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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Pesquisas Hidráulicas
Departamento de Obras Hidráulicas
IPH 02058: Tratamento de Água e Esgoto
Curso de Graduação em Engenharia Hídrica
Agradecimento: O prof. Gino agradece ao prof. Antônio D. Benetti pela
cessão do arquivo fonte deste capítulo, gerado por ele para a disciplina IPH
02050 da Engenharia Civil. O mesmo recebeu ajustes de formatação ao padrão
da disciplina IPH 02058 (Tratamento de Água e Esgoto), oferecida pela
primeira vez à Engenharia Hídrica no primeiro semestre de 2016.
Março de 2017
IPH 02058: Tratamento de Água e Esgoto, Capítulo 1 Prof. Gino Gehling
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1. CARACTERÍSTICAS DAS ÁGUAS DE ABASTECIMENTO E DOS ESGOTOS
Abordaremos aqui a aspectos qualitativos das águas de abastecimento, e também a dos
esgotos. Devemos atentar para o fato de que os esgotos tratados podem e devem ser reusados,
não apenas nos condomínios (prática padrão de diversas construtoras que adotam regras de
sustentabilidade), mas também em sistemas públicos de água não potável, para outros fins.
1.1. CARACTERÍSTICAS DAS ÁGUAS DE ABASTECIMENTO
Supõe-se que a qualidade da água para consumo humano já tenha sido abordada na disciplina
Qualidade da Água (IPH 02053). Ainda assim, se revisarão as principais características das
águas de abastecimento.
1.1.1. Qualidade da água para abastecimento
Atualmente é a Resolução CONAMA 357/2005 (link abaixo), que classifica as águas e
especifica o tratamento necessário para diversas finalidades. Das catorze destinações
contempladas nesta resolução, que podemos dar às águas, nesta disciplina nos restringiremos
à primeira, ou seja, ao abastecimento para consumo humano.
Link: (http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res05/res35705.pdf)
A tabela 1 apresenta o que abordaremos com relação à classificação das águas de
abastecimento para consumo humano.
Tabela 1: Classificação das águas para abastecimento para consumo humano e tratamento
requerido.
Salinidade* Classificação
Doce
Classe Especial (com desinfecção)
Classe 1 (tratamento simplificado)
Classe 2 (tratamento convencional)
Classe 3 (tratamento convencional ou avançado)
Salina Não se aplica
Salobra Classe 1 (tratamento convencional ou avançado)
*Salinidade: Doce (salinidade ≤ 0,5%); salobras (0,5%< salinidade <30%); salinas (salinidade ≤ 30%).
INDICE DE QUALIDADE DAS AGUAS (fonte: http://aguasinteriores.cetesb.sp.gov.br/wp-
content/uploads/sites/32/2013/11/02.pdf )
A partir de um estudo realizado em 1970 pela “National Sanitation Foundation” dos Estados
Unidos, a CETESB adaptou e desenvolveu o IQA – Índice de Qualidade das Águas que
incorpora nove variáveis consideradas relevantes para a avaliação da qualidade das águas,
tendo como determinante principal a sua utilização para abastecimento público.
A criação do IQA baseou-se numa pesquisa de opinião junto a especialistas em qualidade de
águas, que indicaram as variáveis a serem avaliadas, o peso relativo e a condição com que se
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apresenta cada parâmetro, segundo uma escala de valores “rating”. Das 35 variáveis
indicadoras de qualidade de água inicialmente propostos, somente nove foram selecionados.
Para estes, a critério de cada profissional, foram estabelecidas curvas de variação da qualidade
das águas de acordo com o estado ou a condição de cada parâmetro. Estas curvas de variação,
sintetizadas em um conjunto de curvas médias para cada parâmetro, bem como seu peso
relativo correspondente, são apresentados na Figura 1.
Figura 1 - Curvas Médias de Variação de Qualidade das Águas.
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O IQA é calculado pelo produto ponderado das qualidades de água correspondentes às
variáveis que integram o índice.
A seguinte fórmula é utilizada:
IQA = ∏ (𝑞𝑖)𝑤𝑖 𝑛𝑖=1
onde: IQA = Índice de Qualidade das Águas, um número entre 0 e 100;
qi = qualidade do i-ésimo parâmetro, um número entre 0 e 100, obtido da respectiva
“curva média de variação de qualidade”, em função de sua concentração ou medida;
wi = peso correspondente ao i-ésimo parâmetro, um número entre 0 e 1, atribuído em
função da sua importância para a conformação global de qualidade, sendo que:
∑ 𝑤𝑖 = 1𝑛
𝑖=1
Onde n: número de variáveis que entram no cálculo do IQA.
No caso de não se dispor do valor de alguma das nove variáveis da figura 1, o cálculo do IQA
é inviabilizado. A partir do cálculo efetuado, pode-se determinar a qualidade das águas brutas,
que é indicada pelo IQA, variando numa escala de 0 a 100, representado na tabela 2.
Tabela 2 – Classificação do IQA.
Categoria Ponderação
Ótima 79 < IQA ≤ 100
Boa 51 < IQA ≤ 79
Regular 36 < IQA ≤ 51
Ruim 19 < IQA ≤ 36
Péssima IQA ≤ 19
1.1.2. Padrões de Potabilidade
Os padrões de potabilidade brasileiros da água para consumo humano é caracterizado por:
- padrão microbiológico;
- padrão de turbidez para a água pós-filtração ou pré-desinfecção;
- padrão para substâncias químicas que representam riscos à saúde (inorgânicas, orgânicas,
agrotóxicos, desinfetantes e produtos secundários da desinfecção);
- padrão de radioatividade;
- padrão de aceitação para consumo humano.
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Atualmente é a Portaria MS 2.914/2011 (em processo de revisão: atente para divulgação de
portaria posterior...), que pode ser acessada no link:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2914_12_12_2011.html
O link acima estabelece os padrões de potabilidade da água para consumo humano no Brasil.
Aprecie a referida portaria em sua versão completa, e imprima a mesma, anexando uma via às
notas de aula da disciplina. As tabelas 3 a 7 apresentam uma síntese do conteúdo da Portaria
2.914/2011.
Tabela 3: Valores máximos permitidos (VMP) bacteriológicos para águas de abastecimento.
Tipo de Água Parâmetro VMP
Água para Consumo Humano Escherichia coli Ausência em
100 mL
Água Tratada
Na Saída do
Tratamento Coliformes Totais
Ausência em
100 mL
No Sistema de
Distribuição
(Reservatórios e
Rede)
Escherichia coli Ausência em
100 mL
Coliformes
Totais
Sistemas alternativos
que abastecem até
20.000 hab.
Uma amostra no
mês com resultado
+
Sistemas alternativos
que abastecem mais
que 20.000 hab.
Ausência em 100
mL em 95% das
amostras no mês
Tabela 4: VMP limite para turbidez em águas de abastecimento.
Tratamento da Água VMP
Desinfecção (para águas subterrâneas) 1,0 uT em 95% das amostras
Filtração Rápida (Tratamento completo ou
filtração direta) 0,5 uT em 95% das amostras
Filtração lenta 1,0 uT em 95% das amostras
Tabela 5: VMP para físico-químicos em águas de abastecimento.
Características fisico-químicas
Cor Aparente mg Pt-Co/L 15
Gosto e Odor Intensidade 6
Ferro mg/L 0,3
Manganês mg/L 0,1
Sulfeto de Hidrogênio mg/L 0,1
Dureza Total mg/L 500
Cloreto mg/L 250
Sódio mg/L 200
Sólidos Dissolvidos Totais mg/L 1000
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Tabela 6: VMP para elementos e compostos químicos em águas de abastecimento.
Parâmetro Unidade VMP
Inorgânicas
Cádmio mg/L 0,005
Mercúrio mg/L 0,001
Nitrato (como N) mg/L 10
Orgânicas
Benzeno g/L 5
Cloreto de Vinila g/L 2
Pentaclorofenol g/L 9
Agrotóxicos
Atrazina g/L 2
DDT + DDD + DDE g/L 1
Glifosato + AMPA g/L 500
Desinfetantes e Produtos Secundários da Desinfecção
Trihalometanos Total mg/L 0,1
Cloro Residual Livre mg/L 5
Ácidos Haloaceéticos Total mg/L 0,08
Tabela 7: VMP para microorganismos em águas de abastecimento.
Microorganismos
Microcistinas g/L 1,0
Saxitoxinas g equiv STX/L 3,0
1.1.3. Critérios de amostragem de águas
Tanto para as águas brutas como para as águas tratadas que saem das ETA para as redes de
abastecimento, devem ser adotados critérios de amostragem aceitáveis. Nunca devem ser
tomadas amostras puntuais. No “Capítulo 6 – Dos Planos de Amostragem” da Portaria
2.914/2011 descrevem-se as atenções a serem tidas quando das coletas de amostras de água
bruta e tratada. Aprecie o referido capítulo.
1.2. CARACTERÍSTICAS DOS ESGOTOS DOMÉSTICOS
Esgotos domésticos são formados pelo uso da água em banheiros, cozinhas e outras peças de
residências, hotéis, escolas, clubes, igrejas, restaurantes, bares, shopping centers, cinemas,
teatros, aeroportos, rodoviárias, penitenciárias, postos de abastecimento, indústrias e prédios
administrativos.
Condução de fezes e urina
Lavagem de mãos e corpo
Lavagem de alimentos (verduras e frutas)
Lavagem de utensílios de cozinha
Lavagem de roupas e outros tecidos
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Os esgotos são caracterizados em termos de sua composição física, química e biológica.
Embora haja centenas de possíveis contaminantes que possam estar presentes em esgotos, nos
restringiremos apenas àqueles considerados mais importantes para o projeto de estações de
tratamento de esgotos.
1.2.1. Características físicas
A característica física mais importante nos esgotos é a sua concentração de sólidos. Os sólidos
podem ser:
Sólidos Totais (ST): é a matéria que permanece como resíduo após evaporação de um volume
conhecido a temperatura entre 103C e 105C.
Sólidos Suspensos Totais (SST): é a matéria que fica retida após passagem de um volume
conhecido por um filtro com poros de tamanho aproximado de 1,2 micrômetros ( 1 m = 10-6
m). A água presente no filtro é evaporada a temperatura entre 103C e 105C.
Sólidos Dissolvidos Totais (SDT): é a matéria que passa pelo filtro com tamanho de poros
aproximado de 1,2 m. O líquido que passou pelo filtro é evaporado a temperatura entre
103C e 105C. Estes sólidos são também chamados de sólidos filtráveis totais.
Embora se denomine os sólidos que passaram pelo filtro como sólidos dissolvidos, na
verdade, estão presentes também sólidos coloidais. Colóides são partículas com tamanhos que
variam entre 0,001 m a 1,0 m. Partículas menores que 0,001 m são moléculas e íons. A
rigor, somente esta fração comporia os sólidos dissolvidos. Entretanto, para fins de
caracterização dos esgotos visando seu tratamento, utilizaremos o termo dissolvido para todas
as partículas que passam pelo filtro de 1,2 m.
Sólidos totais, suspensos e dissolvidos podem ser classificados em função de sua volatilidade.
Sólidos Fixos Totais (SFT): é a matéria que permanece como resíduo após calcinação de um
volume conhecido a temperatura de 550C 50C.
Sólidos Voláteis Totais (SVT): é a matéria que foi volatilizada após calcinação de uma dado
volume de amostra à temperatura de 550C 50C.
Sólidos Suspensos Fixos (SSF): é a matéria que permanece retida no filtro de 1,2 m após
calcinação do filtro a temperatura de 550C 50C.
Sólidos Suspensos Voláteis (SSV): é a matéria que foi volatilizada após calcinação do filtro a
temperatura de 550C 50C.
Sólidos Dissolvidos Fixos (SDF): é a matéria que permanece como resíduo após calcinação a
temperatura de 550C 50C do volume que passou pelo filtro de 1,2 m.
Sólidos Dissolvidos Voláteis (SDV): é a matéria que foi volatilizada após calcinação a
temperatura de 550C 50C do volume que passou pelo filtro de 1,2 m.
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Sólidos voláteis e fixos representam, respectivamente, os sólidos orgânicos e inorgânicos
presentes na amostra.
ST, SST, SDT, SFT, SVT, SSF, SSV, SDF, SDV são expressos em unidades de massa por
volume, usualmente mg/L. Esta classificação é representada na figura 1.
Figura 1: Composição dos sólidos em esgotos.
Sólidos Sedimentáveis: é o volume de sólidos que sedimentam ao fundo de recipiente em
forma de cone (Cone Imhoff) em um período de 60 minutos. É uma medida da quantidade de
sólidos que poderão ser removidos em decantadores primários. Sólidos sedimentáveis são
expressos em unidades de mL/L.
1.2.2. Características Químicas
1.2.2.1. Matéria Orgânica
Em um esgoto doméstico, cerca de 75% dos sólidos suspensos e 40% dos sólidos dissolvidos
tem natureza orgânica. Para fins práticos, define-se moléculas orgânicas como todas aquelas
que contêm carbono, exceto CO (monóxido de carbono), CO2 (dióxido de carbono), HCO3-
(íon bicarbonato), CO32 –
(íon carbonato) e carbono elementar nas formas de grafite e
diamante.
A matéria orgânica é normalmente formada por uma composição dos átomos dos
elementos carbono, hidrogênio, e oxigênio. Em esgotos, nitrogênio e fósforo encontram-se
também associados a matéria orgânica. Os principais grupos de compostos presentes como
matéria orgânica em esgotos domésticos são:
Proteínas: 40% a 60%;
Carboidratos: 25% a 50%;
Óleos e Graxas: 10%
O principal constituinte da urina, a uréia, é um importante composto orgânico contribuinte aos
esgotos. Entretanto a uréia raramente é detectada, posto que converte-se rapidamente em
amônia.
Sólidos Totais
(ST)
Sólidos Suspensos Totais
(SST)
Sólidos Dissolvidos Totais
(SDT)
Sólidos Suspensos Voláteis
(SSV)
Sólidos Suspensos Fixos
(SSF)
Sólidos Dissolvidos Voláteis
(SDV)
Sólidos Dissolvidos Fixos
(SDF)
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a) Demanda Bioquímica de Oxigênio Carbonácea
A DBO carbonácea mede a quantidade de oxigênio requerida por microrganismos para
estabilização da matéria orgânica presente em esgotos ou qualquer outra amostra de água. É
uma medida agregada da concentração de matéria orgânica presente em uma amostra, já que
não especifica se a matéria orgânica é proteína, carboidrato, ou qualquer outro composto
orgânico.
Estabilização é entendida como mineralização do carbono orgânico, isto é, a transformação do
carbono orgânico em inorgânico através de uma reação de oxidação-redução. Este tipo de
reação química envolve a transferência de elétrons entre átomos, moléculas ou íons. A
Equação 1 mostra a relação quantitativa entre a quantidade de oxigênio requerida para
mineralização da matéria orgânica, formando-se dióxido de carbono, água e amônia.
32222
3
24
3
24cNHOHc
anCOOc
banNOHC cban
(Eq. 1)
Por exemplo, se a matéria orgânica for glicose, a reação da Equação 1 fica
OHCOOOHC 2226126 666 (Eq. 2)
Nesta reação, seis mols de oxigênio são requeridos para oxidar um mol de glicose, produzindo
seis mols de gás carbônico e seis mols de água. (Um mol de um elemento ou substância tem
uma massa igual a massa atômica ou massa molecular em gramas. Massa atômica é a soma do
número de prótons e neutrons de um átomo).
Um mol de C6H12O6 tem 6 x 12 + 12 x 1 + 6 x 16 = 180 g
Seis mols de O2 tem 6 x (16 x 2) = 192 g
(Um mol é também a quantidade de uma substância contendo 6,02 x 1023
unidades, o Número
de Avogrado).
Na reação de oxidação da glicose, o átomo de carbono da molécula de glicose foi oxidado
(perdeu elétrons) enquanto a molécula de oxigênio foi reduzida (ganhou elétrons). Neste caso,
a glicose é um doador de elétrons enquanto que oxigênio é um receptor (aceptor) de elétrons.
Redução: 22 6246 COeO
Oxidação: eCOOHC 246 26126
Quando esgotos não tratados são lançados em corpos d’água, a reação de oxidação
representada pela Equação 1 mostra que haverá um consumo de oxigênio que encontra-se
dissolvido na água. Isto origina uma transferência de oxigênio da atmosfera para dentro do
líquido (a atmosfera contém aproximadamente 21% de oxigênio). Entretanto, se o consumo
de OD no líquido for maior que a quantidade transferida do ar para a água, haverá uma
diminuição na concentração de OD na água.
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Peixes e outros organismos aquáticos utilizam oxigênio dissolvido na água em seus
metabolismos; por esta razão, se a concentração de OD alcançar valores muito baixos, a vida
de vários organismos não será viável, podendo muitos deles morrer.
Medição da DBO
O teste da DBO é feito medindo-se as concentrações de oxigênio dissolvido em amostras a
partir do instante zero (dia 0) e dias subseqüentes (dias 1, 2, 3, 4, etc) até que toda a matéria
orgânica dentro do frasco tenha sido “consumida”. Os frascos são incubados à temperatura
constante de 20C. Ao final de 24 horas, mede-se a concentração de OD da amostra. A
diferença nas concentrações de oxigênio dissolvido presente na amostra do dia zero e amostra
do dia 1 corresponde à demanda bioquímica de oxigênio de um dia. Ao final do dia 2, mede-
se a concentração de OD presente na amostra; a diferença entre as concentrações de OD no
dia zero e dia 2 corresponde à demanda de oxigênio de dois dias. Este procedimento pode ser
repetido, dia a dia. Para esgotos domésticos, constata-se que, aproximadamente no dia 20,
toda a matéria orgânica presente terá sido oxidada. Isto pode ser verificado observando-se que
as concentrações de oxigênio dissolvido medidos em dois dias consecutivos permanecem
constantes (figura 2).
..............................................
Figura 2: Procedimento para determinação de DBO.
DBO120
= OD0– OD1
DBO220
= OD0 – OD2
DBO320
= OD0 – OD3
........
DBO520
= OD0 – OD5
..........
DBO2020
= OD0 – OD20
Define-se Demanda Bioquímica de Oxigênio Última, DBOu, a quantidade total de oxigênio
dissolvido requerida para oxidar, biologicamente, a matéria orgânica presente na amostra.
Para esgotos domésticos, a DBOu corresponde, aproximadamente, a DBO2020
, ou seja, o
consumo de OD ocorrido em 20 dias. Este é um tempo demasiado longo. Por esta razão,
convencionou-se utilizar a DBO de cinco dias, à temperatura de 20C como um teste padrão
para quantificação da matéria orgânica em amostras. Esta demanda é expressa por DBO520
.
Para um dado esgoto, é possível correlacionar a DBO520
com DBOu. Para esgotos domésticos
a relação DBO520
/DBOu situa-se entre 0,60 a 0,8.
Tanto o oxigênio dissolvido como a DBO são expressos em unidades de concentração, mg/L.
Diluição: oxigênio é pouco solúvel na água, sendo que a solubilidade depende da temperatura.
Por exemplo, a concentração de saturação de oxigênio dissolvido na água à temperatura de
20C é 9,2 mg/L. O que acontece quando a DBO de uma amostra é maior do que 9,2 mg/L ?
Todo o oxigênio dissolvido seria consumido, mas a amostra ainda conteria matéria orgânica a
ser oxidada sem que isto seja possível devido a ausência de oxigênio. Por exemplo, a DBO520
t = zero OD = OD0
t = 1 dia OD = OD1
t = 2 dias OD = OD2
t = 20 dias OD = OD20
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de um esgoto doméstico pode chegar a 300 mg/L. O que fazer ? Nestes casos, faz-se diluição
nas amostras. Por exemplo, uma diluição seria utilizar 30 mL de amostra com 270 mL de
água de diluição. A Equação 3 mostra o cálculo da DBO para amostras diluídas.
a
g
ttV
VODODLmgDBO 0
20 )/( (Eq. 3)
Sendo: DBOt20
= demanda bioquímica de oxigênio no dia t, 20C; mg/L
OD0 = oxigênio dissolvido inicial da mistura amostra + água de diluição; mg/L
ODt = oxigênio dissolvido na mistura amostra+água de diluição ao final do dia t; mg/L
Vg = volume da garrafa de OD; mL
Va = volume da amostra de água ou esgoto a ser avaliada; mL
Note que Vg – Va = volume da água de diluição.
O que é realmente água de diluição? Água de diluição é preparada com água destilada na
qual são adicionados nutrientes, minerais e substâncias que tamponam a água ao pH 7,0,
considerado ótimo para os microrganismos heterotróficos que fazem a oxidação da matéria
orgânica. A água de diluição é também saturada com oxigênio dissolvido.
Curvas de DBO exercida e DBO remanescente
A cinética de oxidação da matéria orgânica de esgotos caracteriza-se por ser de “primeira-
ordem”. Em qualquer tempo, uma reação de primeira ordem apresenta velocidade de reação
proporcional (∞) à concentração remanescente da matéria orgânica (Equação 4).
Ldt
dL (Eq. 4)
Sendo: dL/dt = velocidade de oxidação da matéria orgânica
L = concentração da matéria orgânica remanescente
A Equação 4 pode ser transformada em uma igualdade através de uma constante (Equação 5).
Lkdt
dL 1 (Eq. 5)
sendo k1 = constante de reação
Integrando-se a Equação 5, tem-se:
tt
t
tt
LL
LL
tkL
LtkLLdtk
L
dLt
0
1
0
101 lnlnln
0
(Eq. 6)
Tomando-se a exponencial em ambos os lados da Equação 6, chega-se à equação que
relaciona a matéria orgânica remanescente em qualquer instante t como função da constante
de reação k1, do tempo t e da concentração inicial de matéria orgânica na amostra.
tk
t eLL
1
0 (Eq. 7)
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Caso seja adotada base 10, tem-se tkt LL
'
1100 , sendo 303,2
1'1
kk .
Se a matéria orgânica é representada pela DBO, L0 na Equação 7 representa a DBO última
(DBOu). Quando t = zero, Lt = L0. Isto significa que nenhuma matéria orgânica foi oxidada
ainda. Para qualquer outro tempo t, o valor Lt representa a matéria orgânica remanescente, ou
seja, aquela que ainda não foi oxidada. É chamada de DBO remanescente. Portanto:
L0 = DBO última, mg/L
Lt = DBO remanescente, mg/L
A DBO exercida é a diferença entre a DBOu e a DBO remanescente.
yt = L0 – Lt (Eq. 8)
sendo yt = DBO exercida até o instante t
Substituindo-se a Equação 7 na Equação 8 tem-se
)1( 11
000tktk
t eLeLLy
(Eq. 9)
yt na Equação 9 tem o valor da DBO para o tempo t. Por exemplo, para t = 5 dias, y5 = DBO5.
Quando t , y = L0. Para o caso particular de esgotos domésticos, quando t = 20 dias, y20 =
L0.
A título de exemplo, a figura 3 apresenta os gráficos correspondentes a DBO remanescente e
DBO exercida conforme as Equações 7 e 9. Para cálculo do gráfico considerou-se o valor de
DBOu (L0) igual a 350 mg/L, e o coeficiente da reação k1 igual a 0,30 dia-1
. Estes valores são
típicos de esgotos domésticos.
Figura 3: Gráficos da DBO remanescente e DBO exercida.
A tabela 8 apresenta os valores calculados em função do tempo.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
0 5 10 15 20 25
Maté
ria O
rgân
ica
Tempo (dias)
Curvas de Oxidação da Matéria Orgânica
DBO exercida = yt = L0(1 - e -kt)
DBO remanescente = Lt = L0e-kt
DBOu = L0
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Tabela 8: Valores das concentrações de DBO remanescente (Lt) e DBO exercida (yt).
Tempo Lt yt Tempo Lt yt
0 350 0 - - -
1 259 91 11 13 337
2 192 158 12 10 340
3 142 208 13 7 343
4 105 245 14 5 345
5 78 272 15 4 346
6 58 292 16 3 347
7 43 307 17 2 348
8 32 318 18 2 348
9 24 326 19 1 349
10 17 333 20 1 349
b) Demanda Química de Oxigênio - DQO
Como a DBO, o teste da DQO é usado para medir a quantidade de matéria orgânica presente
em uma amostra de esgotos. No entanto, em vez de oxigênio dissolvido, um reagente químico
é utilizado para oxidação da matéria orgânica. A quantidade de reagente utilizada é convertida
em equivalentes de oxigênio dissolvido.
O agente oxidante utilizado no teste da DQO é o dicromato de potássio. (Agente oxidante é
aquele que é reduzido na reação química, isto é, ganha elétrons). O teste é realizado em meio
ácido em temperatura elevada. A Equação 10 representa a reação de oxidação da matéria
orgânica pelo dicromato de potássio. Observe-se que cada átomo de cromo ganha três
elétrons.
3
422
2
722 22
38)8( CrdNHcOH
cdaCOnHcdOCrdKNOHC cban
(Eq. 10)
2
c
3
b
6
a
3
n2d
(Eq. 11)
A conversão de unidades de dicromato para oxigênio é feita de acordo com a Equação 12:
2
2
2
2
2
72
2
2
72
2
722
72Omol
Omg000.32
Oeq4
Omol1x
OCr.eq
Oeq1x
OCrmol
OCr.eq6xOCrmolsd
(Eq. 12)
A concentração da DQO será sempre maior do que o valor da DBO uma vez que compostos
que não podem ser biodegradados por microrganismos são quimicamente oxidados pelo
dicromato de potássio. O teste da DQO é realizado em cerca de três horas, o que é uma grande
vantagem sobre o teste da DBO.
1.2.2.2. Matéria Inorgânica
Os principais constituintes inorgânicos presentes em esgotos domésticos são examinados a
seguir.
IPH 02058: Tratamento de Água e Esgoto, Capítulo 1 Prof. Gino Gehling
14
a) pH
O pH é uma medida da concentração de íons hidrogênio na água. A concentração pode variar
em ordens de magnitude, por isto foi introduzido o conceito de pH (Equação 13).
][log10 HpH (Eq. 13)
sendo [H+] a concentração de íons hidrogênio em mols/L.
O pH é uma medida crítica tanto em águas naturais como em tratamento de água e esgotos.
Processos biológicos de tratamento requerem faixa de valores de pH bastante restritos de
modo a possibilitar o metabolismo dos microrganismos envolvidos.
b) Nutrientes
Nutrientes são elementos essenciais ao crescimento de algas e organismos biológicos. Os dois
principais nutrientes são nitrogênio e fósforo. A presença em excesso destes nutrientes torna o
corpo d’água eutrófico, resultando no crescimento explosivo de algas. Este processo é
conhecido como floração. A conseqüência da floração é a liberação de gases e substâncias
tóxicas e a decomposição da matéria orgânica com o conseqüente consumo de OD. Estes
fenômenos podem resultar na morte maciça de peixes e outros organismos aquáticos. Por esta
razão, em algumas estações de tratamento de esgotos são requeridas a remoção de excessos de
nitrogênio e fósforo. Por outro lado, estes nutrientes devem estar presentes em quantidades
adequadas nas águas residuárias a serem tratadas uma vez que são incorporados ao material
celular dos microrganismos que realizam o tratamento dos esgotos.
c) Nitrogênio
O nitrogênio encontra-se nas formas orgânica (proteínas), amônia (NH3, NH4+), nitrito (NO2
-),
e nitrato (NO3-).
A amônia encontra-se como íon amônio (NH4+), ou como amônia livre (NH3), dependendo do
pH. Ela é formada através da hidrólise (reação com água) da uréia presente na urina e através
da decomposição do nitrogênio orgânico das fezes por bactérias.
Amônia livre acima de 0,2 mg/L pode causar a morte de muitas espécies de peixes. Amônia é
oxidada por bactérias autotróficas a nitrito e nitrato (Equações 14 e 15). Bactérias autotróficas
utilizam carbono inorgânico (CO2) como fonte de carbono.
OHNOHO2
3NH 2223 (Eq. 14)
322 NOHO2
1NOH (Eq. 15)
A reação global é:
OHNOHO2NH 2323 (Eq. 16)
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15
3
2
3
2
NHNmg
Omg57,4
NHNmg000.14
Omg000.64
(Eq. 17)
Bactérias chamadas de Nitrosomonas oxidam amônia a nitrito; bactérias Nitrobacter oxidam
nitritos a nitratos. O processo de oxidação da amônia a nitratos é chamado de nitrificação.
d) Demanda Bioquímica de Oxigênio Nitrogenada
O processo de nitrificação, representado pelas Equações 14 a 16, mostra que há um consumo
de dois mols de oxigênio para cada mol de amônia oxidada. Este consumo ou demanda é
denominado de Demanda Bioquímica de Oxigênio Nitrogenada (DBON). A taxa de
crescimento dos organismos nitrificantes é lenta em relação às bactérias heterotróficas que
originam a Demanda Bioquímica de Oxigênio Carbonácea (DBO5, DBOu). Geralmente,
decorrem oito a dez dias para que as bactérias nitrificantes tenham atingido um número
significativo para exercer a demanda nitrogenada.
A concentração de nitrogênio na forma de amônia em esgotos domésticos varia entre 15 a 50
mg/L. De acordo com a Equação 17, a demanda nitrogenada de oxigênio em esgotos varia
entre 70 e 230 mg/L O2, respectivamente.
L
NHNmg6,68
L
NHNmg15
NHNmg
Omg57,4 33
3
2
8,8 x 10-4
mols e 2,94 x 10-4
mols de amônia,
A figura 4 apresenta um gráfico da DBO nitrogenada sobreposta a DBO carbonácea. O
gráfico foi traçado considerando uma constante de reação para a matéria nitrogenada igual a
0,185 dia-1
e demanda última de DBON igual a 100 mg/L. O início da DBON deu-se no
décimo dia.
Figura 4: DBO nitrogenada agregada à DBO carbonácea.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
0 5 10 15 20 25
Co
nc
en
tração
(m
g/L
)
Tempo (dias)
DBO Carbonácea e DBO Nitrogenada
DBON
DBO
100
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16
O nitrogênio presente como nitrato é a forma mais oxidada de nitrogênio encontrado em
esgotos (número de oxidação+V). Nitratos causam a doença chamada metahemoglobinemia
em bebês, conhecida também por Síndrome do Bebê Azul. Bactérias convertem nitrato
ingerido por água ou alimentos em nitritos no sistema digestivo de bebês. Nitrito combina-se
com hemoglobina, prevenindo-a de conduzir oxigênio às células dos tecidos. Esta condição
ocorre com bebês até seis meses de idade.
A figura 5 mostra a progressão temporal das formas de nitrogênio sob condições aeróbias.
Figura 5: Progressão das formas de nitrogênio em águas poluídas em
condições aeróbias (Fonte: Sawyer et al., 2003)
e) Fósforo
Tal como o nitrogênio, é um nutriente essencial. Sua concentração em efluentes deve ser
limitada quando os corpos d’água receptores apresentem potencial para tornarem-se
eutróficos.
Reflita: quais as características de um corpo receptor que o tornam vulnerável à
eutrofização?
O fósforo encontra-se presente em esgotos nas formas de ortofosfato, polifosfato e fosfato
orgânico. Ortofosfatos apresentam as seguintes fórmulas moleculares:
PO43-
, HPO42-
, H2PO4-, H3PO4
Os ortofosfatos são as formas de fósforo que são disponíveis para o metabolismo dos
microrganismos, sem haver necessidade de decomposição química. Polifosfatos são
compostos formados por dois ou mais átomos de fósforo ligados a átomos de oxigênio.
Polifosfatos sofrem hidrólise, revertendo-se a formas de ortofosfatos (p. ex., Equação 18). A
taxa desta reação, contudo, é muito lenta.
42272 2 HPONaOHONaP (Eq. 18)
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17
f) Oxigênio dissolvido
O oxigênio dissolvido é requerido para a respiração de organismos aeróbios na água. A
concentração de qualquer gás na água depende: (1) solubilidade na água, (2) pressão parcial
do gás na atmosfera, (3) temperatura e (4) pureza da água em relação a concentração de sais e
sólidos suspensos. A Lei de Henry expressa a concentração de equilíbrio de oxigênio que se
encontra dissolvido na água (Equação 19).
2O
equil
HP
Ck (Eq. 19)
Sendo: kH = constante de Henry para o gás oxigênio, [43,8 mg/Latm];
Cequil = concentração de equilíbrio oxigênio dissolvido na água, [mg/L];
PO2 = pressão parcial do gás oxigênio na atmosfera, [atm]
O oxigênio dissolvido será visto em maior profundidade no tópico auto-depuração de cursos
d’água.
g) Enxofre
O enxofre encontra-se presente em águas naturais e esgotos. É um elemento requerido para
síntese de proteínas e é liberado em suas decomposições. Em condições anaeróbias, o sulfato
é reduzido, por bactérias ao íon sulfeto, o qual se combina com hidrogênio para formar sulfeto
de hidrogênio (Equações 20 e 21). Este último composto é responsável pelo mau-cheiro por
vezes detectado em esgotos.
Matéria orgânica + 222bactéria2
4 COOHSSO (Eq. 20)
SHH2S 22 (Eq. 21)
A Equação 22 mostra a reação de redução quando o ácido lático for o composto orgânico
precursor. A reação resulta na formação de ácido acético.
22
2
3
2
43 222)(2 COOHSCOOHCHSOCOOHOHCHCH BACTÉRIA (Eq. 22)
Em redes de esgotos, o sulfeto de hidrogênio movimenta-se em direção ao espaço acima do
líquido (figura 6) onde pode ser oxidado biologicamente a ácido sulfúrico, que é corrosivo a
tubulações de concreto (Eq. 23).
4222 SOHO2SH (Eq. 23)
Figura 6: Reações de enxofre em canalizações de esgotos
H2S
O2
H2SO4
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18
O sulfeto de hidrogênio também é formado no processo de digestão anaeróbia de lodos,
deixando o digestor junto com os demais gases formados no processo (metano e gás carbono).
h) Outros constituintes inorgânicos
A presença de íons como sulfetos, cianetos e cromatos, e metais pesados são importantes
também na constituição dos esgotos. Os processos de tratamento de esgotos domésticos não
são dimensionados visando à remoção destes compostos em particular. Entretanto, alguns
compostos são removidos parcialmente, de modo indireto. Por exemplo, metais pesados
associados a sólidos são removidos em decantadores primários e secundários. Cianetos e
cromatos ocorrem em maiores concentrações em águas residuárias de certos processos
industriais como galvanoplastia.
1.2.3. Características Biológicas
Bactérias, fungos, algas, vírus, protozoários, e vermes estão presentes em esgotos sanitários.
Muitos destes organismos são patogênicos, causando doenças que afetam milhões de pessoas
no mundo.
A maior parte das doenças associadas a bactérias são diarréias e disenterias (gastroenterites).
As disenterias causam inflamação do sistema digestivo, com perda de sangue através das
fezes. Algumas doenças associadas a bactérias, vírus e protozoários são apresentados na
Tabela 9.
Uma doença de grande importância social no Brasil é a esquistossomose mansônica, causada
pelo helminto Schistosoma mansoni. Esta doença é endêmica em 19 estados do Brasil, com 26
milhões de habitantes sob risco (FUNASA, 2002). A esquistossomose causa fadiga, diarréias,
perda de peso, danos ao fígado, hipertensão e complicações pulmonares e cardíacas. O ciclo
de vida do esquistossoma inicia com a eliminação de ovos através das fezes e urina de uma
pessoa doente. Na água, os ovos rompem-se, originando larvas que penetram em caramujos
hospedeiros. Ao longo de um mês, as larvas desenvolvem-se em cercárias, cerca de 200 mil
por caramujo. As cercárias deixam os caramujos, nadando na água até morrerem ao final de
72 horas. Entretanto, se neste período houver contato entre as cercárias e o corpo humano,
elas penetrarão através da pele. As cercárias podem também entrar no corpo através da
ingestão de água contaminada. As cercárias passam à corrente sangüínea, sendo transportados
a diversos órgãos. As cercárias atingem o estado adulto e podem sobreviver por vários anos.
Ovos são depositados nos órgãos abdominais e paredes dos intestinos, formando abscessos.
Estes, ao romperem-se, liberam os ovos que são transmitidos pela urina e fezes, completando
o ciclo.
Monteiro Lobato, com seu personagem Jeca Tatú, contribuiu para a minimização dos casos de
esquistossomose mansônica no Brasil. Você quer conhecer o personagem?
http://www.miniweb.com.br/literatura/artigos/jeca_tatu_historia1.html
A revista que pode ser acessada pelo link acima foi distribuída sem custo para milhões de
brasileiros.
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19
Tabela 9: Algumas doenças associadas com a água.
Doença Agente causador Tipo de organismo
Disenteria amebiana Entamoeba histolitica Protozoário
Disenteria bacteriana Shigella a
Bacteria
Cólera Vibrio cholerae Bacteria
Criptosporidiose Cryptosporidium Protozoário
Leptospirose Leptospira Bactéria
Gastroenterite Escherichia coli, Campylobacter
jejuni, Salmonella
Bactéria
Giardíase Giardia lamblia Protozoário
Hepatite Hepatite A Vírus
Febre tifóide Salmonella typhi Bactéria
Gastroenterite viral Rotavírus, parvovírus,
enterovírus
Vírus
a Qualquer das 4 espécies: S. dysenteriae, S. flexneri, S. boydii, S. sonnei
Outros vermes causadores de doenças são Necator americanus e Ancylostoma duodenale
(ancilostomose), Ascaris lumbricóides (ascaridiose), Taenia saginata e Taenia solium
(teníase). Esta última pode causar até cegueira se atingir o cérebro. Doenças transmitidas por
mosquitos incluem Dengue e Febre Amarela, ambas transmitidas pelo mosquito Aedes
aegypti. A malária é a doença transmitida pelo mosquito Anopheles.
1.2.3.1.Organismos Indicadores
Organismos patogênicos são mais difíceis de detectar e isolar que outros que outros
organismos presentes em grande número nas fezes humanas e de animais de sangue quente.
Por esta razão, em análises microbiológicas de rotina em águas, medem-se organismos
indicadores associados a contaminação fecal e presença de organismos patogênicos. Os
microrganismos indicadores devem apresentar a seguintes características:
a) Os microrganismos devem originar-se dos tratos intestinais de humanos e animais
de sangue quente;
b) Os microrganismos devem ser identificados de maneira fácil, rápida e com
confiabilidade;
c) A análise deve ter custo relativamente baixo;
d) Os microrganismos indicadores devem sobreviver mais no ambiente natural que os
patogênicos;
e) Os indicadores devem ocorrer em número elevado;
f) Os indicadores não devem ser patogênicos.
A seguir, apresentam-se alguns organismos que são utilizados como indicadores de poluição
fecal e presença de organismos patogênicos.
Coliformes
Os intestinos humanos são habitados por um grupo de bactérias conhecidas como coliformes.
Cada indivíduo descarta entre 100 a 400 milhões de coliformes cada dia. Os organismos do
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20
grupo coliformes incluem gêneros e espécies de bactérias que apresentam propriedades
morfológicas e bioquímicas comuns. Historicamente, os organismos coliformes tem sido
usados como indicadores de contaminação fecal e presença de organismos patogênicos na
água.
(i) Coliformes totais
Em bacteriologia da água, coliformes totais são definidos como todos os organismos aeróbios
e anaeróbios facultativos, gram-negativos, não formadores de esporos, que podem fermentar a
lactose após um período de incubação entre 24 e 48 horas, a temperatura de 35,0 0,5°C. A
fermentação da lactose resulta na formação de gás no interior do tubo de fermentação. Lactose
é um tipo de açúcar normalmente somente encontrado no leite. Os coliformes apresentam
forma de bacilos. Alternativamente, os coliformes também podem ser medidos através de
formação de colônias características quando incubadas em meio apropriado. Os coliformes
totais incluem quatro gêneros da família Enterobacteriaceae: Escherichia, Citrobacter,
Enterobacter e Klebsiella. Destes, a espécie Escherichia coli é o de maior representatividade
de contaminação fecal. Assim, o desenvolvimento do teste para coliformes totais objetivou a
detecção desta espécie; entretanto, observou-se que uma variedade grande de outros
organismos aparecia no teste. Por exemplo, muitos coliformes do gênero Escherichia são
capazes de crescer em solos. Isto significa que a presença de coliformes não necessariamente
significa poluição de origem fecal. Isto motivou o desenvolvimento de testes para diferenciar
coliformes totais, coliformes fecais e Escherichia coli.
(ii) Coliformes fecais (termotolerantes)
Para determinar a presença de bactérias coliformes fecais, amostras tomadas dos testes
positivos de coliformes totais são inoculadas em meio de cultura apropriado e incubado a 44,5
0,2°C por 24 horas. A formação de gás no tubo inoculado representa um teste positivo para
coliformes fecais.
Coliformes fecais formam um sub-grupo dos coliformes totais, sendo um indicador mais
especifico de contaminação fecal. Aproximadamente 96% dos coliformes nas fezes humanas
são fecais; em animais de sangue quente, constituem 93% a 98%.
(iii) Escherichia coli
A principal bactéria do grupo de coliformes fecais é a Escherichia coli. Bactéria do grupo
coliforme que fermenta a lactose a temperatura de 44,5 0,2°C por 24 horas. Possui as
enzimas galactosidase e glucoronidase. Em um teste usado para quantificação destas
bactérias, a enzima glucoronidase reage com o substrato do teste, formando uma
fluorescência azul brilhosa que indica a presença de E. coli na amostra. É considerado pela
Portaria Nº 518, de 25 de março de 2004, que estabelece padrões de potabilidade da água para
consumo humano, como o mais específico indicador de contaminação fecal recente e da
eventual presença de organismos patogênicos.
Um terceiro grupo de organismos indicadores é formado por estreptococos fecais. Em fezes
humanas a relação coliformes de fecais para estreptococos fecais é maior do que 4; para
animais, esta relação é menor do que 1. Assim, a relação CF/EF pode indicar se a origem da
contaminação é humana ou de animais.
IPH 02058: Tratamento de Água e Esgoto, Capítulo 1 Prof. Gino Gehling
21
1.3. Composição dos Esgotos
Composição refere-se às concentrações dos diversos constituintes presentes nos esgotos. A
composição varia com as horas do dia, dias da semana e meses. O Quadro 3 apresenta as
concentrações de diversos constituintes de esgotos brutos, com graus de concentração
variando em fracos, médios e fortes, de acordo com o grau de diluição dos esgotos. A lista
refere-se a apenas alguns constituintes, não sendo exaustiva. A Tabela 10 apresenta
concentrações de microrganismos presentes em esgotos domésticos.
É interessante a observação simultânea da Tabela 10 e da Figura 1.
Tabela 10: Concentrações típicas de alguns constituintes em esgotos não tratados
(Fonte: Metcalf & Eddy, 1991).
Constituinte
Unidade
Concentração
PoA Fraco Médio Forte
Sólidos Totais (ST)
SDT
SDF
SDV
SST
SSF
SSV
mg/L 464 350 720 1200
mg/L 290 250 500 850
mg/L - 145 300 525
mg/L - 105 200 325
mg/L 174 100 220 350
mg/L - 20 55 75
mg/L - 80 165 275
Sól. Sedimentáveis mL/L 4 5 10 20
DBO5, 20C mg/L 284 110 220 400
DQO mg/L 442 250 500 1000
Nitrogênio Total
Orgânico
Amônia
Nitritos
Nitratos
mg/L 37 20 40 85
mg/L - 8 15 35
mg/L - 12 25 50
mg/L - 0 0 0
mg/L - 0 0 0
Fósforo Total
Orgânico
Inorgânico
mg/L 12 4 8 15
mg/L - 1 3 5
mg/L - 3 5 10
Graxas mg/L 48 50 100 150
Coliformes Totais n/100
mL
5,6 x 107 10
6–10
7 10
7–10
8 10
7–10
9
A concentração dos esgotos de Porto Alegre (PoA) são de DMAE (1973, 1983)
A Tabela 11 apresenta concentrações de microorganismos em esgotos domésticos não
tratados.
IPH 02058: Tratamento de Água e Esgoto, Capítulo 1 Prof. Gino Gehling
22
Tabela 11: Concentrações típicas de microrganismos encontrados em
esgotos domésticos não tratados (Fonte: Metcalf & Eddy, 2003).
Organismos Concentração
(número/mL)
Coliformes totais 107 – 10
9
Coliformes fecais a
106 – 10
8
Estreptococos fecais 104 – 10
7
Enterococos 104 – 10
5
Shigella 100 – 10
3
Salmonella 102 – 10
4
Pseudomonas aeroginosa 103 – 10
6
Clostridium perfringens 103 – 10
5
Cistos de Entamoeba 10-1
– 101
Cistos de Giardia 103 – 10
4
Cistos de Criptosporidium 101 – 10
3
Ovos de helmintos 101 – 10
3
Vírus entéricos 103 – 10
4
a Escherichia coli (enteropatogênico)
Referências Bibliográficas
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extendida e suas variações no tratamento do esgoto sanitário da cidade de Porto Alegre. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA, 7., 1973, Salvador.
DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTOS – DMAE. Tratamento de
esgotos domésticos: lodos ativados convencionais e precipitação química. Porto Alegre,
1983. 68 p.
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Disponívelem:<http://www.funasa.gov.br/guia_epi/htm/doenças/Esquistossomose/index.htm.
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JORDÃO, E. P.; PESSÔA, C. A. Tratamento de esgotos domésticos. 4. ed. Rio de Janeiro:
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2005.
METCALF & EDDY, INC. Wastewater engineering: treatment and reuse. 4rd
. ed. New
York: McGraw-Hill, 2003.
METCALF & EDDY, INC. Wastewater engineering: treatment, disposal, and reuse. 3rd
. ed.
New York: McGraw-Hill, 1991.
SAWYER, C. N.; McCARTY, P. L.; PARKIN, G. F. Chemistry for environmental
engineering. 5th
ed. New York: McGraw-Hill, 2003.
VON SPERLING, M. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias.
Introdução à Qualidade das Águas e ao Tratamento de Esgotos. Belo Horizonte:
Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais,
v. 1, 1996.