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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia
MARIANA CELA
O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família
NATAL
2014
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MARIANA CELA
O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família
Dissertação elaborada sob orientação da Prof. Dra. Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Natal 2014
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UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.
Catalogação da Publicação na Fonte.
Cela, Mariana.
O fazer do psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família / Mariana Cela. – Natal, RN, 2014.
129 f.
Orientador: Profª. Drª. Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
1. NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) – Dissertação. 2. Psicólogo – Prática profissional –
Dissertação. 3. Atenção básica em saúde – Dissertação. 4. Saúde pública – Dissertação. 5. Matriciamento – Dissertação. I. Oliveira, Isabel Maria Farias Fernandes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM CDU 159.9:614.39
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação "O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família", elaborada por Mariana Cela, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA
Natal, RN, 27 de janeiro 2014.
BANCA EXAMINADORA
Ana Alayde Werba Saldanha _________________________________ Cândida Maria Bezerra Dantas ________________________________ Isabel Fernandes de Oliveira _________________________________
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Para Neusa Glavina Cela,
Minha avó amada
Que estará sempre comigo.
In memoriam
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Agradecimentos
A Deus pela vida, e por me mostrar tantos motivos para ser grata. Agradeço,
sobretudo, aos belos encontros, que não poderiam ser obra do acaso.
À minha família, meu alicerce sem o qual eu não seria nada. Meus pais Cesar e
Vânia, que me deram uma vida de amor e me ensinaram a viver usando as próprias
vidas como exemplo, donos do meu amor incondicional. Às minhas irmãs Bia e Jéssica,
agradeço pela alegria de tê-las em minha vida, cuidado e amor que o tempo e a distância
jamais abalarão. Aos meus avós Olga, Marcílio e Neusa que sempre me ensinaram que
carinho nunca é demais! Exemplos de fé, amor, perseverança, caridade... exemplos de
vida que levo comigo por onde for.
Ao meu companheiro Fred, com quem compartilho meu amor e meus sonhos.
Agradeço por sua presença sublime em minha vida, por me acompanhar nessa aventura
que é viver, sempre com doçura e amor sincero. Agradeço por me levantar todas as
vezes que minhas pernas fraquejam, e por ter o poder de me fazer sorrir.
À Prof.ª Dra. Isabel Fernandes, por ter me doado tanto do seu tempo e do seu
carinho. Agradeço por ter compartilhado seu conhecimento comigo e por ter acolhido
minha ansiedade e angústia com tanto cuidado e sabedoria.
Às amigas com quem dividi as dores e delícias de fazer um mestrado, Ana
Cândida, Shênia, Suzany e Carol, que me deram as mãos e juntas resistimos com
bravura aos percalços deste caminho. E a todos os companheiros de turma que fizeram
as disciplinas mais leves e os seminários mais felizes, em especial Luciana, Alenuska e
Gorete que foram responsáveis por muitos dos meus sorrisos.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa Marxismo & Educação, companheiros de luta
e labuta. Em especial à Marília, Rafaela e Nívia que doaram bastante do seu tempo na
transcrição das entrevistas desta pesquisa, e Keyla Mafalda pelo incansável olhar atento
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nas revisões. E aos professores Dr. Oswaldo Yamamoto e Dra. Ilana Paiva, que nunca
deixaram faltar ternura na tarefa de transmitir conhecimento.
Aos amigos de toda a vida: Alana, Luis André, Aloma, Ramsés e Diogo,
presentes mesmo quando distantes, são em minha vida cumplicidade e amor.
A todos aqueles que com belas presenças, serviram de farol ajudando a me guiar
em meus caminhos. À Martha Traverso-Yépez, mestre e amiga, que me conduziu às
belezas e responsabilidades do mundo acadêmico; e à Doriana Setúbal que, com
sabedoria e amor, me levou pelas mãos numa viagem em busca de mim mesma.
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“Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais
trivial, na aparência singelo. E examinai,
sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos
expressamente: não aceiteis o que é de hábito como
coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de
arbitrariedade consciente, de humanidade
desumanizada, nada deve parecer natural nada
deve parecer impossível de mudar.”
BERTOLD BRECHT
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Resumo O Ministério da Saúde regulamentou em 2008 o Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF) como um dispositivo de suporte e complementaridade da Estratégia Saúde da
Família. O NASF, por meio do apoio matricial, potencializa as equipes Saúde da
Família frente à grande variedade de demandas e atividades que se encontram sob seu
encargo. Estruturam-se em equipes com profissionais de diversas especialidades da
saúde, dentre as quais se encontra a saúde mental. Em estudos preliminares, observou-se
que os psicólogos têm sido os principais representantes da saúde mental nos NASF
instalados no Rio Grande do Norte. Diante deste quadro, este estudo se propõe a
problematizar a prática profissional dos psicólogos que atuam em equipes NASF no
RN, no que se refere aos modelos de atuação empregados, discutindo-as sob a ótica
proposta pela saúde coletiva e pelos direcionamentos do SUS para a atenção básica.
Objetiva-se ainda, de maneira mais específica: identificar as formas de inserção
profissional do psicólogo neste campo; caracterizar o trabalho exercido pelo psicólogo
no NASF (atividades desenvolvidas); e produzir uma análise das características e
limites dessa ação, a partir das referências teórico-metodológicas fundadas na ontologia
marxiana. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com psicólogos que atuam nas
equipes NASF mais antigas do RN. Realizou-se a análise do material seguindo os
blocos de informação: determinantes da entrada no psicólogo nos serviços; formação
para a prática atual; funcionamento do NASF; atividades realizadas pela equipe NASF e
pelo psicólogo; articulação de ações; e limites da atuação do psicólogo no NASF.
Destaca-se nos resultados obtidos a pouca articulação do trabalho do psicólogo com
outros profissionais e equipes, indicando ainda a prevalência do modelo clínico
tradicional (individual e ambulatorial) como orientação da sua atuação em detrimento
da lógica matricial que é fundamento da proposta de ação do NASF. Ressalta-se ainda o
potencial da ação dos psicólogos no NASF, em contribuir para a realização do cuidado
integral.
Palavras-Chave: NASF; atuação do psicólogo; atenção básica em saúde; saúde pública;
matriciamento.
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Abstract
The Brazilian Ministry of Health regulated in 2008 the Family Health Support Nucleus
(FHSN) as a device for support and complementarity to the Family Health Strategy. The
FHSN, through the matrix support, potentiates the Family Health teams on dealing with
a great variety of demands and activities that are under their responsibilities. It is
structured in teams of professionals from various health specialties, among which is the
mental health. In preliminary studies we noticed that the psychologists have been the
main representatives of mental health professionals at the FHSN from Rio Grande do
Norte (RN-Brazil). On this scenario, this study intends to problematize the professional
practice of the psychologists who work at the FHSN teams in RN, regarding how their
work is done, discussing it under the perspective of collective health and the directions
for the basic health care on Brazilian’s health system. Still as a goal, in more specific
ways: identify the forms of professional insertion of the psychologists in this field;
characterize the work done by the psychologist at the FHSN (developed activities); and
produce an analysis of the characteristics and limits of those actions, from theoretical
and methodological references based on Marxian ontology. Were performed
semistructured interviews with psychologists working in the oldest FHSN teams form
RN. We conducted the analysis of the material following the blocks of information:
determinants of the psychologist entry at the services, training for current practice;
operation of FHSN; activities performed by FHSN team and the psychologist; joint
actions; and limits of psychology practice in the FHSN. An important result, we
observed the little articulation of practicing between the psychology and other
professionals and teams, further indicating the prevalence of the traditional medical
model (individual and outpatient) as guidance of their performance instead of the matrix
logic that is the foundation of the proposed action for the FHSN. We also emphasize the
potential of psychologists’ actions at the FHSN on contributing to the achievement of
comprehensive care.
Keywords: family health support nucleus; psychologist practice; basic health care;
public health; matrix support
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Sumário
1. Introdução ..................................................................................................................... 11
2. SUS: Da concepção ao desenho atual ........................................................................... 14
2.1. Atenção Básica ........................................................................................................ 28
3. Núcleo de apoio à Saúde da Família ............................................................................. 35
4. Os caminhos da Psicologia no Brasil ............................................................................. 45
5. Procedimentos e Método .............................................................................................. 59
5.1. Campo e Participantes ............................................................................................ 62
5.2. Roteiro da Entrevista .............................................................................................. 63
5.3. Análise do material coletado .................................................................................. 63
6. Resultados e Análise ...................................................................................................... 65
6.1. Determinantes da entrada do psicólogo nos serviços............................................ 65
6.2. Formação para a prática atual ................................................................................ 66
6.3. Funcionamento do NASF ........................................................................................ 71
6.4. Atividades realizadas .............................................................................................. 73
6.4.1. Apoio Matricial ............................................................................................. 74
6.4.2. Acolhimento ................................................................................................. 77
6.4.3. Atendimento Ambulatorial – ação clínica direta.......................................... 79
6.4.4. Grupos informativos e terapêuticos............................................................. 83
6.4.5. Palestras ....................................................................................................... 87
6.4.6. Registro das atividades ................................................................................. 89
6.4.7. Visitas domiciliares ....................................................................................... 92
6.4.8. Capacitação .................................................................................................. 95
6.4.9. Mapeamento ................................................................................................ 97
6.5. Ações de articulação na rede de saúde e intersetoriais ....................................... 100
6.5.1. Articulação da equipe NASF ....................................................................... 100
6.5.2. Articulação entre ENASF e equipe SF ......................................................... 103
6.5.3. Articulação do NASF com outros dispositivos ............................................ 107
6.6. Desafios e limites da atuação do psicólogo no NASF ........................................... 109
Considerações Finais................................................................................................. 114
Referências .............................................................................................................. 120
Anexo ...................................................................................................................... 127
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Introdução
O presente estudo tem como objetivo problematizar a prática profissional dos
psicólogos que atuam em equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) no
Rio Grande do Norte, no que se refere aos modelos de atuação empregados, discutindo-
as sob a ótica proposta pela saúde coletiva e pelos direcionamentos do SUS para a
atenção básica. Além deste objetivo central, visou-se identificar as formas de inserção
profissional do psicólogo neste campo, caracterizar o trabalho exercido pelo psicólogo
no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir
uma análise das características e limites dessa ação.
O estudo foi desenvolvido em três etapas: a primeira delas foi a organização de
dados sobre os NASF do Rio Grande do Norte e os profissionais de psicologia que neles
atuam, com esses dados foram elaborados os delineamentos metodológicos, como a
escolha dos participantes que se caracterizam por serem psicólogos que atuam nas
equipes NASF mais antigas do RN (estabelecidas no ano de 2008); na segunda etapa da
pesquisa se deu a coleta de dados por meio de entrevistas semi-estruturadas realizadas
individualmente com os participantes, gravadas, transcritas e organizadas no software
QDA miner; na terceira etapa o material organizado foi analisado a partir das
referências teórico-metodológicas fundadas na ontologia marxiana.
A análise dos dados desta pesquisa toma como referência o construto teórico
desenvolvido ao longo dos três primeiros capítulos desta dissertação. No primeiro
capítulo buscamos retomar historicamente a formação e construção do Sistema Único
de Saúde como um percurso não linear, buscando abarcar alguns dos diversos conflitos
e divergências que compuseram o embate de forças políticas e sociais e seus reflexos no
desenho atual do SUS.
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No segundo capítulo focalizamos o Núcleo de Apoio à Saúde da Família com o
intuito de explanar seu surgimento, funcionamento e seu papel dentro da rede de
atenção. O NASF é um dispositivo da Atenção Básica em saúde que surge para
complementar e qualificar a Estratégia Saúde da Família, atuando prioritariamente no
apoio matricial às equipes Saúde da Família. Em uma composição multiprofissional
integrada, a equipe NASF se organiza em nove áreas estratégicas, dentre elas está a
saúde mental, para atender a esta organização é recomendado que cada equipe conte
com pelo menos um profissional de saúde mental, podendo este ser médico psiquiatra,
terapeuta ocupacional ou psicólogo.
Este estudo tem como foco a atuação do psicólogo no NASF, para possibilitar
uma análise de sua atuação é preciso compreender como a Psicologia se estabelece
historicamente no Brasil. No terceiro capítulo, portanto, tratamos sobre o
desenvolvimento da Psicologia no Brasil, como tradicionalmente a profissão se desenha
e sua aproximação com o campo do bem-estar social, mais especificamente da saúde
pública.
O SUS traz, em sua política, uma proposta inovadora de mudança do paradigma
de saúde para a sociedade brasileira. Este novo paradigma deve fazer-se presente no
cotidiano dos serviços de saúde, nas práticas realizadas nos mesmos pelos profissionais
que lá atuam e exercem um importante papel na consolidação de um novo modelo
descentralizado, equânime, integral e participativo. Os psicólogos, como trabalhadores
da saúde inseridos no contexto da saúde pública brasileira, devem atuar em consonância
com tais princípios, atuando de maneira ativa política e socialmente.
O NASF, por ser um dispositivo da Atenção Básica que surge como mais uma
estratégia reorganizativa do Sistema, abre-se como um campo de luta para a
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consolidação do SUS e seus princípios norteadores, e no Rio Grande do Norte se
caracteriza como o lócus de inserção da Psicologia no SUS. Criado em 2008, tendo tido
sua primeira equipe instalada no RN em junho do mesmo ano, o NASF é um serviço de
recente implantação no estado. Em 2009 o Rio Grande do Norte contava com 20
equipes NASF distribuídas em 16 municípios, passando em maio de 2012 para 55
equipes alocadas em 45 municípios do estado. Apesar da crescente presença do NASF
na rede de atenção à saúde, não há ainda um número significativo de estudos que
caracterizem esta consolidação.
Em levantamento preliminar realizado pela autora baseando-se nos bancos de
dados oficiais do SUS, foi observada a prevalência marcante do psicólogo como o
profissional de saúde mental nos NASF do Rio Grande do Norte. Dentre estes, há ainda
a predominância dos psicólogos cadastrados como clínicos, o que levanta
questionamentos acerca do modelo de atuação que a psicologia vem concretizando neste
novo campo. Conhecer a atuação do profissional de psicologia no NASF poderá
contribuir para a discussão acerca da Psicologia enquanto ciência e profissão, assim
como gerar importantes conhecimentos que auxiliem na capacitação de profissionais do
SUS, e na consolidação do NASF dentro dos princípios do novo paradigma de saúde
proposto.
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2. SUS: da concepção ao desenho atual
Falar sobre a saúde pública brasileira é trilhar um caminho de inúmeras e
complexas relações, é arriscar-se na escolha de um recorte didático que pode, de
maneira indesejada, conduzir o leitor a uma visão simplista de uma rica construção
histórica engendrada por determinações políticas e relações sociais. Falar sobre a saúde
brasileira é despertar um desejo militante de concretizar os avanços e denunciar os
retrocessos deste tumultuado processo de construção e consolidação do nosso sistema
de saúde. Diante dos riscos, do simplismo à militância, busca-se aqui reconstruir um
percurso histórico que seja simples, por não ir às profundas raízes de muitos dos seus
marcos, porém não isento de uma leitura crítica de seus determinantes.
A atenção à saúde no Brasil se transforma acompanhando as mudanças políticas,
econômicas e sociais que o país vivenciou ao longo de sua história. Grandes avanços e
conquistas na área da saúde pública se construíram neste percurso, assim como entraves
no seu desenvolvimento tornaram-se marcas que ainda hoje se perpetuam no Sistema
Único de Saúde (SUS).
No percurso histórico da saúde brasileira, da primeira república à proposta
inovadora do SUS, vimos ora o investimento em ações higienistas de natureza
regulatória, ora a focalização em ações de assistência de cunho individualizante e
privatizador. No período que antecede a formulação do SUS, com a estratégia de
reorganização econômica do governo civil militar, viu-se a expansão da indústria
farmacêutica e do sistema hospitalar privado. Esse crescimento foi estimulado por
subsídios de políticas do regime militar, por meio de isenção fiscal ou financiamentos
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diretos. Assim, ocorreu um acelerado processo de mercantilização da saúde, de forma
que na década de 1980 o sistema público de saúde contava prioritariamente com
instalações dos hospitais privados para realizar procedimentos de maior complexidade.
Somou-se aos estímulos diretos ao sistema privado de saúde, a restrição do acesso aos
serviços públicos de saúde àqueles que, na condição de trabalhadores, contribuíam para
os órgãos de previdência social. Grande parte da população estava fora do mercado de
trabalho formal, e desta forma, sem acesso aos benefícios e direitos vinculados ao
sistema previdenciário (Arretche, 2005; Escorel, Nascimento & Edler, 2005).
Denúncias sobre as precárias condições de saúde da população brasileira
somaram-se aos movimentos internacionais que clamavam por reformas e melhorias na
atenção à saúde, considerando-a como direto humano fundamental. Neste cenário
internacional, ocorre em 1978 a Conferência Internacional Sobre Cuidados de Saúde
Primários que convocou (por meio da Declaração de Alma Ata) a ação imediata por
parte de todos os governos, dos que trabalhavam nas áreas da saúde e do
desenvolvimento, e da comunidade em geral a assegurar os cuidados primários de saúde
como uma meta social mundial. A Declaração de Alma Ata trouxe a promoção e
proteção da saúde como essencial para o desenvolvimento econômico e social de todos
os países, e colocou os cuidados primários de saúde como estratégia central para, tendo
em vista os problemas de saúde que abatiam as comunidades, proporcionar serviços de
prevenção, cura e reabilitação de qualidade (Ministério da Saúde, 2002).
O ponto de recorte dessa reconstrução data dos anos 1980, ainda no processo de
consolidação democrática, momento em que criou forças no Brasil um movimento em
prol da reforma sanitária. Esse movimento se originou no país ainda no final da década
de 1960 em combate ao regime autoritário, num cenário de contradições e crises
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(Pereira, 1996). Fazendo eco às discussões que aconteciam no cenário internacional,
articulados ao redor de uma proposta de renovação da saúde brasileira, o projeto foi
gestado a partir de um conjunto de práticas que deveriam se concretizar no nível da
teoria, com a proposta de construção de novos saberes; da ideologia, ao transformar a
consciência da população; e da política, transformando as relações sociais.
As propostas de tal movimento se voltaram para uma grande reforma da saúde,
com bases em princípios redistributivos. Propôs o alargamento do acesso à saúde por
meio da universalização, a ampliação dos programas voltados à prevenção e atenção
básica, a diminuição da dependência da saúde pública dos provedores privados de
serviços de saúde, e a descentralização como estratégia de enfraquecimento do poder
privado sobre as esferas decisórias da política pública (Arretche, 2005).
Visando a concretização de tal projeto, uma importante linha tática adotada foi a
ocupação dos espaços institucionais, com a entrada de atores sociais comprometidos
com o movimento sanitário nas arenas de poder decisório do Estado. Tal estratégia foi
possibilitada devido ao grande déficit da Previdência Social no qual se encerra a década
de 1970, de forma que se fez urgente a necessidade de reformar o sistema de prestação
de serviços públicos. Assim, abriu-se espaço nos três níveis de governo para que se
concretizasse uma reforma da saúde vinda de dentro do aparelho estatal. Essa ocupação
estratégica do campo da burocracia executiva fez da transição democrática um grande
catalisador do movimento que viabilizou as reformas na saúde brasileira (Arretche,
2005; Pereira, 1996).
A crescente participação política do movimento sanitário fez com que este
deixasse de ser referência apenas dos setores sociais excluídos pelo sistema, havendo o
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reconhecimento da diversidade de interesses e projetos que estavam em disputa na
sociedade (Ministério da Saúde, 2006a).
A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, foi um
momento de inflexão do movimento sanitário, com duração de três dias, contando com
135 grupos de trabalho e a participação de mais de 4.000 pessoas (VIII Conferência
Nacional de Saúde – CNS, 1986). Houve marcante representatividade dos usuários e
nenhuma participação do setor privado. O setor privado não se mobilizou para a
ocupação de espaços institucionais no período por imaginar que suas relações
clientelistas com a burocracia previdenciária manteriam seu espaço e benefícios
inalterados. O esvaziamento do setor privado na VIII CNS se deu sob as alegações deste
setor de que as decisões da Conferência já estavam definidas antes mesmo da sua
realização. A ausência do setor privados, que se posicionava contra a unificação do
Sistema de Saúde, possibilitou que na VIII CNS ocorresse a síntese de propostas que se
coadunavam entre si, sendo um momento de legitimação das mesmas e de construção
teórica (Pereira,1996).
As discussões da VIII Conferência foram marcadas pela fidelidade aos
conteúdos e definições tratados e, portanto, por um processo significativamente
participativo, democrático e representativo. Observa-se também o alto grau de consenso
e unidade no tocante aos encaminhamentos das principais questões levantadas, mesmo
contando com uma grande variedade de propostas para implantação daquilo que foi
decidido (Ministério da Saúde, 2006a).
Os principais temas enfocados no encontro foram: saúde como direito,
reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento Setorial. Dos debates
sobre a natureza do novo sistema proposto, se este deveria ser estatizado ou não e como
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ocorreria esta migração, definiu-se enfaticamente que a participação do setor privado
teria caráter complementar e submisso às condições e concessões do serviço público,
como fica claro no trecho que segue do Relatório da VIII CNS:
A questão que talvez mais tenha mobilizado os participantes e delegados foi a
natureza do novo Sistema Nacional de Saúde: se estatizado ou não, de forma
imediata ou progressiva. A proposta de estatização imediata foi recusada,
havendo consenso sobre a necessidade de fortalecimento e expansão do setor
público. Em qualquer situação, porém, ficou claro que a participação do setor
privado deve se dar sob o caráter de serviço público “concedido” e o contrato
regido sob as normas do Direito Público (VIII Conferência Nacional de Saúde –
CNS, 1986).
Outro importante ponto discutido na VIII Conferência foi a separação do setor
da saúde e da previdência social. Em 1966, os Institutos de Aposentadorias e Pensões
foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), sendo
concentrado nele (e em sua única agência federal, o Instituto Nacional de Assistência
Médica e Previdência Social – Inamps) toda a contribuição previdenciária nacional
(Escorel, Nascimento & Edler, 2005). Tal centralização de recursos e poder decisório
possibilitou ao Inamps definir as prioridades das políticas de saúde, assim como
suprimir propostas de cunho descentralizador e universalista para o campo. Diante disto,
a 8ª CNS propôs a retração paulatina do setor da previdência que relocaria os recursos
gastos com o Inamps para um novo órgão, voltado exclusivamente para as ações de
seguridade social (aposentadorias, pensões e outros benefícios). Na mesma medida,
novas fontes orçamentárias à saúde (novos ou redirecionados impostos) se
formalizariam e aumentariam, possibilitando a independência do setor.
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A discussão fundamental que permeou todas as propostas de reformulação do
sistema de saúde, e a própria concepção da reforma sanitária, tratou da necessidade de
se pensar mudanças que vão além de reformas administrativas e financeiras,
reconhecendo a necessidade de intervenções estruturais. A base para essas mudanças foi
a ampliação do conceito de saúde e a consequente reestruturação das ações em
concordância com essa nova e mais abrangente compreensão.
Uma vertente contemporânea, latino-americana, de transformação no modo de
pensar e fazer saúde ocorreu concomitantemente ao movimento sanitário brasileiro. A
Saúde Coletiva traz em si uma proposta de superação da ótica biologicista, médico-
centrada, curativa e medicalizadora que era hegemônica no entendimento do cuidado à
saúde até então. Na tentativa de suplantar um modelo de atenção residual em que a vida
social e os processos históricos são naturalizados, logo subestimados no processo de
cuidado, a Saúde Coletiva enfoca as necessidades sociais da saúde, com a dimensão
sócio-política do cuidado, na qual se busca uma transformação na prática do cuidado à
saúde visando a construção e o fortalecimento da autonomia dos sujeitos (Cruz, 2009;
Paim & Almeida Filho, 1998).
Esta mudança de perspectiva faz com que o conceito de saúde saia da seara do
abstrato para um constructo concreto determinado em um contexto histórico, sendo
resultante de condições sociais diversas, como alimentação, habitação, renda, trabalho,
lazer e posse de terra (VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS, 1987). Passa-se a
atentar para a relação da saúde com as formas de organização social da produção, e as
desigualdades geradas por ela. Abarcando aspectos sociais, a saúde deixa de ser vista
como uma responsabilidade individual pertencente ao campo do biológico, opondo-se
assim ao modelo biomédico tradicional (Minayo, 1986; Traverso-Yépez, 2008).
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Paralela e conjuntamente ao movimento sanitário, ocorre na sociedade brasileira
o desgaste do regime civil-militar, a instauração de um governo civil em 1985 com a
eleição indireta de Tancredo Neves e a instauração de uma Assembléia Constituinte em
1986. Em 1988 é promulgada a oitava Constituição Federal do Brasil, que se configura
como liberal, democrática e universalista (Ministério da Saúde, 2006a).
Conhecida como Constituição Cidadã, nela vê-se incorporado o novo conceito
de saúde e os princípios propostos na 8ª CNS para a organização de um novo sistema de
saúde nacional. Na Carta Magna de 1988, alguns monopólios estatais foram preservados
(por exemplo: o petróleo, as comunicações e os portos), deu-se destaque aos direitos das
mulheres, crianças e minorias, e foi assegurada a coexistência de políticas estatais com
políticas de mercado (Ministério da Saúde, 2006a).
Com uma longa trajetória de construção, o Sistema Único de Saúde (SUS) teve
suas bases legais referendadas na Constituição de 1988 e em 1990, com a Lei n. 8.080,
que define e regulamenta a implantação e operacionalização do SUS:
Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e
indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único
de Saúde - SUS (Lei n.8.080, 1990).
Tem-se no nosso ordenamento jurídico e social o princípio da proibição de
retrocesso social, considerado uma norma adstrita à constituição, cuja função está em
impedir que sejam criados institutos tendentes a vulnerar as conquistas da sociedade no
tocante aos direitos humanos e fundamentais constantes na Constituição. Pode-se
afirmar, então, que a proibição de retrocesso social é princípio acionado para proteger a
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eficácia de todo bloco constitucional de direitos sociais e fundamentais, na promoção,
inclusive, do direito à saúde. Este é assim considerado cláusula pétrea de nossa
Constituição, norma intocável, que não pode ser eliminada (Netto, 2010).
Constitucionalizar o SUS implica, então, oficializar a reforma, dificultando qualquer
tentativa de reverter o que foi definido para o SUS, inibindo a margem de ação de
opositores (Arretche, 2005).
Dentre as definições do artigo 5º da Lei n. 8.080 (1990), sobre os objetivos do
Sistema Único de Saúde, tem-se que o mesmo deve prestar a assistência à população
através de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, preservando a
integração destas ações. Em concordância com o previsto na Constituição Federal, o
artigo 7º da Lei n. 8.080 determina que as ações desenvolvidas no SUS devem,
necessariamente, estar de acordo com treze princípios norteadores, dentre eles: a
universalidade, que prevê acesso universal a todos os níveis de assistência à saúde,
concretizando o coro da VIII CNS que buscou o reconhecimento da saúde como direito
de todos e de responsabilidade do Estado; a equidade, que trata da garantia de igualdade
de condições de acesso ao que é de direito; a integralidade, que prevê a integração das
ações e redes de serviços nos diversos níveis de complexidade e entre estes, para desta
forma garantir o acesso e a continuidade da assistência dos usuários em todo o sistema
de saúde; trata ainda da abordagem integral do indivíduo e suas dimensões
biopsicossociais; a participação da comunidade, garantindo o controle social por meio,
prioritariamente, dos conselhos de saúde; e a descentralização político-administrativa do
sistema, com ênfase na municipalização, buscando regionalizar e hierarquizar a rede
(Ministério da Saúde, 2006b; VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS, 1986).
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Nascido do movimento sanitário, seguindo a lógica da Saúde Coletiva, o SUS se
configura na sociedade brasileira como uma reforma que vai além da reorganização
técnico-burocrática do campo, mas como um novo paradigma que modifica
radicalmente a compreensão de saúde, cuidado e doença em nossa sociedade. Mudanças
paradigmáticas não se concretizam em sua totalidade se ocorrerem apenas no nível de
formulação de novas práticas. Até os dias atuais, o novo paradigma carece de extensão
sobre as diversas camadas populacionais, o que dificulta (dentre outros obstáculos) a
consolidação do SUS.
Enquanto há ainda uma compreensão do cuidado como procedimentos e técnicas
executados por um detentor de conhecimento com o objetivo único de rescindir os
sintomas e chegar à cura (Cruz, 2009), no modelo proposto para o SUS as ações de
saúde devem ocorrer de maneira integral. Isto significa uma mudança de foco da técnica
que visa à cura, para a compreensão integral do sujeito, criando um novo e importante
lugar para o diálogo, a troca de saber entre profissionais e usuários (Braga, 2006).
Assim, a integralidade deve ser não só um princípio norteador das práticas em saúde,
mas de toda a organização da rede de atendimento e das políticas públicas.
No intento de alcançar a articulação necessária das ações de saúde para garantir
a integralidade da atenção, o sistema foi organizado em três níveis que atendem a
diferentes complexidades, que se comunicando entre si, seguem a lógica do novo
paradigma organizando os serviços e as ações em função das necessidades da
população. Tais níveis são:
• Atenção Básica, sendo este o primeiro nível de atenção e
constitui a porta de entrada preferencial dos usuários para o Sistema
Único de Saúde, desta forma é o nível de atenção que mais
23
proximamente se relaciona com a realidade social dos usuários do
sistema, tornando-se peça fundamental para a reorganização estratégica
do modelo de atenção;
• Média Complexidade, que se propõe a atender aos
problemas de saúde da população que demandem a intervenção de
profissionais especializados, assim como a aplicação de recursos
tecnológicos; e
• Alta Complexidade, que desenvolve procedimentos
diagnósticos e tratamentos que requerem alta tecnologia e alto custo
(Heimann & Mendonça, 2005; Ministério da Saúde, 2005a).
Considerando a integração dos níveis de atenção, ainda são previstas no Art.6º
da Lei n. 8.080 como ações de responsabilidade do sistema de saúde: Vigilância
sanitária, sendo esta um conjunto e ações que visem à diminuição e eliminação de riscos
à saúde, assim como intervenções em problemas sanitários que decorram do ambiente, e
da produção e circulação de bens; vigilância epidemiológica, que são ações que
proporcionam a prevenção, detecção e conhecimento das mudanças nos determinantes
da saúde; saúde do trabalhador, através da vigilância sanitária e epidemiológica, volta-
se à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores; e; assistência terapêutica integral,
incluindo a assistência farmacêutica.
Todas as ações desenvolvidas no SUS estão de acordo com seus princípios
norteadores e pautadas na concepção ampliada de saúde; dentro desta perspectiva
compreende-se que fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, psicológicos e
comportamentais afetam diretamente os processos de saúde-doença que atingem a
população. Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS - como é denominado este
24
conjunto de fatores) têm sido objeto de diversos estudos que visam, por meio da
identificação dos mecanismos de produção de iniquidades e da forma como a
estratificações econômica e social atingem a saúde da população, possibilitar e
aprofundar uma atuação efetiva do sistema de saúde (Buss & Pellegrini Filho, 2007).
Ao considerar a atuação sobre os DSS fundamental para a realização da atenção
integral ao usuário do sistema, o desenvolvimento de ações em rede intersetorial é cabal
para a concretização da integralidade do cuidado no SUS. É importante aqui observar
os desafios que há em colocar em prática esta compreensão de totalidade das políticas
por meio da intersetorialidade das ações de saúde.
É assunto recorrente nas Conferências Nacionais de Saúde o tema da
intersetorialidade na integração do cuidado à população, trazendo renda familiar,
emprego, habitação, segurança, saneamento, alimentação, educação, entre outros, como
fatores fundamentais para a garantia (ou ausência) de um cuidado à saúde equânime,
universal e integral (Ministério da Saúde, 2005b). De fato, como praticar um novo
paradigma em que a saúde e a doença são compreendidas em um processo social,
considerando o contexto, a comunidade, os limites e desigualdades deste meio, sem que
as forças que lutam por ele unam-se "à peleja pela distribuição de renda, por políticas de
recuperação de moradias e de espaços urbanos degradados, pela educação e segurança
pública"? (Campos, 2007a, p. 302). Ainda em processo de consolidar-se, o SUS
enfrenta em seus primeiros vinte anos de existência os limites e obstáculos impostos
pelo modelo socioeconômico neoliberal1 adotado no país.
1 A busca pela diminuição do papel do Estado por meio da reformatação do mesmo com foco nas
privatizações e o desprezo pelos avanços conquistados na Constituição de 1988 (em especial nos setores de seguridade social), promoveu a entrega de grande parte do patrimônio público ao capital estrangeiro. Como consequência desta nova estratégia tem-se o aumento dos níveis de desemprego no país e o agravamento geral das sequelas da “Questão Social” (Behring & Boschetti, 2011).
25
As necessidades e demandas das classes subalternas têm atenção apenas na
medida em que podem se apresentar como entraves ao objetivo maior do sistema, que é
a maximização dos lucros, se caracterizando assim com a chamada “Questão Social”.
Nesta lógica, as sequelas da “Questão Social” podem tornar-se objeto de intervenção do
Estado, quando ameaçam este objetivo, no passo em que se desdobram em expressões
que atingem diretamente o ciclo de reprodução do capital (expressões como a falta de
condições de saúde, a violência que atinge todas as classes, e a própria pressão exercida
pelas classes trabalhadoras e movimentos sociais por melhores condições de vida e
trabalho). Como estratégia de contenção das consequências da “Questão Social” surgem
as políticas sociais, que decorrem da necessidade de atender a uma conjuntura de
demandas dentro do embate de classes no sistema capitalista. Neste cenário encontram-
se as necessidades funcionais do capitalismo (como os processos de preservação e
controle da força de trabalho), as demandas e pressões da sociedade civil organizada, e a
busca do Estado por mecanismos de legitimação. Desta forma, a política social no
capitalismo é pluralizada, convertida necessariamente em políticas sociais, que tratem
das seqüelas da questão social de forma fragmentada, evitando assim de remeter-se
concretamente à relação capital-trabalho (Netto, 2001).
Esta forma como Estado lida com as expressões da questão social, por meio de
políticas sociais, pode parecer contraditória à programática liberal que tem sua lógica
individualista ameaçada pela consolidação de direitos sociais. No entanto, o que ocorre
é a sobreposição do caráter público do enfrentamento das sequelas da questão social e o
individualismo liberal com a incorporação da lógica meritocrática. Esse fenômeno é
nítido no funcionamento das políticas públicas de saúde que precederam o SUS,
fragmentada, particularista e subordinada à contribuição previdenciária. A proposição e
regulamentação do SUS decorrem da tentativa do estabelecimento de um tardio Welfare
26
State no Brasil, enquanto no cenário mundial avançava a agenda neoliberal
contrapondo-se ao Welfare State que se esgotava. No Brasil, com o Estado endividado
(diante da crise do milagre econômico) sendo incapaz de custear políticas universalistas
e sustentar o Estado de Bem-Estar Social, assumem o poder governos de direita que
trazem fortemente o ideário neoliberal para a agenda brasileira.
Apesar do acirramento das refrações da “Questão Social” no período de
reformas neoliberais, não há o investimento em políticas públicas sociais. O que
acontece é o estabelecimento de medidas provisórias e reformas constitucionais em
detrimento da promoção de arenas de debates acerca da formulação de políticas
públicas. Há ainda a refilantropização do trato das sequelas da “Questão Social” com o
Programa de Publicização, relegando o que seriam políticas sociais públicas à esfera da
solidariedade e voluntariado (Behring & Boschetti, 2011).
Neste cenário o SUS, como política pública, sofre para se erguer como
desenhado, e é mais uma comorbidade tal qual a falência dos sistemas educacionais, as
deformidades do sistema prisional, as deficiências da segurança pública, a miséria, a
violência e todos os males que de maneira virulenta nascem das entranhas de uma
sociedade regida pelo capital.
No caminho de sua consolidação, o SUS encontra inúmeros entraves, que se
unem à dificuldade de levar a sociedade a um novo paradigma, com toda a diversidade
de agendas, atores, e um paradigma dominante que preza pela fragmentação e visão
reducionista, totalmente opositora à integralidade desta nova proposta. Há problemas de
financiamento que surgem dos desacordos já na concepção do sistema, que constituem
desde o início um entrave a universalização, gerando um afastamento dos setores
médios da sociedade do setor público de saúde. Tal “privatização por afastamento”
27
(Pereira, 1996) nasce ainda no governo civil-militar, no qual os trabalhadores
organizados e a classe média nacional se viam insatisfeitos com os programas de
seguros públicos, passando a aderir aos (priorizados pelo governo) seguros de saúde
privados. Com o deslocamento destes grupos, sua atenção e interesses são desviados
dos projetos de reforma da saúde pública que já desenhavam as propostas de criação do
Sistema Único de Saúde (Arretche, 2005). Tal desinvestimento no setor público é ainda
reforçado no enxugamento dos gastos sociais por parte do governo quando este assume
a agenda neoliberal. Esta retirada dos grupos de renda média e organizações de
trabalhadores da luta pelo SUS tornou-se uma marca indelével desde a sua criação. A
fuga dos grupos sociais que possuem maior capacidade de vocalização, somando-se à
ausência da mídia (que se reserva a criticar as expressões fragmentadas das deficiências
do sistema), representa também o enfraquecimento dos movimentos de reivindicação
por qualidade e eficiência e consolidação do Sistema Único de Saúde (Campos, 2007b;
Pereira, 1996).
O momento atual é ainda de transição para o SUS, que obteve grandes avanços,
sendo reconhecido internacionalmente pelos ganhos no tratamento de vários problemas
de saúde, a exemplo do cuidado integral aos portadores de AIDS, por seus programas de
Imunização, entre outras conquistas que ganham destaque na atuação do SUS. No
entanto, preserva fortes traços de um modelo centralizado nas especialidades e
hospitais, desarticuladamente com “a outra ponta do sistema” que, na prática, finda por
se restringir a ações de vigilância sanitária. A permanência de tais características é um
grande obstáculo ao desenvolvimento positivo do SUS, já que configuram um modelo
de ação e cuidado que não condiz com as necessidades sociais de saúde da população
brasileira e, desta forma, vão de encontro a toda a proposta da reforma sanitária e da
Saúde Coletiva (Campos, 2007c).
28
Apesar dos desafios que se colocam à operacionalização de seus princípios
norteadores, vem se construindo historicamente estratégias e discussões que convirjam
para a consolidação do SUS. Nesta tentativa de reorganizar o sistema, somando ao
cuidado em saúde o ideal de igualdade e justiça social, a Atenção Básica deixa de ser
um nível de atenção que representa apenas baixos investimentos financeiros e torna-se
peça chave na reestruturação do cuidado em saúde. É sobre isso que trataremos a seguir.
2.1. Atenção Básica
O SUS adentra os paradigmas de direitos humanos e busca por igualdade social
(Peres, 2007), somando à meta central de otimizar a saúde da população o objetivo de
minimizar as disparidades entre os subgrupos populacionais. Para tanto2, os serviços de
Atenção Básica à Saúde têm sido priorizados na rede. Este enfoque apresenta uma visão
ampliada do contexto familiar e social do usuário, atuando junto ao meio pela melhoria
das condições de vida da população, assim como propiciando atenção continuada aos
mesmos (Starfield, 2002). Desta forma, além de apresentar, proporcionalmente,
menores custos ao SUS (embora exija uma ação intersetorial forte e constante), sendo
assim favorável à viabilidade do sistema, mostra-se mais eficaz na prevenção de
doenças e promoção de saúde de forma integral, atentando para os Determinantes
Sociais da Saúde.
A Política Nacional de Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2006c) caracteriza-
se por ações de saúde individuais e coletivas com o objetivo de proteger e promover a
saúde, prevenir agravos, promover diagnósticos, tratamentos, reabilitações e
manutenção da saúde da população. Cabe a este nível de atendimento resolver
problemas de saúde de maior frequência e relevância no território em que atua, assim 2 Desde 1996 de forma global com a Carta de Lubliana e mais recentemente com enfoque nacional no
Pacto pela Saúde de 22 de fevereiro de 2006.
29
como referenciar usuários que necessitem de atendimento mais especializado para os
demais níveis de atenção.
As ações e os serviços oferecidos pela atenção básica vão além da assistência
médica e têm como base as necessidades de determinada comunidade; para reconhecê-
las, é fundamental que se construa uma relação de proximidade e diálogo entre os
profissionais, com o território e com a população atendida. O diálogo surge como
instrumento fundamental de construção da atenção integral. Somente através de uma
relação dialógica de cuidado é possível avançar no novo paradigma que relaciona
finalidades e meios, a saúde ao mais amplo estado de bem estar social (Ayres, 2004;
Heimann & Mendonça, 2005).
Unindo-se a esse ideário, a Política Nacional de Humanização [PNH]
(Ministério da Saúde, 2004) lança uma nova visão sobre todo o sistema de saúde,
reforçando o afastamento da lógica anteriormente vigente e rompendo com a idéia
dicotômica de produtores e receptores de saber e saúde. A PNH estimula, assim, a
efetivação de práticas integradas, que criem um campo de produção coletiva de saberes,
negociação e gestão (Santos Filho, Barros, & Gomes, 2009). Dentre as estratégias e
diretrizes gerais presentes na PNH estão: a democratização da gestão dos serviços de
saúde, o protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de saúde, e a promoção de
intra e intersetorialidade na intenção de consolidar e ampliar a integralidade das ações
do sistema (Ministério da Saúde, 2004).
Para que a atenção à saúde ocorra de maneira integral há a necessidade da
promoção de práticas interdisciplinares, buscando a inter-relação entre áreas de
conhecimento, entre profissionais que atuam no sistema, e entre estes e a população
atendida. Tendo a integralidade como base norteadora, uma das diretrizes da PNH para
30
a atenção básica é a corresponsabilidade no trabalho em equipe e com a rede de apoio
profissional disponível no sistema (Böing & Crepaldi, 2012; Ministério da Saúde,
2004).
Com quase vinte anos de existência do SUS, diante de seus avanços notáveis e
dos entraves que se colocam para sua consolidação, sentiu-se a necessidade de
estabelecer um compromisso público dos gestores em prol do desenvolvimento e
fortalecimento do SUS. Em uma tentativa de suplantar as reformas incrementais
realizadas por gestores de maneira isolada, feitas com o objetivo de avançar sobre as
dificuldades de atuação, mas que acabam por tornarem-se conteúdos normativos e
técnicos que não têm alcance como normas gerais por todo o país. Com isso cria-se em
2006 a Portaria nº 399/GM de 22 de fevereiro (Ministério da Saúde, 2006d) define o
“Pacto pela saúde 2006 – Consolidação do SUS”, e suas diretrizes operacionais em três
linhas: Pacto Pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. No componente Pacto pela
Vida há o enfoque no combate e prevenção de doenças emergentes e endemias, na
diminuição da mortalidade infantil e materna, e em determinadas populações (saúde do
idoso, e câncer de colo de útero e de mama), e a afirmação da promoção da saúde e
atenção básica.
No tocante a promoção da saúde, o Pacto pela Vida propõe a elaboração e
implantação da Política Nacional de Promoção da Saúde, que é aprovada em março do
mesmo ano pela Portaria n º 687 (Ministério da Saúde, 2006e). Tal política recupera as
discussões do movimento sanitário, consolidadas na formulação do SUS,
compreendendo o processo saúde-doença como resultante do modo de organização da
produção, do trabalho e da sociedade como um todo contextualizado sócio
31
historicamente. Desta forma, entende que o aparato biomédico não é suficiente para
intervir nos determinantes do processo de adoecimento.
Diante disto, a promoção da saúde torna-se central para esta concepção de
cuidado ampliado, com a proposta de aumentar a abrangência das ações de produção de
saúde, tendo em vista atender às necessidades sociais em saúde da população. Para isso,
é necessário operar de maneira que se articulem as políticas e as tecnologias disponíveis
no sistema de saúde (Ministério da Saúde, 2006f).
Outra linha de operação do Pacto pela Vida é a consolidação da Atenção Básica,
fazendo da Estratégia Saúde da Família (ESF)3 seu principal mecanismo de
operacionalização, assim como um modelo ordenador de toda a rede de saúde do
sistema (Ministério da Saúde, 2006d). Tem como tática fundamental o estabelecimento
de vínculos de corresponsabilidade entre os profissionais que compõem suas equipes e a
população de usuários, indo de encontro ao modelo biomédico tradicional, médico-
centrado e curativo (Ministério da Saúde, 1997). Em um contexto de reformas
neoliberais (que marca fortemente a década de 1990), a ESF surge como mais uma
iniciativa de resgate das propostas da reforma sanitária, fazendo frente ao modelo
hegemônico de atenção que se centrava na doença e na assistência médica individual. A
implantação da ESF objetiva aprofundar a municipalização da rede de saúde, de
maneira a ampliar o acesso universal aos serviços e o atendimento integral aos sujeitos
(Heimann & Mendonça, 2005).
Mudando o foco da atenção individualista e biologicista, para a família e o
ambiente em que vivem os usuários, a Estratégia Saúde da Família se propõe a trabalhar
3 Primeiramente concebida como Programa Saúde da Família, torna-se Estratégia a partir de 1994, quando passa a ser considerado como estratégia de reorientação do modelo assistencial de todo o Sistema Único de Saúde
32
com o cuidado integral do sujeito reconhecendo a saúde como um direito dos cidadãos.
Ao eleger a família e seu espaço social como núcleo de sua abordagem, é facilitada a
identificação de riscos sociais e epidemiológicos, além do estreitamento das relações
dialógicas entre profissionais e comunidade. Desta forma, a ESF desenha bases sólidas
para que a Atenção Básica se erga como norteadora de todo o sistema se saúde
(Heimann & Mendonça, 2005).
A Atenção Básica tem entre suas funções realizar ações articuladas de
promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação; privilegiar o âmbito da
promoção de saúde; e executar mecanismos de referência entre os níveis mais elevados
de complexidade no sistema (mantendo a íntima articulação com vistas à integralidade
da atenção). Para tanto, a intersetorialidade, o trabalho em equipe, o diálogo como troca
de conhecimentos e o controle social (participação comunitária) devem ser estimulados
pelas práticas da Atenção Básica (Heimann &Mendonça, 2005).
A ESF se propõe a aplicar os princípios da Atenção Básica por meio de
atendimentos prestados nas Unidades Básicas de Saúde, no domicílio ou por meio da
mobilização da comunidade. Conta, para tanto, com equipes multiprofissionais
compostas essencialmente por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,
odontólogos, assistentes de odontologia e agentes comunitários de saúde. As equipes
buscam atender aos ideais de democracia e participação através de práticas gerenciais e
sanitárias dirigidas à população de territórios delimitados (Ministério da Saúde, 2005c;
Traverso-Yépez, Morais, & Cela, 2009).
Com a intenção de oferecer cobertura de atenção básica à população, a ESF se
pauta por ações de prevenção de doenças, assistência ambulatorial básica e generalista,
e ações estratégicas que se fundamentam nas especificidades epidemiológicas da área
33
atendida. Entretanto, tais práticas, baseadas no perfil epidemiológico da comunidade,
muitas vezes acabam por reproduzir o modelo preventivista4 na atuação em saúde. A
mudança efetiva no cuidado ofertado pela Atenção Básica somente ocorrerá quando
suas ações, mesmo que orientadas por perfis epidemiológicos, sejam fundamentadas na
determinação social da saúde e da doença, realizando ações intersetoriais que
rearticulem as diversas forças sociais para garantir a atenção integral à saúde dos
cidadãos como um direito que lhes cabe (Heimann & Mendonça, 2005).
Assim como na Política de Promoção de Saúde, a Estratégia Saúde da Família
traz em si a urgência de realizar intervenções nos Determinantes Sociais da Saúde,
buscando, por meio da atenção às famílias, atuar junto às relações intra e
extrafamiliares, nas quais tomam forma as lutas por melhores condições de vida
(Ministério da Saúde, 1997).
A ESF é a porta de entrada preferencial do SUS, oferecendo, além de ações de
promoção de saúde e prevenção de agravos, assistência médica ambulatorial básica por
profissionais em sua maioria generalistas. Heimann e Mendonça (2005) questionam: “É
possível superar o limite do pacote mínimo de ações e serviços do PSF (sic), quando se
chegar ao nível máximo de cobertura desejável pelo programa?” (p. 498). De fato, ainda
hoje, a cobertura da ESF não chega ao nível desejado, mesmo com os incentivos do
Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf) que duraram de
2003 a 2010 e ampliaram consideravelmente a expansão da estratégia. Na perspectiva
de consolidar uma atenção integral e de qualidade aos usuários a articulação com a rede
de serviços e níveis de atenção se faz fundamental. Nesta busca pela atenção integral,
4 A Medicina Preventivista (precursora das ideias de Saúde Coletiva na América Latina) atende a um ideal de normalização, incorporando a cultura higiênica e a organização liberal e médico-centrada no campo da saúde. Representa, assim, uma “simplificação do real” (Arouca, 2003, p. 178) por meio de um afastamento dos Determinantes Sociais de Saúde.
34
surge em 2008 o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que tem como
fundamento de sua atuação o apoio matricial, uma estratégia que visa um espaço de
construção coletiva de conhecimentos e práticas na saúde (Campos, 1999).
35
3. Núcleo de Apoio à Saúde da Família
A história das políticas públicas de saúde no Brasil é marcada pela lógica
reformista, na qual novas instituições surgem para remediar falhas no planejamento ou
execução do que fora anteriormente instituído. Esperava-se que o SUS, por meio dos
hospitais e centros de referência oferecesse às equipes de atenção básica o suporte
especializado de que necessitassem. No entanto, por falta de recursos técnicos e
materiais, as equipes de Saúde da Família não encontravam um caminho na rede que
lhes permitissem o acesso a este apoio. É nesta lógica, no momento em que a
deficiência supracitada atravanca o funcionamento da rede, que surge o Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF). Instituído pela Portaria n. 154/2008 do Ministério da
Saúde (2008a), o NASF é criado como um dispositivo que integra o desenho
assistencial do SUS, com o objetivo de “ampliar a abrangência e o escopo das ações da
atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção da estratégia de
Saúde da Família na rede de serviços” (Ministério da Saúde, 2008a, Art.1º).
Ainda de acordo com a Portaria que o regulamenta (Portaria n. 154/2008), o
NASF não deve se caracterizar como a porta de entrada do sistema, mas sim ter sua
atuação diretamente ligada ao apoio às Equipes Saúde da Família, atuando na
qualificação e complementaridade do trabalho das ESF.
A Portaria n. 2281/GM (Ministério da Saúde, 2009a), determina que os NASF
estejam classificados inicialmente em duas modalidades, tendo como critério de
implantação o número mínimo de equipes Saúde da Família as quais o NASF esteja
vinculado, sendo exigido (sob pena de suspensão do repasse para o município dos
incentivos financeiros referentes ao NASF) que o NASF1 esteja vinculado a, no
mínimo, seis equipes saúde da família, enquanto o NASF2 deve estar vinculado a, no
36
mínimo, duas equipes. Tendo em vista o critério de classificação, as equipes de NASF1
devem ser compostas por, no mínimo, cinco profissionais de nível superior dentre
determinadas ocupações (Médico Acupunturista, Assistente Social, Profissional da
Educação Física, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Médico Ginecologista,
Médico Homeopata, Nutricionista, Médico Pediatra, Psicólogo, Médico Psiquiatra e
Terapeuta Ocupacional); e o NASF2 deve contar com o mínimo de três profissionais de
nível superior dentre determinadas ocupações (Assistente Social, Profissional da
Educação Física, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Nutricionista, Psicólogo
e Terapeuta Ocupacional).
No intento de ser funcional à reestruturação do sistema de atenção
(fundamentando-se na nova concepção de saúde e cuidado do SUS, no enfoque em
prevenção de agravos e promoção de saúde da Atenção Básica, tendo ainda a clínica
ampliada e o apoio matricial como norteadores de seu funcionamento), o NASF se
organiza em nove áreas estratégicas que têm como pressupostos diversas políticas
nacionais (Ministério da Saúde, 2009b). Tais áreas estratégicas são: saúde da criança/ do
adolescente e do jovem; reabilitação/ saúde integral da pessoa idosa; alimentação e
nutrição; serviço social; saúde da mulher; assistência farmacêutica; atividade física/
práticas corporais; práticas integrativas e complementares; e saúde mental. Aqui,
destacamos a área de Saúde Mental, já que nesta se inserem os profissionais de
Psicologia (objetos desta investigação).
Em 2008, ano de criação do NASF, o credenciamento e a instalação do
dispositivo pelo Brasil se iniciou e teve constante e rápida expansão (principalmente no
Nordeste). No entanto, a Portaria que institui o NASF (Portaria n. 154/GM, 2008) não
descreveu as ações dos profissionais que comporiam o Núcleo. Assim, eles iniciaram
37
suas atuações no NASF sem orientação sobre sua função no dispositivo. Apenas em
2009, o Ministério da Saúde criou um caderno de diretrizes funcionais do NASF
(Ministério da Saúde, 2009b), que esclarece a posição do NASF na rede de atenção
básica e orienta a prática dos profissionais que compõem suas equipes.
Compõem a agenda de trabalho do NASF: a realização de atividades
pedagógicas, assistenciais diretas em caso de necessidade, ações realizadas no território
junto à equipe Saúde da Família, e disponibilidade para acesso direto pelos profissionais
da equipe de SF (Ministério da Saúde, 2009b). Assim, São atribuições da equipe NASF:
• identificar (junto com a equipe de SF e a comunidade)
atividades, ações e práticas a serem adotadas em cada território, assim
como o público prioritário de cada ação;
• atuar nas atividades desenvolvidas pela equipe Saúde da
Família; acolher os usuários que buscam os serviços; desenvolver ações
integradas a outras políticas sociais, tais quais a educação e a cultura;
• promover a participação dos usuários nos processos
decisórios, por meio dos Conselhos de Saúde e organizações
participativas;
• divulgar e avaliar as ações desenvolvidas;
• elaborar materiais educativos; e
• construir Projetos Terapêuticos Singulares (PTS)
juntamente com a equipe Saúde da Família, desenvolvendo a noção de
responsabilidade compartilhada (Ministério da Saúde, 2009b).
Como base para a atuação do NASF tem-se o Apoio Matricial que é a proposta
de um arranjo organizacional para o trabalho em saúde que visa diminuir a
38
fragmentação que se estabelece no campo da saúde. Operacionaliza-se através da
constituição de uma equipe de especialistas diversos que oferece retaguarda assistencial
e suporte técnico-pedagógico às equipes de referência, que no caso da atenção básica do
SUS é a equipe Saúde da Família (Campos, 1999; Campos & Domitti, 2007).
O conceito de Apoio Matricial vem diversificar e aprofundar as formas de
relacionamento dentro da hierarquia do sistema de saúde. O termo matriz surge do
conceito matemático que designa um conjunto de números que conservam uma relação
entre si quando alinhados de qualquer maneira (horizontal, vertical ou transversal).
Partindo deste conceito, se compreende a ideia de matricialidade em saúde como o
estabelecimento de relações não apenas verticais (como preconizado nos princípios
organizativos do SUS), mas também horizontais, se remetendo ainda à transversalidade
dos conhecimentos. Desta forma, o conceito de Apoio Matricial surge como uma
proposta de operar a relação entre equipe apoiadora, equipe de referência e a população,
de maneira dialógica, horizontal, integrando os conhecimentos e ações (Campos &
Domitti, 2007).
O principal recurso utilizado na relação entre equipe matricial e equipe de
referência no cuidado do usuário é a elaboração de um Projeto Terapêutico Singular
(PTS). O PTS é o processo de elaboração de uma hipótese diagnóstica e um plano de
tratamento e acompanhamento de um caso, que pode ser um indivíduo, uma família, um
grupo ou um território. É importante ressaltar que o Projeto é elaborado na troca de
saberes entre a equipe de apoio matricial e a de referência, sendo a última responsável
pelo acompanhamento do caso e aplicação do projeto (Ministério da Saúde, 2011).
Para a elaboração, aplicação e necessária reavaliação do PTS, há diversas ações
colaborativas entre as equipes, dentre elas: a interconsulta que pode ocorrer como uma
39
discussão de casos por parte ou por toda a equipe, consultas conjuntas e visitas
domiciliares conjuntas, de maneira a facilitar a troca de conhecimentos (sendo potente
no processo de educação permanente) e a visão integral do processo saúde-doença
(Ministério da Saúde, 2011).
O PTS é a articulação de propostas terapêuticas nascidas na discussão de casos
em um contexto multiprofissional (aqui se inclui a equipe NASF – apoiadora – e a
equipe Saúde da Família – referência), voltado para o cuidado de um indivíduo ou de
uma coletividade. Esta construção coletiva, que articula os diversos atores envolvidos
no caso, se faz fundamental para a efetivação do apoio matricial que é proposta central
de atuação do NASF (Ministério da Saúde, 2011).
Guiar-se pela lógica matricial, construindo relações de corresponsabilidade em
contraponto com as tradicionais relações verticalizadas (inter equipes, intra equipes e
entre equipes e usuários), possibilita superar velhos entraves nas relações de referência e
contra referência no Sistema, sendo um avanço em direção à integralidade do cuidado.
Quando um paciente se utiliza de um serviço matricial, ele nunca deixa de ser
cliente da equipe de referência. Neste sentido, não há encaminhamento, mas
desenhos de projetos terapêuticos que não são executados apenas pela equipe de
referência, mas por um conjunto mais amplo de trabalhadores. De qualquer
forma a responsabilidade principal pela condução do caso continua com a equipe
de referência. (Campos, 1999, p. 4)
Outro importante instrumento que vem corroborar com o novo paradigma
proposto à saúde pública brasileira, e embasar o funcionamento das equipes NASF, é a
chamada clínica ampliada. A clínica ampliada é uma diretriz de atuação para os
40
profissionais de saúde, fundada no diálogo entre os diversos saberes que compõe o
cuidado integral no processo de saúde e doença dos usuários. Desta forma, a atenção em
saúde se dá, necessariamente, na articulação entre os profissionais que compõe os
serviços de saúde, entre os dispositivos da rede de saúde e demais redes de atenção
sócio-assistencial, sem subestimar ou negligenciar o conhecimento da própria
comunidade atendida (Sundfeld, 2010).
Clínica Ampliada é um compromisso com o sujeito visto de modo singular, com
as implicações concretas do cotidiano, suas relações afetivas, seu trabalho,
aspectos culturais, entre outros. É o reconhecendo dos limites do conhecimento
técnico em saúde e a necessidade de construções interdisciplinares e
intersetoriais. (Ministério da Saúde, 2009b, p.73)
A clínica ampliada busca na compreensão multifatorial do processo saúde-
doença contrapor-se às práticas que fragmentam a atenção ao usuário, seja ao adotar a
ótica biologicista no cuidado ou mesmo privilegiar o âmbito psicológico ou social em
detrimento da visão integral do caso (Ministério da Saúde, 2009b; Ministério da Saúde,
2009c). Desta forma, constitui-se como mais um recurso das diretrizes de
funcionamento do NASF que visa tornar a prática dos profissionais de saúde mais
coerentes com o paradigma de cuidado proposto como fundamento do SUS.
As diretrizes da clinica ampliada acompanham também as mudanças no modelo
de atenção em saúde mental que busca a reinserção familiar, social e cultural dos
usuários ao compreender a produção de saúde como uma produção conjunta com o
sujeito. Assim os princípios comuns entre a Estratégia Saúde da Família e a rede de
atenção em Saúde Mental devem se articular para ofertar à comunidade o cuidado
41
integral com bases na corresponsabilidade, atuando a partir do contexto familiar e
comunitário, preservando a continuidade do cuidado e a organização articulada da rede.
A rede de cuidados em saúde mental se insere no nível básico de atenção à saúde
a partir das premissas da reforma psiquiátrica pautada na desinstitucionalização e
consolidação das bases territoriais do cuidado em saúde mental, considerando, assim,
que muitos problemas em saúde mental possam ser solucionados no nível básico de
assistência. Há ainda a ênfase no desenvolvimento de ações preventivas e que
promovam a saúde mental.
O trato a saúde mental no âmbito da atenção básica à saúde acompanha o SUS
desde os primórdios de sua elaboração. Nas décadas de 1970 e 1980, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) recomenda a descentralização dos serviços psiquiátricos,
havendo então a integração destes serviços em unidades de cuidados gerais, a
capacitação de profissionais não especializados, e o incentivo a participação da
comunidade (Nunes, Jucá, & Valentim, 2007). Estas idéias foram incorporadas pelo
movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira, que se molda à Reforma Sanitária em
curso no país naquelas décadas (mantendo seus princípios norteadores, como
universalidade, integralidade e participação popular), tendo no período de
redemocratização seu mais marcante momento de estruturação e expressão.
O Apoio Matricial em Saúde Mental entra no sistema de saúde na tentativa de
estabelecer relações transversais dentro do sistema por meio da oferta de retaguarda
especializada às equipes e aos profissionais dos níveis básicos de atenção para que
possam ofertar o atendimento devido à crescente demanda em saúde mental que chega
ao SUS. Até o ano de 2007 os direcionamentos referentes à saúde mental na atenção
básica previam a realização do Apoio Matricial por parte das equipes de saúde mental
42
dos Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), buscando oferecer o constante contato
matricial com as equipes saúde da família, capacitando-as para o atendimento às
demandas de “transtornos mentais leves ou moderados” (Ministério da Saúde, 2003,
p.2), assim como para diferenciar e encaminhar os casos que necessitavam de
atendimento nos níveis mais especializados.
Em pesquisa realizada em 2008 observou-se que diversos obstáculos se
colocavam diante da efetivação do Apoio Matricial nas equipes de saúde mental do
CAPS. A demanda excessiva sobre as equipes, a superlotação dos serviços e escassez
do quadro de funcionários, consequências de uma rede de atenção enfraquecida, são
apontados como principais entraves para a realização do matriciamento, acontecendo
um afastamento entre os CAPS e os serviços de Atenção Básica (Bezerra & Dimenstein,
2008).
Neste quadro (que se observava não só na área de saúde mental), considerando a
lógica reformista na qual se constroem historicamente as políticas de atenção à saúde no
Brasil, fez-se necessária a criação de uma interface entre estes níveis de atenção que
promovessem a integração da rede e a otimização do trabalho das equipes. Para tanto se
criou o NASF, como um dispositivo que tem o Apoio Matricial como fundamento de
sua atuação.
O NASF surge com a proposta de fortalecer a ESF, oferecendo apoio às equipes,
utilizando desde as estratégias de capacitação dos profissionais aos necessários
acompanhamentos de casos. A atuação prevista para a equipe de saúde mental, dos
NASF corresponde à identificação, acolhimento e atenção às demandas de saúde mental
que surgem no território inscrito, priorizando as situações de maior risco e
vulnerabilidade. Para tanto, realiza intervenções partindo do contexto familiar e
43
comunitário dos usuários, por meio de ações de prevenção, promoção, tratamento e
reabilitação psicossocial. Cabe também à equipe NASF garantir que haja a continuidade
do cuidado pelas equipes de Saúde da Família (Ministério da Saúde, 2009b).
A responsabilidade pelo cuidado em saúde mental dos usuários deve ser
compartilhada entre as equipes de Saúde da Família, o NASF e os dispositivos de saúde
mental presentes no território. Cabe à equipe SF a coordenação deste cuidado, e ao
NASF um papel fundamental na articulação entre os serviços da Atenção Básica e os
centros de cuidado mais especializados, como Centros de Atenção Psicossociais. Desta
forma o NASF caracteriza-se hoje como importante ponto de inserção da saúde mental
na atenção básica.
Segundo o Ministério da Saúde, “Tendo em vista a magnitude epidemiológica
dos transtornos mentais, recomenda-se que cada Núcleo de Apoio a Saúde da Família
conte com pelo menos 1 (um) profissional da área de saúde mental” (Portaria n.154/GM
de 2008) . No estado do Rio Grande do Norte, a preferência dos projetos submetidos
para credenciamento do NASF é daqueles cuja equipe conta com um psicólogo como
profissional de Saúde Mental5, por considerar-se que a presença deste profissional (ao
invés do profissional médico psiquiatra) tende a reforçar a integralidade do atendimento,
na direção de construir diálogos interdisciplinares na equipe.
Em levantamento realizado, até fevereiro de 2012, no Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde (disponível online em http://cnes.datasus.gov.br/),
constatou-se que o Rio Grande do Norte somava 48 equipes NASF, distribuídas por 39
municípios do estado. Do total, 40 tinham o psicólogo como profissional de saúde
mental.
5 Informações obtidas em coleta preliminar na Secretaria de Estado da Saúde Pública - SESAP
44
De acordo com a Portaria 409, de 23 de julho de 2008 (Ministério da Saúde,
2008b), os profissionais de Psicologia atuantes no NASF, em qualquer das modalidades,
devem ser cadastrados, seguindo duas classificações reguladas pelo Cadastro Brasileiro
de Ocupações (CBO): como Psicólogo Clínico ou Psicólogo Social. No caso do RN, a
notória prevalência de psicólogos clínicos provoca questionamentos acerca de como a
Psicologia vem desenvolvendo sua atuação neste novo campo que são as equipes
NASF.
45
4. Os caminhos da Psicologia no Brasil
Para conhecer a prática do psicólogo é fundamental entender como a Psicologia,
como ciência e profissão, se estabelece no Brasil ao longo dos anos. Ainda no final do
século XIX a Psicologia já era reconhecida como ciência na Europa e nos Estados
Unidos. As produções científicas realizadas nos países em que se desenvolvia,
chegaram ao Brasil e somaram-se à necessidade de desenvolvimento de novos
conhecimentos e modelos de ação que surgiam com as transformações em curso na
sociedade Brasileira.
Com a proclamação da República em 1889 dá-se início ao período conhecido
como Primeira República. Data daí o começo de um reordenamento das estruturas de
poder na sociedade brasileira. Ainda sob a hegemonia das oligarquias estaduais, começa
a figurar na sociedade o poder burguês e o ideário liberal (Fernandes, 1976). A
Psicologia no Brasil começa então a desenvolver-se vinculada a este projeto de
modernização da sociedade brasileira, tendo origem nas instituições educacionais e
médicas.
A aproximação da Psicologia com a Pedagogia é forte marca deste período para
a disciplina. No desenvolvimento sistemático das idéias escolanovistas, a Psicologia
traz os fundamentos para a compreensão do processo de desenvolvimento infantil,
buscando atender a um novo questionamento "que conhecimentos científicos são
necessários para desenvolver as crianças na direção desta sociedade moderna que
queremos?" (Bock, 1999, p.318).
Na busca por responder aos interesses da modernização na educação e na
indústria, inicia-se nos anos 1920 o movimento em defesa dos testes psicológicos no
46
Brasil (sob forte influência das produções internacionais, em especial norte-
americanas). Nesta lógica, começou-se a produzir conhecimento em Psicologia em
laboratórios brasileiros (fundados desde o início da Primeira República), nos quais se
pesquisava questões psicológicas tais quais fadiga em jovens trabalhadores, seleção de
aviadores, psicometria, entre outros temas semelhantes.
Durante o processo que culminou com a Revolução de 1930 uniram-se forças
políticas e econômicas de diferentes naturezas e interesses. O modelo agrário-
exportador enfrentava uma crise de sua hegemonia, havendo a expansão da
industrialização no país (Lima, Fonseca & Hochman, 2005). Com a crescente
industrialização e as contradições oriundas dos avanços das novas relações de produção,
amplia-se a demanda por novos conhecimentos para embasar essa transição. A
Psicologia desenvolve-se neste cenário atuando no processo de adaptação do novo
trabalhador à realidade industrial. Assim a psicologia avança, na década de 1940, nos
campos de orientação e seleção profissional, e, mantendo-se articulada à área
educacional, destacam-se neste período as bases para o desenvolvimento da atuação
clínica na Psicologia, no atendimento individualizado a crianças com queixas escolares
(Antunes, 2012).
O reconhecimento do campo cresce conforme este atende às necessidades
geradas pelo projeto de desenvolvimento político, econômico e social da emergente
burguesia industrial. De forma que, em 1962, é promulgada a Lei 4119, que reconhece a
profissão do psicólogo no Brasil e prevê como objetivos da atuação deste profissional:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
47
d) solução de problemas de ajustamento.
A Lei que regulamenta a profissão ainda estabelece em seu parágrafo 2º que “É
da competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras
ciências” (Lei nº 4119, de 27 de agosto de 1962).
Tal proposta chegou a ser vetada, sendo considerada a necessidade de haver a
supervisão constante de um profissional médico sobre o trabalho do psicólogo
(reafirmando a lógica médico-centrada que conduzia o cenário da atenção e ensino em
saúde no país). No entanto, o veto foi revogado e a proposta inicial adotada. A prática
da Psicologia passa a ser aceita, então, como uma prática liberal, independente e tendo
como seu objetivo central o ajustamento dos indivíduos à sociedade (Pereira & Pereira
Neto, 2003).
Pouco tempo após o reconhecimento legal da Psicologia instaura-se no Brasil o
regime civil-militar, um período de suspensão dos direitos fundamentais, marcado pela
negligência às necessidades sociais da população (Yamamoto & Oliveira, 2010). Em
contraposição, o “milagre econômico” brasileiro (grande crescimento econômico
ocorrido no início da década de 1970 durante o regime civil-militar) disseminava a idéia
de que todos poderiam participar da divisão da crescente riqueza do país, sendo esta
possibilidade condicionada apenas por uma questão de mérito e esforço pessoal. Neste
contexto, a Psicologia se desenha com foco no controle e ajustamento de tudo que é
desviante da vigente lógica meritocrática e individualista, coerente com a idéia de busca
por ascensão individual.
Neste estado de exceção, ocorreu a Reforma Universitária de 1968 que promove
a proliferação de instituições privadas de ensino superior. Com o grande aumento dos
48
cursos de Psicologia no decorrer da década de 1970, logo o número de profissionais
formados excedia a demanda de mercado para a área. Com isso expande-se a atuação
em clínicas privadas, e o interesse no campo reflete-se nos cursos de graduação que
passam a privilegiar esta área para atender ao interesse dos alunos (Antunes, 2012).
Mantém-se a valorização do que é tido como científico, técnico e positivista, visando
ainda ajustar os sujeitos às necessidades de uma sociedade autoritária e meritocrática
(Coimbra, 2004).
Em um contexto de ditadura civil-militar, apresentava-se ao Brasil uma
Psicologia privada, liberal, que reduzia tudo que se apresentava à sua análise em
questões de caráter individual e subjetivo, negando (ou negligenciando) seus
determinantes sociais, econômicos e políticos (Pereira & Pereira Neto, 2003). A prática
psicológica favorecia a governabilidade das ditaduras latinoamericanas, e se estendia até
fins da década de 1980 como um conjunto de técnicas de disciplina e ajustamento
(Spink, 2003; Zurba, 2011).
Na década de 1980, a falência do “milagre brasileiro” redundou em uma grande
crise econômica que abateu a população. A Psicologia vinha até então em crescimento
exponencial. Com as classes médias enriquecidas, o grande número de profissionais que
se formava encontrava nessa camada populacional um consumidor em potencial de seus
serviços. No entanto, com a crise da década de 1980, esse cenário começa a mudar. A
perda do poder de compra dos grupos com renda média se reflete na perda de mercado
para a atuação liberal da psicologia. Soma-se a este quadro, a necessidade de discutir os
novos rumos da profissão; há, então, neste período, uma forte mobilização da categoria
em Sindicatos e Conselhos para a produção de materiais sobre a atuação da Psicologia
(Bock, 1999; Yamamoto & Oliveira, 2010).
49
Nesse mesmo período, tomam força novamente os movimentos sociais, que
clamam por uma reforma do Estado, na qual esse se responsabilizasse pelo brutal
empobrecimento da população e suas consequências. A Psicologia participa desse
movimento, não como classe, mas pela vinculação das entidades de representação aos
movimentos sociais. A profissão que vinha se delineando como liberal e distante das
problematizações de questões políticas, se depara com uma nova realidade social sobre
a qual passará a atuar. Na contramão da Psicologia que se formava, nas décadas de 1970
e 1980 se destaca um grupo de profissionais que se engajava de maneira militante nas
discussões do movimento sanitário. Tal grupo de profissionais advinha de uma camada
da categoria que, acompanhando as discussões internacionais, participava ativamente do
despontar da reforma psiquiátrica no Brasil, refletindo sobre a necessidade de modificar
o sistema de saúde no tocante ao cuidado em saúde mental. Essas vozes somaram-se ao
coro que demandava uma ampla Reforma Sanitária no Brasil.
A intensa mobilização popular marca o período da transição democrática
brasileira, com o término do regime civil-militar, em um processo de redefinição das
políticas na busca pela democratização do Estado, cidadania e justiça social. Este
cenário de crise financeira nacional e de aprofundamento das sequelas da Questão
Social (aumento das desigualdades, e dos movimentos populares que reivindicavam
mudanças), fazem com que sejam necessárias novas estratégias de legitimação política.
Para tanto, há uma expansão das políticas sociais públicas na tentativa (insuficiente) de
sanar a dívida social acumulada (Yamamoto e Oliveira, 2010).
Dentre os avanços advindos dos embates político-ideológicos alimentados neste
período, temos ganhos no campo das políticas de saúde que representaram uma abertura
de um campo de atuação para a Psicologia. Em 1983 são implementadas no Brasil as
50
Ações Integradas de Saúde (AIS) que prevêem a criação de equipes mínimas de saúde
mental em unidades ambulatoriais, sendo este um marco da inserção do psicólogo no
campo da saúde pública, no SUS mantém-se essa formatação para as Unidades Básicas
de Saúde (Yamamoto e Oliveira, 2010).
Em um quadro de escassez do mercado para atuação liberal do psicólogo,
somado aos debates acadêmicos sobre sua relevância social, a Psicologia entra no
campo da saúde pública sem que haja definição de um novo modelo de trabalho para
essa atuação, havendo no período a transposição das ações mais tradicionais (a atuação
clínica e educacional, por exemplo) para o novo campo, “numa tentativa de levar
psicoterapia para os mais pobres” (Yamamoto e Oliveira, 2010, p.16).
Em que pese a visão hegemônica sobre o fazer da Psicologia, críticas ao racismo
presente nas elaborações da Psicologia brasileira da Primeira República, à generalização
e naturalização dos resultados obtidos com a psicometria nos anos 1930, são exemplo
de como debates sobre os modelos de ação e produção de conhecimento da Psicologia
sempre se apresentaram. No período de redemocratização, as críticas centravam-se,
principalmente, na crítica ao modelo médico que se reproduzia na atuação clínica da
Psicologia, que foi fortemente combatido pelo movimento sanitário e pela proposta de
ação SUS (Antunes, 2012; Yamamoto e Oliveira, 2010).
A Reforma Sanitária traz uma proposta de mudança paradigmática para o campo
do trabalho em saúde no Brasil. Para que se concretize essa transformação é essencial
que uma mudança do paradigma epistemológico da Psicologia a acompanhasse. No
entanto, o que vivenciamos foi a reafirmação dos moldes tradicionais de fazer
Psicologia, no aprofundamento da busca por aplicar a prática clínica aos novos
contextos (Carvalho & Yamamoto, 1997; Zurba, 2011).
51
O ensino em Psicologia historicamente direciona suas determinações
curriculares ao modelo de atuação individual, liberal e autônomo, indicando como
principal orientação de atuação a psicoterapia clínica (Cruces, 2006; Silva, 1992). A
formação acadêmica segue, assim, inadequada à adaptação da prática psicológica aos
novos contextos, e incoerente com a realidade do mercado de trabalho da Psicologia que
não mais se sustenta unicamente na lógica liberal.
Acompanhamos a Psicologia se construir historicamente como uma prática
liberal voltada para os grupos de renda mais abastados, mantendo-se distante das
necessidades da maior parcela da população (Botomé, 1979). Com as dificuldades que o
modelo profissional autônomo se depara, somando-se a ampliação do campo
profissional nos avanços do setor de bem-estar social (destacando-se o campo da saúde
pública), a Psicologia segue uma tendência inercial: transpor o modelo teórico-
metodológico tradicional e elitista para o novo público (Boarini, 1996; Yamamoto,
2007). As técnicas, os instrumentos, as linguagens e os valores da Psicologia foram
forjados para atender as demandas de um grupo com renda média, abastada, e seriam
agora transpostas a uma parcela da população cuja realidade social é desconhecida dessa
Psicologia tradicional. “Temos, portanto, uma situação de endogamia social, na qual
terapeuta e paciente oriundos da mesma classe social permanecem cegos para as
determinações sociais de tal prática” (Ferreira Neto, 2010, p. 395).
Diversas pesquisas apontam para a recorrência histórica do distanciamento das
práticas psicológicas da realidade social da população atendida, observada
especialmente na inserção da Psicologia no sistema público de saúde, apontando ainda
para a pouca familiaridade dos profissionais de Psicologia com conceitos e princípios
52
fundamentais do sistema de saúde (Dimenstein, 1998; Freitas, 1996; Oliveira, Silva, &
Yamamoto, 2007; Oliveira et al., 2004).
Tal distanciamento relaciona-se com a dicotomização que é marca da Psicologia
desde o princípio de suas formulações teórico-metodológicas. Nos início das teorizações
em Psicologia, com Wundt, já nascia a proposta fragmentária da compreensão dos
fenômenos como “individuais” ou “sociais”, de forma que para conhecê-los se
desenvolviam também dois métodos: o experimental, que se voltava aos estudos de
processos básicos e fisiológicos que ocorriam em nível individual; e outro que buscando
compreender os fenômenos coletivos conversa com outros saberes (ciências daquilo que
é “social”) como a Antropologia e a Filosofia (Lacerda Júnior, 2010). É marca então das
ciências psicológicas a concepção de existência em pólos distintos do que é “interno” ao
sujeito e o que lhe é “externo”, derivando daí uma compreensão dicotômica entre o
individual e o social (Bock, 1999).
A Psicologia, então, se enquadra em uma lógica de produção do conhecimento
setorializada, que se debruça sobre uma compreensão fragmentada da realidade,
tomando recortes isolados como objetos de suas especialidades. Neste formato, a
ciência de fato atinge os objetivos de colaboração à reprodução do capital, ao perder de
vista as relações determinantes para compreensão da vida social (Lacerda Júnior, 2010).
Faz-se, assim, uma Psicologia que, em nome da neutralidade, mostra-se num
movimento político alinhado com a direita conservadora, que tende a isolar-se em seu
trabalho clínico, voltado para o indivíduo e sua subjetividade (“interna”), considerando
este como apartado do que é político, social, coletivo e “externo” (Benevides, 2005).
A Psicologia consolida, assim, uma perspectiva ideológica que se afina ao
modelo médico-centrado curativo, que, por ver a realidade através destas dicotomias,
53
tende a focar sua atenção no sujeito negligenciando a realidade social que o cerca, e que
é também produtora de sua subjetividade. Essa aproximação ideológica é incoerente
com a proposta societária alternativa defendida pelos movimentos sociais e,
posteriormente, pelo movimento sanitário, cuja proposta de cuidado integral à saúde,
requer, necessariamente, mudanças nas concepções de ciência vigentes, inclusive as da
ciência psicológica.
É possível ter idéia desse quadro ao se analisar os dados de Oliveira et. al.
(2004) que, ao estudarem a prática de psicólogos no nível básico de atenção do SUS,
indicam que formação acadêmica dos profissionais atuantes na área é
predominantemente voltada para a clínica (69% dos entrevistados) e apontam também a
prática da psicoterapia clínica como principal atividade realizada no trabalho em saúde.
Embora mudanças nas diretrizes curriculares dos cursos de Psicologia venham
acontecendo, estas não alteram efetivamente este modelo de formação. Bastos e
Gondim (2010) ratificam a atual configuração da Psicologia como um campo
multifacetado e distribuído em diversas áreas de atuação, indicando aumento do
assalariamento e o crescimento de áreas como a Psicologia Organizacional e do
Trabalho, e da Psicologia da Saúde. Destaca-se o crescimento dos setores de bem-estar,
como assistência social e a saúde pública, sendo o Estado o principal empregador dos
psicólogos assalariados (Seixas, 2009; Yamamoto, 2007). Apesar deste crescimento, a
clínica ainda se apresenta como a principal área de atuação do psicólogo (53%).
Com isso vê-se que, apesar do fato de que importantes mudanças no campo de
atuação da psicologia estivessem sendo gestados na década de 1990, resistem ainda os
modelos de ação tradicionalmente estabelecidos, e muitas vezes inadequados às
mudanças do campo. “O movimento histórico é, pois, heterogêneo, e há segmentos que
54
tomam a dianteira do processo, outros que respondem mais tardiamente e outros que
resistem” (Antunes, 2012, p.62). Coexistindo com as concepções conservadoras da
Psicologia, nos anos 2000 discussões sobre o fazer do psicólogo, iniciadas ainda na
década de 1980, ganham corpo e começam a se refletir na prática dos profissionais,
fazendo emergir temas como a clínica ampliada, humanização da saúde e apoio
matricial que subsidiam seu trabalho e que se tornam importantes diretrizes para a
estruturação do SUS.
O SUS é construído em torno de uma nova e ampliada concepção de saúde, que
considera os diversos determinantes sociais da saúde como eixo fundamental de atuação
no cuidado e atenção integral dos usuários. A integralidade da atenção, desta forma, só é
garantida por meio de práticas interdisciplinares, da corresponsabilidade do cuidado
entre os profissionais das diversas especialidades que compõem as equipes e a rede de
atenção. O Apoio Matricial tem um importante papel na construção de relações de
corresponsabilidade, na busca por superar as relações verticalizadas tradicionalmente
estabelecidas no modelo biomédico de atenção. Assim, o conceito de Apoio Matricial
deixa de ser uma orientação voltada para a saúde mental, passando a ser uma importante
ferramenta para a potencialização da integralidade em todo o SUS.
Nesta perspectiva, em 2008, cria-se o NASF como um dispositivo que tem como
base de seu funcionamento o Apoio Matricial, e a saúde mental como uma área
estratégica de ação. Para que o NASF seja um campo fértil para a consolidação da
atenção integral e universal à saúde (em geral, e à saúde mental), é preciso que os
profissionais tenham sua atuação coerente à lógica de funcionamento desenhada para o
NASF que, centrado no Apoio Matricial e trabalho multidisciplinar, busca reunir equipe
matriciadora, equipe de referência, comunidade e usuários na construção de relações de
55
corresponsabilidade, tendo a transversalidade dos conhecimentos como eixo central de
suas ações assistenciais e pedagógicas. Os manuais e diretrizes lançados para indicar ao
profissional o direcionamento técnico de suas atividades são insuficientes para guiar seu
exercício, além de se constituírem como regimentos verticais (partindo do Ministério da
Saúde) que pouco se adéquam às singularidades locais (Freire & Pichelli, 2010).
Se o que é proposto como ações do NASF são práticas adequadas às demandas
da comunidade atendida, que se desvinculem de uma alienação que dicotomiza o
subjetivo do social, a aproximação da realidade social atendida é primordial para a
orientação desta prática. Desde a década de 1970 já se estabelecem na Psicologia
críticas aos modelos de atuação elitizados e distantes da realidade social. Nos anos 1980
o debate sobre a função social do psicólogo se fortalece com a efervescência das arenas
de discussão sociais ligadas aos movimentos de reformas políticas e redemocratização
do país. Mais recentemente, o compromisso social do psicólogo tem sido tema ainda
mais recorrente em estudos e debates, na busca pela construção de uma prática
adequada às necessidades reais da população atendida, diante da crescente inserção da
Psicologia nas políticas públicas de saúde e assistência. Para a construção de um fazer
que seja coerente e comprometido socialmente é fundamental o avanço das discussões
sobre os campos de atuação e a própria prática, a inserção das instituições de ensino e
das produções científicas neste debate, assim como a educação permanente dos
profissionais na reflexão e esclarecimento sobre seu papel e posicionamento numa rede
de atenção que se constrói sobre uma inovadora e ampliada compreensão de cuidado.
Ao falar de “compromisso social” é importante esclarecer o termo. Bock (1999)
aponta alguns dos critérios para que seja considerada uma atuação comprometida com a
sociedade. O primeiro deles é que o trabalho do psicólogo vise, como objetivo final, a
56
mudança na condição de vida da população brasileira; outro critério é realizar uma
prática que não se centre na doença e sim na promoção de saúde, a compreensão do
sujeito em seu contexto de maneira integral; e, por último, aponta a importância de
adequar as técnicas e saberes da Psicologia às demandas da população atendida,
partindo para isso de sua realidade social.
É preciso desconstruir a idéia de uma Psicologia pretensamente despolitizada e
encarar o fato de que toda ação é política em alguma medida. É preciso compreender
que o fazer da Psicologia e o conhecimento que dela deriva interferem na sociedade, e a
história da profissão não nega exemplos de como a Psicologia e seu saber serviram aos
interesses do sistema, de fortalecer seus ideais e encobrir suas perversidades (Bock,
1999).
Como dito no início dessa seção, a Psicologia se constrói no Brasil em uma
tradição elitizada, curativa e terapêutica, mas a aproximação com a realidade social vem
exigindo há décadas que esta forma de fazer Psicologia se transforme, superando o
limitador viés naturalizante dos fenômenos psicológicos. Temos visto avanços na
construção de um corpo teórico e de novas práticas no campo da Psicologia, em especial
na atuação na saúde pública, “ainda não superamos a dicotomia... mas estamos
caminhando” (Bock, 1999, p. 324).
Ao pensar a superação das dicotomias e a transformação da profissão por meio
da proximidade com a realidade social, não podemos deixar de pensar que há limites
que essa realidade política e econômica impõe à atuação do psicólogo. O novo campo
que se abre à construção de uma nova prática em Psicologia, que é o campo das
políticas sociais, já traz em si limitações reais à concretização de uma prática
57
revolucionária6. É importante aqui fazer uma ressalva sobre as possibilidades
revolucionárias de uma prática profissional, não se pretende aqui imbuir uma categoria
profissional (no caso, a Psicologia) de um caráter messiânico, que se proponha sozinha
a transformar a ordem vigente das coisas. Faz-se esta ressalva para que esta
argumentação não se aproxime do que Lessa (2007) denomina “neo-socialismo utópico”
que concebe a possibilidade de construção de um projeto revolucionário a partir de
núcleos socialistas no interior da sociedade capitalista. No entanto, reforço a
necessidade de não corroborar com os ideais e interesses do capital, buscando traçar um
projeto ético-político que mire um horizonte de revolução societária.
Diante dos novos rumos que se abrem à Psicologia, em especial no campo da
Saúde Pública e sua atuação no NASF, vê-se que mudanças são demandadas à prática
dos psicólogos. Trabalhar com a concepção de saúde integral, considerando a saúde
mental intrínseca à saúde e ao cuidado, traz a imperativa necessidade do trabalho em
equipe multiprofissional, trazendo a perspectiva da corresponsabilidade em um contexto
interdisciplinar (Zurba, 2011). O psicólogo, habituado com uma atuação solitária, ao se
inserir no NASF depara-se com essa realidade de maneira ainda mais marcante, unindo-
se a uma equipe multidisciplinar para trabalhar o apoio matricial e a corresponsabilidade
entre profissionais, equipes e usuários, se faz necessário realizar seu trabalho de maneira
interdependente com outros profissionais e saberes, e sua formação (da maneira como
6 A política social no capitalismo é convertida em "políticas sociais", de forma que atentam às
sequelas da questão social de forma fragmentada, evitando a intervenção na origem concreta da questão
social: as condições estruturais que remontam à relação capital-trabalho. Aí residem os limites que a
realidade do campo impõem a qualquer prática que objetive transformações macroestruturais da
sociedade
58
historicamente se constrói a Psicologia, em formação e prática) pouco contribui para
isso (Ferreira Neto, 2010).
Considerando que o NASF é um dispositivo de suporte, que deve operar com
uma dimensão técnico-pedagógica e uma dimensão assistencial, ambas pautadas pela
gestão compartilhada, pelo PTS e pelo apoio matricial; e que, por sua vez, o psicólogo,
tradicionalmente, trabalha a partir de um modelo não coletivo, contrapondo a proposta
do NASF, eminentemente coletiva questiona-se, então nesta pesquisa, o que muda em
termos qualitativos na prática do psicólogo com essa mudança de estratégia no campo
da saúde, que é o NASF?
59
5. Procedimentos e Método
Antes de tratar dos procedimentos e instrumentos escolhidos para a realização
desta pesquisa, primeiramente, é preciso compreender a escolha filosófica que inspira
este estudo, no caso, o método do materialismo histórico dialético. Parte-se, assim, do
princípio de que a realidade não se mostra diretamente ao seu observador. Isto porque a
chamada “coisa em si” ou a essência do real difere, sendo por vezes ainda contraditória,
do fenômeno que é a parte que se mostra imediatamente aos homens (Kosik, 2002). A
realidade é, então, a unidade entre fenômeno e essência, sendo estes distintos entre si.
Através de sua separação podemos conhecer sua coerência interna. É por meio dos
fenômenos que podemos ter acesso à essência, mas, ao mesmo tempo, a visão do
fenômeno oculta a realidade em si. Na medida em que a essência se mostra de maneira
parcial e mediada pela ideologia dominante e por ontologias que falseiam
(deliberadamente ou não) a realidade, podemos dizer que o fenômeno a obscurece na
mesma medida em que indica o caminho para compreendê-la (Kosik, 2002).
Quando em nossa práxis cotidiana ignoramos a distinção entre fenômeno e
essência, tomando o fenômeno pela totalidade do real, adentramos o mundo da
pseudoconcreticidade. Esta é o conjunto de fenômenos com os quais nos deparamos no
cotidiano e que assumimos como independentes e naturais, tomando sua existência
como autônoma, apartada sua condição de produto histórico e social (Kosik, 2002). A
pseudoconcreticidade é composta pelos fenômenos que estão à superfície da essência;
pelos objetos fixados, compreendidos como naturais e independentes das atividades
humanas; e pelas representações comuns, que derivam da ideologia e da práxis
fetichizada, que é em si mais um componente da pseudoconcreticidade.
60
Ao transpor a aparência das coisas para a consciência dos homens de forma que
haja a petrificação de condições historicamente construídas, mantendo-se a
compreensão dos fenômenos enquanto realidade total, tem-se a realização da práxis
fetichizada. Em oposição à práxis fetichizada, temos a práxis revolucionária da
humanidade. A práxis revolucionária se faz pela destruição da pseudoconcreticidade, e
se torna possível na medida em que abandonamos a compreensão imediata de uma
realidade estática e acabada (típica da pseudoconcreticidade) e assumimos a realidade
humano-social como produto do próprio homem (Kosik, 2002).
A superação da pseudoconcreticidade ocorre por meio da crítica revolucionária;
do pensamento dialético, que é o exercício de sair das aparências em direção à essência
das coisas em si; e da percepção da criação da realidade como processo ontogenético,
ou seja, a realidade do homem é produto de sua construção histórico-social. É só através
da destruição da pseudoconcreticidade que se faz possível caminhar na direção da
construção de conhecimentos acerca da realidade. “A destruição da
pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de
uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza” (Kosik,
2002, p. 23).
Os conhecimentos que alcançamos são apenas aproximações da realidade em
sua totalidade, já que entendemos esta como em constante movimento e construção.
Apesar de realizarmos uma aproximação relativa da totalidade concreta, pois não é
possível nossa abstração esgotá-la, podemos dizer que há neste movimento também um
caráter absoluto, já que tratamos a realidade como objetiva e independente de nossa
consciência (Lukács, 1979).
61
Conhecer a realidade (absoluta) não é um processo no qual buscamos referi-la a
algo diverso de si, mas sim a busca por entender os movimentos da própria realidade.
Para alcançar este objetivo é preciso fazer um caminho de investigação chamado por
Kosik (2002) de Detóur.
Detóur é um movimento investigativo que adentra o fenômeno na busca por seus
determinantes, como estes se relacionam e compõem a estrutura dinâmica da realidade.
Para tanto, partimos do fenômeno para a essência e retornamos da essência para o
fenômeno compreendido. É possível ao homem acessar a totalidade de maneira
imediata, no entanto, esta se apresenta de forma parcial e obscura. Realizando o detóur
partimos do fenômeno, de uma representação imediata e caótica do todo, para depois de
conhecer a composição e movimentos do real, reconstruir (na nossa abstração) essa
totalidade agora articulada, estruturada e compreendida (Netto, 2011). Isolar fatos, ou
partes da realidade, para conhecê-los é uma abstração que só se torna conhecimento e
verdade ao passo que é inserido na totalidade concreta do real. Da mesma forma, se
tomamos a totalidade sem diferenciar suas partes e determinantes, recaímos no mesmo
erro, a mesma visão vazia e naturalizante da pseudoconcreticidade.
Com isso, podemos afirmar que o método filosófico deste trabalho se realiza em
toda sua construção, partindo de uma revisão teórica que nos leva a compreender o
objeto da pesquisa na totalidade histórica, dando concreticidade a ele. Netto (2011)
destaca que na obra de Marx (inspiração para a formulação do método histórico
dialético) não há separação entre método e elaboração teórica. Tais concepções seguem
orientando esta pesquisa na busca por conhecer os determinantes e movimentos da
realidade concreta com a qual nos deparamos, respeitando a concepção de realidade
autônoma (que precede nossa consciência) preservando assim a fidelidade ao objeto nas
62
escolhas dos procedimentos e instrumentos utilizados. “É a dinâmica do objeto que
comanda os procedimentos do pesquisador” (Netto, 2011, p. 53).
5.1. Campo e participantes
Para atingir os objetivos deste estudo foi realizada uma pesquisa de campo que
contou com três etapas: construção de um banco de dados sobre os NASF do RN, com
vistas à elaboração dos delineamentos metodológicos para as etapas seguintes;
entrevistas semiestruturadas; organização e análise dos dados obtidos.
Como uma primeira etapa da pesquisa, foi realizado um levantamento nos
bancos de dados oficiais do SUS (DataSUS), através do banco online do Cadastro
Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (Cnes)7, das equipes NASF cadastradas e em
operação no Rio Grande do Norte8.
Com as informações coletadas neste levantamento foi construído um banco de
dados (no software Microsoft Excel) no qual foram organizadas informações amplas
sobre os estabelecimentos de saúde existentes nos municípios que contam com equipes
NASF, a data de implantação destas equipes, o nome e ocupação (CBO) dos
profissionais que nelas atuam. Este banco de dados permitiu que se visualizasse a
distribuição temporal e geográfica dos NASF no RN. Assim foi optado como
delineamento metodológico para os objetivos propostos nesta pesquisa, por limitar o
campo baseando-se no critério de antiguidade das equipes NASF. Determinou-se assim
que seriam entrevistados os psicólogos atuantes nas equipes NASF que foram
implantadas ainda em 2008, compreendendo que a antiguidade das equipes pressupõe
7 http://cnes.datasus.gov.br/
8 A crescente inserção da Psicologia nas Políticas Públicas no Rio Grande do Norte destaca-se do cenário
nacional por mostrar-se ainda mais acentuada. Pesquisas apontam que, no ano de 2012, quase metade
dos psicólogos do RN atuavam no campo das políticas sociais (Seixas & Yamamoto, 2012).
63
maior consolidação da mesma, por estar a mais tempo estabelecida na rede de atenção
do município e por vir tendo um mais longo processo de organização e apropriação das
diretrizes de funcionamento do núcleo.
Chegamos, assim, ao número de sete equipes NASF, distribuídas por seis
municípios do RN. Nestas equipes foram entrevistados os profissionais de Psicologia,
por ser esta escolha coerente com o objetivo desta pesquisa de conhecer a atuação dos
psicólogos nas equipes NASF do RN. Dos oito psicólogos distribuídos nas supracitadas
equipes, sete foram entrevistados, sendo que um dos psicólogos não se disponibilizou
para a participação na pesquisa.
5.2. Roteiro da entrevista
Após a escolha dos participantes, foram realizadas entrevistas individuais
semiestruturadas, registradas em áudio e transcritas.
O roteiro de entrevista, por meio de tópicos norteadores, contemplou blocos de
informações referentes aos determinantes da entrada do psicólogo nos serviços, à
formação para a prática atual, ao funcionamento do NASF, às atividades realizadas pela
equipe NASF e pelo psicólogo, à articulação de ações (entre os profissionais da equipe
NASF, entre equipe NASF e equipes de referência e, ainda, entre equipe NASF e outras
instituições da rede de sócio-assistencial), e aos desafios e possibilidades da atuação do
psicólogo no NASF.
5.3. Análise do material coletado
Todas as entrevistas realizadas foram transcritas e seu material organizado com a
ajuda do Software QDA miner. A análise do material se fundamenta primeiramente no
64
materialismo histórico dialético, na busca por apreender as determinações históricas que
estruturam a realidade, por meio das relações sociais investigadas na prática dos
psicólogos atuantes no NASF.
Para operacionalizar a análise deste material foram realizados três passos
metodológicos para sua efetivação:
1) Ordenação dos dados: transcrever, reler e organizar o material coletado
nas entrevistas;
2) Classificação dos dados: baseando-se na fundamentação teórica realizada
na etapa de revisão de literatura, buscar as características e relações relevantes entre os
sujeitos, seu discurso e seu contexto, e elaborar, assim, categorias específicas; e
3) Análise final: responder aos objetivos iniciais da pesquisa, por meio da
relação entre o material teórico e a realidade apreendida (Minayo, 1992).
A partir desta estratégia metodológica a linha investigativa foi traçada de acordo
com os blocos de informações contemplados no roteiro, tendo como eixo central de
discussão em todos os tópicos de análise a atuação prática do psicólogo nas equipes
NASF.
65
6. Resultados e Análise
6.1. Determinantes da entrada do psicólogo nos serviços
Todos os psicólogos entrevistados se inserem nos serviços por meio de contratos
de prestação de serviços. Sua chegada ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família se deu
por meio de seleção (em metade dos casos analisados aqui), ou por indicação. Nos casos
de indicação observamos que muitas vezes estes são indicados por já terem prestado
serviço em outro dispositivo do município, ou mesmo sendo convidados a um
remanejamento, vindo de outros dispositivos para o NASF. Quando a indicação não se
dá por esse motivo, ela ocorre por motivos pessoais, como podemos observar na fala da
Psicóloga 7:
Foi através do prefeito (...) como ele é médico, minha mãe também é médica,
eles são amigos, aí ela falou que eu estava precisando de emprego e ele disse
que estava precisando de uma psicóloga (Psicóloga 7)
Notamos aqui uma fragilidade do sistema denotando pouco cuidado e
profissionalismo no importante compromisso de formação de uma equipe
multiprofissional que constituirá o NASF. Por serem indicações pessoais (sem ligação
com questões de positiva avaliação profissional), não é assegurado que este profissional
tenha competência técnica e coerência em sua formação para a atuação no NASF.
Os profissionais entrevistados atuam sob um vínculo empregatício temporário e
frágil dentro de um contexto interiorano no qual o cenário político-partidário tem grande
força e influência nas ações desenvolvidas pelos serviços públicos. Isso indica a
possibilidade de ocorrer um engessamento da atuação destes profissionais por
determinantes que estão acima deles. Mesmo que haja a iniciativa pessoal do psicólogo
66
para realizar ações diferenciadas dentro do serviço ele há de se submeter ao que foi
determinado por instâncias políticas superiores no município.
Busca-se no NASF, como em toda Atenção Básica, o ideal da saúde coletiva,
mantendo o foco na promoção e prevenção em saúde. Isto requer o contato com a
comunidade e um acompanhamento longitudinal, com medidas de longo prazo que
envolvam os profissionais e equipes. O vínculo contratual leva os profissionais de
psicologia que lá atuam a uma posição de insegurança quanto à manutenção de seu
emprego, que se soma à falta de perspectiva de ascensão profissional dentro do Núcleo.
Dessa forma é observada uma considerável rotatividade dos profissionais que atuam
nestas condições, no caso desta pesquisa 4 dos 7 psicólogos entrevistados estão atuando
na equipe NASF há cerca de um ano. Esta rotatividade pode refletir descontinuidade das
ações realizadas no Núcleo, e na fragilização das equipes que estão constantemente se
renovando.
6.2. Formação para a prática atual
Dos 7 psicólogos entrevistados apenas um não realizou seu estágio curricular na
área clínica, sendo este da área escolar. As pós-graduações também se enquadram em
linhas mais tradicionais da Psicologia, sendo que três dos entrevistados realizaram pós-
graduação em abordagens da Psicologia Clínica e dois em Avaliação Psicológica.
Apenas dois dos entrevistados fizeram pós-graduação na interface da Psicologia e
Saúde.
É notória a ausência de formação em outras áreas, mas, não podemos
desconsiderar que formações em outros campos da psicologia são escassas, portanto,
aquele profissional que percebe em sua atuação a necessidade de buscar algum preparo
67
complementar, acaba recorrendo às especializações e cursos na área clínica, por estes
serem mais abundantes e acessíveis, além de serem mais familiares diante da formação
prévia na área clínica. É importante ressaltar aqui que a Psicologia Clínica (que
tradicionalmente se faz na psicologia um dos campos de atuação e formação
preferencial dentre os profissionais) não só se caracteriza como um campo de trabalho, a
clínica em consultórios privados, mas como grande norteador da atuação do psicólogo
nos diversos campos em que atua. O fato de que a formação dos entrevistados se dá,
prioritariamente, no campo da Psicologia Clínica se reflete em seu fazer cotidiano no
NASF, de forma que o modelo clínico (em sua abordagem tradicional centrada no
indivíduo) se torna a referência de sua atuação. A formação clínica dos profissionais
pode ser conciliada com a atuação na Atenção Básica, sendo uma referência em seus
princípios basais (como a escuta e o acolhimento)que se fazem presentes nas ações que
realize nesse campo que requer um modelo diferenciado do modelo liberal tradicional,
buscando assim afastar o viés individualizante da prática tradicional e considerar os
diversos determinantes sociais que estão envolvidos no processo de cuidado requerido
pela Atenção Básica.
Aqueles que entraram no NASF no momento de estruturação e implantação da
equipe passaram por treinamentos que seguiram três etapas principais: integração com a
equipe; estudo e discussão teórica sobre o NASF; e conhecimento do município e da
rede de atenção que lá atua. Quando a entrada do psicólogo não coincidiu com o
estabelecimento da ENASF a capacitação para o trabalho no núcleo se deu através de
estudos individuais das portarias e cadernos de diretrizes do NASF, e conversas
informais com outros membros da equipe, ambos ocorrendo por iniciativa do próprio
psicólogo, como vemos na fala do Psicólogo 7 quando questionada sobre como foi sua
68
preparação para o trabalho no NASF: “foi com a cara e a coragem. Deram um...
Diretrizes do NASF, um livro. Pra gente ler e pronto”.
A participação em capacitações, reuniões e treinamentos oferecidos pela
Secretaria Estadual de Saúde, foi citada por todos os entrevistados, no entanto,
ressaltando a falta de regularidade e frequência destas atividades. O que é tido como
“educação continuada” são treinamentos e capacitações sobre temas específicos como,
por exemplo, “Mortalidade Infantil”, e que não se direcionam diretamente ao preparo
para o trabalho na ENASF. Alguns profissionais indicam desmotivação em relação a
essas capacitações. Essa desmotivação se dá em parte por serem capacitações escassas e
irregulares, no entanto, também é um indicativo de que os psicólogos não se percebem
como parte de muitas das discussões mais amplas da rede de saúde, como fica claro na
fala do Psicólogo 6 sobre os cursos oferecidos como capacitação para os profissionais
do NASF: “são muito amplos, não são específicos do NASF, muito menos pra
Psicologia em si”.
É válido ressaltar uma diferença que a trajetória profissional dos psicólogos
exerce no preparo para o trabalho no NASF. Por ser um dispositivo recente, e por
termos a predominância da formação destes profissionais em áreas que não se
relacionam diretamente à saúde pública, pouco ou nada é conhecido sobre o NASF
durante a formação acadêmica destes profissionais. O Psicólogo 6, que não teve
experiência profissional no campo da saúde pública, é um exemplo da situação da
maioria dos profissionais entrevistados que igualmente não tiveram trajetória na saúde:
“Então, eu assumi meio que perdida, eu caí de paraquedas mesmo, que eu não sabia, eu
não sabia nem da existência do NASF, quando eu entrei. Não sabia o que é que fazia...”.
69
Aqueles psicólogos que não contam com experiência profissional prévia nas
áreas da saúde pública, apontaram o preparo para a atuação no NASF como tendo sido
de grande importância para o desenvolvimento de seu trabalho no núcleo, porém não
sendo suficiente para sanar dificuldades na compreensão do seu papel e das atividades
desenvolvidas no NASF. Aqueles que, sem experiência anterior, tiveram sua preparação
pautada na busca pessoal por conhecimento acerca do NASF e da atuação pretendida
(recorrendo às portarias e ao Caderno de Diretrizes do NASF), indicam a deficiência de
sua capacitação para atuar deparando-se com a realidade da equipe, da rede e da
comunidade.
mas me dá a impressão que está todo mundo meio que tentando se encontrar um
pouquinho, de como fazer, né? Porque a gente tem o documento que dá o norte,
mas na prática as coisas são um pouco diferente, né. (Psicólogo 2)
Por outro lado, aqueles psicólogos que tenham tido experiência profissional no
campo da saúde pública (apenas dois dos entrevistados) indicam a importância de sua
experiência para atuação no NASF: “Olhe, pra mim de uma certa forma foi [suficiente a
capacitação para o trabalho no NASF], porque como eu não sou tão nova já tenho toda
uma carga de experiência eu já carrego isso pro NASF” (Psicóloga 4).
Diante do preparo considerado incipiente pela maioria dos profissionais,
percebe-se que estes têm de construir um modelo de atuação no seu cotidiano de
trabalho. A troca de experiências com outros profissionais da equipe foi largamente
citada como uma das formas de preparo para atuação no NASF, neste caso, a integração
da equipe exerce um grande papel na construção da prática deste profissional. Se a
equipe é bastante integrada, o psicólogo troca conhecimentos e experiências com os
outros profissionais, absorvendo novos modos de fazer saúde no NASF. No caso de
70
uma equipe esfacelada, o psicólogo trabalha com aquilo que já traz em sua bagagem de
conhecimento e experiência, preenchendo as lacunas da capacitação com experiências
de sua formação pessoal. Como pudemos observar, as formações destes profissionais
são, em sua maioria, voltadas para a prática clínica, sendo assim, tendo que recorrer
àquilo que já lhe é conhecido para realizar seu trabalho no NASF, o modelo clínico
tradicional9 passa a ser adotado como base para sua atuação. Isso implica dificuldades
para adequar o trabalho do psicólogo à realidade do trabalho no NASF, o que será
trabalhado mais adiante, quando nos depararemos com as atividades que são realizadas
por estes profissionais e os desafios que encontram na sua atuação.
A questão da falta de um preparo focalizado e eficiente para a atuação no NASF
não esta sozinha quando falamos de dificuldades para a realização de uma prática
compromissada e que esteja de acordo com os preceitos da Saúde Coletiva. No entanto,
por se refletir na falta de compreensão plena sobre o papel, o lugar e os objetivos da
equipe NASF (e de si próprio como psicólogo atuante nesta equipe), a capacitação
deficiente torna-se entrave na busca por sanar as dificuldades que se colocam à prática
do NASF. É nítido que ao ter um conhecimento mais avançado sobre os temas da saúde
pública destacam-se ao olhar do profissional as barreiras que precisam ser superadas
para a concretização do trabalho do NASF e contribuir para a concretização do SUS.
Podemos observar na fala do Psicólogo 5 (que tem experiência profissional e acadêmica
no campo da saúde pública, tendo estudado e trabalhado com a Política Nacional de
9 A Psicologia se constrói no Brasil nos moldes do trabalho liberal associado à prática clínica, que ainda hoje representa uma notável preferência dos psicólogos enquanto atuação. Dessa maneira tem-se uma Psicologia tradicional (que conserva o modelo de ação de suas origens, muito atrelado às profissões médicas e à ideologia médico-centrada) que apresenta entraves no desenvolvimento do trabalho na atenção básica, por ser centrada no indivíduo e se distanciar de considerações acerca dos determinantes sociais da saúde e de sua própria conduta (Yamamoto, 2007).
71
Humanização), que, tendo clareza da proposta do dispositivo, reconhece que há outras
problemáticas se impõem à sua prática, que não apenas a capacitação insuficiente:
Eu acho que a questão do funcionamento do NASF, ela extrapola essa questão
da capacitação dos profissionais. Porque... É o que eu digo sempre pro pessoal:
‘nós sabemos o que é pra fazer, nós sabemos o que é apoio matricial, nós
sabemos o que é atenção, cuidado, nós sabemos do papel real que as equipes do
programa de saúde da família exercem, dos agentes comunitários de saúde... A
gente sabe. Mas é aquilo que eu te falei no início: nem a população ainda tá
sensibilizada (...) Eu acho que, assim, a capacitação, ela não é suficiente, mas
também não é... Acho que não é o X da questão, entendeu? (Psicólogo 5)
A deficiência no preparo dos psicólogos para a atuação no NASF se reflete em
muitos dos desafios que estes encontram em sua atuação, em especial em adaptar-se à
realidade (mutias vezes desconhecida) do trabalho em saúde pública. No entanto esta
não é a única gênese das problemáticas enfrentadas por estes profissionais, a rede de
saúde esfacelada, falta de profissionais e estrutura física adequada, e mesmo a difícil
transição para um novo paradigma de cuidado em saúde que ainda encontra resistência
entre os profissionais da saúde e a própria população, são exemplos de dificuldades que
se colam à atuação do psicólogo no NASF (tema melhor explorado na sessão “Desafios
e Limites da atuação do psicólogo no NASF”).
6.3. Funcionamento do NASF
Cada equipe NASF se responsabiliza pela cobertura de oito a vinte unidades de
saúde, sendo estas compreendidas na zona urbana e na zona rural dos municípios. Todos
72
os psicólogos entrevistados apontam que as equipes em que atuam organizam suas
ações por meio da estruturação de um cronograma de ações, de forma a possibilitar que
a Equipe NASF realize uma visita por mês para cada unidade Saúde da Família. Este
cronograma vai organizar as atividades que a equipe NASF se propõe a realizar (o que
será melhor explorado quando falarmos das atividades realizadas).
A forma como a equipe Saúde da Família se envolve na realização destas
atividades começa a se delinear na própria elaboração do cronograma, onde observamos
que, na maioria dos casos, a equipe SF participa desta etapa de programação apenas
contribuindo com a viabilidade operacional (colocando suas possibilidades de datas e
locais) ou ainda com a organização da demanda por meio de encaminhamentos ao
NASF.
Sobre a composição da equipe, podemos observar que das 6 equipes
compreendidas nas entrevistas, apenas 3 contavam com médicos na sua composição.
Dois dos três psicólogos que trabalham em equipes NASF com médicos destacam o
afastamento destes profissionais dos trabalhos com a equipe. Interessante também foi o
fato de um entrevistado esquecer que há médicos na equipe (voltando atrás para
corrigir-se mais adiante na entrevista). Já o Psicólogo 5 fala explicitamente sobre como
se estabelece a relação do resto da equipe com os profissionais médicos e
farmacêuticos:
nossa equipe lá é formada por um psicólogo, terapeuta ocupacional,
fonoaudiólogo, nutricionista... Esses são os que atuam no apoio matricial . O
município também tem, no quadro do NASF, um médico pediatra e um
farmacêutico, mas eles não atuam em conjunto com a gente, eles trabalham...
Eles fazem a referência no município, o médico pediatra faz a referência e a
73
farmacêutica, ela fica centralizada na distribuição de medicamento do
município, ela não está em conjunto com a gente nas ações. (Psicólogo 5)
Esse afastamento dos profissionais médicos das atividades da equipe, centrando-
se no atendimento ambulatorial sem integrar-se no planejamento e execução das demais
ações desenvolvidas, nos remete à forte presença do paradigma médico-centrado e
curativo. A reprodução desta mentalidade se mantem, apesar da proposta de ação do
NASF (centrada nos princípios do apoio matricial e do trabalho interdisciplinar) surgir
no bojo de esforços para a concretização da mudança de concepção dos processos de
atenção à saúde, priorizando-se a promoção de saúde e prevenção de agravos em
detrimento da lógica (ainda) dominante, médico-centrada, biologicista e curativa. O
NASF com a proposta de atuar junto às equipes Saúde da Família vem reforçar a ação
na e com a comunidade, buscando sempre o aprofundamento do olhar sobre os
determinantes sociais de saúde, para que a intervenção sobre estes promova a saúde da
população, trabalhando a prevenção de doenças em todo o território atendida. Desta
forma a atuação esperada para o NASF afasta-se do olhar individualizante, que através
de procedimentos estritamente médicos (prioritariamente ambulatoriais) enfoca-se na
cura de doenças já estabelecidas pouco considerando a diversidade de fatores que
compõe o processo de saúde e doença.
6.4. Atividades realizadas
Os psicólogos foram questionados em momentos distintos da entrevista sobre as
atividades que a equipe NASF realiza e as atividades que eles (psicólogos) realizam no
seu cotidiano de trabalho. No entanto, no processo de análise percebeu-se que estes
74
blocos de informações se mesclam, havendo uma grande coincidência das atividades
relatadas em cada deles, assim como a participação do psicólogo nas atividades
descritas como da equipe. Portanto, será aqui exposto em um só tópico de análise as
atividades que foram descritas pelos psicólogos e sua participação nas mesmas.
6.4.1. Apoio Matricial
No decorrer de toda a análise falaremos de apoio matricial como uma estratégia
que permeia e direciona a proposta de ação do NASF como um todo. No entanto, nas
entrevistas apenas dois psicólogos citam nominalmente o apoio matricial como parte de
sua atuação. O fato de uma parcela tão pequena dos entrevistados falar sobre o apoio
matricial (que deveria ser central na concepção do trabalho no NASF) é preocupante,
mas mais alarmante é perceber que em apenas uma das entrevistas é percebida a real
presença do apoio matricial nas atividades relatadas.
Apenas o Psicólogo 5 fala com propriedade e coerência sobre o Apoio Matricial,
e indica este como base de sua atuação em todo seu relato. A equipe NASF em que atua
o Psicólogo 5 teve uma trajetória peculiar de desenvolvimento. O Psicólogo 5, vindo de
uma trajetória profissional ligada à Saúde Pública e ao estudo e implantação da Política
Nacional de Humanização, entrou na equipe NASF no momento em que esta se
estruturava, e sua experiência no campo teve importante influência no modelo de ação
que esta equipe NASF desenvolveria.
Em um primeiro momento foram organizadas oficinas de formação para a
equipe NASF que se estabelecia, nas quais o Psicólogo 5 assumiu um papel de liderança
direcionando a capacitação na busca por elaborar estratégias de atuação que fossem
coerentes e condizentes com os princípios da Atenção Básica, da PNH, e das diretrizes
75
do NASF. Somando-se às oficinas a equipe entrou em contato com a comunidade
(construindo um diagnóstico da situação da mesma) observando as demandas e
necessidades e iniciando, a partir daí, um trabalho pautado no apoio matricial e
organizando-se enquanto equipe multiprofissional integrada.
Eu me lembro que a gente, durante a semana, a gente sentava duas ou três vezes
pra discutir casos. Todo mundo, inclusive o pediatra, a farmacêutica, todo
mundo. E a gente ia nas localidades, o pessoal falava dos casos (...) E os
profissionais, eles iam contribuindo, a gente ia meio que montando um plano
terapêutico compartilhado (Psicólogo 5)
Este modelo de atuação sofreu profundas mudanças quando houve o
estabelecimento de uma nova gestão, que não havia passado pelo processo de preparo
para a atuação que esta equipe NASF teve a oportunidade de construir e vivenciar. A
postura da nova gestão (não conhecendo o modelo de trabalho desenvolvido no NASF)
somou-se à pressão da comunidade que, sem compreender o papel do NASF e sofrendo
com o esfacelamento da rede de saúde, requeriam atendimentos ambulatoriais nas
especialidades.
A gente tinha noção do que é que era pra fazer, mas eles não estavam
preparados. É interessante isso, né? Teve uma barreira muito grande por causa
disso. Resumindo a história, eles pediram pra gente reestruturar tudo, né?
Desfazer o que a gente estava fazendo. “Não, porque vocês têm que estar
atendendo!”. Chegaram assim, né? E a gente tentou segurar a barra, mas não
conseguiu. Tentamos segurar no apoio, mas a gestão bateu o pé: “não, vocês
vão ter que atender, vai ter que ser assim”. E ai a gente teve que implantar o
ambulatório. (Psicólogo 5)
76
Na tentativa de conciliar as pressões da gestão com o que entendiam como uma
atuação apropriada para o NASF, hoje organizam suas atividades de forma que realizam
atendimentos ambulatoriais em dois dias da semana e reservam os outros três dias para
trabalhar o apoio matricial nas diversas atividades que desenvolvidas.
Nos três dias dedicados ao apoio matricial realizam atividades de capacitação
direta às equipes, visitas domiciliares e grupos como apoiadores da equipe de referência,
além do constante trabalho pedagógico nas discussões de casos e atividades realizadas
sempre em conjunto com as equipes SF.
Então, as ações de apoio matricial, elas podem... Pode ser uma reunião, pra
discutir algum caso. Eu entendo isso como parte do apoio matricial. Com cada
profissional discutindo, dando a sua contribuição. Pode ser a participação do
NASF em alguma ação coletiva (...) Eu acho que também é apoio matricial a
gente cobrar deles, a iniciativa deles, das equipes de saúde da família
(Psicólogo 5)
O apoio matricial propõe uma relação horizontalizada entre as equipes na qual a
equipe apoiadora ofereça uma retaguarda especializada à equipe de referência,
buscando, por meio do constante exercício pedagógico permeando as atividades
matriciais, capacitar as equipes contribuindo com a autonomia da equipe SF na
efetivação do cuidado integral, universal e equânime à saúde. “Assim também acontece,
por exemplo, com o agente de saúde, enfermeiro, eu procuro muito passar pra eles que
eles são capazes de dar conta de algumas demandas” (Psicólogo 5).
A prática do apoio matricial pela equipe do Psicólogo 5 faz com que este caso se
diferencie dos dados das demais entrevistas na maioria dos tópicos de análise, pois o
77
apoio é mais do que uma atividade pontualmente realizada em seu cotidiano, mas sim
um método de trabalho que permeia sua ação em tudo que realiza no trabalho no NASF.
Por ser o Apoio Matricial a estratégia primordial de orientação do trabalho no
NASF, este deveria ser igualmente imprescindível na prática dos profissionais que lá
atuam. No entanto o que vemos é a ausência de ações de apoio e mesmo de reflexões
sobre o tema nas entrevistas obtidas. Em detrimento da lógica apoiadora e suas bases no
trabalho em equipe com extensa troca de saberes, o que prevalece na prática dos
psicólogos entrevistados (e pode ser observado nos tópicos de atividades que se
seguem) é a orientação de suas ações preservando o viés clínico tradicional e individual,
priorizando as ações diretas ao usuário em lugar de ações dentro da equipe NASF e com
as equipes de referência.
6.4.2. Acolhimento
O conceito de acolhimento na Atenção Básica vem crescendo em termos de
importância em diretrizes e publicações na área, desde o estabelecimento do Pacto pela
Saúde (Ministério da Saúde, 2006d), mais especificamente por uma de suas linhas
principais, o pacto pela vida, que tem como uma diretriz o enfoque na promoção de
saúde no nível básico de atenção. No entanto, o conceito de acolhimento vem sendo
alvo de investigação e interesse para o campo da saúde pública há mais tempo, com a
priorização da Atenção Básica dentro do Sistema, e a consequente valorização das
tecnologias leves no cuidado à saúde. Franco, Bueno e Merhy (1999) em estudo sobre o
acolhimento na atenção básica revelam o importante papel desta atividade exercida em
três direções:
78
a. Promover a acessibilidade universal aos serviços de saúde,
coerente com a Política Nacional de Humanização (Ministério da Saúde,
2004) que faz referência ao acolhimento enquanto ferramenta para inclusão
do usuário com vistas à otimização dos serviços, e a promoção do acesso aos
de mais níveis de atenção;
b. reorganizar o processo de trabalho, partindo da perspectiva
médico-centrada para a abordagem interdisciplinar em equipes
multiprofissionais; e
c. Realizar uma melhora qualitativa na relação trabalhador-usuário
com bases em parâmetros humanitários (solidariedade e cidadania).
Desta forma podemos afirmar que o acolhimento vai se configurar como mais
uma estratégia de consolidação do modelo de atenção com foco na Atenção Básica à
saúde, tornando-se mais do que uma técnica a ser aplicada (Gil, 2006).
Em nossa investigação pudemos observar primeiramente que apenas um
psicólogo citou o acolhimento como atividade realizada tanto pela equipe NASF quanto
por ele (psicólogo). Por sua vez, essa atividade relatada como acolhimento é na verdade
descrita de forma idêntica às atividades de plantão psicológico (citado por 2 dos
psicólogos entrevistados), se caracterizando pela escuta e aconselhamento em situações
específicas, como podemos observar na fala do Psicólogo 3: “O que mais chega é gente
dizendo que está estressada. Aí eu vou, converso, escuto o problema, dou algumas
orientações né, e as vezes eles conseguem colocar isso em prática no dia-a-dia”.
A aproximação do acolhimento com a prática de um plantão psicológico
demonstra a falta da compreensão do acolhimento enquanto estratégia de reorganização
do modelo de trabalho na Atenção Básica em saúde, tornando privado ao psicólogo a
79
realização de tal atividade (já que esta irá se caracterizar por um atendimento
psicológico breve, com aconselhamento psicológico que subentende conhecimentos
específicos na área). Realizado nesta configuração, o acolhimento perde seu potencial
de avanço nos três níveis supracitados: no modelo de plantão psicológico e
aconselhamento não se alavanca a acessibilidade universal ao sistema, pois não se está
promovendo a integração com os outros níveis de atenção; tampouco colabora para a
reestruturação do trabalho em equipe, pois centraliza esta atividade em uma só
especialidade profissional; e por se caracterizar como uma atividade de um único
profissional perde-se a difusão capilar dos parâmetros de solidariedade e cidadania que
deve reger as relações entre usuários e todos os membros da equipe.
6.4.3. Atendimento ambulatorial - ação clínica direta
De acordo com o Caderno de Diretrizes do NASF (Ministério da Saúde, 2009b)
o trabalho da equipe NASF deve se articular de forma a atender a duas dimensões da
atenção: uma dimensão técnico-pedagógica, ofertando apoio matricial com caráter
educativo às equipes Saúde da Família; e uma dimensão assistencial, que se efetiva na
ação clínica direta aos usuários (ressaltando-se na pg.22 do Caderno de Diretrizes do
NASF: “atividades assistenciais diretas, quando for o caso”).
Considera-se que estas duas dimensões devem misturar-se, agindo de maneira
integrada para atender as demandas da comunidade atendida. Desta forma, o
atendimento clínico direto ao usuário surge como uma atividade a ser realizada diante
da necessidade de tal acompanhamento especializado, no entanto, sem desvincular-se da
dimensão técnico-pedagógica, relacionando os atendimentos ambulatoriais com a
80
construção de saberes entre as equipes e mantendo a coordenação do caso na
responsabilidade da equipe Saúde da Família.
É explícito nas diretrizes para o processo de trabalho no NASF que deve-se
priorizar intervenções por meio de discussões de casos juntamente com os profissionais
da equipe Saúde da Família, de forma que o atendimento individual realizado pelo
NASF diretamente com o usuário seja reservado para “situações extremamente
necessárias” (Ministério da Saúde, 2009b) e, ainda assim, mantendo o contato estreito
com a equipe de referência que continua sendo a responsável pelo caso. Tal contato
possibilita que a equipe Saúde da Família reorganize a atenção àquele
usuário/família/comunidade de maneira a complementar de forma coerente o
atendimento específico oferecido.
A coordenação do cuidado, que se pretende pela ESF, deve manter-se mesmo
quando esta equipe não está executando diretamente algum procedimento pelo qual o
usuário tenha que passar. Para que assim se concretize é fundamental a manutenção do
diálogo e participação da equipe Saúde da Família no contato que a equipe NASF
estabeleça diretamente com o usuário. O NASF, sendo um dispositivo estritamente
vinculado às equipes Saúde da Família, deve em todo momento corroborar com a
resolutividade e a coordenação integrada do cuidado na Atenção Básica, sendo base
para tal compromisso o compartilhamento de responsabilidades e o apoio às equipes de
Saúde da Família (Ministério da Saúde, 2009b).
Nas entrevistas realizadas nesta investigação, observamos que todas as equipes
NASF (assim como todos os psicólogos) realizam atendimentos ambulatoriais
individuais diretamente com o usuário. Os psicólogos entrevistados indicam que
organizam suas atividades mensais reservando uma carga horária para o atendimento
81
clínico direto. Tal carga horária pode representar um dia por semana dedicado
exclusivamente a esta modalidade de atendimento, uma semana por mês, ou mesmo a
carga horária total de trabalho do psicólogo no NASF – como observamos ocorrer de
maneira peculiar com o Psicologo 7 que dedica-se no NASF exclusivamente ao
atendimento clínico direto ao usuário.
Quando falamos do atendimento ambulatorial em psicologia nos referimos ao
atendimento individual (atendimento direto a um usuário, realizado por um profissional
– no caso o psicólogo) pautado pelas orientações da psicologia clínica tradicional e suas
abordagens, assim como avaliações psicológicas com base na psicometria. Desta forma,
um usuário é atendido regularmente (semanal, quinzenal ou mensalmente), por tempo
indeterminado, nos moldes da psicologia individual e privada.
Fazer uma transposição tão direta da atividade clínica liberal ao campo da saúde
pública implica primeiramente em profundas dificuldades operacionais em termos de
viabilidade em oferecer a uma comunidade este tipo de atenção (individual e de longo
prazo) sem cercear o acesso universal a atenção à Saúde.
Além da limitação operacional é notória a incompatibilidade da primazia pelo
atendimento clínico direto tradicional no contexto do NASF. Tal atendimento realizado
somente pelo psicólogo não proporciona a troca de conhecimento e a capacitação das
equipes. Por ser de grande importância o aspecto individual do atendimento para este
modelo de atuação, este finda por tornar-se (neste contexto) individualizante,
configurando-se como entrave para a gestão compartilhada do cuidado, desdobrando-se
em uma deficiência na integralidade da atenção. A lógica que rege o funcionamento do
SUS (e o NASF enquanto dispositivo que o compõe) concebe um conjunto de fatores
biológicos, sociais e econômicos, que determinam a saúde dos indivíduos e da
82
comunidade, assim a atenção à saúde se realiza por meio de ações articuladas que
necessitam ir além do que diz respeito exclusivamente ao indivíduo, se remetendo assim
às suas condições de vida e saúde no território em que habita.
Pensar a atuação na equipe NASF é compreender-se em um modelo de trabalho
centrado no apoio matricial às equipes de referência (Saúde da Família), sendo assim
um potencializador e multiplicador do cuidado integral e de qualidade, não se trata de
uma ampliação da equipe de referência. Retomemos aqui dois dos quatro pontos de
síntese da missão do NASF:
- A equipe do NASF e as equipes de Saúde da Família criarão espaços de
discussões para gestão do cuidado: reuniões e atendimentos compartilhados
constituindo processo de aprendizado coletivo;
- O Nasf deve ter como eixos de trabalho a responsabilização, gestão
compartilhada e apoio à coordenação do cuidado que se pretende pela Saúde da
Família (Ministério da Saúde, 2009b, pg.16).
Vemos assim que toda a ação do NASF deve voltar-se para o apoio e
colaboração para/com as equipes Saúde da Família, possibilitando (em todas as ações
que desenvolve) a aprendizagem coletiva, o apoio, e a capacitação das equipes de
referência.
O fortalecimento da ESF se reflete diretamente no reforço aos princípios de
prevenção de agravos e promoção de saúde, contribuindo não só com a melhora na
qualidade de vida e saúde da população, como para facilitar o fluxo da rede. Nesta
perspectiva, o atendimento clínico tradicional que vem sendo transposto sem adequação
ao contexto do NASF - ignorando os ideais de apoio e corresponsabilização que devem
83
reger as ações da equipe - atua de forma contraproducente à concretização do acesso
universal ao sistema, e da atenção integral ao usuário.
Constatamos também que muitas das outras atividades realizadas pelos
psicólogos se subordinam a este modelo clínico tradicional, tornando-se não mais que
uma nova roupagem para este atendimento, como iremos melhor observar quando
falarmos de Grupos Terapêuticos e Visitas Domiciliares.
6.4.4. Grupos informativos e terapêuticos
Recorrendo novamente às diretrizes do NASF, temos como uma das atividades a
serem desenvolvidas sob responsabilidade conjunta entre a equipe NASF e a equipe
ESF, a realização de grupos.
O trabalho com grupos, que conta com a participação do NASF, se divide em
duas modalidades: Grupos de Educação em Saúde, que se caracterizam por seu caráter
pedagógico e informativo; e os Grupos Terapêuticos, que aparecem pouco nas diretrizes
de atuação no NASF, nas quais subentende-se que os Grupos de Educação em Saúde
compreendem em si um caráter “terapeutizante” por meio da elaboração de estratégias
de enfrentamento, da ajuda mútua e do estímulo à cooperação, que transcendem o
repasse de informações.
Os grupos são realizados no âmbito da atenção básica com objetivos de realizar
"atendimento para escuta ativa de grupo de usuários que apresentam demanda comum,
para problematização, sensibilização, informação e/ou esclarecimento sobre legislação e
critérios de inclusão em projetos, programas e serviços sociais ou de saúde" (Ministério
84
da Saúde, 2009b). Desta forma se torna uma ferramenta potente para a ampliação do
atendimento às demandas da população, o aprofundamento do contato com a
comunidade, e o fortalecimento da atuação da equipe de referência junto aos usuários.
Destaca-se aqui, novamente, a importância da articulação da ENASF com a
equipe SF, de forma coerente com a proposta de matriciamento. Diante da coordenação
do cuidado pela equipe Saúde da Família, cabe à equipe NASF apoiar as equipes SF em
um desenvolvimento integrado das atividades. É de responsabilidade conjunta das
equipes NASF e SF a elaboração, estruturação e execução dos grupos (Ministério da
Saúde, 2009b).
O que observamos nas entrevistas realizadas é a predominância de trabalhos
unilaterais da equipe NASF no tocante a realização de grupos informativos e
terapêuticos, nos quais o papel da equipe Saúde da Família se restringe à viabilização
operacional e logística (agendar horários e locais para a realização dos grupos, assim
como identificação da demanda e divulgação da atividade). Esta distribuição de
responsabilidades desigual e desconexa entre as equipes para a realização dos grupos
fica clara na fala do Psicólogo 6: “A atividade em si a gente planeja. Mas o cronograma,
o local, é mais por conta das equipes [SF], que eles que veem qual é o melhor jeito, o
melhor lugar”.
A desarticulação é marca na realização dos grupos, não só a falta de integração
entre equipe NASF e equipe Saúde da Família, mas também pela falta de interação
efetiva entre os profissionais da equipe NASF nesta atividade. Quando é dito que o
grupo conta com a participação de mais de um profissional, o que observamos é uma
divisão de tarefas entre as especialidades e não a discussão e planejamentos conjuntos
de uma ação coesa que corrobore com os princípios da atenção integral à comunidade.
85
Novamente damos destaque ao caso do Psicólogo 5 que relata uma realização de
grupos que se aproxima dos princípios técnicos-pedagógicos do apoio matricial que
devem reger as atividades realizadas pelo NASF. No caso 5 nota-se que há a tentativa
constante de integrar as equipes Saúde da Família na atividade de grupo, indo além,
buscando (fiel ao caráter pedagógico da atuação do NASF) o estímulo à autonomia da
equipe SF.
A gente cobra deles a participação. E na verdade, assim, a gente cobra que eles
tenham iniciativa. A gente cobra que eles façam, que eles tenham a iniciativa, e
que a gente some. Mas a responsabilidade de identificar a demanda, de
trabalhar, de organizar, a gente cobra que seja deles. Quando a coisa não
acontece, a gente tenta fazer, e depois passar pra eles (Psicólogo 5)
Ainda que a tentativa desta equipe NASF seja de fato um avanço em direção à
atuação pretendida na missão do NASF, e potencializa a Atenção Básica pelo
fortalecimento e capacitação das equipes Saúde da Família, notamos que há ainda
empecilhos que se impõem a difusão deste modelo de atuação nas atividades dos
grupos. O Psicólogo 5 cita a dificuldade em realizar tal atividade com a integração e
corresponsabilização das equipes, diante da heterogeneidade das equipes SF. Assim
como a articulação dentro da equipe NASF exerce forte influência no modelo de
atuação que se constrói, a falta de articulação de algumas equipes Saúde da Família
inviabiliza ou dificulta a comunicação e articulação com a comunidade e com a equipe
NASF. Tal dificuldade será melhor explorada quando discutirmos os limites e desafios
para a atuação do Psicólogo no NASF.
Sobre o papel do psicólogo na realização dos grupos observamos a dificuldade
destes profissionais em compreenderem a si mesmos como parte de uma equipe
86
multiprofissional que deverá planejar e realizar a atividade do grupo de forma a integrar
os conhecimentos, indo além da construção de palestras isoladas com conhecimentos
complementares. Destaco esta peculiaridade da ação do psicólogo (sendo esta
dificuldade não exclusiva deste profissional) pois notamos em suas falas a nítida baliza
que a psicologia clínica tradicional coloca na definição do que seria “papel do
psicólogo”, reproduzindo na atividade de grupos (aqui nomeados como Grupos
Terapêuticos) estes limites que se colocam como muros que impedem ao psicólogo
aproximar-se de tudo que não se enquadre em seus moldes pré-estabelecidos de atuação.
É evidente na fala do Psicólogo 3 a falta de integração entre as especialidades no
planejamento e execução dos grupos: “Porque assim, como psicóloga eu não vou falar
sobre doenças, vou falar sobre autoestima”.
É importante ressaltar que a Psicologia, enquanto participante do processo de
promoção de saúde, não pode manter-se indiferente às condições sociais, econômicas,
familiares e comunitárias nas quais estão imersos os sujeitos de suas ações. É preciso
incorporar à visão psicológica a compreensão de que “a experiência cotidiana de saúde
necessita considerar diferentes aspectos das relações humanas: a história, a política, a
economia, o preço do arroz, do feijão, da carne, ou mesmo como cozinhamos tudo
isso...” (Zurba, 2011, pg.07).
Seria possível realizar uma atuação integrada na realização de grupos sem perder
a preciosa contribuição das especialidades? O Psicólogo 5 exemplifica com sua atuação
a possibilidade concreta de se fazer grupos (terapêuticos e informativos) com a real
participação da equipe multidisciplinar. Ressaltando no decorrer de sua fala que busca
“dar um pouco do olhar da psicologia” em sua atuação, ele indica que a realização dos
87
grupos ocorre de forma a articular e de fato integrar os conhecimentos das
especialidades:
É, grupo terapêutico, mas não era R., psicólogo, que tocava, entendeu? Tinha o
grupo de ansiedade, que o nutricionista ia, o terapeuta ocupacional ia,
entendeu? Assim, acabava articulando, fazendo o planejamento, mas os outros
profissionais participam o tempo todo, entendeu? (Psicólogo 5)
A participação do NASF na realização de grupos deve ocorrer sempre de forma
a integrar os conhecimentos dos profissionais da equipe NASF, trazendo a interação
entre as especialidades desde o planejamento à condução do grupo, e ainda manter a
equipe de referência (Saúde da Família) como na responsável pela condução da
atividade, sendo assim ainda uma ação de apoio matricial.
6.4.5. Palestras
A realização de palestras poderia enquadrar-se como uma atividade pedagógica
realizada pelo NASF, no entanto, a dimensão técnico-pedagógica do Núcleo não se
desvincula em nenhum momento da articulação no interior da equipe e entre equipes, da
corresponsabilização, e da fundamentação no apoio matricial às equipes Saúde da
Família, promovendo assim a atenção integral aos usuários.
O que constatamos, no entanto, é a palestra como mais uma reprodução de um
modelo de trabalho individual (no sentido agora de ser realizado por um único
profissional) e desarticulado, subutilizando espaços que oferecem grande potencial de
fortalecimento de vínculo com a comunidade e integralidade da atenção. Como
88
podemos observar na fala do Psicólogo 1 “E cada um tem sua função, cada um
desenvolve seu trabalho, certo? Cada um com sua palestra”.
Um dos espaços predominantemente ocupados pela realização de palestras é o
Programa Saúde na Escola (PSE), que surge como uma proposta de “contribuir para a
formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações
de prevenção, promoção e atenção à saúde” (Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de
2007). Isto além de articular a rede de educação e saúde, possibilitando a troca de
informações sobre condições de vida e saúde dos estudantes, com vistas a otimizar a
utilização de ambos os espaços.
O que foi evidente em nossas entrevistas é que a atividade do NASF no PSE se
limita a realização periódica de palestras informativas, que não só se fazem de forma
distante das equipes SF (que têm sua participação novamente limitada a questões
práticas de operacionalização) como também não articulam os saberes das diversas
especialidades que compõem o NASF. Desta forma a intervenção do NASF no PSE não
trabalha no fortalecimento do vínculo do sistema de saúde (através de sua porta de
entrada, a equipe SF) com a rede de educação e os usuários que lá participam desta
atividade.
Outro espaço que tem seu potencial tolhido, pela má alocação de palestras
pontuais e desarticuladas, são os grupos (citados no item anterior). Como já dito a
realização de grupos sem a preocupação em integrar as especialidades para sua
formulação e realização faz com que estes se tornem ciclos de palestras, como fica claro
na fala do Psicólogo 6:
89
A gente tem os grupos que são mais educativos mesmo, que são exatamente
esses grupos específicos, e são grupos multiprofissionais, participam todos os
profissionais, entendeu? Tem um dia uma palestra com a psicóloga, sobre
determinado tema. Outro dia, uma palestra com a educadora física, sobre
determinado tema... (Psicólogo 6)
Este formato de realização de grupos como ciclo de palestras, as quais são
realizadas pelos profissionais isoladamente em suas especialidades, não proporciona a
troca transversal de conhecimentos (entre os profissionais da equipe NASF, e entre a
ENASF e as equipes Saúde da Família), fragmentando a compreensão do usuário e seu
processo saúde-doença e, consequentemente, enfraquecendo a integralidade da atenção.
6.4.6. Registro das atividades
Embora não possa ser considerado rigorosamente uma “atividade”, o registro
das ações realizadas pela equipe NASF é ferramenta importante para o
acompanhamento devido dos casos, a continuidade do cuidado e até mesmo na
articulação da rede de atenção (por meio da organização e troca de informações). Mas,
outra função se destaca fortemente nos dados obtidos nesta pesquisa: a utilização dos
registros como forma de cobrança e pressão por produtividade das equipes.
Remontando às exigências de agências financiadoras internacionais (BIRD e
FMI), que demandam o cumprimento de metas, vemos reverberar do Ministério da
Saúde às gestões estaduais e municipais a cobrança por indicadores de produtividade.
Nesta lógica as equipes (SF e NASF) devem registrar, por meio de relatórios a serem
repassados para níveis superiores de gestão, quantidades de procedimentos realizados.
90
Tal cobrança vai de encontro aos esforços reestruturantes da atenção à saúde, ao
passo em que se é proposta uma atuação que integre conhecimentos, atuando com
prioridade na promoção de saúde, e contraditoriamente se cobra das equipes da Atenção
Básica números de procedimentos realizados, vendo-os de forma fragmentada, e
condicionando a contrapartida financeira a estes índices de produtividade. Constrói-se
no processo de consolidação do SUS uma incompatibilidade entre seus princípios
organizativos e a forma de aplicá-los. Os princípios do SUS são claramente políticos,
trazendo mudanças paradigmáticas que implicam em uma mudança de prática que seja
mais abrangente e integrada. Já a operacionalização dos princípios se dá de maneira
extremamente técnica, o que é ranço dos modelos anteriores de atenção que
remuneravam intervenções curativas, pautadas em diagnósticos nosológicos. Nestes
moldes, trabalhar com as alternativas que sejam coerentes com os princípios SUS, como
educação em saúde e promoção à saúde, aparece como algo vago e não “quantificável”.
Na realidade cotidiana do trabalho das equipes esta pressão tem um reflexo
imediato no modelo de atuação realizado. O NASF, com uma proposta de atuação
bastante diferenciada dos outros dispositivos de saúde, encontra-se em uma posição
ainda mais complicada em relatar procedimentos realizados, já que ações de apoio
visam a integração de ações e são difíceis de fragmentar em procedimentos (mesmo que
para uma explicação didática em relatórios). E da mesma forma a influência de tal
pressão sobre a atividade do NASF também ocorre de maneira diferenciada, pois mais
facilmente desvirtua o modelo de atuação da equipe, uma vez que este ainda é
fragilizado (por sua recentidade, e as já demonstradas dificuldades dos profissionais em
executar o modelo pautado na atuação multiprofissional em apoio matricial).
91
Dito isto, vemos que a maioria dos psicólogos entrevistados (com exceção do
Psicólogo 5, explanado mais adiante) não demonstram perceber esta incoerência entre o
que lhes é cobrado pelos registros oficiais e o que seria de fato suas propostas de
atuação. Mas indicam, sem fazer esta relação, como registram sua produtividade:
Quantos atendimentos eu fui, quantas ações, quantos congressos, quantos
cursos, quais os cursos... tudo discriminadozinho, e as patologias, quais foram
as patologias e as quantidades que eu atendi durante o ano, se foi ansiedade, se
foi depressão, abuso sexual, se foi... (Psicólogo 3)
O caso do Psicólogo 5 se destaca novamente por ter ocorrido na equipe uma
pressão explícita pelo atendimento ambulatorial. Pela maneira peculiar em que a equipe
NASF na qual atua o Psicólogo 5 se estruturou, tendo de início construído uma atuação
totalmente voltada para o apoio matricial, foi notado, de imediato, pelos profissionais a
incompatibilidade da demanda que a gestão lhes impunha por atendimentos
ambulatoriais em contraposição aos preceitos que regem a ação e o papel do NASF na
rede de saúde.
A psicologia, além de enquadrar-se nesta pressão por produtividade, apresenta
ainda outra particularidade transparecendo em sua maneira de lidar com os registros de
suas atividades. Há entre os psicólogos entrevistados uma preocupação com o sigilo das
informações que surgem nas atividades que realizam. Quando falam sobre o registro de
suas atividades fazem a ressalva sobre como mantém um registro individual (só do
psicólogo) sobre o qual outros profissionais não têm acesso. É emblemática desta
situação a fala do Psicólogo 6: “(...) o da psicologia e o da psiquiatria são separados do
outro prontuário. Tem um armário só com os prontuários da psicologia, e outro só com
o da psiquiatria. E só quem tem acesso ao da psicologia sou eu”.
92
Sem negligenciar o cuidado com o respeito ao sigilo na relação entre psicólogo e
usuário, temos que ressaltar que esta preocupação denota que as atividades realizadas de
fato se subordinam à lógica clínica tradicional da psicologia e, como já discutido
anteriormente, não são compatíveis com um modelo de atuação centrado no apoio
matricial e atenção integral da população. Assim, sem negar ou mesmo criticar a
imposição do código de ética dos psicólogos que traz o sigilo como exigência
fundamental para a atuação do profissional de Psicologia, deve-se haver, na situação
peculiar em que se encontra o psicólogo que atua na equipe NASF, a busca por conciliar
o respeito à privacidade do usuário com a (igualmente indispensável) atuação
multidisciplinar. Uma alternativa bastante utilizada pelos psicólogos entrevistados é
manter um registro parcial das informações no prontuário geral e um registro mais
detalhado que fica de posse do psicólogo. Não podemos deixar de considerar (nesta e
em qualquer alternativa que possa surgir no fazer do psicólogo no NASF para
solucionar esta situação) que há outras ferramentas do trabalho multidisciplinar, como a
interconsulta e a elaboração do PTS, que se bem utilizadas são campo fértil para o
esclarecimento de questões relevantes no cuidado do usuário, prevalecendo assim (e só
assim) a troca de saberes necessária para a atenção integral com o cuidado que o
psicólogo traz no compartilhamento de informações.
6.4.7. Visitas Domiciliares
A visita domiciliar é um meio para aprofundar os conhecimentos acerca das
demandas dos usuários e da comunidade, apreendendo seu modo de vida, as relações
que estabelecem, buscando compreender sua experiência social para assim conhecer de
fato seu modo de vida (Ministério da Saúde, 2009b). É proposto que o NASF participe
93
de visitas domiciliares diante da necessidade concreta, observada pela equipe SF,
sempre preservando o objetivo de conhecer o modo de vida da população e o apoio à
equipe Saúde da Família para a efetivação do cuidado.
O que predomina entre os psicólogos entrevistados é a realização de visitas com
os objetivos de atender às demandas específicas de adoecimento psíquico com
impossibilidade de locomoção do paciente à Unidade de Saúde; ou ainda, quando é
detectado durante um atendimento clínico direto a necessidade de conhecer o ambiente
familiar do paciente para aprofundar o processo terapêutico ou elaborar um laudo
psicológico como, por exemplo, observamos no relato do Psicólogo 7 “As vezes,
quando tem um paciente meu precisando de visita domiciliar, eu faço”. Em ambos os
casos, a visita ocorre com o intuito de possibilitar o início ou a manutenção do
acompanhamento clínico psicológico direto ao usuário.
Nas visitas a gente vai pra mostrar ao paciente a importância a dar ao
tratamento, pra escutar, porque as vezes so em você estar escutando, ele já sai,
parece assim que você fez mil coisas, mas só o fato de ter uma pessoa que não
seja de casa pra poder desabafar eles já concordam. Eu falo: olhe ta na hora de
ir na unidade... eles já aceitam, concordam. Porque aquele paciente que esta só
em casa, já é um estimulo pra ele ir na unidade, porque eu explico que a gente
vai ter mais conforto, vai ficar em uma sala reservada e assim, dentre os
profissionais, eles dizem: não a sala é sua, porque entende que a gente precisa
de mais privacidade . (Psicólogo 3)
Esta modalidade de visita domiciliar deve sim ocorrer (quando extremamente
necessário, da mesma forma que todas as ações de atendimento direto ao usuário,
realizadas no NASF), mas é marcante a ausência nas entrevistas, da visita domiciliar
94
que atende aos propósitos de mapear a situação da comunidade, conhecer as condições
de vida e saúde do território atendido.
A marcada presença da visita domiciliar exclusivamente como atendimento
direto ao usuário mostra, mais uma vez, a marcante presença do viés clínico tradicional
da psicologia nas atividades realizadas no NASF. O que é ainda reforçado pela maneira
como ocorrem as visitas, como uma intervenção direta e individual com o usuário, na
fala do Psicólogo 3 é possível compreender que por vezes as visitas são realizadas como
uma substituição ao atendimento ambulatorial na unidade de saúde:
às vezes tem paciente que está com um quadro de depressão e não quer sair de
casa, então se a gente não for na casa dele, ele nunca que vai ir na unidade,
então nesse dia eu não faço atendimento na unidade, eu até vou para a unidade,
mas para fazer visita. (Psicólogo 3)
Este entendimento é reforçado por relatos que demonstram a preocupação em
manter um ambiente na visita domiciliar que se aproxime do ideal para o atendimento
clínico individualizado:
No caso da Psicologia é ruim na visita, por exemplo, porque eu chego pra
conversar e com muita gente fica todo mundo escutando a conversa. Tenta as
vezes chamar pra um lugar mais reservado no quarto, ou ate mesmo pedir um
pouco de privacidade. (Psicólogo 3)
Não podemos aqui desconsiderar o respeito para com o usuário que demande o
atendimento direto e requeira privacidade para tal, como dito, quando necessário os
profissionais do NASF devem realizar ações diretamente aos usuários, o que se debate
aqui é a prevalência absoluta deste tipo de ação no que diz respeito à visita domiciliar.
95
Assim a visita se faz como uma reprodução do atendimento psicológico clínico
individual e perde seu potencial como ferramenta para o aprofundamento da relação das
equipes com a comunidade, do conhecimento da situação em que vivem, função
essencial para a concretização do cuidado integral ao usuário (como veremos mais
adiante na sessão “Mapeamento”).
Outra característica que chama atenção nas entrevistas realizadas no tocante às
visitas domiciliares, é que os profissionais da equipe Saúde da Família surgem mais
uma vez como um operador de logística para a realização da atividade, levando a
demanda ao profissional do NASF, apresentando o psicólogo à família, possibilitando
assim seu acesso ao domicílio.
As equipes, que inclui também os agentes de saúde, grande parte vem dos
agentes, que eles que tão direto na casa dos usuários, então eles vêm, percebem
a demanda, eles têm essa espontaneidade, eles vêm a demanda e procuram a
gente, a gente vai e faz as visitas. (Psicólogo 6)
Não há a participação dos profissionais da equipe de referência na visita em si,
desta forma, não ocorre ação de apoio matricial na relação estabelecida entre o
psicólogo da ENASF e o profissional da equipe SF (geralmente o agente de saúde ou o
enfermeiro). Mais uma vez subutilizando a visita domiciliar, não só minimizando seu
potencial em reconhecer para intervir nos determinantes sociais da saúde da
comunidade, como também limitando o caráter pedagógico (trazido no apoio matricial)
que visa a autonomia da equipe de referência na coordenação do cuidado.
6.4.8. Capacitação
96
A capacitação oferecida pela equipe NASF é uma importante atividade da esfera
técnico-pedagógica que é central no funcionamento do Núcleo. Está implícita em toda
atividade regida pelo apoio matricial uma dimensão formadora da equipe de referência.
Em que pese a importância de tal dimensão, neste tópico, tratamos da capacitação em
seu sentido formal, enquanto cursos e atividades que objetivem estritamente capacitar
determinada população em algum tema específico.
Nas entrevistas realizadas muito pouco surgiu sobre atividades de capacitação, o
que (somando-se aos demais aspectos observados nas entrevistas, em especial sobre as
atividades realizadas) demonstra o pouco investimento das equipes nas ações de apoio
matricial. Os relatos de capacitações realizados pelas equipes NASF mostram duas
vertentes dessa atividade. A primeira delas surge como uma abordagem alternativa da
dimensão assistencial, na qual foram realizadas capacitações de professores e pais nas
escolas para lidar com questões que são crescentes demandas ao sistema de saúde, como
dificuldades de aprendizagem. É assim uma atividade que trabalha no nível da
prevenção de agravos e promoção de saúde nas escolas, contribuindo também para o
melhor funcionamento do sistema. Um exemplo desta modalidade de capacitação temos
na fala do Psicólogo 6 :
Capacitar os educadores na questão dos transtornos de aprendizagem. Porque
as escolas querem encaminhar pra lá, porque também não têm um psicólogo
que atenda essa demanda escolar. Então, eles acabam encaminhando pra gente,
e a gente faz o que pode, né? Mas é por isso que a gente está querendo
capacitar os educadores, para eles fazerem não um diagnóstico, mas pra eles
saberem trabalhar. (Psicólogo 6)
97
A outra vertente da capacitação relatada pelos psicólogos é, dentro da proposta
de apoio matricial, a oferta de capacitações para profissionais das equipes Saúde da
Família:
estou iniciando uma capacitação com os profissionais de saúde de lá, sobre
acolhimento. Então, a gente vai trabalhar Política Nacional de Humanização e
Acolhimento, pra médicos, enfermeiros, odontólogos, técnicos de enfermagem,
técnicos de odontologia, os auxiliares, e os recepcionistas das unidades de
saúde da família (Psicólogo 5)
Ambas as modalidades contribuem para a evolução do sistema, com melhorias
na qualidade do cuidado integral à população. É importante considerar que, da mesma
forma como observamos acontecer com os profissionais do NASF, as iniciativas de
capacitação oferecidas pelo SUS para as equipes que atuam na Atenção Básica não são
realizadas de maneira sistemática, sendo (mesmo que numerosas) insuficientes para
atender às demandas das equipes Saúde da Família. O NASF, que por definição deve
ser articulado às equipes Saúde da Família em contato direto e constante, tem potencial
para apreender mais precisamente a demanda de cada equipe e território, além de
realizar a capacitação constante por meio do caráter pedagógico presente em todas as
ações realizadas na lógica matricial.
6.4.9. Mapeamento
O trabalho da Atenção Básica por ser um trabalho realizado com a comunidade,
visando oferecer atenção integral aos usuários (abarcando os determinantes sociais de
saúde como fator central ao desenvolvimento do cuidado), deve ter suas ações
98
elaboradas de acordo com o perfil, as demandas, e peculiaridades da comunidade
atendida. Para que isso ocorra, conhecer a comunidade é etapa fundamental das ações
realizadas nos serviços de atenção básica. O Sistema Único de Assistência Social (que
tem seu trabalho igualmente próximo à população e suas necessidades) denomina esta
ação de produção e sistematização de informações sobre a comunidade atendida, de
Vigilância Social e tem papel fundamental no planejamento de ações de prevenção e
promoção sociais (noções que se coadunam com os princípios de promoção e prevenção
na concepção de saúde).
Outro conceito trabalhado na Assistência Social que compõe a etapa de
mapeamento na ação junto à comunidade é a chamada Territorialização. A
Territorialização é o mapeamento das instituições que existem na comunidade. Na
Atenção Básica em saúde a Territorialização é ferramenta importante para a articulação
intersetorial, sem a qual não podemos conceber o cuidado integral ao usuário do
Sistema.
O NASF posiciona-se na rede de saúde como um dispositivo da Atenção Básica
que atua junto às equipes SF no planejamento e realização cuidado integral aos usuários,
por meio de ações assistenciais e de apoio matricial, e que realiza também o intermédio
com níveis mais elevados de Atenção. Assim, da mesma forma como é fundamental
para o trabalho das equipes Saúde da Família, as equipes NASF devem
imprescindivelmente realizar o reconhecimento e mapeamento do território e
comunidade, para que, desta forma, possam participar com propriedade do
planejamento e realização do cuidado juntos às equipes SF, desenvolvendo ações
coerentes com as necessidades da comunidade e efetivas na condução da atenção
integral (que no paradigma de saúde adotado pelo SUS, vai além de ações que se
99
foquem na doença, considerando também os fatores sociais que são determinantes da
saúde). As intervenções no âmbito da promoção de saúde tornam-se efetivas quando
contextualizadas, potencializando-se no conhecimento da população atendida e dos
serviços e instituições que atendem à comunidade (Boing, Crepaldi, & Moré, 2009).
Destaca-se em nossa análise que apenas dois psicólogos entrevistados
mencionam a realização do mapeamento no relato das atividades realizadas pelo NASF.
Em ambos os casos a realização do mapeamento se deu no momento de instalação das
equipes NASF, no entanto cada um contempla uma dimensão do mapeamento.
Psicólogo 5 indica a realização da Vigilância Social como um passo importante
para o planejamento do trabalho da equipe, sendo realizado neste momento um
“diagnóstico da situação do município”, e aproximar-se da comunidade contribuindo
para a melhor efetividade das ações pretendidas.
Então, a gente decidiu se aproximar e conhecer cada comunidade, os agentes de
saúde, e montar um diagnóstico da situação, ver quais eram as necessidades,
quais eram as demandas, quais eram os casos que precisariam de uma
intervenção multidisciplinar. (Psicólogo 5)
Por outro lado, o Psicólogo 3 indica o mapeamento enquanto Territorialização,
como uma atividade que possibilitou conhecer a rede de atenção que compreende o
município possibilitando uma melhor relação de encaminhamentos dentro da rede: “a
gente saiu a campo para conhecer o município, as redes, para ter um centro de
referência, lá tem onze especialidades que a gente precisa tá encaminhando” (Psicólogo
3).
100
Ambos os casos apresentam ações de mapeamento de grande importância para o
desenvolvimento das atividades do NASF, no entanto, o mapeamento é ainda
subutilizado na medida em que nas duas únicas entrevistas em que fora mencionado,
demonstra-se ainda que este não é realizado em sua completude, somando-se a
Vigilância Social à Territorialização.
6.5. Ações de articulação na rede de saúde e intersetoriais
No decorrer das entrevistas notamos na descrição das atividades e do modo de
funcionamento do NASF, indicativos de como se dá a relação entre os profissionais da
equipe NASF, entre estes e as equipes SF, e entre a ENASF e outros dispositivos
(CRAS, CREAS, CAPS e ONGs). Além da caracterização implícita para qual
atentamos, foi também perguntado diretamente aos entrevistados sobre estas
articulações.
6.5.1. Articulação da equipe NASF
Primeiramente, é importante ressaltar que em todas as entrevistas os
profissionais indicam que a equipe NASF é bem articulada (em alguns casos fazendo a
ressalva que os profissionais médicos se distanciam dessa integração). No entanto, o
que observamos é que nem sempre o que parece aos profissionais uma boa articulação
da equipe é de fato uma atuação interdisciplinar.
O conceito de interdisciplinaridade baseia-se na concepção do desenvolvimento
de relações de interação dinâmica dos saberes, partindo de uma atitude integrativa entre
e dentro das disciplinas. Diferencia-se assim de uma simples troca de saberes na qual
101
cada especialidade ensina as outras o seu saber, “No projeto interdisciplinar não se
ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se” (Ministério da Saúde, 2009b, p.18).
O que notamos na fala dos psicólogos é que, na maioria dos casos (novamente
diferenciando-se o caso 5), o que ocorre como interação dos profissionais que compõem
a equipe se resume a encaminhamentos, organização conjunta de cronogramas (não
como planejamento de atividades, mas como planejamento logístico), e a troca de
informações sobre casos específicos. Essa troca de informações, por vezes nomeada de
“discussão de caso” pelos profissionais, ocorre por iniciativa do profissional que está
conduzindo algum procedimento ou acompanhamento de um caso, quando este sente a
necessidade de obter informações ou ajuda na condução do tratamento. Apesar de
nomearem assim, esta ação fica aquém do que de fato seria a discussão de casos.
Como parte do processo de interconsulta (dentro da lógica matricial), a
discussão de caso deve atender aos propósitos de construção de um Projeto Terapêutico
Singular; para tanto, se fundamenta na incorporação de diferentes saberes para abarcar
as diferentes dimensões da situação observada (Ministério da Saúde, 2011). A discussão
de caso está para o NASF como um importante pilar para o desenvolvimento de seu
processo de trabalho, ao passo que se configura como estratégia fundamental para a
construção do PTS, e requer verdadeira integração da equipe interdisciplinar.
A articulação dos saberes de forma interdisciplinar em uma equipe não
descaracteriza as especialidades, mantendo cada um seu olhar diferenciado aos sujeitos
de suas ações, mas constrói uma visão ampliada e integral dos casos e processos nos
quais se envolvem. Desta forma, amplia-se também a compreensão de seu papel na
equipe e no sistema de saúde, buscando romper com a fragmentação da atenção
direcionando-se a verdadeira integralidade do cuidado.
102
Vemos que esse movimento interdisciplinar e integrativo se delineia na atuação
da equipe do Psicólogo 5, ao ponto que este começa a ver a si mesmo não mais como
um especialista em seu trabalho isolado, mas como um profissional da saúde,
ressaltando ainda assim, em diversos momentos de sua fala, que seu conhecimento da
Psicologia se faz presente e fundamental em todas as atividades desenvolvidas por ele.
Eu me penso, eu penso como um profissional de saúde, que tem que ter uma
visão integral da comunidade, das necessidades da comunidade, e que eu posso
contribuir de alguma forma com aquela realidade ali, que eu to inserido.
(Psicólogo 5)
O caso 3 aponta a realização de consultas conjuntas (nomeadas pelo psicólogo
de atendimento multidisciplinar). As consultas conjuntas, como um aprofundamento da
interconsulta, devem contar com a participação de pelo menos um membro da equipe de
matriciamento (ENASF) e um membro da equipe de referência (SF), e deve combinar
elementos de atenção assistencial com características pedagógicas para contemplar o
objetivo de apoio matricial na ação (Ministério da Saúde, 2011). O que o caso 3
descreve como uma consulta conjunta envolve os profissionais da ENASF, mas não
inclui a equipe Saúde da Família, sendo desta forma totalmente contraditório com a
lógica do apoio matricial pressuposto como eixo central das ações desenvolvidas pelo
NASF.
(...) a gente também trabalha juntos, a gente atende determinado paciente todos
juntos, a gente chama de atendimento multidisciplinar (...) o atendimento
multidisciplinar é mais com a gente do NASF mesmo (Psicólogo 3)
103
A consulta conjunta nestes moldes traz ganhos para a visão mais integral do caso
(em relação à consulta direta em uma especialidade), no entanto, se perde a
possibilidade de promover uma atividade de grande potencial para a integralidade da
atenção e capacitação das equipes SF, além de enfraquecer a coordenação de caso sob a
responsabilidade da equipe Saúde da Família. Isso faz com que apenas os profissionais
do NASF tenham como acompanhar o caso, situação que não é a recomendada. A
equipe de referência do sujeito deve ser aquela presente em seu território, ou seja, a
equipe de SF. Se o NASF se apropria isoladamente do caso, há uma cronificação do
cuidado, uma abordagem sempre interventiva e pouso preventiva, além de diminuírem
consideravelmente as chances de um acompanhamento no território.
6.5.2. Articulação entre ENASF e equipe SF
O NASF é criado e elaborado em cima da proposta de oferecer à ESF uma
retaguarda especializada que contribui para a ampliação da abrangência e inserção da
ESF, e melhorar qualitativamente a atuação da Estratégia nas comunidades atendidas. O
NASF então é, por definição, vinculado à Estratégia Saúde da Família. A articulação
entre as equipes NASF e as equipes SF é então condição sine qua non para que se
cumpra o papel e missão do NASF.
Este vínculo entre NASF e ESF se faz seguindo a lógica da corresponsabilidade,
por meio de uma relação de apoio matricial. Sendo assim, se espera dessa articulação a
constante e permanente comunicação, prezando pelo caráter pedagógico e a manutenção
da coordenação do cuidado no âmbito da equipe SF. Isso significa pensar as atividades
do NASF em todo momento como retaguarda das ações da equipe Saúde da Família, ou
104
seja, do planejamento das ações à execução das atividades, o caráter pedagógico e a
participação efetiva da equipe SF devem se fazer presentes. Como dito anteriormente, a
realização pela equipe NASF de ações assistenciais diretas à população também é parte
das ações pretendidas pelo NASF, no entanto, ainda são ações subordinadas à lógica
matricial e à corresponsabilidade das equipes, sendo fundamental promover a
participação da equipe SF nos direcionamentos destas atividades e na continuidade do
acompanhamento.
O que constatamos nos relatos é que na prática cotidiana das equipes NASF essa
articulação se dá prioritariamente por meio de encaminhamentos vindos das equipes
Saúde da Família para a ENASF, como se evidencia na fala do Psicólogo 7:
Não, eu não vejo isso de discussões. Eu só vejo os encaminhamentos e ponto
final. O paciente chega no PSF, o PSF, se não conseguir resolver, entra
enfermeira, médico, tudo, ai encaminha pro NASF. (Psicólogo 7)
Assim se reproduz uma lógica tradicional no Sistema de Saúde de estabelecer
relações verticalizadas de transferência de responsabilidade sobre o caso, por meio de
comunicação precária entre diferentes níveis hierárquicos. A proposta do NASF,
pautada no apoio matricial, é de estabelecer na rede de saúde relações horizontais que
integrem os diferentes saberes e promova uma melhor articulação nos diversos níveis de
assistência em saúde (Ministério da Saúde, 2011). A fala da Psicóloga 4 exemplifica
como a relação que se estabelece entre profissionais da equipe NASF e profissionais da
equipe Saúde da Família muitas vezes se limita à encaminhamentos de um para o outro,
sem discussão de caso ou qualquer outra ferramenta que o apoio matricial preconiza
(como a interconsulta e o PTS):
105
ocorreu um caso de uma paciente que tava tendo dificuldade no decorrer da
gestação dela né, emocionais...mas, que também estavam pesando no próprio
desenrolar da gestação dela, tava sentindo dores e tal. Ai eu já articulei com a
enfermeira, porque ela não estava fazendo o pré-natal na unidade, tava fazendo
em outro canto, então eu já articulei com a enfermeira para que acompanhasse
ela e cuidasse dessa parte, pra ela acompanhar o pré-natal nessa unidade.
Como também a enfermeira pode também ter, como eu posso dizer, um paciente
que esta passando por algum problema mais de ordem emocional que ta
interferindo, né? E ela possa ta encaminhando pra mim, pra que eu possa fazer
essa escuta mais qualificada. (Psicóloga 4)
Observamos, ainda, que quando há alguma participação da equipe SF das ações
desenvolvidas pela ENASF essa participação se restringe a questões operacionais das
atividades. Ou seja, a equipe SF viabiliza (por meio de agendamento de local, horário e
divulgação da ação) a realização da atividade, mas não está presente na elaboração e
execução da mesma. Isso corrobora dados anteriores que apontam para a reprodução de
relações hierarquizadas, verticais e desarticuladas, planejadas e promovidas pelos
especialistas da equipe NASF (não se caracterizando aqui como uma equipe de
apoiadores).
Contrapondo-se a estas constatações temos a fala do Psicólogo 5, que destaca-se
pelo constante esforço que a equipe NASF realiza de aproximar-se das equipes SF, e da
permeabilidade da lógica matricial em todas as atividades desenvolvidas. No caso 5 é
notória a tentativa de romper com a verticalização dos encaminhamentos, buscando
manter a responsabilidade do caso na esfera da Saúde da Família, capacitando e
oferecendo a retaguarda necessária para a melhor resolutividade do mesmo. Prezando
106
pelo caráter matricial, pedagógico e pela corresponsabilidade, vemos na fala do
Psicólogo 5 a aplicação prática da alternativa proposta à lógica verticalizada de
relacionamento com a Estratégia Saúde da Família: “Muitas vezes, eles mandam o caso
pra gente e a gente diz: ‘olhe, esse caso não é só da gente’. Entendeu? E a gente acaba
voltando nos postos de saúde pra conversar, muitas vezes.” (Psicólogo 5)
No relato das atividades realizadas pela ENASF do caso 5 também vemos a
diferente forma com que se articula com as equipes Saúde da Família. Enquanto nos
demais casos predomina a relação burocrática de operacionalização de atividades, no
relato do Psicólogo 5 vemos o estímulo à participação da equipe SF em todos os
momentos da ação, da elaboração da atividade à realização da mesma, buscando
incentivar a participação da equipe SF na dianteira das ações. Também constatamos em
sua fala que há ainda barreiras para a realização desta integração das equipes SF nas
atividades desenvolvidas, indicando que além da articulação entre os profissionais da
ENASF ser fundamental para o funcionamento neste modelo, é também fundamental a
coesão da equipe SF para que se adequem e aceitem o trabalho conjunto com a equipe
NASF.
Porque a gente sabe que o NASF é pra fazer apoio. Na verdade, quem é pra
tocar o grupo são as equipes de saúde da família (...) O que acontece, alguns
grupos que a equipe, elas são articuladas, são atuantes, esses grupos eles
conseguem... A equipe consegue conduzir (Psicólogo 5)
A articulação das atividades da equipe NASF com a equipe Saúde da Família é
essencial, de forma que se estabeleça como articulação entre equipe apoiadora e equipe
de referência. Para tanto a integração de suas ações, com a manutenção da equipe Saúde
da Família como responsável pelo acompanhamento integral do caso, deve sempre
107
contar com um forte caráter pedagógico que vise a autonomia das equipes de referência
e a complementaridade dos saberes na oferta do cuidado integral ao usuário.
6.5.3. Articulação do NASF com outros dispositivos
O conceito ampliado de saúde, que é base para a reformulação da atenção
concretizada na proposição do SUS, reconhece os processos de saúde e de doença em
uma complexa rede de condicionantes sociais. Nesta perspectiva é impensável uma rede
de cuidado em saúde descolada da atenção aos demais determinantes que têm peso e
influência sobre a qualidade de vida da população atendida. Assim, a intersetorialidade
é cabal para a integralidade do cuidado na Atenção Básica à Saúde. Assim como a
interdisciplinaridade transcende a pura troca de informações, a intersetorialidade vai
além da construção de uma rede de encaminhamentos e tem também papel fundamental
no diagnóstico da situação das comunidades atendidas, e concretização do cuidado ao
usuário.
À exceção do caso 5, que descreve a discussão e acompanhamento conjunto de
casos com profissionais de outros dispositivos da rede (com trabalhadores do CRAS,
CREAS e conselhos tutelares), o que observamos é a inserção do NASF na rede
intersetorial sendo realizada, predominantemente, por meio de encaminhamentos e
solicitação de pareceres. Não há aqui a articulação de saberes para a promoção da
atenção integral aos sujeitos das ações realizadas pelo NASF e por toda a rede de
atenção.
O CREAS, a Casa da família, o centro de reabilitação – CRE, ai a gente vai
desafogando aqui, porque se a gente atende um paciente e vê que ele tem uma
108
necessidade mais específica, precisa de um atendimento mais especial a gente
vai encaminha (Psicólogo 3)
Em alguns casos a realização de palestras solicitadas por outras instituições do
município é tida como uma atividade de troca de saberes dentro da rede de atenção; no
entanto, as palestras não se direcionam aos profissionais e funcionam como um serviço
“terceirizado” prestado pela equipe NASF ao público de outra instituição. Não sendo,
desta forma, uma contribuição para uma visão ampliada e conhecimento aprofundado da
situação da comunidade atendida, tampouco integra as ações para promover melhor
resolutividade e qualidade na atenção.
Os encaminhamentos vindos de outros dispositivos para o NASF ainda revela a
distorção do papel do NASF dentro da rede. Ao encaminhar casos para o NASF faz-se
desse dispositivo uma porta de entrada para o Sistema de Saúde, o que é incompatível
com o posicionamento do NASF na Atenção Básica, sendo a ESF responsável pela
coordenação dos casos e a entrada prioritária para o sistema. É assim reforçado o
desvirtuamento das atividades realizadas pelo NASF, sendo os encaminhamentos da
rede socioassistencial mais uma pressão para o atendimento ambulatorial direto ao
usuário do sistema.
E vinham também muitos encaminhamentos das escolas, com demandas
específicas, de transtorno de aprendizagem. E não é bem a proposta do NASF,
né? A proposta do NASF é dar um suporte às Estratégias, né? (Psicólogo 6)
Os desafios para a construção de uma articulação intersetorial, passam não
somente por dificuldades de profissionais e equipes em compreender a dimensão desta
interação, mas também pelas deficiências na constituição de uma rede atenção completa
109
e qualificada, indo além, podemos afirmar que os desafios são ainda mais profundos,
nascem da própria estrutura e modo de funcionamento da sociedade capitalista. O SUS
se estrutura em seus princípios e delineamentos baseado em uma concepção de saúde
ampliada que a considera em seus determinantes históricos, sociais, familiares,
econômicos, trazendo ao cuidar da saúde a atenção à fatores como habitação, renda,
trabalho e lazer (VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS, 1987). Muito do que se
apresenta à Atenção Básica como demanda são frutos das sequelas da questão social
que aflige a população alvo do SUS. Nesta perspectiva não é possível promover saúde
por meio de ações que se limitem ao campo do biológico, são necessárias ações que
propiciem aos usuários e suas comunidades o resgate de direitos sociais e combate à
exploração. Para isso a articulação intersetorial não deve ocorrer de modo esporádico,
em ações pontuais, mas sim ser essência da atuação do NASF em troca contínua e ações
sistemáticas para a promoção da saúde ampla e integral.
6.6. Desafios e limites da atuação do Psicólogo no NASF
Na análise do que é apontado como desafios e limitações que se colocam à
prática dos profissionais entrevistados na realização de seu trabalho no NASF,
percebemos que grande parte das complicações apresentadas se relaciona com a
dificuldade de realizar no NASF o atendimento direto ao usuário nos moldes da
psicologia clínica tradicional.
Trazem como empecilhos para a realização do seu trabalho limitações de
estrutura física: a ausência de salas reservadas à psicologia, considerando a privacidade
no atendimento ponto fundamental para a boa realização de sua prática; a falta de salas
110
de ludoterapia para realizar atendimentos clínicos infantis; e a falta de testes
psicológicos para a realização de avaliações psicométricas. Estas limitações trazidas
pelos psicólogos denotam uma atuação pautada nos modelos tradicionais centrados no
indivíduo e que trazem um caráter alienante às suas ações (no sentido de considerar as
situações e demandas atendidas de forma alienada dos determinantes históricos e sociais
que nelas estão implicados).
Somando-se às queixas de estrutura física para a reprodução da clínica
tradicional no ambiente do NASF, temos as dificuldades de excesso de demanda.
Apontam para a impossibilidade concreta de realizar o atendimento clínico direto ao
usuário diante da enorme quantidade de atendimentos que seriam realizados. Assim, as
queixas se direcionam para a impossibilidade de manter o tempo regular da sessão
terapêutica (que seria 50 minutos), bem como a dificuldade de conduzir um processo
terapêutico com grandes intervalos entre as sessões.
Eu gostaria de poder atender todo mundo, toda a demanda espontânea que tem
(...) mas como a demanda é muito grande, e sou só eu e essa outra psicóloga
que tem o tempo menor e só atende ambulatório, não temos como (...) o ideal
seria que tivéssemos mais psicólogos pra poder... Pra gente conseguir atender.
(Psicólogo 6)
A predominância de queixas voltadas para a impossibilidade de transpor o
atendimento psicológico tradicional para o trabalho no NASF indica como a lógica
matricial e missão do NASF ainda não estão incorporados na visão destes profissionais
sobre sua própria atuação. Compreender o trabalho na lógica do apoio matricial é
incorporar o paradigma proposto pela saúde coletiva à sua atuação. Tal mudança
paradigmática não decorrerá de uma evolução natural e automática das práticas e
111
ciências da saúde, mas sim requer um esforço longitudinal que perpassa desde a
formação dos profissionais que atuarão no campo, até a reprodução deste novo modelo
no seu contato cotidiano com a prática.
Exige-se para a prática dos profissionais de psicologia no NASF (considerando a
compreensão ampliada de saúde, os princípios norteadores da Atenção Básica, e o papel
de promotor de relações horizontalizadas de apoio ao qual o NASF se propõe) um novo
posicionamento, mais comprometido socialmente. A formação em Psicologia, ainda
muito voltada para um modelo tradicional de atuação, precisa ser complementada com o
preparo para a incorporação desta nova mentalidade coerente com este espaço de
atuação no qual estes profissionais estão se inserindo (Boing, Crepaldi & Moré, 2009).
Alguns psicólogos, no contato com a realidade do trabalho no NASF, percebem
que o pensamento tradicional que os acompanha desde a formação, se coloca como um
complicador para a adequação e viabilização de uma atuação integrada do psicólogo no
NASF.
A gente aprende um pouquinho na Universidade a questão da individualização
mesmo, das pessoas, e quando chega na prática não é isso! Eu acho que é um
desafio tentar aprender a trabalhar de uma maneira mais abrangente com as
pessoas mesmo, os grupos e tudo. (Psicólogo 2)
Como mudança paradigmática, esta reconstrução da visão sobre o cuidado em
saúde não deve ocorrer somente no âmbito da formação de uma especialidade
profissional, deve estender-se ao coletivo de profissionais da saúde, aos gestores
públicos que direta ou indiretamente influenciam na construção das práticas de saúde, e
também à população atendida.
112
É desafio para a atuação do NASF a limitada ou distorcida compreensão dos
gestores e da população acerca do papel matriciador do NASF, havendo assim pressões
por uma atuação nos moldes tradicionais do paradigma médico-centrado e curativo.
Pelo fato da gestão ainda não estar sensibilizada, e até mesmo a comunidade,
porque o pessoal falava: ‘o município agora tem pediatra, o município agora
tem nutricionista, o município agora tem terapeuta ocupacional, ou tem
psicólogo...’ Era assim, entendeu? Na cabeça deles, era assim. A gente tinha
noção do que é que era pra fazer, mas eles não estavam preparados (...) eles
ainda alimentam aquela crença de que o problema deles vai ser resolvido
quando ele entrar numa sala e tiver alguém ali pra ouvir ele individualmente.
(Psicólogo 5)
Na fala acima, do Psicólogo 5, podemos observar outro empecilho que se coloca
para a atuação coerente com a nova concepção de cuidado em saúde, que é o
esfacelamento da rede de atenção que vêm aprofundar as dificuldades em difundir a
nova mentalidade. A rede de atenção enfraquecida se torna um grande complicador na
concretização da atenção integral aos usuários. Uma vez que a rede esteja defasada os
dispositivos disponíveis nela acabam por assumir funções e demandas que não lhes
cabiam, abarrotando os serviços que oferecem acesso ao sistema (as equipes Saúde da
Família) e pressionando outros espaços à suprirem necessidades das populações
atendidas sem precisamente se prestarem oficialmente a este papel.
O NASF é consequência, mas quem é diretamente afetado são as ESFs, as
equipes de saúde da família, que não têm espaço, estrutura, pra fazer o que é de
competência deles. E por isso, tem que dar conta de uma demanda que muitas
113
vezes poderia estar sendo resolvida, abraçada, por uma rede mais completa.
(Psicólogo 5)
Como consequência da saturação da ESF, e a ausência de dispositivos
fundamentais para a funcionalidade do sistema (como Unidades de Pronto Atendimento
e atenção nos níveis mais especializados), o NASF sofre reflexamente com a
impossibilidade de focar-se no eixo técnico-pedagógico de sua atuação, sendo
pressionar a receber demanda incompatíveis com sua proposta, e encontrando barreiras
concretas para a viabilização do contato constante com as equipes Saúde da Família.
(...) é complicado você, pra você fazer apoio, quando a rede está extremamente
fragilizada, a rede de atenção da saúde, de uma forma geral, ela está
fragilizada. (...) então é complicado você poder fazer o apoio assim. Muito
complicado mesmo, é tanto que a gente corre atrás, a gente tem conseguido
avançar muito também, mas ainda tem muita necessidade no município. Os
municípios do interior, acho que eles precisam muito fortalecer a rede e atenção
a saúde, precisa ser fortalecida para que também desafogue as equipes de saúde
da família e cada um possa fazer seu papel de forma adequada. (Psicólogo 5)
São diversos os desafios que se colocam à atuação do psicólogo no NASF, desde
a incompreensão do modo de funcionamento proposto ao dispositivo, à profundas
deficiências na rede de atenção que dificultam a continuidade do cuidado e limitam
ações de cunho intersetorial e interdisciplinar que visem a intervenção nos múltiplos
determinantes da saúde na busca pelo cuidado integral que encontra no NASF uma
potente ferramenta para sua concretização.
114
Considerações Finais
Conhecer como a Psicologia vem atuando no NASF é uma tarefa primordial e
urgente, já que este é um campo recente e crescente de atuação, e é no Rio Grande do
Norte o espaço de inserção do psicólogo na Atenção Básica. Neste campo, por seu
caráter preventivo que busca a promoção da saúde integral, o trabalho da Psicologia se
faz prioritário e, ao mesmo tempo, ainda bastante desconhecido, até mesmo para os
próprios psicólogos (Boing, Crepaldi & Moré, 2009).
Como podemos observar no delineamento histórico do SUS, este se constrói
sobre uma nova concepção paradigmática que tem suas bases na compreensão ampliada
de saúde. Entender a saúde como uma conjuntura de fatores diversos (biológicos,
sociais, ambientais, econômicos...) é alargar a idéia de cuidado em saúde para as mais
diversas esferas da vida da comunidade. Ao deixar de focar exclusivamente os fatores
biológicos que determinam a saúde de um indivíduo, e passar a olhar para as condições
de vida e saúde da comunidade, determinantes como qualidade de vida e saúde mental
ganham importância estratégica e organizativa do cuidado integral. A integralidade vai
além do conhecimento técnico das condições estruturais de uma comunidade, ou mesmo
da atuação isolada de profissionais de diferentes áreas, a integralidade se dá no contato
constante e indissociável entre os diferentes saberes que compõe a relação de cuidado:
os profissionais de diversas especialidades, as equipes que compõe a rede de saúde, os
dispositivos da rede de atenção, a comunidade atendida e os usuários.
O que vemos, no entanto, com os dados obtidos é a predominância de uma visão
fragmentada da saúde e do cuidado. A saúde mental, que deve ser um eixo central da
integralidade, aparece muitas vezes como práticas desarticuladas das outras ações de
atenção básica à saúde, reforçando uma dicotomia saúde/saúde mental que já era
115
apontada em estudos sobre o campo (Boign, Crepaldi & Moré, 2009; Dimentein et al.,
2005). Os problemas de articulação apresentados nos resultados deste estudo, entre os
profissionais da equipe NASF e entre a equipe NASF e as equipes Saúde da Família,
assim como na articulação intersetorial, indicam a fragmentação e, muitas vezes, o
isolamento das ações do psicólogo no NASF.
O NASF enquanto dispositivo de apoio à Saúde da Família tem em sua
elaboração teórica a necessidade, por definição, da articulação integrada entre as
especialidades e entre as equipes, sendo indispensável a superação da lógica
fragmentada da saúde por meio da realização de suas ações abarcando o conjunto de
profissionais, equipes, dispositivos e comunidade. Não é possível conceber o apoio
matricial sem que as atividades do Núcleo contem com a articulação nos diversos
âmbitos, do planejamento à realização das ações, prezando pelo caráter pedagógico e
pelo cuidado integral aos usuários. O Psicólogo 5 destaca em sua fala a necessidade de
que a atuação dos profissionais sejam coerentes com a visão ampliada da saúde do
usuário, para que assim seja realizada a atenção de fato integral: “Ainda se tem uma
visão muito restrita da saúde dos pacientes (...) Eu acho que o maior desafio da gente é
esse.” (Psicólogo 5).
Como já dito, o modelo de cuidado proposto na Atenção Básica se configura
como uma mudança paradigmática, e para que tal transformação se concretize é cabal
que ela se difunda na elaboração das políticas e dispositivos, na atuação dos
profissionais e no pensamento comum da sociedade, para que a prática do cuidado
esteja coerente com os avanços que traz a proposta do SUS. Vemos nos dados desta
pesquisa que há ainda diversos desencontros e incoerências nas diferentes esferas de
relações que envolvem a atuação do psicólogo no NASF. Um exemplo disto são as
116
cobranças por registros técnicos de atividades que não enquadram as ações propostas
como fundamento do trabalho do NASF (que devem estar difusas em todas as
atividades desenvolvidas), essa incoerência acaba por reforçar ações ambulatoriais e
individualizantes que fogem do que é proposto ao NASF, e o que faria deste dispositivo
um potencializador da ESF.
É também possível observar explicitamente na fala de alguns profissionais (os
que trazem uma trajetória na saúde pública e apresentam maior conscientização do
papel e lógica de funcionamento do NASF) que estes sentem a incongruência que há
entre o que lhes é proposto pela elaboração teórica do NASF, e o que lhes é cobrado
pela gestão e população atendida. Em contraponto à proposta de um trabalho preventivo
que promova a saúde e atue sobre os diversos determinantes desta (especialmente os
determinante sociais), há ainda a cobrança por uma atenção biologicista, médico-
centrada e curativa.
Para a Psicologia essa incoerência abre espaço para velhos hábitos, reforça a
predominância de uma atuação tradicional da Psicologia que se faz centrada no
indivíduo, no atendimento ambulatorial e que segue uma compreensão dicotomizada
dos sujeitos alvos de seu trabalho, diferenciando os processos internos (subjetivos) e
externos (sociais) aos indivíduos atendidos. A transposição literal da Psicologia nestes
moldes para o campo da Atenção Básica faz desta prática profissional
descontextualizada e se coloca como uma barreira para a atuação no cuidado integral e
no trabalho em equipe matricial.
Atuar na Atenção Básica, e especificamente no NASF que traz um campo que se
configura de forma inovadora para a Psicologia, exige uma nova mentalidade
profissional dos psicólogos, que só acontecerá na superação e complementaridade da
117
formação técnica em Psicologia, de forma a contextualizar sua prática e adequar o seu
fazer aos novos cenários de atuação. É peculiar neste estudo o fato de um dos
psicólogos entrevistados, o Psicólogo 5, ter tido uma trajetória diferenciada que se
reflete em uma prática igualmente diferente do que é observado nas demais entrevistas.
É notório que a diferenciação do preparo do Psicólogo 5 para o trabalho na Atenção
Básica se dá na sua busca por complementar sua formação acadêmica, redefinindo sua
prática por meio da conscientização e conhecimento da realidade complexa na qual, e
sobre a qual, vem atuar. O próprio psicólogo destaca em sua fala a importância de
formar-se para atuar na Atenção Básica, sobre os determinantes sociais da saúde, na
busca constante pelo cuidado integral:
A gente soma no momento em que a gente tem a formação pra tá junto da
comunidade. A minha passagem no CRAS me fez ter um pouco dessa noção, lá
no passado, e a própria pós-graduação me fez ter essa noção (...) A formação
preparou a gente pra viver isso. E pra que a gente possa contagiar as outras
pessoas com essa necessidade de quebrar esses paradigmas. (Psicólogo 5)
Em diversos momentos de sua fala ele destaca a dificuldade de atuar de maneira
coerente com os pressupostos do NASF e da Atenção Básica, seja por deficiências na
rede de atenção ou mesmo pela atuação dos outros profissionais e equipes que não se
coadunam distanciando-se da visão proposta para suas práticas. O que mostra que,
apesar de fundamental, a busca por complementar a formação não se faz suficiente para
(sozinha) concretizar a atuação idealizada, já que há outros entraves para essa
realização. Entre as dificuldades que cita, o Psicólogo 5 destaca como o maior desafio
que enfrenta é a tentativa de superar o paradigma ainda hegemônico do modelo médico
118
(biologicista e assitencialista), assim como a atuação tradicional da Psicologia
(individualista e descontextualizada).
Quebrar esse paradigma do imediatismo, do assistencialismo, de que o
profissional tem que ta dentro de uma sala, atendendo um por um, acho que esse
é o meu maior desafio, da gente. (Psicólogo 5)
É importante ressaltar que nesse movimento inercial da Psicologia, de manter-se
em seu modelo mais tradicional (individual e dicotômico) ela ainda carece de um
projeto coletivo da categoria que considere o compromisso social da profissão, e elabore
para si um projeto de atuação na sociedade. O aumento da inserção da Psicologia nas
políticas sociais é notável e se abre como um campo de luta contra-hegemônica,
possibilitando à Psicologia contribuir para a transformação social na busca por
condições mais dignas e igualitárias de vida para a população. No entanto, é preciso que
a profissão se articule em torno de um projeto de intervenção na sociedade, que se
flexibilizem e ampliem suas práticas, buscando conhecer a realidade social na qual atua
e assim realizar seu potencial no seu fazer. Mais uma vez, não é nossa intenção vestir a
Psicologia (nem mesmo o NASF) com uma capa de herói que solucionará os inúmeros
problemas enfrentados pela população e pelo sistema de saúde, para isso seriam
necessárias mudanças estruturais que requerem uma mobilização que vai além da
competência de uma categoria profissional isolada ou de um dispositivo do Sistema.
Diante disto não podemos assumir um postura fatalista, mas sim lutar para que mais
espaços de luta e transformação social sejam conquistados, e para que os espaços
estabelecidos sejam bem aproveitados.
Hoje o que vemos em nossos resultados é que os NASF do Rio Grande do Norte
são ainda um campo pouco conhecido (apesar de bastante povoado) pela Psicologia.
119
Encontramos no fazer dos psicólogos que lá atuam a marca predominante de um modelo
médico tradicional que minimiza o olhar para o social como parte componente dos
indivíduos, e tolhe a oportunidade da realização de ações transformadoras para a
sociedade. Vemos também o potencial da atuação do psicólogo no NASF, nas falas de
profissionais comprometidos que lutam diariamente por uma prática integradora e
social, e ainda na fala de profissionais que, mesmo sem alimentarem a consciência sobre
as deficiências de sua prática, têm nos seus discursos um incômodo, que cresce
indesejado sem localizar-se bem de onde vem, mas que aos poucos leva o olhar desses
profissionais à sua prática e a difícil realidade na qual atuam.
Construir uma atuação da Psicologia comprometida socialmente, coerente com a
realidade social na qual atua, inserindo-se adequadamente no cuidado integral aos
usuários do Sistema de Saúde, não é um movimento natural que ocorrerá sem esforço. É
necessário que estejamos atentos às práticas que estão sendo feitas, e como elas
acontecem, é necessário pensarmos sobre elas, questionarmos e lutarmos para
construirmos juntos (enquanto categoria, e cidadãos) um fazer da Psicologia que some à
igualdade, à dignidade, à qualidade de vida e saúde de toda a sociedade.
120
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127
Anexo
128
Roteiro
Nome:_________________________________________________________________
Sexo:_______________ Idade:____________ Estado Civil:______________________
Renda Familiar: ___________________ Renda Individual:_______________________
Remuneração atual no NASF:________________________
Ano de Conclusão da graduação:____________ Instituição:______________________
Área de estágio (formação):________________________________________________
Formações Complementares (pós-graduação):_________________________________
Tem outra graduação? Qual? Atua?__________________________________________
Tem algum trabalho paralelo? Quantos? Qual carga horária em cada um?____________
Qual a carga horária no NASF?_____________________________________________
Fale um pouco de sua trajetória profissional. (Que outros trabalhos realizou?)
Como ocorreu sua inserção no NASF?
Já trabalhou em outro NASF?
Tipo de Vínculo no NASF:_______________ Tempo de Trabalho:_________________
Como foi quando você começou a trabalhar no NASF? Houve alguma discussão sobre
como deveria ser o trabalho?
Houve algum treinamento ou preparação para o trabalho no NASF?
• Esse treinamento aconteceu antes de você começar? Em que momento
aconteceu?
• Como foi, foi suficiente, como avalia em termos de capacitação para o
trabalho no NASF? E quem preparou/ofereceu o treinamento?
• Se não houve, como então você soube o que deveria fazer?
Como se caracteriza a demanda no NASF (espontânea/pró-ativa)?
Como os usuários chegam ao psicólogo?
Quais as atividades que acontecem no NASF?
Fale detalhadamente sobre o trabalho que você realiza no NASF:
129
� Quais as atividades que realiza no seu cotidiano de trabalho no NASF?
Com que frequência você realiza essas atividades?
� Como realiza essas ações (detalhamento)
� Para quem se volta sua atividade?
• Objetivos das ações
• Referencial teórico
• Recursos
• Dificuldades e pontos positivos
• Como avalia essa ação
• Como se dá o planejamento das atividades do psicólogo no NASF? (Se
há planejamento)
• Há registro destas atividades? Como se dá esse registro?
• Seu trabalho se articula com o trabalho de outros profissionais?
• Quais? De quais instituições?
• E profissionais especificamente do NASF?
• E os do PSF?
• Como se dá tal articulação? Como esse trabalho em conjunto é
feito?
• Quais os desafios para esta articulação?
Fale sobre os principais desafios de sua atuação.
O NASF (instituição) desenvolve algum trabalho com outras instituições (de saúde ou
não)? Há participação de psicólogos nessas ações?
• Se sim, que ações são essas? Como são realizadas? Como ocorre a
articulação?
• Há participação de psicólogos nessas ações?
Como você avalia a atuação do psicólogo nesses serviços? E a sua?