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SOBRE OS AUTORES

COORDENADORES

ANDERSON SCHREIBER

Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Procurador do Estado do Rio

de Janeiro. Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli studi del

Molise (Itália). Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autor dos livros Novos paradigmas da

responsabilidade civil (6a edição, Atlas), Direitos da personalidade (3a edição, Atlas), Direito

civil e Constituição, entre outros.

CARLOS NELSON KONDER

Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Especialista em Direito Civil pela Univeristà di Camerino (Itália). Professor de Direito Civil da

Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Departamento

de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Coordenador

editorial da Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Autor de obras jurídicas e de

diversos artigos em periódicos especializados.

AUTORES

ALINE DE MIRANDA VALVERDE TERRA

Doutoranda e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ). Professora de Direito Civil nos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora de Direito Civil no

curso de pós-graduação lato sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Coordenadora Editorial da Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil.

BRUNO TERRA DE MORAES

Mestrando em Direito Civil pela UERJ. Pós-graduado em Direito Civil Constitucional

pelo CEPED-UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Procurador da Fazenda

Nacional.

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CHIARA ANTONIA SPADACCINI DE TEFFÉ

Mestranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Graduada em

Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Conselho Executivo da

Revista Eletrônica de Direito Civil – civilistica.com. Professora de Direito Civil. Advogada.

DEBORAH PEREIRA PINTO DOS SANTOS

Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Procuradora do Município do Rio de Janeiro (PGM-RJ). Advogada.

EDUARDO HEITOR MENDES

Mestre em Direito Civil pela UERJ. Pós-graduado em Direito Civil Constitucional pela

UERJ. Advogado.

FABIANO PINTO DE MAGALHÃES

Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Especialista em Direito Privado Patrimonial pela PUC-Rio. Professor convidado do Curso de

Pós-Graduação da Fundação Getulio Vargas – FGV, da Escola Superior de Advocacia Pública

do Estado – ESAP/ PGE-RJ e da EMERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

FELIPE RAMOS RIBAS SOARES

Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Advogado.

JULIA RIBEIRO DE CASTRO

Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Civil

Constitucional e mestre em Direito Civil pela UERJ.

JULIANA DA SILVA RIBEIRO GOMES CHEDIEK

Mestranda em Direito Civil pela UERJ. Especialista em Direito Civil Constitucional pela

UERJ. Especialista em Direito Público e Privado pela EMERJ. Graduada em Direito pela UFRJ.

Assessora Jurídica da Diretoria de Fabricação do Departamento de Ciência e Tecnologia do

Ministério da Defesa, União Federal.

LOUISE VAGO MATIELI

Mestranda em Direito Civil pela UERJ. Pós-graduada em Direito Civil Constitucional pela

UERJ. Advogada.

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LUCIANA DA MOTA GOMES DE SOUZA DUARTE

Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Defensora Pública.

THIAGO ANDRADE SOUSA

Mestrando em Direito Civil pela UERJ. Pós-graduado em Direito Civil Constitucional pela

UERJ. Advogado.

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APRESENTAÇÃO

A metodologia da constitucionalização do direito civil, referida mais comumente por

“Direito Civil Constitucional”, conta hoje, no Brasil, com enorme difusão e popularidade, sendo

prestigiada não apenas pelas obras doutrinárias e trabalhos acadêmicos, mas também citada com

frequência em decisões e acórdãos. Por outro lado, essa grande difusão nem sempre vem

acompanhada do devido cuidado com as premissas que guiam esse método, o que enseja

diversas críticas quanto à falta de rigor científico da metodologia, críticas que não seriam sequer

formuladas se a metodologia fosse mais bem conhecida e aplicada.

Esse é o cenário que levou à realização de um esforço coletivo para dar origem à presente

obra. De um lado, celebrar a grande acolhida que o método recebeu entre nós, reconhecido

como instrumento para, sob a guarida da “Constituição cidadã” e o influxo da redemocratização,

buscar no processo de interpretação e aplicação um direito civil que também seja “livre, justo e

solidário”. De outro lado, demonstrar que as críticas referem-se mais ao uso descuidado do

método do que à metodologia em si, destacando e aprofundando os pressupostos que devem ser

levados em conta para garantir rigor científico às decisões.

Conduzimos esse esforço a partir de um grupo de pesquisa institucional que congregou

mestrandos e doutorandos da linha de direito civil do Programa de Pós-Graduação em Direito

da UERJ em reuniões periódicas ao longo do primeiro semestre de 2014. A partir dos debates

foram produzidos artigos, os quais, ao longo do segundo semestre de 2014 e do primeiro

semestre deste ano, foram objeto de profunda e criteriosa revisão, em debate constante entre

coordenadores e autores.

Buscou-se, com isso, uma obra que pudesse servir de apresentação geral da metodologia

do direito civil constitucional, mas também apresentar, ao mesmo tempo, uma abordagem

aprofundada das premissas científicas desse método, em franco diálogo com as críticas que lhe

são opostas e com os demais métodos de interpretação e aplicação do direito civil.

Nessa linha, os dois artigos iniciais, elaborados pelos coordenadores, trazem uma visão

geral do direito civil constitucional. No artigo Direito civil e Constituição, de Anderson

Schreiber, aborda o conceito, o contexto e os fundamentos dessa metodologia, enquanto o

artigo Distinções hermenêuticas da constitucionalização do Direito Civil, de Carlos Nelson

Konder, realiza um cotejo dessa metodologia com os demais métodos hermenêuticos.

Os demais artigos, elaborados pelos pós-graduandos, destinam-se à análise de pontos

específicos da metodologia do direito civil constitucional. Assim, o papel do intérprete e a

crítica do excesso de poder que lhe é conferido pela constitucionalização do direito civil são

objeto do artigo Liberdade do intérprete na metodologia civil constitucional, da mestre e

doutoranda Aline de Miranda Valverde Terra. A abordagem da premissa metodológica do

caráter unitário, porém complexo, do ordenamento jurídico, é realizada no artigo Unidade do

ordenamento na pluralidade das fontes: uma crítica à teoria dos microssistemas, elaborado

pelos mestrandos Felipe Ramos Ribas Soares, Louise Vago Matieli e Luciana da Mota Gomes

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de Souza Duarte, em franco cotejo com outros métodos e fazendo uso dos exemplos do Código

de Defesa do Consumidor e do projeto de Código Comercial.

A funcionalização dos institutos jurídicos à realização dos princípios constitucionais e o

privilégio do seu perfil funcional sobre o perfil estrutural são abordados no artigo Função,

funcionalização e função social, dos mestrandos Deborah Pereira Pinto dos Santos e Eduardo

Heitor Mendes, em que são tratados também a dimensão e o alcance da função social em

institutos como o contrato, a propriedade e a empresa. A contingencialidade dos conceitos,

sempre construídos para lidar com situações fáticas de determinados contextos, é objeto do

artigo Historicidade e relatividade dos institutos e a função promocional do Direito Civil, dos

mestrandos Bruno Terra de Moraes e Fabiano Pinto de Magalhães, os quais abordam a

premissa, também fundamental ao Direito Civil Constitucional, de que o direito é um

instrumento não apenas de conservação, mas de transformação social.

A distinção entre interesses existenciais e interesses patrimoniais, estes sempre

funcionalizados à realização daqueles, é outra premissa metodológica usualmente atribuída à

constitucionalização do direito civil e examinada no artigo A dicotomia entre as situações

existenciais e as situações patrimoniais, redigido pelos mestrandos Julia Ribeiro de Castro e

Thiago Andrade Sousa.

A partir desse panorama geral e das premissas metodológicas desenvolvidas, o artigo das

mestrandas Chiara Antonia Spadaccini de Teffé e Juliana da Silva Ribeiro Gomes Chediek

demonstra a aplicação concreta do método fazendo uso de dois casos paradigmáticos do

ordenamento brasileiro: A aplicação da metodologia do direito civil constitucional na realidade

jurídica brasileira: os exemplos do direito de não saber e das famílias simultâneas.

Enfim, os coordenadores permitem-se concluir a obra arriscando alguns palpites sobre O

futuro do Direito Civil Constitucional, em que são apresentados não prognósticos supostamente

objetivos ou preditivos, mas sim algumas esperanças, desejos e projetos, sob a perspectiva

gramsciana de que “quem prevê, na realidade, tem um ‘programa’ que quer ver triunfar, e a

previsão é exatamente um elemento de tal triunfo”.1

Anderson Schreiber

Carlos Nelson Konder

1 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 3, 2002, p. 342.

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DIREITO CIVIL E CONSTITUIÇÃO

Anderson Schreiber

Sumário: 1. O que é (e o que não é) o Direito Civil Constitucional? – 2. Um pouco de história – 3. Fundamentos do Direito Civil

Constitucional: 3.1 Natureza normativa da Constituição; 3.2 Unidade e complexidade do ordenamento jurídico; 3.3 Interpretação com

fins aplicativos – 4. O Código Civil brasileiro de 2002: a confirmação da necessidade de um Direito Civil Constitucional – 5. Ser e ter:

despatrimonialização, funcionalização e os perigos da má compreensão do Direito Civil Constitucional – 6. Três desafios para o

civilista contemporâneo.

1.O QUE É (E O QUE NÃO É) O DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL?

Nos últimos vinte anos, o que era corrente minoritária entre os civilistas brasileiros parece

ter se tornado sucesso absoluto de público e crítica. A expressão “direito civil constitucional”,

antes restrita a um pequeno círculo acadêmico, aparece hoje em capas de livros, títulos de

artigos, ementas de decisões judiciais, programas de concursos públicos e até em panfletos

publicitários de cursos preparatórios. Na internet, quem se dispõe a procurar encontrará o direito

civil constitucional não apenas nos sites jurídicos, mas também na Wikipedia, no Orkut e até

mesmo no YouTube. Nesse vasto conjunto de referências, separar o joio do trigo é tarefa árdua.

Não faltam pistas falsas e citações enganosas, frutos de mero desconhecimento ou, em alguns

casos, de verdadeiro oportunismo. Daí a importância de revisitar, no atual momento, os

principais fundamentos dessa metodologia, apresentando-os do modo mais didático possível, a

fim de permitir ao leitor compreender o que é (e o que não é) o direito civil constitucional.

Para quem busca desde logo um conceito, o direito civil constitucional pode ser definido

como a corrente metodológica que defende a necessidade de permanente releitura do direito

civil à luz da Constituição.1 O termo “releitura” não deve, contudo, ser entendido de modo

restritivo. Não se trata apenas de recorrer à Constituição para interpretar as normas ordinárias de

direito civil (aplicação indireta da Constituição), mas também de reconhecer que as normas

constitucionais podem e devem serdiretamente aplicadas às relações jurídicas estabelecidas

entre particulares. A rigor, para o direito civil constitucional não importa tanto se a Constituição

é aplicada de modo direto ou indireto (distinção nem sempre fácil).2 O que importa é obter a

máxima realização dos valores constitucionais no campo das relações privadas.

Como se vê, o direito civil constitucional não é o “conjunto de normas constitucionais que

cuida de direito civil”, nem se trata tampouco de uma tentativa de esvaziar o direito civil,

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transferindo alguns de seus temas (família, propriedade etc.) para o campo do direito

constitucional. Trata-se, muito ao contrário, de superar a segregação entre a Constituição e o

direito civil, remodelando os seus institutos a partir das diretrizes constitucionais, em especial

dos valores fundamentais do ordenamento jurídico.

No Brasil, a expressão “direito civil constitucional” começou a ser empregada a partir da

década de 1990, em estudos de dois civilistas pioneiros. Gustavo Tepedino e Maria Celina

Bodin de Moraes, recém-chegados da Itália, onde concluíram o curso da prestigiosa Scuola di

Specializzazione in Diritto Civile da Università di Camerino, trouxeram na bagagem uma nova

metodologia, apreendida diretamente das lições do seu maior expoente no direito italiano, Pietro

Perlingieri: a doutrina do direito civil na legalidade constitucional.3 Tal corrente de pensamento

acabaria se tornando mais conhecida, especialmente entre nós, sob a sintética denominação de

direito civil constitucional.4 Recordar sua trajetória na Europa e no Brasil ajuda a compreender

não apenas a sua histórica importância, mas sobretudo seu rico papel nos dias atuais.

2.UM POUCO DE HISTÓRIA

A ideia de promover a releitura do direito civil à luz das normas constitucionais ganhou

corpo na Europa a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando diversas nações decidiram

editar Constituições novas, capazes de refletir seu comprometimento com a preservação da

democracia, com a solidariedade social e com a proteção da dignidade humana. Por razões

evidentes, tal necessidade foi sentida de modo mais imediato naqueles países cujos regimes

autoritários restaram derrotados no conflito mundial.5 O problema é que os novos textos

constitucionais, fundados em uma visão mais humanista e solidária do direito, chocavam-se

frontalmente com as codificações civis, ainda inspiradas na ideologia individualista e

patrimonialista que havia sido consagrada com a Revolução Francesa e as demais revoluções

burguesas dos séculos XVIII e XIX.6

Para ficar em um só exemplo, enquanto a maior parte das Constituições europeias do pós-

guerra aludia à necessidade de que a propriedade privada cumprisse uma “função social” e se

“tornasse acessível a todos”,7 as codificações civis continuavam definindo a propriedade como

um “direito de gozar e dispor da coisa, de modo pleno e exclusivo”, sem qualquer referência a

uma função “social”.8 Não se tratava, entenda-se bem, de simples desatualidade das

codificações civis, mas de um verdadeiro confronto de valores e ideologias, uma autêntica

colisão axiológica entre Constituição e Código Civil.

O confronto ganha contornos mais dramáticos quando se verifica que, ao fim da Segunda

Guerra, as Constituições ainda eram vistas como documentos sujeitos a uma forte influência

política, instáveis por definição, enquanto as codificações civis eram encaradas como

monumentos da lógica jurídica, destinados a perdurar. Na França, por exemplo, o Code

Napoléon representava (e representa ainda hoje) uma espécie de símbolo nacional. E o Código

Civil alemão (BGB), em cinquenta anos de existência, já havia sobrevivido a nada menos que

três Constituições inteiramente diversas entre si.9

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Por toda a Europa continental, os institutos de direito civil carregavam o prestígio de sua

longa tradição histórica, sendo vistos como verdadeiras “instituições”, cuja estabilidade era

atribuída ora ao gênio dos juristas romanos, ora a um suposto aperfeiçoamento técnico derivado

de uma lenta depuração de seu conteúdo ideológico.10 O próprio processo de codificação e o

exacerbado positivismo jurídico haviam contribuído para essa aparência de neutralidade e

abstração, difundindo a crença de que a dogmática civilista poderia sobreviver intacta às

revoluções políticas e às diferentes ideologias. Assim, no confronto entre os novos valores

constitucionais e as regras milenares do direito civil, a imensa maioria dos juristas preferia ater-

se a estas últimas.

A metodologia civil constitucional nasce da convicção oposta: a de que não existe um

direito civil “neutro” ou “não histórico”.11 A aparente neutralidade ideológica das codificações

civis europeias servia, na verdade, a um projeto bem definido: manter a segurança e a

estabilidade dos negócios a salvo de qualquer intervenção, mudança ou crise do Estado,

apartando o direito civil do restante do ordenamento jurídico e protegendo-o como espaço da

autonomia da vontade, tutelada em si mesmo, independentemente dos fins que a vontade

individual se propusesse a perseguir.12

Esse forte individualismo do direito civil, que estava longe de ser “neutro”, chocava-se

agora com o solidarismo humanista consagrado nas novas Constituições. O contexto histórico

vinha exigir uma tomada de posição mais clara por parte dos juristas europeus, especialmente na

Itália e na Alemanha, onde a suposta neutralidade ideológica dos institutos de direito civil havia

servido para justificar a estabilidade das relações econômicas e um discurso de preservação da

ordem jurídica mesmo sob o autoritarismo feroz dos regimes fascista e nazista.13 O que vem

propor, corajosamente, a metodologia civil constitucional é que os institutos de direito civil

sejam reformulados à luz dos novos valores constitucionais, abandonando-se o misoneísmo

habitual da doutrina civilista em prol de uma efetiva reconstrução do direito privado.14 É, nesse

sentido, uma proposta altamente revolucionária, destinada a promover uma alteração profunda

nas bases mais arraigadas do direito civil contemporâneo.15

Aqui, o leitor poderá se perguntar se o direito civil constitucional não consiste em uma

construção puramente “europeia”, um estrangeirismo apto a atender tão somente às

necessidades específicas da realidade alheia. A resposta é negativa. Embora a matriz do

pensamento civil constitucional radique fundo no contexto europeu do pós-guerra, é certo que,

ressalvadas algumas peculiaridades, a proposta central de releitura do direito civil à luz da

Constituição cairia como luva na experiência brasileira das últimas décadas do século XX.16 Se,

na Itália e na Alemanha, a derrubada dos regimes autoritários foi o gatilho para a edição de

novas Constituições e a consequente reformulação do direito civil, tal papel coube, no Brasil, ao

processo de “redemocratização”, que deu fim a um longo e tenebroso período de ditadura

militar.

Fruto de um amplo debate democrático, a Constituição brasileira de 1988 elegeu como

valores fundamentais da sociedade brasileira a dignidade da pessoa humana, a solidariedade

social, a redução das desigualdades, a erradicação da pobreza, entre outros valores de cunho

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fortemente social e humanista. Ao mesmo tempo, permanecia em vigor o Código Civil de 1916,

que, inspirado na filosofia liberal e individualista, seguira, qual servo fiel, a cartilha das

codificações europeias dos séculos XVIII e XIX. O conflito de valores entre Código Civil e

Constituição tornou-se flagrante em diversos setores do direito privado. No direito de família,

por exemplo, a Constituição consagra a igualdade entre homens e mulheres (art. 226, § 5º),

enquanto nossa codificação civil continuava a apontar o marido como “chefe da sociedade

conjugal” (art. 233). Em outros exemplos marcantes, a Constituição reconhece expressamente a

união estável (art. 226, § 3º) e afirma que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento,

ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações

discriminatórias relativas à filiação” (art. 227, § 6º). Bem ao contrário, o Código Civil de 1916

diferenciava expressamente os filhos “legítimos” dos “ilegítimos” e só reconhecia como família

aquela decorrente do vínculo matrimonial, chancelado pelo Estado (arts. 180 e 355). Para além

das colisões específicas, todo o Código Civil permanecia ancorado na ampla liberdade de

contratar, no livre exercício da propriedade privada, na responsabilidade civil por culpa,

enquanto a Constituição de 1988 funda-se no valor social da livre iniciativa, na função social da

propriedade, na socialização dos riscos. A falta de sintonia era brutal.

Também no Brasil, portanto, a constitucionalização do direito civil mostrava-se imperativa

e urgente. Encontrou, todavia, forte resistência entre os nossos civilistas, ciosos dos seus

conceitos seculares e da sua dogmática imune às instabilidades políticas que, no Brasil, já

haviam levado à promulgação de mais de seis Constituições, enquanto o Código Civil de 1916

permanecia único e monolítico. Nesse contexto, remodelar o direito civil à luz da Constituição

parecia uma proposta insana e temerária, defendida por alguns poucos professores e alunos,

concentrados em sua imensa maioria no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito

da UERJ.17

Foi só com o passar do tempo e a intensa dedicação desses estudiosos pioneiros que a

metodologia civil constitucional conquistou adeptos, consolidando-se no debate acadêmico,

difundindo-se Brasil afora e abrindo espaço sob as arcadas das Universidades mais

tradicionais.18 Sua aplicação acabaria consagrada também pela jurisprudência, especialmente

pela atuação inovadora do Superior Tribunal de Justiça, que não se furtou a reler o direito civil à

luz das normas constitucionais, promovendo alterações significativas no modo de aplicação dos

institutos mais tradicionais do direito privado.19

Tamanho foi o avanço nos últimos vinte anos que o leitor que chega agora periga acreditar

que a obra está pronta. Ledo engano. Sem prejuízo de todo o esforço, há muito ainda por fazer.

O direito civil continua impregnado da filosofia do século XVIII, sendo ainda tratado pela maior

parte da doutrina e da jurisprudência sob a ótica liberal, individualista, voluntarista e

patrimonialista. O que dizer da disciplina das obrigações, do regime matrimonial de bens, das

garantias reais e outros setores tão intensamente marcados, ainda hoje, pelos dogmas de

outrora? O que dizer do inteiro ramo das sucessões, com suas imensas concessões à vontade

individual, ou dos direitos da personalidade, ainda encarados por muitos sob o prisma tipificante

do direito subjetivo? Quem acha que o direito civil passou por todas as transformações

necessárias que vá consultar a grade curricular da imensa maioria das Faculdades de Direito,

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onde o programa civilístico permanece inalterado desde décadas esquecidas, preso de modo

quase irremediável à estrutura do Código Civil revogado ou do Código Civil atual, o que, como

se verá mais adiante, dá quase no mesmo.

Não há aqui espaço para ilusões: o direito civil brasileiro continua a exigir e continuará a

exigir permanente releitura à luz dos valores constitucionais, como único caminho seguro para a

realização do projeto de sociedade traçado pela Constituição de 1988. É claro que o problema se

impõe, em alguma medida, em todos os ramos do direito (fala-se, nesse sentido, em

constitucionalização do direito administrativo, do direito penal, do direito do trabalho etc.).20 A

situação do direito civil é, contudo, extremamente peculiar, pois não se limita a alterações

pontuais de postura, mas impõe a reconstrução do próprio papel do direito civil e da codificação

na realidade contemporânea, colocando em xeque noções fundamentais da ciência jurídica,

como o direito subjetivo, a autonomia privada e a própria distinção entre direito público e

direito privado.

Não foi por outra razão que todo o debate em torno da chamada “constitucionalização”

teve início nas trincheiras do direito civil e, ao menos no Brasil, foram os civilistas que

defenderam com pioneirismo a aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas.

Pela própria matéria com que lidam (relações entre particulares), os civilistas foram logo

forçados a trazer para o terreno dos fatos as normas constitucionais, fazendo-as incidir

diretamente sobre os casos concretos. Tal aplicação direta, sobre a qual ainda controvertem os

publicistas,21 consiste em um dos três principais fundamentos da metodologia civil

constitucional, que se passa a examinar.

3.FUNDAMENTOS DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

Como toda corrente metodológica, o direito civil constitucional está sujeito a alguma

variação de abordagem e ênfase entre os seus autores.22 Nenhuma metodologia nasce pronta e

acabada, aperfeiçoando-se continuamente. Há, contudo, um núcleo central de premissas teóricas

que permite a delimitação dos seus contornos e o mútuo reconhecimento entre os seus adeptos.

Há, em outras palavras, alguns pressupostos teóricos fundamentais que caracterizam o direito

civil constitucional e que permitem distingui-lo de outras escolas de pensamento. Conhecer tais

pressupostos é imprescindível e, aqui, nada mais seguro que ir às fontes.

Para Pietro Perlingieri, são três os pressupostos teóricos fundamentais da metodologia do

direito civil constitucional: (a) a natureza normativa da Constituição; (b) a complexidade e

unidade do ordenamento jurídico e o pluralismo de fontes do direito; e (c) o desenvolvimento de

uma renovada teoria da interpretação, de fins aplicativos.23 Embora indissociáveis sob o prisma

metodológico, tais pressupostos podem, para propósitos didáticos, ser examinados em separado.

3.1Natureza normativa da Constituição

O direito civil constitucional ancora-se, em primeiro lugar, na eficácia normativa da

Constituição. Opõe-se, nesse sentido, à orientação mais tradicional da doutrina civilista

brasileira, que ainda enxerga a Constituição como “carta política”, ou como norma de conteúdo

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meramente “programático”, dirigida apenas ao legislador. De acordo com esse entendimento

tradicional, a Constituição dependeria sempre de uma lei ordinária, como degrau necessário para

descer ao mundo dos fatos, e o Código Civil representaria já a concretização definitiva da

vontade do Constituinte, não restando, após a sua edição, qualquer espaço para incidência direta

das normas constitucionais nas relações privadas. Mesmo em caso de “lacuna” do Código Civil,

a aplicação direta da norma constitucional somente se faria possível como ultimíssimo recurso,

por meio da invocação dos “princípios gerais de direito”, a que se refere o art. 4º do Decreto-lei

4.657/1942 (LINDB):

“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os

costumes e os princípios gerais de direito”.24

Trata-se, na lição de Gustavo Tepedino, de “verdadeira subversão hermenêutica”, que

acaba por “relegar a norma constitucional, situada no vértice do sistema, a elemento de

integração subsidiário, aplicável apenas na ausência de norma ordinária específica e após terem

sido frustradas as tentativas, pelo intérprete, de fazer uso da analogia e da regra

consuetudinária”.25 Os princípios constitucionais não se confundem com os “princípios gerais de

direito”, extraídos por indução de um conjunto de dispositivos específicos do Código Civil. Os

princípios constitucionais são normas situadas no vértice do ordenamento jurídico e não podem,

por isso mesmo, assumir papel subsidiário ou marginal, especialmente em um campo tão vasto e

relevante como o direito civil. O reconhecimento de que os princípios constitucionais são

normas aplicáveis (indireta ou diretamente) às relações privadas é indispensável para

compreender que o direito civil não representa um mundo à parte, um campo jurídico guiado

por valores próprios e autônomos, mas se insere no ordenamento jurídico, que é uno e gravita

todo em torno do projeto constitucional.

3.2Unidade e complexidade do ordenamento jurídico

A unidade e complexidade do ordenamento jurídico consistem no segundo pressuposto

fundamental apontado por Perlingieri. As duas expressões (unidade e complexidade), que

poderiam parecer antagônicas em outros contextos, não assumem aqui esta conotação: o

ordenamento, por mais que se diversifiquem suas fontes, por mais que se multipliquem suas

normas, por mais que se especializem os seus setores, permanece único, unitário, centrado sobre

os valores constitucionais.

Com tal abordagem, a metodologia civil constitucional opõe-se à chamada teoria dos

microssistemas, que pretende enxergar o direito privado como uma cadeia de microssistemas

autônomos. A teoria dos microssistemas foi defendida na Itália por Natalino Irti, em sua célebre

obra L’età della decodificazione. Analisando o processo de “descodificação” pelo qual passava

o direito privado italiano, com a edição de longos estatutos legislativos que furtavam setores

inteiros do campo de incidência do Código Civil (estatuto do inquilinato, estatuto dos contratos

bancários etc.), Irti anunciou a substituição do “monossistema jurídico”, centrado sobre a

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codificação civil, por um “polissistema jurídico”, formado pelos estatutos legislativos, cada qual

guiado pela “sua própria lógica” e editado com a sua “própria linguagem”.26

A teoria dos microssistemas tem o mérito de destacar a perda de importância do Código

Civil como centro gravitacional do direito privado, diante da proliferação de leis especiais, mas

o que propõe, a título de solução, é uma perigosa fragmentação do sistema jurídico, que, de um

lado, passa a ser guiado por valores de ocasião e, de outro, deixa sem qualquer resposta os

inúmeros conflitos que atraem a aplicação simultânea de estatutos diversos, inspirados, muitas

vezes, em propósitos antagônicos ou assimétricos.27

A compreensão do ordenamento jurídico como mero conjunto de microssistemas

policêntricos traz, ainda, o risco de converter o jurista em uma espécie de técnico especializado,

fechado em determinado universo normativo. Nesse sentido, Irti chega a defender abertamente

que a proliferação de microssistemas assinala “o fim do estudioso enciclopédico do direito

privado”, exigindo do jurista não mais “a custódia de princípios supremos” ou a “decisão sobre

os destinos da sociedade”, mas o domínio de “competências circunscritas e limitadas” para o

desempenho de “prestações técnicas, destinadas a confluir, juntamente com inúmeras outras,

rumo a êxitos distantes que escapam à sua escolha e ao seu controle”.28

O que o direito civil constitucional propõe é justamente o oposto dessa fragmentação em

microssistemas: a (re)unificação do sistema jurídico em torno dos valores constitucionais, de

modo a que cada lei especial seja interpretada e aplicada em conformidade não com uma sua

“lógica própria”, mas em conformidade com o projeto de sociedade traçado pelo Constituinte.

Não se trata tão somente de reconhecer a Constituição como centro formal do qual irradiam as

leis especiais – centralidade que, de resto, vem reconhecida pelo próprio Irti com base na

hierarquia das fontes29 –, mas de atribuir aos valores constitucionais uma primazia substancial

na interpretação e aplicação das leis especiais, que não devem ser tomadas como sistemas

autônomos.30

Daí por que, na perspectiva civil constitucional, o jurista não se converte jamais em um

“técnico de microssistemas”, como pretende Irti, já que isso significaria transformá-lo em um

profissional “acrítico, insensível em relação ao projeto abrangente da sociedade mesmo quando

esse, traduzido na máxima lei do Estado – qual seja, a Carta Constitucional –, encontra-se

claramente em contradição com grupos de poder ou de pressão”.31

Defender a unidade do ordenamento jurídico não significa, de modo algum, negar a sua

complexidade. Na realidade contemporânea, são fenômenos por demais evidentes a proliferação

de leis especiais, a multiplicação das próprias fontes do direito, a ampliação dos fatos dotados

de relevância normativa. Tudo isso não afasta, mas intensifica a necessidade de uma reductio ad

unitatem “por meio do controle de legitimidade, o uso e a aplicação dos princípios

constitucionais também nas relações intersubjetivas”, como “garantia de sujeição aos valores

fundantes do ordenamento jurídico”.32 Para uma missão assim tão ambiciosa, o jurista deve

dispor de uma renovada teoria da interpretação jurídica, com fins aplicativos. Trata-se do

terceiro pressuposto fundamental indicado por Pietro Perlingieri.

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3.3Interpretação com fins aplicativos

O direito civil constitucional representa, em larga medida, um novo modo de interpretar o

direito civil.33 A “reinserção” do direito civil em um ordenamento jurídico unitário, irradiado da

Constituição, exige que os seus institutos sejam repensados a partir do texto constitucional e dos

novos valores ali consagrados. “A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o

Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com

frequência (e ainda ocorre)”.34 Tamanho redirecionamento exige uma teoria da interpretação

jurídica que, diferentemente da tradicional, não se limite a uma operação formalista, por meio

da fria subsunção da situação fática à norma que a descreve de modo mais minucioso, mas que

se mostre comprometida com a aplicação de todo o ordenamento jurídico a cada caso concreto,

em uma busca permanente pela máxima realização dos seus valores fundamentais. “É neste

sentido que se deve entender o real e mais profundo significado, marcadamente axiológico, da

chamada constitucionalização do direito civil”.35

Aqui, o papel do intérprete se transforma radicalmente: deixa de ser la bouche da la loi (a

boca da lei) para passar a exercer uma atividade essencialmente “criadora, no sentido de que

manifesta historicamente os valores do ordenamento, individua a normativa idônea, constitui

um precedente doutrinal e jurisprudencial com uma sua autoridade ou um seu peso nas

elaborações sucessivas da jurisprudência e da ciência; julga a compatibilidade da norma ao caso

concreto”.36 O aspecto criativo da interpretação não é, contudo, livre, como sugerem outras

escolas de pensamento (e.g., escola do direito livre e direito alternativo), mas “vinculada mais

especificamente às escolhas e aos valores do ordenamento”, sendo, por isso mesmo, passível de

controle, por meio da análise da sua necessária motivação.37

Em outras palavras: o direito civil constitucional não aprisiona o intérprete na literalidade

da lei, como pretendia a escola da exegese com seu exacerbado positivismo, nem o deixa livre

para criar o direito a partir dos seus próprios instintos e opiniões, como propõem a escola do

direito livre e o direito alternativo. Reconhece-lhe um papel criativo, mas sempre vinculado à

realização dos valores constitucionais. É certo que a transposição desses valores, enunciados em

termos genéricos, ao caso concreto exigirá uma compreensão histórico-social e até mesmo

cultural, que é, por definição, relativa, mas que, sendo necessariamente motivada, será passível

de controle, discussão e revisão em perspectiva técnica, com base em um parâmetro mais seguro

(os valores consagrados no texto constitucional) que o mero sentimento de justiça ou concepção

de mundo de cada intérprete.

Com isso, o direito civil constitucional assegura que a interpretação jurídica será exercida

com propósito unitário, vinculado aos valores fundantes de cada sociedade, e não aos interesses

e opiniões de cada um. Garante, ademais, que o jurista não atuará de modo isolado, empregando

técnicas formais para aplicar certo dispositivo legal a uma situação fática qualquer, indiferente

ao que o ordenamento projeta para a sociedade como um todo. A interpretação jurídica não pode

ser tratada como procedimento lógico apartado da avaliação dos resultados da aplicação do

direito, mas deve, ao contrário, perseguir sempre a concretização do plano constitucional,

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respeitando a “hierarquia das fontes e dos valores, em uma acepção necessariamente sistemática

e axiológica”.38

4.O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002: A CONFIRMAÇÃO DA

NECESSIDADE DE UM DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

Há quem afirme que o direito civil constitucional tornou-se “desnecessário” no Brasil,

diante da edição de um novo Código Civil. Como se a eficácia normativa das normas

constitucionais somente se justificasse diante da idade avançada do Código Civil anterior. Muito

ao contrário: o que a metodologia civil constitucional propõe não é uma releitura exigida pelo

envelhecimento da codificação, mas uma releitura permanente, voltada à máxima realização dos

valores constitucionais nas relações privadas. A edição de uma nova codificação civil não

suprime, nem atenua o papel da Constituição. A atuação do legislador ordinário não substitui o

projeto constitucional, nem isenta o intérprete de buscar a permanente adequação do direito civil

aos valores constitucionais.

A alegação de que a metodologia civil constitucional teria perdido sua utilidade diante do

novo Código Civil mostra-se ainda mais infundada porque a codificação civil de 2002 tem

muito pouco de realmente novo.39 Seu texto repete substancialmente aquele do Código Civil de

1916, já tendo sido chamado de “cópia mal feita” do seu antecessor.40 Fruto de projeto

elaborado na década de 1970, durante o período mais severo da ditadura militar brasileira, o

novo Código Civil chega com um atraso de mais de três décadas – quando a conveniência de

uma nova codificação já era vista com reservas41 – e em flagrante descompasso com a

Constituição.42 Sua aprovação foi recebida pela melhor doutrina como “um duro golpe na

recente experiência constitucional brasileira”.43 Aos juízes, aos advogados, ao intérprete, de

modo geral, restou “a espinhosa tarefa de temperar o desastre, aplicando diretamente o Texto

Constitucional, seus valores e princípios, aos conflitos de direito civil, de modo a salvaguardar o

tratamento evolutivo que tem caracterizado as relações jurídicas do Brasil contemporâneo”.44

Não faltam oportunidades para isso. No campo do direito de família, por exemplo, o

Código Civil de 2002 não trouxe uma palavra sobre a união homoafetiva, o que levou o

Supremo Tribunal Federal a reservar uma interpretação constitucional ao art. 1.723 da

codificação civil, de modo a estender a disciplina da união estável aos casais

homossexuais.45 No campo dos contratos, o Código Civil de 2002, repetindo acriticamente a

codificação anterior, manteve a norma que prevê a prisão civil do depositário infiel (art. 652),

situação contrária ao tecido constitucional após a celebração do Pacto de San José da Costa

Rica, conforme também já reconheceu o Supremo Tribunal Federal.46 No campo dos direitos da

personalidade, o legislador civil autorizou o tratamento médico compulsório, vedando-o apenas

diante de “risco de vida” (art. 15), situação que revela flagrante equívoco e total dissonância

com a axiologia constitucional, que protege a dignidade humana como valor fundamental do

ordenamento jurídico.47

Como se vê, o Código Civil de 2002 não afastou (nem poderia) a necessidade de aplicação

da Constituição às relações privadas. Ao revés, reforçou-a, pois, sob o disfarce da novidade

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legislativa, a codificação de 2002 oculta a ideologia do passado. O patrimonialismo, o

individualismo, o liberalismo, o voluntarismo continuam vivamente presentes no texto do

“novo” Código Civil, em franca oposição ao solidarismo humanista consagrado no texto

constitucional. A aparência de novidade não deve, portanto, nos iludir.48 Mais do que nunca,

impõe-se a releitura do direito civil à luz da Constituição.

5.SER E TER: DESPATRIMONIALIZAÇÃO, FUNCIONALIZAÇÃO E OS

PERIGOS DA MÁ COMPREENSÃO DO DIREITO CIVIL

CONSTITUCIONAL

A Constituição brasileira de 1988 não poderia ter sido mais clara em relação ao seu projeto

de sociedade. No título dedicado aos seus princípios fundamentais, inseriu “a dignidade da

pessoa humana” e “a cidadania” (art. 1º, II e III). Aludiu ao trabalho e à livre iniciativa, mas sob

a expressa perspectiva do seu “valor social” (art. 1º, IV). Elegeu, ainda, como objetivos

fundamentais da República a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”, impondo a

erradicação da “pobreza” e da “marginalização”, além da redução das “desigualdades sociais e

regionais”.

O Constituinte não agasalhou expressamente, como fizeram outras Constituições, o

sistema capitalista de produção, mas tampouco o rejeitou. Garantiu o “direito de propriedade”,

mas se apressou em acrescentar que “a propriedade atenderá a sua função social” (art. 5º, XXII

e XXIII). No capítulo dedicado aos “princípios gerais da atividade econômica” não apenas

voltou a mencionar a função social da propriedade, mas também aludiu à “defesa do

consumidor”, à “defesa do meio ambiente”, à “busca do pleno emprego” e, mais uma vez, à

“redução das desigualdades sociais e regionais”. Com isso, afirmou que a atividade econômica

não é protegida em si mesma, mas tão somente enquanto instrumento de outros valores, de

cunho existencial. Foi o que estampou, com incontestável clareza, no seu art. 170:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social (...)”.

Diante desse quadro constitucional, não pode haver dúvida de que proceder a uma releitura

do direito civil à luz da Constituição é tarefa que implica necessariamente em uma

“despatrimonialização” dos seus institutos tradicionais. Com o termo “despatrimonialização”

não se projeta “a expulsão” ou “a redução quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema

jurídico e naquele civilístico em especial”, porque, em primeiro lugar, “o momento econômico,

como aspecto da realidade social organizada, não é eliminável”.49 Além disso, a Constituição

brasileira, como se viu, não repeliu a livre iniciativa, nem repugnou a propriedade privada. O

que fez foi atrelar o exercício dessas situações jurídicas à realização de valores sociais. A

mudança é, portanto, qualitativa.50 Trata-se não de asfixiar a aspiração econômica, nem de lhe

impor meros limites externos ou excepcionais, mas sim de lhe atribuir uma nova justificativa,

uma nova razão legitimadora, que não pode ser vista como premissa dada, mas que deve ser

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encarada como uma nova função para a atividade econômica concretamente desenvolvida na

realidade social.51

A funcionalização dos institutos de direito civil à realização de valores sociais está longe

de ser coisa nova. León Duguit, Maurice Hariou e tantos outros autores célebres já defendiam,

na segunda metade do século XIX, o reconhecimento de uma “função social” como modo de

substituir ou temperar os contornos individualistas do direito subjetivo.52 A partir daí, a doutrina

civilista passaria a distinguir a estrutura (como funciona) e a função (para quê serve) dos

institutos jurídicos, reconhecendo nesse último aspecto a verdadeira justificativa da sua proteção

pelo ordenamento. Na conhecida lição de Salvatore Pugliatti, a função é a “razão genética do

instituto” e, por isso mesmo, seu real elemento caracterizador.53 A função corresponde ao

interesse que o ordenamento visa proteger por meio de um determinado instituto jurídico e, por

isso mesmo, predetermina, nas palavras do Professor de Messina, a sua estrutura.54

A sofisticada construção obriga os juristas, e especialmente os civilistas, a se perguntarem:

qual o papel que o ordenamento reserva a cada instituto jurídico? Por que a ordem jurídica atual

o preserva? Abandona-se, com essas indagações, a postura sonolenta que tomava os institutos

jurídicos como colocados à livre disposição do sujeito de direito. Evidencia-se a necessidade de

que o exercício dos direitos atenda a uma finalidade maior que a simples vontade

individual. Daí a consagração do termo “função social” que produziu verdadeira revolução no

tratamento dispensado pelo direito civil à propriedade privada,55 e que, hoje, se espraia para a

empresa, para o contrato e para outros institutos.56

O que a metodologia civil constitucional enfatiza, nessa seara, é justamente a necessidade

de que os institutos jurídicos de direito civil, outrora compreendidos como meros instrumentos

de perseguição do interesse particular, sejam redirecionados à realização dos valores

constitucionais, em especial à realização da solidariedade social e da dignidade da pessoa

humana. É nesse sentido que se afirma que o direito civil constitucional se caracteriza pelo

“decisivo predomínio das situações existenciais sobre as situações patrimoniais”.57 Daí

afirmarem alguns autores, em fórmula sintética, que o ser prevalece sobre o ter. A ideia,

contudo, deve ser bem compreendida.

O direito civil constitucional não propõe uma segregação absoluta entre situações

existenciais e situações patrimoniais. Numa reversão da perspectiva histórica do direito privado,

que se interessava pelo sujeito de direito apenas sob o prisma patrimonial (o proprietário, o

testador, o contratante), a metodologia civil constitucional vem exigir que a pessoa passe a ser

valorizada pela sua condição humana.58 O ter deixa, assim, de ser um valor em si mesmo para se

tornar mero instrumento de realização do ser. A atividade econômica passa a estar subordinada

ao atendimento de valores não econômicos, como a solidariedade social, a igualdade substancial

e a dignidade da pessoa humana.

Não há, como se vê, segregação, mas funcionalização do ter ao ser. Uma rígida distinção

entre relações jurídicas patrimoniais e relações jurídicas existenciais seria, em primeiro lugar,

impossível. Como aspecto da vida social, o patrimônio está direta ou indiretamente envolvido

na imensa maioria das relações privadas. A relação de paternidade, por exemplo, impõe, a um

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só tempo, deveres existenciais (criação, educação etc.) e patrimoniais (alimentos, sucessão

etc.).59 O que releva não é a distinção, mas a subordinação de todos esses deveres ao melhor

interesse do menor, consagrado no art. 227 da Constituição.60 Do mesmo modo, a

impenhorabilidade do bem de família é instrumento tipicamente patrimonial, mas voltado à

realização do direito à moradia, manifestação inegável da dignidade humana, valor existencial

por excelência.61

Dividir o direito civil, colocando, de um lado, os institutos patrimoniais e, de outro, os

institutos existenciais seria, além de artificioso, contrário ao objetivo central da metodologia

civil constitucional, que é a subordinação de todo o direito civil ao atendimento dos valores

existenciais consagrados na norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. A

dicotomia entre o ser e o ter serve apenas para evidenciar, de modo didático, que a ideologia

patrimonialista que marcava a codificação civil de 1916 e ainda marca o Código Civil de 2002

não pode prevalecer sobre os valores existenciais consagrados na Constituição, sob pena de uma

inversão sistemática e axiológica.

O problema está, a rigor, em identificar como e de que modo os institutos jurídicos

estruturados sob uma lógica puramente patrimonial devem ser adequados à nova tábua de

valores constitucionais. A Constituição, como já se disse, não reprime a atividade econômica ou

o ganho patrimonial, mas lhe atribui um valor social, consubstanciado no fim de “assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Ao civilista incumbe perseguir,

em cada recanto do direito civil, o modo mais efetivo de realizar esse escopo constitucional. A

elevada missão encerra desafios.

6.TRÊS DESAFIOS PARA O CIVILISTA CONTEMPORÂNEO

A presunção de conhecimento das leis, estampada no art. 3º do Decreto-lei

4.657/1942,62 jamais soou tão irreal. Não há, nem mesmo entre os juristas mais esforçados,

quem seja capaz de conhecer, por inteiro, o vasto universo de tratados internacionais,

convenções, leis complementares, leis ordinárias, legislações estaduais, legislações municipais,

sem falar na enxurrada de resoluções, portarias, pareceres normativos e outras normas

infralegais emitidas com impressionante desenvoltura pelos órgãos (cada vez mais numerosos)

da Administração Pública, em todos os níveis e esferas de governo.

Extrai-se daí o primeiro desafio para o civilista contemporâneo: não se deixar seduzir, em

meio à imensidão (às vezes, assustadora) do oceano normativo, pelo simplismo da norma mais

específica, resolvendo toda uma controvérsia à luz de um único artigo de lei, quando cada

conflito deve, ao contrário, ser solucionado “à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em

particular, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o

caracterizam”.63 Um provimento da Corregedoria-Geral de Justiça pode descrever com

minuciosa precisão a situação fática que o civilista tem diante de si, atribuindo-lhe um

determinado efeito. Nem por isso pode o civilista deixar de verificar se tal efeito é o que realiza

de modo mais efetivo, naquelas circunstâncias, o projeto constitucional.

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O segundo desafio para o civilista contemporâneo nasce do perigo oposto. Diante da

percepção de que nem mesmo a intensa produção legislativa é capaz de dar conta de todas as

novas situações sociais, o legislador se vale cada vez mais de cláusulas gerais, conceitos

jurídicos indeterminados e outras normas de conteúdo aberto, que permitem atribuir alguma

disciplina normativa às situações novas e imprevistas.64 Isso sem falar no recurso cada vez mais

frequente aos princípios. Nesse cenário, compete ao civilista evitar que essas normas de

enunciado aberto sejam convertidas em argumentos de ocasião, para justificar de modo

puramente retórico as convicções pessoais das partes ou do julgador. O resultado disso seriam

decisões incoerentes e um clima generalizado de insegurança e descrédito em relação ao sistema

jurídico.

Daí a importância do método, para além da metodologia. A aplicação direta de normas de

elevado grau de abstração exige um exercício de identificação de parâmetros a serem

empregados na especificação concreta do seu conteúdo.65 A uniformidade e a segurança serão

tanto maiores quanto mais se tiver avançado no consenso em torno destes parâmetros. Trata-se

de um processo gradativo, uma genuína “reconstrução” do direito privado, em que cada novo

passo é fruto do anterior. Teorias pontuais e aventureiras, outrora festejadas como espasmos de

equidade ou vias excepcionais de oxigenação de um sistema que permanecia intacto em sua

essência, perdem espaço diante de um esforço abrangente de reformulação do direito civil, a

partir da aplicação técnica, coerente e rigorosa de normas outrora tidas como “meramente

programáticas”, em especial os princípios constitucionais.66

Registre-se, a propósito, que nada está mais distante da metodologia civil constitucional

que a invocação irresponsável da “dignidade humana”, para sustentar demandas indenizatórias

de caráter frívolo, ou a menção oportunista à “função social do contrato” no afã de justificar o

descumprimento de deveres contratuais legitimamente assumidos. A metodologia civil

constitucional reclama a aplicação dos princípios constitucionais, mas tal aplicação se dá

necessariamente de modo técnico e criterioso, por meio de uma fundamentação controlável,

ancorada no dado normativo. A invocação velhaca dos valores constitucionais nada tem de civil

constitucional: é patifaria intelectual, que, longe de privilegiar, esvazia a densidade das normas

fundantes do ordenamento jurídico brasileiro.

Entre esses dois extremos, equilibra-se o civilista contemporâneo. Precisa escapar tanto do

legalismo restrito, que o converte em mero reprodutor de normas cada vez mais específicas e

numerosas, quanto do subjetivismo jurídico, que compromete a uniformidade na aplicação da

lei (garantia da legalidade) e o impede de encontrar na sua tarefa uma unidade de ação,

consubstanciada em um projeto de sociedade futura. É esse equilíbrio que oferece a metodologia

civil constitucional. Nem o “sono dogmático”, nem as “esbórnias ideológicas”, o direito civil

constitucional exprime um “positivismo ético”, que, sem renunciar ao dado normativo, funda-se

na primazia dos valores consagrados no texto constitucional.67

O terceiro desafio para o civilista contemporâneo diz respeito não ao modo, mas ao

resultado da sua atuação. Cumpre-lhe realizar a vocação do direito civil, vocação que se

confirma na experiência jurídica contemporânea, mas que não deixa, em certa medida, de se

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comunicar com as remotas origens do ius civile, como instrumento de proteção dos direitos do

homem na vida comum.68 A partir da releitura constitucional, retoma-se, sob renovadas e

ampliadas vertentes, toda a tradição dos “direitos civis” na reconstrução de um ramo do direito

destinado a garantir o pleno desenvolvimento do ser humano e a tutelá-lo em suas mais

essenciais manifestações.69

Da tutela dos direitos da personalidade (integridade corporal, privacidade, imagem etc.)

em face das novas tecnologias (clonagem, internet, mídia etc.) à proteção da liberdade afetiva

expressa no pluralismo familiar (uniões estáveis, uniões homoafetivas etc.), passando pela

reformulação da responsabilidade civil (reparação integral, responsabilidade objetiva por

atividades de risco), dos direitos reais (função social da propriedade, função social da posse), do

direito das obrigações (solidariedade contratual, tutela da confiança) e do direito das sucessões

(fertilização in vitro, testamento biológico), toda a imensa revolução por que vem passando o

direito civil brasileiro destina-se a promover a emancipação do homem comum, suprimindo

modelos jurídicos ultrapassados e assegurando sua autonomia pessoal em face dos esquemas

massificados da realidade contemporânea. Se esse novo direito civil realizará sua vocação

histórica é indagação cuja resposta transcende emblemas e escolas. Toda ajuda será muito bem-

vinda.

1Nas palavras de Pietro Perlingieri, trata-se da “rilettura del codice civile e delle leggi speciali alla luce

della Costituzione repubblicana” (Il diritto civile nella legalità costituzionale. Nápoles: ESI, 2001. p.

189).

2PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria

Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 12.

3Há dois textos seminais para quem pretenda conhecer mais a fundo a metodologia civil constitucional:

Gustavo Tepedino, Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, fruto da aula

inaugural proferida no ano acadêmico de 1992 no salão nobre da Faculdade de Direito da UERJ, e

publicado em TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 1-

22; e MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito

Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, Rio de Janeiro, v. 17, n. 65, 1993, p. 21-32. Na Itália, além da

obra do próprio Perlingieri, merecem registro os estudos desenvolvidos por inúmeros de seus ex-alunos e

colegas, como Pasquale Femia, Francesco Prosperi, Vito Rizzo, Rocco Favale, entre outros.

4A expressão “diritto civile costituzionale” é empregada por Pietro Perlingieri, embora o autor utilize

com mais frequência a fórmula “dottrina del diritto civile nella legalità costituzionale”. A bem da

verdade, a adjetivação sempre foi vista com cautela pelos próprios defensores do direito civil

constitucional. Nesse sentido, Gustavo Tepedino adverte que “a adjetivação atribuída ao direito civil, que

se diz constitucionalizado, socializado, despatrimonializado (...) poderia parecer desnecessária e até

errônea. Se é o próprio direito civil que se altera, para que adjetivá-lo? Por que não apenas ter a coragem

de alterar a dogmática, pura e simplesmente?”. E o próprio autor responde que, “a rigor, a objeção é

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pertinente, e a tentativa de adjetivar o direito civil tem como meta apenas realçar o trabalho árduo que

incumbe ao intérprete. Há de se advertir, no entanto, desde logo, que os adjetivos não poderão significar

a superposição de elementos exógenos do direito público sobre conceitos estratificados, mas uma

interpenetração do direito público e privado, de tal maneira a se reelaborar a dogmática do direito civil”

(Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, cit., p. 22).

5A Constituição italiana foi promulgada em 1947 e a Constituição alemã foi promulgada em 1949. Em

países onde o autoritarismo perdurou, as novas Constituições só viriam algumas décadas mais tarde,

como foi o caso da Constituição portuguesa de 1976 e a Constituição espanhola de 1978, frutos da

derrubada dos regimes salazarista e franquista, respectivamente.

6À burguesia interessava um direito privado que assegurasse ampla liberdade ao indivíduo, permitindo a

circulação mais irrestrita possível de bens e mercadorias, em franca oposição às restrições e privilégios

nobilitários que caracterizavam o período histórico anterior (Ancien Régime). Sobre o tema, ver, por

todos, GIORGIANNI, Michele. O direito privado e as suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, v.

747, p. 38.

7Ver, por exemplo, Constituição italiana, art. 42.

8Código Civil Italiano, art. 832.

9A Constituição Imperial Alemã de 1849, a Constituição de Weimar de 1919 e, finalmente, a

Constituição Alemã de 1949.

10Não à toa um dos principais cursos de direito civil brasileiro, de autoria do saudoso Professor Caio

Mário da Silva Pereira, intitula-se “Instituições de Direito Civil”.

11Nas palavras de Pietro Perlingieri, “o conhecimento jurídico é uma ciência jurídica relativa: precisa-se

levar em conta que os conceitos e os instrumentos caracterizam-se pela sua relatividade e por sua

historicidade. É grave erro pensar que, para todas as épocas e para todos os tempos, haverá sempre os

mesmos instrumentos jurídicos” (Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da Faculdade de

Direito da UERJ, n. 6-7, 1998/1999, p. 64). O texto citado é fruto de palestra proferida pelo civilista

italiano em 25 de agosto de 1998, no salão nobre da Faculdade de Direito da UERJ.

12Nesse sentido, afirmava abertamente Luigi Ferri: “L’autonomia privata non è un potere conferito al

singolo per il perseguimento di un scopo o di un fine che si imponga ad esso come scopo o fine

necessario, non è cioè un potere cui corrisponde una funzione od un ufficio” (Nozione giuridica di

autonomia privata. Studi in onore di Francesco Messineo – per il suo XXXI anno d’insegnamento.

Milão: Dott. A. Giuffrè, 1959. v. 4, p. 158).

13Sobre o tema, ver ABBAMONTE, Orazio. La politica invisibile. Milão: Giuffré, 2003.

14“Os civilistas têm, notoriamente, uma postura intelectual de conservação frente à própria disciplina”

(MORAES, Maria Celina Bodin de. O direito civil constitucional. In: CAMARGO, Margarida M.

Lacombe (org.). 1988-1998: uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 115).

15Não, porém, tão radical quanto outras propostas metodológicas que pretendiam estabelecer um

rompimento com qualquer dado normativo. O tema será examinado em detalhe mais adiante.

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16Também a metodologia civil constitucional tem, nesse sentido, uma conotação histórica e relativa. Seu

forte comprometimento com as normas constitucionais implica necessária variação dos seus resultados

conforme o conteúdo da Constituição de cada Estado nacional. Sua aceitação é, evidentemente, maior

naquelas situações geopolíticas em que o texto constitucional logra atender à sua genuína vocação:

exprimir os valores fundamentais da sociedade na qual se insere.

17Fundados e conduzidos por Gustavo Tepedino, os cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Civil da

Faculdade de Direito da UERJ tornaram-se a alma mater da escola civil constitucional no Brasil.

Também é de se registrar a atuação do grupo de pesquisa “Virada de Copérnico”, liderado pelo Professor

Luiz Edson Fachin, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do

Paraná, com o qual a escola de direito civil constitucional do Rio de Janeiro tem mantido longa e

profícua relação.

18Hoje, novas gerações de civilistas abraçam a metodologia civil constitucional mesmo naquelas

Universidades brasileiras onde a proposta enfrentava maior resistência.

19Sobre o tema, ver FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (coords.). O STJ e a reconstrução do direito

privado. São Paulo: RT, 2011.

20Ver, por todos, BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o

triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). ReRE – Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado,

n. 9, 2007. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/rede.asp>.

21Há vasta bibliografia, no campo da doutrina publicista, discutindo a aplicação direta das normas

constitucionais às relações privadas, em especial a chamada eficácia horizontal dos direitos

fundamentais. É de se conferir, em particular, SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos

direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova

interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:

Renovar, 2003. p. 193-284. Para um bom exemplo de diálogo entre publicistas e privatistas nesse campo

específico, ver SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações

jurídico-privadas. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2004.

22Luiz Edson Fachin alude, nesse sentido, às “constitucionalizações” do direito civil, no plural (Questões

de direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 5).

23São os três pressupostos apontados por PERLINGIERI, Pietro. La dottrina del diritto civile nella

legalità costituzionale. RTDC – Revista Trimestral de Direito Civil, v. 31, 2007, p. 75-86.

24Trata-se da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, rebatizada como Lei de Introdução às Normas de

Direito Brasileiro pela Lei 12.376/2010, que, em exercício patente de inutilidade legislativa, foi editada

com o só escopo de alterar a denominação reservada à norma anterior.

25TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil

de 2002. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p. 25.

26IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1999. p. 126 (tradução livre).

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27Exemplo marcante é o conflito que se estabelece, no Brasil, entre o Código de Proteção e Defesa do

Consumidor (Lei 8.078/1990) e a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), no tocante à possibilidade ou não

de arbitragem para a solução de conflitos entre consumidores e fornecedores.

28IRTI, Natalino. L’età della decodificazione, cit., p. 127 (tradução livre).

29IRTI, Natalino. L’età della decodificazione, cit., p. 118-120 (tradução livre).

30Rejeita-se, assim, a expressão “microssistemas”, mesmo sob o disfarce do emprego exclusivamente

didático, como bem adverte Gustavo Tepedino: “Em última análise, como o ordenamento jurídico há de

ser unitário, a exigir a harmonização das diversas fontes normativas orientada pelos valores

constitucionais, rejeita-se a expressão microssistema, mesmo tendo em conta o sentido meramente

didático que se quer emprestar à sua utilização no Brasil, diversamente da noção originariamente

concebida pela doutrina italiana” (O direito civil constitucional e suas perspectivas atuais. Temas de

direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 30).

31PERLINGIERI, Pietro. La dottrina del diritto civile nella legalità costituzionale, cit., p. 76 (tradução

livre).

32PERLINGIERI, Pietro. La dotrtina del diritto civile nella legalità costituzionale, cit., p. 76-77 (tradução

livre).

33Em sentido semelhante, afirma Maria Cristina De Cicco em prefácio à edição brasileira dos Perfis do

direito civil (de Pietro Perlingieri): “Trata-se de uma renovação dos estudos privatísticos através da

influência da Constituição sobre o Direito Civil que leva a um modo novo de abordar os problemas e de

raciocinar sobre a sua solução”.

34LÖBO, Paulo. Direito civil – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 36.

35É a lição de MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. Princípios do direito

civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 3.

36PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 81.

37Idem. O direito civil constitucional não se identifica, portanto, com a “Teoria do Caos” ou com outras

linhas de pensamento segundo as quais “a mobilidade é a única certeza”, como sugere o confuso verbete

dedicado ao direito civil constitucional no site Wikipedia.

38PERLINGIERI, Pietro. La dottrina del diritto civile nella legalità costituzionale, cit., p. 77.

39O Código Civil de 2002 é fruto de projeto elaborado sob o período mais duro da ditadura militar

brasileira. A comissão encarregada da tarefa, embora formada por juristas brilhantes, trabalhou sob a

expressa premissa de “não dar guarida no Código senão aos institutos e soluções normativas já dotados

de certa sedimentação e estabilidade” (REALE, Miguel. O projeto de Código Civil – situação atual e

seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 76). Passadas três décadas, sua aprovação

veio sem uma efetiva discussão com a sociedade civil, o que agravou ainda mais a sua desatualidade.

40MORAES, Maria Celina Bodin de. O direito civil constitucional, cit., p. 127.

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41“No Brasil, o desencanto com a codificação alcançou os civilistas que já haviam participado de outras

tentativas de novas codificações civis, no início da década de sessenta do século XX, a exemplo de

Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira. O Código Civil de 2002 não conseguiu estancar essa

linha de tendência, o que deixa no ar a pertinência de sua utilidade, em sociedade com intensas

mudanças” (LÖBO, Paulo. Direito civil, cit., p. 13-14).

42Não faltaram alertas ao Congresso Nacional, como se vê de FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos

Eduardo Pianovski. Um projeto de Código Civil na contramão da Constituição. RTDC – Revista

Trimestral de Direito Civil, v. 4, 2000, p. 243-263.

43TEPEDINO, Gustavo. O novo Código Civil: duro golpe na recente experiência constitucional

brasileira. RTDC – Revista Trimestral de Direito Civil, v. 7, 2001, que, com alguma esperança, concluía:

“Do Presidente da República espera-se o gesto nobre, que o fará entrar para a História como um grande

estadista: o veto integral ao projeto”.

44Idem.

45STF, ADI 4.277 e ADPF 132, julgadas conjuntamente em sessão histórica encerrada em 05.05.2011 e

iniciada um dia antes.

46STF, Súmula Vinculante 25, editada em 16.12.2009: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel,

qualquer que seja a modalidade do depósito”.

47Sobre o tema, seja consentido remeter a SCHREIBER, Anderson. Os direitos da personalidade e o

Código Civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (coord.). Diálogos sobre direito

civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. II, p. 231-264.

48Como adverte Gustavo Tepedino, “mostra-se inquietante que setores nostálgicos do voluntarismo

queiram aproveitar a chegada do Código Civil de 2002 para considerar desnecessário, a partir de agora,

todo o esforço hermenêutico de compatibilização das fontes normativas em torno da Constituição da

República” (Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento. Temas de

direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 17).

49PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 33.

50No ensinamento de Luiz Edson Fachin: “Não se trata apenas de voltar a reconhecer que o trabalho

justifica o patrimônio. Trata-se, isso sim, de ressaltar que a titularidade das coisas não pode ser um fim

em si mesmo” (Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 305-306).

51Nessa direção, Carlos Nelson Konder indica, como uma das características do direito civil

constitucional, “privilegiar o perfil funcional dos institutos em detrimento do perfil estrutural”, atitude

que é “decorrência necessária da primazia do texto constitucional, que converte a normativa civil em

instrumento para a realização de seus preceitos” (Contratos conexos – grupos de contratos, redes

contratuais e contratos coligados. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 15).

52FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar,

1998, especialmente p. 187-195 e 221-277.

53PUGLIATTI, Salvatore. La proprietà nel nuovo diritto. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1964. p. 300.

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54“Non soltanto la struttura per sè conduce inevitabilmente al tipo che si può descrivere, ma non

individuare, bensì inoltre la funzione esclusivamente è idonea a fungere da criterio d’individuazione:

essa, infatti, dà la ragione genetica dello strumento, e la ragione permanente del suo impiego, cioè la

ragione d’essere (oltre a quella di essere stato). La base verso cui gravita e alla quale si collegano le linee

strutturali di un dato istituto, è costituita dall’interesse al quale è consacrata la tutela. L’interesse tutelato

è il centro di unificazione rispetto al quale si compongono gli elementi strutturali dell’istituto (...)”

(PUGLIATTI, Salvatore. La proprietà nel nuovo diritto, cit., p. 300).

55Constituição, arts. 182 e 186, entre outros.

56No Código Civil brasileiro, ver notadamente o art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em

razão e nos limites da função social do contrato”.

57TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; LEWICKI, Bruno. O Código Civil e o

direito civil constitucional. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 13, 2003, p. iii.

58“Na concepção clássica do Direito Privado, a pessoa humana é valorizada pelo que tem e não por sua

dignidade como tal” (MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito

virtual à cláusula patrimonial. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando os fundamentos do direito civil

brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 95).

59Código Civil, arts. 1.634 e 1.696, entre outros.

60“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão”.

61Sobre o tema, ver SCHREIBER, Anderson. Direito à moradia como fundamento para a

impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor solteiro. Diálogos sobre direito civil – construindo

a racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 77-98.

62“Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

63PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 5.

64Para mais detalhes sobre essas espécies de normas e sua distinção, ver ENGISCH, Karl. Introdução ao

pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, especialmente p. 208-255.

65Nessa direção, ensina Gustavo Tepedino que a técnica das cláusulas gerais imposta pela

contemporaneidade “reclama, necessariamente, uma definição normativa (narrativa) de critérios

interpretativos coerentes com a ratio do sistema” (O Código Civil, os chamados microssistemas e a

Constituição: premissas para uma reforma legislativa, In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de

direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 10).

66Transcreva-se a sexta (e quiçá mais importante) proposição da Carta de Curitiba, documento-síntese

do VIII Encontro UFPR-UERJ dos Núcleos de Pesquisa em Direito Civil: “Necessário se faz refletir

sobre as dimensões metodológicas e axiológicas da constitucionalização do Direito Civil, de modo a

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assegurar a unicidade do ordenamento, a supremacia da Constituição e a construção de critérios que

permitam aferir o substrato axiológico dos princípios constitucionais, visando à sua efetividade” (íntegra

publicada no editorial da RTDC, v. 44, 2010, p. vi).

67PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costituzionale, cit., p. 61. Significativo, a

propósito, o título escolhido por Natalino Irti para a passagem que dedica a Perlingieri em belo ensaio

sobre quatro juristas do seu tempo: “(...) Pietro Perlingieri o dei valori” (Quattro giuristi del nostro

tempo. Scuole e figure del diritto civile. Milão: Giuffrè, 2002. p. 423-439).

68“O Direito Civil reapropria-se, por alguns aspectos e renovadas formas, da sua originária vocação

de ius civile, destinado a exercer a tutela dos direitos ‘civis’ em uma nova síntese – cuja consciência

normativa tem importância histórica – entre as relações civis e aquelas econômicas e políticas”

(PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 34).

69“Ao fim e ao cabo, trata-se de restaurar a primazia da pessoa humana também no contexto que a ela

mais diz respeito, na ordem jurídica que regula as suas relações mais importantes, justamente porque são

as relações que lhe tocam mais de perto, isto é, no direito civil” (MORAES, Maria Celina Bodin de.

Constituição e direito civil: tendências. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 779, 2000, p. 63).

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2

DISTINÇÕES HERMENÊUTICAS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL1

Carlos Nelson Konder

Sumário: 1. Introdução – 2. Deontologia e teleologia no método do Direito Civil constitucional – 3. Formalismo e pragmatismo na

constitucionalização do Direito Civil – 4. À guisa de conclusão: fundamentação argumentativa como pedra de toque da liberdade e da

responsabilidade do intérprete.

1.INTRODUÇÃO

Ao menos no âmbito das ciências sociais, mesmo as reflexões sobre questões

metodológicas são contingentes ao contexto histórico-social no qual se originam. O

procedimento de interpretação e aplicação do direito civil não é exceção. Não obstante os

esforços no sentido de buscar uma técnica pura, uma forma neutra, um método correto e

verdadeiro de realizar a interpretação, há que se reconhecer que as diferentes teorias

interpretativas são produtos de anseios relativos a determinados locais e a certas épocas.

Isso diz respeito ao impacto não somente das transformações fáticas da realidade à qual o

direito se vincula – como, por exemplo, o aumento de complexidade da estrutura do

ordenamento em decorrência das transformações operadas no tocante às fontes do direito –, mas

principalmente da modificação dos valores sociais sobre os quais o direito se constrói. A

historicidade e a relatividade da teoria da interpretação decorrem especialmente do fato de esta

vincular-se a uma multiplicidade de fatores sobre os quais frequentemente não se reflete.2

A nítida e estreita ligação entre a teoria da interpretação e a própria ciência do direito faz

que as mudanças na concepção do que seja o direito impliquem igualmente modificações na

forma de interpretá-lo.3 Mais precisamente, são reflexos do que se pretende que seja o direito e

como deve ser a forma de aplicá-lo, a culminar no reconhecimento de que a opção metodológica

é também, em algum nível, uma opção ideológica.4 Neste sentido, o que é imperioso é explicitar

o método adotado, também por meio da contraposição com os demais métodos, pois, como

explica Pietro Perlingieri, “o que essencialmente se exige do jurista é a coerência com o método

adotado. O confronto depois, sobre qual seja o método mais adequado para a abordar o assunto,

é um discurso aberto sobre o qual ninguém possui, em um certo sentido, a verdade”.5 E sintetiza

o autor: “a reflexão sobre o método não é tanto reflexão sobre a escolha, quanto sobre a

consciência da escolha e dos resultados que a sua concretização comporta. É nesse sentido que a

ciência e a metodologia se envolvem reciprocamente”.6

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A doutrina do direito civil contemporâneo vive um momento de profunda transformação,

que é, como não pode deixar de ser, uma ocasião de crise e de oportunidade. O processo de

libertação e superação de certos rigores metodológicos tradicionais a essa área da ciência do

direito pode dar vazão a novos métodos, oxigenados pelas paradigmáticas mudanças da ciência,

ou pode resvalar para a ausência de qualquer método, que sob a falácia da liberdade e da

informalidade representa apenas a tirania e o arbítrio do intérprete.

Nesse contexto difundiu-se no Brasil a metodologia da constitucionalização do direito

civil, por vezes referida como “direito civil constitucional”. O método fundado no pensamento

de Pietro Perlingieri teve aqui grande receptividade, por encontrar também um contexto

constitucional de redemocratização e civilistas ansiosos por transformar o arcaico direito civil

clássico em um instrumento de emancipação das pessoas e de transformação social, rumo a uma

comunidade mais justa e solidária.

No entanto, a invocação descuidada desse método, sem a adequada indicação de suas

premissas, vem causando receio e inquietude. Por vezes, doutrina e jurisprudência trilham

caminhos alegadamente guiados pelo “direito civil constitucional”, mas fazem tudo menos

aplicar efetivamente o método da constitucionalização do direito civil. Não são poucos os

trabalhos que têm exposto, de forma clara, didática e sistemática, as premissas metodológicas

que o caracterizam.7 Por conta disso, a opção neste estudo foi traçar outro percurso para

enfatizar a necessidade de cuidado com o método. A abordagem será no sentido de confrontar

esse método com os demais, estabelecendo comparações, distinções, divergências, semelhanças

e, por vezes, oportunidades de diálogo.

Para isso, podemos sistematizar as escolas, apenas para fim didático, sob a afirmativa de

que cada metodologia produz distintas respostas para duas grandes questões – bastante

interligadas – acerca da interpretação do direito.

A primeira é referente ao foco da interpretação: de um lado posições que vinculam o

intérprete à construção teórica, à coerência científica, à pureza da doutrina; de outro lado, o

intérprete voltado para o impacto social da decisão, sua atuação na realidade concreta, as

repercussões sobre o contexto fático. Uma perspectiva mais deontológica da atividade

interpretativa em oposição a uma perspectiva mais teleológica.

A segunda é referente à fidelidade da interpretação ao texto: de um lado, posições que

restringem mais a atuação do intérprete, mantendo-o mais amarrado à letra da lei; de outro lado,

posições que lhe garantem maior liberdade e autonomia na adaptação do enunciado normativo

para sua aplicação ao lado concreto. A interpretação como ato de conhecimento, de descoberta

ou de revelação, em contraposição à interpretação como ato de vontade, de invenção ou de

construção.

Também com finalidade didática, para facilitar a ilustração dos métodos, será utilizado um

exemplo hipotético: uma nova lei que previsse que a ação de despejo em contratos de locação

somente poderia ser intentada após nove meses de inadimplemento do aluguel caso o locatário

seja portador de neoplasia maligna. Uma lei como essa provavelmente levantaria, além de

arguições sobre a sua inconstitucionalidade por violação ao direito à propriedade e ao princípio

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da proporcionalidade, controvérsias sobre a eventual extensão desse benefício a locatários

portadores de outros tipos de patologia.

2.DEONTOLOGIA E TELEOLOGIA NO MÉTODO DO DIREITO CIVIL

CONSTITUCIONAL

No tocante à resposta da primeira pergunta, é possível partir do modelo mais clássico – e

possivelmente mais extremo – que foi a chamada “Jurisprudência dos conceitos”, ou

“Pandectística”. Marco histórico influente sobre as teorias contemporâneas do direito civil a

Pandectística tem origem no contexto da Alemanha do século XIX, em que a falta de unidade

política inviabilizava a construção de uma legislação codificada, nos moldes do Code dos

franceses, o que conduziu a doutrina a centrar seus esforços sobre o tratamento formal dos

conceitos clássicos e a descrição neutra dos princípios.8 Nesse modelo, em que o processo de

reflexão e construção do direito se realiza a partir de operações lógicas e imutáveis, de

silogismos automáticos e estéreis, buscava-se a construção de uma doutrina neutra,

cientificamente adequada independente do contexto social a que se lhe aplicasse, no que já foi

descrito como “a definitiva alienação da ciência jurídica em face da realidade social, política e

moral do direito”.9

Em um modelo como este, a discussão sobre a possibilidade de interpretação extensiva do

benefício legal exemplificado hipoteticamente desprezaria qualquer consideração sobre o

impacto social que ele produz. Provavelmente a argumentação estaria restrita à coerência teórica

do benefício – e de sua ampliação – com os elementos componentes do contrato de locação, os

direitos que podem ser atribuídos por sua conta ao locatário e, até mesmo, as condições e

requisitos processuais para a ação de despejo.

Esse modelo quase matemático de como o jurista atua, em sua versão mais extrema e

exemplificativa, sofreu severas críticas. Sem descurar a importância da coerência teórica para

garantir a cientificidade do direito, a atividade interpretativa não pode abrir mão da ciência de

que se destina a atuar na realidade social, sob pena de o rigor científico, que deve guiar a análise

conceitual, degenerar no puro gosto pela classificação, sem função e alienada da realidade. Nas

palavras de Pietro Perlingieri, a jurisprudência dos conceitos “relega a praxe da reflexão,

considerando-a um acidente e privilegiando a norma como objeto da interpretação”, ficando

“assim garantidas a unidade e a coerência do sistema, mas com a perda do ‘contato com o

dinamismo social externo, com a dimensão diacrônica do direito’”.10

De fato, como já foi destacado, esse esforço obsessivo pela depuração dos conceitos e

institutos nunca será capaz de afastar o direito da realidade concreta da qual ele é produto e

assim jamais atinge a pureza teórica pretendida. Ao contrário, desmascarada essa insustentável

mistificação de uma pureza teórica, o movimento rumo a uma suposta neutralidade revela-se

apenas como uma forma de ocultar as escolhas ideológicas por trás da atividade do intérprete.

Os conceitos abstratos persistem em carregar em sua estrutura, de forma implícita, os valores

que estão por trás de sua construção, e que se revelam quando se analisa o impacto da decisão

na realidade social.11

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A constatação da inviabilidade de plena neutralidade no tocante ao intérprete conduziu à

construção de escolas radicalmente opostas, que viriam a responder à questão colocada no

sentido inverso: se o juiz é inevitavelmente condicionado pelos seus próprios valores, abre-se

mão de seu compromisso com a teoria e a interpretação do direito volta-se exclusivamente para

a transformação da realidade concreta a que se aplica. Nessa linha do que se poderia indicar

genericamente como “realismo sociológico”, a atividade de análise destaca-se das formalidades

em favor da atenção aos fatores reais que conduzem às decisões judiciais, em nome de desligar-

se de construções abstratas oriundas das classes dominantes para dirigir-se a um direito

espontaneamente construído pela sociedade na sua verdadeira vivência cotidiana como grupo.12

Nesta linha radical, o exemplo-guia seria debatido exclusivamente pelo seu impacto social,

pelo esforço de tutela de pessoas acometidas por uma doença de tratamento dramático e por

vezes sem cura. Quando não fosse substituída pela admissão de práticas sociais constatadas

nestes casos, a interpretação seria guiada pela fragilidade da condição destes sujeitos e por um

esforço de compensação social, diante da insuficiência do sistema público de saúde, por meio da

imposição forçada da manutenção do vínculo aos locadores particulares em todas as hipóteses

em que houvesse este tipo de desequilíbrio socioeconômico.

Mas esse extremo oposto também é bastante criticável, na medida em que se dispõe a

trocar a validade da norma jurídica pela efetividade da dita norma social. A dissolução das

garantias oferecidas pelo ordenamento numa suposta realidade social representa o risco de

entregar-se à lei do mais forte, que pode normalmente traduzir essa suposta autorregulação

espontânea do corpo social, Ou ainda, lembrando a premissa de que toda atividade interpretativa

é marcada por valores, deve-se reconhecer que o próprio processo de “escolha” do que sejam

essas normas espontaneamente sociais não é ideologicamente menos tendencioso do que aquele

que se pauta nas normas institucionalizadas formalmente. Esquece-se que as garantias formais

são conquistas históricas que encontram fundamento na legalidade e na democracia:

Uma coisa é verificar que o jurista, na tentativa de interpretação objetiva da norma, não pode

se subtrair do condicionamento histórico-ideológico, outra coisa é querer exasperar esse

condicionamento no processo hermenêutico, de maneira a recusar a interpretação do dado

normativo e propor que seja justamente essa bagagem cultural, histórico-ideológica, a

constituir garantia de justiça.13

Ainda na linha das escolas mais consequencialistas, que oferecem resposta à questão

proposta no sentido de que o intérprete deve guiar-se pelo impacto de sua decisão na realidade

concreta, encontramos a vertente que mais se popularizou – de forma negativa – da chamada

“análise econômica do direito”. Desenvolvida a partir dos anos de 1960 nos Estados Unidos,

essa escola se tornou conhecida de modo geral pela utilização de princípios universais de

eficiência para explicar os fenômenos jurídicos.14Concebe-se o direito não como um sistema de

normas com sanções, mas como um sistema de incentivos aos comportamentos dos indivíduos:

como em qualquer situação de mercado, o comportamento será ou não adotado conforme o seu

preço. Assim, o critério científico para a organização social não seria a justiça, mas sim a

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eficiência, e seu objetivo seria a maximização da riqueza social. Um de seus desenvolvimentos

mais referidos encontra-se na teoria dos custos dos direitos, voltada a vincular a aplicação dos

direitos fundamentais à chamada “reserva do possível”, uma vez que a escassez de recursos

estatais é obstáculo à realização de direitos, que dependem da atuação executiva para sua

implementação.15

Sob esta perspectiva, a avaliação da legislação imaginada perpassaria a consideração de

que a generalização de benefícios aos locatários portadores de doença acabaria, em última

instância, por reduzir a frequência da celebração de contratos de locação, especialmente entre

locatários pertencentes a grupos de risco, assim encarecendo os aluguéis e diminuindo o acesso

à moradia. Seria também ponderado o fato de que o referido benefício acabaria por aliviar a

superlotação dos hospitais públicos, já que os doentes de casos mais leves teriam onde ficar e a

manutenção do domicílio auxiliaria na recuperação das enfermidades. Isso poderia levar à

conclusão de que a lei só seria constitucional ou seu benefício só poderia ser estendido se

financiado pelo poder público. Em um grau ainda mais radical, a constatação de que na grande

maioria dos acometidos pela neoplasia a doença é fatal poderia levar à conclusão de que o

benefício deveria ser restrito aos portadores de doenças com maior índice de recuperação.

A unilateralidade da vertente mais conhecida da análise econômica do direito é objeto de

crítica, pois ao partir do pressuposto de que a ação humana é guiada unicamente por motivações

utilitaristas, acaba-se por impor uma perspectiva materialista e conservadora ao direito,

incompatível com a proteção integral da pessoa humana:

Tal perspectiva, prescindindo da credibilidade dos resultados aplicativos, é criticável em si

como metodologia, pela sua unilateralidade e pela substancial função individualista,

materialista e conservadora certamente em contraste com a legalidade constitucional: o

mercado não é critério autônomo de legitimidade.16

Essa crítica não deve abrir mão, todavia, da importância da consideração a respeito do

impacto econômico das escolhas políticas, especialmente no nível mais amplo do sistema social,

mas restringe esta consideração ao processo legislativo e a admite apenas como mais um

argumento – não o único, nem o mais importante – no processo de interpretação e aplicação do

direito. De fato, a constatação acerca da pluralidade de princípios que imantam o sistema do

direito permite – e impõe – que haja uma multiplicidade de argumentos a conduzir o intérprete

na sua atividade.17

Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que o direito é, sim, um sistema e, portanto,

demanda para seu funcionamento coerência e harmonia entre seus diversos elementos, mas o

sistema do direito não é fechado, ou axiomático, pautado pela lógica formal e pela neutralidade

dos enunciados, como se pretendera sob uma perspectiva hermética e autorreferenciada, de

matriz positivista. Trata-se de um sistema aberto, em constante estado de complementação e

evolução em razão da provisoriedade do conhecimento científico e, principalmente, da

modificabilidade dos próprios valores fundamentais da ordem jurídica.18 Por conta disso, o

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sistema permite – rectius, exige – a sua constante renovação por meio da introdução de

elementos extraídos da realidade social:

Com efeito, sustentar a abertura do sistema jurídico significa admitir mudanças que venham

de fora para dentro, ou, em termos técnicos, que provenham de fontes não imediatamente

legislativas; significa, por outras palavras, admitir que o Direito, como dado cultural, não se

traduz num sistema de “autorreferência absoluta”.19

No entanto, esse processo de incorporação de elementos extrajurídicos não pode dar-se de

forma arbitrária, o que levaria à implosão do próprio pressuposto de sistematicidade.

Necessariamente o processo de abertura deve ser viabilizado pelos próprios elementos do

sistema: além do direito positivo, mas por meio do direito positivo. Se, de modo geral, o

reconhecimento da textura aberta da linguagem já favorece esta abertura mediada no processo

de interpretação, isso se revela ainda mais claro quando se trata da utilização da estrutura

normativa de princípios, postulados argumentativos que propiciam a abertura do sistema por

meio da interseção com fundamentos éticos, sociais e culturais.

No contexto atual, o reconhecimento da normatividade dos princípios, especialmente

aqueles hierarquicamente superiores em razão de sua alçada constitucional, garantiu-lhes

proeminência na atividade do intérprete, deixando para trás as concepções que lhes relegavam

papel subsidiário ou programático.20 Por meio deles, valores sociais e culturais invadem

claramente o mundo do direito, mas mediados pelos significantes que os expressam e por um

cuidadoso mecanismo científico – posto argumentativo – de aplicação.21

Assim, na análise da constitucionalidade do exemplo-guia é imperioso considerar seu

impacto social, mas essa consideração deveria realizar-se por meio da análise e ponderação dos

princípios constitucionais em jogo, tais como a proteção da propriedade, o direito à saúde, a

livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana, assim como a sua interpretação extensiva seria

viável conquanto se desse tecnicamente mediante a análise da ratio do dispositivo e da presença

da mesma justificativa no caso análogo.

3.FORMALISMO E PRAGMATISMO NA CONSTITUCIONALIZAÇÃO

DO DIREITO CIVIL

A liberdade argumentativa propiciada ao processo interpretativo pela textura aberta da

linguagem, principalmente no tocante à utilização dos princípios, também será determinante na

relação do intérprete com o texto, que nos remete à outra questão a ser respondida por um

método de interpretação, referente à fidelidade do intérprete ao texto. Nitidamente, as duas

questões estão relacionadas. Escolas que defendem que a atenção do intérprete deve recair

unicamente sobre o impacto efetivo da sua decisão sobre a realidade concreta atribuirão a ele

maior – ou absoluta – liberdade na sua atividade; ao contrário, escolas mais atentas à coerência

teórica do processo interpretativo tendem a restringir mais o papel do aplicador. No entanto, as

duas questões – e suas possíveis respostas – não coincidem completamente, o que justifica –

novamente, apenas a título didático – abordá-las em separado.

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Dessa forma, no tocante à resposta da questão sobre a fidelidade do intérprete ao texto,

também podemos partir do modelo mais clássico, e possivelmente mais extremo, que seria o

outro marco histórico de matriz positivista influente sobre as teorias contemporâneas do direito

civil – a chamada “Escola de exegese” francesa. A sua construção encontra origem no período

pré-revolucionário, no qual a burguesia ascendente se defendia por meio de uma ideologia

jurídica de cunho jusnaturalista, repleta de concepções pré-políticas e pré-sociais e esquemas de

categorias universais e eternas, em especial uma versão abstrata e individualista do sujeito de

direito.22 Todavia, a revolução francesa conduz a classe burguesa ao poder estatal e o processo

de codificação se revela especialmente idôneo a consolidar juridicamente aquele conjunto de

valores. Os códigos, reputados verdadeiros monumentos legislativos, com a pretensão de

compreender todo o direito, tornam-se os receptáculos do até então direito natural, racional e

burguês.23

Assim se constrói a doutrina de interpretação conhecida como escola de exegese, mediante

esforços de restrição – ou mesmo proibição – da atividade do intérprete, com o objetivo de

consolidar a nova ordem burguesa e evitar o retorno aos valores aristocráticos.24 Se o direito se

resume ao código, o juiz não tem qualquer liberdade para a sua interpretação. Sua atuação

limitar-se-ia à utilização de duas técnicas: a interpretação literal dos textos e, em caso de dúvida,

a descoberta da voluntas legislatoris.25

Assim, se o legislador escolheu beneficiar apenas os portadores de neoplasia maligna, não

caberia ao juiz estender este ônus aos demais locadores sob quaisquer outras circunstâncias,

pois, tratando-se de uma escolha política, a separação de poderes impediria qualquer

reformulação judicial sobre a sua abrangência. No máximo, o papel do intérprete ao se deter

sobre a eventual “subinclusão” (ou “sobreinclusão”) do enunciado normativo poderia conduzi-lo

ao exame semântico das acepções possíveis donomen utilizado, sempre guiado pela intenção do

legislador.

Os movimentos de contraposição a esse positivismo legalista foram diversos, atingindo

não só a ideia “originalista” de que seria viável e apropriado tentar descobrir a intenção do

legislador, mas principalmente quanto à busca do significado literal das palavras.26 Acusou-se

essa metodologia de, ao conduzir o intérprete à pura linguagem do legislador, tentar separar

reflexão e prática, sem incorporar os elementos necessários ao adequado aprofundamento do

momento fático e aplicativo.27 Para prender-se à alegada literalidade, a operação do intérprete

seria guiada pelo dogma da subsunção, entendida como a “sotoposição de um caso individual à

hipótese ou tipo legal”,28 de modo que sua atividade se reduziria “a exercício de comprovação

de que, em determinada situação de fato, efetivamente se dão as condições de uma consequência

jurídica (um dever-ser)”.29 Esse modelo transforma o aplicador em um autômato fiel ao texto da

lei e parte da falsa concepção de que os vocábulos e enunciados do discurso legislativo têm um

significado próprio, determinado pelo legislador e que independe do trabalho do intérprete, o

qual assume um papel puramente passivo, de revelação.30 Em contraposição a essa limitação da

atividade interpretativa à descoberta do significado correto das palavras para determinar a

decisão verdadeira, reconheceu-se que ela sempre será criadora do significado das disposições

jurídicas.31 Sinteticamente, explica Noel Struchiner:

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Os formalistas pretendem oferecer uma teoria do direito que privilegia a segurança jurídica e

afasta a necessidade de exercício do poder discricionário pelos aplicadores do direito. Por

isso enfatizam a plenitude hermética do direito, a rigidez dos termos gerais encontrados no

direito e o papel do juiz de dizer o direito e não de criá-lo. O preço que os formalistas pagam

por adotarem tal teoria sobre o direito é sustentar uma visão incompleta da realidade jurídica

e que, além disso, sequer contribuiria para o funcionamento do direito, caso fosse

verdadeira. A teoria formalista desconsidera a textura aberta da linguagem.32

Essa escola descura, portanto, da constatação da textura aberta da linguagem. Tal

expressão tem origem em autores como Friedrich Waismann e Ludwig Wittgenstein e confronta

a ideia do positivismo lógico que identifica o significado de uma afirmação com o seu método

de verificação: de um lado, afirma-se que os conceitos “não estão delimitados, de forma a

priori, em todas as direções possíveis” e, portanto, não podem ser reduzidos às suas

verificações; de outro lado, a miríade de possibilidades em que um termo pode ser empregado

não traz em si “uma única característica comum que percorre e pode ser identificada em todas as

suas instâncias”, mas apresenta tão somente conexões que podem ser identificadas como

“semelhanças de família”.33

Essa constatação impele ao fato de que mesmo as correntes contemporâneas de matiz

positivista não apenas reconheçam, mas também busquem mecanismos para lidar com as

dificuldades trazidas por essas características da linguagem, a reconhecer ao menos a existência

de “casos difíceis” – sob essa perspectiva excepcional – que não demandariam, de forma lógica,

uma única resposta correta.34 É o caso de Herbert L. A. Hart, que, muito simplificadamente,

reconhece que a regra fundamental de um sistema jurídico desenvolvido (“regra de

reconhecimento”) comporta um conjunto de regras finito para casos infinitos e que, mesmo

entre as regras existentes há uma zona de penumbra além de seu núcleo de certeza.35 Contudo, o

entendimento do autor é de que a maioria dos casos se encontra no núcleo de certeza, cabendo

ao juiz, na excepcional hipótese dos “casos difíceis”, usar de seu poder discricionário para

tornar a regra menos vaga para os casos futuros.36 Sob uma visão mais renovada, as escolas

recentemente dedicadas ao formalismo ressaltam uma perspectiva mais positiva e menos

inflexível frente às versões anteriores mais extremas que, se não pode ser aplicada a todas as

hipóteses de interpretação jurídica, seria conveniente em situações específicas.37

De modo geral, o formalismo aqui apontado, voltado essencialmente para o texto do

enunciado normativo, faz que o intérprete restrinja-se ao dispositivo isolado, sem o esforço

necessário para garantir a coerência e harmonia com o restante do sistema, especialmente com

os princípios superiores que o regem e imantam, olvidando a ideia fundamental de que toda

interpretação é sistemática, pois “não se interpreta o direito em tiras”.38 Afinal, “a norma nunca

está sozinha, mas existe e exerce a sua função dentro do ordenamento, e o seu significado muda

com o dinamismo e a complexidade do próprio ordenamento; de forma que se impõe uma

interpretação evolutiva da lei”.39 Sob essa perspectiva mais ampla, que envolve a compreensão

do sistema como um todo em confronto com o caso concreto, “pensar que os ‘casos duvidosos’

sejam em número menor que os ‘casos decididos’ é no mínimo uma visão otimista”.40 Além

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disso, a visão formalista tende a produzir o mesmo problema sofrido pela pandectística

abordado quanto à primeira questão sobre a interpretação: o aprisionamento do intérprete ao

texto tende a fazê-lo esquecer elementos mais complexos da realidade que o abrange e que, ao

menos na interpretação judicial, deveriam ser levados em consideração:

O mais das vezes, o formalismo interpretativo afunda as raízes na ideologia da separação do

direito da mais ampla problemática das ciências sociais, na tentativa de configurá-lo como o

mundo do dever-ser, incontaminado daquele do ser.41

Por conta destas críticas, também quanto à questão referente à fidelidade ao texto,

desvelaram-se correntes no sentido oposto, defendendo que o intérprete é absolutamente livre

frente ao texto, inexistindo qualquer limite ou condicionamento vinculado ao significado dos

vocábulos e enunciados dos documentos normativos, seja porque qualquer individuação de

significado seria uma criação ex novo, seja porque, em uma versão mais radical e insidiosa, não

haveria consenso possível sobre o significado das disposições jurídicas.42 Trata-se de modelo

por vezes denominado “não interpretativismo”, no qual se entende que as operações realizadas

sobre textos jurídicos não tem nada a ver com o problema filosófico da interpretação.43

Esta orientação – associada de forma generalizadora e, portanto, indevida, ao

pragmatismo44 – não se limita à inclusão da jurisprudência entre as fontes do direito, mas se

orienta para reduzir todo o fenômeno jurídico ao arbítrio das decisões judiciais.45Os textos

normativos, por impossibilidade ou absoluta inovação, não teriam outro significado senão

aquele decidido pelo intérprete, em conformidade como sua ideologia particular.46

No exemplo adotado, não haveria investigação científica possível, a priori, acerca da

constitucionalidade ou da interpretação extensiva do benefício legal do adiamento da ação de

despejo. Sob essa perspectiva, seriam fatores pessoais que conduziriam em última instância a

decisão do juiz, tais como o fato de ele possuir alguém próximo na família que esteja acometido

por aquela doença, impulsionando um movimento de solidariedade e empatia, ou ao contrário

ter sofrido no passado com dificuldades para recuperar um imóvel de sua propriedade que tenha

sido dado em locação. A investigação da decisão se dedicaria aos fatores determinantes da

subjetividade do juízo final sobre o tema, ignorando sua fundamentação jurídica que seria

apenas aparente e dissimulatória da motivação real.

Troca-se aqui a normatividade pela efetividade e o ordenamento pelas orientações da

jurisprudência,47 uma tendência que para muitos é hoje ainda mais perigosa para a ciência do

direito:

Hoje, a insídia não é mais o combativo uso alternativo do direito ou o grosseiro

igualitarismo que o animava, nem o uso impróprio e exclusivo da análise econômica do

direito atravessada, além do mais, por uma ampla reconsideração crítica, quanto, ao

contrário, o fato de contentar-se com um formalismo desencantado, fundado em uma

legalidade “sem adjetivos”, cientemente consciente da importância do jurista, espectador

mais do que ator, embebido de pensamentos frágeis, de aristocracia indiferente em relação

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aos conteúdos e, portanto, sem assumir qualquer responsabilidade. Perigo que se aninha no

comportamento cínico da tomada de consciência, sem qualquer participação crítica, de que a

economia, sozinha, governa a política, e a lei é amiga somente do mercado e das suas

exigências inevitáveis; que a interpretação da lei pode somente descobrir o seu sentido e

atribuir às coisas os próprios nomes sem questionar sobre a sua legitimidade e, ainda mais,

sobre a sua legitimação e a sua justificação, deixando assim coincidir, cada vez mais, as

razões da lei com as razões do mais forte e, portanto, da economia do mercado.48

De fato, o cenário aterrador com que nos confronta a jurisprudência contemporânea é de

decisões que, às vezes até mesmo sob o pretexto da abertura do sistema pela

constitucionalização e da aplicação dos princípios, mais parecem realizar o que vem sendo

chamado banalização ou mesmo “carnavalização” do Direito.49 Como então evitar que o poder

conferido ao intérprete pelas perspectivas mais flexíveis da interpretação, favorecidas pela baixa

concretude dos princípios e das cláusulas gerais que são recorrentemente utilizados, gere alto

grau de insegurança e grande possibilidade de arbitrariedade? Como impedir que a superação da

formalidade do método da subsunção na aplicação das normas funcione como uma autorização

para o pleno arbítrio judicial, abertura para que o juiz, a seu bel prazer, invoque

princípios apenas como valorações subjetivas para justificar sua decisão pessoal, como

assumido pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

Ofício judicante – postura do magistrado. Ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a

solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após, cabe

recorrer à dogmática para, encontrado o indispensável apoio, formalizá-la (...).50

De fato, como há muito indicado, na resposta às questões colocadas para qualquer escola

de hermenêutica encontra-se a preocupação de que a interpretação do texto normativo possa dar

lugar a resultados divergentes segundo a visão subjetiva e o interesse do intérprete que o

examina e, portanto, o risco de incerteza e insegurança jurídica.51 No entanto, é necessário

destacar que conforme as metodologias de matiz positivista, especialmente de cunho legalista,

nas quais em nome do valor segurança o juiz devia maior fidelidade possível à letra da lei,

contraditoriamente sempre que faltasse na lei uma resposta clara, o juiz não seria chamado a

realizar uma atividade teórica intelectiva, mas sim uma atividade de política

legislativa.52 Assim, os modelos já se ressentiam quanto ao problema da insegurança,

enfraquecidos pelas pré-identificadas – ainda que reputadas excepcionais – “lacunas” do

ordenamento.

4.À GUISA DE CONCLUSÃO: FUNDAMENTAÇÃO ARGUMENTATIVA

COMO PEDRA DE TOQUE DA LIBERDADE E DA

RESPONSABILIDADE DO INTÉRPRETE

O que se pretende, em apertada síntese conclusiva a partir desse breve panorama, é

identificar, para o método da constitucionalização do direito civil, o procedimento de

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interpretação do direito como uma forma de conhecimento. Embora não seja um conhecimento

como a matemática, guiado pela lógica formal, não se trata de arbítrio, mas sim de uma

racionalidade distinta, guiada pela lógica formal que permeia a argumentação.53 Afinal, “dizer

que um texto potencialmente não tem fim não significa que todo ato de interpretação possa ter

um final feliz”.54 As contribuições obtidas pelo alto grau de desenvolvimento da teoria da

argumentação nas últimas décadas – “tecnicamente, a argumentação viabiliza o acordo capaz de

formular a compreensão através de uma interpretação que sirva de fundamento à solução mais

razoável”55 – fornecem subsídios para esta concepção, apta a conciliar uma metodologia flexível

com suficiente previsibilidade e segurança.56 Explica Margarida Camargo:

Ao invés de unidades lógicas subsequentes umas às outras por interferências necessárias, é o

esforço da persuasão e do convencimento que estruturam e servem de base às construções

jurídico-decisórias. Portanto, é mais na esfera do razoável e do adequado, do que na esfera

do puramente lógico, que a metódica atual deve ser examinada.57

Parte-se da constatação de que a ideia, baseada no modelo cartesiano de ciência, de que a

racionalidade está restrita ao raciocínio more geometrico e restrita à técnica da demonstração

pela evidência, constitui uma limitação indevida e injustificada do campo de atuação da nossa

faculdade de raciocinar e provar, pois os recursos discursivos desenvolvidos frente a um

auditório que permitem “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes

apresentam ao assentimento” também são guiados por uma racionalidade própria, como alertam

Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca:

Com efeito, conquanto não passe pela cabeça de ninguém negar que o poder de deliberar e

de argumentar seja um sinal distintivo do ser racional, faz três séculos que o estudo dos

meios de prova utilizados para obter a adesão foi completamente descurado pelos lógicos e

teóricos do conhecimento.58

Esse modo de pensar, orientado por valores e cuja lógica não é de tipo formal, também é

pautado por uma racionalidade e também pode ser objeto de análise científica, que se vincula a

uma pretensão de correção.59 Trata-se da análise de decisões dirigidas pelo postulado da

razoabilidade,60 construído com base em um discurso não apenas de justificação, mas também

de adequação das normas, que fundamenta a preferência pelo princípio aplicável ao caso

concreto, e que assim viabiliza a aceitação racional das decisões judiciais com base na qualidade

dos argumentos levantados, cuja verificação permite que o processo argumentativo seja

concluído quando, desse todo coerente, resultar um acordo racionalmente motivado.61 Nessa

linha, ainda que os magistrados tomem decisões partindo de visões pessoais ou mesmo

preconceitos e depois busquem as premissas para fundamentá-las, isso não significa descartar a

importância e a necessidade da fundamentação.62

Assim, “a questão metodológica se transforma em questão hermenêutica, que pode ser

encarada a partir de uma perspectiva lógico-fenomenológica, e não empírico-

psicológica”.63 Neste modelo, a positividade do direito encontra-se na sua cognoscibilidade pelo

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intérprete, na sua interpretabilidade, uma vez que o liame entre o texto e o intérprete requer a

presença de ambos: nem se pode pretender que o conteúdo do texto se produza exclusivamente

pelo legislador, nem que o intérprete o ignore.64 A hermenêutica revela a conexão fundamental

entre realidade e interpretação, impondo ao intérprete constrições como

adequação, razoabilidade, proporcionalidade, coerência e congruência.65 Em especial, incide

sobre o intérprete o princípio da legalidade, sob acepção renovada diante da complexificação do

regime de fontes do ordenamento: não apenas o respeito aos preceitos individuais (muito menos

em sua literalidade), mas à coordenação entre eles, à harmonização com os princípios

fundamentais de relevância constitucional, em constante confronto com o conhecimento

contextual das características do problema concreto a ser regulado, o fato individualizado no

âmbito do inteiro ordenamento para a identificação da normativa adequada e compatível com os

interesses em jogo.66 O que leva à conclusão de que “a interpretação é, portanto, por definição,

lógico-sistemática e teleológico-axiológica, isto é, finalizada à realização dos valores

constitucionais”.67

Uma vez que o intérprete tem a liberdade – e o dever – de cotejar as potencialidades

linguísticas do texto do enunciado normativo com os demais enunciados, em especial com os

princípios fundamentais do sistema, e confrontar circularmente esses enunciados com as

peculiaridades juridicamente relevantes da realidade concreta a que se destinam as normas, não

há possibilidade de conceber sua atividade sob o modelo formal da subsunção, que mascara as

escolhas como se fossem necessárias e neutras. As escolhas do intérprete devem ser assumidas

expressamente, não como forma de libertá-lo do direito institucionalizado, mas exatamente para

permitir o debate argumentativo acerca da sua adequação ao ordenamento: trata-se da

responsabilidade do intérprete.68

Dessa forma, no exemplo adotado, a atitude do intérprete não se poderia resumir ao texto

do dispositivo que impõe o adiamento da ação de despejo em razão da patologia que acomete o

locatário. Necessariamente ele seria levado a investigar os fundamentos principiológicos que

permitem – ou não – a subsistência desse dispositivo no sistema, assim como o cotejo com os

demais dispositivos inferiores a partir de cujo confronto ele extrai seu espaço e significado

dentro do todo que é o ordenamento. Neste processo, especialmente na leitura dos princípios

que fundamentam o dispositivo, escolhas de origem extrajurídica poderiam, de fato, influenciar

o juízo decisório, mas teriam que ser mediatizadas por conceitos e institutos internos ao sistema,

assegurando assim que a liberdade do intérprete não fosse uma autorização ao arbítrio, mas

argumentativa e responsavelmente justificada.

Para assegurar, portanto, que o intérprete seja fiel não mais ao texto da lei, mas sim ao

ordenamento jurídico como um todo, que decida em coerência não com um sistema formal e

neutro de conceitos, mas com o sistema de normas e princípios fundados em valores culturais e

sociais, ganha importância capital a fundamentação argumentativa da decisão. Por meio da

fundamentação se verificam os argumentos que levaram o intérprete a escolher, é nela que

encontramos os parâmetros para compreender a decisão.69 Pela fundamentação se verifica se os

elementos extrajurídicos foram absorvidos por elementos normativos, se os valores referidos

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são sociais e culturais e não pessoais: viabiliza-se em última instância um controle final sobre os

argumentos adotados.70

Isso significa que a derrubada do limite externo, formal, que restringia o intérprete – o

dogma da subsunção – não implica a consagração do arbítrio, mas sim a imposição de um limite

interno, metodológico: a exigência de fundamentação das decisões judiciais. A ampliação da

área de liberdade conferida aos magistrados, em comparação com a tradição de nossa história

jurídica, impõe uma atenção maior às justificativas invocadas para essas decisões.71

Toda essa reformulação do processo de interpretação exige, portanto, o mais sincero

respeito ao disposto no art. 93, IX, da Constituição, que determina que “todos os julgamentos

dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de

nulidade (...)”. Essa norma constitucional – como não poderia deixar de ser – não é uma mera

formalidade judiciária, mas uma norma que se torna pilar central dessa nova metodologia de

interpretação e aplicação do Direito.72

1Originalmente publicado em Revista da Faculdade de Direito (UFPR), Curitiba, v. 60, n. 1, 2015, p.

193-213. O texto sofreu pequenas alterações formais para a presente obra.

2PERLINGIERI, Pietro. Tavola rotonda e sintesi conclusiva. In: PALAZZO, Antonio

(coord.). L’interpretazione della legge alle soglie del XXI secolo. Napoli: ESI, 2001. p. 478.

3RIZZO, Vito. Interpretazione dei contratti e relatività delle sue regole. Napoli: ESI, 1985. p. 11.

4STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2009. p. 19.

5PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.

88.

6PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 124.

7São referências pioneiras, nesse sentido, TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a

constitucionalização do direito civil. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 1-

23; FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000,passim;

MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Na medida da pessoa

humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 3-20.

8HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. 2. ed. Lisboa:

Publicações Europa-América, 1998. p. 186.

9A frase é atribuída a WIEACKER, Franz por LARENZ, Karl (Metodologia da ciência do direito. 4. ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p. 29). No entanto, vale destacar que embora Wieacker

afirme que, por conta da Pandectística, “a ciência jurídica perdeu, pela primeira vez, aquele carácter de

moral sobreposta ao direito positivo que fora próprio do direito natural medieval ou do jusracionalismo

moderno”, destaca também que “os seus conceitos fundamentais se fundaram numa ética autónoma do

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dever e da liberdade tal como correspondia à consciência ética da maior parte dos seus contemporâneos”

(WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2004. p. 13 e 504, respectivamente).

10PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 94.

11GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do direito. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 84.

12No ordenamento nacional, v. LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 1995;

CARVALHO, Amilton Bueno de. Teoria e prática do direito alternativo. Porto Alegre: Síntese, 1998;

SOUSA, José Geraldo. Introdução crítica ao direito. Brasília: UnB, 1993; WOLKMER, Antônio

Carlos. Pluralismo jurídico. São Paulo: Alfa-Ömega, 1994. V. ainda SANTOS, Boaventura de Sousa. A

crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

13PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 100.

14São referências tradicionais POSSNER, Richard. Economic analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen,

2007, e CALABRESI, Guido. The cost of accidents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale

University Press, 1970. A diversidade de vertentes, nem todas partilhando estas características, é

considerável, sendo exemplificadas pela melhor doutrina as escolas de Chicago, Austríaca,

Institucionalista e Neoinstitucionalista, da “Public Choice” e ainda a de New Haven (cf. RAGAZZO,

Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade econômica e saneamento básico. Tese de

doutorado. UERJ, 2008, p. 95 e ss.; e SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e

economia? Cadernos Direito GV, São Paulo: FGV, v. 5, 2008, p. 4-58).

15HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York:

W.W. Norton, 2000. No ordenamento nacional, sobre o tema v. GALDINO, Flávio. Introdução à teoria

dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

16PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 106.

17Nesse sentido, destaca Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo: “Há uma potencial consonância entre a

teoria dos princípios, a teoria da argumentação e a análise econômica do Direito” (Regulação jurídica,

racionalidade econômica e saneamento básico, cit., p. 87).

18CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 104 e ss.

19NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé.

Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 162-163.

20BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 232-238.

21A aproximação entre direito e ética e a utilização da teoria da argumentação como mecanismo de

controle da discricionariedade do intérprete é vinculada pela melhor doutrina a este modelo que atribui

normatividade aos princípios, também referido por vezes como “pós-positivismo”. Nessa linha,

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004 e

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; MAIA, Antônio Cavalcanti. Os princípios de direito e as

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perspectivas de Perelman, Dworkin e Alexy. In: PEIXINHO, Manoel M.; GUERRA, Isabella Franco;

NASCIMENTO FILHO, Firly (org.). Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006. p. 57-99. Para a conceituação dos princípios e sua distinção com relação às regras,

além dos já citados, v. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006;

GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o

modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 143, jul.-set. 1999, p. 191-210, e

na doutrina estrangeira, ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008;

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

22GROSSI, Paolo. La cultura del civilista italiano: un profilo storico. Milano: Giuffrè, 2002. p. 3-5.

23HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia, cit., p. 177.

24Na síntese de R. C. Van Caenegen, “os seguidores da Escola Exegética acreditavam que o direito era

idêntico aos códigos e que, como o estatuto era agora a única fonte do direito, a ciência devia confinar-se

à interpretação exata (ou ‘exegese’, termo usado para interpretação bíblica pelos teólogos) dos estatutos

em geral, acima de tudo dos códigos” (CAENEGEN, R. C. Van. Uma introdução histórica ao direito

privado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 198).

25Como explica Pier Giuseppe Monateri (Interpretazione del diritto. Digesto delle discipline

privatistiche. Torino: UTET, 1993. v. X, p. 37): “All’interprete si chiede di non sostituirsi al potere

legislativo: l’ovvio corollario è quello per cui la sua attività deve essere rispettosa della lettera, e semmai

della volontà legislativa, per caso male espressa nel testo”.

26GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milano: Giuffrè, 2004. p. 144-146.

27PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 5. ed. Napoli: ESI, 2005. p. 92.

28ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2001. p. 94-95.

29GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do direito, cit., p. 67.

30CHIASSONI, Pierluigi. L’interpretazione della legge: normativismo semiotico, scetticismo, giochi

interpretativi. Studi in memoria di Giovanni Tarello. Milano: Giuffrè, 1990. v. II, p. 121-122.

31CHIASSONI, Pierluigi. L’interpretazione della legge: normativismo semiotico, scetticismo, giochi

interpretativi, cit., p. 126-127.

32STRUCHINER, Noel. Direito e linguagem: uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação

ao direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 133.

33Sobre o tema, STRUCHINER, Noel. Direito e linguagem, cit., p. 12-27.

34STRUCHINER, Noel. Direito e linguagem, cit., p. 36.

35HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2007, passim.

36STRUCHINER, Noel. Direito e linguagem, cit., p. 127.

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37Nesse sentido, defende Noel Struchiner: “O formalismo é a defesa de uma atitude ou disposição

interpretativa segundo a qual o texto de uma formulação normativa, ou melhor, o texto da totalidade de

formulações normativas deve ser levado a sério pelos responsáveis pela tomada de decisões jurídicas. Tal

defesa deriva da crença de que em certos cenários ou ambientes de tomada de decisão a não observância

das regras poderia ser mais prejudicial do que sua observância, mesmo atentando para o fato de que

regras, em função de sua natureza como generalizações prescritivas probabilísticas, são sempre

imperfeitas, ou infelizes, na medida em que invariavelmente não são capazes de realizar as suas próprias

justificações”; e “Deve-se notar que o formalista que vale a pena estudar e enfrentar não é aquele

delineado por uma boa parte da literatura jusfilosófica, isto é, aquele que acredita que nenhum tipo de

intoxicação linguística é capaz de aplacar a linguagem das formulações normativas. Os formalistas

sofisticados não são aqueles que acreditam em um paraíso conceitual, onde os conceitos são rígidos,

estabelecendo categorias que são aplicadas de uma maneira tudo ou nada” (Posturas interpretativas e

modelagem institucional: a dignidade (contingente) do formalismo jurídico. In: SARMENTO, Daniel

(org.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009).

38A expressão é de GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do direito,

cit., p. 127.

39PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 617.

40PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 620.

41PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 93.

42CHIASSONI, Pierluigi. L’interpretazione della legge: normativismo semiotico, scetticismo, giochi

interpretativi, cit., p. 122 e 127.

43MONATERI, Pier Giuseppe. “All this and so much more”: critica all’argomentazione e non

interpretivismo. In: PALAZZO, Antonio (coord.). L’interpretazione della legge alle soglie del XXI

secolo. Napoli: ESI, 2001. p. 163.

44Novamente aqui é imperioso destacar a pluralidade de vertentes que costumam ser abrangidas à

denominação genérica de pragmatismo, mas em especial ressaltar que mesmo em sua vertente mais

original o pragmatismo não se caracterizava por uma oposição à construção teórica, como destaca Susan

Haack: “Essa associação do pragmatismo com o repúdio à teoria parece mais do que um pouco irônica,

dado a insistência de Holmes de que ‘temos pouquíssima teoria no direito ao invés de muita’ – tão

irônica quanto parece ser a observação ‘jogada ao vento’ de Richard Rorty de que o pragmatista pensa

que ‘a verdade não é o tipo de coisa acerca da qual alguém deve esperar ter uma teoria interessante’,

dado os esforços de Peirce, James e Dewey em articular o significado da verdade” (O universo pluralista

do direito: em direção a um pragmatismo jurídico neoclássico. Direito, Estado e Sociedade, Rio de

Janeiro, n. 33, jul.-dez. 2008, p. 164). Para um aprofundamento no tema, v. SHOOK, John R.;

MARGOLIS, Joseph. A companion to pragmatism. Oxford: Blackwell, 2006 e HAACK, Susan; LANE,

Robert. Pragmatism, old and new: selected writings. New York: Prometheus, 2006.

45SCHLESINGER, Piero. Interpretazione della legge civile e prassi delle corti. Rivista di diritto civile,

Padova, ano XLVII, parte prima, 2002, p. 537.

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46GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi, cit., p. 35.

47PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 110.

48PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 127.

49SARMENTO, Daniel. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SOUZA NETO, Cláudio

Pereira de; SARMENTO, Daniel (coord.). A constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2007. p. 113-148.

50STF, 2a T., RE 111.787, Rel. Min. Aldir Passarinho, Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, j.

16.04.1991, RTJ 136-03/1292.

51BETTI, Emilio. Interpretazione della legge e degli atti giuridici. Milano: Giuffrè, 1949. p. 134.

52BETTI, Emilio. Interpretazione della legge e sua efficienza evolutiva. In: ALLORIO, Enrico

(coord.). Scritti giuridici in onore di Mario Cavalieri. Padova: Cedam, 1960. p. 171.

53PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 94.

54ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 28.

55CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo

do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 22.

56TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do

ordenamento. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 11.

57CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação, cit., p. 137.

58PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação – a nova retórica. 2.

ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 1.

59ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 212.

60Dentre a vasta produção científica que recebeu nos últimos anos, destaca-se Humberto Ávila, para

quem o postulado da razoabilidade se manifesta sob três acepções: “Primeiro, a razoabilidade é utilizada

como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer

mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso

individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a

razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo

ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a

qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela

pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência

entre duas grandezas” (Teoria dos princípios, cit., p. 139).

61Cf. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São

Paulo: Landy, 2004, e HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse

theory of law and democracy. Cambridge: MIT Press, 1998.

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62ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3. ed. São Paulo: Landy,

2006. p. 23.

63PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 601.

64PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 602.

65PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 604-605.

66PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 618.

67PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 618.

68PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 96.

69SCHLESINGER, Piero. Interpretazione della legge civile e prassi delle corti, cit., p. 540-541.

70GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi, cit., p. 113.

71MAIA, Antônio Cavalcanti. Notas sobre direito e argumentação. In: CAMARGO, Margarida Lacombe

(org.). 1988-1998: uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 413.

72Como já destacava LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, cit., p. 524: “O

desenvolvimento judicial do Direito precisa de uma fundamentação levada a cabo metodicamente se se

quiser que o seu resultado haja de justificar-se como ‘Direito’, no sentido da ordem jurídica vigente.

Precisa de uma justificação, porque sem ela os tribunais só usurpariam de facto um poder que não lhes

compete”.

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3

LIBERDADE DO INTÉRPRETE NA

METODOLOGIA CIVIL

CONSTITUCIONAL

Aline de Miranda Valverde Terra

Sumário: 1. Introdução – 2. Interpretação do direito na metodologia civil constitucional. Discricionariedade interpretativa – 3.

Princípio da legalidade como parâmetro para o exercício legítimo de juízos discricionários – 4. A equidade e seu papel na metodologia

civil constitucional – 5. Juízo discricionário e arbitrariedade – 6. Diferença entre as soluções encontradas (e o modo de encontrá-las)

pela metodologia civil constitucional e por outras abordagens – 7. Conclusão.

1.INTRODUÇÃO

O jurista, ao identificar a normativa aplicável ao caso concreto, exerce juízos

discricionários? E se exerce, como garantir que a discricionariedade não descambe para a

arbitrariedade? A escolha da norma a ser aplicada ao caso concreto a partir de um dos possíveis

sentidos do texto é discricionária? Se o for, quais os parâmetros para o exercício legítimo dessa

discricionariedade? Eis as questões nodais do debate acerca da liberdade na interpretação e

aplicação do direito a serem enfrentadas adiante, e que assumem especial relevância no âmbito

da metodologia civil constitucional.

Advirta-se, por oportuno, que o conceito de discricionariedade ora adotado não se

confunde com o conceito de discricionariedade administrativa.1 De fato, a discricionariedade

objeto deste estudo nada tem a ver com a integração da norma a partir de critérios subjetivos

próprios do julgador, ou com juízos de conveniência e oportunidade.2 Trata-se, em verdade, de

atribuir ao jurista o poder, a liberdade de distinguir, dentre as várias soluções possíveis

oferecidas pelo ordenamento jurídico, a que melhor soluciona o caso concreto.

Nessa esteira, impõe-se investigar quais os parâmetros utilizados pelo intérprete para

distinguir a disciplina mais adequada aos fatos apresentados. A questão assume especial

relevância neste estudo pois, a depender da metodologia adotada, os parâmetros serão diferentes

e, consequentemente, a solução encontrada também poderá sê-lo.

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2.INTERPRETAÇÃO DO DIREITO NA METODOLOGIA CIVIL

CONSTITUCIONAL. DISCRICIONARIEDADE INTERPRETATIVA

A compreensão do texto jurídico pressupõe sua interpretação, processo cognoscível

dirigido à produção de conhecimento. A atividade hermenêutica assume, assim, relevância

ímpar no Direito, e impõe a seus operadores desafios instigantes: além de lidar com a

linguagem, matéria-prima das mais plásticas e de contornos indefinidos, cujo sentido se altera

no tempo e no espaço, são instados a extrair do texto legal a norma aplicável ao caso concreto,

cujo conteúdo depende umbilicalmente dos fatos sobre os quais incidirá. Com efeito, assim

como o sentido não está nas palavras, sendo-lhe atribuído pelo intérprete, a norma tampouco

está no texto da lei, mas é dele extraída também pelo intérprete à luz dos aspectos fáticos do

conflito apresentado. Significa, portanto, que, para a criação da norma, há de se somar à atuação

do Poder Legislativo, necessariamente, a atividade do intérprete.

De acordo com a metodologia civil constitucional, o processo de criação da norma por

meio da interpretação deve ter como fio condutor a Constituição, ato normativo

hierarquicamente superior no ordenamento jurídico brasileiro, constituído por disposições

preceptivas dirigidas a todos os atores jurídicos. Toda interpretação e aplicação de norma

jurídica é, pois, antes de tudo, interpretação e aplicação da Constituição; se essa aplicação é

direta ou indireta, pouco importa, uma vez que o que prevalecerá, ao fim e ao cabo, é a norma

constitucional.3

Para a adequada compreensão da metodologia, indispensável destacar, sucintamente, as

premissas sobre as quais se assenta. Em primeiro lugar, destaca-se a unidade do procedimento

interpretativo: interpretação e qualificação dos fatos encerram aspectos da individualização da

normativa do caso concreto, a partir da dialética fato-norma. Trata-se de aspectos de um

processo cognitivo unitário, voltado para a reconstrução do que ocorreu no mundo dos fatos sob

perspectiva dinâmica, com o objetivo de construir a disciplina “que o ordenamento globalmente

considerado dá à exigência de tutela que o fato manifesta, exigência portadora de uma sua

específica irrepetibilidade”.4

O caso concreto assume, assim, especial relevância para a metodologia, já que apenas

cotejando-se suas especificidades com o ordenamento jurídico unitária e sistematicamente

considerado, identifica-se a disciplina legal aplicável ao real conflito de interesses.

Nessa esteira, tem-se que o ordenamento jurídico não se exaure na lei; é resultado da

interpretação conjunta de princípios e regras individualizados pelo aplicador, do sistema

sociocultural, e dos elementos condicionantes dos fatos em cada conflito de interesses.5 O

sistema é heterogêneo e aberto aos vetores culturais da sociedade – daí sua complexidade –,

caracterizado por pluralidade de fontes normativas, cuja unidade é assegurada pela centralidade

da Constituição, que contém a tábua axiológica da suasocietas.6

O processo hermenêutico concebido em tais bases se afasta, em definitivo, do processo

silogístico conhecido como subsunção, que pressupõe dualidade – inexistente – entre norma

jurídica (premissa maior) e fato (premissa menor).7 A norma jurídica aplicável resulta, ao

contrário, da ponderação de todo o ordenamento jurídico a partir do caso concreto: para sua

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individuação, o intérprete há que ter em conta todo o arcabouço legislativo posto e as

especificidades dos fatos de sua hipótese real – situação econômica dos sujeitos, sua formação

cultural, circunstâncias do conflito etc. Vale dizer, cotejando as peculiaridades do caso concreto

com as diversas fontes normativas, unificadas pela Constituição da República, extrai-se um

ordenamento jurídico “sob medida”, aplicável exclusivamente àquela situação fática.8

E é justamente nesse processo de transmutação do enunciado linguístico em norma, de

identificação da disciplina normativa do caso concreto, que são exercidos juízos discricionários

pelo intérprete. Tome-se como exemplo a hipótese menos controversa de aplicação de cláusulas

gerais. Ciente da impossibilidade de acompanhar a velocidade das transformações sociais,

o legislador contemporâneo adota nova técnica legislativa, e confere ao juiz maior margem de

atuação, o que lhe permite acomodar de forma mais precisa a norma aos fatos, à luz dos

princípios fundantes do ordenamento jurídico. Quando o Poder Legislativo não quer ou não

pode precisar de forma mais objetiva o conteúdo do texto normativo, lança mão de cláusulas

gerais, e transfere ao Judiciário o poder discricionário para fazê-lo em cotejo com o caso

concreto: “la ragione dell’attribuzione di potere discrezionale risiede nella convenienza di

lasciare che la norma si adatti alle particolarità dei casi concreti imprevedibili in astratto”.9

A técnica das cláusulas gerais não dispensa, todavia, intervenções precisas, do tipo

regulamentar.10 Se assim não fosse, atribuir-se-ia ao jurista o poder de decidir arbitrariamente,

de acordo com suas concepções subjetivas, já que ausente qualquer parâmetro legal para pautar

a decisão discricionária.11

A aplicação direta dos princípios constitucionais, dotados de considerável abstração,

também confere ao magistrado notável grau de discricionariedade. Quanto maior a abstração e

abertura das normas constitucionais à moralidade e à política, maior o espaço de

discricionariedade do jurista na aplicação das mesmas. As normas de conteúdo aberto são

suscetíveis de pluralidade de níveis de satisfação, ao contrário das regras específicas, com

limitada capacidade aplicativa. Naquelas situações, portanto, o intérprete, valendo-se da técnica

da ponderação, encontrará mais de uma solução possível, e deverá optar por uma delas

observando os parâmetros impostos ao exercício de seu poder discricionário.

Se é certo que a utilização de referidas técnicas legislativas confere ao jurista um espectro

maior de possibilidades decisórias, o que lhe permite atender mais precisamente às

especificidades do caso concreto valendo-se de juízos discricionários, não é menos verdade,

contudo, que os debates acerca do tema são caracterizados por incertezas e inseguranças, como

se a previsibilidade da decisão fosse o único valor almejado. Teme-se que a ausência de regras

precisas, previamente elaboradas pelo legislador, e a atribuição de poder discricionário ao

intérprete descambem para intolerável insegurança.12 Há, contudo, dois problemas nesse

raciocínio.

O primeiro se refere à própria dificuldade enfrentada pelo jurista em lidar com cláusulas

gerais e princípios, decorrente da cultura jurídica brasileira, tradicionalmente conceitualista. As

faculdades de Direito não preparam seus operadores para manejar institutos que lhe atribuem

escolhas propositalmente não feitas de maneira expressa pelo legislador, mas que se

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reconduzem ao ordenamento jurídico. Mudar a forma pela qual uma inteira geração de juristas

interpreta e aplica o direito não é tarefa fácil, e demanda anos de trabalho árduo. Daí a

importância da formação do jurista. Conforme destaca Pietro Perlingieri, “se é preciso elaborar

leis adequadas, é igualmente necessário formar juristas que tenham a sensibilidade de

interpretar, conhecer a realidade e individualizar a normativa aplicável”.13

O segundo problema reside na falsa ideia de que existem regras precisas elaboradas pelo

legislador, que tais regras são infensas a juízos discricionários e que, por isso, atendem mais

adequadamente à promoção da segurança jurídica. O legislador não elabora regras precisas.

Elabora enunciado regulamentar cujo conteúdo semântico, de regra, é mais restrito do que

aquele veiculado por cláusulas gerais e princípios. A precisão, ou clareza, não é do texto, mas da

norma, resultado já da interpretação. Qualquer enunciado normativo, por mais claro que pareça

ser, requer interpretação, requer identificação de seu sentido. E cabe ao intérprete identificar,

dentre as várias possibilidades semânticas, o sentido em que a palavra deve ser apreendida. A

clareza do texto não é um prius, mas um posterius do processo hermenêutico.14

Se é aceito, com alguma tranquilidade, que o intérprete, ao concretizar o sentido da

cláusula geral, exerce juízos discricionários, e o faz escolhendo, dentre as várias possibilidades

do texto, aquela que melhor se coaduna com a situação fática, por que não se reconhece que a

interpretação de texto regulamentar também pressupõe juízos discricionários? Nesse caso, o

intérprete escolherá, igualmente, dentre mais de uma possibilidade, a disciplina mais adequada

ao caso concreto, valendo-se, para tanto, e de forma simultânea, das interpretações gramatical,

sistemática e axiológica.

A rigor, a diferença que há entre uma e outra interpretação é apenas o grau de abstração do

texto e, por consequência, o grau de discricionariedade atribuída ao intérprete. O intérprete,

portanto, sempre realiza juízos discricionários, que podem ser mais ou menos amplos de acordo

com a natureza dos enunciados a serem interpretados. A distinção, com efeito, é apenas

quantitativa, não já qualitativa.

Note-se, ainda, que a discricionariedade do intérprete não se restringe à interpretação do

enunciado normativo.15 A averiguação e análise dos eventos,16 como uma das fases do

procedimento interpretativo, comportam, por si só, a realização de juízos discricionários. Ao

identificar os eventos relevantes para a solução da controvérsia, o aplicador do direito procede a

escolhas que, longe de serem livre ou subjetivamente realizadas, pautam-se pela realidade

peculiar do caso concreto. Nem todos os eventos apresentados no âmbito do caso em análise

serão relevantes para a identificação da normativa aplicável. Cabe ao intérprete, portanto,

apreender, analisando o caso concreto em sua globalidade e particularidade, quais os eventos

devem ser interpretados e qualificados.

Nesse contexto, o reconhecimento de que a factualidade é componente essencial da

normatividade reforça o caráter imprescindível da discricionariedade para o processo

hermenêutico na metodologia civil constitucional: a análise dos eventos relevantes para a

configuração do caso concreto implica em juízos discricionários, e tais eventos transmudam-se

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em fatos capazes de condicionar, conformar, modificar e adequar o conteúdo do direito

aplicável.

A partir das concepções de ordenamento e de processo hermenêutico acima referidas,

pode-se afirmar que, para a metodologia civil constitucional, o juízo discricionário é inerente ao

exercício da atividade interpretativa. Trata-se, pois, de “discricionariedade interpretativa”, vale

dizer, de discricionariedade ínsita à interpretação do direito, à identificação da disciplina

específica do caso concreto.17 Toda interpretação é, portanto, constitucional e dotada de maior

ou menor grau de discricionariedade.

Destaque-se, no entanto, que a constatação de que, em diversos momentos do processo

decisório, o intérprete realiza juízo discricionário encerra apenas o ponto de partida para a

análise de inúmeras outras questões. Um dos problemas particularmente importantes a ser

enfrentado reside no risco de a discricionariedade degenerar em arbitrariedade. Por essa razão,

assume especial relevância a análise da legitimidade do exercício da discricionariedade

interpretativa.

3.PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COMO PARÂMETRO PARA O

EXERCÍCIO LEGÍTIMO DE JUÍZOS DISCRICIONÁRIOS

O reconhecimento de que o intérprete exerce juízos discricionários durante o processo

hermenêutico não importa em admitir a possibilidade de integração da norma a partir de

critérios subjetivos próprios do julgador, ou de juízos de conveniência e oportunidade.

Tampouco importa em lhe atribuir liberdade total e irrestrita. Apenas o poder absoluto é

arbitrário, e rejeita qualquer tipo de controle. O exercício legítimo da discricionariedade

interpretativa pressupõe, conforme já se deixou transparecer nas linhas acima, a observância do

princípio da legalidade, “entendido certamente, não como uma subserviente interpretação e

aplicação de uma lei particular e isolada, mas como dever de interpretá-la e aplicá-la em

respeito às normas e escolhas constitucionais, como a obrigação da correta motivação e

argumentação”.18

Contemporaneamente, reconhece-se que o aplicador do direito não está vinculado à letra

da lei, mas à norma, identificada a partir do confronto dialético entre disposições legislativas e

fatos, em uma unidade incindível. No âmbito de ordenamento unitário e complexo,

caracterizado por clara hierarquia de fontes e valores, o jurista deve buscar “a solução mais

congruente, respeitando os valores e os interesses considerados normativamente prevalecentes

assim como os cânones de equidade, proporcionalidade e razoabilidade”.19 E as soluções

baseadas em escolhas discricionárias não fogem à regra: todos os valores do ordenamento

devem servir de parâmetros concorrentes para o exercício do juízo discricionário, que se

vincula, em qualquer circunstância, aos valores constitucionais.20

Assim sendo, mesmo a indeterminação intencional das cláusulas gerais ou a referência a

princípios não confere ao jurista espaço para impor sua ideologia pessoal. Também não significa

permissão para consideração de valores extrajurídicos, ainda que cultural e historicamente

relevantes, mas não incorporados ao ordenamento. Todas as normas são expressão de

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princípios, sejam elas veiculadas por meio de cláusulas gerais ou de técnica regulamentar, e se

alimentam do ordenamento ao mesmo tempo em que o integram, em complementaridade

recíproca. Nesse sentido, afirma Perlingieri:

(...) a vagueza da referência contida na cláusula é superada com o reenvio não à consciência

ou à valoração social, mas ao complexo de princípios que fundam o ordenamento jurídico,

única garantia de pluralismo e de democracia. As cláusulas gerais, portanto, são uma técnica

legislativa que consente a concretização e especificação de múltiplas possibilidades de

atuação de um princípio, agindo contemporaneamente como critério de controle da

compatibilidade entre princípios e regras.21

A justiça do caso concreto, desejada e perseguida pelo aplicador do direito, é a justiça na

legalidade constitucional, que se alcança apenas com o emprego de renovada teoria da

interpretação, axiologicamente orientada para a definição do conteúdo de normas

regulamentares, cláusulas gerais e princípios constitucionais, e sensível à utilização da equidade

como instrumento para a identificação da solução mais justa para o conflito em questão.

4.A EQUIDADE E SEU PAPEL NA METODOLOGIA CIVIL

CONSTITUCIONAL

O debate acerca da discricionariedade interpretativa não pode prescindir da discussão

sobre o papel da equidade na metodologia civil constitucional. Para isso, no entanto, mister

identificar, preliminarmente, a acepção em que se utiliza a palavra “equidade”, já que mesmo o

ordenamento jurídico brasileiro a emprega com os mais diversos significados.22

Miguel Reale trata de equidade como mecanismo de superação das lacunas do direito

(normas de equidade), e ainda como forma de amenizar “as conclusões esquemáticas das regras

genéricas, tendo em vista a necessidade de ajustá-la às particularidades que cercam certas

hipóteses da vida social”.23 Nesse sentido, prossegue o autor: “Há casos em que é necessário

abrandar o texto, operando-se tal abrandamento através da equidade, que é, portanto, a justiça

amoldada à especificidade de uma situação real”.24

O primeiro sentido encontra-se superado pela metodologia civil constitucional, uma vez

que a aplicação do direito não é atividade a ser realizada de forma setorizada, no âmbito de

supostos subsistemas ou microssistemas,25 mas no contexto de ordenamento complexo e

unitário, razão pela qual “lacuna, se houver, é do sistema inteiro, e não dos possíveis níveis de

normas que o compõem”.26 Em um ordenamento jurídico assim concebido, a ausência de texto

legislativo específico que discipline certa situação concreta não significa ausência de norma,

uma vez que a solução há de ser sempre buscada no ordenamento jurídico em sua inteireza.

Todavia, se o ordenamento já não contiver resposta satisfatória à controvérsia, o próprio sistema

será lacunoso, hipótese em que a solução estará fora do Direito. Nesse caso, a omissão é do

Poder Legislativo que, conscientemente ou não, deixou de regular a matéria.

O segundo sentido, por sua vez, requer análise mais atenta. Afirma-se que a equidade

consiste na realização de justiça no caso concreto; não é algo diverso da justiça, mas a

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colocação dela em prática.27 Trata-se, pois, do sentido aristotélico de equidade, como corretivo

de justiça, um mecanismo de abertura do sistema, a viabilizar o abrandamento da rigidez da

letra fria e abstrata da lei em razão das peculiaridades do caso concreto.

Humberto Ávila vale-se da razoabilidade para explicar a equidade. De acordo com o autor,

a razoabilidade é um postulado, isto é, uma metanorma que estabelece a estrutura de aplicação

de outras normas, princípios e regras;28 e uma das três acepções possíveis de razoabilidade é,

justamente, a equidade, a exigir a harmonização da norma geral com o caso individual:29

Assim, a razoabilidade serve como instrumento metodológico para demonstrar que a

incidência da norma é condição necessária mas não suficiente para sua aplicação. Para ser

aplicável, o caso concreto deve adequar-se à generalização da norma geral. A razoabilidade

atua na interpretação das regras gerais como decorrência do princípio da justiça.30

A aplicação da equidade nesse último sentido é admitida com bastante restrição, e desde

que expressamente autorizada por lei, nos termos do art. 127 do Código de Processo Civil, sob

pena de, segundo se afirma, atribuir-se ao jurista notável grau de subjetividade, a gerar

indesejáveis incertezas e insegurança jurídica. No entanto, a partir da metodologia civil

constitucional, pode-se chegar à conclusão diversa.

No âmbito de ordenamento jurídico unitário, complexo e sistemático, voltado para a

promoção dos valores constitucionais, a solução do caso concreto requer, como já afirmado, a

ponderação de todas as normas do ordenamento à luz das condicionantes fáticas do específico

conflito de interesses, a fim de se identificar o ordenamento jurídico do caso concreto, que é

aquele que promove a solução mais justa às suas particularidades. E na busca da solução mais

justa, afirma a metodologia civil constitucional, o jurista não está vinculado a um texto de lei,

mas à norma formulada de acordo com o projeto constitucional. Logo, se a lei genérica e

abstrata, ao incidir em um específico conflito de interesse, vai de encontro ao projeto

constitucional ou não o realiza maximamente, não deve ser aplicada, ou deve sofrer o

abrandamento necessário a adequá-la à legalidade constitucional.

A equidade é, assim, inerente à metodologia civil constitucional, à aplicação do

ordenamento jurídico em sua unidade e complexidade de acordo com a legalidade

constitucional. O jurista elabora a norma do caso concreto observando os princípios

constitucionais, pelo que se certa disposição legislativa colide com esses princípios no caso

concreto, se há princípios constitucionais que permitem o abrandamento da regra abstrata em

prol da promoção da justiça no caso concreto, assim deve ser feito, independente de haver artigo

de lei nesse sentido.

Reconhecer que a equidade integra a metodologia civil constitucional não significa,

contudo, franquear ao juiz a formulação de decisões extrajurídicas, mas autorizá-lo a abrandar o

rigor da norma abstrata no caso concreto, sempre que a Constituição o permitir. Se o

abrandamento só é possível se estiver conforme a Constituição, e se é proscrito a elaboração de

normas que violem a Constituição, importa reconhecer, em última instância, que a equidade

decorre diretamente da própria Constituição. Evidentemente, ao julgador se impõe ônus

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argumentativo muito maior ao se valer da equidade por força da aplicação dos princípios

constitucionais do que quando a utiliza sob autorização de dispositivo legal expresso.

Parece possível afirmar, portanto, que a equidade faz parte da legalidade constitucional:

Equidade e razoabilidade contribuem, no respeito da hierarquia das fontes e de todos os

valores do ordenamento, para individuar, no momento aplicativo, “o ordenamento do caso

concreto”. A equidade é expressão da coessencialidade do ius e da societas, com a

consciência de que o ius e estrutura da societas. O atual momento histórico não é tanto

aquele de oposição entre ius e aequitas, quanto aquele de aequitas segundo “princípios”

expressos pelo ius e aplicados pelo juiz na valoração discricionária das circunstâncias

concretas, no respeito, ainda mais que lógico, axiológico do ius. Logo, também o juízo

segundo a equidade deve fazer parte da legalidade constitucional, e se caracterizar por uma

adequada motivação, que se apresenta, assim, como pressuposto necessário para a tutela dos

direitos.31

Nesse cenário, o enunciado do art. 127 do CPC não apenas perde sua utilidade, mas pode

mesmo se revelar inconstitucional, na medida em que limita o recurso à equidade às hipóteses

expressamente admitidas em lei, a impedir que o magistrado dela se utilize em outras situações

nas quais os princípios constitucionais poderiam permitir o abrandamento da regra.

A fim de se ilustrar o que ora se sustenta, veja-se o parágrafo único do art. 928 do Código

Civil, segundo o qual a indenização devida pelos incapazes pelos prejuízos por eles causados

nas hipóteses em que seus responsáveis não tiverem a obrigação de responder ou não

dispuserem de meios suficientes deve ser equitativa, e não terá lugar se privar do necessário o

incapaz ou as pessoas que dele dependem. A rigor, embora referida previsão seja salutar para

deixar evidente para o aplicador do direito a necessidade de fixar a indenização com base na

extensão do dano, de acordo com o art. 944, sem descurar da equidade, abrandando, assim, o

rigor da norma para adaptá-la ao caso concreto, ela não é indispensável: chega-se à mesma

conclusão aplicando-se a metodologia civil constitucional.

Isso porque a Constituição, ao elevar o princípio da dignidade humana a fundamento da

República, passou a garantir a cada indivíduo, além de proteção aos diversos atributos inerentes

à pessoa, os meios necessários para o desenvolvimento da sua personalidade e para a

manutenção de uma vida digna. Conforme destaca Luiz Edson Fachin, há uma imunidade

juridicamente inata ao ser humano, independentemente de previsão infraconstitucional

específica, relativa à proteção de um “patrimônio mínimo mensurado consoante parâmetros

elementares de uma vida digna e do qual não pode ser expropriada ou desapossada”.32 Por essa

razão, entende-se que deve ser quantitativamente equitativa não apenas a indenização devida

pelo incapaz, nos expressos termos do parágrafo único do art. 928, mas qualquer obrigação de

indenizar dirigida à pessoa humana, a fim de não privar o devedor dos meios necessários à vida

digna.33 Tratar-se-ia, portanto, de um princípio geral da responsabilidade civil.

A equidade permite, em conclusão, que, no exercício de juízos de discricionariedade

interpretativa, o jurista identifique a disciplina que melhor realiza a justiça do caso concreto,

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sendo-lhe franqueado o abrandamento da norma quando os princípios constitucionais o

autorizarem. Não existe discricionariedade ou equidade extralegal. O que existe fora do

ordenamento jurídico não é direito, é arbitrariedade.

5.JUÍZO DISCRICIONÁRIO E ARBITRARIEDADE

O reconhecimento de que o jurista exerce juízo discricionário durante o processo de

interpretação do direito não importa em atribuir-lhe liberdade total, conforme reiteradamente

advertido. Discricionariedade não se confunde com arbitrariedade. O exercício legítimo da

discricionariedade requer sejam observados certos parâmetros, fora dos quais a atuação pode

configurar-se arbitrária ou, apenas, legalmente equivocada. Essa questão é particularmente

tormentosa no âmbito das decisões judiciais.

Assim, por exemplo, quando o magistrado, no exercício de juízo discricionário, não

procede à análise racional dos fatos ou atua contra legem ou praeter legem há, de regra, atuação

legalmente equivocada, decisão errada. Por outro lado, sempre que a decisão for teratológica ou

não motivada, configura-se a arbitrariedade.

Decisão teratológica é a decisão monstruosa, que afronta gravemente a lei ou a prova dos

autos, que não se coaduna com as regras mais básicas do ordenamento jurídico. Não basta, pois,

a mera ilegalidade, a simples violação à lei, a escolha de uma das soluções possíveis no

exercício do poder discricionário que não seja a ideal para o caso concreto: é preciso que o erro

na interpretação e aplicação do direito seja grosseiro, extremo, ofensivo à essência da Justiça,

que seja flagrantemente ilegal, de ilegalidade gritante, que viole escancaradamente direito

líquido e certo, que se trate de aberração jurídica, não raro fundada em subjetivismo irracional

do juiz.

Note-se, ainda, que o exercício da discricionariedade judicial é plenamente controlável por

meio da motivação das decisões. O ordenamento jurídico brasileiro adotou concepção racional

da decisão ao impor ao juiz o dever de motivação, no art. 93, IX, da Constituição da República.

Exige-se, assim, que o magistrado exponha as razões que justificam sua decisão, que racionalize

o fundamento decisório articulando os argumentos que a justificam.34 A motivação é tanto mais

necessária quanto maior for o grau de discricionariedade da decisão, “já que apenas à vista dela

se pode saber se o juiz usou bem ou mal sua liberdade de escolha, sobretudo se não terá

ultrapassado os limites da discrição para cair no arbítrio”.35 Conforme já advertiu Gustavo

Tepedino,

O reconhecimento do papel criativo dos magistrados (...) não importa em decisionismo,

ou voluntarismo judiciário. A própria noção de segurança jurídica há de ser reconstruída a

partir do compromisso axiológico estabelecido pela Constituição da República, com a

elaboração de dogmática sólida, capaz de enfrentar a complexidade dos novos fenômenos

sociais e de suas mudanças. Nessa esteira, torna-se imperioso fortalecer e difundir a teoria

da argumentação, associada à interpretação unitária do ordenamento, não já à valoração

individual de cada juiz, a fim de legitimar o discurso jurídico e a decisão judicial.36

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Ausência de fundamentação conduz à arbitrariedade.37 Por essa razão, um dos grandes

desafios do magistrado no exercício da discricionariedade reside no seu comprometimento com

a adequada motivação, com indicação do raciocínio lógico pelo qual se justifica a decisão, de

todas as escolhas que o conduziram à solução do caso concreto, das eventuais pré-compreensões

consideradas, e de tudo o mais que tenha sido relevante para a formulação da decisão

final.38 Superado o desafio, a decisão baseada em juízos discricionários será plenamente

controlável, e estará minimizado o risco de configuração de arbitrariedades.

6.DIFERENÇA ENTRE AS SOLUÇÕES ENCONTRADAS (E O MODO DE

ENCONTRÁ-LAS) PELA METODOLOGIA CIVIL CONSTITUCIONAL E

POR OUTRAS ABORDAGENS

Demonstrou-se, portanto, que a metodologia civil constitucional reconhece a

discricionariedade interpretativa como inerente ao procedimento hermenêutico, e afasta a

ocorrência de arbitrariedades submetendo o seu exercício à legalidade constitucional e impondo

ao magistrado a adequada motivação da decisão. A fim de corroborar que a adoção de referida

metodologia se afigura mais coerente com o ordenamento jurídico brasileiro bem como oferece

maior segurança jurídica, passa-se a analisar, brevemente, duas outras abordagens acerca da

interpretação e aplicação do direito: o diálogo das fontes e o direito alternativo.

No direito brasileiro, o diálogo das fontes39 “significa a aplicação simultânea, coerente e

coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o Código de Defesa do

Consumidor e a lei de planos de saúde) e leis gerais (como o Código Civil de 2002), de origem

internacional (como a Convenção de Varsóvia e Montreal) e nacional (como o Código

Aeronáutico e as mudanças do Código de Defesa do Consumidor), que, como afirma o mestre

de Heidelberg, tem campos de aplicação convergentes, mas não mais totalmente coincidentes ou

iguais”.40 Trata-se, de acordo com Cláudia Lima Marques, de método para a solução de

antinomias e conflitos de lei no tempo.41 Ainda de acordo com a mesma autora, o método

“diálogo das fontes” só pode ser utilizado em favor do sujeito vulnerável, sob pena de se

promover uma “analogia in pejus”.42 Parte-se, portanto, do pressuposto segundo o qual a tutela

do vulnerável prepondera sobre todos os demais princípios constitucionais.

A metodologia civil constitucional, ao contrário, não elege, a priori, uma certa categoria

de pessoas a ser tutelada; a tutela prioritária é conferida à categoria mais ampla, a da pessoa

humana tout court,43 valor supremo da Constituição brasileira, em seus múltiplos aspectos.44

Nota-se, ademais, que a abordagem do diálogo das fontes limita consideravelmente a

discricionariedade do intérprete, uma vez que elege, aprioristicamente, um determinado valor

constitucional a ser promovido, a tutela do vulnerável, e já predetermina, assim, em favor de

quem deve ser empregada a técnica, a impedir o jurista de analisar, à luz do caso concreto, qual

das diversas possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico se mostra mais adequada para

discipliná-lo e promover os valores constitucionais; afasta-se, assim, da interpretação

sistemática. Na metodologia civil constitucional, por outro lado, a liberdade do intérprete é

muito mais ampla, já que apenas quando da análise das circunstâncias fáticas em cotejo com o

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ordenamento jurídico unitário e complexo é que ficará claro qual dos vários valores

constitucionais deve prevalecer – servindo sempre como parâmetro a promoção da dignidade da

pessoa humana – e, consequentemente, qual parte terá o seu direito reconhecido. A interpretação

é, portanto, sistemática, uma vez que pressupõe a complexidade e unidade do ordenamento.45 O

jurista que utiliza a metodologia civil constitucional volta-se para todo o ordenamento jurídico e

para o caso concreto a fim de identificar a normativa aplicável e, à luz da legalidade

constitucional, a parte a favor de quem deve ser decidida a controvérsia.46 O jurista do diálogo

das fontes, a seu turno, já sabe, de antemão, em benefício de quem a teoria deve ser aplicada, o

que lhe retira inúmeras outras possibilidades decisórias e o impede de proceder a uma análise

unitária e sistemática do ordenamento jurídico.47

Das diferenças ora apontadas resultam, não raro, distintas soluções na interpretação e

aplicação do direito. Emblemática, nesse sentido, é a questão relativa ao prazo prescricional

para reparação civil contratual: o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor fixa o prazo de 5

anos; no âmbito das relações paritárias, todavia, a questão é controversa. Discute-se, se o art.

206, § 3º, V, do Código Civil, que prevê prazo de 3 anos, ao mencionar “pretensão de reparação

civil”, abarcaria, ou não, a responsabilidade civil contratual; em caso negativo, aplicar-se-ia o

prazo geral decenal do art. 205 do Código Civil. Para a teoria do diálogo das fontes, mesmo

diante de relação de consumo, deve-se aplicar o art. 205 do Código Civil, afastando-se a

previsão expressa do art. 27 do CDC por ser mais benéfico ao consumidor por lhe conferir prazo

mais extenso para buscar a reparação civil.48 Afirma-se que “sempre que uma lei garantir algum

direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na

tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo”.49

A metodologia do direito civil constitucional, no entanto, aponta em sentido diverso.

Independentemente de se entender aplicável o prazo de 3 ou de 10 anos para reparação civil

contratual nas relações paritárias, o prazo incidente nas relações de consumo deve ser o de 5

anos do CDC, que incide de forma imperativa.50 Isso porque, impõe-se a análise do

ordenamento jurídico de forma unitária e sistemática: a Constituição da República, além de

tutelar o consumidor, tutela a segurança jurídica – fundamento das regras sobre prescrição51 – e

a igualdade, que restariam seriamente abaladas caso se franqueasse ao intérprete a escolha

arbitrária da regra que melhor aprouvesse a tutela de seus interesses. Nesse sentido, afirma

Gustavo Tepedino:

A perda de prazo prescricional, embora dolorosa, é menos danosa do que a quebra do

sistema, propiciada por inconsistente ideologia de ampliação da reparação dos danos. Os

prazos prescricionais associam-se a um conjunto de mecanismos oferecidos à ação de

reparação de danos. Contornar a previsão legal, ou selecionar do sistema alguns dispositivos

(que melhor atendam ao autor da ação), em detrimento de outros, ameaça a segurança

jurídica, a igualdade constitucional e prejudica, em última análise, a própria vítima de danos,

sem saber, ao certo, de qual prazo afinal dispõe para o ajuizamento da ação indenizatória.52

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O direito alternativo, por sua vez, encerra movimento emancipatório das classes populares,

não necessariamente homogêneo, por meio da aplicação do direito comprometida com a justiça

social. Objetiva-se, pois, a construção de nova dogmática, de “instrumental prático-teórico

destinado a profissionais que ambicionam colocar seu saber-atuação na perspectiva de uma

sociedade radicalmente democrática. Uma atividade comprometida com a utópica vida digna

para todos, com abertura de espaços visando à emancipação do cidadão, tornando o direito em

instrumento de defesa/libertação contra qualquer tipo de dominação. O direito enquanto

concretização da liberdade”.53

De acordo com Amilton Bueno de Carvalho, o movimento envolve, em primeiro lugar,

o uso alternativo do direito, que se dá dentro do sistema positivado, e consiste na aplicação de

hermenêutica renovada, voltada para a libertação, e não para a manutenção do status quo

ante.54 Em segundo lugar, promove a positividade combativa, vale dizer, atua no sentido da

efetiva implementação das conquistas democráticas já positivadas.55 Por fim, advoga em favor

do direito alternativo em sentido estrito, isto é, da existência de direito não estatal, uma vez que

a lei não esgota o direito: “há direito paralelo, emergente, insurgente, achado na rua, não oficial,

que coexiste com aquele vindo do Estado”,56 e cujo objetivo é superar a opressão e construir

uma sociedade justa e igualitária. A partir desse cenário, percebe-se que o direito alternativo

confere ao juiz o poder de julgar de acordo com o sentimento de justiça da sociedade em que

está inserido, ainda que para tanto se afaste de dispositivo expresso de lei; os únicos limites a

serem observados são o caso concreto e os princípios gerais do direito.57

No que tange ao objeto deste estudo, há duas diferenças relevantes entre o direito

alternativo e a metodologia civil constitucional. A primeira diferença consiste na fonte que

indica a direção a ser seguida pelo juiz ao solucionar o conflito de interesses: enquanto para o

direito alternativo o norte é o sentimento de justiça de certo grupo da sociedade, para o direito

civil constitucional o norte são os valores constitucionais e, sobretudo, a dignidade da pessoa

humana. É verdade que, muitas vezes, o resultado da aplicação de um ou outro método apontará

na mesma direção, uma vez que a Constituição de 1988 fixa, em seu art. 3º, como objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, bem como a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades

sociais. Todavia, o caminho percorrido é diverso: qualquer decisão que promova a justiça social

do caso concreto o fará porque a Constituição assim o determina, em observância à hierarquia

das fontes.

Tome-se como exemplo a concretização de direitos fundamentais, no âmbito da qual, não

raro, o magistrado entra em conflito com pontuais decisões legislativas. Nessas hipóteses –

como, aliás, em todas as outras –, o juiz deve solucionar o caso concreto buscando a normativa

aplicável no ordenamento jurídico sistemático e unitário por meio do exercício de escolhas

discricionárias, o que pode levá-lo a desconsiderar pontual disposição legislativa, em favor de

um princípio constitucional. Diante de contraditórias e ambíguas escolhas legislativas frente ao

quadro de valores constitucionalmente garantidos, a opção do juiz deve ser pela realização do

valor constitucional, afastando, no caso concreto, a aplicação do enunciado desviante. O

parâmetro, pois, é a Constituição, e não o sentimento de justiça de determinada categoria social.

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A segunda diferença – que decorre da primeira – entre o movimento do direito alternativo

e a metodologia civil constitucional reside na atribuição, ao magistrado alternativo, de

amplíssimo poder criativo para a promoção da justiça social, reconhecendo-lhe a possibilidade

de aplicar direito não estatal, poder esse que só encontra limite no próprio caso concreto e nos

princípios gerais do direito. A metodologia civil constitucional, a seu turno, reconhece poder

discricionário ao aplicador do direito mais restrito: a discricionariedade deve ser utilizada para

que o jurista identifique qual das soluções oferecidas pelo próprio ordenamento jurídico se

afigura mais adequada a disciplinar o conflito de interesses, escolha a ser feita com base nas

especificidades do caso concreto e dos princípios constitucionais. O juízo discricionário é

exercido na legalidade constitucional. De acordo com Pietro Perlingieri

A tarefa hoje é contribuir para realizar, mediante uma renovada teoria da interpretação,

axiologicamente orientada, uma justiça civil na legalidade constitucional (...), utilizando os

conteúdos e os valores característicos de tal legalidade não apenas na “releitura” de velhas e

novas normas em nível ordinário, mas também na aplicação direta dos enunciados

constitucionais.58

Serve a ilustrar bem o que se sustenta a contemporânea e delicada questão relativa ao

ativismo judicial, à participação cada vez mais intensa do Judiciário na concretização de direitos

fundamentais, o que pode resultar em interferência no âmbito de atuação dos demais

Poderes.59 Trata-se, pois, o ativismo judicial de “atitude, decisão ou comportamento dos

magistrados no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outros

poderes”.60 O ativismo judicial envolve, inevitavelmente, a atuação discricionária do Judiciário,

e a questão a saber é: até que ponto é legítimo o ativismo judicial quando do exercício de

poderes discricionários? A resposta à indagação parte, antes de tudo, da consciência de que o

magistrado, ao realizar juízos discricionários, deve individualizar não aquilo que ele ou

determinada classe social gostaria que existisse no ordenamento, “mas aquilo que, seguindo um

correto procedimento hermenêutico, efetivamente é possível identificar”.61

Isso significa, portanto, que o exercício legítimo do ativismo judicial depende da não

invasão, pelo Judiciário, do âmbito de atuação dos demais Poderes, isto é, na tentativa de extrair

o máximo das potencialidades do texto constitucional, não pode o Judiciário invadir o campo da

criação livre do Direito. O juiz, ao proferir juízos discricionários, deve agir nos limites do

ordenamento jurídico, e ser deferente à legalidade constitucional. Reconhecer que o Poder

Judiciário não é a tábua de salvação para todos os males sociais é o primeiro passo para impedir

o arbítrio, vício inevitável caso se permita a atuação judicial apenas de acordo com o sentimento

de justiça de certa categoria social.

7.CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo, buscou-se empreender análise não exaustiva acerca da

liberdade do intérprete na metodologia civil constitucional, a partir da qual se extraíram algumas

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conclusões, paulatinamente já referidas ao longo do texto. A fim de melhor sistematizá-las,

passa-se, então, a elencar aquelas que assumem maior relevância para o tema proposto:

1. A discricionariedade na interpretação do direito – que não se confunde com a

discricionariedade administrativa – permite que o jurista distinga, dentre as várias soluções

possíveis oferecidas pelo ordenamento jurídico, aquela que melhor soluciona o caso concreto. O

juízo discricionário assim concebido se coloca no âmbito de um ordenamento jurídico unitário e

complexo, que não pode dele prescindir.

2. O juízo discricionário é inerente ao exercício da atividade interpretativa. Trata-se de

“discricionariedade interpretativa”, isto é, de discricionariedade ínsita à interpretação do direito:

diante de várias possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico, o jurista deve identificar a

disciplina mais congruente com o caso concreto, promovendo de forma mais intensa os valores

constitucionais e sacrificando o menos possível eventuais interesses conflitantes.

3. De acordo com a técnica legislativa utilizada pelo Legislador, o poder discricionário

conferido ao Judiciário pode ser mais (técnica das cláusulas gerais, dos conceitos jurídicos

indeterminados e dos princípios) ou menos amplo (técnica regulamentar).

4. O princípio da legalidade, entendido como o dever de interpretar e aplicar os enunciados

normativos em respeito às escolhas constitucionais, à legalidade constitucional, é o principal

parâmetro para o exercício legítimo do poder discricionário.

5. A equidade, entendida como a justiça do caso concreto, a ser promovida até mesmo com

o abrandamento da norma isolada desde que condizente com a legalidade constitucional, é

inerente à metodologia civil constitucional.

6. Discricionariedade não se confunde, em definitivo, com arbitrariedade. Arbitrária não é

a decisão legalmente equivocada, mas a decisão não motivada bem como a decisão teratológica,

vale dizer, que afronta gravemente a lei ou a prova dos autos.

7. Percebe-se, a partir de análise comparatista da metodologia civil constitucional com a

abordagem do diálogo das fontes e com o movimento do direito alternativo, que a primeira é a

que se afigura mais coerente com o ordenamento jurídico brasileiro, bem como a que oferece

maior segurança jurídica no exercício de juízos discricionários pelo aplicador do direito.

1Celso Antônio Bandeira de Melo define discricionariedade administrativa como “a margem de liberdade

conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou

juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar

satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal” (Curso de direito administrativo. 26. ed. São

Paulo: Malheiros, 2009. p. 426, grifou-se).

2A advertência é de suma importância, pois algumas teorias contrárias à existência de discricionariedade

na atividade de interpretação e aplicação do direito se valem do conceito utilizado no direito

administrativo. Por vezes, entretanto, a divergência reside muito mais na terminologia utilizada do que

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na amplitude dos poderes conferidos ao juiz. Confira-se, por todos, José Roberto Santos Bedaque: “Mas,

se a discricionariedade é atributo reconhecido do ato administrativo, indicando a possibilidade do órgão,

do agente ou da pessoa jurídica de direito público de agir ou não agir em determinada direção,

consultando critérios de conveniência e oportunidade, pode-se imaginar algum poder discricionário no

campo da atividade judicial? (...) A resposta deve ser negativa (...). Quando se quer tratar, portanto, de

discricionariedade judicial, a expressão entre nós há de significar apenas a maior ou menor liberdade de

o juiz adaptar (ou interpretar) as normas aos casos concretos, de tal sorte que o magistrado não tem a

liberdade de escolher uma entre várias possibilidades de aplicar a norma: em verdade, espera-se dele que

aplique a norma da única forma correta, dando ao caso concreto a solução imaginada (e desejada) pelo

legislador” (BEDAQUE, José Roberto Santos. Discricionariedade judicial. Revista Forense, Rio de

Janeiro: Forense, v. 354, mar.-abr. 2001, p. 187-188). No mesmo sentido: FACCI, Lucio Picanço.

Apontamentos sobre a denominada “discricionariedade judicial”. Revista Dialética de Direito

Processual, São Paulo: Dialética, n. 111, jun. 2012, p. 82-95. Sobre a inadequação de se restringir o

estudo da discricionariedade aos atos administrativos, confira-se MORTATI, Costantino. Potere

discrezionale. Nuovo Digesto Italiano. Torino: Unione Tipografico – Editrice Torinense, 1939-1942. p.

77.

3TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico. Revista Trimestral de

Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 35, jul.-set. 2008, p. iv.

4PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio

de Janeiro: Renovar, 2008. p. 651. Confira-se, ainda, KONDER, Carlos Nelson. Qualificação e coligação

contratual. Revista Forense, v. 406, 2010, p. 64-65.

5Assim considera Pietro Perlingieri: “A complexidade do ordenamento, no momento de sua efetiva

realização, isto é, no momento hermenêutico voltado a se realizar como ordenamento do caso concreto,

só pode resultar unitária: um conjunto de princípios e regras individualizadas pelo juiz que, na totalidade

do sistema socionormativo, devidamente se dispõe a aplicar” (O direito civil na legalidade

constitucional, cit., p. 200).

6TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do

ordenamento. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 9-11.

7TEPEDINO, Gustavo. Unidade do ordenamento e teoria da interpretação. Revista Trimestral de Direito

Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 30, abr.-jun. 2007, p. iv.

8TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento,

cit., p. 9. Segundo leciona, ainda, Pietro Perlingieri, “La complessità dell’ordinamento nel momento del

suo effetivo riscontro, cioè nel momento ermeneutico volto a realizzarsi come ordinamento del caso

concreto, non può non risultare unitaria: un insieme di princípi e regole individuato dal giudice che, nella

totalità del sistema socio-normativo, si accinge doverosamente ad applicare. Sotto questo profilo, che è

quello che realmente conta, in una scienza giuridica che è scienza pratica, l’ordinamento, per quanto

complesso sia, di qualsiasi complessità si caratterizzi, non può che essere uno, anche se risultante da una

pluralità di fonti e componenti” (Complessità e unitarietà dell’ordinamento giuridico vigente. Rassegna

di diritto civile, Napoli, v. 1/05, 2005, p. 196).

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9MORTATI, Costantino. Potere discrezionale, cit., p. 80. Em tradução livre: “A razão de atribuição de

poder discricionário reside na conveniência de deixar que a norma se adapte às particularidades dos

casos concretos imprevisíveis em abstrato”.

10“O recurso às definições legislativas é, em muitas hipóteses, insubstituível e, quase sempre, útil porque

contribui a reduzir as margens de discricionariedade interpretativa” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do

direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:

Renovar, 1999. p. 29).

11PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 42.

12Há, a rigor, necessidade de reconstrução do próprio conceito de segurança jurídica, consoante afirma

Gustavo Tepedino: “Além disso, impõe-se também a reconstrução da segurança jurídica, liberta do

positivismo regulamentar. Diante da profusão de cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos

indeterminados, com ampliação do espaço de construção da jurisprudência, espera-se dos juízes a

definição, paulatina, de padrões de conduta socialmente admissíveis, e não regras estanques de

comportamento para fatos previamente estabelecidos pelo legislador” (Velhos e novos mitos na teoria da

interpretação. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 28, out.-dez. 2006, p. iv-v).

13PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, p. 12.

14“Claro é aquele texto que, lido em conexão com outros, com os princípios relevantes na hipótese

concreta, adquire significado normativo sem que seja necessário forçar abertamente a sua letra. Todavia,

a sua interpretação não poderá deixar de ser influenciada pelo conhecimento do universo normativo. A

clareza, de toda sorte, não implica um juízo de congruência entre o ‘significado natural’ das palavras

utilizadas e a solução escolhida” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit.,

p. 622).

15Embora se reconheça que a distinção entre interpretação e qualificação do fato é meramente descritiva,

já que ambas são aspectos de uma operação unitária, faz-se aqui a cisão apenas para fins didáticos, a fim

de demonstrar que a discricionariedade está presente durante todo processo hermenêutico.

16Optou-se pela expressão “eventos”, em vez de “fatos”, pois “il fatto non preesiste all’interpretazione

ma è costituito dal procedimento che ló interpreta: prima dell’interpretazione non vi sono fatti o norme

ma eventi e disposizioni” (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 5. ed. Napoli: Edizioni

Scientifiche Italiane, 2005. p. 99).

17Confira-se a definição de Fabrizio di Marzio: “Con il sintagma ‘discrezionalità interpretativa’ intendo

referirme al potere, proprio dell’attività decisoria, di scelta nel merito, considerato tuttavia non in se

stesso ma in quanto conseguenza del potere di scelta che il giudice esercita – prima che sulla soluzione

da adottare – sulla interpretazione da effettuare per giungere alla soluzione (se, come, in che misura

interpretare)” (Interpretazione giudiziale e constrizione. Ipotesi sulla legittimazione della discrezionalità

interpretativa. Rivista di Diritto Civile, Padova: Cedam, a. LII, n. 3, maio-jun. 2006, p. 399).

18PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 24.

19PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 222-223. O mesmo autor,

em outra oportunidade, afirma: “Se o juiz tivesse a possibilidade de julgar o caso de acordo com a

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própria visão de mundo, subtraindo-se ao respeito ao Parlamento e ao Executivo, não existiria motivo

para o primeiro, de fazer as leis, para o segundo, de emanar regulamentos ou outras disposições com

força de lei. O juiz é, sim, autônomo em relação ao poder Executivo, mas é submetido, ainda que tão

somente, à lei” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 42).

20Calamandrei condiciona o exercício da discricionariedade à observância do espírito da Constituição:

“Io dico, concludendo, che anche se il legislatore rimane inerte, i giudici possono far sì che lo spirito

della Costituzione viva nelle loro sentenze: mettersi in diretto colloquio con essa, ascoltarla nei

suggerimenti; tradurla, giorno per giorno, nella realtà dei rapporti umani. Questo non vuol dire venir

meno al principio di legalità: ispirarsi alla Costituzione per rifiutarsi di applicare le vecchie leggi di

un’altra età o per introdurre nelle vecchie formule uno spirito nuovo, questo è per l’appunto il vero

legalitarismo democratico a cui deve essere vanto della Magistratura, diventata autonoma e libera di sè,

coraggiosamente ispirarsi” (CALAMANDREI, Piero. La funzione della giurisprudenza nel tempo

presente. In: CAPPELLETTI, Mauro (org). Opere Giuridiche. Napoli: Morano Editore, 1965, v. I, p.

616).

21PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 239-240.

22O Código Civil, por exemplo, menciona a palavra equidade como sinônimo de proporcionalidade nos

arts. 413 e 479, bem como nos parágrafos únicos dos arts. 738 e 944.

23REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 300-301.

24REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, cit., p. 301.

25Sobre a crítica da metodologia civil constitucional à concepção do ordenamento jurídico como

conjunto de microssistemas, veja-se PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidale

constitucional, cit., p. 209 e ss.

26PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 221. civil na legalidade

constitucional, cit., p. 221.

27CASTRO NEVES, José Roberto. Equidade (princípio da). In: TORRES, Ricardo Lobo et

alli. (org.). Dicionário de princípios jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 426.

28ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São

Paulo: Malheiros, 2004. p. 89.

29ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, cit., p. 103.

30ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, cit., p. 106.

31PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 228-229.

32FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Renovar: Rio de Janeiro, 2001. p. 1.

33TEPEDINO, Gustavo et alli. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de

Janeiro: Renovar, 2006. v. II, p. 821.

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34“La motivazione è dunque un discorso giustificativo costituito da argomenti razionali” (TARUFFO,

Michele. Considerazioni su prova e motivazione. Revista de Processo, São Paulo, a. 32, n. 151, set.

2007, p. 237).

35BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao

Estado de Direito. Temas de direito processual. 2a série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 88.

36TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit., p. iv.

37É o que também se colhe da seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementada:

“Processo civil. Sentença. Motivação. Inexistência. Nulidade. Art. 458, II, CPC. I. Nula é a sentença

completamente desprovida de fundamentação. II. Bem diversa da sentença com motivação sucinta é a

sentença sem fundamentação, que agride o devido processo legal e mostra a face da arbitrariedade,

incompatível com o judiciário democrático” (STJ, 4a T., REsp 18.731/PR, Rel. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira, j. 25.02.1992).

38Conforme destaca Carlos Konder, não se pode deixar de ter em vista “como é ilusória a premissa de

que o rigor com relação à atuação do intérprete seja garantia de segurança jurídica, uma vez que não

elimina, mas apenas disfarça a liberdade existente nos casos em que falte a regra específica. Constata-se

que é mais seguro forçar o intérprete a assumir, explicitamente, as escolhas realizadas, os caminhos

trilhados, como forma de, argumentativamente, ser submetido ao controle democrático de legitimidade

da decisão. Assim, esta será verificada, com base em postulados de razoabilidade e proporcionalidade, no

tocante à sua harmonia para com o sistema do ordenamento como um todo, enfim, com a Constituição”

(Qualificação e coligação contratual, cit., p. 84-85).

39O termo foi criado pelo professor da Universidade de Helderberg, Erik Jayme, no âmbito do direito

internacional, a fim de destacar a necessidade de se utilizar de diversas fontes normativas para conferir

tutela privilegiada aos direitos humanos. Nas palavras do professor, diálogo das fontes significa “que

decisões de casos da vida complexos são hoje o somar, o aplicar conjuntamente, de várias fontes

(Constituição, Direitos Humanos, direito supranacional e direito nacional). Hoje não mais existe uma

fixa determinação de ordem entre as fontes, mas urna cumulação destas, um aplicar lado a lado. Os

direitos humanos são direitos fundamentais, mas somente às vezes é possível deles retirar efeitos

jurídicos precisos” (JAYME, Erik. Entrevista com o Professor Erik Jayme. Revista Trimestral de Direito

Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 3, jul.-set. 2000, p. 292).

40MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um

tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à

coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012. p. 19-20.

41MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito, cit., p.

20-21.

42“Nesse sentido, alerte-se que o método do diálogo das fontes, por respeito aos valores constitucionais e

direitos humanos que lhe servem de base, não deve, por exemplo, ser usado para retirar direitos do

consumidor: o diálogo só pode ser usado a favor do sujeito vulnerável, ou se transformará em analogia in

pejus. A luz que ilumina o diálogo das fontes em direito privado é (e deve ser) sempre constitucional,

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valores dados e não escolhidos pelo aplicador da lei – daí por que o resultado do diálogo das fontes só

pode ser a favor do valor constitucional de proteção dos consumidores” (MARQUES, Cláudia Lima. O

“diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito, cit., p. 61).

43Nesse sentido, afirma Gustavo Tepedino: “A proteção jurídico do consumidor, nesta perspectiva, não

pode ser estudada senão como um momento particular da ordem pública constitucional, que tem por

objetivo maior a tutela da personalidade e dos valores existenciais” (Os contratos de consumo no

Brasil. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. II, p. 124).

44Sobre a unidade do valor e a multiplicidade de seus aspectos, confira-se: PERLINGIERI, Pietro. O

direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 325.

45PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 219. Ainda segundo o

mesmo autor, “a interpretação ou é sistemática (a trezentos e sessenta graus) ou não é interpretação”

(PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 210).

46Essa é, precisamente, a lição de Gustavo Tepedino: “No que tange aos conflitos de leis no tempo, não

basta, contudo, a invocação do texto constitucional isoladamente considerado, devendo ter-se em conta o

conjunto de valores e princípios que, postos no ápice do sistema normativo, permitem a superação de

aparentes antinomias, mormente quando se apresentam em colisão mais de um interesse

constitucionalmente tutelado” (TEPEDINO, Gustavo. A noção de direito adquirido no diálogo das

fontes: um ensaio na perspectiva civil constitucional. In: MARQUES, Cláudia Lima; ARAUJO, Nadia de

(org.). O novo direito internacional – estudos em homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar,

2005. p. 128).

47E, como leciona Pietro Perlingieri: ou o ordenamento é uno, ou não é ordenamento (TEPEDINO,

Gustavo. O direito civil constitucional e suas perspectivas atuais. Temas de direito civil. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009. t. III, p. 28).

48“Pode-se (...) invocar prazo decadencial mais vantajoso ao consumidor previsto no Código Civil,

tratado internacional do qual o Brasil seja signatário ou outra lei ordinária (art. 7º, caput, CDC) (...). Sob

a vigência do Código Civil de 1916, o STJ, em mais de uma oportunidade, aplicou a disciplina mais

vantajosa do Código Civil em relação ao Código de Defesa do Consumidor, notadamente em relação aos

prazos decadenciais e prescricionais (...). A conclusão, portanto, é no sentido da possibilidade de mistura

de regime entre direitos previstos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para conferir

proteção maior ao consumidor” (BESSA, Leonardo Roscoe et alli. Manual de direito do consumidor.

São Paulo: RT, 2008. p. 166-167). No mesmo sentido: MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN,

Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno.Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. rev.,

atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 430.

49Trecho do voto vencido da Ministra Nancy Andrighi em: STJ, REsp 782.433, Rel. p/ acórdão Min.

Sidnei Beneti, j. 04.09.2008.

50TEPEDINO, Gustavo. A aplicabilidade do Código Civil nas relações de consumo: diálogos entre o

Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. In: LOTUFO, Renan; MARTINS, Fernando

Rodrigues; MORATO, Antonio Carlos (org.). 20 anos do Código de Defesa do Consumidor: conquistas,

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desafios e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 87. Destacando a natureza especial do CDC em

relação ao Código Civil, confira-se, ainda, SCHREIBER, Anderson. A decadência da prescrição? Direito

civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 85.

51De acordo com Clóvis Bevilaqua, “A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta

pela necessidade de certeza nas relações jurídicas (...). Tolhe o impulso intempestivo do direito

negligente, para permitir que se expandam as forças sociais, que lhe vieram ocupar o lugar vago. E nem

se pode alegar que há nisso uma injustiça contra o titular do direito, porque, em primeiro lugar, ele teve

tempo de fazer efetivo o seu direito, e, por outro, é natural que o seu interesse, que ele foi o primeiro a

desprezar, sucumba diante do interesse mais forte da paz social” (BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do

direito civil. 7. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1955. p. 269).

52TEPEDINO, Gustavo. Prescrição aplicável à responsabilidade contratual: crônica de uma ilegalidade

anunciada. RTDC, Rio de Janeiro: Padma, v. 37, jan.-mar. 2009, p. v.

53CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo: uma revisita conceitual. In: BUSTAMANTE,

Ricardo; SODRÉ, Paulo César. Ensaios jurídicos: o direito em revista. 1997. v. III, p. 382, grifos no

original.

54CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo, cit., p. 388.

55CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo, cit., p. 389.

56CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo, cit., p. 392.

57CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo, cit., p. 394.

58PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 35. Em outra passagem,

complementa o autor: “A saída de emergência se realiza construindo uma justiça civil afastada das

lógicas contingentes e patológicas, que redescubra uma ampla unidade de valores a realizar, no respeito

ao princípio da legalidade que, fundamento da autonomia e da independência dos juízes, é também seu

imperativo categórico” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 36).

59Sobre a distinção entre ativismo judicial e judicialização da política, confira-se: BARROSO, Luís

Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em:

<http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 13

abr. 2013.

60VIEIRA, José Ribas; SILVA, Alexandre Garrido. Justiça transacional, direitos humanos e seletividade

do ativismo judicial no Brasil. Revista da Faculdade de Direito Cândido Mendes, Rio de Janeiro, n. 13,

dez. 1996, p. 56.

61PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 10.

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4

UNIDADE DO ORDENAMENTO NA PLURALIDADE DAS FONTES:

UMA CRÍTICA À TEORIA DOS

MICROSSISTEMAS

Felipe Ramos Ribas Soares

Louise Vago Matieli

Luciana da Mota Gomes de Souza Duarte

Sumário: 1. Introdução – 2. Unidade e complexidade do ordenamento. Hierarquia de fontes e valores – 3. Crítica à teoria dos

microssistemas e às interpretações setoriais – 4. Crítica ao Projeto de Código Comercial: a importância dos princípios e dos valores no

“recoser” do Direito Comercial – 5. O Código de Defesa do Consumidor e o diálogo das fontes: 5.1 A teoria do diálogo das fontes; 5.2

O diálogo das fontes no âmbito do Direito do Consumidor; 5.3 Diálogo entre leis infraconstitucionais x unidade do processo

hermenêutico – 6. Conclusão.

1.INTRODUÇÃO

Reconhecendo a complexidade intrínseca ao sistema jurídico, composto por uma

infinidade de normas e fontes, a proposta da metodologia do Direito Civil constitucional é de

leitura e releitura permanente do direito civil à luz dos princípios e valores constantes do texto

constitucional.1 A busca pela reunificação do sistema, fragmentado em diversos textos

normativos infraconstitucionais, tem como premissa a centralidade e a supremacia da

Constituição, de onde todas as normas jurídicas retiram seu fundamento de validade.

Situada no ápice do ordenamento, a Constituição traz em seu bojo um projeto de sociedade

pautado em valores e princípios essenciais e dotados de força normativa. Suas normas, portanto,

condicionam diretamente não apenas o legislador ordinário, mas também o intérprete e o

aplicador do Direito, que devem buscar uma decisão coerente e em harmonia com o programa

constitucional.

O pressuposto de unidade do ordenamento jurídico afasta de antemão o estudo de estatutos

civis como microssistemas autônomos, ainda que se proponham a regular exaustivamente

matérias específicas. Isto porque a noção de microssistema autônomo fragmenta a lógica

unitária, na medida em que propõe interpretação e aplicação de normas ordinárias sem a

verificação do seu merecimento de tutela frente à Constituição, vale dizer, perdendo-se de vista

a necessária incidência direta da norma fundamental.2

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Reforçando a importância do estudo do Direito Civil dentro da perspectiva de um sistema

jurídico unitário, o presente artigo se propõe a analisar algumas regras do Projeto de Lei

1.572/2011, o qual, na contramão desta lógica, veda expressamente a aplicação de normas e

princípios externos ao Projeto de Código Comercial, a fim de reconstruir o Direito Comercial,

garantindo suposta segurança jurídica. A alegada revitalização acaba por se constituir em risco

de fragmentação do sistema, eis que o projeto limita a interpretação e a aplicação do Direito

Comercial às regras e normas previstas setorialmente, desconsiderando normas e princípios

implícitos ou explícitos no ordenamento, em especial, na Constituição.

Por fim, apresenta-se criticamente a teoria do diálogo das fontes, método alternativo de

solução de conflitos e supressão de lacunas que foi introduzido no Brasil e vem sendo

reiteradamente aplicado pelos Tribunais, sobretudo no âmbito do Direito do Consumidor. O

diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil ou outras leis especiais,

embora seja louvável por reconhecer a necessidade de concretização dos direitos fundamentais

do consumidor, perde de vista a noção de unidade do sistema e a premissa de força normativa da

Constituição.

2.UNIDADE E COMPLEXIDADE DO ORDENAMENTO. HIERARQUIA

DE FONTES E VALORES

O ordenamento jurídico é composto, necessariamente, por um complexo de normas. De

fato, as normas jurídicas nunca existem isoladamente,3 mas sempre em conjunto, no bojo do

qual se relacionam entre si. Contudo, não são apenas as normas jurídicas que integram o

ordenamento. Segundo Pietro Perlingieri, o ordenamento jurídico é reflexo direto das

características e costumes da sociedade que regula, pelo que “toda transformação da realidade

social interessa à ciência do direito”.4 Por conseguinte, o ordenamento não se esgota no Direito

Positivo,5 mas representa a totalidade da experiência jurídica.6

Atribuindo-se tal amplitude ao ordenamento jurídico, é fácil concluir pela sua

complexidade. O ordenamento é complexo porque possui diversas normas, mas, principalmente,

porque tais normas derivam de uma pluralidade de fontes normativas. Para Norberto Bobbio, a

complexidade do ordenamento reside na “multiplicidade de fontes”7 e o autor ressalta as

dificuldades em harmonizar, dentro de um sistema, regras de conduta de origens diferentes.

Independentemente de sua complexidade, o ordenamento jurídico, para que seja

considerado como tal, deve gozar de unidade. Esses dois aspectos – complexidade e unidade –

não se excluem;8 pelo contrário, são essenciais para a noção de sistema.9Admitir o ordenamento

jurídico como sistema implica afirmar a necessária observância da adequação valorativa em

todos os campos normativos, assim como a sua coerência e unidade interior.10

A dificuldade em se garantir a mencionada adequação valorativa se encontra, justamente,

na pluralidade das fontes normativas. Cada norma jurídica será um reflexo dos valores tidos

como relevantes pela sua fonte e, em um contexto de múltiplas fontes, a harmonização dos

valores inseridos em cada norma – os quais, muitas vezes, podem ser até mesmo antagônicos –

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é mais uma tarefa para o operador do Direito e está intimamente relacionada com a unidade do

ordenamento jurídico.

De fato, a unidade do ordenamento deriva da existência de uma norma fundamental, que

se apresenta como fator de validade das demais normas do sistema. Hans Kelsen, ao

desenvolver a sua Teoria Pura do Direito, esclarece que “é a norma fundamental que constitui a

unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas

as normas pertencentes a essa ordem normativa”.11 Portanto, sem a norma fundamental, ou, de

maneira mais abrangente, sem o elemento atributivo de unidade ao sistema, as normas jurídicas

seriam apenas um “amontoado, não um ordenamento”.12

A partir da concepção da norma fundamental, Hans Kelsen apresenta a teoria da estrutura

escalonada da ordem jurídica, segundo a qual as normas jurídicas não se encontram todas no

mesmo patamar. Haveria entre elas uma hierarquia, de modo que as normas inferiores

dependeriam, do ponto de vista da validade, das normas superiores. No topo da estrutura, como

norma superior máxima, a norma fundamental, que atribui validade a todo o ordenamento

jurídico. Hans Kelsen sustenta que, considerando-se a ordem jurídica do Estado, “a Constituição

representa o escalão de Direito positivo mais elevado”.13 A Constituição é a norma fundamental,

a norma hierarquicamente superior.

Partilha essa premissa Pietro Perlingieri, ressaltando, todavia, que a centralidade do

ordenamento na Constituição se justifica pela supremacia dos princípios ali inseridos.14 E não

poderia mesmo ser diferente, eis que os princípios constitucionais são aqueles que evidenciam a

identidade cultural de uma determinada sociedade.15 São estes os valores que mais se

aproximam dos anseios daquela comunidade,16 a tornar evidente que é em torno dos princípios

constitucionais que todo o ordenamento deve se unificar.

Exatamente por isso é que convém reconhecer não apenas a hierarquia de normas,

conforme concebida por Hans Kelsen, mas, igualmente, a hierarquia de valores, sendo certo

que, também neste ponto, a Constituição será a norma fundamental. A. Falzea, citado por Pietro

Perlingieri,17 esclarece:

(...) verdade porém que a hierarquia das fontes se reflete na hierarquia dos valores, no

sentido de que os valores constitucionais prevalecem sobre os valores legais justamente

porque postos pela fonte constitucional. É uma relação hierárquica entre a norma

constitucional e a norma ordinária a fundar a relação hierárquica entre o valor constitucional

e o valor comum.

O papel central e unificador da Constituição, bem como a posição hierarquicamente

superior dos seus valores, é a solução para a adequação valorativa de todo o arcabouço

normativo – requisito para a configuração de um sistema segundo Canaris.18 Tal questão ganha

especial relevo no ramo do Direito Civil.

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Isso porque, neste ramo, operou-se um processo de descodificação, em que o Código Civil,

antes soberano na regulação das relações privadas, perde o seu papel central em meio a novas

leis.

A fragmentação do sistema por conta da edição destas leis – que levou alguns

doutrinadores a defenderem a teoria dos microssistemas, como será visto adiante –, contudo,

não poderia significar a perda do fundamento unitário do ordenamento.19Afinal, viu-se que a

complexidade e a pluralidade de fontes normativas integram a própria noção de ordenamento.

Mostra-se necessário, pois, garantir a unidade do sistema e lidar com a “crise de fontes

normativas”, bem delineada por Gustavo Tepedino:20

A tal realidade histórica agrega-se, no tempo que passa, o conjunto de normas

supranacionais formada por tratados, convenções, pactos internacionais e regulamentos de

mercados regionais que suscita uma genuína crise de fontes normativas. Afinal, como agir o

intérprete diante do sistema fragmentado e o pluralismo tão acentuado de fontes, não raro de

difícil gradação hierárquica? E o quadro ainda se agrava, posteriormente, em face da

proliferação desmesurada da produção legislativa, estimulada pelos avanços da tecnologia e

por uma realidade econômica cada vez mais complexa, a reclamar novos mecanismos de

regulamentação.

Recorre-se, então, à norma fundamental, cujos valores são os hierarquicamente mais

relevantes no ordenamento jurídico: a Constituição. Se, antes, o Código Civil de 1916 assumira

o papel central do Direito Civil, atualmente é a Constituição que prevalece e se faz presente em

todas as relações jurídicas, inclusive, de direito privado.21

Essa nova concepção implica afirmar que a Constituição orientará a harmonização das

diversas fontes normativas, atribuindo-se unidade ao sistema e, simultaneamente, exigindo-se

que a observância de seus valores se faça presente quando da interpretação e aplicação de toda e

qualquer norma jurídica.22 E mais: o exercício das situações jurídicas subjetivas só será tutelado

pelo ordenamento jurídico não só se conformar, mas também se promover os princípios

constitucionais.

Neste passo, a centralidade trazida pela Constituição vai nortear a aplicação do Direito

com base nas circunstâncias do caso concreto, a fim de permitir que a solução jurídica mais

adequada seja buscada em todo o ordenamento jurídico – e não apenas naquele setor que, ab

initio, parecia regular a matéria. Pietro Perlingieri exemplifica a noção de ordenamento

unitário.23

Alguns direitos civis não encontram tutela, reconhecimento ou disciplina no Código Civil,

mas, por exemplo, no Texto Constitucional. Alguns direitos ou deveres, que no plano das

relações sociais e civis se traduzem em situações existenciais mesmo de relevância jurídica,

não encontram a sua disciplina no Código Civil, mas naquele Penal ou nas leis “especiais”

do Direito Administrativo. Daí a confirmação da unidade do ordenamento.

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Para a metodologia do direito civil constitucional, a unidade e a complexidade do

ordenamento jurídico assumem papel de verdadeiro fundamento, porquanto é com base nestas

premissas que se defende a “re(unificação) do sistema jurídico em torno dos valores

constitucionais”.24 Não se trata apenas de afirmar a aplicação direta e imediata das regras e

princípios constitucionais às relações privadas, o que também se defende, mas também de

reconhecer a necessidade de uma releitura dos institutos do Direito Civil – e de suas respectivas

normas jurídicas – à luz dos valores da Constituição.

Por conseguinte, percebe-se que não existem espaços de não incidência dos preceitos

constitucionais, muito menos em estatutos tidos como autônomos e autossuficientes do ponto de

vista axiológico, como será demonstrado adiante. Afinal, não é possível blindar nenhuma

legislação contra os princípios inseridos na Carta Magna. A Constituição é elemento atributivo

de unidade ao ordenamento jurídico e se espraia, sem exceção, por todos os seus campos

normativos.

3.CRÍTICA À TEORIA DOS MICROSSISTEMAS E ÀS

INTERPRETAÇÕES SETORIAIS

A teoria dos microssistemas foi desenvolvida por Natalino Irti, especialmente, em sua

obra L’età della decodificazione. Segundo Irti, o processo aberto pela multiplicação das leis

especiais acabou por gerar uma crise “da unidade sistemática do direito privado”.25 Isso porque,

com a multiplicação e consolidação das leis esparsas cada vez mais frequentes, o sistema

normativo que, na era liberal, encontrava-se gravitando no entorno do Código Civil, já não mais

poderia se remeter ao mesmo, em razão da especificação técnica dos estatutos e da ruptura

lógica dessas leis especiais.

Nas palavras de Natalino Irti:

(...) as leis especiais não representam mais como simples desenvolvimento do código civil,

mas são capazes de exprimir princípios autônomos e, portanto, fornecer meios de auto

integração do sistema: código civil e leis especiais se assemelham a corpos errantes,

dissolvidos em cada relação e conexão.26

Como consequência disso, reconhece Natalino Irti a necessidade de se reconstruir a

unidade do sistema privado, eis que o Código Civil já não reflete a lógica das leis especiais e

estatutos, possuidores de autonomia setorial, e passa a ter, nesse contexto, caráter residual. Tal

teoria aponta para a Constituição como centro garantidor de unidade sistemática, sendo esta

entendida como carta política que desenha um modelo de sociedade e estabelece programas e

critérios diretivos de atuação para o legislador ordinário, os quais se concretizam na elaboração

das leis especiais.27

Com efeito, diante do reconhecimento da existência de microssistemas, para esta teoria, a

interpretação, em razão da lógica e da autonomia de que se dotam, seria setorial, ou seja, a

interpretação e, consequentemente, a solução a ser encontrada pelo jurista deveria ser buscada a

partir do significado assumido dentro do setor específico técnico-linguístico em que se

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desenvolve a relação jurídica. Para a interpretação, portanto, seria prescindível a noção de

unidade do sistema, ou melhor, possuiria cada um dos microssistemas sua unidade própria.

Assim, o autor sustenta que o jurista não seria mais o “estudioso enciclopédico” do direito

privado, perdendo-se a noção global do sistema, mas se tornaria um técnico, um expert em

ramos específicos referentes às leis especiais, como consequência da quebra do saber jurídico

em razão da complexidade das relações jurídicas. O saber jurídico, então, seria parcial, focado

num determinado ramo do direito.

Nesse contexto, segundo Irti, do jurista seria esperado não mais decidir sobre o destino da

sociedade, escopo que não mais lhe compete, vez que superada a figura de saber total: ao jurista

somente se exige e se espera uma prestação técnica e específica.28

Destarte, a teoria dos microssistemas, muito embora tenha tido a percepção de perda da

centralidade do Código Civil como centro gravitacional do direito privado,29 traz diversas outras

inconsistências que vão de encontro à metodologia do direito civil constitucional. São as ditas

incongruências: o desconhecimento da noção de superioridade hierárquica da Constituição; a

desconsideração da unidade sistemática decorrente desta superioridade; e, por fim, a propositura

de um método interpretativo não condizente com tais premissas.

A Constituição, para a metodologia civil constitucional, não se resume a um mero

conjunto de normas programáticas – premissa da qual parte o entendimento da teoria dos

microssistemas –, mas, ao contrário, possui plena eficácia normativa, autoaplicável em qualquer

relação jurídica, vez que os valores constitucionais estão no vértice axiológico e hierárquico do

ordenamento, não podendo ser resumidos a papéis subsidiários no sistema.30

A interpretação, portanto, tendo em vista a centralidade da Constituição e dos valores

plasmados no ápice axiológico do sistema, não pode ser setorial, assumindo diferentes

significados de acordo com a lógica em que se encontra o intérprete: rejeita-se a proposta da

teoria dos microssistemas em que o jurista seria convertido num conhecedor específico, sem

preocupação com o projeto constitucional da sociedade.

Muito ao contrário, em decorrência da supremacia e da normatividade da Constituição, o

papel do jurista é justamente concretizar mais satisfatoriamente os mandamentos

constitucionais, tendo em vista o complexo de valores que formam a sociedade, conforme

adverte Pietro Perlingieri:31

A técnica legislativa não é uma variável do quadro constitucional e não é suscetível de

autolegitimar legislações de setores a tal ponto de assumir o papel de direito geral de uma

inteira matéria, à falta de um projeto global. Projeto que, se não aparece em nível legislativo,

deve ser captado no constante e tenaz trabalho do intérprete voltado para individualizar os

princípios à base da legislação chamada especial, reconduzindo-os, também no plano da sua

legitimidade, à unidade do sistema.

Com efeito, percebe-se que a propositura de um método interpretativo setorial torna-se

insuficiente para revelar o verdadeiro significado da norma, já que uma interpretação que não

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seja sistemática não é capaz de compreendê-la na unidade e na complexidade do ordenamento.

Afinal, a norma nunca está sozinha, mas existe e exerce a sua função dentro do ordenamento e o

seu significado muda com o dinamismo e a complexidade do próprio ordenamento.32

Assim, na metodologia do direito civil constitucional, a interpretação deve ser feita em seu

parâmetro sistemático, exigindo a sua compreensão, não como um prius, mas como

um posterius, em sua unidade, bem como levando em consideração os valores axiológicos

plasmados no ápice normativo, ou seja, na Constituição.33

Nesse contexto, o intérprete deve buscar a norma mais adequada ao caso concreto na

totalidade do ordenamento, ou seja, não é atividade a ser realizada no âmbito do microssistema,

vez que o mesmo não possui autonomia e não é concebível separadamente do ordenamento no

seu conjunto. A teoria da interpretação, portanto, assume, em um sistema complexo, a função de

individuar a normativa a ser aplicada ao caso concreto, combinando e coligando disposições

legais, extraindo do caos legislativo a solução mais congruente com os valores

constitucionalmente tutelados.34

Além disso, adverte Gustavo Tepedino sobre o risco de se ter um jurista não

comprometido com o projeto global de sociedade: tal perspectiva oferecida pela teoria dos

microssistemas admite a fragmentação a tal ponto que permitiria a convivência de universos

legislativos isolados, sob a égide de princípios e valores díspares e até mesmo antagônicos e

conflitantes, ao sabor de pressões econômicas e mercadológicas não condizentes com o plano

definido constitucionalmente.35

Rechaça-se, dessa forma, a noção de que a interpretação deve ocorrer de forma setorial,

dado que, de um lado, não se reconhece a incidência direta dos valores constitucionais, indo de

encontro, destarte, ao papel reunificador do sistema.36 De outro lado, prescinde da necessidade

de o jurista ter em mente o projeto global da sociedade, como forma de garantir a unidade do

sistema, concretizando-se, dessa forma, os valores constitucionalmente protegidos e tutelados

pelo ápice axiológico e normativo do sistema jurídico.

4.CRÍTICA AO PROJETO DE CÓDIGO COMERCIAL: A

IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS E DOS VALORES NO “RECOSER”

DO DIREITO COMERCIAL

Encontra-se em processo de tramitação na Câmara dos Deputados Projeto de Lei que

disciplina, no âmbito do direito privado, a organização e a exploração da empresa. Trata-se do

Projeto de Lei 1.572/2011, proposto pelo Deputado Federal Vicente Cândido visando à

instituição de um novo Código Comercial.37

Autor da minuta que veio a se tornar o projeto proposto pelo Deputado Vicente Cândido,

Fábio Ulhoa Coelho explica que a nova codificação se faz necessária em razão da maturação do

processo de desenvolvimento econômico brasileiro. Isso tornaria as relações econômicas com as

quais se deparam os comercialistas muito mais complexas, de modo que as respostas dadas pela

atual legislação empresarial seriam consideradas inadequadas às novas relações jurídicas

comerciais estabelecidas.38

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Mais do que isso, Fábio Ulhoa Coelho propõe, com base na cultura jurídica brasileira,

enriquecida pela inserção dos princípios – entendidos como regras de conduta cujo âmbito de

incidência é extenso, de modo a servirem de elementos transformadores da interpretação,39 – a

revitalização do Direito Comercial, com a centralidade dos princípios na argumentação jurídica

também nesta seara. O estudo específico dos princípios relacionados ao Direito Comercial,

segundo o autor, reduziria a insegurança das relações comerciais e garantiria a previsibilidade

das decisões judiciais.40

Diante disso, é apresentado o Projeto de Código Comercial, cuja proposta, segundo Fábio

Ulhoa Coelho, é a de auxiliar no processo de “recoser” dos valores da disciplina, como

instrumento para revitalização do Direito Comercial, por meio de sua impregnação por

princípios.41

Nesse contexto, prevê o Projeto de Lei 1.572/2011, em seu art. 4º, que o Direito Comercial

é composto dos seguintes princípios: (i) liberdade de iniciativa; (ii) liberdade de competição; e

(iii) função social da empresa.42

Em seguida, o art. 8º do referido projeto fecha o sistema do Direito Comercial, na medida

em que afasta a possibilidade de invocar qualquer outro princípio explícito ou implícito que

venha a impedir a aplicação do Código Comercial nas relações empresariais.43-44

Com efeito, o que se identifica, diante desse Projeto de Código Comercial é a intenção de

se formar um microssistema do Direito Comercial,45 com uma lógica autônoma e própria frente

ao Direito Civil, resultando, como consequência, numa interpretação setorial deste ramo do

conhecimento jurídico, sem admitir a busca de outros valores e princípios que não os

explicitamente expostos no art. 4º do Projeto de Código Comercial.

Tal visão, entretanto, baseada num Direito Comercial fechado, imune à incidência de

outros valores que não os previstos positivamente no próprio Projeto de Lei e, portanto,

supostamente completo em si mesmo, revela-se inconsistente em termos sistemáticos. Um

sistema concebido como ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos é

necessariamente aberto, e não fechado, porque o conhecimento científico é incompleto e a

evolução histórica importa na mutabilidade dos valores jurídicos fundamentais.46

Com efeito, mostra-se inadequada a elaboração de um Projeto de Código Comercial que

vede a priori a incidência de valores e princípios não expressamente nele previstos, já que dessa

forma eleva-o à lógica de um sistema autônomo, o qual entra em contradição com a estrutura

global do quadro constitucional.47 Além disso, impede que a evolução do pensamento jurídico

aponte para soluções outras, não previstas expressamente no Código, ou, ao menos, tenta

engessar o intérprete na inserção de novos valores.

Não bastasse a inconsistência lógica e sistemática criada, a visão setorial e fechada, por

exemplo, tornaria por afastado das relações comerciais o princípio da dignidade humana,

previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal. Ou seja, “o valor guia de um processo de

releitura dos mais variados setores do direito”48 não poderia ser invocado para a interpretação

das relações empresariais, por força do art. 8º do Projeto de Código Comercial, que isola a

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incidência de valores que não sejam referentes à livre iniciativa, à livre concorrência e à função

social da empresa.

Não obstante a primeira séria contradição criada pelo art. 8º do Projeto de Código

Comercial face ao texto constitucional, vale acrescentar que a própria Constituição Federal, no

art. 170, tratando da ordem econômica, impõe a conjugação da livre iniciativa à valoração do

trabalho humano, com o “fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social”.49 Além disso, ao elencar, nos incisos do dispositivo, os princípios que regem a

ordem econômica, percebe-se que a livre concorrência deve ser balanceada por valores como a

busca pelo pleno emprego ou a finalidade de redução das desigualdades sociais.

Em outras palavras, a própria Constituição prevê a incidência de normas de cunho

valorativo da pessoa em relações de mercado e/ou empresariais, que, mesmo sendo basicamente

patrimoniais, não podem abandonar a proteção da dignidade da pessoa humana.

Ainda em sede constitucional, verifica-se que um dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil é exatamente buscar a redução das desigualdade sociais e regionais, de

modo que, impõe-se ao direito, a função de promoção desses objetivos, por meio de

mecanismos que incentivem comportamentos que estejam de acordo com o mandamento

constitucional.50

Conclui-se, nessa toada, que, partindo de uma noção unitária e complexa de sistema, nem

mesmo nas relações empresariais, ao argumento de se tratar de relações jurídicas unicamente

patrimoniais e específicas, é possível afastar a incidência de valores constitucionais,51 sob pena

de suplantar a unidade do ordenamento, bem como subverter a ordem hierárquica.52 Assim, a

tentativa do art. 8º do Projeto de Código Comercial de promover o fechamento das relações

empresariais a princípios não previstos no art. 4º do mesmo Projeto encontra-se em clara afronta

ao texto constitucional.

Portanto, só se pode concluir que o art. 8º do Projeto de Lei 1.572/2011 é inconstitucional,

na medida em que não se sustenta sistematicamente e contradiz o disposto nos arts. 1º, 3º e 170

da Constituição Federal.

Ainda tentando justificar a necessidade de uma interpretação setorial, por meio do

desenvolvimento próprio do microssistema empresarial, Fábio Ulhoa Coelho aduz que a

interpretação dos contratos comerciais sob a égide das normas do Código Civil seria

incompatível, o que induziria à destacada imprevisibilidade das decisões judiciais e à

insegurança jurídica que afeta o trâmite das relações comerciais.53

Entretanto, a tentativa de alcançar a segurança jurídica não pode passar pela imposição de

um microssistema imune aos mandamentos constitucionais. Aponta-se, então, como saída, a

mudança de perspectiva: mais do que a busca incessante pela criação de um novo Código

Comercial, como forma de regular específica e positivamente as relações jurídicas em busca da

garantia da segurança jurídica das relações empresariais, o que se deve ter em mente é o

pensamento sistemático que parta da Constituição e não se feche na existência de um setor ou de

um microssistema isolado, permitindo-se a incidência dos valores e princípios constitucionais

também nas relações entre empresários.

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Assim, tem-se como benvinda a propositura de “recoser” do Direito Comercial,

impregnando-o de princípios. Tais princípios, contudo, não podem se resumir àqueles

enumerados no próprio corpo do Projeto 1.572/2011, mas deve-se buscar que tal setor seja

permeado por princípios e valores constitucionais, dotando-o de legislação mais aberta ao

intérprete, que permita a sua busca pela solução correta, superando-se o silogismo formalista do

método subsuntivo.54 Nesse sentido, inclusive, essa busca encontra amparo na metodologia do

direito civil constitucional, visto que esta tem por premissa básica a incidência de valores

constitucionais em todas as situações jurídicas na busca pela solução correta dentro da

complexidade do ordenamento.

Chega-se, então, à exata noção de que mais do que o debate sobre a necessidade ou não da

existência de uma nova legislação, o Direito Comercial precisa ser “recosido” a ponto de

permitir a incidência de valores constitucionais em suas relações e não negar a sua incidência,

conforme previsão do art. 8º do Projeto de Código Comercial. Tal incidência, decorrente da

própria unidade do ordenamento, prescinde da existência de uma nova codificação.

Logo, necessário que se tenha em mente a vinculação do Direito Comercial aos valores

constitucionais, o que não se dá de forma estanque, ou seja, os valores não são diferenciados de

acordo com os setores civil, empresarial ou consumerista: haverá a incidência da normativa

constitucional, até mesmo pela hierarquia desses valores, em toda a ordem jurídica. E, ao

intérprete do caso concreto, caberá revelar qual dos valores deverá se sobressair tendo por base

a promoção dos valores constitucionais e, em última análise, a proteção e a promoção da tutela

da pessoa humana.55

5.O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O DIÁLOGO DAS

FONTES

5.1A teoria do diálogo das fontes

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591,56 que versou sobre a

caracterização da prestação de serviços bancários como relações de consumo, em 07.06.2006, o

Ministro Joaquim Barbosa proferiu seu voto mencionando a seguinte passagem:

Entendo que o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do

consumidor podem perfeitamente conviver. Em muitos casos, o operador do direito irá

deparar-se com fatos que conclamam a aplicação de normas tanto de uma como de outra

área do conhecimento jurídico. Assim ocorre em razão dos diferentes aspectos que uma

mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos âmbitos normativos

de diferentes leis.

Além do processo de descodificação que se operou no Direito Civil, já debatido, alguns

autores passaram a discutir as consequências da chamada fase da pós-modernidade57 no plano

jurídico. Segundo o jurista argentino Ricardo Lorenzetti, vivenciamos hoje um período histórico

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de “big bang legislativo”, consistente na intensa e descoordenada produção de normas jurídicas

que inaugura a “era da desordem”, reflexo do chamado pluralismo pós-moderno.58

Diante desta pluralidade de fontes normativas, muitas vezes os comandos normativos

ordinários se mostram contraditórios e conflitantes entre si. Essa era a realidade no direito

comunitário europeu, por exemplo. Tal situação foi motivo de preocupação do jurista Erik

Jayme, especialista em Direito Internacional Privado, e seus estudos tinham por objetivo

harmonizar, para o bem da comunidade estabelecida, o direito interno dos países integrantes da

União Europeia.

Neste contexto, buscava o autor, ainda na década de 1990, uma visão unitária e coerente

do Direito Internacional, congregando-se normas do direito interno e externo para promoção dos

direitos humanos,59 considerados valores maiores e fundantes da ordem internacional. De

acordo com os adeptos da teoria no âmbito internacional, somente com o “diálogo” torna-se

possível que as convenções internacionais, as constituições, os sistemas nacionais e os direitos

do homem não se excluam e conversem entre si, devendo o aplicador do direito coordenar estas

fontes, “escutando o que elas dizem”.60

Em entrevista dada à Revista Trimestral de Direito Civil, Erik Jayme esclarece:61

O “diálogo das fontes” significa, que decisões de casos da vida complexos são hoje o somar,

o aplicar conjuntamente, de várias fontes (Constituição, Direitos Humanos, direito

supranacional e direito nacional). Hoje não mais existe uma fixa determinação de ordem

entre as fontes, mas uma cumulação destas, um aplicar lado a lado. Os direitos humanos são

direitos fundamentais, mas somente às vezes é possível deles retirar efeitos jurídicos

precisos.

Visualizando, na teoria de Erik Jayme, uma solução para afastar eventuais antinomias do

sistema, Cláudia Lima Marques importou o diálogo das fontes para o Direito Brasileiro. O

objetivo é buscar uma aplicação coerente e eficiente das múltiplas normas jurídicas, vencendo-

se as aludidas antinomias, as incompatibilidades e as contradições no momento de aplicação do

direito. Defende-se, portanto, uma necessária coordenação entre as leis que integram o

ordenamento, tendo como objetivo central a busca por um sistema eficiente e justo.

A teoria, ou método, propõe uma aplicação coordenada e simultânea das diferentes fontes

normativas e a incidência de mais de uma lei a uma mesma situação jurídica, abdicando das

soluções clássicas para incompatibilidade absoluta entre as normas jurídicas, vale dizer, os

critérios temporal, hierárquico e especial.

Enquanto tradicionalmente os conflitos de leis eram resolvidos por estes critérios que

implicam ab-rogação, derrogação e revogação, sempre com a prevalência de uma lei sobre

outra, a teoria do diálogo das fontes busca coerência e unidade no sistema a partir de uma

solução dita sistemática, mais flexível e fluida. Logo, a ideia é que as normas potencialmente

aplicáveis à hipótese “dialoguem” e sejam aplicadas concomitantemente, ganhando conteúdo

que seja coerente com o sistema unitário. Nas palavras de Claudia Lima Marques, “aplicar a lei,

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com olhos de afastar uma e priorizar outra, é uma visão reducionista das possibilidades de

aplicação das leis hoje, se conhecemos o método criado por Erik Jayme, um importante

instrumento para a solução justa dos casos”.62

5.2O diálogo das fontes no âmbito do Direito do Consumidor

Como se expôs, no Brasil, a teoria de Erik Jayme foi introduzida pela jurista Claudia Lima

Marques, que desenvolveu um método de interpretação fundado na coordenação de diferentes

fontes normativas. A proposta da autora é de restaurar a coerência do sistema, a fim de permitir

a aplicação conjunta e harmoniosa com influências recíprocas de todas as fontes do direito. De

acordo com Claudia Lima Marques, o diálogo proposto entre diferentes normas poderia se dar

de forma complementar, subsidiária ou, ainda, permitindo às partes que optem pela fonte

prevalente. Permite-se, também, o diálogo de interpenetração ou aquele que ofereça a solução

mais favorável à parte mais fraca da relação.63

Especialista no ramo do Direito do Consumidor, a referida jurista brasileira defende a

necessidade de aplicação da teoria no âmbito das relações de consumo, o que, segundo seu

entendimento, asseguraria uma tutela especial e digna à pessoa humana, nos termos dos

dispositivos constitucionais que impõem a proteção diferenciada do consumidor. A partir daí,

são apresentados três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor – enquanto lei

anterior, especial e com previsão constitucional – e o Código Civil de 2002 – lei posterior, geral

e hierarquicamente inferior. De igual modo, admite a autora também o diálogo entre o Código

de Defesa do Consumidor e outra Lei especial, visando assegurar sempre a aplicação do

ordenamento em favor dos consumidores.

O primeiro tipo de “diálogo” entre o Estatuto Consumerista e a Lei Civil seria o chamado

diálogo sistemático de coerência, no sentido de que uma pode servir de base conceitual para

outra, sobretudo se uma for norma geral e a outra especial. Outro diálogo possível seria o de

complementaridade e subsidiariedade, quando uma lei complementa a aplicação de outra,

evitando-se, assim, a ab-rogação clássica em que uma lei deveria ser excluída do sistema pela

outra. O terceiro diálogo seria o de coordenação e adaptação sistemática, em que se verificariam

influências recíprocas, com aproveitamento inclusive da jurisprudência e interpretação

doutrinária desenvolvidas em relação a uma lei, para o campo de aplicação da outra.64

Aqueles que se filiam a esta corrente apontam o art. 7º do Código de Defesa do

Consumidor65 como dispositivo que expressamente prevê a aplicação da teoria do diálogo das

fontes às relações de consumo, eis que sugere que as leis não devam ser interpretadas isolada e

literalmente, mas sim de modo a materializar os fins sociais a que se destinam.

De fato, do ponto de vista constitucional, a proteção ao consumidor é considerada direito

fundamental, de forma que a norma em desacordo com outras que tenham implementado a

mencionada defesa não deverá prevalecer, diante da força normativa que emana da

Constituição, hierarquicamente superior. No entanto, algumas considerações são necessárias a

respeito do método do diálogo das fontes, que se propõe a dirimir conflitos de leis, sanar

lacunas e concretizar os valores constitucionais, buscando convivência harmônica entre diversas

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fontes legais. Embora seja evidente a relevância da teoria para o reconhecimento da unidade do

ordenamento enquanto sistema, é necessário que se analise a compatibilidade de sua aplicação

dentro da metodologia do Direito Civil Constitucional.

5.3Diálogo entre leis infraconstitucionais x unidade do processo hermenêutico

O fundamento apresentado por adeptos da aplicação da teoria no âmbito das relações de

consumo é, geralmente, no sentido de que a Lei 8.078/1990 necessita do Código Civil como

base conceitual e, ademais, de que existem direitos do consumidor previstos em outras normas

que não o Estatuto Consumerista, tais como a Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), a Lei de

Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/1964), a Lei de Atividades Bancárias (Lei 4.595/1964)

etc. Assim, a proposta é de aplicação simultânea das diferentes normas eventualmente em

conflito a fim de compatibilizar a solução com os direitos constitucionais envolvidos.66

Com efeito, muito embora a teoria do diálogo das fontes reforce, ao final, a unidade do

sistema, o seu pressuposto, ou seu ponto de partida, é uma divisão estanque entre as leis,

entendidas como microssistemas. Afinal, apenas ao se verificar a incompatibilidade entre as leis

– as chamadas antinomias – é que o diálogo das fontes se faz presente, sendo certo que a

solução encontrada também dar-se-á no âmbito da legislação infraconstitucional. Ocorre que a

decisão do caso concreto é resultado de aplicação de todo o ordenamento jurídico e não de uma

ou mais normas, ainda que combinadas.

A metodologia do direito civil constitucional, por sua vez, pressupõe a existência de um

ordenamento jurídico complexo e uno, centrado nos valores constitucionais constantes de um

texto de Constituição com força normativa. A partir deste estudo do Direito Civil do ponto de

vista constitucional, conclui-se que o aplicador do direito, no momento de individualizar a

normativa aplicável ao caso concreto, deve voltar os olhos para o centro do ordenamento, vale

dizer, a Constituição, focando nos princípios e valores que devem iluminar a solução para o

litígio.

Além do mais, o processo interpretativo deve ser feito sem separação dos sistemas

normativos em nível ordinário e constitucional. A Constituição deve ser interpretada, portanto,

como fonte primária de todas as normas jurídicas, sem que se possa descurar da necessária

unidade do processo hermenêutico, sob pena de se incidir na lógica dos microssistemas.67

Assim, a aplicação direta da Constituição e seu papel como fundamento de validade de

todas as normas esvazia de utilidade a teoria do diálogo das fontes, que se prende à

comunicação entre normas infraconstitucionais como forma de solução de litígios e supressão

de lacunas. Ainda que o objetivo seja de concretização dos direitos humanos e fundamentais,

aparentemente, o método desvia o foco para o direito ordinário quando, na verdade, o processo

interpretativo parte diretamente da Constituição.

Vale dizer, são as normas constitucionais que devem guiar o processo hermenêutico, de

modo que não cabe às partes optar pela fonte prevalente. Esta prevalência será fruto da

interpretação da Constituição Federal e da legislação ordinária à sua luz.

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A título de exemplo, cita-se a decisão proferida no Recurso Especial 1.037.759/RJ,68 em

que a relatora, Ministra Nancy Andrighi, mencionando expressamente a teoria do diálogo das

fontes, proferiu voto vencedor condenando plano de saúde e hospital a indenizar, por dano

moral, uma criança de 3 (três) anos pela recusa na realização de exames radiológicos prescritos

por profissional habilitado. Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro havia

negado a referida reparação sob o argumento de que a pessoa em tão tenra idade não teria

condições de entender e se abalar moralmente com os fatos.

Para fundamentar a decisão, a Relatora cita dispositivos da Lei 8.069/1990, que protege os

direitos fundamentais de crianças e adolescentes, o Código Civil, que prevê o início da

personalidade com o nascimento e a Constituição Federal, que institui o princípio da dignidade

humana, além do próprio Código de Defesa do Consumidor, que prevê a efetiva reparação do

dano. Apesar de acertados a decisão e os fundamentos jurídicos apresentados, mostra-se

evidente que a proteção constitucional da saúde e dignidade da pessoa humana, bem como a

tutela integral do consumidor são os fundamentos diretos para o direito à reparação moral neste

caso.

No mínimo, é possível afirmar que o recurso à teoria do diálogo das fontes seria

desnecessário no caso destacado. É que a solução encontrada seria a mesma se se tivesse

buscado diretamente na Constituição Federal a resposta para o caso concreto. A imperativa

observância do princípio da dignidade da pessoa humana já teria o condão de atrair a aplicação

de tantas normas fossem preciso para garantir a melhor tutela jurídica para aquele indivíduo.

Da mesma forma, ao decidir que as atividades bancárias se sujeitam à aplicação do Código

de Defesa do Consumidor, os Ministros julgadores da Ação Direta de Inconstitucionalidade

2.591 aplicaram diretamente a norma insculpida no art. 170, V, da Constituição, que prevê a

defesa do consumidor como princípio da atividade econômica, dentro da qual a atividade

bancária se insere. A convivência das normas do sistema financeiro com o Código de Defesa do

Consumidor não decorre de diálogo entre estas fontes, mas, sim, de imperativo constitucional de

tutela específica do consumidor nas atividades econômicas.

6.CONCLUSÃO

Complexo e unitário, o ordenamento jurídico demanda harmonização de sua pluralidade

de fontes normativas que, muitas vezes, privilegiam diferentes valores. A atribuição do papel de

norma fundamental à Constituição apresenta-se como solução para tal atividade harmonizadora,

uma vez que seus princípios e valores, hierarquicamente superiores, sujeitam à validade todas as

demais normas que compõem o ordenamento.

A metodologia do direito civil constitucional preceitua que a Constituição tem aplicação

direta e imediata nas relações jurídicas de direito privado, sendo certo que seus princípios e

valores devem ser observados ao se buscar a normativa do caso concreto. Como os preceitos

constitucionais se espraiam, obrigatoriamente, por todo o ordenamento jurídico, não se pode

cogitar de espaços imunes à sua incidência.

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Exatamente por isso a teoria dos microssistemas, exposta neste artigo, se mostra

insuficiente, pois revela uma noção de sistema fechado, cujos fundamentos de validade e

processo hermenêutico se esgotariam em si.69

De fato, a interpretação setorial, consequência lógica de se reconhecer um microssistema,

acaba por negar a unidade do ordenamento jurídico. Esta é a crítica feita, neste estudo, ao

Projeto de Lei 1.572/2011, que tem por objeto um novo Código Comercial. Sob a justificativa

de preservar as relações comerciais e lhes atribuir maior segurança jurídica, os redatores do

Projeto de Lei pretenderam criar um microssistema imune a qualquer outro princípio que não os

seus próprios.

Vale dizer, na proposta do Projeto de Código Comercial, os princípios constitucionais não

poderiam ser invocados para afastar a aplicação de qualquer disposição daquela lei, muito

embora sejam hierarquicamente superiores. Exatamente nesses termos que se sustenta a

inconstitucionalidade de um dispositivo tal qual o art. 8º do Projeto de Lei 1.572/2011.

Com efeito, o Projeto de Código Comercial encontra-se na contramão da concepção de

ordenamento uno atualmente difundida. Em vez de se buscar a segurança jurídica por meio da

aplicação de apenas três princípios, aqueles elencados no Projeto de Lei, mais efetiva seria a

releitura dos institutos do Direito Comercial à luz da Constituição, permitindo-se a constante

atualização de suas regras por meio de um sistema aberto.

De outra ponta, o entendimento do ordenamento jurídico como sistema complexo e

unitário esvazia também a teoria do diálogo das fontes, cujo objetivo é proteger a figura do

consumidor a partir da aplicação simultânea de regras favoráveis de diferentes textos

normativos. Ocorre que a teoria sugere a coordenação da legislação infraconstitucional, quando,

em verdade, solução sistemática e adequada seria alcançada apenas a partir de interpretação que

considere a Constituição como ápice do sistema.

Ademais, ao incluir no centro das atenções o consumidor, a teoria desloca o foco de

proteção primordial da Constituição que é a pessoa humana, gênero dentro do qual,

evidentemente, o consumidor está inserido. Prevendo também a tutela do consumidor como

princípio da ordem econômica e direito fundamental, as normas constitucionais garantem que

essa proteção se dê da melhor forma possível no caso concreto, tornando desnecessária

a utilização da mencionada teoria em alguns casos e conduzindo o intérprete a conclusões

equivocadas em outros.

Nota-se, portanto, que a unidade do ordenamento jurídico, além de imperativo de sua

concepção como sistema, é essencial para se garantir a adequação valorativa em todos os seus

campos. De um lado, viu-se que tal unidade se reveste da necessária existência de um sistema

aberto, que permita a incidência direta dos princípios constitucionais e a influência recíproca

entre as diferentes normas. De outro lado, a unidade centrada na Constituição também garante

que as soluções mais adequadas para o caso concreto sejam buscadas em todo o ordenamento,

imbuído dos preceitos e valores constitucionais.

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1PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio

de Janeiro: Renovar, 2008. p. 137.

2PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 590.

3BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.

p. 19.

4PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 170.

5TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção doutrinária do

ordenamento. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 9.

6PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 194.

7PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit. p. 38.

8Conforme esclarece Anderson Schreiber (Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 13):

“As duas expressões (unidade e complexidade), que poderiam parecer antagônicas em outros contextos,

não assumem aqui essa conotação: o ordenamento, por mais que se diversifiquem suas fontes, por mais

que se multipliquem suas normas, por mais que se especializem os seus setores, permanece único,

unitário, centrado sobre os valores constitucionais”.

9Segundo Pietro Perlingieri (O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 207-208): “A

complexidade, para se tornar sistema, deve ter uma centralidade sobre a qual se fundar”.

10CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 5. ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. p. 23.

11KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 207.

12BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 49.

13KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, cit., p. 240.

14BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 205.

15TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção doutrinária do

ordenamento, cit., p. 10.

16É o que esclarece Maria Celina Bodin de Moraes (O conceito de dignidade humana: substrato

axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito

privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 107): “Tais valores, extraídos da cultura, isto é,

da consciência social, do ideal ético, da noção de justiça presentes na sociedade, são, portanto, os valores

através dos quais aquela comunidade se organizou e se organiza. É neste sentido que se deve entender o

real e mais profundo significado, marcadamente axiológico, da chamada constitucionalização do direito

civil”.

17MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana, cit., p. 207.

18MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana, cit., p. 23.

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19PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 6.

20TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para

uma reforma legislativa. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de direito civil constitucional.

Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 5.

21Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 26), a Constituição Federal é a “base única dos

princípios fundamentais do ordenamento jurídico”.

22Cf. SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 14.

23O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 55.

24SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 14.

25IRTI, Natalino. Decodificazione. Digesto delle discipline privatistiche, V. Turim: UTET, 1989. p. 142

(tradução livre).

26IRTI, Natalino. Decodificazione, cit., p. 144 (tradução livre). No original: “le leggi speciali non si

prestano più come símplice svolgimenti del códice civile, ma sono in grado di esprimere principi

autonomia e perciò di fornire i mexxi de autointegrazione del sistema: códice civile e legi speciali

somigliano a corpi erranti, sciolti da ogni rapoorto e connessione”.

27IRTI, Natalino. Decodificazione, cit., p. 145.

28IRTI, Natalino. Decodificazione, cit., p. 148.

29SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 13.

30SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 12.

31PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 187.

32GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação e aplicação do direito. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 127.

33PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 597.

34PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 222.

35TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Temas de

direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. t. I, p. 12.

36TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, cit., p. 14.

37BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 1.572/2011, que disciplina, no âmbito do direito

privado, a organização e a exploração da empresa. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=508884>. Acesso em: 17

jun. 2012.

38COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial: com anotações ao projeto de código

comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 11-12.

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39COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial, cit., p. 13.

40COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial, cit., p. 17.

41COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial, cit., p. 23.

42BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 1.572/2011. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5B00BEF3D9CF7B1128F

605D1E5D069CE.proposicoesWeb1?codteor=888462&filename=PL+1572/2011=. Acesso em: 17 jun.

2014. Cf. “Art. 4º São princípios gerais informadores das disposições deste Código: I – Liberdade de

iniciativa; II – Liberdade de competição; e III – Função social da empresa”.

43BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 1.572/2011. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5B00BEF3D9CF7B1128F

605D1E5D069CE.proposicoesWeb1?codteor=888462&filename=PL+1572/2011>. Acesso em: 17 jun.

2014. Cf. “Art. 8º Nenhum princípio, expresso ou implícito, pode ser invocado para afastar a aplicação

de qualquer disposição deste Código ou da lei”.

44Em posição contraposta à posição adotada pelo Projeto de Código Comercial, cuja premissa é o

fechamento do Direito Comercial a princípios específicos e setoriais expressos na legislação, o Marco

Civil da Internet afigura-se como exemplo de legislação que traz em si a abertura do sistema ao prever a

possibilidade de incidência de princípios existentes no ordenamento e que não previstos no corpo

normativo do mesmo. É o que diz o art. 3º, parágrafo único, da Lei 12.965, de 23 de abril de 2014: “Os

princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados

à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Constata-

se, inclusive, a preocupação de que até mesmo princípios advindos de tratados internacionais dos quais o

Brasil seja signatário incidam sobre as normas do Marco Civil, revelando-se, assim, tal legislação como

mais atinente às noções de unidade da ordem jurídica e de complexidade de fontes normativas, sem que

sejam tais ideias contrapostas, mas, antes, complementares.

45O autor Fábio Ulhoa Coelho, muito embora rejeite a teoria dos microssistemas de Natalino Irti por se

agarrar na ideia de “morte do código” da referida teoria (como chegou a propor), fazendo críticas de

ordem lógica à mesma, bem como aduzindo ser tal movimento de “descodificação” de experiência

somente italiana, propõe que o Direito Comercial deva ter um microssistema à luz do que ocorre,

segundo ele, com o Direito Civil e com o Direito do Consumidor (Princípios do direito comercial, cit., p.

64). Explicando a ocorrência da evolução história dos microssistemas no Brasil, em posição contraposta

à de Fábio Ulhoa Coelho, Gustavo Tepedino aduz que nos anos 20 houve a primeira fase deste processo

em que as leis especiais eram episódicas e casuísticas; nos anos 30, passa-se à segunda fase em que o

robusto conjunto de leis extravagantes afasta o caráter de exclusividade do Código Civil; por fim, a

terceira fase se efetiva com a Constituição Federal de 1988, em que há a perda da centralidade do Código

Civil, encontrando-se na Constituição o papel reunificador do Direito Privado (Premissas metodológicas

para a constitucionalização do direito civil, cit., passim).

46CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, cit., p.

280-281.

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47PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 629.

48SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Atlas, 2011. p. 7.

49Constituição Federal, “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,

observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social

da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente,

inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de

seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII –

busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob

as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.

50Sobre a função promocional do direito, vide: BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos

estudos de teoria do direito. Rio de Janeiro: Manole, 2007. Além disso, adverte Gustavo Tepedino: “(...)

quanto aos objetivos das normas, o legislador, para além de coibir comportamentos indesejados – os atos

ilícitos – em atuação repressiva, age através de leis de incentivo, propõe vantagens ao destinatário da

norma jurídica, quer mediante financiamentos subsidiados, quer mediante redução de impostos, taxas e

tarifas públicas, para com isso atingir objetivos propostos por tais leis” (Premissas metodológicas para a

constitucionalização do direito civil, cit., p. 9).

51Nesse sentido, expõe Paulo Nalin: “A Carta impõe a dignificação do homem (art. 1º, inc. III), a

erradicação da pobreza e a diminuição das diferenças sociais (art. 3º, inc. III), devendo este grande

comando axiológico ser aplicado, conforme já visto, de modo direto e irrestrito, em todos os campos do

ordenamento jurídico” (NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno (em busca da sua formulação

na perspectiva civil constitucional). Curitiba, 2008. p. 177).

52TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, cit., p. 18.

53COELHO, Fábio Ulhôa. Princípios do direito comercial, cit., p. 17.

54Perlingieri define que a subsunção é uma técnica por meio da qual se procede à recondução do caso

concreto à fattispecie abstrata prevista pela norma como operação puramente lógico formal. A ideologia

da subsunção permitiu maquiar como escolhas neutras, necessariamente impostas pela lógica, as escolhas

interpretativas do jurista, desresponsabilizando a doutrina. Em seguida, o mesmo autor aduz que a teoria

da interpretação (utilizada na metodologia civil constitucional) supera a contraposição

entre fattispecie abstrata e fattispecie concreta, e almeja a máxima valorização das particularidades do

fato. Isto, não mediante o procedimento mecânico da subsunção em rígidos esquemas legislativos, mas

individuando a normativa mais compatível com os interesses e os valores em jogo, segundo a hierarquia

que deles propõe o ordenamento. Trata-se de valorar o fato, determinar a normativa do caso concreto à

luz das normas e dos princípios, procurando no âmbito do ordenamento a disciplina mais adequada

àquela determinada composição de interesses (O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 606 e

657-658).

55É essa a conclusão alcançada por Maria Celina Bodin de Moraes (O princípio da dignidade da pessoa

humana. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 71-

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120), quando da afirmação que, diante da relatividade das coisas, há um único valor geral e absoluto

capaz de garantir harmonia, equilíbrio e proporção ao ordenamento, que é exatamente o princípio da

dignidade da pessoa humana.

56ADI 2.591, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, j.

07.06.2006, DJ 29.09.2006.

57A fase da pós-modernidade é caracterizada pela emergência de novos modos de vida, transformações

institucionais e formas de organização sociais, e acarreta, na esfera jurídica, a proliferação de leis

tendentes a regular a vida em sociedade.

58LORENZETTI, Ricardo Luís. Teoria da decisão judicial. Trad. Bruno Miragem. Com notas e revisão

de Claudia Lima Marques. São Paulo: RT, 2009.

59O autor ressalta a necessidade de se proteger a pessoa humana: “Observe-se, agora, o direito

internacional privado, destinado a tornar-se uma das matériaschaves para a proteção da pessoa humana,

sendo este objetivo considerado a razão mesmo de ser do direito privado, ainda mais uma vez que as

soluções dos conflitos de leis pressupõem um diálogo intercultural, a respeitar a diversidade dos

indivíduos. Nós devemos, pois, nos perguntar qual é e qual deveria ser a reação do direito internacional

privado face à globalização, sobretudo no que concerne à proteção do indivíduo” (JAYME, Erik. O

direito internacional privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face à globalização. In:

MARQUES, Claudia Lima; ARAÚJO, Nádia de (org.). O novo direito internacional – estudos em

homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5).

60MIRAGEM, Bruno. Eppur si muove: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no

direito brasileiro. In: MARQUES, Claudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação

de normas do direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012. p. 26.

61JAYME, Erik. Entrevista com o Prof. Erik Jayme. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em

Direito da UFGRS, Porto Alegre, v. 1, n. 1, mar. 2003, p. 63-67.

62MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um

tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à

coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012. p. 26.

63MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito, cit., p.

28.

64MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito, cit., p.

32.

65BRASIL, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 13 jul. 2014. Cf. “Art. 7º Os direitos

previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o

Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades

administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,

costumes e equidade”.

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66BESSA, Leonardo Roscoe. Diálogo das fontes no direito do consumidor: a visão do Superior Tribunal

de Justiça. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de

normas do direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012. p. 185.

67PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 219.

68“Direito civil e consumidor. Recusa de clínica conveniada a plano de saúde em realizar exames

radiológicos. Dano moral. Existência. Vítima menor. Irrelevância. Ofensa a direito da personalidade. A

recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a

situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele. Precedentes – As crianças, mesmo da

mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o

direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos

termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02. – Mesmo quando o prejuízo impingido ao

menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6º, VI, assegura a efetiva reparação do

dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do consumidor, notadamente sua idade. Ao

contrário, o art. 7º da Lei nº 8.078/90 fixa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma

lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC,

incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo. – Ainda

que tenha uma percepção diferente do mundo e uma maneira peculiar de se expressar, a criança não

permanece alheia à realidade que a cerca, estando igualmente sujeita a sentimentos como o medo, a

aflição e a angústia. – Na hipótese específica dos autos, não cabe dúvida de que a recorrente, então com

apenas três anos de idade, foi submetida a elevada carga emocional. Mesmo sem noção exata do que se

passava, é certo que percebeu e compartilhou da agonia de sua mãe tentando, por diversas vezes, sem

êxito, conseguir que sua filha fosse atendida por clínica credenciada ao seu plano de saúde, que

reiteradas vezes se recusou a realizar os exames que ofereceriam um diagnóstico preciso da doença que

acometia a criança. Recurso especial provido” (REsp 1.037.759/RJ, 3a T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j.

23.02.2010, DJe 05.03.2010).

69SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 13.

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5

FUNÇÃO, FUNCIONALIZAÇÃO E

FUNÇÃO SOCIAL

Deborah Pereira Pinto dos Santos

Eduardo Heitor Mendes

Sumário: 1. Estrutura e função das situações jurídicas subjetivas – 2. Do perfil funcional à funcionalização – 3. A exigência de

atendimento à função social nas situações patrimoniais: conteúdo e alcance – 4. Alguns exemplos:4.1 A função social da

propriedade; 4.2 A função social do contrato; 4.3 A função social da empresa – 5. Conclusão.

1.ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS SUBJETIVAS

Na dogmática tradicional do direito civil, os institutos jurídicos foram estruturados sob o

viés unicamente patrimonial, com a finalidade de proteger as titularidades dos indivíduos e suas

liberdades negativas diante do Estado. Decerto, para a visão positivista do direito, sempre

prevaleceu a abordagem estrutural sobre a funcional, ou seja, preocupava-se muito mais saber

“como o direito é feito” do que “para que o direito serve”.1

Na obra de Kelsen, como afirma Norberto Bobbio, mais do que separação entre a análise

funcional e estrutural, havia a completa exclusão da primeira em favor da segunda. Assim, “para

o fundador da teoria pura do direito, uma teoria científica do direito não deve se ocupar da

função do direito, mas tão somente dos seus elementos estruturais. A análise funcional é

confiada aos sociólogos e, talvez, aos filósofos”.2 Dentro de tal concepção, a busca de objetivos

para o direito era a brecha que permitiria a entrada de contrastantes valorativas na teoria

jurídica.

A análise estrutural não servia apenas para salvaguardar a teoria do direito de

contaminações ideológicas, mas também permitia desmascarar tomadas de posição política que

se alojassem em conceitos tradicionais aparentemente neutros da ciência jurídica.3 Com efeito, a

própria superação da ideia de neutralidade do ordenamento, pela consciência da inafastabilidade

dos valores – sendo o direito forma de controle e de direção social –,4 ressalta a importância do

estudo dos institutos jurídicos em seu perfil funcional.

Por conseguinte, nas situações jurídicas subjetivas, como eficácia dos fatos

jurídicos,5 também é imprescindível a análise de sua estrutura e função. Em obra clássica,

Salvatore Pugliatti afirma que, para encontrar a função de um determinado instituto, é

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necessária a identificação dos interesses que o legislador pretendeu tutelar por meio dele. Dessa

forma, a função é “a razão genética do instrumento, e a razão permanente do seu emprego, isto é

a sua razão de ser”.6 Como consequência, é a função que irá determinar a estrutura, pois “o

interesse tutelado é o centro de unificação em respeito do qual se compõem os elementos

estruturais do instituto”.7

De modo semelhante, consoante Pietro Perlingieri, o fato jurídico e a relação jurídica (que

é a ligação entre situações jurídicas subjetivas)8 devem ser analisados em seu perfil estrutural

(como é) e funcional (para que serve). Todo fato juridicamente relevante possui uma função:

essa é a síntese de seus efeitos essenciais – a função é constituída pela síntese global dos

interesses sobre os quais o fato incide – e, por isso, determina a estrutura, sendo possível que

uma mesma função realize-se mediante estruturas diversas.9 Como exemplo, pode-se mencionar

a proteção da relação familiar que, sendo possível de se concretizar por diversas estruturas (e.g.,

casamento, união estável, hetero ou homoafetiva), merecerá tutela jurídica se for voltada ao

atendimento de única função, qual seja: o livre desenvolvimento da personalidade de seus

membros.10

Ainda, é por meio da função que se realiza a qualificação do fato jurídico, pois por

intermédio da síntese dos efeitos essenciais que se individua a disciplina jurídica que lhe é

aplicável, encontrando-se seu significado jurídico.11 Consoante Pietro Perlingieri, a qualificação

é encontrada na “determinação da relevância jurídica do fato, isto é, determinação da normativa.

Para esta contribuem a superação do esquema da subsunção e a consideração que a integração

dos efeitos não é somente algo ‘posterior’ à qualificação, mas um seu momento essencial”.12

Outrossim, como já mencionado, a análise do aspecto funcional ressalta a não neutralidade

do ordenamento jurídico, pois busca-se encontrar a finalidade prático-social dos institutos

jurídicos. Novamente, como ressalta Pietro Perlingieri, ao valorar determinado fato, o jurista

encontra a sua função pela síntese global dos interesses sobre o qual incide. Assim, “na

identificação da função dever-se-á considerar os princípios e valores do ordenamento que a cada

vez permitem proceder à valoração do fato”.13

Com efeito, a revalorização do interesse nos institutos e nas situações jurídicas subjetivas

constitui um caminho para rever criticamente a excessiva consideração reservada, pelo

positivismo, ao perfil estrutural.14 Segundo doutrina atual, a análise funcional permite que se

abandone “a postura sonolenta que tomava os institutos jurídicos como colocados à livre

disposição do sujeito de direito”.15 Como passos seguintes, discute-se a funcionalização dos

institutos de direito civile a consagração de suafunção social, é o que se verá adiante.

2.DO PERFIL FUNCIONAL À FUNCIONALIZAÇÃO

Na qualificação das mais diversas situações jurídicas subjetivas, o perfil funcional possui

papel relevante para a determinação da finalidade prático-social dos institutos jurídicos.

Decerto, não se pode questionar hoje a absoluta historicidade das estruturas jurídicas e a sua

consequente relatividade.16 Como visto, a ciência jurídica não é axiologicamente neutra em

relação aos valores que caracterizam o sistema jurídico, mas sofre influência das escolhas de

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fundo do ordenamento. Assim, “os institutos jurídicos, mesmo aqueles que constituem os

instrumentos típicos para a realização de interesses essencialmente privados são condicionados

pela importância dos fins gerais e dos interesses sociais”.17

A análise funcional dos institutos do direito civil, todavia, não é uma criação doutrinária

recente. Léon Duguit, no limiar do século XX, já afirmava que o direito objetivo é regra de

conduta que se legitima pela busca de um fim (but), dando ao direito uma perspectiva diferente

daquela estabelecida pelo individualismo jurídico. Assim, um ato será valorado juridicamente

em razão de seu conteúdo, e não porque possui como sustentação unicamente a vontade do

sujeito.18

A metodologia do direito civil constitucional19 dá um passo à frente: não apenas prioriza-

se o perfil funcional dos institutos jurídicos, como também se deve verificar a compatibilidade

com os valores que justificam a sua tutela pelo ordenamento. Em razão da supremacia do texto

constitucional, todas as normas inferiores lhe devem obediência material, de forma que todo

instituto de direito civil somente se justifica como um instrumento para a realização das normas

constitucionais, o que se denomina afuncionalização dos institutos do direito civil.20

Pela funcionalização, é dever do intérprete aplicar as normas de direito civil tendo em vista

sua justificativa no sistema, “potencializando a sua função de realização dos valores superiores

que foram positivados na Constituição”.21 Por conseguinte, “os institutos de direito civil deixam

de ser fins em si mesmo, merecedores de tutela por sua própria estrutura, e passam a ser

identificados como instrumentos destinados a realizar finalidades maiores, consagradas estas no

texto constitucional”.22

Mais do que isso. Como o fundamento máximo do ordenamento encontra-se na cláusula

geral de tutela da pessoa humana, remodela-se a dogmática do direito civil brasileiro em prol da

promoção dos valores existenciais. Com efeito, uma concepção exclusivamente patrimonialista

das relações privadas, fundada sobre a distinção entre interesses de natureza patrimonial e

existencial, não corresponde aos valores que inspiram o ordenamento jurídico. Isso porque

também os interesses que não possuem caráter patrimonial são juridicamente relevantes e

merecem tutela, que se torna prioritária.23

Em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República,

opera-se a funcionalização das situações patrimoniais às situações existenciais, “a realizar,

assim, o processo de inclusão social, com a ascensão à realidade normativa de interesses

coletivos e de renovadas situações jurídicas existenciais desprovidas de titularidades

patrimoniais, tuteladas independentemente (ou mesmo em detrimento) destas”.24 Como leciona

Gustavo Tepedino, trata-se de tomada de posição do legislador constituinte ao delinear a tábua

axiológica definidora do sistema, subordinando-se a proteção da atividade econômica privada ao

atendimento dos valores consagrados no texto constitucional.25

Muito embora a tutela da pessoa humana seja a finalidade última a ser alcançada pelo

ordenamento jurídico, a funcionalização dos institutos de direito civil também é voltada ao

atendimento de outros interesses socialmente relevantes, que serão eleitos, em cada caso, entre

aqueles previstos na Constituição. Ao se funcionalizar uma situação jurídica patrimonial (e.g.,

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contrato, propriedade e empresa) aos valores constitucionais, a tutela da pessoa humana é

realizada de forma indireta, pois os institutos serão primariamente voltados ao cumprimento de

uma função social.

Portanto, a funcionalização das situações jurídicas leva à consideração de que os legítimos

interesses individuais dos titulares da atividade econômica somente serão merecedores de tutela

quando realizem uma função social, isto é, “na medida em que interesses socialmente

relevantes, posto que alheios à esfera individual, venham a ser igualmente tutelados”. A

proteção dos interesses privados vincula-se ao atendimento de interesses sociais, a serem

promovidos no âmbito da atividade econômica.26 É o que se verá a seguir.

3.A EXIGÊNCIA DE ATENDIMENTO À FUNÇÃO SOCIAL NAS

SITUAÇÕES PATRIMONIAIS: CONTEÚDO E ALCANCE

Conforme leciona Pietro Perlingieri, o ordenamento jurídico conforma a função de cada

situação subjetiva em sentido social. Contrato, empresa e propriedade têm função social, pois o

interesse é reconhecido e protegido para realizar uma função individual-social. Isso porque o

ordenamento “só reconhece a fruição de um bem (crédito, coisa etc.) se essa fruição realizar

escopos sociais e for útil, ainda que indiretamente, à coletividade”.27 Nesse sentido, destaca-se a

necessidade de que o exercício de direitos, de conteúdo patrimonial, atenda a uma finalidade

maior que a simples vontade individual.28

Decerto, a Constituição da República trouxe como fundamento basilar o princípio da

dignidade da pessoa humana, o que impõe uma releitura de todos os institutos tradicionais de

direito civil, de forma a adequá-los à nova diretriz humanista constitucional. Ao reler o direito

civil à luz da Constituição, pretende-se privilegiar os valores não patrimoniais, como o

desenvolvimento da personalidade humana, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo

atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada, nas situações jurídicas

patrimoniais.29

Como visto, com a funcionalização dos institutos do direito civil visa-se a descobrir qual a

finalidade que deve ser adotada para o melhor cumprimento dos objetivos constitucionais, para

a tutela da pessoa humana, não só na perspectiva individual, mas também solidarista e

relacional. Assim, não basta que toda situação jurídica patrimonial somente receba tutela pelo

ordenamento ao cumprir uma função social, é imprescindível que a função social atribuída à

determinada situação jurídica seja a que melhor atenda e concretize os objetivos

constitucionais.30

As situações jurídicas patrimoniais possuem uma instrumentalidade indireta à

concretização da dignidade humana, pois o seu principal objetivo é a realização de uma função

social. Dessa forma, “prioritariamente, elas estão a serviço da coletividade, tornando-se

inevitável a conformação da autonomia privada ao imperativo da solidariedade”.31 Por sua vez,

a verificação da função de uma dada situação jurídica, entendida como a síntese de seus efeitos

essenciais, deverá ser feita em concreto, “uma vez que não há essencialidade previamente

determinada pelo legislador, mas somente aquela constatada ante o fato concreto”.32

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A questão que se coloca é identificar de que forma institutos de direito civil – como a

propriedade, o contrato e a empresa –, que foram estruturados sob uma lógica puramente

patrimonial, devem se adequar à nova tábua de valores constitucionais.33 A centralidade do

valor da pessoa humana, consagrado pela Constituição, impõe nova consideração sobre as

relações patrimoniais, onde a tutela da saúde, o meio ambiente, a paisagem são indispensáveis

para o total desenvolvimento da pessoa, movimento esse que vem se chamando de

“despatrimonilização”.34

Dentro de tal contexto, os valores constitucionais não podem mais ser confinados

aprioristicamente como limites externos, como se não fossem idôneos para incidir sobre a

função dos institutos,35 isto é, o para que serve de cada instituto de direito civil, que justifica a

própria tutela pelo ordenamento, deve encontrar sua resposta na tábua de valores proposta pela

Constituição. Como consequência, a autonomia privada não mais pode ser vista como um valor

em si, mas terá fundamentos diversificados conforme valores e interesses que realizar.36

Mais do que isso, a autonomia privada patrimonial, que já nasce juridicamente constrita

por limites externos, também encontra limites internos, tendo em vista que seu exercício é

funcionalmente condicionado, sendo uma liberdade a ser exercida em razão de imperativos

sociais. “Por conta disso, o exame do perfil funcional por ocasião da avaliação jurídica do

exercício desta liberdade é prioritário, para aferir se o exercício foi condizente com seu limite

interno, como sua razão de ser merecedora de tutela”.37

Portanto, a visão tradicional de que os poderes dos privados são potencialmente ilimitados,

em respeito aos quais eventuais limites seriam somente um acidente externo, sem a

possibilidade de influírem na estrutura da situação jurídica, deve ser superada. A função é

elemento interno da situação jurídica, compondo a sua estrutura, e contribui à identificação da

essência do próprio instituto.38 Como já afirmado, o ordenamento tutela um interesse somente

quando atender às razões também de natureza coletiva, garantidas pela função social, conforme

os mandamentos constitucionais.

Dessa forma, todo interesse juridicamente tutelado, em toda situação jurídica subjetiva de

conteúdo patrimonial, encerra já em si mesmo constrições para o seu titular. As situações

subjetivas sofrem uma intrínseca limitação pelo conteúdo das cláusulas gerais, das normas de

ordem pública, como expressões do princípio da solidariedade social.39 Por conseguinte, “o

ordenamento reconhece a propriedade de um bem, a titularidade de um crédito, somente

enquanto o direito for exercido em conformidade com as regras; se isso não acontecer, o

interesse não será reconhecido e nem tutelado”.40

Nos tópicos seguintes, pretende-se demonstrar como se dá o atendimento da função social

como limite interno nos principais institutos do direito privado: propriedade, contrato e

empresa.

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4.ALGUNS EXEMPLOS

4.1A função social da propriedade

A função social da propriedade só veio a ganhar conteúdo e eficácia jurídica com a

Constituição Federal de 1988,41 pois na Constituição anterior, de 1967,42 ela apenas foi inserida

no capítulo sobre a ordem econômica e o Constituinte, embora tenha reservado tal tarefa ao

legislador infraconstitucional, este jamais se preocupou em regulamentar a matéria.

Com o advento da Constituição da República de 1988, a função social consta no rol dos

direitos fundamentais, conforme art. 5º, XXIII,43 e também como alicerce da ordem econômica

(art. 170, II),44 conferindo-lhe conteúdo específico nos arts. 18245 e 186.46 Além disso, o Código

Civil de 2002 reforça o caráter funcional da propriedade e o prevê no parágrafo primeiro do art.

1.228,47 admitindo-se, assim, “a noção de propriedade-função ao reconhecer que o direito deve

ser exercido de acordo com suas finalidades econômicas, sociais e ecológicas”.48

Em virtude da nova ordem jurídica, a função social torna-se, de uma só vez, direito

fundamental e categoria jurídica,49 operando verdadeira transformação no direito de

propriedade, que deixa de ser um instituto jurídico único e estático.50 O tradicional modelo

unitário é substituído por um pluralista e é a função, desempenhada por cada instituto de

propriedade, a responsável pelo surgimento de diferentes estatutos jurídicos.51 É por isso que

Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber afirmam que, diante de tantos modelos proprietários

(de produção ou consumo, urbana ou rural, maior ou menor de 250 m2, pública ou privada etc.),

não é possível uma concepção ou análise unitária da propriedade.52

Do mesmo modo que a propriedade, a função social modifica-se de estatuto para estatuto,

de acordo com os interesses em jogo.53 Portanto, a função social, até mesmo pela relatividade e

variedade da noção de propriedade, tem conteúdo flexível, atuando de uma ou outra maneira.

Assim é, por exemplo, com a propriedade urbana e rural cujas funções distintas que exercem

provocam estruturas igualmente distintas.54

A função social da propriedade, “como expressão da prioridade constitucional aos valores

da solidariedade, igualdade e dignidade da pessoa humana, torna-se elemento interno do

domínio”,55 de tal maneira que a propriedade só é merecedora de tutela quando cumpre sua

função social, isto é, realiza interesses sociais e coletivos em uma ótica inspirada pelo

solidarismo e permeada por valores existenciais. É necessário, por conseguinte, verificar que

interesses que a propriedade deve cumprir, pois, como adverte Anderson Schreiber, a expressão

“interesses sociais relevantes” é dotada de certa indefinição, prescindindo de parâmetros

objetivos para a especificação de seu conteúdo a fim de evitar interpretações arbitrárias.56

Tais parâmetros para identificação dos interesses sociais relevantes, tanto para propriedade

urbana quanto para rural, partem da própria Constituição e são encontrados nos arts. 182 e 186.

Entretanto, tais dispositivos não revelam todos os interesses sociais aos quais o titular do

domínio deve se submeter, haja vista a necessidade de atender outros tantos, existenciais e

sociais, revelados pelos princípios fundamentais da Constituição (e.g., arts. 1º e 3º).57

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Verifica-se, por exemplo, que o cumprimento da função social pela propriedade urbana, a

teor do art. 182, está vinculado à observância de exigências fundamentais de ordenação da

cidade expressas no seu plano diretor e, também, no Estatuto da Cidade (Lei

10.257/2001).58 Ambos, porém, vinculados à realização dos princípios e objetivos fundamentais

da República, especialmente aos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana.

Quando o proprietário assim não atua, e deixa de promover o adequado aproveitamento da

propriedade, a própria Constituição confere ao Estado instrumentos para sancionar o titular do

domínio, inclusive com a sua perda.59

Quanto à propriedade rural, embora o Constituinte tenha fornecido mais parâmetros60 para

aplicação da função social do que em relação a propriedade urbana, o intérprete não pode

deixar-se seduzir ao ponto de desconsiderar outros preceitos constitucionais igualmente

importantes, do mesmo modo que ocorre com a propriedade urbana. A interpretação deve ser

unitária e centrada nos valores constitucionais, caso contrário o sistema jurídico fica submetido

a uma perigosa fragmentação, que deixa diversos conflitos insolúveis, e o intérprete seduzido

pela aplicação literal da lei.61

É por isso que Gustavo Tepedino faz importante alerta para que o art. 185, II, segundo o

qual a propriedade produtiva não é passível de desapropriação, não seja interpretado

apartadamente, mas em conjunto com os demais preceitos constitucionais.62Para que a

propriedade não possa ser desapropriada para fins de reforma agrária não basta, portanto, que

ela seja produtiva. É necessário que os princípios traçados pelo art. 186 da Constituição – e

todos os demais mencionados neste estudo – sejam observados pelo titular do domínio, pois só

assim será afastada qualquer chance de desapropriação por descumprimento da função social.

Com efeito, se a propriedade é produtiva e polui o meio ambiente “perde o proprietário a

tutela constitucional que lhe é assegurada para sua propriedade privada, haja vista que o art. 5º

da Constituição, no qual se insere a propriedade como direito fundamental, a vincula à

observância de sua função social”,63 sob pena de sanções impostas pela própria Constituição

(e.g., desapropriação).

Dessa forma, a função social, cujo conteúdo jurídico é atribuído pela própria Constituição,

impõe o cumprimento de deveres e a sua inobservância traz consequências e sanções ao

proprietário, algumas gravíssimas, como até a perda da titularidade do domínio. Devido a essas

características, imprescindível dar nova roupagem à propriedade, considerando-a não mais

como um direito subjetivo absoluto64 e sim como uma situação jurídica complexa, com um feixe

de direitos e deveres, cujo merecimento de tutela fica condicionado ao cumprimento do

princípio da função social.65 Como consequência, abandona-se o caráter exclusivamente

patrimonial e individualista predominante até o advento da Constituição de 1988.

Nada obstante, a propriedade pode desempenhar papel ainda mais proveitoso em prol da

coletividade, não apenas cumprir os deveres, ônus e obrigações impostos pelas normas

constitucional e ordinária, haja vista que a “compreensão funcional do direito à propriedade

impõe a promoção de interesses socialmente relevantes”.66 Por esta razão que Pietro Perlingieri

afirma que “o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de

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que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para

garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento”.67

A função de tipo promocional é a que leva mais benefícios à coletividade, pois realiza

interesses sociais em saúde, segurança, moradia, enfim, ao bem-estar social.68 A jurisprudência,

embora ainda tímida no reconhecimento desse tipo de atuação, já ressaltou a importância do

caráter promocional do princípio da função social da propriedade ao permitir, por exemplo, que

médicos atendessem seus pacientes nas dependências de hospitais privados, mesmo diante da

inexistência de vínculo empregatício, societário ou de qualquer outra natureza.69

Quando se pensa em uma propriedade que atua em prol do meio ambiente, utilizando

recursos para diminuir os impactos ambientais e tornar-se autossustentável (e.g., captação de

energia, água e tratamento de esgoto), é possível verificar um nítido caráter promocional que

resultará em benefícios diretos à coletividade. Não basta, portanto, uma conduta de abstenção

para evitar a poluição, mas uma atuação positiva no cuidado e melhoramento do meio ambiente.

O caráter promocional pode ganhar eficácia ainda maior com a realização, pelo Estado, de

Políticas Públicas que incentivam e estimulam o comportamento promocional pelo titular do

domínio, em vez de buscar apenas a elaboração de normas de conteúdo repressivo.70

Ao disciplinar a função social da propriedade, a Constituição pretende que o titular do

domínio exerça conduta não apenas negativa, mas positiva em prol da realização de interesses

sociais eleitos pelo Constituinte que são indispensáveis para estruturação de uma sociedade

mais justa e solidária. Decerto, muito já se progrediu com a aplicação da função social,

entretanto, o momento presente revela-se propício para um avanço na busca de sua aplicação em

caráter promocional, visando potencializar ao máximo o uso da propriedade aos valores sociais

previstos no texto constitucional, para reverter os benefícios daí decorrentes em favor da

sociedade, não apenas ao interesse exclusivo do titular do domínio, como ocorre, por exemplo,

por meio do parcelamento, edificação e utilização compulsórios do solo urbano não edificado,

subutilizado ou não utilizados, como previsto no art. 5º do Estatuto da Cidade.

4.2A função social do contrato

Diferentemente da propriedade, a função social do contrato foi positivada pela primeira

vez no ordenamento brasileiro com o Código Civil de 2002, que, em seu art. 421, estabeleceu

que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social”. Tal

preceito deve ter sua interpretação e aplicação conformada pelos princípios constitucionais da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), do valor da livre iniciativa (art. 1º, IV), da

solidariedade social (art. 3º, I) e da igualdade substancial (art. 3º, III).71

Decerto, o desenvolvimento da teoria do contrato sempre esteve intimamente ligado ao

indivíduo como ser social e sua relação em sociedade.72 A “liberdade de contratar” referida no

art. 421 é uma liberdade ligada estrutural e substancialmente com o sistema social.73 Assim, a

autonomia negocial deve ser vista de forma instrumental, existindo para assegurar a livre

iniciativa conforme os valores constitucionais, “que dão fisionomia e identidade à ordem

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econômica numa ordem jurídico-social que valoriza, antes de mais, a dignidade da pessoa

humana e o livre desenvolvimento de sua personalidade”.74

A autonomia privada não é um valor em si mesmo, sendo certo que somente receberá

tutela se promover, de forma positiva, os princípios e valores constitucionais. O contrato, como

principal ato de autonomia negocial, tem de ser direcionado a realizar interesses merecedores de

tutela e socialmente úteis75 e, por isso, não pode visar apenas à vontade individual dos

contratantes. Dessa forma, ele deve ser voltado para atender a interesses extracontratuais

socialmente relevantes que promovam os valores constitucionais.76

Ademais, a função social amplia para o domínio do contrato a noção de ordem

pública,77 atuando, num primeiro momento, como limite externo à liberdade de contratar.

Conforme predisposto no parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil, “nenhuma convenção

prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código

para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.

Segundo essa concepção, o contrato – como também a propriedade – dotados ontológica e

tecnicamente de uma abusividade em potencial, encontram limitações perante a lei imperativa e

normas de ordem pública. Assim, os limites externos têm uma dimensão negativa, na ideia de

abuso da liberdade contratual: “há uma oposição entre função social e liberdade contratual. E há

(...) a delimitação de um espaço de eficácia do princípio da liberdade de contratar”, que terá

como limite negativo a função social.78

Apesar de sua relevância, como forma de superação de uma teoria contratual fundada em

bases de um individualismo exacerbado, a adoção de um papel restritivo da função social, sendo

somente limite externo negativo, torna o art. 421 do CC “virtualmente inútil”. Isso porque a

legislação civilística já traz uma série de dispositivos de ordem pública, como o abuso de direito

(art. 187), a interpretação e integração do contrato segundo a boa-fé objetiva (arts. 113 e 422), a

redução equitativa da cláusula penal (art. 413) e a interpretação favorável ao aderente (art.

423).79

A situação, todavia, torna-se ainda mais grave. Como alerta Jan Peter Schmidt, embora o

art. 421 do CC tenha sido muito festejado pela doutrina,80 a sua aplicação prática pela

jurisprudência revelou-se como “um lugar comum sem contornos, incapaz de contribuir de

forma substancial – e não só retórica – para a solução de casos concretos”.81 A crítica possui

cabimento, pois, em muitos casos, o apelo à função social tem sido feito como “mero adorno

teórico”, quando se poderia alcançar o mesmo resultado pela simples aplicação das disposições

legais específicas pertinentes ao caso.82

Dessa forma, é preciso que a doutrina indique como melhor deve ser interpretado o

dispositivo, de modo a extrair as suas máximas potencialidades. Como já afirmado, a função

social é elemento interno e razão justificante da tutela do ato de autonomia negocial. É a

perspectiva funcional que permite que o controle social dos atos de autonomia privada não seja

limitado ao exame de estruturas ou tipos abstratamente considerados, em simples valoração de

licitude (como a não abusividade do ato negocial). Imprescindível será o exame do merecimento

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de tutela do tipo concreto, “a verificar qual a função econômico-individual desempenha

a fattispecie concreta”.83

Com efeito, destaca-se o nosso ordenamento por ter consagrado explicitamente a função

social como razão e limite para o exercício da liberdade de contratar, sem que se encontre em

ordens jurídicas estrangeiras enunciados similares.84 Conforme leciona Maria Celina Bodin de

Moraes, a expressão em razão de, do art. 421 do CC, serve para opor a autonomia privada à

utilidade social: “assim, a liberdade de contratar não se dará, pois, em razão da vontade privada,

como ocorria anteriormente, mas em razão da função social que o negócio está destinado a

cumprir”.85

A funcionalização, como visto, incide sobre todos os institutos de direito civil, mas

alcança especial relevância no âmbito do direito contratual, pois a autonomia privada, em

princípio, permitiria que os particulares escolhessem os efeitos jurídicos que desejassem

produzir, desde que respeitadas as normas de ordem pública. Por isso, é de especial importância

a atenção ao perfil funcional do negócio realizado: “deve-se ter em vista os efeitos buscados, a

função perseguida, naquele negócio concreto, de forma a aferir mais cuidadosamente se há

compatibilidade com aqueles interesses dos quais a própria liberdade de contratar é tutelada”.86

Nada obstante, a função social do contrato não pode representar um desprezo pelo papel da

vontade na gênese do contrato nem diminuir sua relevância como mecanismo de composição de

interesses patrimoniais.87 Decerto, não se trata de válvula que permita ao intérprete impor seus

valores pessoais sob o pretexto de uma função assistencial, pois “a demanda por preenchimento

valorativo da cláusula geral deverá ser sempre suprimida com os valores da comunidade que se

encontram positivados sob a forma de princípios constitucionais”. Por conseguinte, a exigência

de cumprimento de uma função social pelo contrato, a pretexto de atender a interesses sociais,

não poderá ser incompatível com a função econômica que ele deve desempenhar.88

Outrossim, o estudo da função social do contrato, como princípio da nova teoria

contratual, traz a discussão de como se deve dar a sua relação com o clássico princípio da

relatividade, que, em sentido diametralmente oposto, postula o isolamento da relação contratual,

circunscrevendo seus efeitos aos contratantes.89 Para a dogmática tradicional, o contrato é res

interalios acta, sendo obrigatório para as partes em razão de sua escolha de contratar, mas para

terceiros é como se não existisse.90

Nesse ponto, ao tratar da eficácia externa da função social do contrato – no sentido de seu

efeito ultra partes –,91 é necessário distinguir as duas linhas de atuação do princípio que vêm

sendo examinadas pela doutrina: a relação entre o contrato e terceiros determinados e a relação

entre contrato e a coletividade.92

Na primeira linha, defende-se a mitigação da relatividade dos efeitos do contrato, tanto

para permitir a proteção do terceiro vítima do inadimplemento,93 quanto para fundamentar o

alcance do terceiro cúmplice do devedor no incumprimento contratual, o que vem se

denominando a tutela externa do crédito.94 Assim, como destaca Judith Rochfeld, dentro de um

movimento crescente de integração do contrato à esfera social, seu campo de influência foi

estendido para atingir a esfera jurídica de terceiros.

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Se o contrato não cria efeitos obrigatórios senão para as partes, ele pode, todavia, gerar

consequências que afetem relações jurídicas de indivíduos além da relação obrigacional. Para a

autora, são duas direções diversas: (i) de um lado, os terceiros devem passar a respeitar o

contrato por sua relevância social; (ii) do outro, as partes podem ser responsabilizadas por danos

causados a terceiros.95

Nessa primeira visão, que possui origem nos pensamentos de Alex Weill, pela ideia de

função social, o contrato deve ser inserido numa ordem harmônica regida pela solidariedade,

sendo certo que terceiros, ainda que não sejam partes na relação obrigacional, não podem atuar

como se ela não existisse.96 Assim, entendem os professores Antonio Junqueira de Azevedo e

Teresa Negreiros que “em contraposição à concepção individualista, o princípio da função

social serve como fundamento para a relevância externa do crédito, na medida em que propicia

uma apreensão do contrato como fato social”.97 Tal concepção, contudo, sofre crítica de

relevante corrente doutrinária, para quem a responsabilização do terceiro pela lesão ao crédito

fundamenta-se no princípio da boa-fé objetiva.98

Já para a segunda linha de investigação, a função social do contrato é adotada como

anteparo para a solução de “conflitos que possam surgir entre os interesses individuais

patrimoniais, vinculados à relação contratual, e outros interesses, hierarquicamente superiores

na tábua axiológica do ordenamento, tais como interesses coletivos, difusos ou até mesmo

individuais, quando existenciais”.99 Nesse sentido, enfatiza-se o caráter social da função que

guia a normatização do contrato, pois a razão de ser do contrato tem que estar de acordo com

interesses que são independentes dos das partes: “o regulamento negocialmente estabelecido

deve ser condizente com certos valores reputados socialmente relevantes, quais sejam, aqueles

que se encontram positivados no ordenamento por meio dos princípios constitucionais”.100

Por conseguinte, inserida no processo de funcionalização dos institutos de direito civil, a

função social do contrato ressalta a mitigação do princípio da relatividade dos efeitos do

contrato – a relativização da relatividade – ao impor deveres extracontratuais socialmente

relevantes aos contratantes, superando-se a clássica máxima de que o contrato só gera

efeitos inter partes. Como visto, na ordem jurídica comprometida com os valores de

solidariedade social e igualdade substancial, o contrato somente será merecedor de tutela se

promover tais valores constitucionais.101

4.3A função social da empresa

A função social da empresa, da mesma forma que ocorre com a do contrato, não é

expressamente regulamentada no texto constitucional.102 Contudo, por estar a empresa inserida

no princípio maior da livre iniciativa, este previsto no art. 170 da

Constituição,103 ganha status constitucional e encontra sua expressão e contornos neste preceito.

De acordo com parte da doutrina, a função social da empresa pode atuar de duas

maneiras.104 A primeira como incentivadora do seu exercício, dando origem ao chamado

princípio da preservação da empresa, que é voltado ao atendimento de interesses sociais diante

da manutenção de empregos, do recolhimento de tributos, da produção de bens ao mercado etc.

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Diante desse cenário, a dissolução da empresa, em razão do impacto que causa na sociedade e

de interesses que justificam a continuidade da atividade empresarial, não pode ficar ao exclusivo

critério dos administradores, sócios ou credores, justificando-se, assim, a intervenção estatal por

meio do Poder Judiciário para realização de um controle no que diz respeito à legitimidade no

encerramento da empresa.105

A segunda atuação apresenta-se como condicionadora do exercício da empresa, sendo

responsável por impor restrições106 à atividade empresarial que podem ser classificadas

como interna, isto é, relativa às relações entre os seus agentes internos, eexterna, relativa às

relações com centros de interesse externos à empresa.107

Na aplicação interna estão inseridas as limitações que dizem respeito ao cumprimento das

leis trabalhistas, no sentido de assegurar aos trabalhadores todos os seus direitos, bem como

proteção de sua dignidade. Também está “o respeito aos interesses dos sócios ou acionistas

impostos não apenas ao administrador, mas também ao controlador em relação aos

minoritários”.108 Quanto à aplicação externa,109 os princípios da livre concorrência,110 defesa do

consumidor111 e do meio ambiente,112 previstos no art. 170 da Constituição, orientam e

direcionam o exercício da atividade empresarial.

Embora a função social da empresa possa ser relacionada a esses princípios e/ou centros

de interesse, sua atuação não se restringe a eles, haja vista que a ordem econômica, a teor do art.

170, tem por objetivo “assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça

social”, ideia essa que é reforçada pelos princípios previstos nos arts. 1º e 3º da

Constituição.113 Pode-se, então, concluir que a empresa deve realizar interesses existenciais e

sociais relevantes, informados pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da

solidariedade social, para a realização de uma sociedade mais justa e solidária.

Contudo, para alcançar o projeto constitucional acima desenhado é indispensável que a

empresa atue em sentido promocional, ou seja, que o exercício da atividade empresarial adote

condutas positivas voltadas para a realização interesses sociais, sem prejuízo do lucro que lhe é

inerente. A realização de interesses sociais pela empresa de forma alguma visa aniquilar o

lucro114 ou inviabilizar o exercício da atividade empresarial, até porque a própria Constituição –

quando optou por um sistema econômico de iniciativa privada – conferiu proteção à finalidade

lucrativa. Como afirma Ana Frazão, o objetivo “da função social é, sem desconsiderar a

autonomia privada, reinserir a solidariedade social na atividade econômica”. É fácil perceber

que a finalidade buscada pela função social é igualmente importante aos interesses dos sócios ou

acionistas, razão pela qual deve haver um equilíbrio entre os interesses sociais impostos à

empresa e o exercício da sua atividade empresarial, o que deverá ser verificado diante das

particularidades do caso concreto.115

Do mesmo modo, espera-se do legislador a adoção de técnica legislativa de conteúdo

promocional, e não apenas repressiva, pois aquela gera mais benefícios à sociedade que

esta.116 A Lei 8.313/1991, que instituiu o programa nacional de apoio à cultura, é um bom

exemplo de conteúdo promocional, pois permite que parcelas do imposto de renda, que seriam

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recolhidas pela empresa, sejam aplicadas em projetos culturais, estimulando o desenvolvimento

e a propagação da cultura.

Diante deste cenário não há dúvida que a empresa ocupa papel de destaque na sociedade

contemporânea e que o seu potencial econômico-social deve estar voltado à realização de uma

função social promocional, não apenas obedecer aos padrões de conduta impostos pelo

legislador, na sua grande maioria de caráter negativo.

5.CONCLUSÃO

Conforme foi visto no presente estudo, a análise dos institutos de direito civil nas mais

diversas situações jurídicas subjetivas deve ser feita sob perfil estrutural e funcional, sendo certo

que o último é indispensável para a determinação da sua finalidade prático-social, e,

consequentemente, para a sua correta qualificação jurídica. Ambos os perfis são importantes

para ciência do direito, enquanto pela estrutura verificam-se os elementos essenciais (como é),

pela função busca-se encontrar a síntese dos efeitos essenciais de cada fato jurídico (para que

serve). Decerto, é necessário priorizar a análise funcional, especialmente porque é a função,

como síntese global dos interesses sobre os quais o fato incide, que determina a estrutura.

A doutrina civil constitucional vai além da verificação funcional e exerce um rigoroso

controle de merecimento de tutela das situações jurídicas subjetivas, passando do perfil

funcional à funcionalização. Trata-se de um procedimento interpretativo-aplicativo, afastado da

lógica da subsunção, que busca sincronizar cada situação jurídica ao atendimento do projeto

constitucional, isto é, à realização dos princípios e diretrizes previstos na Constituição, dentre os

quais se destacam a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social. Como passo seguinte,

há a funcionalização das situações jurídicas patrimoniais às existências, cuja finalidade é o

pleno desenvolvimento e promoção da pessoa humana.

A finalidade precípua dos institutos patrimoniais de direito privado, sobretudo os

analisados neste estudo (propriedade, contrato e empresa), é o cumprimento da função social, a

qual exige a realização de interesses socialmente relevantes – e indiretamente, também se

alcança os interesses existenciais – disciplinados pela Constituição. De outra parte, o

cumprimento da função social não despreza nem pretende aniquilar os interesses individuais do

titular do direito, apenas os vincula à realização de um objetivo maior traçado pela tábua

axiológica constitucional, cuja prevalência material é indiscutível.

Dessa forma, a propriedade, o contrato e a empresa só serão merecedores de tutela se

cumprirem a sua função social – elemento interno de sua estrutura –, de modo que o exercício

da titularidade de cada situação jurídica subjetiva de conteúdo patrimonial seja socialmente útil

à coletividade. De um lado, a função social põe fim à ótica exclusivamente individualista do

direito privado tradicional, com a qual é absolutamente incompatível e, de outro lado, contribui

para afirmação de uma nova ordem jurídica centrada na realização dos valores constitucionais.

Assim sendo, os institutos de direito civil exercem papel fundamental na concretização de uma

sociedade mais justa e solidária, haja vista a realização de interesses socialmente relevantes em

benefício da coletividade.

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1BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos da teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia

Versiani. Barueri: Manole, 2007. p. 53.

2BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 54.

3BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 55-56.

4BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 79.

5PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio

de Janeiro: Renovar, 2008. p. 668: “a eficácia de um fato com referência a um centro de interesses, que

encontra sua imputação em um sujeito destinatário, traduz-se em situações jurídicas subjetivas

juridicamente relevantes”.

6PUGLIATTI, Salvatore. La proprietà nel nuovo diritto. Milano: Giuffrè, 1954. p. 300. No original:

“non soltanto la struttura per sé conduce inevitabilmente al tipo che si può descrivere, ma non

individuare, bensì inoltre la funzione esclusivamente è idonea a fungere da criterio d’individuazione:

essa, infatti, dà la ragione genetica dello strumento, e la ragione permanente del suo impiego, cioè

la ragione d’essere (oltre a quella di essere stato)”.

7PUGLIATTI, Salvatore. La proprietà nel nuovo diritto, cit., p. 300. No original: “La base verso cui

gravita e alla quale si collegano le linee strutturali di un dato istituto, è costituita dall’interesse al quale è

consacrata la tutela. L’interesse tutelato è il centro di unificazione rispetto al quale si compongono gli

elementi strutturali dell’instituto”.

8PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 7. ed. Napoli: ESI, 2014. p. 80: “le situazioni

soggettive sono sempre comprese entro un rapporto giuridico, del quale ciascuna situazione è un

elemento”.

9PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 74-75. No original: “Nel valutare il fatto il

giurista individua la funzione, costruisce cioè la sintesi complessiva degli interessi sui quel fatto incide.

La funzione del fatto determina la struttura. La struttura segue, non precede, la funzione. Ogni fatto

giuridicamente rilevante e, in particolare, ogni fatto umano volontario ha una funzione, la quale o è

predeterminata dall’ordinamento in schemi tipici o è modellata dall’iniziativa dei soggetti. (...) Tale

significato, ricostruito applicando regole e principi, se esprimi in situazioni soggettive, cioè in effetti del

fatto (...): la funzione è appunto la sintesi degli effetti essenziali del fatto (...). Tutto ciò spiega perché

una medesima funzione si realizza mediante più strutture. (...) La variabilità della struttura negoziale

dipende dalla funzione e dai rapporti (le situazione soggettive sono sempre connesse in rapporti giuridici)

sui quali l’atto incide”.

10Cf. TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não

fundada no matrimônio. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. t. I, p. 395.

11PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 78. No original: “la funzioni del fatto

costituisce il significato giuridico del fatto, mediante il quale si coglie la sintesi dei suoi effetti essenziali

e si individua quindi l’intera sua disciplina. Il procedimento che dalla determinazione della funzione

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giunge fino alla individuazione della disciplina prende il nome di qualificazione”. Sobre a qualificação

do contrato com base na função concreta, v. KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização

do processo de qualificação dos contratos no ordenamento jurídico brasileiro. Tese de Doutorado. Rio

de Janeiro: UERJ, 2009, passim. Gustavo Tepedino destaca a importância que deve ser atribuída à

análise funcional do instituto para sua correta qualificação jurídica, usando como exemplo o livro

eletrônico. Assim, “a função precípua do livro é a difusão da cultura e transmissão do conhecimento,

como expressão dos valores contidos nos princípios constitucionais da liberdade de expressão e de

pensamento”. Sem dúvida, como o livro eletrônico exerce a mesma finalidade do volume impresso, é

“obra intelectual destinada a transmitir objeto de criação humana”, há de ser aplicada igual disciplina

jurídica. Por conseguinte, como possui idêntica função, ao livro eletrônico incide o mesmo regramento

jurídico e, por isso, deve receber o tratamento tributário destinado ao livro impresso, inclusive quanto à

hipótese a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição da República (TEPEDINO,

Gustavo. Da incidência da imunidade tributária sobre o livro eletrônico. Soluções práticas de direito. São

Paulo: RT, 2011. v. I, p. 168 e 172).

12PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 658.

13PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 642.

14PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 117-118.

15SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 20.

16BARCELLONA, Pietro. Intervento statale e autonomia privata nella disciplina dei rapporti

economici. Milano: Giuffrè, 1969. p. 30.

17PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 671, em especial a nota 15.

18DUGUIT, Léon. L’État le droit objectif et la loi positive. Paris: Dalloz, 2003. p. 18 e ss. Cf. FARIAS,

José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 227-

230.

19Sobre o marco teórico do direito civil constitucional na doutrina brasileira, v., entre outros,

TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Temas de

direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. t. I, p. 1-23 e MORAES, Maria Celina Bodin de. A

caminho de um direito civil constitucional. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 3-20.

20KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos

no ordenamento jurídico brasileiro, cit., p. 20.

21KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos

no ordenamento jurídico brasileiro, cit., p. 21.

22KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: grupos de contratos, redes contratuais e contratos

coligados. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 28.

23PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 760.

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24TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo. Direito e Justiça

social: por uma sociedade mais justa, livre e solidária. Estudos em homenagem ao Professor Sylvio

Capanema de Souza. São Paulo: Atlas, 2013. p. 257.

25TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil constitucional brasileiro. Temas

de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. t. I, p. 59.

26TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. Temas de direito civil. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009. t. III, p. 151.

27PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 671-672.

28SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 20.

29TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, cit., p. 23.

30TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; KONDER, Carlos Nelson. Situações jurídicas dúplices:

controvérsias na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade. In: TEPEDINO,

Gustavo; FACHIN, Luiz Edison (coord.). Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. v.

III, p. 7.

31TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; KONDER, Carlos Nelson. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 8.

32TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; KONDER, Carlos Nelson. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 8.

33SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 21.

34PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 57-58. Em outro trecho, o

autor resume o debate acerca da “Despatrimonialização” do direito civil, como tendência normativo-

cultural: “evidencia-se que no ordenamento fez-se uma opção, que lentamente vai se concretizando, entre

personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si

mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como valores). Com isso, não se projeta a

expulsão ou a ‘redução’ quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema jurídico e civilístico em

especial: o momento econômico, como aspecto da realidade social organizada, não pode ser eliminado.

A divergência, certamente não de natureza técnica, concernente à valoração qualitativa do momento

econômico e à disponibilidade de encontrar, na exigência de tutela do homem, um aspecto idôneo não

para ‘humilhar’ a inspiração econômica, mas, pelo menos, para lhe atribuir uma justificativa institucional

de suporte ao livre desenvolvimento da pessoa” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade

constitucional, cit., p. 121).

35PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 122.

36Cf. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 347-348.

37KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos

no ordenamento jurídico brasileiro, cit., p. 26.

38Cf. RODOTÀ, Stefano. Le fonti di integrazione del contratto. Milano: Giuffrè, 1970. p. 19. No

original: “Certo, così vuole la tradizionale premessa di chi costruisce i poteri dei privati come

potenzialmente illimitati, rispetto ai quali il limite sarebbe niente altro che un accidente esterno,

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ininfluente sulla struttura della situazione residuata: ma così non è sempre, che vi sono ormai limiti che

caratterizzano istituzionalmente determinate situazioni giuridiche e non possono, quindi, essere

considerati soltanto all’esterno della situazione in questione, dovendosi invece configurare come veri e

propri elementi strutturali”.

39Cf. RODOTÃ, Stefano. Solidarietà. Un’utopia necessaria. Roma: GLF editori Laterza, 2014. p. 56:

“Individuiamo di nuovo un terreno dove la solidarietà incontra l’eguaglianza e la dignità, e da questa

congiunzione riceve più forte legittimazione, e la conforma dell’impossibilità di eluderla senza mettere in

discussione l’intero quadro dei principi fondativi dell’ordine costituzionale”.

40PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 680-682.

41TEPEDINO, Gustavo. A função social da propriedade e o meio ambiente. Revista Trimestral de

Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 37, jan.-mar. 2009, p. 132.

42A função social da propriedade foi inserida com a Emenda 1, de 17.10.1969.

43“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIII – a propriedade atenderá a sua

função social”.

44“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem

por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os

seguintes princípios: (...) III – função social da propriedade”.

45“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bemestar de seus habitantes. (...) § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social

quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.

46“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo

critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e

adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III

– observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-

estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

47“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do

poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser

exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam

preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o

equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

48MATTIETO, Leonardo. Propriedade, diversidade e função social. In: GUERRA, Alexandre;

BENACCHIO, Marcelo (coord.). Direito imobiliário brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 198.

49TEPEDINO, Gustavo. A função social da propriedade e o meio ambiente, cit., p. 135.

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50PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà. Napoli: ESI, 1971. p. 59. No

original: “Non esiste cioè un’unica proprietà, non esiste una nozione rigida, definita di proprietà. Questo

significa che non é più possibile discorrere di unità del dominio; non è possibile sostenere cioè che la

proprietà à concetto unitario sintesi di taluni poteri di godimento e di disposizione (...) La verità è che

oggi non c’è più l’unità del dominio ma piuttosto vi è la consapevolezza precisa – non solo degli

interpretati ma anche dello stesso legislatore – che esiste una pluralità di domini”. No mesmo sentido v.

GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1990. p. 248.

51SCHREIBER, Anderson. Função social na prática jurisprudencial brasileira. Direito civil e

Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 249.

52V., no relativo, TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O papel do Poder Judiciário na

efetivação da função social de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino (org.). Questões agrárias,

julgados comentados e pareceres. São Paulo: Método, 2002. p. 41.

53TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O papel do Poder Judiciário na efetivação da função

social de propriedade, cit., p. 41.

54PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà, cit., p. 157. No original: “Dopo

aver sottolineato l’erroneità, l’unilateralità di un’indagine esclusivamente strutturale nello studio delle

situazioni giuridiche soggettive ‘proprietà’, e la necessità di una prevalente considerazione della

funzione, è opportuno sottolineare che una diversità di funzioni può anche provocare una diversità di

strutture, e che una stessa struttura, appartenente ad istituti diversi, può realizzare funzioni diverse. Il

discorso si complica enormemente perché da questa prospettiva si ha conferma che non ci si può limitare

a discorrere di ‘una proprietà’ al singolare, ma sarà necessario individuare quelle che sono le particolari

funzioni, i particolari interessi che sono sottostanti alle strutture”.

55TEPEDINO, Gustavo. A função social da propriedade e o meio ambiente, cit., p. 134.

56SCHREIBER, Anderson. Função social na prática jurisprudencial brasileira, cit., p. 250.

57SCHREIBER, Anderson. Função social na prática jurisprudencial brasileira, cit., p. 251. O autor

resume da seguinte forma: “Pode-se concluir que ao menos no que diz respeito à propriedade imobiliária,

urbana e rural, o Constituinte indica expressamente, nos arts. 182 e 186, interesses socais relevantes que

entende devem ser atendidos pelo titular do direito de propriedade. Entretanto, não é apenas a esses

interesses sociais que se deve submeter o proprietário. Os dispositivos constitucionais mencionados

acima não podem ser interpretados isoladamente, mas precisam ser lidos à luz dos princípios

fundamentais da Constituição. A própria opção axiológica do constituinte, privilegiando valores

existenciais sobre valores meramente patrimoniais, deve ser levada em consideração na definição do

conteúdo concreto do princípio da função social da propriedade. Desta forma, a noção de função social

deve ser informada por valores existenciais e interesses sociais relevantes, ainda que estranhos à

literalidade dos arts. 182 e 186 da lei fundamental”.

58Vale ressaltar que o Estatuto da Cidade foi promulgado em obediência a reserva legal prevista no art.

186 da Constituição da República.

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59“§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano

diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou

não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I –

parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de

emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas

anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.

60Os parâmetros referidos estão previstos no art. 182 da Constituição da República.

61V. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 592.

62TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. Temas de direito civil. 4. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2008. t. I, p. 323.

63TEPEDINO, Gustavo. A função social da propriedade e o meio ambiente, cit., p. 138.

64A propriedade burguesa, como se sabe, sofria raríssimas limitações externas e todas de caráter

negativo, cuja destinação era apenas para realização de interesses individuais e patrimoniais do

proprietário. Enquanto no conceito contemporâneo de propriedade, como situação jurídica complexa, a

propriedade é funcionalizada aos interesses existenciais e sociais previstos na Constituição da República.

65PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà, cit., p. 70. No original: “La

proprietà, invece, non é soltanto e sempre un diritto soggettivo ma è una situazione giuridica soggettiva

complessa, sostanziata appunto di facoltà nell’interesse del proprietario, facoltà di godere e facoltà di

disporre – che possono anche mancare, oltre tutto – e di situazioni passive per lo stesso proprietario”.

66TEPEDINO, Gustavo. A função social da propriedade e o meio ambiente, cit., p. 147.

67PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002. p. 226.

68SCHREIBER, Anderson. Função social na prática jurisprudencial brasileira, cit., p. 254.

69“Médico. Direito de internar e assistir seus pacientes. Código e Ética Médica aprovado pela Resolução

CFM n. 1.246/88, Art. 25. Direito de Propriedade. Código Civil, Art. 524. Decisão que reconheceu o

direito do médico, consubstanciado na Resolução, de ‘internar e assistir seus pacientes em hospitais

privados com ou sem caráter filantrópico, ainda que não faça parte do seu corpo clínico, respeitados as

normas técnicas da instituição’, não ofendeu o direito de propriedade, estabelecido no art. 524 do Código

Civil. Função social da propriedade, ou direito do proprietário sujeito a limitações. Constituição, Art. 5.

XXIII. 2. É livre o exercício de qual trabalho. A Saúde é direito de todos. Constituição arts. 5º XXIII e

196. 3. Recurso especial não conhecido” (REsp 27.039/SP, Rel. Min. Nilson Naves, j. 08.11.1993).

Outra decisão interessante é a que obrigou a instalação, em agências bancárias, de sanitários e

bebedouros para utilização dos clientes (Apelação Cível 79.573-5, Londrina, Rel. Des. Fleury Fernandes,

j. 28.09.1999).

70BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 15. Assim o autor destaca a importância do caráter

promocional: “Em poucas palavras, é possível distinguir, de modo útil, um ordenamento protetivo-

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repressivo de um promocional coma afirmação de que, ao primeiro, interessam, sobretudo, os

comportamentos socialmente não desejados, sendo um fim precípuo impedir o máximo possível a sua

prática; ao segundo, interessam, principalmente, os comportamentos socialmente desejáveis, sendo seu

fim levar a realização destes até mesmo ao recalcitrantes”.

71Apesar da ausência de referência expressa no texto da Constituição da República, esses são os

fundamentos basilares para a função social do contrato conforme TEPEDINO, Gustavo. O princípio da

função social no direito civil contemporâneo, cit., p. 259. Além dos fundamentos apontados, acrescenta

Teresa Negreiros que “não se deve pôr de parte a possibilidade de a função social do contrato ser

construída, à luz da Constituição, como um corolário da disciplina ali instituída para a função social da

propriedade” (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato:novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2006. p. 209).

72COGLIOLO, Pietro. Filosofia del diritto privato. Firenze: G. Barbèra, 1888. p. 228-229: “Lo sviluppo

dei contratti è intimamente legato con lo sviluppo dell’individuo e col perire della comunità: e queste due

cose dipendono alla loro volta dall’evoluzione sociale, dal crescere del comércio, dal progresso delle

condizioni economiche, dalle industrie, da tutta la vita. La storia dei contratti è dunque la storia della

civiltà”.

73MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito

GV, v. 1, n. 1, maio 2005, p. 45.

74MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos, cit., p. 46.

75PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 348.

76TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo, cit., p. 263. Cf.,

igualmente, TEPEDINO, Gustavo. A crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do

Código Civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). O Código Civil na perspectiva civil

constitucional: parte geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 17.

77Segundo Gustavo Tepedino, a função social pode ser “considerada um fim para cuja realização se

justifica a imposição de preceitos inderrogáveis e inafastáveis pela vontade das partes” (TEPEDINO,

Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo, cit., p. 260).

78MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos, cit., p. 49.

79MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos, cit., p. 49-50.

Cf. “Recurso especial. Código Civil. Contrato com cláusula de exclusividade celebrado entre Rede de

Televisão a apresentador (âncora) de telejornal. Art. 413 do CDC. Cláusula penal expressa no contrato.

(...) 5. Sob a vigência do Código Civil de 1916, era facultado ao magistrado reduzir a cláusula penal

caso o adimplemento da obrigação fosse tão somente parcial, ao passo que no vigente Código de 2002

se estipulou ser dever do juiz reduzir a cláusula penal, se a obrigação principal tiver sido cumprida em

parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, afastando-se definitivamente o

princípio da imutabilidade da cláusula penal. A evolução legislativa veio harmonizar a autonomia

privada com o princípio da boa-fé objetiva e função social do contrato, instrumentário que

proporcionará ao julgador a adequada redução do valor estipulado a título de cláusula penal,

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observada a moldura fática do caso concreto. 6. No caso ora em exame, a redução da cláusula penal

determinada pelas instâncias inferiores ocorreu em razão do cumprimento parcial da obrigação. Ainda

que se considere a cláusula penal em questão como compensatória, isso não impossibilita a redução do

seu montante. Houve cumprimento substancial do contrato então vigente, fazendo-se necessária a

redução da cláusula penal” (REsp 1.186.789/ RJ, 4a T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.

20.03.2014, DJ 13.05.2014), destaque nosso.

80Contudo, também houve duras críticas. V., por todos, VILLELA, João Baptista. Apontamentos sobre a

cláusula “…ou deveria saber”. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 32, out.-dez. 2007, p. 176-178, para

quem a função social somente significa que o contrato “deve atender aos requisitos básicos que se

exigem para a sua validade” (p. 178).

81SCHMIDT, Jan Peter. Dez anos do art. 422 do Código Civil – luz e sombra na aplicação do princípio

da boa-fé objetiva na práxis judicial brasileira. Tradução do alemão, versão original publicada no nº

2/2014 dos “Mitteilungen der DeutschBrasilianischenJuristenvereinigung e, V.”, no prelo e gentilmente

cedida pelo autor.

82A crítica de Schmidt em relação à aplicação não criteriosa do princípio da boa-fé objetiva é igualmente

aplicável à função social do contrato. Por exemplo, no caso de recusa de cobertura de tratamento por

plano de saúde, em vez de fundamentar na lei específica (Lei Federal 9.656/1998) e no Código de Defesa

do Consumidor (CDC), os tribunais entendem como necessário também justificar a decisão com uma

remissão genérica aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Cf.,

exemplificativamente: STJ, AgRg no AREsp 618.631/SP, 4aT., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.

12.02.2015, DJ 20.02.2015; TJRJ, Ap. Cív. 0142092-42.2013.8.19.0001, 25a Câmara Cível Consumidor,

Jds. Des. José Acir Giordani, j. 25.02.2015; TJRJ, Ap. Cív. 0015524-44.2014.8.19.0001, 27a Câmara

Cível Consumidor, Jds. Des. Tula Barbosa, j. 11.02.2015; TJRJ, Ap. Cív. 0010465-72.2010.8.19.0001,

27a Câmara Cível Consumidor, Des. Marcos Alcino A. Torres, j. 22.09.2014; TJSP, Ap. Cív. 1046829-

62.2013.8.26.0100, 4a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Fábio Quadros, j. 18.12.2014.

83TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo, cit., p. 262.

84A observação é de RENTERIA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da

função social do contrato. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil

contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 285.

85MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa dos contratos. Na medida da pessoa humana: estudos de

direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 315-316.

86KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos

no ordenamento jurídico brasileiro, cit., p. 21.

87KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos

no ordenamento jurídico brasileiro, cit., p. 56-57.

88KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos

no ordenamento jurídico brasileiro, cit., p. 59. Cf. “Violação aos princípios da função social do contrato,

boa-fé objetiva e probidade. Inexistência. (...) – O fato do comprador obter maior margem de lucro na

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revenda, decorrente da majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não

indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função social do contrato. – A função

social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao

assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos

os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles

derivados das condições da lavoura. (...) Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais

princípios, não há como inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva. Recurso especial

conhecido e provido” (REsp 803.481/GO, 3a T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j.

28.06.2007, DJ 01.08.2007), destaque nosso.

89NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 211-212.

90NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 215.

91KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: estudo comparativo sobre o

controle da autonomia negocial. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 43, jul.-

set. 2010, p. 61.

92RENTERIA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do

contrato, cit., p. 288.

93Nesse sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade de o terceiro vítima do sinistro

ajuizar demanda diretamente em face da seguradora. Cf. REsp 401.718/PR, 4a T., Rel. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira, j. 03.09.2002, DJ 24.03.2003); AgRg no AREsp 155.244/SP, 3a T., Rel. Min. Paulo

de Tarso Sanseverino, j. 07.02.2013, DJ 15.02.2013.

94Nesse diapasão, menciona-se como exemplo o famoso Caso do Zeca Pagodinho, em que o princípio da

função social do contrato foi utilizado pelo tribunal para fundamentar a responsabilidade de terceiro

(Brahma) por ter aliciado o cantor pagodeiro a rescindir seu contrato com a Nova Schin. Cf. TJSP, Ap.

Cív. 9112793-79.2007.8.26.000, 5a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mônaco de Silva, j.

12.06.2013. No STJ, REsp 1.361.149/SP (ainda não publicado). Para uma visão crítica na doutrina, v.

MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; BIANCHINI, Luiza Lourenço. Breves considerações

sobre a responsabilidade civil do terceiro que viola o contrato (tutela externa do crédito). In:

TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012. v. III, p. 453-471.

95ROCHFELD, Judith. Les grandes notions du droit privé. Paris: Presses Universitaires de France, 2011.

p. 453.

96ROCHFELD, Judith. Les grandes notions du droit privé, cit., p. 453.

97AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulação do mercado –

direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e

responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual. Revista dos

Tribunais, v. 750, abr. 1998, p. 3-4. Antonio Junqueira, todavia, em outro texto, segue posição um pouco

diversa, ao afirmar que todo contrato, ainda que seja de pequena significância econômica, possui dupla

função, individual e social. A primeira deve ser entendida como um ato de liberdade e autodeterminação

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e a segunda como dando dinamismo à coletividade. Para a aplicação do art. 421, deve-se considerar “a

função concreta de cada contrato, e não a abstrata do instituto ‘contrato’” (AZEVEDO, Antonio

Junqueira de. Diálogos com a doutrina. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 34, abr.-jun. 2008, p. 305).

Cf. igualmente NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 267. Registre-se que o próprio art. 608

do CC traz hipótese de tutela externa do crédito: “aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato

escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste

desfeito, houvesse de caber durante 2 (dois) anos”. Nesse diapasão, foi aprovado o Enunciado 21 na I

Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal: “a função social do contrato,

prevista no art. 421 do CC, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos

efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.

98Cf. crítica de Gustavo Tepedino: “O esmorecimento do princípio da relatividade indica, como

observado no texto, a imposição aos contratantes de deveres extracontratuais socialmente relevantes e

tutelados constitucionalmente. Não deve significar, todavia, uma ampliação da proteção dos próprios

contratantes, o que amesquinharia a função social do contrato, tornando-a servil a interesses individuais e

patrimoniais que, postos legítimos, já se encontram suficientemente tutelados pelo contrato. De outra

parte, o princípio da boa-fé objetiva, informado pela solidariedade constitucional, por não se limitar ao

domínio do contrato, alcança todos os titulares de situações jurídicas subjetivas patrimoniais, vinculando-

os ao respeito de posições contratuais, suas ou de terceiros. Por isso mesmo, fundamenta-se na boa-fé

objetiva a proteção do crédito em face de terceiros, não já no princípio da função social” (TEPEDINO,

Gustavo. Novos princípios contratuais e a teoria da confiança: a exegese da

cláusula tothebestknowledgeofthesellers. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p.

250-251, nota 14).

99RENTERIA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do

contrato, cit., p. 289-290. Cf. Enunciado 23 da I Jornada do CJF: “a função social do contrato, prevista

no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz

o alcance desse princípio quando presente interesses meta individuais ou interesse individual relativo à

dignidade da pessoa humana”.

100KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato, cit., p. 66-67. Contudo,

conforme destaca o autor, “eventualmente, (...) isto pode significar proteger uma das partes também, por

exemplo quando o contrato se contrapõe à dignidade humana, pode ser a dignidade de uma das partes

que esteja sendo lesada e que vai ser protegida pela extinção do contrato, Mas nestes casos o interesse

tutelado é coletivo porque vai além do interesse das partes, podendo, em certos casos, até mesmo se

contrapor a vontade de ambos os contratantes. Assim, a violação da função social do contrato ocorreria

na hipótese de restarem atingidos pelos efeitos do contrato interesses meta individuais juridicamente

relevantes”. Grifos no original.

101TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo, cit., p. 260.

102Vale ressaltar a existência de previsão da função social da empresa na legislação ordinária, por

exemplo, nos arts. 116, 154 e 165 da Lei das Sociedades Anônimas e no art. 47 da Lei de Recuperação

Judicial.

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103“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem

por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os

seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante

tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de

elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno

emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis

brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.

104V. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social da

empresa. Revista dos Tribunais, v. 857, mar. 2007, p. 11-28; PEREZ, Viviane. Função social da

empresa: uma proposta de sistematização do conceito. In: ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção;

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Temas de direito civil-empresarial. Renovar: Rio de

Janeiro, 2008. p. 197-221.

105V. a seguinte ementa: “Comercial e processual civil. Agravo regimental no agravo de instrumento.

Princípio da preservação da empresa. Valores insignificantes. Quebra da empresa. Descabimento.

Unidade produtiva. Preservação. Lei n. 11.101/2005. Agravo regimental provido” (STJ, AgRg no Ag

1.022.646/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJe 29.06.2009). Em outro julgado, o STJ impediu a

extinção da empresa em razão da morte de um dos sócios: “Comercial. Sociedade por quota. Morte de

um dos sócios. Herdeiros pretendendo a dissolução parcial. Dissolução total requerida pela maioria

social. Continuidade da empresa. Se um dos sócios de uma sociedade por quotas de responsabilidade

limitada pretende dar-lhe continuidade, como na hipótese, mesmo contra a vontade da maioria, que busca

a sua dissolução total, deve-se prestigiar o princípio da preservação da empresa, acolhendo-se o pedido

de e sua desconstituição apenas parcial, formulado por aquele, pois a sua continuidade ajusta-se ao

interesse coletivo, por importar em geração de empregos, pagamento de impostos, em promoção ao

desenvolvimento das comunidades em que se integra, e em outros benefícios gerais. Recurso conhecido e

provido” (STJ, REsp 61.278/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 06.04.1998).

106No que tange às restrições ao exercício da empresa, esclarece-se que, embora discordando por

entender que o lucro não é um fim em si mesmo, há posição doutrinária reconhecendo uma contradição

na aplicação do princípio da função social em um regime capitalista, sob o fundamento de que a

finalidade da empresa é o lucro. Fábio Konder Comparato assim resume seu pensamento: “(...) a ideia de

as empresas serem obrigadas, de modo geral, a exercer uma função social ad extra no seio da

comunidade em que operam, apresenta o vício lógico insanável da contradição. A empresa capitalista –

importa reconhecer – não é, em última análise, uma unidade de produção de bens, ou de prestação de

serviços, mas sim uma organização produtora de lucros. É esta a chave lógica para a compreensão de sua

estrutura e funcionamento. O objetivo da empresa, ou seja, o exercício de uma atividade econômica de

produção ou distribuição de bens, ou de prestação de serviços, está sempre subordinada ao objetivo final

de apuração e distribuição de lucros. (...) É imperioso reconhecer, por conseguinte, a incongruência em

se falar numa função social das empresas. No regime capitalista, o que se espera e exige delas é, apenas,

a eficiência lucrativa, admitindo-se que, em busca do lucro, o sistema empresarial como um todo exerça

a tarefa necessária de produzir ou distribuir bens e de prestar serviços no espaço de um mercado

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concorrencial. Mas é uma perigosa ilusão imaginar-se que, no desempenho dessa atividade econômica,

sistema empresarial, livre de todo controle dos Poderes Públicos, suprirá naturalmente as carências

sociais e evitará os abusos; em suma, promoverá a justiça social” (COMPARATO, Fábio Konder.

Estado, empresa e função social. Revista dos Tribunais, v. 732, out. 1996, p. 44-45). Outa corrente

doutrinária sustenta, acertadamente, que a função social da empresa não é incompatível com o lucro, ao

contrário, o lucro é indispensável e o próprio legislador constituinte o reconheceu ao adotar o regime

capitalista, o qual funda-se a livre iniciativa. O lucro, em verdade, potencializa o cumprimento do art.

170, especialmente o inciso VII que visa a redução das desigualdades sociais. Nesse sentido são as lições

de Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo em obra já citada neste estudo.

107PEREZ, Viviane. Função social da empresa, cit., p. 214.

108PEREZ, Viviane. Função social da empresa, cit., p. 214.

109PEREZ, Viviane. Função social da empresa, cit., p. 215-220.

110A tutela da livre concorrência é vista como instrumento garantidor da função social da empresa na

medida que, informada pela livre iniciativa, visa manter o mercado aberto a participação de novos

agentes econômicos estimulando o exercício da atividade empresarial para aumentar a competitividade

empresarial e, consequentemente, a redução de preços, melhoramento de produtos e serviços, entre

outros benefícios à coletividade.

111É necessário observar a tutela dos consumidores com a finalidade de assegurar o uso de boas práticas

comerciais e a proteção de seus direitos.

112O respeito à tutela do meio ambiente objetiva a sua preservação e o estímulo ao uso de sistemas de

desenvolvimento sustentável.

113FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussão sobre a responsabilidade civil de

controladores e administrador de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 194.

114Um bom exemplo que demonstra não ser o lucro um fim em si mesmo, e a necessidade de a empresa

realizar interesses socais relevantes, é a decisão proferida pelo STF na ADI 1.950. Sob o fundamento de

que a livre iniciativa deve harmonizar-se com o direito à educação, à cultura e ao desporto, o Supremo

Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade da lei que concedia meia entrada para os estudantes

regularmente matriculados em instituição de ensino (STF, ADI 1.950, Rel. Min. Eros

Grau, DJ 02.06.2006).

115Observa Ana Frazão que o objetivo da função social não é a publicização da atividade empresarial, o

que é repelido pela própria Constituição. Dessa forma, é necessário um equilíbrio, que a toda evidência

não é fácil, entre os objetivos da empresa e os interesses sociais. Para um exame mais detalhado v.

FRAZÃO, Ana. Função social da empresa, cit., p. 203-213.

116PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 171.

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6

HISTORICIDADE E RELATIVIDADE

DOS INSTITUTOS E A FUNÇÃO

PROMOCIONAL DO DIREITO CIVIL

Bruno Terra de Moraes

Fabiano Pinto de Magalhães

Sumário: 1. Introdução – 2. Historicidade e relatividade dos institutos jurídicos: a importância da contextualização – 3. Alguns

exemplos da importância da contextualização: tipicidade dos direitos reais e intangibilidade da legítima – 4. A função promocional e o

papel transformador do Direito Civil: a realização do projeto constitucional – 5. Técnicas legislativas promocionais no ordenamento

brasileiro: a constituição, os estatutos e o Código Civil de 2002 – 6. A função promocional na jurisprudência brasileira: ativismo

judicial e os direitos civis – 7. Conclusão.

1.INTRODUÇÃO

Os institutos jurídicos são criados com determinada finalidade, e esta é estabelecida pela

sociedade na qual inseridos. Dessa forma, somente perquirindo-se acerca da finalidade

pretendida é que se poderá conferir um sentido ao instituto, não se cogitando de finalidade sem

a devida contextualização social. Vale dizer: um instituo jurídico somente “é” dentro de

determinado contexto. Daí falar-se em “historicidade dos institutos jurídicos”.1

Esta noção ganha relevo na medida em que se analisa a evolução do direito civil, inclusive

com as mudanças de suas características com o passar do tempo. Ideia prevalente no final do

século XIX e início do século XX é a de que o direito civil seria o “codificado, dogmaticamente

imutável no tempo e no espaço, fundado em concepções invulneráveis, do ponto de vista

estrutural e funcional, ao influxo de normas constitucionais”.2 Note-se que não se admitia o

influxo de princípios e valores constitucionais no direito civil. Portanto, concebeu-se um direito

civil asséptico.

Os códigos civis passaram a surgir com uma vocação (ou seria mera “pretensão”?) à

perenidade e à imutabilidade. Tal situação gerou uma estabilidade dos textos dos códigos, em

contraponto à instabilidade dos textos das Constituições da época.3Afinal, não se verificava

sobre os códigos o influxo de valores e princípios emanados de uma norma maior. E a pretensa

perenidade no sentido dos institutos jurídicos vinha a conflitar com a noção de historicidade.

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Esta lógica inspiradora dos institutos de direito civil permaneceu até, aproximadamente, o

fim da Segunda Grande Guerra. Por ocasião do término do referido conflito, tendo

testemunhado o mundo alguns dos maiores genocídios da humanidade, verificou-se uma

significativa modificação do ideário vigente no mundo ocidental, o que levou à edição de

Constituições de cunho social, inspiradas por uma lógica solidária e de primazia da pessoa

humana.4

No Brasil, vítima de diversas rupturas institucionais ao longo do século passado, a

consagração de tais princípios na Constituição somente ocorreu aproximadamente quarenta e

três anos após o término daquele infausto evento histórico, com a promulgação da Constituição

de 1988. Ou seja, a Constituição, tal como ocorreu em outros países de inspiração democrática,

passou a conter os princípios fundamentais do direito privado. Assim, a dignidade da pessoa

humana foi alçada à centralidade do sistema, significando isso não só um simples rearranjo

hierárquico-axiológico, mas também a noção de que tais princípios se espraiam e informam a

totalidade do sistema.5

Esta incidência direta da Constituição, isto é, a prevalência de sua força normativa, tem

como efeito a concepção unitária do ordenamento. Se assim o é, lógica não há na concepção de

modelos binários. Afinal, “ou bem o sistema é uno ou não é ordenamento jurídico”.6 Supera-se,

assim, por exemplo, a dicotomia “direito público-direito privado”, já que incompatível com a

ideia de unidade.

Eis então uma nova visão do direito civil, considerando-o como passível de um influxo de

valores e princípios constitucionais outrora somente concebido nas relações Estado-indivíduo.

Passou-se a admitir a aplicação direta destes valores e princípios às relações privadas, mormente

porque são tais valores e princípios que conferem ao ordenamento a característica da unidade.7

Se o direito civil sofre este influxo direto dos princípios e valores constitucionais, sendo

por estes conformado, decerto que a modificação das ideias prevalentes na sociedade acaba por

acarretar a mudança de significado do próprio direito civil, rompendo-se com a noção

prevalente na doutrina tradicional de que o direito civil possuiria grau de abstração tal,

acompanhado da correspectiva atemporalidade, que se “tornaria puro e constante, refratário, em

sua essência, a alterações culturais, sociais e históricas”.8 Ganha vulto, assim, a noção de

historicidade, já que somente fará sentido a necessidade de contextualização do instituto jurídico

em um ambiente que admita a variação do seu sentido conforme forem os valores e princípios

que o norteiam.

2.HISTORICIDADE E RELATIVIDADE DOS INSTITUTOS JURÍDICOS:

A IMPORTÂNCIA DA CONTEXTUALIZAÇÃO

A concepção de um instituto jurídico sempre visa à consecução de um fim. Neste sentido,

segundo Bobbio, “(...) o Estado desenvolve a própria função de condicionar o comportamento

alheio para obter certos efeitos desejados ou para impedir certos efeitos indesejados (...)”.9

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Não há, portanto, como dissociar o instituto jurídico de seu elemento teleológico. E se

assim o é, este fim atende aos valores e princípios que informam a sociedade, sendo certo que

tais valores e princípios predominantes se encontram expressos na Constituição.

Não é demasiado, pois, afirmar que o instituto jurídico é um produto do seu tempo. A

expressão “seu tempo”, porém, não se refere, tão somente, à época em que o instituto jurídico

foi concebido. Não: enquanto ele estiver vigente, e for aplicável, deverá ser analisado à luz dos

princípios e valores vigentes na época da aplicação, de modo que tal instituto deverá estar de

acordo com as tendências apontadas pela sociedade, não podendo, portanto, ser incompatível

com os valores vigentes.

Por outro lado, quando se está tratando de norma jurídica, deve-se ter a noção de que ela

não preexiste ao fato sobre o qual será aplicada, mas sim nasce após a ocorrência deste, por

ocasião da realização do trabalho criativo do intérprete. Assim, ao analisar o fato, deve o jurista

“considerar os princípios e valores do ordenamento que a cada vez permitem proceder à

valoração do fato”.10 Supera-se, assim, a teoria da subsunção, já que o jurista construirá a norma

para o caso concreto, à luz dos interesses em jogo, levando-se em consideração o ordenamento

como um todo.11 Frise-se que a norma – não se confundindo esta com o texto legal – “é fruto de

sua colocação no âmbito do sistema”.12 Vale dizer: não se fala em norma desconsiderada de sua

inserção no sistema. A simples menção à norma pressupõe a sua inserção no ordenamento. Cai

por terra a noção do ordenamento jurídico como simples repositório de normas, prevalecendo a

noção de “conjunto de ordenamentos dos casos concretos”.13

Portanto, se a norma pressupõe o pertencimento a um sistema e sempre visa à consecução

de uma finalidade, o ordenamento no qual se insere é o atual. Ou seja, a norma somente será

inferida a partir de sua consideração dentro do ordenamento contemporâneo ao de sua aplicação.

Partindo dessa premissa, o instituto jurídico analisado à luz de princípios não pertencentes

ao momento em que se realiza a interpretação, não redundará em uma norma. Estar-se-á diante

de um instituto desconectado do ordenamento e, portanto, o produto daquela interpretação será

algo diferente de uma norma, já que não existe norma descontextualizada. A análise

descontextualizada do instituto desconsidera que este possui uma função dentro do

ordenamento.14

Exsurge daí a ideia de historicidade15 do instituto jurídico, de modo que ele, histórico que

é, deve ser analisado dentro do contexto em que aplicado.16 Neste sentido, caso a aplicação do

instituto se dê nos dias atuais, decerto que a sua análise deve se dar a partir do contexto atual,

isto é, de acordo com os princípios e valores ora em vigor no ordenamento.

Caso, porém, se pretenda investigar determinado instituto jurídico pertencente a outra

época, imprescindível será a tentativa de se perquirir acerca do seu sentido naquele outro

contexto. Ora, sabe-se que a retomada, com exatidão, do sentido originário conferido ao

instituto jurídico vetusto quase nunca é possível. É quase impossível realizar uma “recuperação

integral dos sentidos originários”.17 Entretanto, esta dificuldade de se retomar os sentidos

originários do instituto jurídico não autoriza o estudioso a simplesmente ignorar o contexto no

qual ele foi concebido e aplicado.18 Dar ao instituto jurídico de outra época o significado que ele

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atualmente possui não levará o intérprete a alcançar a norma jurídica da época. Não: será

produzido algo semelhante a umFrankenstein jurídico, eis que haverá a conjunção de um antigo

instituto jurídico com um significado atual. Ou seja, não se chegará a qualquer resultado válido,

já que o produto deste raciocínio levará a algo que, decerto, não era dantes aplicado, bem como

não é atualmente aplicado.

Exemplo da maior importância prática pode ser aquele decorrente da invocação de

precedentes jurisprudenciais antigos para o embasamento, atual, de determinada tese jurídica: ao

se fazer o resgate de tal julgado deve-se analisar o significado que os institutos jurídicos ali

mencionados possuíam no momento de sua prolação, sob pena de se chegar a resultado diverso

do pretendido.19

Assim, a melhor forma de análise do instituto jurídico será de modo a perquirir o seu

significado, o que implica a sua contextualização. Para António Manuel Hespanha, o melhor

caminho será o de “inventariar as dificuldades metodológicas da interpretação, procurando

tomar medidas que garantam o máximo de conhecimento sobre o outro”.20 Ainda nas palavras

do referido doutrinador português:

Na história, não nos queremos ver ao espelho, não queremos saber mais do mesmo. Embora

nos queiramos entender melhor, queremos fazer isso por meio da observação de outros,

agindo e comunicando em contextos diferentes, sendo esta alteridade dos atores e dos

contextos que aumenta o nosso conhecimento sobre os homens e as sociedades.21

Portanto, não se deve impor ao passado a leitura atual de institutos antigos. E vice-versa!

Como já dito anteriormente, o instituto jurídico pertence ao tempo em que é aplicado, razão pela

qual somente será válida a sua análise à luz do contexto ao qual pertenceu.

O que até aqui foi tratado faz ressaltar a noção de relatividade dos institutos jurídicos. Isto

porque a importância da análise contextualizada de determinado instituto jurídico decorre da

noção de que o significado dos institutos varia conforme o contexto em que se insere.22 O

ordenamento é que informa o sentido dos institutos, e não o contrário. Não se deve entender que

o direito civil, com esteio na tradição, seja considerado um campo alheio às influências da

Constituição, com a manutenção do sentido de seus institutos independentemente dos valores e

princípios emanados da norma que se encontra no ápice do ordenamento. Não há norma imune

às influências da Constituição.

Superou-se, assim, a vetusta noção de que os institutos de direito civil seriam

vocacionados à perenidade e à estabilidade posto ser este “neutro” e “não histórico”, ao

contrário das Constituições, estas sempre permeáveis às influências políticas e, portanto,

instáveis.23 Não mais prevalece a noção do Código Civil “como estrutura estática e atemporal”.

Passou-se a assumi-lo como “dado histórico, relativo e funcional”.24 Afinal, na medida em que

os institutos jurídicos são concebidos e aplicados visando à consecução de um fim, este fim será

decorrente dos valores e princípios prevalentes na sociedade. Se a Constituição é modificada

com alguma frequência, isto ocorre porque a própria sociedade também se modifica. E se assim

o é, o restante do ordenamento refletirá tais mudanças.

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Exemplo candente da necessidade de se analisar o significado dos institutos jurídicos de

acordo com o contexto em que inseridos foi aquele advindo da promulgação da Constituição de

1988. Como se sabe, a Constituição erige como fundamento da República o princípio da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e, como um de seus objetivos, a solidariedade social

(art. 3º, I). Sendo assim, exsurgiu a exigência de que os institutos de direito civil fossem

funcionalizados à plena realização de tal dignidade.25 Os institutos de direito civil passaram a

ser relidos com base nos primordiais valores exprimidos pela Constituição.

Outro exemplo de como um mesmo texto legal pode ser lido de forma inteiramente

distinta, conforme forem os valores e princípios informadores do ordenamento, foi o verificado

nas Alemanhas Ocidental e Oriental. Como é sabido por todos, derrotada a Alemanha na

Segunda Grande Guerra, o país foi dividido em Alemanha Ocidental – que adotou a economia

de mercado – e a Alemanha Oriental – que adotou a economia baseada na coletivização dos

meios de produção. Os regimes econômicos adotados em cada lado da fronteira eram

antagônicos. Entretanto, em ambos os países foi mantido em vigor o Código Civil Alemão de

1900. O mesmo texto legal foi, por muitos anos – até 1976, quando entrou em vigor o Código

Civil da Alemanha Oriental – aplicado em ambos os países, mas com leituras e fundamentos

inteiramente díspares. E os fundamentos eram distintos não somente entre si mas, ainda, em

relação aos fundamentos da sociedade da época de edição do Código, isto é, de 1900.26 Apenas

para citar um exemplo do quão diferentes podem ser as leituras relativas ao mesmo texto, nada é

mais distinto do que a noção de propriedade em países capitalistas e socialistas.

Os valores e princípios que informam uma determinada sociedade não são inteiramente

compartilhados com outras. Dessa maneira, não há como dissociar o instituto do ordenamento

jurídico do qual faz parte, de modo que somente dentro de tal contexto espacial será possível

inferir o seu significado.27-28

E a relatividade dos institutos jurídicos não passou despercebida nem mesmo pelos autores

clássicos do direito civil brasileiro, ainda que sem a utilização do termo “relatividade”. É o que

se extrai, por exemplo, da lição de Caio Mário da Silva Pereira, para quem:

A verdade é que a propriedade individual vigente em nossos dias, exprimindo-se embora em

termos clássicos e usando a mesma terminologia, não conserva todavia conteúdo idêntico ao

de suas origens históricas.29

Frise-se que, embora conservando a mesma terminologia, a propriedade, atualmente, não

pode ser analisada senão à luz da sua função social, inserida no âmbito dos direitos e garantias

fundamentais (art. 5º, XXII da CRFB/1988), diferentemente da ordem constitucional anterior,

por ocasião da qual figurava a função social como princípio atinente à ordem econômica e

social.30 Ou seja, ainda que constante da Constituição anterior, a função social não ostentava a

primazia à qual foi alçada na atual ordem constitucional. Eis um exemplo candente de como um

determinado instituto jurídico pode, ainda que mantendo a sua designação, ganhar significado

distinto conforme for o contexto em que inserido e aplicado.

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Expostas as ideias acima, de cunho teórico, e não sendo aconselhável desconsiderar as

suas implicações práticas, passa-se à análise de alguns dos institutos do direito civil cuja

aplicação das noções de historicidade e relatividade acarretaram mudança de sentido.

3.ALGUNS EXEMPLOS DA IMPORTÂNCIA DA

CONTEXTUALIZAÇÃO: TIPICIDADE DOS DIREITOS REAIS E

INTANGIBILIDADE DA LEGÍTIMA

A fim de estudar a historicidade e a tipicidade, válido será recorrer a exemplos de

institutos jurídicos cujas características, em determinado contexto histórico, possuíam sólidos

fundamentos, mas que, atualmente, possuem campo para uma flexibilização. A tipicidade dos

direitos reais e a intangibilidade da legítima aí se enquadram.

Quanto aos direitos reais, dentre as suas características que os diferenciam dos direitos de

crédito se encontra o sistema do numerus clausus. Assim, enquanto os direitos de crédito se

caracterizam pelo amplo espaço conferido à autonomia privada, com relação aos direitos reais

os seus contornos são estipulados em lei.31

O sistema do numerus clausus teve sua origem como reação da burguesia à lógica

medieval de propriedade. Se no sistema feudal a propriedade sobre a terra se fundamentava,

sobretudo, nas relações de parentesco, caso fosse mantido tal sistema a burguesia jamais teria

acesso à propriedade. Sendo assim, para que houvesse uma definitiva superação do sistema

feudal, necessário foi o estabelecimento de uma perspectiva diferente da propriedade, passando

esta a se basear numa visão personalista, alheia à questão de parentesco, guardando, assim,

semelhanças com o direito pessoal, porém com oponibilidade erga omnes.32 Ou seja, a

coletividade seria o sujeito passivo do direito real, devendo ela, coletividade, se abster de

práticas tendentes ao embaraço do exercício daquele direito pelo seu titular.33

Esta oponibilidade erga omnes passou a ser o fundamento utilizado para se estabelecer o

princípio do numerus clausus, isto é, de que os contornos do direito real estivessem previstos

em lei,34 mormente para se conferir maior segurança jurídica, escoimando-se os direitos reais de

gravames concebidos pelas partes sem previsão legal, facilitando-se, assim, a livre circulação

dos bens imóveis.35 E esta facilitação se deu por pelo menos três aspectos: o primeiro, pelo fato

de a previsão legal facilitar a compreensão, pelo sujeito passivo do direito real (coletividade),

dos termos em que tal direito seria exercido pelo seu titular; o segundo, decorrente do primeiro,

por viabilizar que, mediante tal conhecimento, um membro da coletividade se interessasse em se

tornar o titular de determinado direito real e efetivasse esta transferência; e, o terceiro, já

anteriormente citado, em decorrência da limitação de eventuais gravames que pudessem impedir

a livre circulação de tais bens.

O que se percebe, portanto, é que a opção pelo numerus clausus pode se dar em razão de

opções legislativa, doutrinária e/ou ideológica, não havendo razões para se entender que tal

regra teria fundamento universal, ou fosse algum pressuposto da teoria civilista.36 Não há, a

rigor, nada que imponha, fundamentalmente, a adoção desta opção, salvo a conveniência. Aliás,

tanto o art. 674 do Código de 1916, quanto o art. 1.225 do Código de 2002, não realizaram

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qualquer menção à taxatividade dos direitos reais, não constando, ainda, na redação do atual

Código, proibição expressa à estipulação pelas partes de direito real não previsto em lei.

Portanto, no caso brasileiro, sequer se pode dizer que a adoção daquele princípio se trata de

opção legislativa.

E demonstrando-se que a opção pelo numerus clausus não é universal, toma-se como

exemplo o direito espanhol, sistema no qual, desde que em vigor o código civil atual, a

enumeração dos direitos reais neste previstos é meramente exemplificativa.37

O sistema do numerus clausus pode ser desdobrado, ainda, em dois aspectos. O primeiro é

a taxatividade dos direitos reais, isto é, é a enumeração exaustiva na lei das categorias de direito

real; o segundo, é a tipicidade, que estaria ligada ao conteúdo daquelas categorias.38

Tendo-se em vista que a sociedade foi sendo, como é natural, modificada, tornando-se

muito mais complexa, mormente em razão do desenvolvimento econômico, dos avanços

tecnológicos e da massificação da sociedade,39 surgiram, como se sabe, novas formas de

exploração econômica dos bens. Portanto, muitas das razões que levaram à adoção do numerus

clausus já não mais se verificam nos dias atuais. De início, o fundamento originário da adoção

de tal sistema, que foi a necessidade de afirmação da burguesia em face do fundamento feudal

da propriedade da terra, por óbvio que não ocorre nos dias atuais.

Note-se, ainda, que o sistema registral adotado no Brasil, segundo o qual somente se

transmite a propriedade imóvel mediante transcrição no Registro Geral de Imóveis, em razão do

incremento tecnológico verificado nas últimas décadas se tornou mais seguro, com menos

possibilidade de erronias e perdas de dados. Incrementando-se o sistema registral incrementa-se

a publicidade e, por conseguinte, fundamenta-se com mais segurança a oponibilidade do direito

real a terceiros de boa-fé.40

Portanto, se o contexto no qual se concebeu o princípio do numerus clausus como algo

conveniente foi modificado, cumpre verificar qual o significado que tal regra recebe no atual

contexto, sempre, evidentemente, à luz dos princípios e valores do sistema civil constitucional.41

Testemunha-se um incremento das relações econômicas que conduz à produção de

negócios jurídicos que envolvem direitos reais, cujos conteúdos não são previstos na legislação.

Ou seja, o princípio do numerus clausus, concebido outrora para fomentar a circulação dos

bens, hoje em dia se torna um freio, eis que a velocidade do legislador não acompanha a

velocidade da evolução das relações econômicas.

Frise-se, porém, que estes negócios jurídicos, de conteúdo mais sofisticado, vêm sendo

celebrados dentro do âmbito dos direitos reais taxativamente previstos na legislação, isto é,

tenta-se “encaixar” esses novos conteúdos nas categorias de direitos reais já preexistentes.42

É de se questionar, assim, se ainda prevalece, no que se refere aos direitos reais, o

princípio do numerus clausus. E a resposta é negativa, já que este, tal como classicamente

concebido, não mais se fundamenta em princípios que lhe são hierarquicamente superiores.

Aliás, em virtude da ausência de carga valorativa relevante que ampare o numerus clausus,

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talvez nem seja demasiado sustentar a inadequação de considerá-lo um princípio, a despeito de,

normalmente, ser assim designado.43

Analisando-se, mais especificamente, os dois aspectos já vistos do numerus clausus, isto é,

a taxatividade e a tipicidade, percebe-se que esta última já se encontra bastante flexibilizada, em

virtude da corriqueira realização de negócios jurídicos envolvendo direitos reais com conteúdo

não previsto pelo legislador, com uma valorização da autonomia das partes,44 demonstrando-se

que o nosso sistema já se encontra suficientemente maduro para fins de admitir molduras mais

sofisticadas de direitos reais.

Com relação à taxatividade, isto é, à previsão exaustiva na legislação das categorias de

direitos reais, neste caso parece haver algumas resistências à admissão de sua superação,

havendo autores, mesmo de vanguarda, que entendem pela manutenção do referido

princípio.45 Não obstante, deve-se observar se é conveniente optar, como se vem fazendo, por se

tentar encaixar os novos conteúdos às atuais categorias de direitos reais, situação esta que

implica, às vezes, indevido elastecimento dos institutos previstos pelo legislador. Talvez, seja

melhor admitir a superação da taxatividade dos direitos reais, princípio este afeto “à política

legislativa, não se configurando um elemento ontologicamente vinculado à teoria dos direitos

reais”,46 isto é, não sendo essencial à configuração destes direitos. Por outro lado, no estágio em

que se está, insistir-se na manutenção do princípio da taxatividade seria evidente valorização

do nomen iuris, em detrimento do conteúdo no negócio jurídico, com a indevida inclusão, em

uma mesma categoria, de direitos reais com componentes inteiramente díspares.

Em relação ao princípio da intangibilidade da legítima, cumpre mencionar, de imediato,

que o direito de herança foi alçado a garantia fundamental, em virtude do disposto no artigo 5º,

inciso XXX, da Constituição Federal, razão pela qual se deve reconhecer a impossibilidade de

extinção da sucessão mortis causa do ordenamento jurídico brasileiro.

Isto quer dizer que a lei não pode suprimir o direito de herança dos sucessores do de cujus,

cujos bens devem ser transmitidos àqueles, de acordo com as regras sucessórias previstas na lei

civil.

Assim, cabe à lei definir as regras da sucessão hereditária, que poderá dar-se “por lei ou

por disposição de última vontade”, na forma do artigo 1.786 do Código Civil. Nisto consiste a

distinção entre a sucessão legítima, que decorre da lei, e a testamentária, expressa em

testamento ou codicilo.

A autonomia privada do testador é limitada pelo instituto da legítima, previsto no artigo

1.789 do Código Civil, segundo o qual “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá

dispor da metade da herança”. Com base neste dispositivo, associado aos arts. 549, 1.849, 1.967

e 1.968 do Código Civil, a doutrina aponta a existência de um princípio da intangibilidade da

legítima.

No entanto, cabe questionar se a legítima é, de fato, inalterável. Ou seja, a referida garantia

constitucional protege a sucessão legítima ou apenas garante o direito de herança, que poderá

ser conformado pelo legislador ordinário, que, por exemplo, poderia revogar a regra da legítima

e permitir que o titular da herança dispusesse da totalidade de seus bens por testamento.

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O questionamento da intangibilidade da legítima deve passar em revista sua atual função

no ordenamento jurídico brasileiro e os fundamentos da sucessão hereditária, que, em síntese, se

equilibra entre o direito de propriedade – objeto da transmissão – e a família, que fornece

critérios para a ordem de vocação hereditária.47

Com efeito, a sucessão hereditária, no âmbito familiar, serve de instrumento de

concretização do princípio da solidariedade constitucional e também deve estar funcionalizada à

promoção e ao desenvolvimento da pessoa humana.48

Nesta medida, os fundamentos do princípio da intangibilidade da legítima seriam a

proteção especial à família (e à dignidade da pessoa humana de seus membros, acompanhada da

solidariedade constitucional) e a plena liberdade de testar (informada pelo direito de propriedade

e o valor social da livre iniciativa).

No entanto, o instituto sofre importantes críticas e é apontado como ineficaz e inoportuno

na realidade atual da família, o que justificaria sua extinção ou, ao menos, significativa

limitação. A esse respeito, apontam-se alterações de natureza biológica, socioeconômica e

jurídica, como a longevidade crescente de seus membros e o surgimento de novas técnicas de

proteção contra eventos imprevisíveis (especialmente, doença, invalidez e morte), como a

Seguridade Social e a proliferação dos contratos de seguro de vida.

Veja-se que a legítima justificava-se como instituto que garantia uma quota da herança

para proteção contra o desamparo daquele membro da família, diante de um fato imprevisível

ocorrido ainda em idade não economicamente ativa. Em outros termos, a legítima se presta a

proteger aquela pessoa que, jovem e sem ter formado renda e patrimônio próprios, merece

receber parcela do patrimônio que lhe garanta os meios materiais necessários à vida digna, ante

o óbito, por exemplo, de seu genitor.

No entanto, a evolução dos instrumentos de seguridade social e, especialmente, dos índices

de expectativa de vida permite verificar que o instituto não serve, atualmente, àquela função

outrora exercida e autoriza questionar sua adequação e utilidade, de modo a admitir-se a

possibilidade de revogação legislativa ou, ao menos, sua mitigação.

A título de exemplo, vale mencionar que a expectativa de vida no Brasil, entre homens,

passou de 33,4 anos em 1910 para 65 anos em 1990, até chegar a 71 anos em 2012. Entre as

mulheres, a expectativa correspondeu a 34,6 anos, 72,1 anos e 78,3 anos, respectivamente nos

períodos indicados.49

Este cenário indica que, enquanto décadas atrás, a legítima servia à tutela dos interesses de

menores ou jovens herdeiros que, ainda não economicamente ativos, mereciam proteção para

garantir meios materiais mínimos à subsistência, atualmente o instituto restringe

significativamente a liberdade de testar sem realização desta função, visto que, não raro, o

sucessor já estará em idade adulta, com economia e patrimônio substancialmente formados.50

Por tal razão, considerando que a garantia constitucional protege apenas o direito de

herança, que a legítima não realiza mais, em regra, a função originariamente concebida e que há

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outros meios capazes de tutelar e promover a pessoa humana nestas situações, é possível

reconhecer que seria constitucional uma lei que abolisse a reserva hereditária.51

Todo este cenário permite, com fundamento na historicidade e relatividade dos institutos,

apontar a legítima como um dos institutos cuja função sofreu significativa modificação em um

determinado ordenamento jurídico, diante da atual realidade social e cultural, a tal ponto que

poderia até fomentar o debate quanto à possibilidade de sua extinção ou, ainda, modulação

(percentual) de acordo com a idade dos sucessores, considerando-se, assim, como legítima

medida decorrente de opção legislativa.

4.A FUNÇÃO PROMOCIONAL E O PAPEL TRANSFORMADOR DO

DIREITO CIVIL: A REALIZAÇÃO DO PROJETO CONSTITUCIONAL

O reconhecimento da historicidade e da relatividade dos institutos e a primazia do seu

perfil funcional podem contribuir para a superação da técnica legislativa tradicional, ainda

preponderante, de modo a favorecer o fortalecimento da função promocional do Direito.

Tradicionalmente, o Direito é apontado como uma ordem de coação,52 a qual atua,

repressiva ou preventivamente, sobre uma conduta humana (considerada preceituada, ordenada,

prescrita, exigida, proibida, ou consentida, permitida, facultada), por meio da cominação de

sanções. O Direito, em resumida síntese, seria composto, primordialmente, por normas

imperativas formuladas por meio de comandos, proibições e sanções.53

A ordem jurídica atuaria de forma repressora e conservadora, “no sentido de que reagem

contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas –

particularmente contra condutas humanas indesejáveis – com um ato de coação, isto é, com um

mal – como a privação da vida, da saúde, da liberdade, de bens econômicos e outros”.54

Esta proposição formalista (e apenas pretensamente neutra e objetiva), fruto de um

específico momento histórico de formação do Estado liberal clássico e de ascensão da

burguesia, serviu, especialmente, ao propósito de favorecer o tráfego jurídico e fortalecer, entre

outros, o dogma da segurança jurídica.

No entanto, a superveniência de fatores históricos contribuiu, pouco a pouco, à superação

desta concepção e ao reconhecimento da inadequação e insuficiência do instrumental técnico

neutro.55

No século XX, o período pós-guerras caracterizou a decadência do positivismo, diante da

constatação das barbáries praticadas pelo regime fascista dentro de um ordenamento jurídico

indiferente a valores éticos, no qual a lei correspondia a estrutura meramente formal.

O surgimento do Estado social promoveu o novo papel do Estado de intervenção na

economia,56 somado ao fortalecimento de sua função de garantia e promoção dos direitos

fundamentais, ante a constatação da insuficiência da mera proteção legal e da igualdade apenas

formal.

Neste processo, contribuiu, ainda, a perda de centralidade do Código Civil, favorecida por

um fenômeno de proliferação de leis especiais, que, num cenário de importantes modificações

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econômicas e sociais, colaborou para significativas alterações na técnica e na linguagem

legislativas, e mesmo na temática dos novos diplomas legislativos (a chamada era dos

estatutos).57

Neste cenário fragmentário, marcado pela pluralidade de fontes normativas, o

ordenamento mantém-se unitário (embora complexo), com a passagem da Constituição –

apoiada em sua supremacia (formal e axiológica) e na normatividade de suas normas – para o

centro do sistema, de forma a conferir unidade ao ordenamento jurídico58 e a servir de

fundamento de validade de toda norma jurídica.59

A centralidade da Constituição representa, em última análise, a centralidade dos valores e

princípios constitucionais (e, notadamente, a da dignidade da pessoa humana), que constituem o

fim último da ordem jurídica. Daí a função promocional do direito civil deve corresponder à

realização do projeto constitucional, cuja base fundamental se identifica na denominada cláusula

geral de tutela e promoção da pessoa humana, “tomada como valor máximo pelo

ordenamento”.60

A vocação à realização destes valores constitucionais impõe a necessária superação da

pretensa neutralidade do Direito e de seu intérprete, dogma liberal-normativista cuja finalidade

é, a rigor, a manutenção do status quo, servindo de instrumento de perenização da

injustiça.61 Ou seja, a decisão supostamente neutra também constitui uma postura política,

comprometida a não afetar nem subverter “as distribuições de poder e riqueza existentes na

sociedade, relativamente à propriedade, renda, acesso às informações, à educação, às

oportunidades etc.”.62

Necessário, portanto, aderir deliberadamente a uma concepção social e politicamente

comprometida do Direito (e do Estado), o qual, afastando-se da ideia de mero instrumento

conservador do status quo e perpetuador de certas relações de poder, passa a ser considerado

uma força capaz de conformar e transformar a realidade.63

Este papel transformador do Direito (e, particularmente, do Direito Civil) significa

promover certas atividades ou comportamentos desejados pelo legislador constitucional, bem

como almejar moldar e conformar a sociedade em um determinado sentido, que corresponde à

realização do projeto constitucional,64 vale dizer, a realização dos valores e princípios

constitucionais.65

A realização destes valores, a construção desta sociedade e a promoção de

comportamentos adequados demandam uma postura ideologicamente comprometida do

intérprete e a adoção de um novo perfil de técnica legislativa.66

5.TÉCNICAS LEGISLATIVAS PROMOCIONAIS NO ORDENAMENTO

BRASILEIRO: A CONSTITUIÇÃO, OS ESTATUTOS E O CÓDIGO

CIVIL DE 2002

A efetivação da função promocional do direito demanda, com idêntica importância, uma

mudança de postura de atuação do intérprete,67 que deve estar séria e profundamente

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comprometido com a realização do projeto constitucional, bem como a adoção de renovada

técnica legislativa.

De fato, embora não haja prevalência entre estes fatores, a função promocional do direito

se realiza, destacadamente, por técnicas legislativas promocionais, que, por meio de

instrumentos de encorajamento e sanções positivas, buscam promover ou incentivar a prática de

determinadas atividades ou comportamentos desejados, no lugar das técnicas legislativas

tradicionais, que atuam, coativamente, mediante ordens, proibições e sanções.

Estas técnicas tradicionais decorrem de uma concepção do Direito, histórica e

ideologicamente identificada,68 sob o ponto de vista exclusivo de suas funções repressora –

repressão de atos ilícitos – e protetora – proteção de atos lícitos.

Trata-se de relevante transformação na concepção do papel do Direito e nas técnicas

legislativas adotadas para a realização de novas funções e finalidades.69

O legislador, portanto, passa a lançar mão, notadamente, de técnicas de encorajamento, por

meio de medidas ou instrumentos de estímulo ou incentivo de condutas, atividades ou padrão de

comportamentos desejáveis e compatíveis com os valores constitucionais.

Norberto Bobbio70 explica o funcionamento das diversas espécies de técnicas legislativas:

(...) em relação aos atos conformes, a técnica de desencorajamento visa proteger o seu

exercício, tutelando a possibilidade de fazer ou não fazer, caso se trate de atos permitidos, a

possibilidade de fazer, caso se trate de atos obrigatórios, e a possibilidade de não fazer, caso

se trate de atos proibidos. (...) a técnica de encorajamento visa não apenas a tutelar, mas

também a provocar o exercício dos atos conformes, desequilibrando, no caso de atos

permitidos, a possibilidade de fazer e a possibilidade de não fazer, tornando os atos

obrigatórios particularmente atraentes e os atos proibidos particularmente repugnantes. (...)

Além disso, assinala a passagem de um controle passivo – mais preocupado em desfavorecer

as ações nocivas do que em favorecer as vantajosas – para um controle ativo – preocupado

em favorecer as ações vantajosas mais do que em desfavorecer as nocivas.

Nesta medida, aos ordenamentos de caráter exclusivamente protetivo-repressivo,

interessam apenas os comportamentos socialmente não desejados, cuja adoção busca-se tornar

impossível, difícil ou desvantajosa.

De sua parte, os ordenamentos de natureza (também) promocional são vocacionados a

tornar necessária, fácil ou vantajosa a prática de comportamentos socialmente desejáveis.

Como se pode notar, podem ser adotados meios diretos – atuam diretamente sobre a

conduta, tornando impossível ou necessária – e indiretos (todos os demais); e ainda

instrumentos de facilitação (que precedem o comportamento) ou de encorajamento (as sanções

positivas, prêmios e recompensas, adotadas depois do comportamento.

Ainda neste instrumental técnico, faz-se necessária a distinção entre normas positivas e

normas negativas (comandos e proibições) e entre sanções positivas e sanções negativas

(prêmios e castigos). No entanto, não há qualquer vinculação entre elas, de forma que é possível

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a combinação entre normas positivas e sanções negativas e entre normas negativas e sanções

positivas. Veja-se, a propósito, a lição de Norberto Bobbio:71

As duas distinções não se sobrepõem. Ainda que, de fato, as normas negativas se

apresentem habitualmente reforçadas por sanções negativas, e as sanções positivas se

apresentem predominantemente predispostas ao (e aplicadas para o) fortalecimento das

normas positivas, não há qualquer incompatibilidade entre normas positivas e sanções

negativas, de um lado, e normas negativas e sanções positivas, de outro. (...) Portanto,

podem ocorrer, de fato, quatro diferentes situações: a) comandos reforçados por prêmios; b)

comandos reforçados por castigos; c) proibições reforçadas por prêmios; d) proibições

reforçadas por castigos.

(...) os prêmios estão, com efeito, geralmente ligados a comandos, e os castigos, a

proibições. (...) Em outras palavras, é mais fácil premiar uma ação do que uma omissão –

mas, então, aquilo que é premiado é um comportamento previsto por uma norma positiva. É

mais fácil punir uma ação do que uma omissão – mas, então, aquilo que se pune é um

comportamento contrário a uma proibição.

Como mencionado no tópico anterior, a adoção desta particular técnica legislativa foi

favorecida pela proliferação de leis especiais e setoriais (os denominados estatutos), que

promoveram mudanças nos objetos, finalidades, linguagem e técnicas legislativas.72

Alguns exemplos podem ser identificados no ordenamento jurídico brasileiro.

O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) estabeleceu normas de ordem pública e interesse

social para regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do bem-

estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental. Entre suas diretrizes gerais, vale apontar os

estímulos, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais,

padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a

economia de recursos naturais (art. 2º, XVII).

Para a consecução de seus objetivos, a lei lista diversos instrumentos da política urbana

(art. 4º) que se diferenciam da técnica legislativa tradicional, como a elaboração de planos de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social e planejamento municipal e

das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, mediante de plano diretor,

plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual, gestão orçamentária participativa,

incentivos e benefícios fiscais e financeiros, entre outros.

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), por sua vez, estabelece garantia de prioridade em

favor do idoso, estimulando, por exemplo, o atendimento preferencial em órgãos públicos e

privados prestadores de serviços, a preferência na formulação e na execução de políticas sociais

públicas específicas, a destinação privilegiada de recursos públicos para proteção ao idoso,

estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter

educativo.

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A Lei 10.741/2003 determina, ainda, que o Poder Público crie e promova programas de

estímulos às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho (art. 28, III) e assegura a

gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos (art. 39) e prioridade na tramitação de

processos judiciais (art. 71).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), ao estabelecer a Política Nacional

das Relações de Consumo para proteção da dignidade, saúde e segurança dos consumidores,

prevê a possibilidade de ação governamental por meio de concessão de incentivos e estímulos à

criação e desenvolvimento de Associações de Defesa do Consumidor (art. 4º, II, “b” c/c arts. 5º,

V, e 106, IX), bem como o incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de

controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos

alternativos de solução de conflitos de consumo (art. 4º, V).

A Lei 10.748/2003, instituidora do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego

para os Jovens – PNPE, criou incentivos econômicos aos empregadores para cada emprego

gerado, atendidas as condições previstas na lei, com declarada intenção de favorecer a

contratação de jovens, de baixa renda, sem experiência profissional prévia. Essa lei, que previa a

subvenção econômica em seu art. 5º, foi posteriormente revogada pela Lei 11.692/2008, que

dispõe sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem.

No setor cultural, a Lei 8.313/1991 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura

(Pronac), com a finalidade de captar recursos para facilitar o livre acesso às fontes de cultura e o

pleno exercício dos direitos culturais; promover e estimular a regionalização da produção

cultural e artística brasileira; apoiar, valorizar e difundir o conjunto das manifestações culturais;

proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis

pelo pluralismos da cultura nacional; preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio

cultural e histórico brasileiro; estimular a produção e difusão de bens culturais de valor

universal, formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória; e priorizar o produto

cultural originário do País.

O fomento à produção cultural é estimulado por incentivos fiscais concedidos a pessoas

físicas e jurídicas, que poderão deduzir do montante a ser pago a título de imposto de renda os

valores aplicados como doações ou patrocínios a projetos culturais ou como contribuições ao

Fundo Nacional de Cultura – FNC (art. 18 e seguintes), desde que previamente aprovados pelo

Ministério da Cultura e observados os limites e condições estabelecidos na legislação do

imposto de renda.

Por fim, vale apontar a Lei 11.770/2008, que instituiu o Programa Empresa Cidadã, com a

finalidade de prorrogar por 60 dias a duração da licença maternidade prevista no art. 7º, XVIII,

da Constituição Federal. Referida lei visa incentivar a prorrogação da licença de 120 para 180

dias, mediante a dedução do “imposto devido, em cada período de apuração, o total da

remuneração integral da empregada pago nos 60 dias de prorrogação de sua licença-

maternidade.

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6.A FUNÇÃO PROMOCIONAL NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA:

ATIVISMO JUDICIAL E OS DIREITOS CIVIS

De acordo com a metodologia do direito civil constitucional, há a necessidade da releitura

permanente do direito civil à luz da Constituição.73 E não poderia ser diferente, já que as normas

constitucionais se situam no topo do ordenamento jurídico, informando, por conseguinte, o

sistema como um todo.74 E a concepção unitária do ordenamento jurídico é a decorrência lógica

da noção de força normativa e superioridade hierárquica da Constituição.75 Esta unidade do

ordenamento “decorre da existência (pressuposta) da norma fundamental (Grundnorm), fator

determinador de validade de toda a ordem jurídica, e abrange a intolerabilidade de antinomias

entre as múltiplas proposições normativas (...)”.76

Assim, ao se falar em “ordenamento”, há a pressuposição de que se está a tratar de um

todo unitário,77 ocupando a Constituição o topo da hierarquia deste sistema.78 E características

típicas do sistema são “a ordem e a unidade”, que “encontram a sua correspondência jurídica

nas ideias da adequação valorativa e unidade interior do Direito”.79 Assim, o ordenamento

“encontra agora, na Constituição sua unidade e sistemática axiolóxica”.80

Partindo-se das noções acima, notadamente as de que a) o ordenamento é unitário; e b) a

norma fundamental que confere validade a toda a ordem jurídica é a Constituição, constata-se

que a noção de ordenamento pressupõe a leitura das leis e institutos jurídicos à luz dos

princípios constitucionais vigentes.81 É neste contexto que está inserida a ideia de ativismo

judicial, que “está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na

concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação

dos outros dois poderes”.82

Restando superada a vetusta ideia de que o legislador ordinário seria o único personagem

apto a realizar a concretização da vontade do constituinte, abre-se espaço para que o Poder

Judiciário também possa fazê-lo.

Se é verdade, como já se disse alhures, que os institutos jurídicos “pertencem ao seu

tempo”, igualmente verdadeira é a afirmação de que a expressão “seu tempo” não significa que

aqueles institutos somente possam refletir os valores arraigados, consolidados na sociedade: por

vezes, para que a sociedade evolua, é necessária a concepção de institutos jurídicos avançados,

que visem a uma transformação e não, apenas, a manutenção do status quo ante. De qualquer

modo, mesmo estes institutos mais avançados, para possuírem o respaldo na totalidade do

ordenamento, precisam estar de acordo, se não com os valores consolidados na sociedade, ao

menos com tendências, vieses, por esta apontados. O legislador deve captar os sinais dados pela

sociedade a fim de editar disciplinas compatíveis não, apenas, com o que a sociedade é, mas

sim, também, com o que ela quer ser. E é precisamente a Constituição que explicita quais são

estes sinais emitidos pela sociedade.

Ocorre que, por vezes, o legislador infraconstitucional: a) ou atua criando normas

contrárias a estes anseios sociais; ou b) atua sem a agilidade necessária, omitindo-se, assim, de

editar institutos jurídicos que atendam àqueles anseios. Tais posturas do Poder Legislativo

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acarretam a abertura de espaço para que o Judiciário se aproxime de uma função proativa na

concretização dos valores e fins constitucionais.83

Especificamente no caso do direito civil, a edição do Código respectivo em passado

recente (ano de 2002) mascara o fato de que tal diploma foi fruto de um projeto redigido nos

anos 1970, mais precisamente o Projeto de Lei 635, de 1975 que, após décadas de

esquecimento, foi reavivado e, ao fim, aprovado por meio da Lei 10.406, de 10 de janeiro de

2002.84

Note-se que a despeito da desconexão cronológica verificada entre a redação do projeto de

lei e a aprovação do Código Civil de 2002, muito pouco foi feito com a finalidade de se adequar

o texto respectivo aos novos tempos e empregar-lhe uma feição transformadora. Ao revés,

verificou-se uma ausência de discussão entre os civilistas acerca do texto do projeto de lei, de

modo que o aprovado foi, substancialmente, aquilo que foi concebido na longínqua primeira

metade da década de 1970.85 Ou seja, constata-se uma incômoda descontextualização do texto

aprovado com os valores ora prevalentes na sociedade, em grande medida distintos, mormente

após a promulgação da Constituição de 1988, daqueles prevalentes na sociedade setentista.

E é neste diapasão que se apresenta o campo fértil para que o Poder Judiciário adote uma

postura mais altiva, de modo a escoimar o direito civil da desconexão verificada entre o texto do

Código e a Constituição, eis que se verificou, no caso, “um descolamento entre a classe política

e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira

efetiva”.86

Exemplo relevante de como o vácuo deixado pelo legislador não só pode, mas, sobretudo,

deve ser preenchido pelo Judiciário, é a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal com

relação à união homoafetiva.87 Ali se entendeu que a união homoafetiva estaria abrangida no

conceito de família, conforme o art. 226 da Constituição, merecendo, portanto, a proteção ali

prevista. Igualmente, na mesma decisão foi consagrada a interpretação conforme a Constituição

do art. 1.723 do Código Civil, de modo a se excluir do referido dispositivo qualquer significado

que impeça o reconhecimento, como família, da união contínua, pública e duradoura entre

pessoas do mesmo sexo. Observa-se que o Poder Judiciário, no caso, atuou de forma

indiscutivelmente proativa, já que o texto do art. 1.723 do Código Civil88 somente se refere à

união estável como sendo aquela mantida entre homem e mulher.

Ainda no campo do direito de família, releva notar a solução pretoriana referente ao direito

de visitação dos avós. Este direito era reconhecido pelos Tribunais89 com base na convivência

familiar prevista nos arts. 227 da CRFB/198890 e 19 do Estatuto da Criança e do

Adolescente,91 mesmo antes da edição da Lei 12.398/2011, que passou a prevê-lo

expressamente, no parágrafo único do art. 1.589 do CC/2002.92 Neste particular, portanto, a

atuação do legislador veio em seguida à atuação proativa do Judiciário.

Outro exemplo de ativismo judicial é aquele tocante à interrupção da gravidez relativa a

feto anencéfalo, em decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal.93 Segundo a decisão em

comento, mostra-se inconstitucional a interpretação de a interrupção da gravidez de fetos

anencéfalos ser conduta tipificada nos arts. 124,94 12695 e 128, I e II,96 do Código Penal.97

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Em todos estes casos foram invocados valores e princípios constitucionais insculpidos na

Constituição para se superar os estritos lindes do texto legal, amplificando-se, assim, a aplicação

das normas constitucionais. No que se refere ao direito de visitação dos avós, o legislador, após

anos de recalcitrância, regulamentou tal direito. Já quanto aos demais, parece não ter agido de

acordo com os anseios da sociedade. No que se refere ao art. 1.723 do Código Civil, lembre-se

que, como já dito, ele é produto de projeto de lei que remonta os anos 1970, e que não sofreu o

influxo de expressiva participação da sociedade civil antes de sua aprovação. Já no que se refere

ao Código Penal, a questão se torna ainda mais drástica, na medida em que este diploma

remonta aos anos 1940 (Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940), isto é, foi editado em

realidade ainda mais distinta em relação à atual.

Há casos, porém, em que a maior concretização dos valores e princípios constitucionais se

deu, diferentemente, com a manutenção da opção realizada pelo legislador. Um exemplo de tal

situação é aquela verificada na questão relativa à utilização de células-tronco embrionárias em

pesquisas científicas para fins terapêuticos, que foi levada ao Supremo Tribunal Federal por

meio de Ação Direita de Inconstitucionalidade na qual foi questionado o art. 5º da Lei 11.105,

de 24 de março de 2005.98-99

A referida ação direta de inconstitucionalidade foi julgada improcedente, prestigiando-se o

texto aprovado pelo legislador, por estar consentâneo, dentre outros princípios, com os da

solidariedade e da dignidade da pessoa humana.

Importante notar, ainda, que a Lei 11.105/2005 foi produto de um processo legislativo

caracterizado por amplo debate público, tendo sido objeto de aprovação por 96% do Senado

Federal e 85% da Câmara dos Deputados,100 mesmo em matéria que, decerto, não é de fácil

assimilação por parcelas expressivas da sociedade. Isso demonstra que, ainda que não seja uma

garantia de se conduzir a produção legislativa ao encontro dos anseios da sociedade, o amplo

debate público minimiza as possibilidades de edição de textos normativos que contrariem tais

anseios.

Portanto, a abertura de amplos debates em torno do tema a ser objeto de deliberação por

parte do legislador pode ser considerado um fator de contenção do ativismo judicial.101 Este

fator, concretamente, não será um empecilho ao ativismo judicial em matérias disciplinadas pelo

Código Civil, já que este diploma, como já visto, se originou de processo legislativo com

rarefeita participação da sociedade civil. Isto é, em virtude da escassez de debates prévios à

aprovação do Código Civil de 2002, o que se tem é uma maior probabilidade de haver a

desconexão entre o que a sociedade pretende e o que está corporificado no referido diploma,

abrindo-se, assim, uma via mais ampla para que o Poder Judiciário, de forma mais proativa,

concretize os valores e princípios constitucionais ali não concretizados, tais como solidariedade,

dignidade, liberdade sexual e reprodutiva, saúde e autodeterminação.

7.CONCLUSÃO

De todo o exposto, o que se verifica é que não há mais espaço, hoje em dia, para se

sustentar o insulamento de qualquer norma do contexto em que inserido. Se outrora se

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preconizava a existência de um direito civil universal e atemporal, esta ideia não se compadece

com o fato de que as normas jurídicas são vocacionadas à consecução de uma finalidade da

sociedade, que se encontra amparada na Constituição.

Lógico, portanto, concluir-se que a finalidade de uma norma jurídica será contemporânea à

sua aplicação. Daí surgirem as noções de historicidade e relatividade dos institutos jurídicos, já

que: a) estes institutos não devem estar desconectados das realidades temporal e territorial de

sua aplicação; e b) o significado de tais institutos varia conforme variam tais necessidades.

Diante disso, cabe ao legislador concretizar, por intermédio das leis, a vontade emanada da

Constituição. Tendo-se em vista que a presente ordem constitucional possui caráter nitidamente

social, além de ser direcionada ao fortalecimento da promoção dos direitos fundamentais, a

instituição de leis meramente mantenedoras do status quo não mais atende àqueles valores.

Decorre daí a função promocional do direito, de cunho transformador, de modo a se conduzir à

concretização da vontade constitucional.

Havendo desconexão, contudo, entre os anseios da sociedade e a atuação do legislador,

será permitido ao Judiciário, de forma proativa, suprindo as falhas dos órgãos legislativos,

concretizar, por meio de suas decisões, os princípios e valores expressos na Constituição. Este

será, pois, o terreno fértil para o ativismo judicial.

1PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio

de Janeiro: Renovar, 2008. p. 142.

2TEPEDINO, Gustavo. O novo e o velho direito civil. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2006. t. II, p. 399.

3CAENEGEN, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes,

2000. p. 208. Vale notar que, conforme observado por Caenegen, “enquanto as Constituições se

sucediam rapidamente uma à outra, o Code Civil permanecia inabalável como uma rocha na

tempestade”.

4MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a

responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/bodin_n29.pdf>. Acesso

em: 25 nov. 2012, p. 238.

5MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade da pessoa humana. Princípios do direito

civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 3.

6TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do

ordenamento. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 10.

7TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento,

cit., p. 8.

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8MORAES, Maria Celina Bodin de. Apresentação à obra Princípios do direito civil contemporâneo. Rio

de Janeiro: Renovar, 2006.

9BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccacia

Versiani. Barueri: Manole, 2007. p. 65.

10PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 642.

11TEPEDINO, Gustavo. Unidade do ordenamento e teoria da interpretação. Temas de direito civil. Rio de

Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 429.

12PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 617.

13TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento,

cit., p. 11.

14PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 617.

15“Historicidade: [De histórico + -(i)idade] S. f. 1. Caráter do que é histórico. 2. Liter. Atuação do

homem como agente no processo histórico-literário” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo

dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004).

16Conforme ensina Aline de Miranda Valverde Terra: “Apesar de uma, a realidade varia no tempo e no

espaço. Cada sociedade, tomada em certo momento de seu desenvolvimento, dispõe de realidade que lhe

é peculiar, e que diverge não apenas da realidade de outras sociedades, mas de sua própria realidade em

momento histórico diverso” (TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo.

Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 6).

17HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia – síntese de um milênio. Coimbra:

Almedina, 2012. p. 39.

18HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia, cit., p. 38.

19Exemplo interessante é aquele referente à responsabilização civil do estabelecimento empresarial pelo

furto de automóvel em estacionamento gratuito por ele mantido. O STF esposava a tese de que não

poderia haver tal responsabilização, vez que o estacionamento gratuito seria “uma comodidade oferecida

aos clientes do supermercado, sem qualquer outra obrigação da firma, nem mesmo a de guarda dos

veículos ali estacionados” (STF, RE 114.671/RJ, Rel. Min. Carlos Madeira, publ. em 13.11.1987). Já a

tese ora prevalente sobre o tema caminha no sentido da responsabilização do estabelecimento

empresarial, já que a comodidade em questão se presta a “fator de cooptação de clientela, dada a

comodidade proporcionada aos que se dirigem ao local” (STJ, AgRg no Ag 1.087.661/SC, Rel. Min.

Maria Isabel Gallotti, publ. em 01.02.2011). Ou seja, com o passar do tempo foi modificada inteiramente

a compreensão relativa ao caráter da manutenção de estacionamento gratuito e da relação fornecedor de

serviços-consumidor.

20HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia, cit., p. 39.

21HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia, cit., p. 39.

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22Ensina Pietro Perlingieri que, “com o transcorrer das experiências históricas, institutos, conceitos,

instrumentos, técnicas jurídicas, embora permaneçam nominalmente idênticos, mudam de função, de

forma que, por vezes, acabam por servir a objetos diametralmente opostos àqueles originais”

(PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 141).

23Vale transcrever a lição de Anderson Schreiber: “Por toda a Europa continental, os institutos de direito

civil carregavam o prestígio de sua longa tradição histórica, sendo vistos como verdadeiras ‘instituições’,

cuja estabilidade era atribuída ora ao gênio dos juristas romanos, ora a um suposto aperfeiçoamento

técnico derivado da lenta depuração de seu conteúdo ideológico. O próprio processo de codificação e o

exacerbado positivismo jurídico haviam contribuído para essa aparência de neutralidade e abstração,

difundindo a crença de que a dogmática civilista poderia sobreviver intacta às revoluções políticas e às

diferentes ideologias. Assim, no confronto entre os novos valores constitucionais e as regras milenares

do direito civil, a imensa maioria dos juristas preferia ater-se a estas últimas” (SCHREIBER,

Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 8).

24TEPEDINO, Gustavo. Velhos e novos mitos na teoria da interpretação. Temas de direito civil. Rio de

Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 419.

25TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo. In: NEVES, Thiago

Ferreira Cardoso (org.). Direito e justiça social – por uma sociedade mais justa, livre e solidária. São

Paulo: Atlas, 2013. p. 257.

26PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 141.

27Nas palavras de Carlos Nelson Konder, “para compreender seu (do instituto) conceito e alcance deve-

se ter em mente o todo do qual ele faz parte, analisando-o em relação com os princípios que lhe dão

sentido, com os demais institutos com que faz fronteira, com as regras que viabilizam sua aplicação e na

forma como são interpretados” (KONDER, Carlos Nelson. Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato

e prescrição: repercussões práticas da contratualização dos deveres anexos no julgamento do REsp

1276311. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 50, 2012, p. 218).

28Atento à questão da ressignificação dos institutos jurídicos de acordo com o contexto em que inserido,

Carlos Nelson Konder ensina que “(...) a retirada de um instituto de seu ordenamento de origem e sua

inserção e aplicação em outro ordenamento não importa apenas no seu reposicionamento, mas implica a

redefinição de seu próprio conceito, de seu alcance e de seus efeitos. O transplante de institutos é,

frequentemente, menos uma operação de recolocação e mais uma operação de ressignificação. Se, a

retirada do instituto de seu ordenamento de origem para analisa-lo de forma autônoma já prejudica sua

compreensão, a sua inserção em outro ordenamento é ainda mais dramática. Como o ordenamento

jurídico – haja vista o próprio conceito de ordenamento – não prescinde dos imperativos de unidade,

harmonia e coerência, a aplicação do intruso, sempre carregado de sinais de nascença – ainda que sutis –

pode gerar contradições com os elementos preexistentes no cenário nacional” (KONDER, Carlos Nelson.

Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato e prescrição, cit., p. 219).

29PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v.

IV, p. 67.

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30TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. Temas de direito civil. 2. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 270.

31TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais. Temas de direito civil. Rio de

Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p. 143.

32NEVES, Gustavo Kloh Muller. O princípio da tipicidade dos direitos reais ou a regra do numerus

clausus. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio

de Janeiro: Renovar, 2006. p. 417-418.

33TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p. 140.

34TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p. 143.

35TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 83.

36NEVES, Gustavo Kloh Muller. O princípio da tipicidade dos direitos reais ou a regra do numerus

clausus, cit., p. 432.

37NEVES, Gustavo Kloh Muller. O princípio da tipicidade dos direitos reais ou a regra do numerus

clausus, cit., p. 422.

38TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p. 143.

39MULHOLLAND, Caitlin. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria

Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.

255.

40VARGAS, Daniela Trejos. O princípio da publicidade. In: MORAES, Maria Celina Bodin de

(coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 399.

41TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p. 145.

42Segundo Gustavo Tepedino, “(...) na experiência brasileira, a despeito do silêncio doutrinário a respeito

do assunto, foram-se elaborando, no âmbito dos tipos taxativamente previstos pelo legislador, negócios

jurídicos que provocam profunda evolução dos direitos reais, passando-se ao largo da discussão acerca

da vigência do princípio do numerus clausus. Não se pode negar, nesta direção, que as servidões prediais

e as grandes incorporações imobiliárias constituíram-se de tipos abertos, cujo conteúdo foi sendo fixado,

não sem ousadia, pelo operador econômico, delineando-se um quadro riquíssimo de servidões rurais,

condomínios com dimensões fabulosas, empreendimentos de shoppings centers, multipropriedades

imobiliárias e condomínios de fato, utilização de espaços em cemitérios, tudo isso sem que houvesse

previsão legal específica” (TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p.

144).

43Segundo Gustavo Kloh, “(...) verificamos que o numerus clausus não é um princípio, e sim apenas uma

regra. Ele não serve de fundamento para a estruturação do subsistema dos direitos reais, nem tão-pouco

(sic) é aplicado através dos métodos de ponderação e concretização. Outra característica que lhe falta é a

variabilidade do conteúdo que, ao contrário do que ocorre nos princípios, é predeterminado” (NEVES,

Gustavo Kloh Muller. O princípio da tipicidade dos direitos reais ou a regra do numerus clausus, cit., p.

432).

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44Vide nota 42.

45Esse é o caso de Gustavo Tepedino, para quem “(...) deve-se redimensionar a discussão quanto ao

princípio do numerus clausus, mesmo admitindo-se, desde logo, que a reserva legal para a predisposição

de uma nova figura real é inderrogável, por traduzir princípio de ordem pública” (TEPEDINO, Gustavo.

Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p. 145).

46TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais, cit., p. 144.

47Sobre a evolução histórica do instituto, marcada por movimentos inversos e confluentes nos Direitos

Romano e Germânico, ver NEVARES, Ana Luiza Maia. A função promocional do testamento –

tendências do direito sucessório. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 150-155. Quanto à legítima,

menciona que “(...) a quota necessária é fruto da conjugação dos elementos romano e germânico no

Direito Brasileiro. Com efeito, no Direito Romano, predominava a liberdade de testar, só se verificando a

sucessão legítima quando faltava um ato, válido, de última vontade. (...) O Direito Germânico, por sua

vez, teve uma concepção oposta à romana antiga. Em tal sistema, o direito sucessório estava baseado na

família e no parentesco, prevalecendo a sucessão legítima. O titular da capacidade jurídica não era a

pessoa e sim o coletivo familiar; o proprietário era a família em sua totalidade”. Assim, o testamento só

passou a ser reconhecido a partir da interferência da Igreja, que necessitava de bens imóveis que

produzissem rendas para manter seu clero (NEVARES, Ana Luiza Maia. A função promocional do

testamento, cit., p. 150 e 153).

48NEVARES, Ana Luiza Maia. A função promocional do testamento, cit., p. 10. Ana Luiza Maia

Nevares complementa: “Garantindo à família a metade dos bens do de cujus, efetiva-se a especial

proteção que o Estado dispensa a referida entidade familiar, conforme os ditames do art. 226 da Carta

Magna. Com a legítima, a família não fica desamparada em virtude da morte do testador, pois, se lhe

fosse permitido dispor de todo o patrimônio, poderia ocasionar, de uma hora para a outra, a ruína e a

miséria da comunidade familiar” (NEVARES, Ana Luiz Maia. A função promocional do testamento, cit.,

p. 162).

49Dados disponíveis em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/12/brasileiro-nasce-com-expectativa-

de-vida-de-746-anos-aponta-ibge.xhtml> e

<http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=POP209>. Acesso em: 25 jun. 2014.

50Para um panorama desta questão na França, ver NEVARES, Ana Luiza Maia. A função promocional

do testamento, cit., p. 163-164.

51Nesse sentido, Ana Luiza Maia Nevares reconhece que a extinção da quota necessária não seria

inconstitucional, mas seria antissocial, visto que a legítima ainda apresentaria especial função de

instrumento de concretização de uma vida digna (NEVARES, Ana Luiza Maia. A função promocional do

testamento, cit., p. 169).

52KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 60. O autor

explica como se processa a regulação dos comportamentos: “A regulamentação da conduta humana por

um ordenamento normativo processa-se por uma forma positiva e por uma forma negativa. A conduta

humana é regulada positivamente por um ordenamento positivo, desde logo, quando a um indivíduo é

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prescrita a realização ou a omissão de um determinado ato. (Quando é prescrita a omissão de um ato,

esse ato é proibido.) Ser a conduta de um indivíduo prescrita por uma norma objetivamente válida é

equivalente a ser esse indivíduo obrigado a essa conduta. Se o indivíduo se conduz tal como a norma

prescreve, cumpre a sua obrigação, observa a norma; com a conduta oposta, ‘viola’ a norma, ou, o que

vale o mesmo, a sua obrigação” (KENLSEN, Hans. Teoria pura do direito, cit., p. 16-17).

53Embora defenda que ordenamento social sem sanção não é Direito, Hans Kelsen reconhecem que

modernas ordens jurídicas podem prever recompensas, as quais, no entanto, não constituem característica

da função essencial do Direito e desempenham papel subalterno nestes sistemas (KELSEN, Hans. Teoria

pura do direito, cit., p. 37).

54KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, cit., p. 35.

55TEPEDINO, Gustavo. Pelo princípio de isonomia substancial na nova Constituição – notas sobre a

“função promocional do direito”. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 52, p.

61-71, out.-dez. 2012, p. 61.

56De acordo com Norberto Bobbio, no Estado do bem-estar social, “os órgãos públicos perseguem os

novos fins propostos à ação do Estado mediante novas técnicas de controle social”, de forma a ganhar

destaque as técnicas de encorajamento em acréscimo, ou em substituição, às técnicas tradicionais de

desencorajamento (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 2).

57Interessantes as observações lançadas por Gustavo Tepedino: “Por outro lado, o legislador deixa de

atuar de maneira genérica e neutra, mediante suporte fáticos considerados como estruturas formais e

abstratas. Diversamente, define os objetivos de política legislativa – tônica do Estado Social –, incentiva

com subsídios fiscais os comportamentos que atendem às prioridades traçadas, transforma-se de mero

repressor do ilícito em agente de promoção de valores e políticas públicas, delineando-se o que se

nomeou, em síntese feliz, de função promocional do direito” (O Código Civil, os chamados

microssistemas e Constituição: premissas para uma reforma legislativa. Disponível em:

<http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/biblioteca10.pdf>. Acesso em: 27 jun.

2014, p. 4).

58Sobre a relação entre a unidade do ordenamento e o princípio da unidade da Constituição, vale a leitura

de Luís Roberto Barroso: “(...) o elo de ligação entre esses elementos é a Constituição, origem comum de

todas as normas. É ela, como norma fundamental, que confere unidade e caráter sistemático ao

ordenamento jurídico. A ideia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da Constituição e sobre ela

também se projeta” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos

de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 192).

59A atividade do intérprete (de escolha dos valores a serem realizados, de definição do conteúdo da

norma e individuação da normativa do caso concreto) está permanentemente sujeita à necessária

recondução ao dado normativo, servindo a “norma como parâmetro para a objetividade do direito e da

atividade interpretativa” para libertar da retórica vazia e do discurso puramente político, sem densidade

jurídica (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 8).

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60TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil constitucional brasileiro. Temas

de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 25-62, p. 54.

61Esta expressão é de Luís Roberto Barroso, que assim se manifesta: “As doutrinas jurídicas dominantes

normalmente deixam de lado o papel desempenhado pela ideologia, tanto a do legislador quanto a do

intérprete da lei. Esse silêncio nada mais é do que um compromisso com ostatus quo. Pois a teoria crítica

do direito, ao revés, denuncia a função ideológica do direito e o fato de que, em nome de uma pretensa

razão científica, encobrem-se relações de poder. (...) Consequentemente, é falsa a crença de que o direito

seja um domínio politicamente neutro e cientificamente puro” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação

e aplicação da Constituição, cit., p. 271).

62BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 281.

63BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 6. Nesse sentido, Pietro

Perlingieri afasta do Direito o papel de conservação do passado e critica, fortemente, a neutralidade

valorativa aparente, que serve à frustração da função promocional do direito (PERLINGIERI, Pietro. O

direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 68 e 89).

64Luís Roberto Barroso se refere à “atividade de realização da vontade constitucional”, expressão que se

aproxima à ideia ora apresentada (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição,

cit., p. 4).

65Destes, podem ser destacados, notadamente, os princípios da dignidade da pessoa humana, da

igualdade substancial e da solidariedade social, bem assim a garantia da propriedade privada, função

social da propriedade, valor social da livre iniciativa, erradicação das desigualdades, proteção do

consumidor, defesa do meio ambiente, entre outros, conforme previsto nos arts. 1º, III e IV, 3º, I, III e

IV, 5º e 170 da Constituição Federal.

66No ponto, recorre-se, mais uma vez, à doutrina de Gustavo Tepedino: “(...) quanto aos objetivos das

normas, o legislador, para além de coibir comportamentos indesejados – os atos ilícitos –, em atuação

repressiva, age através de leis de incentivo, propõe vantagens ao destinatário da norma jurídica, quer

mediante financiamentos subsidiados, quer mediante a redução de impostos, taxas ou tarifas públicas;

para com isso atingir objetivos propostos por tais leis, as chamadas leis-incentivo, com finalidades

específicas. Revela-se, então, o novo papel assumido pelo legislador, argutamente identificado por

Norberto Bobbio como ‘função promocional do direito’, consubstanciada exatamente na promoção de

certas atividades ou comportamentos, almejados pelo legislador, através de normas que incentivam os

destinatários, mediante oferecimento de vantagens individuais” (TEPEDINO, Gustavo. Premissas

metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008. p. 1-23, p. 9-10.

67A atividade interpretativa possui extrema importância para o papel transformador do Direito, que, de

acordo com uma concepção socialmente comprometida, deve almejar moldar a sociedade em um

determinado sentido, compatível com a realização do projeto constitucional. A relevância da atuação do

intérprete se destaca especialmente no atual contexto normativo, marcado pela ascensão da

normatividade dos princípios e de normas caracterizadas por baixa densidade normativa, linguagem

aberta e conceitos vagos, como os citados princípios jurídicos, as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos

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indeterminados. A escolha da técnica legislativa das cláusulas gerais “têm a função de permitir a abertura

e a mobilidade do sistema jurídico”, conferindo ao juiz “um mandato (ou competência) para que, à vista

dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas”, através de valorações

objetivamente válidas na ambiência social (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado:

sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 2000. p. 303 e 341). Nessa medida, a norma

(integrada por valores, programas e resultados desejáveis ao bem comum e à utilidade social) serve como

ponto de partida ao interprete para sua conformação, cuja atividade, baseada em parâmetros objetivos,

deve voltar-se à realização da função promocional do direito e do projeto constitucional, sem converter-

se, portanto, em juízo arbitrário ou intuitivo, posto vinculado às normas constitucionais, reconduzindo-

se, permanentemente ao dado normativo, de modo que a orientação deve “harmonizar-se com as escolhas

e os valores de fundo do ordenamento” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade

constitucional, cit., p. 443).

68Segundo Norberto Bobbio, “também a concepção repressiva do direito, como outrora a concepção

protetora, é um modelo teórico que permite representar, com particular precisão, um determinado tipo

histórico de sociedade, aquela na qual a atividade econômica esteja subtraída, ou se deseja que esteja

cada vez mais subtraída, à intervenção do poder político” (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função,

cit., p. 10).

69A esse respeito, esclarece Norberto Bobbio: “Entendo por ‘função promocional’ a ação que o direito

desenvolve pelo instrumento das ‘sanções positivas’, isto é, por mecanismos genericamente

compreendidos pelo nome de ‘incentivos’, os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis,

fim precípuo das penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimentos etc., mas, sim, a

‘promover’ a realização de atos socialmente desejáveis. Essa função não é nova. Mas não é nova a

extensão que ela teve e continua a ter no Estado contemporâneo” (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à

função, cit., p. XII).

70BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 14-15.

71BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, cit., p. 6-7.

72TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, cit., p. 9-

10.

73SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 6.

74SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 13.

75TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento,

cit., p. 8.

76MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/1552815529-1-pb.pdf>. Acesso em: 26 nov.

2012, p. 4.

77Nesse sentido, ensina Tepedino: “O conceito de ordenamento pressupõe um conjunto de normas

destinadas a ordenar a sociedade segundo um determinado modo de vida historicamente determinado.

Daqui decorrem duas consequências fundamentais: (i) ordenamento não se resume ao direito positivo; e

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(ii) para que possa ser designado como tal, ordenamento há de ser sistemático, orgânico, lógico,

axiológico, prescritivo, uno, monolítico, centralizado” (TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e

direito civil na construção unitária do ordenamento, cit., 2009, p. 9).

78TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento,

cit., p. 8.

79CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1996. p. 279.

80MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a

responsabilidade civil, cit.

81PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 137.

82BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil

contemporâneo. In: FELLET, André Luiz Fernandes; DE PAULA, Daniel Giotti; NOVELINO, Marcelo

(org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 233.

83BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial, cit., p. 233.

84TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil

de 2002. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p. 4-5.

85TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil

de 2002, cit., p. 5.

86BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial, cit., p. 234.

87Acórdão prolatado em 5 de maio de 2011 na ADPF 132/RJ, do qual foi relator o Exmº Ministro Ayres

Brito.

88“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,

configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição

de família”.

89Por todos, ver acórdão prolatado em 19.12.2008 no Agravo de Instrumento 0048703-

79.2008.8.19.0000, emanado da 13a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

do qual foi relator o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho.

90“Art. 227. É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão”.

91“Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e,

excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente

livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.

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92“Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visita-los e tê-los em sua

companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua

manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita se estende a qualquer um dos avós, a critério

do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente”.

93Acórdão prolatado em 12.04.2012 na ADPF 54/DF, do qual foi relator o Exmº Ministro Marco Aurélio.

94“Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos”.

95“Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de um a quatro anos”.

96“Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando

incapaz, de seu representante legal”.

97Note-se que esse exemplo dado se refere à interpretação de normas do Código Penal. Entretanto, pelo

fato de terem sido invocados princípios constitucionais intimamente ligados ao direito civil, o exemplo é

válido para os fins do presente estudo.

98“Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas

de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento,

atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já

congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da

data de congelamento.

§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco

embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês

de ética em pesquisa.

§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o

crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”.

99Acórdão prolatado em 28 de maio de 2008 na ADI 3.510/DF, do qual foi relator o Exmº Ministro

Ayres Brito.

100BARROSO, Luís Roberto. A fé na ciência: constitucionalidade e legitimidade das pesquisas com

células-tronco embrionárias. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-

content/themes/lrb/pdf/a_fe_na_ciencia.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2014, p. 9.

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101BARROSO, Luís Roberto. Jurisdição constitucional: a tênue fronteira entre o direito e a política.

Disponível em: <www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI194782,51045-

Jurisdicao+Constitucional+A+tenue+fronteira+entre+o+Direito+e+a>. Acesso em: 4 jun. 2014, p. 9 e 14.

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7

A DICOTOMIA ENTRE AS

SITUAÇÕES EXISTENCIAIS E

AS SITUAÇÕES PATRIMONIAIS

Julia Ribeiro de Castro

Thiago Andrade Sousa

Sumário: 1. Introdução – 2. Constitucionalização, despatrimonialização e repersonalização: o impacto da dignidade da pessoa

humana no Direito Civil – 3. O ter e o ser no projeto constitucional e a preeminência das situações existenciais – 4. Critérios

distintivos de situações patrimoniais e existenciais: os perfis das situações jurídicas subjetivas – 5. A funcionalização das situações

patrimoniais às existenciais – 6. A tutela qualitativamente diversa das situações existenciais – 7. Conclusão.

1.INTRODUÇÃO

“Hoje, a lógica da compra e venda não se aplica mais apenas a bens materiais: governa

crescentemente a vida como um todo. Está na hora de perguntarmos se queremos viver

assim”.1 A inquietante constatação feita por Michael J. Sandel reflete com precisão a crise

proporcionada pelo rápido avanço da lógica do mercado sobre a lógica existencial. Em um

cenário onde quase tudo se compra e se vende, os valores de mercado passam a permear cada

aspecto da atividade humana, de maneira que as relações sociais são reformatadas à imagem do

mercado.2

Na contramão deste processo, o direito civil constitucional se caracteriza, como

metodologia, por propor uma tutela qualitativamente diversa para as situações existenciais.3 Isto

é, por estarem no ápice do ordenamento jurídico, as situações jurídicas que se relacionem

diretamente com o desenvolvimento da personalidade humana não podem ser tuteladas da

mesma maneira que situações tipicamente patrimoniais.4

O problema, contudo, reside na dificuldade de se estabelecer, nos casos concretos, quando

determinada situação jurídica é patrimonial ou existencial e, diante de uma tradição histórica de

desenvolvimento de instrumentos jurídicos voltados apenas às situações patrimoniais, como

deve ser essa tutela qualitativamente diversa das situações existenciais. O decisivo avanço da

lógica mercadológica sobre a lógica existencial, a controvérsia acerca dos critérios hábeis a

distinguir as categorias e a existência de situações limítrofes contribuem de maneira

determinante para o impasse.

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A preocupação em torno da distinção entre as categorias, vale destacar, não é meramente

teórica, posto que se sustenta a necessidade de lógica qualitativamente diversa para as situações

existenciais, de forma que a busca por critérios que orientem tal distinção ainda encerra

relevância prática, como será demonstrado no item 6 do presente artigo.

Cumpre destacar, desde já, que embora se vislumbre relevância prática em distinguir as

situações existenciais daquelas patrimoniais, tal distinção não é absoluta. E nem poderia ser

diferente, uma vez que o objetivo central da metodologia civil constitucional é a subordinação

de todo o direito civil, inclusive os institutos nitidamente patrimoniais, ao atendimento dos

valores existenciais entabulados na Constituição.5

Dessa forma, a partir dos efeitos do impacto da dignidade da pessoa humana no direito

civil, o que se pretende analisar no presente artigo é a relação entre as situações jurídicas

patrimoniais e as situações jurídicas existenciais, o espaço de cada categoria dentro de um

direito civil constitucionalizado, a preeminência, motivada pela opção constitucional, de um

perfil sobre o outro, os critérios utilizados para a distinção entre as categorias e, por fim, a

análise da tutela qualitativamente diversa deferida às situações existenciais.

2.CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DESPATRIMONIALIZAÇÃO E

REPERSONALIZAÇÃO: O IMPACTO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA NO DIREITO CIVIL

Como já se afirmou, o direito civil constitucional se tornou sucesso de público e

critica.6 Neste cenário, seus fundamentos7 e pressupostos passaram a ecoar entre a doutrina e a

jurisprudência, embora nem sempre com a cientificidade exigida pela metodologia. Exemplo

eloquente do que se afirma é o recurso à dignidade da pessoa humana para justificar, sem a

devida consistência metodológica, as mais variadas decisões judiciais.

De fato, a metodologia civil constitucional reserva à dignidade da pessoa humana,

acompanhada de outros valores não patrimoniais que concorrem para o livre desenvolvimento

da pessoa humana, posição central dentro do ordenamento jurídico pátrio, como se vê do fato de

a Constituição Federal vigente ter elencado, em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana

entre os fundamentos da República.

A relevância de tal fato não se exaure na constatação de que os princípios gerais de direito

civil foram paulatinamente transplantados para o texto constitucional, tendência que marcou a

evolução do direito privado aproximando-o do fenômeno de sua constitucionalização.8

Para além da questão relativa ao transplante dos princípios gerais do código civil para o

texto constitucional, a análise da relevância da dignidade da pessoa humana, agora tida como

fundamento da República, não prescinde de uma análise sobre o papel e a posição das normas

constitucionais dentro do ordenamento jurídico. Assim é que, ocupando as normas

constitucionais o ápice do ordenamento jurídico, os princípios acolhidos pela constituição se

espraiam para todos os ramos do direito e remodelam, em especial, o próprio conteúdo do

direito privado, sendo tal processo compreendido como a constitucionalização do direito civil.

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Uma vez reconhecida a natureza normativa da Constituição,9 profundas são as alterações

provocadas no âmbito do direito civil, especialmente se considerada a atribuição de papel tão

relevante para a dignidade da pessoa humana no texto constitucional, de forma que toda a

disciplina do direito privado precisa se adequar a tal realidade. À tal adequação, se deu o nome

de releitura.10

A releitura dos institutos de direito civil à luz dos valores constitucionais, dentre os quais

se ressalta a dignidade da pessoa humana, impacta de maneira significativa e irreversível toda a

disciplina do direito civil, podendo-se apontar a despatrimonialização e a repersonalização como

as principais consequências deste processo.

O fenômeno da despatrimonialização, concebido por Pietro Perlingieri como tendência

normativa-cultural em que “se evidencia que no ordenamento se operou uma opção, que

lentamente, vai se concretizando, entre o personalismo (superação do individualismo) e

patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do

consumismo, depois, como valores)”, é uma das características marcantes da metodologia civil

constitucional.11

Em um direito civil despatrimonializado, a tutela da pessoa se justifica não mais em razão

da posição que ocupa dentro de determinada relação jurídica, ou em razão das situações

jurídicas subjetivas que titulariza, até mesmo porque “a pessoa é em si, não apenas tem para si

titularidades”.12 É neste contexto que se afirma que “a pessoa humana, portanto – e não mais o

sujeito de direito neutro, anônimo e titular de patrimônio –, qualificada na concreta relação

jurídica em que se insere, de acordo com o valor social de sua atividade, protegida pelo

ordenamento segundo o grau de vulnerabilidade que apresenta, torna-se a categoria central do

direito privado”.13

O fenômeno da despatrimonialização, contudo, não se confunde com a marginalização das

situações jurídicas patrimoniais. É neste sentido a lição de Pietro Perlingieri.

Com isso não se projeta a expulsão ou a redução quantitativa do conteúdo patrimonial no

sistema jurídico e civilístico em especial: o momento econômico, como aspecto da realidade

social organizada, não pode ser eliminado. A divergência, certamente não de natureza

técnica, concerne à valoração qualitativa do momento econômico e à disponibilidade de

encontrar, na exigência de tutela do homem, um aspecto idôneo não para humilhar a

inspiração econômica, mas, pelo menos, para lhe atribuir uma justificativa institucional de

suporte ao livre desenvolvimento da pessoa.14

Como se depreende do trecho citado, a despatrimonialização dos institutos de direito civil

não exige a redução do espaço destinado às situações patrimoniais, muito menos a expulsão de

tais situações do âmbito de proteção normativa. Trata-se, ao revés, de reconhecer a primazia dos

valores constitucionais não patrimoniais e a aptidão dos mesmos para incidir internamento, ou

seja, sobre a função dos mesmos institutos. Dito de modo diverso, trata-se de alterar

radicalmente a natureza dos institutos patrimoniais, mesmo sem que se promova qualquer

alteração legislativa.

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Nesta esteira, as situações jurídicas subjetivas patrimoniais já não podem ser tuteladas em

si mesmas. Ao revés, serão merecedoras de tutela quando, e na medida em que, realizarem os

valores constitucionais extrapatrimoniais,15 substituindo-se o patrimônio pela pessoa humana no

vértice dos valores tutelados pela Constituição. O processo de despatrimonialização do direito

civil é fortemente relacionado com o fenômeno da repersonalização, que postula, em síntese, a

centralidade da pessoa humana considerada em concreto em detrimento do sujeito de direito

abstrato.

A repersonalização refere-se tanto ao modo de pensar o direito, discutindo-se os valores

que o sistema jurídico colocou em seu centro e em sua periferia,16 quanto à inserção de um outro

sentido do sujeito de direito, diverso do sistema clássico calcado em uma abstração, em um

corte da realidade, por meio da proposta de um viés não reducionista.17

No primeiro sentido apontado, revela-se não apenas que o direito está centrado

funcionalmente em torno do conceito da pessoa, mas também que seu sentido e sua finalidade

são a proteção da pessoa.18 Essa “virada de Copérnico” nos fundamentos axiológicos do direito

brasileiro19 implica a necessidade de que os institutos de natureza patrimonial sejam

funcionalizados à realização de interesses existenciais, os quais são priorizados pelo texto

constitucional.

Já o segundo sentido implica a recusa de se admitir ilações sobre o sujeito de direitos

abstratamente, ignorando a pessoa de carne e osso, impondo que a pessoa humana concreta seja

pensada inserida em determinada situação jurídica, na qual serão consideradas suas aspirações,

por meio do reconhecimento da pessoa em sua dimensão efetiva, como sujeito de

necessidades.20

O direito contemporâneo preocupa-se com diferenças que inferiorizam a pessoa, tornando-

a vulnerável, refletindo a necessidade de investigar as singularidades da pessoa humana, do

sujeito de direito ao sujeito concreto (crianças, adolescentes, consumidores, mulher etc.). É o

homem no seu contexto que irá avocar e determinar a normativa mais condizente com suas

necessidades existenciais.

3.O TER E O SER NO PROJETO CONSTITUCIONAL E A

PREEMINÊNCIA DAS SITUAÇÕES EXISTENCIAIS

Consolidado o fenômeno da constitucionalização do direito civil, e sua consequente

repersonalização, cumpre examinar o papel dos valores patrimoniais dentro de uma ordem

jurídica despatrimonializada, a relação entre estes e os valores existenciais e a resposta

constitucional para o conflito entre as duas categorias.

Nas palavras de Pietro Perlingieri, a ordem social pode ser analisada sob dois perfis que

em certas ocasiões se contrapõem. In verbis:

(...) o ter, que pertence à estrutura econômica e produtiva, ao aspecto patrimonial e mercantil

da organização social; o ser, que resguarda o aspecto existencial da pessoa com seus direitos

e deveres. A primeira categoria inclui a problemática da propriedade, da iniciativa

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econômica privada e da empresa e, em parte, do trabalho como elemento da produção; a

outra, a problemática dos direitos fundamentais da pessoa: direito ao trabalho, à educação, a

uma vida livre e digna, à igualdade substancial frente aos outros cidadãos, ao respeito da

própria dignidade.21

Não raro os dois perfis mencionados conflitam, de maneira que a solução dos casos

concretos depende da preeminência de um perfil em detrimento do outro. Exemplo eloquente do

que se afirma é a hipótese, julgada em sede de Recurso Especial pelo Superior Tribunal de

Justiça22 em que se discutia se a extensão da impenhorabilidade do bem de família para

alcançar, simultaneamente, dois imóveis de propriedade do devedor, o primeiro no qual residia

com sua esposa e filhos, e o segundo no qual residiam suas filhas concebidas em um

relacionamento paralelo ao casamento. De um lado, o instituto da impenhorabilidade do bem de

família, de conteúdo eminentemente patrimonial e, de outro, o direito fundamento à moradia da

família do devedor, situação de conteúdo eminentemente existencial.

Mesmo sem adentrar o mérito da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que

decidiu pela impenhorabilidade também do segundo imóvel, é claro, neste caso, o conflito entre

o perfil do ter, composto por situações eminentemente patrimoniais, e o perfil do ser, composto

por situações eminentemente existenciais.

A legitimidade da decisão que resolve eventual conflito entre os dois perfis depende de sua

consonância com os valores que ocupam o vértice do ordenamento jurídico. De acordo com

Pietro Perlingieri, “a resposta dos ordenamentos ao contraste entre as duas categorias tem

privilegiado, nas diversas épocas históricas, ora a modalidade do ter, ora aquela do ser”.23

Em uma análise despreocupada com os efeitos da despatrimonialização do direito civil,

poder-se-ia sustentar que o Código Civil e a Constituição Federal ofereceriam resposta diversa

diante do contraste entre os perfis acima destacados. De um lado, o Código Civil com seus

institutos que, em sua maioria, possuem objeto de teor nitidamente patrimonial, o que justificou

o fato de que durante algum tempo o estudo do direito civil priorizasse o ter em detrimento do

ser24 e, de outro lado, a vigente Constituição da República que consagrou a dignidade da pessoa

humana como valor e fundamento da República (art. 1º, III).

Como é cediço, a Constituição da República de 1988 inaugurou nova era na proteção da

pessoa humana, erigindo o princípio da dignidade da pessoa humana ao posto de fundamento do

Estado Democrático de Direito. Tal princípio, além de conferir unidade de sentido e de valor,

legitima nossa ordem jurídica, centrando-a na pessoa humana.25

Todavia, tais considerações não importam, como já se mencionou, na marginalização das

situações jurídicas patrimoniais, embora autorizem a conclusão preliminar de que o

ordenamento jurídico brasileiro, ao eleger a tutela da pessoa humana como valor prioritário do

ordenamento, optou pela preeminência das situações jurídicas existenciais.

Para além da cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, como esclarece

Anderson Schreiber, o texto constitucional é repleto de exemplos que justificam a afirmação de

que o projeto constitucional prestigia o ser em detrimento do ter.26

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Na esteira do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da

República, passa-se a reconhecer a prevalência, definitivamente consolidada, das situações

existenciais frente às patrimoniais, prestigiando-se a proteção da pessoa humana independente

do patrimônio que titularize, ou da posição que ocupe dentro da relação jurídica. Como

resultado desse processo, o que se assistiu foi o crescimento da tendência de compressão da

autonomia privada patrimonial.27

Todavia, a justificada preeminência dos valores existenciais entabulados na Constituição

não deve importar na marginalização ou na redução quantitativa do espaço dedicado às

situações patrimoniais. A rigor, a propriedade e o contrato continuam a ser tuteladas pelo texto

constitucional de modo semelhante ao que ocorre com a dignidade da pessoa humana, por

exemplo. A diferença, como se passa a demonstrar, reside nos critérios de merecimento de

tutela.

Como já destacado no item anterior, a despatrimonialização do direito civil não se

confunde com a expulsão, nem com a redução quantitativa, do conteúdo patrimonial do direito

civil. Trata-se, ao revés, de atribuir à inspiração econômica uma justificativa de suporte ao livre

desenvolvimento da pessoa.28

Neste contexto, as situações patrimoniais, refletindo o perfil do ter, não podem ser, como

outrora, tuteladas em si mesmas,29 mas recebem uma nova função. Se é verdade que não foram

alijadas da proteção constitucional, também é verdade que somente serão consideradas

merecedoras de tutela, à luz de um direito civil constitucionalizado, quando, e na medida em

que, realizarem os valores não patrimoniais entabulados na Constituição.30

A relação entre os dois perfis, ainda que a realidade seja profícua em oferecer exemplos de

conflitos entre eles, é complementar. Isto é, as situações patrimoniais são instrumentos de

realização dos valores constitucionais não patrimoniais, sendo esta a razão de ser da tutela

constitucional daquelas situações. A mudança no paradigma consiste, como já se afirmou, no

fato de que a Constituição atrelou o exercício das situações patrimoniais à realização de valores

sociais,31 de maneira que o ter e o serconvivem dentro do projeto de sociedade idealizado pela

Constituição da República em uma relação de funcionalização do ter ao ser.

4.CRITÉRIOS DISTINTIVOS DE SITUAÇÕES PATRIMONIAIS E

EXISTENCIAIS: OS PERFIS DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS

SUBJETIVAS

Toda situação subjetiva é efeito de um fato, o fato é o evento valorado pela norma e o

efeito a consequência jurídica que se relaciona ao fato.32 O nexo entre fato e efeito é prático-

argumentativo, no sentido de que é o direito que considera determinado fato como premissa

para justificar uma consequência, a qual, por sua vez, é valorada como aplicação do direito em

relação àquele fato. Os efeitos dos fatos podem ser de três tipos: constitutivos, modificativos e

extintivos de situações subjetivas.33

O critério distintivo das situações subjetivas patrimoniais e existenciais deverá ser buscado

na análise dos seus diversos perfis, oportunidade na qual será possível ponderar se há

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preponderância de determinados perfis sobre outros para a qualificação pretendida, sem que

esse corte didático-sistemático implique desconsideração do caráter necessariamente unitário

das situações.34

Pietro Perlingieri destaca os seguintes perfis das situações subjetivas: perfil do efeito; do

interesse; dinâmico; do exercício; funcional; e normativo ou regulamentar.35 O perfil do efeito

revela que toda situação é efeito de um fato;36 o perfil do interesse é o fundamento justificador

da situação, no qual o interesse pode ser patrimonial, existencial ou um e outro juntos, já que

algumas situações patrimoniais são instrumentos para realização de interesses existenciais ou

pessoais;37 no perfil dinâmico, a situação subjetiva é vista como conceito de duração que vive no

seu ser uma referência contínua para a qualificação de uma pluralidade de comportamentos; o

perfil do exercício caracteriza a tradução do interesse em comportamento ou atividade;38 o perfil

funcional consiste na síntese dos efeitos essenciais;39 o perfil normativo ou regulamentar é

essencial na medida em que atribui relevância jurídica à situação, que, para ser jurídica, deve ter

valor normativo.40

O perfil do interesse corresponde a uma dimensão elastecida do objeto imediato,

relacionando-se a um determinado comportamento,41 que, diante do caráter complexo da

situação subjetiva, pode se realizar em múltiplas dimensões, de acordo com os valores que

passam a ser recuperados, como a boa-fé e a confiança.42 Dessa forma, o conceito de “coisa”,

como objeto de uma relação jurídica, cede seu lugar à definição mais ampla relacionada ao

interesse, inclusive dos não sujeitos dos moldes tradicionais.43

Não obstante o perfil do interesse não possa ser ignorado,44 já que possui relevância na

qualificação das situações subjetivas,45 em razão de o tipo de interesse e intensidade de proteção

determinarem o tipo de situação jurídica, a referência ao interesse deve ser bem compreendida.46

Como Pietro Perlingieri afirma que o interesse pode ser patrimonial ou existencial, essa

assertiva poderia conduzir o intérprete à conclusão de que a análise apriorística do interesse

seria, por si só, suficiente para permitir a individuação da situação jurídica como patrimonial ou

existencial. Tal conclusão, contudo, não se afigura tecnicamente adequada, na medida em que o

interesse, como razão de agir, não é um dado fático pré-normativo, uma “entidade real”, com

autônoma existência social,47 mas resultado do procedimento de qualificação jurídica.48

Portanto, afirmar que existe uma situação subjetiva porque corresponde a um interesse

realmente presente no sistema normativo é uma formulação imprecisa, já que o interesse é o

resultado da interpretação conjunta norma e fato.49 Para que haja um interesse, é necessário

interpretar a norma vigente e se perguntar de que modo deve ser realizada a individuação em

relação àquele fato concreto.50

Considerando que o interesse é o resultado do processo unitário de interpretação-

qualificação, não se afigura possível determinar a natureza patrimonial ou existencial do

interesse antes da realização completa desse processo, por absoluta incompatibilidade lógica, o

que impõe ao intérprete a investigação de outro perfil da situação subjetiva, qual seja, o perfil

funcional,51 mais apropriado para a individuação da situação, até porque será ele que, ao

determinar a síntese dos efeitos essenciais, permitirá identificar o interesse imediato.

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Dentre os diversos perfis que conformam as situações subjetivas, Pietro Perlingieri

pondera que o perfil funcional revela um aspecto particularmente importante para sua

qualificação, ou seja, para a determinação da sua função no âmbito das relações sociojurídicas.52

Tal conclusão pode ser inferida da própria definição de qualificação, fornecida pelo autor,

segundo o qual “a qualificação é o processo pelo qual a partir da determinação da função atinge-

se a individualização da disciplina: é a partir da síntese dos efeitos essenciais (função concreta)

que se compreende que o fato jurídico seja uma compra e venda, doação ou outra figura

negocial”.53

Dessa forma, para a qualificação da fattispecie é necessário proceder à análise dos efeitos

essenciais,54 que são aqueles sem os quais o significado jurídico do fato não se traduziria na

situação subjetiva correspondente.55 Na hipótese de o fato produzir múltiplos efeitos, é

necessário individuar aqueles que possuem relevância na qualificação, determinando a função

prático-jurídica (efeitos essenciais), distinguindo-o daqueles que não a determinam (efeitos não

essenciais).56 A essencialidade deve ser analisada sempre em concreto, já que o elemento

acessório pode transformar-se em principal conforme a composição de interesses em jogo.57

A função é a única exclusivamente idônea a atuar como critério de individuação.58A

verificação da síntese dos efeitos essenciais ou do “mínimo denominador comum”,59 permite

identificar os interesses imediata ou diretamente tutelados.60 Como para a qualificação

importam os efeitos diretos e essenciais e não os efeitos reflexos, será existencial a situação

jurídica sempre que os efeitos diretos e essenciais incidirem sobre a personalidade do titular.61

Dessa forma, se, após o processo de interpretação-qualificação,62 a síntese dos efeitos

essenciais revelar um interesse imediatamente63 vinculado ao desenvolvimento da

personalidade, estar-se-á diante de uma situação existencial; caso se verifique que o interesse

imediato relaciona-se a questões de natureza patrimonial, estar-se-á diante de situações

patrimoniais.64

É possível distinguir as situações jurídicas existenciais das patrimoniais porque as relações

existenciais incidem diretamente sobre o desenvolvimento da personalidade, enquanto as

relações patrimoniais estão mais próximas da lógica da equivalência e só indiretamente

repercutem em aspectos essenciais da pessoa humana.65

A distinção se faz necessária em razão da instrumentalidade indireta das situações

patrimoniais à concretização da dignidade. Enquanto as situações jurídicas existenciais tem por

objetivo a realização direta da dignidade, já que sua função imanente consiste na livre realização

da personalidade, segundo o projeto de vida que a pessoa construiu para si, as situações

jurídicas patrimoniais promovem indiretamente a realização dos valores existenciais.66 Se a

situação jurídica for identificada como patrimonial, promover-se-á um duplo controle de

merecimento de tutela, a fim de se averiguar se ela realiza uma função social, no sentido de

conformação da autonomia privada ao imperativo da solidariedade estando a serviço da

coletividade, além de se verificar se, indiretamente, ela promove a concretização da

dignidade.67 Pode-se sintetizar que enquanto as situações patrimoniais têm função social, as

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existenciais possuem apenas função pessoal, se é que se pode atribuir a estas algum tipo de

função.68

No entanto, nem sempre a distinção entre as situações jurídicas subjetivas é muito clara.

Isto porque o interesse, entendido como fundamento justificativo da situação, pode envolver

dois aspectos com graus similares de intensidade,69 podendo a situação ser existencial e

patrimonial simultaneamente, o que caracteriza a chamada situação jurídica dúplice.70 Algumas

situações consideradas existenciais, porque relacionadas à pessoa do titular, podem possuir

expressão econômica e, por isso, ingressar no comércio jurídico,71 como ocorre com o direito à

imagem, o direito de autor e até a privacidade.72 Nesses casos, o titular da situação jurídica

subjetiva tem uma dúplice titularidade: sob o aspecto pessoal e sob o aspecto patrimonial.73 A

natureza dúplice da situação, contudo, não afasta a necessidade de reconhecer a primazia das

situações existenciais e, por conseguinte, não apenas funcionalizar o viés patrimonial à

promoção de valores existenciais, como também aplicar a disciplina jurídica diferenciada ao

viés existencial da situação.

5.A FUNCIONALIZAÇÃO DAS SITUAÇÕES PATRIMONIAIS ÀS

EXISTENCIAIS

Como visto, um dos aspectos mais relevantes na distinção entre as situações jurídicas

existenciais e as patrimoniais, consiste na funcionalização destas para a realização dos valores

existenciais. Mas em que consiste exatamente a funcionalização de um instituto? Funcionalizar

um instituto consiste na instrumentalização de estruturas jurídicas para realização de

determinados fins.74 Consiste na tarefa de descobrir sob qual finalidade certo instituto serve

melhor para o cumprimento dos objetivos constitucionais, que consiste na tutela da pessoa

humana na perspectiva não apenas individual, como também solidarista e relacional.75

A funcionalização das situações patrimoniais – empresa, propriedade e contrato – às

situações existenciais é imposta em razão da centralidade do valor da pessoa humana no sistema

constitucional.76 As situações patrimoniais deixam de representar fins em si, transformando-se

em meios para realização de interesses não avaliáveis patrimonialmente.77 Dessa forma, a

atividade econômica, pertencente à categoria do ter, passa a ser instrumental à realização dos

valores existenciais, os quais integram a categoria do ser.78

A funcionalização das estruturas econômicas79 em sentido social é extraída do próprio

projeto constitucional, o qual estabelece uma hierarquia de valores no ordenamento que

influencia a individuação dos fins de quaisquer estruturas.80 Nesse sentido, as situações

patrimoniais não podem deixar de ter uma função socialmente relevante81 e, sobretudo, não

podem deixar de se realizar em conformidade aos valores da pessoa humana.82

A finalidade social imposta pela norma constitucional, contudo, não consiste em um limite

externo, mas um limite interno que constitui o fundamento positivo para a individuação do

conteúdo a ser atribuído tanto à atividade econômica quanto à propriedade.83 A função social

integra o próprio conteúdo destas estruturas jurídicas, já que que consiste na sua justificação

social: se não exercer função social não será merecedora de tutela pelo ordenamento jurídico.84

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A utilidade social, fim social ou função social são noções que assumem conteúdo que não

se identifica com determinado “interesse superior” da coletividade, mas da própria realização da

dignidade humana, que constitui o compromisso mais relevante de todo a estrutura

constitucional.85

A finalidade social é, portanto, inerente a qualquer situação jurídica subjetiva patrimonial,

mesmo àquela que aparentemente não exiba qualquer relevância social, como na relação

contratual que contraponha interesses individuais patrimoniais em que há uma finalidade social

que informa a tutela deferida pelo ordenamento.86

A garantia jurídica do patrimônio mínimo, que corresponde àquele indispensável a uma

vida digna do qual a pessoa não pode ser desapossada,87 revela com toda sua pungência a

funcionalização de um instituto eminentemente patrimonial para a realização de valores

existenciais.

A proteção conferida à moradia pela impenhorabilidade do bem de família do devedor pela

Lei 8.009/199088 corresponde a uma das possibilidades, consagrada pelo ordenamento positivo,

de manifestação da proteção ao patrimônio mínimo.

Não obstante o objeto jurídico (imóvel) seja indubitavelmente patrimonial, a proteção

jurídica (impenhorabilidade) conferida a esta parcela do patrimônio do devedor, tem como

finalidade a proteção de um interesse eminentemente existencial (moradia).89 Uma vez

atendidos os requisitos legalmente estabelecidos, ao devedor é reconhecido o poder de excluir o

imóvel residencial da penhora de dívidas contraídas.

A garantia do patrimônio mínimo, contudo, não se restringe às hipóteses taxativamente

enumeradas na legislação pertinente.90 Dessa forma, já se reconheceu a impenhorabilidade do

imóvel do devedor solteiro,91 do único bem da devedora alugado para terceiros cuja renda lhe

servia de subsistência,92 assim como dos próprios rendimentos do imóvel alugado.93

O paradigma da essencialidade consiste em outra construção jurídica cujo pressuposto

reside na funcionalização dos institutos patrimoniais à realização de interesses existenciais. De

acordo com o paradigma proposto, os bens objeto das relações contratuais são classificados em

essenciais, úteis e supérfluos para fins de diferenciação dos contratos, em um processo

interpretativo de primazia de situações existenciais sobre as patrimoniais, com atribuição de

regime jurídico específico ao bem em função da finalidade existencial que desempenhe,94 no

contexto normativo da relação concreta.95

Neste sentido, os contratos passam a ser individualizados à luz das diferentes funções que

desempenham em relação às necessidades existenciais do contratante: os contratos que tenham

por função satisfazer uma necessidade existencial do contratante devem sujeitar-se a um regime

de caráter tutelar, enquanto aqueles que tenham por objetos bens supérfluos, destinados a

satisfazer preferências que não configuram necessidades básicas, seriam suscetíveis a uma

disciplina mais liberal.96

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 635.871/SP,97 concluiu pela

impossibilidade de corte do fornecimento de serviços essenciais de pessoa física em situação de

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miserabilidade,98 não obstante tenha ressalvado a legalidade da suspensão nos demais casos.

Nesta ocasião, foi feita uma nítida distinção entre os interesses concretos envolvidos, tendo sido

relevante a circunstância de que a energia elétrica, no caso, não configurava insumo de uma

pessoa jurídica, mas atendida às necessidades de uma pessoa miserável, vivendo no limite da

sobrevivência biológica, o que evidencia que a essencialidade do bem foi considerada diante da

situação concreta de miserabilidade da usuária dos serviços.

Outra manifestação jurisprudencial da funcionalização ora abordada consistiu no

reconhecimento, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), do limite do desconto ao patamar de

30% dos rendimentos do trabalhador, em contrato de mútuo com cláusula contratual

autorizadora do desconto. Dessa forma, apesar de o STJ ter concluído pela validade de tal

cláusula,99 concluiu que o percentual a ser descontado não pode ser ilimitado, em razão do

caráter alimentar da verba e sua imprescindibilidade para manutenção do mutuário,100 revelando

que o exercício da atividade econômica pode ser concebido como um fim em si mesmo e que,

portanto, apenas é merecedor de tutela se também realizar valores existenciais.

Verifica-se que a funcionalização das situações patrimoniais à satisfação de interesses

existenciais vem sendo cada vez mais concretizada pela jurisprudência pátria, em prol de uma

maior realização do projeto constitucional, que tem a pessoa humana como valor central.

6.A TUTELA QUALITATIVAMENTE DIVERSA DAS SITUAÇÕES

EXISTENCIAIS

Pietro Perlingieri é enfático ao ressaltar a inadequação dos atos de autonomia negocial de

conteúdo não patrimonial aos moldes contratuais criados para atender à lógica individualista do

ter.101 Dessa forma, a diferença de fundamento constitucional entre as situações subjetivas

patrimoniais (livre iniciativa econômica102) e as situações subjetivas existenciais (cláusula geral

da tutela da pessoa103) impõe uma tutela qualitativamente diversa entre as situações.104

Apesar da significativa heterogeneidade dos atos de autonomia existencial

impossibilitarem a sua submissão a um regime jurídico único,105 Rose Melo Vencelau Meireles

extrai alguns princípios comuns aplicáveis às situações subjetivas existenciais, quais sejam:

gratuidade do ato, consentimento qualificado, revogabilidade, intransmissibilidade.106

A gratuidade do ato é fundamental nas situações existenciais, porque elas são

completamente alheias à lógica do comércio e absolutamente incompatíveis com o esquema de

bilateralidade e correspectividade.107

Em que pese a taxatividade da disposição constitucional,108 alguns Estados da federação

vêm promulgando leis no sentido de assegurar aos doadores voluntários de sangue o direito ao

recebimento, em “caráter promocional”, de um bilhete ingresso “cortesia” em dias de jogos para

o time da preferência do doador;109 ou direito à metade do valor estipulado para o público em

geral para o ingresso a espetáculos culturais e eventos esportivos.110

O princípio do consentimento qualificado exige que o consentimento do autor do ato seja

pleno, efetivo, nunca presumido, atual, espontâneo, consciente, informado, características essas

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que nem sempre são requeridas com a mesma intensidade para a validade dos contratos, nos

quais se registra uma imposição prevalentemente objetiva.111

Além da necessidade do consentimento qualificado, os atos de autonomia existencial são

eminentemente revogáveis.112 Permite-se que o disponente se arrependa da declaração de

vontade que expressou e a revogue, até o momento anterior ao da execução material do ato, ou,

se for de duração continuada, a revogação pode ocorrer a qualquer tempo.113 A possibilidade de

revogação é uma característica significativa dos atos de autonomia existenciais, principalmente

comparando-se com as relações contratuais, nas quais vigora o princípio da

obrigatoriedade.114 Dessa forma, atos de disposição do próprio corpo,115 autorização para uso de

material genético, casamento, adoção,116 são atos revogáveis.117

A intransmissibilidade é outra característica das situações subjetivas existenciais, o que

decorre da circunstância de que tais situações são indissociáveis do seu titular. Algumas

situações existenciais, contudo, não se extinguem com a morte do seu titular, o que é coerente

com a percepção da personalidade como valor, ou seja, conjunto de características e atributos da

pessoa humana.118

O Código Civil, ao atribuir legitimidade ao cônjuge ou parentes até o quarto grau do

falecido para proteção post mortem dos direitos de personalidade,119 reconhece a existência de

interesse jurídico na preservação das situações existenciais para além da vida do seu titular.

Como observa Anderson Schreiber, a necessidade de se proteger post mortem a

personalidade,120 como valor objetivo, reserva às outras pessoas uma legitimidade extraordinária

para pleitear a adoção de medidas necessárias de proteção.121

Por outro lado, a natureza existencial da situação subjetiva interfere profundamente no

processo de interpretação dos negócios jurídicos, afastando a aplicação, no caso concreto, de

regras específicas, que apenas se justificam na existência de interesses meramente patrimoniais.

Rose Melo Vencelau Meireles exemplifica com a regra que determina que o silêncio seja

interpretado como anuência,122 a qual não poderia ser aplicada para atos de autonomia

existencial;123 no caso de transplante de órgãos, deverá prevalecer a autonomia privada do

falecido, não obstante o art. 4º da Lei 9.434/1997 mencionar a necessidade de autorização da

família;124 a disposição mortis causa de situação existencial não depende de forma testamentária

rígida,125 sendo regida pelo princípio da liberdade das formas;126 a adoção exige inequívoca

manifestação da vontade de adotar.127

Além de influenciar no processo de interpretação, as situações subjetivas existenciais

exigem a incidência de tutela positiva, diante da insuficiência da tutela negativa relacionada ao

momento patológico posterior à lesão, proteção típica às situações patrimoniais.128

A tutela positiva das situações jurídicas existenciais permite que a autonomia privada

possa ser também instrumento de regulação de interesses existenciais, a fim de garantir o livre

desenvolvimento do seu titular.129

Por fim, o instrumentário do ressarcimento dos danos e da responsabilidade civil

demonstra-se inadequado, sendo necessário refinar as técnicas de prevenção do dano, execução

específica, restituição in integro, utilizando-se de institutos processuais com o objetivo de

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concretizar do melhor modo possível os valores existenciais.130 Nesse sentido, além da expressa

previsão no Código Civil de formas de tutela específica para evitar o ilícito ou fazê-lo cessar

(arts. 12 e 21 do Código Civil),131 afigura-se perfeitamente aplicável a tutela inibitória

estabelecida no art. 461 do Código de Processo Civil.132

7.CONCLUSÃO

Como se demonstrou, a controvérsia acerca da distinção entre as situações patrimoniais e

as situações existenciais não se revela somente no plano teórico. Também não corresponde a

realidade o argumento de que a funcionalização das situações patrimoniais às existências

esvaziaria de sentido a discussão proposta. Em primeiro lugar, porque as situações existenciais

continuam, como demonstrado, a reclamar a aplicação de uma lógica qualitativamente diversa

daquela que rege as situações patrimoniais. Por fim, em segundo lugar, em razão da existência

de situações tipicamente patrimoniais que afetam diretamente interesses existenciais da pessoa.

A preocupação com a distinção entre as categorias se justifica na medida em que se

intensificam as investidas da lógica de mercado sobre os aspectos existenciais da pessoa

humana. Contrariando tal processo, postula-se a centralidade da pessoa humana e a prioridade,

justificada na principiologia constitucional, dos valores existenciais quando estes conflitarem

com valores patrimoniais.

A centralidade da pessoa humana, elevada a valor máximo do ordenamento, decorre do

acolhimento pela Constituição Federal da filosofia personalista. O fenômeno da

constitucionalização do direito civil, ao impor a releitura dos seus institutos à luz dos valores do

ordenamento teve como um dos principais efeitos a despatrimonialização do direito civil, diante

da hierarquia axiológica estabelecida pela Constituição Federal.

Elevada ao vértice do ordenamento jurídico, o valor da pessoa humana conduz à

preeminência das situações existenciais sobre as situações patrimoniais. Ao prestigiar o ser em

detrimento do ter, o projeto constitucional consolida a proteção da pessoa humana independente

do patrimônio que titularize ou da posição ocupada na relação jurídica. Esta preeminência não

importa em redução quantitativa do espaço dedicado às situações patrimoniais, mas implica em

uma mudança qualitativa, já que apenas serão consideradas merecedoras de tutela na medida em

que realizarem os valores existenciais entabulados na Constituição Federal.

O critério distintivo das situações subjetivas patrimoniais e existenciais é obtido por meio

da análise de seus perfis. Apesar do caráter unitário das situações, cuja exata dimensão apenas é

obtida por meio da análise dos seus diversos perfis concorrentes, determinados perfis afiguram-

se mais relevantes para a qualificação pretendida, especialmente o perfil do interesse e o perfil

funcional.

A afirmação de que o interesse pode ser patrimonial ou existencial não conduz à conclusão

de que este perfil sozinho seria suficiente para qualificar a situação jurídica. Isso porque o

interesse como razão de agir não é um dado fático pré-normativo, masresultado do

procedimento de interpretação-qualificação jurídica. Dessa forma, não se afigura possível

determinar a natureza patrimonial ou existencial do interesse antes da realização do processo

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completo, o que impõe ao intérprete a investigação do perfil funcional, por meio do qual será

obtida a síntese dos efeitos essenciais, permitindo-se a individuação do interesse imediato.

A relevância da distinção entre as situações subjetivas revela-se, portanto, na necessidade

tanto de funcionalizar as situações patrimoniais para a realização plena das situações

existenciais, como de tutelar de forma qualitativamente diversa as situações existenciais, diante

das suas especificidades.

A funcionalização das situações patrimoniais às situações existenciais é imposta em razão

da centralidade do valor da pessoa humana no sistema constitucional, fazendo que o patrimônio

e a atividade econômica, pertencentes à categoria do ter passem a ser instrumentais à realização

de valores existenciais que integram a categoria do ser. A proteção conferida à moradia pela

impenhorabilidade do bem de família do devedor, assegurando-se a este um patrimônio mínimo,

representa um exemplo paradigmático da funcionalização de um interesse patrimonial (imóvel)

para realização de um interesse existencial (moradia).

Por fim, a tutela qualitativamente diversa às situações existenciais é exigida em função da

inadequação dos atos de autonomia negocial de conteúdo não patrimonial aos moldes

contratuais criados para atender à lógica individualista do ter. A identificação de princípios

comuns, tais como gratuidade do ato, consentimento qualificado, revogabilidade e

intransmissibilidade, permitem aplicar uma disciplina mais específica às situações existenciais.

Por outro lado, o instrumentário da responsabilidade civil clássica, calcado no ressarcimento de

danos, revela-se insuficiente para atender aos interesses existenciais, sendo necessário refinar

técnicas de prevenção de dano. Igualmente necessária a revisão do regime de incapacidades,

originalmente voltado para relações de caráter eminentemente patrimonial, inadequado,

portanto, para disciplinar atos de autonomia negocial em situações existenciais, o que justifica a

substituição da capacidade pelo discernimento.

O desafio que se apresenta, portanto, é decidir em que circunstâncias o mercado faz

sentido e quais aquelas em que deveria ser mantido a distância. Trata-se de decidir, nos casos

concretos, que valor atribuir aos bens em questão a fim de evitar que “algumas das boas coisas

da vida [sejam] corrompidas ou degradadas quando transformadas em mercadoria”.133

1SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. 5. ed. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 11.

2SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra, cit., p. 16.

3PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. 2. ed. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:

Renovar, 2002. p. 34.

4MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar,

2009. p. 93 e 200.

5SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 21.

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6SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 6.

7Sobre o ponto, cf. PERLINGIERI, Pietro. La dottrina del diritto civile nella legalitá

costituzionale. RTDC – Revistra Trimestral de Direito Civil, v. 31, 2007, p. 75-86.

8“No decorrer do século XX, com o advento das constituições dos Estados democráticos, os princípios

fundamentais dos diversos ramos do direito e também os princípios fundamentais do direito privado

passaram, nos países de tradição romano-germânica, a fazer parte dos textos constitucionais. Também no

Brasil, os princípios gerais do direito civil haviam sido transplantados para o texto constitucional. Por

isso, os civilistas que não estavam presos à summa divisio logo advertiram o papel central que a pessoa

humana, a partir da normativa constitucional, havia adquirido. A imprescindibilidade de reconstrução e

revalorização de seus princípios gerais tornava-se evidente” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O

princípio da dignidade da pessoa humana. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 72).

9Como se sabe, são três os fundamentos do direito civil constitucional: ao lado da natureza normativa da

Constituição, aponta-se a unidade e a complexidade do ordenamento jurídico e a interpretação com fins

aplicativos. Nesse sentido, cf. SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 12-16.

10“Dessa forma, o direito civil constitucionalizado impõe a releitura dos institutos de direito civil à luz

dos valores constitucionais, sobretudo, a dignidade da pessoa humana, o que traz como consequência a

posição da pessoa humana no centro da disciplina civilista, mesmo quando se tiver diante de situações

tradicionalmente centradas no patrimônio” (MEIRELLES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e

dignidade humana, cit., p. 12).

11“A eficácia do projeto constitucional pressupõe, de uma parte, que se compreenda a relação entre a

Constituição e a legislação infraconstitucional como relação em que a primeira se apresenta como

fundamento interpretativo da segunda; se outra, a adesão à arguta formulação doutrinária que revelou,

não sem objeções, a paulatina corporificação, nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, de um

processo de ‘despatrimonialização’ do direito privado” (TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais

da propriedade privada. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 333).

12MEIRELLES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 16.

13TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana. Temas de direito civil. Rio de janeiro:

Renovar, 2006. t. II, p. 342.

14PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.

121.

15De acordo com Gustavo Tepedino, “Os legítimos interesses individuais dos titulares da atividade

econômica só merecerão tutela na medida em que interesses socialmente relevante, posto que alheios à

esfera individual, venham a ser igualmente tutelados. (...) Vincula-se, assim, a proteção dos interesses

privados ao atendimento dos interesses sociais, a serem promovidos no âmbito da atividade econômica

(socialização dos direitos subjetivos)” (TEPEDINO, Gustavo. Disponível em:

<http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/biblioteca12.pdf>. Acesso em: 14 maio

2015.

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16FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 78.

17FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, cit., p. 231-232. O autor destaca a necessidade de

que o sujeito seja apreendido em conexão com a realidade: “Ademais, compreende a apreensão jurídica

do sujeito insular, abstrato, atemporal e despido de historicidade, vincado por um antropomorfismo

virtual, sem consexão direta e imediata com a realidade histórica. Pessoa e relação jurídica, elevadas ao

nível de categorias, excluem-se do real impresso na vivência efetiva das pessoas e seus vínculos”

(FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, cit., p. 85).

18CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade.

In: FACHIN, Luiz Edson (coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo.

Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 35. O autor esclarece que o fenômeno da repersonalização do direito

revela que o direito não está apenas centrado funcionalmente em torno do conceito de pessoa, mas

também seu sentido e sua finalidade são a proteção da pessoa.

19CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Para além das coisas (breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o

patrimônio mínimo). In: RAMOS, Carmen Lúcia Silveira Ramos et al (coord.). Diálogos sobre o direito

civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 156.

20TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Saúde, corpo e autonomia privada. Rio de Janeiro: Renovar,

2010. p. 120. E a autora complementa esclarecendo que se a pessoa tem algum tipo de vulnerabilidade,

essa deve ser sanada, sendo papel do direito oferecer instrumentos jurídicos para corrigir esta fragilidade,

por isso a Constituição Federal determinou tutela qualitativa e quantitativamente diferenciada para

pessoas com fragilidade. Pondera, ainda, que esta concepção integra a grande revisão que a teoria

clássica do direito civil tem sofrido, de modo a repensar o conteúdo das categorias e institutos do direito

civil sob uma nova ótica, que estabelece efetivo diálogo entre teoria e prática, abstração e concretude.

21PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 177.

22“Recurso especial. Direito Civil. Execução. Embargos de terceiros. Penhora incidente sobre imóvel no

qual residem filhas do executado. Bem de família. Conceito amplo de entidade familiar.

Restabelecimento da sentença. 1. ‘A interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a

norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito

fundamental da pessoa humana: o direito à moradia’ (EREsp 182.223/SP, Corte Especial, Rel. Min.

Humberto Gomes de Barros, DJ 6/2/2002). 2. A impenhorabilidade do bem de família visa resguardar

não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos

membros da família, como na hipótese em comento, a entidade familiar, para efeitos de

impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma composta pelos

cônjuges e outra composta pelas filhas de um dos cônjuges. Precedentes. 3. A finalidade da Lei nº

8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas, sim,

reitera-se, a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo. 4. Recurso especial provido para

restabelecer a sentença” (REsp 1.126.173/MG, 3a T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.

09.04.2013, DJe 12.04.2013).

23PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 177.

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24MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 1-2.

25SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2006. p. 107-111.

26“A Constituição brasileira de 1988 não poderia ter sido mais clara em relação ao seu projeto de

sociedade. No título dedicado aos seus princípios fundamentais, inseriu ‘a dignidade da pessoa humana’

e ‘a cidadania’ (art. 1º, IV). Elegeu, ainda como objetivos fundamentais da República a construção de

‘uma sociedade livre, justa e solidária’, impondo a erradicação da ‘pobreza’ e da ‘marginalização’, além

da redução das ‘desigualdades sociais e regionais’. O constituinte não agasalhou expressamente, como

fizeram outras constituições, o sistema capitalista de produção, mas tampouco o rejeitou. Garantiu o

‘direito de propriedade’, mas se apressou em acrescentar que ‘a propriedade atenderá a sua função social’

(art. 5º, XXII e XXIII). No capítulo dedicado aos ‘princípios gerais da atividade econômica’ não apenas

voltou a mencionar a função social da propriedade, mas também aludiu à ‘defesa do consumidor’, à

‘defesa do meio ambiente’, à ‘busca do pleno emprego’ e, mais uma vez, à ‘redução das desigualdades

sociais e regionais’. Com isso, afirmou que atividade econômica não é protegida em si mesma, mas tão

somente enquanto instrumento de outros valores, de cunho existencial” (SCHREIBER,

Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 18).

27“Quanto à proteção dos direitos da personalidade, é fato que a partir da mudança de perspectiva

constitucional, passando a estar o ordenamento a serviço da pessoa humana, conforme a determinação do

art. 1º, III da Constituição, se consolidou definitivamente a prevalência das relações não patrimoniais

(pessoais e familiares) face às relações patrimoniais (contratuais e proprietárias). Consequência desta

opção constitucional foi o substancial aumento das restrições estruturais impostas à vontade individual

pelo Código de 2002, através, por exemplo, das noções de abuso do direito, dos princípios da boa-fé, da

confiança e da função social do contrato e da propriedade, solidificando a já existente compressão da

autonomia privada patrimonial” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Ampliando os direitos da

personalidade. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil constitucional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2010. p. 124).

28PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 121.

29“O ter deixa, assim, de ser um valor em si mesmo para se tornar mero instrumento de realização

do ser. A atividade econômica passa a estar subordinada ao atendimento de valores não econômicos,

como a solidariedade social, a igualdade substancial e a dignidade da pessoa humana” (SCHREIBER,

Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 21).

30Nesse sentido, a lição de Anderson Schreiber: “O que a metodologia civil constitucional enfatiza, nessa

seara, é justamente a necessidade de que os institutos jurídicos de direito civil, outrora compreendidos

como meros instrumentos de perseguição do interesse particular, sejam redirecionados à realização dos

valores constitucionais, em especial à realização da solidariedade social e da dignidade da pessoa

humana. É nesse sentido que se afirma que o direito civil constitucional se caracteriza pelo “decisivo

predomínio das situações existenciais sobre as situações patrimoniais” (SCHREIBER, Anderson. Direito

civil e Constituição, cit., p. 20).

31SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit., p. 19.

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32PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 6. ed. amp. riv. ed agg. Napoli: Edizioni Scientifiche

Italiane, 2007. p. 53.

33PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 53-54.

34Ao promover a análise dos perfis, Pietro Perlingieri destaca que a consideração analítica dos diversos

perfis não afasta a necessidade de que sejam unitariamente entendidos, para que se viabilize a exata

dimensão delas: “As situações subjetivas devem ser consideradas sob diversos perfis entre eles

concorrentes, os quais, unitariamente entendidos, dão a exata dimensão delas” (PERLINGIERI, Pietro. O

direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 669).

35PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit. p. 669-672.

36PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 669.

37PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 669. “No ordenamento

jurídico encontram espaço tanto as situações patrimoniais e entre essas a propriedade, o crédito, a

empresa, a iniciativa econômica privada, quanto aquelas não patrimoniais (os chamados direitos de

personalidade) às quais cabe, na hierarquia das situações subjetivas e dos valores, um papel primário”.

38PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 670.

39PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 59.

40PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 672.

41FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, cit., p. 94 e 159. No sentido imediato, a obrigação

tem como objeto uma prestação e só mediatamente passa a ser objeto corpóreo (por isso a destruição da

coisa não implica em perecimento do direito). O objeto da prestação consiste na prestação-

comportamento, já que até mesmo a abstenção consiste em um “tipo” de conduta (KONDER, Carlos

Nelson; RENTERIA, Pablo. A funcionalização das relações obrigacionais: interesse do credor e

patrimonialidade da prestação. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. Diálogos sobre direito

civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. II, p. 10).

42Luiz Edson Fachin observa que relação jurídica vem passando por uma transformação significativa, a

partir de uma nova formulação, que deixa o cunho da abstração e da generalidade de lado e que leva

sempre em conta a situação concreta do sujeito e do objeto da relação jurídica (FACHIN, Luiz

Edson. Teoria crítica do direito civil, cit., p. 94).

43Luiz Edson Fachin dá o exemplo do fabricante que não é obrigado a contratar: nesse caso protege-se

um interesse contratual negativo, já que não se dirige a realizar o contrato, mas compor perdas e danos

(FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, cit., p. 94).

44Até porque a situação subjetiva só existe porque há um interesse protegido (PERLINGIERI,

Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 67).

45Pietro Perlingieri afirma que o interesse é o critério de individuação e configuração da situação

subjetiva (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 67).

46PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 67.

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47FEMIA, Pasquale. Interessi e conflitti culturali nell’autonomia privata e nella responsabilità civile.

Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1996. p. 292. O autor esclarece que o interesse é um esquema de

atribuição de significado à ação humana dentro do sistema jurídico, sendo, portanto, um esquema que

opera na qualificação e não um ente real a ser caçado: “L’interesse (desiderio raionalizzato o ragione per

agire) à uno schema per l’atribuizione di significadto all’azione umana all’interno di um sistema

giuridico; è dunque uno schema che opera nella qualificazione, non un ente reale del quale andare a

caccia” (cit., p. 347).

48FEMIA, Pasquale. Interessi e conflitti culturali nell’autonomia privata e nella responsabilità civile,

cit., p. 288, 290-292. O autor reconhece a polissemia do termo “interesse”, que pode ser aplicado para

designar um dado real, existente na ação individual, o qual emerge antes da qualificação. Embora

entenda que não há óbice de denominá-lo dessa forma, adverte que não se deve confundi-lo com o

interesse pós-qualificação, diante da diferença axiológica entre os termos. Para evitar confusão, o autor

informa que designará como “interesse” sem especificação aquele resultante da qualificação e “interesse

fático” (interesse effettuale) o emprego do termo como um dado presente na realidade social.

49Pietro Perlingieri esclarece que o interesse é a razão para agir, o fundamento da situação subjetiva: é o

conceito pelo qual se obtém o significado jurídico do fato. A norma é o critério de valoração que tem seu

sentido prescritivo na objetivação de um interesse. No entanto, para aplicar a norma ou fato, é necessário

traduzir o comando (ou critério de valoração) como razão para agir (que é o interesse) construída como

disciplina daquele fato (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 67).

50PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 67. E é exatamente essa a tarefa da

interpretação: individuar a disciplina do fato (segundo o sistema de normas aplicáveis), transformando o

critério impessoal da valoração (interesse objetivado pela norma) na valoração daquele comportamento

individual. Nesse contexto, o interesse é o esquema que justifica a atribuição de significado à ação

humana no sistema jurídico, sem o qual não poderia exprimir o conceito de situação subjetiva.

51Carlos Nelson Konder e Ana Carolina Brochado Teixeira, após considerarem a importância dos demais

perfis, concluem que o funcional é o mais relevante para a distinção das situações jurídicas subjetivas:

“Embora o perfil do interesse e de efeito sejam também importantes para se refletir acerca da normativa

aplicável a cada situação, hoje o perfil funcional é o mais relevante nessa distinção, pois utiliza o recorte

fático para refletir sobre a específica função daquela situação no ordenamento jurídico, com todas as

circunstâncias que o caso determina, através de um profundo diálogo entre a norma e a realidade, de

modo que este é o ponto de partida para a qualificação da situação jurídica subjetiva” (KONDER, Carlos

Nelson; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices: controvérsias na nebulosa

fronteira entre a patrimonialidade e extrapatrimonialidade. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz

Edson. Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. III, p. 6).

52PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 670. Anderson Schreiber

destaca que a função corresponde aos interesses que um certo instituto pretende tutelar, sendo seu

elemento de maior importância, pois determina os traços fundamentais de sua estrutura (SCHREIBER,

Anderson. Função social da propriedade na prática jurisprudencial brasileira. In: SCHREIBER,

Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 245-246).

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53PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 59. O procedimento que da determinação da

função se atinge a individuação da disciplina denomina-se qualificação; é a partir da síntese dos efeitos

essenciais, e, portanto, da função concreta, que se compreende se o fato jurídico é uma compra e venda

ou doação (PERLINGIERI, Pietro; FEMIA, Pasquale. Nozioni introduttive e principi fondamentali del

diritto civile. 2a edizione ampiamente riveduta e aggiornata con la collaborazione di Loredana Tullio.

Edizione Scientifiche Italiane, 2004, p. 108).

54Os efeitos jurídicos são diretos ou reflexos, imediatos ou diferidos; os efeitos essenciais são sempre

diretos, mas podem ser tanto imediatos quanto diferidos (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto

civile, cit., p. 64).

55PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 63.

56Pietro Perlingieri exemplifica: a perda da titularidade da propriedade é o efeito essencial e direto da

renúncia ao direito de propriedade; a aquisição do bem vacante pelo Estado é o efeito legal e reflexo, já

que a existência de bem sem proprietário é disciplinada por outra norma segundo a qual tais bens são

incorporados à propriedade do estado, correspondendo ao efeito do efeito (ibid., p. 64). Pasquale Femia

fornece o exemplo do furto praticado pelo empregado: efeito direto é a obrigação de devolução do bem

ou ressarcimento pelo equivalente, enquanto que o efeito reflexo seria a justa causa para demissão (esta

depende de outro fato, não é essencial ao furto) (FEMIA, Pasquale. Interessi e conflitti culturali

nell’autonomia privata e nella responsabilità civile, cit., p. 408, nota 677).

57PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 63. Daí se extrai que a averiguação da função

da situação jurídica, como síntese de seus efeitos essenciais, só poderá ser operada em concreto, já que

não há essencialidade previamente determinada pelo legislador (KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA,

Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 8).

58PUGLIATTI, Salvatore. La proprietà nel nuovo diritto. Milano: Giuffrè, 1954. p. 300. O autor refere-

se à função como razão genética do instituto: “Non soltanto la struttura per sè conduce inevitabilmente al

tipo che si può descrivere, ma non individuare, bensì inoltre la funcione esclusivamente è idonea a

fungere da criterio d’individuazione: essa, infatti, dà la ragione genetica dello strumento, e la ragione

permanente del suo impiego, cioè la raggione d’essere (oltre a quela di essere stato)”.

59Pietro Perlingieri identifica transferência da propriedade e o pagamento do preço como a “mínimo

denominador comum” do tipo contratual de compra e venda, já que, sem estes, não poderia haver a

compra e venda. Já a entrega do bem não é essencial e, portanto, não integra este núcleo essencial, já que

a transferência da propriedade pode ocorrer sem a entrega, como o ocorre quando o comprador já se

encontra na posse do bem a outro título; dessa forma, a ausência de elemento não essencial não é implica

na modificação da natureza do contrato (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao

direito civil constitucional, cit., p. 98).

60Pablo Rentería é enfático ao asseverar que é apenas a partir do concreto regulamento de interesses que

se verifica quais são os efeitos que o negócio está apto a produzir. Dentre eles, são os qualificados como

essenciais que permitem a qualificação do contrato como de determinado tipo; na sua falta, o contrato já

não será deste tipo, mas de outro, sendo necessário requalificar o negócio (RENTERÍA, Pablo.

Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do contrato. In: MORAES,

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Maria Celina Bodin (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

p. 303).

61MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 39. Para a

qualificação importam os efeitos queridos e não aqueles previstos de forma reflexa pela lei. Rose Melo

Vencelau Meireles exemplifica com o casamento: o efeito direto é o estabelecimento da comunhão plena

de vida, enquanto o reflexo é o impedimento matrimonial; os efeitos reflexos previstos na lei são sempre

imodificáveis.

62Como o interesse e o efeito são a resultante do procedimento de interpretação-qualificação do negócio

concreto (único que na realidade existe), não há prioridade entre eles (RENTERÍA, Pablo. Considerações

acerca do atual debate sobre o princípio da função social do contrato, cit., p. 303).

63Rose Melo Vencelau Meireles destaca que enquanto as situações existenciais incidem imediatamente

sobre o desenvolvimento da personalidade, as situações patrimoniais apenas mediatamente servem a este

fim (MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 39).

64MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 39. Importante

notar que todo o direito (portanto toda a tratativa das situações jurídicas) tem como interesse final o

homem, o que significa dizer que mesmo essa classificação (situação subjetiva existencial e patrimonial)

é relativa, e diz respeito somente ao interesse imediatamente vinculador do comportamento. Assim, as

situações referentes à propriedade, ao crédito etc., são tidas como relações patrimoniais, enquanto as

situações referentes aos chamados direitos da personalidade são tidas como situações existenciais

(CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade,

cit., p. 33).

65MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 47.

66KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 7.

67KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 8.

Conforme será demonstrado no próximo capítulo, a promoção da dignidade já cumpre, em si, uma

função social, o que impede que seja realizada uma distinção dicotômica rígida entre interesses sociais e

a realização da pessoa.

68KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 8.

Evita-se, dessa forma, o risco de que seja levada a efeito uma interpretação que acabe promovendo a

“instrumentalização” da pessoa humana, o que atingiria a dignidade na sua própria essência, derivada da

concepção kantiana do homem como fim em si mesmo.

69KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 6.

70Nesse sentido também Rose Melo Vencelau Meireles: “Nem sempre será possível afirmar que uma

relação jurídica é existencial ou patrimonial, pois não é raro que ambos os interesses estejam nela

envolvidos”. A autora destaca, contudo, que isso não ocorre porque a relação patrimonial é

funcionalizada a promoção de valores existenciais, já que isso ocorre em todos os institutos jurídicos

(MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 47-48).

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71A análise acerca dos limites para se estabelecer se o comportamento pode ser avaliável

patrimonialmente deve ser aferida com referência a uma avaliação do “ambiente-jurídico-social”

(KONDER, Carlos Nelson; RENTERIA, Pablo. A funcionalização das relações obrigacionais, cit., p.

287). Ensina Pietro Perlingieri que uma prestação é patrimonial, quando a consciência comum de

determinada coletividade, em dado momento histórico e dado território reconhece nela tal natureza.

Dessa forma, não é a disponibilidade subjetiva de suportar um sacrifício econômico, manifestada pelas

partes na relação concreta, que indicará a patrimonialidade, mas sim a difusa avaliação em termos

econômicos daquele comportamento na realidade social (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto

civile, cit., p. 224).

72Dentre os exemplos fornecidos por Carlos Nelson Konder e Ana Carolina Brochado Teixeira, pode-se

mencionar o do “garoto-propaganda”, em que o direito à exploração da imagem é cedido mediante

contraprestação pecuniária e os “reality shows”, em que há não apenas cessão da imagem, como também

restrição à privacidade, mediante algum tipo de remuneração (KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA,

Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 9-14.

73MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 48.

74Gustavo Tepedino destaca que a funcionalização das estruturas jurídicas é um fenômeno que atinge

todos os fatos jurídicos, fenômeno este ao qual a função social se associa (TEPEDINO, Gustavo. Notas

sobre a função social dos contratos. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 152).

Daí se infere que embora a função social seja uma espécie de funcionalização, ela não abarca todo o

fenômeno, que é mais amplo, na medida em que determinado instituto pode ser funcionalizado para

atendimento de outros interesses de relevância constitucional.

75KONDER, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Situações jurídicas dúplices, cit., p. 7-

8. Os autores esclarecem que a investigação relacionada ao cumprimento da função social não é

suficiente, em razão da necessidade de se averiguar qual função que melhor concretiza os objetivos

constitucionais: “Não basta, apenas, averiguar o cumprimento da função social de toda e qualquer

situação jurídica, principalmente, as de ordem patrimonial, mas sim, qual a função que determinada

situação jurídica realiza, que melhor concretiza os objetivos constitucionais”.

76PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 939. Gustavo Tepedino

ressalta o papel de destaque da dignidade da pessoa humana no processo de funcionalização: “A

dignidade da pessoa humana constitui cláusula geral, remodeladora das estruturas e da dogmática do

direito civil brasileiro. Opera a funcionalização das situações jurídicas patrimoniais às existenciais,

realizando assim processo de verdadeira inclusão social, com a ascensão à realidade normativa de

interesses coletivos, direitos da personalidade e renovadas situações jurídicas existenciais, desprovidas

de titularidades patrimoniais, independentemente destas ou mesmo em detrimento destas” (TEPEDINO,

Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana, cit., p. 341).

77PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 939. A funcionalização dos

institutos jurídicos, em particular dos civilísticos revela-se na utilização de certas estruturas criadas para

desenvolver certas funções e chamadas hoje, em um novo ordenamento constitucional, para desenvolver

funções diversas, ou até opostas. A mudança de função de uma concepção simplesmente produtivística a

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uma concepção que tende realizar o aperfeiçoamento da situação do indivíduo, atribuindo-lhe liberdade e

possibilidade efetiva de desenvolver sua própria personalidade se justifica porque na base do

ordenamento encontram-se valores de ordem moral e humano que transcendem o momento econômico

(PERLINGIERI, Pietro. La personalità umana nell’ordinamento giuridico. Universita degli Studi di

Camerino, Scuola di perfezionamento in diritto civile, Lezioni raccolte da Pietro Perlingieri. 3. Edizione

Scientifiche Italiane, 1972, p. 21).

78PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 522. O autor destaca a

relevância da funcionalização dos institutos na concretização das escolhas de fundo realizadas pela

Constituição: “Uma visão moderna, que queira analisar a realidade sem enclausurá-la em esquemas

jurídico-formais, requer uma funcionalização dos institutos do direito civil que responda às escolhas de

fundo operadas pelos Estados contemporâneos e, em particular, pelas suas Constituições” (cit., p. 137).

79Institutos patrimoniais, iniciativa econômica e propriedade.

80PERLINGIERI, Pietro. La personalità umana nell’ordinamento giuridico, cit., p. 251. Na hierarquia

dos valores constitucionais, a dignidade da pessoa humana ocupa uma posição preeminente em relação à

ocupada pela iniciativa econômica privada: esta deve ter a função de implementar as condições que

permitam a concreta e efetiva realização da pessoa humana (cit., p. 74).

81Pietro Perlingieri observa que o ordenamento vigente conforma a função de cada situação subjetiva em

sentido social, podendo o fenômeno ser mais ou menos relevante, podendo chegar a transfigurar a

situação subjetiva. O autor distingue as situação que “são” função social, daquelas que “têm” função

social: enquanto a propriedade pública é função social, a propriedade privada tem função social, já que o

interesse é protegido e reconhecido para realizar uma função individual-social (PERLINGIERI, Pietro. O

direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 670-671).

82PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 522.

83PERLINGIERI, Pietro. La personalità umana nell’ordinamento giuridico, cit., p. 75. Trata-se de uma

alteração do próprio conteúdo complexo da disciplina proprietária e não apenas dos seus limites

(PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 940).

84PERLINGIERI, Pietro. La personalità umana nell’ordinamento giuridico, cit., p. 75. Pietro Perlingieri

esclarece que o ato meramente lícito não é, por si só, valorável positivamente: para receber juízo positivo

deve ser merecedor de tutela. Necessidade de concretização de valores impede que a valoração do ato

seja limitada ao juízo da licitude, impondo igualmente um juízo de valor. Nem todo ato lícito merece

tutela, mas pode apenas eximir seu autor da responsabilidade (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na

legalidade constitucional, cit., p. 649).

85PERLINGIERI, Pietro. La personalità umana nell’ordinamento giuridico, cit., p. 75. Pietro Perlingieri

indaga: qual seria o fim social mais importante que a realização da pessoa humana e sua dignidade?

86RENTERÍA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do

contrato, cit., p. 295.

87FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Renovar, 2006. p. 1-3. Luiz Edson Fachin, em sua obra “Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo” parte

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do óbice à prodigalidade contido na vedação codificada de doação integral do patrimônio (autorredução à

miserabilidade) como restrição à prática da disposição, para construir uma garantia patrimonial que

integra a esfera jurídica da pessoa natural, consubstanciada em um patrimônio mínimo a ser mensurado

consoante parâmetros elementares da vida digna, que não pode ser objeto de expropriação Esta proteção,

contudo, não depende de previsão legal específica, já que a noção de patrimônio personalíssimo está

agregada à verificação concreta de uma real esfera patrimonial mínima, mensurada pela dignidade

humana à luz do atendimento de necessidades básicas ou essenciais.

88“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não

responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza,

contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas

hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as

plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso

profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”.

89Pietro Perlingieri é enfático ao qualificar o direito à moradia como direito existencial, não obstante

admita que ele não é exercido apenas pelo acesso à propriedade de moradia, podendo prescindir desta

para sua satisfação, como nas hipóteses de relações de concessão de uso e aluguel (PERLINGIERI,

Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 888). A partir de tais considerações, é possível

concluir que nossa Lei de Locações (Lei 8.245/1991) estabelece diversas garantias ao locatário, como

forma de proteger seu direito (existencial) à moradia, em uma relação jurídica de natureza

eminentemente patrimonial (relação locatícia), evidenciando a funcionalização ora sob comento. Como

exemplos dos institutos de proteção, poder-se-ia mencionar a vedação à denúncia vazia nos contratos por

prazo determinado (art. 6º); direito de preferência na hipótese de alienação (art. 27); proibição de

exigência de mais de uma modalidade de garantia (art. 37, parágrafo único); sub-rogação do cônjuge do

locatário na hipótese de falecimento (art. 11, inc. I)

90Na realidade, não há necessidade sequer de previsão legislativa, na medida em que se fundamenta na

garantia de um conteúdo mínimo da dignidade humana, que proscreve a condução à miserabilidade.

91SCHREIBER, Anderson. Direito à moradia como fundamento para a impenhorabildiade do imóvel

residencial do devedor solteiro. In: SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo:

Atlas, 2013. p. 280-296.

92“Bem de família. Imóvel locado. Irrelevância. Único bem da devedora. Renda utilizada para a

subsistência da família. Incidência da Lei 8.009/90. Artigo 1º, Teleologia. Circunstâncias da causa.

Precedente da turma. Recurso desacolhido. I – Contendo a Lei n. 8.009/90 comando normativo que

restringe princípio geral do direito das obrigações, segundo o qual o patrimônio do devedor responde

pelas suas dívidas, sua interpretação deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia, a levar em

linha de consideração as circunstâncias concretas de cada caso. II – Dentro de uma interpretação

teleológica e valorativa, calcada inclusive na teoria tridimensional do Direito-fato, valor e norma (Miguel

Reale), faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que

lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar,

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considerando que o objetivo da norma foi observado, a saber, o de garantir a moradia familiar ou a

subsistência da família” (STJ, REsp 159.213/ES, 4a T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.

20.04.1999, DJ 21.06.1999, p. 162).

93“Embargos infringentes. Penhora de rendimento oriundos de locativos. Natureza alimentar da verba.

Prevalência dos direitos da pessoa sobre os creditícios. A verba oriunda de alugueis, a falta de outros

rendimentos substanciais, tem natureza alimentar. Prevalência desta, que integra a dignidade da pessoa,

em detrimento de direitos de crédito. Princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Art. 1º,

III, CF. Ressalva, inclusive, do artigo 560, I, segunda parte, do CPC. Embargos Acolhidos por maioria”

(TJRS, Embargos Infringentes 70000296053, 10º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Carlos Rafael dos

Santos Júnior, j. 25.02.2000).

94NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 449-

450.

95É necessário, contudo, a análise do contexto normativo da concreta relação, já que as classificações só

podem ser avaliadas em relação a uma peculiar ordem de interesses, o que impõe que a utilidade dos

bens seja considerada em função da utilidade para a pessoa que dele necessita (NEGREIROS,

Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 383).

96NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato, cit., p. 31.

97STJ, REsp 635.871/SP, 1a T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 18.05.2004, DJ 27.09.2004, p. 271.

98Além da miserabilidade, foi considerada a circunstância (relevante) de que houve o parcelamento do

débito e o respectivo pagamento da prestação, o que, por si só, já seria idôneo a caracterizar a ilegalidade

do corte: “Hipótese em que houve parcelamento do débito e devido pagamento da prestação, afastando-

se a possibilidade do corte de água tendo em vista sua ilegalidade”.

99Sob o fundamento de que seria circunstância especial facilitadora da concessão de crédito em

condições de juros e prazos mais vantajosos para o mutuário.

100STJ, AgRg no AREsp 115.486/RS, 4a T., Rel. Min. Marco Buzzi, j. 07.11.2013, DJe 19.11.2013.

101PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 458.

102Art. 170 da CF.

103Art. 1º, III, da CF.

104MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 93 e 200.

“Afirmar que a tutela deve ser qualitativamente diversa para as situações patrimoniais e para as situações

existenciais significa que o juízo de merecimento de tutela da autonomia privada vai levar em

consideração a qualidade das situações jurídicas, isto é, se pertencem a categoria do ser ou do ter”.

105MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 201. Autora

exemplifica com o casamento, filiação, transplantes, direitos de autor etc., destacando que a atuação da

autorregulamentação de interesses existenciais independe de previsão legal.

106MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 210 e ss.

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107MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 210-212. Autora

ressalta que se refere às situações exclusivamente existenciais e não àquelas dúplices: “Não se pode

deixar de observar que há situações de duplo conteúdo, isto é, existenciais e patrimoniais, sobre as quais

não incide o princípio da gratuidade, como a imagem e até a privacidade, de modo que resta analisar a

situação em particular para se saber se a realidade histórico-social permite que as mesmas sejam também

sujeitas a uma lógica da equivalência”.

108A Constituição Federal veda qualquer tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias

humanas e transfusão de sangue, estabelecendo uma espécie de núcleo mínimo, o que não dispensa o

intérprete-aplicador do direito, nas hipóteses nas quais não haja norma expressa, de avaliar cada caso

concreto individualmente, a fim de se verificar se determinado comportamento seria avaliável

economicamente naquele “ambiente jurídico-social” (vide nota do item anterior). Assim dispõe a

Constituição: “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

(...)

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e

substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento

e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. (g.n.)

109Rio de Janeiro: Lei Estadual 5.816/2010.

110Paraná: Lei Estadual 13.964/2002; Espírito Santo: Lei Estadual 7.737/2004.

111MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 215. Carlos

Nelson Konder, no artigo “O consentimento no biodireito”, aborda o consentimento livre e esclarecido

no âmbito da relação médico-paciente, afirmando ser aquele exarado após explicação completa e

pormenorizada sobre a intervenção médica, com liberdade total para recusar ou interromper o

procedimento em qualquer momento (KONDER, Carlos Nelson. O consentimento no biodireito. Os

casos dos transexuais e dos wannabes. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 15, jul.-set. 2003, p. 41-71).

Rose Melo Vencelau Meireles menciona a existência de um Projeto de Lei (PL 1.321/2003) que permite

ao presidiário que se inscreva como doador vivo de órgãos, partes do corpo humano ou tecidos para fins

terapêuticos requerer a redução da pena após aprovação do procedimento cirúrgico. Embora não haja

razão jurídica para impedir que o preso seja disponente de órgãos, a autora observa ser difícil garantir a

espontaneidade do ato em razão da sua vinculação ao benefício na execução da pena (MEIRELES, Rose

Melo Vencelau.Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 213).

112Rose Melo Vencelau Meireles sustenta que a característica da revogabilidade decorre do princípio do

consentimento qualificado, já que somente a limitação voluntária seria admissível (MEIRELES, Rose

Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 246). No entanto, alguns atos de

autonomia patrimonial nos quais há vulnerabilidade de uma das partes, como nas relações de consumo,

também se exige o consentimento informado, exigência esta que, contudo, não torna revogável o negócio

jurídico já celebrado, salvo em situações especiais expressamente previstas pela lei, como na hipótese do

direito ao arrependimento nas compras feitas fora do estabelecimento comercial.

113MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 246, nota 486.

114MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 247.

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115No caso de transplante de órgãos, a revogabilidade deve ser admitida até a incorporação do órgão no

receptor, já que, a partir daí, passa a prevalecer o interesse na proteção da integridade física deste último.

116Até a sentença.

117MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 246. Já o

reconhecimento de filho, segundo a autora, seria irrevogável por repercutir na esfera jurídica alheia.

118MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 162. Como

visto supra, o sujeito não é elemento essencial na estrutura da situação jurídica subjetiva, que pode

subsistir como centro de interesses sem que haja um titular atual.

119“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e

danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o

cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.

120Anderson Schreiber ressalta a relevância da proteção diante da repercussão que o atentado pode

produzir no meio social: “Não se trata de concessão fantasmagórica, mas de norma ditada pelo interesse

social. Os direitos de personalidade projetam-se para além da vida do seu titular. O atentado à honra do

morto não repercute, por óbvio, sobre a pessoa já falecida, mas produz efeitos no meio social. Deixar

sem consequência uma violação desse direito poderia não apenas causar conflitos com familiares e

admiradores do morto, mas também contribuir para um ambiente de baixa efetividade dos direitos da

personalidade. O direito quer justamente o contrário: proteção máxima para os atributos essenciais à

condição humana” (SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 24).

121SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade, cit., p. 24. A intransmissibilidade, contudo,

refere-se apenas às situações subjetivas exclusivamente existenciais, já que as de caráter dúplice são

transmissíveis aos seus sucessores, na sua expressão patrimonial, como ocorre com os direitos do autor e

a exploração comercial de imagem (MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade

humana, cit., p. 171).

122“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for

necessária a declaração de vontade expressa”.

123Autora exemplifica com transplante de órgãos, que depende de declaração expressa do doador

(MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 140).

124Vide, a respeito do assunto, o artigo “Autonomia e solidariedade na disposição de órgãos para depois

da morte”, de Ana Carolina Brochado Teixeira e Carlos Nelson Konder (Revista da Faculdade de

Direito da UERJ – RFD, n. 18, 2010). Este artigo deu origem ao Enunciado 277 do Conselho de Justiça

Federal dispõe no sentido de prevalecer a regra do Código Civil em relação àquela da lei de transplantes,

na hipótese de manifestação expressa do doador, em vida: “277 – Art. 14. O art. 14 do Código Civil, ao

afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para

depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a

vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de

silêncio do potencial doador”.

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125Desde que a situação existencial não integre o patrimônio hereditário do falecido.

126MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 144.

127Art. 42, § 6º, da Lei 8.069/1990, que assim dispõe: “A adoção poderá ser deferida ao adotante que,

após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a

sentença”. (g.n.)

128TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Saúde, corpo e autonomia privada, cit., p. 138.

129MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 57. É chamada

positiva porque realizada mediante a autodeterminação do titular, muitas vezes com a colaboração de

outrem, enquanto que a tutela negativa diz respeito a comportamentos omissivos gerais, os quais têm

repercussão jurídica apenas depois da lesão.

130PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 120.

131MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana, cit., p. 56.

132“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que

assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz,

de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por

tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento

de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.

133SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra, cit., p. 16.

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8

A APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DO

DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL NA

REALIDADE JURÍDICA BRASILEIRA:

OS EXEMPLOS DO DIREITO DE NÃO

SABER E DAS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS

Chiara Antonia Spadaccini de Teffé

Juliana da Silva Ribeiro Gomes Chediek

Sumário: 1. Constitucionalização do Direito Civil e não civilização do Direito Constitucional – 2. A natureza normativa da

Constituição – 3. Aplicação direta e indireta das normas constitucionais – 4. Exemplos de aplicação das normas constitucionais às

relações privadas: 4.1 O direito de não saber; 4.2 As famílias simultâneas – 5. Interpretação com fins aplicativos – 6. Conclusão.

1.CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E NÃO

CIVILIZAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL

O século XX foi marcado por acontecimentos de grande relevância social e política que

promoveram uma significativa mudança de paradigmas no Direito, influenciando tanto o

conteúdo quanto a interpretação das normas jurídicas. Após duas guerras mundiais e a queda de

regimes ditatoriais, os Estados europeus perceberam a importância de se editar Constituições

mais humanizadas e democráticas que colocassem em primazia a tutela integral da pessoa

humana. Além da positivação de matérias estritamente constitucionais, nos países de tradição

romano-germânica, os legisladores incluíram também princípios relativos a outros ramos do

Direito, inclusive matérias de Direito Privado, pois se percebeu que as normas constitucionais

representariam um relevante instrumento para a promoção do projeto de sociedade almejado, o

qual atribuía atenção especial à realização da solidariedade social e da dignidade da pessoa

humana.

Neste momento, desejava-se romper com a tradicional inspiração ideológica das

codificações civis em vigor, como o Código de Napoleão na França e o Código Civil alemão

(BGB), que tinham como pressupostos ideais de cunho liberal, individualista, voluntarista e

patrimonialista, consagrados pela Revolução Francesa e pelas demais revoluções burguesas dos

séculos XVIII e XIX.1 Entretanto, este não seria um caminho simples. Ainda que houvesse uma

visível colisão axiológica entre o compromisso constitucional assumido e as codificações, estas

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gozavam de uma maior confiabilidade entre os juristas, já que se mostravam mais estáveis com

o passar do tempo e traziam em seu bojo institutos clássicos do Direito Civil.2

Diante desse cenário, parte da doutrina percebeu a necessidade de se promover uma

releitura do Direito Civil à luz da Constituição.3 Para eles, essa seria a maneira mais adequada

para se remodelar e funcionalizar os institutos e as relações jurídicas, garantindo-se a tutela

integral da pessoa humana e o respeito às suas vulnerabilidades e singularidades. No âmbito da

interpretação jurídica, verificou-se que seria necessário elaborar uma teoria não formalista que,

refutando a mera subsunção lógica, partisse ao encontro de uma interpretação sistemática e

axiológica, que tivesse como objetivos a realização dos valores constitucionais, responsáveis

por orientar o sistema como um todo, trazer justiça ao caso concreto e elevar os princípios ao

patamar de normas jurídicas.4

Na Itália, a partir dos anos 1960, Pietro Perlingieri começou a desenvolver o que mais

tarde se tornaria a metodologia do Direito Civil Constitucional. Segundo o professor, deve-se

permanentemente “reler todo o sistema do código e das leis especiais à luz dos princípios

constitucionais e comunitários, de forma a individuar uma nova ordem científica que não freie a

aplicação do direito e seja mais aderente às escolhas de fundo da sociedade

contemporânea”.5 Em seguida, completa o seu raciocínio afirmando a necessidade de o jurista

desvincular-se de antigos dogmas durante o processo interpretativo, já que não existe um

Direito Civil neutro ou não histórico, devendo verificar a relatividade e a historicidade dos

conceitos. Para o autor italiano, a estabilidade de uma determinada cultura jurídica depende que

os seus instrumentos mostrem-se contextualizados com as atuais demandas da sociedade, a qual,

nos últimos anos, mostra-se cada vez mais multifacetada e plural.

Neste processo, não cabe ao jurista apenas interpretar as normas ordinárias conforme a

Constituição, mas reconhecer e garantir que as normas constitucionais sejam aplicadas

diretamente às relações jurídicas, trazendo concretude à Constituição da República. O principal

objetivo desta metodologia é obter a máxima realização dos valores constitucionais na seara das

relações privadas, atribuindo a eles uma primazia substancial na interpretação e na aplicação do

Código e das leis especiais. Cada conflito de interesses deverá ser resolvido com base na análise

integral do ordenamento jurídico, observando-se particularmente os seus princípios

fundamentais, e não com base apenas em um único artigo de lei ou estritamente a partir das

normas de Direito Privado. Entende-se que não há sistemas normativos autônomos dentro do

Direito, de forma que a solução do caso concreto só se afigura legítima se compatível com a

legalidade constitucional.6

Entretanto, Perlingieri adverte que a referida metodologia parte da existência de

Constituições de inspiração democrática, humanista e solidarista, cenário tal que permite que os

juristas possam ser positivistas, visto que as normas têm um conteúdo moral e há espaço para

contribuir com o progresso e o desenvolvimento dos referidos valores. Contudo, salienta que,

caso este ambiente não se mostre possível, ao intérprete só restará a resistência, em uma espécie

de retorno ao jusnaturalismo, pois, quando o poder se torna presa de impulsos irracionais, o

primado da política deve ser obtido com a concepção jusnaturalística e não a partir da

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concepção rigorosamente normativa do Direito. “Dessa forma, o primado da política assume um

significado diverso: primado não já da lei imposta pela força do Estado, mas da norma

razoavelmente fundadora de uma ordem jurídica”.7

A partir dessas considerações, a doutrina aponta que as características essenciais do

Direito Civil Constitucional seriam: a preeminência das situações existenciais frente às

patrimoniais, a preocupação com a historicidade e a relatividade na interpretação-aplicação do

Direito, a prioridade da função dos institutos jurídicos em relação a sua estrutura e, por fim, a

aplicação direta dos princípios constitucionais às relações privadas.8 Destaca-se que tais

características remetem a uma das principais premissas da metodologia, qual seja, a inexistência

de uma summa divisio entre o Direito Público e o Direito Privado. Afirma-se que essa separação

oriunda dos romanos não mais se harmonizaria com a realidade social e nem dialogaria com a

atual lógica do sistema. Para a adequada dimensão do fato jurídico, faz-se necessário defender a

unidade do ordenamento, a aplicação direta e imediata das normas constitucionais nas relações

privadas e a releitura dos códigos e leis especiais à luz da Constituição. O contexto atual requer

um repensar tanto do discurso quanto da metodologia aplicada ao Direito, sendo relevante o

reconhecimento dos limites e das insuficiências de se estabelecer grandes dicotomias,9 como a

distinção entre os interesses público e privado.10

Neste sentido, é necessário ressaltar o equívoco de alguns juristas que afirmam a

existência de um processo de civilização do Direito Constitucional11 ou privatização do Direito

Público, o qual se daria por meio da influência do Direito Civil e de suas categorias na

interpretação constitucional. Ainda que as normas infraconstitucionais possam ter maior

densidade analítica, elas não podem servir de decifradores ou tradutores dos valores

constitucionais, sob pena de se estar violando a supremacia das normas constitucionais e a

vontade do legislador constituinte. São os valores e princípios constitucionais que devem

impregnar cada categoria do direito infraconstitucional para que prevaleça a hierarquia

axiológica do projeto constitucional.12 A defesa daleitura dos institutos de Direito Civil à luz da

Constituição tem propriamente como objetivo evitar que a Constituição seja lida e interpretada a

partir da lei ordinária, evitando-se uma direção hermenêutica de mão dupla.

O que se almeja na constitucionalização do Direito Civil não é retirar dos privados a sua

liberdade, por meio de uma atuação ilimitada do Estado, pois também os poderes públicos têm o

dever de respeitar as opções político-normativas presentes na Carta. Na verdade, o que se

pretende é orientar essa liberdade conforme os ditames constitucionais de respeito à dignidade

da pessoa humana e à solidariedade social. Na legalidade constitucional, a liberdade só pode ser

protegida e promovida se exercida de acordo com os valores fundamentais do ordenamento, os

quais se encontram necessariamente presentes na Constituição da República. De outra forma,

não se alcançaria o projeto de sociedade proposto pelo legislador, uma vez que as codificações

civis ainda são marcadas por ideologias prioritariamente liberais e patrimonialistas.

De acordo com as breves considerações traçadas em relação à metodologia, verifica-se que

esta dialoga vivamente com o panorama político brasileiro após a ditadura militar e a

Constituição da República de 1988, uma vez que o legislador constituinte colocou o ser humano

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em posição central no ordenamento jurídico, estabelecendo como um dos princípios

fundamentais do Estado a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/1988), e

revitalizou institutos típicos do Direito Privado, como a personalidade, o contrato, a

propriedade, a responsabilidade civil e a família.13 Percebendo este cenário, Maria Celina Bodin

de Moraes e Gustavo Tepedino, alunos de Perlingieri na década de 1980, trouxeram para o

Brasil a doutrina do Direito Civil Constitucional, propondo justamente a constitucionalização do

Direito Civil a partir da recém promulgada Constituição.14

Inicialmente, no país, houve uma grande resistência dos civilistas em aplicar a

metodologia civil constitucional. Tais autores desejavam manter a centralidade do Código Civil

de 1916 e garantir que os seus conceitos e ideais seculares, que privilegiavam os interesses da

burguesia, colocavam em primazia as situações patrimoniais e fundamentavam a

responsabilidade prioritariamente na culpa do agente, fossem aplicados da forma tradicional,

mantendo-se o status quo. Alegavam que poderia haver uma possível redução de importância do

Direito Civil, o qual passaria a ser um apêndice do Direito Constitucional, que as matérias de

Direito Civil seriam próprias e insusceptíveis de tratamento pela Constituição, salvo de forma

excepcional e supletiva e, ainda, que seria conferido um excesso de poder ao juiz, legitimando-o

a invadir a tradicional esfera da autonomia privada e a saltar injustificadamente sobre o

legislador ordinário. Por fim, questionavam também a durabilidade da atual Constituição, pois,

enquanto as instabilidades políticas já haviam levado à promulgação de seis Constituições, o

Código Civil de 1916 ainda permanecia em vigor.

Mesmo diante desses obstáculos, a metodologia foi arduamente defendida pela escola de

Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Com o tempo, o Direito Civil

Constitucional ganhou mais adeptos, de forma que o Código Civil de 1916 deixou de ser

compreendido como o centro do sistema de Direito Privado. Posteriormente, com a entrada em

vigor do Código Civil de 2002, buscou-se remediar a disparidade existente entre o antigo

diploma civil e a Constituição. Contudo, entende-se que o legislador não foi bem sucedido nesta

tarefa, pois, sob a alegação de ter positivado apenas institutos que já encontravam a

estratificação necessária para figurar em uma codificação,15 o Código ocultaria em suas normas

uma ideologia do passado (baseada no patrimonialismo, individualismo, liberalismo e

voluntarismo), dispositivos obsoletos e conquistas aquém das atuais necessidades e carências da

sociedade. Portanto, não obstante a edição do “novo Código Civil”, a releitura civil

constitucional mostra-se de suma importância, sendo necessário compreender a

constitucionalização como uma ação permanente.16

Atualmente, superou-se o receio da “colonização do Direito Privado” pelos espaços

públicos, fruto da timidez do constitucionalismo tradicional.17 A metodologia do Direito Civil

Constitucional vem sendo amplamente aceita tanto na doutrina quanto na jurisprudência dos

tribunais superiores. Ao longo dos anos, o Superior Tribunal de Justiça vem oferecendo

contornos mais humanizados ao bem de família estipulado na Lei 8.009/1990, ao reconhecer

que o escopo definitivo desta lei é a proteção de um Direito Fundamental da pessoa humana: o

direito à moradia. Assim, mesmo o devedor solteiro, separado ou viúvo tem protegido o seu

bem de família,18 sendo este um caso em que há evidente eficácia direta das normas de direitos

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fundamentais nas relações entre particulares. Em relação à união homoafetiva, ainda que o

Código Civil de 2002 não mencione nada sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal reservou

uma interpretação constitucional ao art. 1.723, estendendo a disciplina da união estável aos

casais homossexuais.19

De acordo com Gustavo Tepedino, a presente agenda do Direito Civil seria composta por

três principais preocupações: a) que a compreensão da metodologia do Direito Civil

Constitucional supere a mera percepção topográfica de uma mudança de técnica legislativa; b)

que seja realizada a construção de uma nova dogmática do Direito Privado com coerência

axiológica em torno da unidade do ordenamento jurídico; c) que o jurista mantenha a fidelidade

ao compromisso metodológico do Direito Civil Constitucional, a despeito de mudanças políticas

e econômicas que alterem o papel do Estado na sociedade e da crescente pluralidade de fontes

normativas (nacionais e supranacionais).20

Mesmo que essa agenda tenha sido proposta há alguns anos, ela se mostra bastante atual,

principalmente em relação ao seu último item – a fidelidade ao compromisso metodológico do

Direito Civil Constitucional, o qual dialoga diretamente com a questão da necessária coerência

valorativa que deve existir nas decisões judiciais e com a busca pela unidade de critérios

interpretativos, fatores esses que influenciam diretamente a construção da resposta mais

adequada para o caso concreto. Mesmo sendo desejáveis as diferenças interpretativas em torno

da norma, tais espaços de liberdade não devem dar margem a uma injustificada insegurança

jurídica, sendo necessário, portanto, a partir da teoria da argumentação, estabelecer-se

objetivamente os limites e as possibilidades do jurista dentro da metodologia.

2.A NATUREZA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO

Pietro Perlingieri ensina que há três pressupostos teóricos fundamentais e indissociáveis

para caracterizar a doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional: a natureza normativa

da Constituição, a complexidade e a unidade do ordenamento jurídico e o pluralismo das fontes

do Direito e, por fim, a elaboração de uma renovada teoria da interpretação jurídica com fins

aplicativos.21

A afirmação da natureza normativa da Constituição importa no reconhecimento não

apenas do valor normativo dos princípios e das regras constitucionais, mas também da

supremacia deles em relação a todas as outras normas infraconstitucionais, estando, portanto, a

Constituição da República no vértice do ordenamento jurídico. Rompe-se com o entendimento

de que a norma constitucional seria de natureza exclusivamente programática e que esta teria

como exclusivo destinatário o legislador. Nessa concepção, a Constituição deixa de significar

uma mera Carta política de alcance limitado, devendo ser respeitada por todos os sujeitos, como

exigência do princípio geral da legalidade.

Defende-se que a norma constitucional não pode ser reduzida a um mero limite ou

impedimento à lei ordinária ou representar um simples suporte hermenêutico ao intérprete. Em

verdade, tais normas, além de indicarem os fundamentos, as justificações e o alcance dos

institutos jurídicos, apontam parâmetros de avaliação dos atos, atividades e comportamentos dos

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sujeitos. A partir da concepção unitária do ordenamento jurídico, onde a Constituição da

República encontra-se em posição hierárquica suprema, nem o tamanho do Estado e nem a

renovação do Código Civil são capazes de alterar a normatividade constitucional.22

Desta forma, a norma constitucional sempre será usada para se chegar à solução mais

adequada para o caso concreto,23 seja por meio da aplicação combinada com a legislação

ordinária específica, as cláusulas gerais ou os princípios gerais do Direito, seja por meio de sua

aplicação direta, sem a intermediação de qualquer enunciado normativo ordinário. Portanto,

pode-se afirmar que o papel da Constituição é tanto o de fonte interpretativa da norma ordinária

quanto o de fonte normativa.

No Direito Brasileiro, um significativo exemplo da consagração deste pressuposto na

lógica civilista é a forma como o princípio da igualdade entre os cônjuges e entre filhos de

qualquer origem (arts. 226 e 227 da CRFB/1988) foi aplicado diretamente pelos tribunais, entre

os anos de 1988 e 2003. Paulo Lôbo ensina que, caso se admitisse uma interpretação tradicional,

que previsse a conservação da legislação anterior até que a norma constitucional fosse

regulamentada por nova legislação infraconstitucional, não se teria garantido “força normativa

real à Constituição”, que restaria com efeito meramente simbólico, permanecendo, assim, as

desigualdades presentes no Direito de Família regrado pelo Código Civil de 1916.24

3.APLICAÇÃO DIRETA E INDIRETA DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS

Uma das propostas metodológicas do Direito Civil Constitucional é a noção de que a

aplicação das normas constitucionais às relações privadas pode se dar tanto diretamente quanto

indiretamente.25 A aplicação direta dos princípios constitucionais constitui resposta

hermenêutica a duas características essenciais da própria noção de ordenamento: a unidade e a

complexidade.26 Em um ordenamento unitário, por mais que sejam diversificadas as fontes e

multiplicadas as normas, a normativa constitucional deverá incidir tanto na presença quanto na

ausência de regra específica, diante do fato de que a legislação infraconstitucional apenas

encontra legitimidade se conformada aos valores constitucionais.27 Isto é, a aplicação da norma

ordinária deverá sempre traduzir a aplicação da própria Constituição.

Pietro Perlingieri, ao pesquisar a incidência (direta e indireta) das normas constitucionais

às relações privadas, partiu da análise de orientações jurisprudenciais28 e doutrinárias,29 tanto

fora do campo do Direito Civil quanto em setores tradicionalmente de competência civilística.

No ramo do Direito Civil, observou alguns casos em que houve a releitura de institutos do

Direito Privado à luz de valores constitucionais. Para tanto, destacou alguns exemplos, como

decisões em tema de guarda, adoção e de medidas em geral no interesse de menores (em que

houve a aplicação do art. 2º da Constituição Italiana, que versa sobre a inviolabilidade do

homem e da proteção de sua personalidade30), decisões em sede de interdições abandonando o

critério puramente patrimonial para amparar o direito de um interdito a contrair matrimônio

válido ou reconhecer um filho natural (aplicação do art. 29 da Constituição Italiana, que confere

proteção constitucional à família31), decisões em que foi superada a taxatividade do rol dos

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direitos da personalidade, sendo reconhecida a privacidade dos fatos particulares, autorizada a

mudança de sexo (em razão da cláusula geral de livre desenvolvimento da pessoa, prevista do

art. 2º da Constituição Italiana) e assim por diante.32

Para além de identificar casos em que a normativa constitucional é diretamente ou

indiretamente aplicável às relações privadas, o autor concluiu que seja na aplicação direta seja

na aplicação indireta a norma constitucional deverá sempre ser aplicada, uma vez que a

normativa constitucional não deve ser considerada somente como regra hermenêutica, mas

também como norma de comportamento, idônea para incidir sobre o conteúdo das relações

subjetivas, funcionalizando-as aos novos valores.

Em sentido oposto a esse raciocínio, alguns civilistas33 admitem a aplicação direta da

Constituição da República às relações privadas somente quando houver lacuna na legislação

ordinária. Entendem que, se uma lei não é inconstitucional e está em vigor, seria inadequado o

juiz aplicar o que ele entende por Constituição, tendo em vista que os magistrados não gozam de

representatividade democrática tal como os legisladores. Para tais autores, se há lei ordinária e

esta é constitucional, não deverá haver aplicação direta da Constituição, mas poderá e deverá

haver a aplicação indireta como, por exemplo, nos casos em que a lei ordinária tiver conceitos

jurídicos indeterminados ou cláusulas gerais.

No que tange ao argumento que admite a aplicação direta da Constituição apenas na

hipótese de existência de lacunas na legislação ordinária, tal alegação não se sustenta diante da

inexistência de espaços de não direito no ordenamento jurídico. Isto é, não há espaço de

subjetividade inalcançado pelo âmbito constitucional, uma vez que a liberdade não é um dado

pré-jurídico.34 O argumento em contrário parte da existência de uma dualidade entre o fato

social e a norma e opõe a liberdade à intervenção legislativa, de modo a autorizar,

aprioristicamente, alguns comportamentos humanos, desresponsabilizando seus titulares. Na

verdade, as liberdades deverão ser plenamente exercidas na ordem pública constitucional.

Quanto ao argumento referente à ausência de representatividade democrática dos

magistrados, é importante perceber que o fenômeno da judicialização35 é mundial, decorrente da

recente reforma constitucional de muitos países, a qual transferiu parcela do poder das

instituições representativas para o Poder Judiciário,36 e das demandas de diversos movimentos

sociais que buscam o reconhecimento e a proteção dos seus direitos. Nos países onde é forte a

proteção constitucional de direitos e garantias e, ainda, foi estabelecida uma forma de ativismo

judicial, os juízes e os tribunais vêm se tornando cada vez mais importantes e até mesmo

indispensáveis enquanto corpo decisório. Entretanto, observa-se o surgimento de um argumento

de resistência à força das decisões judiciais, pela alegação de falta de legitimidade democrática

dos magistrados para tomarem decisões que, supostamente, deveriam ser de responsabilidade

dos representantes políticos eleitos pelo povo. Ocorre que, como alerta Ran Hirschl,37 a

democracia de nossos tempos não significa a prevalência da regra da maioria, mas sim uma

democracia constitucional, em que as minorias gozam de proteções, direitos e garantias no texto

constitucional, o qual é redigido e aprovado por uma assembleia democraticamente eleita. Em

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consequência, os juízes por estarem a salvo de pressões políticas são, muitas vezes,

responsáveis pela salvaguarda de tais direitos.

O debate sobre a aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas também

se faz presente entre os constitucionalistas. Conforme ensina Jane Reis, a ordem constitucional é

hoje fonte reguladora tanto do poder político quanto da sociedade civil.38 Diante da perspectiva

de que não há mais limites precisos que separam o Direito Constitucional e o Direito Privado,

não sendo possível concebê-los como mundos separados, é que surge, para a autora, o problema

da aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações entre particulares. Quanto a esse aspecto, é

pertinente a metáfora de Von Münch: “uma vez desmoronado o dique que, segundo a doutrina

precedente, separava o direito constitucional do direito privado, os direitos fundamentais se

precipitaram como uma cascata no mar do direito privado”.39

A autora descreve o embate entre setores da doutrina jurídica de matriz liberal que

sustentam a inviabilidade da aplicação dos Direitos Fundamentais diretamente às relações

jurídicas entre pessoas privadas e aqueles que defendem que os Direitos Fundamentais podem

ser invocados tanto nas relações jurídicas travadas com o Estado quanto nas que envolvem

apenas particulares, informando que o nascimento do debate sobre a possibilidade e a forma de

os Direitos Fundamentais incidirem nas relações privadas nasceu na Alemanha e nos Estados

Unidos, no final do século XX.40 Informa, igualmente, que na teoria constitucional brasileira

contemporânea predomina o entendimento que admite alguma forma de incidência dos Direitos

Fundamentais nas relações privadas,41 porém, em sua concepção, caso se entenda que os direitos

incidem diretamente nas relações jurídico-privadas, a modulação de sua incidência deverá ser

compreendida como um problema de restrição de direitos, a ser resolvido por meio de uma

ponderação.

Em passagem sobre o tema, a autora afirma que a concepção de que os Direitos

Fundamentais incidem diretamente nas relações entre os particulares seria uma consequência

natural e lógica da adoção de um modelo hermenêutico comprometido com o caráter normativo

da Constituição. Entretanto, isso não significaria que os Direitos Fundamentais deveriam incidir

de forma absoluta e incondicionada nas relações privadas. Neste sentido, defende que “os

direitos fundamentais são, em tese, aplicáveis às relações privadas, cabendo ao intérprete

modular a extensão de sua incidência por meio dos recursos hermenêuticos tradicionais, mas

tendo em conta, também, a proteção constitucional da autonomia privada (princípio

liberdade)”.42 A partir dos postulados da teoria externa de Direitos Fundamentais, caberia

verificar, em cada caso, se o Direito Fundamental invocado na relação de direito privado

justificaria a compressão ou o afastamento do direito à autonomia privada, o qual, em princípio,

deveria incidir em todos os negócios envolvendo particulares.

Percebe-se que o posicionamento supra não se alinha com a compreensão de Gustavo

Tepedino, uma vez que ele afirma que o constituinte, ao eleger a dignidade humana como valor

máximo do sistema normativo, teria excluído a existência de redutos particulares que, como

expressão de liberdades fundamentais inatas, desconsiderassem a realização plena da pessoa

humana.43 Neste sentido, o autor coloca que a família, a propriedade, a empresa, o sindicato, a

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universidade, bem como quaisquer microcosmos contratuais devem permitir a realização

existencial isonômica, segundo a ótica de solidariedade constitucional. Portanto, não

configuram espaços insuscetíveis ao controle social, justamente porque integram uma ordem

constitucional que é a mesma tanto nas relações de direito público quanto nas relações de direito

privado.

Por fim, oportuno salientar que pouco importa estabelecer se em um caso concreto a

aplicação da normativa constitucional se deu de forma direta ou indireta, pois o importante é

confirmar a eficácia, com ou sem uma específica normativa ordinária, da norma constitucional

nas relações sociais e econômicas juridicamente relevantes.44

4.EXEMPLOS DE APLICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ÀS

RELAÇÕES PRIVADAS

A fim de trazer concretude à teoria exposta, serão analisados dois exemplos bastante atuais

e polêmicos, em que se faz necessária a aplicação das normas constitucionais às relações

privadas: o direito de não saber e as famílias simultâneas. A escolha dos casos se deu em virtude

de abordarem institutos de grande importância para o desenvolvimento da pessoa humana e que

foram revitalizados pela Constituição de 1988: os direitos da personalidade e a família. A partir

dos pilares do Direito Civil Constitucional, pretende-se sugerir possíveis soluções para esses

temas, os quais geram intensos debates até mesmo entre aqueles que adotam a metodologia em

análise, e verificar a forma como os Tribunais nacionais vêm analisando tais questões.

4.1O direito de não saber

A partir de uma prescrição médica, um paciente solicitou a determinado hospital a

realização de exames médicos para verificar o seu estado de saúde. Todavia, o hospital efetuou,

por equívoco,45 um exame anti-HIV, em vez do anti-HCV, com as amostras colhidas. Ao

receber os resultados, o paciente acabou tomando ciência, mesmo que de forma involuntária,

que era portador do vírus HIV. Inconformado com a conduta adotada pelo hospital, o sujeito

ingressou com uma ação judicial, mediante a qual pleiteou indenizações por danos materiais e

morais. No caso, a maioria dos ministros do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao

Recurso Especial 1.195.995, ainda que a Ministra Nancy Andrighi tenha manifestado

entendimento contrário.46

Diante da metodologia exposta, cabe questionar se esta foi a decisão mais adequada para o

caso concreto. Adianta-se, desde logo, que este não é um conflito simples, pois, mesmo entre os

juristas que se filiam ao Direito Civil Constitucional há um intenso debate, mostrando-se

possível fundamentar duas respostas completamente diversas para a questão.

A primeira interpretação sobre o caso afirma que restou caracterizada a lesão à privacidade

do paciente, de forma que o hospital teria o dever de compensá-lo pelos danos sofridos. Esta

argumentação trabalha com as noções de privacidade e autonomia corporal. Entende-se que, nos

tempos atuais, o conceito de privacidade não deve corresponder apenas a um dever geral de

abstenção refletido no direito de ser deixado só ou na tutela do segredo da vida íntima. Na atual

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concepção, o direito à privacidade representa o direito de ter o controle sobre a coleta e a

utilização dos próprios dados pessoais, assim como de determinar como a sua esfera privada

deve ser construída.47 Em razão da larga utilização da engenharia genética e das novas

tecnologias, nos dias de hoje, há uma grande preocupação com a segurança das informações

pessoais, em especial com os dados sensíveis. Não há dúvidas de que a informação representa

um dos mais valiosos bens do ser humano, de forma que, ter como controlar a sua circulação e

utilização significa adquirir, efetivamente, um poder sobre si mesmo.

Uma vez que a dignidade da pessoa humana representa um dos fundamentos do Estado

brasileiro, caberia ao intérprete garantir o direito ao livre desenvolvimento da

personalidade,48 assegurando a autonomia, a autodeterminação e a liberdade para todos os

membros da sociedade, independentemente de seus gostos, singularidades e preferências

pessoais. A Constituição da República garantiria o direito do indivíduo dispor de um âmbito

particular de atuação, onde pudesse manifestar a sua liberdade existencial e autonomia de agir

sem a interferência de terceiros, ainda que dentro dos valores e limites estabelecidos no

ordenamento. Entende-se que, quando se nega a existência dessas áreas de imunidade ou

autonomia, aproxima-se de atitudes totalitárias que prejudicam a livre construção da

personalidade humana.

Segundo Carlos Konder, o direito de não saber relaciona as perspectivas da privacidade

como autodeterminação e do corpo como informação. O autor ensina que a privacidade não

deve ser compreendida “apenas como a possibilidade de impedir que informações de seu

conhecimento sejam acessadas por terceiros, mas também o direito de desconhecer certas

informações a seu respeito que sejam de conhecimento de terceiros”.49 Tal configuração da

privacidade – como mecanismo de bloqueio do dever de informar –apresentar-se-ia

frequentemente quando o próprio corpo fosse objeto da informação. Desta forma, conclui que se

deve reconhecer que a expansão do conceito jurídico de privacidade, convergindo com o

conceito de corpo, destina-se exatamente a coibir movimentos incompatíveis com a proteção ao

livre desenvolvimento da personalidade humana.

Afirma-se que, ainda que se deva realizar um necessário equilíbrio entre o respeito pelos

direitos existenciais da pessoa e os benefícios da utilização de informações genéticas e médicas

para o bem dos indivíduos na sociedade, tal ponderação não poderia abalizar uma violação

indevida aos dados sensíveis de um paciente, visto que este demonstrou não querer saber o

resultado do exame de HIV.50 Caberia ao intérprete reconhecer que determinadas decisões estão

reservadas à esfera privada do ser humano, sob pena de se violar o princípio da dignidade da

pessoa humana. Ninguém melhor do que o próprio indivíduo para definir o que representa o

maior ou melhor interesse para a sua vida. Não se garantiria a dignidade de alguém obrigando-o

a tomar conhecimento de uma doença contra a sua vontade, em prol de um suposto interesse

público.

Desta forma, esta corrente defende que no presente caso houve uma indevida invasão e

investigação da esfera privada, sendo irrelevante o fato de o resultado não ter sido divulgado a

terceiros e da informação estar correta, pois, em momento algum, a sua notícia foi requisitada

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pelo paciente ou pelo seu médico que, mesmo tendo a oportunidade de requisitar o exame, não o

fez. Alega-se que seria equivocado utilizar o argumento do interesse público para autorizar a

realização de toda a sorte de exames na pessoa humana, quando não requisitados, em prol da

saúde da coletividade. Tratar-se-ia de situação restrita à pessoalidade do paciente, devendo o

indivíduo ter o pleno domínio da utilização de seus dados sensíveis.

Como expressão da sua dignidade, o paciente teria o direito de não querer saber

determinado resultado ou prognóstico de doença, caso manifestasse expressamente essa

vontade. Em relação ao direito do paciente de não ser informado, Anderson Schreiber afirma

que a decisão de seguir ou não um determinado tratamento pertence, em primeiro lugar, ao

paciente, por integrar a sua autonomia corporal, não devendo sofrer intervenção do Estado ou

particulares. “Tem o paciente o direito de não ser informado acerca dos detalhes do seu

tratamento, hipótese em que se transfere, voluntariamente, ao médico ou a terceiros as decisões

concernentes ao seu estado de saúde”.51

Entende-se que seria equivocado partir da premissa de que todo ser humano deveria saber,

obrigatoriamente, se é ou não portador de doença infectocontagiosa, visto que, além dessa

informação poder gerar sérias perturbações psicológicas ao sujeito, isso não garantiria que ele

necessariamente tomaria todos os cuidados para evitar a transmissão da doença para terceiros ou

que iria cuidar-se de forma apropriada para ter uma melhor qualidade de vida. Conforme lembra

Nancy Andrighi, “todos têm direito de esconder suas fraquezas, sobretudo quando não estão

preparadas para encarar a realidade”.52

Segundo este posicionamento, não se pretende obrigar o réu a indenizar por conta da

contaminação do paciente com o vírus HIV. O dano indenizável teria como origem a conduta do

hospital que violou de forma indevida os direitos da personalidade do sujeito, especialmente a

sua intimidade, e o fez ter conhecimento de informação que não havia sido requerida. “O dano

não é a tristeza decorrente do conhecimento do paciente ser portador de vírus HIV. O dano se

caracteriza pela violação da intimidade do paciente pela divulgação de informação não

requerida”.53

Por outro lado, é possível analisar este caso concreto colocando-se em situação de

preeminência o princípio da solidariedade social, o interesse público e o direito fundamental à

saúde, conforme realizado pela maioria dos ministros no STJ. No julgado, o relator entendeu

que “todo direito deve ser exercido com responsabilidade, dentro de um contexto social, sob

pena de se verificar o abuso de tal direito”.54 Enfatizou também a necessária preponderância do

interesse público, sob a ótica da tutela da saúde pública, em face do direito à intimidade, por se

tratar de hipótese excepcional, em que o sacrifício deste direito revelar-se-ia necessário à

preservação de um interesse maior. Além disso, afirmou que, em âmbito individual, o direito de

não saber ser portador do vírus do HIV seria suplantado pelos direitos fundamentais à vida e à

saúde, tendo em vista que a plena realização de ambos apenas mostrar-se-ia possível após o

conhecimento da doença.

Defende-se que o princípio da solidariedade social teria plena aplicação à hipótese, pois ao

tomar conhecimento da doença o autor poderia (e deveria) agir com maior precaução, evitando a

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contaminação de terceiros. Em um ordenamento social, o ato de autonomia corporal não pode

ser exercido de forma abusiva ou arbitrária, ele deve realizar um valor positivo e não provocar

danos excepcionais a outros sujeitos. Conforme ensina Pietro Perlingieri,

(...) o perfil mais significativo é constituído pela obrigação, ou dever, do sujeito titular do

direito de exercê-lo de modo a não provocar danos excepcionais a outros sujeitos, em

harmonia com o princípio de solidariedade política, econômica e social (art. 2 da Const.

italiana). Isso incide de tal modo sobre o direito subjetivo que, em vez de resultar como

expressão de um poder arbitrário, acaba por funcionalizá-lo e por socializá-lo. No

ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for conforme não apenas ao

interesse do titular, mas também àquele da coletividade. Na maior parte das hipóteses, o

interesse faz nascer uma situação subjetiva complexa, composta tanto de poderes quanto de

deveres, obrigações, ônus. É nesta perspectiva que se coloca a crise do direito subjetivo.

Este nasceu para exprimir um interesse individual e egoísta, enquanto que a noção de

situação subjetiva complexa configura a função de solidariedade presente ao nível

constitucional.55 (grifou-se)

O direito de não saber não seria absoluto, estando seu exercício condicionado à

inexistência de risco de dano para outras pessoas.56 Por ser uma doença infectocontagiosa, o

HIV gera um irreparável dano à saúde, de forma que, omitir-se sobre o conhecimento da doença

pode gerar condutas igualmente omissivas quanto a sua prevenção e disseminação,

influenciando a esfera de terceiros.

Parte-se da compreensão de que o interesse público protegeria aqui, especificamente, a

saúde pública que uma vez ponderada com a intimidade individual, no caso concreto, assumiria

posição de preeminência. A prevenção do vírus HIV é considerada uma questão de saúde

pública no Brasil.57 Segundo dados colhidos pelo governo, desde o início da epidemia, em 1980,

até junho de 2012, o país teve 656.701 casos registrados de aids (condição em que a doença já

se manifestou). Em 2011, foram notificados 38.776 casos da doença e a taxa de incidência de

aids no Brasil foi de 20,2 casos por 100 mil habitantes. Atualmente, ainda há mais casos da

doença entre os homens do que mulheres, mas essa diferença vem diminuindo ao longo dos

anos. A faixa etária em que a aids é mais incidente envolve pessoas entre 25 e 49 anos de

idade. Apesar de o número de casos no sexo masculino ainda ser maior entre heterossexuais,

a epidemia no país é concentrada em grupos populacionais com comportamentos que os

expõem a um risco maior de infecção pelo HIV, como homossexuais, prostitutas e usuários de

drogas.58

O direito de o indivíduo não saber que é portador do vírus HIV – caso se entenda que este

seja um direito seu, decorrente da sua intimidade – deveria ser suplantado por direitos mais

relevantes em concreto, como o direito à vida e o direito à saúde, os quais apresentam

repercussão tanto em âmbito individual quanto coletivo. Na hipótese, apenas o conhecimento da

doença e seu posterior cuidado poderiam permitir uma vida mais longeva e saudável para aquele

indivíduo. Entende-se que, mesmo que o indivíduo não tivesse interesse ou não quisesse ter

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conhecimento sobre a enfermidade que lhe acometia, a informação correta e sigilosa sobre seu

estado de saúde não teria o condão de afrontar a sua intimidade, na medida em que lhe

proporcionou a possibilidade de proteger direitos fundamentais de grande relevância. Ainda que

a opção de o paciente se submeter a um tratamento seja de seu exclusivo arbítrio, esta apenas se

tornou possível e mais eficaz após o conhecimento da doença, que se deu – frise-se – por ato

involuntário do Hospital.

Como a informação entregue ao paciente era verdadeira e ficou a ele restrita, não haveria

nexo causal entre a conduta do hospital e o dano sofrido.59 O dano – se existente – teria origem,

sobretudo, no fato de o autor ser portador do vírus HIV e não na sua tomada de consciência a

respeito da doença.60 Em algum momento, ele acabaria tomando conhecimento da existência da

doença, tendo em vista que estava se submetendo a uma longa bateria de exames e não vinha

tomando a medicação necessária para conter os efeitos do HIV.61

Questiona-se: se o paciente estava realizando uma bateria de exames, como ele poderia

ficar contrariado em saber o estado atual de sua saúde? Este comportamento não seria

contraditório? A realização de exames de HIV é bastante comum nos dias atuais, sendo

imprescindível para aqueles que têm uma vida sexualmente ativa. Quando alguém realiza uma

série de exames, presume-se que ele tem o desejo de resguardar a sua saúde e

conhecer eventuais doenças que possa ter contraído. Desta forma, vir à juízo aduzir justamente

que tinha o direito de não saber que era portador de determinada doença, ainda que o

conhecimento desta tenha se dado de forma involuntária, parece contraditório e não razoável.

Alega-se que não houve por parte do hospital uma investigação, propositalmente, abusiva

da vida alheia e sim um equívoco na análise da solicitação. Portanto, seria equivocado afirmar

que houve um dano injusto à intimidade do paciente, pois, embora o hospital tenha realizado um

teste não requerido, ele não se valeu desta informação para praticar atos discriminatórios e nem

repassou o resultado para terceiros. A informação encontrada mostrou-se de grande relevância

para a saúde do paciente, sendo o resultado exato essencial para o seu devido tratamento.

Na qualidade de hipótese, indaga-se: caso o hospital tivesse tomado ciência do equívoco,

após o resultado do exame, ele não deveria remeter esta informação ao paciente? Defende-se

que não se pode presumir que o paciente não deseja saber que possui determinada doença, ainda

mais quando esta for infectocontagiosa. Esta presunção apenas pareceria razoável caso ele

tivesse expressamente manifestado esta vontade, já que se trata de doença que pode acelerar o

seu falecimento, diminuir a sua imunidade, contaminar terceiros e ser transmitida aos seus

futuros descendentes. Diante da gravidade da doença, pareceria contraditório que uma

instituição que auxilie o tratamento da saúde tivesse que descartar o resultado sem nada dizer

acerca da investigação.

Caso o episódio fosse interpretado dessa forma, poder-se-ia vislumbrar a preponderância

da saúde pública, bem como dos deveres oriundos da solidariedade social. Todavia, é necessário

realizar algumas observações pontuais. Diversamente do que entendeu o STJ,62 a disciplina

infraconstitucional aplicável ao caso seria a do Código de Defesa do Consumidor, já que o

serviço de exames laboratoriais é direcionado ao mercado de consumo, de forma que, uma

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eventual responsabilidade do hospital deveria ser enquadrada na modalidade objetiva, conforme

os arts. 6º, VI, e 14. Além disso, parece equivocado o entendimento proferido pelo relator de

que “a conduta do Hospital-recorrido, a despeito do erro de seu preposto, sequer merece

reprimenda do direito”, tendo em vista a evidente falta de atenção conferida à atividade (o que

causa preocupação, por se tratar de hospital particular e de excelência reconhecida), que acabou

gerando um defeito na prestação do serviço, a realização de exame não solicitado. Para os

autores que defendem a irresponsabilidade do hospital, o defeito seria um fator de imputação ou

de atribuição de responsabilidade que não deveria ser confundido com o dano. Na hipótese,

embora presente o defeito, eles afirmam que não se verificaria o pressuposto do dano e sem este

restaria afastado o dever de indenizar.63 Observa-se que, ao final, a informação prestada acabou

beneficiando o paciente, de forma que, pode-se entender que o próprio defeito foi mitigado,

tendo em vista a ausência de dano e de risco à segurança e à integridade do paciente.

4.2As famílias simultâneas

Nos dias atuais, diante da real dificuldade de precisar o alcance da expressão

“família”,64 verifica-se uma tentativa progressiva da doutrina de enquadrar ajustes familiares

múltiplos sob um rol fechado de entidades familiares, como as famílias monoparentais, a família

matrimonial, as uniões estáveis, as uniões homoafetivas, e assim por diante.65 Na verdade, a

percepção jurídica de que o fenômeno familiar é plural e extrapola a tipicidade proposta pela

legislação infraconstitucional ou pela doutrina apresenta-se como uma consequência da nova

roupagem da família, bem como da obsolescência da visão de família enquanto “instituição que

paira acima das pessoas”.66-67

Diante da vigência de um sistema normativo unitário e complexo, no centro do qual a

dignidade da pessoa humana apresenta-se como valor axiológico fundamental, verifica-se que o

objeto de tutela do direito foi transportado da família, enquanto instituição, para a pessoa

humana, adotando-se uma nova concepção de família, como um conjunto de relações mantidas

por cada pessoa, com fundamentos variados, fundada em vínculos biológicos, civis ou de

especial afetividade.

A despeito da real existência de múltiplos arranjos familiares há séculos, é recente a

discussão, no âmbito do Direito de Família, sobre a validade das famílias simultâneas e o

reconhecimento de seus efeitos patrimoniais. No ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal teve

a oportunidade de julgar, em última instância, ação proposta por convivente em face do Estado

da Bahia.68 No caso, Valdemar do Amor Divino Santos veio a falecer, deixando pensão a ser

satisfeita pelo Estado. Na época do óbito, ele era casado e vivia maritalmente com a mulher,

advindo desta relação onze filhos. Entretanto, Valdemar também vivia paralelamente com a

autora da ação, Joana da Paixão Luz, com quem teve outros nove filhos. No julgamento, por

maioria, não se reconheceu o direito ao pensionamento da autora que, comprovadamente havia

desenvolvido relacionamento familiar com Valdemar por trinta e sete anos, em razão da

existência de casamento anterior, em que as partes ainda se relacionavam maritalmente.

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O Ministro Marco Aurélio entendeu que a relação da autora com o falecido não poderia ser

merecedora de tutela do Estado, em razão de conflitar com o direito posto, uma vez que a união

estável seria protegida pelo ordenamento, apenas quando na inexistência de impedimento para a

conversão em casamento dos integrantes da união, o que não seria o caso dos autos, visto que o

falecido encontrava-se casado com a mulher oficial na data de seu óbito. E, ainda, reformando o

julgado do Tribunal da Bahia de segunda instância, que provia o recurso de apelação para

reconhecer a proteção da entidade familiar formada pela autora, afirmou:

Abandonem a tentativa de implementar a justiça salomônica, porquanto a segurança

jurídica pressupõe o respeito às balizas legais, a obediência irrestrita às balizas

constitucionais. No caso, vislumbrou-se a união estável quando, na verdade, verificado

simples concubinato, conforme pedagogicamente previsto no art. 1.727 do Código Civil...

(grifou-se)

No trecho supra, em específico, mostra-se clara a influência do positivismo jurídico na

decisão do intérprete, corrente metodológica que busca alcançar uma abordagem cientificista,

apartada de considerações metajurídicas (políticas, morais, sociais), em que, muitas vezes se

reconhece a disparidade da realidade social, porém, a ignora, distanciando-se dos problemas

concretos. Nesta lógica, apesar da clara relação familiar existente entre as partes, o Ministro

enquadra o relacionamento como um “simples concubinato”, como se tal fato excluísse a tutela

do direito pela norma constitucional presente no art. 226, § 3º, da Constituição da República.

É necessário observar que no voto-vencido do Min. Carlos Ayres Britto há importantes

considerações, visto que sustentou pelo reconhecimento de efeitos jurídicos à família simultânea

e afirmou que os temas que versam sobre família, criança, adolescente e idoso têm um

denominador comum, pois se trata de um conjunto normativo-constitucional de proteção. Em

seu julgado, o Ministro interpretou o sentido da expressão “união estável” contida no inciso V

do art. 201 do texto constitucional de forma abrangente, constituindo, por via de exclusão, tudo

o que não for casamento civil, nem família monoparental. Em sua decisão, rechaçou veemente a

rotulação de um relacionamento amoroso enquanto “concubinato”, afirmando ser pejorativa e

discriminatória a expressão que, por via indireta, ofende a isonomia entre os filhos não havidos

no matrimônio, de forma ofensiva ao art. 227, § 6º, da Carta Constitucional. Por estas razões,

sustentou pelo desprovimento do pleito apelatório do Estado da Bahia, perfilhando o

entendimento da Corte de Segundo grau, sem contudo deixar de reconhecer que a nova ordem

constitucional prestigiou o direito à liberdade amorosa como consequência do princípio da

dignidade da pessoa humana, do art. 1º, III, da Constituição da República.69

Diante da análise das linhas argumentativas opostas na Corte Suprema, é possível concluir

que, se de um lado o voto-vencedor alinha-se com a corrente metodológica positivista, em razão

da aplicação do método da subsunção, de outro, o voto-vencido elabora um raciocínio

coadunado com uma postura participativa, mais ativa e criativa, comprometida com a

construção e a aplicação do direito no caso concreto, o que apresenta uma elaboração mais

próxima da metodologia civil constitucional. Para essa proposta metodológica, o ordenamento

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jurídico não se apresenta como um repositório de normas jurídicas, mas como o conjunto de

ordenamentos dos casos concretos,70 para cuja construção o intérprete utilizará os elementos

condicionantes dos fatos e das normas jurídicas conjuntamente interpretadas em cada conflito de

interesses. De acordo com este entendimento, a família é garantida pela Carta não como

portadora de um interesse superior e superindividual, mas em função da realização das

exigências dos seus membros, considerados individualmente, devendo ser o lugar onde se

desenvolve a personalidade da pessoa humana. Ela “é finalizada à educação e à promoção

daqueles que a ela pertencem”.71

A jurisprudência tem evoluído para, gradativamente, reconhecer efeitos a uniões paralelas,

mormente no que concerne à proteção dos filhos havidos fora do relacionamento oficial. Muito

embora o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça atualmente ainda seja o de

que, para a configuração de união estável, sob a tônica dos arts. 1.723 e 1.724 do Código Civil,

devem estar presentes na relação afetiva alguns requisitos, dentre eles a ausência de

impedimentos para o casamento,72 aos poucos surgem decisões pontuais ampliando o conceito

de entidade familiar e reconhecendo efeitos protetivos aos filhos da relação paralela.

No ano de 2013, a Terceira Turma do STJ ampliou o âmbito da impenhorabilidade do bem

de família para abranger não só o imóvel onde o devedor habitava com a sua esposa, mas

também o imóvel no qual residiam suas filhas, nascidas de relação extraconjugal e a mãe delas.

Entendendo que a impenhorabilidade do bem de família visa resguardar o sentido amplo de

entidade familiar, o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva sustentou que a jurisprudência

do STJ vem há tempos entendendo que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990 não se

destina a proteger a família em sentido estrito, mas sim resguardar o direito fundamental à

moradia, com base no princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo o Tribunal, o conceito

de entidade familiar deve ser entendido à luz das alterações sociais que atingiram o Direito de

Família.73

O próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão recente,74 garantiu à companheira de um

ex-combatente da Segunda Guerra Mundial o direito de receber pensão especial prevista na Lei

8.059/1990, por morte paga pelo Ministério do Exército, em divisão do benefício com a viúva

do ex-militar. Muito embora o Tribunal de Contas da União tenha considerado ilegal o

pagamento de pensão à companheira do ex-combatente, por entender não ser possível a sua

concessão a duas mulheres em concomitância, o relator Min. Luiz Fux, entendeu cabível a

pretensão, em razão de apresentação nos autos de cópia de sentença de justificação de

convivência marital por quarenta anos, expedida pela 3a Vara Federal da Comarca de Natal em

1992, documento apresentado ao Ministério do Exército após o falecimento do ex-combatente,

em 1989, quando requereu a reversão da pensão a seu favor.

Há decisões reconhecendo também a existência de famílias simultâneas em tribunais de

primeiro grau. No Amazonas, decisão prolatada pelo juiz da 4a Vara de Família e Sucessões de

Manaus reconheceu a união estável simultânea de um homem com duas mulheres após a morte

dele, entendendo que, após a Constituição de 1988, o direito passou a proteger todas as formas

de família, não apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que significou uma grande

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evolução na ordem jurídica brasileira, impulsionada pela própria realidade, que imporia, nos

dias de hoje, a discussão a respeito das famílias simultâneas.75

Assim como a jurisprudência, a doutrina também não é pacífica acerca do tema. Para

Maria Berenice Dias, a intervenção do Estado, no âmbito da família, deve se dar apenas no

sentido de proteção, nos termos da Constituição Federal e não em uma perspectiva de exclusão,

como é a do art. 1.727 do Código Civil. Para a autora, a ausência de reconhecimento de efeitos

jurídicos ao relacionamento simultâneo premia aquele que foi infiel, uma vez que beneficiará

aquele que afrontou o dever de fidelidade e de lealdade.76

Giselda Hironaka analisa os modelos familiares de conjugalidades concomitantes,

informando que, muito embora a Constituição da República traga previsão expressa de alguns

arranjos familiares, não se pode dizer que outros não possam ser considerados entidades

familiares e, por consequência, contar com a visibilidade e com a devida tutela legal.77 A autora

observa que a nossa legislação tem se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a

velocidade e a complexidade dos mais diversos modelos de núcleos familiares, de forma que o

suporte das respostas judiciais mais arrojadas e corajosas vem sendo a própria Constituição da

República, buscando-se renovar o Direito de Família para que este adéque-se aos princípios da

dignidade da pessoa humana e da igualdade, bem como aos valores de proteção ao ser humano,

especialmente no que diz respeito a sua isonomia e liberdade para escolher a forma de núcleo

familiar que mais lhe convenha.

Para Anderson Schreiber, não há em nosso ordenamento jurídico real obstáculo ao

reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, devendo-se proteger em igual medida os

conviventes múltiplos de uma mesma pessoa, que não possui vínculo matrimonial.78 Quando um

segundo núcleo familiar é constituído por uma pessoa que já detém um vínculo matrimonial, o

autor sustenta a inconstitucionalidade do art. 1.723, § 1º, do Código Civil, que cria impedimento

à formação de união estável por pessoa casada, uma vez que a união estável é uma entidade

familiar de constituição espontânea e informal, não controlada pelo Estado, razão pela qual a

enumeração de impedimentos não faz sentido. Em segundo lugar, o autor afirma que a proteção

constitucional à união estável independe de impedimento previsto no artigo acima, e ao

legislador infraconstitucional não é dado reduzir o espectro de proteção reservado à união

estável ao constituinte. Somado a isso, o autor afirma que o próprio Código Civil possui artigos

que possuem lógica compatível com o reconhecimento de efeitos jurídicos ao casamento

simultâneo, como o art. 1.561, que protegem o cônjuge de boa-fé que contraiu casamento nulo

ou anulável, resguardando os efeitos civis do casamento para si e para seus filhos.

Desta forma, pode-se afirmar que o debate travado no campo das famílias paralelas está na

ordem do dia, assim como a invocação de princípios e normas constitucionais para a busca de

reconhecimento e salvaguarda dos direitos das partes envolvidas. Se por um lado a

complexidade do fenômeno familiar não se enquadra nas previsões legais e doutrinárias do que

é ou não família, por outro, a afetividade é cada vez mais apreciada e utilizada pelo intérprete

quando este visa a oferecer soluções mais justas e adequadas à tutela da dignidade da pessoa

humana dentro dos novos modelos familiares.

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5.INTERPRETAÇÃO COM FINS APLICATIVOS

A metodologia civil constitucional propõe um novo modo de abordar os problemas e de

raciocinar sobre a solução destes, promovendo uma renovação dos estudos civilísticos, a partir

da influência da Constituição sobre o Direito Privado. De acordo com a referida metodologia, a

teoria da interpretação deve ser apresentada de forma histórica e relativa, superando, assim, o

formalismo e o conceitualismo.79 Neste sentido, defende-se o abandono do mecanismo da

subsunção, em que o intérprete primeiro qualifica para depois enquadrar o suporte fático na

norma, o que ocorre em etapas sucessivas e lógico-dedutivas,80 tendo em vista que o significado

axiológico da constitucionalização do Direito Civil não se limita a uma mera operação

silogística e aparentemente neutra, mas, ao contrário, busca a aplicação de todo o ordenamento

jurídico ao caso concreto, visando à máxima realização dos valores fundamentais a cada

caso.81 Nesta lógica, a unidade do processo interpretativo decorre do estreito relacionamento

entre o fato e a norma, uma vez que a tradicional distinção entre interpretação da lei e

interpretação do negócio não configura duas atividades que possam ser separadas com base na

finalidade, no método ou no tempo.82 É preciso, portanto, perceber a norma jurídica como uma

atividade posterior e não precedente, de tal modo que, do processo interpretativo produza-se, a

um só tempo, a norma interpretada e o fato qualificado.83

De acordo com as lições de Pietro Perlingieri, o surgimento do constitucionalismo

moderno e a legalidade constitucional fizeram surgir um método de interpretação que consiste

em: a) reconhecer que a Constituição, como qualquer outra lei, é, antes de tudo, um ato

normativo e tanto os juízes comuns quanto os juízes constitucionais encontram-se vinculados

aos textos constitucionais; b) utilizar normas-princípios, cuja aplicação não assume a forma

silogística da subsunção, mas a otimização da realização do preceito, segundo uma hierarquia,

mas também segundo uma razoável ponderação em relação ao caso concreto a ser decidido; c)

ter consciência de que a ideia de sociedade e de ética constitucional deve ser relevante e que no

ordenamento positivo penetram valores e princípios historicamente caracterizados.84

Nesse novo atuar interpretativo, o intérprete deve abandonar uma postura meramente

repetitiva da lei para exercer uma atividade criativa, no sentido de individuar a normativa idônea

para o caso concreto, sempre vinculado às escolhas e valores do ordenamento. Dessa forma, os

valores fundantes de cada sociedade, consagrados no texto constitucional, incidirão sobre a

interpretação e a aplicação do Direito. Por esta razão, é imprescindível a ampla fundamentação

das decisões, o que, além de legitimar a atividade criadora do intérprete,85 faz que ele não atue

de modo isolado, indiferente ao que o ordenamento projeta para a sociedade como um todo, mas

sim reflita e atue perseguindo a concretização do plano constitucional.

Segundo a metodologia do Direito Civil Constitucional, a teoria da interpretação, por um

lado, possui como parâmetro sistemático o ordenamento interpretado em sua unidade e, por

outro, revela como parâmetro axiológico os valores constitucionais, os quais tornam as normas

atuais.86 A relação direta entre o intérprete e a norma constitucional tenta evitar o isolamento do

regramento constitucional do restante do sistema normativo, confirmando a unidade do

ordenamento e a consequente superação da tradicional contraposição entre o público e o

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privado.87 O cânone axiológico, destarte, pressupõe que os valores constitucionais, comunitários

e internacionais vivifiquem e atualizem as normas, que devem ser lidas e interpretadas sempre,

mesmo que aparentemente claras.88 A norma, clara ou não, deve estar em conformidade com os

princípios e valores do ordenamento e resultar de processo argumentativo não apenas lógico,

mas também axiológico, em conformidade com as escolhas de fundo do sistema.

Por todo o exposto, para tornar efetiva uma renovada teoria da interpretação com fins

aplicativos, Perlingieri afirma que o intérprete deverá, em primeiro lugar, ter em mente que a

interpretação do fato e da lei e a qualificação normativa do fato configuram um processo

unitário e indivisível. Em segundo lugar, ter como norte um controle de conformidade da lei à

Constituição, procurando individuar, no caso concreto, uma solução que deverá ser coerente,

adequada e razoável, conforme aos valores normativos presentes na Constituição. Em terceiro

lugar, o intérprete deverá evitar aceitar passivamente como válidas as práxis oficiais e as

interpretações correntes, atuando de acordo com os valores principais do ordenamento jurídico e

de acordo com a legalidade constitucional. Em quarto lugar, levar em consideração que a

passagem da lei ao direito é um processo contínuo constituído em uma atividade hermenêutica

que tem como parâmetro privilegiado os valores-guia da Constituição, assumidos pela

historicidade e pela totalidade da experiência, em um justo equilíbrio entre o dever-ser e o ser.

Em quinto lugar, atentar para os critérios hermenêuticos inovadores, como a ponderação dos

interesses e dos valores, a razoabilidade, a proporcionalidade, a adequação e a subsidiariedade,

recuperando a factividade para a juridicidade. Por fim, deverá formar uma classe de juristas

adequadamente preparada para tais obrigações, que seja capaz de tanto construir uma

jurisprudência avaliativa e atenta às consequências das decisões quanto abandonar os

brocardos in claris non fit interpretatio e dura lex sed Lex, contribuindo para a realização da

justiça, de acordo com os valores da Constituição e a historicidade da experiência cultural.89

6.CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado, conclui-se que a aplicação da metodologia do Direito Civil

Constitucional mostra-se de grande importância para o ordenamento jurídico brasileiro. A

Constituição da República de 1988 brindou a sociedade com princípios e valores que

revitalizaram profundamente uma série de institutos do Direito Privado, cabendo ao intérprete,

nesta etapa, trazer concretude às normas constitucionais e funcionalizar as estruturas e as

relações jurídicas, de forma a sempre garantir o respeito e a proteção à dignidade da pessoa

humana. No presente artigo, foram problematizados alguns casos para melhor exemplificar a

aplicação das normas constitucionais às relações privadas, em especial o direito de não saber e

as famílias simultâneas. Da análise, verificou-se que um mesmo caso concreto pode ser

interpretado de formas diversas, cabendo ao intérprete realizar uma delicada ponderação de

interesses que leve em conta tanto a real vontade das partes e a livre manifestação de suas

personalidades quanto os direitos de terceiros e os deveres oriundos do convívio em uma

sociedade democrática.

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1CAENEGEM, R. C. Van. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes,

2000.

2“Por toda a Europa continental, os institutos de direito civil carregavam o prestígio de sua longa tradição

histórica, sendo vistos como verdadeiras ‘instituições’, cuja estabilidade era atribuída ora ao gênio dos

juristas romanos, ora a um suposto aperfeiçoamento técnico derivado de uma lenta depuração de seu

conteúdo ideológico. O próprio processo de codificação e o exacerbado positivismo jurídico haviam

contribuído para essa aparência de neutralidade e abstração, difundindo a crença de que a dogmática

civilística poderia sobreviver intacta às revoluções políticas e às diferentes ideologias. Assim, no

confronto entre os novos valores constitucionais e as regras milenares de direito civil, a imensa maioria

dos juristas preferia ater-se a estas últimas” (SCHREIBER, Anderson. Direito civil e

Constituição. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 48, out.-dez. 2011, p. 6-7).

3Nesta época, na Itália, a obra fundamental para consulta era a de PERLINGIERI, Pietro. Profili

istituzionali del diritto civile. 2. ed. Napoli: ESI, 1979. Na Espanha, a referência era o livro de FLÓREZ-

VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. Madrid: Civitas, 1986. Na França,

MATHIEU, Bertrand. Droit constitutionel: “de vieilles outres pour un vin nouveau”. Revue Trimestrielle

de Droit Civil, Paris, n. 1, 1994, p. 59-66.

4DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.

5PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.

137-138.

6A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional impõe ao civilista um vasto programa de

estudos: “individuar um sistema do direito civil harmonizado com os valores constitucionais e, antes de

tudo, ao valor da pessoa humana; redefinir os fundamentos, as rationes e assim as extensões dos

institutos, ressaltando-lhes seus perfis funcionais; adequar as técnicas e os conceitos tradicionais e

sobretudo renovar funditus a argumentação jurídica, propondo uma teoria da interpretação respeitosa da

legalidade constitucional” (PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do direito civil na legalidade

constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da

legalidade constitucional. Anais do Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional da Cidade

do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008. p. 1-11).

7PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 50.

8MORAES, Maria Celina Bodin de. Perspectivas a partir do direito civil constitucional. In: TEPEDINO,

Gustavo (org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. Anais

do Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo:

Atlas, 2008. p. 29-41; MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de

direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 65.

9“No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora não seja simples, parece

facilitada pela compreensão, mais e mais difusa do papel dos princípios constitucionais nas relações de

direito privado, sendo certo que doutrina e jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de

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princípios como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da

propriedade, aos quais se tem assegurado eficácia imediata nas relações de direito civil” (TEPEDINO,

Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e Constituição: premissas para uma reforma

legislativa. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de direito civil constitucional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000. p. 1-16).

10“(...) em uma sociedade como a atual, torna-se difícil individuar um interesse particular que seja

completamente autônomo, independente, isolado do interesse dito público. As dificuldades de traçar

linhas de fronteira entre direito público e privado aumentam, também, por causa da cada vez mais

incisiva presença que assume a elaboração dos interesses coletivos como categoria intermédia (tome-se,

como exemplo, o interesse sindical ou das comunidades)” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito

civil. Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 53).

11“Se o direito privado deve recolher os princípios básicos dos direitos e garantias fundamentais, também

os direitos fundamentais devem reconhecer um espaço de autorregulação civil, evitando transformar-se

em ‘direito de não liberdade’ do direito privado” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do

direito constitucional ou constitucionalização do direito civil? A eficácia dos direitos fundamentais na

ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-moderno. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO,

Willis Santiago (orgs.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo:

Malheiros, 2001. p. 113).

12“É equivocada a chamada civilização do direito constitucional, que pretende indicar a suposta

influência do direito civil e de suas categorias na interpretação constitucional: são os valores

constitucionais que devem impregnar cada categoria do direito infraconstitucional, de maneira unilateral,

para que prevaleça a hierarquia axiológica impressa no Texto Maior, sob pena de se obstaculizar o

projeto constitucional em nome de soluções legislativas hauridas da práxis judiciária, da tradição

histórica ou do próprio mercado, incompatíveis com o sistema” (TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para

um imprescindível debate metodológico (Editorial). Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro,

v. 35, jul.-set. 2008).

13“A Constituição anterior (1967-69) certamente não poderia ser considerada, já pela sua manifesta

ausência de legitimidade democrática, um parâmetro adequado para o restante da ordem jurídica, de tal

sorte que a postura então prevalentemente resistente a uma constitucionalização do Direito, não apenas

se revela compreensível como também merecedora de aplausos, especialmente quando representativa de

um ato de resistência à outorga constitucional” (SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e

influência dos direitos fundamentais no direito privado: algumas notas sobre a evolução

brasileira. Civilística, ano 1, n. 1, 2012).

14Os artigos de referência são: “A caminho de um direito civil constitucional”, de Maria Celina Bodin de

Moraes, publicado em 1993, e “Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil”, de

Gustavo Tepedino, fruto de aula inaugural proferida em 1992.

15ALVES, Moreira. A parte geral do projeto de Código Civil. Revista CEJ, v. 3, n. 9, set.-dez. 1999.

16Cabe lembrar a posição de Francisco Amaral no que tange à relação entre o Código Civil e a

Constituição da República. As principais reservas do jurista à metodologia do Direito Civil

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Constitucional levantaram-se com a entrada em vigor no Brasil do Código Civil de 2002, visto que, a

partir da leitura de seu art. 1º, afirma que o CC/2002 representaria a fonte direta e primária para a sua

interpretação jurídica, dada a sua condição de sistema unitário e autônomo e a natureza da matéria que

disciplina. Com a edição do novo Código, a Constituição da República teria passado a ser uma fonte

indireta para o Direito Privado, ainda que se reconheça a sua superior posição no ordenamento jurídico

brasileiro (AMARAL, Francisco. Entrevista na Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, ano

12, v. 47, jul.-set. 2011, p. 283-296).

17FACHIN, Luiz Edson. Questões de direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,

2008. p. 20.

18Sobre o tema, cabe mencionar o artigo “Direito à moradia como fundamento para impenhorabilidade

do imóvel residencial do devedor solteiro”, publicado em 2002 pelo professor Anderson Schreiber e, no

âmbito jurisprudencial, o REsp 182.223/ SP com acórdão publicado em 10.05.1999 e a Súmula 364 do

STJ.

19STF, ADI 4.277 e ADPF 132, julgadas pelo Plenário em 05.05.2011.

20TEPEDINO, Gustavo. O direito civil constitucional e as suas perspectivas atuais. Temas de direito

civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 21-40.

21PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 1-11.

22Nesse sentido, refuta-se o entendimento que afirma que a Constituição dependeria sempre de uma lei

ordinária para poder ser aplicada ao caso concreto e que a aplicação direta da norma constitucional

apenas poderia ocorrer em caso de “lacuna” do Código Civil, quando o juiz decidiria com base nos

“princípios gerais de direito”, conforme o art. 4º do Decreto-lei 4.657/1942 (LINDB). Vale lembrar que

os princípios constitucionais não se confundem com os princípios gerais de direito, não podendo, assim,

assumir um papel secundário ou subsidiário no Direito Civil.

23Daniel Sarmento ressalta a importância de se atribuir força normativa à Constituição como forma de se

corrigir as injustiças, assimetrias e opressões presentes na sociedade brasileira. Desta forma, “Ao invés

da rejeição da dogmática jurídica, e da busca da Justiça fora do direito positivado, que tantos perigos

encerram, parece uma estratégia muito mais segura e inteligente a aposta na força normativa da

Constituição como instrumento de emancipação social. Trata-se de usar a interpretação constitucional

como um ‘espaço de luta’ (...)” (SARMENTO, Daniel. A normatividade da Constituição e a

constitucionalização do direito privado. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003, p. 279).

24LÖBO, Paulo. A constitucionalização do direito civil brasileiro. In: TEPEDINO, Gustavo (org.).

Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. Anais do Congresso

Internacional de Direito Civil Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008. p.

18-28.

25TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit.

26TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do

ordenamento. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 3-19.

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27TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit.

28Antes de ingressar na análise das decisões referentes ao que chama de fattispecie civilísticas,

Perlingieri analisou decisões no campo do Direito do Trabalho, em que se fez uso das normas da

Constituição Italiana, onde, por sua vez, há a previsão de direitos e garantias trabalhistas, como o direito

ao trabalho, a liberdade de pensamento, piso salarial compatível, jornada de trabalho, repouso

remunerado, férias, igualdade de trabalho entre homens e mulheres, entre outras. O autor também citou

decisões que garantiram o direito constitucional à defesa e, no campo do direito administrativo, as

normas constitucionais referentes ao funcionalismo público (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na

legalidade constitucional, cit., p. 582-583.

29PERLINGIERI, Pietro (O direito civil na legalidade constitucional, cit.) cita as obras de CERRI, A. La

costituzione ed il diritto privato. Tratt. Dir. Priv. Rescigno, 1, 2. ed. Torino, 1999, p. 129 e ss. e de

FEMIA, P. (a cura di), Interpretazione a fini applicativi.

30Art. 2º Costituzione Della Repubblica Italiana: “La Repubblica riconosce e garantisce i diritti

inviolabili dell’uomo, sia come singolo, sia nelle formazioni sociali ove si svolge la sua personalità, e

richiede l’adempimento dei doveri inderogabili di solidarietà politica, economica e sociale”.

31Art. 29. Costituzione Della Repubblica Italiana: “La Repubblica riconosce i diritti della famiglia come

società naturale fondata sul matrimonio. Il matrimonio è ordinato sull’eguaglianza morale e giuridica dei

coniugi, con i limiti stabiliti dalla legge a garanzia dell’unità familiare”.

32Mais exemplos de aplicação direta e indireta da Constituição Italiana às relações privadas foram

trazidos por Pietro Perlingieri em O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 583-589.

33AZEVEDO, Antônio Junqueira. Entrevista na Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v.

34, abr.-jun. 2008, p. 299-308.

34TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit.

35“Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo

decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso

Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus

ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma

transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na

argumentação e no modo de participação da sociedade” (BARROSO, Luís Roberto. Judicialização,

ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em:

<http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2014).

36HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy: the originis and consequences of the new constitucionalism.

Cambridge, Massachussetts, and London, England: Harvard University Press, 2007, passim.

37HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy, cit.

38PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma

contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios.

Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 432.

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39VON MÜNCH, Ingo apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos

fundamentais, cit., p. 433.

40PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais, cit., p. 433.

41PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais, cit., p. 486.

42PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais, cit., p. 491.

43TEPEDINO, Gustavo. A incorporação dos direitos fundamentais pelo ordenamento brasileiro: sua

eficácia nas relações jurídicas privadas. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p.

45.

44PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit.

45Cabe salientar que o hospital, em tese, não se deu conta do erro cometido e apenas soube do problema

após a reclamação do paciente. Outro fato importante é que o hospital forneceu a informação de forma

correta e sigilosa, tendo apenas o sujeito recebido os resultados.

46STJ, REsp 1.195.995/SP, 3a T., Rel. p/ acórdão Min. Massami Uyeda, DJe 06.04.2011. O caso foi

decidido de forma majoritária, sendo vencedor o voto do Ministro Massami Uyeda, que foi acompanhado

pelos ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina.

47RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância: privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar,

2008. p. 92.

48Parte da doutrina entende que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade seria um “princípio

implícito, cuja vigência é comprovada a partir tanto da consagração da dignidade da pessoa humana (art.

1º, III) quanto dos valores fundamentais enunciados no caput do art. 5º (i.e., vida, liberdade, igualdade,

segurança e propriedade)” (LUDWIG, Marcos de Campos. O direito ao livre desenvolvimento da

personalidade na Alemanha e possibilidades de sua aplicação no direito privado brasileiro. In:

MARTINS COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: RT, 2002).

49KONDER, Carlos. Privacidade e corpo: convergências possíveis. Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 2, maio-

ago. 2013, p. 354-400.

50Em 1989, profissionais da saúde e membros da sociedade civil criaram, com o apoio do Departamento

de DST, Aids e Hepatites Virais, a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus

da Aids. Entre as disposições, estabeleceu-se que “IX – Ninguém será submetido aos testes de HIV/Aids

compulsoriamente, em caso algum. Os testes de Aids deverão ser usados exclusivamente para fins

diagnósticos, controle de transfusões e transplantes, estudos epidemiológicos e nunca qualquer tipo de

controle de pessoas ou populações. Em todos os casos de testes, os interessados deverão ser informados.

Os resultados deverão ser transmitidos por um profissional competente”.

51SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 55.

52REsp 1.195.995/SP, voto da Min. Nancy Andrighi, p. 10.

53MULHOLLAND, Caitlin. O direito de não saber como decorrência do direito à intimidade. Revista

Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 46, 2011, p. 179-188.

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54REsp 1.195.995/SP, voto do Min. Massami Uyeda, p. 19.

55PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, cit., p. 120-121.

56Conforme ensina Maria Celina Bodin de Moraes, “Em diversos casos, a tutela psicofísica não pode

inspirar-se apenas no aspecto subjetivo do consentimento do sujeito. Podem-se encontrar justificativas

para tratamento sanitário, independentemente da vontade do doente, quando, por exemplo, o estado de

saúde do indivíduo contenha em si potencialidade para lesar terceiros. Há, em tal caso, interesse público

a ser protegido” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana, cit., p. 178).

57“(...) num momento em que o Poder Público, por meio de exaustivas campanhas de saúde, incentiva a

feitura do exame anti-HIV como uma das principais formas de prevenção e controle da disseminação do

vírus HIV, tem-se que o comando emanado desta a. Corte, de repercussão e abrangência nacional, no

sentido de que o cidadão teria o direito subjetivo de não saber que é soropositivo, configuraria indevida

sobreposição de um direito individual (que, em si não se sustenta, tal como demonstrado) sobre o

interesse público, o que, data maxima venia, não se afigura escorreito” (Trecho do voto do relator).

58Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/aids-no-brasil>. Acesso em: 10 maio 2015.

59“Constata-se, in casu, que as Instâncias ordinárias, ao concluir pela inexistência do dever de indenizar,

em observância à ausência de nexo causal entre a conduta do Hospital e o abalo psíquico aduzido na

inicial, teceram fundamentação suficiente, condizente, ressalte-se, com a matéria a elas submetidas. No

mérito, tem-se, de fato, não restarem presentes os requisitos que ensejam o dever de indenizar” (Trecho

do voto do relator, p. 16).

60“No caso dos autos, diversamente, o exame efetuado pelo Hospital Albert Einstein não contém

equívoco, o que permite concluir que o abalo psíquico suportado pelo ora recorrente não decorre da

conduta do Hospital, mas sim do fato de o recorrente ser portador do vírus HIV, no que o Hospital

recorrido, é certo, não possui qualquer responsabilidade” (Trecho do voto do relator, p. 19).

61“A responsabilidade civil pressupõe, como um de seus elementos, a ocorrência do chamado dano

indenizável, cujo caráter objetivo impede a condução desmedida de toda e qualquer suposta lesão à

categoria de dano injusto (leia-se, indenizável). Mormente nas hipóteses em que a lesão não se verifica

plausível de um ponto de vista dos interesses pessoais em jogo, o seu reconhecimento não deve deixar de

considerar os exageros muitas vezes levados a juízo por ‘excessos de sensibilidade’ (considerando que

também faz parte do pacto social certo nível de gerenciamento de frustrações cotidianas, advindas da

convivência social), ou mesmo por quem, forte na premissa de que a boa-fé é sempre presumida, litiga ao

abrigo de interesses escusos. (...) A demonstração do dano, portanto, deve ser efetiva e não deve dar

espaço a excessos ou irrazoabilidades” (BARBOSA, Fernanda Nunes. O direito de não saber e os limites

do dano indenizável. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 13, n. 51, jul. 2012, p. 153-

175).

62Tanto Nancy Andrighi quanto Massami Uyeda entenderam que se tratava de responsabilidade objetiva

do hospital, mas nos termos dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil de 2002.

63BARBOSA, Fernanda Nunes. O direito de não saber e os limites do dano indenizável, cit., p. 153-175.

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64Diversos autores reconhecem a dificuldade de conceituação do termo “família”, tanto para o Direito,

quanto para a Sociologia e para a Antropologia. Para Silvio de Salvo Venosa, “a conceituação de família

oferece, de plano, um paradoxo para sua compreensão... Não bastasse ainda a flutuação de seu conceito,

como todo fenômeno social, no tempo e no espaço, a extensão dessa compreensão difere nos diversos

ramos do direito. Assim, sua extensão não é coincidente no direito penal e fiscal, por exemplo. Nos

diversos direitos positivos dos povos e mesmo em diferentes ramos de direito de um mesmo

ordenamento, podem coexistir diversos significados de família” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito

civil: direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008).

65Anderson Schreiber faz referência em sua obra ao rol de entidades familiares utilizado pela professora

Maria Berenice Dias, que ainda incluiria as famílias recompostas, as famílias anaparentais, e assim por

diante (SCHREIBER, Anderson. Famílias simultâneas e redes familiares.Disponível em:

<http://www.andersonschreiber.com.br/downloads/Familias_Simultaneas.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2014).

66A crítica à proteção da família como um fim em si mesma é apresentada por Pietro Perlingieri em O

direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 971-985.

67Em sua doutrina, Carlos Roberto Gonçalves apresenta uma visão clássica do conceito de família: “Já se

disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo

fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada,

aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do

Estado” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro 6: direito de família. São Paulo:

Saraiva, 2005. p. 1).

68STF, Recurso Extraordinário 397.762-8/BA, Rel. Min. Marco Aurélio Mello, j. 03.06.2008.

69O referido acórdão possui trechos de notável inspiração poética: “Atento aos limites materiais da

controvérsia, pergunto: qual o sentido do fraseado ‘união estável’, ali no peregrino texto da Lei

Republicana? Convivência duradoura do homem e da mulher, expressiva de uma identidade de

propósitos afetivo-ético-espirituais que resiste às intempéries do humor e da vida? Um perdurável tempo

de vida em comum, então, a comparecer como elemento objetivo do tipo, bastando, por si mesmo, para

deflagrar a incidência do comando constitucionais? Esse tempo ou alongado período de coalescência que

amalgama caracteres e comprova a firmeza dos originários laços de personalíssima atração do casal?

Tempo que cimenta ou consolida a mais delicada e difícil relação de alteridade por parte de quem se

dispôs ao sempre arriscado, sempre corajoso projeto de uma busca de felicidade amorosa (coragem, em

francês, é courage, termo que se compõe do substantivo coeur e do sufixo age, para significar,

exatamente ‘o agir do coração’)? Sabido que, nos insondáveis domínios do amor, ou a gente se entrega a

ele de vista fechada ou já não tem olhos abertos para mais nada? Pouco importando se os protagonistas

desse incomparável projeto de felicidade a dois sejam ou não, concretamente, desimpedidos para o

casamento civil? Tenham ou não uma vida sentimental paralela, inclusive sob a roupagem de um

casamento depapel passado? (...) Minha resposta é afirmativa para todas as perguntas” (STF, Voto-vista

Min. Carlos Ayres Britto, Recurso Extraordinário 397.762-8/BA, Rel. Min. Marco Aurélio Mello,

03.06.2008).

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70TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento,

cit., p. 11.

71PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 971-972.

72Por todas, confira-se trecho de decisão de relatoria da Min. Nancy Andrighi: “Direito civil. Família.

Paralelismo de uniões estáveis. Recurso especial. Ações de reconhecimento de uniões estáveis

concomitantes. Casamento válido dissolvido. Peculiaridades (...) A continuidade da relação, sob a

roupagem de união estável, não se enquadra nos moldes da norma civil vigente, art. 1.724 do CC/02,

porquanto esse relacionamento encontra obstáculo intransponível no dever de lealdade a ser observado

entre os companheiros. O dever de lealdade implica franqueza, consideração, sinceridade, informação e,

sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher, necessariamente monogâmica,

constitutiva de família, além de um dever jurídico. A fidelidade é requisito natural. Uma sociedade que

apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade que integra o

conceito de lealdade para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e,

por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca

da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. (...) Emprestar aos novos arranjos

familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável, implicaria julgar contra o

que dispõe a lei; isso porque o art. 1.727 do CC/2002, regulou, em sua esfera de abrangência, as relações

afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem

constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente.

Recurso especial provido” (STJ, REsp 1.157.273/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 07.06.2010).

73“Recurso especial. Direito civil. Execução. Embargos de terceiros. Penhora incidente sobre imóvel no

qual residem filhas do executado. Bem de família. Conceito amplo de entidade familiar.

Restabelecimento da sentença. 1. ‘A interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a

norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito

fundamental da pessoa humana: o direito à moradia’ (EREsp 182.223/SP, Corte Especial, Rel. Min.

Humberto Gomes de Barros, DJ 6/2/2002). 2. A impenhorabilidade do bem de família visa resguardar

não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos

membros da família, como na hipótese em comento, a entidade familiar, para efeitos de

impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma composta pelos

cônjuges e outra composta pelas filhas de um dos cônjuges. Precedentes. 3. A finalidade da Lei nº

8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas, sim,

reitera-se, a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo. 4. Recurso especial provido para

restabelecer a sentença” (STJ, REsp 1.126.173/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.

09.04.2013).

74STF, Mandado de Segurança 32.651, Rel. Min. Luiz Fux, Decisão monocrática publicada

no DJe 24.02.2014.

75O processo iniciou-se no ano de 2008 e foi julgado em 2013 pelo juiz de Direito da 4a Vara de Família

e Sucessões da Comarca de Manaus, Luís Cláudio Cabral Chaves. A notícia referente ao caso encontra-

se disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/4995/novosite>. Acesso em: 9 jul. 2014.

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76DIAS, Maria Berenice. Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade. Disponível

em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/4_-_adult%E9rio,_bigamia_e_uni%E3o_est%E1vel_-

_realidade_e_responsabilidade.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2014.

77HIRONAKA, Gisela. Famílias paralelas. Revista da Faculdade de Direito (USP), v. 108, 2013, p. 199-

219.

78SCHREIBER, Anderson. Famílias simultâneas e redes familiares. In: HIRONAKA, Giselda et

al. (org.). Direito de família e das sucessões – temas atuais. São Paulo: Método, 2009. p. 237-254.

79PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 594.

80TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit.

81SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição, cit.

82PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 650.

83TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit.

84PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 595.

85TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico, cit.

86PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 597.

87PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 590.

88PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 1-11.

89PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do direito civil na legalidade constitucional, cit.

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9

O FUTURO DO DIREITO

CIVIL CONSTITUCIONAL

Anderson Schreiber

Carlos Nelson Konder

Antever o futuro do direito civil constitucional talvez não seja impossível, mas apenas

arriscado. Prognósticos não costumam combinar com a análise jurídica, pautada pelos dados do

presente. A historicidade dos institutos jurídicos – bem recuperada pelos cultores da

metodologia civil constitucional – não deixa de se aplicar, em larga medida, à própria corrente

metodológica, sujeita às transformações do contexto sociocultural no qual se insere. Ingressar

em exercícios de futurologia representaria, portanto, a antítese do que o direito civil

constitucional vem, em parte, defender. Ainda assim, é possível esboçar uma agenda para o

futuro, que, longe de consubstanciar uma soma de palpites sobre o amanhã, exprima – dentre

outros possíveis – um conjunto de esperanças, desejos e projetos que, a partir das conquistas já

alcançadas, recaem sobre a metodologia civil constitucional. Nesse sentido, sete pontos

merecem destaque no porvir:

1º) O paulatino desenvolvimento, pela doutrina, de critérios, parâmetros e standards para a

aplicação de princípios e cláusulas gerais pela jurisprudência, de maneira a, respeitando a lógica

informal e flexível própria da argumentação jurídica, reduzir o subjetivismo e a arbitrariedade

na atividade interpretativa, sem, contudo, engessar a capacidade de adaptação, pelo magistrado,

da norma às circunstâncias relevantes do caso concreto. Esse tipo de contribuição acadêmica é

preferível à tradicional indicação de “elementos essenciais” e “requisitos de validade”, cuja

utilização, pautada por uma lógica formal do “tudo ou nada”, adequa-se apenas à aplicação de

regras, sem consideração de sua inserção no sistema, e guiada por uma lógica formal e

subsuntiva, que deve ser superada.

2º) A influência da perspectiva funcional para a reconciliação da doutrina do direito com

as demais ciências sociais, como a sociologia, a antropologia, a história e a economia,

trabalhando a interdisciplinaridade sob a premissa de que os institutos jurídicos são todos

criados com o objetivo de atuar sobre uma certa realidade concreta, cuja adequada compreensão

é fundamental. Nesse sentido, ao jurista é necessário estudar as análises dessa mesma realidade

desenvolvidas pelas outras ciências para um entendimento mais completo e menos unilateral da

realidade sobre a qual visa atuar. Em especial, ao jurista brasileiro, incumbe levar em conta as

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peculiaridades da realidade nacional, sob o risco de persistir na importação descuidada de

institutos estrangeiros e na defesa de “ideias fora de lugar”.

3º) A consolidação da metodologia civil constitucional no âmbito acadêmico, com uma

reformulação mais ampla, que não se limite à apresentação pontual da incidência dos valores

constitucionais em certos institutos mais candentes, mas que promova uma reordenação

sistemática dos próprios temas de que se ocupa a nossa disciplina, com uma atualização das

grades curriculares e ementas, ainda extremamente centradas sobre a estrutura do Código Civil,

à luz dos interesses privilegiados pela Constituição da República. A universidade pública, como

gênero, assume especial papel nesse projeto, representando o primeiro front das aspirações

democráticas e aquele mais genuinamente comprometido com uma formação científica que se

mostra, a um só tempo, conhecedora e transformadora da realidade social.

4º) A ampliação da metodologia civil constitucional para o campo empresarial, evitando-se

a criação de uma dicotomia rígida entre contratos civis e contratos empresariais, que ameaça a

abrangência da constitucionalização, ao isolar as relações interempresariais em círculos imunes

à incidência dos valores constitucionais e à atuação das cláusulas gerais, como se, no campo da

empresa, continuasse a prevalecer o liberal-individualismo jurídico, a rejeitar todas as novéis

construções inspiradas na nova tábua axiológica da ordem jurídica brasileira. O projeto de

Código Comercial confirma essa ameaça, ao estatuir princípios próprios, distintos daqueles que

regem o sistema jurídico unitário, que gravita em torno da Constituição.

5º) No mesmo sentido, a desvinculação da metodologia civil constitucional de ranços e

preconceitos que a limitam a sua aplicação a situações de desigualdade, vulnerabilidade,

dependência ou fragilidade, como que a constituir um “direito civil dos pobres e oprimidos” ou

“robinhoodiano”, distinto e destacado da dogmática do direito civil em geral. Essa abordagem,

que encontra sua origem na parcela mais extrema do pensamento consumerista, não deixa de ser

excludente, na medida em que, ao lado de fora das categorias reconhecidas como dignas de

especial proteção, o direito civil continuaria a ser a “terra sem lei” da vontade dos

economicamente mais fortes. É preciso reconhecer a unicidade e sistematicidade do processo de

constitucionalização do direito civil, que, sem embargo de proteger com mais intensidade as

pessoas que se encontram em situação de particular necessidade, não o faz por eleger

destinatários específicos, mas porque os instrumentos jurídicos que sustentam essas situações de

necessidade afiguram-se, necessariamente, mais distantes dos valores constitucionais,

expressamente amparados na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

6º) A expansão da metodologia civil constitucional do campo interpretativo em sentido

estrito (doutrina e jurisprudência) para o campo legislativo, com uma maior conscientização do

Poder Legislativo (em suas três esferas) acerca do papel do direito civil na realização efetiva dos

valores constitucionais nas relações privadas. Se, por um lado, parece superado o tempo das

reformulações gerais expressas em codificações mais ou menos abrangentes – embora, vez por

outra, ressuscitem no já mencionado e desconcertante exemplo do projeto de Código Comercial

–, por outro, parece que “o legislador”, personagem que se revela plural e multifacetado na

realidade política contemporânea, começa a perceber as vicissitudes de um tecido normativo

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composto de “normas de ocasião”, inspiradas em ideologias particulares e, não raro,

contraditórias entre si. A necessidade de que o Poder Legislativo se conscientize e adira ao

processo de constitucionalização do direito privado parece fundamental para que construções

arduamente erigidas pela doutrina e pela jurisprudência não desabem com “uma penada” do

legislador, sedimentando-se uma base normativa infraconstitucional que possa perdurar,

engrandecer e inspirar as novas intervenções legislativas no campo das relações privadas.

7º) Por fim, no que toca ao papel da Corte Constitucional, é preciso que o nosso Supremo

Tribunal Federal seja imbuído do espírito da constitucionalização do direito civil, libertando-se

das amarras do pensamento romanista, que ainda procura remeter as categorias de direito civil a

uma experiência jurídica pretérita, que pouco ou nada tem com os problemas do Brasil

contemporâneo. O retorno, após tantos anos de ausência, de um civilista à composição da nossa

suprema corte, sendo ele próprio, Luiz Edson Fachin, um dos arautos do direito civil

constitucional no Brasil, reacende essa esperança e promete um futuro ainda mais profícuo para

a metodologia que esse livro procura detalhar.

Ao leitor, que chega conosco ao fim dessa empreitada, deixamos o convite para que se

aprofunde na bibliografia que se segue, não como mera referência às páginas precedentes, mas

como indicação de novas leituras, todas elas imprescindíveis para o pleno conhecimento da

metodologia civil constitucional, sem prejuízo de outras obras relevantes que aplicam a

metodologia a problemas e assuntos específicos.

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