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Universidade Federal do Paraná
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Da Narrativa ao Romance: A problemática do gênero romanesco enquanto
difusor da história
Curitiba, Paraná 2006
ii
PEDRO HENRIQUE SILVA GUILLEN
Da Narrativa ao Romance: A problemática do gênero romanesco enquanto difusor da história
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em História ao Setor de Ciências Humanas Sociais, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Dr. José Roberto Braga Portella
Curitiba, Paraná 2006
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Banca Examinadora:
1 _____________________________________________
2 _____________________________________________
3 _____________________________________________
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................vi
CAPÍTULO 1: A QUESTÃO DA NARRATIVA NA HISTORIOGRAFIA E NO
ROMANCE ..........................................................................................................................viii
1.1. DO NARRADOR À PRÁTICA NARRATIVA NA HISTÓRIA............................viii
1.2. A QUESTÃO DA NARRATIVA E SUA RELAÇÃO COM O ROMANCE........xvii
CAPÍTULO 2: A QUESTÃO DO ESPAÇO BURGUÊS E DO ROMANCE ........24
2.1. A QUESTÃO DA REPRESENTATIVIDADE NA DICOTOMIA ENTRE ESPAÇO
PÚBLICO E PRIVADO...................................................................................................24
2.2 O ROMANCE E SUA LIGAÇÃO COM A ASCENSÃO DA CLASSE BURGUESA
..........................................................................................................................................33
2.2.1 A questão dos livreiros na Inglaterra e na França do século XVIII .......................36
CAPÍTULO 3. ANÁLISE DO ROMANCE PIERRETTE ...........................................40
3.1 A QUESTÃO DA "REALIDADE" NO ROMANCE DE BALZAC.........................40
3.2 A REPRESENTATIVIDADE BURGUESA E A ASCENSÃO DA INTIMIDADE
ILUSTRADAS NO ROMANCE PIERRETTE ...............................................................43
CONCLUSÃO ......................................................................................................................55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................57
v
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar como o romance pode ser
utilizado como fonte na história, desde que seu conteúdo remeta ao objeto historiográfico analisado e que sua análise siga determinado conceitos. Assim, após uma abordagem que acaba englobando a questão narrativa na historiografia, observando-se desde a figura do narrador até os embates entre correntes historiográficas distintas, chegamos à questão do romance, também analisado frente a esse debate. Os capítulos precedentes foram realizados no sentido de legitimar essa problemática, com um debate historiográfico sobre questões como o desenvolvimento do romance atrelado ao desenvolvimento da burguesia, assim como a dicotomia observada entre espaço público e privado e representação da burguesia frente à nobreza. O terceiro capítulo consiste na análise do objeto, o romance Pierrete, de Honoré de Balzac que ilustra as questões propostas.
vi
INTRODUÇÃO
A escolha do tema proposto partiu da idéia de que a historiografia acaba, de
certa forma, se ocupando muito pouco com a questão da análise do romance em suas
temáticas. Existem preconceitos arraigados em grande parte dos historiadores quando
pensam em utilizar o romance como uma fonte histórica, no sentido de que este não é
considerado como um retrato fiel da época que observa.
Dessa forma, a monografia "Da Narrativa ao Romance: a problemática do
gênero romanesco enquanto difusor da história" parte da pergunta metodológica: o
romance pode ser utilizado como uma fonte histórica e se pode este representa de
maneira fidedigna a época que aborda?
Assim, a metodologia utilizada para a consecução da monografia foi a que
observa a narrativa histórica em suas fases de desenvolvimento, que acabam
culminando no que Lawrence Stone qualifica de história narrativa. Dentro dessa
perspectiva, procuramos demonstrar que a narrativa histórica também é uma vertente
histórica que pode contemplar os aspectos históricos mesmo que tenha sido negada por
diversas correntes.
No primeiro capítulo então buscamos demonstrar como se manifestou o debate
historiográfico acerca da narrativa histórica, contrapondo uma historiografia mais
voltada aos costumes a uma historiografia ainda incipiente no período, que buscava
uma cientificidade no método e partia do princípio de que a narrativa não era o
instrumento ideal para se propagar o estudo histórico.
Na primeira parte buscamos fundamentar esse debate com o estudo de três
autores, cada qual fornecendo um aspecto essencial no desenvolvimento da pesquisa.
primeiramente partimos do texto de Lawrence Stone, que acabou problematizando a
questão com seu texto "o ressurgimento da narrativa. reflexões sobre uma nova velha
história". O autor acaba relacionando essa "nova historiografia" que acredita buscar
novos objetos e retomar o verdadeiro sentido da história, da arte de se contar histórias
e por elas se interessar, frente a historiografia que buscava a cientificidade do método
desenvolvida no período. Paralelo a esse autor utilizamos Dominick Lacapra, que
acaba demonstrando em sua pesquisa como o romance exibiu ao longo de seu
vii
desenvolvimento paralelos notáveis com a história, e observa alguns aspectos que a
história pode buscar no romance para desenvolver-se de uma maneira mais condizente
com sua realidade frente ás ciências sociais. O outro autor utilizado é Hayden White,
que busca problematizar a questão da narrativa histórica como metodologia,
assumindo que sua utilização ou não é muito mais uma questão polêmica do que fruto
de um estudo metodológico. Nesse sentido as fronteiras entre romance e narrativa
histórica, assim como romance e história parecem cada vez mais diluídas, o que
contribui em muitos aspectos para a aceitação do romance no sentido de uma análise
historiográfica.
De posse da legitimidade da análise buscada nos conceitos desenvolvidos no
primeiro capítulo, buscamos elucidar os conteúdos historiográficos encontrados em
nosso objeto de estudo, o romance Pierrette, de Honoré de Balzac. Na primeira parte
utilizamos o texto de Jürgen Habermas para demonstrar a ascensão de uma esfera
pública burguesa, que demandava uma representatividade frente a nobreza dominante.
Nesse sentido o texto também busca elucidar a dicotomia espaço público/ espaço
privado que se desenvolvia no período. De posse dessa análise a segunda parte do
capítulo busca problematizar a relação entre romance e ascensão da classe burguesa,
demonstrando até que ponto essa relação foi dialética. Os autores mais utilizados são
Ian watt e Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg.
No terceiro capítulo partimos efetivamente para a análise, no qual os conteúdos
historiográficos abordados no segundo capítulo são exemplificados no romance
escolhido. Nesse sentido selecionamos diversos trechos da obra que legitimam as
análises feitas nos capítulos precedentes, inclusive à questão da narrativa romanesca
servir como uma fonte para a análise histórica, já que o conteúdo pode ser
contemplado no romance.
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CAPÍTULO 1: A QUESTÃO DA NARRATIVA NA HISTORIOGRAFIA E NO ROMANCE
Neste primeiro capítulo buscaremos abordar a técnica narrativa tanto em relação
à historiografia quanto em relação ao romance. Seguiremos basicamente as idéias
desenvolvidas por quatro autores: Lawrence Stone, que através de seu texto relata um
novo desenvolvimento da historiografia narrativa, traçando um histórico e
apresentando suas características; Hayden White, que lida com a questão da técnica
narrativa em seus aspectos mais teóricos, recorrendo a diversos autores que embasam e
problematizam suas teses; Dominick Lacapra, que acaba demonstrando como o
romance acabou sendo em muitos aspectos praticamente idêntico a historiografia
desenvolvida no século XIX; e, para realizar a transição para o segundo capítulo, no
qual a questão da época romântica, assim como o romance propriamente dito será
abordado utilizaremos as idéias de Walter Benjamin, que teoriza sobre como a
narrativa, demonstrando como as experiências de se narrar e contar as histórias vem
decaindo gradativamente, também devido ao romance. Também serão utilizados
outros autores que estudam mais propriamente a questão do romance, como J.
Guinsburg e A. Rosenfeld, que abordam-no em relação a outras correntes de
representação narrativa.
1.1. DO NARRADOR À PRÁTICA NARRATIVA NA HISTÓRIA
Antes de adentrarmos no conceito de narrativa convém buscarmos as origens do
próprio ato de narrar, que obviamente necessita da figura do narrador. Para Walter
Benjamin, em seu texto O Narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov,
a idéia de um narrador como um sujeito que transmite experiências de caráter
utilitário, indo desde ensinamentos morais até sugestões práticas torna-se cada vez
mais esvaziada na atualidade. Benjamin não vê nesse processo um sintoma de
decadência ou como uma decorrência de uma era moderna1, mas como um processo
desencadeado, em grande medida, pela gradativa incapacidade das pessoas de contar
1 BENJAMIN, Walter. Pp. 200-01.
ix
suas histórias. Essa experiência, que ao longo do tempo era repassada sob a forma de
histórias, se encontra em vias de extinção. Para o autor (1993: 198), “são cada vez
mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que
alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos
privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de
intercambiar experiências.” Nesse sentido é interessante constatar que Benjamin
considera a melhor narrativa aquela que mais se aproxima da história oral, repassada
ao longo do tempo por inúmeros narradores anônimos.
Para Benjamin, o grande mérito das antigas narrativas, o que lhes conferia um
valor de experiência necessário, era que estas eram repassadas de uma maneira que
suscitava a reflexão, reflexão esta que não se perdia com o tempo porque vinha
desprovida de uma explicação. A história nesse sentido se assemelhava a um ramo da
retórica, já que era repassada através da oralidade. Segundo Lawrence Stone (1991:
13), “os historiadores sempre contaram estórias. Desde Tucídides e Tácito a Gibbon e
Macaulay, a composição de uma narrativa em prosa viva e elegante sempre foi
considerada como sua maior ambição. A história era vista como um ramo da retórica.”
Assim, o declínio narrativo, para Benjamin, se deve em grande parte pela difusão das
notícias, que sempre vêm carregadas de valores de verdade e de explicações, cada vez
mais rotineiras e menos surpreendentes.
Na historiografia atual vem-se difundindo uma nova forma de narrativa
histórica, que se distancia de certa maneira dessa narrativa que parecia priorizar a
história tal qual ela acontecia, desprovida de interpretações por parte do autor. Para
Lawrence Stone (1991: 31-2), em seu texto O ressurgimento da narrativa- reflexões
sobre uma nova velha história, a nova história narrativa tem cinco pontos básicos que
a distingui das antigas narrativas. Primeiramente, existe a troca de interesse do objeto
de estudo, que muda da análise dos ricos e poderosos para o estudo de pessoas
comuns. Em segundo lugar, a análise ganha tanto valor quanto a descrição dos fatos
em si. A terceira questão é a visitação de novas fontes, como registros de julgamentos
que levantam outras problemáticas nunca antes abordadas, já que são descrições e
transcrições completas de determinados processos na voz dos próprios agentes nele
x
inseridos. Em quarto lugar, há uma busca pela explicação dos atos subconscientes, e
não apenas dos fatos. Através dessa análise buscam elementos que podem trazer
alguma facilidade para se entender os elementos simbólicos. A quinta questão é de que
os fatos estudados são utilizados no sentido de lançar luz sobre o comportamento da
sociedade na qual se desenvolveram, sendo utilizados como modelos
representacionais.
Essas características parecem contrastar em alguns pontos da idéia de uma boa
narrativa para Benjamin. Segundo ele,
nada facilita mais a memorização das narrativas que aquela sóbria concisão que as salva da análise psicológica. Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à inclinação de recontá-la um dia. (BENJAMIN, 1993: 204).
Logicamente nesse caso a história narrativa é em relação à questão oral e não à
escrita, como a analisada por Stone. No entanto, o caráter dessa busca pela
interpretação psicológica dos personagens, que acaba de certa forma suscitando
também uma busca pela interpretação dos acontecimentos se tornou, por um grande
período, a grande falha estrutural da historiografia narrativa, segundo seus críticos, na
medida em que dessa forma ela se tornava ideologizante e dramatizadora, afastando-se
de um modelo de história impessoal e não-interpretativo. Para Hayden White, essa
questão de interpretação tem que ser analisada de maneira singular, pois difere de caso
a caso. Segundo White (1991: 50)
a dissertação do historiador era uma interpretação do que ele considerava como a estória verdadeira, ao passo que sua narração era uma representação daquilo que ele considerava como estória real. Um dado discurso histórico poderia ser acurado do ponto de vista factual e tão verídico em seu aspecto narrativo quanto permitisse a evidência disponível e ainda assim ser considerado equivocado, inválido ou inadequado em seu aspecto dissertativo. Os fatos podiam ser estabelecidos com um grande grau de veracidade e sua interpretação ser errônea. Inversamente, uma determinada interpretação de eventos podia ser sugestiva, brilhante, perspicaz e tudo o mais e ainda não se ver justificada pelos fatos ou enquadrar-se com a estória relatada no aspecto narrativo do discurso.
Essa abordagem parece problematizar a interpretação de Stone, que considera
de certa forma a questão da narrativa mais voltada ao aspecto da descrição do que ao
xi
aspecto interpretativo. O autor realça, no entanto, que a interpretação e análise também
são utilizadas, sem representar papel central na obra. A questão da narrativa também
deve tratar do singular, e não do geral. Segundo ele,
a história narrativa se distingui da história estrutural por dois aspectos essenciais: sua disposição é mais descritiva do que analítica, e seu enfoque central diz respeito ao homem, e não às circunstâncias. Portanto, ela trata do particular e do específico, de preferência ao coletivo e ao estatístico. A narrativa é uma modalidade de escrita histórica, modalidade esta, porém, que também afeta e é afetada pelo método (STONE, 1991: 13-4).
É a busca por esse método que suscita as maiores discussões acerca da
historiografia narrativa. Segundo Stone (1991: 5),
Carlo Ginzburg formulou bem a armadilha historiográfica fundamental em que nos debatemos: ‘A orientação quantitativa e anti-antropocêntrica das ciências da natureza a partir de Galileu colocou as ciências humanas num desagradável dilema: ou assumir um estatuto científico frágil para chegar a resultados relevantes, ou assumir um estatuto científico forte para chegar a resultados de pouca relevância.’ A decepção com a segunda postura está provocando um retorno à primeira.
Hayden White acaba estabelecendo um paralelo entre a ciência histórica e as
ciências naturais, demonstrando como se buscou uma tentativa de racionalização do
conhecimento pela segunda através de um gradativo afastamento da técnica narrativa.
Segundo o autor, “(...) para muitos que desejariam transformar os estudos históricos
em ciência, o uso continuado por historiadores do modo narrativo de representação é
um indício de falha tanto metodológica quanto teórica. (WHITE, 1991: 48).” Seguindo
essa linha de abordagem, White parte da premissa de que como a narrativa está tão
integrada a todos os aspectos da vida humana, como na questão da fala e da própria
escrita cotidiana, sua utilização como metodologia num processo científico realmente
merece ser avaliada. A crítica do autor, no entanto, é a de que a narrativa não é
observada de maneira devida, já que não se questionam seus princípios metodológicos,
e sim, apenas ela é vista como uma forma discursiva que pode ou não ser utilizada
dependendo de cada contexto ou da premissa estética de cada autor. Nas palavras de
White ( 1991: 48),
xii
nos estudos históricos realizados por profissionais, no entanto, a narrativa não tem sido vista, em geral, seja como o produto de uma teoria seja como a base para um método, mas antes como uma forma de discurso que pode ou não ser utilizada para a representação de acontecimentos históricos, dependendo de o objetivo principal ser descrever uma situação, analisar um processo histórico, ou contar uma estória.
Essa maneira de analisar a narrativa, para White, é equivocada, já que se for
observada somente a forma do discurso, a diferença entre o relato histórico e o
ficcional é praticamente inexistente. O que distingui os dois relatos é o aspecto muito
mais voltado ao conteúdo, na medida em que um se apropria de eventos reais,
enquanto que outro “cria” eventos imaginários2.
Logo, designar a prática narrativa como falseadora da verdade e, desta forma,
aproximando-se da literatura assumir que se afastava gradativamente de uma
metodologia confiável é, para Hayden White, uma discussão que se prende muito mais
a questão da polêmica do que a um estudo aprofundado. Para White (1991: 57),
O grupo dos Annales foi o mais crítico em relação à história narrativa, porém de um modo muito mais polêmico do que propriamente teórico. Para eles, a história narrativa era simplesmente a história da política do passado e, mais ainda, a história política concebida como conflitos e crises ‘dramáticas’ de curta duração que se prestavam a representações ‘romanceadas’ de caráter mais ‘literário’ do que propriamente ‘científico’.
A discussão sobre este ponto foi principalmente levantada pela escola dos
annales, que visava uma cientificidade do método historiográfico que desse conta de
unificar os fenômenos históricos. Lacapra também vê na escola dos annales essa busca
estruturalista, que explicava as mudanças lentas e gradativas, como encontramos em
Stone. Para ele, esse ideal de história total foi, durante muito tempo, premissa da
2 Para White ainda a diferença em relação ao conteúdo entre uma forma discursiva histórica e uma forma discursiva ficcional é que enquanto o histórico é um evento a ser descoberto, o ficcional é um evento a ser construído. Para o autor, no entanto, isso não implica no conceito de verdade, caracterizando o ficcional como uma narrativa que não representa a realidade. A única questão é que enquanto o relato histórico pode ser coligido e comprovado por fontes, o ficcional não, pois se trata de um evento imaginário. O autor, para explicar essa questão, remete ao conceito de mímesis, que pressupõe que a narrativa é vivida em alguma localidade da realidade histórica, logo, como tal, deve ser considerada como verdadeira. Ainda nesse sentido, o autor assume que a narrativa não acrescenta nada ao conhecimento que não possa ser verificado em outras fontes, submetidas logicamente ao mesmo critérios de coesão e precisão. A mudança para outro formato de discurso, dessa forma, antes poderia resultar numa diferença no sentido produzido do que propriamente na informação sobre o referente.
xiii
“Escola dos annales (que) se inclinou a ver a narrativa como algo superficial para uma
concepção sócio-científica de história ‘séria’, com uma ênfase sobre séries estatísticas
e pesquisas exaustivas em arquivos para levar adiante o ideal de ‘história total’”
(LACAPRA, 1991: 109). Essa história acabava, como já mencionado, se pautando em
modelos estruturais que visavam explicar as grandes questões históricas através de
uma escrita voltada para a análise de número e dados, repudiando a forma narrativa.
Na visão de White (1991: 56), “esse grupo (dos annales) (...) considerava a
historiografia narrativa como uma estratégia representacional não científica e mesmo
ideológica, cuja extirpação era necessária para a transformação dos estudos históricos
em ciência genuína.”
Segundo White, a dúvida que se levanta é a de que existem fenômenos
dramáticos ou não, e se estes existem sua abordagem não é adequada para o estudo da
história? A resposta do autor recai na suspeita em relação à verdadeira queixa dos
annalistes em relação a história narrativa. Para ele a crítica parece ser, sobre medida,
ao fato de que este tipo de historiografia coloca o sujeito como plano central,
sugerindo de certa forma que este tem controle sobre seu destino e que ele não é
determinado por toda uma estrutura. Estrutura esta considerada fundamental para a
escola dos annales na explicação dos fenômenos históricos.
Para Stone, a maneira estruturalista de observar a história assumia as mudanças
em relação à arte, à cultura, à arquitetura, à literatura, entre outros aspectos, como
inexistentes, assumindo que do século XIV ao século XVIII, movimentos como a
Reforma, o Iluminismo e o Renascimento não desempenharam qualquer papel de
relevância, observando-se a história como imutável durante cinco séculos.
A abordagem desses aspectos ficou durante um longo período como pano de
fundo da história, à margem da chamada nova historiografia científica, e só ressurgiu
com o chamado estudo das mentalités, desenvolvido na França por Marc Bloch e
Lucien Febvre. Essa nova corrente historiográfica, segundo Stone, acabou retomando
alguns aspectos que a ligavam à prática narrativa do fazer a história, mesmo que
realizando a abordagem de maneira distinta. Febvre já afirmava que “minha presa é o
homem”, frente às aspirações estruturalistas da característica história impessoal, sem
xiv
gente. Essa escola estruturalista por muito tempo buscou a cientificidade do método
para o estudo da história, cujas questões essenciais deveriam ser respondidas com base
em modelos quantitativos que explicassem seus fenômenos gerais, e não específicos.
Para a consecução desse modelo, abandonou-se a chamada “história narrativa”,
considerada a-científica, por um método quantitativo e analítico. O interesse tanto
pelas formas de história constituídas por narrativas, quanto do próprio uso do romance
como fonte histórica acabava sendo carregado de um forte teor pejorativo, como
constata Dominick Lacapra. Para ele, segundo a visão dos historiadores que
repudiavam a questão da narrativa, “o próprio romance torna-se pouco mais do que
uma evidência ‘literária’ questionável, e um interesse pela literatura (ou filosofia) que
ultrapasse os limites estreitamente documentais é um signo revelador de que não se
está fazendo história” (LACAPRA, 1991: 108). No entanto, para o autor, ao longo do
século XIX a narrativa histórica e o romance “exibiram paralelos notáveis”, com
autores da narrativa histórica aventurando-se também pelas formas discursivas do
romance. A diferenciação acaba se acentuando por volta do final do século, já que a
narrativa histórica acaba prendendo-se a sua forma oitocentista, baseada em níveis
mais rígidos de documentação, em busca de uma maior cientificidade do método,
enquanto que o romance continua desenvolvendo novas perspectivas de
representações.
Nesse ponto, é interessante observar as teorias de Barthes (APUD WHITE,
1991: 63-70) em relação ao assunto. Para ele, essa diferenciação que parece conceder à
história a premissa da verdade e da ficção o não compromisso com esta, não é tão
nítida, porque a historiografia narrativa se desenvolveu tendo como parâmetro diversos
elementos ligados à ficção, como os mitos e os relatos épicos. Logo, segundo Barthes,
há um processo que ele qualifica de “falácia da referencialidade”, na medida em que a
história, podendo ser representada de diversas maneiras distintas, se perdia em alguns
aspectos no sentido da diferenciação entre a natureza “encontrada” e a natureza
“constituída” de seu objeto. Essa crise não se verifica na ficção, pois esta parte da
premissa de sua natureza “inventada”.
xv
Esse ponto remete novamente à questão do valor de verdade que tende a,
segundo os críticos da teoria narrativa, aproximar essa corrente do romance e, dessa
forma, afastá-la da verdade. No entanto, White ressalta que não é porque a narrativa
tende a “romancear” e “dramatizar” os fatos que ela não condiga com a realidade. A
questão é que a narrativa utiliza-se de um sistema de códigos diferentes para a
constituição de sua representação da realidade. Para White (1991: 73),
na narrativa histórica os sistemas de produção de sentidos peculiares a uma cultura ou sociedade são testados à prova pela capacidade de qualquer série de eventos ‘reais’ se renderem a semelhantes sistemas. Se esses sistemas têm suas representações mais puras, mais plenamente desenvolvidas e mais coerentes do ponto de vista formal na bagagem ‘literária’ ou ‘poética’ das culturas modernas, secularizadas, isto não é um motivo para descartá-los como construções meramente imaginárias. Fazer isto significaria afirmar que a literatura e a poesia não tem nada de válido para nos ensinar a respeito da ‘realidade’.
Para White, dessa forma, a narrativa histórica não difunde falsas crenças ou
informações errôneas devido à metodologia da qual se utiliza. O autor antes propõe
sua interpretação sob a forma de uma alegoria, na medida em que representa e testa os
limites de uma realidade que já não se apresenta, pois esta é, em última instância,
imaginada, mas que tem que ser reproduzida. Logo, a distinção entre a narrativa e
outros elementos voltados a ficção é de certa forma dialética, na medida em que as
questões levantadas por uma corrente suscitam questões levantadas em outra, e assim
consecutivamente. A literatura testa o mito e a lenda, e posteriormente é testada pela
história narrativa, que volta a ser testada por outras correntes historiográficas. Segundo
White, (1991: 74),
assim como os conteúdos do mito são testados pela ficção, assim também as formas de ficção são testadas pela historiografia (narrativa). Se, de um modo similar, o conteúdo da historiografia narrativa é submetido a testes de adequação à representação e explanação de uma outra ordem de ‘realidade’ do que a pressuposta por historiadores tradicionais, isto poderia ser visto menos como uma oposição da ‘ciência’ à ‘ideologia’, como parecem ter pensado com freqüência os Annalistes, do que como uma continuação do processo de mapeamento do limite entre imaginário e o real, o qual começa com a invenção da própria ‘ficção’.
Nesse sentido, o autor utiliza um jogo de palavras que parece representar da
melhor maneira à questão. “Se há algum ‘erro categorial’ envolvido nesse
xvi
procedimento literalizante, é o fato de confundir um relato narrativo de eventos reais
com um relato literal deles” (WHITE, 1991: 78). Logo, o autor assume que há de certa
forma, um preconceito moderno em relação a avaliar a questão narrativa como uma
alegoria, mesmo que esta possa fornecer um material que possa ser muito mais
proveitoso em relação à interpretação da realidade, pois se assume que a história tem
que apresentar “asserções literais do fato”. Para Lacapra (1991: 117),
a literatura é meramente sugestiva, por exemplo, ao nos oferecer a ‘sensação’ da vida no passado, quando suas informações não podem ser confirmadas por outras fontes. É preciso, então, ser dado um status de segunda classe para a erudição histórica, se bem que, o que não pode ser confirmado pode apontar para alguns dos mais significativos e sutis processos da vida.
Logo, a literatura se apresenta fundamental mesmo quando não pode ser
coligida por outras fontes, porque isto não representa que ela não levante novas
problemáticas ou abordagens não utilizadas pela historiografia. Nesse sentido o
processo narrativo é considerado legítimo por White porque pode revelar o sentido e a
coerência dos fatos, quando não aponta aspectos que remetem às questões observadas
na realidade. Para White (1991: 85),
no gênero de simbolização contida na narrativa histórica os seres humanos têm um instrumento discursivo com o qual afirmar (com sentido) que o mundo das ações humanas é ao mesmo tempo real e misterioso, ou seja, é misteriosamente real (o que não é o mesmo que dizer que é um real mistério): o que não pode ser explicado pode em principio ser compreendido, e que finalmente, essa compreensão não é senão a sua representação na forma de uma narrativa.
Essa representação é considerada pelo autor como estritamente imaginária, que
acaba atuando num processo que busca a constituição de uma verdade. Essa questão
do imaginário, no entanto, não significa que o discurso seja comprometido em relação
à realidade do fenômeno histórico estudado. Segundo White (1991:89),
aqui a noção do que constitui um evento ‘real’ desloca-se não para a distinção entre ‘verdadeiro’ e ‘falso’ (que é uma distinção que pertence à ordem dos discursos, não à ordem dos eventos), mas para a distinção entre ‘real’ e ‘imaginário’ (que pertence tanto à ordem dos eventos quanto à ordem dos discursos). Pode-se produzir um discurso imaginário sobre acontecimentos reais que pode não ser menos ‘verdadeiro’ só por ser ‘imaginário’.
xvii
1.2. A QUESTÃO DA NARRATIVA E SUA RELAÇÃO COM O ROMANCE
O primeiro sinal do declínio narrativo, que acaba se tornando responsável pela
sua “morte” é, para Benjamin, o aparecimento do romance, já que, para o autor, “o
romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais
falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe
conselhos nem sabe dá-los” (BENJAMIN, 1993: 201). Ainda, para Benjamin, o leitor
do romance é por excelência o indivíduo solitário, que na ânsia pela experiência acaba
apropriando-se do conteúdo das histórias. Logo, a experiência da ação, tão importante
para a arte narrativa, perde espaço para a experiência que pode, de certa maneira, ser
absorvida através de uma leitura e fazer-se como experiência vivida pelo próprio
leitor, em algumas circunstâncias.
A busca do romântico passa a ser a individualização da representação de cada
grupo de sujeitos, através da chamada “diferença singularizadora”. Nesse sentido, o
romance adquire características cada vez mais realistas, na medida em que posiciona o
indivíduo dentro de seu contexto, sujeito às particularidades de seu meio social. É
assim que o romance acaba sendo associado à feitura dessa chamada historiografia
narrativa, e a crítica a esta seja a utilização da pecha de “romantizadora” do real. Dessa
forma, convém ressaltar alguns aspectos que acabam ligando alguns conceitos da
chamada história baseada em uma metodologia quantitativa, segundo o conceito de
Stone, com o período classicista na literatura, assim como aspectos que ligam essa
irrupção do que Stone caracterizou como história narrativa à difusão do romance.
Como vimos, Stone ressalta que por um longo período buscou-se uma
cientificidade na metodologia da história, que tinha por premissa desenvolve-la como
ciência, sujeita a experimentos que podiam ser verificáveis. Esse é um dos aspectos
que acaba aproximando essa história pautada na racionalidade ao período classicista já
que, segundo Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg (2005: 268) em seu texto Romantismo
e Classicismo,
os racionalistas buscam em geral na história o que há de comum em todos os seus eventos. O fenômeno singular não lhes interessa uma vez que, concentrando tudo na racionalidade,
xviii
tendem a ver no particular somente aquilo que seja passível de universalização, ou seja, aquilo que nele se pode conceituar.
A própria impessoalidade buscada na historiografia quantitativa, segundo Stone,
que assumia que o autor não devia posicionar-se frente ao conteúdo de sua obra remete
às características observadas no classicismo. Nessa corrente, segundo Rosenfeld e
Guinsburg (2005: 263), “o valor estético reside na obra, e somente nela. Por trás da
arte, deve desaparecer o artista”. Dessa forma o que se busca é uma obra que se
desvincule de qualquer característica autoral, na medida em que se pauta em conceitos
racionais, logo realizáveis por qualquer pessoa instruída. Esses preceitos não são frutos
da natureza humana, mas de uma racionalidade intrínseca à natureza, que possui sua
lógica que pode ser coligida e repassada. A própria busca pela cientificidade realizada
pela historiografia quantitativa já denota um apelo à razão, que se torna a principal
meta das obras clássicas, que devido ao seu cunho moralizante busca incutir essa razão
nos leitores no sentido de que estes se tornem pessoas plenas e melhores, elevando seu
conhecimento gradativamente. É contra todos esses preceitos de ordem técnica e
estruturalizante que surge, segundo Stone, a historiografia narrativa, que traz em seu
bojo o romance.
Nesse sentido há uma concordância entre Stone, que estuda a historiografia
narrativa e Rosenfeld e Guinsburg, que concentram seus estudos nas fontes literárias.
Para os autores, a transição de uma estrutura quantitativa para uma narrativa, ou de um
período clássico para um romântico teve como um dos principais fatores
impulsionadores a troca do objeto de estudo, que migrou dos grandes homens e seus
feitos para o sujeito cotidiano em seus afazeres comuns. Como já vimos em Lacapra, o
romance e a história assumiram paralelos notáveis por determinado período.
Segundo Ian Watt, essa troca do enredo tradicional, - que partia da premissa que
a natureza era imutável, logo o que fosse buscado ao longo de seu processo poderia
representar “um repertório definitivo da natureza humana” - por uma singularidade
buscada no cotidiano foi um dos principais fatores de mudança apresentados pelo
romantismo. Nesse sentido, busca-se de certa forma um afastamento de questões
formais da linguagem que parecem exaltar os grandes feitos para uma simplicidade
xix
descritiva, muitas vezes vista como representante de uma ausência destas unidades
formais. Para Watt (1990: 15),
a comparação entre o romance e as formas literárias anteriores revela uma diferença importante: Defoe e Richardson são os primeiros grandes escritores ingleses que não extraíram seus enredos da mitologia, da História, da lenda ou de outras fontes literárias do passado.
Outro ponto que aproxima as abordagens é nessa questão da autoria. Para
Rosenfeld e Guinsburg, no período romântico o caráter da obra não reside mais nela
mesma, mas na experiência do autor. Para os autores, isso se manifesta
na revolta radical contra as regras tradicionais , canonizadas, do Classicismo, contra as ‘autoridades’ clássicas, contra os padrões consagrados, porque o gênio, evidentemente, não se deixa guiar por modelo nenhum; ele cria livre e espontaneamente; ele não se atém a norma nenhuma, porque nem sequer conhece as normas. O gênio cria a obra com base numa explosão, num surto irracional de sua emocionalidade profunda.
Isso denota a busca por uma originalidade e uma singularidade que se contrapõe
ao total e imutável. Segundo Stone, o mesmo se manifesta em relação à historiografia
narrativa, no entanto o autor liga mais o processo à questão da estética, já que assume
que essa nova forma de se fazer história acaba tornando-a acessível ao grande público,
e dessa forma difundindo para todos o que era antes relegado apenas à academia.
Nesse sentido já há uma outra particularidade que aproxima história narrativa e
romance, pois as duas manifestações acabam buscando essa singularidade tanto do
objeto estudado como do próprio autor frente à sua obra. Não é à toa que num período
pautado no romantismo o que se vê primeiramente em capas, com letras em sua maior
parte das vezes maiores que a do título, o nome do autor.
No entanto, como ressalta Ian Watt, o romance no seu desenvolvimento não
contou com uma unidade estética que propiciasse que diversos autores se
enquadrassem dentro de uma nova metodologia. O princípio que parece direcionar a
produção se volta à questão do realismo, que segundo os historiadores voltados à área,
acabou sendo o elemento diferencial frente às narrativas antes desenvolvidas. O autor
faz a ressalva que embora muitos escritores voltados aos ideais clássicos se
xx
propusessem a realizar uma obra realista, que representasse o contexto de que
tratavam, estes partiam de uma premissa falsa, já que seus ideais estéticos, assim como
os elementos condutores de sua narrativa raramente representavam as características
encontradas no romance.
Dessa forma Watt busca as origens do chamado realismo contrapondo à
realidade literária à filosófica, que se desenvolveram paralelamente, embora a
influência de uma sobre a outra não se manifeste de maneira direta, como ressalta o
autor. A busca então se dá no ideal de Descartes, que parte do pressuposto que a
verdade é individual e se manifesta no sujeito. Nesse sentido, o romance se contrapões
ao ideal classicista da busca pelo coletivo. Para o autor, as duas principais
características são a caracterização e a apresentação do ambiente, de forma em que o
contexto, assim como o personagem sejam descritos de maneira cada vez mais
minuciosa, o que facilita o processo de verossimilhança da obra com a realidade. O
personagem se apresenta como uma valorização do sujeito, na medida em que suas
experiências individuais ao longo da trama acabam sendo valorizadas como contextos
singularizados, e não universalizantes que podem ser aplicados a toda a generalidade
humana.
Essa questão da valorização do sujeito no romantismo também é observada por
Rosenfeld e Guinsburg. Segundo os autores,
essa maneira de ver converteu-se sem dúvida alguma no fundamento da concepção propriamente romântica, que procura discernir as dessemelhanças entre os povos, destacando-as mesmo como expressão de qualidades intrínsecas e determinantes da fisionomia de cada conjunto, sem que de um modo geral e direto isso implique em enfoque negativo, deformador ou preconceituoso em relação a outros grupos, pois justamente a diferença singularizadora é que torna a existência e a contribuição de cada organismo nacional um componente único e complementar no processo humano. (ROSENFELD & GUINSBURG, 2005: 269).
Esse excerto remete a dois aspectos considerados essenciais no
desenvolvimento do romance por Watt, que são o binômio tempo-espaço. O autor
busca a analogia com Locke, assumindo que as idéias se particularizam quando
inferidas em determinada temporalidade e espaço. Para Ian Watt (1990: 22), “da
xxi
mesma forma as personagens do romance só podem ser individualizadas se estão
situadas num contexto com tempo e local particularizados”.
Essa característica também se manifesta na busca da historiografia narrativa
pelo sujeito, como ressalta Stone. Nessa busca há a necessidade do afastamento de
uma estrutura que oprime o indivíduo e que determina todo o enfoque historiográfico,
assumindo que o sujeito da história esta limitado por suas implicações. Nesse sentido,
segundo Stone, a historiografia narrativa também tem por objeto a busca do particular
e do específico, do indivíduo em sua singularidade frente aos ideais de história total
antes assumidos, como já vimos no primeiro item desta monografia. Como ressalta Ian
Watt (1990: 17), agora “o enredo envolveria pessoas específicas em circunstâncias
específicas, e não, como fora usual no passado, tipos humanos genéricos atuando num
cenário basicamente determinado pela convenção literária adequada”.
Essa questão da generalidade dos personagens é representada, segundo Watt, na
própria caracterização utilizada pelo romance. Na literatura pré- romântica, a
nomenclatura era utilizada de maneira que os personagens representassem tipos, que
remetiam a idéias clássicas ou figuras históricas. Já no romance, a atribuição de nomes
se dá de maneira a singularizar cada indivíduo frente aos demais, tornando-o único.
Para Watt (1990: 20), “os primeiros romancistas romperam com a tradição e batizaram
suas personagens de modo a sugerir que fossem encaradas como indivíduos
particulares no contexto social contemporâneo”.
Essa busca pelo contemporâneo acaba de certa forma sendo uma premissa do
enredo romântico, que busca romper com a tradição clássica de remeter o conteúdo a
questões observadas no passado. O passado agora passa a ser utilizado no sentido da
elucidação do presente, de clarificar o porquê a ação do presente se manifesta de uma
maneira e não de outra. Dessa forma há a substituição da importância do acaso no
enredo, que passa a ser substituído por uma maior coesão na estória.
Dessa forma podemos entender as semelhanças entre os períodos e as correntes
historiográficas neles difundidas e, por conseguinte, entender as críticas dirigidas de
uma corrente à outra, cada qual de posse de suas armas.
xxii
Nesse sentido, como pode ser possível a relação entre os fatores que ligam
narrativa, história e romance? A narrativa clássica, morta segundo a ótica de
Benjamin, mas que ressurge e ganha cada vez mais terreno na nova historiografia,
segundo Lawrence Stone, pode representar a história de uma maneira mais científica,
com um grau de distanciamento por parte das experiências do próprio narrador das
histórias? Nessa perspectiva, qual é o papel do romance dentro da construção
histórica? Lacapra considera que o romance tem por função atentar para aspectos da
sociedade que não necessariamente podem ser coligido pelas fontes, mas que nem por
isso são menos importantes no sentido de uma interpretação da realidade. Para o autor,
o romance utiliza-se de fontes documentais que o fazem relacionar-se com a realidade,
invalidando a concepção de que este se apresenta como mero relato ficcional. Segundo
Lacapra (1991: 108), “há algo suspeito num enfoque da história – e particularmente da
história intelectual – que não trate o romance, quer seja como um objeto de estudo,
quer seja de forma auto-reflexiva, como um meio de defrontar-se com problemas da
própria história moderna”. Ainda, para o autor, a análise do romance, devido a sua
própria constituição histórica que sempre dialogou com outras formas discursivas,
estas das mais variadas, pode representar um caminho de como o estudo da história
pode buscar uma maior representatividade, com uma voz mais forte frente às ciências
humanas em geral. Para Lacapra (1991: 116),
se o romance é lido em sua totalidade em história, é porque ele pode ser empregado tipicamente como uma fonte que nos conta algo factual sobre o passado. Seu valor está na sua função referencial – na maneira em que ele funciona como uma vitrine da vida ou das transformações do passado. (...) Numa palavra, o romance é relevante à pesquisa histórica na medida em que pode ser convertido em informação e conhecimento útil.
Assim, a leitura do romance pode fornecer aspectos importantes acerca de
alguns períodos históricos, e sua construção pode acabar conduzindo a história
narrativa na busca de sua forma, na medida em que as duas representações possuem
aspectos que as tornam comuns. Assim, para Lacapra (1991: 122), “a questão mais
sugestiva colocada pelo romance à historiografia talvez seja se a escrita
contemporânea da história pode aprender algo de natureza autocrítica, a partir de um
xxiii
modo de discurso que ela freqüentemente tenta usar ou explicar de maneira
excessivamente reducionista”.
Para Ian Watt, a busca dessas características estilísticas pelos romancistas
demonstra o seu compromisso e a sua premissa da busca pela verdadeira demonstração
das experiências individuais, conferindo o maior grau de verossimilhança ao contexto
descrito. Dessa forma os autores românticos partiam da
premissa, ou convenção básica, de que o romance constitui um relato completo e autêntico da experiência humana e, portanto, tem a obrigação de fornecer ao leitor detalhes da história como a individualidade dos agentes envolvidos, os particulares das épocas e locais de suas ações – detalhes que são apresentados através de um emprego da linguagem muito mais referencial do que é comum em outras formas literárias. (WATT, 1990: 31)
Nesse sentido, é essencial no entendimento de uma sociedade a análise de sua
produção romanesca, pois esta apresenta aspectos nem sempre observáveis em outras
fontes. Para Watt (1990: 32), “as convenções do romance exigem do público menos
que a maioria das convenções literárias; e isso com certeza explica por que a maioria
dos leitores nos dois últimos séculos tem encontrado no romance a forma literária que
melhor satisfaz seus anseios de uma estreita correspondência entre a vida e a arte”.
Desta forma, no segundo capítulo aprofundaremos as questões sobre o
desenvolvimento do romance e da sociedade burguesa, que dialogam no entendimento
do processo.
24
CAPÍTULO 2: A QUESTÃO DO ESPAÇO BURGUÊS E DO ROMANCE
Neste segundo capítulo buscaremos abordar questões que podem ser observadas
no objeto escolhido para nosso estudo, o romance Pierrette. Dessa forma, o estudo
realizado no primeiro capítulo ganha relevância, na medida em que podemos
demonstrar como, de fato, o romance pode contemplar aspectos observados na
historiografia.
Nesse sentido, de uma forma mais ampla, abordaremos como o romantismo em
geral se manifestou no período, que num recorte mais amplo qualificamos como a
França no século XIX, acabando por exercer, através de suas características, influência
sobre a sociedade. Usaremos como base os estudos de Hannah Arendt, em seu livro
Origens do Totalitarismo, assim como textos já utilizados no primeiro capítulo, como
Benjamin e Guinzburg e Rosenfeld. Na questão da difusão da literatura ao longo do
século XVIII utilizaremos basicamente dois autores: Ian Watt, que exemplifica o caso
inglês e Robert Darnton, que estuda como essa questão se manifestou na França.
Essa manifestação romântica se liga a outros debates historiográficos do
período que são contemplados pelo romance escolhido, como a ascensão de um espaço
público burguês e de uma privatividade, ainda incipiente, que começava a se
manifestar tanto em relação ao espaço físico das habitações quanto aos próprios
indivíduos. Nesse aspecto abordaremos o texto de Habermas, em seu livro Mudança
Estrutural da Esfera Pública que parte do exemplo da esfera pública grega como mito
de fundação e busca explicar como se deu o processo de consolidação da esfera
publica moderna.
2.1. A QUESTÃO DA REPRESENTATIVIDADE NA DICOTOMIA ENTRE ESPAÇO PÚBLICO E PRIVADO
Quanto à questão da esfera pública, na qual se prende nosso estudo nesse item,
Habermas em seu texto “Introdução: delimitação propedêutica de um tipo de esfera
pública burguesa” começa por alertar o leitor sobre a dificuldade na delimitação de
determinados conceitos, como público, privado, esfera pública ou opinião pública, pois
25
os termos acabam sendo empregados de maneira confusa pelas ciências que deles se
utilizam.
Nesse sentido, o autor já começa por definir a palavra público como um evento
acessível a qualquer pessoa, na medida em que se contrapõe ao evento fechado e
inacessível. No entanto, para ilustrar a dificuldade de conceituações, o autor já remete
ao exemplo dos prédios públicos, que embora sejam caracterizados por serem
“públicos” possuem regras restritas de circulação e visitação.
Já em relação à esfera pública o autor nos diz que “o sujeito dessa esfera
pública é o público enquanto portador de opinião pública” (HABERMAS, 1984: 14).
Para Habermas (1984: 14), ainda, “o âmbito do que é o setor público contrapõe-se ao
privado”. Essa chamada opinião pública se manifesta numa esfera pública, cujo termo
foi cunhado, segundo o autor, no século XVIII e refere-se de maneira específica à
sociedade burguesa, mesmo que muito antes de sua irrupção já se utilizasse essa
terminologia e a distinção entre público e privado.
Nesse sentido, como mencionamos na abertura do capítulo, Habermas vai
buscar o exemplo no chamado mito de fundação, que ele localiza nas cidades-estado
gregas, cujas esferas pública e privada eram separadas. Nesse contexto, existia a pólis,
acessível a todos os cidadãos livres e a chamada oikos, espaço restrito e particular a
cada indivíduo. No entanto é essencial observar-se que o acesso a polis só se dava ao
cidadão que detinha um amplo domínio de seu espaço privado, com a posse de bens
que acabassem por legitimá-lo como cidadão. É na esfera pública, no entanto, que esse
reconhecimento do privado se processa, já que embora os cidadãos sejam considerados
livres e iguais, cada qual busca uma distinção, demonstrando suas virtudes que os
distinguem frente aos demais. Embora se paute nesse modelo, Habermas salienta que
sua herança não é normativa no campo social, e sim no ideológico, já que a esfera
pública continua representando um “princípio organizacional de nosso ordenamento
político” (1984: 17), mesmo que sua função passe a ter gradativamente cada vez
menos força, segundo o autor.
Habermas então busca as origens de uma representatividade pública e acaba se
remetendo ao exemplo da transição pela Idade Média européia, que segundo ele
26
caracterizou-se por não existir uma antítese entre espaço público e privado, embora os
termos já fossem correntes. Nesse contexto também se manifesta a casa como o centro
de relações de dominação, devido ao sistema econômico social vigente. Para o autor, a
autoridade pública e a autoridade privada acabam por se fundir numa unidade, já que
acabam emanando de uma mesma fonte de poder.
Esse poder também necessita do chamado espaço público para se manifestar, já
que sua representação só pode se dar no público, na medida em que este torna visível o
que antes não era. Nesse sentido o autor utiliza-se de um conceito de representação
que designava que os príncipes e os representantes deveriam em público demonstrar
aspectos de virtude que legitimassem sua autoridade frente aos seus subordinados.
Para Habermas (1984:20)
algo morto, algo de menor valor ou sem valor, algo baixo não pode ser representado. Falta-lhe ser de nível mais elevado, um ser capaz de um destaque na existência pública, ser capaz de existir. Palavras como grandeza, soberania, majestade, glória, dignidade e honra procuram designar esta especificidade de um ser capaz de representação.
Essas características só começam a ser substituídas nas chamadas festas
barrocas, promovidas pelas sociedades de cortes. A própria construção dos espaços já
se arquiteta em torno de um grande salão de festas, responsável por absorver as
danças, festas, os torneios, que antes se manifestavam na esfera pública. Isso
demonstra tanto uma vida já protegida do mundo exterior como uma preocupação com
o fausto do espaço privado, que passa a ser apresentado como sinônimo de status e
poder. Segundo um depoimento utilizado por Habermas (1984: 23) em seu texto “elas
(as festas) não serviam tanto para o prazer dos participantes, mas para exibir a
grandeza, a grandeur de seus organizadores.” Nesse sentido o autor considera que nem
o público não convidado é excluído da interação no espaço, já que neste interage
observando e tornando essas festas assuntos corriqueiros de seu dia-a-dia, como
efetivos participadores.
Gradativamente há dessa forma uma separação entre esfera pública e privada.
Para o autor, o conceito de público refere-se ao estado formado com o absolutismo, já
que seus servidores são públicos, assim como são públicas suas funções e seu espaço.
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Em contraposição, surgem as casas e os negócios privados, que rivalizam com o
estado nesse jogo de forças. Para Habermas (1984: 24), “à autoridade estão
contrapostos os súditos, dela excluídos; aquela serve, diz-se, ao bem-comum, enquanto
estes perseguem os seus interesses privados”.
Para exemplificar o fim de uma representatividade pública o autor então se
apóia em um exemplo de Goethe sobre um sujeito, Wilhelm Meister. Através desse
exemplo, que remonta ao final do século XIX, é realçado novamente o caráter de
representatividade, que confere um status cada vez maior ao nobre, na medida em que
este representa em público uma distinção, através de seus movimentos, sua voz, suas
companhias, enfim, de toda a áurea de sucesso que envolve sua aparência. Enfim, o
exemplo utilizado assume que o nobre se torna autoridade na medida em que
representa uma autoridade, em que aparenta possuir todas as características necessárias
para a disseminação de seu domínio, enquanto que em contraposição existe o burguês,
que embora também possa alcançar seus méritos acaba perdendo de certa maneira sua
personalidade no processo, no sentido de que busca transformar-se naquilo que não é
por essência.
Assim para Goethe, segundo Habermas, a burguesia já não podia exercer um
caráter representativo, já que não revelava mais nada através de sua personalidade.
Nesse sentido se manifesta novamente o caráter de oposição ao nobre, que revela tudo
e que tudo realmente deve revelar. O burguês na tentativa de busca pela aparência se
torna “ridículo e de mau-gosto” logo, segundo Goethe, a assertiva dirigida a ele deve
ser não o que ele é, mas o que ele tem, diferentemente do nobre, que com sua imagem
não tem que demonstrar nada de suas posses, pois se subentende tudo através da
imagem passada.
Wilhelm relata ao seu cunhado sua necessidade em se fazer notar como pessoa
pública. Como burguês, no entanto, não tenciona aparentar ser um nobre. O que ele
busca para resolver seu problema é o palco do teatro, que acabava substituindo a esfera
pública, já que nesse espaço a distinção de um homem culto poderia ser notada. No
entanto para Habermas sua tentativa já nasce fadada ao insucesso porque falseia a
esfera pública burguesa, cada vez mais decadente no sentido da representatividade.
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Logo, pertencer a uma burguesia relega a Wilhelm uma imagem pública da qual este
não pode nem deve se desvincular.
Habermas tenta então buscar demonstrar uma consolidação de uma esfera
pública burguesa, remetendo ao incipiente capitalismo do século XIII, que acabou
criando uma rede horizontal de comércio que já não dependia mais de um poder
central ou da influência de senhores específicos, ligados aos privilégios da nobreza,
que passaram agora a atuar como consumidores e não mais como mandantes. No
entanto, com a crescente modernização no comércio passa a existir a necessidade de
proteção e desenvolvimento em todos os aspectos, encargos que vão ficar a serviço do
Estado, que passa a gerenciar e burocratizar o comércio citadino. Essa questão torna-
se o que Habermas vai qualificar de o germe da esfera do poder público, que acaba
excluindo a participação nas decisões de pessoas privadas não ligadas ao Estado.
Como contrapeso a esta autoridade estatal atua a esfera civil burguesa, já que o
intercâmbio mercantil passa a ser orientado publicamente, alheio ao espaço particular e
privado da casa. No entanto, com essa nova configuração econômica o poder da
burguesia cai frente a irrupção e gradativa consolidação das grandes corporações, que
se ligam diretamente ao Estado, deste obtendo benefícios que acabam por sufocar o
desenvolvimento da pequena burguesia.
A questão então se configura com a sociedade civil burguesa assumindo o
espaço público como classe pensante, pois nesse período começa-se a difundir
periódicos com uma circulação cada vez mais intensa. Com a periodicidade dos jornais
passando a ser diária, as informações são repassadas ao público de maneira mais
efetiva, tornando o que antes era informação privada em uma mercadoria consumível
por todos, principalmente pela burguesia que desde o princípio se torna o público que
efetivamente a consome, a parte da sociedade que de fato lê.
Nesse sentido Habermas acaba atentando para o fato da própria mudança
estrutural no espaço das cidades, que se modifica para ir ao encontro dessas
características citadas. Para o autor,
À medida que ‘a cidade’ assume suas funções culturais, modifica-se não só o sustentáculo da esfera pública, mas ela mesma se modifica. A esfera da representação real – e, com ela, o
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grand goût de Versailles – torna-se uma fachada mantida com grandes dificuldades. O Príncipe Regente e seus dois sucessores preferem as sociedades fechadas, se não exatamente o círculo familiar e, até certo ponto, fogem à etiqueta. O grandioso cerimonial quase dá lugar a uma intimidade burguesa. (HABERMAS, 1984: 47).
Embora em outras sociedades não se pudessem observar o fenômeno se
manifestando de maneira tão clara como na França, mesmo a Inglaterra já dava sinais
de mudanças na estruturação de sua sociedade de cortes.
Essa nova configuração torna possível a ascensão de espaços que passam a ser
orientados de certa forma para a prática de discussões e de uma incipiente crítica
literária, desenvolvida pela sociedade civil burguesa. Nas palavras de Habermas (1984:
48),
os salões no período entre a Regência e a Revolução (...) tanto lá como cá são centros de uma crítica inicialmente literária e depois, também política, na qual começa a se efetivar uma espécie de paridade entre os homens da sociedade aristocrática e da intelectualidade burguesa.
Dessa forma se começa a projetar nos salões uma novidade que acaba
quebrando os paradigmas de representatividade de outrora, na medida em que os
elementos da burguesia, mesmo excluídos das esferas do poder público e não contando
com privilégios da coroa, como ainda acontecia com os nobres, acabam se
apresentando nesses espaços como em pé de igualdade com a nobreza. Habermas cita
que nos salões ao lado de grandes banqueiros e investidores desfilavam filhos de
reolojoeiros e merceeiros, na medida em que “nos salões, o espírito não é mais um
serviço prestado ao mecenas; a ‘opinião’ se emancipa dos liames da dependência
econômica”. (HABERMAS, 1984: 49). Ao mesmo tempo era privilégio desses
espaços, que como já mencionado concentravam tanto a intelectualidade burguesa
quanto a nobreza e sua linhagem, ter a primeira palavra sobre as obras de escritores e
sobre os próprios periódicos, já que os autores necessitavam da legitimação dos
freqüentadores dos salões para seguir em frente.
Habermas então cita uma série de critérios que segundo ele caracterizam essas
“sociedades” que manifestam sempre em essência a discussão entre pessoas privadas.
Para ele primeiramente esses espaços propõe uma igualdade de status entre seus
30
participantes, mas segundo o próprio autor essa regra acaba não sendo observada, na
medida em que para o autor nesse contexto o que vale é a paridade argumentativa, que
pode confrontar uma realidade social diversa. Novamente remete a questão da
representatividade, no sentido de que não basta mais aparentar, mas necessita-se de
uma argumentação que legitime o que se é visto.
Outra característica para Habermas é que, através da difusão para um público
cada vez maior o que era o chamado universal, a discussão de grandes temáticas e
embates filosóficos, que antes eram da alçada da Igreja ou da nobreza, passa a ser
vulgarizado. Isso acontece porque as pessoas discutem a temática entre si, na medida
em que passam a ter acesso às obras e sobre elas necessitam de emitir opiniões.
A terceira característica para Habermas é a universalidade das discussões, já
que nesse contexto todas as pessoas privadas, todo o público leitor pode se apropriar
dos objetos de discussões e neles tomar partido. Estes acabam sendo os principais
aspectos disseminados nesses espaços.
Habermas passa então à busca por uma demonstração de como a privacidade na
família burguesa acaba se tornando aspecto predominante quanto à constituição do
chamado público. É através desse público que formas literárias passam a se tornar
fenômenos de leitura, já que passavam a representar todo o universo burguês antes
ignorado pela literatura corrente. Segundo Habermas (1984: 60),
as experiências, sobre as quais um público, que apaixonadamente tematiza a si mesmo, busca no raciocínio público das pessoas privadas entendimento mútuo e esclarecimento, essas experiências fluem de fontes de uma subjetividade específica: o seu lar é, em sentido literal, a esfera da pequena-família patriarcal.
A intimidade da vida familiar burguesa, no entanto, manifesta-se no lar às vezes
apenas na aparência, já que obedece a convenções da vida adotada em sociedade.
Inclusive, em algumas circunstâncias, os próprios cônjuges se viam mais nos salões do
que propriamente no espaço de suas habitações. Para isso concorreu a questão da
própria mudança arquitetônica no espaço das casas, na medida em que as áreas
destinadas à permanência em comum da família foram sendo gradativamente
31
reduzidas. Em contrapartida os quartos passaram a ser cada vez maiores, assim como
mais numerosos.
Nesse aspecto é interessante observar que a sala de estar antes utilizada para
reuniões familiares e concentração apenas dos elementos da casa em aspecto privado,
agora passam a dar lugar a uma sala de recepção, na qual a família dá lugar às noitadas
em sociedade. Para Habermas (1984: 62), “a sala da família torna-se sala de recepção,
em que as pessoas privadas se reúnem num público”. Este salão de certa forma acaba
não sendo um espaço da casa em si, mas representando uma extensão de um espaço
público, na medida em que é utilizado para e pelo público, não pelos moradores. É
uma área que é muito mais estreitamente ligada á sociedade do que ao lar. Segundo
Habermas (1984: 62),
A linha entre a esfera privada e a esfera pública passa pelo meio da casa. As pessoas privadas saem da intimidade de seus quartos de dormir para a publicidade do salão: mais uma está estreitamente ligada à outra. Só o nome de ‘salão’ é que ainda faz lembrar a disputa em sociedade e o raciocínio público na esfera da sociedade aristocrática. Entrementes, o salão se separou disso para tornar-se o local de encontros dos pais de famílias burguesas e respectivas esposas. As pessoas privadas que se constituem num público não aparecem “na sociedade”; toda vez elas, por assim dizer, destacam-se primeiro em relação ao pano de fundo de uma vida privada que ganhou forma institucional no espaço fechado da pequena-família patriarcal.
Essa pequena família burguesa acaba sendo pré-determinada pelo andamento da
sociedade a qual se sujeita em suas limitações. No entanto, essa sociedade que atua
aparentemente no sentido de quebrar o livre-arbítrio do indivíduo, demonstrando em
todo o momento que esse está sujeito ao seu jogo de forças, só se desenvolve na busca
dos indivíduos por essas experiências que se manifestam em foro privado, “na
humanidade dos relacionamentos íntimos das pessoas enquanto meros seres humanos
no abrigo da família” (HABERMAS, 1984: 65).
Nesse sentido que desenvolve-se cada vez mais uma privacidade do sujeito, que
acaba por segregar-se em sua intimidade mesmo dentro da própria intimidade de seu
espaço físico, a casa. Prova disso é a irrupção das chamadas cartas, que no fundo
revelam uma necessidade de comunicação com o próprio eu interior, segundo
Habermas. Nas palavras do autor,
32
a introspecção se une, em parte por curiosidade, em parte por simpatia, às ocilações da alma do outro ego. O diário íntimo torna-se uma carta endereçada ao emissor; a narrativa em primeira pessoa um monólogo interior dirigido a receptores ausentes: experiências equivalentes à subjetividade descoberta no interior das relações da intimidade familiar. (HABERMAS, 1984: 66).
Com isso, para o autor, as relações entre o público e o autor com sua obra são
modificadas, já que a introspecção assume um caráter de importância que antes não se
observava. Isso se dá porque no “jogo” agora se observa como tendência a importância
dos relacionamentos de foro íntimo, no sentido em que há a comunhão de idéias de
acordo com a empatia atingida entre autor-leitor. Há nesse caso a exposição tanto de
um como de outro lado, na medida em que o autor busca reproduzir experiências do
real, real este que é vivido pelo leitor em seu cotidiano. Para Habermas (1984: 67),
perde-se o caráter de se ter algo meramente fingido. O romance psicológico é que primeiro cria esse realismo que permite a qualquer participar da ação romanesca como substitutiva da ação pessoal, substituindo a realidade das ações humanas por relações entre personagens, entre leitores, personagens e público.
Para o autor, ainda,
por um lado, esse leitor empático repete as relações privadas esboçadas na literatura; ele preenche a fingida intimidade a partir das experiências das relações reais e se prova naquelas para estas. Por outro lado, a intimidade intermediada logo literalmente, a subjetividade capaz de literatura tornou-se efetiva literatura de um largo público leitor; (HABERMAS, 1984: 67-68).
Logo, é nessa busca pela intimidade que a sociedade civil burguesa utiliza-se da
incipiente literatura para entender a si própria, na medida em que esta se torna um
elemento propulsor de auto-análise e reflexão, aliado a todas as mudanças estruturais
que se deram ao longo do período, como a própria mudança arquitetônica no espaço
físico das habitações.
33
2.2 O ROMANCE E SUA LIGAÇÃO COM A ASCENSÃO DA CLASSE BURGUESA
Conforme visto no item anterior, a sociedade civil burguesa passou por uma série de
transformações que acabaram estruturando suas relações de convívio, uma delas foi através
desse advento da intimidade. Em seu texto As Práticas Literárias ou a Publicidade do
Privado, Jean Marie Goulemot traça toda uma tendência da literatura ao longo de
determinados períodos históricos. Sua abordagem vai desde as literaturas exercidas na
comunidade durante a Idade Média, na qual se ignorava o caráter privado na medida em que
se desenvolviam embasados pela metodologia oral, passa pela chamada era clássica, na qual
ainda o essencial pautava-se na representação pública, detendo-se quando se aproximava dos
limites do privado até a questão do romance.
Quando aborda o romance, Goulemot já o posiciona como um sistema pautado
na credibilidade. Para o autor, durante o século XVIII o romance passou a se estruturar
de maneira que pudesse representar e recriar um efeito de verdade, antes não
observado pela literatura. Nesse sentido, os autores buscavam demonstrar que
meramente repassavam o que se manifestava no real, demonstrando através de cartas,
que se apresentavam de certa forma como evidências de legitimidade, e assim se
afastavam das histórias fantasiosas, ou adjetivadas por romanceadoras. Segundo
Goulemot (1991: 393), “equivale a dizer que é por se apresentar como discurso
espontâneo, como ato sob forma de discurso, produzido por um não-escritor, não
destinado à publicação, que o romance pode tentar passar por verdadeiro”.
O autor salienta ainda que a intimidade assume um papel fundamental, de forma
que o texto em primeira pessoa se assemelhe e acabe representando uma
“comunicação imediata” entre autor e leitor, na medida em que o “eu” do texto acaba
se tornando legitimador, já que se baseia em um sujeito próprio. Da mesma forma
parece haver um entendimento tácito em que o leitor assume que o que está lendo é
verdade. Esse acordo se torna necessário na medida em que não pode ser comprovado,
já que manifesta acontecimentos que se desenvolvem em foro privado, e não mais
público. Segundo Goulemot, o leitor “não é tolo, quando muito é cúmplice”.
Nesse sentido a questão entre privado e público no romance se manifesta de
maneira considerada paradoxal por Goulemot (1991: 396), já que “o íntimo simula o
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verdadeiro, mas para tanto se torna público. A literatura se apresenta como uma
violação. É porque se tornou público que o privado pode servir de garantia”. O autor
ainda reforça o paradoxo se utilizando do exemplo das próprias cartas, no qual
demonstra que o leitor pode surpreender as intimidades dos personagens antes mesmo
que estes as percebam, e dessa forma faz com que “o sigilo do espaço privado só
encontre sua eficácia deixando de existir” (GOULEMOT, 1991: 397).
Segundo Ian Watt, Richardson utilizou em sua narrativa o modelo das cartas,
que acaba remetendo a um conteúdo mais subjetivo, no qual o autor pode expressar
melhor seus sentimentos. “Assim, pode-se considerar o estilo narrativo de Richardson
um reflexo de uma mudança bem maior: a transição da orientação objetiva, social e
pública do mundo clássico para a orientação subjetiva, individualista e privada da vida
e da literatura dos últimos duzentos anos” (WATT, 1990: 154). Esse individualismo
acabou, para Watt, propiciando o aparecimento de uma nova perspectiva de
mentalidade privada, responsável pelo aumento de um público interessado nas
questões de consciência individual. Esse acaba se tornando o aspecto fundamental das
relações interpessoais observadas tanto no romance como na sociedade urbana
moderna.
No entanto, por mais que houvesse um aumento do público leitor em relação a
períodos anteriores, convém ressaltar que este ainda representava uma parcela muito
baixa da população. Um dos fatores que concorriam para esse processo era o
baixíssimo nível de instrução dentre a população média, que era analfabeta ou semi-
analfabeta em geral. Paralelo a isso, o preço dos livros no século XVIII eram
inacessíveis ao poder de compra da população. Segundo Ian Watt, a quantia paga por
um romance era o equivalente ao dinheiro que poderia sustentar uma família durante
uma semana. No entanto, o preço do romance estava mais próximo da classe média do
que jamais uma literatura voltada à erudição havia sido, o que não propiciava, ainda,
uma popularidade em sua aquisição.
O que na Inglaterra possibilitou sua disseminação acabou sendo a proliferação
de bibliotecas circulantes, na qual os romances eram o principal objeto de atração.
Para Ian Watt (1990: 41), "foi também a forma literária que suscitou o maior volume
35
de comentários contemporâneos sobre a extensão da leitura às classes inferiores". Isso
se dava porque o que se valorizava agora era a experiência cotidiana, como o operário
na fábrica, o vendedor viajante, etc... Outro fator que deve ser observado é “a onda de
sentimentalismo burguês que se espraia pelo século XVIII. (...) Aliás, a tragédia
burguesa, um gênero de peça que começa então a ser cultivado, é também
extremamente sentimental” (GUINSBURG, J & ROSENFELD, 2005: 264). Essa
questão do sentimentalismo pode ser mais bem observada quando Watt demonstra que
no seu início o principal público consumidor do romance eram as mulheres, que
dispunham de um maior tempo ocioso, já que seus maridos não exigiam mais que estas
trabalhassem.
Essa questão também é inerente à idéia de privacidade, que não era muito clara
na Londres do século XVIII. Dois grupos importantes que acabavam detendo a maior
possibilidade de leitura e por isso se constituíam um público para o romance eram os
aprendizes e os criados. Isso se dava porque dispunham tanto do espaço propício – já
que onde trabalhavam geralmente havia iluminação necessária, além de em muitos
casos o dono da casa ou estabelecimento já possuir um volume de livros – como do
tempo necessário. Se acaso não dispusessem dos livros poderiam ter a capacidade de
compra-los maior que de outras classes mais pobres de trabalhadores, pois não
despendiam gastos com moradia e alimentação.
Esse novo público leitor gerou uma mudança, lenta e gradativa, que propiciou a
ascensão do romance, para Watt, na medida em que a importância se deslocou de
classes mais letradas, que buscavam o ideal clássico, para instrução, para uma classe
que passava agora a dispor de um tempo ocioso que também seria canalizado na leitura
dos romances, vistos também como uma forma de entretenimento.
Segundo Ian Watt, o romance encontrou a possibilidade de se desenvolver
devido à ascensão da classe burguesa, que demandava novas formas de representação
no conteúdo das histórias nos livros. O ideal burguês de isolamento, da busca pelo
lucro, entre outras características agora passava a ser representado, frente à literatura
classicista de outrora.
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Essa relação da burguesia com seu tempo é um dos fatores característicos para o
declínio narrativo, segundo Benjamin, pois o que passou a se verificar foi a
disseminação do relato curto, da chamada “informação”, desenvolvida pelo jornalismo
ainda incipiente do período. Segundo Benjamin (1993: 203), “cada manhã recebemos
notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A
razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras,
quase nada que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da
informação”. Para Benjamin aí se manifesta a grande qualidade da arte narrativa, na
medida em que, diferentemente do processo informativo, caracterizado pela
factualidade, fator que faz com que a informação só seja apreciada quando imbuída de
um caráter de originalidade, a narrativa se conserva atemporalmente, e suas
explicações estendem-se no tempo.
Para Ian Watt, no entanto, tanto o jornalismo como o romance são frutos de
uma época em que a especialização no trabalho e na economia acabou gerando
necessidades no público leitor que estas formas puderam resolver. Para o autor,
a divisão do trabalho contribuiu em muito para a realização do romance: em parte porque, quanto mais especializada for a estrutura sócio-econômica, mais numerosas serão as diferenças significativas de caráter, atitude e experiência da vida contemporânea que o romancista pode retratar e que interessam a seus leitores; em parte porque, aumentando o tempo ocioso, a especialização econômica proporciona o tipo de público de massa ao qual o romance está associado; e em parte porque tal especialização cria nesse público necessidades que o romance satisfaz. (WATT, 1990: 64-5).
2.2.1 A questão dos livreiros na Inglaterra e na França do século XVIII
Essa especialização acaba não se manifestando apenas no conteúdo, mas
também na forma com que o romance se difunde. Tanto na Inglaterra como na França
existia uma precariedade no mercado de livros, que era conseqüência direta tanto da
baixa instrução da população como de dificuldades técnicas no sentido da produção do
material. Isso fazia com que, embora o século XVIII fosse denominado por alguns de o
século dos autores, a maioria morresse de fome ou não conseguisse uma vida
confortável através do trabalho como literato.
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Um novo personagem passava a ganhar espaço nesse jogo de forças, assumindo
uma colocação que antes se destinava aos mecenas da arte, sustentando, inclusive,
mais autores do que estes últimos. Segundo Ian Watt (1990: 49), "no começo do
século XVIII os livreiros, sobretudo em Londres, haviam conquistado uma posição
financeira, um destaque social e uma importância literária consideravelmente maiores
que os de seus antepassados ou de seus confrades em outros países".
Esses livreiros exerciam uma influência tanto em relação aos autores como ao
público, já que detinham o controle do mercado. Esse controle se dava pelo domínio
da técnica além da opinião, já que a maioria também controlava os jornais e revistas.
No entanto, essa hegemonia dos livreiros também teve seus críticos. Para muitos, eles
acabavam tornando-se os patrões dos homens de gênio, que tinham que adequar suas
produções de acordo com suas vontades, mesmo que estes não fossem tão capazes.
Isso acabava enquadrando a literatura dentro de padrões econômicos de livre-mercado,
em que se produz e comercializa-se o que rende maior lucratividade.
Nesse sentido, Ian Watt demonstra que várias das características exigidas por
esse livre-mercado iam ao encontro de alguns pontos que caracterizavam o romance,
como as "copiosas descrições e explicações". Esses fatores acabaram resultando na
prolixidade do romancista. Para Watt (1990: 51),
pelo menos duas delas (considerações) devem ter estimulado a prolixidade do autor: primeiro, escrever de maneira bem explícita e até mesmo tautológica podia ajudar os leitores menos instruídos a _ê_preende-lo facilmente; e segundo, como quem lhe pagava era o livreiro e não o mecenas, rapidez e volume tendiam a se tornar as supremas virtudes econômicas.
Dessa forma, para o autor, essas mudanças acabaram representando uma grande
transformação para a época, que era a força da classe média como um todo, pois esta
passava a ser representada por autores provenientes de seu próprio círculo. Essa
questão, conforme já mencionamos, mudou o centro de gravidade da literatura e de seu
público, que migrou de uma aristocracia mais instruída para a burguesia, carente de
representação.
Já Robert Darnton em seu texto parte também da desconstrução da idéia de
autor no século XVIII na França, demonstrando como nem todos se enquadravam no
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ideal difundido do escritor iluminista como um homem de gênio e talento, que lograria
êxito contando somente com suas próprias forças. Como na Inglaterra, os escritores já
não se encontravam mais sob a tutela dos antigos mecenas; no entanto, o caso francês
aponta para uma outra direção, na qual o laissez-faire econômico ainda não exercia
influência sobre a produção.
O fator que culminava para o sucesso ou não de um autor era a sua "proteção",
que demandava conhecer as pessoas certas nos círculos certos de prestígio. Os
protetores já eram pessoas estabilizadas economicamente, e iam de membros da
nobreza, passavam por autores já consagrados até chegar em elementos da própria
burguesia. Segundo Darnton (1987: 23), "esses escritores integravam-se a uma
sociedade de ricos patrocinadores e cortesãos, para mútuo benefício: a gens du monde
ganhava entretenimento e instrução, a gens de lettres refinamento e posição social".
Nesse contexto já começava a se delinear o que o autor caracteriza de
"subliteratos", que constituíam a base explorada pelos mandarins, aos quais eram
destinadas as melhores fatias da renda. O espaço para esses subliteratos, no entanto
crescia, baseado em uma combinação de fatores que incluíam o aperfeiçoamento do
sistema educacional, que propiciou um gradativo aumento no número de alfabetizados,
assim como o crescimento econômico, que gerou um público mais rico e com maior
tempo livre.
No entanto, embora a demanda pela literatura fosse cada vez maior, o sistema
de proteções ainda não dava conta de suprir o número de autores que acorriam de
todas as partes da França, dispostos a vencer e lograr êxito em Paris. Segundo
Darnton, o mercado de livros só iria se estabilizar na França no desandar do século
XIX. No século XVIII, o autor demonstra como tudo na sociedade francesa consistia
na questão de ter ou não privilégios. Esses privilégios faziam com que todo _ê monde
se voltasse para as classes mais abastadas, deixando na miséria os subliteratos. O
personagem que acabava de certa forma delimitando esses privilégios acabava sendo,
como na Inglaterra, os livreiros.
As corporações de livreiros agiam com muito mais eficácia que a polícia na supressão de livros desprovidos de privilégio; jovens que não gozavam desse benefício, como Brissot, foram empurrados compulsoriamente para a miséria, nem tanto pelo radicalismo dos seus
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primeiros trabalhos – mas porque os monopólios impediam-nos de chegar ao mercado. (DARNTON: 1987, 32).
Dessa forma fica claro que o caso francês acaba diferindo do inglês, na medida
em que o autor passa a ter que se sujeitar não somente aos livreiros, mas à questões
estruturais inerentes aos processos de privilégios e proteção. Assim, não bastavam as
características observadas por Watt como o empreendedorismo, o individualismo do
sujeito assim como o individualismo econômico; no contexto francês, o indivíduo não
bastava a si mesmo para vencer. Assim, os jovens desprovidos de proteção que
desejavam adentrar o mundo da literatura
antes, caíram vertiginosamente tragados por um mundo de opostos e contradições. Um monde virado às avessas, onde ocupavam uma posição social absolutamente indefinida e a dignidade se dissolvia na penúria. Vista da perspectiva do submundo boêmio, a república das letras era uma mentira. (DARNTON: 1987, 33).
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CAPÍTULO 3. ANÁLISE DO ROMANCE PIERRETTE
Neste terceiro capítulo realizaremos a análise do objeto. O objeto a ser estudado
é o romance Pierrete, de Honoré de Balzac, que faz parte de seu conjunto intitulado
como A Comédia Humana. A edição utilizada será a terceira, datada de 1955, da
editora globo, com introdução, notas e orientações de Paulo Rónai. Nesta edição a
história conta com 124 páginas, com as notas de rodapé inclusas.
O objeto se insere no chamado romance realista, desenvolvido no século XIX.
O tema central nesse tipo de abordagem romanesca era o retrato da sociedade do
período, com o aparecimento da burguesia e dos aspectos a ela ligados. É interessante
o estudo desse objeto, pois a análise da sociedade pelo autor de certa forma lembra a
historiografia voltada ao estudo dos costumes, que não era muito realizada no período,
como já vimos ao longo do primeiro capítulo.
Na primeira parte buscaremos uma breve contextualização do autor da obra,
Honoré de Balzac em relação à proposta do trabalho, com o romance balzaquiano,
mais propriamente no caso Pierrette atuar no sentido da compreensão da sociedade do
período, observando-se aspectos de verossimilhança entre a obra e o conteúdo
historiográfico abordado no segundo capítulo.
3.1 A QUESTÃO DA "REALIDADE" NO ROMANCE DE BALZAC
Em seu artigo intitulado "Balzac e a Realidade", de 1959 Michel Butor analisa
uma série de características que diferenciam a obra de Balzac tanto em relação ao seu
passado como ao romance moderno. Talvez o ponto que mais chame a atenção seja a
inovação quanto à volta dos personagens. Dessa forma, Balzac podia retratar diversos
grupos sociais através de personagens típicos, que retornavam na medida em que suas
funções eram requisitadas ao longo da comédia humana. Para Butor (1959: 91),
renunciando pouco a pouco àquele projeto de uma história geral da humanidade, ele se concentra na descrição da sociedade contemporânea, mundo cuja riqueza se desenvolve cada vez mais sob seus olhos, e cuja pintura se tornou possível graças à prática da volta das personagens, técnica que tem primeiramente a vantagem de ser de certo modo uma elipse
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romanesca, um meio de encurtar consideravelmente uma narrativa que seria de outro modo desmesuradamente longa.
Esse processo, para Butor, acaba sendo essencial no sentido de ligar o romance
balzaquiano ao real. Isso se dá porque na transição entre um fato histórico e outro,
entre períodos de ruptura existem as figuras históricas de prestígio, cujas histórias
logicamente não podem ser alteradas sob o risco das falhas serem apontadas por
documentos. No entanto, ao lado destas Balzac se utiliza dos personagens típicos, que
por não serem figuras eminentemente conhecidas representam o todo em sua
individualidade. Através do retorno dessas personagens em diversos contextos a
verossimilhança com a realidade se intensifica a ponto de algumas vezes haver uma
dificuldade na distinção entre o personagem real e o imaginário. Assim,
temos pois dois pólos: de um lado, personagens como os reis e os imperadores, insubstituíveis porque é de sua natureza serem conhecidos individualmente como tais, mas sobre os quais, por conseguinte, o romancista não pode dizer grande coisa; do outro lado, as personagens obscuras das quais o romancista pode dizer tudo o que quiser, porque é de sua natureza serem substituíveis, porque elas são sempre várias e porque é perfeitamente normal que não conheçamos os seus nomes. (BUTOR: 1959, 93-4).
Dessa forma parte-se do princípio que por ter a liberdade de ação que a
realidade não concede, os personagens balzaquianos acabassem por representar
arquétipos que se vislumbravam reais, como ele mesmo ressalta em sua frase contida
em seu prefácio à Comédia Humana, de 1842: "Fiz melhor do que o historiador,
porque sou mais livre". Essa questão remete as discussões levantadas no primeiro
capítulo, de que a ficção possui a liberdade estética já que se pauta numa natureza
inventada, enquanto que a narrativa histórica às vezes se debate numa "falência
referencial", na medida em que se perde em alguns casos entre a sua natureza
"constituída" e a sua natureza "encontrada".
Esse mesmo prefácio ainda remete a questões abordadas no primeiro capítulo
quanto à oposição de uma historiografia científica e uma narrativa, mais voltada aos
costumes. Assim,
ao fazer o inventário dos vícios e das virtudes, ao reunir os principais fatos das paixões, ao pintar os caracteres, ao escolher os acontecimentos mais relevantes da sociedade, ao compor
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os tipos pela reunião de traços de múltiplos caracteres homogêneos, poderia, talvez, alcançar escrever a história esquecida por tantos historiadores, a dos costumes. (BALZAC: 1959, 14).
Balzac busca, dessa forma, através dessa volta de personagens que possibilitam
essa ambientação e essa composição de personagens reais e imaginárias retratar com o
maior grau de verossimilhança a sociedade francesa contemporânea.
Sainte-Beuve, crítico literário contemporâneo a Balzac, mesmo criticando
vários aspectos de sua obra acaba observando que o romancista de fato buscou essa
representação dos costumes do século XIX francês, não sendo igualado nesse aspecto
por qualquer outro escritor. Para ele,
o Sr. de Balzac foi bem um pintor de costumes deste tempo, talvez o mais original, o de maior propriedade e penetração. Bem cedo considerou o século XIX como o seu motivo, como coisa sua; a ele se lançou com ardor e nunca mais dele saiu. A sociedade é como uma mulher, quer o seu pintor, um pintor só para ela; ele o foi. Nada foi buscar à tradição para a pintar; renovou os processos e os artifícios do pincel ao uso dessa ambiciosa e coquete sociedade que pretendia não datar senão de si mesma e não se parecer com nenhuma outra; e por isso tanto mais o amou. (SAINTE-BEUVE Apud BALZAC: 1955, xvii).
Sainte-Beuve então relata um aspecto que se passava na obra balzaquiana que
aponta para nossa discussão entre a dualidade de formação de romance e burguesia.
Segundo Butor (1959: 98), em Balzac "o deslocamento com relação ao real permanece
no interior de certos limites. Por mais espantosas, por mais estranhas que sejam essas
histórias, elas permanecem entretanto verossímeis (...) porque se enquadram nos
limites daquilo que se pode contar num salão parisiense". Já para Sainte-Beuve o que
se dava era que esses salões assim reproduziam as histórias na medida em que a elas se
adequavam, transformando-se de certa forma em seus personagens. Para ele, "o
romancista principia, vai ao âmago, exagera um pouco; a sociedade pica-se de orgulho
e executa; e assim o que a primeira vista podia parecer exagerado acaba por ser apenas
verossímil" (SAINTE-BEUVE Apud BALZAC: 1955, xix-xx). Ainda, para o crítico
a porção ligeiramente fantástica que neles se mistura com a realidade, o que de perto comprometeria o seu pleno sucesso junto dos espíritos difíceis, desaparecia, e não era senão um atrativo a mais. Por exemplo, esses móveis ricos e bizarros, em que ele ia amontoando ao capricho da imaginação as obras-primas de vinte países e de vinte épocas, tornavam-se uma realidade fora do tempo; copiava-se com exatidão o que nos parecia ser um sonho de artista milionário; mobiliava-se à Balzac. (SAINTE-BEUVE Apud BALZAC: 1955, xx)
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Dessa forma parece-nos plausível partirmos da análise de um romance
balzaquiano, no caso Pierrette no sentido da demonstração dos conteúdos
historiográficos por nós abordados e inerentes ao período, como a questão da
representatividade entre nobreza/ burguesia ao longo do século XVIII e XIX, assim
como a ascensão do espaço público burguês, com a irrupção de uma privacidade
burguesa.
3.2 A REPRESENTATIVIDADE BURGUESA E A ASCENSÃO DA INTIMIDADE ILUSTRADAS NO ROMANCE PIERRETTE
A França do século XIX é por excelência o espaço no qual se delimita a
diferenciação entre a esfera pública e a esfera privada. O espaço da casa como
garantidor de intimidade - conceito cada vez mais em ascensão frente ao domínio
público sobre o privado próprio de séculos anteriores - passa a ser delimitado de
maneira que possa garantir e legitimar essa ascensão do espaço privado. Dessa
maneira, há a separação por cômodos de forma que as visitas não tenham acesso a
todas as partes da casa.
O interessante nessa situação é que, embora a casa seja por excelência o espaço
da intimidade, é nela também que se desenvolve o contato com a sociedade através de
seus serões, ou como se verificava ser muito freqüente entre as damas da alta
sociedade da época através de determinados horários da semana que elas se dispunham
a “receber” em sua casa pessoas que desejavam lhes falar. Nesse aspecto torna-se
muito interessante o conflito público/privado dentro do espaço da casa, na medida em
que esta acaba sendo em algumas situações uma ponte de ascensão social, pois acaba
propiciando dentro do espaço relativamente íntimo da própria casa relações vantajosas
que podem se estender no espaço público.
Este é o aspecto que acaba se observando no romance Pierrette, de Honoré de
Balzac, que acaba narrando as peripécias de um casal de novos ricos que tentam,
através de jantares e recepções ser aceitos por uma sociedade que, embora pereça na
decadência e na falta de recursos possui uma nobreza de linhagem que no período
acaba de certa forma sendo mais importante que o próprio capital financeiro. O
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interessante é que Balzac nesse contexto entre público e privado, nobreza e novos
ricos, acaba abordando outros aspectos que eram observados na época. Um deles acaba
sendo relativo ao papel da família, já que Pierrette acaba sendo mandada a casa de seus
tios que, por possuírem uma boa situação financeira poderiam teoricamente
proporcionar-lhe uma melhor educação. No entanto, o que se verifica na prática é uma
série de abusos que acabam culminando na morte da própria protagonista, cena que
podia ser considerada corriqueira na França do século XIX. A noção entre público e
privado se manifesta em diversos aspectos dentro desse relacionamento familiar, na
medida em que o tratamento dado pelos tios a Pierrette durante as festas difere muito
do que se passa nos momentos em que as casas não têm visitantes. Também é
demonstrado na dificuldade da protagonista esconder suas cartas de amor frente as
invectivas da ciumenta tia, que acha que o mundo conspira contra ela.
Esse espaço dos serões, retratado por Balzac, é o espaço burguês, no qual se
desenvolvem muitas das ações antes realizadas na esfera pública. Essa ascensão da burguesia
e conseqüentemente do espaço que a ela é inerente acaba propiciando o aparecimento de
outros aspectos na sociedade, como a intimidade, a individualidade e é através dessas
características e apropriando-se das possibilidades que elas proporcionam que o romance vai
se desenvolver e passar a ter o seu público no período.
Segundo Balzac em seu prefácio da primeira edição de Eugénie Grandet, "encontram-
se em certas cidades da província, alguns tipos dignos de um estudo sério, caracteres cheios
de originalidade, existências tranqüilas na superfície, e devastadas secretamente por
tumultuosas paixões". Para o autor, a vida na província acabava não sendo retratada não por
descaso ou desdém, mas talvez por uma impotência em retratar o que se passava na
intimidade, mesmo que para o autor "ali se vivesse em público".
No primeiro capítulo intitulado Pierrette Lorrain, que se passa em outubro de 1827,
Balzac basicamente apresenta a cidade provinciana chamada Provins, na qual a trama se
desenvolve. O autor já no princípio faz menção as fileiras das casas que por sua arquitetura
denunciam a existência de burgueses. A casa que reside Pierrette merece então uma descrição
que se distingui das outras, que será mais bem explicada ao longo do livro. "Naquela casa
reformada, cujo luxo ainda fresco contrastava com a vetusta aparência das outras, um
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observador teria imediatamente percebido as idéias mesquinhas e a perfeita satisfação do
pequeno comerciante aposentado" (pp. 370)3.
No terceiro capítulo o autor descreve os irmãos Rogrons, Sílvia e Jerônimo,
proprietários da casa acima descrita e primos de Pierrette. Balzac aponta sua história como o
enredo tipicamente burguês, no qual crianças pobres são mandadas como aprendizes e a partir
daí acabam conseguindo ou não ascender financeiramente. Como vimos em Ian watt no
segundo capítulo, os chamados aprendizes figuravam entre os maiores grupos de
trabalhadores do período, e sua atividade era interessante financeiramente porque não exigia
gastos com estadia e alimentação, o que propiciava uma maior capacidade de acumulação de
capital. No entanto nos dois primeiros anos os aprendizes pagavam cem escudos de pensão;
depois desse período, já nada pagavam mas também nada recebiam; com mais dois anos, o
ordenado já consistia em cem escudos.
Sua aprendizagem se dava na casa de comerciantes estabelecidos em Paris, cada qual
em um estabelecimento. Depois de anos, juntaram suas economias conseguidas no trabalho e
compraram um estabelecimento comercial de armarinhos chamado a Irmã de Família. Cerca
de seis anos passaram-se com uma acirrada concorrência no ramo dos armarinheiros, o que
dificultava saldar a dívida da compra do estabelecimento. Essas dificuldades foram gerando
em Sílvia uma série de características odiosas que Balzac alude à atividade burguesa, como:
a escassa inteligência do irmão e da irmã havia sido absorvida inteiramente pelo aprendizado do seu negócio, pelo Dever e Haver, pelo estudo das leis especiais e dos costumes das praças de Paris (...) (pp. 381).
a imensa quantidade de artigos que compõe o varejo parisiense haviam gasto sua memória. As cartas a escrever e a responder, as faturas e os balanços haviam consumido toda sua capacidade. Fora de seu negócio, não sabiam absolutamente nada (...) (pp. 381).
seu caráter mesquinho tivera como campo de ação a loja. Sabiam admiravelmente atormentar os empregados e as caixeiras e apanha-las em falta. Sua felicidade consistia em ver todas as mãos agitadas como patas de ratos sobre o balcão, manuseando a mercadoria ou ocupada em por em ordem os artigos (...) (pp. 381).
Nesse sentido toda a atividade dos irmãos se dava com a finalidade de saldar
suas dívidas e pagar as contas em dia. Silvia acabava controlando todos os aspectos da
3 Todas as notas relativas à Pierrette são da edição de 1955, da editora Globo, com notas, tradução e orientações de Paulo Rónai.
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loja, inclusive o irmão, do qual abusava para se conseguir os melhores preços e
vantagens. Balzac nesse ínterim caracteriza o pequeno comerciante burguês de certa
forma apalermado, aferroado a uma fraseologia que só dá conta de resolver seus
pequenos problemas comerciais, mas que se constitui vaga quando tem que contemplar
e se imiscuir a outros aspectos da vida em sociedade. Ao mesmo tempo, esses
comerciantes acabam por pautar suas vidas e objetivos em relações estritamente
comerciais, como se estas fossem o móvel da vida.
Para eles, a virtude, a honra, a lealdade, todos os sentimentos humanos consistiam em pagar pontualmente as contas. Intrigantes, desalmados e duma sovinice sórdida, o irmão e a irmã tinham uma horrível reputação no comércio da rua São Dinis.
Com essa probidade administrativa os Rogron conseguiram quitar suas dívidas
e contando com o valor do imóvel mais a mercadoria acumulada, além de uma herança
que receberiam que redundaria tudo junto em cerca de 150 mil francos, lhes renderia
uma renda de cerca de 4 mil francos, o que possibilitaria que os dois comprassem uma
casa e vivessem juntos em Provins. Dessa forma poderiam viver tranqüilamente de
suas rendas numa cidade provinciana. Esse ideal ilustra a frase de Balzac, contida no
livro, de que "todo comerciante aspira à burguesia". Assim,
enquanto ruminava o almoço, no limiar da porta, encostado à fachada, com o olhar embrutecido, o armarinheiro via uma casa fantástica, dourada pelo sol do seu sonho; passeava por seu jardim, escutava a água do repuxo a cair em pérolas brilhantes sobre uma lâmina redonda de lioz. Jogava em seu bilhar, plantava flores. Se a irmã ficava coma pena na mão, meditando e esquecendo-se de repreender os caixeiros, é porque se imaginava estar recebendo os burgueses de Provins; contemplava-se adornada de toucas maravilhosas nos espelhos de sua sala de visitas. (pp. 386).
Dessa forma os dois irmãos acabam vendendo sua loja e se estabelecendo em
Provins, processo relatado no quarto capítulo intitulado "Patologia dos merceeiros
aposentados". Essa patologia consiste na dificuldade de adaptação de uma vida levada
em Paris para uma levada na província, da agitação diária para a imobilidade
incessante. Dessa forma buscam-se atividades que canalizem essa energia em excesso,
essa busca por atividades. Segundo o narrador, no caso dos dois irmãos o que foi
buscado foi o intento da realização da casa de seus sonhos. Nesse sentido, eram
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buscados todos os aspectos observados com sucesso na casa das famílias mais
proeminentes da região, com os gastos cada vez mais elevados. Como vimos em
Habermas no segundo capítulo, essa época se pautou pela busca do fausto nas
habitações, já que estas acabavam representando sobremedida a opulência de seus
moradores, em sua busca por status e poder.
Ao mesmo tempo os irmãos tentavam estabelecer laços sociais com as famílias
de Provins, projeto que remetia as remanescentes lembranças da senhora Rogron de
recebe -las em sua casa. "Os Rogron nunca haviam freqüentado sociedade alguma,
nunca saíam da loja. Não conheciam ninguém em Paris e eram sedentos das delícias
em sociedade" (pp. 389).
No entanto, para que pudessem receber as famílias em sua casa, os Rogron
primeiramente teriam que fazer parte da sociedade, sendo recebidos nos serões das
outras famílias já constituídas há mais tempo, cada qual com sua esfera de poder e
representatividade específica. No ápice dessa cadeia se encontravam o casal Tiphaine,
que recebiam a burguesia de Provins duas vezes por semana. Nessas recepções a Sra.
Tiphaine buscava o apoio necessário para as sucessivas eleições de seu marido, de
forma que este ainda se tornasse juiz em Paris. Nesse intento,
essa jovem senhora de vinte e dois anos ainda não cometera nenhum disparate no terreno escorregadio em que se colocara. Satisfazia o amor-próprio de todos, lisonjeava as manias de todos: austera com as pessoas austeras, rapariga com as raparigas (...) Ainda não pronunciara uma única palavra e já todos os eleitores de Provins esperavam que seu querido presidente atingisse a idade requerida para elegê-lo. (pp. 390).
Esse salão de recepção parece de certa forma fazer espelho ao conceito de
representatividade observado em Habermas. A Sra Tiphaine acabaria representando
nesse espaço o papel da linhagem nobre, da qual tudo se espera e na qual todos se
inspiram. Ela desfila por todos os círculos de poder emanando uma confiança e
serenidade que faz com que, conforma o trecho, todos queiram seguir suas intenções.
Todo o seu trejeito, manifestado por suas maneiras, por uma distinção em público que
observa diversos aspectos como inflexão da voz, impostação, representam uma
autoridade representacional que deve ser seguida. Em contrapartida existem os
burgueses que na ânsia por representação se tornam ridículos, por representarem
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aquilo que não são, como fatalmente acaba acontecendo com os Rogron. Nesse sentido
existe uma burguesia menos eminente que apóia o "reinado" da Sra. Tiphaine sobre
Provins, e seus salões são cerceados pela influência desta. Basicamente, as recepções
da Sra. Julliard e da Sra. Galardon, primeiras a receber os irmãos.
Essa dificuldade em receber os Rogron se dava no sentido de que estes
deveriam ser "estudados" antes de serem admitidos nos salões, já que "o objetivo de
toda a sociedade, entretanto, será sempre congregar pessoas de fortuna, educação,
costumes, cultura e caracteres semelhantes" (pp. 391). Dessa forma, sua recepção foi
realizada tendo-se em vista estes preceitos, primeiramente nos serões das senhoras
Julliard e Galardon, para, posteriormente, serem aceitos no círculo da Sra. Tiphaine.
Assim se dá a descrição desses serões segundo o narrador da obra. "Tudo ali era
homogêneo: compreendiam-se uns aos outros, todos sabiam manter-se e falar de
maneira a tornar-se mutuamente agradáveis. Conheciam seus respectivos
temperamentos e se haviam habituado uns aos outros" (pp. 391). Logo, a quebra dessa
homogeneidade necessariamente implicaria numa má recepção e assimilação pelo
grupo, o que de fato aconteceu com os Rogron. Novamente aí vemos a questão da
representatividade, em que os irmãos encarnam a burguesia que, segundo Habermas,
falseia a verdade em busca de tornar-se o que não é ou pode ser. Logo, perde-se a
personalidade em busca da aparência, que na maioria das vezes descamba no ridículo.
Isso pode ser observado no banimento dos Rogron pela sociedade, pois segundo um
dos personagens do livro estes continuavam lojistas ignorantes, a ponto de confundir
os "condes de Champanha com uma qualidade de vinho". Ainda nessa questão pela
busca de representatividade,
devorados por uma inveja inocente e franca, Rogron e a irmã tiveram a pretensão de representar um papel numa cidade sobre a qual doze famílias estendiam uma rede de malhas cerradas, onde todos os interesses e todas as vaidades formavam um soalho sobre o qual os recém-chegados precisavam saber manter-se para não esbarrar de encontro a alguma coisa nem escorregar (...). (pp. 392)
julgaram-se muito ricos, importunaram a sociedade com a descrição de seu luxo futuro e deram a perceber sua mesquinhez, sua ignorância crassa e sua tola inveja. (pp. 392).
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No entanto, pouco depois de não serem mais chamados para os serões da
sociedade, as reformas em sua casa foram finalizadas. Logo os Rogron inauguraram o
espaço com um jantar, ao qual foram chamadas as famílias mais proeminentes de
Provins. Antes de causar espanto e admiração, os convivas acabaram manifestando
exatamente o contrário em relação à habitação, cujo fausto foi antes caracterizado
como de mau gosto do que como uma coisa nobre. Nesse sentido, como vimos em
Habermas que a questão da casa se ligava diretamente a seus moradores, com o fausto
demonstrando status, nesse caso o exagero e o mau gosto decretavam apenas o que os
irmãos Rogron já haviam manifestado em sociedade acerca de sua personalidade. Eis
algumas características que vem sob o olhar malicioso da Sra. Tiphaine, que embora
possa parecer exagerado, não seria questionado por quase nenhum habitante de
Provins.
(...) aquela porta bastarda (...) dá acesso a um longo corredor que divide assimetricamente a casa, pois à direita fica só uma janela para a rua, ao passo que à esquerda ficam duas (...) (pp. 394). (...) nas janelas, cortinas de algodão branco ladeadas por faixas vermelhas, presas com ordinárias braçadeiras vermelhas sobre pateras espalhafatosas, com rosáceas partidas, dum dourado fosco e cujo centro se destaca sobre um fundo avermelhado (...) (pp. 395). (...) sobre um dos armários, vê-se um relógio de café suspenso por uma espécie de guardanapo de bronze dourado, uma dessas idéias que agradam singularmente os Rogron. Quiseram obrigar-me a admirar esse achado. Não achei nada melhor para dizer-lhes do que, se eu algum dia pensasse em por um guardanapo em torno de um relógio, seria numa sala de refeições (...) (pp. 395). (...) nas paredes brilha um magnífico papel vermelho e dourado, como o que se vê nesses mesmos restaurantes e que certamente Rogron escolheu propositadamente. O jantar foi servido numa coberta de mesa de porcelana branca e dourada e a sobremesa num aparelho azul-claro com flores verdes. Abriram, entretanto, um dos aparadores para mostrar-nos um outro conjunto de louça para o uso diário (...) (pp. 395).
A descrição segue nesse sentido, obedecendo a grande capacidade descritiva do
autor manifestado nas palavras da Sra. Tiphaine. Nota-se que não somente há a crítica
a questão arquitetônica como ao próprio comportamento dos irmãos, que parecem
querer ostentar buscando, dessa forma, representar um fausto e uma importância que
não possuíam em Provins. Segundo o narrador, "todos esses adornos que enriquecem
uma construção e que agradam aos burgueses, haviam sido prodigalizados em
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excesso" (pp. 398). Seu banimento da sociedade no entanto não arrefeceu o ânimo dos
Rogron, que continuaram oferecendo jantares e realizando seus serões, fato que não
logrou muito êxito.
Os Rogron julgavam que para criar uma sociedade própria bastava dar jantares: tiveram, assim, a presença de moços galhofeiros e os jantares que se encontravam em qualquer país do mundo; todas as pessoas sérias, porém, deixaram de visitá-los (...) Renunciou, assim, imediatamente, aos jantares que custavam trinta a quarenta francos, sem contar os vinhos, e que não satisfaziam sua esperança de possuir um círculo de amigos, empresa tão difícil na província como em Paris. (pp. 398).
Assim, um ano após seu estabelecimento os Rogron se encontravam cada vez
mais solitários. Sílvia possuía o projeto de formar uma sociedade á parte, rivalizando
com a comandada pela Sra. Tiphaine, mas faltavam os membros necessários para a
consecução do projeto, já que o restante da burguesia só estava livre aos domingos.
O projeto pode se concretizar quando os irmãos pararam de tentar se imiscuir
com a alta burguesia e dirigiram a ela seu ódio, pois desta forma puderam agregar
todos os elementos dissidentes não aceitos naquele círculo. Os elementos principais
foram o coronel reformado Gouraud e o advogado Vinet, cada qual vendo na fortuna
dos Rogron uma possibilidade de ascensão.
Para a consecução desse novo salão os irmãos contavam com a "adoção" de sua
prima Pierrette, pois esta era sustentada pela avó que não tinha mais condições. Nesse
sentido a obra dirige-se mais à contemplação do aspecto privado, que invariavelmente
torna-se público do que ao aspecto público das festas e serões antes observado. O
primeiro aspecto quando dá chegada de Pierrette, no entanto, também se manifestou no
público, já que esta, através de sua toillete deveria representar a opulência dos irmãos,
mostrando que poderia se vestir como a filha de qualquer membro da alta burguesia.
De certa forma,
passou-se com a prima o que se passara com a casa. Pierrette devia vestir-se tão bem como a menina da Sra. Garceland. Ganhou sapatos modernos, de pelica bronzeada, como os da menina Tiphaine. Recebeu meias de algodão muito finas, um colete da melhor fabricação, um vestido de reps azul, uma bela romeira forrada de tafetá branco, tudo isto para rivalizar com a menina da jovem Sra. Julliard. (...) Pierrette tornou-se, assim, a menina mais encantadora de toda Provins. (pp. 414-5).
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Essas roupas acabaram sendo o início dos males de Pierrette, já que como todas
as crianças esta se preocupava em brincar, não atentando para a possibilidade de
estragar o que seus tios tão caramente haviam adquirido. Assim, passou a ser
repreendida pelos irmãos, que viram na prima a possibilidade de exercerem a tirania
antes direcionada a seus aprendizes. Logo, esta passou a ser explorada e culpada por
qualquer problema que ocorresse na casa dos Rogron. Esses abusos manifestavam-se
em foro privado, e só iam a tona quando ocorria os serões, nos quais sempre existia
algum fato novo que atentava para os mals-tratos sofridos por Pierrette, que passou a
ficar cada vez mais doente, fato que se tornava visível a todos os convivas.
Ao mesmo tempo era articulado em Provins um jornal de oposição orquestrado
por Vinet e Gouraud, e patrocinado pelo dinheiro dos Rogrons. Dessa forma a
hegemonia dos Tiphaine de outrora agora estava ameaçada. É interessante tentar
observar a fundação desse jornal sob a forma de uma alegoria, que demonstra como a
pequena burguesia passava a ascender frente às grandes linhagens nobres. Esse
processo é relatado tanto por Habermas como por Ian Watt, no qual os autores
assumem que gradativamente houve a migração dos leitores de uma nobreza para uma
burguesia ascendente, que demandava novas formas de representação.
Gradativamente, como ressalta Habermas, a esfera pública tornou-se uma esfera
pública burguesa, na qual a classe se tornava a detentora da informação e efetivamente
o público que lia no período. Esse constituía um baque nas pretensões do partido da
Sra. Tiphaine.
Outra questão que acabou equalizando a importância dos partidos foi o
aparecimento de Bathilde de Chargeboeuf, que também provinha de uma casta nobre e
pretendia desposar Rogron, fazendo deste um fantoche para sua ascensão e pretensões.
Nesse sentido a questão da falta de representatividade no partido dos Rogron se
sanava, na medida em que Bathilde possuía sobre a Sra. Tiphaine a vantagem de ser
mais bela e de seu vestuário, além de ser muito astuta em relação aos tramites da
sociedade. Bathilde então passou a ser outro problema na vida de Pierrette, já que uma
queria os bens que seriam destinados à outra por herança. Logo, Pierrette passou a ser
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acossada por todos os lados, e sua saúde declinava na medida em que essas
repreensões se agravavam.
No capítulo VII intitulado "A tirania doméstica" que vão se passar os
pormenores que acabam culminando na morte de Pierrette. O capítulo retrata a
ascensão de Vinet e de Gouraud em suas maquinações, e nas tentativas deste último
em demonstrar a Sílvia seu interesse em desposá-la. No entanto, por uma série de
conversas Sílvia é convencida de que aos 42 anos se está muito velha para casar e
acaba arrefecendo os interesses de Gouraud, que acaba concentrando suas atenções
sobre Pierrette, que seria a herdeira legítima.
Numa das manhãs em que Sílvia não conseguia dormir acometida por ataques
de ciúme e pensamentos de repreendimento ela ouviu a palavra casamento dirigida à
Pierrette, e julgou que quem fazia o pedido era Gouraud, enquanto que quem estava na
janela era o amor de infância de Pierrette, que ao vê-la naquele estado jurara libertá-la
e casar-se com ela. O que se passa em diante é uma ferrenha luta de Pierrette para
tentar da melhor maneira possível agüentar as dificuldades sob o jugo de seus tios
enquanto esperava a hora de poder fugir.
É interessante nesse sentido observar que a questão da intimidade também é
observada por Balzac no desenvolvimento da trama. Como vimos em Goulemot e em
Habermas, no segundo capítulo, essa questão da intimidade não se restringe apenas ao
espaço da casa, mas também se trata de uma questão que pode se manifestar através do
isolamento do indivíduo em seu íntimo, de maneira que este possa "esconder" suas
emoções da maneira que lhe aprouver. Nesse sentido Pierrette buscou, para escapar
das repreensões que sofria fechar-se em si mesma e em nada externar suas angústias e
reclamações, já que quando isto acontecia só vinham mais repreensões e nada se
resolvia. Ao mesmo tempo existia uma certa contradição em seu estado, tendo-se em
vista a idéia de Goulemot de que o privado necessita manifestar-se em público para se
legitimar. Suas doenças eram vistas por todos nos serões, mas existia como que uma
regra tácita dos participantes, cada qual atentando para seus próprios interesses em
fingir que nada acontecia. Logo, mesmo que a situação se passasse no privado nesse
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caso não adiantava se manifestar em público, pois continuava sendo uma questão
privada que só concernia aos próprios tios de Pierrette.
O aspecto que dá o golpe final, que gera o hematoma que por fim é responsável
pelo acesso que culmina na morte da protagonista é a tentativa desta de manter o
último resquício de uma intimidade, que a todo o momento era acossada por seus tios.
Sua privacidade há tempos não existia a não ser sob a forma de interiorização e nas
cartas que ela recebia de seu amor de infância e guardava escondidas. De resto, seu
quarto era aberto sob qualquer pretexto ou desconfiança da tia, assim como em
qualquer momento havia uma inquisição na qual havia a tentativa de vasculhar todos
os seus sentimentos e impressões. Todo o espaço da casa atuava no sentido de conferir
uma tirania e uma falta de liberdade individual totalmente alheia aos conceitos de
individualidade e privacidade.
É na tentativa de salvar essas cartas que seriam confiscadas pela ciumenta tia
que a personagem desfalece, sem forças, após violenta luta. Habermas atenta para o
fato de que através das cartas houve um fenômeno de introspecção, como o vivido pela
personagem, em que o indivíduo segrega-se em seu eu interior, pois de certa forma
representam uma comunicação do sujeito consigo mesmo. Dessa forma, verifica-se
que a linha entre o espaço público e o privado ainda era muito tênue, e o espaço
destinado à privacidade do sujeito nem sempre era respeitado.
O desfecho da história se dá com o julgamento dos Rogron, acusados de matar
Pierrette, que falece mesmo sob os cuidados do Dr. Bianchon. A questão, no entanto, é
colocada de maneira que pareça política, como uma disputa entre os monarquistas da
Sra. Tiphaine e os liberais do advogado Vinet e dos Rogron. Assim, devido a diversas
manobras hábeis como o casamento de Rogron com Bathilde, assim como a idéia de
que um ataque aos Rogron seria um ataque contra o partido liberal, Vinet conseguiu
uma coesão que acabou por resultar num triunfo que não condenou Sílvia. Novamente,
como já mencionamos ao longo do capítulo, a vitória dos liberais e a conseqüente
colocação de seus membros em cargos proeminentes, além da boa situação financeira
que os membros do partido terminam a história parecem atentar para uma irrupção da
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ordem burguesa, que aos poucos foi assumindo o espaço de representatividade
destinados à nobreza no ancién regime.
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CONCLUSÃO
A análise do romance como fonte fidedigna no sentido da abordagem de um
conteúdo historiográfico é uma temática tão interessante quanto polêmica. Os
resultados obtidos tanto em estudos que defendam como em estudos que
problematizem a questão nunca serão conclusivos, na medida em que é uma temática
cheia de nuances que envolvem muitos aspectos.
A problemática talvez parta do contexto de que essa é uma questão
multidisciplinar, resolvida de diferentes formas por estudos voltados para a área de
história ou por estudos voltados á área de letras, que de certa forma nem vêem a
questão como problemática.
Nesse sentido foi interessante a abordagem proposta pelos estudos de Hayden
White, que acabam demonstrando que as fronteiras entre história e ficção já não são
tão claras como pretendem muitos pesquisadores. Seus estudos dos autores que
trabalham a questão nos levam a perceber que a história ao longo de seu
desenvolvimento baseou seu material de estudo em fontes ligadas à tradição
romântica, logo desta acabou absorvendo características. Ao mesmo tempo, o trabalho
do autor como o texto de Dominick Lacapra atentam para o fato de que o romance
também não se constitui apenas de imaginação e fantasia, mas também pauta-se em
relatos documentais que melhor elucidam suas teses e concedem um grau maior de
verossimilhança aos relatos.
Nesse sentido buscamos demonstrar com os dois capítulos precedentes como o
conteúdo historiográfico pode ser bem representado pelo romance, na medida e que as
teorias abordadas ao longo da monografia podiam ser observadas ao longo do objeto
escolhido para o estudo. Esse aspecto remete à questão que observamos no primeiro
capítulo, que embora seja um conteúdo inventado este pode ser entendido como uma
alegoria que manifestando-se em algum local da realidade histórica nos remete a um
conceito de verossimilhança.
Essa questão também só pode ser observada no sentido de que o romance acaba,
conforme observamos no primeiro capítulo ligando-se à questão da historiografia
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narrativa mais voltada aos costumes, em oposição a uma historiografia que buscava
enquadrar a história como uma ciência submetida a um método.
Assim o romance de Balzac que analisamos também busca de certa forma
enquadrar-se nessa questão, buscando o sujeito frente às grandes estruturas, o papel de
análise de uma sociedade em seus costumes frente a um todo imutável. Assim, tanto a
ascensão de uma burguesia como os aspectos a ela ligados, que vão da ascensão de um
espaço público burguês e a questão do privado frente ao público até a questão da
representatividade burguesa em relação a nobreza de outrora são contemplados.
O romance, dessa forma, pode servir no intuito da análise historiográfica no
sentido de que este representa, à sua forma, diversos conteúdos abordados pela
historiografia. Sua utilização ou não pelo historiador, segundo White, acaba partindo
muito mais de uma premissa polêmica do que de uma real motivação metodológica.
Assim, a análise do romance na história como fonte pode ser realizada desde que se
observem os aspectos de sua natureza imaginada, o que, como já vimos no primeiro
capítulo, não influi na questão de sua verdade ou não, assim como não se torna em
efetiva barreira para que exista uma verossimilhança capaz de representar a história.
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