Post on 21-Jan-2019
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Patrícia Bittencourt Ferreira
“A INTERFACE DAS POSIÇÕES SUBJETIVAS DENTRO DA
TRANSFERÊNCIA NUM CASO CLÍNICO”
CURITIBA
2010
PATRICIA BITTENCOURT FERREIRA
“A INTERFACE DAS POSIÇÕES SUBJETIVAS DENTRO DA
TRANSFERÊNCIA NUM CASO CLÍNICO”
Trabalho acadêmico apresentado para conclusão do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica realizado na Universidade Tuiuti do Paraná. Supervisor: Prof. Dr. Jorge Sesarino.
CURITIBA
2010
RESUMO
O presente trabalho de monografia tem como objetivo a explanação de um caso clínico embasado na teoria psicanalítica. O tema aborda a transferência na relação analítica, tendo como referencial teórico textos de Freud, Lacan e Nasio, entre outros. A análise é uma experiência individual e singular na qual o analisante revive e ressignifica por meio da rememoração e na transferência pelo discurso com o analista, a sua experiência de si mesmo ao longo da sua vida. Cabe ao analista acolher os conteúdos que se apresentam no discurso do analisante, via transferência, possibilitando, assim, com sua escuta, o reencontro do sujeito com o seu desejo inconsciente, mantendo-o no eixo da verdade que o determina, dissipando os seus fantasmas e ressignificando o sentido da sua vida.
Palavras chaves: Escuta; Sujeito; Transferência; Psicanálise.
TERMO DE APROVAÇÃO
A INTERFACE DAS POSIÇÕES SUBJETIVAS DENTRO DA
TRANSFERÊNCIA NUM CASO CLÍNICO
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Especialista do curso de
Pós-graduação em Psicologia Clínica, do centro de Ciências Biológicas e da Saúde da
Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba , 2010.
_____________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Jorge Sesarino
Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica
Universidade Tuiuti do Paraná
__________________________________________________
Prof.ª Ms. Maria Otília Bento Holz
curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica
Universidade Tuiuti do Paraná
A minha família que é o suporte da minha vida e em especial à
minha avó que ilumina meu caminhar e aos meus amigos que
são as flores que embelezam meu caminho.
A todas as pessoas que de alguma forma, amena ou intensa
contribuíram para a realização deste trabalho.
Ao meu professor e supervisor Jorge Sesarino, pela paciência e dedicação em aparar as arestas de minha experiência na clinica.
“Aqueles que foram vistos dançando,
foram julgados insanos
por aqueles que não
conseguiam escutar a musica”
(Friedrich Wilhelm Nietzsche)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................1
2 OBJETIVOS..............................................................................................................3
3 METODOS................................................................................................................3
3.1 PARTICIPANTES...................................................................................................3
3.2 PROCEDIMENTOS................................................................................................3
4 TEORIA E PRÁTICA.................................................................................................3
4.1 CASO CLÍNICO......................................................................................................8
5 RESULTADOS........................................................................................................15
6 CONCLUSÃO..........................................................................................................18
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................19
RESUMO
O presente trabalho de monografia tem como objetivo a explanação de um caso clínico embasado na teoria psicanalítica. O tema aborda a transferência na relação analítica, tendo como referencial teórico textos de Freud, Lacan e Nasio, entre outros. A análise é uma experiência individual e singular na qual o analisante revive e ressignifica por meio da rememoração e na transferência pelo discurso com o analista, a sua experiência de si mesmo ao longo da sua vida. Cabe ao analista acolher os conteúdos que se apresentam no discurso do analisante, via transferência, possibilitando, assim, com sua escuta, o reencontro do sujeito com o seu desejo inconsciente, mantendo-o no eixo da verdade que o determina, dissipando os seus fantasmas e ressignificando o sentido da sua vida.
Palavras chaves: Escuta; Sujeito; Transferência; Psicanálise.
1 INTRODUÇÃO
A escolha da transferência como tema para a realização deste trabalho
sobre na prática clínica foi instigado a partir de leituras dos textos de Freud. Que
proporcionou a curiosidade de aprofundar sobre o fenômeno da Transferência que é
algo que não é dito numa analise, mas sim, sentido tanto pelo analista quanto pelo
analisante.
Freud, em “Sobre o início do tratamento”, ressalta: “O analista é certamente
capaz de fazer muito, mas não pode determinar de antemão exatamente quais os
resultados que produzirá”. (FREUD,1996, p.145). Instiga-me a curiosidade esta
“coisa” incerta, imprecisa que a psicanálise proporciona a cada indivíduo, lembrando
que é a clínica que traz à tona a verdade do sujeito, o sujeito do inconsciente.
A análise tem início com as entrevistas preliminares, em que é estabelecida
a transferência, fenômeno este que acontece entre o analisante e seu analista. O
analisante transfere ao analista informações sobre a sua vida ou uma queixa
específica e assim fala sobre estes temas em cada sessão.
Freud anuncia várias situações que podem acontecer no começo de uma
análise, e uma delas é a questão da transferência. Esta por sua vez só pode existir
quando há uma relação entre analisante e analista. Dentro da transferência o
paciente atualiza na pessoa do analista suas experiências infantis. Nessa relação o
analista vai percebendo a posição do sujeito em reação aos significantes que o
determinam, a posição do sujeito na sua estrutura psíquica, isto é, de que lugar o
sujeito está falando. De acordo com Laplanche: “trata-se aqui de uma repetição de
protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada” (2001, p.514).
Na prática clínica a questão do sofrimento nas pessoas é algo
surpreendente. O ser humano é criativo em se bem dizer e em se mal dizer. Há
pessoas que falam de suas vidas, ou melhor, deixam suas vidas nas mãos de
outrem, culpando por seus infortúnios ao sagrado ou ao destino.
De acordo com Freud:
“o que a psicanálise revela nos fenômenos de transferência dos neuróticos, também pode ser observada nas vidas de certas pessoas normais. A impressão que dão é de serem perseguidos por um destino maligno ou possuídos por algum poder demoníaco; a psicanálise porém, sempre foi de opinião de que seu destino é, na maior parte arranjado por elas próprias e determinado por influências infantis primitivas”. (1996, p.32)
Nessa citação percebe-se que cada pessoa é responsável por suas
escolhas, é bancar-se no caminho percorrido, é permitir-se olhar a vida como ela
realmente se apresenta ao sujeito. Na transferência, o sujeito reedifica suas
posições antes não vislumbradas por ele. Na verdade, é um saber desconhecido do
analisante, que ele acha que está no analista, e se atualiza, des-cobre seus afetos
nesta relação, uma questão de humildade.
A psicanálise interessou em razão de que não estamos nos importando com
as fidedignidades dos fatos, mas em como esse sujeito fala de sua verdade em
sessão. Ou seja, o sujeito narra fatos ocorridos na infância e também na atualidade,
contudo o que importa é como ele conta e o que ele conta.
Este trabalho consistirá na explanação de um caso clínico, de um paciente
em atendimento no consultório, sendo que as anotações e a fala do paciente são
materiais para o embasamento de exemplificações dentro da abordagem
psicanalítica.
2 OBJETIVO
Vivenciar na prática clínica o tema da Transferência possibilitando um
manejo diferenciado do tratamento de acordo com a fala do analisante.
3 MÉTODO
3.1 PARTICIPANTES
Atendimentos individuais realizados em consultório.
3.2 PROCEDIMENTOS
A elaboração deste projeto está baseada na prática clínica e na pesquisa
teórica psicanalítica pautada em Freud, Lacan, Nasio e outros autores.
4 TEORIA E PRÁTICA
A prática clínica da psicanálise é arte de bem dizer (LACAN, 2008,p.123).
Um analisante coloca-se em posição de espera e interpretação, por parte do analista
também, de sua própria vida num setting analítico. O indivíduo ao falar atualiza no
analista suas relações e seus afetos, proporcionando uma ressignificação do mesmo
fato, em que o analisante ficou “amarrado” no passado. Esse desenrolar de si
mesmo proporciona ao analisante um caminho a ser percorrido juntamente com o
analista dentro do fenômeno da transferência.
Dentro do seting terapêutico o analista passa a desenvolver vários papéis na
história pessoal do paciente, isto é, revivem-se as imagos parentais que o indivíduo
projeta. Quando o paciente coloca em palavras o que é da ordem do não-dizível,
este revela para si mesmo e para os outros fatos mais remotos, o que o indivíduo
pode ter esquecido ou ocultado.
Freud no seu texto intitulado “A dinâmica da transferência”, de 1912, ressalta
que a transferência para o médico serviria para facilitar as confissões, isto é, frases
de um saber não sabido.
O analista é o colocado numa posição de alguém que possui este saber,
não sabido. Segundo Jacques Miller, “o psicanalista não deve se identificar com o
sujeito suposto saber: o sujeito suposto saber é um efeito de estrutura da situação
analítica, o qual é muito diferente de se identificar com essa posição” (2002 ,p.75). O
analista tem que perceber que os fatos que o analisante traz não têm nada a ver
com ele, mas sim com o próprio analisante.
Segundo Kaufmann (1996, p.550) :
“...o outro se torna um lugar de significantes, que não é de sujeito. Lacan enuncia pela primeira vez sua definição de significante como representando o sujeito para o outro significante, definição que permanecerá axiomática.”
Enfim, o Outro é um lugar para o qual se transfere o saber do sujeito. No
início de uma análise é viável que o paciente fique nesta posição de hierarquia de
que o analista sabe mais da sua vida do que o próprio analisante.
Um ponto crucial no princípio de um tratamento analítico é a transferência
entre analisante e analista. Ainda com Kaufmann (1996, p.548-550):
”...a transferência é uma relação essencialmente ligada ao tempo e ao seu manejo...a transferência está na fronteira entre o amor e o desejo...é somente a partir do lugar do desejo do analista que se pode interrogar a transferência, pois é somente desse desejo que virá ou não um sentido verídico para a transferência do sujeito”.
Com o decorrer das sessões do analisante, as interpretações e dos cortes
feito pelo analista, este analisante vai se implicando na sua própria vida, tornando-se
sujeito dela. De acordo com Jacques Miller (2002, p.73), o paciente coloca-se na
posição de buscar a verdade sobre si mesmo, sobre sua identidade, sobre seu
verdadeiro desejo ao colocar-se à disposição das associações livres. Nessas
associações livres é um deixar fluir o inconsciente por meio das palavras.
Então, Freud, em “A dinâmica da transferência” de 1912, destaca que nas
primeiras sessões o analista deve verbalizar ao paciente “...que tudo que lhe venha
a cabeça deve ser comunicado sem crítica” (2006, p.119). Assim, ele é dirigido
dentro da análise pela sugestão do analista, ainda com Freud:
“...os resultados da psicanálise baseiam-se na sugestão; por esta, contudo devemos entender, como faz Ferenczi (1909) a influenciação de uma pessoa por meio dos fenômenos transferenciais possíveis em seu caso. Cuidamos da independência final do paciente pelo emprego da sugestão, a fim de fazê-lo realizar um trabalho psíquico que resulta necessariamente numa melhora constante da situação psíquica”. (2006, p.117)
De acordo com Lacan, “a transferência dirige o modo de tratar os pacientes”
(2008, p.124). Também consiste na relação entre analista e analisando numa
esfera em que o inconsciente aparece no consciente por meio do sintoma, ato
falho, sonho, chiste e lapso. Isto é, de que maneira o indivíduo se dá conta de suas
demandas internas e externas, como ele conseguiu se posicionar e viver no
mundo.
Esse fenômeno é descrito por Freud em “A dinâmica da transferência” de
1912, como revivência das imagos infantis do indivíduo (1912, p.114), isto é, reviver
os seus protótipos infantis. O indivíduo resolve seus problemas no presente,
repetindo comportamentos arraigados de um tempo infantil de sua história. Lacan
em seu texto “A presença do analista” (2008, p.123) esclarece que o inconsciente
são os efeitos da fala sobre o sujeito, nesse nível em que o sujeito se constitui pelos
efeitos significantes, isto é, uma função arcaica, uma presença velada de um
pensamento a ser posto no nível do ser antes que essa presença se revele. O
inconsciente está presente nas nossas atitudes diante do analista num movimento
de colocar este analista no lugar de sujeito suposto saber. Resumindo, Lacan
assevera que o inconsciente é a soma dos efeitos da fala (2008, p.126). Este autor
explica ainda que o inconsciente funciona num movimento de pulsação “movimento
do sujeito que só se abre para tornar a se fechar, numa certa pulsação temporal”
(2008, p.125). O sujeito durante este processo procura ter sua certeza, sua verdade.
De acordo com Magalhães (2001, p.18):
“a psicanálise é a clinica do inconsciente. Ao mesmo tempo que trata ou cura a psique, produz saber. O inconsciente é também desconhecido de alguma forma sabido, mas ele é sobretudo, o incognoscível que se insinua, produzindo efeitos, mantendo sua reserva no irrepresentável”.
O inconsciente funciona com a repetição da pulsão. Esta é algo que não
cessa, é uma energia que sempre quer se satisfazer pelo prazer ou pelo sofrimento
(dor). Em análise o paciente aprende a nomear seus desejos. O desejo permeia os
pensamentos numa dinâmica de pulsões, de vida e de morte, em que certas coisas
tornam-se conscientes devido ao recalque.
O conceito de pulsão, segundo Laplanche (2001, p.394):
“Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão) é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta”.
O objetivo da análise é o indivíduo saber “gozar”, mas sem ser pela via do
sofrimento. Freud, no texto “Conferência XXVII – Transferência”, ressalta a
importância de como levar o tratamento do paciente, “estamos muito cônscios de
nossa responsabilidade e nos conduzirmos com a devida cautela”. (2006, p.436).
Esta prática da clínica psicanalítica, tendo como norte o conceito da
transferência, um dos fatores relevantes no processo em direção à cura do
indivíduo, ressalta a importância da posição do analista perante seu paciente.
Segundo Nasio:
"Formar psicanalistas é favorecer neles a percepção de um desejo sexual
onde este se mostra aparentemente inexistente. Fazer com que o olho, o
ouvido, os sentidos se habituem pouco a pouco a perceber as forças
pulsionais através das manifestações psíquicas concretas da analise”.
(1999, p.56-57).
De acordo com Freud, em “A dinâmica da transferência” de 1912,
“As peculiaridades da transferência para o médico, graças as quais ela
excede, em quantidade e natureza, tudo o que se possa justificar em
fundamentos sensatos ou racionais, tornam-se inteligíveis se tivermos em
mente que essa transferência foi precisamente estabelecida não apenas
pelas idéias antecipadas conscientes, mas também por aquelas que foram
retidas ou que são inconscientes”. (2006, p.112)
Assim, o analista dentro desta relação transferencial vai num movimento de
“curiosear” a história pessoal do analisante, proporcionando espaço para que ele
mesmo, o analista, possa ouvir, compreender e concluir, permitindo ao analisante
interpretar suas próprias questões. Então, analista e analisante vão permitindo
trabalhar a palavra recheada de afetos que são importantes para o analisante.
Conclui-se que, segundo o autor Thomas Szasz, citado por Lacan (2008,
p.131), a transferência é o pivô sobre o qual repousa inteiramente a estrutura do
tratamento psicanalítico. O fato é que não dá para saber tudo de si mesmo, é algo
da ordem do real do corpo, da ordem do indizível. Ou seja, não há um fim para
análise, não há uma “cura”, mas um outro ressignificar a vida, um outro manejo
para com ela.
4.1 CASO CLÍNICO
O paciente João é um homem de 44 anos que chegou com a queixa de
depressão e crises de pânico. Sua preocupação principal era o medo de violência
no trabalho porque ele havia sofrido um assalto com violência física. Estava em
estado de choque devido ao seu histórico de 34 assaltos que havia sofrido em 11
anos de empresa trabalhando como cobrador de ônibus.
No texto a “Conferência XXVII – Transferência” (2006, p.445), Freud
assevera:
“não devemos esquecer que a doenças do paciente, que aceitamos para analisar, não é algo acabado e tornado rígido, mas algo que ainda esta crescendo e evoluindo como um organismo vivo. O início do tratamento não põe um fim a essa evolução; quando porém o tratamento logra o domínio sobre o paciente, ocorre a totalidade da produção de sua doença concentrar-se em um único ponto – sua relação com médico”.
Por essa citação, percebe-se a importância da relação analista e
analisante; relação esta a que chamamos de transferência.
No início do tratamento João falava pausadamente, repuxava os braços e as
pernas e tinha tremores quando ele falava do assalto. Dizia estar com sentimento
“abalado emocionalmente”. Comia pouco, não tinha vontade de fazer nada, não
escutava rádio, ficava a maior parte do tempo assistindo à televisão. Freud, no texto
“Luto e Melancolia” (2006, p.250), ressalta,
“...os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundo penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda e qualquer tipo de capacidade e uma diminuição dos sentimentos de auto estima”.
Assim, João apresentou lutos tanto pelo trabalho como pela vida pessoal, pois
no luto é o mundo que se torna pobre e vazio e na melancolia é próprio ego. Quando
ele tinha 6 meses de idade seu pai, num ato de ciúmes, matou a sua mãe. O pai foi
preso e João disse “a vida é uma ferida, que toda vez que toca dói!” (sic) e afirmou
não querer ser igual ao pai. Salientou que o pai era alcoólatra, bebia e batia nos
filhos. Viveu na rua, pois não aguentava as surras do pai e da madrasta, e contou:
“Quando morei na rua passei frio, fome, medo e o sofrimento faz parte da bondade!”
(sic). Morou com familiares e gente estranha. “Quando não é da raça, não é a
mesma coisa!” (sic). Na sua infância mais apanhava do que brincava. Então disse “O
fato que mais doeu no passado foi a morte de minha mãe!”. “A única coisa boa do
meu pai, é que ele era trabalhador!”. “Nós temos mágoa dele, a mãe foi assassinada
sem ter motivo, ele batia na gente sem motivo” (sic). Em relação ao que aconteceu
aos seus pais, destacou que “se fico pensando, tem que acusar alguém por ter
sofrido!”(sic).
Relatou que de seu primeiro casamento (10 anos de casado) tem um filho que
hoje está com 19 anos. Contou com veemência que quase “perdeu o equilíbrio!”,
pois desconfiava da sua mulher, que poderia estar traindo-o com seu irmão adotivo:
“não sei se houve alguma coisa! eu quase matei ela, não fiz nada, pelo meu filho
que era pequeno na época, tinha 8 anos!” (sic). Quando começou a falar deste
assunto em sessão, salientou-se o repuxamento. “Ela tentou tirar meus pertences de
casa enquanto eu estava no trabalho, então eu peguei o facão e fui em direção a
ela, daí o filho se meteu, joguei o facão no chão e peguei minhas coisas e fui
embora, quase teve um segundo assassinato na família!” (sic). Percebeu que se
procedesse dessa forma, iria repetir a história da vida do pai dele, “eu tinha
estragado a própria vida! meu filho ia ficar sofrendo, nas mãos dos outros!”(sic).
João iniciou o tratamento quando já estava no seu segundo casamento. Deste
casamento, João não teve filho. Contudo cuidou de quatro filhos do primeiro
casamento da mulher dele, sendo dois com deficiência. A diferença entre os dois
casamentos foi a qualidade de vida. No primeiro casamento “não entendia o
significado da relação”(sic).
João se afastou do primeiro filho ao separar-se, não o visitava, era uma
relação distante. Tentou manter contato depois que este filho já estava na
adolescência. Então começaram as brigas com a segunda esposa porque ela não
aceitava o rapaz na casa. João verbalizava em sessão, “É o meu filho!”.
Sua segunda mulher não queria que seu filho morasse com eles na mesma
casa. João percebeu novamente que a história estava se repetindo com seu filho e
disse que sabe muito bem o que é ter um pai ausente. Sentiu-se culpado por não ter
aguentado mais tempo com a primeira esposa e verbalizou “gostaria de ter criado
ele”. João avaliou questões da segunda esposa, “eu comprei os problemas dela, eu
perdi de viver minha vida, e não tive filhos com ela, acho que atrasou minha vida!”. O
paciente tornou-se capaz de avaliar seus caminhos percorridos.
João relatou que seu casamento estava mal, “minha mulher trata meu filho
ruim eu já fui criado por madrasta, eu tenho essa experiência no corpo, eu tenho
calo no corpo!”(sic). Freud, em seu texto “Disposição à neurose obsessiva” (2006,
p.344), afirma: “...mas tenho boas razões para asseverar que todos possuem, em
seu próprio inconsciente, um instrumento com que podem interpretar as elocuções
do inconsciente das outras pessoas”. Assim João contou que brigaram feio, ela
jogou na cara brigas antigas, ele não revidou. Então ela pegou um facão e batia com
o facão na cabeça, “ela começou a chorar” (sic). Ele dizia para ela “quer se
machucar, então se machuque”. Isso foi o estopim para o fim do segundo
casamento.
João disse “sou uma galinha que adota os filhos dos outros”, referindo-se ao
seu comportamento de educar e cuidar dos quatro filhos da segunda esposa. “Eu dei
mais afeto para os filhos dela do que para o meu! eu tenho no couro a marca da
madrasta, eu vi no olhar da minha esposa, o olhar da madrasta do passado! eu
estava sendo governado pela cabeça dos outros e esqueci do meu filho!”(sic). O
paciente pediu a separação e esta disse que iria se matar, “se suicidar, pegou a
corda do roupão, se afogou, então ela viu que eu não estava nem aí para ela, ela
puxou meu cabelo. Ela apelou de tudo quanto é jeito”(sic). A segunda esposa foi
embora de casa e João contou isso apresentando felicidade na face e na voz. Disse
que estão somente ele e o filho em casa.
O paciente falou num tom de voz bravo que seu filho não se interessa por
nada, “Gostaria que ele fosse mais adulto! ele fica o dia todo em casa”(sic). Parece
haver um conflito interno entre o filho real e o filho ideal. João proferiu que seu filho
usa drogas, maconha, e este alegou que é para inspirar-se para escrever músicas.
Verbalizou que não tem mais paciência com este tipo de situação, “que não quer um
drogado dentro de casa, que não sabe lidar com isso” (sic). O paciente vai se dando
conta das suas limitações como pai e homem, e também esta situação da
drogadição em casa. Contou que disse para o filho “que na Bíblia tem dois
caminhos, o do bem e do mal, se ele escolher o do mal, não vou poder te ajudar!”.
João começa a definir posições subjetivas no seu contexto familiar e percebe que
seu filho está imaturo para a idade, “acho que meu filho está na infância, ele vai para
casa do pai ou da mãe, para fugir das responsabilidades”. João percebeu e
reconheceu o filho real.
João disse que fez um trato com Deus, quando rezaram uma missa para o pai
dele, de que não iria mais guardar ressentimento, mágoas das pessoas. A partir
desse dia começou a conversar com seus inimigos. Deixou para que Deus
resolvesse os problemas com os inimigos, “a gente não deve conviver com raiva,
com ódio, porque senão atrasa a vida da gente. Talvez seja isso que minha vida
esteja correndo tudo bem” (sic).
Quando voltou de suas férias no trabalho, ocorreu outro assalto, e relatou:
“me revolta a violência e ninguém faz nada, a gente trabalha e luta para não ver
nada”. Fala que agora está mais fácil para sair da empresa, pois está “sozinho”.
João coloca por meio de palavras o que era da ordem do não dizível. Assim,
relatou: “agora to me sentindo tranquilo, ta tudo bem, não tem problema, to sentindo
uma paz, dá gosto de voltar para casa, antes eu tinha que ficar dando satisfação. A
gente aprende com o mundo. O mundo ensina é só querer escutar, querer ver” (sic).
Verbalizou que nunca tinha desabafado e tirou um peso das costas, e isso foi um
alívio “soltar tudo para fora”. “Mudou tudo na minha vida, senso de humor,
tranqüilidade” (sic).
João percebeu que não tinha culpa por fatos ocorridos no passado. “Minha
vida foi uma tragédia, eu sentia vergonha, eu não tive responsabilidade sobre meu
passado, principalmente de pai e mãe”. Reconhece-se parte de sua família, embora
não tome a responsabilidade dos atos dos outros para si.
Fala que na sua casa o tratamento será diferente com seu filho, “eu quero que
quando meu filho chegue em casa, ele seja bem tratado!. Agora eu sou maduro, não
vou deixar o meu filho!, tem lugar para todo mundo!”. Observa-se nesse relato que
João passou a perceber-se de lugar onde ele respondia, que agora ele poderia
exercer a função de pai, a partir do momento que ele pode falar deste pai.
Começou a namorar uma vizinha de 22 anos. “É um namoro sério, fui falar
com o pai dela”. Para falar de sua felicidade, ele disse: “estou como uma gansa com
50 gansinho!” (sic). Expressou medo de ela ter vergonha de andar com ele, por ele
ser mais velho (23 anos de diferença). João inicia seu movimento de reinserção “to
começando na família e encaixar de volta nos laços familiares”(sic). João vai ser pai
novamente e disse: “uma criança preenche o vazio que pode existir! Quando o bebê
nascer vou ficar mais feliz. Eu to curtindo a gravidez, o bebe pula pra lá e pra cá. O
que vier, menino ou menina, vai ser bem-vindo, pela minha parte será amado”(sic).
Conclui-se que João passou a controlar sua vida, iniciou fazendo escolhas
conscientes na sua vida. João no último dia de tratamento salientou “A minha vida
está no recomeço de novo, eu to tentando mudar meu ritmo de vida. A gente
envelhece quando o espírito envelhece! O futuro a Deus pertence, eu não quero
usar mascara! to me sentindo bem, deixei o resto para trás” (sic).
Freud, em seu texto “Conferência XXVII - Transferência”, afirma:
“...um quadro diferente do retorno a saúde de um paciente neurótico, o de
que, após submeter-se ao cansativo trabalho da psicanálise, eles se
transformaria em outro homem: mas o resultado total, assim parece, é que
ele, antes, tem menos coisas inconscientes e mais coisas conscientes do
que tinha anteriormente....o neurótico realmente curado tornou-se outro
homem, embora no fundo, naturalmente permaneceu o mesmo; ou seja,
tornou-se o que se teria tornado na melhor das hipóteses, sob condições
mais favoráveis”. (2006, p.437).
O paciente apresentou comportamentos conscientes diante das situações que
a vida lhe apresentava. Contudo, não foi possível realizar uma análise de fato, pois
ficamos em entrevistas preliminares. Haveria necessidade de um tempo maior para
analisar e perceber mudanças efetivas no sujeito. O paciente foi desligado porque a
empresa na qual ele trabalhava não renovou o contrato com a psicóloga. Foi
proposto a ele dar continuidade ao tratamento; no entanto, ele não aceitou, pois não
contava com recursos financeiros, e provavelmente seu desejo não era mais
comparecer às sessões. Segundo o texto de Freud, em “Conferência XXVII –
Transferência”, afirma: “Para nós é impossível ceder as exigências do paciente,
decorrentes a transferência”. (2006, p.444).
5 RESULTADOS
João apresentou projeção em relação ao pai, que consiste num mecanismo
de defesa que o indivíduo, estando em análise ou não, "projeta" suas próprias
motivações, seus pensamentos, desejos e sentimentos indesejáveis numa ou mais
pessoas.
O pai de João tinha um comportamento ameaçador quando ele e seus
irmãos eram pequenos. Hoje com 44 anos, este apresentou o mesmo
comportamento de vivência de ameaça. Freud faz referência no texto “Início do
Tratamento” ao fator importante da revivência dos protótipos infantis.
No texto Conferência XXVII – Transferência, Freud ressalta:
“O novo material que nós aduzimos inclui, em primeiro lugar, o lembrete de
que a decisão anterior levou à doença, e a promessa de que um caminho
diferente levará à recuperação, inclui em primeiro lugar, a enorme
modificação em todas as circunstâncias, que se efetuou desde a época da
rejeição original. Naquela época o ego era frágil, infantil e, talvez, pode ter
tido razões para proibir, por lhe parecerem um perigo as exigências da
libido”. (2006, p.440).
Outro fator que emergiu nas sessões foi que João começou a chamar seu
filho de “meu filho”, reconhecendo assim seu papel e função de pai, que antes não
fora exercido, pelas intempéries da vida. Destacou-se um movimento de
reaproximação de pai e filho, de reconhecimento mútuos, pois, como ele disse: “eu
estava com o amor perdido do meu filho dentro de mim!”(sic).
Foi depois de resgatarmos a história do seu pai que João se permitiu ser pai,
percebendo que “só reconhece aquilo que conhece”. Freud no seu texto intitulado
“Os instintos e suas vicissitudes” (2006, p.136) esclarece, na nota de roda pé, que
há uma tendência na ambivalência instintual de oscilar entre o amor e o ódio.
João assim se expressou: “Eu não lutava pelos meus interesses. Tô tendo
mais visão no pensamento!”. Freud no texto “Conferência XXVII – Transferência”
prediz “...ao alargamento dos horizontes intelectuais mediante esclarecimentos
surpreendentes e liberalizantes que o tratamento traz consigo”. (2006, p.441).
Assim, constatou-se que João está se bancando nas suas escolhas. Dentro
da transferência estabelecida com o paciente, adquiriu a responsabilidade por si
próprio. Mais uma vez recorre-se a Freud que, em seu texto intitulado “Conferência
XXVII – Transferência”, afirma que “...e tudo que procuramos levar a efeito é, de
preferência, que o paciente venha tomar decisões por si mesmo”. (2006, p.435).
Houve outros assaltos, e João mostrou-se calmo diante de situações
estressoras. O filho falou que estava usando drogas, e ele demonstrou um
comportamento de lutar pelo filho, para tirá-lo deste mundo. Percebeu em si mesmo
que estava se ambientando em ser pai, passou a conversar com a ex-esposa, mãe
de seu filho, para entender e compreender seu filho. Quando o filho passa a cobrar e
ele a perceber que pode ser pai, este se valoriza como sujeito da sua própria vida,
responsável por seus atos. Percebeu-se que João passou a construir uma nova
história entre pai e filho.
Asseverou nas últimas sessões que seu pai era uma pessoa boa, “ele era
alcoólatra, ele era doente“. Assimilou uma percepção diferenciada do pai, uma
resignificação. João percebeu em sessão que a história se repetiu: pai ausente, seu
pai também foi ausente, mas o final pode ser diferente, resignificando algumas
coisas, e fazendo escolhas mais conscientes, sem se confundir com o ideal. O
objetivo de uma análise seria, segundo o texto de Freud, em “Conferência XXVII –
Transferência”:
“Transformando a coisa inconsciente em consciente, suspendemos as
repressões, removemos as precondições para a formação dos sintomas,
transformamos o conflito patogênico em conflito normal, para o qual deve
ser possível, de algum modo, encontrar uma solução”. (2006, p.437).
Hoje este paciente encontra-se calmo e com as idéias organizadas,
pensando antes de agir. Ele disse: “coisas escondidas foram abertas, comecei a me
soltar depois que comecei a falar”. No texto a Conferência XXVII..., Freud afirma que
com a transferência, tanto positiva quanto negativa, é possível ao analisante e ao
analista “abrir os mais secretos compartimento da vida mental” (FREUD, 2006, p.
445) do paciente.
João apresentou, no tempo em que escutei suas palavras, um aumento da
autoestima, maturidade, responsabilidade e reconhecimento diante de suas
limitações e capacidades. Resignificou fatos em a sua vida e suas escolhas. Diante
disso, ressalta-se uma frase do próprio paciente sobre o tratamento: “agora me sinto
livre”.
Freud no texto “Conferência XXVII – Transferência” afirma: “Uma pessoa
que se tornou normal e livre da ação de impulsos instintuais reprimidos em sua
relação com o médico, assim permanecerá em sua própria vida, após o médico
haver-se retirado dela”. (2006, p.445).
6 CONCLUSÃO
Enfim, para percorrer o caminho de uma análise, o analisante precisa imbuir-
se de coragem e disposição, pois olhar para dentro de si mesmo é uma tarefa árdua
e de inestimável delicadeza, tanto para quem fala como para quem ouve. Partilhar
segredos, conviver com limitações e perceber capacidades, é um tornar a ser,
passar de passivo diante da vida para ativo na tomada de decisões, sempre focado
na verdade de cada sujeito. Conforme Freud coloca: “Uma pessoa que se tornou
normal e livre da ação de impulsos instintuais reprimidos em sua relação com o
médico, assim permanecerá em sua própria vida, após o médico haver-se retirado
dela”. (2006, p.445).
Este estudo de caso foi uma contribuição teórico-prática de elucidar, ajudar e
perceber a transferência na prática clínica na área da psicologia. Há muito o que
estudar e escrever sobre os fenômenos psíquicos sob a ótica psicanalítica. Sabe-se
que este estudo é uma gota num oceano infindável de possibilidades, contudo, sem
esta gota, o oceano seria menor, parafraseando Madre Tereza de Calcutá.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Dinâmica da Transferência”. Com comentários e notas de James Strachey: em
colaboração com Ana Freud;assistido por Alix Strachey e Alan Tyson, traduzido do
alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão: - Rio de Janeiro:
Imago,1996. V.12, 2006.
2.FREUD, S. 1856-1939. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud;
“Conferencia XXVII - Transferencia”. Com comentários e notas de James
Strachey: em colaboração com Ana Freud;assistido por Alix Strachey e Alan Tyson,
traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão: - Rio de
Janeiro: Imago,1996. V.16, 2006.
3.FREUD, S. 1856-1939. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; “Sobre
o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise
I)”. Com comentários e notas de James Strachey: em colaboração com Ana
Freud;assistido por Alix Strachey e Alan Tyson, traduzido do alemão e do inglês sob
a direção geral de Jayme Salomão: - Rio de Janeiro: Imago,1996. V.12, 2006.
4.FREUD, S. 1856-1939. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; “Os
instintos e suas vicissitudes”. Com comentários e notas de James Strachey: em
colaboração com Ana Freud;assistido por Alix Strachey e Alan Tyson, traduzido do
alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão: - Rio de Janeiro:
Imago,1996. V.14, 2006.
5.FREUD, S. 1856-1939. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; “Luto e
Melancolia”. Com comentários e notas de James Strachey: em colaboração com
Ana Freud;assistido por Alix Strachey e Alan Tyson, traduzido do alemão e do inglês
sob a direção geral de Jayme Salomão: - Rio de Janeiro: Imago,1996. V.14, 2006.
6.FREUD, S. 1856-1939. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; “ A
disposição à neurose obsessiva – uma contribuição à escolha da neurose”.
Com comentários e notas de James Strachey: em colaboração com Ana
Freud;assistido por Alix Strachey e Alan Tyson, traduzido do alemão e do inglês sob
a direção geral de Jayme Salomão: - Rio de Janeiro: Imago,1996. V.12, 2006
7.KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de
Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
8.LACAN, J. Seminario, livro11: os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
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