Post on 29-Aug-2020
XXVII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI PORTO ALEGRE – RS
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS II
BARTIRA MACEDO MIRANDA SANTOS
WILSON ANTÔNIO STEINMETZ
CLÁUDIA MANSANI QUEDA DE TOLEDO
Copyright © 2018 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
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D597 Direitos e garantias fundamentais II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UNISINOS Coordenadores: Bartira Macedo Miranda Santos; Wilson Antônio Steinmetz; Cláudia Mansani Queda de Toledo –
Florianópolis: CONPEDI, 2018.
Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-729-8 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: Tecnologia, Comunicação e Inovação no Direito
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Assistência. 3. Isonomia. XXVII Encontro
Nacional do CONPEDI (27 : 2018 : Porto Alegre, Brasil). CDU: 34
Conselho Nacional de Pesquisa Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Pós-Graduação em Direito Florianópolis Porto Alegre – Rio Grande do Sul - Brasil Santa Catarina – Brasil http://unisinos.br/novocampuspoa/
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XXVII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI PORTO ALEGRE – RS
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS II
Apresentação
Os artigos contidos na presente publicação foram apresentados no Grupo de Trabalho
"Direitos Fundamentais II", durante o XXVII Congresso Nacional do Conpedi – Porto
Alegre-RS, sobre o tema geral Tecnologia, Comunicação e Inovação no Direito, nos dias 14,
15 e 16 de novembro de 2018. Neste conjunto de comunicações científicas consolidam-se os
resultados das relevantes pesquisas desenvolvidas em diversos Programas de Pós-graduação
de mestrado e doutorado em Direito, com artigos selecionados por meio de dupla avaliação
cega por pares. São trabalhos advindos de pesquisas nacionais que levaram ao encontro
científico várias controvérsias acadêmicas e desafios relativos às construções teóricas sobre
direitos fundamentais e que contaram com relevantes pesquisas empíricas.
O número de artigos submetidos e aprovados foi de 18 ao todo, dos quais foram apresentados
17, com apenas uma ausência, sendo que dois deles com a participação dos coordenadores do
Grupo de Trabalho. Todos foram permeados de intensos debates, desde o enfrentamento das
dimensões gerais sobre o neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito, ao lado
de outras duas contribuições acerca da fraternidade enquanto princípio. Discutiu-se a
educação e seus atores a partir do conceito constitucional, alcançando-se reflexões a respeito
dos direitos fundamentais ligados à saúde como direito fundamental, em abordagem sobre o
espectro autista e também sobre a reprodução assistida, ao gênero feminino, à
vulnerabilidade do idoso e acrescidos de discussões sobre os desafios relativos à infância e
sua proteção integral, a englobar subtemas como as medidas sócio educativas até as questões
que envolvem a nutrição infantil e a ciberpublicidade.
Foram igualmente objeto de análise temas relativos à liberdade religiosa e aos preconceitos
relacionados às práticas ligadas à religião e à afro-descendência. Por derradeiro, houve
também exposições sobre os conteúdos das perícias médicas como direito fundamental e a
corrupção como um processo corrosivo em relação aos direitos fundamentais.
Os temas dialogados tem amplo espectro e demonstram a importância do encontro científico,
além de enfrentarem problemas teóricos e práticos quanto à integridade dos direitos
fundamentais, de forma que a leitura indicará a preocupação com a proteção efetiva da
dignidade daqueles que integram o Estado Democrático de Direito.
Registre-se por parte desta coordenação os agradecimentos pela participação dos
pesquisadores.
Prof. Dr. Wilson Antônio Steinmetz – UCS
Profa. Dra. Bartira Macedo Miranda Santos – UFG
Profa. Dra. Cláudia Mansani Queda De Toledo - FDSM
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 8.1 do edital do evento.
Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
A IMPORTÂNCIA DE REDE DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE VERSUS A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO
COMO "ULTIMA RATIO".
THE IMPORTANCE OF CHILD AND ADOLESCENT CARE NETWORK VERSUS THE SOCIO-EDUCATIONAL MEASURE OF HOSPITALIZATION AS "ULTIMA
RATIO"
Robson Luis Zinn
Resumo
O objeto do trabalho é a demonstração da importância da intersetorialidade da rede de
atendimento à criança e ao adolescente, como instrumento de política pública preventiva,
visando assim o fomento de políticas públicas em meio aberto e o não ingresso de
adolescentes no sistema de privação de liberdade. Após, foi traçado o perfil do adolescente
que ingressa na FASE/RS. Ao final se propôs a discussão acerca dos mitos da impunidade,
bem como das propostas de redução da maioridade penal e aumento do tempo de internação
como medidas que teoricamente influenciariam diretamente na diminuição do envolvimento
de adolescentes em atos infracionais.
Palavras-chave: Criança, Adolescente, Rede de atendimento, Medida socioeducativa, Internação, Redução da maioridade penal
Abstract/Resumen/Résumé
Ojective of this study is demonstrate the importance of the intersectoriality of the child and
adolescent nets as an instrument of preventive public policy, aiming at the promotion of open
public policies and the non-entry of adolescents into the system of deprivation of liberty .
Afterwards, the profile of the adolescent who entered FASE / RS. At the end, it was proposed
the discussion about the myths of impunity, as well as the proposals reduce the penal age and
increase the length of hospitalization as measures that theoretically would directly influence
the reduction of the involvement of adolescents in infractions.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Child, Adolescent, Nets, Socio-educational measure, Hospitalization, Reduction of the penal age
113
Introdução
A proteção à criança e ao adolescente encontram amparo legal na Constituição Federal de
1988. Em seu artigo 227, a Carta Magna nos traz o que a doutrina denomina de proteção integral.
Ao analisarmos o texto do art. 227 da CF, é possível interpretar que a intenção do
legislador foi de garantir, explicitamente, que o dever de cuidado com a criança e com o
adolescente não cabe apenas ao Estado mas, também, à família e à sociedade, sendo desta forma
um dever de todos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.609 de 1990, surge dois anos após a
promulgação da Carta Magna de 1988, e vem corroborando com a doutrina da proteção integral
prevista no texto constitucional.
Diante de tais marcos legais, inicia-se uma nova cultura, a de observar e priorizar a
atenção a nossas crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e reconhecendo suas condições
de seres em desenvolvimento.
Essa nova sistemática de atuação e co-responsabilidade, exige que exista uma articulação
e integração de instituições e instâncias do poder público e da sociedade na aplicação de
mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do
adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, o que chamamos de Sistema de
Garantia de Direitos (SGD)
1. Sistema de Garantias de Direitos e o trabalho em rede
O Sistema de Garantia de Direitos (SGD) é resultado de uma grande mobilização marcada
pela Constituição de 1988 e pela promulgação do ECA. Ele garante tanto os direitos universais a
todas as crianças e adolescentes como a proteção especial para aqueles que foram ameaçados ou
violados em seus direitos. Este sistema se constitui através da integração de um conjunto de atores,
instrumentos e espaços institucionais formais e informais com papéis e atribuições específicas e
definidas no ECA.
Os parâmetros para a instituição e o fortalecimento do SGD foram preconizados pela
Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
114
Adolescente (CONANDA). De acordo com esta resolução, o SGD é responsável por colocar todas
as crianças e adolescentes a salvo de todas as formas de violações de direitos e garantir a apuração
e reparação dessas1. Neste sentido, o Sistema está estruturado em três eixos estratégicos: promoção,
defesa e controle da efetivação dos direitos. O eixo da promoção dos direitos é formado por órgãos
governamentais e não governamentais que atuam através da formulação e implementação de
políticas públicas voltadas para o atendimento à criança e ao adolescente. Neste eixo, trabalham
os órgãos que executam as políticas públicas nas áreas da educação, saúde, assistência social, entre
outros, bem como os conselhos partidários de deliberação sobre as diretrizes dessas políticas, as
entidades públicas e privadas de prestação de serviços e os Conselhos de Direitos da Criança e do
Adolescente.2
O eixo da defesa, formado pelo Judiciário, Ministério Público, Secretarias de Justiça,
Conselheiros Tutelares e órgãos de defesa da cidadania, visa assegurar o cumprimento e a
exigibilidade dos direitos estabelecidos na legislação, responsabilizando de maneira judicial,
administrativa ou social às famílias, ao poder público e ou à própria sociedade pela violação destes 3.
Por fim, o eixo de controle é composto pelos organismos da sociedade civil representados
nos fóruns de direitos e outras instâncias não-governamentais, assim como os conselhos de direitos
e de políticas setoriais4.
A prática do Sistema é consolidada através de redes de proteção que visam à promoção do
atendimento integral às necessidades da população infanto-juvenil5.
A literatura aponta que, de modo geral, o trabalho em rede envolve uma construção coletiva
através de relacionamentos, negociações, interesses compatíveis, acordos, movimentos de
interação e também de adesão6 . As ações em rede abrangem a recepção e o encaminhamento
propriamente dito dos casos, discussão dos casos por todos os profissionais envolvidos no
atendimento, acesso aos prontuários e processos judiciais, visitas interinstitucionais (acolhimento
residencial ou institucional, fórum, escola, domicilio), debates tematizados, participação em
espaços de discussão política e troca de saberes e experiências7. Deste modo, exercer a articulação
da rede implica agendas em comum, tanto para o desenvolvimento de acordos em relação aos
1 Artigo 2º do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2006). Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006. Brasília, DF: Autor 2 Aquino, 2004; Baptista, 2012. 3 Aquino, 2004; Baptista, 2012 4 Aquino, 2004 5 Aquino, 2004 6 Moreira, Muller, & Da Cruz, 2012 7 Lorencini, Ferrari, & Garcia, 2002
115
desafios e ações, como para o acompanhamento dos casos e avaliações de fluxos8. A importância
do atendimento em rede para o enfrentamento do fenômeno da violência, bem como, para a
efetividade das ações de proteção das crianças e adolescentes é discutida pela literatura9 . A
articulação dos órgãos, instituições e atores que atendem a criança e adolescente em suspeita ou
situação de violação de direitos faz-se necessária, pois ações isoladas e fragmentadas não se
mostram suficientes na prevenção, na responsabilização do agressor e no atendimento da vítima10.
Além disso, podem causar um dano adicional à criança e ao adolescente, acentuando o trauma da
situação de violência11.
O avanço que o ECA representou na promoção dos direitos e na atenção oferecida à
infância e à adolescência. Nesse sentido, saliento que a promoção dos direitos das crianças e dos
adolescentes, em especial dos que vivenciaram uma situação de violência, está atrelada à oferta de
políticas públicas e uma atuação em rede, na qual o funcionamento implica investimento da esfera
pública
As definições de rede de proteção estão na legislação e a literatura12. Para Rizzini, a rede
representa relações e interações estabelecidas que visam às ações ou trabalhos conjuntos. As redes
se organizam através da articulação de atores e organizações que são capazes de compartilhar e de
negociar as responsabilidades para o desenvolvimento de ações conjuntas 13 . Nesta mesma
perspectiva, a rede é um padrão organizacional que visa a uma tomada de decisão, a uma
descentralização e prima pela flexibilidade, autonomia e horizontalidade das relações
estabelecidas entre seus membros14.
Um aspecto importante acerca da concepção de trabalho em rede é o entendimento de que
"é um trabalho gradativo", ou seja, está em constante construção. Esse aspecto está em sintonia
com Oliveira15, pois requer mudanças de práticas. Neste sentido, a constituição de uma rede exige,
na maioria das vezes, um movimento intenso e contínuo para integrar os diferentes atores e
organismos sociais16.
É importante salientar que uma articulação bem sucedida depende dos órgãos e dos
profissionais entenderem e desempenharem as suas funções, interagirem com outros órgãos
8 Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2012 9 Azambuja, 2011; E. T. Faleiros, 2003; Faraj & Siqueira, 2012; Furniss, 1993; Lopes, Silva, Dias, & Arpini, 2012; Rizzini et al., 2007; Sanderson, 2004/2005 10 Ipollito, 2004 11 Furniss, 1993; Sander-son, 2004/2005 12 Aquino, 2004; E. T. Faleiros, 2003; Oliveira et al., 2006; Rizzini et al., 2007 13 E. T. Faleiros (2003) 14 Oliveira et al. (2006) 15 Oliveira et al. (2006) 16 Njaine, Assis, Gomes, & Minayo, 2007
116
através de uma comunicação permanente sobre os casos e atuarem de maneira conjunta na
resolução dos mesmos. O estudo realizado por Moraes17, acerca da rede de proteção voltada para
a criança em situação de violência, apontou duas definições de articulação em rede. Uma
relacionada ao trabalho organizado e a união de todos os órgãos que atuam no atendimento à
criança em situação de violência para elaboração de metas e planos de trabalho e a outra pautada
no compromisso dos órgãos que atendem à criança de desenvolverem ações conjuntas através do
trabalho em equipe.
A falta de comunicação entre os órgãos e serviços da rede de atendimento e de proteção da
criança e do adolescente vem sendo apontada na literatura que versa sobre a temática da violência
contra a criança e o adolescente18. Para que a rede de proteção se estabeleça e suas ações sejam
eficazes, a comunicação tem um papel fundamental. A comunicação representa ações planejadas
e realizadas em conjunto. Além disso, significa o compartilhamento de informações e
responsabilidades tendo como foco principal a proteção e o bem-estar da criança e do
adolescente19.
O estudo de Petersen 20 apontou como dificuldades e limites da atuação em rede, entre
outras, a falta de organização desta para garantir o feedback e estabelecer o processo de referência
e contra-referência, bem como o conhecimento e o entendimento das atribuições de cada
instituição. O estudo realizado por Njaine 21 mostrou outros problemas que prejudicam o trabalho
em rede como: a disparidade de compreensão, divergências políticas, vaidades pessoais, conflitos
de papéis entre as entidades participantes. Além disso, a rotatividade dos profissionais que atuam
nas instituições que atendem crianças e adolescentes e as diferentes formas de trabalho também se
destacaram como fatores que interferem na atuação em rede.
É importante ressaltar os desafios referentes à efetivação da garantia dos direitos da criança
e do adolescente. Apesar de o Brasil ter uma legislação considerada avançada, que estabelece a
proteção à criança e ao adolescente, ainda existe muito a ser realizado para que os direitos sejam
efetivados.22
Na concepção de Lima e Veronese 23, as práticas do modelo menorista representam a maior
dificuldade de efetivação dos novos direitos previstos no ECA. Dessa forma, as crianças e os
17 Moraes, C. A. 2012 18 Faraj & Siqueira, 2012; Pedersen, 2010 19 Moreira et al., 2012 20 Pedersen 2010 21 Njaine et al. (2007) 22 França & Ferreira, 2012; Lima & Veronese, 2012 23 Lima e Veronese (2012)
117
adolescentes são constantemente "afrontados" nos seus direitos, pois a família, Estado e Sociedade
ainda não se adaptaram à nova exigência de uma nova prática e atuação dessa legislação.
Nesta perspectiva, Pedersen e Grossi 24 apontaram que através do apoio do Estado e do
trabalho realizado por diversos profissionais e instituições, a família poderá garantir os direitos e
a proteção da população infanto-juvenil. No entanto, para isso, torna-se necessário que as
necessidades básicas da família sejam satisfeitas (saúde, alimentação, moradia, entre outras). O
atendimento à família ainda é deficiente e a inclusão desta nas ações ainda é um desafio25.
Outro aspecto significativo se refere à punição do agressor da violência, contemplado no
eixo da defesa do SGD. O grande problema de nosso país é a impunidade, pois apesar da legislação
vigente, em grande parte dos casos de violência contra a criança e o adolescente, o agressor ou
abusador fica impune, o que facilita o aumento da violência contra esta população 26 . A
responsabilização dos agressores deve ser visto como um dos eixos do enfrentamento da
violência27.
A efetivação da garantia dos direitos da criança e do adolescente passa pela existência da
rede de proteção, com seus diversos atores atuando na prevenção, responsabilização e atendimento
dos que tiveram seus direitos violados. Salienta-se que, a Constituição Federal e o ECA "não
podem ser vistos como pontos de chegada. Representam, de um lado, o aprendizado do passado e,
de outro, simbolizam a força propulsora de um novo tempo, que apenas lança seus primeiros
alicerces na história do Brasil"28. Dessa forma, para que os direitos das crianças e adolescentes
sejam garantidos, cabe a todos zelar e trabalhar para que a política seja colocada em prática.
2. Quem é o adolescente/jovem que cumpre medida socioeducativa de internação?
A Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande Sul (FASE),
responsável pela execução das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, estas
aplicadas pelo Judiciário aos adolescentes que cometem atos infracionais, apresenta dados de
extrema relevância sobre o aumento da população de adolescentes em cumprimentos de tais
medidas no decorrer últimos anos.
24 Pedersen e Grossi (2011) 25 Njaine et al., 2007 26 M. L. Santos (2003) 27 Branco e Tomanik (2012) e de Dell'Aglio, Moura e Santos (2011) 28 Azambuja, 2011, p. 49
118
A fim de iniciarmos a análise proposta, importante relembrar que a possibilidade de
aplicação da medida de internação vem prevista no Estatuto da Criança do Adolescente - ECA,
em seus artigos 122 e 123.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou
violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida
anteriormente imposta.
§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser
superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido
processo legal
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra
medida adequada. (grifo nosso)
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para
adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida
rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da
infração. "
Diante do texto do artigo 122 do ECA, é possível extrair que intenção do legislador é de
que a medida de internação seja aplicada pelo Poder Judiciário como "última ratio", devendo ser
observado, no caso concreto, se não há outra medida adequada (liberdade assistida ou prestação
de serviço à comunidade).
Cabe destacar a posição do Superior Tribunal de justiça , por meio da Súmula 492, em que
traz o seguinte entendimento quanto ao ato infracional análogo ao tráfico de drogas:
O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz
obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do
adolescente.
119
No entanto, não há como deixamos de trazer recente posição do mesmo Superior Tribunal,
na análise do art. 122 da CF/88, em que decidiu, no ano de 2016, por maioria, da 6° Turma, de que
"não há um número mínimo para se considerar a reiteração delitiva para fins de autorizar a medida
de internação".
O aumento da violência urbana, bem como o grande destaque da mídia nos delitos
cometidos por adolescentes, faz com que a população entenda que os adolescentes estão mais
violentos, que a medida socioeducativa não é punição efetiva. Mas quem é esse adolescente que
cumpre medida de internação na FASE/RS?
2.1 Quem é o adolescente/jovem que cumpre medida socioeducativa de internação?
Vamos analisar os dados da Assessoria de Informação e Gestão da FASE/RS.
Fonte: Assessoria de Informação e Gestão da FASE.
Diante do gráfico podemos perceber que ocorreu um aumento expressivo entre o período
de Janeiro de 2006, em havia uma população de 1007 adolescentes, sendo que, em abril de 2018,
chega a 1300 jovens.
1077
865
1301
jan/
2006 ju
nno
vab
rse
tfe
v jul
dez
mai
out
mar
ago
jan/
2011 ju
nno
vab
rse
t41
306 0 0 0 0 0 0 0 0 0
4282
6 0 0
500
1000
1500
120
Ainda, no relatório de atividades da Fase do ano de 2017, é apresentada a média anual
referindo o período de 2011 – 2015.
Da mesma forma que o gráfico anterior, verifica-se que o aumento da população aumentou
gradativamente.
Informação importante, referida no relatório da FASE, ao analisar o gráfico acima refere-
se ao crescimento da população de adolescentes ocorre em descompasso com estatísticas referente
ao crescimento da população jovem do Estado, desde o início dos anos 2000.29
29 - Relatório de Atividades da FASE – 2017. Pg. 9
121
Acima é apresentada a distribuição dos adolescentes da FASE por Juizado da Infância e
Juventude, ou seja, distribuída entre as 10 regionais do Estado do Rio Grande do Sul, informando
o número de municípios, total da população na regional, número de adolescentes na FASE e
número de adolescentes internados por 100.000 habitantes.
Os dados apresentados acima nos trazem a necessidade de reflexão sobre alguns aspectos.
Para o trabalho ora analisado, consideramos relevantes os seguintes: Porquê houve o aumento da
criminalidade por adolescentes no Estado do Rio Grande do Sul no decorrer dos últimos anos? Os
adolescentes estão mais violentos ou as nossas políticas públicas para a juventude estão
fragilizadas? A segunda, mas não menos importante, a Rede de Atendimento de meio aberto ao
adolescente, mesmo por meio de todo aparato legal que a cerca, consegue efetividade no
atendimento a esse quando aplicada como primeira medida?
2.1.1 Idade
Iniciando pela análise da Faixa etária da população da FASE, no período de maio de 2013 a
maio de 2018, observamos que o aumento mais expressivo ocorre na faixa de 16 a 17 anos. No
entanto, importante frisar que, a faixa etária dos 12 aos 13 anos se manteve linear.
122
Fonte: Assessoria de Informação e Gestão da FASE
2.1.2 Escolaridade
Quanto à escolaridade, o Relatório de Gestão da FASE traz que houve um aumento
significativo no período de 2013 a 2017, do ingresso de adolescente com escolaridade entre a 7° e
a 8° série do Ensino Fundamental. No entanto, os adolescentes apresentam um alto índice de
defasagem escolar. Apenas 12,7% dos jovens estava cursando o nível de ensino.
A população da FASE não está distante da realidade brasileira. Segundo dados
recentemente divulgados pelo do IBGE, no ano de 2016, cerca de 66,3 milhões de pessoas de 25
anos ou mais de idade (ou 51% da população adulta) tinham concluído apenas o ensino
fundamental e menos de 20 milhões (15,3% dessa população) havia concluído o ensino superior30.
30 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html
0
200
400
600
80012-13 14-15 16-17 18-20
123
2.1.3 Ato Infracional
O gráfico demonstra que os principais motivos para o ingresso do adolescente foram o roubo,
que representa (47,7%) e o homicídio (19,8%).
124
Fonte: Assessoria de Informação e Gestão – Relatório de Atividades 201731
2.1.4 Cor/Raça e Sexo
Por fim, sem a obtenção de esgotar o assunto, consideramos importante trazer a análise sobre
a cor/raça dos adolescentes da FASE, divididos, ainda, entre sexo.
Fonte:
Assessoria de Informação e Gestão da FASE - Relatório de Gestão 201732
Observa-se que a maioria da população é branca (58,7%) do total de internos, do sexo
masculino e feminino.
Frente a todos os dados apresentados, realizando um recorte em que são apresentados os
levantamentos de características de adolescentes que cometem atos infracionais no Estado do Rio
Grande do Sul, é possível ter a dimensão de quais são os pontos que devem ser melhor trabalhos
antes de eles chegarem até a FASE.
Assim, se as normas legais, forem encaradas como conteúdos meramente programático não
iremos conseguir garantir que se concretize a intenção do legislador em priorizar e fornecer esse
atendimento prioritário a criança e ao adolescente. Para tanto, são necessárias políticas públicas
efetivas e o acompanhamento da sociedade na cobrança de projetos e resultados. Em uma análise
rápida e de fácil compreensão podemos citar a fragilidade no ensino público e na saúde pública.
31 Relatório de Atividades de 2017 – p.17 32 Relatório de Gestão da FASE
125
Dentro desta análise, torna-se imperioso relembrar que encontram-se em pauta de
discussões várias propostas de mudanças Constitucionais, sendo a principal delas, a redução da
maioridade penal, dos 18 para os 16 anos, a qual viola diretamente os Direitos Fundamentais
garantidos na Constituição Federal de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção à Criança e
ao Adolescente, ratificados pelo Brasil, Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei n. 12594/2012
– SINASE.
Com o objetivo de apresentar uma alternativa a proposta da redução, está sendo colocada
em pauta a possibilidade de aumento do tempo de cumprimento da medida de internação. Segundo
o Deputado, e relator da Projeto de Lei n. 7.197/2002, Aliel Machado (Rede/PR), se a reforma do
ECA for aprovada, a PEC da redução seria deixada de lado33.
O texto do referido Projeto de Lei prevê uma graduação de tempo de internação, segundo
a faixa etária do infrator. Pela proposta, quem tiver entre 12 e 14 anos incompletos poderá ficar
internado até três anos. O limite aumenta para cinco anos, no caso de infração cometida por
adolescente entre 14 anos e 16 anos incompletos. E dez anos de internação a quem estiver até 17
e 18 anos.
O Projeto de Lei n. 7.197/2002 não possui nenhuma base teórica justificável. Apresentado
como “para evitar um mal maior”, é tão danoso quanto a redução da maioridade penal. O impacto
nos custos públicos dos Estados em caso da aprovação e da implementação deste Projeto de Lei é
absurdo. A falta de planejamento e/ou estudos mais aprofundados sobre o aumento de orçamento
para construção de novas unidades, contratação de pessoal, aquisição de material de higiene,
limpeza, etc, mostra a fragilidade e o perigo de tal proposta.
O sistema socioeducativo, em nível nacional, vem sofrendo um processo de
superencarceramento com a falta de vagas nas unidades de internação. Segundo a Nota Técnica
do Ministério dos Direitos Humanos – MDH34 o déficit de vagas reprimidas no Brasil é de 4.061
(quatro mil e sessenta e uma) para a medida de internação, ou 51 (cinquenta e uma) Unidades de
internação. Só para equalizar as vagas, seria necessário gastar aproximadamente R$ 1 bilhão de
reais em construção de novas Unidades. Ou seja, aumentaremos os gastos orçamentários, em um
momento em que se cortam gastos com a saúde, educação e assistência social.
33. FORMENTINI, Lígia. Parecer da Câmara propõe internação de até 10 anos para jovem infrator. O Estado de S. Paulo. Visto em 01/11/2017. http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,parecer-da-camara-propoe-internacao-de-ate-10-anos-para-jovem-infrator,70002068199 34 Nota Técnica n.18/2017/CGSINASE/DPTDCA/SNPDCA. Avaliação sobre cenários das proposições do aumento do tempo da internação. Mistério dos Direitos Humanos. Brasília:2017. SEI nº 5126718, Referência: Processo nº 08000.58199/2017-23, 12 páginas.
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O aumento de tempo de cumprimento de medida colocará os adolescentes e /ou jovens na
mesma condição em que hoje se encontra o sistema penal adulto: em unidades superlotadas, sem
condições de higiene ou qualquer tipo de dignidade, dominadas pelas facções. Queremos
retroceder? Modificar um sistema que tem em média 30% de reincidência, e transformá-lo em um
com 70% de reincidência?
Além disso, onde está a socioeducação neste Projeto? A funcionalidade do sistema
socioeducativo?
Esta política pública apresenta uma velha, e conhecida, fórmula que sabemos que não
funciona: o encarceramento. Somos a 3ª maior população carcerária do mundo, e mesmo assim
não diminuímos a violência na nossa sociedade.
A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo
Direito Brasileiro às crianças e aos adolescentes. Tal doutrina exige que os direitos humanos da
criança e do adolescente sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando a
operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa35.
A incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais
quando o autor tratar-se de um adolescente impõe a aplicação de medidas socioeducativas e não
das penas criminais. Isto relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve
alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento na
qual se encontra o adolescente.
As medidas socioeducativas têm como objetivo principal demonstrar o desvalor da conduta
do adolescente, possibilitando-lhe a reavaliação de seu comportamento, promovendo o contato
com novos horizontes culturais e educacionais. Por isso, a finalidade da medida socioeducativa
não é, somente, punir, mas ressocializar. Dessa forma, deve ser um instrumento pedagógico que
ajuste a conduta do adolescente em conflito com a lei à convivência pacífica na sociedade, com o
intuito de prevenção especial, voltada para o futuro e não vinculada à conduta pretérita do jovem,
que necessita ser superada.
Neste sentido, não podemos confundir inimputabilidade, com impunidade que induzem
em erro a opinião pública36. Adolescentes autores de atos infracionais respondem por seus atos,
sendo responsabilizados, dentro do devido processo legal, sob princípios extraídos do direito penal,
do garantismo jurídico, da ordem constitucional. O ECA impõe sim sanções aos adolescentes
35 SARAIVA, João Batista da Costa. Compêndio de direito penal juvenil adolescente e ato infracional. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2010, p. 70. 36 AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. “O mito da inimputabilidade penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente”. In: Revista da Esmesc, v. 5, n. 6, p. 199-208, 1999, p. 202.
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autores de ato infracional, e a aplicação destas sanções, podem interferir, limitar e até suprimir
temporariamente a liberdade destes.
O relator Projeto de Lei n. 7.197/2002, deputado Aliel Machado defende um equilíbrio
entre a não alteração do ECA e a redução da maioridade penal:
Vivemos um tempo de turbulência no Brasil, onde as paixões estão
afloradas, e as pessoas vão para os extremos. E um tema muito sério, nos
estamos tratando da vida do adolescente, mas também da vida do cidadão,
do trabalhador, e tudo isso também tem de ser levado em consideração.37
Ao contrário do que se tem falado na mídia, esses jovens não são os que mais matam, mas
os que mais morrem. O Mapa da Violência de 201138 mostra que houve um aumento considerável
de homicídios na faixa etária entre 15 e 24 anos, sendo este percentual o responsável pelo
crescimento do índice de homicídio da população brasileira.
A Nota Técnica n. 20/201539, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, a
justiça penal juvenil tende a aplicar sanções de forma mais dura que o sistema penal adulto. Do
total de 23,1 mil adolescentes privados de liberdade no Brasil em 2013, 64% (15,2 mil) cumpriam
medida de internação; 23, 5% (5,5mil) cumpriam medida de internação provisória; 9,6% (2,3 mil)
cumpriam em semiliberdade e apenas 2,8% (659) cumpriam em liberdade. Nessa mesma linha,
um levantamento feito pelo Sistema Nacional Socioeducativo – SNS em 201440, apontou que 9%
dos atos infracionais registrados em análogos ao crime de homicídio, e 2,13% ao de latrocínio.
Será que o problema da violência são realmente os adolescentes?
Outra questão que se destaca é a seletividade do sistema socioeducativo. De acordo com
a pesquisa do SNS em 2014, o perfil dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de
internação: 95% são do sexo masculino, mais da metade negra, 60% tem entre 16 e 18 anos, e 66%
vivem em famílias consideradas extremamente pobres. Além disso, a pesquisa traz que o Poder
Judiciário determina, com frequência, a medida de internação em oposição aos princípios da
37 Conselhos de direitos humanos criticam o aumento do tempo de internação de adolescentes infratores. www.2.camara.leg.br 38 WAISELFISZ, Julio Jacob. Mapa da Violência 2011 – Os jovens do Brasil; Brasília: SEPPIR/PR, 2012. 39 Nota Técnica n.20/2015: O adolescente em conflito com a Lei e o debate sobre a redução da maioridade penal; esclarecimentos necessários. IPEA, 2015. 40 Brasil. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos (SDH). LEVANTAMENTO ANUAL SINASE 2013. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2015.
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brevidade e excepcionalidade. Ou seja, o aumento do tempo de internação incidiria de forma
absolutamente desproporcional sobre jovens negros e pobres.
As questões que estão sendo debatidas sobre o sistema penal juvenil e suas mudanças: a
redução da maioridade penal e o aumento do tempo de medida de internação são feitas sem
nenhum embasamento teórico ou estatístico que possam justificá-las. As pessoas se posicionam
sem nenhum dado relevante ou científico.
Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na adolescência se
desenvolvem a partir de situações anteriores de violência e negligência social. Essas situações
soam muitas vezes agravadas pela ausência de apoio as famílias e pela falta de acesso aos
benefícios das politicas públicas de educação, trabalho, emprego, saúde, habitação, assistência
social, lazer, cultura, cidadania e acesso à justiça que, potencialmente, deveriam estar disponíveis
a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo da vida.
O Estatuto e a nova Lei 12.594/2012 (SINASE) prevêem soluções adequadas e efetivas à
questão da delinquência juvenil, o que nos tem faltado é a efetivação dessas propostas,
seguramente por ausência de decisão política, mas não apenas por isso, também pela descaso da
sociedade, que parece indiferente ao destino de nossas crianças e jovens, que deveriam ser
prioridade absoluta.
Se as infrações cometidas por adolescente/ jovens adultos forem tratadas exclusivamente
como uma questão de segurança pública, e não como um indicador de restrição de acesso a direitos
fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com
graves consequências no presente e no futuro.
Diante de todos os argumentos enfrentados acima, fica evidente a importância do papel da
Rede de Atendimento ao adolescente, e o quanto a efetividade desse trabalho pode evitar o ingresso
do jovem no cometimento de infracionais. O Estado, deve garantir por meio de políticas públicas
efetivas, a garantia de atendimento às necessidades básicas desses jovens, de forma que o ingresso
ao mundo do crime não se torne o meio mais fácil e prático para que ele se sinta
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Criança e do Adolescente”. In: Revista da Esmesc, v. 5, n. 6, p. 199-208, 1999, p. 202.
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