida o “esconjuro

da queimada”, importado da Galiza pelo Padre António Fontes.

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Imagem 5 Padre Fontes. Fonte: Baptista, 2006, p. 80.

Esta representação, que consiste numa reza dita enquanto se confecciona uma “mistela”

ou “queimada” (aguardente, açúcar, vinho tinto, grãos de café, sumo de limão e maçã

picada) bebida no final pelos presentes para que fiquem purificados, foi inicialmente

(em Montalegre) um elemento de animação de jantares de grupo, sendo por conseguinte

uma declarada encenação sem fundamentos histórico-sociais na zona do Barroso mas

que, por aludir a um mito colectivo internacional sobre o qual se escreve, canta e

realizam filmes e uma infinidade de outros espectáculos que atingem uma sociedade

globalizada, teve e tem um sucesso notável nos moldes apresentados em Montalegre,

que recebe entre 1 500 e 7 000 visitantes por evento. Desde a manifestação inicial em

restaurantes aumentou-se a escala da encenação e o número de actores, o lugar da

representação passou a ser a vila de Montalegre em geral com o cenário principal no

castelo (ingrediente fundamental para o sucesso), mantendo-se a realização

do“esconjuro” pelo Padre Fontes.

É digno de nota o percurso do hábito de tomar a “mistela” e dos significados de que se

foi revestindo até à prática nas sextas-feiras 13 em Montalegre. Foi inicialmente uma

bebida semi-medicinal na Galiza, utilizada para activar a circulação e contra resfriados.

Os emigrantes galegos, particularmente os que se estabeleceram em Madrid,

continuaram a bebê-la. Contudo o contexto era outro, pois tomavam a bebida em

conjunto, quando se reuniam para conversar e relembrar a terra natal. A bebida da

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“queimada” tornou-se assim um referente identitário, um símbolo que remete à Galiza e

que se associou a outros como os esconjuros contra as meigas74. Este simbolismo

forteleceu-se de tal modo que a “queimada” foi tomada de empréstimo pelos vizinhos

portugueses numa tentativa conseguir constituir um elemento identitário, como

aconteceu com o Padre António Fontes e a celebração costumeira dos Dias das Bruxas

dinamizada pelo ecomuseu de Montalegre.

Imagem 6 Sexta-feira 13 – representação no castelo de Montalegre. Fonte: Baptista, 2006, p. 85.

Na formação directa que é apanágio tanto da missão museológica em geral como da

candidatura do património imaterial galego-português destacam-se as actividades

dirigidas aos mais jovens, desde a dedicação de um dia às escolas primárias, dia em que

se fala do património da região aos alunos e posteriormente se sugerem actividades que

os façam relacionar o que aprenderam com o seu contexto (i. e., identificar realidades

ouvidas com as materiais, que fazem parte do seu dia-a-dia, da sua existência e dos

sítios em que vivem e se movem), ao seguimento de antigos trilhos de lobos, de Pitões

74 X. González Reboredo em http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, pp. 230 e 231 (25/02/08).

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das Júnias a Parada, a visitas orientadas para as energias alternativas (passagem pela

albufeira do Alto Rabagão, pelo Parque Eólico do Barroso, pela aldeia de Paredes – que

possui moinhos recuperados –, pelo pisão centenário, um dínamo e o moinho) e o

circuito do Fojo do Lobo de Avelar, que inclui a passagem por um carvalhal que é velho

de mais de 100 anos.

As formas como se desenrolavam actividades como o processo de produção de pão, da

matança do porco e feitura de enchidos, da transformação de lã em burel, da relação

com os lobos e outras, que são conhecidas e praticadas (apesar de em alguns casos

apenas residualmente) ainda pelas pessoas de mais idade, são preservadas e recuperadas

de maneira não só a perpetuar e transmitir os costumes como também a cativar turistas

nacionais e estrangeiros, através da divulgação de hábitos que permaneciam até tempos

recentes no estrito âmbito de algumas aglomerações populacionais (aldeias ou vilas),

estendendo-se eventualmente a zonas mais alargadas dentro da região.

O ecomuseu actua assim como dinamizador cultural do Barroso; a esta dimensão

acrescentam-se ainda as repercussões a nível económico, este necessária e estreitamente

ligado ao cultural e à sua dimensão imaterial, visto que actividades que implicam “saber

fazer” como o fabrico de fumeiro e de pão, técnicas de cultivo, etc., servem de sustento

à população e estão ser tornadas “objectos” turísticos, por meio tanto do convite para

serem observados na sua confecção como para a compra dos produtos finais.

A agricultura de subsistência e todas as actividades relacionadas estão a ser

transformadas numa forma de comércio, o que permite o sustento dos autóctones pela

continuidade dos hábitos que desenvolveram na sua relação com o meio ambiente e

simultaneamente a sua preservação, com alterações pontuais que são necessárias para

adaptação ao tempo em curso.

Colocam-se contudo alguns entraves, resultantes da globalização: as normas da União

Europeia relativas às condições de produção fazem com que muitos dos aspectos que

fazem e faziam parte desta mesma produção se percam; o fumeiro, por exemplo, não

pode ser feito nas casas particulares, tornando-se necessária uma cozinha externa que

corresponda a todas as regras impostas para que se dê a permissão de venda. Como

consequência, o processo social deixa de existir, quanto mais não seja pela eliminação

da sequência matança do porco, com a participação dos familiares e dos vizinhos mais

próximos, celebração decorrente e feitura em sociedade (maioritariamente por mulheres,

enquanto que a tarefa de matar o porco era responsabilidade masculina) dos enchidos e

restantes elementos do fumeiro.

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Grandes apostas do ecomuseu são as rotas do contrabando, dinamizadas em Tourém e

Vilar de Perdizes, duas das localidades com maior importância neste âmbito. Estas rotas

e as histórias subsequentes conhecem-se através dos relatos de pessoas que participaram

nas actividades de contrabando. No domínio da recuperação através da memória

encontra-se também o projecto de recuperação da já mencionada “corte do boi” da

aldeia de Tourém. Esta acção, como todas as demais do género, corresponde à

reactivação simbólica de um edifício que se revestiu de extrema importância para a vida

social da povoação, e consequente verificação do valor memorial colectivo, tal como

afirma Marc Guillaume (2005, p. 83). A sensação de pertença a todos e cada um vai de

encontro ao já falado propósito do ecomuseu, que assim re-identifica os habitantes com

o seu contexto ou oikos através de uma reinterpretação, o mais fiel possível, daquilo que

fez parte da sua vida ou da dos seus antepassados, e constitui uma raiz a ser preservada

sob pena de perda de referências de origem. Este facto é apontado num dos

documentários realizados pelo ecomuseu, em que os filhos de emigrantes dizem com

orgulho que podem afirmar saber quais são as suas origens, a sua terra, que os seus pais

são da mesma aldeia, com costumes ancestrais; assim se solidifica o sentimento de

pertença e de possessão de um local de referência.

O documentário supra-mencionado enquadra-se numa das iniciativas do ecomuseu, a de

realizar alguns filmes-documentário75 para mostrar as características próprias da zona,

ilustrativos de costumes e actividades realizados quase exclusivamente no contexto rural,

algumas das quais extintas ou em via de desaparecimento: o dialecto dos “da Volta”, o

ciclo da feitura do pão, a matança do porco e consequente elaboração de fumeiro, o

costume do “boi do povo” e as chegas de bois, o contrabando e relações de fronteira, o

Carnaval, as festas religiosas (Nossa Senhora da Saúde em Vilar de Perdizes),

inserindo-se neste conjunto também um pequeno documentário sobre a emigração, uma

das mais fortes condicionantes das mutações culturais e económicas verificadas na

região (como, aliás, em muitas outras do País). Particularmente neste último é destacado

o antagonismo entre os mais velhos e os mais jovens, sendo a mundivisão destes

claramente marcada pela vida própria de emigrante, sobretudo de um emigrante que

nasceu no estrangeiro ou lá viveu quase toda a sua vida.

As chegas de bois são o costume mais emblematizado do Barroso (confronto de dois

bois, os “bois do povo”, representando cada um uma aldeia) e no documentário sobre

75 Documentos inéditos, cedidos pelo ecomuseu.

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este assunto são evidentes as mutações que esta tradição sofreu, e apesar de já não ter a

importância social de outros tempos continua a ser o costume que singulariza o Barroso,

sendo relatado pela rádio pelo Sr. Fernando do Barracão (Teixeira, 2005, p. 98).

O modo de realização destes vídeos constitui uma das formas de perceber a perspectiva

que o ecomuseu possui sobre o património imaterial, não sendo de descurar a

observação que merecem os pormenores escolhidos para figurarem nestes

documentários que pretendem apresentar a cultura local a quem é de fora. De facto,

neles se percebe a essência do que é o património imaterial e o que este é para as

populações, os informantes, e para os demais, que se encontram no lugar de

observadores e têm diversas posições segundo sejam familiares ou parentes dos

informantes, vizinhos ou visitantes.

Numa visita a 19 de Agosto de 2007 ao então recentemente inaugurado pólo do

ecomuseu em Pitões das Júnias, que está organizado segundo um discurso formal e de

conteúdos que apresenta os elementos etnográficos à semelhança de alguns vizinhos

museus galegos de que falaremos em altura própria, tive oportunidade de observar

reacções emotivas de muitos visitantes com ligações à localidade perante determinados

objectos que fizeram parte, ou aludiam a vivências e pessoas conhecidas.

Mais que uma elaboração museológica mais ou menos actualizada ou conforme a

tendências científicas que pudessem fornecer soluções consideradas mais adequadas à

transmissão de conteúdos ou esteticamente mais apelativas foi a fotografia do filho da

padeira que trabalha no forno comunitário que lhe tornou o espaço museológico

excelente, foi a revisão de faces guardadas na memória que tornaram as exposições

deste núcleo especiais, apelativas, únicas. Talvez se outras fossem as morfologias de

apresentação não se criariam laços emotivos tão fortes e a qualidade, subjectiva por

natureza, seria considerada bastante menor pelos públicos deste pólo museológico.

Segundo as palavras escritas pelo director do ecomuseu a uma das questões que lhe

foram colocadas por e-mail, “durante os trabalhos de recolha e limpeza das peças fomos

notando que existia alguma desconfiança perante a ideia de abertura do museu. As

pessoas estavam renitentes em doar as peças e não foi fácil o seu envolvimento e

participação. Já fomos muitas vezes enganados diziam – dizem que fazem exposições e

depois ninguém mais vê as peças.

Só nos dias anteriores à abertura apareceram as melhores peças. Foi o momento em que

eles acreditaram que aquele espaço era deles e para eles e se mobilizaram, orgulhosos”.

A opção foi então a de fazer um discurso museológico que correspondesse às

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expectativas da população através de fotografias de locais e pessoas que fizeram parte

da história da comunidade e identificação dos proprietários dos bens doados. “Neste

momento são as pessoas que lá levam familiares e amigos e fazem muitas vezes de

guias. Têm uma vontade maior de recuperar a imagem da aldeia.” São uma vez mais

palavras do director, que assim descreve os processos locais de apropriação patrimonial

e mostra que o museu do território é encarado como uma extensão dos âmbitos de

vivência quotidiana de cada um dos componentes da comunidade. O edifício reutilizado

para “casa de memória” (é interessante a coincidência de ser a antiga corte do boi do

povo, símbolo da coesão comunitária) substitui assim os depositários de memórias, os

anciãos que viviam em cada casa da aldeia e que transmitiam saberes, vivências e

histórias a quem os rodeava e tinha interesse nesse património intangível. Numa

vertente economicista esta dinâmica patrimonial traduz-se no aumento do movimento na

hotelaria e restauração e na venda de publicações e produtos de origem local, aspectos

tão mais importantes por se verificarem numa zona de índice demográfico muito baixo e

com uma população envelhecida.

No âmbito directo daquilo que se entende como património imaterial o ecomuseu tem

previstas iniciativas como estudos sobre a importância da água na vida dos habitantes da

região, lendas, tradições, saberes, farmacopeia, medicina e mitologias populares, a

mulher barrosã, a vida tradicional e a gastronomia locais. Ainda nesta linha são também

de realçar os previstos sítios para ver e aprender as técnicas, os saberes e os modos de

fazer tradicionais e os pontos de interpretação do ambiente e da cultura da zona, assim

como a recuperação das mercearias de aldeia que podem fornecer ingredientes para a

confecção de pratos tradicionais que se proporcionarão, por exemplo, como parte de

percursos temáticos, e ainda alguns elementos que integrarão a estrutura da futura sede

do ecomuseu: uma “sala dos cinco sentidos” para descoberta do Barroso e uma “sala do

simbólico”. A recuperação prevista para o pisão de Tabuadela, que se tornaria um pólo

vivo do ecomuseu com um pisoeiro a trabalhar no local, que seria um centro de

demonstração do ciclo da lã e o projecto virtual “Barroso e suas histórias de vida” (a

que se dará o nome de Museu da Pessoa) são outras iniciativas que mostram o trabalho

do ecomuseu com o património imaterial (Teixeira, 2005: 56, 65, 75, 76, 89, 92-94).

No que diz respeito à ligação entre o ecomuseu e o processo de elaboração da

candidatura do património imaterial galego-português à UNESCO, refere o director do

ecomuseu que esta motivou o trabalho da instituição sobre o mesmo património, e fez

cruzar as pessoas que estavam a elaborar a candidatura e as que estavam a trabalhar o

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património imaterial, do que resultou a cooperação para o levantamento do património

que seria inserido na candidatura e a dinamização de actividades ligadas ao património

imaterial como as transmissões de rádio efectuadas pela associação Ponte...nas Ondas!,

nas quais o ecomuseu participa.

Papel similar de dinamização cultural e económica através do património imaterial

desempenham também outros museus, como o Museu Agrícola de Entre Douro e

Minho76, servindo-se deste capital para tentar criar um conjunto de estruturas turísticas

de modo a criar condições para a fixação de população nas regiões interiores que têm

tendência para a desertificação. Uma vez mais se coloca a tónica no turismo, que se

pretende ecológico e preservador de todas as qualidades culturais e sociais dos sítios;

esta é uma das formas de enquadrar o desenvolvimento das zonas menos povoadas,

constituindo um chamariz que apela a um retorno “virtual” a épocas anteriores à actual

através da visita, estada e conhecimento mais ou menos aprofundado dos costumes, das

gentes e do ambiente sentido como se estivesse despido dos elementos mais marcantes

da sociedade industrializada e mediatizada do século XXI. Ou seja: o património

imaterial tende a ser trabalhado pelos museus de maneira a criar um reduto preservado

de evolução uniforme e globalizada, semelhante à que se verifica na maior parte do

mundo presente, e este reduto afirma-se pela diferença, pelo antagonismo para com

determinadas posturas do mundo contemporâneo e pela educação que proporciona para

alterar a continuidade destas mesmas posturas. As dificuldades que os museus

encontram na tentativa de preservação e afirmação são-lhes colocadas precisamente

pelo ritmo evolutivo maioritário que, a par da vontade de preservar as raízes, pretende

auferir de vantagens e lucros, assim como impor normas que não permitem a

sobrevivência de técnicas, saberes, habilidades e costumes praticadas no passado; cria-

se deste modo uma situação paradoxal.

• Sistema de inventário e gestão documental do Ecomuseu de Barroso

O Ecomuseu de Barroso fez uma parceria com a Universidade Fernando Pessoa, do

Porto, cujos centros CEAA (Centro de Estudos de Antropologia Aplicada) e CEREM

(Centro de Estudos e Recursos Multimediáticos) foram encarregues de desenvolver um

76 http://www.min- agricultura.pt/oportal/extcnt/docs/FOLDER/MEDIATECA/MADRPCNT_BOLETINS/MADRPCNT_BLT_REV_EDM/6.PDF (16/04/07).

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software adequado ao inventário e gestão do património material e imaterial que faz

parte do acervo do museu (parcialmente acessível em http://cerem.ufp.pt/cgi-

bin/projectos/eco/index.pl) Esta iniciativa realizou-se por não existir sistema de

inventário e gestão documental que correspondesse às necessidades sentidas por ambas

instituições no âmbito do trabalho a desenvolver com os elementos inventariados. A

criação de um software próprio permitiu a adequação às características inerentes ao

património em questão e a gestão de acordo com a política do ecomuseu.

Considerando que este inventário tem como objectivo também a consulta pública, uma

organização geral mais perceptível e coerente e menos complexa da que se encontra

disponível online seria aconselhável. O apuramento técnico e científico (exactidão da

informação inserida, maior quantidade, mais pormenorizada, com critérios evidentes de

inserção) e de apresentação (construção frásica, pontuação, correcção ortográfica) do

resultado final da inventariação às pessoas sem acesso privilegiado são pontos fracos

numa base de dados universalmente acessível que poderia adquirir uma importância

basilar no valor conferido ao património local material e imaterial.

3.2.2 O caso dos museus galegos

Na Galiza os museus que tratam o património imaterial são sobretudo de três tipos: a) os

etnográficos, em que os visitantes não saem do papel de observadores; b) os museus da

corrente da Nova Museologia; e c), os “museus dialógicos”, os “de ruptura” e os “de

comunidade” (Pereiro Pérez & Vilar Álvarez, 2002, pp. 7 e 8). Como se pode verificar,

a evolução conceptual que representaram os das duas últimas tipologias (que coexistem

com os da primeira) é significativa do aumento de importância que os visitantes

passaram a ter, e com eles toda a cultura viva de que são depositários. Assim, a

interacção favorece ambos os lados, uma vez que há um intercâmbio de conhecimentos,

mundivisões e técnicas de apropriação do meio envolvente.

Retomando a questão da intervenção política cito dois autores, Xerardo Pereiro Pérez e

Manuel Vilar Álvarez (2002, p. 29), no que diz respeito a este assunto: Es vox populi

que algunos museos lo son por presiones y apropriaciones políticas y no por los

méritos y disposición de sus colecciones. O que vem confirmar o que já se disse sobre o

assunto, homogeneizando os panoramas galego e português.

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Os autores citados apresentam ainda dois exemplos de “museus” comunitários galegos

(o dos “Amigos da Feira” de Castro de Rei, Lugo, e o “Museo etnográfico vecinal” de

Ponte do Porto, Camariñas) – ditos museus porque entendidos pela comunidade como

tais – em que a função é essencialmente de construir o que caracteriza as comunidades e

a sua dimensão simbólica, por contraposto aos “outros” ou ao Outro, e um terceiro caso

(Museo etnográfico del Alfar, Buño – A Coruña) em que a estreiteza de relações entre

os poderes políticos (Diputación de Coruña) e a entidade que criou o museu (Fundación

Comarcal de Bergantiños) lhe conferiu uma dimensão diferente, em que o investimento

turístico procurou impôr-se em adição ao também contemplado papel social da

instituição museística. Si en los primeros ejemplos, la tensión identitária sociocéntrica

local (Clifford, 1999: 155) es clave para entender la creación de un “museo

etnográfico”, su no-reconocimiento “oficial” por parte de las administraciones

públicas deriva del hecho de no querer someterse al control y a la apropriación política;

se quiere ser “un museo do pobo para o pobo”. Acrescentam ainda os autores, no que

se refere à realidade museística galega, que na validação destas instituições primam os

critérios políticos sobre os educativos, científicos e de desenvolvimento (Pereiro Pérez

& Vilar Álvarez, 2002, pp. 11 e 12).

De acordo com o que tem vindo a ser mencionado pode-se então concluir que na Galiza

o movimento que deu origem à tomada de consciência e de importância do património

imaterial e das manifestações de cultura viva – que cresce progressivamente, pelo que

tem vindo a ser observado – enraiza-se nas populações rurais, que através da

preservação e da promoção para si, sem preocupações de difusão, se vai apercebendo de

dimensões da sua cultura e as procura de algum modo cristalizar, apesar de na maioria

dos casos faltar o instrumento interpretativo fundamental. Mas aqui o que me parece

mais importante é a visão endógena deste património, material e intangível (porque

estreitamente ligados), que proporciona o que a UNESCO considera como um dos

critérios para a admissibilidade a candidaturas de património imaterial da Humanidade:

o facto de a própria comunidade se considerar detentora de um património valorizável e

em risco. Ou seja, encontramo-nos perante uma realidade com duas vertentes: a da

autonomia cultural, que potenciou o surgimento da dinâmica relativa ao património

imaterial, e a da legitimação cultural, em que são organismos como os estatais, entre

outros, a conferir validade a iniciativas e patrimonializações, em que os critérios podem

ser contestados por falta de objectividade e isenção.

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No que se refere aos objectivos da candidatura, particularmente à justificação de

interacção com o meio ambiente, salienta-se a criação já antes da década de 70 de 1900

dos Museos de Arte y Costumbres Populares: o da Montanha (Cebreiro), o do Vale

(Ribadavia, Orense) e o da Costa (Combarro, Pontevedra), com o fundamento de

ilustrar as três formas de vida galegas reguladas pelo contexto físico. Numa outra

vertente, que no projecto foi controversa e se apresentou como causa da não

classificação do património imaterial galego-português, encontra-se a questão da

emigração e da disseminação patrimonial por esta via. Apesar de ter sido ponto de honra

dos promotores do projecto, parece verificar-se nos museus uma quase ausência de

referências à emigração galega para as Caraíbas, por exemplo (Pereiro Pérez & Vilar

Álvarez, 2002, pp. 12 e 13), e pode-se deduzir que também estará pouco aprofundado o

estudo desta realidade no sentido da sua projecção em equipamentos culturais.

Deve-se realçar a perspectiva de Pérez e Álvarez, que dizem serem as auto-imagens dos

museus etnográficos galegos dotadas de características como o atraso tecnológico, o

ruralismo, o estatismo, o essencialismo e o masculinismo (devido à menor frequência

com que aparecem as representações femininas e à atribuição de espaços,

maioritariamente domésticos às mulheres e de trabalho exterior aos homens) (Pereiro

Pérez & Vilar Álvarez, 2002, pp. 13 e 14). Sendo esta uma visão de académicos, é

oposta à da maior parte dos criadores/ promotores dos museus ou colecções, que

encaram os mencionados aspectos (ou a maioria deles) como o seu passado, ou mesmo

presente, precisamente o que se deve mostrar por ser a herança, o património, o que

atesta a existência de raízes antigas e sólidas. O que pode ser entendido como

cristalização por uns é o orgulho de outros em manter essas heranças e mostrar que não

foram esquecidas, que valeu a pena o esforço transmissivo geracional. Outra perspectiva

ainda se pode considerar, mencionada também pelos autores supra-ditos: a de que estas

imagens são criadas e promovidas por camadas urbanas, com uma relação mais ou

menos próxima ao rural e que afecta saudosismo, uma vontade de possuir referências

para que não se sinta o desenraizamento de que no documentário do Ecomuseu de

Barroso referente à emigração fala um jovem, a propósito de outros emigrantes. Ao

contrário dele, não têm um pai, uma mãe, avós e demais antepassados originários de

uma mesma e única localidade, com um rasto pessoal e temporal definido e fácil de

seguir.

As mudanças sociais ocorridas desde as épocas em que primava a vida rural e que

provocaram o surgimento de quadros em que é impossível aplicar simplesmente a

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dicotomia rural/ urbano, sobretudo quando se pensa que houve migrações citadinas para

sítios rurais e vice-versa: são processos sociais não parecem ser muito contemplados

nos museus galegos de etnografia, que optam por remeter através dos objectos para a

ideia de um mundo rural em que se cristalizaram o conservadorismo, a religiosidade, a

vida “primitiva” e simples e o agrário. Estas características interessam, porque se

coadunam com a essência do projecto de candidatura em análise, o que levanta uma

questão: projecta esta candidatura do património imaterial galego-português formas

desactualizadas, quando um dos seus objectivos é fazer valer as manifestações

patrimoniais vivas contemplando todas as suas dimensões e evolução das mesmas até ao

tempo presente? Esta é uma interrogação que só poderá ser respondida com um estudo

aprofundado e exaustivo das manifestações vivas propostas, verificando-se então se

visões recentes idealizadas não desestruturaram, reestruturaram e descontextualizaram

por qualquer razão do tempo e da História elementos e manifestações de património

imaterial para corresponder a parâmetros que na altura deste tratamento o revestissem

de maior interesse que o tido até essa data. Nomeadamente, com a finalidade de criar

políticas para atrair de forma progressiva e crescente o turismo, considerando que a

“pureza” (estatismo, cristalização no tempo) é mais atractiva e perceptível que a

complexidade e a indefinição (demonstração clara do progresso cronológico e de todas

as cargas consequentemente apostas às manifestações).

Os emigrantes da Galiza teriam responsabilidade na imagem que foi projectada do

atraso da tecnologia agrária desta nação, que além de convencer os não-Galegos

convenceu igualmente alguns dos nacionais, e é assim que a generalidade dos museus

galegos (exceptuando os museus de Ribadavia e Allariz) parece fazer uma etnografia do

que se perde e que exclui o que entretanto se vai ganhando, resultando na apresentação

de um mundo campestre em que as técnicas de agricultura são as anteriores à

desagrarização do tempo presente, numa projecção saudosista. Nesta se enquadra a

promoção de manifestações do património imaterial em perigo eminente de extinção

como as sementeiras, as matanças e o fumeiro manuais que pretendem cumprir através

do patentear das imutabilidade das raízes, o esforço de responder à questão “o que é ser

galego?”, conceito director nos museus da Galiza. O que é frisado de modo contínuo

pelos autores galegos que temos vindo a mencionar é que a relação com “os outros” é

um factor fundamental na construção da identidade deste povo, relação esta que contudo

parece não ser suficiente e eficazmente ilustrada nos museus de etnografia pelo dito

cristalizar dos conceitos e objectos expostos, que não são questionados, assim como

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pela “instrumentalização política” e pelo turismo mal orientado. “Museos de

microidentidad”, aliados à concepção física e psicológica da demarcação comarcal: será

esta uma caracterização possível do panorama museístico etnográfico da Galiza, do que

trata ou tem condições para tratar melhor o património imaterial. Não deixa de ser

curioso o paradoxo que assim se cria: a aliança da Galiza (cujas instituições

transmissoras e intérpretes de cultura aparentam pouca abertura a ligações “relacionais e

transnacionais”) com Portugal. Este país, apesar de não ter estudos críticos sobre a

matéria como acontece na Galiza, oferece um panorama bastante similar – pelo que me

foi dado ver e salvaguardando as excepções – numa candidatura multinacional que,

apesar de privilegiar a promoção do património imaterial através de pessoas e

organismos sociais, não pode ignorar que os museus são veículos essenciais (Pereiro

Pérez & Vilar Álvarez, 2002, pp. 14, 15, 16, 18 e 19).

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• Museo Aberto do Couto Mixto de Calvos de Randín

Imagem 3 Uma das placas que assinalam a entrada no território do Museo

Aberto do Couto Mixto. Fonte: www.coutomixto.org (24/12/07).

Tratando-se de um museu de reduzidas dimensões e de abrangência territorial de acção

menor do que outros museus galegos que se destacaram no trabalho do património

imaterial (como o Museo Etnolóxico de Ribadavia e o Museo do Pobo Gallego), o

Museo Aberto do Couto Mixto de Calvos de Randín é um caso de estudo relevante no

contexto da análise que se tem vindo a efectuar, devido às mencionadas especificidades

e às formas que encontra para as capitalizar num trabalho desenvolvido segundo os

parâmetros de um museu do território.

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Atente-se na denominação escolhida: três palavras (Aberto e Couto Mixto) indicam o

princípio de comunicação, de vontade de esbater qualquer fronteira, física ou mental,

que possa existir, além de todo o peso histórico e conceptual que o Couto Mixto contém.

O museu, implantado em 2000, engloba as povoações de raiz medieval denominadas

Santiago, Rubiás e Meaus (municípios de Calvos de Randín e Baltar, Ourense) e “Este

museo son as tres poboacións en si”, explica González, “vense casas abandonadas que

son auténticas xoias, e construccións singulares coma a antiga casa do xuíz, o banco, a

antiga casa da botica de Meaus ou comercios que aínda se conservan”. Ademais de

singulares igrexas coma a de Santiago, que conta cunha capela románica con

destacadas pinturas murais ou a de Meaus, que posúe uns impresionantes e orixinais

retablos barrocos. “Estamos mirando agora [2004] de facer tamén un museo

etnográfico, onde se poidan ver todos os elementos que se conservan do Couto, coma a

arca, e onde tamén se poidan consultar todas as publicacións realizadas sobre esta

zona”77.

No seu papel de museu do território, engloba as estruturas e os habitantes, numa lógica

de complementaridade.

Enquanto antiga estrutura político-administrativa tornou-se também um ponto de força

na criação do novo discurso comunitário euroregional, (Medeiros, 2006, p. 31) com

valor acrescido pelas especificidades que possuía e seguidamente mencionarei.

O Couto Mixto foi extinto em 1864, pelo Tratado de Lisboa, que simultaneamente

eliminou uma característica que é agora valorizada neste museu: o caminho privilegiado,

onde não se cobravam impostos, taxas ou qualquer portagem a quem nele transitava, e

por ele se transportavam tabaco, sal e azeite.

Detenhamo-nos agora no processo de criação deste museu e na sua essência, informação

apurada em grande parte pela entrevista a Cesáreo González Veloso, presidente da

Associação dinamizadora do museu. Nascido da iniciativa de um grupo de vizinhos

(Asociación de Veciños do Couto Mixto), que decidiram criar uma página na Internet

(http://coutomixto.org/) e fazer t-shirts com a imagem do “arcão”, arca com fechadura

tripla para que apenas pudesse ser aberta pelos representantes das três localidades em

simultâneo, ícone do Couto Mixto para iniciar a promoção do Couto.

A disponibilização de guias a quem queira visitar o território, alguns com formação em

obradoiros (actividades de formação profissional básica) – onde se instruem igualmente

77 http://www.culturagalega.org/temadia.php?id=5233 (27/05/07).

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outras pessoas, desempregadas, que colaboram no projecto do museu – demonstram

preocupação dos próprios habitantes em transmitir claramente o que é o Couto Mixto.

Notável é o processo de recrutamento e formação, já mencionado: o museu cumpre a

sua função de sustentáculo comunitário ao ocupar, enriquecer cultural e

intelectualmente e fornecer uma oportunidade de emprego a quem não o tem. É assim,

verdadeiramente, um museu de território e da comunidade.

Curiosa é a utilização do termo museu neste contexto, que deve ter sido usado com mais

segurança e ênfase a partir da recepção de um prémio em 2002, atribuído pelo Xurado

de Iniciativas Culturais da Galiza às três aldeias do Couto Mixto, sendo as razões a

“recuperación da autoestima e memoria histórica como parte de un espacio xeográfico e

cultural, favoreceren o reencontro da convivencia entre a Galicia e Portugal a partir das

raíces comuns, e por recuperaren unha manifestación de riqueza antropológica e cultural

que, neste caso, é un exemplo de mestizaxe cultural”78.

Por um lado, o emprego do termo mostra a vontade de ver universalmente reconhecido,

sem margem para contestação, um determinado património, o que reforça o papel da

instituição museística como legitimadora daquilo que contém, interpreta, estuda e expõe

(importante sobretudo por resultar de uma iniciativa “vicinal” e não da administração

local ou central); por outro o alargamento psicológico do termo, triunfo da Nova

Museologia que se manifesta através de uma utilização (talvez inconsciente) dos

princípios pelos detentores patrimoniais de um dos lados interessados (Galiza) para a

identificação e reconstituição de uma realidade que no tempo presente não existe. Ou

seja, a palavra museu legitima vontades, interpretações e elementos do passado que de

outro modo seriam desvalorizados e esquecidos.

É um museu que se insere na mesma linha de acção do Ecomuseu de Barroso (não

apresentando contudo um trabalho tão estruturado e de tão grande dimensão), resultando

de uma iniciativa privada mas que lida com as especificidades sociais do território onde

se insere da forma que encontrou como sendo a mais viável e adequada; assim se

evidencia o facto de no seio da euroregião serem necessárias soluções muito diversas

umas das outras para atingir objectivos semelhantes.

O Museo Aberto é assim um projecto similar ao da candidatura, resultado de uma acção

que partiu dos interessados e que pretende não só valorizar o território de manifestação

do património em questão como reforçar os laços de união e identificação culturais

78 http://www.coutomixto.org/premio.htm (24/12/07).

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(“mestizaxe”) com o território português confinante. Estes não quiseram esperar que a

iniciativa partisse de fora (o reconhecimento já existia, fruto do estudo e trabalho de

campo académicos) e antes que fosse tarde demais decidiram tomar medidas de

valorização e difusão.

• Museo Etnolóxico de Ribadavia

Criado em 1969, socorre-se dos testemunhos orais e de imagens de objectos enquanto

mediadores de experiências pessoais e comunitárias para transmitir conceitos

relacionados com o património imaterial constante da cultura galega. A razão de existir

do Museu prende-se com a vontade de preservação das manifestações culturais

relacionadas com o trabalho agrícola e o saber dos ofícios. Pode mencionar-se o registo

documental de cerca de 800 entrevistas como uma das mais significativas acções

levadas a cabo. É uma das ferramentas mais interessantes deste museu e forma um

fundo de documentação oral etnohistórica 79.

Sendo uma instituição mais “expositiva” que o interventivo Ecomuseu de Barroso,

coloca a tónica, de igual forma, na interacção com os detentores de património. Julguei

relevante a menção a este museu por ser dos que mais se destaca na Galiza no que diz

respeito à temática tratada; podem ilustrar-se assim soluções institucionais de encarar e

trabalhar o património imaterial na euroregião.

Diga-se ainda que está em fase de projecto o Museo Galego do Vinho, que será

dependente do Etnolóxico de Ribadavia e que terá como prioridade o tratamento da

temática do vinho considerando a estreita ligação do Homem à Natureza e ao seu

contexto específico (Pulgar Sabín, Vol. III, pp. 138-141), numa revisitação do conceito

de museu do território.

• Museo do Pobo Gallego

Fundado em 1976, este museu é na Galiza um dos que mais se evidencia na vocação

dirigida para o trabalho com as manifestações populares e as integra num discurso

expositivo de certa forma estanque, porque atribui a cada tipologia de manifestação uma

79 http://www.cgmuseos.org/ribadavia.html (25/12/07).

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sala de exposição, mas que procura simultaneamente articular todas estas manifestações,

diversificadas, num discurso estruturado.

Enquadrado nas iniciativas que pretenderam realçar e afirmar a identidade do povo

galego – tendo promovido, por exemplo, os “Encontros sobre o Feito Diferencial

Galego” a partir de 1996 –, desenvolve a maioria das suas iniciativas nos âmbitos do

meio natural ou meio ambiente e da cultura. Surgem assim as salas temáticas que no

ilustram as diversas vertentes da vida popular, como a faina marítima, os ofícios, o

campo, o traje, a música e dança, a sociedade, memória e tradição, os ofícios urbanos, o

habitat e a arquitectura, a arqueologia e a pintura e escultura. Verifica-se que muitos dos

temas tratados na candidatura encontram eco nos que são trabalhados por este museu,

nomeadamente no que diz respeito à oralidade. É o caso tanto da linguagem relacionada

com os ofícios: o “baralhete” dos amoladores, o “verbo dos arxinas” dos canteiros e o

“cavaco” dos telheiros do Baixo Minho que trabalhavam na Galiza como o da música.

Em comum entre o museu e a candidatura existem ainda as técnicas utilizadas nos

trabalhos manuais (Pulgar Sabín, Vol. IV, pp. 30-36) e a promoção das actividades

marítimas e todos os objectos, conceitos e manifestações associadas (Romero, 1992, p.

255).

Nesta instituição a cultura material é o principal suporte discursivo, sendo através da

interpretação desta que se acede à imaterial; é este outro modo de ser apresentado e

interpretado o património intangível, que complementa a total ausência de estruturas

expositivas artificiais e exposição exclusiva do território do Museo Aberto de Calvos de

Randín e a abordagem intermédia do Museu Etnolóxico de Ribadavia, em que a

instituição funciona já como centro interpretativo da cultura laboral.

Numa reflexão final verifica-se que a memória desempenha um papel de relevo nesta

conjuntura. A memória que reside em pessoas e não em objectos, sendo por conseguinte

necessário equacionar o papel dos museus num caso em que os depositários de memória

não são inertes e em que a própria memória (considerada como património) está sujeita

a alterações contínuas – entre as quais a degradação e desaparição – que se desenrolam

num âmbito em que é impossibilitada qualquer intervenção que vise travar estas

alterações, na circunstância de serem consideradas prejudiciais. No entanto, não é

desejável a preservação total e cristalizada da memória, pois conforme o caso

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paradigmático de Ireneo Funes (Funes el Memorioso, Jorge Luís Borges80),

mencionando Michael Fehr (2000, p. 46), o excesso leva à “morte por sufocação”. Os

museus deverão ter em relação a este património uma atitude de acompanhamento e

suporte na sua evolução, a par de um registo cuidadoso da totalidade dos aspectos que

ele possui em cada fase, não procurando cristalizar estes mesmos aspectos mas sim

integrá-los num estudo orgânico que, como tudo o que faz parte da História, tem etapas

e morfologias diversas no tempo e no espaço.

Pode também dizer-se que se assiste nos casos mencionados à concretização da

reaproximação da Antropologia e dos museus, ocorrida a partir da década de 1980, em

que estas instituições passaram a desenvolver um trabalho (no que se refere à

Antropologia, bem entendido) mais focado nas ideias e nos temas do que nos objectos,

sendo estes apenas o suporte material dos primeiros, que ganham protagonismo. Alice

Duarte refere duas grandes exposições portuguesas que ilustram esta tendência: “Fado:

Vozes e Sombras”, Museu Nacional de Etnologia, 1994, e “Memória da Amazónia”,

Edifício da Alfândega, Porto, realizada no mesmo ano (Duarte, 1997, pp. 49 e 50).

Diga-se ainda que o Fado será apresentado em 2007 (data prevista)81 como candidato a

património imaterial à UNESCO, tal como o património imaterial galego-português de

que nos ocupamos neste trabalho o foi em 2005.

3.3 Promover o património imaterial: algumas propostas de actividades adicionais a desenvolver/ coordenar por museus no Norte de Portugal e na Galiza

• Estadias de curto e médio prazo em núcleos rurais, vivendo o visitante nesse período

de tempo nas mesmas condições dos demais habitantes e participando nas suas

actividades, de maneira a conhecer com toda a fidelidade o modus vivendi de cada

comunidade. A validade desta iniciativa encontra-se na partilha que o visitante faz

dos sentimentos, necessidades, limitações, recursos e mundividências das

populações, sendo por isso o meio que melhor transmitirá a essência e as razões de

ser do património imaterial das comunidades, mais que os relatos, os estudos

teóricos e outras formas de transmissão de conhecimentos.

80 http://www.literatura.us/borges/funes.html (12/12/07). 81 http://dn.sapo.pt/2005/08/05/artes/candidatura_a_unesco_2007.html (27/04/07).

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• Organização de férias com actividades culturais e relacionadas com a Natureza,

rentabilizando as infraestruturas existentes nas regiões e criando-se as que se

viessem a tornar necessárias. A garantia de orientação por entidades competentes e a

interacção com formas de viver ainda pouco alteradas com aspectos contemporâneos

podem actuar como atractivo turístico para famílias (que valorizarão a contribuição

educativa conferida pela estrutura global da oferta) e outros tipos de turistas.

• Criar espaços com percursos e exposições virtuais, em que o visitante selecciona o

género e a quantidade de informação que pretende ver. Estes espaços virtuais

funcionariam tanto como meios de captação turística de futuros visitantes como de

apresentação do património galego-português a quem não tem possibilidade de

deslocação aos museus, além de poderem disponibilizar gravações de momentos

históricos únicos, que uma visita in loco não possibilita. Uma outra valência desta

proposta é a de poder conjugar aspectos do património de diversas maneiras e assim

mostrar ao visitante aspectos mais ocultos do património imaterial, que ao residir

sobretudo na mente humana pode ser por vezes de difícil acesso e compreensão,

especialmente para quem não pertence ao mesmo âmbito social, cultural e

geográfico.

• A candidatura promove também as manifestações de património imaterial existentes

nas diferentes partes do mundo onde emigrantes galegos e portugueses se fixaram:

seria interessante articular estas manifestações (que entretanto se alteraram, como é

natural) com as da Galiza e Portugal de maneira a ilustrar as mutações sofridas, as

razões dessas mesmas mutações e as suas consequências sociais e culturais. Um dos

documentários inéditos amavelmente cedidos pelo Ecomuseu de Barroso, cuja

temática é a emigração, foca alguns destes aspectos, como já tive ocasião de

mencionar. Contribuiria para a consolidação do projecto de classsificação do

património imaterial galego-português o elaborar de um produto consistente sobre

este assunto, sobretudo porque foi um dos pontos fracos achados pela UNESCO na

avaliação feita da candidatura: a variedade de manifestações propostas e a sua

dispersão geográfica82. Uma acção neste sentido, levada a cabo numa cooperação

entre associações, escolas, museus (há museus que se especializaram nas questões

da emigração – ou estão em processo de – , como o Museu do Contrabando e da

Emigração Clandestina, que tem um Espaço de Memória e Fronteira, inaugurado a

82 http://www.opatrimonio.org/pt/noticias.asp#82 (11/05/07).

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27/04/07, e o Ecomuseu de Barroso, já mencionados) e demais instituições que se

mostrassem interessadas seria fundamental para que a re-candidatura do projecto

fosse bem sucedida.

• A criação de uma base de dados de património imaterial abarcando os museus

galegos e os do Norte de Portugal, eventual e progressivamente extensível ao resto

dos países de emigração se tal medida se enquadrar nos objectivos a médio e longo

prazo das instituições. Seria um contributo valioso tanto para o sucesso da

recandidatura como para a projecção e valorização deste património, além de

facilitar a consulta para elaboração de estudos científicos. E como a cultura é um

processo em evolução e re-criação contínua e este processo é de grande evidência no

que diz respeito ao património imaterial, uma actualização constante dos dados

referentes à mesma é fundamental para que o conhecimento nunca peque por

incorrecção.

• A elaboração de um glossário para uso dos investigadores e dos técnicos que

trabalham com o património imaterial da Galiza e do Norte de Portugal seria

essencial para a uniformização da terminologia e para a interpretação dos trabalhos

levados a cabo, assim como para a familiarização dos técnicos e do público com a

denominação de objectos e realidades muito particulares que existem em ambientes

muito restritos. O ideal seria a constituição de um glossário para a Galiza, outro para

Portugal e um terceiro com a equivalência de termos que pudesse existir entre

realidades idênticas ou similares de cada lado da fronteira, que se alargaria

progressivamente à terminologia de manifestações de património imaterial

semelhantes que se fossem identificando em outros pontos do mundo. Estes

glossários tornar-se-iam instrumentos essenciais para estudo, pesquisa e

investigação no âmbito do património imaterial, com a valência adicional de dar a

conhecer as manifestações galegas e do Norte de Portugal e de ir criando uma rede

de ligações cada vez mais complexa e aprofundada que contribuiria para um

conhecimento mais completo dos aspectos patrimoniais em questão e facilitaria aos

mesmos um acesso universal.

• A publicação regular de textos relativos directa ou indirectamente ao património

imaterial, tanto por investigadores como por pessoas autóctones motivadas para tal.

A sua difusão regional, nacional e, quando possível e justificável, internacional,

daria visibilidade e seria uma forma de captar não só turismo como também o

interesse científico de investigadores e instituições. Estes dois factores, assentes na

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promoção do património imaterial, são de grande importância para o

desenvolvimento económico e cultural.

• Elaboração de exposições itinerantes para dinamizar e dar a conhecer o património

imaterial do âmbito de acção dos museus, quando possível com a participação de

portadores de património. Esta acção proporciona também aos detentores das

culturas vivas a possibilidade de se manifestarem com uma intervenção mínima dos

intermediários (museus, desenhadores de exposições), podendo transmitir a sua

essência da forma que acham mais correcta e proceder, durante a realização da

exposição, a uma reconstrução e um aprofundamento da sua identidade.

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CONCLUSÃO

Numa época em que a memória vai perdendo com evidência a função aglutinadora e

convergente de grupos (Meneses, 1997) assiste-se à realização de um projecto conjunto

de identificação e reconhecimento de um património cultural de um número de pessoas

que se distribuem não só por um território bastante vasto como esse território está

dividido entre dois estados do Noroeste ibérico. E vemos que os eixos estruturantes

desta candidatura são os seguintes:

• Memória

• Identidade

• História

• Património social

• Preservação

• Valorização

Um dos princípios fundamentais apurados nas análises levadas a cabo é o da relevância

da sociedade como detentora de memória (Connerton, 1999), conforme o defendido por

Maurice Halbwachs com base num argumento que se aplica ao caso em estudo: a

rememoração é possibilitada por estruturas sociais como as referências topográficas e

cronológicas e a linguagem. Como refere Gérard Namer, estas estruturas ou “quadros”

(Halbwachs) são formadas por recordações possuidoras de duas características

fundamentais que servem de paradigma quando se pretende compreender o património

imaterial galego-português conforme foi tratado na candidatura e nos museus: a

estabilidade, porque sirven de lugar permanente de organización durante un largo

tiempo, e a predominância, porque cada recuerdo estará vinculado a ellos en su lógica

y en su visión del mundo, como en un centro de organización (in Marot, 2006, pp. 54-

56).

As tradições como dinamizadoras da organização social (cf. Copans, 1999); foi o que

aconteceu no processo de constituição do projecto de classificação do património

imaterial galego-português. Serviu para tentar estruturar etnias ou sociedades de uma

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nova forma, dinamizá-las para que pudessem ter continuidade no tempo e no espaço e

não desaparecessem por omissão de características que já não têm uso e valor no

enquadramento social, económico e cultural dos séculos XX e XXI. Pois as

comunidades aldeãs são, como disse Balandier (1987, p. 79), sociedades em que “se

apreende com nitidez o confronto entre o tradicional e o moderno”.

No caso concreto da Galiza considero que a participação neste projecto conjunto de

classificação patrimonial resulta directamente do processo de autonomização política

em que os estudos etnográficos galegos serviram de apoio aos grupos nacionalistas para

reivindicar a diferença (Fernández de la Paz & Torrico, 1999, p. 9). Os trâmites deste

processo são ilustrados por António Medeiros em algumas obras (2003, 2006) e têm

base nos estudos etnográficos iniciados em 1800 – altura em que a história por

excelência é a da nação (Pollack, 1992, p. 205) – que cimentaram a forte vontade que os

Galegos todos os dias fazem questão de mostrar em escritos, sites web, posições

políticas, sociais e económicas de serem encarados como uma nação inconfundível e

diferenciada do resto de Espanha. Um certo reavivar das raízes culturais que

proporcionou a parceria cultural com o Norte de Portugal foi mais uma medida tomada

com estas intenções, cujo ponto forte é o de Portugal ser uma nação com uma História

de confrontos com Espanha que tinham como característica a necessidade de auto-

afirmação portuguesa. Quando, no capítulo 2, referiu-se a notória diferença entre as

individualidades e agrupamentos galegos e os portugueses que se manifestavam a

propósito da candidatura do património imaterial comum com destaque para o ânimo e

o empenho galegos pretendia mostrar uma das evidências que encontrei no âmbito da

dinâmica da candidatura no sentido de que se tem vindo a falar: Portugal enquanto

nação é politica, economica, social e culturalmente mais homogéneo do que a nação

Galiza, e este facto é patente em todo o processo da candidatura, processo este que

proporcionou aos Galegos um dos meios mais eficazes que se utilizam para marcar a

singularidade: a cultura. Citanto António Medeiros (2005, p. 79), […] in Galicia, […]

folk culture remains a much more disputed arena with different political projects

competing for its appropriation and interpretation.

Como a Galiza é uma nação histórica reconhecida, com autonomia política, mas em que

o órgão que exerce esse governo é mal visto por uma camada populacional considerável

no reduzido universo de habitantes da região (com inclinações mais puristas no que diz

respeito ao nacionalismo, nomeadamente do Bloque Nacionalista Galego), procura

através de instrumentos e processos como a candidatura em análise activar aspectos com

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um peso decisivo para, por um lado, conseguir afirmar-se porque não tem substrato

político suficiente, e, por outro, servir de motor à formação desse mesmo substrato,

reconhecido como o que confere mais poder, autonomia, reconhecimento e respeito

público num espaço de tempo muito mais curto do que qualquer outro meio que se

possa ultilizar para os mesmos fins. Meio que, neste caso, é a promoção cultural.

Pode dizer-se que nas dinâmicas observadas neste processo de candidatura do

património imaterial se verifica a passagem por todas as etapas que Ramón Máiz aponta

para o processo de constituição de um nacionalismo – que aqui será o galaico-português:

a identificação de uma etnicidade (neste caso tudo o que é englobado no património

imaterial da candidatura contribui decisivamente para este conceito diferencial e é

apresentado como tal); as elites e intelectuais da sociedade consciencializam a

comunidade de um conjunto de interesses comuns nacionais (os promotores da

candidatura pertencem a estas elites e intelectuais); um determinado segmento da

população adopta um identidade colectiva; movimento nacionalista provocado pela

dimensão política das etapas anteriores e que vai cativando mais camadas populacionais,

sendo a última fase (que ainda não se verificou mas parece ser um cenário possível,

sobretudo após a criação da euroregião) a exigência de um estado com governo

próprio83.

Não deixa de ser interessante perceber a presença de uma antiga “república”, um espaço

geográfico que foi independente dos estados centrais português e espanhol, no âmbito

territorial abarcado pela candidatura: o Couto Mixto. A eleição do Museo Aberto de

Calvos de Randín como caso de estudo pretendeu, entre os diversos aspectos analisados,

evidenciar o reforço (porventura não consciente, uma vez que nada do escrito ou

verbalizado pelos promotores deu a entender que houvesse consciência ou

intencionalidade do facto) que constitui a inclusão de um espaço que já teve um nível

muito elevado de autonomia, aspecto que apoia a vontade de independentização e

singularização presente nos discursos na e em redor da candidatura.

Coloca-se no entanto uma questão. A candidatura é um instrumento de afirmação

nacionalista galego: porquê a busca de uma aliança com Portugal quando

personalidades maiores no movimento cultural autonomista galego fizeram afirmações

categóricas como Nós [revista editada em Ourense entre 1920 e 1935] ha de ser a

representación no mundo da persoalidade galega na sua ansia de se afirmare coma

83 Cf. R. Máiz em http://www.consellodacultura.org/mediateca/pubs.pdf/etnicidade.pdf, p. 85 (05/01/08).

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valor universal, autóctono, diferenciado [...] O Enxebrismo é a nosa orixinalidade

específica, a nósa capacidá de creación, o noso aotóctono dinamismo mental (cit. em

Medeiros, 2006, p. 120).

Assiste-se ao início de um movimento científico que quer dar “monumentos de

lembrança” (cf. Le Goff, 1984, p. 38) à euroregião e esta candidatura foi um dos

processos desse movimento, ao ter sido redigida por académicos especializados.

No entanto, falta um sustentáculo histórico consistente, com fundamentos legítimos

perante as muitas questões que se podem colocar à forma de apresentar as diversas

manifestações de património imaterial da candidatura. Assim, pode dizer-se que esta

candidatura se insere no processo de definição dos objectos e manifestações que podem

ser patrimonializados e das suas categorias (Fernández de la Paz & Torrico, 1999, p. 8)

cuja dinâmica tem sido rápida, constante e cada vez mais abrangente ao longo das

últimas décadas e provocou, entre outros acontecimentos, o surgimento do que se

chamou de património imaterial e a sua inserção no conceito de património cultural.

Conforme me apercebi ao longo da elaboração deste trabalho, através de leituras, de

comentários e de depoimentos de algumas das pessoas que entrevistei e de outras com

quem conversei informalmente, o conceito de património imaterial é encarado de

formas muito diferentes e mesmo antagónicas, o que em parte atribuí à definição ainda

um pouco vaga instituída pela UNESCO. Fará falta uma sistematização rigorosa e clara

do que confere valor de património às manifestações essencialmente imateriais, visto

que é um campo em que a subjectividade é a característica predominante. A importância

desta característica revelou-se no processo de candidatura em estudo: os promotores da

candidatura consideraram fundamental a abrangência geográfica e tipológica das

manifestações de património imaterial e fizeram dela um ex libris, enquanto os

avaliadores (UNESCO) consideraram esta abrangência um factor negativo da

candidatura. O que se seguiu foi não só o desânimo por o património imaterial galego-

português não ter sido classificado como também um sentimento de frustração,

incompreensão e revolta manifestado por membros da associação promotora Ponte...nas

Ondas! tanto na esfera pública (congressos, encontros...) como na privada, em conversas

sobre o tema.

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UNIVERSIDADE DO MINHO https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/6286/1/Tese.pdf

UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA http://www2.ufp.pt/~slira/artigos/mesa_redonda_primavera_sergio.PDF

XOGOS POPULARES http://www.xogospopulares.com/index.php?start_from=60&ucat=&archive=&subaction=&id=&

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