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XVI CONGRESSO INTERNACIONAL FOMERCO INTEGRAÇÃO REGIONAL EM TEMPOS DE CRISE: DESAFIOS POLÍTICOS E DILEMAS TEÓRICOS
27 a 29 de setembro de 2017
Geoestratégia e Cooperação: a trajetória da Integração Nuclear na América Latina.
Ana Emília Ataíde*
Resumo
Este artigo pretende abarcar a trajetória da integração nuclear na América Latina, enfatizando as estratégias realizadas pela diplomacia militar do Brasil e da Argentina, com a finalidade de estabelecer uma política de cooperação em detrimento da política de rivalidade que antevia suas relações; desenvolver o setor nuclear de ambos estados; e, sobretudo, garantir a segurança na região, através da criação de uma agência binacional de salvaguardas. Não obstante, quer retratar as relações entre os governos brasileiros e os argentinos desde a segunda metade do século XX até os dias atuais, destacando três momentos históricos: a transição da política externa competitiva para uma política de cooperação de não-proliferação nuclear; a formação da ABACC (Agência Binacional de Controle de Materiais Nucleares), representando o resultado da cooperação bilateral e, da geoestratégica das diplomacias militares de estados latino-americanos; e, por fim, a consolidação do Acordo Quatripartite, com a entrada da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), enquanto novo ator internacional, responsável por fiscalizar e aplicar as salvaguardas no sistema internacional. A integração nuclear na América Latina, desse modo, se deu a partir de um longo processo histórico de construção de alianças, através de uma relação pautada na confiança e no interesse mútuo, todavia, por meio da geoestratégica da diplomacia militar e das trocas de informações entre os cientistas, estabelecendo relações de cooperação para o desenvolvimento nuclear e integração regional. Nesse sentido, este artigo busca aclarar a trajetória da integração nuclear na América Latina sob a luz da Geoestratégia, e mesmo se ancorando nas teorias da Geopolítica, para refletir as concepções que corroboraram na parceria estratégica Brasil-Argentina. Conforme a definição adotada pelo Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), de Portugal, enquanto a Geopolítica se ocupa da “dinâmica do poder”, ao projetar o conhecimento geográfico para tomada de decisão política, a Geoestratégia objetiva entender a construção de modelos estratégicos e avaliar as “formas de coação”, projetando o conhecimento geográfico na atividade estratégica. A transição das relações entre Brasil e Argentina, de estados antagônicos para parceiros, conduzindo a cooperação entre os maiores estados latino-americanos, em termos territoriais e populacionais, revela a concepção geoestratégica aplicada pela diplomacia militar da região. Para tanto, serão analisados os documentos, artigos, periódicos, jornais e outras fontes científicas / oficiais que sirvam para elucidar o tema proposto e retratar historicamente a trajetória da integração nuclear na América Latina, bem como, refletir o processo de transição da concepção política de rivalidade para a de cooperação, com base no arcabouço teórico da Geoestratégia em interface com a Geopolítica. Palavras-chave: Geoestratégia; Segurança; Integração regional. *Formada em Sociologia pela FFCH/UFBA; mestranda em Relações Internacionais IHAC/PPGRI/UFBA.
Geoestratégia e Cooperação: a trajetória da Integração Nuclear
na América Latina.
Introdução O Brasil tem fascinado o mundo em suas estratégias para inovação nacional da tecnologia
nuclear, bem como, em sua geoestratégia, através da integração regional para criação de
uma agência binacional de salvaguardas (a ABACC), contribuindo assim para alavancar o
setor nuclear na América Latina. Todavia, a política de cooperação nem sempre foi
norteadora na arquitetura da política externa entre os estados latino-americanos. A política
de rivalidade, embora fosse predominante em um contexto que antecedia a Era Nuclear,
com o advento da bomba atômica, e a corrida armamentista entre as potências mundiais,
criou-se um ambiente propicio e relevante para a construção de uma política externa sob o
pilar da cooperação. Portanto, a construção de uma aliança entre os maiores estados latino-
americanos, cujo status quo situava-os como sendo periféricos dentro de uma Ordem
Nuclear Global, ameaçados pela supremacia do poder bélico, levou a diplomacia militar e
científica, da Argentina e Brasil, para a consolidação de uma parceria estratégica, na qual a
proposta no primeiro momento se ateve ao desenvolvimento do setor nuclear na região, sob
as salvaguardas da ABACC (Saraiva, 2012).
Segundo Togzhan Kassenova (2014), o Brasil é o único país no mundo sem armas
nucleares que vem trabalhando em um poderoso Submarino Nuclear. Desse modo, para a
autora, o Brasil tem demonstrado grande capacidade para engajar todos os estágios do ciclo
de combustível nuclear, além de se encontrar como membro de um seleto clube de países,
exclusivos com vantagem industrial nuclear: o Grupo de Fornecedores Nucleares (NSG-
Nuclear Suppliers Group)1. Na América Latina, o Brasil, dentre os três, incluindo Argentina e
México, representam os únicos países a instalarem usinas para geração da energia nuclear.
A autora explica que do ponto de vista do cenário internacional, vários fatores tornam o
Brasil um importante jogador na ordem global nuclear. Juntamente com seus vizinhos
Latino-americanos e Caribe, estabeleceram uma zona livre de armas nucleares sob as
disposições do Tratado de Tlatelolco.
1 Grupo de Fornecedores Nucleares (GFN; sigla em inglês: Nuclear Suppliers Group - NSG) é um organismo
multinacional, fundado em 1974, com o objetivo de reduzir a proliferação nuclear no mundo, controlando a exportação e a transferência de materiais e tecnologias que podem ser aplicadas no desenvolvimento de armas nucleares e melhorando a proteção dos armamentos existentes. Desde 2009, o Brasil, a Argentina e o México passaram a compor este seleto grupo, que se encontra, desde então, com 47 membros.
Como explica Mônica Herz e Vitor Lage (2013), a estratégia brasileira para o
desenvolvimento nuclear concatenou a politica doméstica com a política externa. Segundo
Herz e Lage (2013), esse eixo norteador da política brasileira, desde 1930, foi sendo tratado
pela diplomacia nacional, e a partir dos anos 60, ganhou notoriedade devido à intensificação
das pesquisas revelando uma ligação entre a nuclearização e o desenvolvimento
tecnológico. Todavia, embora tenha sido afirmado, no ano de 1998, o TNP – Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares, a questão do desarmamento vem sendo considerado pela
diplomacia brasileira como algo ainda em debate, e “salientam o direito universal ao acesso
à energia e à tecnologia nuclear, e a necessidade futura de completa desnuclearização
mundial” (Herz & Lage, 2013, p. 2).
Junto com a Argentina, o Brasil desenvolveu um mecanismo de salvaguardas bilateral
implementado pela Agencia Brasileira-Argentina para Contabilidade e Controle dos Materiais
Nucleares (ABACC). Kassenova (2014) enfatiza que apesar da parceria estratégica, o Brasil
ainda se opunha a assinatura do Protocolo Adicional da AIEA, para melhorar a salvaguarda
nuclear, no qual criou tensões na relação do Brasil com o regime global de não-proliferação.
No domínio da diplomacia multilateral, o país promoveu ativamente a política para o
desarmamento global nuclear. Para a autora, o Brasil pretendia com isso influir sob a ordem
nuclear global, e com esta postura, tem se tornado um importante ator no cenário
internacional. Como resultado da sua inserção internacional, temos a trilateral Declaração de
Teerã, envolvendo Brasil, Turquia e Iran, assinada em 2010, junto com Ankara, Brasília e
Teerã, que teve por objetivo romper com o acordo nuclear entre Iran e o Ocidente.
A INTEGRAÇÃO NUCLEAR EM UM CONTEXTO LATINO-AMERICANO
O Brasil, desde o princípio, havia elaborado uma política nuclear com o objetivo de utilizar a
energia atômica de forma pacífica, visando somente o desenvolvimento científico, com fins a
atender os setores medicinal, industrial e militar (Patti, 2013). No momento de sua inserção
no comércio internacional, enquanto fornecedor de matéria prima para os Estados Unidos,
na Segunda Guerra Mundial (de 1943 a 1950), o Brasil estabelecera um acordo bilateral sob
o principio das “compensações específicas”, no qual se formou uma comissão responsável
pela transferência de equipamentos e materiais, sob a contrapartida de os EUA transferirem
a tecnologia útil para o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil, desde que se fosse de
forma pacífica, controlando a produção e transferência do material nuclear especial.
Com isto, os EUA contribuíram para elaboração do primeiro projeto nuclear nacional, cuja
proposta inicialmente seria a de controlar todo o processo de produção da energia nuclear,
desde a exploração do urânio in loco até a produção final do combustível nuclear. Com esta
finalidade, após a iniciativa do Conselho de Segurança Nacional, foi fundado o CNPq –
Conselho Nacional de Pesquisa, aprovado por sua vez pela Comissão de Energia Atômica
da ONU, em Nova Iorque, no ano de 1947. De certo modo, dava-se um passo rumo à
produção cientifica nuclear no Brasil, que daria suporte aos novos projetos de
desenvolvimento nacional e regional.
Durante a década de 80, o Brasil veio construindo com a Argentina um modelo regional de
não-proliferação que culminou na criação da ABACC, no ano de 1991. Segundo Herz e Lage
(2012), essa relação bilateral serviu e ainda serve mundialmente como exemplo para a
política de não proliferação de armar nucleares, dando seguimento somente ao processo de
desenvolvimento tecnológico e uso da energia nuclear com fins pacíficos. Na primeira
década do século XXI, essa relação se intensificou entre os governos de Lula e Cristina
Kirchner, na qual reverberou na formação da Comissão Binacional de Energia Nuclear no
ano de 2008. Posteriormente, no governo Dilma, se endossou o compromisso com o acordo,
firmado em 2011, que pretendia aprofundar a política de cooperação Brasil-Argentina,
propondo que cada país construísse seu próprio reator multipropósito de enriquecimento de
urânio, por meio de projetos comuns. Para Herz e Lage (2012), a ABACC será vista como
uma alternativa ao Protocolo Adicional do TNP, bem como, para Grupo de Supridores
Nucleares, e criará um ambiente propício para o avanço do projeto de construção do
submarino de propulsão nuclear, pela marinha brasileira.
O reator que será construído no país, no Centro Experimental de Aramar, na cidade de
Iperó-SP, sob a responsabilidade da CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear, será
fundamental para construção do submarino de propulsão nuclear (PROSUB) que tem
previsão para ser concluído em 2023. O Projeto vem sendo discutido desde a década de 70
pela política nacional, e somente foi retomado no governo Lula e Dilma, sobretudo, após a
criação da Amazônia Azul, no qual a Marinha prescinde de tecnologias para assegurar a
defesa marítima e implementar o Programa Nuclear Brasileiro (Herz e Lage, 2012). No
entanto, como enfatiza Herz e Lage (2013), é preciso nacionalizar o desenvolvimento da
construção em escala industrial do combustível nuclear e da tecnologia da construção de
reatores, além de viabilizar o uso de produtos e equipamentos pela medicina. Os autores
destacam ainda a intenção de nacionalizar as etapas de desenvolvimento em escala
industrial do ciclo de combustível nuclear (gaseificação e enriquecimento de urânio) e da
tecnologia de construção de reatores; bem como, a aceleração das pesquisas de lavras e
jazidas; a construção de termelétricas nucleares de domínio nacional, sujeitas a controle
rigoroso para segurança e proteção ambiental, em substituição gradual das alternativas não-
renováveis por renováveis; e, a ampliação do uso crescente de energia nuclear em outras
atividades.
Como explica Kassenova (2014), a ordem nuclear global representa, para o Brasil, um
microcosmo da ordem global mais ampla. Nesse sentido, a interação do Brasil com a ordem
nuclear segue o mesmo padrão como suas interações com outras estruturas de governança
global no sistema internacional. Conforme a tese de Eduardo Munhoz Svartman (2014),
devido a pouca capacidade do Brasil, em suas capacidades militares para coordenar sua
integração sub-regional, novas mudanças são verificadas no panorama estratégico regional.
De toda maneira, não diferente dos outros estados periféricos, o Brasil almeja sua aceitação
no clube exclusivo como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações
Unidas (UN), alegando que este regime internacional coloca sobre os países que não
possuem armas nucleares, uma pressão indevida, se tratando, portanto, esta uma questão
de justiça nuclear.
Segundo Herz e Lage (2013), o governo brasileiro no século XXI vem seguindo com o
mesmo compromisso de usar de forma pacífica a energia nuclear, contudo, vem buscando
também avançar nas pesquisas para beneficio da tecnologia nuclear, de modo a tornar
versátil sua matriz energética, transcendendo a divisão entre a agenda de Desenvolvimento
e a de Defesa. Dentre outras iniciativas, está bem expresso na Estratégia de Defesa
Nacional (2008: 12), do Ministério da Defesa (2012), o aprimoramento do projeto do
Submarino de Propulsão Nuclear, no qual visa tornar o país independente em matéria de
tecnologia nuclear. O Brasil tem articulado como mediador para que os Estados cumpram o
TNP, sobretudo, para alavancar seu protagonismo internacional e não chocar interesses
com a AIEA que vem pressionando o governo para aderir ao Protocolo Adicional, que
restringe a defesa nacional sobre direitos intelectuais de tecnologias nucleares.
Conforme o Programa de Estratégias de Defesa Nacional (de 2008 a 2012), as exigências
impostas pelo Protocolo prejudica o interesse nacional sobre a proteção comercial de
tecnologias nucleares, o que acaba por intervir em sua soberania, autonomia e
desenvolvimento. A diplomacia brasileira junto a outros sete países (Egito, Irlanda, México,
Nova Zelândia, África do Sul, Suécia e Eslovênia) se uniram para formação da Coalizão da
Nova Agenda, cuja preocupação maior girou em torno de países com capacidade nuclear
estarem fora do TNP (Israel, Índia e Paquistão). O chanceler Celso Amorim foi o principal
articulador dessa coalizão, e esse esforço reuniu treze eixos norteadores para o
desarmamento nuclear, visando reforçar o compromisso dos Estados com o tratado. Ainda,
para além dessa iniciativa, outras atuações por parte da política externa demonstrou no
caráter da diplomacia brasileira, a base construída em torno de três pilares: da não-
proliferação, do desarmamento e de direito ao uso pacífico da tecnologia nuclear.
Na Declaração de Teerã, o Brasil se posicionou a favor da Turquia e do Irã, através do
acordo tripartite, assinado em 2010, que apesar de ser aclamado pela AIEA, obteve certa
rechaça dos EUA, que continuaram pressionando o Conselho de Segurança da ONU para
aplicar sanções contra o Irã. Segundo Herz e Lage (2013), o chanceler Antônio Patriota, do
governo Dilma, em 2011, diferentemente do posicionamento do chanceler Celso Amorim,
governo Lula, votou a favor do monitoramento da situação do Irã, pelo Conselho de Direitos
Humanos da ONU, e apelou no ano seguinte, em 2012, por uma não intervenção militar nas
instalações do Irã.
Em suma, a parceria estratégica firmada pela diplomacia brasileira e argentina reforçou a
nuclearização na região, e apesar das pressões internacionais para haver a adesão ao
Protocolo Adicional, a ABACC demonstrou ser o resultado de uma política externa pautada
na confiança e na cooperação, quando os estados detentores dos maiores territórios na
região assinaram o Acordo de Guadalajara, e estabeleceram o uso exclusivamente pacífico
da energia nuclear entre Brasil e Argentina. Porque para estes estados se pressupõe que
nenhum outro estado possa intervir nas questões domésticas do outro, porém, as
Organizações Internacionais pretendem ser supranacionais e os Estados mais fracos
acabam cedendo parte de sua soberania nacional (e do DPI – Direito de Propriedade
Intelectual) em prol da manutenção da “paz” e de uma zona pacífica. Portanto, o Brasil vem
demonstrando através da sua ‘concepção geoestratégica’, que acredita ser desnecessário o
uso “da força militar para garantir o respeito às normas internacionais” (Herz e Lage, 2013) e
a manter a região pacífica.
De qual concepção Geoestratégica estamos falando? O conceito de geoestratégia vem sendo refletido, ao longo do século XX, por muitos
estudiosos da geopolítica. Confundido e cunhado com termos análogos, tais como,
“estratégia total”, “parceria estratégica” e a “grande estratégia”, todos carregam em si o
mesmo significado: da ciência que enfatiza o estudo da estratégia, para além dos domínios
da tática e da lógica. Para tanto, compreender as diferenças e as similitudes entre os
conceitos acima citados, nos permite afirmar que houve por parte da política externa
brasileira e argentina, a concepção geoestratégica como base para alavancar o
desenvolvimento do setor nuclear na região e a elaboração de um plano estratégico de
defesa para a América Latina.
Em seu livro “Introdução à Estratégia”, André Beaufre (1998), vai considerar a filosofia e a
estratégia como sendo de grande importância para analisar os problemas de defesa, sem as
quais, a compreensão das manobras tornaria incoerente a análise quando se procura por
soluções mais eficazes. Nesta concepção que trata da estratégia no espaço, torna a
geografia um instrumento importante dentro de um plano estratégico. Segundo Beaufre
(1998:20), a “estratégia” é um “método do pensamento” que possibilita “escolher
procedimentos mais eficazes” a partir de uma “classificação sistemática e hierárquica dos
acontecimentos”, derivada de um “conjunto de conhecimentos acumulados com base nos
domínios da política, da economia, da diplomacia e dos militares”. Partindo dessa ótica, o
conhecimento acumulado com bases nesses domínios, tornou propícia a formulação da
“estratégia total”, ou seja, da compreensão da estratégia para além de um domínio empírico,
de “caráter esotérico e especializado”, até então, restrito apenas aos militares de alta
patente. Assim, como Raymond Aron cunhou no termo “Praxeologia”, Beaufre (1998) dá
ênfase à estratégia enquanto elemento imprescindível da “ciência da razão”, na qual nos
permite uma tomada de decisão mais consciente (racionalizada), calculada para alcançar
uma política bem definida (conduta para a ação lógica).
Embora a estratégia estivesse condenada em 1915, e relegada a “ciência e arte do
comandante-chefe”, o uso empírico dos estrategistas para se fazer guerra, geraria consigo
resultados ineficazes, trazendo uma série de estados fracassados e a não resolução dos
conflitos de paz e de guerra. Beaufre (1998:26), então, denota nas estratégias adotadas
pelos estados, no período das grandes guerras, a “supremacia do material sobre o
ideacional”, principalmente sob a influência dos EUA, que com o advento da bomba atômica
trouxe uma demonstração da “falta de compreensão dos estrategistas sobre os fenômenos
relativos à guerra”. Com a supremacia material, a existência de uma Ordem Nuclear Global
impondo de forma coercitiva aqueles países autorizados para produzir armas nucleares,
inibe qualquer tentativa de construção de um sistema internacional pautado na política de
cooperação e manutenção da paz. Nesse sentido, as teorias da estratégia precisam deixar
para trás a simbiose entre estratégia e forças militares, associada ao “conjunto da arte
militar” (arte da tática, da logística e da estratégia), para englobar sua ação no campo da
política, ou seja, refletindo o “jogo abstrato resultante das vontades”.
A estratégia total de Beaufre (1998, p.27), dessa forma, representa “a arte da dialética das
forças” ou “a arte da dialética das vontades, empregando a força para resolver seu conflito”.
Beaufre (1998) explica que diante desta “dialética de vontades”, a finalidade da estratégia é
apreender o caráter psicológico do adversário, de modo a desintegrá-lo moralmente, e com
isto, retardar as operações de guerra até o momento do golpe decisivo que garante sua
supremacia na guerra. Todavia, o estrategista precisa combinar sua ação juntamente com
seus meios materiais e morais, ou através de acordos e tratados, como foi o caso da
parceria estratégica Brasil-Argentina, no Acordo de Guadalajara, ou através do uso de
potentes armas bélicas (nuclear, e mais recente, a arma química e de hidrogênio), tem de
obter “o resultado psicológico suficiente para produzir o efeito da moral decisiva” (Beaufre,
1998, p. 30), ou seja, o alcance da paz.
Atingir o “efeito moral decisivo”, portanto, representa a meta do estrategista e, nesse caso,
analisar as vulnerabilidades do inimigo, e identificar suas próprias potencialidades é
necessário para encontrar saídas, independente da dimensão do conflito e do tipo de jogo
em questão. Dentre as estratégias formuladas, desde a clausewitziana que pregava a
aniquilação das forças armadas adversas, até a estratégia que propunha a dominação da
capital do Estado ou a sua destruição, são todos estes meios adotados com a finalidade de
definir um conflito visando a “liberdade de ação”.
Como explica Beaufre (1998:31), o plano da ação estratégica permeia a dialética entre
estados, prevendo as reações adversas desde “as internacionais ou nacionais, morais,
políticas, econômicas ou militares”, sempre “visando à liberdade de ação” para conservar o
poder, agindo de forma “contra-aleatória”. Ou seja, as “manobras estratégicas” precisam ter
em vista a sequência das ações necessárias para garantir a liberdade, seja através da
simples aliança entre estados, ou em outrora em alianças atreladas ao poder atômico. Esse
plano estratégico pode ser elaborado a partir de diversos modelos, sendo que, o objetivo de
todos consiste em ordenar os meios relativos do adversário para alcançar a liberdade de
ação. Os modelos apresentados pelo autor podem adotar a estratégia por “ameaça direta”,
por “pressão indireta”, por “aproximação indireta”, por “luta total prolongada de fraca
intensidade militar”, ou por “conflito violento visando à vitória militar”. Todavia, todos estes
modelos representam uma “classificação exaustiva de tipos de estratégia”, para “apreender
o caráter e a originalidade do raciocínio estratégico” (Beaufre, 1998, p. 35 e 36) e nenhum
deles consegue trazer a dimensão de análise ao qual foi introduzida pela concepção
geoestratégica.
Segundo o General Pedro de Pezarat Correia (2012), o termo geoestratégia vai ressurgir na
década de 40, pós-guerra, sobretudo, porque seu neologismo aparece na mesma década do
século XIX. O militar italiano Ferruccio Botti (1995)2, na década de 30, do século XIX, publica
a revista Stratégique, atribuindo ao general Giacomo Durando, a citação do seu livro
2 Botti, Ferruccio (1995). “Le Concept de Géostratégie et son Application à la Nation Italienne dans les Théories
du Géneral Durando (1846)”, Stratégique n.º 58. Paris: Institut de Stratégie Comparée.
publicado, em 1846, no qual descrevia que “a situação ou posição geográfica determina de
forma inalterável o caráter geoestratégico de um país” (apud Correia, 2012, p.238). Todavia,
conforme o autor houve um eclipse no uso da geoestratégia, que somente no século XX,
passou a ser retomado dentro dos debates sobre geopolítica, sem perder suas
características fundamentais, em sua associação aos fatores geográficos (território), e de
estar vinculado a uma “finalidade estratégica” (elaboração de um plano de ação).
A geoestratégica, nesse sentido, vai ganhando novas interpretações no século XX, e a sua
definição oficial é apresentada pelo Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), de Portugual,
formulando o conceito com base numa derivação semântica muito estreita com a
geopolítica. Sendo assim:
[...] A Geopolítica seria o estudo das constantes e das variáveis do espaço
que, ao objetivar-se na construção de modelos de dinâmica do poder, projeta
o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na atividade política.
Enquanto,
[...] A Geoestratégia seria o estudo das constantes e das variáveis do espaço
que, ao objetivar-se na construção de modelos de avaliação e emprego de
formas de coação, projeta o conhecimento geográfico na atividade estratégica
(IAEM apud Correia, 2012, 238).
Correia (2012) explica que apesar da aproximação na definição dos conceitos, e com isso
introduz neste debate a proposta da criação de uma nova geopolítica, percebe que os
modelos da “dinâmica de poder” e o modelo das “formas de coação”, são elementos que por
si próprio delineiam a fronteira entre os domínios da “atividade política” e o da “atividade
estratégica”. O almirante Pierre Célérier (1969)3 e Franck Debié, Raphaèlle Ulrich, Henry
Verdier (1991)4, Antônio Horta Fernandes, Antônio Paulo Duarte (1998)5, todos pretendem
aclarar essa distinção, ao considerarem que:
[...] a geografia aplicada aos domínios da política e da estratégia nós
chamamos geopolítica e geoestratégica [...] que a geopolítica procura realizar
um programa político, enquanto que a geoestratégia procura facilitar a
decisão estratégica, e, que [...] a geopolítica e a geoestratégia são,
respectivamente, a política e a estratégia referidas a partir da geografia num
senso amplo (apud Correia, 2012, p.238/239).
3 Célérier, Pierre (1969). Géopolitique et Géostratégie, Paris: Presses Universitaires de France. 4 Debié, Franck, Raphaèlle Ulrich e Henri Verdier (1991). “A Quoi sert la Geostratégie?”, Stratégique n.º 50.
Paris: Institut de Stratégie Comparée. 5 Fernandes, António Horta e Duarte, António Paulo (1998). Portugal e o Equilíbrio Peninsular. Mem Martins:
Publicações Europa-América.
Portanto, apesar da analise da geopolítica clássica, cujo espaço (geografia) era concebido
enquanto instrumento a serviço do poder (política), a nova geopolítica, que se define fora do
campo da geoestratégia, rompe com o paradigma anterior e propõe-se utilizar o poder
enquanto instrumento a serviço do espaço. Nesse viés, as teorias geopolíticas não podem
“fundamentar-se na analise dos fatores geográficos com vista a alcançar objetivos políticos
através da gestão de meios de coação violentos”, porque assim, recaem nos domínios da
geoestratégia, na qual a estratégia é concebida enquanto instrumento a serviço do espaço
(Correia, 2012, p.245). No contexto latino-americano, a geoestratégia permite aclarar a
retomada da política de cooperação entre Brasil e Argentina, sobretudo, porque
historicamente a rivalidade que se travou foi deixada para trás com a consolidação da
parceria estratégica, estabelecida por estes estados, que somente aliados, podem garantir a
paz em quase todo o território da região latino-americana e costa oeste do oceano no
Atlântico Sul.
A concepção geoestratégica no contexto da integração nuclear latino-americana A corrida armamentista do Brasil e dos outros países latino-americanos, antes engajados em
programas nucleares secretos, desprendem de um processo de integração regional que
buscou incrementar a política nuclear na região e fortalecer os projetos nacionais de
desenvolvimento nuclear e de defesa. Segundo Patti (2013), esse processo de integração
regional foi sendo construído com base na confiança mutua entre Brasil e Argentina, desde a
década de 70 e, noutro momento, com a visita do presidente argentino na planta de
enriquecimento em Ípero, no ano de 1988. A consolidação dessa relação bilateral foi
intensificada com a criação, em 1991, da ABACC, com o intuito de garantir a formação de
mecanismos de inspeção e controle de pesquisa, plantas e usinas nucleares na região.
Segundo Wrobel e Kutchesfahani (1998; 2010 apud PATTI, 2013, p. 54) “relevante é a
relação que se criou entre cientistas brasileiros e argentinos no momento de especialização
deles em centros de pesquisa na Alemanha e em outros países”. Para Patti (2013), essa
relação bilateral e epistêmica entre os cientistas e a política-diplomática pode explicar o
fortalecimento do setor tecnológico-industrial e o crescimento econômico desses dois países
latino-americanos. Devido à pressões internacionais para a adesão ao Protocolo Adicional,
foi assinado o acordo quadripartite entre Brasil, Argentina, Abacc e AIEA, no qual se deu
uma maior credibilidade ao tratado bilateral.
Como mostra Herz e Lage (2013), entre 2006 e 2007, o Brasil teve forte atuação no Grupo
de Supridores Nucleares, o que forçou a formar, em 2011, o Acordo Quadripartite. Esta
cooperação visou garantir o uso pacifico através da transferência de tecnologias de
enriquecimento e reprocessamento do combustível nuclear, se constituindo num dos pontos
fundamentais do Programa Nuclear Brasileiro. Saraiva (2012:148) explica que devido “ao
lugar da Argentina nas percepções brasileiras, dada à importância da parceria estratégica,
consolidou-se como uma política de estado”.
Todavia, na década de 90, como explica Patti (2013:54), o programa nuclear brasileiro vinha
passando por uma fase de decadência, do ponto de vista tecnológico, principalmente devido
ao “fechamento da planta de conversão de hexafluoreto de urânio e a suspensão da
construção das plantas nucleares de Angra 2 e 3”. Quanto aos acordos diplomáticos, houve
uma maior adesão internacional ao Tratado de Tlatelolco. Segundo o autor, o projeto de
construção da ultracentrifugadora para separação isotópica de urânio foi substituído pelo
PROSUB, para construção do primeiro submarino de propulsão nuclear, enquanto estratégia
de defesa nacional. Outra ação do governo brasileiro foi racionalizar a gestão das usinas
nucleares de Angra e de outras que viriam no futuro, subsidiando a fundação da empresa
estatal Eletronuclear, através da fusão do setor nuclear de Furnas e Nuclen.
Segundo Herz e Lage (2013), no governo Lula, de 2002 a 2010, a política externa brasileira
se posicionou de forma protagonista nas negociações para alcançar um assento permanente
no Conselho de Segurança da ONU. Em sua geoestratégia, aderia a novos acordos
bilaterais com a Argentina para desenvolvimento do setor nucelar e construção de uma
usina binacional. Manteve, com isto, a posição de defensor universal do uso da energia
nuclear com fins pacíficos, pressionando inclusive na arena internacional a favor do
“desarmamento nuclear por potencias nucleares e pela erradicação da discriminação
inerente aos mecanismos de governança internacional nessa área” (HERZ e LAGE, 2013,
p.6).
No começo do século XXI, segundo Saraiva (2012:147), a parceria estratégica firmada
desde o Acordo de Guadalajara, estava sofrendo forte pressão dos Estados Unidos, o que
contribuiu para o “fortalecimento do lugar do Brasil na política externa argentina”. No
contexto latino-americano, a concepção geoestratégica adotada pelos estados latino-
americanos, atribuída a parceria estratégica para a criação da Abacc, se tornou eficaz,
sobretudo, porque levou em consideração a dimensão territorial, Brasil-Argentina. Deste
modo, a geoestratégia busca enxergar o espaço enquanto instrumento para criação de
formas de coação, sendo assim, diante da ameaça da Ordem Global Nuclear, e perante a
pressão internacional, não existe outra saída senão a do fortalecimento da política externa
de cooperação entre o Brasil e a Argentina. Saraiva (2012) enfatiza que embora a Argentina
viesse passando por crises econômicas no período de 2008, a interdependência com o
Brasil se revelou mais forte do que nunca, conduzindo a política externa para a realização da
parceria estratégica no setor nuclear.
Os resultados se mostraram promissores, tanto para o Brasil quanto para a Argentina,
porém, nas questões ambientais existe uma lacuna que precisa ser melhor entendida. No
Brasil, foi finalmente inaugurada, em 2004, a usina de Angra II, e a criação da INB - Industria
Nuclear Brasileira, para substituir a Nuclebrás (criada em 1988), dando inicio também a
construção da planta de enriquecimento de urânio em Iperó-SP. Com o lançamento do Plano
Energético Brasil 2030, novos projetos foram sendo propostos, desde a construção de
outras centrais nucleares e a conclusão da usina Angra 3, inclusive trazendo como proposta
do plano energético, a inauguração do primeiro submarino de propulsão nuclear que estava
previsto para 2025 (Patti, 2013).
Antes mesmo, ainda no governo FHC, com a modernização da Fábrica de Combustível
Nuclear de Resende-RJ, e aproximação do Brasil com a China e a Venezuela, no governo
posterior, gerou um questionamento quanto a finalidade do Programa Nuclear Brasileiro,
principalmente após os entreveros da AIEA, e a pressão da opinião pública quanto aos
problemas ambientais gerados com a produção nuclear na região. Ainda, com a negação do
governo Lula para inspeções da AIEA nas instalações nucleares da INB, em Resende, com
a alegação de que era em defesa da propriedade comercial e do Direito a Propriedade
Intelectual (DPI), no ano de 2004, levou o Itamaraty a assinar um novo acordo com a AIEA,
de modo a amenizar a pressão sofrida em âmbito internacional e então surge o Acordo
Quatripartite.
Todavia, como pondera Saraiva (2012), a parceria estratégica com a Argentina, apresentou
ganhos notórios, sobretudo, com a criação da ABACC e do Mercosul:
[...] desde 1974, mesmo que traços da antiga rivalidade pudessem ser percebidos ainda durante o governo Lula em algumas dimensões dessa parceria e em alguns setores mais específicos da sociedade brasileira, a importância de manter laços fortes de cooperação com a Argentina foi praticamente um consenso nos formuladores brasileiros de política externa e políticas macroeconômicas (Saraiva, 2012, p.148).
Apesar da geoestratégia da diplomacia militar do Brasil e Argentina contribuir para o
desenvolvimento do setor nuclear na região, sob salvaguardas e programas com fins
pacíficos, as questões ambientais também se tornaram um agravante para a política
doméstica de ambos estados. A constituição Argentina, desde a reforma de 1994, tutela as
províncias da competência em responder sobre a exploração no território local. Nesse
sentido, na Argentina, esta concessão dada às províncias “corresponde ao domínio
originário dos recursos naturais existentes em seus territórios” (López, 2014, p.54). Com isto,
impede que o governo federal defina as políticas sobre recursos naturais, ou administre as
jazidas de minérios e de fontes de energia como a de urânio para produção da energia
nuclear. Diana López (2014) revela que devido à exploração de petróleo e gás em
determinada região (Alto Valle do Rio Negro), movimentos sociais insurgiram, em 2012, com
a proposta de defender a água, o território e os bens comuns, assim como, lutar para
garantir o direito ao uso da terra, contra a “ordenança dos frackings”, que em 2013,
proibiram o uso da técnica pela população.
Gabriela Scotto (2014) enfatiza que na década de 90, devido as reformas na Constituição
Argentina, o poder das empresas transnacionais sobre as concessões da exploração dos
recursos naturais aumentou consideravelmente, de setes empresas para 55, em 2007.
Conforme a autora, a presença de atores transnacionais no território argentino criou um
cenário tenso com a sociedade civil, provocando conflitos e protestos contra “a mineração a
céu aberto” e contaminação do ambiente, sobretudo, por substâncias altamente nocivas,
como o mercúrio e o urânio. Deste processo, alguns dispositivos de restrições foram criados,
em 2010, para assegurar a preservação de áreas naturais, próximas da Cordilheira dos
Andes, que contribuem para a circulação de corrente de ventos no globo (ambiente
periglacial6).
Deste modo, a presença das empresas transnacionais, sem a devida fiscalização das
províncias argentinas, contribuem para que as praticas de mineração a céu aberto encontre
forte resistência da população local, que exigia direitos a emprego, participação nos lucros e
preservação do ambiente. Estes movimentos ganham as ruas, em 2004, e “até o momento
procuram obter, junto à justiça, a permissão para haver a paralisação das atividades, bem
como, a aprovação de uma legislação que proíba tanto a mineração de metálicos como a de
urânio7” (Scotto, 2014, p.41).
Dessa forma, a “questão mineira” se tornou relevante e contribuiu para novas leis provinciais
serem sancionadas na Argentina, de 2000 a 2013, proibindo a atividade de mineração a céu
aberto ou a “mega-mineração”. Na cidade de Córdoba, a principal conquista foi a aprovação
da Lei nº 9.526, de 2008, que “proíbe em todo o território da província de Córdoba a mega-
mineração contaminante a céu aberto com uso de substâncias tóxicas, e mineração de
urânio em todas as suas formas” (Scotto, 2014, p.48). A autora explica que o triunfo se deu
6 Glaciares de Argentina, disponível em: <http://www.glaciares.org.ar/periglacial>, acesso em 20 de junho de 2014. 7 Disponível em: http://www.noalamina.org. Por sua vez La enciclopedia de ciencias y tecnologias en Argentina também é uma detalhada
e rigorosa fonte de informações; o caso se encontra disponível em http://cyt-ar.com.ar/cyt-ar/index.php/Bajo_de_la_Alumbrera.
com o movimento “No a la Mina”, em 2013, que acarretou na formação da “Asamblea de Las
Heras por el Agua8”, contribuindo para a aprovação de leis provinciais que proíbem e limitam
a ação da mega-mineração na Argentina.
Todavia, o cerne do debate e a pauta de reinvindicação dos movimentos sociais que
buscava garantir o direito à água, enquanto direito fundamental, mesmo se deve a três
fatores: a) a mobilização capaz de articular diversos setores da população; b) a socialização
e ampla divulgação da informação; e c) a construção de redes territoriais (Svampa, 2009,
P.123ss; Svampa, Sola Alvarez & Bottaro, 2009, p.123ss apud Scotto, 2014, p. 50). No
entanto, a Argentina estabelece a mineração como uma política de estado e, em 2012, criou
a Organización Federal de Estados Mineros (OFEMI) com o objetivo de realizar parcerias
publico-privada, com empresas transnacionais já instaladas no país.
No Brasil, o relatório produzido pela Fiocruz (2014), intitulado “Justiça Ambiental e
Mineração de Urânio em Caetité/Bahia: avaliação Crítica da Gestão Ambiental e dos
Impactos à Saúde da População” tem alertado para a poluição atmosférica, do solo e hídrica
que tem acometido a região devido às práticas de exploração de urânio a céu aberto e
criação de tanques para reserva do rejeito radioativo. Entretanto, conforme o Plano Nacional
de Energia 2030, publicado pelo Ministério de Minas e Energia (2012), a política brasileira
aponta para no futuro um maior investimento na geração de termonucleares enquanto
alternativa para a matriz hidrelétrica, com a proposta de desenvolver o setor através da
construção de um reator multipropósito, na autossuficiência da produção de radioisótopos e
uso de fontes radioativas pela medicina nuclear, indústria, agricultura, meio ambiente e
segurança energética nacional. Segundo Herz e Lage (2013), o governo Dilma segue com a
politica externa do governo anterior, principalmente no que diz respeito aos acordos de
cooperação firmados com a Argentina, para a construção de reatores, e com a França em
2009, para o treinamento de técnicos para dar continuidade ao projeto de construção do
submarino nuclear.
O PROSUB – Programa de Desenvolvimento de Submarinos, encabeçado pela Marinha do
Brasil, portanto, vem a ser o mais proeminente projeto de defesa da soberania e proteção da
“Amazônia Azul”, visando à autonomia política do Estado e o desenvolvimento em área
nacional. Nesse caso, foram contratados para construção do submarino a empresa francesa
especialista em tecnologia naval, a DCNS e em parceria com a empresa brasileira,
Odebrecht, e juntas criaram a ICN – Itaguaí Construçõs Navais S.A., empresa de propósito
específico para construção de cinco (5) submarinos, sendo hum de propulsão nuclear e
8 Disponível em:<http://asambleadelasherasporelagua.weebly.com/leyes-provinciales.html>.
quatro de propulsão convencional (eletrodiesel). Para tanto, serão necessários à construção
de uma base naval para o aporte e a manutenção dos submarinos.
Conforme Herz e Lage (2013:8), a questão nuclear deve ser entendida de duas formas, uma
sob a perspectiva técnica e outra sob a perspectiva da política interna e externa. No viés
técnico, deve se levar em consideração a finalidade da tecnologia nuclear, que pode ser
“tanto para fins pacíficos quanto para fins militares”, porém, no TNP as partes podem
somente desenvolver com fins pacíficos e através de cooperação tecnológica voltada para a
defesa da soberania. Em seguida, o uso da tecnologia nuclear com fins para defesa e
segurança energética impacta tanto na dimensão interna da politica nacional, bem como,
repercute nos mecanismos de governança global da energia nuclear, em âmbito
internacional, sendo assim, impõe limites e restrições para seu próprio desenvolvimento
tecnológico. No Brasil, o uso da energia nuclear apesar de estar voltado para a segurança e
busca de autonomia tecnológica, é considerada ambígua segundo os autores, se
caracterizando por um lado como ”ator responsável”, no que diz respeito à cooperação
bilateral tecnológica, e por outro, como “ator desafiador” no desenvolvimento interno da sua
produção tecnológica nuclear.
Considerações Finais A geoestratégia adotada pelos países latino-americanos tem contribuído muito para
estabelecer na região, por um lado, uma zona livre de armas nucleares, e por outro, permitiu
alavancar o setor nuclear tanto no Brasil como na Argentina. Contudo, apesar dos avanços
alcançados com a criação da agencia binacional de salvaguardas garantindo a paz na
região, e o desenvolvimento nuclear, com as estratégias de defesa da soberania nacional e
construção do Prosub, as questões latentes em torno da contaminação no ambiente local,
permanecem abertas e, portanto, insere outra rodada relevante da discussão sobre a
integração regional e produção nuclear na América Latina.
Destarte, do ponto de vista geoestratégico, a integração latino-americana na composição da
cooperação para a integração nuclear representa uma experiência exitosa, mantendo-se
com o Acordo Quatripartite, um importante instrumento para assegurar a paz na região. Do
ponto de vista tecnológico, existe algumas lacunas que necessitam ser melhor discutidas,
sobretudo, no que diz respeito às questões ambientais e à contaminação do ambiente local
tanto na Argentina quanto no Brasil, havendo enorme carência na produção de tecnologias
mais sustentáveis para atender a demanda do setor nuclear, no que diz respeito ao despejo
dos rejeitos radioativos.
Nesse sentido, o aspecto da dimensão colossal, dos territórios Brasil-Argentina, corroborou
imensamente para a formação da parceria geoestratégica entre as diplomacias militares e
cientificas, que finalmente deixaram para trás uma rivalidade que vinha sendo alimentada
por gerações inteiras. Portanto, a cooperação entre o Brasil e a Argentina representa um
plano geoestratégico dos formuladores de política externa, que tem demonstrado ser cada
vez mais exitoso, sobretudo, por ser construído com base em uma visão de
interdependência, pautada na relação de confiança mútua e na razão de estado.
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