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7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
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7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
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Cop yright 2001, Yvonne Maggie
Todos os direitos reservados.
A reproduo no-autorizada desta publicao, no todo
ou em parte, consti tui violao de direitos autora is. (Lei 9.610/98)
2001
Direitos para esta ed io contratados com:
Jorge Zahar Editor Ltda .
rua
Mxico
31
sobreloja
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te .: (2 1) 2240-0226 /
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site: www.zahar.com.br
Capa: Srgio Campante
CIP-Brasil. Catalogao-na- fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Liv ros, RJ.
Ma
gg
te, Yvonne
Ml 72g Guerra de Orix: um estudo de ritual c confiito
I
3.ed. Yvonne Maggi
e.
- 3.ed. - Rio de Janeiro: Jo rge
Zahar Ed., 2001
Inclui bibliografia.
I
SBN 85
-7110-611-8
- An t ropologiasocial)
1. Brasil - Religio - Influnc ia africana. 2.
Cultos afro-brasil ei ros- Es mdo de casos. 3. Sincre
th mo ( Religio). 4. Etnografia.
I.
Ttulo. II. Srie.
coo
306.60981)
III 1
1111
CDU
316.74:2(81)
umrio
1
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O
T ERREIRO . . . ..... . . . . .. . .. .
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DRA
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43
A loucura da me-
de-santo
. . . . . . . . . .. . .. . . . . . . .. . . . . . . . . 47
A vo lta
da
me
-d
e-s
anto
. . . . . . . . . . . .
.
. . . . .
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.
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. 52
A
de
manda de Aparecida
. .
. . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . .
. . . . . . . . . . 55
duas ordens.. . . . . . . . . . .
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. . . . . .
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.
. . .
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A vlnda de ve
lh
a Leda
. . . . . .
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63
A
pmva
de fogo
ou uma guerra
de orix
. . . . . . . . . .. . . . . . . . . 67
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. . . . . . ..
.
..
70
I ) drama: anlise . . . . .
. . .
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iO IV RITUAL ECONFLITO: ANLISE SIMB LICA .... ... 111
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. . . . . . . . . . . .
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bibliogrficas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
155
/ , /rkio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. .
. .
15 7
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Prefcio 3 edio
lttli ,, an
os
de
pois de
ter escrito
Guerra de orix
um
estudo de
111111/ r1
ouj
lito c
om
o qual
me
iniciei como
antroploga,
pos
so
dizer
I '
lt
t\
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Guerra de o rix
me smo
do su
rgimento desta
onda
mais reflexiva sobre o papel e a
au
t
or
idade
do
antroplogo
no
campo,
que
influenciou o fazer
da
etn
ogra
fia a
partir
do final
da
dcada de 1980, aproximei-me de
Ma
x
Gluckman e Victor Turner para falar de verses dos acontecimentos
qu
e se es
truturam
e,
com um olhar muito
crtico, percebi a
import
n
cia de refletir sobre a presena e a posio
do
observador
no drama
e
de
seu papel no desenrolar
da
histria. Se t ivesse
que
escrever este
livro hoje,
no poderia
deixar
de
lanar mo da anlise de evento e
es
trutura
de Marshall Sahlins em
Ilhas de histria
para entender ain
da
mais a
estrutura da conjuntura
e desvendar as verses
do grup
o
so
bre o lugar do observadorneste
drama
.
Atravs da noo
de drama
social" elaborada por Victor Turner,
pude perceber a importncia dos acontecimentos que estavam se de
senro
lando
sem perder de
vista
que
tais transformaes e sucesses
de
conflitos
eram
percebidas
dentro de um
contexto ritual e
interpr
eta
das
luz
de
cdigos prprios. Victor
Turner
foi guia
ne
ste estudo e
pude, anos
mais tarde, retribuir o privilgio de suas lies proporcio
nando
a ele e a Edith Turner, sua esposa,
uma
visita a
um
dos
terr
eiros
por mim
estudados
no
Rio de Janeiro.
Duas
principais crticas foram levantadas e merecem ser discuti
das por terem
produzido
respostas
que
busquei aprofundar em traba
lhos posteriores.
A
primeira
e mais recorrente
se
refere ao fato de
ser
um
estudo
de
caso. Apenas
um
terreiro estudado, segundo os crticos,
no pod
e
explicar a complexidade de uma religio.
O
caso estudado,
um te
rrei
ro
na
Zo
na
Norte
da
cidade do Rio
de
Janeiro e sua brevssima hist
ria, foi o palco
por onde
tentei desvendar as formas pelas quais o
po
der
estrutura
do nesta instituio religiosa. Estudei assim em
um
terr eiro e
no
o terreiro e segui trilhas que
foram
abertas
por
trs dos
ma is importantes estudiosos do tema e que mais marcaram minha
trajet
ria
neste
campo de estudo
:
Nina
Rodrigues
em O nimis
mo
J t chista dos negros baianos Nunes
Pereira
em A casa das
min s e Ruth
Lnndcs cm
A cidade das mulheres.
Estes trabalhos foram
to impor-
~ s
pnra a
minha
compreenso destas religies e do
prprio
fazer
dnu n t1 'opn l
og
ia que decidi,
muito
tempo antes de encontrar o terrei
IO 1111 qtt:d pes
qu
isaria ,
que
faria
um
estudo deste tipo. De
toda
a
llt tn
1
111
'
11
sob re o L
ma
estes trs livros so os
que
at hoje
no
perde-
11
11l
sun
i l l ~
l X plic
at
iv
a.
A razo desta fo r
a
est, a meu ver,
no
fato
dt
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10
Guerra de
or
ix
lhidos, vivenciei a tenso entre ter estudo e ser bom no santo", c
tambm entre ser
um
bom pai-de-santo e ser um
estud
ante, inde
pe
ndentemente de
ser
negro
ou
branco.
Hoje meu esforo se volta
para a pes
qu i
sa sobre educao e relaes raciais.
Guerra de orix foi portanto um livro de estria, mas constituiu
se tambm em um plano
de
vo da minha vida profissional.
Jorge Zahar, o
grande editor
brasile
iro
e
amigo sa
udoso, acredi
tou
e
con
fiou
naquela
iniciante, e devo a ele o
priv
ilgio da
oportuni
dade. Foi dele a coragem de lanar um trabalho que ia to contra a
co
rr
ente
da
poca.
R
io
de janeiro maio de 2 1
Prefcio e i o
lstc
trabalho
foi apresent
ado
como
di
sse
rtao de mestrado no Pro
grama de Ps -Graduao em Antropologia Social
da
Diviso de An
tropo logia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio
de
Janeiro UFRJ). Teve como ponto de partida a leitura crtica da itera
Jura sobre c
ulto
s afro-b rasileiros realizada no Brasil e
na
Universidade
do
Texas, Austin, Es
tados
Unidos. A
partir
da
leit
ur
a e
an
lise desse
lllOerial pude repensar alguns problemas que me levaram a procurar
rcspostas atravs de
um
estudo de caso.
O trabalho de campo foi realizado em um
te
rreiro de um banda
lo
calizado no
bair
ro do Andara RJ),
no
perodo compreendido entre
Jnnho e setembro d e
1972.
Nesses quatro meses observei a vida
des
te
tc:rreiro, desde sua inaugurao at s eu fechamento. De setembro a
ou
tubro
de 1972 acompa
nhei a trajetria do grupo
que
se
dispersou
depo is do seu fim.
Quero agradecer ao Consel
ho
Nacional
de
Pesquisas atravs do
qua l obtive bo lsa
para
freqentar os cursos
do Programa de
Ps -Gr
a-
11
o
em
A
ntro
polog
ia Social da Diviso
de
An tr
opolog
ia
do
Mu
seu
Nacional da UFRJ, assim
como para
realizar o trabalho de campo.
Agradeo
ainda
Fundao
Ford
pela bo lsa
que me permit
iu
q e n t r a Universidade do Texas. Como special student
no
Depar
l,,rncnto
de Antropo
logia dessa universidade tive oportun
idade
de
c
qentar
cursos e manter contatos
co
m professores e alunos, aper
lt'ioando minha perspectiva terica. Agra deo a todos eles, especial
lllCnte aos professores Richard N. Adams e Anthony Leeds.
C
omo
professora
do Departamento
de Cincias Sociais do Insti
tuto de Filoso fia e Cincias Sociais da UFRJ contei sempre com o apoio
de meus colegas.
11
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12
Guerra
de orix
Agradeo aos professores, colegas e amigos do Programa de Ps
Graduao
em
Antropologia Social
do
Museu Nacional da UFRJ. Enfa
ti
zo particularmente o apoio do prof. Roberto Cardoso de Oliveira
antigo diretor do Programa, e de seu atual diretor, meu orientador dr
tese, prof. Roberto DaMatta. A este devo muito
em
termos de um
contnuo e saudvel estmulo intelectual.
As
crticas e sugestes da prof Francisca Schurig Vieira Keller
t'
do prof. Peter Fry, membros de minha banca, muito incentivaram :1
continuidade de
meu
trabalho.
Minha
gratido falecida prof Marina So Paulo de Vasconcc l
los.
Minha
profissionalizao mu ito deve a seu incentivo e apoio.
Agradeo a meus irmos que, de vrias maneiras, me ajudaram
a
realizar este trabalho.
Este livro no teria sido realizado sem a cooperao e disposio
dos mdiuns e clientes
da
Tenda Esprita Caboclo Serra Negra de me
prestar informaes. Gostaria de agradecer a cada
um
em particular t'
desculpar-me pela imperfeio deste livro. Seus nomes foram manti
dos
em
sigilo e os aqui citados so fictcio s.
Agradeo de forma particular a Gilberto Vel
ho
pelo carinho
t'
amor com
que
me ajudou e
acompanhou
durante todas as fases deste
trabalho .
ntroduo
m n j
no
ss
a me
E
nosso pai
Eu vim aqui pedir aJesus
E
Virgem Maria
No ssa Senhora nossa me
E Oxal
nosso pai.
Eu vim aqui pedir a Jesus
E
Virgem
Maria.
Estrela
d Alva
nossa
guia
Que nos alumeia neste
dia
Eu vim aqui pedir a Jesus
E Virgem Maria.
Ponto cantado* na abertura
das sesses* de domingo
'
1udn in iciei minhas leituras sobre o que
se
convencionou chamar
111 i j\l
lks
afro-brasileiras, fiquei impr essionadacom a continuidade
11 11 1 11cia com que eram tratados certos temas. Estes quase
no
' 111l desde o incio dos estudos sobre essas religies.
Os
proble-
1 ' 1
~ ~ ~
r p r e t a e s
variavam pouco apesar da imensa
bib
liografia
I I IIl
i
.
As questes
abordadas no mudavam
devido s
determ
i-
'' ' ideolgicas
dos
autores. Foi necess
rio
fazer uma crtica
da
I 11 j, 1f\lll subjacente s afirmaes dos estudiosos que se dedicaram
, 1
II
IIHI para tentar fazer novas perguntas que levassem a respostas
t
V
t'u1 prime ro lugar, as religies afro-brasileiras foram sempre vis-
11 1 11110 um fenmeno de sincretismo religioso no
qua
l
se
encontra
' os africanos associados a traos catlicos. A esse sincretismo
h 1
d loi acrescentada a mistura de traos
do
espiritismo kardecista
ttl
~ o s indgenas. O
prprio nome
genrico que foi escolhido
1 d1 0min-las expressa essa viso de uma religio sincretizada.
lt n , poi s tinham traos africanos. Brasileiras, pois apresentavam tra
' 11
1lli
cos,
es
pritas e indgenas.
( I Vt
ll \
hulos assinalados com asterisco con s
tam
do Glossrio.
13
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14
Guerra de orix
Em segun
do
lugar, esses traos fo ram associados a
um ma
ior ou
men
or
grau de desenvolvimento ou de evoluo cultural. Assim,
traos de or igem africana fo ram colocados no vrtice mais baixo da
evoluo cultural, seguidos dos traos indgenas e dos t raos
t l i
assi
mi
la
do
s de forma pr imitiva. No vrtice mais elevado dessa evolu
o c
ultur
al colocavam -se os traos espr itas.
De incio, por serem religies classificadas como pr im itivas, fel
chistas e mgicas, elas estariam, fre
nt
e a outras religies, n
um
estgio
in
feri
or da evoluo
cu
ltural. Os prime iros autores
qu
e p r
ocur
aram
dar uma abordagem cientfica a esse tipo de estudo colocaram
e s s ~
pr
imit
ivismo associado ao fa to de serem religies de ne gros, trans
plantadas para o Brasil
na
poca da escravid
o
. Send o seus
memb
ros
negros, suas crenas deveriam ser
cond
izentes com o estgio primil i
vo e
po
r
que
no inferior dessa raa.Mais
ta
rde , com o aprimora
menta das abordagens cie
nt
ficas, o prim itivismo fo i associado
:h
camadas baixas da populao brasileira que, com forte conti ngcnll'
negro,
ad
otavam essas religies por no terem ai
nda
alc
anado es
l6
gios m ais alt
os
da evoluo
cultur
al, a civilizao': Mais recen
tem
cn
te,
um
outro ti
po de
associao foi
fe
ito . Esses
tr
aos foram associadm
a um a mai
or ou
men
or
adaptao ao meio de vida
urb
ano. Aparc
d
t
ll t' II
O
i
emocional e br anco. Esses cultos
eram
colocados,
ain
da,
''
1
1111 t
odo no
vrtice mais p
rimiti
vo
em
relao s religies civi
l I o
o
i
t\11 ns
autores vo at a frica
para
verificar de que grupos esses
1',''
II' I' m pr
ovindo. Muitas vezes, os
mesmos
autores
remet
e
m
''''1 1 l l ~ t para
nele enco
nt
rar a explicao ou o significado
de
1 '
l1n
os. Essa busca de origens ocorr
e, na
g
rande
maio ria das
'
t' lll
detrime
nt
o da anlise das explicaes dos prpr ios seguid
o
' 1
1 ~ H I
religio no Brasil.
lluKl'l'
Bastide,
por
exemplo, faz
uma
an
lise exaustiva
de
uma
oh
lllo l
1
mtral
encontrada
nos terreiros nags
na
Bahia. Cita Frobe
tdtl , hdn
clo
vodu haitiano e descreve os mitos iorubanos da frica.
I
d1111
'
II
IC chega seguinte concluso:
A
a
bund
ncia dessas repre-
1111\0ts do espao, em pedra, em madeira e em ferro, comp rova a
mesmo se s fiis esqueceram o significado desse simbo-
du criao. (Bastide, 1958, p.72. O gr ifo m
eu
.)
t \ ~ R i l l 1
se os fi is no Brasil esqueceram o significado dos smbo-
1..
11 tor busca
na
sua origem seu significado. Ser
que
os fiis se
jl ll 'l trnm de seu significado?
Ou
tero
outro
significado a dar? O
I''' 11\u ifica um signo cujo smbolo j foi esquecido? Talvez este signo r
nluna
ce
nt ra l -
em
relao a
outros
tenha se t
rans
f
orma
do
em
111
1Vn
smbolo. Mas fica d
if
cil saber, pois o autor, aparentemente,
o
1 l 'l'gunta aos
fi
is
por
que existe aquela coluna hoje.
I o estou com isso neg
and
o a
import
ncia que tiveram esses
lu11 para a compreenso de tais religies. Es tou apenas tentando
1111 11 III C
diante
de
ssas
abo
rdagens, te
ntando
perceber os valores
que
t
t
\'
por
tr
s desses estudos,
ou
melhor, suas determinaes
idea
l
'I h
O que me im pressi
on o
u na lei
tura
dessas o
br
as foi a
continui-
1
o .
d
tssc
ti
po
de perspectiva
de
sde Nina Rodrigues, em fins do
ttlt
oX
X,
at Cnd ido Procpio na dcada de 1960 (Rodrigues, 1935
I'J 1'
1;
Ca
margo,
1961).
2
'ouhjaccntes a
tal
viso estavam
contid
os, de forma branda, os
lo t11i pos e preconceitos que Ni
na
Rodrigues no tinha
pruri
dos
Talvez seja
po
r isso
que
sua
obra con
t
inua
at hoje
11oln o documento
ma
is importante sobre o assunto.
I
'hnmar essas religies de afro escondia um
medo
de cham -las
1.
to
ll
nics negras.
As
or igens afr icanas lhes davam
um
carter mais
\
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8/90
_
{
Guerra de orix
I impo e aristocrtico . A frica est longe os africanos so estran
ge iros e isso lhes confere um outro
status
Nesse sentido, na obra de
d
ison
a
rneiro (Carneiro, 1948 e 1964), embora contendo esses
mesmos pressupostos, mencionado o carter nacional dos cultos, a
sua nacionalizao, o que uma perspectiva menos comprometida.
Na medida em que esses autores buscavam a explicao dos tra-
i os na sua origem, no conseguiram dar conta do prprio objeto que
se
propunham
a analisar,
ou
seja, o fenmeno
do
sincretismo.
Num
primeiro momento, viam os rituais sendo compostos de traos, peda
os, smbolos. No entanto, buscavam na frica a explicao desses
pedaos. No perceberam que a relao entre essas partes que d
sentido ao todo. Ass im, no importava saber qual o significado de
exu* na frica. Importava verificar o significado que lhe era dado
pelas pessoas que praticavam esses rituais no Brasil e qual a relao
entre esse
t rao-
exu - e os demais.
Mas havia ainda uma outra problemtica que preocupava os au
tores, qual seja, o fato de essas religies
terem surgido nos centros
urbanos e suas ramificaes no meio rural serem muito menos ricas.
Por que
no me
io urbano
uma
religio fetichista? Alguns autores res
ponderam que, por serem os membros desses cultos de origem rural,
estariam tentando recriar no meio urbano os laos prim rios nele
perdidos. Mas, ainda assim, o problema no se resolvia e a podemos
encontrar um dos tipos de contradio dessa perspectiva evolucionis
ta e de busca de africanismos.
Diante do que foi exposto quero dizer que no estou interessada
no sincretismo, nem na origem dos traos, nem tampouco
no
primi
tivismo ou fetichismo dessas religies. No estou tambm vendo-as
como religies negras. No estou, por outro lado, preocupada em dar
uma explicao para esse fenmeno to abrangente e com tantas
diferenas. No pretendo esgotar o estudo das religies chamadas de
afro-brasileiras , nem de s
ua
ramificao no Rio, a
umband
a
ou
ma
cumba.
Meu objetivo neste trabalho muito restrito. Fiz um estudo de
caso de um terreiro*, ou se ja
um
local de culto. Neste estudo de caso,
r
minha preocupao bsica foi partir das informaes do universo
pesquisado c tentar verificar como um grupo de pessoas vivia, numa
poca deterrn inada, usan
do
determinados rituai
s
smbolos e costu
mes. Num segundo mome nto, procurei interpretar o que estava sendo
expresso atravs da hist
ri
a desse terreiro, de seus rituais e da exegese
, ,dos membros do grup o. Ou seja, pretendia perceber a lgica que
Introduo 17
estava por trs desses rituais, dos smbolos e do discurso daqueles que
os praticavam.
Minhas concluses sero, portanto, limitadas ao universo pesqui
sado. No estou com elas explicando todo o fenmeno da umbanda
ou
macumba no Rio de Janeiro. Mas, na medida em que este terreiro
fazia parte de
um
universo maior de terreiros, minhas concluses
talvez possam explicar terreiros que
tenham
uma equivalncia estru
tural com o caso estudado.
No primeiro captulo discuto algumas categorias-chave e descre
vo o terreiro e seus principais rituais.
No segundo captulo narro o drama ,
ou
a h
is
tria do terreiro,
desde seu nascimento at sua morte. Procuro relatar no s os fatos
ocorridos como tambm as verses deles apresentadas
por
cada
membro do grupo.
No terceiro captulo descrevo quatro histrias de vida e a posio
desses personagens no drama, tentando atravs delas entender por
que tiveram essa posio e qual o seu significado.
O quar to captulo uma tentativa de anlise simblica de alguns
aspectos do drama e de alguns rituais realizados. Aqui
minha
preocu
pao foi tentar verificar os modelos expressos pelos m embros do
grupo e quais as vises que, atravs desses modelos, tinham da socie
dade mais ampla.
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9/90
C PTULO
t rr iro
Eu
me perdi, meu pai
Eu
me perdi
L
na
mata da furema eu me
perdi.
Fui
procurar
seu
S
erra Negra
No
ach
ei e
l na
mata
da Jurema
Eu
encontre
i.
Eu
me perdi, meu pai
Eu me perdi.
Ponto cantado do caboclo Serra Negra,
que deu nome ao terreiro
Neste captulo pretendo fazer a etnografi a
do
terreiro Tenda Esprita
Caboclo Serra Negra e um breve relato de sua histria, assim como
descrever os principais rituais realizados e a
compos
io
da
clientela e
dos mdiuns .
Como parte dessa
mesma
etnografia,
pretendo
me l
oca
lizar como
observadora
e, de certa forma, como participante
dos
fa tos ocorridos
no
c
urto perodo
de vida des
te
t
erreir
o.
importante
frisar
que
minha
percepo
do
objeto de pesquisa aguou-se
no momento em que
compreendi
que a relao observador e observado tambm faz parte
desse objeto de pesquisa. Isso se d no nvel de in terferncia do obser
vador
na vida
do
observado, e
sem
a conscincia deste fato
muitos
dados
imp
or ta
nt
es se perdem.
Fui apresentada aos membros do
grupo
estudado
por
seu presi
dente , Mrio, meu aluno
no
curso de Cincias Sociai
s.
Este aluno era
mdium de um terreiro na Zona Norte e freqentemente, convers
vamos sobre problemas relativos
umbanda e
sua participao
nessa religio.
Ce
rto dia, disse-me
que
estava
querendo
a
brir
um
terreiro com
uma
conhecida
qu
e era me-
de
-santo. Pass
ado
algum
temp o, convidou me para assistir
inaugurao
do terreiro do qual
seria presidente. Comecei,
en
to, a freqent- lo. Mesmo
me
definin
do como
observadora, pesquisadora, a
nt rop
loga, e talvez
por
isso
mesmo
, passei a ser
tam
bm pea do
drama.
Meu primeiro
contato
tinha sido com o presidente, que fazia questo de me apresentar como
sua professora na universidade. Cada vez que um el
emento
novo me
19
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10/90
20
Guerra de
orix
era apresentado pelo pai-de-santo*, este pedia ao presidente para
dizer
quem
eu era. Ter estudo era para o grupo
um
sinal de prest
gio, enfatizado pelo presidente, que
era
estudante universitrio. As
sim,
no
tive
muitos
problemas para ser aceita, pois logo se estabele
ceu um mecanismo atravs do qual aquele
que
me desse mais infor
maes ganhava
um
pouco de prestgio.
Mas ter
estudo
no era
apenas
um sinal de prestgio; tambm era
sinal de ignorncia das leis
da
um b
anda *
ou da
lei espiritual *, das
coisas do santo *,
como
diziam. Eu
mesma me
definia
como
igno
rante
no
assunto, queria aprender
com
eles, saber como pensavam e o
que significava tudo o que ali se passava. Essa problemtica ficar
mais clara no
decorrer
do
trabalho
.
Senti
tambm, por parte
dos membros do terreiro, a necessidade
de me classificar. Era
uma
pesquisadora e
tinha
estudo, mas
queria
aprender com eles. Freqentava todas as sesses, mas
como
observa
dora; no incio, no
queria
participar.
O pai-de-santo, logo
no primeiro
contato, terminou a conversa
falando sobre vrios tipos
de
mdiuns, ressaltando o caso
de
um
rapaz:
Era
igual senhora , disse, e conversava
muito
comigo. Me
contou que estava l no interior de Minas e foi visitar um velho que
morava
numa
casa pobre.
Quando
chegou
na
porta, antes de
bater
, o
velho chamou ele e disse
que
sabia de tudo o
que
ele queria.
Ensinou
alguma coisa e disse que ele podia voltar pro Rio que ele ia ensinar
tudo,
ele em
Minas
e o rapaz aqui. Continuou dizendo que o rapaz,
mesmo
s
estando estudando
h seis meses, havia escrito
um
livro, e
que agora
trabalhava
na
Congregao Umbandista*,
indo
aos terrei
ros
para
ver se tudo est feito de acordo
com
lei* . Terminou
dizendo: Ele um cientfico, sabe de tudo mas no recebe*. Ele pode
ver tudo, estar
do
seu lado
num bar
e saber sua vida.
existe
ainda
o
mdium
cientfico*.
Algum
tempo depois, convers ando com o pai-de-santo e a me
pequena*, depois de termos ouvido a gravao que eu havia feito
numa sesso de domingo, esta perguntou-me: Voc no
quer
'traba
lhar'* aqui?
No
entendi
bem
e ela insist iu, dizendo: Voc
no quer
ser mdium aqui? O pai-de-santo, que ouvia calado,
olhou para
a
me-pequena e
os
dois comearam a rir. Resolvi no responder e ri
tambm com eles.
Uma outra mdium, durante uma
conversa,
j
havia
me
pergun
tado
se
eu no
queria
trabalhar no
santo *.
Um
dia, possuda
por
seu
O t rr iro
2
preto-velho*, chamou-me e pediu para colocar o charuto que fumava
em minha boca com a brasa voltada para dentro. Relutei, mas insistiu
e, ento, fiz o
que
tinha
mandado
-
com
muito
medo,
confesso.
Devolvi-lhe o charuto e ela,
abraando-me,
disse: Chuc* filha-de
f*, no
queimou,
vou proteg chuc e abri seus caminho*. Alguns
dias depois o mesmo preto-velho
me
disse,
meio
rindo:
Chuc
filha-de -curiosidade*,
mas
vai
s
filha-de-f.
Aps esses ensaios
de
classificao -
mdium
cientfico, filha
de-curiosidade, filha-de no houve mais perguntas sobre o mo
tivo de minhas idas ao terreiro. Passado
algum
tempo, a me-pequena
insistiu para que eu entrasse de scia *, contribuindo como os ou
tros
para
a
manuteno do
terreiro. De incio hesitei, m
as
depois
resolvi
contribuir
e fui arrolada como scia
da
casa.
Antes de iniciar a descrio do terreiro e de seus rituais, farei
um
breve
histrico e discutirei algumas categorias-chave. Farei, tambm, a des
crio
da
classificao dos deuses
de sua
relao
com
os
mdiuns
.
O terreiro foi
inaugurado por um
grupo de 4 mdiuns e algumas
pessoas que, mesmo no sendo mdiuns, eram a eles ligadas. O grupo
de mdiuns, embora participasse de outros terreiros, era unido por
conhecer
Maria
Aparecida,
que
era me-de-santo. No
tendo um
ter
reiro, costumava
dar
consulta * nas casas das pessoas, inclusive des
ses mdiuns.
Um
dos mdiuns do grupo, Mrio, resolveu
ceder
sua
casa para que Maria Aparecida pudesse dar consultas sem precisar se
deslocar
de
casa
em
casa. Nesse perodo,
que
durou
uns
trs meses, o
grupo manteve estreito contato e os que
no
se
conheciam
antes
puderam ali se conhecer. Foi nessa poca
que
o
grupo
resolveu abrir
um terreiro para ajudar a
me-de-santo
que era excelente mas
mui
to
pobre
. Diziam tambm que no terreiro de
origem
no tinham
conhecimentos ,
enquanto
no novo todos
eram
amigos.
O terreiro foi
inaugurado
e Mrio, locatrio
da
casa,
assumiu
o
posto de presidente. Uns dez dias depois da inaugurao a me-de
santo
ficou maluca , como diziam, e foi internada em um hospital
psiquitrico. Depois disso, os mdiuns resolveram chamar um pai
de-santo
para
substitu-la. Esse novo pai-de-santo s era conhecido
por um casal do grupo original e,
imediatam
ente, reiniciou os traba
lhos *. O terreiro teve
um
curto perodo
de
vida sob a chefia desse
novo pai-de-santo,
mas
durante esse tempo houve intensa participa
o dos
membros do
grupo. Dedicavam
muitos
dias e noites ao terrei-
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22
Guerra de orix
ro e alguns chegaram a largar seus empregos, enquanto outros de
monstravam cansao depois de um dia de trabalho e vrias noites sem
dormir. Nesse perodo, surgiu nova crise, com o conflito entre o pai
de-santo e o presidente. O encaminhamento dessa crise levou ao
fechamento definitivo do terreiro. Os membros se dispersaram e,
passado algum tempo, a maioria dos mdiuns j se tinha integrado a
outros terreiros. Essa histri a ser narrada no prximo captulo.
Passarei agora a analisar algumas categorias, com o objetivo de verifi
car como so empregadas pelo grupo estudado. Ex iste na literatura
sobre religies afro-brasileiras uma srie de definies do que
se
ja,
por exemplo, macumba, umbanda, quimbanda* e espiritismo* (Car
neiro, 1964; Bastide, 1960 e Ramos, 1956). Constatei, no decorrer da
pesquisa, que essas categorias eram empregadas no terreiro estudado
de uma forma que,
num
certo sentido, se distanciava das definies
que eu conhecia.
No incio da pesquisa, minha primeira dificuldade foi a de classi
ficar o grupo em termos dessas definies. Cada vez que, numa con
ve
rsa, tentava usar
um
desses termos, sentia que
as
pessoas emprega
vam-nos de maneira distinta. Essa foi
uma
das ocasies em que pude
perceber, claramente, dois sistemas de classificao distintos, o meu,
como antroploga, e o dos membros do grupo.
Embora o nome do terreiro fosse Tenda Esprita Caboclo Serra
Negra, o grupo dizia que o terreiro era traado *, umbanda com
candombl. Alguns usavam o termo macumba para definir sua reli
io estou na macumba . Outro s usavam macumba ou macum
beiro* para definir algum que usava a magia negra*. Quimbanda era
usada raramente e sempre no sentido de acusar algum de trabalhar
para o
ma
l *.Se eu perguntava, por exemplo,
Por qu
e voc entrou
para a umbanda? , a resposta vinha sem que fosse usado uma s vez
esse termo. Comecei a reparar que quase no se fa lava em umbanda,
ou espiritismo, ou macumba. Perguntei, ento, ao pai-de-santo qual
era a diferena entre umbanda e macumba e esta foi a resposta: Ma
cumba o instrumento dos santos, o tambor*, mas o povo fala
macumbeiro para aquele que trabalha na umbanda*. Macumba o
tambor, macumbeiro, o tocador.
No terreiro estudado, nunca ouvi algum definir
outra
pessoa
como esprita
ou
umbandista, nem se definir com essas categorias.
Falavam em pessoas que trabalham no santo e s usavam umbanda
O terreiro
23
para definir a religio em termos amplos - as leis da umbanda -
assim como macumba. Sempre se referiam ao trabalho no santo,
esse negcio de santo *, trabal har no santo s no d dinheiro etc.
Assim, umbanda, macumba e espiritismo eram raramente usa
dos e s no sentido de definir uma religio.
Qu
imb anda, o trabalho
para o mal, s era usado para acusar algum, sendo que alguns
po-
diam tambm usar macumbeiro nesse mesmo sentido. A categoria
usada para definir um grupo de mdiuns era o trabalho no santo. Esse
trabalho se realizava nas sesses, trabalhamos a noite inteira , e era
definido como um ofcio. Um dia, um mdium, depois de ter se
machucado numa sesso ao sair do transe, disse-me: So os ossos do
ofcio.
Mdium era aquele que trabalhava no santo e trabalhar no santo
era um ofcio. Santo* era uma das denominaes dadas aos deuses ou
espritos, que tambm eram chamados de guias*, orixs* e entida
des*. Existia uma classificao desses orixs, santos ou guias, da qual
fa
larei adiante. O fato central, no entanto, era que esses orixs atua
vam
na
terra* atravs dos mdiuns. Cada
md
ium era cavalo* de
vrios santos. Ou se ja, atravs da possesso, os mdiuns se transfor
mavam em veculos, cavalos dos orixs, para que estes pudessem vir
fazer caridade na terra .
2
Trabalhar no sa
nto
era a expresso usada para definir o estado de
possesso. Logo, o trabalho no santo expressa o aspecto central dos
rituais de umbanda , a possesso.
Os orixs eram classificados da seguinte forma: Oxal ou Zambi*: o
orix maior. Esse orix no utilizava
nenhum
cavalo, apenas coma n
dava os outros orixs, classificados em linhas*. Essas linhas eram
categorias amplas qu e definiam como cada orix devia trabalhar ou
seja, que tipo de dana fazia, como deveria ser sua representao
corporal, quais as suas cores, dias da semana etc.
As
sete linhas de umbanda eram as seguintes: linha de Iemanj,
linha de Xang*, linha de Oxosse*
ou
de caboclos*, linha de Ogum*,
linha de pretos-velhos, linha de criana* e linha de exu*. Cada linha
com seu che
fe
e seus subordinados era subdividida em sete falanges*,
cada qual tambm com seu chefe e seus subordinados , todos subordi
nados aos chefes de linha. Existe,
por exemplo, na linha de Iemanj
uma falange comandada por Ians* e outra
por
mame Oxum*, duas
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24
Guerra
de
orix
outras entidades femininas. Dentro de cada linha existiam, portanto,
orixs com vrios nomes, classificados dent ro das falanges.
Cada linha era associada a um local, uma cor, um dia da semana e
a determinados tipos de comida. Havia tambm a categoria orix
cruzado*,
que
definia
um
mesmo o rix pertencente a duas linhas. Um
caboclo podia ser cruzado com exu, e ele seria metade exu, metade
caboclo,
um
dos lados sendo caboclo e o outro lado sendo exu.
Ou
ainda,
um
preto-velho poderia ser metade
do
ano preto-velho e a
outra
metade exu.
Essa era a classificao mais utilizada pelo grupo estudado, em
bora houvesse variaes mesmo dentro desse grupo.
3
Alm dessas
linhas de umbanda, o grupo falava nas naes do candombl *.
Existiam sete naes: queto, jeje, nag, angola, omoloc, cambinda e
guin. Diziam que o terreiro era traado quando eram utilizadas as
linhas de umbanda e as naes do candombl. Dependendo da nao,
o ritual seguia uma seqncia diferente, como por exemplo nas ses
ses de domingo.
Foi muito difcil recolher precisamente essa classificao, porque
as pessoas falavam menos nas linh
as
e mais nos seus ori
xs.
No
importava dizer de que linha eram; falavam, por exemplo, meu Xan
g ~
ou
meu preto-velho . Isso indicativo de que para os mdiuns
desse grupo essa classificao ampla tinha
pou
ca importncia para o
ritual
propri
amente dito (Carneiro, 1964).
Cada mdium recebia pelo menos um orix feminino e um o rix
masculino de cada linha. Podia receber mais, no entanto. Um mdium
pod
eria escolher, dentre os orixs que recebia, aqueles com os quais
fos
se trabalhar mais.
Ou
seja, nem sempre recebiam todos os seus
orixs.
No terreiro estudado havia ainda a class ificao das entidades em
duas categorias: os guias que davam consulta- pretos-velhos,exus e
caboclos-
e os guias que no davam consulta- das linhas de Xang,
Ogum, Iemanj e criana. Havia vrios xangs, iemanjs, oguns e
crianas, cada qual de um mdium.Estes ltimos orixs eram associa
dos a santos catlicos. Exus, pretos-velhos, caboclos, iemanjs, xan
gs, oguns e crianas eram os guias que usavam seus cavalos para
trabalhar na terra, no terreiro.
Embora havendo diferenas de classificao dos orixs e diferen
as doutrinrias
4
entre membros do terreiro estudado, o fato de
trabalharem no santo os unia. Por exemplo, os mdiuns do terreiro
O terreiro
25
es tudado faziam distino entre terreiros e centros de mesa*, embora
vissem os mdiuns dos dois tipos como sendo pessoas que trabalha
vam no santo.
O grupo estudado classificava ainda os terreiros em duas catego
rias: terreiro
de
rua* e terreiro
de morro
*. O primeiro para definir
terreiros em casas nos vrios bairros ou subrbios da cidade . O se
gundo, terreiros localizados nas favela
s.
Meu o
bj
eto
de
estudo era
um
terreiro de rua, mas havia vrias
categorias para design-lo. importante discuti-l
as
pois, embora
houve
sse
um sentido que as unia, dependendo da situao eram em
pregadas de maneiras diferentes. Tenda, terreiro, terra ou centro*
eram categorias empregadas para designar a casa onde era realizada a
maior parte dos rituais e, tambm, o grupo sob a chefia de um pai
ou
me-de-sa
nto
. Esse era o sentido que unia
as qu
atro categorias.
Mas existiam diferenas no emprego de uma ou outra dessas
categorias. Em primeiro lugar, centro e terreiro eram os mais usados
pelos mdiuns. Essa diferena pode estar ligada s diferentes prove
ninciasdos membros do grupo. Como a formao dos mdiuns se d
no terreiro e
como
cada terreiro tem diferenas de linguagem, usar
mais um do que outro pode significar uma diferena na socializao
de cada mdium. Mesmo assim, no incio da pesquisa o grupo usava
mais a categoria centro quando falava comigo, embora entre eles
terreiro fosse o termo mais utilizado. No final da pesquisa, ta
mbm
usavam mais este ltimo termo quando se dirigiam a mim. Assim,
parece-me que a categoria centro era mais empregada para falar com
pessoas de fora, com pessoas que no pertenciam ao grupo.
Terra era mais usada quando os orixs falavam, como,
por
exem
plo, uma pomba-gira dizia: Esta minha terra. Era tambm usada
pelo pai-de-santo, no sentido de domnio: Tenho trs terras.
Ou
pelos mdiuns para designar o domnio do pai-de -santo: Ele (pai
de-santo)
nunc
a poderia aceitar
aq
uela terra como dele.
Tenda
nun
ca foi usada , a no ser na
porta
da casa,
em
um pedao
de papel escrito em letra de frma: Tenda Esprita Caboclo Serra
Negra': Nos pontos cantados s eram usados terra ou terreiro.
No decorrer do trabalho usarei se
mpr
e terreiro, pois era a catego
ria mais usada pelos membros
do
grupo quando falavam entre si.
Ou
seja, era uma categoria do grupo para o grupo.
Quero frisar que essas categorias (assim como o sistema de classi
ficao dos orixs) eram empregadas pelos membros do grupo cstu-
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26
Guerra de orix
dado e que, portanto, no so, necessariamente, iguais s de outros
grupos. Alm disso, muitos dos mdiuns eram novos no santo* e no
conheciam bem as leis da umbanda. Porm, meu objetivo era partir
das informaes deste grupo a fim de saber como pensavam e qual o
significado que davam aos itens rituais e prpria doutrina da reli
gio que praticavam. No seria portanto lgico saber se estavam usan
do os termos
ou
se davam os significados corretos': pois a teramos
de nos perguntar: corretos em relao a qu? literatura sobre cultos
afro-brasileiros? Aos livros escritos pelos membros mais cultos des
ses rituais? Se fizssemos isso, estaramos invertendo o trabalho do
antroplogo que deve partir das formulaes do grupo estudado.
Passarei agora anlise da composio do grupo de mdiuns e da
clientela e ao exame da hierarquia existente no terreiro.
O grupo que iniciou o terreiro era composto de 14 mdiuns
(nove mulheres e cinco homens), todos ligados
me-de-santo, Ma
ria Aparecida. Alm desses mdiuns havia ainda duas pessoas que
ajudaram a abrir o terreiro e que estavam sempre presentes. Uma
delas era marido
de
uma mdium e a outra,
uma
senhora amiga de
Mrio, o presidente. Outro amigo de Mrio, um bancrio, ajudava o
terreiro financeiramente, mas nunca comparecia.
Desse grupo inicial de mdiuns, cinco eram vizinhos - mora
vam na mesma rua. Dez haviam pertencidoanteriormente a um mes
mo terreiro, sendo que dois desses faziam parte do grupo de vizinhos.
Tr s
dos vizinhos freqentavam terreiros distintos e apen
as um
no
freqentava terreiro algum. Todos eles, antes de abrirem o terreiro
estudado, consultavam-se com a me-de-santo Maria Aparecida. A
maioria do grupo havia freqentado o mesmo terreiro, alguns h
muitos anos, mas nenhum tinha posio de destaque na hierarquia
desse terreiro de origem, o terreiro da
rua
do Bispo.
Com o afastamento da me-de-santo, quatro pessoas do grupo
original de fundadores saram do te rreiro es tudado e vo ltaram para o
terreiro de origem. Mas com a vinda do novo pai-de-santo, sete novos
mdiun s
entraram
cinco
do
prprio bairro que, indo ao terreiro,
resolveram ficar; um deles
pa
rticipava de um te
rr
eiro vizinho e dois
eram conhecidos de um dos mdiuns do g rupo inicial.
O terreiro passou, portanto, por trs
fases
na composio de seus
mdiun s. A primeira com 14 mdiuns (nove mulheres e cinco ho
mens, sem incluir a me-de -santo ). A segunda com
17
mdiuns
13
O terreiro 27
mulheres e quatro homens). A terceira com 15 mdiuns 12 mulheres
e trs homens). Nestas duas ltimas fases havia ainda o pai-de-santo,
Pedro. No total, desde a inaugurao, 22 mdiuns freqentaram a
Tenda Esprita Caboclo Serra Negra':
Os mdiuns tinham as seguintes ocupaes: estudante universit
rio, datilgrafo , camel, manicura, dobradora de roupa em tinturaria,
vendedor, confeiteiro, boy , enfermeira e e
mpr
egada domstica. A pri
meira me-de-santo vivia apenas
do
dinheiro das consultas dadas nas
casas de pessoas conhecidas. O pai-de-santo era pedreiro em uma
esco
la.
A clientela era composta, na sua maioria, por pessoas modestas
do bairro: empregadas domsticas, donas-de-casa, motoristas de ni
bus, vendedores de loja etc. Havia uma parte bastante numerosa da
clientela formada por familiares e amigos dos mdiuns. O terreiro era
tambm freqentado por pessoas de posio social mais elevada,
como, por exemplo,
uma
dona-de-casa de Copacabana, um portu
gu
s
dono de loja e
um
despachante. Algumas delas chegavam de
carro
para
consultar-se e outras raramente apareciam. A grande
maioria dos clientes era composta de mulher
es.
O grupo cla
ss
ificava a hierarquia que organizava o terreiro em
duas categorias: a hierarquia espiritual* e a hierarquia material*. A
hierarquia espiritual era composta dos seguintes postos pela ordem
de importncia:
Pai ou Me-de-santo: chefe espiritual do terreiro, zelava pela uni
dade* e mediunidade* de seus filhos. O pai-de-santo era responsvel
pelos mdiuns e pela clientela, ensinava as leis da umbanda, coman
dava as sesses e os trabalhos.
Me-pequena: auxiliar do pai-de-santo durante as sesses. Era
responsvel pelo dinheiro recolhido nas consultas e pela compra de
itens rituais, como velas, charutos, cigarros etc.
Samba : auxili
ar
da me-pequena. Ajudava os clientes durante as
consultas, anotando o que os guias prescreviam
ou
traduzindo algu
mas palavras por eles pronunciadas de maneira confusa.
Mdiuns: deviam obedincia aos postos superiores da hierarquia
material e espiritual. Alguns mdiuns eram, s vezes, escolhidos pa ra
tomar conta da assistncia, no permitindo a ent rada de pessoas al
coolizadas e auxiliando no que fosse preciso.
A hierarquia material era composta dos seguintes posto
s:
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8
Guerra de orix
Presidente chefe material
do
terreiro. Zelava pelos problemas que
surgissem na casa, como pagamento de contas, arrumao, consertos
de coisas quebradas etc. Tinha tambm de arrecadar dinheiro para o
pagamento do aluguel, e era o locatrio da casa.
Scios contribuam com
uma
mensalidade e auxiliavam o presi
dente. Todos os mdiuns eram scios e havia uma mensalidade estipu
lada para eles. Mas havia tambm outros scios que no eram mdiuns,
dois deles eram mais prsperos e
por
isso contribuam com mais.
Embora os membros do grupo empregassem sempre essa classi
ficao em termos de hierarquia espiritual e material, havia certa
ambigidade na delimitao das funes de cada um desses postos. O
presidente, por exemplo, tambm zelava pelos mdiuns , verificando
se
chegavam na hora certa, e pela clientela, controlando a relao
en
tr
e homens e mulheres
na
assistncia. Isso, de certa forma, entrava
em choque com as atribuies do pai-de-santo.
Embora em todos os terreiros haja uma hierarquia, existem varia
es entre elas (Lapassade e Luz, 1972). No terreiro estudado no
havia og*, funo preenchida por
um
scio, marido de
uma
das
mdiuns. O novo pai-de-santo reclamava
mu
ito desse scio, pois di
zia que ele no sabia bater*. Algumas vezes era ele que ia at o ataba
que* e passava algum tempo tocando.
Os postos hierrquicos
do
terreiro estudado foram distr ibudos
duas vezes: uma pela primeira me-de-santo, que escolhera Mrio
para presidente, Marina para me-pequena e Carmen para samba, e
outra pelo pai-de-santo que a sucedeu confirmando todos os postos,
com exceo
do
lugar de me-pequena, para o qual escolheu Snia.
O terreiro estudado era filiado
Congregao Esprita Umban
dista do
Brasil-
mbito Nacional. A me-de-san to, Maria Apareci
da, e o pres idente, Mrio, fizeram a inscrio nesta congregao e seus
no
mes figuravam
como
responsveis pelo terreiro
no
certificado
de
funcionamento
que
a congregao concedeu ao terreiro. Tal filiao,
no entanto, no significava que a congregao tivesse algum tipo de
controle sobre o terreiro, que nunc a foivisitado por nenhum membro
dessa ent idade, e os mdiuns no lhe deviam nenhuma obrigao. O
certificado era, a meu ver, necessrio para legitimar o terreiro perante
os rgos policiais.
O velho sobrado onde se lo calizava a Tenda Esprita Caboclo Serra
Negra estava situado no final de
uma
rua importante do bairro do
O terreiro
29
Andara. A iluminao dessa
par
te da rua e
ra
precria e o quarteiro
tinha vrios sobrados ocupados por lojas no primeiro andar. O se
gundo andar de alguns deles era habitado
por
famlias.
noite, com a
rua mal iluminada e apenas algumas luzes acesas nos sobrados vizi
nhos, o terreiro destoava, com o batuque dos tambores e a sala do
gong* muito iluminada.
O primeiro andar do sobrado ond e o terreiro estava instalado no
era ocupado. Subindo-se
por
uma escada estreita chegava-se
sala da
assistncia*, relativamente pequena, com 4m de largura por 4m de
comprimento. As paredes, pintadas de rosa, eram nuas, com apenas
duas reprodues de Jesus Cristo e o certificado da Congregao
pendurados. Quatro bancos de madeira, pintados de branco, ocupa
vam a sala inteira, deixa
ndo
apenas uma passagem de circulao da
cozinha para a sala
do
gong. Entre as duas ltimas fileiras de bancos
havia
um
espao maior para permitir o acesso a
um
pequeno quarto
que ficava em frente
escada.
Quem entrasse na sala da assistncia, pela escada, via
direita
um
a porta que dava para a cozinha e
uma
janela que se abria para
uma
pequena rea e, esquerda, a sala
do
gong. Nessa pequena rea, com
cerca de 3m de largura por 3m de comprim ento, havia a casa de exu*
e a casa das almas*, dois pequenos barraces de madeira cobertos com
folhas de zinco. A casa de exu, dos compadres*, era pintada de verme
lho, tendo lm de largura por l Sm de comprimento e altura. A casa
das almas,
do
povo do cemitrio *, era pintada de branco e ligeira
mente menor que a outra. Na casa de exu havia algumas imagens de
cermica pintadas, como a de
uma
pomba-gira a ciganinha* de
Mrio': de seu Sete Encruza* e de exu Mangueira . Esta ltima estava
colocada na en trada do terreiro, num nicho logo perto da porta, e
depois da vinda
do
novo pai-de-santo foi trazi
da
para a casa de exu.
Essas imagens eram compradas pelos prprios mdiuns e no com o
dinheiro das consultas, como no caso dos outros itens rituais. Na casa
das almas havia uma imagem de Obalua , uma pequena cruz de
madeira branca e sempre uma tigela com pipocas.
A sala da assistncia comunicava-
se
com a sala
do
gong atravs
de dois arcos. A passagem
se
fazia
por um
dos arcos, onde existiam
duas tbuas de madeira, de aproximadamente SOem de altura, presas
de um lado e de outro do arco, permitindo a passagem para a sala do
gong sem atrapalhar a viso da assistncia. O outro arco era tambm
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
15/90
30
Guerra de or i
x
fech
ado
por
dua
s tbuas flxas
que impediam
a passagem, mas
permi
tiam a viso.
A sala
do
gong
tinha
cerca de 7m de
compr
i
mento por
3m
de
largura, estendendo-se
perpendicu
l
armente
sala da assistncia. Seu
teto era coberto p
or
pequenas bandeiras
de
papel colo
rid
o. direita
da
porta, por o
nde
se
entr
ava nesta sala, ficava o gong e
esquerda
havia um
banco
reservado para os convidados importan tes': Na
pa
rede em frente
porta
de en
tr
ada
havia
duas
jane
las vo
lt
adas p
ara
a
rua,
permitindo
a boa iluminao da sal
a.
Debaixo da janela
mai
s
pr
xima
do
gong ficavam dois
ta
mbores,
um
pequeno e o ut ro maior,
e dois bancos para os tocadores. Entre essas duas jan elas havia
uma
porta que se abria para
um
pequeno balco.
Perto
do
go
ng
fic
avam
uns
sete bancos p
equeno
s de madeira
onde os m
diun
s se sentavam para dar consulta. Esses bancos, tocos*,
dis
punham
-se em dois semicrculo s direita e esquerda do gong.
esquerda deste tambm havia um a mesa
mai
s baixa,
construda
de
pois
da vinda
do novo
pai
-de-santo.
Em
c
ima da
m esa, antes das
sesses, acendiam- se as ve las e colocava
m-
se os copos
com
g
ua
para
os anjos
da
guarda*
dos
m
diuns
. Antes da con
struo
da mesa, as
velas eram acesas no parapeito das janelas. Debaixo
da
mesa, coberta
por um pano
, guardava-se o d
in heiro
das consultas e diversos itens
ritu
ai
s:
charutos, velas, pembas* etc.
O go
ng
era um a mesa alta e la
rg
a com l m de altura e com cer
ca
de 1m de comprimento por 60 cm de largura. Era coberta por um
pano
azul-claro
sobr
e o
qual
se colocava o
ut r
o
de
re
nd
a
bra
nca
que
descia at o cho. Acima
de
ssa mesa havia duas prateleiras. Na primei
ra ficavam as
imag
ens de Iemanj, Ians e mam e Oxum. Na segunda,
vasos de flores e a imag
em
do Sagrado Corao de Jesus, de cermica,
com os braos abertos e cados para baixo e com um corao verme
lho
em
alto-relevo.
Em
volta desse Cristo, o
Oxa
l, havia
um
crculo d e
pe
qu
enas lmpadas azui
s.
Em c
im
a
da
mesa, do lado direito, um a
imagem de seu Serra Negra, o caboclo que dava nome
ao
terreiro e, do
lado esquerdo , um a
im
agem de so Jernim o, o Xang. Havia out ras
im
agens e
ntre
es
ta
s
dua
s, co
mo
a de Nossa Se
nhora
Aparecida,
peq
ue
na e de plst ico, a de so Jorge
em
seu cavalo, o
Ogum,
t
ambm
pequena, e
ainda
duas
de
pretos-velhos - Vov Lusa* e o Velho
Caetano da Bahia*. Vov Lusa foi retirada depois, assim como uma
pequena imagem de
um
exu menino*,
preto
e acocorado. Esse exu
menino foi colocado
perto da
casa de exu,
onde
improvisaram
uma
O terreiro 31
pequenina casa com dois tijolos cobert
os
por
um
papelo. O gong
devia s
empre
ter
uma
luz acesa, mesmo du rante a noite , quer de vela,
qu er
lu
zes azuis, para no deixar os
san
tos no escuro': como me
explicaram .
Na cozinha havia uma p
orta
em frente a
um pequeno banheiro
e
o ut ra que dava para a rea
onde
estavam as casas de exu e das almas.
Havia problemas com a gua, pois canos e ralos estavam
sempre
entup
idos.
Com
freqncia, a cozinha e a rea ficav
am
alagadas,
obr
i
gando os
mdiuns a passar muito tempo com
um
a lata e um balde
para retirar a g
ua
e usa
ndo
arames para tentar desentupir os ralos.
Sentia-se sempre
um
cheiro de gordura e
de
podre, pois a caixa de
go rdura ficava debaixo da pia e s vezes, tr ansb
or
dava. Havia na
coz
inh
a
um
fogo,
uma pia
e
um
a mesa o
nde
eram colocados copos,
xcaras, caf e a
c
ar. Debaixo
da
mesa, coberta
por um
plst ico at o
cho, guardavam-se outros
it
ens rituais como incenso, carvo, dend,
restos de ve las e tambm al
guns
manti
me
ntos.
O
quart
i
nho
qu e ficava
em
fren te escada ti
nh
a aproximadamen
te 3m de comprime
nto
por l
S
m de largura. Ne le os m
diun
s troca
vam
de
roupa,
que
penduravam
em pregos
na
parede. Havia
um
t
anq
ue, q ue no era utilizado, e
um
a ca
ma
, sobrando pouco espao
para
as pessoas a
li
circulare m. Nesse quarto dormia o pai-de-sa
nto
,
qu e para l se
mudou
logo depois de ter assumido a chefia do terreiro.
O terreiro foi sen
do mo
dificado dur ante sua curta existncia. O
cho, de incio sem cera, um dia foi raspado e encerado por alguns
mdiuns. Os bancos de madeira foram substitudos por cadeiras,
doa
das
po
r
um
amigo
do
pr
es
idente;
em
n me
ro
maior,
permitiam que
mais pessoas
pudessem
assistir s sesses se
nt
adas. Novas imagens
foram sendo compradas e um a pequena caixa de m ade ira foi pendu
r
ada
numa das paredes
da
sala da assistncia para que nela fosse
depos
it
a
do
o
dinheiro
das cons
ul t
as.
Havia um a gra
nd
e flexibilidade no uso da casa e dos itens rituais.
Quando chovia, a consulta dos exus se fazia dentro da sala do gong e
no perto da casa de exu, como habitualmente. No tendo pemba de
cor bran
ca para riscar
os pont
os *, r iscava-se
com pemba de outra
cor. No havendo nmero suficiente de velas, ace
nd
iam-se
apena
s
uma
ou duas
para
todo
s
os
anjos
da
guarda dos md
iun
s e
no uma
para cada. Algum as vezes no se cobria o gong com o pano
na
hora
dos exus *, como se fazia mais freqentemente. s vezes escalava-se
um
mdi
um para tomar
conta
da
entrada,
outras
vezes no.
No
cn-
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
16/90
:12
uerr de orix
tonto, apesar dessa flexbilidade, notava-
se
a preocupao em marcar,
ritualmente, cada parte
da
casa: separando uma sala da outra, colo
cando os exus do lado de fora e procura ndo seguir sempre um mesmo
padro nas se
q
ncias das sesses. Uma das preocupaes
do
presi
den te e do pai-de-santo referia-se ao fato de que os bancos da assis
n c i deveriam estar
se
parados em dois grupos, um para homens e
ou t
ro para mulheres, a fim de impedir liberdades . Mas quando no
hav ia espao, homens e mulheres mist
ur
avam-se na assistncia.
Os limites do terreiro no terminavam, no entanto, nesse sobra
do. A mata, a cachoeira, a praia, a encruzilhada e o cemitrio eram
seus limites espaciais mximos. O grupo sob a chefia do pai-de-santo
a realizava alguns rituais c omo sacrifcios denominados obrigaes*.
Nesses locais, com exceo das encruzilhadas, eram tambm realiza
dos rituais em que os orixs desciam* em seus cavalos.
5
Cada um
desses lugares era associado a um grupo de orixs: a cachoeira a
mame Oxum, a mata aos caboclos, a pra ia a Iemanj, a encruzilhada
a exu e o cemitrio a Obalua. Durante a vida do terreiro quatro
rituais foram efetuados nesses locais: antes da inaugurao, logo aps,
depois
do
afastam
ento
da
me-de-santo e quando o conflito entre o
pai-de-santo e o presidente se agravou.
Alguns itens ri
tu
ais, depois de usados, no podiam ser lanados
em qualquer lugar, porq
ue, com o me explicaram, pod
er
iam ser utili
zados por pessoas que quisessem fazer trabalhos contra o terreiro. Por
is
so, as pontas de charutos e de cigarros, restos de velas e a gua dos
copos eram jogados na mata. Em ana logia ao es
pa
o sagrado da mata
um vaso de plantas,
na
sala
da
assistncia , era utilizado para depositar
a gua.
No terreiro, pr
opr
iame
nt
e, realizavam-se trs tipos de rituais distin
tos: as consultas , o desenvolvimento* e as sesses de domingo - a
gira
.
No houve nenhum ritual dedicado especialmente a um nico
orix.
As consultas eram realizadas s segundas e sextas-feiras: segundas
para caboclos e pretos-velhos; sextas para exus. As pessoas consul
tavam-se com os guias, no
com
os mdiuns. Nesses dias no se batia
tambor e os mdiuns an tes de comear a consulta iam at o gong,
batiam cabea *, colocando a testa em cima da mesa e batendo
levemente trs vezes, para a esquerda, direita e depois de frente. De
pois disso, concentravam-se*, uns de p em frente ao altar, outros
O terreiro 33
se
ntad
os nos tocos. A concentrao consistia em ficar alguns segun
dos em silncio para logo comear a ent rar em transe. O tempo para
iniciar o transe no era igual para todos - uns demoravam mais,
outros menos. Tambm no ocorria da mesma forma: os que estavam
senta
dos enrijeciam o corpo e comeavam a balan-lo para a frente e
para trs, e os que ficavam em p enrijeciam tambm o corpo, mas
tremiam da cabea aos ps at que o santo incorporasse*. Sentados ou
em p, depois desse
mov
ime
nto
surgia a figura
do
santo, logo reco
nh
ec
ida
por
ter caracterstic
as
bem marcantes. O preto-
vel
ho, por
exemplo, era uma figura encarquilhad
a,
andando com dificuldade e
falando muito atrapalhado. Depois que o santo incorporava, iam
se
n
tar-
se
nos tocos e iniciava-se a consulta.
Os clientes eram encaminhados par a falar com os guias pela me
pequena, que antes recolhia o dinheiro do consulente, uma quantia de
cinco cruzeiros para cada consulta. Os clientes ent ravam na sala do
gong sem sapato
s.
Alguns faziam um cumprimento diante do gong,
curva
nd
o ligeiramente o corpo para baixo e depois dirigiam se ao
guia com
quem desejavam falar. C
umprim
e
nta
vam o guia com o
a
br
ao ritual (encosta-se o ombro direito
no
ombro direito
do
m
dium e depois o esquerdo no esquerdo do mdium). Geralmente o
guia iniciava a consulta perguntando como ia a pessoa e logo depois
se
u nome, quando no era conhecida. O cliente, ento, comeava a
contar o problema que o levara consulta.
Nem todos os mdiuns incorporavam guias que davam consult
a.
Apenas Mrio, o presidente; Pedro, o pai-de-sa
nt
o; Marina, Carmen,
Manuel e d. Jandira. Mais tarde, a irm de Pedro, Josefa, pa
sso
u tam
bm a poder dar consulta com
se
u preto-velho.As tcnicas usad
as
nas
consultas
por
cada um dos guias dessas pessoas variavam.
O pai-de-santo jogava
b
zios ,s vezes incorporado, outras vezes
no. Mrio,
quando
recebia sua pomba-gira, botava cartas e lia a
mo
.
Os guias de Carmen apenas conversavam com os clientes e
costumavam, mais do que os outro
s,
descarregar* as pessoas, ou
se
j
a,
afastar dela os maus fluidos. Costuma-se dizer que a pessoa est car
regada, quer dizer, c
om
problemas causados por feitio, olho grande*
ou pelos orixs e qu e precisam ser descarregada
s.
um ato de puri
fi-
cao que o guia faz, passando a mo pelo corpo do cliente e puxando
suas mos com fora para baixo. Marina costumava mandar os clien
tes guardarem a guimba de seus charutos ou, ento, fum-los, para
abri r
se
us caminhos, isto , para melhorar a vida deles. Manuel rece-
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
17/90
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
18/90
36
Guerra de orix
O desenvolvimento era uma aula,
na
s palavras do pai-de-santo,
que iniciou uma delas dizendo: Hoje dia de desenvolvimento. No
s para desenvolver os guias. uma aula; para vocs saber riscar
um ponto, saber o que um tambor,
uma
ve la e pra que serve. pra
vocs aprender as coisas da lei:
Todos os mdiuns eram obrigados a comparecer nesse dia. O
pai-de-santo iniciava os trabalhos fazendo uma breve preleo, quer
dando uma explicao, quer repreendendo os mdiuns pelos erro s
cometidos na semana: atrasos, problemas de freqncia
ou
falta de
responsabilidade.
Os mdiuns ouviam sentados nos tocos ou em p.
Depois, o pai-de-santo mandava comear a bater e os mdiuns, de
p, formavam dois semicrculos, de um lado e de outro do altar,
homens direita e mu lheres esquerda. Comeavam a cantar os
pontos dos orixs e os dois semicrculos transformavam-se em uma
roda que ia girando, enquanto pouco a pouco os mdiuns entravam
em transe. Iniciava-se, ento, o desenvolvimento dos guias, que con
sistia em fazer com que o mdium fosse controlando e dando forma a
seus guias. O desenvolvimento dos guias era um exerccio que consis
tia em fazer com que o mdium, com os ps
fixos
no
cho, c
ont
rolasse
o transe. Enquanto isso, o pai-de-santo gritava: Firma*, firma .. e
dizia o nome do guia que estava sendo incorporado. O mdium ia
controlando os movimentos do corpo
e,
ento, sem que casse no
cho ou ficasse desequilibrado, ia-se
de
lineando a figura de
um
guia.
Esses exerccios eram feitos com todos os mdiuns, mas especial
mente com os que estavam comeando - novos no santo. Muitas
vezes o pai-de-santo pedia a um mdium j mais desenvolvido, e em
estado de possesso, que ajudasse outro mais novo. O primeiro segu
rava as mos do segundo e gritava o nome do seu g
ui
a em seu ouvido.
Essas sesses demoravam muito tempo e muitas vezes um ou
outro mdium passava mal *, exigindo cuidados especiais do pai
de-santo. Esse fato ocorreu mais vezes no ltimo ms de vida do
terreiro, quando o conflito entre o pai-de-santo e o presidente se
agravou. Passar ma l no era visto como doena. O mdium podia
desmaiar, vomitar etc., mas esses males eram provocados por feitio
(coisa feita*), olho grande ou pelos prprios guias do mdium.
Num desses dias de desenvolvimento, vi
um
guia surgir. A m
dium que estava sendo desenvolvida era uma moa que qua
se
nunca
entrava em transe e c
uj
os movimentos, quando isso acontecia, eram
descoordenados, levando-a muitas vezes a cair no cho. Nesse dia,
O t erreiro
37
enquanto o pai-de-santo ia dizendo Firma': uma figura retorcida ia
surgindo. A cabea meio virada para o lado, uma das mos para trs ,
a outra movimentando-se em forma de garra. Dava uivos e uma
gargalhada estridente, e comeou a falar, ameaando de morte uma
senhora da assistncia.
Es
ta foi at a sala do gong e recebeu tambm
um guia que comeou a falar uma lngua estranha com o guia que a
ameaava. A out ra parecia entender, pois respondia, sempre amea
ando fazer passar * o cavalo. Disseram-me depois que aquela figura
era um exu de duas cabeas* e que a tal senh
ora
- desconhecida da
mdium - tinha-lhe prometido algo que no cumprira. A senhora,
uma negra aparentando 35 anos, tinha
um
terreiro e era a primeira
vez que ia ao Caboclo Serra Negra. Enquanto tal cena
se
passava, os
outros mdiuns pareciam nervosos e agitavam-se de um lado para o
outro. O pai-de-santo
procu
rava acalmar o exu de duas cabeas que
pela primeira vez descia naquela terra. O desenvolvimento parecia
uma aula de preparao de ator para que representasse bem um papel.
Mas essa aula diferia da outra pela violncia simblica da repre
sentao dos atares. No eram papis que um ator de teatro repre
senta com certo distanciamento. Eram figuras, guias, que faziam parte
ou
eram parte do ator em causa, o cavalo.
O terceiro tipo de ritual realizado no terreiro era a sesso de
domingo- a gira. Tais sesses eram ded
ic
adas ao trabal
ho
com todos
os or ixs, permitindo que todos viessem terra.
Ass
im como o desen
volvimento, elas eram de incio quinzenais, passando depois a sema
nais e, no ltimo ms, novamente passaram a ser realizadas quinze
nalmente. Deviam
co
mear s
16
horas,mas sempre comeavam mais
tarde. Essas mudanas foram exigidas pelo pai-de-santo e estavam
ligadas aos fatos que ocorriam no terreiro. No prximo captulo isso
ser explicado.
A primeira sesso
de
domingo do terreiro
fo
i realizada sob a
chefia do novo pai-de-santo. Essas sesses seguiam
um
determinado
encaminhamento qu e se manteve inalterado duran te todo o tempo de
vida do terreiro. Os mdiuns descreviam a sesso, dividindo-a em
duas partes: a primeira chamada de dar firmeza ao terreiro * e a
segunda que se relacionava com a chamada dos orixs *.
Afirmeza do terreiro iniciava-se com o pai-de-santo riscando um
ponto de Ogum debaixo do altar e outros doi s pontos riscados* em
dois cantos da sala da assistncia e da sala do gong. Os pontos ri sca
dos so as insgnias de cada orix (o smbolo de cada o rix, como rnc
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
19/90
l
38
Guerra de orix
disse Mrio). Eram feitos da seguinte forma: traava-se
um
crculo
com giz (a pemba) no cho, dentro do qual desenhavam-se sinais
como cruzes, espadas etc. Em cima de cada ponto riscado eram colo
ca
do
s
um
copo com gua e uma vela. Riscavam-se ainda pontos na
casa das almas e de exu e na
porta
de entrada do terreiro. Enquanto
isso, os mdiuns acendiam suas velas ao lado de um copo com gua
para seus anjos da guarda. Depois, vestidos de branco, ficavam em
forma *,
ou
seja, dispos
to
s em dois
se
micrculo
s,
mulheres do lado
esquerdo e homens do lado direito do gong. O pai-de-santo coloca
va-se de costas em frente a este, e a me-pequena a
se
u lado. O tambor
comeava a tocar sob as ordens do pai-de-santo, que iniciava o pon to
de defumao*. Enquanto isso a me-pequena ia com o defumador*
purificando cada
um
dos mdiuns, o gong, os cantos das salas do
gong e da assistncia (inclusive a porta que dava passagem de uma
sala para a o
ut r
a) a e
ntrad
a
da
escada para a sala da a
ss
istncia, para a
rea, a casa de exu e das almas, a porta que dava entrada para esta rea
e a ent rada do terreiro. Algumas vezes defumava, um por um todos os
assistentes, que deviam ficar de frente para o defumador com os
br
aos abertos e voltados para baixo e depois
dar
-lhe as costas. Algu
mas pessoas, quando de frente, faziam um gesto como se estivessem
lavando as mos na fumaa.
Ca ntava-se depois o ponto da encruza* enquanto a me-pequena
fazia com uma pemba branca uma cruz nas palmas e nas costas das
mos de cada mdium algumas vezes de cada assistent
e.
Entregava
depois a pemba ao pai-de-santo. Este desenhava cruzes nas mos da
me-pequena e nas suas, voltava-se para o altar e fazia uma genufl
e-
xo, marcando ao mesmo tempo
uma cr
uz
no
cho. Isto feito, era
cantado o ponto de abertura
da
gira*, enquanto a me-pequena pega
va uma pemba e retirava um pedao que levava para a casa das almas,
de exu e para a
porta
do terreiro. Em seguida os m
diun
s ajoelhavam
se e com uma das mos
no
cho cantavam
um
ponto de louvor a Jesus
e Virgem Maria e o tambor no tocava. Cantavam um ponto de
abertura dos trabalhos*, salvando* Oxal, e ainda outro para pedir a
so Jorge que firmasse o terreiro.
Passava-se ao pon
to
de bater cabea* e
um
por
um
os mdiuns
d
ei
tavam-
se em
frente ao al
tar
e batiam a cabea
tr
s vezes no cho,
para a direita, para a esquerda e para a frente. Levantavam-se e batiam
mais trs vezes com a testa no gong, deitavam-se novamente (repe-
tindo o gesto
qu
e fizeram diante do a
lt
ar) diante da me-pequena e
O terreiro 39
depois em fren
te
ao pai-de-santo, os quais faziam
um
leve aceno
mandando que se levantassem. Quando todos os mdiuns termina
vam esses gestos, a
m
e-pequena fazia o mesmo. O pai-de-santo no
se deitava em frente ao altar; batia apenas a testa no gong e depois
ajoelhava-se diante dele e beijava o pano que o cobria. Ajoelhava-se
novame
nt
e diante
da
mesa onde ficavam
as
velas para os anjos da
guarda e beijava tambm a toalha que a cobria. Virava-se depois para
os mdiuns
e,
diante de cada um, batia a
mo
trs
ve
zes
no cho em
forma de c
ru
z. Voltava-se, finalmente, para a assistncia e cumpri
mentava-a levantando os braos para cima com as palmas das mos
viradas para a frente.
Iniciava-se
en t
o a seg
un
da parte
da
sesso, com a chamada de
todos os orixs. Os mdiuns formavam um crculo que girava ao
mesmo tempo em que eles danavam, rodando em torno de si mes
mos balanando os braos e batendo palmas. Havia uma ordem de
chamada dos orixs: iniciava-se com os caboclos, seguidos de
Og
um,
exu, Xang, Iemanj, mame Oxum, pretos-velhos e, finalmente,
crianas. Em cada uma das chamadas cantavam-se os pontos dos
guias
de
todos os m diun
s,
que iam,
um
a
um
, e
nt
rando em transe,
receben
do
seus guias. Quando terminavam todos os pontos
do
s cabo
clos, por exemplo, cantava-se o ponto de subida de cada um deles e
pouco a pouco os mdiuns iam saindo do transe. Ass im se dava para
todos os orixs: primeiro a chamada, depois a subida. A me-pequena
ge
ralmente puxava os pontos* e, quando
um
mdium comeava o
transe, batia uma campainha e gritava o nome do guia do mdium,
at que a possesso propriamente dita ocorresse.
A ordem da chamada dos orixs podia variar um pouco; mas
se
mpr
e era in iciada com os caboclos.
s
vezes chamavam-se os exus,
logo depois dos caboclos e depois, ento, os outro
s. Alg
umas vezes
deixav
am
de cha
mar
Xang
ou
Ian
s.
Fazia-se, ento, uma pausa e os
mdiuns iam para a sala da assistncia conversar com os amigos
ou
parent
es
que l estivessem. As mulheres iam para a cozinha e serviam
caf, bolo
ou
sanduch
es
para a assistncia. Essa pausa dura
va
cerca de
20 minutos, quando a sesso era reiniciada.
Na hora da chamada dos exus, geralmente colocava-se
um
pano
sobre as imagens do altar e ningum podia sair do terreiro. A sesso
demorava mais na
ho
ra dos exus e pretos-velhos e n
esse
momento
ficava mais animada':
Na
hora das crianas, os meninos e as meninas
da a
ss
istncia participavam, entrando na sala do gong, recebendo
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
20/90
40
Guerra
de
orix
bala e bolo dos guias. O terreiro ficava cheio de papel de bala e de
pedaos de bolo. Quando chamavam Ogum, um dos mdiuns ia at o
altar e riscava seu ponto.
A sesso terminava com todos os mdiuns batendo cabea, desta
vez
s em frente ao altar. O pai-de-santo, ento, os liberava.
Cada uma das entidades usava determinados objetos rituais: cha
rutos e cigarros de palha para os caboclos; cachimbo e vinho para os
pretos-velhos e
cachaa-
marafo* - para os exus.
As
crianas be
biam guaran e algumas traziam chupetas, bonecas ou outros brin
quedos.
As
bebidas eram servidas no coit* e os mdiuns, incorpora
dos, iam s vezes at a assistncia oferecer sua bebida. Me-pequena e
samba auxiliavam os mdiuns.
Cada entidade tinha uma representao corporal, voz
ou
gritos
especficos. Os exus falavam palavro e as pombas-giras faziam gestos
obscenos, masturbando-se ou chamando os homens. Os pretos-ve
lhos sentavam-se nos tocos ou andavam curvados. Ians e Iemanj
ofereciam bebida em clices para a assistncia. Todos os orixs apre
sentavam suas danas especficas para a assistncia e cumprimenta
vam
-n
a
com
o abrao ritual.
Esta era a ordem de seqncia dos trabalhos, mas
as
sesses de
domingo nunc a se realizavam sem que houvesse incidentes que sero
narrados no prximo captulo.
Houve mudanas na atitude dos mdiuns e na prpr ia vivncia
das sesses du rante o perodo de vida do terreiro. Falarei sobre dois
momentos bem marcante
s.
O primeiro, que vai do afastamento da
me-de-sa
nto
at o incio do conflito entre o pai-de-santo e o presi
dente e o segundo, dai at a ltima sesso de domingo.
Durante o primeiro perodo, os mdiuns realizavam
as
sesses
em ambiente de euforia. Todos chegavam cedo no terreiro e a sesso
estendia-se noite adentro. A me-pequena, quand o tocava a
ca
mpai
nha perto do mdium que iniciava o transe, sorria para
ele.
Os orixs
cumprimentavam a assistncia muitas
vezes,
levantando os braos e
abraando
um
ou outro cliente. Quando abraavam diziam frases
como: Vo u proteg chuc
ou
Chuc formosa':
ou
ainda Chuc
vai bem? Ofereciam bebidas aos clientes e havia maio r movimenta
o dos mdiuns incorporados entrando e saindo da sala do gong.
Havia consulta na hora dos exus, pretos-velhos e caboclos. Esta
hora era ao mesmo tempo tensa e confusa. Os mdiuns possudos iam
para perto da casa de exu e davam consulta. Alguns assistentes logo se
O terreiro 4
encaminhavam seguros, outros iam devagar com uma expresso de
medo e espanto. Principalmente, na hora dos dois primeiros o terrei
ro ficava em rebulio, com pessoas entrando c saindo da sala do
gon
g.
Como tinham de tirar os sapatos para entrar nesta sala, ficava
difcil a passagem com tantos pares de sapatos amontoados perto da
porta. Os exus
fa
lavam alto, dizendo palavres e os clientes apenas
riam, sem
se
importar, pois eram os guias que estavam
fa
lando. Nessa
hora,
s
o tambor tocava e
um
ou outro mdium que ainda no
recebia cantava os pontos
7
. Os clientes levavam presentes para os
guias e estes conversavam longamente com eles sem se preocupar com
o tempo.
O nico mdium que passava mal era a primeira me-pequena e
era sempre ajudada por seus pares. Algumas pessoas da assistncia,
principalmente mulheres, entravam
num
transe desordenado e os
mdiuns iam at el
as
e levavam-nas para a sala do gong, onde o
pai-de-santo
as
ajudava a sair do transe ou a receber o guia. s vezes
aparecia um bbado- era proibida a entrada de pessoas alcoolizadas
no terreiro - e a sesso custava a terminar, pois tinham de fazer
trabalhos para limpar a casa*.
Todos os mdiuns tinham o mesmo papel na sesso, ou seja,
recebiam, danavam e davam consulta. Os pontos para os guias de
cada mdium no seguiam a ordem de importncia na hierarquia,
dependiam da vontade da me-pequena ou
do
pai-de-santo
8
. Este,
mesmo estando incorporado, dirigia a sesso mandando cantar os
pontos, dizendo a hora em que os orixs deviam subir* e resolvendo
os problemas que surgiam. Recebia muitos orixs e gostava de bater o
tambor quando percebia que o ritmo do og improvisado estava
atrapalhando os trabalhos. No intervalo para descanso havia muita
conversa, no s entre os mdiuns como ent re eles e as pessoas da
assistncia.
No segundo perodo, como o presidente exigira que as sesses
terminassem mais cedo, no
se
permitiam mais consultas. Assim, a
participao da assistncia no ritual diminuiu. Os cumprimentos e
oferecimentos das bebidas aos clientes tambm diminuram. O pai
de-santo passou a receber apenas seu preto-velho e houve sesses em
que no recebeu nem este. Os mdiuns tinham mais dificuldade de
entrar em transe e muitos passavam mal, inclusive o pai-de-santo. A
me-pequena no sorria mais para chamar os guias dos mdiuns no
incio do transe e ela mesma no incorporava mais nenhum guia . Os
7/21/2019 Yvone Maggie Guerra Orixa
21/90
42
Guerra de orix
mdiuns comearam a demorar para chegar no ter re iro e muitos
comearam a faltar s sesses.
A di ferena fundamental, no entanto, foi a mudana do papel do
pres idente nas sesses. No era mais um dos o?edecendo s
ordens do pai-de-santo; passou a ficar a sesso mtetra mcorpora
do
,
com sua pomba-gira, para segurar a gira, distinguindo-se,
p o r : a ~ t o
dos outros mdiuns. Essa mudana fic ar mais clara no proximO
capitulo. . ,
Minha prpria participao nesses d01s penados r e u algumas
al
teraes. Na primeira sesso de domin
go, g u ~ s
.mdmns me
guntaram se eu no queria me consultar. N
o
aceitei, pensando par_l
cipar apenas como observadora. Mas isso no durou nem essa sessao.
Quase no fin al
0
pai-de-santo, incorporado com seu preto-velho,
chamou-me para a sala
do
gong . Tirei os