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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE DIREITO CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS
CURSO DE DIREITO
Evaldo Cristino de Freitas
RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO
Governador Valadares
2011
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EVALDO CRISTINO DE FREITAS
RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO
Monografia submetida ao Curso de Direito da Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Douglas Genelhu de Abreu Guilherme
Governador Valadares
2011
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EVALDO CRISTINO DE FREITAS
RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO
Monografia submetida ao Curso de Direito da Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Governador Valadares, ___ de _____________________________de _____
Banca Examinadora:
________________________________________________ Prof. Dr. Douglas Genelhu de Abreu Guilherme – Orientador
_______________________________________________ Convidado 1: Prof. ________________________
_______________________________________________ Convidado 2: Prof. ________________________
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Dedico à minha esposa Silma Barroso,
exemplo de companheirismo e minha irmã
Rosângela Freitas, pela oportunidade e
confiança.
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AGRADECIMENTO
A Deus, a quem tudo devo, inclusive minha vida, pelas possibilidades infinitas postas
em meu caminho e pelas chances de recomeço.
Ao meu pai e minha mãe, a toda minha família que me educaram com todo amor do
mundo, para que hoje eu seja um homem de bem.
Agradeço a todas as pessoas que participaram desta etapa da minha vida.
Agradeço, ainda, o meu orientador, Professor Douglas Genelhu de Abreu Guilherme,
pela imprescindível colaboração para que este trabalho fosse concretizado.
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A ordem jurídica atual não deixa em mãos
dos particulares a faculdade de criar
ordenamentos contratuais, equiparáveis
ao jurídico, sem um interventor. No caso,
ao Estado reserva-se o papel de fiel da
balança.
Lorenzetti
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RESUMO
O autor, neste trabalho de conclusão de curso, teve por finalidade fazer um estudo
científico acerca da possibilidade da renúncia do fiador ao benefício de ordem nos
contratos de adesão, sejam eles do Código Civil de 2002 ou Código de Defesa do
Consumidor; partindo da parte histórica do instituto da fiança, conceituando-a,
demonstrando as modalidades e garantias das mesmas, enfatizando a
responsabilidade do fiador e as particularidades das consequências jurídicas
decorrentes da fiança em contratos de adesão, comuns nos contratos bancários e
de locação. Buscando ainda registrar os princípios básicos que norteiam os
contratos, bem como indicar as tendências jurisprudenciais que firmam as diretrizes
deste trabalho. Para tanto o autor procurou expor opiniões de renomados juristas
que se preocupam com o tema abordado.
Palavras chaves: Beneficio de Ordem, Contratos de adesão, Fiador,
Responsabilidades Solidária.
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ABSTRACT
The author, in this work of completing the course, aimed to make a scientific study
about the possibility of waiving the benefit of the guarantor of order in adhesion
contracts, whether the Civil Code of 2002 or the Consumer Protection Code,
starting from the part history of the Institute of bail, conceptualizing it,
demonstrating the arrangements and guarantees the same, emphasizing the
responsibility of the guarantor and the particularities of the legal consequences
arising from bail in adhesion contracts, common in the banking and leasing
contracts. Seeking further registering the basic principles underlying the contracts,
as well as indicate trends in case law that have signed the guidelines in this work.
For both the author sought to expose opinions of distinguished lawyers who care
about the theme.
Keywords: Benefit Order, adhesion contracts, surety, joint liability.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1 LIÇÕES INTRODUTÓRIAS....................................................................................09 1.1 DA FIANÇA..........................................................................................................10 1.1.1 Histórico...........................................................................................................10 1.1.2 Conceito..... .....................................................................................................11 1.1.3 Responsabilidade do Fiador..........................................................................15 1.1.3.1Responsabilidade Solidária.............................................................................15 1.1.3.2 Responsabilidade Subsidiária........................................................................17 1.2. DOS CONTRATOS DE ADESÃO SEGUNDO CÓDIGO CIVIL E DO CONSUMIDOR...........................................................................................................19 2. RENUNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO....................................................................................................................23 2.1 DA RENÚNCIA DO FIADO AO BENEFÍCIO DE ORDEM...................................25 2.2 DA RENÚNCIA DO FIADO AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS BANCÁRIOS..............................................................................................................27 2.3 DA RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS......................................................................................30 3 VISÃO JURISPRUDENCIAL A RESPEITO DO TEMA..........................................34 CONCLUSÃO............................................................................................................38 REFERÊNCIAS.........................................................................................................40
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1 LIÇÕES INTRODUTÓRIAS
Veremos no decorrer desse trabalho cientifico as normas acerca de fiança
nos contratos de adesão, as suas finalidades, conceito, espécies de fiança, efeitos
da fiança, benefício de ordem, solidariedade dos co fiadores e outras peculiaridades.
Neste trabalho, bibliográfico utiliza-se o procedimento de pesquisa descritiva,
eis que terá como fonte, pesquisa realizada em doutrinas, jurisprudências, artigos,
revistas, periódicos, “internet”.
Ao firmarem um contrato de adesão, devedor principal e fiador nada mais
fazem que aderir a um conjunto de cláusulas previamente dispostas no contrato, o
que significa, portanto, que o negócio em questão se submete ao regime dos
contratos de adesão. Assim, não apenas as regras do Código de Defesa do
Consumidor disciplinam a matéria conforme se verá adiante, mas também as
normas do Código Civil de 2002 que regem os contratos de adesão e são aplicáveis
à espécie; vez que determinam que a interpretação dos contratos de adesão deva
se dar a favor do aderente e estabelecem a nulidade das cláusulas que impõem ao
aderente a renúncia a direito resultante da natureza do negócio.
Desta forma, seja sob a égide do diploma consumerista ou diante das
disposições do Código Civil, vê-se que o ordenamento brasileiro combate a inserção
de cláusulas que estabelecem ônus excessivos em desfavor do
consumidor/aderente. Trata-se de um eficaz meio de controle do conteúdo dos
contratos, que devem ser submetidos aos princípios da boa fé, da justiça e da
função social, não se conformando o ordenamento com a celebração de negócios
jurídicos que representem notáveis ganhos para uns, em detrimento do prejuízo de
outros. Inserem-se os contratos, assim, num fundamental plano de igualdade
substancial, o que faz com que deixem de ser instrumentos de exploração e injustiça
para se tornarem um meio relevante de troca equilibrada de interesses.
O fiador, ao conceder a fiança, assume a obrigação de pagar a dívida do
devedor, se este não o fizer no tempo e na forma devidos. O fiador garante, pois,
com seu próprio patrimônio, o adimplemento do afiançado. A garantia é pessoal ou
fidejussória, defluindo os efeitos principais e imediatos do vínculo contratual no plano
das relações entre fiador e credor, e, mediatamente, no das relações entre fiador e
devedor.
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Encontrar um fiador tem se tornado cada vez mais difícil, pois a maioria das
pessoas não quer correr o risco de ter que assumir a responsabilidade de uma
dívida de outrem, coisa que é comum ocorrer.
Trata-se de modalidade contratual de natureza acessória, porque só existe
como garantia da obrigação de outrem, sendo muito frequente no mundo dos
negócios, particularmente como adjeto à locação e a contratos bancários.
1.1 DA FIANÇA
1.1.1 Histórico
A fiança é um instituto bastante antigo, pois até mesmo na mitologia grega
esta figura é pintada com cores e traços vivos e severos, a exemplo da fiança
prestada por Poseidon:
Citam os escriptores um exemplo tirado dos poemas homéricos que nos traçam vetustas instituições da Grécia, onde a fiança aparece bem nitidamente indicada. Hephaistos surpreendeu Aphrodite em flagrante delito de adultério com Arés. Os deuses decidem que este purgará sua falta, pagando a indenização habitual, mas Hephaistos não se quer contentar com a promessa do culpado, com receio de que ele se desprenda de sua palavra, porque nem havia muita confiança na boa fé entre as partes, nem merece confiança que acaba de abusar dela, muito embora seja imortal e divino aquele que se vincula por obrigação. Poseidon, em tal emergência, se compromete a cumprir o devido, no caso de Arés recusar-se a isso. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, apud BEVILÁQUA, 2008, p 585).
A fiança vem desde o direito romano e permanece até em nossos dias. É um
contrato acessório em relação ao contrato principal, pelo qual o fiador se
responsabiliza pela dívida do devedor perante o credor daquele.
O fiador já foi considerado como devedor solidário e a partir da época de
Justiniano, se reconheceu ao fiador a qualidade de responsável subsidiário,
qualidade que permanece até os dias de hoje, salvo se estipular solidariedade entre
ambos, esclarecimento sobre solidariedade e subsidiariedade no capítulo sobre
responsabilidade do fiador.
Hoje já é possível ser fiador mediante uma remuneração, pois existem
empresas especializadas em prestar esse tipo de serviço. Como exemplo, podemos
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citar a fiança bancária. Mas, a fiança é de forma gratuita quando o fiador, por
espontaneidade, colabora com o afiançado.
1.1.2 Conceito
Trata-se de modalidade negocial que traduz uma garantia pessoal ou
fidejussória ao credor, a exemplo do aval, não se confundindo com outras formas
mais vinculativas de garantia, como as de natureza real (hipoteca, penhor,
anticrese). Diz-se “pessoal” este tipo de caução (garantia) porque o fiador assegura
o crédito com seu próprio patrimônio.
Como nos ensina a doutrina de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
Filho, em seu renomado livro “Novo Curso de Direito Civil – Contratos”, no sistema
brasileiro as garantias podem ser.
Reais, como se dá com a hipoteca, penhor e anticrese; ou “fidejussórias, ou seja, de natureza pessoal, em que determinada pessoa se compromete a, na falta do devedor principal, suportar a dívida assumida”. Podemos, portanto, afirmar, antes mesmo de aprofundarmos a análise do seu conceito, que na fiança, o fiador garante, com os seus próprios bens, dívidas que originariamente não lhe pertencem, ou seja, assume a responsabilidade patrimonial, sem que tenha dívida própria.
Deve ser lembrado e destacado que a validade das manifestações de
vontade, quando se trata de direito disponível, é um dos mais usados e vivos
instrumentos que conferem segurança aos negócios jurídicos privados e a
estabilidade dos direitos em todas as culturas.
É de notar um detalhe nem sempre percebido que a fiança é um contrato
firmado entre credor e fiador, não tendo a participação obrigatória do devedor, ou
seja, o devedor, posto seja a pessoa pela qual o fiador responde subsidiária ou
solidariamente, não tem o condão de impedir a contratação, nos termos do artigo
820 do Código Civil de 2002. “Pode-se estipular a fiança, ainda que sem
consentimento do devedor ou contra a sua vontade”. Com isso não se quer dizer
que o devedor não tome ciência da instituição da garantia, pois tal comunicação é
decorrência do próprio principio da boa fé objetiva. Pode até indicar ou sugerir o
fiador, pessoa de sua confiança, que deverá ser aceita pela outra parte. Mas o que
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pretende o dispositivo é deixar claro que esta modalidade de garantia tem em mira o
interesse do credor, e não do devedor, que não pode como já visto opor-se à
estipulação.
A fiança é promessa de ato/fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque o que
se promete é o adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, ou de
fonte de dívida, de que se irradiou, ou se não irradiou vai irradiar-se a dívida de
outrem.
Convém que se precise o conceito de fiança no direito hodierno,
especialmente no direito brasileiro, de modo que não se intrometa qualquer
concepção que foi a de algum momento ou época do passado.
O negócio jurídico bilateral é entre o fiador e o credor, que é o outorgado.
Nenhuma ingerência jurídica tem, no contrato, o afiançado, dito devedor principal.
De regra, o devedor principal promete afiançar, em cláusula do contrato de que se
gera a dívida, ou em pacto admite, ou em negócio jurídico unilateral, bilateral ou
plurilateral. Mesmo sem manifestação de vontade do devedor, ou mesmo contra sua
vontade. Alguém pode afiançar a dívida do desconhecido, ou ser desconhecido
quem afiançou.
Pode haver entre o devedor principal e o fiador negócio jurídico pelo qual o
fiador se vinculou a afiançar, ou dar nova fiança. Pode o devedor principal garantir o
fiador com penhor, ou outra garantia, inclusive mediante transmissão fiduciária de
propriedade. Não é afastada a espécie, rara, de haver negócio jurídico entre o
credor e o fiador, pelo qual esse se vinculou (pré contrato) a afiançar alguma
pessoa, ou algumas pessoas que concluam negócios jurídicos com o credor.
Dessa forma, como vimos linhas acima, a fiança traduz uma modalidade de
garantia pessoal ou fidejussória.
Podemos defini-la, com base na regra legal, como o negócio jurídico por meio
do qual o fiador garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor,
caso este não a cumpra (art. 818 do CC 02)
Nos contratos de locação, a fiança é total, prevalece sobre todos os
compromissos da locação e vige até o efetivo recebimento das chaves do imóvel
pelo locador.
Nos contratos de mútuo, a fiança geralmente abrange o valor da dívida e os
demais consectários como multa, juros, correção monetária, etc.
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Como a fiança é uma manifestação de vontade, gratuita, que poderá gerar
ônus ou até perda de patrimônio, em sendo casado o fiador, é obrigatória a
participação do cônjuge no contrato, sob pena de nulidade da fiança.
Uma vez prestada fiança, o fiador torna-se solidariamente ou
subsidiariamente responsável pelo cumprimento do contrato. Dessa forma, deverá
ser cientificado dos processos judiciais de que eventualmente, em razão do contrato,
venha a participar o afiançado.
Entretanto, é importante ressaltar que o fiador terá, obrigatoriamente, de
participar dos aditivos de contrato que eventualmente estabeleçam reajustes,
redução ou parcelamento da dívida.
Por certo, deixar de observar esse detalhe não faz com que o fiador se
desonere da fiança, mas não o atingirão as majorações e seus reflexos quando não
assinar o aditivo do respectivo contrato.
Podem ser fiadores todos aqueles que são maiores ou emancipados e estão
com direito à livre disposição dos seus bens. O cônjuge, sem outorga uxória, não
poderá ser fiador, seja qual for o regime de bens do casamento. Em não havendo a
outorga uxória, o ato é anulável. Em havendo o não cumprimento da obrigação por
parte do devedor e for acionado o fiador para quitação da dívida, sem antes acionar
aquele, poderá o fiador alegar o benefício de ordem para que os bens do devedor
sejam excutidos em primeiro lugar, salvo se foi estipulada solidariedade. O fiador em
contrato de locação de imóveis não poderá alegar impenhorabilidade de seu único
imóvel, ou seja, aquele destinado à sua moradia ou de sua família.
Para obtenção de maior eficácia contra o fiador, o contrato e aditivos deverão
ser escritos, de forma clara, e contar com assinatura do fiador e do seu cônjuge, se
for o caso. Não há fiança verbal ou tácita.
Temos, também, como forma de garantia a fiança bancária , além da já
mencionada fiança locatícia. A fiança bancária é uma modalidade bastante utilizada
pelas empresas que participam de concorrências e necessitam de uma garantia
bancária, visto que esse tipo de garantia oferecida pelos bancos tem respeitabilidade
e facilita as negociações.
A fiança locatícia é uma garantia do pagamento do aluguel, tornando
dispensável a figura do tradicional fiador/avalista e vem sendo bastante utilizada nos
contratos de locação. As empresas especializadas oferecem vários tipos de planos
de cobertura, fica a critério do cliente escolher aquele que melhor atender às suas
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necessidades. Já na prática mercantil a garantia é dada através da carta de crédito,
da fiança, penhor e hipoteca e garantias acessórias.
Quando se tratar de locação, e o locatário deixar de pagar os aluguéis e os
demais compromissos da locação, a ação de despejo será dirigida exclusivamente
ao locatário e, no máximo, com pedido de cientificação dos fiadores, porque nesta
ação não há cobrança de dívida, mas tão somente a busca da rescisão da locação.
A cientificação do fiador é necessária apenas para que este responda
também pelos custos das medidas judiciais necessárias ao decreto judicial de
rescisão da locação.
Uma vez inadimplente o locatário e o locador pretender cobrar a dívida,
poderá ajuizar ação contra o locatário, ou somente contra o seu fiador, pois o seu
alvo será quem efetivamente terá com o que responder pela dívida. Assim, o
processo de execução poderá ser proposto diretamente contra o fiador e este não
terá muitas opções de defesa, uma vez existindo o débito e não tendo o locatário
como fazê-lo, o fiador será o responsável e terá a obrigação legal de efetuar o
pagamento, inclusive, como já mencionado, o fiador não pode alegar
impenhorabilidade de seu único imóvel.
Quando se tratar de Ação de Cobrança, o fiador, querendo, sempre gozará de
algum tempo para efetuar o pagamento, posto que o processo judicial de
conhecimento seja mais moroso.
Contudo, em se tratando de obrigações certas, líquidas e exigíveis, que não
necessitem de maiores discussões perante a Justiça, o processo será de Execução,
e este será mais eficiente e ágil.
Entre os diversos meios destinados a garantir um estado de fato a que
corresponda um direito se enfileiram as cauções. Elas visam fundamentalmente
suprir a insuficiência patrimonial do devedor. E dentre as cauções ou meios
assecuratórios que nossa legislação fornece à garantia e à proteção dos direitos,
algumas se efetivam mediante a separação de um determinado bem, móvel ou
imóvel, do patrimônio do devedor, que fica afetado à solução de uma obrigação
como garantia real, como sucede no penhor, na hipoteca e na anticrese, por
exemplo. A caução real caracteriza-se efetivamente pela vinculação de um
determinado bem ao cumprimento da obrigação.
Outras garantias se realizam, por outro lado, mediante compromisso
assumido por terceiro, estranho à relação obrigacional, de pagar a dívida do
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devedor, se este não o fizer. Surge, então, neste caso, a garantia pessoal ou
fidejussória, representada pela fiança.
1.1.3 Responsabilidade do Fiador
1.1.3.1Responsabilidade Solidária
Pode ser conceituada como a espécie de obrigação em que há vários
credores ou vários devedores, mantendo entre si uma solidariedade jurídica quanto
ao crédito ou débito. A solidariedade pode ser ativa, quando pertinente aos credores,
e passiva, quando referente aos devedores, sendo essa a mais útil e mais comum.
Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor,
ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda. De fato, a
solidariedade não se presume, resultando da Lei, consideram solidariamente
responsáveis com os autores do dano os pais, tutores, curadores, patrões, dentre
outros, nos termos do artigo 932, incisos I ao V, do Código Civil de 2002.
Desta forma, a solidariedade é modalidade especial de obrigação que possui
dois ou mais sujeitos, ativos ou passivos, e embora possa ser divisível, pode cada
credor demandar e cada devedor é obrigado a satisfazer a totalidade, com a
particularidade de que o pagamento feito por um devedor a um credor extingue a
obrigação quanto aos outros coobrigados.
A solidariedade na obrigação é um artifício técnico para reforçar o vínculo,
facilitando o cumprimento ou a solução da dívida. Caio Mário da Silva Pereira em
sua obra “Instituições de Direito Civil”, página 66, assinala dois pontos fundamentais
a caracterizar a solidariedade: pluralidade subjetiva e unidade objetiva. Quanto à
pluralidade subjetiva, sempre notar que, para haver solidariedade, é preciso que
haja a concorrência de mais de um credor, ou de mais de um devedor, ou de vários
credores e vários devedores, simultaneamente. No que toca à unidade objetiva, vale
frisar que, se cada um dos devedores estiverem obrigados a uma prestação
autônoma ou a uma fração da res debita ou vice versa, se cada credor tiver direito a
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uma quota parte da causa devida, não há solidariedade, pois esta não se
compadece com o fracionamento do objeto
Da existência da pluralidade deduz-se a possibilidade de ser pura a obrigação
de um do coobrigado e condicional ou a termo, a de outro. A tese pluralista explica a
desnecessidade do litisconsórcio, uma vez que o credor comum pode dirigir-se a um
só dos coobrigados e exigir-lhe a prestação por inteiro. Também, só esta justifica as
regras relativas à responsabilidade individual pelos atos prejudiciais, inclusive no
que diz respeito à mora, como de resto, outras que assentam nesse pressuposto.
Já a existência de uma relação jurídica unificada, na qual se reúnem, em uma
totalidade, vários obrigados do mesmo conteúdo. Há quem explique a natureza
unitária da obrigação solidária, afirmando que contém um só débito com pluralidade
de responsabilidades, isto é, “debitum singular” e “obligatio plural”.
Nosso Código adotou a teoria da unidade, como preceituam os artigos 896/
897 e 904, nos quais se refere à mesma obrigação e à dívida comum, sem
embargos de aceitar consequências da tese pluralista, conforme a posição abaixo:
A posição dominante na mais atualizada doutrina brasileira é a que, na natureza da obrigação solidária, divisa uma pluralidade de sujeitos ativos ou passivos, uma multiplicidade de vínculos e uma unidade de prestação, já que cada sujeito responde inteiramente pela prestação ou pode exigi-la por inteiro, mas o pagamento ou o recebimento por um só dos co-devedores extingue a obrigação perante todos os demais, podendo ainda ser diversa a modalidade ou o termo da obrigação em relação a cada um dos sujeitos solidários". (RODRIGUES, apud CANTANHÊDE , 1989, p.67)
A obrigação solidária possui um verdadeiro caráter de exceção dentro do
sistema, não se admitindo responsabilidade solidária fora da lei ou do contrato.
Assim sendo, não havendo expressa menção no título constitutivo e não havendo
previsão legal, prevalece a presunção contrária à solidariedade. Na dúvida,
interpreta-se a favor dos devedores, isto é, pela inexistência de solidariedade.
Porém, uma vez fixada a solidariedade, não se ampliam as obrigações.
Portanto, há necessidade que a solidariedade seja expressa. Não se
necessitando, contudo, de palavras sacramentais, bastando que fique clara a
vontade de se obrigar solidariamente. Assim, a solidariedade não precisa ser
estabelecida contemporaneamente à formação da relação jurídica, nem é
necessário que se expresse no mesmo instrumento, pois, não somente se admite
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sua constituição por ato posterior, mas, também, por ato separado, como se verifica,
por exemplo, com o endosso.
Ressaltam duas importantes características: a unidade da prestação
(qualquer que seja o número de credores ou devedores, o débito é sempre único) e
a pluralidade e independência do vínculo. Claro que sobre este último aspecto,
enfatize-se que a unidade de prestação não impede que o vínculo que une credores
e devedores seja distinto e independente.
Como consequências dessas características, simplesmente as obrigações
solidárias têm uma pluralidade de credores ou de devedores e uma co-
responsabilidade entre os interessados. Portanto, sob o ponto de vista externo,
todos os devedores e todos os credores solidários estão em pé de igualdade, pois
no que diz respeito à solidariedade passiva, é que as relações internas do vínculo
entre os vários devedores é absolutamente irrelevante para o credor. Após um dos
devedores ter solvido a dívida é que ele vai se entender com os demais
companheiros do lado passivo.
Ocorrendo indivisibilidade ou solidariedade estas assemelham-se por um
único aspecto: em ambos os casos, o credor pode exigir de cada qual dos
devedores, o pagamento integral da prestação; estes em rigor, não devem o todo,
mas apenas parte. Não obstante, em virtude da indivisibilidade ou da solidariedade,
são obrigados a pagar a integralidade da prestação. Da mesma forma, sendo vários
os credores e um devedor, este, na hipótese de indivisibilidade ou de solidariedade,
pode pagar integralmente a prestação a um dos credores e, assim procedendo,
libera-se da dívida. Em rigor, a pessoa que recebe o pagamento é credora apenas
de uma parte mas, em virtude das circunstâncias aludidas, recebe a prestação por
inteiro.
Em resumo: o credor pode exigir de um só dos devedores o pagamento da
totalidade do objeto devido.
1.1.3.2 Responsabilidade Subsidiária
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Oriundo do latim “subsidiarius” (que significa reserva, reforço), a palavra
subsidiário designa o que é secundário, auxiliar ou supletivo, pressupondo o
principal, a que vem suplementar ou reforçar.
Fica claro com isso que a responsabilidade subsidiária é a que vem reforçar a
responsabilidade principal, desde que não seja esta suficiente para atender os
imperativos da obrigação assumida.
Vislumbra-se a responsabilidade subsidiária quando ao credor não é
concedida a liberdade ou faculdade de demandar, ao seu livre arbítrio, contra os que
podem cumprir a obrigação, pois deve obedecer a um benefício de ordem.
Sendo assim, o credor deve se voltar primeiramente contra um obrigado, e só
depois, caso não obtenha sucesso, pode demandar contra os demais coobrigados.
Vale lembrar que a expressão subsidiária se refere a tudo que vem em
reforço de ou em substituição de, ou seja, não sendo possível executar o efetivo
devedor sujeito passivo direto da relação jurídica obrigacional devem ser executados
os demais responsáveis pela dívida contraída.
Para melhor entendimento acerca da subsidiariedade acima mencionada
utilizaremos o direito empresarial para exemplificar. Assim, em razão da
personalização das sociedades empresárias, os sócios têm, pelas obrigações
sociais, responsabilidade subsidiária. Isto é, enquanto não exaurido o patrimônio
social, não se pode cogitar de comprometimento do patrimônio do sócio, para a
satisfação de dívida da sociedade. A regra da subsidiariedade encontrava-se já no
Código Comercial de 1850 e é reproduzida na legislação processual (CPC, art. 596)
e civil (CC art. 1.024). Não existe no direito brasileiro nenhuma regra geral de
solidariedade entre sócios e sociedade (simples ou empresária); podendo aqueles
sempre se valer do benefício de ordem, pela indicação de bens sociais livres e
desembaraçados, sobre os quais pode recair a execução da obrigação societária.
Em razão da natureza subsidiária da responsabilidade dos sócios, nas
sociedades em geral, e da decorrente exaustão do patrimônio social como
pressuposto da responsabilidade, normalmente ela se torna efetiva no processo de
falência da sociedade. Quer dizer, em geral apenas depois de decretada a quebra
da sociedade empresária será possível executar bens do patrimônio particular dos
sócios, para garantia de obrigação social.
Pode-se dizer que responsabilidade subsidiária é assunção legal de uma
obrigação de maneira acessória, dependente, não da principal. Isso quer dizer que
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alguém não é o principal responsável por determinada obrigação, somente sendo
chamado a cumpri-la se o responsável direto deixar de fazê-lo.
É uma expressão muito usada na Justiça Trabalhista quando um empregado
é contratado por uma empresa intermediária para prestar serviço a outra: se a
empresa que contratou o empregado (intermediária) não o paga, aquela onde ele
presta o serviço terá a responsabilidade subsidiária de pagá-lo; portanto é mais
comum ocorrer na intermediação de mão-de-obra.
Conclui-se que a responsabilidade subsidiária é aquela onde o sujeito é
obrigado a complementar o que o causador do dano (ou débito) não foi capaz de
arcar sozinho.
1.2. DOS CONTRATOS DE ADESÃO SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL E DO
CONSUMIDOR
Uma das características primordiais dos contratos é a livre estipulação das
disposições pelas partes. Como é acordo de vontades, apenas quando estas forem
compostas formar-se-á o contrato. O princípio da livre estipulação pelas partes das
condições contratuais é consagrado no art. 421 do Código Civil de 2002, desde que
estejamos atentos para o novo enfoque dado pelo próprio CC/02 entre liberdade de
contratar e liberdade contratual. Este é o princípio fundamental dos contratos
paritários, seguido pelo código civil brasileiro de 1916, onde as partes vinculadas
encontram-se em paralelo na relação jurídica, discutindo os termos do ato negocial
mediante transigência mútua. Há concretamente discussão acerca do conteúdo
contratual, constituindo o produto das negociações a expressão da autonomia da
vontade dos pactuantes.
Contudo, a evolução econômica ocorrida no século XX ensejou dinamização
das relações negociais. Os meios jurídicos então existentes mostraram-se
insuficientes para acompanhar o dinamismo comercial introduzido pelo consumismo
característico da contemporaneidade. As relações sociais são caracterizadas pela
massificação crescente. Assim a estrutura mercadológica apresenta um
comportamento diversificado daquele em que se baseava o contrato paritário. Neste
contexto surge o contrato de adesão.
21
Esta nova modalidade contratual caracteriza-se por permitir que apenas um
dos contratantes (proponente) determine, previamente, de modo geral e abstrato, o
conteúdo das condições gerais do contrato, eliminando a fase da puntuazione
inexistindo a possibilidade de qualquer transigência entre as partes quanto ao
conteúdo das cláusulas contratuais. A outra parte apenas adere (ou não adere) ao
que foi prescrito pelo proponente. Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor
(Lei 8078/90), em seu artigo 54, caput, que define o contrato de adesão como:
"aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."
O consentimento do aceitante manifesta-se apenas a título de adesão em bloco ao conteúdo preestabelecido. Ary Brandão de Oliveira, em sua obra “Do contrato de adesão” nos ensina que Ripert ao falar do código civil alemão já declarava: "Em certos contratos a posição das partes é tal que um dos contratantes é obrigado a tratar das condições que lhes são oferecidas e impostas pelo outro. Dá-se a tais contratos o nome de Contratos de Adesão."(PASSOS, apud OLIVEIRA,1979).
Esta relação contratual pode ser definida por dois ângulos: 1) enquanto configura apenas a formação das cláusulas por uma só das partes, é chamada de condições gerais dos contratos. 2) quando há efetiva adesão ao contrato, formando-se a relação jurídica bilateral, temos o contrato de adesão propriamente dito, passando assim, a observar eficácia no mundo jurídico. Em suma, são dois aspectos do mesmo fenômeno em momentos diversos. No entanto as condições gerais dos contratos, enquanto não ingressem no comércio jurídico, não passam de simples Musterformulare, como se refere Orlando Gomes, usando expressão alemã. Ou seja, não tem interesse jurídico, são meras formulações. Por seu turno o comportamento do indivíduo que cria uma relação concreta só tem relevância jurídica quando implica adesão às condições gerais do contrato preestabelecidas pela outra parte. (PASSOS, apud GOMES, Ob. Cit. P 119).
Diante da realidade econômica supra esboçada, a disponibilidade da
operacionalidade do contrato de adesão, diante da crescente organização de
sistemas empresariais para distribuição de bens e serviços, de sorte que os
contratos paritários vêm perdendo espaço no mundo negocial.
O contrato de adesão nasce da necessidade de uniformização das cláusulas
com o intuito de promover uma dinamização das relações contratuais, numa
pluralidade de situações uniformes. Este engessamento contratual cria para o
contratante a impossibilidade de disposição sobre o conteúdo do contrato, restando
apenas a possibilidade se aceitar ou não o proposto. Contudo, isso, por si só, não
caracteriza adequadamente o contrato de adesão.
22
Maria Helena Diniz, em sua magnífica obra “Curso de direito civil brasileiro –
Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais” defende a tese contratualista
apontando como elementos distintivos os seguintes: 1) Uniformização; 2)
Predeterminação; 3) Rigidez.
A uniformização é elemento imprescindível, é exigência de racionalização da
atividade econômica. O modelo precisa ser invariável para garantir a negociação em
massa.
A predeterminação é a disposição a “priori” das cláusulas contratuais. Esta
predeterminação deve ser unilateral. Não há contrato de adesão se os dois
contraentes, de comum acordo, traçam previamente as cláusulas do futuro contrato.
Do mesmo modo, também não configura contrato de adesão quando os indivíduos
adotam formulários feitos por terceiros (ocorre muito nos contratos de locação). O
elemento distintivo é a determinação, por uma das partes, do contrato a ser usado
em série.
Já a rigidez é um desdobramento dos caracteres anteriores. O ofertante não
poderá alterar o conteúdo das cláusulas. A flexibilidade descaracterizaria o contrato
de adesão.
Além destes elementos outro ponto importante é com relação à proposta. Não
cabe o "intuitus personari". Ela deve ser permanente e geral, dirigindo-se a um
número indeterminado de pessoas e aberta a qualquer indivíduo que se interesse
pelo serviço/produto do preponente, salvo as exceções legais. (Ex. a administradora
não é obrigada a disponibilizar serviço de cartão de crédito se o pretendente
aderente está com o nome inscrito no serviço de proteção ao crédito).
A vontade do predisponente é garantir grande número de aderentes, com
aceitação passiva das condições, sendo invariável o conteúdo do contrato. Deste
modo, além das características do contrato já esboçadas, as cláusulas em particular
devem ser gerais e abstratas, repetindo-se, sem se exaurirem, em todos os
contratos dos quais sejam o conteúdo normativo e obrigacional. Também como os
contratos, as cláusulas devem ser uniformes, para garantir a invariabilidade do
conteúdo contratual.
Como estabelece esta nova ordem de princípios, o Código Civil de 2002
refere-se expressamente aos contratos de adesão, como se vê nos seguintes
artigos.
23
“Artigo 423 do Código Civil de 2002. “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. “Artigo. 424 do Código Civil de 2002. “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipularem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
Desta forma, temos que, os contratos que apresentarem as características
esboçadas nos tópicos anteriores, serão classificados como contratos de adesão,
aplicando-se as normas do Código de Defesa do Consumidor quando envolver um
fornecedor e um consumidor, e aplicando-se as disposições do Código Civil de 2002
quando envolver particulares. A interpretação destes negócios, tanto nas relações
civis quanto nas relações de consumo, devem buscar as bases dos princípios
lógicos da nova teoria contratual, na probidade, na boa-fé, na equivalência material e
nos limites da função social do contrato.
24
2. DA RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS
DE ADESÃO
O contrato de fiança, conforme foi visto no tópico conceito insculpido no art.
818 do Código Civil Brasileiro, é a garantia oferecida por uma pessoa, em caráter
acessório, quanto à satisfação de uma obrigação assumida pelo devedor. Trata-se
de um "reforço contratual" firmado por terceiro à relação contratual objetivando a
garantia da satisfação da obrigação assumida pelo devedor perante o credor.
Pois bem, a partir da interpretação do artigo 818 do Código Civil de 2002,
para melhor entendimento acerca do assunto primeiramente faz-se necessário trazer
à baila a definição de fiança, tema já retratado no tópico fiança. Ou seja, tem-se que
a fiança é um contrato acessório, pelo qual uma pessoa garante satisfazer a
obrigação assumida ao credor pelo devedor, num outro contrato principal.
O problema surge quando presente no contrato de fiança cláusula de
renúncia ao artigo 835 do Código Civil de 2002, devido à controvérsia tanto na
doutrina como na jurisprudência, sobre a eficácia, ou não, nos contratos de fiança,
sem limitação de tempo, de cláusula de renúncia do fiador. ao benefício de ordem.
Também há controvérsia acerca da eficácia da cláusula “até a entrega das
chaves”, contida nos contratos de locação. Sobre esta celeuma, de um lado,
entende-se que a garantia da fiança não induz perpetuidade, não podendo, o fiador,
permanecer indefinidamente obrigado, conforme ensinam os civilistas brasileiros
clássicos, Clóvis Beviláqua e Carvalho Santos, todavia não é objeto desde estudo.
Outra corrente considera impróprio o argumento de impossibilidade de
perpetuidade, porque, contrato acessório, perdurará enquanto existir o contrato
principal, sem que se questione a eternidade de ambos os contratos, mesmo os de
prazo indeterminado. E salienta serem renunciáveis todos os direitos disponíveis,
inclusive o previsto no artigo 835 do Código Civil de 2002.
Na jurisprudência brasileira predomina o entendimento de que o fiador pode
se exonerar da fiança por prazo indeterminado, mesmo quando o contrato estipula
cláusula de renúncia do fiador ao benefício de ordem, ou seja, renúncia ao artigo
835 do Código Civil de 2002 ou a cláusula “até a entrega das chaves” (nos contratos
de locação), conforme ilustramos com a seguinte ementa:
25
Apelação civil. Ação de exoneração de fiança. Locação não residencial. Contrato de locação prorrogado por prazo indeterminado. Notificação extrajudicial procedida. Invalidade da cláusula contratual que dispõe sobre renúncia ao direito de exoneração da fiança. Manifesta adesão. Prerrogativa prevista no artigo 835 do Código civil vigente. Sentença mantida por seus próprios fundamentos jurídicos e de direito. Por unanimidade, negaram provimento ao apelo. (Apelação cível 70014830491, DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TJRS, REL. ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS, JULGADO EM 03/05/2006)
Devido à acessoriedade do contrato de fiança em relação ao principal, se este
último se extingue, automaticamente a fiança se extingue. Do mesmo modo, se o
contrato principal é prorrogado, prorroga-se também a fiança. Assim, concluímos
que no caso do contrato de locação, que pode tornar-se contrato por prazo
indeterminado, o fiador não estará obrigado a permanecer com o ônus infinitamente,
pois a legislação civil pátria prevê a possibilidade do mesmo exonerar-se da fiança,
até porque, seria injusto se não houvesse tal hipótese, tendo em vista que o fiador
muitas vezes acaba aderindo ao contrato sem saber ao certo quais as obrigações
daí advindas.
O contrato, quanto à negociação de suas cláusulas, divide-se em paritário e
de adesão. Orlando Gomes, em obra específica sobre a matéria, “Contrato de
adesão – Condições Gerais dos contratos” conceitua o contrato de adesão como:
O negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações.
Não obstante a sua intensa ligação aos contratos de consumo, o Código Civil
Brasileiro não se quedou inerte quanto à proteção dos aderentes nas relações civis,
regulando sua incidência nos artigos 423 e 424 do Código Civil de 2002, em
conteúdo muito próximo ao quanto disposto no Código de Defesa do Consumidor.
Vejamos o artigo 424 do Código Civil:
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Em seus comentários a respeito do transcrito dispositivo, averba Maria
Helena Diniz, em sua obra Código Civil anotado:
26
As cláusulas contidas em contrato por adesão, que venham a estipular renúncia antecipadas do aderente a direito que advenha da própria natureza do negócio, serão consideradas nulas, pois a liberdade de contratar deverá ser exercida dentro do princípio da função social do contrato, da probidade e da boa-fé; tais cláusulas, além de serem abusivas ou leoninas (JB, 70:247), geram insegurança contratual.
Sobre o assunto, menciona a obra de Jones Figueiredo Alves, titulada como
Novo Código Civil comentado, coordenação de Ricardo Fiúza:
“O dispositivo resulta do preceito fundamental segundo o qual a liberdade de contratar só pode ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato, implicando os princípios definidos pelo art. 422. O ofertante não pode privar o aderente de direito resultante da natureza do negócio ao qual este aderiu. A justiça contratual impõe a efetividade dos negócios jurídicos segundo os princípios da probidade e da boa-fé. Ditas cláusulas opressivas são presentes, notadamente, em contratos de trato sucessivo, complexo e de longa duração, não podendo o aderente resultar desprovido da segurança contratual. O caráter abusivo da cláusula situa-se em face de tratar-se de uma cláusula de exclusão ou de exoneração, frustrante aos interesses do aderente colocado diante da própria motivação ou necessidade da adesão”.
Ainda, é oportuno registrar os seguintes enunciados do CJF/STJ:
172. As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas de consumo. 364. No contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão.
Assim, ante a clarividente ligação entre a função social dos contratos e a
proteção do aderente, notadamente buscando uma isonomia material entre as
partes, sempre à luz dos princípios civis e constitucionais, pautados na dignidade da
pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88), solidariedade (art. 3º, inciso I, da CF/88) e
igualdade (art. 5º, caput, CF/88), constata-se a nulidade das cláusulas que
determinam a renúncia ao benefício de ordem pelo fiador nos contratos de adesão.
2.1 DA RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM
O contrato de fiança, como mencionado em diversos momentos, é aquele em
que terceiro normalmente a título gratuito, assume a responsabilidade pelo
27
cumprimento das obrigações assumidas pelo afiançado em outro negócio jurídico, é
largamente utilizado entre nós, principalmente em contratos de locação e bancários.
Nada dispondo as partes em contrário, a regra é gozar o fiador do benefício
de ordem, ou seja, quando acionado judicialmente seja pelo locador nos contratos
de locação, seja pelo banco nos contratos bancários, tem o direito de exigir que
sejam vendidos primeiramente os bens do afiançado. A indicação dos mesmos deve
ser feita desde logo, sendo imprescindível que estejam livres, desembaraçados, ou
seja, sem que recaiam sobre eles quaisquer ônus, devendo ainda situar-se no
mesmo município em que tramita o processo. No entanto, fiador e beneficiário da
garantia podem estabelecer a renúncia a este direito, hipótese em que,
independentemente do afiançado ter patrimônio capaz de responder pelo
pagamento do débito, primeiramente serão constritos os bens do prestador da
garantia.
O afastamento do benefício de ordem, contudo, assume contornos bem
diferentes quando o conteúdo do contrato de fiança é inteiramente predisposto pelo
credor, limitando-se o fiador a aderir, sem qualquer possibilidade de negociação.
Nesta última hipótese, verifica-se um caso típico de violação da ordem pública, uma
vez que a renúncia ao benefício de ordem neste caso não se originou de uma lei, ou
seja, não houve intervenção do poder legislativo, e sem esta intervenção são
revogadas regras de direito supletivo, que normalmente regeriam o negócio jurídico
ou algum de seus aspectos, em havendo omissão das partes.
A possibilidade de renúncia foi introduzida, na lei, tendo em vista situações
excepcionais, como seria o caso, por exemplo, do patrimônio do afiançado estar
localizado em local distante, tornando difícil ou excessivamente onerosa sua
responsabilização pelo cumprimento das obrigações afiançadas.
A assunção da condição de devedor solidário, por seu turno, é justificável em
circunstâncias análogas, excepcionando a regra geral inerente à fiança: trata-se de
contrato benéfico, daí decorrendo que, por uma questão de equidade, sejam
excutidos primeiramente os bens do afiançado.
A utilização sistemática dessas cláusulas em contratos de adesão não
responde a qualquer das necessidades mencionadas acima, transformando em letra
morta pelo uso indiscriminado de regime diverso das disposições legais supletivas,
uma vez que proporcionam uma regulação mais equitativa dos interesses dos
contratantes. Pode-se falar até, neste e em outros casos de condições negociais
28
gerais, do estabelecimento de uma "codificação privada", o que é intolerável. Vale
observar que o uso generalizado das cláusulas sob exame não autoriza falar na
existência de direito costumeiro.
O Código Civil Brasileiro, via de regra, exige a prévia tentativa de excussão
dos bens do devedor para responsabilização do fiador quanto ao pagamento da
obrigação garantida, conforme se depreende do caput do artigo 827, do Código Civil,
que assim dispõe:
Art. 827. Do Código Civil, o fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Ademais, levando-se em consideração o baluarte da autonomia contratual,
um dos princípios básico do Direito Privado, é possível a supressão de tal
beneplácito através de cláusula contratual disposta neste sentido. Tal cláusula
restritiva é comumente denominada nos contratos como "renúncia ao benefício de
ordem", onde o fiador torna-se responsável solidário pelo débito, junto ao devedor. O
Código Civil Brasileiro assim dispõe acerca desta renúncia:
Art. 828, do Código Civil, não aproveita este benefício ao fiador: I Se ele renunciou expressamente; II Se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; III Se o devedor for insolvente, ou falido.
Numa exegese gramatical do artigo, é cabalmente aceitável a renúncia a tal
beneplácito, porém, faz-se necessário relativizar tal instituto sob uma nova ótica que
paira sobre o Direito Privado, especialmente a função social da propriedade e dos
contratos.
Apesar de tão difundido nos nossos tribunais, é sempre bom realçar o atual
alcance e enfoque das relações privadas, sempre pautadas nos ditames
constitucionais. Em poucas palavras, o Direito Privado é Direito Constitucional
aplicado, pois nele se detecta o projeto de vida em comum que a Constituição tenta
impor. Cumpre colacionar a lúcida Lição de Flávio Tartuce, em sua obra “Teoria
Geral dos Contratos e Contratos em Espécies”:
Destaque-se que atualmente está em voga falar da horizontalização dos direitos fundamentais, que nada mais é do que o reconhecimento da existência e aplicação desses direitos e princípios constitucionais nas
29
relações entre particulares. Nesse sentido, pode-se dizer que as normas constitucionais que protegem tais direitos têm aplicação imediata.
Em suma, deve-se ter consciência que devido a essa nova ótica horizontal
dos direitos fundamentais, com aplicação direta sobre os particulares, principalmente
no direito contratual, faz-se necessário encontrar a forma mais eficaz deste novo
conjunto normativo e expressar os valores e princípios consagrados na Constituição,
para que não caiam no esquecimento dentro do nosso ordenamento jurídico, mas
normas com eficácia imediata em todas as relações privadas.
Dentre outros paradigmas, é forçoso ressaltar institutos jurídicos que se
imbuem de tal missão, entre estes o magnífico princípio da função social do
contrato, cláusula geral que limita, circunscreve, os ditames da autonomia privada.
Assim dispõem nos artigos 421 e parágrafo único do artigo 2035, ambos do Código
Civil:
Art. 421 - A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 2.035, parágrafo único - Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
O artigo 421 do Código Civil reconhece o princípio básico dos contratos, qual
seja: a autonomia privada, porém, atualmente, sem contornos absolutos, sempre
"em razão e nos limites" da função social do contrato, lembrando-se que no
momento em que deixa de cumpri-la, a liberdade de contratar não será mais
mantida.
Como se vê, o princípio da liberdade de contratar, o da força obrigatória dos
contratos e o princípio da relatividade dos seus efeitos não são mais os únicos a
conduzirem o direito contratual, em caráter absoluto, mas sopesados pela função
social do contrato.
2.2 DA RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS
BANCÁRIOS
30
Numa análise rápida, de aparência, dos contratos bancários e do Código de
Defesa do Consumidor, pode-se já perceber que os contratos bancários devem se
submeter às disposições consumistas cogentes. Todavia, as instituições financeiras
têm, reiteradamente, demonstrado o propósito e afastar dos contratos bancários a
incidência das normas de proteção ao consumidor. Em face das constantes
investidas, quanto à inconstitucionalidade do Código de Defesa do Consumidor, está
sendo arguida perante o Supremo Tribunal Federal na ADIn n° 2591.
A Constituição Federal de 1988 preocupa-se com as relações contratuais,
sejam elas de consumo, civil ou empresarial, independentemente de se encontrarem
neste ou naquele ordenamento infraconstitucional, especialmente protegendo seus
titulares; e não o crédito em si.
O princípio basilar da dignidade da pessoa humana vem expressamente
consagrado no artigo 1º, inciso III, da nossa Constituição Brasileira, que, associado
ao caput do artigo 170 da mesma, tem o ser humano como centro, podendo o
mesmo renunciar aos contratos bancários, buscando concretizar a função social do
mesmo, o que não significa ignorar a sua função econômica, todavia considerar-se-
ão todos os princípios constitucionais previstos, a iniciar pela dignidade da pessoa
humana, função social do contrato, boa fé, defesa do consumidor, dentre outros, ou
seja, a nova era da horizontalização dos direitos fundamentais, já mencionadas
anteriormente.
De tamanha importância a defesa do consumidor que está insculpido no
artigo 5º, inciso XXXII, que determina: “o Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor”. Contudo, a própria essência contratual é a circulação de
bens, serviços, riquezas em si, muito embora essa circulação esteja subordinada à
dignidade da pessoa prevista no já referido artigo 170 da Constituição Federal.
E a tutela dessa dignidade da pessoa humana, no cenário contratual, é
observada através do princípio da boa fé objetiva, idéia incorporada ao Código Civil,
já que a vontade encontra-se mitigada na grande maioria dos contratos celebrados
hoje em dia, que são adesivos. O presente estudo parte do pressuposto que as
taxas de juros, nos patamares praticados hoje, contrariam a função social do
contrato de mútuo bancário. Quebram o princípio da justiça contratual, com base na
equidade. E não somente isto, mas muitas práticas bancárias, no afoito lucrativo,
são abusivas. Ou seja, foge à postura de lisura e lealdade entre partes, o que é
imperativo do princípio da boa fé objetiva. Foge, também, muitas vezes, ao dever de
31
informação e transparência, inerentes ao mesmo princípio, uma vez que um dos
mais importantes deveres do fornecedor/banco é o de informar, porque é neste
momento que o contratante/correntista, tomando conhecimento do conteúdo do
contrato e apreciando as consequências de sua declaração, poderá decidir-se. E
para a tutela do consumidor, parte mais fraca da relação, nos termos em que a
Constituição exige, é imprescindível a incidência de normas que o tutelem.
Assim, são diversos os princípios contratuais, dentre eles, o princípio da
liberdade de contratar, o da força obrigatória dos contratos e o princípio da
relatividade dos seus efeitos não são mais os únicos a conduzirem o direito
contratual, em caráter absoluto, mas sopesados pela função social do contrato.
Sobre o assunto, o professor Humberto Theodoro Júnior, em sua obra “O
contrato e sua função social” nos ensina:
A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre partes que estipulam (contratantes). Já o princípio da boa fé fica restrito ao relacionamento travado entre os próprios sujeitos do negócio jurídico.
A título de exemplo, podemos, imaginemos a seguinte hipótese: A sociedade
empresária SB&F Ltda, no intuito de adquirir equipamentos de ponta para o
desenvolvimento da sua atividade empresarial, avençou junto ao Banco Minascash
S/A, um contrato de mútuo bancário no valor de R$150.000,00. Porém, no referido
contrato de adesão, incluiu nas suas disposições que a sócia majoritária da referida
sociedade empresaria, Samira, figuraria como fiadora do débito, renunciando, em
uma das suas cláusulas preestabelecidas, ao benefício de ordem.
Ora, seria válido, porque não dizer constitucional, o manejo de ação de
execução por quantia certa em face da sócia majoritária, ora fiadora, sem, nem
mesmo, tentar a constrição dos bens da sociedade empresária devedora, levando-
se em consideração a natureza impositiva do contrato de adesão em comento?
No nosso entendimento seria sim, válido. Uma vez estabelecida
expressamente a renúncia ao benefício de ordem entre fiador e beneficiário,
independentemente do afiançado ter patrimônio capaz de responder pelo
pagamento do débito, primeiramente serão constritos os bens do prestador da
garantia, nos termos do artigo 828, incisos I e II, do Código Civil, que estabelece que
o fiador não aproveitará do instituto da renúncia ao benefício de ordem no caso de:
32
renúncia expressa e/ou quando o mesmo se obrigou como principal pagador ou
devedor solidário.
O afastamento da renúncia ao benefício de ordem, somente assumiria
contornos bem diferentes quando o conteúdo do contrato de fiança fosse
inteiramente predisposto pelo credor, limitando-se o fiador a aderir, sem qualquer
possibilidade de negociação. O que não ocorrera na hipótese levantada.
Neste diapasão, inexiste qualquer vício de consentimento e há licitude do
pacto acerca da responsabilidade da fiadora, devendo a garantia da fiança ser
mantida fazendo valer a autonomia da vontade entre as partes e a obrigatoriedade
dos contratos.
Neste sentido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em sede de recurso de
apelação manteve sentença que julgou totalmente improcedente Ação Ordinária
proposta em desfavor do Banco do Brasil sob fundamento que houve renúncia
expressa ao benefício de ordem de devedor solidário:
EMENTA: APELAÇÃO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL/CONTRATO DE FINANCIAMENTO/PACTO ADJETO DE HIPOTECA - FIANÇA VÁLIDA - RENÚNCIA - ART. 1.491, DO CC 1916 - MORATÓRIA - EXIGÊNCIA DE EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fiador não poderá exigir que seja acionado, em primeiro lugar, o devedor principal, se renunciou aos benefícios previstos no artigo 1.491 do Código Civil, atualmente 827, do CC 2002, assumindo no instrumento de contrato, de modo expresso, a posição de devedor solidário.A moratória consiste em negócio jurídico que demanda inequívoca manifestação de vontade do credor, não se podendo presumi-la pelo mero decurso de tempo, o que acarreta a permanência da garantia prestada pelo fiador. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0686.08.210132-6/001 - COMARCA DE TEÓFILO OTÔNI - APELANTE(S): ADILSON ALVES DE SOUZA - APELADO(A)(S): BANCO BRASIL S/A, AMUC ASSOC MUNICIPIOS MICRORREGIAO VALE MUCURI, LEANDRO LEWICKI CUNHA MELO - RELATOR: EXMO. SR. DES. PEDRO BERNARDES.
2.3 DA RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS
São inúmeros os casos em que fiadores de contratos de locação de imóveis
são acionados em juízo em decorrência especialmente de falta de pagamento de
aluguéis, com consequências danosas muitas vezes sobre o seu patrimônio, uma
vez que sequer o bem de família se mantém a salvo nessa hipótese.
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Os fiadores assinam verdadeiros contratos de adesão na qualidade de
garantidores da obrigação locatícia sem que tenham a oportunidade de negociar as
cláusulas nele contidas, assumindo obrigações que os vincula até a entrega das
chaves do imóvel e ainda renunciam à faculdade legal antes prevista, no artigo 835
do Código Civil 2002, que prevê a possibilidade de exonera-se da fiança através do
instituto da renúncia do fiador ao benefício de ordem.
Muito se discutiu a respeito da validade da cláusula contratual de renúncia ao
direito do fiador exonerar-se da fiança prestada por tempo indeterminado e hoje a
jurisprudência de nossos tribunais vem se firmando no sentido de ignorar tal cláusula
nas hipóteses em que tenha ocorrido aditamento contratual ou prorrogação do prazo
de locação, por tempo indeterminado, sem a anuência expressa do fiador, ainda que
o contrato de locação contenha a previsão de que a responsabilidade do fiador
permaneça até a entrega efetiva das chaves.
E isso porque sendo a fiança um contrato gratuito, segundo o artigo 819 do
Novo Código Civil, não admite interpretação extensiva, devendo ser interpretado o
contrato que a contém, por essa razão, restritivamente sempre em favor de quem a
presta.
Não se pode admitir que o fiador, seja obrigado em contrato benéfico, ou seja,
de favor, e estando de boa fé, seja vinculado à obrigação que possa se tornar
indeterminada quanto ao tempo, até a entrega das chaves.
Entendemos que não se pode conceber que, sendo o contrato de fiança
gratuito e de mero favor, seja também perpétuo, se cessou o motivo pelo qual foi
prestada a garantia, legítimo é o pleito de exoneração da fiança, desde que o
contrato esteja em vigência por prazo indeterminado.
É da essência do contrato de fiança ser “intuitu personae”, ou seja, a garantia
é dada em razão de um vínculo pessoal que justifica a confiança do fiador em
relação ao afiançado. Esse vínculo pode desaparecer, por exemplo, em caso de
separação de casal, retirada de sociedade, morte, dentre outros.
A exoneração da fiança só produziria seus efeitos após a concordância do
locador, por ato amigável ou após o trânsito em julgado da sentença que a
concedesse, podendo se imaginar por quanto tempo estaria o fiador atrelado à
obrigação e quais as consequências.
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Na realidade, na grande maioria dos casos, o fiador mantém-se inerte e
somente se defende quando é acionado judicialmente pelo locador, hipótese em que
é obrigado a indicar bem para penhora e garantia do débito que está sendo cobrado.
No Código Civil de 2002 o legislador facilitou ao fiador o exercício da
faculdade de exonerar-se da fiança prestada, isso porque o artigo 835 prevê a
permanência da obrigação assumida até 60 dias após a notificação do credor, não
exigindo mais que a obrigação permaneça até o ato amigável ou decisão judicial de
exoneração.
Podemos entender, então, que a exoneração da fiança pode ser comunicada
ao locador através de notificação e que, mesmo no silêncio do locador, a obrigação
se mantém apenas por 60 dias, já que o silêncio é também manifestação de
vontade.
Se pela notificação o fiador manifesta formalmente a intenção de renunciar da
fiança, cabe ao locador que com ela não anui, contra notificar justificadamente, já
que a sua inércia suscita no fiador a crença de sua aceitação.
Com a possibilidade de renúncia da fiança por notificação, autorizada pelo
Código Civil, os fiadores devem ficar atentos às alterações contratuais ou
modificações fáticas que por qualquer razão causem a perda da confiança no
afiançado e não precisam, e nem devem, aguardar a propositura de ação judicial
para então se defenderem.
Por outro lado o locador deve comunicar toda e qualquer modificação
contratual ao fiador e ficar atento às manifestações de vontade do fiador, para
prontamente tomar as providências que a lei lhe assegura, podendo exigir novo
fiador sob pena de rescisão do contrato de locação e despejo.
Tanto num caso como no outro são imprescindíveis aconselhamentos
jurídicos adequados a fazer valer os direitos da parte interessada.
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3 VISÃO JURISPRUDENCIAL A RESPEITO DO TEMA
O fiador não pode invocar o beneficio de ordem quando, além de obrigar-se
solidariamente com o locatário, renuncia expressamente ao benefício de ordem,
conforme nos contempla o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao julgar recurso de
apelação que abaixo transcrevemos
EMENTA: APELAÇÃO - FIADOR - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - BENEFÍCIO DE ORDEM - RENÚNCIA. O fiador não pode invocar o beneficio de ordem quando, além de obrigar-se solidariamente com o locatário, renuncia expressamente ao benefício de ordem. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.07.405360-7/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE(S): RAIMUNDO FERNANDES DA SILVA - APELADO(A)(S): NELSON SEBASTIÃO HABER - LITISCONSORTE: RITA DE CASSIA COSTA - RELATOR: EXMO. SR. DES. MAURÍLIO GABRIEL Data de Publicação: 28/04/2010.
Neste sentido sinaliza ainda o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: CIVIL E PROCESSO CIVIL. DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. LOCATÁRIO E FIADORES. BENEFÍCIO DE ORDEM E DE DIVISÃO RENUNCIADOS. SOLIDARIEDADE. COBRANÇA AJUIZADA EM DESFAVOR DE TODOS. DESISTÊNCIA EM RELAÇÃO A UM DOS FIADORES. POSSIBILIDADE. CUMULAÇÃO DE COBRANÇA COM DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Renunciados expressamente os benefícios de ordem e de divisão, locatário e fiadores respondem solidariamente pelo pagamento do débito locatício, podendo o locador ajuizar ação contra apenas um deles, contra dois ou todos, da forma como lhe convier. Ajuizada a ação em desfavor do locatário e de todos os fiadores, é possível ao locador, a qualquer tempo, desistir da demanda em relação a um deles. A Lei do Inquilinato é expressa ao afirmar em seu artigo 62, ser possível a cumulação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios com despejo por falta de pagamento. Negaram provimento ao recurso. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.706304-2/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MAISA MENDES ALVES COSTA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): MITRA DIOCESANA OLIVEIRA - RELATOR: EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA Data de Publicação: 02/10/2009.
No mesmo sentido, ou seja, da renúncia ao benefício de ordem pelo fiador,
razão pela qual resta configurada sua responsabilidade solidária quanto ao
cumprimento das obrigações assumidas pela locatária, respondendo pelo
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pagamento dos alugueres em atraso e dos demais encargos contratuais, já se
manifestou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
EMENTA: CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUEL. FIADOR. EXCLUSÃO DO POLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE. RENÚNCIA EXPRESSA AO BENEFÍCIO DE ORDEM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 333, II, CPC. ÔNUS DA PROVA. 1. Constando no contrato de locação cláusula em que há renúncia ao benefício de ordem pelo fiador, resta configurada sua responsabilidade solidária quanto ao cumprimento das obrigações assumidas pela locatária, respondendo pelo pagamento dos alugueres em atraso e dos demais encargos contratuais. 2. Correta a condenação ao pagamento dos aluguéis atrasados quando os réus não trazem aos autos qualquer recibo de pagamento capaz de afastar o alegado inadimplemento contratual que culminou na presente ação de despejo (art. 333, inciso II, do CPC). 3. Apelo não provido. APELAÇÃO CÍVEL 20060110527334APC – 4ª TURMA CÍVEL ACÓRDÃO: 487.704 – APELANTE: CLÁUDIA FELIX DE SOUZA CASTRO E OUTROS. APELADO: CIPO COMÉRCIO E INDÚSTRIA PEDRO SALOMÃO. RELATOR: EXMO. SR. DES. CRUZ MACEDO. Data de Publicação: 18/03/2011.
No que tange aos contratos bancários, inexistindo qualquer vício de
consentimento haverá licitude do pacto acerca da responsabilidade da fiadora,
devendo a garantia da fiança ser mantida fazendo valer a autonomia da vontade
entre as partes e a obrigatoriedade dos contratos, uma vez que a mesma renunciou
ao benefício de ordem, neste sentido acórdão da comarca de Porto Alegre/RS
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. Nulidades alegadas em relação à fiança não verificadas. Possibilidade de renúncia ao benefício de ordem prevista em lei. Mora constituída a partir do vencimento sem pagamento. Ausência de cobrança além da obrigação afiançada. Juros remuneratórios devidos conforme contratados. Aplicação da Súmula 296 do Superior Tribunal de Justiça. Permitida a pactuação de capitalização de juros em periodicidade inferior à anual nos contratos posteriores a 31-3-2000 por força da Medida Provisória nº 2.170-36. Quando anterior o contrato ou ausente pactuação expressa, deverá ser anual. Comissão de permanência não cobrada. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. APELAÇÃO CÍVEL – Nº 70039282223 - DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL – COMARCA DE PORTO ALEGRE – APELANTE: GLAUCE FERREIRA MACHADO APELADO: BANRISUL. RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD Data de Publicação: 30/06/2011.
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No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reconheceu a
renúncia do fiador ao benefício de ordem, estando configurada sua responsabilidade
solidária, contudo aplicou o Código de Defesa do Consumidor por reconhecer a
relação de consumo decorrente do contrato firmado entre as partes litigantes,
conforme abaixo transcrito:
EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA - JULGAMENTO ANTECIPADO - CERCEAMENTO DE DEFESA - FIADORES - LEGITIMIDADE - JUROS - CAPITALIZAÇÃO - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - SOLIDARIEDADE. 1. Se as questões a serem dirimidas eram exclusivamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, já se encontravam comprovadas nos autos, o julgamento antecipado da lide não caracteriza cerceamento de defesa. 2. É parte legítima para responder por ação de cobrança, referente a obrigação não adimplida no prazo pactuado, o FIADOR que anuiu com cláusula que estabelece a prorrogação do contratado. 3. Se os juros cobrados pela instituição financeira ultrapassam o percentual legalmente previsto, merece procedência o pedido inicial quanto a este particular, de forma que os juros remuneratórios não superem o patamar de 1% ao mês. 4. A capitalização mensal de juros só é possível se prevista no contrato, de forma clara, a não ensejar dúvidas no consumidor. 5. Excluída, por abusiva, a comissão de permanência a uma indefinida "taxa de mercado", ela deve ser substituída pelo INPC, que bem reflete a inflação ocorrida no período. 6. Tendo o FIADOR assinado o contrato como principal responsável pelo pagamento, renunciando, expressamente, ao BENEFÍCIO de ORDEM, não há que se falar na obrigação de cobrar, em primeiro do financiado. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0261.06.041189-7/001 - COMARCA DE FORMIGA APELANTE(S): MARIA SUELI SIMÕES SANTOS - APELADO(A)(S): BANCO BRASIL S/A - LITISCONSORTE: ASAS COM LTDA, AMIR SANTOS, ALFREDO ALVES DE MATOS, FANI FARIA DE MATOS - RELATOR: EXMO. SR. DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES. Data da Publicação: 10/10/2008
Quanto à nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem nos
contratos de adesão, como no caso do FIES, não exime os fiadores de
responsabilidade pelas obrigações assumidas perante a CEF, ou seja, de responder
pelo crédito concedido ao devedor principal, subsidiariamente, na forma do art. 827
do Código Civil, conforme podemos conferir com o julgado do Tribunal Regional
Federal da 2ª região abaixo colacionado:
EMENTA: CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – FIES – FIANÇA – CONTRATO DE ADESÃO – NULIDADE DA CLÁUSULA DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE ORDEM – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA 1. Insurge-se a exequente contra a exclusão dos fiadores do pólo passivo da demanda, sustentando, em síntese, que a nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem não afasta a responsabilidade dos fiadores de responder pela dívida, ainda que de forma subsidiária.
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2. Nos contratos de fiança, a regra é o fiador gozar do benefício de ordem. O afastamento deste direito nos contratos de adesão foge da excepcionalidade, passando a ser imposto como regra em contrato formulado por apenas uma das partes. 3. Entretanto, a nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem nos contratos de adesão, como no caso do FIES, não exime os fiadores de responsabilidade pelas obrigações assumidas perante a CEF, ou seja, de responder pelo crédito concedido ao devedor principal, subsidiariamente, na forma do art. 827 do Código Civil. 4. Assim sendo, deve ser reconhecida a responsabilidade subsidiária dos réus/fiadores pelo título executivo judicial constituído na ação monitória (art. 1.102c, §3º do CPC), motivo pelo qual devem ser mantidos no pólo passivo da presente demanda. 5. Apelação conhecida e provida. APELAÇÃO CÍVEL – 200851170008020 – 1ª VARA JUSTIÇA FEDERAL SAO GONCALO/RJ. APELANTE - CAIXA ECONOMICA FEDERAL – CEF. APELADO: MARCELIA OJEDA MUNIZ E OUTROS RELATOR: EXMO. SR. DES. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA. Data do julgamento: 09/08/2010.
Por derradeiro um julgado do Tribunal de Justiça do Paraná sobre a renúncia
expressa ao benefício de ordem em relações comerciais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. RESPONSABILIDADE DA REPRESENTANTE COMERCIAL ANTE A VIOLAÇÃO DO CONTRATO. FIANÇA. RESPONSABILIDADE DA FIADORA PELOS DÉBITOS ORIGINADOS DURANTE A REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CONTRATO QUE PREVÊ EXPRESSAMENTE ARESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE ORDEM. 1. Pelo princípio do livre convencimento do juiz, previsto no art. 131 do Código de Processo Civil, compete a este analisar as provas constantes dos autos para verificar a utilidade de produção de outras provas. 2. A emissão de notas fiscais em nome de empresas que não solicitaram as mercadorias e não as receberam configura violação do contrato de representação comercial, o que autoriza a condenação da representante a indenizar os valores não pagos. 3. A fiadora é responsável solidariamente pelos débitos advindos durante a vigência do contrato de representação comercial, pois assim expressamente estabeleceu o contrato de fiança. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 11ª CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL Nº 719893-8, DE LONDRINA - 6ª VARA CÍVEL.APELANTES : RISSARD REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS SC LTDA E OUTRO APELADO : DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS ANB FARMA LTDA RELATORA CONV.1 : JUÍZA SUBST. 2º G. SANDRA BAUERMANN Data de Publicação: 11 de Maio de 2011.
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CONCLUSÃO
O Código Civil de 2002, ao estabelecer em seu artigo 819 que a fiança não
admite interpretação extensiva, define bem os contornos do instituto, ou seja, sua
essência, voltada para a garantia de uma obrigação, é incompatível com o traço de
perpetuidade que determinados contratos tentam lhe conferir. Por isso, quando o
fiador se presta ao papel de garante num contrato que contém prazo determinado,
assume o ônus de responder pelas dívidas que não sejam saldadas pelo devedor
principal durante aquele período. Extrapola o espírito da figura a previsão que
vincula o fiador nos casos em que se dá a prorrogação do contrato, o que acarretaria
a extensão da obrigação do fiador também para os casos de inadimplemento das
obrigações assumidas após o termo final do prazo inicialmente previsto.
Além disso, é igualmente abusiva e, portanto, nula, a cláusula contratual que
retire do fiador o direito ao benefício contido no artigo 835 do Código Civil, que
permite à pessoa que assume fiança sem limitação de tempo, sempre que lhe
convier, exonerar-se da obrigação. A cláusula que impõe a renúncia a tal direito
suprime ilegitimamente do fiador uma prerrogativa essencial, que consiste em fazer
cessar a garantia prestada indefinidamente, exatamente para evitar a vinculação
vitalícia aos termos de um do contrato pactuado.
A propósito, o teor do já citado artigo 424 do Código Civil determina idêntica
conclusão. O dispositivo em apreço estatui a nulidade da cláusula que impõe ao
aderente renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio. Ora, é da
natureza da fiança prestada sem prazo determinado a possibilidade de o fiador dela
se exonerar, consoante preceitua o art. 835 do Código Civil. A cláusula que venha a
estipular antecipadamente a renúncia a este direito elementar do fiador é, portanto,
nula, uma vez que tanto ele quanto o devedor principal desempenham o papel de
aderentes no negócio que lhes é apresentado pelo contrato.
Assim, frente à latente abusividade de determinadas cláusulas, pouco importa
que o fiador tenha anuído voluntariamente aos termos do contrato. Naturalmente, é
imprescindível assegurar a segurança das relações jurídicas, mas isso não pode
servir de justificativa à manutenção de contratos abusivos, que colocam o
consumidor em desvantagem exagerada. O princípio do pacta sunt servanda já não
vigora com a mesma intensidade que prevalecia em outros tempos, uma vez que
vigora no direito moderno o princípio da boa fé contratual, do equilíbrio entre as
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partes, bem como o da dignidade da pessoa humana. O simples fato de alguém se
vincular a um contrato não pode representar a sua cega submissão a todos os
termos da avença, sobretudo quando esta esteja manifestamente desequilibrada. Os
contratos, além de demandarem a manifestação de vontade sem vício dos
pactuantes, exigem também o equilíbrio e a razoabilidade das suas cláusulas, sob
pena de se estabelecerem obrigações excessivamente onerosas e desvantajosas a
uma das partes.
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