Post on 13-Jan-2020
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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES
CAMPUS FREDERICO WESTPHALEN/RS
Departamento de Linguística, Letras e Artes
Mestrado em Letras - Área de concentração: Literatura Comparada
Linha de pesquisa: Comparatismo e Processos Culturais
UM ESTUDO DO RPG VAMPIRO:
A MÁSCARA EM CONTATO COM A ANÁLISE DO DISCURSO
REFLEXÕES SOBRE IDEOLOGIA
Mestranda: Bibiane Trevisol
Orientadora: Profa. Dra. Maria Thereza Veloso
Frederico Westphalen, setembro de 2016.
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BIBIANE TREVISOL
UM ESTUDO DO RPG VAMPIRO:
A MÁSCARA EM CONTATO COM A ANÁLISE DO DISCURSO
REFLEXÕES SOBRE IDEOLOGIA
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do Título de Mestre em
Letras pela Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões – URI, Câmpus
de Frederico Westphalen. Área de
concentração: Literatura Comparada.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Thereza Veloso
Frederico Westphalen, RS, Brasil
Setembro de 2016
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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES
CAMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN
MESTRADO EM LETRAS – ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LITERATURA
COMPARADA
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
UM ESTUDO DO RPG VAMPIRO:
A MÁSCARA EM CONTATO COM A ANÁLISE DO DISCURSO
REFLEXÕES SOBRE IDEOLOGIA
Elaborada por
BIBIANE TREVISOL
Como requisito parcial e final para a obtenção do grau de
Mestre em Letras
COMISSÃO EXAMINADORA:
___________________________________________
Profa. Dra. Maria Thereza Veloso – URI
(Presidente/Orientadora)
__________________________________________
Profa. Dra. Vanessa Ribas Fialho - UFSM
(1ª arguidora)
_________________________________________
Profa. Dra. Rosângela Fachel de Medeiros – URI
(2ª arguidora)
Frederico Westphalen, setembro de 2016.
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Conheça todas as teorias...
Domine todas as técnicas...
Mas ao tocar uma alma humana...
Seja apenas outra alma humana...
(Carl Jung)
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AGRADECIMENTOS
Ao escrever este trabalho de Dissertação, muitos fatores contribuíram
para.que ele fosse concluído. Deles, o mais imprescindível foi a paciência que
necessitei buscar em mim mesma e também a que tiveram comigo, pelos grandes
momentos de ausência.
Primeiramente e acima de todos, agradecer a minha Mãe, Leda Trevisol, que
sendo eu ainda pequena me incentivou no caminho das Letras e me ensinou tudo
que pode para me tornar uma pessoa melhor. Cada sermão, aviso, carinho, abraço
me fizeram o que sou hoje. Quero fazer que cada sacrifício teu, mãe, para me dar o
melhor que um filho poderia ter, seja recompensado com alegrias e orgulho. Não
seria nada sem você, te amo infinitamente. <3
Também um agradecimento mais que especial para meu marido, Simão
Cireneu Milani, o mais prejudicado na questão da ausência, pois passei vários dias
e noites diante da tela deste computador. Ele esteve sempre ao meu lado e
acalmando meus ânimos quando queria jogar tudo para cima, trazendo xícaras de
café e um carinho de que eu necessitava muito. Também te amo infinitamente <3.
Minha orientadora, Professora Doutora Maria Thereza Veloso, agradeço por
todo conhecimento, auxílio e tempo despendido ao meu trabalho (desde a
Especialização, por sinal). Saiba que quero ter pelo menos um pouquinho desta
maneira de ensinar, que me cativa a cada dia, de ser uma professora melhor.
E agora aos meus grandes amigos que não me abandonaram por todo este
tempo:
- Cassiano Prado e Christian Kayser, vocês sabem que este trabalho é um
pouco de vocês também! Me ajudaram em infinitas partes, sem isso a conclusão
desta Dissertação não seria possível. Thanks my friends. <3
- Mateus Dagiós, meu amigo (quase) Doutor, que sempre me aguenta
surtando sobre os assuntos mais diversos. Obrigada por todos os conselhos e pela
paciência ao tratar comigo. <3
- Lieber Barberini, Douglas Martins Vieira, Maria Cristina Aita, apesar de
eu não estar com a mesma frequência na casa de vocês, como antes do Mestrado,
preparem-se, pois voltarei. <3 Obrigada por entenderem minha ausência.
- Sidinei Antonio Novelo e Vicente Camillo, os que sempre ouviram meus
gritos para me tirarem do tédio e solidão que envolveram neste processo de escrita,
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me acolhendo em suas residências para jantares e algumas garrafas de algo forte,
ou apenas para jogar conversa fora. <3 Obrigada por estarem presentes quando
precisei.
Não poderia deixar de lembrar as Professoras que desde a graduação em
Letras me auxiliaram nesta jornada:
- Professora Maria Eloisa Zanchet, que nunca me deixou desistir desta vida
acadêmica e que me fez ter a certeza de que estava no caminho certo.
- Professora Jubila Laforce, que mesmo não estando mais neste mundo,
deixou o maior legado que alguém poderia imaginar: o amor pela Literatura e o
respeito pelo ser humano. E, novamente, obrigada pelas melhores aulas de
Literatura que este mundo já viu...
- Professora Doutora Rosângela Fachel de Medeiros, Professora Doutora
Sílvia Helena Pinto Niederauer e Professora Doutora Ilse Maria da Rosa Vivian,
que foram mais que docentes, tornaram-se amigas e conselheiras em vários
momentos. Carregarei cada ensinamento para todo o meu sempre.
Agradecimentos formais à URI - Câmpus de Frederico Westphalen, por ter
me acolhido desde a Graduação até o Mestrado, vários anos de parceria e serviços
que foram de grande valia para a conclusão e êxito deste passo acadêmico. E, por
fim, à CAPES, que financiou a Bolsa de Pós-Graduação Integral, dando um auxilio
imensurável e necessário para a conclusão do Mestrado.
Para todos, a minha gratidão e agradecimento mais sinceros que eu
conseguir exprimir do meu coração. <3
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RESUMO
Esta Dissertação registra uma leitura de cunho comparatista tendo como base a obra Vampiro: A máscara, de Hagen (1998), as criações narrativas exclusivas de Prado (2016), Kayser (2016) e Trevisol (2016) e os áudios gravados durante uma sessão de RPG, narrada por Milani (2016). O enfoque do trabalho está no processo de criação discursiva e ideológica de cada personagem e, também, em como acontece a interação social perante um sistema econômico opressor em que o livro-base é ambientado. É da Análise do Discurso de linha francesa o aporte teórico básico para as reflexões. Na perspectiva de Pêcheux e Orlandi, a Ideologia é abordada principalmente pela perspectiva do materialismo histórico na releitura feita por Althusser. O corpus do trabalho apresenta os Recortes Discursivos, retirados das narrativas escritas para a criação dos personagens, e os Recortes Áudio-discursivos selecionados da gravação da ação dos personagens em contato e interação com o ‘Mundo Das Trevas’. As reflexões e análises apontam que o RPG é uma maneira de estabelecer uma crítica ao sistema capitalista que temos na realidade, pela paridade de discursos semelhantes aos do Mundo das Trevas, que é fictício. Cada um dos personagens, por ser de uma classe social diferente, mostra as diversas facetas de como é fragmentada a maneira com que o sistema atinge cada um deles, mostrando que a ideologia é algo que é imperceptível ao sujeito, pois age do exterior para o interior, afetando-o invisivelmente, possuindo uma força ideológica totalmente poderosa sobre a sociedade.
Palavras-chave: Análise do Discurso. Recorte discursivo. Recorte Áudio-discursivo. Ideologia. Sujeito. Role Playing Game.
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ABSTRACT
This dissertation proposes a comparative reading of the work Vampire: The Masquerade Created by Hagen (1998), the exclusive narrative creation of Prado (2016), Kayser (2016) and Trevisol (2016) and the audio files recorded during an RPG session, narrated by Milani (2016). The aim of this paper is in the process of the discursive and ideological creation of each character as well as how the social interactions happen before the oppressive economic system in which the work is set. By using the French line of studies of Discourse Analysis as contribution for the pondering in this paper, in the perspective of Pêcheux and Orlandi and the Ideology will be addressed mainly through the perspective of historical materialism made on a rereading by Althusser. The corpus of the paper will present the Discursive Fragments withdrawn from written narratives for the creation of the characters and the Audiodiscursive Fragment selected from the recordings of the character's actions in interacting with the World of Darkness The thoughts and the analysis indicate that the RPG is a way of establishing criticism on the capitalist system that we have in reality because of the similarity with the discourses contained in World of Darkness, which is a fictional setting. Each of the characters with their various social backgrounds, show different facets of how fragmented the way with which the system reaches to each one of them, showing that the ideology is something imperceptible by the subject, for it acts from one's outside to one's inside, affecting them invisibly, but it has an ideological strength completely powerful in society. Keywords: Discourse Analysis. Audio discursive Fragments. Ideology. Subject. Role Playing Game.
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SUMÁRIO
PREMISSAS ANTERIORES À ANÁLISE ............................................................................. 11
1 PRIMEIROS APORTES PARA O ESTUDO DO RPG ................................................... 13
1.1 O RPG como objeto de pesquisa ........................................................................... 13
1.2 O estereótipo do vampiro na literatura e no cinema ............................................... 19
1.3 A preparação da sessão ........................................................................................ 21
1.3.1 A criação da ficha ........................................................................................... 22
1.4 Ambientação da crônica: Los Angeles, Califórnia, EUA – vivendo na maior potência
capitalista do planeta ........................................................................................................ 28
2 OS VAMPIROS ‘DIFERENTES’ PERMEADOS PELA IDEOLOGIA .............................. 34
2.1 Descobrindo o vampiro do RPG ............................................................................ 36
2.1.1 A transformação, alimentação e luta interior ................................................... 36
2.1.2 A ambientação do “Mundo das Trevas” e a “Máscara” ................................... 44
3 ANÁLISE DO DISCURSO EM CONTATO COM O VAMPIRO: DOS RECORTES
DISCURSIVOS E AUDIODISCURSIVOS ............................................................................ 50
3.1 A escolha dos clãs ................................................................................................. 52
3.1.1 O Gangrel ....................................................................................................... 53
3.1.2 O Nosferatu .................................................................................................... 57
3.1.3 O Ventrue ....................................................................................................... 62
3.1.4 Apresentação dos personagens: a criação de uma identidade ....................... 70
3.2 A milionária, o estrangeiro e o pobre: análise dos Recortes Discursivos ............... 75
3.3 A crônica “The Blood State”: análise dos Recortes Áudio-discursivos ................... 95
3.3.1 Recorte Audio-discursivo I – Ambientação antes da crônica ........................... 97
3.3.2 Recorte Áudio-discursivo II – Primeira interação entre os personagens ......... 97
3.3.3 Recorte Áudio-discursivo III – O encontro com o Príncipe .............................. 99
3.3.4 Recorte Áudio-discursivo IV – Início da missão ............................................ 101
3.3.5 Recorte Áudio-discursivo V – A busca pelo alvo ........................................... 103
3.3.6 Recorte Áudio-discursivo VI – O discurso do Príncipe .................................. 104
ANEXOS ............................................................................................................................ 113
ANEXO 1 ....................................................................................................................... 114
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ANEXO 2 ....................................................................................................................... 114
ANEXO 3 ....................................................................................................................... 123
ANEXO 4 ....................................................................................................................... 132
ANEXO 5 ....................................................................................................................... 136
ANEXO 6 ....................................................................................................................... 137
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PREMISSAS ANTERIORES À ANÁLISE
Observando os estudos desenvolvidos na área de Letras, percebe-se uma
grande repetição nos gêneros literários e não literários usados como corpus de
pesquisa. Visando a esta inovação, e dando prioridade ao contexto social que
necessita ser abordado na literatura para que assim possa ter relevância e
notoriedade para a sociedade, o RPG (role play game) foi escolhido para ser o
gênero específico desta pesquisa. Sendo parte integrante de um gênero mais
abrangente, especificamente a literatura gótica, ele é uma forma diferente de se
fazer literatura, pois não há um roteiro, apenas um livro base para que haja a
interação dos jogadores e algumas regras para que a interpretação seja feita de
acordo com o tema proposto, no caso deste trabalho, um mundo habitado por
vampiros.
A AD (Análise do Discurso) de linha francesa foi a teoria mais apropriada para
a análise desejada, pois abrange a linguística e as ciências sociais. Por levar em
conta a linguagem como sujeito e situação, não simplesmente agrupa o que está
separado entre estas duas áreas, mas também estabelece uma contradição entre
estes saberes, tendo como objeto de estudo o discurso em si. A ideologia é vista
como imaginário na AD, sendo a interpretação das relações da linguagem com a
história em seus mecanismos imaginários, dando um efeito de separação entre os
dois, em que a convergência se dá graças a essa teoria.
As premissas antes citadas encaixam o trabalho na Linha 2 do Mestrado em
Letras da URI: Comparatismo e Processos Culturais, pois faz inquirições a respeito
da maior potência capitalista do mundo. Com base nestas inquirições, é proposta
uma comparação através de Recortes Discursivos para encontrar as convergências
discursivas e ideológicas as histórias criadas por leigos em questão de escrita e
assim encontrar estes traços, em específico com os personagens apresentados
como base para a criação da ficha de jogo do RPG. Apresentam-se também
Recortes Audiodiscursivos que abarcam a interação dos personagens em relação ao
mundo que estão inseridos, suas ações e atitudes perante o sistema implantado pela
organização que rege os vampiros, item abordado no Capítulo 2.
Em relação ao corpo do trabalho, está dividido em três capítulos, que serão
apresentados de forma concatenada em relação à teoria e à análise, sem a divisão
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teórica, sem haver um capítulo específico para a retomada da teoria analítico-
discursiva e metodológica, porque na condição de suporte teórico, elas se diluem no
fazer analítico. No primeiro Capítulo constam as disposições sobre a importância do
RPG como objeto de estudo e a sua classificação, seguido por uma apresentação do
vampiro estereótipo, conhecido da literatura e obras cinematográficas, uma
desconstrução de uma ficha de RPG para que sejam sanadas as dúvidas sobre
como se constrói um personagem e como se joga efetivamente, e um breve aporte
sobre o país onde são alocados os cenários da obra e seu respectivo sistema
econômico, que neste caso será Los Angeles, no estado da Califórnia, Estados
Unidos.
O sistema econômico foi o tema escolhido para que a comparação se
tornasse possível, ficando evidente, na leitura do corpus literário Vampiro: a
máscara, a ambientação da narrativa no Ocidente, em um sistema capitalista em
que os vampiros necessitam utilizar a “Máscara” para poderem viver entre os seres
humanos, drenando sangue para sua sobrevivência. Esta comparação elucida a
metáfora presente nesta obra, que tem por definição, na AD, como um fenômeno
semântico que provoca um deslizamento de sentido através de uma substituição
contextual. O Capitalismo é o novo significado que foi deixado nos pontos de deriva
(no campo das análises de procedimentos, vê-se como interpretação, produzindo
uma intervenção real do sentido), trazendo uma nova significância para o seu uso
em relação ao jogo.
O terceiro Capítulo está composto pelas análises propriamente ditas, tanto
dos Recortes Discursivos quanto dos Recortes Áudio-discursivos, dos personagens,
estabelecendo um paralelo entre raças de vampiros que são semelhantes ou
diferentes, estereotipando certas classes sociais e modismos de cada sociedade,
como uma grande metáfora da realidade, tendo como suporte teórico a Análise do
Discurso.
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1 PRIMEIROS APORTES PARA O ESTUDO DO RPG
1.1 O RPG como objeto de pesquisa
Quando se fala em RPG, há muita confusão para se definir do que realmente
se trata. Muitos não sabem o que é ou de onde provém, chegando a ser confundido
com os tratamentos de RPG (Reeducação de Postura Global) utilizados na área da
Fisioterapia. Quem sabe do que se trata, não generalizando, não o consideram
como algo importante, pensando se tratar apenas de um jogo, uma diversão, sem
cunho educacional nem literário. Os estudos no campo da Educação chegaram
primeiro à conclusão de que o RPG teria utilidade para o ensino, pois trabalha a
criatividade, oratória e como lidar rapidamente com problemas que são propostos na
história. Duas perguntas foram cabíveis para esta pesquisa – uma delas, por que
não estudar o RPG na Literatura? A outra, para fins deste trabalho, por que não
associá-lo a uma teoria como a Análise do Discurso de linha francesa?
Dentre as várias concepções sobre o que é literatura, temos uma que se
fundamenta no princípio de ser uma arte de criar/recompor textos e isto foi levado a
sério pelos educadores que só viram uma faceta neste jogo: o da criatividade. Sob a
perspectiva do aspecto literário, tendo como princípio a tradição de contar histórias
como intrínseca na sociedade, podemos traduzir para o português a sigla RPG (que
em inglês é Role Playing Game), como ‘jogo de encenação’, que, de forma
superficial, resume-se em ouvir uma história contada por um narrador e agir de
acordo com o personagem para quem você mesmo criou uma biografia, com
características físicas e psicológicas. A partir do momento que a história começa,
assume-se um papel e não se sai dele até o final da narrativa.
Assim sendo, pode-se notar a presença da narrativa oral, tradicional e
presente na vida de todas as pessoas, pois não há quem, em algum momento, não
tenha parado para ouvir uma pessoa mais idosa ou até mesmo um amigo contar
uma história. O RPG tem características que fazem dele um gênero único e
incompreendido: é diferente de todos os outros que são conhecidos, pois a história
nunca estará completa. Nos livros, apenas estão elencadas a ambientação e
algumas diretrizes para que o jogo tenha boa fluidez para os jogadores.
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Situando a origem do RPG, pode-se dizer que é um dos primeiros gêneros
de jogos de interação e possivelmente um dos que têm a maior variedade de formas
ao redor do mundo, servindo de inspiração para a evolução dos jogos de
computador em relação à história e personagem. Primeiramente, a inspiração para a
forma moderna de RPG veio do pioneiro Dungeons & Dragons, na década de 70 e,
desde então, começaram a surgir, além de uma enorme variedade de estilos,
também publicações em outras mídias incluídas as digitais e não digitais, dando a
possibilidade de o jogo acontecer apenas entre conhecidos e fisicamente, ou com
centenas de pessoas de todo lugar ou distância geográfica. Essa interação com
pessoas diferentes cria a cada nova narrativa uma enormidade de experiências e de
percepções de mundo, pois cada pessoa irá reagir a algum fato, contado com base
em suas vivências, gostos pessoais, crenças e percepções, em que cada palavra
dita pode mudar toda situação do jogo.
O criador da versão do jogo pioneiro de RPG Dungeons & Dragons, em sua
versão 4.0, Heinsoo (2008), menciona ainda que, antes deste, haviam os wargames
- jogos de estratégia, jogados com bonecos de chumbo, em que eram recriadas
batalhas históricas de guerras e
conflitos. Logo depois, Gary
Gygax criou o Chainmail, que
incorporou criaturas mágicas e,
ao invés de ser do jogador
controlar um exército, controlava
apenas um personagem, não
havia mais combate com os
amigos, mas sim uma união para
cumprir um objetivo em comum
(p. 7).
O insight de criar o
Dungeons & Dragons aconteceu
quando, após a explosão de
histórias medievais fantásticas de
J. R. Tolkien (autor da saga
Senhor dos Anéis), Gygax e Capa da obra "Vampiro: A máscara" Fonte: Arquivo Pessoal
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Anerson resolveram associar as práticas do teatro e interpretação no contexto do
jogo, criando assim, em 1977, o primeiro volume do jogo de RPG mais conhecido do
planeta. O jogo Vampiro: a máscara teve sua criação associada com a
popularização de histórias de vampiro que estavam em circulação na década de 80
e 90 (como Anne Rice, L. J. Smith e a redescoberta de Bram Stoker). Por se tratar
de criaturas mágicas, foi possível que, com algumas modificações, o novo jogo fosse
criado, sendo a ambientação no mundo contemporâneo, com todas as suas
instâncias, o diferencial em relação ao anterior. Em relação ao jogo em si, a forma
mais comum de ser jogada é o RPG de mesa, que exige menos recursos e pode ser
jogado em qualquer lugar, a duração depende de um combinado entre o mestre e os
jogadores. O mestre, segundo Amaral (2008), é narrador, que tem a
responsabilidade de “preparar com antecedência o esboço de uma aventura, a partir
do universo escolhido pelo grupo e é responsável pelo bom andamento da mesma
apresentando desafios e surpresas a cada narração envolvendo os seus
participantes” (p. 24). O jogador é parte da narrativa do mestre; desde então, passa
a sua história previamente para que o narrador possa criar uma narrativa envolvendo
todos os jogadores e criando situações peculiares para cada um deles.
Para iniciar o jogo, é necessário ter uma cópia do livro. Tido como módulo
base, ele traz as regras básicas para jogar e entender o funcionamento primordial da
versão escolhida, que, neste caso, é Vampiro: a máscara. O sistema de regras
define a criação do personagem dentro do foco ficcional selecionado, delimitando as
características, futuras ações baseadas no estereótipo social que for escolhido.
A criação do personagem por parte do jogador acontece baseada nas
afinidades que o jogador tem com o temperamento de cada uma das classes de
vampiro que são apresentadas no livro base, o que torna o personagem
praticamente uma extensão psicológica do “dono” da ficha (local em que são
anotadas as características físicas, psicológicas e econômicas do personagem).
A construção da ficha será completamente desconstruída no decorrer da
pesquisa, separando-se cada bloco em específico, com suas particularidades e
utilizações para o personagem criado pelo jogador.
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Ficha de personagem – Vampiro: a Máscara
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Não vendo por um ângulo ingênuo, o RPG é assim como muitos livros, que
contêm alguma crítica ou deixam nas entrelinhas alguma passagem que para
maioria seria imperceptível. Para embasar esse pensamento, foi levantada a
hipótese de que há uma semelhança entre o vampiro citado no livro tido como
corpus principal e o sistema econômico do país respectivo em que a história do livro
é ambientada, neste caso, os Estados Unidos, com o Capitalismo.
Também foi escolhido o RPG pela novidade na questão dos gêneros
discursivos, pelo fato de ser uma mistura de teatro, narração, interpretação, criação
literária tanto oral como escrita e, também, dependendo da criatividade do mestre,
podendo agregar inúmeras outras formas de aumentar a miscigenação de gêneros,
como a música, a arte, tecnologia. Desta maneira, torna-se indispensável citar que o
gênero RPG não é limitado, mas sim abrangente e modificável, tendo como limite a
imaginação dos jogadores.
Essa necessidade de interação sócio cultural é saciada pelo RPG, pois, no
momento em que se está jogando, pode-se interagir com inúmeras pessoas, tanto
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conhecidas como de outros países, que quase sempre agregam algum fato ou ação
para o personagem, incluindo-se a percepção sobre cada um dos estereótipos que
acontecem nessa mescla de gêneros e são colocados no livro base, trazendo que
assim características únicas para cada um.
Quando essas mudanças são mencionadas, Machado (2001) se posiciona a
respeito deste fato que busca “explicitar os modos pelos quais as mensagens se
organizam em meio à profusão de códigos, de linguagens e, consequentemente, de
mídias”, ressignificando assim novos gêneros, tornando-se cada vez mais
complexos e demandando uma nova abordagem e uma nova definição. Transforma-
se assim o RPG em um gênero híbrido, formado pela combinação de inúmeros
outros, chamados de híbridos por sua constituição e pela mescla de outros gêneros.
Para Santaella,
o termo hibrido é utilizado para caracterizar as instabilidades, interstícios, deslizamentos e reorganizações constantes dos cenários culturais, as interações e reintegrações dos níveis, gêneros e formas de cultura, o cruzamento de suas identidades, a transnacionalização da cultura, o crescimento acelerado das tecnologias e das mídias comunicacionais, a expansão dos mercados culturais e a emergência de novos hábitos de consumo. (SANTAELLA, 2008, p. 20)
Por esse hibridismo, na hora da classificação, o RPG - especificamente nas
obras escolhidas para a execução deste trabalho, em relação à sua temática
fantasiosa, com vampiros, morte, loucura, sexualidade aflorada, tortura física e
psicológica, obscuridade, paradoxos entre o divino e o satânico, seres sobrenaturais
- está situado fortemente na Literatura Gótica, gênero literário tido como uma
vertente do Romantismo, que procurou entrar no lado obscuro do sentimento e
começou a tratar de temas que iam em completo desencontro às tradições que
estavam enraizadas da sociedade daquela época. Teceu-se assim um paradoxo
extremamente binário entre estes assuntos: sonhos se tornavam pesadelos, amor
era convertido em solidão e ódio, o belo ficava tétrico e sem luz, a sanidade seria
sempre questionada.
Este tipo de literatura foi sempre considerado marginal, pois entrava em
conflito com o que era idealizado e reproduzia um retrato da sociedade e, em
consequência, da humanidade que, apesar de verdadeiro, era negado pelos autores
românticos, causando assim um estranhamento convexo com um choque de
realidade.
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O termo “gótico” tem sua origem em um povo da antiga região da
Escandinávia, os “godos”, que eram conhecidos pela sua barbárie e brutalidade,
dando assim origem à palavra, que passou a ser usada também como xingamento e
sinônimo de desprezo. Este povo foi o primeiro de origem germânica a ser
convertido para o Cristianismo e ao chegarem à Itália e começarem a exercer a
cultura arquitetônica em monumentos. Outra vez foi taxada pejorativamente toda a
arte de gótica, ampliando-se assim o uso da palavra. Ao contrário do que seria o
fluxo normal das ideias e conceitos, quando uma arte é taxada pejorativamente, ela
deveria ser esquecida, a obra gótica foi sendo cada vez mais reconhecida e
admirada pela ousadia, resistências de suas construções e principalmente pelo
tamanho colossal dessas edificações, que dava um ar de insignificância para quem
estivesse perto ou em contato com elas. Para Fonseca,
O nome gótico significou arquitetura antes de significar literatura (...). A arquitetura gótica objetivava um efeito emocional sobre as pessoas, evocando a sensação de estar a mercê de um poder superior, diante do qual o homem se sente vulnerável e insignificante. Em suma, um espaço do oculto e do não-explicável. (FONSECA, 2009, p. 43)
Estes castelos, igrejas, mansões e outras edificações que eram permeadas
de imensas torres, vitrais com temas tristes, gárgulas e não tinham muita passagem
de luz, tornando o ambiente frio e úmido, sendo o contrário do estilo romano que
imperava na Europa até então, teve sua reputação manchada ainda mais por ter
sido classificada como a arte que invadiu e profanou a arquitetura cristã tradicional.
Por estes motivos, estas construções começaram a atrair a atenção de escritores
que fizeram delas palco para histórias com o imaginário sobrenatural. Pela sua
estrutura obscura e triste, dão um tom verossímil às histórias, dando-se assim o
início da Literatura Gótica.
Quando se situa o corpus deste trabalho na Literatura Gótica, coloca-se o
leitor/jogador em contato com os vampiros e toda a fantasia obscura que permeia
este mito; coloca-se em voga as manifestações sentimentais contemporâneas, que
permanecem as mesmas da Antiguidade, que vêm desta atração pelo desconhecido,
pelo macabro; do medo que, ao mesmo tempo, repele e atrai os sentimentos do ser
humano, trazendo à tona o verdadeiro anseio da humanidade, que é exatamente
este: conviver com a perenidade da vida, a incerteza da existência e do que espera
depois da morte. Quando se trata de vampiros, este medo some e dá lugar ao medo
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da solidão, justamente sendo o contrário do medo humano, o de não saber até onde
a imortalidade o levará.
O gótico trabalha com a angústia, com o estranho. Sempre foi considerado de
mau gosto, bárbaro e sem rebuscamento, mas é a representação das
transformações ocorridas na sociedade que demandaram esta nova forma de
escrita, em que a busca pela identidade se tornou imprescindível ao invés de uma
procura pelo amor eterno. Pode-se dizer que a Literatura Gótica é a maneira que
uma sociedade em crise encontrou para elucidar o que tanto a atormenta e ao
mesmo tempo a fascina. A conjuntura de contradições do mundo moderno traz
novamente essa necessidade que foi suprida pelas obras contemporâneas, tais
como Vampiro: A Máscara e Vampiros do Oriente, partes integrantes da Literatura
Gótica.
Caracterizando com base nestes aportes teóricos, podemos classificar o RPG
como um gênero híbrido, assim designado por apresentar características
pertencentes à Literatura Gótica, por tratar de temas e anseios ancestrais e ao
mesmo tempo contemporâneos, fazendo deste um estudo necessário e novo na
área da Literatura. Juntamente com a Análise do Discurso, fez-se um paralelo entre
o livro base do jogo de RPG Vampiro, notando-se, assim, a presença da ideologia no
discurso dos personagens estereótipos que servem de base para a criação do
jogador.
1.2 O estereótipo do vampiro na literatura e no cinema
Quando se menciona o vampiro, não é fácil explicar a maneira com que este
mito se fez presente na consciência coletiva. Pelo fato da condição humana não ter
domínio sobre os poderes do vampiro, e muito menos poder alcançar algum dia a
imortalidade, pode ser que surja daí essa fascinação pelo poder e a vida eterna, que,
em teoria, jamais será alcançado por um ser humano. Meldon caracteriza o vampiro
como “um cadáver reavivado que levanta do túmulo para sugar sangue dos vivos e
assim reter a aparência da vida. Esta descrição certamente se adapta a Drácula, o
vampiro mais famoso, mas é apenas um ponto de partida (XV). ” (MELDON, 2008,
s/n.)
O vampiro que conhecemos nas obras de ficção tem sua origem no centro
Europa Oriental, nos países eslavos, de onde veio inclusive a palavra “vampiro”, que
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na Transilvânia, país que tem uma cultura gótica forte, é chamado de vapir. Nesses
países, há uma grande cultura que envolve vampiros, chegando a acontecer
grandes surtos de vampirismo, levando até autoridades a investigarem se seria
possível assistência aos acometidos por este transtorno. Uma das comissões
chegou a exumar corpos para serem decapitados e terem uma estaca de madeira
cravada no coração, trazendo assim este fato como alternativa para se matar um
vampiro, ou acabar com a possibilidade desta existência. Lagarto (2008) elucida a
primeira vez em que a palavra vampiro foi utilizada:
Em 1732, é utilizada pela primeira vez a palavra “vampyre”, em França, na revista La Glaneur, incluída no relato do caso de Arnold Poole (ou Paul), um camponês que morreu em 1726, num acidente, e que foi considerado responsável pela morte de grande parte da população de uma aldeia sérvia. Tal como com Plogojowitz, foi levada a cabo uma investigação pelas autoridades e, exumado o cadáver, descobriram sangue no corpo e vestes, procedendo-se com a sua execução pela estaca de madeira no coração e posterior cremação. Poole foi, pois, classificado de vampiro. De acordo com Jean Marigny, é em 11 de Março de 1732 que o London Journal usa pela primeira vez a palavra “vampiro” na língua inglesa. (LAGARTO, 2008, p. 26)
A relação de vampiros da ficção que são mais lembrados inicia obviamente
pelo Conde Drácula, a obra de Bram Stoker que deu origem ao vampiro moderno.
Drácula tem seu figurino muito estereotipado entre os livros de vampiro. Apresenta
uma cor pálida, é alto, magro, possui lábios vermelhos e um olhar sedutor (não
somente de cunho sexual, mas também de dúvida), lembrando um perfeito
aristocrata de seu tempo. Logo após, surgem os vampiros de Anne Rice. Estes
reinventaram e trouxeram para a modernidade o mito do Vampiro. Lestat e Louis
eram, da mesma forma que Drácula, ricos, bonitos e poderosos, mantendo assim os
estereótipos do Vampiro.
Outro aspecto que sustenta a ficção vampírica e, por consequência, esse
fascínio do ser humano por eles, são os temas centrais a que a existência do
Vampiro está ligada, como a vida sem regras, a possibilidade de escapar da morte,
a sexualidade, que é envolvida sempre por sedução e luxúria, a violência para
resolver seus problemas simples, mas que, para esses seres, não acarreta nenhum
problema, o terror, a perdição e o prazer infinito, temas estes que não podem ser
plenamente vividos por um ser humano. O vampiro também possui em geral o
estereótipo de ser humano perfeito, fazendo com que nenhum dessa espécie seja
pobre, feio ou não possua um corpo espetacular.
21
Quando se entra no mundo do RPG e, por consequência, no livro base
Vampiro: A máscara, imediatamente há um choque por conta das informações que
são encontradas a respeito de vampiros, havendo assim uma quebra total de
paradigmas e estereótipos que estão arraigados na memória coletiva quando se
trata desta criatura, tema este dissertado no próximo Capítulo.
1.3 A preparação da sessão
Por ser um jogo que necessita de conhecimento prévio antes de se iniciar
uma sessão (nome dado a partida, o tempo decorrido entre o início de uma ação na
mesa de jogo até o término e a distribuição dos itens conquistados durante as
missões), a prática do RPG necessita de um certo tempo de conversas e resoluções
entre os jogadores para que todas as situações apresentem uma coerência.
Especificamente para a execução desta pesquisa, um grupo de jogadores,
incluindo a autora desta Dissertação, foi recrutado a fim de que um material concreto
fosse desenvolvido para integrar o corpus a ser analisado. Um documento de
autorização para a reprodução e utilização das criações foi entregue aos jogadores
para as demandas legais requeridas.
Quando se decide jogar RPG, a primeira ação a ser tomada será a decisão de
qual jogo será escolhido, neste caso, Vampiro: a Máscara. A leitura do livro base é
necessária a todos os integrantes do grupo, para que as regras e os conceitos
básicos sejam de conhecimento geral. Logo após é discutido em que parte do globo
terrestre será ambientado para que as informações a respeito do país, cidade
específica, costumes, sistema de governo, clima e particularidades deste lugar
possam ser estudadas por todos, proporcionando-se uma familiarização com os
aspectos gerais e, deste modo, ser possível avançar para o próximo passo.
Após ter o setting preparado, decide-se quem será o mestre narrador e os
jogadores, dando-se início à parte criativa e mais exigente, que é a escritura das
histórias específicas de cada personagem. Começa assim a interação do mestre
com os jogadores, pois será feita a escolha do clã de que cada um fará parte (exceto
o mestre, pois será ele quem criará a narrativa), levando em conta a personalidade,
gostos, sobre alguma característica do clã escolhido, enfim. Após a escolha, o
22
mestre elucida aos jogadores as restrições que serão impostas com base na história
que ele criará e assim libera os jogadores para também criarem suas histórias.
Normalmente as histórias desenvolvidas pelos jogadores são entregues em
vias impressas para o mestre, pois, no momento da sessão, essas histórias poderão
ser consultadas por algum motivo. A leitura atenta do mestre se faz muito
necessária, pois ele terá de interligar de alguma maneira os personagens para que a
interação entre eles ocorra naturalmente. O dia da sessão inicia com a preparação
da mesa e a entrega das fichas de atributos a ser preenchida com base na história
desenvolvida por cada jogador. Após a conclusão, o mestre inicia seus trabalhos,
quais sejam, narrar a história criada por ele e começar a distribuição das tarefas e
missões que devem ser cumpridas. Os materiais utilizados durante a sessão são as
fichas impressas, juntamente com a história, lápis, caneta, borracha e os dados
específicos para o jogo escolhido, neste caso, dados de 10 (dez) faces.
1.3.1 A criação da ficha
Antes de entrar definitivamente na narrativa composta pelo mestre, é
necessário fazer a distribuição dos atributos nas fichas dos respectivos jogadores. A
feitura da ficha é um processo lento, que exige muita atenção na distribuição dos
pontos que são delimitados pelo livro base. Cada jogador recebe uma ficha impressa
e ali irá colocar os dados necessários. Para facilitar a compreensão, será
desconstruído um exemplo de ficha e explanado sobre cada parte específica.
Para elaborar a ficha é necessário ter a história pronta para que os pontos
sejam coerentes com o que será escolhido como prioridade na respectiva ficha. A
primeira parte é tecnicamente a mais simples, pois apenas se completam os dados
com os que já estão definidos, como o jogador (nome civil, por exemplo, Bibiane
Trevisol), a crônica (que já inicia o processo de curiosidade dos jogadores, pelo fato
de que é o primeiro contato com a história que está sendo contada pelo mestre,
sendo como o título da aventura que será desenvolvida na sessão), a natureza (que
tem de ser escolhida com cuidado, pois é como a “verdadeira” personalidade do
personagem, aquela que não pode ser mudada de maneira alguma, uma
característica forte do vampiro, sendo cobrada constantemente pelo mestre); o
comportamento (trata-se da “máscara”, que ele veste para esconder a sua
verdadeira personalidade, principalmente no mundo dos vampiros, pelo fato de que
23
não podem ser descobertos, diferindo muitas vezes da natureza. É o que definirá a
maioria das ações e atitudes tomadas pelo jogador); o clã (que já está escolhido na
história escrita pelo jogador e pelo mestre, só dependendo da restrições de clã que o
mestre fizer), a geração (que é o quanto longe do pai vampiro Caim o personagem
criado está, normalmente sendo da 12ª geração, mas podendo ascender com a
compra através dos pontos cedidos pelo mestre); o senhor (o criador, o vampiro que
foi responsável pela transformação, nome que deve estar presente na história de
cada vampiro, exceto casos que propositalmente o jogador, na hora de escrevê-los,
deixa a dúvida de quem o transformou com propósito específico); e o conceito
(definido como a característica que perdura pela transformação de vampiro; é a
característica que deixa mais fácil a interação entre os vampiros e os humanos, sem
que sejam reconhecidos). A escolha destes aspectos está delimitada nas páginas do
livro base, que contém alguns exemplos de cada um; se nenhum dos citados
agradar ao jogador, podem-se criar novos, com a permissão e ajuda do mestre.
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
1.3.1.1 O nome do personagem: a dualidade do jogador
O nome (do personagem) não foi esquecido, só necessita de uma explanação
diferenciada a respeito pelo fato de que é a parte que mais dificulta a criação do
personagem. Criar uma nova identidade, um novo ser humano com uma vida que
necessita ser contada com detalhes para que a interação entre os jogadores seja
natural e que seja possível ao jogador interpretar e proporcionar emoções para esta
“nova pessoa”, faz da escolha do nome a parte mais difícil da criação da ficha.
24
Quando se menciona que a escolha de um nome é difícil, a quem não tem
contato com o RPG pode até parecer irônico, eis que “se escolhem nomes para tudo
o tempo todo”, fato que não pode ser negado. A ligação emocional que o jogador
tem com o seu personagem e a complexidade decorrente de que, ao iniciar da
sessão, o seu nome será o que ele mesmo escolheu para o personagem, e que,
durante este tempo todo, a vida real dele ficará em segundo plano, resultarão em
que as suas atitudes, pensamentos e convicções não serão mais as usuais. Uma
situação simples, que seria normalmente resolvida com facilidade, na criação do
personagem pode se tornar um dilema e o jogador, por ter escrito a história desta
maneira, terá de agir da forma com que foi criado o seu personagem.
A criação da nova identidade evoca uma percepção maior sobre o mundo em
que o personagem será colocado, existindo um paralelo entre a identidade do
jogador e a do personagem em conflito. Isso ocorre pelo fato de que a “identidade
nunca é dada, é sempre construída e a (re)construir, em uma incerteza maior ou
menor e mais ou menos durável” (DUBAR, 1997, p. 104). Batizar um personagem é
como se o jogador fosse dividido em duas pessoas diferentes; é o conflito do “eu”
com o Outro, que não deixa de ser o mesmo “eu”, mas permeado de novas
experiências, ideologias e gostos diferentes.
A identidade não é criada de uma maneira simples. É uma construção que
envolve inúmeros fatores, tanto sociais quanto psicológicos, sendo uma espécie de
resultado provisório da intersecção entre o que o jogador tem por história (real), seu
contexto histórico e social (real) e suas ambições, medos e projetos (reais),
construindo o que ele é. Acontece o mesmo com o personagem criado, que deve ter
história (criada), deve ser inserido em um contexto histórico e social (criado) e deve
ter ambições, medos e projetos (criados) para que essa interpretação feita pelo
jogador seja a mais fiel possível.
1.3.1.2. Os atributos, habilidades e vantagens
Esta parte da ficha deve ser preenchida de acordo com o que foi escrito na
história do personagem, tendo alguns itens que não podem ser preenchidos por
limitações do próprio clã. Logo após a identificação do personagem, há um campo
onde as características físicas, sociais e mentais serão colocadas:
25
Fonte: Arquivo pessoal
Dependendo do que o jogador necessitar para colocar em prática o que ele
criou, pode-se distribuir os pontos que são pré-definidos para cada grupo de
características. São disponibilizados os pontos de maneira 7/5/3, totalizando 15
(quinze) pontos. A ordem dos números não é restritiva, pois o jogador escolherá em
qual coluna colocará o maior número de pontos, pensando no que o seu
personagem terá de impactante no jogo: se for um vampiro que é mais voltado para
o combate, lutas, brigas, certamente o maior número (sete) será distribuído nos
atributos físicos, dividindo os 7 pontos entre força, destreza e vigor. Assim
acontecendo com os 5 e 3, deixando o menor número para os atributos que serão
menos necessários.
Quando um vampiro necessita mais de interação social ou envolve-se com
pessoas, o enfoque será no aspecto social, e logicamente o que for mais estratégico
e pensativo priorizará os atributos mentais, dando assim uma individualidade
gigantesca para o personagem, pois nenhum jogador distribui os pontos da mesma
maneira na ficha.
Em seguida está o bloco denominado habilidades, que contém as colunas
talentos, perícias e conhecimentos.
Os pontos que aqui são disponibilizados estão divididos entre 13/9/5,
novamente dando prioridade ao que o personagem necessita em maior número. Os
talentos são caracterizados por serem habilidades intuitivas, aprendidas com a
experiência de vida. As perícias são designadas como habilidades que necessitam
de treino e determinação para serem adquiridas; se não estiverem escritas na
história, não poderão ser preenchidas. Os conhecimentos são autoexplicativos: é o
que se adquire através do estudo, são caracterizados pela busca intelectual
individual.
26
Fonte: Arquivo pessoal
Cada grupo destas habilidades deve estar presente na história do
personagem, pelo simples fato de que, citando um exemplo de um vampiro que é
professor de língua portuguesa, não poderia ter pontos em armas de fogo ou armas
brancas, a não ser que tenha um motivo muito contundente na história. Para serem
aumentados, os jogadores têm de procurar os meios para esta implementação das
habilidades, que podem ser ou não aceitas pelo mestre.
O terceiro bloco se denomina vantagens, sendo muito importante, pois são
elas que tornam um vampiro ainda mais único. A diferença entre a distribuição dos
pontos é que cada uma das categorias tem um número fixo para ser gasto.
Fonte: Arquivo pessoal
Os antecedentes são as características que devem se ajustar à concepção do
personagem e se referem ao mundo que rodeia os personagens. São as
características que descrevem vantagens de nascença, circunstâncias e
oportunidades. São externas ao personagem e necessitam de uma reflexão sobre
como elas se apresentam e como foram adquiridas. Há uma linha para cada um dos
antecedentes. Estes não estão escritos na ficha, pois são muitos e o jogador terá de
escolher e distribuir os 5 (cinco) pontos que estão disponíveis. Alguns exemplos de
antecedentes são Recursos, que envolvem a quantidade de dinheiro que o
27
personagem tem como renda fixa mensal, contatos, aliados, fama, rebanho
(quantidade de mortais que são atrelados ao vampiro e por meio do poder não se
importam de servir como alimento), influência, lacaios, entre outros.
As disciplinas são praticamente pré-definidas, pois cada clã tem um certo
número restrito delas e também possui um número definido para ser gasto. Cada clã
tem três disciplinas que são apenas dele e são disponibilizados três pontos para se
gastar. Normalmente os jogadores colocam um ponto em cada disciplina, pois para
aprender uma nova, mesmo que seja inerente do clã, a dificuldade é muito grande.
As virtudes são as características que estabelecem a moral dos personagens
e determinam o quanto os vampiros são resistentes a tentações, às respostas
emocionais, à resistência ao frenesi e à maneira com que se lida com o remorso.
São elencadas três virtudes, a consciência que governa o senso do certo e errado, o
autocontrole que determina o quão prontamente o vampiro mantém a compostura e
controla a sua sede por sangue, e a coragem que mede o bom senso e a habilidade
do personagem de se manter próximo aos medos mortais dos vampiros: fogo, luz
solar e também como agirá em situações que exigem bravura. São disponibilizados
7 (sete) pontos para a distribuição.
Fonte: Arquivo pessoal
Os últimos toques antes da finalização da ficha se dão no último bloco de
características, que não possui um nome específico. Algumas partes exigirão um
pouco de matemática do jogador, pois a soma de alguns pontos anteriores será o
resultado de quantos pontos serão disponíveis para certas características deste
bloco.
As qualidades/defeitos são características opcionais que um jogador pode ou
não agregar em seu personagem. Como pode ser visto na imagem, não há os
28
tradicionais círculos que aparecem ao lado de todas as características, sendo
apenas um aparato que vai diferenciar ainda mais o vampiro. A “compra” destes
atributos funciona de uma maneira completamente diferente do resto da ficha.
Ao entrar nesta parte da ficha, o mestre narrador informa que o jogador terá
mais 15 (quinze) pontos para distribuir da maneira que desejar, sendo que cada
ponto custará um certo valor, de acordo com a dificuldade de ser conseguido pelo
vampiro. Cada qualidade vai gastar um certo número de pontos deste bônus e cada
defeito acrescentará mais pontos para serem gastos.
Ao atingir 04 (quatro) pontos em qualquer Atributo ou Habilidade é necessário
escolher uma especialização que dê ênfase para a qualidade do vampiro.
Exemplificando, ao atingir o nível quatro de manipulação, pode-se escolher a
especialização em sedução, bom argumentador, convincente, entre outros.
Por exemplo, uma qualidade comum, como “ingerir comida”, faz a vida social do
vampiro não ser tão difícil, podendo ir a jantares, efetuar negócios em restaurantes e
bares diminuindo 1 (um) ponto dos bônus e um defeito como vício, acrescenta
pontos para serem gastos, pois este problema acarreta problemas para o vampiro na
hora de se alimentar, pois o vício escolhido terá de ser ingerido através do sangue
da vítima.
1.4 Ambientação da crônica: Los Angeles, Califórnia, EUA – vivendo na maior
potência capitalista do planeta
Os Estados Unidos são a potência capitalista do mundo, em que qualquer
país que possui o mesmo regime se espelha e espera ter este mesmo poder, de
praticamente controlar grande parte do mundo, de ter a influência, causar temor e,
por conta disso, um respeito conquistado pelo medo. O Capitalismo é um sistema
que possui sua organização em um sistema de classes econômicas com economia
de mercado. É um sistema adotado pela maioria dos países do mundo onde a
propriedade privada, as riquezas, os meios de produção, a matéria prima, as
instalações são regradas pelo mercado, baseando-se nas leis da oferta e da
procura.
No Capitalismo, os proprietários praticamente compram a força de trabalho
para produzir e manufaturar os bens que foram adquiridos, transformados pela mão
de obra, para que posteriormente pudessem ser vendidos, retornando assim em
29
forma de lucro para os donos e apenas uma pequena parcela para o trabalhador.
Isto torna o Capitalismo um sistema que busca, está sempre à procura do seu
objetivo principal, que é o lucro e o acúmulo de bens que só servem para estar em
um círculo infinito de compra, transformação, venda ou retorno de dinheiro, fazendo
o capital crescer, aumentando então a sua propriedade e o valor dela.
Esse sistema tem como base a propriedade privada. Nele, o dono tem
vantagem em relação ao empregado, que é obrigado a trabalhar em troca de um
salário para poder sobreviver e também poder usufruir dos bens de consumo que
são produzidos em outras áreas empresariais. O dono compra a matéria-prima pelo
menor valor possível, manufatura e a transforma com ajuda do empregado, que faz
parte da mão de obra, e vende pelo maior preço possível para aumentar o seu lucro
e consequentemente o seu patrimônio.
É um sistema tão antigo que teve seu início juntamente com o fim e quebra do
sistema feudal, no final do século XV, surgindo primeiramente na Europa e depois se
espalhando pelo resto do mundo. A burguesia, naquele momento, tinha em mãos os
meios de produção, principalmente o controle da expansão marítima, dando contato
com novas fontes de compra, expandindo o comércio entre as cidades do centro da
Europa. As riquezas, medidas em forma de capital, que foram reunidas neste tempo
marítimo-mercantilista, foi o que deu início ao fortalecimento no comércio e assim à
origem do sistema capitalista de produção.
O grande impulso que o Capitalismo teve, foi a Revolução Industrial
desencadeada na Inglaterra, abrangendo primeiramente os países da Europa
Ocidental e, posteriormente, chegando aos Estados Unidos, que é o país que
interessa a este estudo. Braudel (1996) afirma que esta revolução foi “[...] uma
mutação do capital fixo, um capital desde então mais caro, porém muito mais
duradouro e aperfeiçoado, que mudará radicalmente as taxas de produtividade. ” (p.
215).
Essa revolução foi o marco do início da produção em massa para
consumidores compulsivos por produtos novos, gerando incansavelmente a
necessidade de produção e acúmulo de capital. A aristocracia, que é definida por
linhagem familiar, perde sua vez e força para o capital, onde quem tem mais
acúmulo é mais poderoso e manda mais. A liberdade econômica também foi
estabelecida, pois o poder de compra também aumentou, mas não o suficiente para
que todos os produtos fossem comercializados, pelo motivo de que o mercado
30
consumidor não crescia com a mesma intensidade com que a indústria de produção
massiva de itens de consumo aumentava, materializando e retirando o que não
pode ser produzido pela indústria para fora do sistema de vida do cidadão,
colocando à frente dele, como importante e imprescindível, apenas o que é
considerado bem de consumo, como afirma Braudel (1987, p.11): “Tudo o que ficar
fora do mercado só tem um valor de uso, tudo o que transpuser a porta estreita e
ingressar no mercado adquire um valor de troca.” Isto obrigou esses países a
procurarem o mercado externo, expandindo não somente a venda, mas também
buscando novos lugares para ampliar a produção e ter mais mão de obra barata em
lugares como a África e Novo Mundo (que consiste, neste caso, nos Estados
Unidos).
Os Estados Unidos passaram a dominar o mundo capitalista a partir da I
Guerra Mundial, transformando o que se tinha como Capitalismo competitivo para
adentrar no Capitalismo monopolista. Esta transição ocorreu pela falência de várias
empresas, algumas maiores se fundiram com menores para evitar a quebra (dando
origem à Sociedade Anônima, que tem por definição de Cesare Vivante (2003, p.99)
como
uma pessoa jurídica que exerce o comércio com um patrimônio unicamente constituído pelas subscrições dos sócios. O que constitui o seu caráter essencial, o que a distingue das precedentes formas de sociedade, está em que nenhum dos sócios é obrigado pessoalmente a responder pelas dívidas sociais: não oferece em garantia o patrimônio particular dos sócios ou de algum deles, mas simplesmente o próprio (VIVANTE, 2003, p. 99).
Isto faz com que estas agora grandes empresas controlem sozinhas um
específico ramo de produtos. Com a crise de 1929, a interferência do Estado sobre
as empresas foi de alto impacto, modificando assim o rumo economia, passando a
controlar os preços, os créditos, importações e exportações, recolhendo impostos,
mas sem deixar os interesses das grandes empresas serem esmaecidos, tendo a
consciência de que é o capital privado que mantém o país em ritmo de crescimento,
sem correr o risco de não ter o apoio de grandes empresários para situações
governamentais como eleições e plebiscitos.
O Capitalismo sofre de crises cíclicas que têm origem no desemprego, nas
altas taxas de transferência de produtos, nos balanços de pagamentos, na inflação,
na incerteza da estabilidade do sistema monetário internacional, em que as
conversões podem gerar perdas de lucros possíveis de levar à falência não só uma
31
empresa, mas também o Estado inteiro, dependendo da desvalorização da moeda
nacional.
Os Estados Unidos, por terem adotado o sistema capitalista para reger a
economia do país, tem certas características que o fazem ser o modelo mundial
desse sistema. Primeiramente, é um dos países mais industrializados do mundo,
possuindo uma grande variedade de empresas que comercializam praticamente todo
tipo de produto, necessitando apenas do comércio exterior para adquirir a matéria-
prima e contratar mão de obra barata; a indústria não se resume apenas a bens de
consumo, mas também a bens de capital. A tecnologia é avançada em todos os
setores não apenas nas indústrias de produção, mas também em outras áreas,
como a saúde, avanços tecnológicos (robótica, engenharia, arquitetura). A
população urbana é exponencialmente maior que a rural, não significando que
agropecuária não seja importante pelo motivo de que a agricultura tem produção
massiva com aparato tecnológico altamente avançado. As empresas denominadas
multinacionais têm sede no país e daí controlam as filiais menores em países
emergentes.
A sociedade, em um regime econômico capitalista, é denominada ‘de
consumo’, pois tudo que é produzido pela massa trabalhadora é altamente usado, é
comprado como bens e serviços que podem trazer vantagens no mundo moderno.
As pressões da mídia, que praticamente exclui quem não possui certos bens, e a
grande renovação dos produtos vendidos fazem com que as pessoas gastem
dinheiro comprando novos produtos, não necessários, apenas para satisfazer um
sentimento de pertencimento à sociedade, que impõe aos cidadãos a ideia de que
quem não consegue comprar não pode fazer parte de uma determinada classe
social.
Essa é sociedade representada nas páginas do livro Vampiro: a máscara, que
se passa no final do século XIX e segue até a contemporaneidade, o que não causa
estranhamento no jogador/leitor que está situado em um sistema capitalista ou que
tem contato através da Internet, entre outros meios de comunicação, com o meio de
vida estadunidense. Nada ali retratado, exceto as criaturas sobrenaturais, seus
poderes e consequências no mundo, são estranhas a alguém que também vive em
um país de regime capitalista.
Em específico, na conversa do grupo de RPG, foi escolhida a cidade de Los
Angeles na Califórnia, estado que possui a maior concentração de pessoas e o
32
terceiro maior em extensão territorial dos EUA, sendo o maior produtor industrial do
país, com liderança em produtos agropecuários. Já em Los Angeles, que é
comumente confundida com a capital do Estado (a cidade de Sacramento é a capital
oficial), esta cidade é densamente povoada, contando com mais de 10 milhões de
habitantes, perdendo apenas para Nova York.
Esta cidade, ao contrário do foco do Estado na agropecuária, investiu na
indústria cinematográfica, musical e fonográfica, possuindo a máquina do
entretenimento mundial Hollywood, e comporta um dos mais desejados estilos de
vida do planeta, passando pelos bairros ricos de Beverly Hills e a luxuosa avenida
permeada pela calçada da fama, onde a moda e a tecnologia transbordam pelos
outdoors.
Outro ponto comentado pelo grupo na discussão foi a de que seria necessário
um local em que fosse fácil a convivência, para que os personagens pudessem
trafegar sem problemas pelas ruas, ou conseguir interagir sem problemas com
comerciantes e pessoas em geral. A tamanha diversidade cultural que é
apresentada neste Estado, sendo povoado desde sempre por latinos, fez de Los
Angeles uma escolha certeira, pois assim o trânsito pela cidade seria mais interativo
e menos tenso para o grupo.
A crônica feita pelo mestre recebeu o nome de “The Blood State” (traduzido
livremente como “O estado do sangue”), fazendo uma referência ao cognome “The
Golden State” (traduzido livremente como “O estado dourado”) que o Estado da
Califórnia recebeu pela grande corrida do ouro, em meados de 1850, que trouxe a
maioria dos imigrantes para aquela região, acarretando a riqueza e a prosperidade e
escondendo as inúmeras mortes, a escravidão e a corrupção que vieram também. A
segunda história e a mais contada pelos estadunidenses é de que este cognome
deriva da relva nativa do Estado, que, na transição do verão para o outono, adquire
uma coloração dourada, dando uma imagem bem mais inocente e romantizada da
história do Estado.
O mestre narrador intitulou a crônica desta maneira fazendo uma analogia à
história mais crua e verdadeira, associando a corrida do ouro à corrida pelo sangue.
Assim como os humanos correm pela riqueza em forma de ouro, os vampiros correm
pela “vida” que está em forma de sangue dentro dos seres humanos. Através da
grande quantidade de pessoas, das ideologias permeadas nesta sociedade, seria
fácil tornar-se um vampiro em Los Angeles, onde a vida noturna, tanto para diversão
33
como para negócios e oportunidades de trabalho são inúmeras, torna a cidade a
escolha perfeita para esta ambientação.
34
2 OS VAMPIROS ‘DIFERENTES’ PERMEADOS PELA IDEOLOGIA
Antes de apresentar o vampiro presente nas páginas do corpus do trabalho, é
necessário delimitar o conceito de ideologia que será utilizado para estabelecer as
comparações e intersecções com o sistema capitalista de gerir. Iniciando, o termo
ideologia, segundo Chauí, foi cunhado
pelo filósofo Destutt de Tracy, em 1810, na obra Elements de Idéologie, nasceu como sinônimo da atividade científica que procurava analisar a faculdade de pensar, tratando as ideias como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente. (1984, p. 19).
Já na Análise do Discurso, este termo deriva dos estudos de Althusser,
enfatizando que uma classe dominante irá criar meios de reprodução das condições
materiais, ideológicas e políticas para explorar a classe inferior. Michel Pêcheux
procura estabelecer que os conceitos sobre ideologia, se não forem interpretados de
maneira suficientemente clara, trariam problemas no entendimento de sua obra, pela
densidade do tema. Ele afirma que a ideologia não é um Zeitgeist (é um termo
alemão cuja tradução significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos
tempos [PÊCHEUX, 1996, p. 144]), como pode parecer na primeira impressão, e
muito menos existe uma ideologia para cada classe social, acarretando um embate
entre diferentes classes que lutem entre si. Para Althusser, “O objeto da ideologia
não é o ‘mundo’, mas a relação do ‘sujeito’ com o mundo, ou mais precisamente,
com suas condições reais de existência” (1983, p. 39).
A Formação Discursiva é uma das questões de grande importância da Análise
do Discurso de linha francesa, pois está intrinsecamente relacionada com a ideologia
pensada por Althusser. Ela vem diretamente relacionada com o sujeito e a forma
com que este interage com o mundo. Foucault diz que a “unidade de uma formação
discursiva não é a manifestação majestosamente desenvolta de um sujeito que
pensa, que conhece o que diz: é, ao contrário, um conjunto onde se pode determinar
a dispersão do sujeito e sua descontinuidade consigo” (FOUCAULT, 1996, p. 74),
concebendo-a pela abordagem do saber/poder, sem passar pela questão das
classes sociais.
Pêcheux prioriza os seus estudos na ideologia enfatizando que ela vem da
luta de classes, possibilitando assim o surgimento da história, que devido a esses
35
combates promovem a revolução, causando uma fissura na estrutura social, tirando
assim a força da classe dominante. A autor ressalta que a ideologia harmoniza o
espaço para questões das fronteiras flexíveis da Formação Discursiva
Naquilo que concerne à ideologia, corresponde o fato de que os aparelhos ideológicos do Estado são por sua própria natureza plurais: eles não formam um bloco ou uma lista homogênea, mas existem dentro de relações de contradição-desigualdade-subordinação tais que suas propriedades regionais (sua especialização, nos domínios da religião, do conhecimento, da moral, do direito, da política, etc.) contribuem desigualmente para o desenvolvimento da luta ideológica entre as duas classes antagonistas, intervindo desigualmente na reprodução ou na transformação das condições de produção (PÊCHEUX, 1990, p. 54).
Estes discursos ideológicos não são homogêneos, deixando claro que as
regras que os determinam mostram-se como um sistema de relações entre objetos,
tipos enunciativos, conceitos e estratégias, deixando claro que as formações
discursivas não são idênticas. Assim, consideram que cada uma “só existe sob a
modalidade da divisão, e não se realiza a não ser na contradição que com ela
organiza a unidade e a luta dos contrários” (PÊCHEUX, 2009, p.57).
Orlandi salienta que a ideologia “é a condição para a constituição do sujeito e
dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se
produza o dizer” (2003, p. 46), tendo como característica principal dissimular a
existência no interior do seu próprio funcionamento. Ainda pontua que a presença da
ideologia produz evidências consentindo que o sujeito possa confrontar-se e ao
mesmo tempo relacionar-se com o imaginário e principalmente com as suas
condições de existência (ORLANDI, 2003, p. 46).
Para Althusser, “a ideologia existe para sujeitos concretos, e esta destinação
da ideologia só é possível pelo sujeito: isto é, pela categoria de sujeito e de seu
funcionamento” (1983, p. 93), sendo assim a base do discurso o sujeito, constituído
ideologicamente e permeado pela língua. Complementando o pensamento de
Althusser, Orlandi acrescenta que a ideologia ““é a interpretação do sentido em certa
direção, direção determinada pela relação da linguagem com a história em seus
mecanismos imaginários. A ideologia não é, pois, ocultação, mas função da relação
necessária entre a linguagem e o mundo” (1996, p. 31).
Deve-se lembrar que
36
todo texto é heterogêneo do ponto de vista de sua construção discursiva: ele é atravessado por diferentes formações discursivas, ele é afetado por diferentes posições do sujeito, em sua relação desigual e contraditória com os sentidos, com o político, com a ideologia (ORLANDI, 2003, p. 115).
Tendo como norte estes embasamentos teóricos, são aqui identificadas as
relações entre a língua e a ideologia dos sujeitos envolvidos na criação da obra
Vampiro: a Máscara, compreendendo-se, assim, a não inocência no uso da língua e
buscando-se sentidos envolvidos nos processos discursivos.
2.1 Descobrindo o vampiro do RPG
2.1.1 A transformação, alimentação e luta interior
Para iniciar a discussão e dar suporte à análise comparatista do próximo
capítulo, faz-se mister uma abordagem a respeito da maneira com que o vampiro é
mostrado na obra escolhida como corpus, para que se torne possível entender as
diferenças e paridades que estarão presentes na abordagem do vampiro que habita
o Ocidente. Abordagem essa permeada pelos conceitos e considerações sobre
ideologia, suporte teórico para as comparações (tendo como principal foco a teoria
de Althusser), além de uma abordagem partindo da análise semiótica de imagem,
utilizada para explicar com mais precisão as diferenças que são expostas também
em forma de ilustrações.
Elaborando um paralelo entre as características principais de um vampiro,
ocidental, notaram-se várias diferenças que possuem repercussões na maneira com
que é visto o vampiro. Em relação ao choque com que se defronta o leitor/jogador de
RPG que entra em contato com os livros base, o que mais o afeta é o fato de que
vampiros não são um estereótipo, como já mencionado no capítulo anterior, e não
são todos iguais. Ao tomar conhecimento de que, para iniciar o jogo, há que ser
escolhido um vampiro com peculiaridades que nenhum outro tem, iniciando-se pela
maneira como são chamados nos livros: os vampiros do Ocidente são denominados
Cainitas, por exemplo. Essas denominações têm motivos que vêm da origem
contada pela obra que caracteriza cada um desses “vampiros”: os ocidentais são
chamados Cainitas pelo fato de descenderem de Caim, pois
37
De acordo com as histórias mais largamente aceitas pelos Membros, a raça de vampiros nasceu do vampiro progenitor, Caim. Banido para a terra de Nod após ter matado seu irmão Abel, Caim foi amaldiçoado por Deus e então tornou-se o primeiro vampiro (HAGEN, 1998, p. 53).
, Esse nome foi dado tendo como base a Bíblia, sendo chamados assim todos
os vampiros, não importando sua localização. Apenas os vampiros do Oriente são
chamados de kuei-jin, pois são uma espécie totalmente diferente dos cainitas, Neste
pequeno fato já se nota a presença da ideologia, permeando cada discurso
apresentado para o surgimento do vampiro, denotando um grande acontecimento
que está enraizado na história e que vem sendo propagado até os dias de hoje:
presença da religião e das crenças. Para Althusser, essas concepções de ideologia
são ao mesmo tempo imaginárias e materiais, pois já são praticamente intrínsecas à
relação imaginária que os indivíduos trazem consigo. Sendo assim, é possível
afirmar que
[...] toda a ideologia representa, em sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de produção existentes (e as outras relações delas derivadas) mas sobretudo a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e demais relações daí derivadas. (...) as “ideias” ou “representações” etc., que em conjunto compõem a ideologia, não tinham uma existência ideal, espiritual, mas material. (...). Ao falarmos dos aparelhos ideológicos do Estado e de suas práticas, dissemos que cada um deles era a realização de uma ideologia (a unidade destas diferentes ideologias regionais – religiosa, moral, jurídica, política, estética, etc. sendo assegurada por sua subordinação à ideologia dominante). Retomaremos esta tese: uma ideologia existe sempre em um aparelho e em sua prática ou práticas. Esta existência é material (ALTHUSSER, 1983, p.88-89).
Quando se fala em crença ou religião, remete-se a um assunto que é muito
mais profundo do que se imagina. Pode-se notar que, para ser criada, a concepção
do vampiro, independente do hemisfério habitado, há uma circunstância mais mística
e outra histórica que precedem esse fato. Os cainitas são descendentes de Caim,
uma figura bíblica, que por consequência, faz a maioria do oeste do globo terrestre
ser monoteísta, acreditando em um único Deus e tendo a Bíblia como base para
essa crença.
Seguindo em relação à criação do vampiro, quando chega a hora da
transformação definitiva da condição de ser humano em criatura mística, os cainitas
recebem o “Abraço”. Este se dá de forma aleatória, ocorrendo quando um vampiro,
movido por suas preferências pessoais, valores, caráter ou qualquer coisa que
38
chame a atenção em um humano, tenha vontade de trazê-lo para encontrar a morte
e posterior vida eterna, definida por Hagen como
O Abraço é o termo corrente para o ato de transformar um mortal em vampiro. Quando um vampiro deseja gerar progénie, sua caça toma um novo rumo. O vampiro não está mais apenas à procura de alimento; ao invés disso, ele se torna mais consciente e exigente, procurando pela perfeita combinação de traços pessoais que justificam a imortalidade (1998, p. 32).
Acontece de maneira semelhante com a alimentação normal dos vampiros do
Ocidente, quando o sangue da presa é drenado, com a diferença de que o vampiro
criador dá um pouco do seu sangue para o humano, bastando a este apenas
algumas gotas para que adquira essa condição. É esperado que o vampiro criador
dê informações e ensine à nova criatura da noite, pois o que mais é temido pelos
cainitas é a descoberta da existência dos vampiros.
Utilizando a semiótica de imagens como contribuição teórica complementar
para abordar o momento do Abraço (cainita), pode-se inferir que cada imagem
possui dois domínios: um correspondendo às representações visuais que têm
existência material, como imagens, ilustrações, fotografias, pinturas; e também as
que pertencem ao domínio imaterial, que são as representações mentais que nos
são mostradas na forma de visões, fantasias e modelos. Esses domínios nunca
andam separados, completam-se na instância em que estão intimamente
interligados como conceitos unificadores do signo e da representação (SANTAELLA,
1999, p. 14). O conceito de representação se torna importante aqui, pois é tida como
a ideia central na área da Semiótica, tendo seu significado atrelado ao da palavra
signo, sendo uma função sígnica que se imbrica nos mecanismos visuais e mentais,
como a capacidade de interpretar e representar uma informação (TOUTAIN, 2007, p.
91).
O signo, ou a representação de cada imagem, funciona como um mediador
entre o objeto e o efeito que ela está produzindo em uma mente, já que, assim,
representa o objeto. O signo só pode representar o objeto quando é por ele
determinado, sendo uma corrente convergente de representações sígnicas, em que
um só existe e é lembrado pela existência do outro. Peirce explica esta reciprocidade
como “qualquer coisa que determina alguma outra (seu interpretante) para referir-se
a um objeto ao qual o mesmo se refere (seu objeto); desta maneira, o interpretante
39
se converte por sua vez em um signo ad infinitum” (1987, p. 274), produzindo assim
como um mediador entre o objeto e o efeito que esta imagem estará apta a produzir
na mente de quem se propõe a observá-la.
A representação imagética feita pelo ilustrador da obra Vampiro: A Máscara,
demonstra notoriamente esse ataque, o exato momento em que a imobilização é
feita na vítima, dando
uma grande
notoriedade para as
garras do vampiro
que a enlaçam pelo
pescoço, agarrando-
lhe os cabelos. A
imagem é feita em
preto e branco,
deixando a
binaridade vida/morte
mais explícita,
deixando a vítima
com a luz da vida
(cor branca) e o
vampiro com a
escuridão e a morte
(cor preta). Os traços
étnicos da mulher
denotam sua origem
ocidental. A
expressão que ela
faz quando atacada
não define
exatamente o que
ocorre, um
encantamento que
pode ter sido
40
aplicado nela, que a faz ter a ilusão de que deseja ser transformada ou mordida,
tendo uma sensação de prazer nisto, ou expressão de medo e dor, pelo ataque
inesperado do vampiro.
Isto caracteriza outra forma de ideologia, que Althusser designa como
transformadora do indivíduo em sujeito, dando assim uma nova definição para o
indivíduo, “[...] uma vez que toda ideologia tem por função (é o que a define)
“constituir” indivíduos concretos em sujeitos” (1983, p.93). A transformação do
vampiro, vista por um lado mais crítico, é a renovação do indivíduo, que assim terá
de aprender novamente como “viver” a sua morte, tendo valores e perspectivas
totalmente diferentes devido a sua nova condição, sendo uma reconstrução do
sujeito anterior e o nascimento de um outro. A ideologia, que antes regia o mundo
dos vivos, será revista, deixando alguns pontos da mesma maneira enquanto outros
serão completamente deturpados e mudados.
Esta prática da transformação no Ocidente é vista como aleatória, bastando
apenas a vontade do vampiro criador. Há um ataque, a que a vítima não pode
reagir, apenas se submeter a ele. Seguindo este raciocínio e o aplicando ao sistema
econômico, nota-se que no Ocidente, onde o Capitalismo impera, é praticamente
impossível “escolher” a hora em que se será “abraçado”. O indivíduo é apenas
jogado neste sistema e tem de aprender a sobreviver e aderir às regras por ele
impostas. Há uma relação de poder muito mais subjetiva do que aquela de que o
indivíduo se torna parte, sem poder desfazer-se deste elo, representado pelo
sistema econômico. No Capitalismo, essa relação ideológica rotula e define como
será a vida de cada indivíduo, agora transformado em sujeito integrante e
notoriamente inserido neste meio. Assim, a noção ideológica praticamente retira a
individualidade e motiva a transformação em um sujeito que não tem noção do
mecanismo em que é praticamente obrigado a estar presente. Cabe enfatizar que
Não há, para Althusser, indivíduo, noção ideológica constituída pela modernidade capitalista, mas sim sujeitos: o indivíduo é sempre um sujeito desde o seu nascimento quando lhe é conferido um significado (um nome), e não é dotado de uma consciência autônoma já que é sempre sujeitado a algo (um Sujeito) que o interpela cotidianamente, sem que perceba a existência desse mecanismo de sujeição que, em última instância, reproduz as relações de poder (MOTTA; AGUIAR, 2013, p. 132).
Cada vampiro, independentemente da raça para a qual foi trazido à
imortalidade, sofre com o controle de uma força maligna, movida a impulsos e
41
instinto, que tenta incessantemente torná-lo uma criatura incontrolável, somente em
busca de destruição e morte, sem escolher alvos, tratando todas as pessoas como
uma possível vítima. Os cainitas têm de lutar contra a “Besta”, que é denominada
como um impulso monstruoso contra o qual são necessárias muita força de vontade
e humanidade para resistir aos ataques incessantes. Este quadro é agravado,
quando se é vampiro; alguns atos obscenos e perversos são parte do cotidiano,
como matar e usar inocentes para certos propósitos. Além da alimentação baseada
em sangue humano, vão levando estes resquícios de humanidade, pouco a pouco.
Para Hagen, este momento chega depois de vários fatores, que incluem uma solidão
que não é remediável, sendo uma das maldições da imortalidade, ou seja, ver todos
aqueles com que se tem algum tipo de sentimento desaparecerem:
Quando o último resquício de humanidade no vampiro desaparece — e depois de ver muitos de seus amigos, amores e descendentes virarem pó ao longo dos anos, isso desaparece, fique certa — a besta toma conta de uma vez e para sempre. O vampiro torna-se um animal. Se você chegar a este estágio, a probabilidade é de que nem ao menos perceba quando começar a agir como um cachorro louco (HAGEN, 1998, p. 8, grifos do autor).
Também é associável ao sistema econômico este combate ao lado ruim, que
pode ser uma maneira intrínseca do indivíduo para não se render totalmente à
ideologia que, neste ponto, pode denegrir a sua força de vontade própria e seus
próprios pensamentos e incutir certos comportamentos não desejados. Quando se
trata do Capitalismo, o consumo toma violentamente a face das prioridades; nele só
é completo quem consegue ter capital suficiente para comprar tudo de que
necessita, tornando-se um escravo do consumo. Tudo que se vive está embasado
neste sistema econômico, que torna cada pessoa apenas como uma fonte de renda,
assim como os seres humanos são tratados pelos vampiros ocidentais, vistos
apenas como uma bolsa de sangue e vantagens. O vampiro ocidental representa
esta busca incessante por mais poder. Sua sede incontrolável de sangue representa
o capital, que nunca será suficiente e com o passar dos tempos se tornará a única
centelha de vontade que o vampiro terá.
Quando é mencionada esta luta contra o mal que assola os vampiros e que
não pode ser evitado, tem-se como base que isto se tornou uma prática social,
possível de ser caracterizada com duas associações básicas, de que “(i) toda prática
existe por meio de e sob uma ideologia e (ii) toda ideologia existe pelo sujeito e para
42
o sujeito” (ALTHUSSER, 1999, p. 209), enfatizando-se que nada é feito sem
propósito e no final do ciclo é o sujeito que recebe a ação e a põe em prática.
Complementando o pensamento de Althusser, lembre-se que Žižek afirma que esta
ilusão de conhecimento dos próprios atos, das condições em que se tem a falsa
certeza de temos escolhas e somos donos do nosso discurso, traduz-se em uma
ingenuidade de consciência e não se saberá quando estamos presos na realidade
social ou em uma representação não clara desse fato, em que
(...) o falso reconhecimento de seus próprios pressupostos, de suas próprias condições efetivas, uma distância, uma divergência entre a chamada realidade social e nossa representação distorcida, nossa falsa consciência e ela. Esta é a razão de que essa “consciência ingênua” pode se submeter a um procedimento crítico-ideológico. O objetivo deste procedimento é levar a consciência ideológica ingênua a um ponto em que poderá reconhecer suas próprias condições efetivas, a realidade social que está distorcendo, e mediante este mesmo ato de dissolvê-la (ŽIŽEK, 2003, p.55-56).
Se visto pelo viés da força de vontade e sobrevivência, outro ponto importante
acerca dos cainitas é a maneira com que se alimentam para manter as funções do
corpo material. Os cainitas são sustentados por sangue humano e, em emergências,
por sangue de animais. Este sangue, definido medicinalmente como um liquido
vermelho, tem consistência viscosa e circula pelo conjunto de veias e artérias devido
aos batimentos do coração e, em sua composição, além de água e plasma, carrega
gases, nutrientes e outros elementos necessários para a defesa da saúde do corpo e
funcionamento dos órgãos internos e, na definição mais metafórica, definido como o
líquido portador da vida, da força de existir. Sem ele, tanto pelo lado da ciência
quanto da figuração, o ser humano não consegue viver.
O vampiro ocidental necessita “roubar” o sangue de suas vítimas e isso
acontece de maneira agressiva ou a partir de uma enganação. Ele consegue o seu
alimento atacando alguma pessoa de seu interesse, levando-a à força para algum
lugar mais discreto e assim procede ao ato do “Beijo” (codinome dado para a
mordida) em algum local do corpo que possua um grande quantidade de veias e
suga até deixar a pessoa atordoada, lambe o local da ferida (pois a saliva do
vampiro tem poderes de cura e, assim, a vítima se vê em uma situação estranha e
não consegue descrever o que aconteceu com ela especificamente) e abandona a
pessoa para que siga a sua vida. Quando o Beijo não é violento, o vampiro usa de
suas artimanhas de conquista e dependendo do clã (é explicada mais adiante a
43
definição dos clãs de vampiros no ocidente) a que pertence, possui poderes
específicos para dominar seres com a mente mais fraca que a dele próprio e com
isso transmite o sentimento/pensamento de que a vítima quer e necessita ficar na
presença do vampiro e assim torna mais fácil a alimentação deste.
Relacionando a questão da alimentação dos vampiros cainitas novamente
com o sistema econômico do Ocidente, pode-se inferir que da mesma forma que o
Beijo pode ser violento ou de uma conivência ilusória, o Capitalismo é incutido nas
pessoas da mesma forma. Todo o movimento do Estado e, em consequência, das
mídias, que, seguindo a linha, são abastecidos pelas empresas que visam lucro e
não medem esforços para que isto aconteça, ocorre dessa forma mais violenta (só
que não fisicamente, mas de maneira mais psicológica) no momento em que os
cidadãos, sem escolha, são forçados a gastar e adquirir o produto que está em voga,
mesmo não sendo necessário, e, depois de consumada a compra, a pessoa não
sabe por qual motivo a efetuou e até se culpa pelo acontecido. A maneira ilusória de
implantar o Capitalismo ocorre praticamente da mesma maneira como a do vampiro
quando usa seus poderes para convencer.
Mas, no mundo real, esse poder é exercido pela mídia e seu controle de
massa, que de forma perigosa e invasiva convence o cidadão de que ele realmente
necessita do produto e assim o adquire e ainda fica com orgulho e satisfeito por “ter
feito a coisa certa”. Jamais verá que foi influenciado a cometer tais atos. Althusser
define que a ideologia dominante, que neste caso é a ideologia do Capitalismo,
jamais será um fato consumado, mas que é utilizada fortemente pelo Estado e é
resultado de uma intensa luta cruzada entre os grandes que querem dominar os
pequenos e, quando os pequenos tentam relutar para não serem dominados pelos
grandes, não há vencedores, apenas um grande combate a essas funções que
assolam a sociedade. Não há lado vencedor pelo fato de que sempre haverá alguém
mais poderoso, que tentará controlar um outro “poderoso” que oprime o fraco, que
por consequência, em algum momento, perante alguém mais suscetível, tornar-se-á
opressor em alguma circunstância, assim enfatizando que
a ideologia dominante nunca é um fato consumado da luta de classes que tivesse escapado à luta de classes. Efetivamente, a ideologia dominante, que existe no complexo sistema dos Aparelhos Ideológicos de Estado, é em si mesma o resultado de uma dura e muito longa luta de classes, através da qual a burguesia não chega a atingir seus objetivos a não ser com a dupla condição de lutar, simultaneamente, contra a antiga ideologia dominante que sobrevive nos antigos Aparelhos e contra a ideologia da nova classe
44
explorada que procura suas formas de organização e de luta. [...] a reprodução da ideologia dominante não é a simples repetição, não é uma simples reprodução, nem tampouco uma reprodução ampliada, automática, mecânica de determinadas instituições, definidas, de uma vez para sempre, por suas funções, mas o combate pela reunificação e a renovação de elementos ideológicos anteriores, desconexos e contraditórios, em uma unidade conquistada na e pela luta de classes, contra as formas anteriores e as novas tendências antagônicas. A luta pela reprodução da ideologia dominante é um combate inacabado que deve ser sempre retomado e está sempre submetido à lei da luta de classes (ALTHUSSER, 1999, p. 239-240).
Esta parte “selvagem” da dominação de classes é derivada de anos de
interpelação ideológica, completamente enraizada nas partes mais altas da cadeia
social, deixando suscetível o que está na parte inferior (a maioria dos cidadãos),
quase sem conseguir aguentar o peso das classes que estão acima deles, sempre
deixando uma lacuna, tanto no bem-estar social quanto psicológico da grande
massa populacional que não faz parte da dominância ideológica.
2.1.2 A ambientação do “Mundo das Trevas” e a “Máscara”
Fonte: Recorte do livro Vampiro: A máscara (HAGEN, 1998, p. 30)
Em relação ao mundo em que a obra é ambientada, há um cenário e uma
constituição da sociedade. Os cainitas vivem em um mundo onde a presença dos
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imortais é grande e a manipulação da raça humana é constante. A mistura de estilos
e a tensão causada por grupos étnicos, classes sociais, torna o lugar um misto de
culturas e experiências e, ao mesmo tempo, perigoso. Hagen descreve da seguinte
maneira:
O aspecto gótico descreve a aparência do Mundo das Trevas. Construções monumentais assomam gigantescas, com suas pilastras decoradas e gárgulas sinistras. As pessoas parecem seres minúsculos diante da imponência da arquitetura, perdidos entre as colunas espiraladas que parecem tatear em direção ao céu num esforço para escapar do mundo físico. [...] As instituições que controlam a sociedade são ainda mais rígidas e conservadoras do que em nosso mundo, pois muitos dos que estão no poder preferem o mal do mundo que eles conhecem ao caos produzido pela mudança. É um mundo dividido em ter ou não ter, ricos e pobres, fartura e miséria (HAGEN, 1998, p. 28).
A dualidade que é estabelecida pelo Estado maior, que é dissolvido em
instituições de poder, faz das pessoas apenas massa de manobra, quando não do
governo, tornando-as presas dos seres imortais. A maneira como o autor caracteriza
este cenário deve-se à maneira com que uma pequena parcela da população
resolve que seguir as regras não é útil para eles, a música é alta e agressiva, as
roupas são escuras e desgastadas, a linguagem é grosseira, a arte é chocante e a
tecnologia é usada para aproximar as pessoas; é um lugar onde “O mundo é mais
corrupto, as pessoas são espiritualmente falidas e, com frequência, o escapismo
substitui a esperança” (HAGEN, 1998, p. 29). Esse mundo é definido como punk-
gótico, e se torna não apenas um cenário, mas um estado de espírito dos cidadãos
que vivem neste Mundo das Trevas.
Estes discursos segregam as pessoas, ideias permeadas de ideologia são
faladas a todo momento e, por consequência, tornam-se verdades e comandam a
sociedade, fazendo dela uma forte arma das instituições, que as incutem em suas
próprias práticas e, ao mesmo tempo, torna-se arma para combater estas
imposições. Tem-se, como consequência, que
A ideologia não existe nas ideias. A ideologia pode existir sob a forma de discursos escritos ou falados que, supostamente, veiculam "ideias". Mas justamente a "ideia" que se faz das "ideias" comanda o que se passa nesses discursos. As "ideias" não têm de modo algum uma existência ideal, mas uma existência material. A ideologia não existe no "mundo das ideias", concebido como "mundo espiritual", mas em instituições e nas práticas próprias dessas mesmas instituições (MOTTA; AGUIAR, 2013, p. 134).
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No Ocidente, os vampiros não querem que os humanos saibam de sua
existência e têm uma certa aversão pela “raça inferior” e isso fica muito claro nos
deveres que o cainita precisa conhecer. Este cuidado com a sociedade vampírica é
chamada de “A Máscara”.
A tradição da Máscara tornou-se fundamental para a sociedade moderna
cainita, por ser o que esconde os vampiros dos olhos mortais. Pensando que a
revelação da existência dos vampiros seria desastrosa, tanto para os cainitas quanto
para os humanos, pois com a inclusão de, até então, uma criatura fantasiosa que
apenas vivia no imaginário das pessoas, iniciar-se-ia uma grande crise e tempos de
mais violência e caçadas, de ambos os lados: Vampiros caçando e matando
humanos e vice versa. A violação da Máscara é o crime imperdoável que o vampiro
pode cometer. Nas primeiras páginas do livro Vampiro: a Máscara, há um diálogo
entre um vampiro que está prestes a dar o Abraço em uma mulher, com quem ele
conversa, que faz a seguinte revelação:
Antes de prosseguir, permita-me dizer que você está tendo uma oportunidade única. Minha espécie não fala sobre si mesma para a sua – nem agora e na maior parte das vezes, nunca. Passamos os últimos cinco séculos preparando a cortina e a ribalta, que chamamos de “A máscara”, para esconder de vocês o verdadeiro espetáculo. Mas, no fim, tudo se resume a um simples e único fato: nós vampiros, não queremos que vocês, mortais, saibam que estamos aqui (HAGEN, 1998, p.3).
Os motivos apresentados pelos cainitas para a revelação ou não da espécie
vampiresca, aparecem de uma maneira muito tênue, assim como a imposição do
sistema econômico. Tanto os cainitas quanto o Capitalismo estão escondidos e
agem de maneira com que pareça que está tudo bem, que sempre a liberdade foi
uma das prioridades e não querem que a selvageria e a alienação sejam mostradas
para todos, pois causaria um caos no Mundo das Trevas e no mundo real.
Tendo como ponto de questionamento estas ideias, que falam sobre o direito
de cada cidadão, e as informações que são escondidas da população, mas que são
completamente explicitadas e interpretadas pelos “grandes” do sistema econômico,
tem-se que sejam transmitidos falsos conceitos, que pela usualidade do fator
“insistência” se tornam uma verdade e legitimam a ideologia nociva e errônea. A
propósito da questão de impor esta ideia, tanto pela alienação que dá a sensação de
escolha, ou a imposição violenta da doutrina, que acaba gerando uma calmaria que
subjaz ao medo, Žižek defende que a ideologia pode designar qualquer coisa:
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[...]desde uma atitude contemplativa que desconhece sua dependência em relação à realidade social até as ideias falsas que legitimam um poder político dominante. Ela parece surgir exatamente quando tentamos evitá-la e deixa de parecer onde claramente se esperaria que existisse (ŽIŽEK,1996, p. 9).
Servindo de último, mas não menos importante, e como principal subsídio
para as análises do próximo Capítulo, há as divisões que os vampiros têm. Em
relação à sua raça, há agrupamentos e poderes especiais de cada um deles. Os
cainitas possuem as Seitas, que são grupos de vampiros que possuem a mesma
linha de raciocínio. A maioria dos vampiros faz parte de alguma seita; outros afirmam
que são independentes ou servem apenas ao próprio clã. As duas seitas mais
notórias do Mundo das Trevas são a Camarilla e o Sabá.
A Camarilla é a maior Seita de vampiros do Ocidente, e o principal interesse
dos Membros (participantes dessa seita) é defender a Máscara e, desse modo,
manter a segurança nas noites modernas. A Camarilla é uma Seita aberta, que
considera todos os vampiros como integrantes desta sociedade (queiram eles ou
não). Qualquer vampiro pode pedir proteção e filiação sem depender da linhagem
ou clã. A história da Camarilla “[...] foi criada no final da Revolta Anarquista do século
XV. [...] Com o reforço da Máscara, os Membros tiveram meios de despistar a
Inquisição, uma parte da Igreja empenhada em destruir criaturas sobrenaturais.”
(HAGEN, 1998, p. 43).
Apesar de ser a maior Seita, apenas um pouco mais da metade dos treze clãs
participam ativamente dos interesses. A Camarilla reúne um representante de cada
clã para que possam ser decididas democraticamente questões relevantes. Os
conclaves periódicos são abertos a qualquer Membro da Seita. Apenas os justicares,
oficiais eleitos pelo Círculo Interno para cuidar dos assuntos referentes às Tradições,
podem convocar os conclaves. Os justicares são sempre vampiros com muita idade
e são muito temidos.
Já o Sabá não tem uma fundação tão sólida quanto a Camarilla. Há apenas
rumores de que foi originado em um culto medieval à morte. É uma Seita muito
temida pelos Membros que não pertencem a essa fileira de ideias, é monstruosa e
violenta, não se prendendo à filosofia e moralidades humanas. Sendo o completo
oposto da Camarilla, eles têm um certo prazer sádico em ser vampiros. São
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chamados de Mão Negra e procuram violar as tradições, destruir a Camarilla e
inferiorizar a raça humana.
Os Mão Negra são recrutados onde quer que estejam, e são infiltrados nas
instituições, pondo abaixo o funcionamento delas. O Sabá vê a Camarilla como
“peões dos Anciões” e expressam com um desprezo imensurável o que sentem
pelos Membros, pois são miseráveis covardes, que não aceitam a natureza
predatória do vampiro. Há muitas histórias violentas envolvendo esta Seita, que
incluem diablerie (crime de matar um vampiro mais velho para tomar o sangue e
ganhar mais poder), venerar demônios e caçar vampiros apenas por diversão. O
único boato condizente, que é comprovado a respeito do Sabá, é que eles possuem
uma paixão pelo fogo, pois queimam todos os lugares que atacam.
A divisão em clãs, antes mencionada, funciona apenas com os vampiros do
Ocidente. Quando se menciona “clã”, é necessário ter em mente que são todos
descendentes de Caim, que gerou os Antediluvianos (filhos diretos de Caim), que
foram os progenitores dos clãs modernos, sendo que todos os vampiros que
descendem deles compartilham certas características. Cada clã possui um grupo de
poderes que seus membros aprendem mais rápido que os outros. Esses poderes
são praticamente intrínsecos e transmitidos juntamente com o Abraço, possuindo
também fraquezas ou defeitos distintos, que tornam mais fácil a identificação de
cada clã.
A linhagem é importante para os Membros, pois eles dão muito valor para a
herança que o vampiro criador deixou, sendo a árvore genealógica do vampiro o
maior motivo de honra e prestígio. Há treze clãs conhecidos e sete deles fazem
parte da Camarilla, dois pertencem ao Sabá e os outros quatro abstêm-se de
participar dessas seitas.
Cada seita possui uma ideologia que permeia os ensinamentos e ações:
podem ser contadas milhões de histórias da criação, quem mandava mais ou quem
era o vampiro mais puro. Não passam de inferências que já estavam presas na
sociedade e no lugar em que foram vividas muitas vezes por outras pessoas e
vampiros. A conceituação de todo esse mundo místico é, no final, apenas uma
renomeação para algo que já existia, mas em outro contexto ou discurso diferente.
Quando se fala em ideologia, não há novidade. Ranciére pontua que
Ideologia é então tudo menos um nome novo para uma velha noção. Ao inventá-la, Marx inventa para um tempo que ainda dura um regime inaudito
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do verdadeiro, e uma conexão inédita da verdade no político. Ideologia é o nome da distância indefinidamente denunciada das palavras e das coisas, o operador conceitual que organiza as junções e as disjunções entre os elementos do dispositivo político moderno. Alternativamente, permite reduzir a aparência política do povo a ilusão, recobrindo a realidade do conflito ou, ao contrário, denunciar os nomes do povo e as manifestações de seu litígio como velharias que retardam o advento dos interesses comuns. Ideologia é o nome que liga a produção do político à sua evacuação, que designa a distância das palavras às coisas como falsidade na política sempre transformável em falsidade da política. Mas é também o conceito pelo qual se declara que qualquer coisa pertence à política, à demonstração "política" de sua falsidade (RANCIÈRE,1996, p.92).
Encontrar estas ideologias que estão escondidas no RPG, um jogo que, para
a maioria das pessoas, não passa de diversão, encontrar as semelhanças e
diferenças entre os vampiros ocidentais e orientais, que aparentemente são tão
difusos e diferentes, com foco na análise comparatista, é o cerne do Capítulo
seguinte.
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3 ANÁLISE DO DISCURSO EM CONTATO COM O VAMPIRO: DOS
RECORTES DISCURSIVOS E AUDIODISCURSIVOS
Antes de iniciar a comparação, é necessário localizar em qual linha da Análise
do Discurso este trabalho está enquadrado. Especificamente, de filiação francesa,
criada e elaborada por Michel Pêcheux, esta linha tenta elucidar a maneira com que
o ser humano age e se torna significante através de seus discursos.
Este discurso se constrói causando movimento, através da linguagem, ao
criar, perpetuar e desafiar os tabus sociais, construindo a identidade do sujeito
discursivo, produzindo sentidos e utilizando de seu poder como sujeito da
linguagem.
A intersecção entre o sujeito e o lugar histórico de onde surge a enunciação é
uma das questões norteadoras da Análise do Discurso, pelo fato de que, ao
materializar este discurso através do contato linguístico (sistema regido de
categorias) e não linguístico (aquisições psicológicas, históricas e sociais),
acarretando a interação em situações concretas, caracteriza-se o discurso como um
ponto de convergência dos aspectos sociológicos, ideológicos e da linguística.
Os três pilares que servem de estrutura básica para a Análise do Discurso de
origem francesa são a linguística de Ferdinand Saussure, o materialismo histórico de
Karl Marx, por meio da releitura de Althusser, e a psicanálise de Sigmund Freud,
pela visão de Lacan. Gregolin acrescenta que
Esse triplo assentamento traz consequências teóricas: a forma material do discurso é, ao mesmo tempo, linguístico-histórica, enraizada na História para produzir sentido; a forma sujeito do discurso é ideológica, assujeitada, não psicológica, não empírica; na ordem do discurso há o sujeito na língua e na História; o sujeito é descentrado, tem a ilusão de ser fonte, mas o sentido é um já-lá, um dito antes em outro lugar. Do mesmo modo, o enraizamento nesses três campos do conhecimento traz consequências metodológicas: a busca de um dispositivo de análise do processo discursivo; a busca dos vestígios – da história e da memória – no discurso, e a consequente inter-relação entre a ordem da língua, a ordem da história e a ordem do discurso (2001, p. 03-04).
Tendo como ponto importante a exposição da sociedade a diferentes tipos de
texto, desde os tradicionais, como livros, revistas e artigos, até os mais
contemporâneos e digitais, como a Internet, o cinema, acontecem estas interações
tanto escritas como orais, com ou sem aparatos audiovisuais transformando os
interlocutores (ouvintes e leitores) em discurso propriamente dito.
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Precursora, no Brasil, nos estudos das teorias de Michel Pêcheux, Eni Orlandi
salienta que as palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas
de sentidos que não sabemos como se constituíram e que, no entanto, significam
em nós e para nós (2013, p. 20), concretizando a tarefa da Análise do Discurso, de
compreender como o texto constrói os sentidos, de que maneira estão nele e como
podem ser interpretados, que se “apresenta como uma teoria da interpretação”
(ORLANDI, 2008, p. 21).
A Análise do Discurso torna possível a busca dos processos de produção do
sentido e as próprias determinações histórico-sociais, implicando que haja assim
uma historicidade que permeia a linguagem e que não permite pensar na existência
de um sentido literal, engessado, e nem mesmo que este sentido possa ser qualquer
um, reconhecendo que toda interpretação é conduzida por condições de produção.
Seguindo esta perspectiva, é determinante na constituição do sujeito
discursivo a posição que este sujeito ocupa no meio social, caracterizando a posição
ideológica e o instante histórico da enunciação, esta podendo ser entendida como
a relação sempre necessária presente no sujeito enunciador com o seu enunciado (...) uma série de determinações sucessivas pelas quais o enunciado se constitui pouco a pouco e que têm por característica colocar o ‘dito’ e em consequência rejeitar o não-dito (PÊCHEUX, 1975, p. 174-176).
A Análise do Discurso foi escolhida para nortear teoricamente a pesquisa pelo
fato de ser uma disciplina que tem como propósito mostrar novas maneiras de ler,
ponderando sobre a opacidade como caraterística que constitui a linguagem. Ao
estabelecer um paralelo com o texto, ela possibilita que novas formas de significação
sejam encontradas, que uma simples leitura, sem os aparatos disponibilizados por
esta disciplina, seria apenas superficial.
Para ela, há muito mais sentidos do que fica “exposto” pela linguística, não
situando o discurso em algo fechado e estanque, deixando para o analista encontrar
o norte procurado, chegar ao sentido que não está evidente e calando os outros.
Maingueneau utiliza a diretriz vinda de Pêcheux para dizer que
A Análise de Discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação, dominando ‘o’ sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que exponham o olhar-leitor a níveis opacos à ação estratégica de um sujeito [...] o desafio crucial é o de construir interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico
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estabilizado com pretensão universal (PÊCHEUX apud MAINGUENEAU, 1997, p. 11).
Faz-se necessário considerar que os sujeitos e sua materialidade histórica,
em conjunto com as condições de criação, tornam-se algo imprescindível para a
Análise do Discurso. Assim, por meio deste domínio de estudo, das relações
estabelecidas entre a língua e os sujeitos que a utilizam e a situação que é
desenvolvida ao dizer, imbricadas pelo contexto histórico e ideológico, torna-se
possível analisar discursivamente uma obra.
3.1 A escolha dos clãs
Após as decisões de qual livro-base seria utilizado e sobre o local específico
para a ambientação da história, é muito importante o estágio da criação da biografia
do personagem. Antes de apresentar os textos, é preciso elucidar quais clãs de
vampiro foram escolhidos pelos jogadores e suas principais características.
O mestre narrador, ao permitir a escolha, delimitou os clãs da Camarilla,
sendo escolhidos pelos jogadores, respectivamente, Ventrue, Nosferatu e Gangrel.
Aqui podemos notar que nenhum clã foi repetido, gerando-se assim uma grande
variedade de personagens, permitindo uma maior gama de histórias e missões.
Como dito anteriormente, a Camarilla é como se fosse o órgão máximo dos
vampiros que habitam o Ocidente, aquele que considera que todo o vampiro trazido
para o Mundo das Trevas seja considerado um Membro, ele querendo ou não,
estando presente. Novamente tem-se a ideia de ideologia que denota o discurso de
uma classe dominante tentando manipular e manobrar todos os que estão abaixo do
nível social dela. Os clãs escolhidos pelos jogadores estão postos dentro da
Camarilla em diferentes níveis e prestígio, tomando a ponta pelos Ventrue, vampiros
mais poderosos social e economicamente, seguidos pelos Nosferatu, que apesar da
terrível aparência são tidos como vampiros inteligentes e dominantes da estratégia
e, finalmente, os Gangrel, vampiros que não gostam de interação social e
comumente vivem na zona rural ou nas margens da cidade, chamados pela
Camarilla devido a sua grande força física.
De maneira mais específica, a descrição dos clãs é feita por meio de um
estereótipo geral no livro base. Cada clã possui sua descrição, juntamente com o
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símbolo respectivo e uma figura que representaria a maioria dos “associados”,
contendo também um pequeno romance sobre a história e logo após, em tópicos, as
questões mais práticas como a relação com a Camarilla, aparência, refúgio,
fraquezas, organização, linhagem, entre outros. Uma gama de estereótipos que os
outros clãs criam sobre os outros são citados, incluindo os clãs da Camarilla, os
Independentes e o Sabá.
3.1.1 O Gangrel
O clã Gangrel é tido como
o vampiro que mais se aproxima
da natureza. São praticamente
nômades e desprezam a
repressão da sociedade,
preferindo ficar em meio a áreas
selvagens ao conforto das
cidades. O maior questionamento
sobre este estilo de vida adotado
por eles é a maneira com que
evitam a fúria dos lobisomens
(inimigos mortais dos vampiros),
deixando a única resposta mais
plausível de serem aceitos por
eles, por compartilharem a mesma
condição de metamorfos (seres
que se transformam totalmente ou
parcialmente em animais) e tem
como símbolo (coincidentemente
ou não) um lobo.
Vampiros desse clã são
guerreiros ferozes, que devem
sua ferocidade ao instinto animal
que é transmitido na hora do Abraço. Eles estão entre os Membros mais predadores,
Exemplo de estereótipo Gangrel Fonte: Arquivo pessoal
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pois adoram estar em meio a uma caçada, ou luta. Contrariamente aos outros clãs,
os Gangrel se aproximam da Besta que tenta controlar o vampiro, tendo um
entendimento apurado sobre ela, conseguindo controlá-la e, ao mesmo tempo, não
ser dominado por ela.
O clã tem pouco ou quase nenhum respeito pela Camarilla, sendo estes
vistos como quietos, taciturnos e reclusos, mas no geral é apenas desinteresse
pelos assuntos políticos. São muito ligados aos gitanos (ciganos do Mundo das
Trevas), às vezes vivendo em meio deles sem ser notados e aderindo em muito ao
estilo de vida deles, também em relação ao comportamento, linguagem e padrões.
Por este motivo não apresentam ostentação financeira ou de qualquer outra espécie.
Em relação à política da Camarilla, eles apenas fazem parte dela e só vão às
reuniões para marcar presença e manter as relações sociais ativas, para evitar
problemas, tendo, inclusive, como pauta das junções, apenas de gangréis, a de sair
da Camarilla e ter uma política que englobaria apenas os vampiros deste clã e
simpatizantes.
A aparência, tanto física e psicológica como social, reflete o estilo de vida
adotado pelos membros do clã: a falta de interesse pela moda faz com que pareçam
ásperos e selvagens. A soma disso a uma face que transparece a alma selvagem,
faz destes vampiros assustadores para quem não é acostumado a ver uma pessoa
que não se importa com nada que a cidade/sociedade proporciona, vivendo por si
mesmo. Normalmente eles ficam em refúgios em qualquer lugar que possam se
abrigar do sol, não possuindo casa ou moradia fixa.
Os gangréis raramente passam a Maldição à frente, mas, quando o fazem,
preferem abraçar os solitários que têm poder de recuperação emocional e física para
poderem suportar a gigantesca mudança a que serão submetidos. Como o Senhor
(criador) é severo e astuto, deve deixar o recém-abraçado à própria sorte, pois
acreditam que um vampiro deste clã deve ser forte e independente, fazendo suas
próprias leis e aprendendo da pior maneira como é a “vida” de um clã baseado na
força física e reclusão social.
Como não possuem uma organização concreta que se possa elencar, apenas
são ensinados, com o tempo ou pelo mestre, a respeitarem os mais velhos do clã.
Normalmente se reconhecem pelo olfato e assim se agrupam em “encontros” para
dançar, festejar e contar histórias de suas viagens. Qualquer desavença entre
alguns membros do clã é resolvida através de um ritual de combate até o primeiro
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ferimento ou rendição, raramente terminando com a Morte Final do perdedor.
Ocasionalmente se juntam em um bando para caçar ou manter relações afetivas.
A fraqueza do clã é completamente compreensível pelo fato de estarem muito
mais próximos da Besta interior do que os outros membros da Camarilla. Ao
sucumbir ao frenesi, parecem marcar em seus corpos, especificamente,
características animais, como orelhas, rabo, garras que não podem ser escondidas
na forma humana, tornando mais difícil a interação social a cada evolução neste
quadro.
Os estereótipos criados pelos outros clãs são praticamente os mesmos,
sempre remetendo à maneira de viver que eles adotam e a sua selvageria. Aqui
mencionaremos os estereótipos que os gangréis têm dos clãs que serão vistos nos
outros jogadores. Sobre o clã Ventrue, pensam de uma maneira excludente, dizendo
“Seus tolos, jogos de poder mantêm os outros preocupados, e portanto, nós os
toleramos por enquanto” (HAGEN, 1998, p.71). Mostram que sabem que só são
“aceitos” pela força física e pela maneira com que podem ser manipulados para
conquistar certas vantagens. Em relação ao clã Nosferatu, estes não são tão
excludentes, mas há algumas ressalvas sobre eles: “Observadores astutos e aliados
úteis. Mesmo assim, eu não escolheria viver em um buraco de pestilento” (HAGEN,
1998, p. 71); exaltam o poder do clã, mas de maneira irônica desdenham a maneira
com eles vivem. E, por fim, a Camarilla os vê como “Uma pequena ventania alimenta
o furacão próximo, talvez seja a hora de deixar o barracão antes que ele desabe ao
nosso redor” (HAGEN, 1998, p. 71), confirmando que estão prontos para se auto
excluírem, se algo der errado nos planos, pois são tidos apenas como uma fonte de
força bruta. O apelido mais utilizado para o clã Gangrel é “Ralé”.
As disciplinas de clã que os gangréis possuem são três: Animalismo, Fortitude
e Metamorfose. Explicando melhor cada uma delas, o Animalismo é a que permite
ao vampiro desenvolver uma conexão mais próxima e intensa com a natureza
primal. Ele não apenas se comunica empaticamente com as feras, mas também
projeta a sua força de vontade sobre elas, comandando animais ao seu próprio
desejo. À medida que o domínio sobre este poder cresce, é criada a capacidade de
controlar a Besta dentre os mortais e até seres sobrenaturais, pois ela está no
interior de todas as criaturas, desde “ratos infestados de pulgas até os poderosos
Anciões vampíricos” (HAGEN, 1998, p. 46). Os gangréis são reconhecidos como
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mestres do Animalismo, apesar de outros clãs dominarem a mesma técnica, assim
como o Nosferatu, que aparecerá nesta campanha.
Os níveis de poder são divididos em cinco etapas, sendo a primeira
denominada “Sussurros selvagens”, que permite ao vampiro criar uma conexão
empática e dar ordens simples para o animal. Segue-se o “O Chamado”, que tem
nome autoexplicativo, que convoca animais para perto dele sem ser nocivo a eles,
pois vampiros causam desconforto neles. O nível “Acalmar a Besta” impõe a sua
vontade sobre qualquer ser vivo que possua a Besta interior, anulando certas
emoções como esperança, fúria, inspiração do alvo. O quarto nível é “Dominar o
Espírito”. Neste nível, apenas o olhar humano cruzando com o do animal, o vampiro
pode possuir o corpo, transferindo sua alma para dentro do “recipiente”, deixando o
corpo humano em um estado inerte enquanto tiver o controle sobre as ações do
animal até voltar para seu corpo verdadeiro. O último nível deste poder é o “Expulsar
a Besta”. Este acontece quando o vampiro alcança um profundo conhecimento da
Besta interior, conseguindo transferir o furor e ações impensadas para outro ser vivo,
deixando-o livre até este frenesi passar.
A Fortitude é a disciplina compartilhada com o clã Ventrue, que também
aparecerá na história narrada. Este poder é aquele que confere ao corpo vampírico,
que já possui uma constituição sobrenatural, níveis de resistência que ultrapassam
este nível de um vampiro normal. Os membros com esta disciplina podem ignorar os
mais dolorosos golpes e não sentem a dor de uma rajada de tiros. Inclusive, ajudam
a suportar um pouco mais as fontes de dano que podem matar vampiros, como a luz
do sol, fogo e quedas.
A metamorfose é a disciplina que apenas o clã Gangrel possui e pode ensinar
aos outros membros. Ela permite que o vampiro manipule a sua forma física. É vista
como um poder de conexão com o mundo natural. O primeiro nível são os “Olhos da
Besta”, que permitem ao vampiro enxergar na escuridão total, tendo como efeito
colateral uma coloração vermelha brilhante nos olhos que, sendo ativada,
necessitaria de cuidado redobrado, pois certamente atormentaria um mortal. O
segundo poder se chama “Garras da Besta”. Este desenvolve, no lugar das unhas,
garras longas e bestiais, maldosamente afiadas, capazes de retalhar a carne de um
vampiro causando-lhe dano agravado (mesmo efeito que o fogo e o sol causam),
tornando o Gangrel uma máquina de matar vampiros. Pode ser que o “respeito” e a
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tolerância que a Camarilla tem por este clã se deva a este poder, pois há muitos
outros clãs exteriores a ela que lhe tentam destruir o poder soberano.
O terceiro nível é denominado “Fusão com a terra”, sendo o poder mais
estimado pelos vampiros deste clã, pois permite que ele se funda e se torne um com
a terra. Este poder permite que fique a salvo da luz do sol em qualquer lugar que
possua terra sem asfalto, grama ou alguma outra substância, assim tornando
qualquer lugar o santuário de descanso do vampiro durante o dia e, principalmente,
uma maneira de se esconder e refugiar de inimigos. O próximo nível é a “Forma da
Besta”, que demonstra a habilidade legendária do vampiro, de se transformar em
lobo ou morcego, e não apenas nestes dois. Ao se transformar, o vampiro mantém a
sua própria psique e temperamento e ainda pode utilizar as habilidades na forma
bestial além de ter os sentidos aguçados do animal em que se transformar. O último
nível é denominado “Forma de Névoa”, que é verdadeiramente perturbador, pois a
forma física se dispersa em uma nuvem brumosa, mas que continua completamente
sujeita à vontade do imortal. Ele pode se mover em algum ritmo que desejar e
passar por portas, telas, canos e outras aberturas pequenas. Alguns gangréis
sentem que esta é a expressão maior do controle do vampiro sobre o mundo
material.
3.1.2 O Nosferatu
Alguns chamam os filhos de Caim de “Os Amaldiçoados”, mas nenhum outro
clã ilustra este adjetivo tão bem quanto os “miseráveis” da linhagem dos Nosferatu.
Enquanto os outros vampiros mantêm a sua aparência humana e podem participar
da sociedade humana, os nosferatus se tornam completamente destorcidos e
deformados depois que recebem o Abraço. A maioria dos outros membros fala com
horror e asco sobre a marca de Caim sobre este clã, em razão de que seu
antecessor antediluviano ter feito com que a maioria dos outros vampiros só interaja
com eles por necessidade.
O Abraço acontece de uma maneira muito agonizante para os nosferatus,
sendo subsequentes as semanas de transformações, que retiram totalmente a
aparência humana anterior do vampiro. O terror da decomposição física é
frequentemente acompanhado por um grande trauma psicológico, pois os
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impossibilita de andarem entre os mortais e, até certo ponto, da “vida” eles são
obrigados a viver - em catacumbas, cemitérios e até mesmo esgotos.
A escolha de quem será a
próxima vítima a ser abraçada vem da
preferência que os Senhores, em sua
maioria, têm por pessoas com alguma
“distorção” física ou mental, pois veem
essa transformação como algo que irá
conduzir para a redenção deste mortal.
Muitos Nosferatu são completamente
razoáveis e práticos, e evitam
obsessões, conveniências e acessos de
fúria, comportamento normal entre
todos os vampiros. Nem este
autocontrole extremo faz com que um
Nosferatu seja uma companhia
agradável, sua aparência é
extremamente perturbadora, inclusive
para vampiros, desenvolvendo nos
Nosferatu um estranho prazer ao ver o
choque e horror causado por eles nas
pessoas.
Ao escolherem a presa para
entregar a Maldição propriamente dita,
escolhem sua progénie entre os
rejeitados da sociedade:
desamparados, mentalmente doentes e
os desesperadamente antissociais. Os
mais sádicos e terríveis nosferatus
escolhem entregar o Abraço a mortais
belos e vaidosos para apenas ter o gosto da vingança e o prazer de observá-los,
desesperados, enquanto a maldição toma conta de seus corpos para sempre.
Exemplo de estereótipo de Nosferatu Fonte: Arquivo pessoal
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Através destas inúmeras desvantagens, apresentam, em decorrência,
algumas vantagens em relação aos outros vampiros. Eles são sobreviventes por
excelência, pouquíssimas criaturas conhecem as vielas, esquinas e cantos sombrios
de uma cidade como um nosferatu, dominando as artes do furtivo e da espionagem,
mantendo-se a par de todos os assuntos e maledicências não por mero prazer, mas
para garantir a sobrevivência. São também negociantes inigualáveis, principalmente
em relação às informações colhidas. Se alguém necessitar de informações a
respeito de qualquer pessoa ou situação, um nosferatu deve ser a primeira opção na
lista.
Os integrantes desse clã, após milênios de abusos e deformidades,
construíram laços fortes entre eles. Eles estão além das brigas e disputas de poder
sempre presentes nos outros clãs, preferindo trabalhar em união. A cortesia com que
os nosferatus se tratam deveria ser invejada, pois é verdadeira e não apenas uma
questão política ou social. Também a troca de informações entre os membros do clã
é feita livremente, sem nada ser cobrado em troca. Apesar de não possuírem rígidos
protocolos de convivência, compartilhar de um mesmo problema, no caso a terrível
aparência, criou um sentido de união no clã. São desprezados e isolados por todas
as outras criaturas, unindo-se assim não apenas por necessidade, mas também para
evitar a solidão.
Este clã é pertencente à Camarilla, apesar das dificuldades óbvias de manter
a Máscara. Pode ser que os nosferatus deem valor à seita, mas a ideia que mais
perdura é de que querem ter informações e todos os outros clãs à vista. A aparência
Nosferatu é única, não falando como um todo, mas sim individualmente. Jamais
existirão dois vampiros deste clã com a mesma deformidade. Há semelhanças como
os caninos espaçados, pálidos, cheios de tumores, buracos ao invés de nariz,
orelhas pontudas como de morcegos, cabeças oblíquas e carecas, dedos
membranosos, garras, espinhas retorcidas, pele enrugada, feridas purulentas são
apenas algumas das terríveis características que podem aparecer no corpo destes
vampiros.
Normalmente, nos primeiros anos posteriores à sua transformação, os
nosferatus são obrigados a viver em lugares distantes dos olhos dos mortais, como
cemitérios, porões abandonados, depósitos. Quando são muitos, vivem em
comunidades em galerias de metrô ou esgotos. Esses lugares, que dão acesso a
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todo lugar, fazem do mundo subterrâneo dos nosferatus um “reino” à parte do que se
pode ver, inclusive até príncipes têm uma certa resistência em neles adentrar.
A fraqueza do clã já deve estar bem clara, pois são repugnantes de se
encarar. A punição por isso é de que os personagens deste clã não possuem na sua
ficha a opção “Aparência”, que não pode ser adquirida nem com pontos de
experiência. Todas as situações sociais que forem exigidas, e o Nosferatu estiver
sua forma real, serão automaticamente consideradas falhas. Curiosamente, o
símbolo do clã é uma máscara teatral triste, fazendo referência ao vestir a Máscara
exigida pela Camarilla e, ao mesmo tempo, a feição de tristeza que transborda
inclusive o objeto que deveria esconder tudo.
Os estereótipos que são criados pelos nosferatus são os que ferem mais a
parte social e mental dos clãs. À respeito do clã Gangrel, é mais um elogio e um
alento para eles: “Eles entendem – mais que os outros entendem, de qualquer
forma. Nós não nos falamos muito, mas o silêncio fala por si só” (HAGEN, 1998, p.
75), há esta identificação de que o Gangrel entende o Nosferatu por também ter
certa deformação e uma maneira de viver semelhante, na exclusão e à margem da
sociedade. Estes clãs não se falam muito mais por questões geográficas que outra
opção, mas eles sabem que podem contar uns com os outros.
O clã Ventrue sim é bastante criticado pelos nosferatus, que colocam em
dúvida a vida de ostentação e oblação que os vampiros daquele clã possuem - “Em
seu belo trono, sentou o orgulhoso lordezinho, e ali no seu trono, ele morreu
sozinho” (HAGEN, 1998, p. 75) -, demonstrando um certo asco e deboche pelos
vampiros deste clã. Nosferatus vivem a vida toda na exclusão, mas conseguem
encontrar seus companheiros para algumas horas difíceis e criticam isso nos
ventrues, que aparentemente só têm aliados devido à posição social, que um dia
acabará e a solidão e o esquecimento assolarão o vampiro.
A Camarilla recebe uma crítica em relação ao seu poder: “Desce aqui e me dá
essa ordem de novo, Sr. Príncipe. É, eu não achei mesmo que você viesse”
(HAGEN, 1998, p. 75), mostrando que o Príncipe é apenas uma marionete de um
sistema muito maior, e que não chega perto de um nosferatu, pode ser por medo de
sua aparência ou mesmo por respeito. O apelido mais comum entre os outros clãs
para se referir aos Nosferatu é “rato de esgoto”.
As disciplinas que o clã dos nosferatus recebe junto com a transformação são
o Animalismo, a Ofuscação e a Potência. Como mencionado anteriormente, o
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Animalismo já foi explicado quando foi apresentado o clã Gangrel, pois é uma
disciplina compartilhada.
A Ofuscação é um misterioso poder que permite aos membros ocultarem sua
presença da visão dos outros. Através do simples desejo de passar despercebido,
um vampiro com esta disciplina pode desaparecer, mesmo se ele estiver em pé, em
frente a uma multidão. Certamente ele não desaparece, ele simplesmente ilude os
observadores a pensarem que ele se tornou invisível, não apenas com seu corpo,
mas com outras criaturas, pessoas e objetos. Os níveis mais altos da disciplina
fazem o vampiro desaparecer da visão alheia tão sutilmente que os que estão ao
seu redor jamais se recordarão de que ele estava ali. Crianças e animais conseguem
sentir a presença do vampiro mesmo sem o estar vendo, fato que pode atrapalhar
alguma situação mais delicada.
Devido ao fato da Ofuscação afetar a mente do observador, os membros não
podem utilizar esta disciplina em aparelhos eletrônicos e mecânicos, como câmeras
de segurança e fotografias. Este poder também é dividido em cinco níveis e o
primeiro é denominado “Manto das Sombras”, que concede ao vampiro a
capacidade de ficar isolado da visão de outros seres apenas com a ajuda das
sombras. Ele necessita encontrar um local escuro e ficar em silêncio, parado ou sob
algum tipo de cobertura (cortina, armação, poste, ruela), sem iluminação direta no
momento em que se movimentar, atacar ou se colocar sob iluminação.
O segundo nível é a “Presença invisível”, praticamente uma evolução do
anterior, pois ao ser ativado o vampiro consegue se mover sem ser visto, só
necessitando entrar nas sombras para desaparecer, e depois disso pode andar
livremente. Mantendo sua consistência física ele precisa ser cuidadoso para não
esbarrar em objetos ou entrar em contato com algo que revele sua presença.
“A máscara das mil faces” é o terceiro nível. Este permite influenciar a
percepção dos outros, fazendo com que eles vejam outra pessoa que não é o
próprio imortal. Apesar da forma física do vampiro não mudar, qualquer observador
vê o ser que o vampiro quer que ele veja. Para executar isso, o vampiro necessita
ter o semblante da “cópia” firme em sua mente, importando a aparência e não os
maneirismos e a personalidade.
O quarto nível é o “Desaparecimento do olho da mente”, uma poderosa
manifestação da disciplina Ofuscação, que permite ao vampiro desaparecer do
campo de visão plano tão profundamente que pode sumir mesmo se estiver na
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frente de alguém. Dependendo da força de vontade do indivíduo que está vendo, ele
pode se assustar e correr, mas se for fraca, ele não notará e muito menos lembrará
que o vampiro esteve ali. Até mesmo vampiros se espantam com o desaparecimento
súbito.
O último nível, denominado “Cobrindo o grupo”, é uma extensão de seus
poderes. Depois de tamanha compreensão da disciplina, o vampiro consegue
estender a habilidade de ocultação para cobrir uma área, podendo usar qualquer
nível anterior sobre pessoas próximas. Qualquer pessoa que comprometer a
integridade do disfarce será revelada, mas somente ela mesma o será.
A disciplina da Potência faz com que os vampiros dotados dela possuam uma
força (ainda mais) sobrenatural. Ela permite que os vampiros pulem distâncias
tremendas, ergam pesos volumosos e golpeiem oponentes com mais dano causado.
Até os níveis mais baixos deste poder conferem ao vampiro um poder físico, além
dos limites imortais. Ela não possui poderes específicos, é dividida em níveis que
aumentam a força e a destreza dos vampiros, que os fazem pular tão alto e longe
que parecem estar voando, jogando carros como se fossem latas de refrigerante e
golpearem concreto como se estivessem batendo em papelão.
3.1.3 O Ventrue
Com a reputação de serem honrados, gentis e de gosto impecável, os
membros do Clã Ventrue, desde os tempos remotos têm sido um clã de liderança,
reforçando as tradições antigas e procurando moldar os destinos dos Membros. Nas
noites ancestrais, eram escolhidos para ter a linhagem do clã pessoas influentes
como príncipes, mercantes ou outros controladores do poder. Nos tempos
modernos, o clã prefere membros de famílias ricas tradicionais, impiedosos
executivos e políticos. De qualquer lugar que seja a origem de um ventrue, eles
sempre preservam a estabilidade e mantêm a ordem na Camarilla, sendo
confundidos pelos outros membros, com arrogância e avareza, mas para o ventrue,
este papel é mais que uma responsabilidade, é uma honra.
63
Este clã apoia a Camarilla veementemente, sentindo que sob a liderança do
clã haverá uma melhor existência para todos os vampiros. Na concepção dos
ventrue, os outros clãs são imprudentes e
impetuosos, preocupam-se com o
conforto imediato, trocando a eternidade
por um pouco de sangue. Sem os
ventrues não existiria a Máscara e sem a
Máscara não existiriam vampiros.
Nenhum outro clã seria capaz de liderar
as crianças de Caim através das noites
com uma guerra iminente.
Os ventrues se consideram
nobres, no sentido clássico da palavra,
lutando para manter as posições
daqueles abaixo deles. São considerados
reis, cavaleiros e barões das noites
modernas. Apesar do campo de batalha
ter sido trocado por salas de
planejamento, os ventrues continuam os
duelos, dividindo o exército entre os
jovens que comandam seus lacaios e
carniçais pelos telefones celulares e
passeios de limusine, enquanto os
anciãos procuram ameaças que vêm de
longe e dos quais novos vampiros nem
suspeitariam. Muitas propriedades sobre
o controle da Camarilla estão
supervisionados pelo Clã Ventrue, sendo
relutantes em relação a deixar estes
trabalhos para outros clãs.
Reputação e determinação
levam um vampiro longe dentro do Clã
Ventrue, mas isso nada importará se ele não for capaz de manter a sua influência.
Exemplo de estereótipo de Ventrue Fonte: Arquivo pessoal
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Os outros vampiros normalmente trocam insultos contra os ventrue, acusando-os de
serem tiranos, pomposos demais e arrogantes, mas quando algo dá errado
socialmente, é para este clã que correm a pedir auxílio. Os ventrues cultivam a
influência e, sempre que podem, o controle sobre a mídia, polícia, política, saúde e
medicina, crime organizado, indústria, finanças, transporte e até mesmo a Igreja dos
mortais. Quando um vampiro precisa de ajuda, os ventrue normalmente podem
fornecê-la por um bom preço, que não necessariamente precisa ser pago em
dinheiro.
Normalmente os vampiros deste clã gravitam nos mais altos níveis da
sociedade mortal, onde a sua sofisticação lhes serve bem. Os ventrues
orgulhosamente desfrutam do privilégio da liderança e calmamente carregam o seu
fardo.
Os ventrues normalmente se caracterizam como elegantes, aristocratas e
realistas, sendo os senhores da Camarilla. Foi este clã que forneceu a base para a
Camarilla e também a guia nos tempos sombrios, tendo sido deste clã, até a era
moderna, a maioria dos príncipes.
A grande maioria dos vampiros deste clã se abrigam em mansões, castelos e
propriedades valiosas. Ao contrário dos outros vampiros de outros clãs, os ventrues
fazem o uso do estilo de vida de quando eram humanos, estão sempre na moda,
quase sempre com roupas formais e desenhadas milimetricamente sob medida para
o corpo deles. Ao contrário do que todos pensam, são elegantes e requintados, pois
necessitam se destacar sem destoar. Qualquer evento ou fato que fira a honra de
um ventrue é tido como algo catastrófico.
A organização do clã Ventrue é uma das que mais agrupa e discute com os
membros, fazendo os vampiros de uma certa região se encontrarem com frequência.
Os Ventrues jovens costumam ser um problema para o clã, pelo motivo de que
quase nunca concordam com um discurso ponderado e elevam a voz entrando em
atrito com a rigidez das regras de convivência do clã. As posses quase sempre são
motivo dessas discussões, pois os mais anciãos não concordam em ter menos bens
e influência do que uma criança da noite, procurando até duelos de força para provar
quem é mais forte e poderoso.
Dentro do clã, a herança é muito valorizada. Os “filhos e netos” e assim
sucessivamente até os membros mais ilustres são tratados com mais estima ou
inveja pelos outros membros do clã. Os ventrue são tradicionalmente procedentes
65
de profissionais ou famílias de altíssimo nível social, podendo ser qualquer pessoa
notável, sendo um dos únicos clãs que não abraçam apenas por vontade ou instinto.
Escolhem e observam o futuro integrante por meses, e até anos, antes de conceder-
lhe o Abraço. Alguns membros de outros clãs acusam os ventrues de serem
incestuosos, o que não é verdade. O que mais importa a eles são o poder e o
domínio de qualquer situação em que estejam presentes.
A fraqueza do ventrue também é algo que não é surpresa. Pelo fato de ser
um vampiro requintado e seletivo em todas as coisas que faz, com a alimentação
não seria diferente. O paladar do ventrue é exigente ao ponto de só se alimentar de
um tipo de sangue de um tipo de mortal. Exemplificando, um vampiro desde clã terá
de se alimentar pelo resto da eternidade de homens loiros, ou mulheres ruivas,
apenas de sacerdotes e assim por diante, podendo se alimentar normalmente e fora
desta escolha apenas de sangue de outros vampiros, o que é considerado o maior
crime na Camarilla.
Os estereótipos criados pelos ventrues sobre os outros clãs também
continuam sem surpresa. Sobre o Clã Gangrel, seus membros são tratados como
animais e chacais, como algo que só é chamado quando um “vampiro mais nobre”
não quer sujar suas mãos com alguma coisa que ele acha que não merece seu
esforço.
Sobre os nosferatus, consideram que “Estas lamentáveis criaturas continuam
pagando a dívida contraída por seus senhores tantas noites atrás, mesmo não tendo
culpa alguma” (HAGEN, 1998, p. 81), demonstrando pena e, ao mesmo tempo, um
certo asco, chamando-os de lamentáveis, que também pode ser em relação à sua
aparência e não poder andar livremente perto dos humanos. Mas tem-se
consciência que os ventrues têm muito contado com eles pelo fato de terem
informações importantes sobre a sociedade de todas as classes e, claro, mesmo que
eles exijam um certo preço, ventrues não têm problemas financeiros quando o
assunto é a influência e a importância das notícias.
A Camarilla tem um estereótipo completamente esperado de um ventrue:
“Esta é tanto a nossa honra quanto a nossa penitência” (HAGEN, 1998, p. 81).
Sabendo que foram os ventrues que deram o suporte para a criação da Camarilla,
juntamente com a criação da Máscara, tem-se como conceito de que a penitência é
algo que eles julgam impróprio para o clã, que é ter de conviver com os outros clãs
que não seguem ou tentam deturpar as regras que eles mesmos criaram. A honra se
66
trata de ser o clã mais influente na sociedade dos mortais, o que é também
condenado por todos os outros clãs pelo fato de pensarem que mortais são apenas
“sacos de sangue” e de que os vampiros são semelhantes e não devem ser tratados
como inferiores. Ventrues pensam desta maneira, humanos são tratados como
alimento, fonte de informação e mão de obra; só interagem com eles por poder e
dominação. Os vampiros que não têm a mesma influência dentro da Camarilla são
tratados como inferiores, mesmo pensamento aplicado aos humanos, deixando
assim os membros com uma ressalva a respeito dos ventrues. O apelido dado a eles
pelos outros clãs é “Sangue azul”.
As disciplinas intrínsecas do Clã Ventrue também são três: Dominação,
Fortitude e Presença. A Fortitude já foi explanada na apresentação do Clã Gangrel,
sendo compartilhada entre estes dois clãs. As outras duas habilidades dizem muito
sobre a maneira com que os ventrues governam, conseguem toda a influência e
poder, tratando-se de disciplinas que envolvem o lado mais mental e psíquico dos
alvos.
A Dominação concede a manipulação dos pensamentos e ações de outros
através da força de vontade do vampiro. O uso desta habilidade requer que o
vampiro olhe nos olhos de sua vítima. Só pode ser usado em uma pessoa por vez.
A extensão deste controle depende do poder que está sendo aplicado. Apesar de
realmente poderoso, a sua execução exige muito, pois os comandos precisam ser
emitidos verbalmente de forma clara. Do contrário, o pedido não será atendido, não
importando o poder ou idade do vampiro. Esta disciplina é praticamente uma
extensão de uma característica mortal que o Senhor vampiro olha e aprecia, e
provavelmente por isso concede o Abraço.
Também dividida em cinco níveis, o primeiro tem como denominação “O
Comando”, exigindo que o vampiro fixe os olhos nos da vítima falando uma palavra
de ordem que precisa ser obedecida imediatamente. Se o comando não for claro,
confuso ou ambíguo, o alvo pode responder lentamente ou realizar mal a ação. Não
se pode ordenar ao alvo que faça algo que prejudique a si mesmo. Portanto, ações
como suicídio, automutilação e contar segredos particulares não são permitidas. O
comando pode ser escondido em meio a alguma sentença, facilitando a aplicação do
poder, mas um ouvinte mais atento irá notar a ênfase em alguma palavra e exigir um
teste de dados mais difícil.
67
“Hipnotizar” é o segundo nível que permite ao vampiro implantar verbalmente
um falso pensamento ou sugestão hipnótica na mente inconsciente do alvo. Tanto o
vampiro quanto a vítima precisam estar livres de distrações, exigindo palavras
corretas para ser efetiva. O vampiro pode ativar o pensamento para ser executado
imediatamente ou estabelecer um estímulo para ser disparado depois. A vítima
precisa ser capaz de entender o vampiro, apesar do contato visual somente ser
necessário durante a implantação do pensamento. Este poder funciona tanto com
ordens simples e diretas como com ordens mais complexas e bem elaboradas,
como, por exemplo, tomar nota dos hábitos de alguém e trazer essas informações
para o vampiro.
O terceiro nível é o “Ordenar esquecimentos”, que é executado depois de
conseguir o contato visual e pesquisar a memória da vítima, podendo então roubar,
recriminar e inserir conforme sua vontade. O vampiro opera como um hipnotizador,
fazendo perguntas diretas e sugando respostas do alvo. A capacidade de alterar a
memória depende da vontade do vampiro, podendo alterar levemente, como uma
maneira de proteger a Máscara, por um mortal tê-lo visto se alimentando, ou ter-lhe
servido de alimento, ou desfazer totalmente memórias de seu passado. O nível de
detalhes usado tem uma relação direta com a força que a memória pesquisada tem,
pois, o subconsciente tentará relutar contra as alterações impostas. A memória
imposta deve ter muitos detalhes para que não seja desfeita rapidamente. É
relativamente fácil entrar na mente de uma vítima e retirar lembranças do que
aconteceu na noite passada sem nem mesmo essa vítima saber o que realmente
ocorreu. No entanto, praticar tal ação pode ocasionar alguns problemas, como uma
lacuna nas lembranças capaz de causar problemas no decorrer do caminho pelo fato
de que os pensamentos impostos não tem a realidade das lembranças que
aconteceram verdadeiramente. Este poder também pode identificar algumas
memórias que já foram alteradas e assim trazê-las ao normal.
O “Condicionamento” é uma consequência dos outros três níveis, e só pode
ser utilizado depois que a vítima já estiver sob o efeito de algum outro anterior,
tornando-se mais flexível e vulnerável à vontade do vampiro e renegando a
influência de outros imortais. Ganhar o controle completo de uma mente é uma
atividade que pode demorar semanas, meses ou até anos para ser concluída. Os
membros normalmente enchem a mente dos seus lacaios, carniçais e pessoas em
geral, com sussurros sutis e desejos velados, garantindo desta forma a lealdade dos
68
mortais. O preço desta habilidade é que os dominados neste nível perdem a
individualidade, seguindo somente as ordens do vampiro, raramente tomando
iniciativa ou mostrando alguma imaginação, tornando-se praticamente zumbis.
O quinto nível é a “Possessão”. Este decorre da enormidade da força psíquica
do vampiro, que lhe dá o poder de colocar por completo a sua mente no lugar da do
alvo, não sendo necessárias nem palavras, apenas um contato visual que demora o
tempo da luta da força de vontade do alvo com a do vampiro, depois disto sendo
dispensável. Após suplantada a mente do alvo, o vampiro move sua consciência
para o interior do corpo da vítima e o controla facilmente, tal como controlaria o seu
próprio corpo. O alvo entra em uma espécie de delírio e fica ciente dos eventos de
forma distorcida, como se fosse em um sonho. Ao mesmo tempo, a mente do
vampiro está concentrada inteiramente no controle do corpo mortal, enquanto o
corpo imortal fica em um estágio de torpor, sem defesa contra quaisquer ações que
o envolvam. O vampiro não pode possuir outro membro, pois a mente do mais fraco
dos vampiros é forte o suficiente para resistir a esta dominação. Apenas através de
laços de sangue (quando um vampiro deixa o outro beber voluntariamente de seu
sangue) é possível ter este controle sobre outro membro.
A disciplina da Presença é a mais adorada pelos Ventrue, pois é como se
fosse uma afirmação sobrenatural do seu poder e majestade sobre os mortais. É a
habilidade da atração sobrenatural, que pode inspirar paixões devotas, entusiasmo,
medos tanto em mortais como em imortais, sendo assim um dos poderes mais úteis
que um vampiro pode possuir. É notável que, ao contrário de todas as outas
disciplinas apresentadas até agora, alguns dos seus poderes podem ser usados em
multidões inteiras, dando poder ao vampiro de submeter grandes grupos sob a sua
influência, contanto que seu rosto esteja visível àqueles que deseja afetar e, ao
contrário da Dominação, não exige nem ao menos contato visual.
Transcendendo raça, religião, gênero, classe e principalmente naturezas
sobrenaturais, esse poder tem a chance de afetar tanto um vampiro ancião quanto
um motorista de táxi, com a exceção de que se a vítima notar que está sendo
compelida pode tentar resistir, mas pode ser que dê errado. Toda vítima da
Presença pode tentar resistir e fazer testes até que toda a sua força de vontade seja
extinta e ceda à presença do vampiro. A maneira mais simples é virar o rosto e não
ter contato visual com o vampiro, sendo uma opção simples, mas de que os mortais,
69
por não saberem que estão sob o efeito de um poder sobrenatural, não têm
conhecimento.
Além dos usos premeditados, a Presença confere uma mística e inexplicável
ação sobre o vampiro, fazendo com que ele se distinga na multidão, chamando a
atenção (e frequentemente o desejo) daqueles que estão ao seu redor, mesmo
quando ele está apenas parado em algum lugar, aumentando a fascinação a cada
nível superior da habilidade. A maior desvantagem da presença é que ela apenas
controla as emoções, fazendo com que as pessoas tenham uma inclinação favorável
ao vampiro, mas não permite que ele as controle diretamente, mas facilita o uso das
outras disciplinas como a Dominação, causando uma combinação bastante efetiva.
O primeiro nível é o “Fascínio” é uma ampliação da ação passiva que esta
disciplina dá ao vampiro. As pessoas próximas a ele repentinamente sentem
vontade de se aproximar ainda mais do Imortal, sendo muito eficiente na
comunicação em massa, pouco importando o que é dito, pois o coração dos
afetados se volta à opinião do vampiro. Assim os mais fracos tendem a concordar
com ele e os que têm uma força de vontade maior podem resistir, mas são uma
minoria. Não importa a intensidade da atração. Até mesmo os menos afetados terão
uma reação ao lembrarem como se sentiram na presença do vampiro e ficarão mais
suscetíveis na próxima vez que for utilizada.
O segundo nível é o “Olhar aterrorizante”. É uma forma de intimidação, maior
do que o poder natural dos vampiros de aterrorizar as pessoas, ao revelar
fisicamente suas naturezas vampíricas, exibindo suas garras e dentes ou rosnando
alto e ameaçadoramente. Este poder concentra estes elementos em um nível quase
enlouquecedor. Gera um terror insuportável nas vítimas, causando várias reações,
como imobilidade ou fuga desesperada, afetando até os indivíduos mais robustos e
corajosos. É bastante utilizado na hora de interrogatórios ou ações não tão lícitas
para conseguir informações.
O “Transe” é o poder que influencia a emoção de outras pessoas, fazendo
delas uma espécie de servos. Dependendo da concepção do indivíduo sobre
verdade e devoção, eles podem atender a todos os desejos do vampiro, pelo
simples fato de que o desejo de obedecer será realizado através do amor
incondicional e da livre e espontânea vontade do alvo e não através do estupro da
vontade. Estes lacaios, carniçais ou pessoas em geral que são afetadas pela
presença são muito mais agradáveis do que os afetados pela Dominação, por terem
70
vontade e pensamentos próprios, não se tornando apenas um corpo que anda pela
vontade do vampiro.
O nível quatro é a “Convocação”, poder este de nível avançado que permite
ao vampiro convocar a presença de qualquer pessoa que ele já tenha conhecido. O
chamado pode ser dado a qualquer um, seja ele mortal ou imortal, sobrepondo
qualquer distância dentro do mundo físico. O alvo chamado vem o mais rápido
possível, e provavelmente sem ao menos saber o porquê. Intuitivamente saberá
como encontrar o convocador. O pensamento principal do alvo é chegar ao vampiro,
mas sem se esquecer do seu próprio bem-estar, mantendo o seu instinto de
sobrevivência, não se submetendo a ações suicidas. É um poder mais útil quando se
trata de alvos próximos, pois chamar alguém que está longe poderia tomar um
tempo precioso do vampiro, que pode estar em apuros. O chamado se dissipa ao
amanhecer, mas se o vampiro treinar muito bem esta habilidade conseguirá compelir
ao convocado, continuar a vir ao encontro durante o dia.
O quinto nível é a “Majestade”, que confere o poder supremo de aumentar o
seu aspecto sobrenatural em mil vezes. A atração se torna paralisante de tão linda, o
rude se torna horrivelmente demoníaco. A Majestade inspira um respeito universal,
devoção, medo (inclusive todas estas emoções ao mesmo tempo) sobre aqueles
que estão próximos ao vampiro. O fraco briga para obedecer a todos os caprichos
do vampiro e os fortes e corajosos descobrem que é praticamente impossível negar-
se. As pessoas afetadas acham o vampiro tão formidável que não se atreveriam a
deixá-lo desgostoso, levantar a voz contra ele é difícil, levantar a mão contra ele é
inconcebível. Os poucos que conseguem abalar a atração mística do vampiro são
calados pelos muitos que estão sob a influência dele, mesmo sem o imortal mandar.
Sob a influência da Majestade, corações desmoronam, poderes cambaleiam e a
audácia some, fazendo com que até os Membros mais sábios, pelo número de
pessoas que serão afetadas, utilizem este poder com cautela, pois um efeito
colateral é a perseguição que será gerada.
3.1.4 Apresentação dos personagens: a criação de uma identidade
Após a contextualização dos fatos principais sobre os Clãs escolhidos, a
história, ou narrativa, deve ser criada, incorporando traços que serão escolhidos por
cada autor. A parte fascinante do RPG, além da ludicidade e da interação entre
71
amigos, é a oportunidade de criação literária que ele disponibiliza. Pessoas leigas,
de todas as idades, formações e credos, têm a possibilidade de escrever uma
pequena obra, por mais simples que seja, criando-se assim uma nova identidade
para um personagem. Características psicológicas, físicas, classe social, problemas
familiares, conflitos internos, preferências, maneirismos, costumes, tudo será criado
e arquitetado para que, após a entrega da narrativa, o escritor se torne uma
personificação real e praticamente viva, no decorrer da sessão, com outro nome,
outra identidade, outras formas de pensar e sujeito a outras ideologias.
As narrativas que aqui serão apresentadas foram criadas especificamente
para a execução deste trabalho de Dissertação e têm a plena autorização dos
autores para a veiculação do texto integral, que se encontra nos Anexos, posteriores
às Referências Bibliográficas. Seguindo com as explanações, um breve resumo de
cada uma delas foi elencado, como se vê na sequência, para que as análises
pudessem ser realizadas sem lacunas, juntamente com a explanação das escolhas
dos jogadores na criação das fichas de atributos.
3.1.4.1 Sarah Fortune: A Ventrue de Bibiane Trevisol
Nesta biografia, contada em terceira pessoa, a autora inicia a história dando o
título de “Sarah Fortune, o poder tem nome” já elucidando que a personagem dela
será imponente e influente. Para dar um complemento na hora da leitura, há o aviso
de que a história deve ser lida ao som da música “Dead Lover’s Lane”, da banda
finlandesa HIM, que tem o tema de sentimentos, como o amor, que rastejam em
uma alameda de outros sentimentos que acarretam medo, desespero. A música teve
este papel pelo interlúdio em inglês:
Scream out love's name in vain
Erase the pain again
And lose yourself alone in the dark
Dead lover's lane
A estrofe, traduzida livremente para o português, “Grite o nome do amor em
vão/ Apague a dor novamente/ E se perca sozinho na escuridão/ Na alameda dos
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amantes mortos”, elucida que a história de Sarah Fortune terá muito sentimento
envolvido e sofrimentos causados pelo sentir e agir.
A narrativa da vida de Sarah Fortune se inicia descrevendo o que é visto por
fora, o exterior da personalidade que ela é para aquela sociedade: apenas uma
mulher rica e que gosta de esbanjar poder e influência. A interrupção destas
informações traz o dia do nascimento dela, no qual os problemas começam a ser
evidenciados, como a superexposição, a negação do pai que é machista e preferia
um filho homem. Também conta todo o esforço que Sarah faz para tentar conquistar
o coração do pai, que nunca lhe deu o mínimo de amor necessário e, para piorar,
ainda coloca o filho de seu melhor amigo no lugar de privilégio que deveria ser da
única herdeira da família.
O desenrolar trágico da história envolvendo um assassinato, relata o Abraço
dado por seu mestre Irvine Crawford, que a transformou em um Ventrue e a
surpresa de que ao receber a notícia que se transformaria em um vampiro não
houve desespero ou negação, mas sim um olhar de recompensa e também uma
certa gratidão pelo poder que havia sido concedido a ela.
A criação da ficha seguiu exatamente a linha social, parte necessária e
importante, e um Ventrue. A natureza escolhida pela jogadora foi excêntrica, o
comportamento Diretor e o conceito Socialite. Nos Atributos, o foco ficou no carisma,
manipulação (com ênfase na sedução) e na aparência, deixando em segundo plano
a percepção, inteligência e raciocínio e, depois, os atributos físicos. As habilidades
foram focadas nos talentos empatia, intimidação (com ênfase em chantagem),
liderança e lábia; as perícias escolhidas foram condução, armas de fogo e brancas,
e performance (com ênfase em atuação); e os conhecimentos de finanças,
investigação e linguística (acrescentando-se a língua italiana).
Os antecedentes escolhidos foram Recursos com quatro pontos e Status com
dois pontos; as disciplinas padrão do clã (Presença, Dominação e Fortitude) foram
aprendidas e as qualidades e defeitos foram escolhidos com base no que o
personagem necessita para melhorar a interação social, sendo adquiridas, assim,
“Ingerir comida” e “Voz encantadora”. A fraqueza do Ventrue de ter Restrição de
Presa foi definida para Sarah Fortune como apenas moreno de olhos claros.
3.1.4.2 Viktor Reznov: O Nosferatu de Cassiano Prado
73
A biografia deste personagem, também em terceira pessoa, inicia em um ano
remoto, há praticamente mais de 60 anos, na Rússia, quando Reznov tinha treze
anos. Conta sobre o pai, que era músico e motivo de conforto e encorajamento para
os soldados, o que levou o exército alemão a ficar preocupado e em polvorosa para
que este “incentivo” fosse cessado, levando ao assassinato a sangue frio de seu pai
e sentenciando assim ao mote de vingança de Viktor.
A mudança para a Itália para evitar que mais fatos ruins acontecessem com a
família Reznov e a acolhida por parte de uma família ali residente até a estabilização
financeira foram parte da vida dele. A entrada no exército italiano e a força de
vontade com que ele evoluía no batalhão chamaram a atenção de um agente
especial de espionagem, denominado Alexander Dragovich.
Este homem, que futuramente seria o seu mestre vampiro e o transformaria
em um Nosferatu, em pleno ataque de alemães à base italiana, possibilitou-lhe o
horror de ver um vampiro pela primeira vez e saber o quanto degradante seria a sua
aparência e a dificuldade que a vida seria daquele momento à frente. Mas, como
não haveria opção para derrotar aqueles alemães que iriam dizimar seus amigos e
companheiros, ele aceitou o Abraço. Após anos de treino e explanações sobre o
Mundo das Trevas, Viktor volta à Rússia, entrando sem problemas no exército se
tornando General. A narrativa termina de uma maneira com que só saberemos o
final na continuidade da sessão: com a notícia que fez Reznov se mudar para a
Califórnia, nos EUA, para resolver algumas pendências.
A ficha deste personagem foi baseada na parte estratégica e observadora,
fazendo o jogador escolher uma natureza ranzinza, um comportamento
perfeccionista e o conceito de Soldado. Os Atributos foram focados na parte Mental,
em primeiro lugar o raciocínio (com ênfase em Mudança de Estratégia), percepção e
inteligência; logo após, os sociais - com carisma, manipulação (com ênfase em
Convincente) e nada de pontos em Aparência, pelo fato de ser a fraqueza do clã
Nosferatu. As habilidades foram focadas nas Perícias de condução, armas de fogo,
performance (ênfase em atuação) e práticas furtivas (com ênfase em silêncio); após
isso, os Talentos de prontidão, esquiva e intimidação e, por último, os
Conhecimentos de investigação e medicina.
Os Antecedentes escolhidos foram Recursos, Contatos e Rebanho (pela
dificuldade que o Nosferatu tem de encontrar presas, torna-se necessário) e as
74
Disciplinas básicas do clã foram adquiridas (Animalismo, Ofuscação e Potência).
Não foram acrescentados qualidades e defeitos.
3.1.4.3 Derek Chains: O Gangrel de Christian Kayser
A narrativa com mais indagações e a única escrita em primeira pessoa, inicia-
se com uma pergunta de várias respostas; o amor é recorrente. A demora para
revelar quem realmente está falando deixa a narrativa com um caráter de conversa,
dando apenas algumas características sobre a personalidade, como o medo de
perder algo, a vontade de morrer por amor e a dúvida do motivo da existência, o
desprezo pelos seres humanos é evidente. Nota-se que nesta história o enunciador
já é vampiro e está apenas contando o que lhe aconteceu e o que o está
perturbando.
A vida que levava antes de se tornar vampiro, aos seus olhos é algo indigno
para ele. Trabalhava de servente de pedreiro e sofreu um acidente por falta de
instrumentos de segurança e pela confiança de que nada aconteceria com ele.
Estando prestes a morrer, foi transformado por sua atual namorada, que não
imaginava ser uma vampira, deixando-o abandonado e sem ensinamentos. Ao fugir
para um lugar que parecia que o coração o mandava e mostrava o caminho,
encontra uma outra vampira que ficava próxima aos coiotes. Ela tinha o nome de
Rojanda e se propôs a dar ensinamentos a ele e a seguir os passos de sua criadora
Mariah.
Apenas no final da narrativa o nome e as características físicas do
personagem são revelados, deixando o mote da nova “vida”, que é encontrar a sua
antiga namorada e se vingar (ou não), pela situação em que ela o deixou, sem ter
pressa, pois, segundo o narrador, tempo a partir daquele momento não seria
problema.
A ficha deste personagem seguiu para o lado físico e da força bruta, tendo
como natureza escolhida o galante, o comportamento gozador e o conceito errante.
Os atributos físicos foram priorizados, como a força, a destreza (com ênfase na
velocidade) e o vigor. As Habilidades foram focadas nos talentos de prontidão,
esportes, briga, esquiva e empatia; as perícias de empatia com animais, o furtivo e
sobrevivência, e os conhecimentos de investigação e medicina.
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Os antecedentes escolhidos foram os recursos e rebanho, com as Disciplinas
do clã Gangrel adquiridas (Animalismo, Fortitude e Metamorfose) e as qualidades
que foram selecionadas, como sentido aguçado e ambidestria, ajudando
completamente na natureza do vampiro, que tem mais contato com a natureza e
necessita destes atributos.
3.2 A milionária, o estrangeiro e o pobre: análise dos Recortes Discursivos
Partindo para a análise dos Recortes Discursivos1 - RDs, são consideradas as
obras literárias produzidas por pessoas leigas na questão da escrita, que jogam
RPG e assim são incentivadas pelo mestre a terem uma biografia sobre seu
personagem. Seguindo por esta linha, trabalhou-se com a Análise do Discurso de
linha francesa como suporte teórico, tendo como objeto de estudo os efeitos de
sentido materializados em textos diversos, não tornando exceção estes criados
especialmente para o desenrolar do jogo. Buscaram-se nos textos os modos com
que estes se inserem dentro da atividade discursiva e principalmente buscou-se
compreendê-los e não só interpretá-los de maneira superficial.
Esta exterioridade de que o discurso resulta, esta gama de enunciados que
no final constituirão a atividade discursiva, permite um certo “jogo” de interpretação,
afastando-se de sentidos fixos e procurando extrair os intrínsecos na hora da leitura.
Pelo fato de a literatura se caracterizar pela subjetividade e ficcionalidade e,
principalmente, sem o comprometimento com verdades absolutas, exprime-se em
diversos graus o engajamento de questões sociais, com o objetivo de contribuir para
transformar a percepção do indivíduo, como um efeito prático, modulando a sua
conduta e concepção de mundo, reiterando assim os valores sociais.
Consideraram-se as peculiaridades da produção literária, os aspectos
linguísticos, estilísticos e o motivo, os efeitos de sentido únicos dessas produções,
constituindo uma memória discursiva2 deixando sentidos decorrentes da inscrição do
sujeito e dos discursos que estão atrelados a lugares sócio-histórico-ideológicos,
1Recortes discursivos: excertos das obras que se assemelham/diferem selecionadas pelo contexto, lingüísticos ou históricos. Servem de objeto para tecer as reflexões discursivas sob a luz da Análise do Discurso de linha francesa. 2“Possibilidades de dizeres que se atualizam no momento da enunciação, como efeito de um esquecimento correspondente a um processo de deslocamento da memória como virtualidade de significações. A memória discursiva faz parte de um processo histórico resultante de uma disputa de interpretações para os acontecimentos presentes ou já ocorridos” (FERREIRA, 2013, p. 17, grifos da autora).
76
tornando essas criações um corpus com muitas possibilidades para uma
interpretação sob a luz da Análise do Discurso.
Os Recortes Discursivos são identificados como RDs, e foram selecionados
com base em tópicos essenciais da narrativa em que o personagem atuou durante o
desenrolar da história. Colocando em paralelo para uma melhor leitura, os três
personagens são como as pontas de um triângulo, em que cada um fica em um
extremo das três classes sociais possíveis: Sarah Fortune é de classe alta, Viktor
Reznov é um estrangeiro de classe média e Derek Chains é um trabalhador braçal
de classe baixa. O que eles têm em comum, até o momento da interação social
entre os personagens, é que moram nos EUA, são regidos pelo sistema econômico
capitalista e sofreram alguns traumas durante suas vidas. As análises serão feitas
também de acordo com o que já foi mencionado nos capítulos anteriores e nas
descrições da criação de ficha e narrativa que foram entregues ao mestre, contando
também com as escolhas dos jogadores nas fichas de atributos e habilidades,
pontos que contam muito sobre as ações que são tomadas em meio ao jogo.
O primeiro RD tem por título “Apresentação dos Personagens”. Foi
pesquisado e selecionado nas três narrativas, possuindo inúmeras convergências a
respeito do tema. No entanto, tais convergências possuem descrição e
posicionamento no texto completamente diferentes, elucidando a maneira de
escrever de cada jogador e a importância dada por ele à descrição física e mental do
seu personagem. O primeiro RD é colocado da seguinte maneira:
RECORTE DISCURSIVO I – Apresentação do personagem
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains “Quando se fala em Sarah Fortune, a cidade toda de Los Angeles lembra de uma mulher que tem uma das maiores fortunas, não apenas em dinheiro, mas também em prestigio e fama. Algumas pessoas falam sobre ela não ter a mesma exposição na mídia que uma Kardashian, ou algum ator de Hollywood; subcelebridades deixam claro o ódio que sentem por ela e soltam piadinhas, como “De que adianta ser famosa e não ter o nome na Calçada da Fama”. Essas e outras
“Apesar de ter um bom desempenho físico, o rapaz não era voltado pura e simplesmente ao combate. Viktor gostava mais de planejar, prever as ações do inimigo e só se movimentar depois de ter certeza de que todas as possibilidades tinham sido analisadas e ter escolhido somente aquela com certeza de sucesso. ” (PRADO, 2016.)
“Meu nome é Derek Chains, um homem alto, moreno escuro, forte e com olhos negros, força sobrenatural por ser vampiro, mas antes também por ser um trabalhador braçal. Tenho cabelos longos com dreads e procuro manter o máximo que puder a minha discrição em relação à sociedade urbana. ” (KAYSER, 2016.)
77
inúmeras demonstrações de desgosto e desaprovação em relação a esta personalidade icônica que anda pelas ruas de Beverly Hills não afetam e muito menos alteram o fato de que o poder sobre muitas áreas de uma cidade está nas mãos dessa mulher. ” (TREVISOL, 2016.)
As apresentações se dão em tempos diferentes no decorrer da narrativa. É
possível perceber algumas peculiaridades na forma como o jogador/escritor delimita
o seu personagem. Trevisol, já no primeiro parágrafo, enfatiza o quanto Sarah
Fortune é influente e possuidora de capital, tendo uma vida cheia de holofotes e
inveja, que aparentemente são uma forma de prazer para esta mulher, pois como
está descrito “não afetam e muito menos alteram o fato de que o poder sobre muitas
áreas de uma cidade está nas mãos desta mulher” (TREVISOL, 2016). Ao descrever
apenas a maneira como o personagem é visto pela sociedade e não fisicamente ou
mentalmente, denota-se que o mais importante é o que ela tem e não o que ela seria
como pessoa. E, ainda mais tétrico, é ela apenas querer mostrar isto, pois o que
Sarah passa fora das luzes dos holofotes não tem nenhum glamour ou beleza. Esta
descrição está totalmente de acordo com a escolha do Conceito Excêntrico,
pendendo para o caminho da fama e da superexposição e também pela escolha do
Clã Ventrue, que tem como preceito básico para a entrada, a influência e o poder
que o ser humano possui antes do Abraço, fazendo de Sarah uma escolha perfeita.
Em nenhum momento da narrativa de Viktor Reznov, Prado reserva um
espaço específico para descrevê-lo, tudo a respeito dele é diluído em meio às ações
e atitudes que aparecem no decorrer da narrativa. Não se tem notícia de como
Reznov é fisicamente, como se parece, cor dos olhos, altura e informações. Assim,
sabe-se pelo que foi descrito que ele é fisicamente forte, pois o desempenho no
exército era bom, mas ele não se voltava para isto, queria ter a parte mental e
psicológica mais desenvolvida, tendo uma certa tensão em suas escolhas, pois
visava sempre “ter escolhido somente aquela com certeza de sucesso” (PRADO,
2016). Esta falta de importância à aparência física é uma característica que faz de
Reznov um nosferatu perfeito, pendendo sempre para a parte mais estratégica e
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psicológica, deixando a aparência no último plano das prioridades. O comportamento
perfeccionista reflete exponencialmente na narrativa.
Kayser é o único que descreve diretamente seu personagem fisicamente, pois
Gangrel é o vampiro que se utiliza mais da força física para resolver seus problemas.
Enaltecer sua força física faz dele um homem mais másculo e imponente, o que é o
contrário de seus sentimentos, aspecto em que é apenas um enganado pelo amor
não correspondido. Em sua cabeça, ele utiliza dreads (abreviação de
dreadlocks),uma maneira de ornar o cabelo como se fossem cordas, que são
estilizadas por meio de cera de abelha e parte da cultura rastafári, que prega a paz e
o orgulho da raça em que se nasceu (neste caso a raça negra) e, também, a vida
limpa (significando ter uma dieta sem produtos químicos, plantar o próprio alimento,
curar-se com a força e os medicamentos que a natureza proporciona e,
principalmente, de ter uma conexão maior com a Mãe-Terra). Estas conexões
apenas com o cabelo de Derek já o instauram no clã Gangrel, pelo fato do contato
com a natureza e os animais, fechando também com o Conceito errante escolhido
por Kayser.
O segundo RD tem o tema “Família”, pois, antes do Abraço, há várias
histórias envolvendo as pessoas com que os ainda humanos se relacionavam, tanto
com boas, ruins ou péssimas relações e recordações.
RECORTE DISCURSIVO II – Família
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains PAI – “Apenas dois dias depois do nascimento, o pai de Sarah chegou para conhecê-la pessoalmente. Ficou estampado no semblante do homem o desgosto ao ver que não teria o seu herdeiro, o homem que levaria o legado adiante e seria o próximo braço a comandar as inúmeras empresas da família. ” MÃE – “Havia um pequeno problema que a mãe tentou esconder, pois pressentia que uma grande decepção assolaria o seu futuro. Dizem que mulher tem um sexto sentido aguçado, e no momento em que se descobriu grávida e foi
PAI – “Seu pai, Dmitrii Reznov, era um músico conhecido em toda a região. Tocando em seu violino músicas feitas por compositores patriotas, tornou-se um símbolo de esperança aos seus compatriotas. Suas músicas confortavam aqueles que voltavam das batalhas, abatidos e desanimados, e encorajavam aqueles que estavam partindo rumo à luta. ” MÃE – “[...]Após este horrível incidente, a mãe decidiu proteger o filho, temendo que os assassinos de seu marido voltassem para tentar matar o restante da família” (PRADO, 2016.)
Não menciona ninguém com parentesco familiar na história.
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contar isso para o marido, ele já bradou com todas as forças, ecoando pelas paredes da mansão “Obrigado Senhor! Até que enfim terei o meu herdeiro! O homem que levará meu nome e meu legado!!!”. A mãe teve um sério pressentimento de que seria uma menina e então resolveu dizer que não queria saber o sexo do bebê até o momento de seu nascimento. ” (TREVISOL, 2016.)
Na biografia de Sarah Fortune, há dois familiares que aparecem e se
relacionam com ela, não necessariamente de uma forma boa. O pai dela é um
empresário, dono de uma empresa multinacional denominada Fortune Corporation.
Pode-se notar a indiferença dele pela filha pelo fato de que “Apenas dois dias depois
do nascimento, o pai de Sarah chegou para conhecê-la pessoalmente” (TREVISOL,
2016) e tem um choque ao ver que era uma menina e que não poderia ter o herdeiro
tão sonhado para dar seguimento ao seu legado. A mãe de Sarah aparece diluída na
narrativa, com mais ênfase no início, em que há o relato sobre o conturbado
nascimento da menina. Por um pressentimento, sabia que não estava grávida de um
menino, fazendo de tudo para esconder do pai essa verdade e evitar problemas.
Estas duas pessoas são importantes na vida de Sarah. Mas, a atitude da mãe, que
não tem ações muito presentes durante a narrativa, acentua ainda mais o machismo
patriarcal a que o pai submete as “mulheres que ele tem dentro de casa”. Ambos
não têm nome, mas a presença do pai, tentando sempre inferiorizar a filha, faz dele
um tirano que torna acessível o motivo pelo qual a mãe não aparece muito, ou seja,
ela é tão inferiorizada quanto a filha.
Viktor Reznov também tem como familiares o pai e a mãe, e possui uma
história um pouco trágica em relação à Sarah. O pai de Reznov recebe o nome de
Dmitrii, notadamente de descendência russa, e dedica uma descrição amorosa ao
narrador, deixando-o em uma posição nobre: era músico e “se tornou um símbolo de
esperança aos seus compatriotas. Suas músicas confortavam aqueles que voltavam
das batalhas, abatidos e desanimados, e encorajavam aqueles que estavam
partindo rumo à luta” (PRADO, 2016). Nota-se que o pai teve uma importante função
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na vida de Viktor, não apenas pela presença, mas também no decorrer da vida dele,
sendo o trágico acidente com o paio motivo de toda a evolução pessoal do filho.
Assim como a mãe de Sarah, a de Viktor é diluída dentro da narrativa, porém
aparecendo em situações que necessitam de decisões firmes e de amor
incondicional: a mãe tenta acalmar o filho no velório do pai, toma as decisões para
proteger o filho e o segue, dando-lhe apoio por onde ele for.
Derek Chains não menciona nenhum parentesco relacionado à família, sendo
seu único relacionamento o que mantém sua namorada Mariah, que logo depois o
abandona, deixando-o em um dilema cheio de questionamentos sobre o amor.
Relacionando os três personagens, pode-se notar que a presença da família é algo
individualista, não possuindo um molde, contrariando o tradicionalismo que se põe
em relação à família. A solidão de Derek pode explicitar que é necessário ter alguém
com o laço familiar, não importando se é consanguíneo. Isso pode ser notado
durante a história dele, em que são recorrentes os questionamentos sobre ter
alguém. As duas outras famílias apresentadas são consideradas “tradicionais”,
porém o problema da família de Sarah é o machismo patriarcal imposto às mulheres
da família. O pai não as deixa ter voz nem vez no mundo que, para ele, é direito
apenas de homens. Já na família de Reznov, não havia problemas em relação ao
relacionamento entre eles, mas um trágico assassinato termina com o núcleo
familiar, implicando mudanças trágicas na vida de todos.
Estes discursos são intrínsecos à sociedade desde sempre, pois as vozes
constituintes do sujeito que são manifestadas nos discursos resultam de dois tipos
de esquecimento, que segundo a teoria de Michel Pêcheux, denominam-se o
Esquecimento I e o Esquecimento II. O primeiro faz o sujeito crer que é o criador
absoluto do seu discurso, fazendo-o procurar apagar tudo que possa fazer saber que
o discurso não é dele exclusivamente, sendo um esquecimento de natureza
ideológica, inconsciente. O segundo esquecimento é pré-consciente e é por ele que
o sujeito acredita que tudo que está dizendo é compreensível e claro, sendo igual ao
que ele pensa, livre de ambiguidades, pensando que sempre o interlocutor terá o
mesmo entendimento que ele, sujeito, possui.
Pela ação destes dois esquecimentos, o sujeito não percebe que os demais
têm influência em seu discurso, tanto quanto não sabe e muito menos controla os
efeitos de sentido produzidos pelo seu dizer. Orlandi pontua que
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o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem sentidos por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas. Sujeito à falha, ao jogo, ao acaso, e também à regra, ao saber, à necessidade. Assim o homem (se) significa. Se o sentido e o sujeito poderiam ser os mesmos, no entanto, escorregam, derivam para outros sentidos, para outras posições. A deriva, o deslize é o efeito metafórico, a transferência, a palavra que fala com outras (ORLANDI, 2003, p. 53).
Assim, o sujeito ideológico e histórico sempre está inserido em algum
ambiente social, também no tempo histórico, ressalta Pêcheux, designando que “as
palavras, as expressões, as proposições, etc. mudam de sentido segundo as
posições sustentadas por aqueles que empregam” (1997a, p. 160). Esta definição
confirma que mesmo sem os autores destas obras terem passado por nada parecido
com o que foi criado e escrito, em algum momento o esquecimento e tudo que
permeia o discurso entrará em ação. Mesmo que por um segundo qualquer uma
destas tragédias ou desamores familiares e a solidão tenham passado pelo
inconsciente dos jogadores/escritores, foram aflorados para a materialização do
texto narrativo, explicitando um discurso já posto em outros acontecimentos
discursivos. Assim, podemos compreender que o sentido está fortemente
correlacionado com a posição que o sujeito ocupa na cena discursiva e a sua
convergência com as formações discursivas que o constituem, sendo que esta
posição-sujeito “determina o que pode e deve ser dito” (PÊCHEUX, 1997, 190).
O terceiro RD trata mais especificamente da parte da vida mortal dos
personagens e da maneira com que eles eram colocados no interior desta
sociedade, mostrando suas classes sociais e o quanto isso os afetava.
RECORTE DISCURSIVO III – Ocupação mortal
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains
“[...]Pelo fato de ter guardado muitas economias, conseguiu abrir uma empresa de promoção de eventos, mas sem deixar seu nome à vista, apenas deixou algum de seus amigos trabalhando fisicamente, mas quem estava no comando era ela. Sarah fez isso mais para mostrar ao seu pai que seria capaz de administrar um negócio e fazer o dinheiro aumentar exponencialmente.
“O rapaz explicou ao padrinho que gostava muito da Itália, e queria defendê-la como se fosse sua terra natal, dentre outros motivos. O gentil senhor então encaminhou toda a papelada, e, com algum dinheiro colocado no bolso do oficial, conseguiu com que Viktor obtivesse cidadania italiana, podendo assim, dois anos mais tarde, alistar-se no exército
“[...] trabalhava como servente de pedreiro, nunca havia me imaginado naquela situação, estando em um trabalho honrado, porém pesado e que te destrói com o tempo. Algo que havia começado como temporário estava se tornando permanente aos poucos. De repente o medo que eu sentia de passar o resto da vida trancado em um escritório me parecia como
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Passou pelo menos dois anos trabalhando escondida e arrecadando milhões com eventos da sua produtora, chamada Shadow’s Glow, e sem que ninguém soubesse da identidade secreta do “dono” que tinha dinheiro para bancar as megaproduções. ” (TREVISOL, 2016.)
daquele país. ” (PRADO, 2016.)
um sonho distante e improvável de acontecer. Minha vida estava difícil e eu cada vez mais comprometido com o destino a que minhas escolhas haviam me levado. ” (KAYSER, 2016.)
Analisando friamente as ocupações dos três personagens, ficam extremamente
claras quais são as classes sociais que geram um certo orgulho e satisfação na hora do
trabalho. Também está evidente o quanto é desejado cada um dos trabalhos e também a
remuneração não só psicológica, mas monetária, que compensa mais.
Não é necessário dizer que o emprego de Sarah Fortune é o mais rentável e
prestigioso em questões sociais. Sarah não necessitava daquele trabalho, pois sua família já
era suficientemente rica para que ela não precisasse nem pensar em problemas financeiros,
mas a motivação, alcançar um sucesso trabalhista, vinha do fato do pai não acreditar no tino
comercial que ela teria: seria inábil para gerir a Fortune Corporation apenas por ser mulher e
indefesa. Para isso, montou uma empresa chamada Shadow’s Glow (traduzindo livremente
como “O brilho das sombras”) e contratou pessoas para que seu nome não aparecesse na
mídia. O nome da empresa tem um ar místico e ao mesmo tempo misterioso, pois se trata
de uma empresa de produção de eventos e campanhas de marketing, e tudo o que uma
empresa deste ramo quer é “sombra”, mas ao mesmo tempo vem a palavra “brilho”, que
compõe um paradoxo impossível em relações da física, pois sombras não possuem brilho.
Pode-se inferir que a empresa fará o impossível para que o sucesso do que foi contratado
seja completamente alcançado. Assim como Sarah sempre fez de tudo para tentar agradar
e impressionar o pai, com a empresa não seria diferente. A escolha do conceito Socialite se
torna extremamente pontual para que esta profissão seja completamente relevante para a
interpretação do personagem.
Viktor Reznov tem um emprego que em vários lugares do mundo é reconhecido
como prestigioso e honrado, pois ser militar de alto escalão é algo importante para o país
em que ele reside. Nos países em que Reznov morou, tanto na Rússia, na Itália e nos
Estados Unidos, o poder militar é muito ovacionado e importante, sendo que ele morou e
atualmente mora nos países com a maior estrutura bélica do planeta. Em questão social,
Reznov pertence à classe média e por ter o poder de seu cargo, ainda assim é alguém
importante socialmente, tendo acesso a informações preciosas em suas missões. O fato de
querer defender a Itália como sua terra natal deve-se ao motivo de que neste país ele foi
bem acolhido e nada de ruim aconteceu com ele e sua mãe, trazendo um sentimento de
segurança e apoio relacionado com o país. O sentido de justiça, a paixão pela estratégia e
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pelo lado mais mental do exército, que anda junto com a personalidade de Reznov,
justificam fielmente o Conceito de Soldado escolhido pelo jogador.
A vida de Derek é a mais difícil dos três personagens. Ele pertence à classe baixa e
para se sustentar necessita de um trabalho braçal extremo, como servente de pedreiro. Ele
entra em um paradigma entre o que ele é atualmente na vida e o que teria de passar para
chegar a um resultado melhor do que tinha. Ele não gostava de ser servente de pedreiro,
apesar de ter a noção de que era um trabalho honesto e honrado, sabia que era “pesado e
que te destrói com o tempo” (KAYSER, 2016), e no entendimento dele seria apenas uma
coisa temporária, mas o pior é que estava se tornando permanente. O cansaço físico que
atormentava Derek o fez até pensar que o pior pesadelo que tinha, ficar trancado em um
escritório trabalhando, já soava como um sonho distante e impossível de acontecer.
Também deixa uma lacuna sobre o que ele fez antes disto para ter de ser pedreiro, dizendo
que “Minha vida estava difícil e cada vez mais comprometido ao destino que minhas
escolhas haviam me levado” (KAYSER, 2016). Porém, em nenhum momento menciona
quais foram estas escolhas que o fizeram estar nesta situação, deplorável em parte, de
trabalhar muito e ganhar pouco.
Destes três personagens é possível notar as condições de produção que determinam
fundamentalmente os sujeitos discursivos e a posição que eles ocupam, mostrando as
relações de força, que se referem a intervenção do lugar social ocupado pelo sujeito, espaço
em que acontece a interação discursiva e se estabelecem as relações de sentido, que
demonstram o fato de que os processos discursivos estão correlacionados. Pelo mecanismo
de antecipação, todo discurso produzido sofre a ação de que o sujeito falante coloca-se no
lugar do interlocutor e antecipa os sentidos das palavras.
Para efeitos deste trabalho, mesmo que os jogadores/escritores não tivessem a
intenção de demonstrar o que se passa durante a vida dos personagens, o
entendimento estará de acordo com a recepção que o mestre terá da narrativa,
assim como de quem faz a análise destes textos. A vivência de cada um terá um
papel importantíssimo na produção do sentido e a maneira com que esta conexão
física ou psicológica será mantida entre o jogador e o mestre no seguir da sessão de
RPG, pois o Mestre terá de entender o que o jogador quis enunciar e assim
ambientar o que ele terá de ver e fazer no momento da interação com os outros
personagens. Algumas nuances que o jogador imaginou para seu personagem
ficarão de fora, ou serão interpretadas com mais ou menos intensidade do que ele
pretendia, justamente pelos sentidos que o discurso provoca no momento de
interação discursiva entre interlocutores.
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As classes sociais estão completamente explicitadas nestes RDs, colocadas
em uma forma que nos leva à percepção de que quanto mais alta a classe social,
mais dinheiro se possui e menos trabalho se tem. Vendo o emprego de Sarah e o
colocando em paralelo com o de Viktor e Derek, nota-se uma linha tênue que tem
como ligação apenas o trabalho, mas igualmente uma divergência infinita entre
como se efetuam estes afazeres. Sarah não precisa nem ir trabalhar na sua
empresa, pois tem pessoas trabalhando por ela e tem condições de pagar por isso e
depois receber muito mais do que investiu. Viktor necessita de seu pensamento
apurado para assim conseguir mandar seus comandados e, se obtiver sucesso,
recebe promoções e mais dinheiro para poder viver, enquanto Derek precisa de seu
corpo para trazer o seu próprio sustento, ganhando pouco e sendo infeliz no que faz.
Estabelecendo um comparativo mais tênue entre eles, é explícito o quanto as
classes mais baixas são oprimidas pelas mais altas. Mesmo que inconscientemente
da parte dos da classe alta, este movimento acontece graças a ideologia que
permeia a sociedade e assim faz seu papel. Sarah trabalha pouco e ganha muito,
Viktor trabalha bastante mentalmente e recebe o suficiente para ter uma vida de
classe média e Derek trabalha muito fisicamente e recebe muito pouco, fazendo-o
ficar frustrado e não ter mais ambições na vida.
O RD de número IV está selecionado de acordo com os locais que os
jogadores/escritores delimitaram como o paradeiro de seus personagens, implicando
o desenrolar da história que está sendo vivenciada por eles e tendo um significado
importante para a constituição mental e psicológica, abarcando uma gama de
sentimentos, novas privações, metas e maneiras de se ver o mundo.
RECORTE DISCURSIVO IV – Local (is) de moradia
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains “Quando a família resolveu sair do interior dos EUA e vir para a capital da Califórnia, Los Angeles, [...]para morar em um apartamentinho alugado em um bairro afastado. [...]As empresas começaram a dar certo e a cada vez crescer, fazendo com que cada vez mais o status social da família Fortune crescesse [...]O pai, sempre que mudava de residência ou trocava de
“Com apenas 13 anos, em sua cidade natal, Stalingrado, na URSS, teve uma experiência incomum, que o marcaria para o resto de sua vida. [...]Após este horrível incidente, a mãe decidiu proteger o filho, temendo que os assassinos de seu marido voltassem para tentar matar o restante da família, e, naquele fatídico ano de 1961, eles foram para a Itália. Vagando de cidade
Não coloca referências sobre
alguma espécie de moradia.
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carro [...]”. (TREVISOL, 2016.)
em cidade, chegaram a Treviso. [...]Alguns meses depois, após treinar muito com seu mestre e aprender tudo o que precisaria para poder se virar, [...] Viktor então decidiu retornar também para a Mãe Rússia, voltando para Stalingrado, que passou a se chamar Volgogrado logo depois que ele e sua mãe deixaram o país.”(PRADO, 2016.)
O lugar onde o ser humano se estabelece é conhecido como lar, um local
onde se pode descansar e assim ter um pouco de paz e conforto, algo muito raro na
contemporaneidade, em que o trabalho e as preocupações tomam a maior parte da
vida. Os três personagens têm algo em comum, não descrevem um local específico
para chamar de “casa”.
Sarah tem a descrição dos lugares por onde passou juntamente com sua
família antes de chegar a Los Angeles. O movimento feito por esta família é muito
comum em todos os lugares do mundo, a migração, que é a mudança de local
dentro de um mesmo país. Também se pode dizer que a família Fortune fez o êxodo
rural, que também é a migração das áreas rurais para centros urbanos em busca de
novas condições de vida. No caso desta família, o sucesso aconteceu
gradativamente, de uma mudança para um “apartamentinho alugado em um bairro
afastado” (TREVISOL, 2016) até a mudança para uma mansão que não é descrita
em momento algum da narrativa.
Reznov teve quase a mesma trajetória de mudanças, exceto pelo fato de que
a imigração foi feita, que, diferente de migração, é a troca de país. Os motivos que
fizeram este movimento, no caso de Viktor foram mais severos que os de Sarah,
pelo fato de que praticamente ele e sua mãe tiveram de fugir da Rússia pelo medo
causado pelo trágico falecimento de seu pai. Não há um motivo aparente para terem
ido para a Itália, mas pela frase “e vagando de cidade em cidade chegaram a
Treviso” (PRADO, 2016), deduz-se que não tinham um paradeiro certo, apenas
queriam se sentir seguros em algum lugar. Depois de se tornar vampiro, Reznov se
muda novamente para a Mãe Rússia (PRADO, 2016), como ele mesmo a chama,
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mostrando que mesmo amando a Itália por todas as coisas boas que lá
aconteceram, ele ainda tem uma certa ‘raiz’ no país em que nasceu.
Derek não menciona um lugar específico que possa ser entendido como o
refúgio dele na sociedade em que está inserido. Pelo fato de sempre questionar o
que está sentindo, o porquê das coisas que acontecem na sua vida e levando o
conceito de lar como base, infere-se que Derek não se sente bem em lugar algum
perto da cidade, do barulho, do concreto e principalmente do seu trabalho.
Os três personagens aparentam não ter um lugar de sossego e paz, pois não
é descrito especificamente em nenhum momento da narrativa. Sarah não descreve
seu quarto, ou algo semelhante, trata a casa apenas como “mansão”, podendo ser
assim pelo fato de que sempre foi excluída pelo pai e teve o sofrimento da rejeição o
tempo todo dentro daquela casa luxuosa em que moravam. Reznov também
descreve um pedaço de sua casa sutilmente. Pode-se notar que ele tem um quarto e
seus pais dormem em outro, mas nada mais que isso, não especifica nada além da
cidade de Stalingrado, local da sua residência. E, por fim, Derek, o solitário
trabalhador, que não encontra paz em lugar algum da cidade, sofrendo psicológica e
socialmente por ser apenas um cidadão comum.
O RD de número V, tem por finalidade mostrar o momento em que a história
dos personagens tem uma reviravolta e consequentemente provoca um trauma que
poderá desencadear um novo destino para todos eles.
RECORTE DISCURSIVO V – Trauma
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains “Após o expediente, Sarah passou em um pub para tomar um drink para se preparar para a entrada em casa, que sabia que não seria fácil. Ao adentrar os portões da mansão, Fortune viu que seu pai estava sentado em sua cadeira, na sala, com Thuomas ao seu lado. Uma taça de Bourbon na mão de cada um e um suspeito sorriso de contentamento estava estampado na face dos dois... Algo estava errado e precisava ser descoberto. Sarah pergunta qual o
“Enquanto Viktor estava em seu quarto com sua mãe, seu pai, que estava exausto, já havia pegado no sono novamente e dormia sozinho no quarto do casal. Os trovões não davam trégua, e aproveitando o barulho por eles produzido, um dos soldados alemães conseguiu destrancar a janela e entrar no quarto onde Dmitrii dormia. Silenciosamente o assassino brandiu uma lâmina reluzente e curta, com a qual fez uma carícia macabra na garganta do músico, antes de cortá-la e
“Meu último dia de trabalho como servente de pedreiro, foi como sempre, sem equipamento de proteção, um fato praticamente corriqueiro nas obras em que trabalhei. Estes itens de segurança são quentes e desconfortáveis, às vezes sendo apenas mais um peso para carregarmos, deixando o trabalho ainda mais difícil. No início cheguei a usá-los, mas com o passar do tempo, por nunca ter presenciado nenhum acidente, deixei de lado. Em um dia comum no trabalho subi nos andaimes
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motivo da comemoração e recebe a pior resposta de todas: Thuomas acabava de ser nomeado o CEO da Fortune Corporation, cargo que ela almejava.”(TREVISOL, 2016.)
deixar o pobre homem imóvel sobre a cama, com o sangue manchando os lençóis. No momento em que a mãe de Viktor entrava no quarto, ela conseguiu ver de relance um vulto que saía pela janela, de quem ela conseguiu identificar apenas a faixa vermelha no braço, fazendo com que ela tivesse um pressentimento horrível. Alguns segundos depois do susto, ainda paralisada em pé junto à porta, ela olhou em direção à cama e, ao ver aquela cena, soltou um grito de pavor. Dmitrii! Mas a única resposta que ela teve foram os gritos de Viktor perguntando: Mãe!? O que foi isso? Está tudo bem?” (PRADO, 2016.)
para rebocar as paredes com cimento. Eu e meu colega estávamos no segundo andar, terminando a empreitada daquele dia, e então um pequeno estalo, foi tudo abaixo. Não lembro com muita clareza o que aconteceu após o incidente, acho que foi chamado a ambulância e fomos para o hospital. Meu colega Arnaldo faleceu e eu estava em estado crítico, mesmo que sobrevivesse não voltaria ao normal, pois as sequelas seriam inevitáveis.(KAYSER, 2016.)
Quando se menciona um trauma, não vem outra coisa ao pensamento do que
algo que fez passar medo, pânico, repulsa, reclusão, exclusão ou dor. Pode ser
caracterizado como um trauma físico ou psicológico, e, nos piores casos, ambos. O
físico se define por injúrias no corpo que quebram partes duras, como ossos e
cartilagens; já o psicológico é um dano emocional que ocorre como resultado de
alguma situação, acarretando um comportamento que fará de tudo para não reviver
aquilo que o traumatizou, ou, em casos raros, procurar vingar, acabar ou tentar
reviver para “curar” este problema.
Os dois tipos de traumas são notados nestes três personagens, dois deles
tiveram traumas psicológicos e um teve ambos. O trauma acontece em momentos
diferentes na jornada de cada um, gerando um acontecimento discursivo3 que marca
a história do personagem, mesmo que ficcional. Deve-se levá-lo em conta, eis que,
segundo Foucault, há que se considerá-lo, por sua importância no processo
discursivo - “o enunciado em sua singularidade histórica, determinar suas condições
de existência, fixar limites, estabelecer correlações com outros enunciados a que
3 “Ponto em que um enunciado rompe com a estrutura vigente, instaurando um novo processo. O acontecimento inaugura uma nova forma de dizer, estabelecendo um marco inicial de onde uma nova rede de dizeres possíveis irá imergir” (FERREIRA, 2013, p.9, grifos da autora).
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pode estar ligado, mostrar que outras formas de enunciados que exclui”
(FOUCAULT, 2008, p. 31).
Trazendo esta definição, Sarah Fortune teve seu trauma em um momento que
ela achou que ia resolver todos os problemas que tinha até então com o pai, já
sendo adulta, mantendo o acontecimento discursivo de uma maneira que apenas um
dos lados envolvidos teve uma ruptura brusca na história, no caso ela, pois o pai
manteve seu pensamento machista e patriarcal.
Ela havia conseguido fazer, através da sua empresa, uma campanha que
levou a Fortune Corporation a ter lucros jamais imaginados e, ao invés de ganhar
alguma felicitação ou, pelo menos, um gesto de gratidão, o pai surta e sai sem dizer
nada. Ao chegar à “mansão”, como ela mesmo chama, o pai se encontra com
Thuomas (o filho do assessor, melhor amigo do pai, que praticamente tomou o lugar
de Sarah na família por ser homem) brindando, pois tinha sido promovido a CEO da
Fortune Corporation. Neste momento Sarah encontra o gatilho para seu trauma,
perdendo a consciência e saindo sem rumo pela cidade. O interessante deste
trauma é que Sarah praticamente encontrará neste trauma uma maneira de fechar
ainda mais seus sentimentos e despertar uma certa doença psicológica, sociopata e
psicopata, que a faz não buscar mais nada a não ser poder e influência. Este
momento da vida dela será mais detalhado no próximo RD, que terá um “gancho”
para o Abraço que ela receberá do Mestre vampiro.
Reznov teve seu trauma de uma maneira muito violenta. Apesar de ele não
transparecer muito durante a narrativa, a lide de sua história deixa claras as marcas
que ele tem em seu âmago "Mesmo agora, sua música ainda me assombra..."
(PRADO, 2016), em referência à profissão de seu pai que era músico e foi
tragicamente assassinado. Esta tragédia marca o acontecimento discursivo histórico
que beira uma versão de ruptura histórica, pelo fato de que, depois deste dia, tudo
que ele tinha de conceito sobre a vida e como seria o futuro foi completamente
mudado. O pai dele, de nome Dmitrii, era músico e por tocar nas recepções e
despedidas dos soldados que rumavam para a guerra, os alemães encontraram nele
um problema para a vitória, mandando um assassino, no meio da noite, terminar
com a vida dele. A parte traumática acontece quando a mãe sai do quarto do filho
que tinha medo de tempestades e, ao entrar no quarto do casal, vê o marido morto e
coberto de sangue, soltando um grito de pavor, acordando a criança que ao chegar
também vê a cena deplorável e inimaginável no caso de se mensurar a dor.
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Deste dia em diante, após as mudanças bruscas que a vida o fez passar,
incluindo mudar de país onde nem a língua local ele compreendia, Reznov voltou
sua vida para vencer todos os alemães que faziam apologias ao nazismo e,
principalmente, descobrir quem tinha sido o assassino que cortou a garganta do seu
pai. O trauma de Viktor teve o gatilho de estar sempre alerta e terminar com tudo
que lembrasse a morte do pai, aqui denominada vingança ou retaliação.
Já Derek, o único dos três que teve traumas físicos severos que
posteriormente acarretaram os psicológicos, vem, como reflexo dos longos anos
traumáticos, trabalhando contra a sua vontade. Descreve que em seu último dia,
estava no andaime, construindo com seu colega Arnaldo, e por falha dos
equipamentos de segurança (não especificando qual das duas opções era a
derradeira neste momento, que poderia ser a falta deles que é relatada na narrativa,
ou a escolha de não usá-los pelo desconforto que provocavam) eles caíram e se
feriram gravemente. Arnaldo não suportou os ferimentos e pelo que se pode notar na
narrativa, Derek também não sobreviveria ou sobreviveria, mas com sequelas
graves. O trauma psicológico que acomete Derek vem pela maneira com que ele
recebeu o Abraço do Mestre vampiro, que será analisado no próximo RD.
A parte que é obrigatória de ser contida na história do RPG é a hora em que o
personagem recebe o Abraço e a procedência de seu Mestre, deixando a
criatividade do jogador/escritor livre para ter o tutor que desejar, dentro dos limites
propostos. O Abraço também deve ser descrito e contextualizado, para que a
história possa continuar posteriormente na parte mais interativa da sessão. Visando
estas comparações, o VI RD tem estes temas como foco.
RECORTE DISCURSIVO VI – O Abraço e o Mestre
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains ABRAÇO - “No momento em que ele terminou de falar, Sarah, sem pestanejar, quebra o pescoço de Thuomas, ouvindo apenas ele dar um grunhido antes da morte. A coisa mais estranha acontece neste momento, o cadáver some num piscar de olhos e Sarah sente uma presença muito intimidadora ao redor e ao olhar para os lados, vê um homem de terno preto vindo em sua
ABRAÇO - “Já fora do quartel, Viktor se encontra entre a vida e a morte, com os batimentos quase imperceptíveis e sem responder aos apelos de seus dois salvadores. Dragovich então, vendo que era a única maneira do rapaz sobreviver, decide que o abraço seria dado ali mesmo, ao lado de fora dos muros do quartel, enquanto lá dentro ainda se ouviam
ABRACO - “[...] Fui salvo não por médicos ou algum evento especial da natureza, mas por uma mulher que... [...]Ela é uma Gangrel, e naquele quarto do hospital ela me salvou, me tornando em vampiro e logo me abandonando...” MESTRE - “O nome dela é Mariah, provavelmente um palmo mais baixa que eu, com os olhos castanho-
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direção. [...] Ao iniciar a transformação, que quase sempre é feita com receio, ou mesmo sem o conhecimento da vítima, Sarah estava serena, como nenhum outro visto nesta hora derradeira, ela que sempre era a que liderava as situações, apenas obedecia. Seu sangue foi sugado até a linha da morte e as gotas que deram a vida através do sangue mágico do vampiro foi depositado na sua garganta. A transformação que deveria causar pavor pelo medo de morrer, estampava um semblante de satisfação, tanto no vampiro como na nova criatura da noite. ” MESTRE –“O homem se chamava Irvine Crawford, era um vampiro do Clã Ventrue, o mais poderoso e influente de toda a Camarilla. Ao mencionar que Sarah seria a escolhida para manter a linhagem de poderosos que formam esse clã, ao invés de pavor, ela sorriu... Irvine começou a explicar os pontos negativos e mortais de ser um vampiro, Sarah apenas sorria e olhava fundo nos olhos do vampiro. Ao notar esta frieza no coração de Sarah, o vampiro apenas ficou orgulhoso com sua escolha, pois teve certeza que ela será uma Ventrue que honrará o clã. ” (TREVISOL, 2016.)
tiros. Foi ali, um pouco protegidos pelo sobretudo de Dragovich, que Viktor Reznov teve seu sangue praticamente todo sugado por Dragovich, que logo após cortou os próprios punhos com suas unhas pontiagudas e deixou que caíssem algumas gotas de seu próprio sangue na boca de Viktor. Este, por sua vez, permaneceu alguns segundos estático, para logo em seguida dar um longo suspiro, sinalizando que ali se iniciava sua nova vida. Vida? Não. Ali se iniciava a morte de Viktor Reznov como todos o conheciam, e nascia Viktor Reznov, o mais novo nosferatu. ” MESTRE - O pobre rapaz nem desconfiava, mas estava sendo observado por dois vampiros poderosos, o Ventrue Damon Hollopainen, um agente especial de espionagem, e Alexander Dragovich, um nosferatu veterano de guerra, capitão do exército vermelho da URSS na Segunda Guerra Mundial, responsável pela defesa de Stalingrado em 1943 e posteriormente fazendo os alemães retrocederem até Berlim, sendo o exército comandado por Dragovich o primeiro a entrar na capital alemã e hastear a bandeira soviética sobre o parlamento alemão marcando definitivamente a vitória sobre o nazismo.” (PRADO, 2016.)
claros e um cabelo vermelho sangue; ela gosta de filmes animados mesmo que eu, é uma mulher independente e sabe o que quer, não vai ser encontrada assim facilmente”.(KAYSER, 2016, grifos do autor.)
O Abraço é um momento que depende muito da personalidade do Mestre
vampiro que o jogador criará para ele. Também terão as peculiaridades do clã a que
eles pertencerão, pois cada um tem uma certa ideologia por trás, de passar a
Maldição adiante, que pode ser algo mais pensado, desejado e planejado até uma
transformação mais instintiva ou sem motivo algum.
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Sarah Fortune teve o seu Abraço de uma maneira inesperada, mas ao
mesmo tempo premeditada pelo seu Mestre, pois não foi coincidentemente que ele
apareceu no momento em que ela estava surtada e tinha acabado de matar
Thuomas. O Ventrue Irvine Crawford provavelmente esteve observando-a por muito
tempo e assim soube a hora certa de transmitir a Maldição. Levando-a para um lugar
luxuoso e explicando calmamente o que aconteceria com ela, tendo como única
surpresa de, ao invés de pavor e medo, Sarah (após ter o seu trauma psicológico
deixado por seu pai) gostar e manifestar uma reação que é descrita da seguinte
maneira: “[...]Ao iniciar a transformação, que quase sempre é feita com receio, ou
mesmo sem o conhecimento da vítima, Sarah estava serena, como nenhum outro
visto nesta hora derradeira; ela, que sempre era quem liderava as situações, apenas
obedecia” (TREVISOL, 2016). Ela desenvolve uma personalidade sociopata e
psicopata, não se importando com mais nada além do poder, achando interessante
receber este poder imensurável que é parte do clã Ventrue.
O orgulho do Mestre vampiro é extremo pelo fato de que ela não se importará
de fazer o que for preciso para manter sua influência e certa majestade perante a
cidade de Los Angeles, e agora, com a ajuda dos poderes místicos que o Abraço
transmitiu a ela, isso não teria limites. O Mestre, como de praxe neste clã, dá todos
os ensinamentos necessários sobre leis, restrições e maneiras de sobreviver e a
acompanha, auxiliando-a em todas as necessidades que sejam da competência dele
ajudar.
Reznov recebe o Abraço também de maneira premeditada, pois seu Mestre
Alexander Dragovich já o observava na base militar italiana, apenas sendo o
momento um pouco inusitado e inesperado até para o vampiro. Durante um ataque
surpresa elaborado e posto em prática no meio da noite pelo exército alemão,
Reznov lutava com todas as forças para acabar com todos eles até levar uma
saraivada de balas e ficar entre a vida e a morte, forçando seu Mestre a transformá-
lo ali mesmo, como descrito de maneira sentimental: “Foi ali, um pouco protegidos
pelo sobretudo de Dragovich, que Viktor Reznov teve seu sangue praticamente todo
sugado por Dragovich, que logo após cortou os próprios punhos com suas unhas
pontiagudas e deixou que caíssem algumas gotas de seu próprio sangue na boca de
Viktor.”
A transformação é dolorosa e deixará marcas irreparáveis tanto na aparência
como na personalidade de Reznov. Ele aceita de certa maneira esta nova vida, pois
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agora terá mais armas contra os alemães, armas que antes não possuía por ser um
mortal. A personalidade dele muda. Ele se torna mais retraído e ainda mais focado
no que teria de fazer para exterminar os alemães. A ligação com o Mestre Dragovich
vem pelo fato dele ser militar também e “[...]o primeiro a entrar na capital alemã e
hastear a bandeira soviética sobre o parlamento alemão, marcando definitivamente a
vitória sobre o nazismo. ” (PRADO, 2016), criando um laço mais forte entre eles. A
determinação de Reznov foi o que chamou a atenção do vampiro e fez com que
quisesse passar adiante seu legado de Nosferatu e assim fazendo-o treinar e se
transformar em um vampiro poderoso assim como o Mestre.
No caso de Derek, tudo é diferente na história, é completamente o oposto dos
outros dois personagens. Após o sério trauma físico e quase encontrar a morte
derradeira, a namorada de Derek, que sem ele saber era uma vampira, aparece no
quarto onde ele estava internado e o transforma para que ele não morresse e o
abandona sem deixar ensinamentos ou algum tipo de conforto para essa nova
jornada que ele estaria passando. O nome dela só é revelado no final da narrativa,
assim como a descrição física do personagem, pois a narrativa de Derek se
fundamenta mais no que ele está sentindo e nos conflitos que atormentam seus
pensamentos do que em descrições. A escolha pelo abandono do personagem no
momento do Abraço é uma decisão do jogador, que abre muitas portas para a
continuação que o Mestre Narrador dará durante a sessão.
O último RD analisado é o fechamento das histórias dos três, agora vampiros
transformados. Em comum há o fato de que todas elas deixam uma lacuna para que
o Mestre Narrador continue e possa colocar a intromissão possível para que tudo
ocorra bem durante a narrativa.
RECORTE DISCURSIVO VII – Mote da nova “vida”
Sarah Fortune Viktor Reznov Derek Chains “Não queria saber de fazer as pazes com o pai e muito menos de ser aceita, agora ela era mais poderosa que nunca. Foi ao velório de Thuomas, que por armação do Clã Ventrue e mais alguns mafiosos de Los Angeles, conseguiram forjar como se ele tivesse se atirado do mirante, cometendo suicídio, e lá chorou as lágrimas mais
“Lá chegando, Reznov tratou de entrar no exército soviético e, por recomendação de seu mestre, fora alocado no setor de inteligência, participando somente de operações noturnas, quando aprendeu muito. Conforme ia progredindo rapidamente, os oficiais superiores viram o crescente potencial daquele jovem e quando menos se
“Encontrarei um dia quem sabe, Mariah, a ordinária que me deixou nesta situação, não tenho pressa, pois tempo pra mim não é um problema atualmente...”(KAYSER, 2016)
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doces que haviam guardadas no corpo. Agora Sarah Fortune, além de uma empresária de sucesso na produção de eventos e festas, possui um grupo de extorsão e “serviços ilícitos” como sequestros e assassinatos. O Clã Ventrue nunca esteve tão poderoso dentro de uma cidade quanto depois da entrada de Sarah... Assim é a vida da mulher que, depois de ser completamente anulada pela família, possui um império digno de uma rainha, que não veste uma coroa...” (TREVISOL, 2016.)
esperava, Viktor já estava à frente do Exército Vermelho como capitão, comandando seus homens tão bem que chegava a lembrar um maestro regendo uma orquestra. Participando de várias missões sigilosas, Reznov viajou pelo mundo todo. Posteriormente sendo promovido a General por seus atos de bravura, tornou-se chefe do Centro de Inteligência do Exército Soviético. Certo dia, Viktor recebe a informação de que, apesar de ser apenas um rumor, fez seu sangue borbulhar novamente... Tinha uma coisa em mente, embarcaria nesta mesma noite para os Estados Unidos, mais precisamente à cidade de Los Angeles, na Califórnia... “(PRADO, 2016.)
Após todos os traumas, a recepção do Abraço e o primeiro contato com
vampiros, a vida de todos eles muda completamente, não só por fatos físicos, mas
sociais e psicológicos. Todos os sentimentos que possuíam como humanos afloram
neles como vampiros, assim como os cinco sentidos, a nova alimentação, tudo que
precisam respeitar e obedecer perante a Camarilla deixa marcas no comportamento
deles.
Sarah Fortune continua em sua versão sem sentimentos. Pela primeira vez na
vida não está à procura de ser aceita ou de fazer as pazes com o pai. Durante o
velório de Thuomas, que ela mesma matou e por uma armação do clã Ventrue fez
parecer um suicídio, chora de alegria, evidenciando mais um comportamento
resultante de uma patologia social, que teve início no trauma desenvolvido. Depois
de sua primeira vítima, parece, pelo que se depreende da narrativa, que ela criou
uma certa empatia por matar, criando uma empresa fantasma que tinha como
fachada a sua outra empresa de eventos a Shadow’s Glow, que continuava a
funcionar a todo vapor. O final da narrativa mostra a volta por cima que Sarah deu
em seus sentimentos, prostra-se como uma “rainha, que não veste uma coroa”,
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(TREVISOL, 2016), mas tem nas mãos o poder e a influência sobre uma das
maiores cidades dos Estados Unidos.
Reznov faz o que ele possui de melhor após o Abraço: treina suas habilidades
de vampiro juntamente com as do exército, tudo sob a supervisão de seu Mestre
vampiro. Quando este treinamento acaba, ele se muda para a Rússia novamente e
entra para o exército soviético, voltando às origens, inclusive para Stalingrado, agora
Volgogrado, a cidade em que nasceu e sofreu a sua abrupta mudança. A lacuna que
o jogador/escritor deixa para o Mestre narrador é de que o recebimento de uma
notícia faz Reznov ficar fora de si e apenas pensar em embarcar na mesma hora
para os EUA. O que ele estaria buscando apenas o Mestre Narrador poderia dizer.
Derek continua sem muitos objetivos na vida. Após ser transformado em
vampiro, sai sem rumo para o interior de uma cidade onde tivesse mais contato com
a natureza. Ele encontra uma outra Gangrel, que por solidariedade o ensina sobre o
clã e como ser um vampiro. Ela se apresenta como Rojanda e deixa claro que não
quer criar laços afetivos com Derek, se propondo apenas a procurar Mariah,
namorada de seu novo pupilo, que o transformou em vampiro sem consentimento,
ato que Rojanda considera desprezível.
Derek em sua finalização apenas diz que quer encontrar “a ordinária que me
deixou nesta situação, não tenho pressa, pois tempo pra mim não é um problema
atualmente...” (KAYSER, 2016), assim deixando a lacuna aberta para a continuação
da história posteriormente.
Após todos estes paralelos estabelecidos entre os três vampiros que farão
parte da sessão que tem a crônica denominada “The Blood State”, pode-se ter
noção de como funciona não apenas a sociedade vampírica, mas também como é a
visão de uma sociedade de outro país, neste caso os EUA, vista por
jogadores/escritores que se transportam para aquela realidade, pesquisando sobre
ela e tentando escrever uma biografia do seu personagem. Por coincidência, não
houve nenhum clã repetido e muito menos as histórias, enfatizando a individualidade
do discurso que cada um cria e enuncia. Também não houve nenhum vampiro da
mesma classe social, da mesma raça, da mesma cor, trazendo uma grande
diversidade cultural para as narrativas desenvolvidas. Cada um dos jogadores
colocou no seu discurso o desejo de que fosse único e que desse prazer na hora de
executar esta personificação na hora da sessão interpretativa.
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3.3 A crônica “The Blood State”: análise dos Recortes Áudio-discursivos
Ao contrário da criação das narrativas e das fichas, que são completamente
premeditadas e pensadas, a partir da hora em que a crônica começa efetivamente,
nada mais é planejado. O Mestre narrador tem em sua mente alguns tópicos que
serão abordados de alguma maneira, sem premeditação ou algum diálogo forçado.
Cada jogador será chamado pelo nome do personagem que ele desenvolveu e terá
a consciência de não está mais no contexto que está acostumado a viver e, graças a
pesquisas prévias e conversas, saberão como agir.
Trazendo a Análise do Discurso para o início da sessão, pode-se fazer a
grande relação de que os enunciados são feitos de maneira consciente e precisa.
Neste caso, forma-se um circuito fechado de destinadores e destinatários, sendo
possível identificar as especificações dos elementos que constituem o discurso na
forma proposta por Pêcheux. Delimitando o significado do esquema, A seria o
“destinado” e B o “destinatário”, R seria o “referente”, (L) o código linguístico comum
entre A e B a seta → seria o contato estabelecido entre A e B e por fim o D com a
sequência verbal emitida de A na direção do B. Segue o esboço traçado por
Pêcheux:
Trazendo para o campo do RPG, o sujeito A seria o jogador/escritor que
direciona sua narrativa para B, sendo o narrador e os outros jogadores, que lê a
narrativa escrita e ouve as ações diretas na mesa de jogo e absorve através do (L),
que, neste caso, é a escrita e a fala em língua portuguesa, assim estabelecendo o
contato → através do D, sendo a sequência verbal emitida tanto graficamente e
foneticamente. Por fim, o R seria o que estaria sendo referido neste todo que
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compõe o discurso, a crônica que será desenvolvida pelo narrador e os objetivos
que serão alcançados ao longo do tempo.
Para que estas novas interações entre os jogadores saiam do papel das
narrativas e tomem um caráter mais intimista entre eles, há a sessão de RPG, em
que o Mestre narrador conta e ambienta os personagens, atuando como um
narrador onisciente participante, que completa os diálogos e interage com os
jogadores.
Não haveria outra maneira de tornar mais evidente esta interação do que uma
gravação de áudio, pelo fato de que, apenas transcrevendo o que foi gravado, muito
se perderia na interpretação da personificação dos personagens e também sobre a
maneira com que cada um reage institivamente às situações em que são postos à
frente. Os cortes foram feitos para que apenas o objetivo fosse mostrado, mas estes
não retiraram a fluidez da conversa que há durante o jogo, como provocações e
brincadeiras. Pelo jogo estar sendo efetuado em um ambiente de diversão, trata-se
de algo informal, alguns “palavrões” e linguajares não cultos estarão à mostra.
Os Recortes Áudio-discursivos serão tratados pela abreviação de RAD e
foram gravados com a permissão dos jogadores, que formalmente assinaram uma
autorização de que estavam cientes da divulgação dos escritos e dos áudios
confeccionados, especialmente para o desenvolvimento deste trabalho, estando
disponíveis nos anexos desta Dissertação. As análises serão focadas na interação,
na maneira com que o discurso é enunciado por cada um dos jogadores e pelo
Mestre, como é a sociedade vampírica e como os vampiros (cidadãos) se
comportam em relação a ela.
Como mencionado anteriormente, a sessão de RPG não é planejada, e
apenas é guiada por alguns tópicos criados pelo Mestre narrador. Ele necessita
pensar em um lugar para a ambientação das cenas, os personagens que irá
necessitar e assim desenvolver uma personalidade para cada um desses no
momento em que que os jogadores forem interagir com os NPCs (do inglês non-
player character, traduzido livremente como personagem não-jogável) que são todos
os personagens que o Mestre narrador interpretará durante a sessão, pela razão de
ser um narrador onisciente. A planilha com que o mestre trabalhou durante a sessão
também está anexada neste trabalho.
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3.3.1 Recorte Audio-discursivo I – Ambientação antes da crônica
Duração do áudio: 00:01:42
O primeiro RDA tem como foco principal o modo com que os personagens
irão se conhecer ou não, dependendo de uma conversa entre os jogadores, que
decidem por uma maneira simples que envolve os três personagens. Derek (Kayser)
dá a ideia de que por ele ser servente de pedreiro, estaria em uma construção de
que Reznov (Prado) e Sarah (Trevisol) estariam interessados em comprar alguns
apartamentos. Apesar das brincadeiras sobre a quantidade de posses de cada um,
já se evidencia a classe social que os personagens aparentam ter, nota-se o quanto
o personagem Sarah (Trevisol) gosta de ostentar, ficando claro que queria comprar a
cobertura do prédio e insinuando que os outros dois não teriam dinheiro para
comprar, o que Reznov (Prado) confirma, dizendo que foi olhar, mas não comprou
por falta de dinheiro. Brincam ainda sobre ele se candidatar a síndico para ter
desconto no aluguel. Ao falarem com Derek (Kayser), há uma brincadeira sobre ele
ser servente de pedreiro, que “nem pilota a betoneira” (TREVISOL, 2016),
inferiorizando o trabalho deste personagem.
A personificação dos personagens neste RDA I está muito focada nas
características que foram dadas pela narrativa criada pelos jogadores, Sarah
(Trevisol) é excêntrica e por isso age desta forma com os demais, Reznov (Prado) é
ranzinza e por isso não compra o apartamento, o único que ainda não mostrou sua
natureza foi Derek (Kayser), que é galante. Este conhecimento prévio que é
estabelecido entre os personagens faz do desenrolar da sessão algo mais natural,
pois não sendo assim demoraria muito tempo para que os vampiros interagissem ou
quisessem conversar um com os outros, ainda mais sendo eles de clãs tão
diferentes.
3.3.2 Recorte Áudio-discursivo II – Primeira interação entre os personagens
Duração do áudio: 00:14:25
A entrada na crônica propriamente dita se inicia com o Mestre (Milani)
ambientando a cena, descrevendo que Reznov (Prado) está em uma missão em que
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o exército de qual ele fazia parte está investigando a ocorrência de um incidente com
de ataque de animais selvagens que membros do exército estavam tentando
encontrar nas redondezas da cidade, já na área rural. Voltando de uma festa, acima
da velocidade permitida, Sarah (Trevisol) é parada na barreira e tem um diálogo
acalorado com Reznov (Prado). Neste discurso pode-se notar a indiferença com que
Sarah (Trevisol) trata o oficial do exército, sempre respirando fundo ou emitindo sons
de descontentamento a cada pergunta ou requisição. Reznov (Prado) pergunta-lhe
para onde ela estava indo. Recebe uma resposta seca de Sarah, “Pra casa”. O
oficial insiste, perguntando “Mas está com muita pressa pra chegar em casa”. A
resposta que recebe é ainda mais ríspida: “Eu tô sempre com pressa”, resposta que
demostra o estilo de vida estadunidense, que tem como mote Time is Money, que
significa tempo é dinheiro. Sarah recebe uma multa e fica muito nervosa, ainda mais
quando sabe que irá ter de ficar parada na barragem.
Viktor (Prado) é avisado pelo Mestre Narrador (Milani) que terá de fazer um
teste de Prontidão para saber se será capaz de notar algo diferente ao redor de
onde estão. Obtendo o sucesso no jogo dos dados, Reznov ouve um barulho de
animal vindo do mato e manda todos os militares ficarem em alerta. O que ninguém
sabia era que Derek (Kayser) estava se comunicando com os coiotes e lobos para
que eles saíssem desta região para não serem pegos, pois ele vivia em meio a
esses animais para ter companhia. Viktor (Prado) toma as medidas adequadas para
manter a segurança de todos e pede a Sarah que fique dentro do carro. É
requisitado de Derek (Kayser) um teste de Percepção. Com as habilidades extras
que tem, o resultado é de possui pouca dificuldade de percepção, obtendo então
sucesso absoluto. Reconhecendo à distância Sarah e Reznov, começa a
aproximação.
Derek (Kayser) caminha em direção à estrada e recebe um aviso amigável
dos companheiros de jogo que ele pode ser alvejado por tiros. Ao comando de Viktor
(Prado), os militares apontam lanternas para a direção de Derek (Kayser), que se
identifica como o homem que apresentou o apartamento. Depois de ser revistado, é
interrogado sobre o que fazia em um lugar tão distante, respondendo que estava
caçando coiotes, para poder se esquivar de perguntas, mas o oficial não vê armas,
levando Derek (Kayser) a improvisar dizendo que caça com armadilhas manuais e
dá uma pequena aula sobre os coiotes.
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Ao observar que estavam conversando, Sarah (Trevisol) interrompe a
conversa e pergunta debochadamente se pode ir embora. Neste mesmo momento é
reconhecida por Derek (Kayser), que tenta trocar algumas palavras com ela, agora
sim colocando em prática a sua natureza galante, mas recebe hostilidade em troca.
Sarah (Trevisol) continua tentando ir embora, agora sendo indelicada com o oficial e
tentando de qualquer maneira convencê-lo de que ela necessita sair dali, colocando
muito em evidência seu Comportamento Diretor, recebendo não como resposta pelo
fato de que o animal ainda não havida sido capturado.
Derek (Kayser) se intromete e diz que o coiote já tinha sido capturado e
comido, causando espanto em todos, mas Reznov (Prado) não está convencido,
pois ouviu barulhos vindos daquele lugar e não tinha confiança no que Derek
(Kayser) estava dizendo. Derek (Kayser) confunde Reznov (Prado), dizendo que era
ele fazendo o chamado aos coiotes.
Sarah (Trevisol) novamente desafia o oficial e sai do carro para fumar,
fazendo com que Derek (Kayser) tente novamente interagir, recebendo mais
respostas negativas. Viktor (Prado) se decide, convencido pelo que Derek (Kayser)
disse, e liga para os oficiais para efetuar a liberação da via, recebendo sinal positivo.
Neste recorte é possível notar o encontro dos três personagens agindo da
forma como foram descritos. Sarah não dá atenção a nada e pensa que pode burlar
a lei ou convencer qualquer pessoa a fazer o que ela quer. Reznov tenta a qualquer
custo que a lei seja cumprida e só age depois de ter certeza absoluta sobre aquilo
com que está prestes a concordar, e Derek (Kayser) tenta pela sua natureza e
comportamento interagir, na maioria das vezes ganha um não como resposta, às
vezes percebe até uma repulsa pela parte de Sarah, por ele ser pedreiro e ela
lembrar deste fato.
3.3.3 Recorte Áudio-discursivo III – O encontro com o Príncipe
Duração do áudio: 00:15:17
Este recorte já inicia com o Mestre narrador (Milani) pedindo para que todos
façam um teste de coragem. A dificuldade é a máxima possível nos dados, que é
dez. Sarah e Reznov fracassam no teste e Derek obtém um sucesso. Mestre
Narrador (Milani) descreve a cena em que todos os humanos caem no chão como se
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estivessem em um sono profundo, e os vampiros Sarah e Viktor se curvam e Derek
fica em pé, sentindo-se pressionado a se ajoelhar.
Ao olharem para o lado de onde vinha a força, veem um vampiro poderoso
que diz “Me acompanhem” e, após um teste de autocontrole pedido pelo Mestre
Narrador (Milani), em que todos falham, faz com que acompanhem o vampiro de
carona em seu carro até um hotel velho por fora, mas completamente luxuoso por
dentro. O vampiro que os levou até lá chama a todos de palhaços e pergunta “o que
foi este espetáculo que eu vi na autoestrada? ” (Milani). Nesse momento, todos
ficam sem entender nada e ele explica que foi a exposição causada pela barreira, e
a caça aos animais poderia ter quebrado a Máscara. O Vampiro enfatiza que “Vocês
são vampiros, vocês não são da ralé! ”, denotando um certo desprezo pela raça
humana, e mesmo com todos os personagens tentando se justificar, o vampiro
apenas manda o silêncio imperar e não escuta ninguém.
O Mestre (Milani) revela que este vampiro é um justiçar, que já foi explanado
anteriormente o tamanho do poder destes escalões dentro da Camarilla. Antes dele
se retirar, com uma voz serena diz: - “O julgamento de vocês será em breve”,
causando um alvoroço entre os personagens que até então não entendiam o motivo
de estarem nesta posição. Quando o retorno do justiçar acontece, o Príncipe da
Camarilla vem junto e veste roupas antigas da época vitoriana, demonstrando que
tem muitos anos como vampiro, veste uma coroa e tem uma voz esganiçada. Ele se
dirige aos personagens perguntando “Vocês pensam que são donos do próprio
nariz? Vocês acham que estão nesta sociedade sem ninguém? ” e, para intimidar
todos da sala, utiliza um dos níveis do poder: - “Você não tem noção do meu
poder!”, inserindo memórias terríveis na mente das pessoas presentes. Ele repete,
enfatizando: - “Vocês estão agindo muito errado e eu não vou tolerar isso na minha
região. O que vai acontecer a partir de agora? Vocês terão de cumprir uma punição,
e como eu sou um príncipe benevolente e não vou decapitar vocês três, eu vou pedir
uma missão.” Este príncipe pede uma missão difícil e implanta em suas memórias a
imagem do alvo que será buscado pelo poder da Demência (o clã do príncipe é
denominado Malkavian), que ele acha que é um espião do Sabá (seita contrária a
Camarilla). Ele mostra com ênfase uma cicatriz do lado esquerdo do rosto do alvo e
requer que tragam-no morto ou vivo, ele está sendo caçado por tentar fazer os
vampiros da Camarilla se tornarem “rebeldes”.
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Derek (Kayser) recebe uma lavagem cerebral com todas as informações
possíveis sobre a Camarilla e os deveres do vampiro. Após um teste de vigor, que
dura pouco tempo, o Príncipe instala essas doutrinas na mente sem o consentimento
de Derek. O Príncipe dispensa todos e a presença do justiçar se desfaz, os
personagens ganham carona para o lugar onde foram pegos. Sarah vai embora sem
pestanejar, Reznov retira a barreira e se preocupa com as pessoas que também
ficaram sob o efeito do vampiro e Derek (Kayser) pensa sobre o que viu e recebeu
de informação, chegando à conclusão de que “as regras dos seres da noite são
regras que beneficiam apenas o príncipe”.
Esta ação, em que o Príncipe injeta sem consentimento informações na
cabeça das pessoas, pode ser comparada tecnicamente ao que o capitalismo faz em
relação aos bens de consumo, que são praticamente colocados na vida das pessoas
como necessários e sem os quais não se pode viver, mesmo sem o aval de quem
está recebendo esta informação.
A saída da Camarilla também diz muito sobre o sistema econômico que está
regendo as ações das pessoas. Sarah apenas vai embora com raiva por ter perdido
tempo, Reznov está preocupado pois não estava cumprindo com o que se propôs e
também com as pessoas que lá ficaram sob o poder do justiçar, e Derek, agora que
está com as informações da Camarilla em sua mente, chega à conclusão de que
essas regras só beneficiam os grandes e poderosos, no caso do RPG, o Príncipe e
no mundo real, o Estado.
3.3.4 Recorte Áudio-discursivo IV – Início da missão
Duração do áudio: 00:17:12
No outro dia depois de recuperar a energia dormindo, o primeiro a fazer uma
ação é Reznov (Prado). Ele liga aos superiores para procurar informações sobre o
alvo dado pelo Príncipe. Dragovich, seu mestre, dá um alerta sobre que a missão
dada pelo chefe da Camarilla teria o principal objetivo de matar, mas para ser sem
suspeita, armaram-se estas definições. Ao perguntar sobre o alvo, não há nada de
registros a respeito em nenhum lugar, apenas confirma que é um vampiro muito
poderoso que deve ter sido mandado para investigar algo. Pela experiência,
Dragovich continua aconselhando sobre como agir e a cautela que deverá ser
102
tomada, enquanto Reznov (Prado), ao ser cobrado por avisar os outros parceiros,
diz que “isso vai ser um problema com aqueles dois”, referindo-se a Sarah e Derek.
Derek utiliza seus poderes de Gangrel para recrutar algumas corujas que
poderão procurar pelo alvo e Sarah sai para se alimentar e ao encontrar uma presa
que se adapte à fraqueza do clã Ventrue, leva para o banheiro do bar para efetuar o
ataque. Enquanto ela se alimenta, um teste de Percepção é solicitado obtendo
sucesso, ela vê um bilhete que cai do bolso da vítima de que ela está se
alimentando. Depois que ele sai desnorteado, sem saber o que aconteceu, Sarah
liga para a polícia perguntando por Reznov, que logo atende. Ela pergunta sobre
como irão proceder com a missão e sobre o nome Claire que está escrito no bilhete
e dá o número de telefone para obter informações. Novamente não há nenhum
registro.
Sarah liga para o número e tenta fazer uma encenação sobre algo que possa
ajudar, e nota que o homem que ela mordeu para se alimentar era algum tipo de
amigo da mulher do número do bilhete, pois ela usa palavras ofensivas quando
Sarah diz o nome dele, e desliga no rosto de Sarah. Imediatamente depois desta
ligação, ela liga novamente para Reznov que, depois de um teste de sorte exitoso, já
estava rastreando o sinal de telefone e conseguindo a localização exata de quem
chamara.
Eles saem juntos para procurar Derek, que necessita ir também, para
completar a missão. Encontram-no andando com as corujas, que também possuem
algumas informações sobre o alvo. Os animais falam a ele que avistaram o alvo,
mas ele se transformara em outra pessoa depois de entrar em um beco. Há uma
discussão para saber a qual ponto irão primeiro, se é onde Reznov conseguiu a
localização, ou onde as corujas avistaram o homem. Decidiram-se pelo local
sinalizado pelo rastreio.
É evidente, neste RDA, que nem Sarah e muito menos Reznov gostam de
trabalhar em equipe, e Derek prefere contar com a ajuda dos animais. Esta
individualidade egoísta também é reflexo do regime em que estes vampiros estão,
que novamente é semelhante ao do mundo real, pois cada um que possui alguma
informação tenta de todo modo não dividi-la com os outros, assim como agem com o
capital ou até mesmo com os sentimentos. Reznov quer acreditar mais na tecnologia
de rastreamento, enquanto Derek prefere crer nas corujas e Sarah não tem opinião,
103
apenas quer que tudo se resolva logo, evidenciando a diferença de pensamento
entre os três personagens.
3.3.5 Recorte Áudio-discursivo V – A busca pelo alvo
Duração do áudio: 00:11:23
Este áudio é sobre a luta para encontrar o alvo em meio à cidade, que agrava
a dificuldade a cada pouco pelo fato de que o alvo muda de forma e se esconde nas
sombras. Os três seguem para o centro da cidade. Derek, mesmo se sentindo mal
por estar em meio à cidade, tem a ideia de mandar uns ratos para pesquisar a
região, enquanto Reznov e Sarah observam atentamente ao redor. Derek tenta com
sua grande percepção encontrar alguém. Depois de um teste bem sucedido, ele vê
um homem completamente desnorteado, olhando para os lados, e vai ao encontro
dele.
Ele chama os dois companheiros para averiguarem enquanto ele chega perto
e segura o homem pelo braço. Sarah reconhece que é o moreno de que ela se
alimentou mais cedo, e começa a fazer perguntas, inclusive para Derek que o estava
segurando. O homem gagueja e, após utilizar a disciplina de Manipulação, Sarah
consegue arrancar do homem a informação de que é verdadeiramente amigo de
Claire, a mesma pessoa que desligou o telefone no rosto dela. O homem ainda diz
que ela arrancou o dedo dele, mas ninguém vê cicatriz ou alguma marca. O dedo
apenas sumiu e ele diz ainda que ela ajudaria a colocar os dedos de volta e era por
isso que ele a estava ajudando.
Reznov ignora a conversa e fica tentando encontrar algo suspeito enquanto
Derek novamente procura ajuda de animais. Como está no meio da cidade, apenas
ratos atendem ao seu chamado. Ele envia alguns, mas apenas um deles volta e todo
machucado, dizendo que foram descobertos pela mulher, informando apenas a
direção pela qual ela seguiu.
Derek por ser mais rápido, pelo seu porte físico, anda na frente e vê Claire
batendo no rosto do homem que eles tinham capturado e soltado antes. A mulher
praticamente some numa velocidade impressionante, porém Derek consegue
identificar o rosto dela, comunicando aos demais parceiros. Ao chegar perto do
homem, ele chora desesperado e se pode notar que mais um dedo sumiu da mão
104
dele. Reznov ignora novamente e vai na direção das ruas escuras em que a mulher
se embrenhou.
Neste RDA, o foco está no trabalho em equipe, necessário para que a missão
tenha êxito. Reznov, pela sua natureza ranzinza, não gosta de companheiros nas
suas missões, o que atrapalha um pouco no desenvolvimento das ações. Derek tem
atitudes impensadas, como segurar o homem na rua, que por sorte era alguém que
estava envolvido na narrativa. Sarah só vai junto, sem opinar muito, apenas
consertando os estragos mentais que a vítima sofre, fazendo somente a parte mais
social da busca. Também pode-se enfatizar que Claire é manipuladora e tira
informações importantes de quem ela necessita de ajuda, como, por exemplo, retirar
o dedo do homem apenas com a promessa de que ela o ajudaria a colocar de volta
em troca de obediência.
3.3.6 Recorte Áudio-discursivo VI – O discurso do Príncipe
Duração do áudio: 00:09:31
O RDA será sobre a luta final contra o vampiro espião e o discurso inflamado
do príncipe ao receber o que pediu aos personagens. A ação prosseguiu com os três
vampiros seguindo a mulher pelas ruas escuras. Somente Derek, por ter a visão no
escuro - parte de sua composição vampírica -, vê algo se movimentando e avisa
seus companheiros. Reznov também utiliza suas disciplinas de Clã para ficar
invisível nas sombras e Sarah saca sua arma diante de qualquer imprevisto.
Derek investe com todas as forças para cima do vulto, pois tem certeza de
que é a mulher que estava procurando. O ataque surpresa dá vantagem para Derek
que ativa suas garras de Gangrel e acerta o alvo. A vampira toca no rosto de Derek
e o desfigura como se as mãos dela tivessem o poder de modelar carne. Ao ver isso,
Sarah reconhece que é um Tzimisce (clã de vampiros que tem a habilidade de
moldar carne e ossos), mas não havia mais o que fazer por enquanto com Derek,
pois ele já estava ferido.
Reznov empunha sua pistola e atira assim como Sarah, provocam um dano
pequeno, pois vampiros são praticamente imunes a tiros. Derek acerta uma garra
em cheio nela, deixando-a quase impossibilitada de correr. A batalha continua com
mais tiros e pancadas até a incapacitação do inimigo. Ao não conseguir mais se
105
mover, o vampiro volta à forma original, revelando-se um ser deformado. Eles juntam
o corpo quase morto e o levam para a Camarilla.
Lá encontram o Príncipe, que permite a entrada com o corpo. Ele agradece
ironicamente a missão e os lacaios pegam o corpo quase morto e entram em uma
sala. Esta, ao ser aberta, mostra o horror que está escondido entre as paredes do
luxuoso prédio: há uma sala de tortura com muitas pessoas presas lá dentro.
O discurso do Príncipe já inicia dizendo que era apenas o início da missão
esta parte que eles cumpriram, sendo a próxima a infiltração no Sabá, que tinha uma
sede em Nova York. Ele debocha, perguntando se os personagens haviam pensado
que seria somente aquilo ali, e inicia um discurso opressor e ditatorial sobre poder
“Aqui nós é que mandamos, vocês vão fazer exatamente o que eu pedir, isto é
apenas o início... Assim que funciona e é assim que vai sempre funcionar... Vocês
acham que têm poder, que vocês têm dinheiro, mas o que NÓS temos em poder,
influência e dinheiro vai muito além da capacidade mental de vocês... Podem se
retirar...” (Milani).
Ao observar ou justificar por que ainda permanecia na sala, ele esboçava um
sorriso de canto com um ar de deboche. Sarah reclama que queria viver a vida dela
e não apenas ficar obedecendo ordens. O Mestre Narrador (Milani) completa
dizendo que “o que era para ser um sistema de justiça e onde cada um conquistaria
o seu próprio espaço na sociedade dos vampiros, acabou se tornando um lugar de
um maníaco por poder, um ser ensandecido, com mania de grandeza. ‘Só porque
tem mais poder que vocês ele abusa dos poderes para dominar outras pessoas e
fechar o cerco ao redor dos mais novos como vocês para que fizessem o que ele
quisesse’. ”
Esta decepção dos três personagens em relação à obrigação de sempre ter
algo ou alguém para obedecer e prazos a cumprir se torna uma realidade a cada dia
em que todos os seres humanos necessitam de dinheiro para realizarem
praticamente todas as funções que são necessárias para se viver, desde a
alimentação até os cuidados com a saúde. Este príncipe é a personificação do
Estado que é regido pelo capitalismo sem freio, fazendo com que o Príncipe apenas
fosse mais cínico e direto a respeito de suas reais vontades e objetivos com as
pessoas, o que não acontece no mundo real. O Estado real sempre tentará esconder
e mascarar o real motivo de tanta atenção sobre alguns fatos específicos, que com
um pouco de criticidade se notará ser a mesma ideologia do Príncipe louco.
106
CONCLUSÃO
Ao findar as análises, enfatizando novamente que este trabalho teve um
cunho pessoal na escolha final do corpus para a elaboração desta Dissertação,
reitera-se que se buscou, além de um fazer prazeroso, pesquisar algo que fosse ao
mesmo tempo pertinente e inovador no campo dos estudos da Literatura
Comparada. Escolheu-se o RPG pela infinidade de temas que poderiam ser
desenvolvidos e, como já é feito na área da Educação, pela possibilidade de
perscrutar estes novos horizontes comparatistas também em Letras.
Desde o princípio foi claro que a Análise do Discurso de linha francesa seria o
amparo teórico, mediante estudos da teoria de Michel Pêcheux e de reflexões sobre
ideologia baseadas nos estudos de Althusser, por entender-se que se constituiriam
em um embasamento adequado para tratar sobre um corpus que necessitava ser
abordado sob aspectos que remetem a várias áreas, desde a linguística e ideologia
até as nuances de subjetividade com que se constituíram os sujeitos-personagens
das narrativas.
Ao tratar sobre vampiros que não têm o estereótipo tradicional mostrado em
quase todas as obras desde Bram Stoker, o trabalho recebeu um “choque” quando
se analisou o livro base, Vampiro: A máscara, pois conduziu à percepção de que
tudo o que já se viu e estudou sobre este tema da literatura necessita ser “quebrado”
e revisto.
A inovação propriamente dita se fez presente mediante a adoção da
ideiaderradeira, de utilizar para a pesquisa material exclusivo, feito para uma sessão
de RPG, jogo que até há poucos meses não passava de diversão, adquirindo
importância a iniciativa não somente pela narrativa escrita, mas também pela
interação intelectual, mais que social, que o jogo proporciona. Ao se pensar sobre o
que seria trabalhado, surgiu notoriamente um tema que está intrínseco no cotidiano
de todos, qual seja uma crítica ácida à sociedade contemporânea que, no mesmo
estilo da sociedade dos vampiros retratados nesta obra, vive à sombra de um
sistema opressor que, através do medo velado que provoca nos cidadãos, de não
poderem satisfazer a inúmeras de suas necessidades primordiais para subsistência
própria e de suas famílias, transforma-se de algo somente ameaçador para algo vital
sem que as pessoas percebam.
107
Ao criarem os seus personagens, os jogadores entram em um mundo com o
qual não estão familiarizados, inserem discursos que não fazem parte de sua
experiência existencial, nem de suas convicções ideológicas e tentam viver por
algumas horas como outra pessoa. Esta criação da dupla identidade também foi
explorada neste trabalho pelo fato de ser um discurso completamente diferente do
usual a que o criador literário está acostumado.
A Análise do Discurso, com apoio suplementar nas teorias de Santaella sobre
os gêneros híbridos, permeou o trabalho inteiro com seus três pilares fundamentais,
a linguística, a psicanálise e o materialismo histórico, sustentando-se assim a
pesquisa que foi dividida em três capítulos. O primeiro, denominado “Primeiros
aportes para o estudo do RPG”, serviu de base para a contextualização do RPG
como corpus de pesquisa. Todas as informações necessárias para o entendimento
sobre como funciona este jogo, que é uma mistura de narração, interpretação,
escrita, teatro e muitas outras formas, encontram o limite na criatividade do grupo
que está jogando. A inserção do tema na Literatura Gótica também foi abordada,
juntamente com uma explanação sobre o estereótipo do vampiro que aparece nas
televisões e livros. A criação das fichas foi completamente desconstruída para que
fosse de entendimento geral como se edifica um personagem dotado de
complexidade psicológica. A ambientação do jogo e a escolha da cidade de Los
Angeles, na Califórnia, Estados Unidos, também foi descrita, juntamente com
informações básicas sobre o Capitalismo como sistema econômico vigente naquele
país, consultadas em apontamentos de Fernand Braudel (1987).
O Capítulo dois, chamado “Os vampiros ‘diferentes’ permeados pela
ideologia”, inicia-se com uma breve reflexão sobre as teorias sobre Ideologia
materialista de Althusser, a partir de sua obra sobre aparelhos ideológicos do
estado. Neste Capítulo, colocam-se especificamente as diferenças que são extremas
em relação aos outros vampiros conhecidos, desde a alimentação, aparência,
poderes, mundo que habitam, maneira como são transformados em crianças da
noite, todos eles itens abordados correlacionadamente com o sistema econômico
vigente no mundo contemporâneo.
O Capítulo terceiro e último – “Análise do discurso em contato com o vampiro:
dos recortes discursivos e Áudio-discursivos” - se vale das apresentações das
narrativas criadas pelos jogadores Bibiane Trevisol, que criou uma vampira Ventrue
chamada Sarah Fortune, Cassiano Prado, criador do Nosferatu Viktor Reznov, e
108
também Christian Kayser, autor do Gangrel Derek Chains. Cada peculiaridade
destes vampiros foi explicitada neste Capítulo, para que, ao se executarem as
análises dos Recortes Discursivos, nada fosse deixado com a sombra da dúvida. No
total, foram analisados 07 (sete) recortes retirados das narrativas originais dos
jogadores/escritores, buscando-se referências e divergências no discurso que era
apresentado, tanto na maneira como era escrito como da significância de cada um
deles.
Também no terceiro Capítulo foram analisados 06 (seis) Recortes Áudio-
discursivos que continham a sessão de RPG gravada, mostrando toda a ação e
interpretação dos personagens, deixando a análise com o foco na sociedade em que
foram inseridos e a maneira com que cada um trata o outro, tendo em mente que os
personagens são completamente diferentes não apenas na aparência, mas
ideologicamente.
Ao pensar e refletir sobre tudo que foi escrito, pode-se ter a certeza de que “o
discurso não é apenas transmissão de informação, mas efeito de sentido entre
interlocutores e a análise de discurso é a análise desses efeitos de sentido”
(ORLANDI, 2003, p. 115). Este trabalho, na sua totalidade, está servindo como
prova para isso, desde que uma pequena jogatina entre amigos teceu uma crítica
severa ao Capitalismo que manipula e veste a mesma “máscara” que a Camarilla
dos vampiros, para abusar e ter o que necessita para conquistar o poder e a
soberania sobre tudo e todos.
Sabe-se também que a ideologia, mesmo que se relute em aceitá-la, de todas
as formas sempre estará presente e atuante em qualquer sociedade. Independente
do que estiver sendo doutrinado ostensiva ou subliminarmente, será inferido que
“como todas as evidencias, inclusive aquelas que fazem com que uma palavra
designe uma coisa, ou possua um significado, esta evidencia de que vocês e eu
somos sujeitos, e que isso não constitua um problema, é um efeito ideológico, o
efeito ideológico elementar” (ALTHUSSER, 1983, p. 48), que pode ser notado em
uma obra que provavelmente não teria este propósito se lida com olhos rasos e
inocentes.
Percebeu-se, finalmente, durante o andamento das análises, que os sentidos
que estão intrínsecos no texto são manifestados pela organização interna dos
discursos que são enunciados e materializados. A leitura, a interpretação e interação
com um texto, seja ele gráfico ou fonográfico, devem ser feitas considerando-se a
109
inclusão destes em uma ordem de funcionamento fechada, pois seus sentidos nunca
são evidentes. As primeiras noções que são vistas em um enunciado não são
suficientes para um analista do discurso que necessita de um aprofundamento
interpretativo que leve ao âmago deste mesmo discurso, indo buscar pistas
necessárias a um novo mote que já estava ali, mas que, com os esquecimentos e
reviravoltas históricas, foi “apagado”.
110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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112
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114
ANEXO 1
Roteiro para sessão de Vampiro: a Máscara
Mestre narrador: Simão Cireneu Milani
- Quantidade de jogadores: 03
- Clãs envolvidos: Ventrue, Nosferatu e Gangrel
- Ambientação: Los Angeles, Califórnia, EUA.
- Crônica: The Bloddy State
Tópicos para a trama:
-Nesta sessão o foco da narrativa deverá ser o poder, corrupção e capitalismo
inserido na comunidade vampiresca de (cidade).
- Os jogadores precisam se conhecer de alguma maneira, mesmo que eles já
houvessem se encontrado antes ou acabaram se apresentando durante o jogo.
Algum tipo de desavença seria interessante para a trama. Já parentescos serão
descartados, pois isso torna a relação entre dois personagens muito pessoais e
exclui os demais.
- A primeira cena deverá incluir simultaneamente todos os personagens. Haverá
algum tipo de empecilho para eles. Um Justicar deverá aparecer e levar os
personagens para que sejam apresentados ao Príncipe da Camarilla da cidade. O
Príncipe pertencerá ao clã dos Malkavianos.
- O Príncipe diz que eles quebraram alguma regra e os manda para uma missão
suicida, como forma de pagar pelos seus crimes e para que eles não sejam mortos.
Favores a príncipes corruptos é uma espécie de moeda para que sempre
mantenham os vampiros vinculados à Camarilla de alguma forma. Quanto mais
favores, mais o vampiro está próximo a ter mais notoriedade na cidade onde vive.
- A missão consiste em capturar/matar um espião do Sabá, que está muito além dos
poderes dos três vampiros, sendo praticamente um missão suicida mandada pelo
príncipe, pois ele tem certeza que eles irão morrer sem sucesso no decorrer dos
fatos.
ANEXO 2
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Sarah Fortune, o poder tem nome
Ler ao som de Dead Lover’s Lane - HIM
By Bibiane Trevisol
Quando se fala em Sarah Fortune, a cidade toda de Los Angeles lembra de
uma mulher que tem uma das maiores fortunas, não apenas em dinheiro, mas
também em prestigio e fama e, claro, dona dos cabelos e olhos escuros mais
marcantes que passam por aquelas ruas. Algumas pessoas falam sobre ela não ter
a mesma exposição na mídia que uma Kardashian ou algum ator de Hollywood;
subcelebridades deixam claro o ódio que sentem por ela e soltam piadinhas como
“De que adianta ser famosa e não ter o nome na Calçada da Fama”. Essas e outras
inúmeras demonstrações de desgosto e desaprovação em relação a esta
personalidade icônica que anda pelas ruas de Beverly Hills não afetam e muito
menos alteram o fato de que o poder sobre muitas áreas de uma cidade estão nas
mãos dessa mulher.
Quando nasceu, no dia 14 de novembro de 1985, seu pai não estava
presente, pelo fato de ser um empresário muito ocupado na direção de suas
inúmeras corporações, o hospital estava cheio de paparazzis para fotografar o
primogênito da Família Fortune, uma equipe descomunal de médicos estava de
plantão para que nada de mal acontecesse com o bebê... Um nascimento esperado
por todos, mas, ao mesmo tempo, conturbado, tirando o cunho particular e sublime
que deve ser primordial em um parto.
Quando a mãe foi indo para a sala de parto, ouvia gritos e confusão, pois o
alvoroço era grande para esta chegada esperada. Havia um pequeno problema que
a mãe tentou esconder, pois pressentia que uma grande decepção assolaria o seu
futuro. Dizem que mulher tem um sexto sentido aguçado. No momento em que se
descobriu grávida e foi contar ao marido, ele já bradou com todas as forças, ecoando
pelas paredes da mansão “Obrigado Senhor! Até que enfim terei o meu herdeiro! O
homem que levará meu nome e meu legado!!!”. A mãe teve um sério pressentimento
de que seria uma menina e então resolveu dizer que não queria saber o sexo do
bebê até o momento de seu nascimento.
Anestesia nas costas, luzes que cegam os olhos, profissionais da saúde
vestindo o verde da sala de cirurgia, as falas dos médicos pedindo bisturis,
116
espaçadores... Nada daquilo alabava o sentimento da mãe que estava ávida para
conhecer sua criança... O médico conta até 10 e pergunta se ela está sentindo algo;
com uma resposta negativa, inicia a operação. De lá tira um bebê, que chora como
se soubesse o que lhe espera na vida. Vem com a criatura ainda suja de sangue
para perto do rosto da mãe e diz as palavras que a mãe já esperava “É uma
menina!”. A assessora da mãe que estava junto, assistindo a tudo que acontecia,
interrompe o momento e pergunta “Já posso informar para a imprensa que é uma
menina? A senhora pode me dizer o nome que irão dar pra ela?”. A mãe respira
fundo, retira os olhos da filha e responde com toda a paciência “Sim, você pode
informar” e completa com um ar de orgulho “Informe que a herdeira da Família
Fortune será chamada de Sarah e está completamente saudável e forte”, voltando
os olhos para o rostinho pequeno da filha que acabara de conhecer pessoalmente.
Depois de todos os procedimentos, na volta para o quarto, há uma fila enorme
à porta. São repórteres e fotógrafos querendo entrar para disputar quem seria o
primeiro a publicar uma foto da pequena criança, que mesmo antes de nascer já
possuía uma fama enorme. A mãe teve um surto e espantou todos eles de lá. Não
estava preocupada com a privacidade ou com a intimidade... Só estava preocupada
com o que a filha teria de lidar quando o pai chegasse e tivesse a notícia de que era
uma menina.
Apenas dois dias depois do nascimento, o pai de Sarah chegou para
conhecê-la pessoalmente. Ficou estampado no semblante do homem o desgosto ao
ver que não teria o seu herdeiro, o homem que levaria seu legado adiante e seria o
próximo braço a comandar as inúmeras empresas da família.
Sarah cresceu com o pai desejando um menino. Ele, sempre que podia, fazia
questão de enfatizar que se pudesse ter outro filho, o faria sem pestanejar. Uma das
primeiras lembranças que Sarah tem na sua vida é a de uma briga muito tensa entre
os seus pais: uma discussão em que o problema seria dar o nome Fortune para uma
mulher. Para o pai seria uma vergonha deixar o legado para Sarah, pois na cabeça
do pai, ela jamais conseguiria ter um tino comercial para não levar à falência tudo o
que ele conseguiu com o passar dos anos.
Uma pessoa que cresce em meio à rejeição tem dois caminhos para
percorrer: ou se torna mais forte e hábil para comprovar que é digna de confiança ou
aceita e vive como se fosse ninguém. Obviamente ela escolheu a primeira opção!
Para cada reclamação ou desaprovação do pai, ela fazia alto para reverter e provar-
117
lhe que estava completamente errado. Tudo iniciou quando ele disse que ela não
seria capaz de se cuidar sozinha, pois era uma mulher e se algum dia se tornasse
empresária seria um alvo fácil para ladrões e sequestradores, acrescentando que
“não tinha nem porte físico para se impor perante as pessoas”. No mesmo dia iniciou
um treinamento digno de guerra, fazendo musculação e treinos de artes marciais e
armas brancas, conquistando um corpo invejado pela maioria das mulheres e
desejado por homens (e mulheres, claro). Logo depois, o pai disse que por ser
mulher, mesmo tendo todo o treino que ela possuía, jamais teria força para combater
verdadeiramente quem pudesse lhe fazer mal. Com muita raiva, iniciou um
treinamento intensivo de manejo de armas de fogo e conseguiu provar ao pai que
era boa em sua mira, ganhando o torneio americano de tiro ao alvo em movimento,
sendo até chamada para o time olímpico dos EUA.
As respostas eram sempre negativas e desanimadoras, ela não havia feito
nada de mal, apenas nascido mulher. Após 20 anos de treinos e estudos nas áreas
de contabilidade, marketing e administração de empresas, Sarah resolveu perguntar
se poderia participar dos negócios da família, pois sentia que era uma necessidade e
que por ser filha única, uma hora ou outra os negócios seriam dela. Uma coisa nada
humana foi feita pelo pai de Sarah, e isso terá que ser contado minuciosamente.
Quando a família resolveu sair do interior dos EUA e vir para a capital da
Califórnia, Los Angeles, os tempos eram completamente difíceis e para iniciar os
negócios que hoje em dia valem milhões foi necessário que tudo que a família
possuía em terras e bens fosse vendido, para morar em um pequeno apartamento,
alugado em um bairro afastado. Apenas um homem, que era assessor de negócios e
estava procurando emprego, aceitou ajudar o pai de Sarah a iniciar o emprego,
desde que, quando ele estivesse bem financeiramente, ajudasse a família dele a se
colocar novamente no mercado de trabalho.
As empresas começaram a dar certo e a cada vez crescer, fazendo com que
cada vez mais o status social da família Fortune crescesse, e por consequência o
assessor também. Aquele homem era muito mais do que um empregado do pai de
Sarah, já tinha passado a mais que amigo, era praticamente um membro da família.
O pai, sempre que mudava de residência ou trocava de carro, fazia questão de
financiar ou até mesmo presentear o grande amigo com um novo para ele também,
fazendo com que a relação se tornasse cada vez mais próxima, até o momento em
118
que começaram a se chamar de irmãos. O assessor dizia que o pai de Sarah era o
irmão mais novo dele, e o pai dizia que era o irmão que ele nunca teve.
Por infortúnio, destino, ou apenas mera coincidência, o assessor teve um filho
cinco anos antes do nascimento de Sarah, e por mais inocente que fosse esta
informação, era um menino, chamado Thuomas Smith. Quando Sarah nasceu, ele já
tinha cinco anos de idade e a tratava como uma irmã mais nova, cuidando,
acompanhando e ajudando quando possível. A inocência de duas crianças não
indicava o que aconteceria em um futuro distante.
Ao nascer, Sarah, sendo uma mulher, praticamente perdeu o posto de pessoa
querida do pai, e este posto, sem maldade, ou pela força com que ele queria um
herdeiro, passou para Thuomas. O pai levava o menino do assessor para todos os
lugares que seriam ditos como “coisa de homem”, como pescar, caçar, assistir
corridas automobilísticas, acampar e tudo mais que seria possível de se fazer com
os filhos. Sarah sempre pedia para ir junto, mas ganhava não como resposta, pois,
novamente a resposta não aos seus protestos por ficar em casa se justificava:
“Porque você é uma menina”.
A cartada final para a “troca de filhos” aconteceu quando houve a passagem
do furacão Katrina, em 2005, quando os pais de Thuomas estavam em férias, em
Nova Orleans, e sua mãe sumiu, pois o hotel que estavam foi arrasado pelas águas,
não deixando nem a possibilidade de um ato fúnebre digno. Houve um luto muito
grande na família Fortune e a permanência de Thuomas na vida cotidiana aumentou
vertiginosamente. O assessor, sem a ajuda da esposa, começou a passar por
dificuldades para sustentar a casa e manter o filho estudando. Em uma conversa
com o pai de Sarah, disse que teria de se mudar. Um protesto muito grande por
parte do patrão veio ao ar, fazendo com que o pai de Sarah dissesse que iria pagar
todos os estudos de Thuomas e que não iria deixar de auxiliar o amigo.
Thuomas começou a frequentar os melhores colégios da cidade e assim
estudar justamente o que Sarah estudava, fazendo uma concorrência até então
saudável com a quase-irmã. Tudo estava bem, exceto o carinho e atenção que o pai
dedicava ao filho do assessor.
Retomando a resposta que antes seria dada, mas que necessitou explicações
anteriores, ao pedir para participar dos negócios da família, Sarah recebeu o maior
não de sua vida. Resolveu então partir para uma vida solitária e tentar crescer na
vida por conta própria. Pelo fato de ter guardado muitas economias, conseguiu abrir
119
uma empresa de promoção de eventos, mas sem deixar seu nome à vista, apenas
deixou algum de seus amigos trabalhando nela presencialmente, mas quem estava
no comando era ela.
Sarah fez isso mais para mostrar a seu pai que seria capaz de administrar um
negócio e fazer o dinheiro aumentar exponencialmente. Passou pelo menos dois
anos trabalhando escondida e arrecadando milhões com eventos da sua produtora
chamada Shadow’sGlow, e sem que ninguém soubesse da identidade secreta do
“dono” que tinha dinheiro para bancar as mega produções.
Fora da empresa, Sarah era apenas uma socialite que frequentava as festas
mais desejadas da Califórnia, sempre frequentando os tapetes vermelhos, as áreas
VIPs, acompanhada tanto de homens e mulheres famosas (o que causava mais
furor na mídia, pois ela era bissexual completamente assumida) e estando sempre
em evidência nos lugares que frequentava. Estava sempre na capa dos tabloides de
fofocas sobre celebridades, mas ninguém jamais suspeitava da vida secreta de
proprietária da empresa que organizava e patrocinava quase todas as festas e
eventos que por ela frequentados.
A surpresa maior foi quando uma ligação vinda da Fortune Corporation
encomendava uma produção, que seria a mais cara de todas as produzidas até
aquele momento. Sarah fez questão de enfatizar que aquela seria a maior produção
da empresa e logicamente a que exigiria de todos o maior esforço, pelo simples
motivo de que ela queria mostrar para seu pai que ela conseguia ter sucesso no
mundo dos negócios. Não foi diferente do esperado: clientes de todo o mundo
vieram prestigiar a internacionalização da empresa, praticamente triplicando os
lucros e gerando milhões para a Fortune Corporation.
A recompensa veio quando o Sr. Fortune foi pessoalmente até a sede da
empresa para agradecer pelo maravilhoso trabalho, querendo fechar um contrato
vitalício da corporação com a Shadow’s Glow. Os funcionários encaminharam os
papéis e finalizaram o atendimento, mas surgiu um pedido inesperado: agradecer ao
dono da empresa frente à frente, para poder dizer o quão grato o agora cliente
vitalício estava com os serviços da empresa.
O secretário chamou o ramal da sala de Sarah, perguntando se poderia
passar o cliente para uma conversa pessoal, sendo-lhe concedido. Sr. Fortune, ao
entrar no luxuoso escritório, vendo a filha sentada na mesa extremamente
120
organizada, com uma cadeira imponente, diz uma frase que só comprovava o que
Sarah teve de passar todos esses anos
- Olá Sarah! Nem sabia que você tinha um namorado! Parou com aquelas
frescuras de indecisão, graças a Deus! Você pode chamar ele, pra eu poder
agradecer pelo belíssimo serviço que ele prestou pra mim? ...
Sarah enche seus pulmões de ar e responde com toda aquela vontade de
mostrar o seu valor:
- Pai, esta empresa é minha, fui eu, liderando meus funcionários, que fiz a
nossa empresa triplicar de tamanho e valor. Por meus méritos quis mostrar pro
senhor o quanto estou apta a estar ao teu lado na Fortune Corporation!
O pai apenas tenta dizer que é mentira e é completamente retrucado pelos
funcionários que dizem o que ele não queria ouvir “Sim, a empresa é dela...”. Após
essa descoberta desastrosa, ele apenas sai desabotoando o terno e entra no carro e
some em meio à cidade. Sarah não move um dedo para segurar o pai, pois ela sabia
que o choque seria grande e estava esperando por isso por longos anos, tinha
certeza que tinha conseguido a dolorosa prova para ser aceita como ela mesma era.
Após o expediente, Sarah passou em um pub para tomar um drink e se
preparar para a entrada em casa, que sabia que não seria fácil. Ao adentrar os
portões da mansão Fortune, viu que seu pai estava sentado em sua cadeira na sala,
com Thuomas ao seu lado. Uma taça de Bourbon na mão de cada um e um suspeito
sorriso de contentamento estava estampado na face dos dois... Algo estava errado e
precisava ser descoberto. Sarah pergunta qual o motivo da comemoração e recebe
a pior resposta de todas: Thuomas acabava de ser nomeado o CEO da Fortune
Corporation, cargo que ela almejava.
Neste momento Sarah sai de si e começa a quebrar tudo que vê pela frente,
em um frenesi que necessitou de cinco seguranças para conter a fúria da mulher
que era treinada em várias artes marciais. Após um tempo, para retornar ao centro
da calmaria, ela levanta e sai de casa, sem rumo, apenas com a negação de mais
de 25 anos apenas por ser uma mulher diferente dos padrões que a sociedade era
acostumada a ver.
Thuomas sai atrás de Sarah e avista o carro dela próximo à montanha que
possui o letreiro de Hollywood, em um mirante, apenas olhando a vista majestosa de
uma das cidades mais luxuosas do planeta. Sarah não consegue pensar em mais
nada, apenas em arrumar alguma maneira de acabar com a dor que sente em seu
121
peito. Quando Thuomas chega perto dela, sem um aviso prévio, é instantaneamente
jogado ao chão e imobilizado com um golpe marcial. Sarah pergunta infinitas vezes
o motivo pelo qual o pai dela não tem carinho pela própria filha, deixando Thuomas
cada vez mais nervoso e assim solta a verdade que ele guardava no interior de sua
alma:
- Eu sempre quis esse poder que você tem, e a maneira mais fácil que achei
foi indo ao encontro da fraqueza e da tristeza de seu pai de não ter um filho
homem... Fui o filho que ele não teve e assim hoje conquistei o auge de meu
objetivo! Tomei o seu lugar na vida dele e terei a minha fortuna!
No momento em que ele terminou de falar, Sarah, sem pestanejar, quebra o
pescoço de Thuomas, ouvindo dele apenas um grunhido antes da morte. O mais
estranho acontece neste momento. O cadáver some num piscar de olhos e Sarah
sente uma presença muito intimidadora ao redor de si e, ao olhar para os lados, vê
um homem de terno preto vindo em sua direção.
Ela acorda em um quarto extremamente luxuoso de uma casa, que
aparentemente era antiga, mas muito bem cuidada, com este homem misterioso
sentado olhando diretamente para ela, em pé ao lado da porta. Ela levanta e quer
sair deste lugar, o homem segura o braço dela e ao tentar aplicar o conhecimento
marcial, ela aparece novamente deitada na cama.
O homem começa a contar a história de um vampiro poderoso que conseguia
controlar a mente das pessoas, era amado por todos e possuía o dom da
imortalidade. Apesar da vontade de Sarah de levantar e correr daquele lugar, o seu
corpo a mantinha presa na cama, como se houvesse uma força que dominasse seu
corpo. A história seguia com inúmeros fatos sobre a quantidade de poder que este
vampiro possuía e como era fabulosa a “vida” que ele levava. Neste momento Sarah
percebe que esta ideia era interessante e sentiu a força que a mantinha na cama
desaparecer, e ao contrário do que desejava, não levantou, pediu para ouvir mais.
O homem se chamava Irvine Crawford, era um vampiro do Clã Ventrue, o
mais poderoso e influente de toda a Camarilla. Ao mencionar que Sarah seria a
escolhida para manter a linhagem de poderosos que formam esse clã, ao invés de
pavor, ela sorriu... Irvine começou a explicar os pontos negativos e mortais de ser
um vampiro. Sarah apenas sorria e olhava fundo nos olhos do vampiro. Ao notar
esta frieza no coração de Sarah, o vampiro apenas fica orgulhoso com sua escolha,
pois tem certeza que ela será uma Ventrue que honrará o clã.
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Ao iniciar a transformação, que quase sempre é feita com receio, ou mesmo
sem o conhecimento da vítima, Sarah estava serena, como nenhum outro visto
nesta hora derradeira, ela que sempre era quem liderava as situações, apenas
obedecia. Seu sangue foi sugado até a linha da morte e as gotas que deram a vida
através do sangue mágico do vampiro foram depositadas na sua garganta. A
transformação que deveria causar-lhe pavor pelo medo de morrer, estampava um
semblante de satisfação, tanto no vampiro como na nova criatura da noite, que
atacou sem pensar duas vezes a mulher que o criador deixou esperando ao lado de
fora para ser a primeira alimentação de Sarah.
Ao olhar nos olhos de Sarah, Irvine viu que aquilo tinha sido a coisa mais
engrandecedora que havia feito em séculos. Havia encontrado um verdadeiro
vampiro, um que abraça o dom das trevas e se sente abençoado por tê-lo. Sarah se
acostumou rápido com a sua nova maneira de viver e assim despertou um lado
sombrio que estava escondido em seu subconsciente.
Não queria saber de fazer as pazes com o pai e muito menos de ser aceita,
agora ela era mais poderosa que nunca. Foi ao velório de Thuomas, que por
armação do Clã Ventrue e mais alguns mafiosos de Los Angeles, conseguiram forjar
como se ele tivesse se atirado do mirante, cometendo suicídio, e lá chorou as
lágrimas mais doces que existiam guardadas no corpo.
Agora Sarah Fortune, além de uma empresária de sucesso na produção de
eventos e festas, possui um grupo de extorsão e “serviços ilícitos” como sequestros
e assassinatos. O Clã Ventrue nunca esteve tão poderoso dentro de uma cidade
quanto depois da entrada de Sarah...
Assim é a vida da mulher que depois de ser completamente anulada pela
família, possui um império digno de uma rainha que não veste uma coroa...
123
ANEXO 3
Viktor Reznov
"Mesmo agora, sua música ainda me assombra..."
By Cassiano Prado
A história tem início quando nasceu, em 1952, o pequeno Viktor Reznov.
Com apenas 13 anos, em sua cidade natal,Stalingrado, na URSS, teve uma
experiência incomum, que o marcaria para o resto de sua vida.
Seu pai, DmitriiReznov, era um músico conhecido em toda a região.
Tocando em seu violino músicas feitas por compositores patriotas, tornou-se um
símbolo de esperança aos seus compatriotas. Suas músicas confortavam aqueles
que voltavam das batalhas, abatidos e desanimados, e encorajavam aqueles que
estavam partindo rumo à luta. Sabendo disso por meio de um espião, os alemães
viram a atitude de Dmitrii como um desafio, uma afronta ao ideal germânico.
Aquilo não poderia continuar! – pensaram os alemães, e tramaram um
plano para acabar com aquele empecilho, que podia parecer inofensivo para a
grande maioria, mas, aos olhos do grande escalão, qualquer forma de oposição
deveria ser reprimida de maneira exemplar, de forma a mostrar não só aos seus
inimigos, mas também aos aliados, que qualquer ato de discordância com os ideais
alemães seria exemplarmente punido.
Foi então que, em uma noite de tempestade, os alemães cercaram a casa
de Dmitrii, com instruções para serem o mais discretos possível. Devido à forte
tempestade, com seus raios incessantes, Viktor tivera pesadelos e fora até o quarto
dos pais para se reconfortar. Lá chegando, foi acalmado gentilmente por eles, e sua
mãe levou-o de volta a seu quarto, ficando lá por alguns instantes até que ele se
refizesse do susto.
Enquanto Viktor estava em seu quarto com sua mãe, seu pai, que estava
exausto, já havia pegado no sono novamente e dormia sozinho no quarto do casal.
Os trovões não davam trégua, e aproveitando o barulho por eles produzido, um dos
soldados alemães conseguiu destrancar a janela e entrar no quarto onde Dmitrii
dormia. Silenciosamente o assassino brandiu uma lâmina reluzente e curta, com a
124
qual fez uma carícia macabra na garganta do músico, antes de cortá-la e deixar o
pobre homem imóvel sobre a cama, com o sangue manchando os lençóis.
No momento em que a mãe de Viktor entrava no quarto, ela consegue ver
de relance um vulto que saía pela janela, de quem ela conseguiu identificar apenas a
faixa vermelha no braço, fazendo com que ela tivesse um pressentimento horrível.
Alguns segundos depois do susto, ainda paralisada em pé junto à porta, ela olhou
em direção à cama e, ao ver aquela cena, soltou um grito de pavor. Dmitrii! Mas a
única resposta que obteve foram os gritos de Viktor perguntando: Mãe!? O que foi
isso? Está tudo bem?
Como não obteve resposta, Viktor correu até o quarto dos pais para ver
se tudo estava bem. Pobre criança. Ao chegar no quarto, viu sua mãe estática junto
à porta, olhando fixamente para dentro do quarto sem dizer uma única palavra. Ele
ainda perguntou o que havia acontecido, mas como não obteve resposta, se
espremeu entre sua mãe e a soleira da porta para conseguir entrar. Quando
finalmente conseguiu, a criança teve a pior experiência da sua vida ao ver seu pai
morto em cima da cama do casal, envolto em lençóis avermelhados por seu próprio
sangue.
O pequeno correu para a cama e começou a chamar por seu pai,
sacudindo o corpo inerte que ali jazia. Neste momento, sua mãe pareceu despertar
do estado de choque em que se encontrava, e correu para junto da cama, tentando
em vão confortar o filho.
Horas mais tarde, depois de se recuperar um pouco e avisar a polícia, a
esposa do falecido Dmitrii estava fazendo os preparativos para o velório, sendo
ajudada por alguns familiares e amigos quando deu por falta de seu filho. Andou
pela casa procurando por ele, e como não teve sucesso, começou a ficar
preocupada. Foi então que ela teve a ideia de procurar no porão. Lá embaixo, em
um canto escuro e úmido estava o pobre Viktor, sentado no chão abraçando seus
joelhos e com a cabeça baixa.
– Não fique assim, meu filho. – disse ela, já chorosa, e acariciou a cabeça
dele. Viktor então levantou seu olhar buscando o rosto da mãe, e perguntou:
– Quem fez isso, mãe?
Ela já não continha as lágrimas, e só conseguiu balbuciar:
– A... le... mão...
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Com a mãe em prantos a seu lado, Viktor gravou aquela palavra tão fundo
na memória que dificilmente algum dia ele iria esquecê-la. Abaixou novamente a
cabeça, sem deixar cair uma lágrima sequer.
Após este horrível incidente, a mãe decidiu proteger o filho temendo que
os assassinos de seu marido voltassem para tentar matar o restante da família.
Naquele fatídico ano de 1961, eles foram para a Itália, e vagando de cidade em
cidade chegaram a Treviso.
Sem falar praticamente nada da língua local, eles passaram por muitas
dificuldades. Quando o dinheiro que haviam levado consigo acabou, ficaram sem
lugar para morar, vivendo da ajuda de pessoas que passavam e se solidarizavam,
chegando até mesmo a procurar comida entre os restos que os restaurantes da
cidade jogavam no lixo.
Conforme o tempo passava, mãe e filho foram aprendendo a falar italiano
aos poucos. Mas, por mais que se esforçassem, não conseguiam trabalho. Foi então
que numa de suas andanças pela cidade encontraram um senhor que foi muito gentil
com eles, e mandou sua filha, Maharet, oferecer-lhes um pouco de comida. Aquele
senhor era dono de um estabelecimento de renome na cidade, o restaurante Mama
Mia, e era conhecido por seu bom coração.
Mesmo com dificuldades, a mãe de Viktor explicou ao senhor a situação
em que se encontravam e tudo que haviam passado para chegar até ali. O
comerciante se solidarizou com aquela pequena família que tanto sofrera na vida, e
ofereceu um quartinho nos fundos do estabelecimento, antes usado para estocar
alguns produtos, para que mãe e filho pudessem ter onde ficar até conseguirem se
reerguer.
O tempo passa, e a pequena família trabalha cada vez mais, tanto a mãe
lavando roupas para fora e limpando casas de pessoas com maior poder aquisitivo
que o deles, quanto Viktor, já com 16 anos, fazendo diversos pequenos serviços
para vizinhos, às vezes ajudando aquele senhor que tanto os auxiliara nos tempos
difíceis, que de tão feliz ao ver o crescimento do rapaz, acabou se tornando seu
padrinho.
Neste mesmo ano de 1968, mãe e filho finalmente conseguiram juntar
dinheiro suficiente para comprar sua própria casa. Não era a melhor coisa do
mundo, afinal, era uma casa minúscula aos fundos de um terreno, com apenas um
126
quarto e uma sala, com o banheiro na rua, mas estava bem longe daquele tempo em
que eles tiveram de viver nas ruas.
Por mais que estivessem vivendo momentos de paz, Viktor nunca
esqueceu o que aconteceu em Stalingrado, tampouco seu ódio para com os
alemães diminuiu, pelo contrário, ele só aumentava a cada segundo que passava.
Agora já mais velho, Viktor tinha um objetivo em mente: lutar o máximo
que pudesse contra todo e qualquer alemão que cruzasse seu caminho. Mas como
fazer isso sem se tornar um criminoso? Sim, o exército! Sendo um militar ele poderia
lutar contra quantos nazistas quisesse, sem se preocupar com motivos e aparências.
Mas como fazer isso, sendo que estava na Itália e não era um cidadão italiano? Foi
então que mais uma vez seu padrinho estava ali para ajudá-lo.
O rapaz explicou ao padrinho que gostava muito da Itália, e queria
defendê-la como se fosse sua terra natal, dentre outros motivos. O gentil senhor
então encaminhou toda a papelada, e com algum dinheiro colocado no bolso do
oficial, conseguiu com que Viktor obtivesse cidadania italiana, podendo assim, dois
anos mais tarde, alistar-se no exército daquele país.
Assim que completou 18 anos, Viktor se alistou e poucos dias depois
finalmente foi chamado para se apresentar ao quartel da cidade. Lá ele aprendeu
rapidamente como utilizar uma arma de fogo, destacando-se de seus companheiros.
Apesar de ter um bom desempenho físico, o rapaz não era voltado pura e
simplesmente ao combate. Viktor gostava mais de planejar, prever as ações do
inimigo e só se movimentar depois de ter certeza de que todas as possibilidades
tinham sido analisadas e ter escolhido somente aquela com certeza de sucesso.
Seus superiores notaram este dom e passaram a observar com
curiosidade qual seria a próxima façanha daquele jovem dedicado que, em três
meses de treinamento, já apresentava resultados melhores do que a maioria dos
soldados que estavam há dois anos no quartel.
Pouco tempo depois, Viktor começou a notar os olhares apreensivos de
seus superiores, até que, numa noite um pouco fria, ele percebeu uma
movimentação diferente no local onde os oficiais ficavam para observar os soldados
em seus treinamentos.
Havia duas figuras distintas observando-o. Uma delas, apesar de ter visto
poucas vezes, Viktor conseguiu perceber que era o oficial Damon Hollopainen, do
127
alto escalão. A outra pessoa ele não conseguiu reconhecer, mas aquele sobretudo e
aquele ushanka só poderiam ter vindo de um lugar do mundo...
O pobre rapaz nem desconfiava, mas estava sendo observado por dois
vampiros poderosos, o Ventrue Damon Hollopainen, um agente especial de
espionagem, e Alexander Dragovich, um nosferatu veterano de guerra, capitão do
exército vermelho da URSS na Segunda Guerra Mundial, responsável pela defesa
de Stalingrado em 1943 e, posteriormente, fazendo os alemães retrocederem até
Berlim, seno o exército comandado por Dragovich o primeiro a entrar na capital
alemã e hastear a bandeira soviética sobre o parlamento alemão, marcando
definitivamente a vitória sobre o nazismo.
Hollopainen e Dragovich ficaram algum tempo observando aquele rapaz
que se destacava dos outros soldados, fosse por segurar corretamente o fuzil ou
pela determinação e vontade com que ele desempenhava até mesmo a tarefa mais
simples, sem perder a calma e a concentração um momento sequer.
Dragovich estava ali à procura de alguém digno de se tornar seu
discípulo, que fosse capaz de suportar toda a dor e sofrimento que um nosferatu é
obrigado a arcar, e ainda assim continuasse focado em seus objetivos. E aquele
rapaz parecia se encaixar perfeitamente.
Foi então que Damon sugeriu que tivessem uma conversa em separado
com aquele jovem, para ter certeza de seus objetivos e testar sua força de vontade.
Assim sendo, chamaram o jovem com a desculpa que precisavam dele para uma
operação especial, mas que primeiro precisavam conversar em algum lugar fora do
quartel. Perguntaram então se ele conhecia algum lugar calmo nas redondezas que
se adequasse a isso, e o jovem prontamente levou os dois homens ao restaurante
de seu padrinho, que ficava a poucas quadras.
Depois de conversar um pouco, Dragovich disse que queria ir para fora do
restaurante para fumar sem importunar as outras pessoas, e convidou Viktor para
que fosse junto dele para conversarem mais. Já na rua, Dragovich procurou um
lugar mais reservado entre dois prédios ali perto, foi com o rapaz para lá, e começou
a revelar seus reais motivos de estar ali. O rapaz ficou branco, muito desnorteado e
incrédulo, sem saber se ria das palavras sem sentido daquele homem desconhecido
com sotaque familiar, ou se ficava horrorizado com tudo aquilo.
Percebendo que o rapaz estava a ponto de não acreditar em suas
palavras, Dragovich não viu alternativa senão revelar sua verdadeira face de
128
nosferatu. Viktor ficou paralisado ao ver aquele ser de pele esverdeada, sem pelo
algum, com dois buracos onde seriam as narinas, orelhas pontudas, corpo
desproporcional, braços longos, com mãos defeituosas e unhas compridas e afiadas,
com a pele que parecia solta da carne, enrugando por todo o corpo, com dentes
espaçados e quase negros.
Aquilo não podia ser verdade! O que era aquele ser na sua frente?
Quando finalmente Viktor recuperou o fôlego, começou a olhar para os lados,
procurando um jeito de fugir dali o mais rápido possível. Dragovich então perguntou:
– E então, acredita agora? – e junto com sua fala, Viktor sentiu o cheiro
dos dentes podres daquele ser horrível.
Eis que então Viktor se dá conta de que aquilo não era um sonho, mas
sim a realidade... Uma realidade horrível, sim, mas não poderia fugir dela... Ou
poderia? Sem ter outra opção em mente, ele resolve correr. Correr como nunca
havia feito na sua vida, ou melhor, correr pela sua vida.
Dragovich observou o rapaz se distanciando, ficando surpreso com a
atitude dele. Ora, qualquer humano que visse um nosferatu simplesmente caía sobre
os joelhos sem forças para fugir, ou começaria a gritar freneticamente, quase que
pedindo para ser morto. Mas aquele jovem era diferente. Ele conseguira encontrar a
única saída possível para um humano naquele momento. Finalmente Alexander
havia encontrado alguém digno de ser seu discípulo.
Viktor correu sem rumo por 200 metros. Então, recobrando a consciência,
resolveu ir para o lugar mais seguro que ele conhecia, o quartel. Lá chegando,
deparou com chamas, gritos de dor e disparos para todos os lados. O quartel estava
sendo atacado.
Um de seus companheiros passa correndo por ele e grita:
– Esconda-se! Os alemães estão atacando!
Ao ouvir aquela palavra, todo o passado de Viktor passou diante de seus
olhos. A casa em Stalingrado, a vida pacata que levava com sua família, seu pai
tocando músicas bonitas, sua mãe feliz... Então vieram à sua mente as imagens
daquela fatídica noite em que seu pai fora morto. Morto por alemães. Sim, aquele
era seu alvo. Sua vingança finalmente poderia se concretizar.
Então ele pegou a primeira arma que viu diante de si, um rifle que achou
junto ao corpo de um soldado morto, e correu para dentro do quartel, atirando em
toda e qualquer pessoa que não estivesse vestindo o mesmo uniforme que ele.
129
Alexander já havia voltado para dentro do restaurante, falado com Damon
e estavam ambos a caminho do quartel para evitar que o jovem falasse para outras
pessoas sobre o que havia visto ou sobre o que lhe havia sido contado.
Ao chegarem ao quartel, depararam-se com um caos. Pessoas correndo
pra todos os lados, explosões, tiros de todos os calibres e muitos gritos. Foi então
que em meio àquela confusão eles viram um soldado enfurecido, matando cada
alemão que estivesse no seu raio de visão. Era Viktor, sem demonstrar sequer
algum traço de medo diante das balas que passavam zunindo por ele.
Antes que algum dos dois pudesse chegar perto, Viktor foi atingido por
uma saraivada de balas, das quais duas atingiram seu peito em cheio. Vendo o
rapaz cair ao chão, e usando de uma velocidade sobre-humana, Damon consegue
chegar até ele e resgatá-lo ainda com vida e carregá-lo para fora do quartel,
enquanto Alexander dava cobertura.
Já fora do quartel, Viktor se encontra entre a vida e a morte, com os
batimentos quase imperceptíveis e sem responder aos apelos de seus dois
salvadores. Dragovich então, vendo que era a única maneira do rapaz sobreviver,
decide que o abraço seria dado ali mesmo, ao lado de fora dos muros do quartel,
enquanto lá dentro ainda se ouviam tiros.
Foi ali, um pouco protegidos pelo sobretudo de Dragovich, que Viktor
Reznov teve seu sangue praticamente todo sugado por Dragovich, que logo após
cortou os próprios punhos com suas unhas pontiagudas e deixou que caíssem
algumas gotas de seu próprio sangue na boca de Viktor. Este, por sua vez,
permaneceu alguns segundos estático, para logo em seguida dar um longo suspiro,
sinalizando que ali se iniciava sua nova vida. Vida? Não. Ali se iniciava a morte de
Viktor Reznov como todos o conheciam, e nascia Viktor Reznov, o mais novo
nosferatu.
Nem bem ele havia recobrado a consciência e começaram as
transformações em seu corpo, causando-lhe uma dor tão intensa que ninguém no
mundo poderia descrever tal agonia. Sua pele ficou cinza e totalmente enrugada,
sem nenhum tipo de pelo no corpo, com dois rasgos verticais no meio do rosto, onde
deveriam ser as narinas, com braços e dedos longos e ossudos, orelhas pontudas e
grandes, olhos amarelos, dentes separados e pontiagudos, unhas que mais
pareciam garras, corpo levemente curvado para frente e pés com membranas entre
os dedos. Um monstro completo.
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Logo após essa transformação macabra, Reznov, ainda sem notar a
criatura em que havia se transformado, sentiu uma fome tão forte que parecia mover
seu corpo involuntariamente. Por sorte, Damon já havia previsto que isso
aconteceria, e tinha arrastado alguns corpos de soldados recém mortos para perto
de Viktor. Este ainda sem entender muito, ao ver os corpos manchados de sangue,
cedeu àquela vontade que o consumia, e cravou os dentes no pescoço do corpo
mais próximo.
Viktor só conseguiu parar depois do terceiro corpo, quando já estava
saciado e mais calmo. Então ele olhou para as próprias mãos levando um susto, e
quando olhou para os lados procurando por uma explicação, viu Dragovich em sua
forma original, igualmente monstruoso.
Foi então que a conversa do lado de fora do restaurante veio em sua
mente e ele começou a compreender o que estava acontecendo, mas seus olhos
ficaram embaçados e de repente ele desmaiou. Acordou dois dias depois, em um
quarto totalmente fechado, com um corpo recém morto a seu lado.
Reznov ouve um barulho de tranca, e eis que a porta se abre, revelando
um Alexander calmo e frio. Ele entra e senta-se em uma cadeira no outro lado do
quarto, e fala:
– Beba. Vai precisar estar bem alimentado para entender o que eu tenho
para explicar.
A essa altura, Reznov já estava quase terminando de saborear sua
refeição quando Dragovich começou a falar. Ele explicou sobre a Camarilla, sobre os
clãs, sobre como um Nosferatu deve fazer para manter a máscara, e tudo mais que
seu discípulo devia saber.
Alguns meses depois, após treinar muito com seu mestre e aprender tudo
o que precisaria para poder existir, Viktor finalmente estava pronto para seguir seu
caminho sozinho. Dragovich deu-lhe os últimos conselhos e partiu de volta para
Moscou, onde morava, e Viktor então decidiu retornar também para a Mãe Rússia,
voltando para Stalingrado, que passou a se chamar Volgogrado logo depois que ele
e sua mãe deixaram o país.
Lá chegando, Reznov tratou de entrar no exército soviético e, por
recomendação de seu mestre, fora alocado no setor de inteligência, participando
somente de operações noturnas, onde aprendeu muito. Conforme ia progredindo
rapidamente, os oficiais superiores viram o crescente potencial daquele jovem e
131
quando menos se esperava, Viktor já estava à frente do Exército Vermelho, como
capitão, comandando seus homens tão bem que chegava a lembrar um maestro
regendo uma orquestra.
Participando de várias missões sigilosas, Reznov viajou pelo mundo todo,
posteriormente sendo promovido a General por seus atos de bravura e se tornando
assim chefe do Centro de Inteligência do Exército Soviético.
Certo dia, Viktor recebe uma informação que, apesar de ser apenas um
rumor, fez seu sangue borbulhar novamente. Tinha uma coisa em mente,
embarcaria nesta mesma noite para os Estados Unidos, mais precisamente para
cidade de Los Angeles, na Califórnia...
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ANEXO 4
Derek Chains, o bruto que teve o coração quebrado
By Christian Kayser
Qual seria o pior destino? Qual seria o seu maior medo? Ainda estou para
conhecer uma pessoa para quem a pergunta “estaria disposta a morrer por amor?”
seria feita. Quase sempre ocorre a mesma resposta - sim. Eu daria essa resposta há
pouco tempo. Inocência pode ser algo lindo e cruel ao mesmo tempo. Eu mesmo
pensava em como a vida é bela: ganhamos tudo ao nascer e temos um destino
inevitável, a morte. Mesmo assim, tentamos olhar por um lado bom, podemos viver
por alguém e ter bons momentos com aquela pessoa. Enquanto respiramos, às
vezes, sentimos um pouco de pânico, com a possibilidade de perder algo que nunca
nos pertenceu.
Mas quem sou eu para falar sobre o medo e pânico, sendo que sou uma boa
parte dos motivos para eles existirem. Alguns dizem que não posso ser considerado
um ser humano, mas gosto de pensar que sou. Só porque tenho de tirar a vida de
alguns para me alimentar, sou julgado como um animal sem controle. É engraçado,
não vejo ninguém chorando enquanto faz um churrasco com um monte de animais
mortos, ficam felizes pois irão comer a carne de um animal inocente. Esses sacos de
sangue “quentinhos” que andam por aí em grupos, achando que são especiais, não
passam de reserva de comida. Por isso não gosto da cidade, prefiro o campo ou o
deserto, não importando onde, apenas o mais longe possível da civilização.
Eu me sinto livre quando estou perto dos animais, sempre tive esse desejo de
ficar no meio da natureza, mesmo enquanto caminhava entre os mortais. Enquanto
eu era um deles, trabalhava como servente de pedreiro, nunca havia me imaginado
naquela situação, estando em um trabalho honrado, porém pesado e que te destrói
com o tempo. Algo que havia começado como temporário estava se tornando
permanente aos poucos. De repente o medo que eu sentia de passar o resto da vida
trancado em um escritório, me parecia como um sonho distante e improvável de
acontecer. Minha vida estava difícil e eu cada vez mais comprometido com o destino
a que minhas escolhas haviam me levado.
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Meu último dia de trabalho como servente de pedreiro, foi como sempre, sem
equipamento de proteção, um fato praticamente corriqueiro nas obras em que
trabalhei. Estes itens de segurança são quentes e desconfortáveis, às vezes, sendo
apenas mais um peso para carregarmos deixando o trabalho ainda mais pesado. No
início, cheguei a usá-los, mas, com o passar do tempo, sem nunca ter presenciado
nenhum acidente, deixei-os de lado. Em um dia comum no trabalho. Subi nos
andaimes para rebocar as paredes com cimento. Eu e meu colega estávamos no
segundo andar, terminando a empreitada daquele dia, então, um pequeno estalo, e
foi tudo abaixo. Não lembro com muita clareza o que aconteceu após o incidente,
acho que foi chamada a ambulância e fomos para o hospital. Meu colega Arnaldo
faleceu e eu estava em estado crítico. Mesmo que sobrevivesse, não voltaria ao
normal, pois as sequelas seriam inevitáveis. Fui salvo não por médicos ou algum
evento especial da natureza, mas por uma mulher que...
Eu já amei e odeio ter que admitir, como se isso mostrasse o quão fraco e
vulnerável eu fui, ou talvez ainda seja. Na verdade, não sei o que devo sentir, falo a
todos que me perguntam que a odeio e meu objetivo é tirar a vida dela quando a
encontrar, mas eu faria isso? Ou quando a encontrasse cairia aos pés dela e falaria
o quanto eu senti a falta dela? Ela é uma Gangrel, e naquele quarto do hospital ela
me salvou, tornando-me um vampiro e logo me abandonando...
A primeira vez que senti o cheiro de sangue, era do paciente ao meu lado,
gravemente ferido e inconsciente. Foi como se algo houvesse tomado conta de mim,
eu simplesmente não conseguia me controlar. Aquele cheiro, que nunca havia
sentido antes, mas mesmo assim dominava meu corpo, preenchendo meus
pulmões. Eu não conseguia pensar em mais nada. Então ataquei com todas as
forças, não sabia o que estava fazendo, com certeza queria o sangue, mas a carne
não fazia parte do cardápio.
Quando terminei, poucas coisas estavam claras em minha mente, mas a uma
era certeza eu estava condenado, já tinha uma noção do que havia me tornado.
Olhei ao meu redor e a situação não melhorava, era como se um animal selvagem
houvesse entrado ali e destruído o lugar. Cheguei à conclusão de que o tempo
estava passando e eu não havia sido o mais silencioso enquanto me alimentava.
Mesmo sendo de madrugada, alguém estaria vindo e eu tinha duas opções, atacar
essa pessoa também ou fugir. Mas fugir para onde? Eu me tornaria a suspeito
número de um crime tão hediondo como esse. Pensando bem, parece que um
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animal atacou este local. Então com certeza um animal atacou esse local, eu posso
fugir. E faz algum tempo que tem algo me chamando de dentro do mato, um som de
paz no meio desse inferno sem controle em que estou preso, não posso ter
dúvidas... É, estou indo, e se essa for minha última caminhada, saiba que eu não
lembro de como foi a primeira.
Então eu corri a noite inteira ao mais longe que eu consegui, da cidade. O dia
estava começando e eu ainda corria. Pelas lendas, eu sabia que não me restava
muito tempo. Ao longe avistei uma toca, parecia ser de lobos e com sorte ela estaria
abandonada. Não estava. Alguns coiotes dormiam ali dentro no momento em que
entrei. Fiquei em pânico, pensando em como eles podiam ser letais, mas não vi
nenhum movimento hostil vindo da parte deles, nem ao menos se moveram, como
se estivessem esperando por uma ordem. Ao fundo da caverna, avistei uma mulher
de cabelo castanho claro, quando olhei nos seus olhos azuis claros, no momento
pensei: ela era meu número.
Ela se levantou, olhou-me nos olhos e disse - Oi eu sou Rojanda, uma
Gangrel, assim como você... E como, poderia me responder o que você está
fazendo, invadindo meu território? Eu respondi que não sabia ao certo, apenas tinha
certeza de que havia virado um monstro e que tinha corrido nesta direção, o mais
longe possível da cidade. A decepção apareceu em seu rosto de não saber como
um vampiro havia transformado alguém assim, sem motivos. Ela me perguntou se
eu tinha uma noção de quem era a última pessoa que eu havia visto. Respondi que
sim, minha namorada. - Como alguém abandona sua cria sem nenhuma
conhecimento e controle..., ela falou. - Isso vai contra o próprio instinto, agora me
responda... Qual o nome dela, me passe tudo o que sabe sobre ela...
Respondi com toda a calma - O nome dela e Mariah, provavelmente um
palmo mais baixa que eu com os olhos castanho-claros e um cabelo vermelho
sangue, ela gosta de filmes animados mesmo que eu, é uma mulher independente e
sabe o que quer, não vai ser encontrada assim facilmente. Rojanda disse que já
estava bom de informações por enquanto, e seguiu dizendo - Vou te ensinar o
básico e algumas habilidades, sendo que somos da mesma raça e depois você
decide o que fazer, mas lembre-se que eu nunca serei sua mestra. Apenas uma
mentora. Agora apenas precisava aprender como me virar e para conseguir ir atrás
da Mariah que me colocou nessa situação e descobrir se ela queria me salvar ou me
condenar.
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Meu nome é Derek Chains, um homem alto, moreno escuro, forte e com olhos
negros, força sobrenatural por ser vampiro, mas antes também por ser um
trabalhador braçal. Tenho cabelos longos com dreads e procuro manter o máximo
que puder a minha discrição em relação à sociedade urbana. Encontrarei um dia,
quem sabe, a ordinária que me deixou nesta situação. Não tenho pressa, pois tempo
pra mim não é um problema, atualmente...
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ANEXO 5
PASTA NO GOOGLE DRIVE COM OS RECORTES AUDIODISCURSIVOS
https://drive.google.com/file/d/0B_uEJCIxc2B0UlRmQnhFQmJnVlE/view?usp=s
haring
Recorte Áudio-discursivo I – Ambientação antes da crônica
Recorte Áudio-discursivo II – Primeira interação entre os personagens
Recorte Áudio-discursivo III – O encontro com o Príncipe
Recorte Áudio-discursivo IV – Início da missão
Recorte Áudio-discursivo V – A busca pelo alvo
Recorte Áudio-discursivo VI – O discurso do Príncipe