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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Escola de Administração da UFBA
Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA.
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA, PROMOÇÃO
DA SEGURANÇA E CIDADANIA
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE SALVADOR/BA: SUBJETIVIDADE, DIREITOS HUMANOS E GARANTIAS JURÍDICAS
Aydil Dias Carvalho Silva
Programa de Estudos, Pesquisas & Formação Em Políticas & Gestão de Segurança
Pública - PROGESP
REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA- RENAESP/SENASP/MJ
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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE SALVADOR/BA: SUBJETIVIDADE, DIREITOS HUMANOS E
GARANTIAS JURÍDICAS 1
VIOLENCIA CONTRA LA MUJER EN LA CIUDAD DE SALVADOR/BA: SUBJETIVIDAD, LOS DERECHOS Y GARANTÍAS
LEGALES
Aydil Dias Carvalho Silva*
Resumo
O artigo apresenta resultados de investigação sobre a repercussão da implementação da lei Maria da Penha para a redução da violência contra a mulher, no município de Salvador/Ba, a partir da análise do texto legal, de informações sobre sua impactação no sistema de repressão criminal instituído, e da aferição dos números da violência e do cuidado à mulher levantados, especificamente, na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher - DEAM/Brotas. Reflete-se sobre questões que relacionam a violência às formas e estruturas sociais desiguais e discriminatórias, e os princípios de direitos humanos como antídoto desse mal-estar social.
Palavras-chave: Violência contra a mulher. Lei Maria da Penha. Direitos e subjetividade.
Resumen
Lo presente artículo resulta de la investigación en la repercusión de la puesta en práctica de la Lei Maria da Penha para la reducción de la violencia contra la mujer, en la ciudad de Salvador/Ba, del análisis del texto legal, de la información sobre su impactación en el sistema instituido de la represión criminal, y de calibrar de los números de la violencia y del cuidado levantado a la mujer, específicamente, en la comisaría de policía especial de la atención la mujer - DEAM/Brotas. Se refleja en los hechos que relacionan la violencia con las formas y las estructuras sociales diversas y discriminatorias, y los principios de derechos humanos como antídoto de para esto serio problema social.
Palabras-llave: Violencia contra la mujer. Lei Maria da Penha. Los derechos y subjetividad.
1 Artigo apresentando enquanto trabalho de Conclusão de Curso que tem como função a obtenção do grau de especialista em Prevenção da Violência e Promoção da Segurança e da Cidadania - Programa de Estudos, Pesquisas & Formação Em Políticas & Gestão de Segurança Pública – PROGESP, Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública- RENAESP/SENASP/MJ e Universidade Federal da Bahia - UFBA. O artigo foi orientado pela Professora Patrícia Carla Smith Galvão. Salvador, 2009. * Aydil Dias Carvalho Silva é bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, Delegada de Polícia Civil do Estado da Bahia, lotada na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher - DEAM/Brotas desde agosto de 2008. E-mail: aydilsilva@yahoo.com.br
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1 Introdução
No sentido de reverter o quadro de violência doméstica e familiar,
historicamente registrado no Brasil, em função da mobilização de órgãos
governamentais e entidades populares, instituiu-se a Lei 11.349/2006 - Lei Maria da
Penha2, que “ampliou a pena para os agressores, definiu medidas protetivas à
família e ações para prevenir agressões. Além disso, cria varas de violência
doméstica e familiar contra a mulher, que reúnem competências civil e criminal,
reduzindo o esforço despendido pelas mulheres para alcançarem justiça contra
esses crimes” (SOUZA, 2008, p. A3).
As conseqüências ou resultados da Lei são também comentadas por Souza
(2008): a violência contra a mulher passa a ser caracterizada como crime contra os
direitos humanos, enfrentado pelo Estado, também, em resposta a demandas
internacionais, posto que fazem parte da pauta de Organismos Multi-laterais que
prescrevem políticas públicas protetivas, levadas a cabo a partir do engajamento dos
países em ações que visam a prevenção e repressão desses crimes.
Neste contexto, este artigo apresenta resultados de investigação sobre a
repercussão da implementação da Lei Maria da Penha para a redução da violência
contra a mulher, no município de Salvador/Ba. Analisa-se o texto legal quanto a sua
condição de responder à problemática da violência de gênero; da avaliação sobre a
implementação no sistema de repressão criminal instituído, especificamente a
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher - DEAM/Brotas3, e aferição de seus
resultados quanto à redução da violência doméstica e familiar.
O estudo fundamentou-se na preocupação em conhecer a razão ou razões do
aumento de registros das ocorrências de violência de gênero, pensando-o a partir de
duas hipóteses: a) a do aumento de casos de violência contra a mulher e seu
rebatimento direto no número de registros; e b) a boa repercussão da Lei em nossa
sociedade, e aumento da confiança em instituições protetoras da mulher no âmbito
das relações afetivas.
A compreensão do tema e de suas temáticas co-relacionadas foi possibilitada
a partir das idéias de vários autores: quanto às questões de Violência: Roberto da
2 Inspirada na biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes que lutou por mais de 20 anos pela prisão de seu agressor, responsável pela tentativa de homicídio a tiros que a deixou tetraplégica. 3 A DEAM-Brotas, implantada em 1986, foi a primeira Delegacia da Mulher criada no estado da Bahia.
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Matta, Hannah Arendt, Gey Espinheira; quanto às discussões sobre gênero e
sociedade, utilizaremos como referencial teórico os conceitos de Roberto Da Matta,
e Joan Scott; de modo complementar, as teorias sobre Direitos Humanos terão
como base idéias de Norbert Bobbio e Agnes Heller.
As atividades de pesquisa e registro dos resultados previram a realização de
pesquisa bibliográfica a partir das temáticas que se articulam com o objeto do
estudo; a análise e interpretação do Texto Legal (Lei 11.340/06); a leitura de fatos,
notícias e relacionadas à violência contra a mulher, no município de Salvador/Ba em
fontes midiáticas (jornais impressos), respeitando-se o recorte temporal selecionado
(pós a implantação da Lei em 07 de agosto de 2006); o levantamento e análise de
dados secundários sobre registro de ocorrência na Delegacia Especializada de
Atendimento à Mulher-DEAM; e a produção e análise de dados primários
(realização de entrevistas) para escuta e produção dos discursos (de técnicos e
gestores que lidam com as questões de violência contra a mulher no município de
Salvador);
A análise dos dados que compõem o material estudado seguirá os
procedimentos referentes à Análise de Conteúdo (para os documentos oficiais,
fontes mediáticas e entrevistas/conversas) e à Análise de Dados (quadros e
fotografias). O tratamento das fontes/narrativas - orais (entrevistas, conversas
informais), materiais (matérias de jornais impressos, documentos oficiais) dar-se-á,
também, através da Análise do Discurso, associando os elementos encontrados com
as condições de sua produção, buscando considerar o que pode estar “por trás” do
que fora dito ou até mesmo das lacunas formadas pelo “não-dito” (ORLANDI, 2001,
p. 30).
Reconhece-se de antemão que a viabilidade do projeto, no qual se possa
exercer concretamente os direitos e a proteção das mulheres, requer investimentos
em todas as áreas de interesse social, com envolvimento de toda a sociedade. A par
disso, pesquisas, discussões, debates, fóruns, entre outros, que investiguem a
aplicação da Lei terão importância na implementação e na repercussão desse
dispositivo. Ademais, é imprescindível compreender o impacto da nova legislação
sobre a violência doméstica, o que justifica o esforço de compreensão pretendido e
registrado neste escrito.
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2 Referencial teórico/análise dos dados
São múltiplas as referências (autores e textos) que dizem das variações de
entendimento sobre formas, motivações e conseqüências da violência. Para Hannah
Arendt (2009), no século XX, a revolução tecnológica, a exemplo da bomba atômica,
multiplicou a violência e seus meios característicos. Como exemplos paradigmáticos
têm-se as modernas operações militares, com os massacres em massa de civis nos
campos de concentração, o genocídio e a tortura e as mortes seriadas nos conflitos
bélicos. Formas de opressão que, através da tomada de conhecimento, podem ser
instigadas e confrontadas por meios não violentos de resistência, ou ainda induzir a
um pathos e élan favoráveis à violência e à argumentação sartreana que trata a
violência como condição à recriação humana.
No esforço de conferir maior nitidez às diversas faces do fenômeno,
possibilitando ao analista identificar com mais precisão a presença de um ou outro
atributo, esta importante filósofa, em um dos seus livros publicados no Brasil,
intitulado Sobre a Violência (ARENDT, 2009), registra:
Penso ser um triste reflexo do atual estado da ciência política que nossa terminologia não distinga entre palavras-chave tais como “poder”, “vigor”, “força”, “autoridade” e, por fim “violência” – as quais se referem a fenômenos distintos e diferentes e que dificilmente existiriam se assim não fosse. [...]. Utilizá-las como sinônimos, indica não apenas uma certa surdez aos significados lingüísticos, o que já seria grave em demasia, mas também resulta em uma certa cegueira às realidades a que eles correspondem. Em tal situação é sempre tentador introduzir novas definições, porém – muito embora eu vá ceder à tentação brevemente – o que está em jogo aqui não é apenas uma questão de linguagem imprecisa. Por trás da aparente confusão subjaz a firme convicção à luz da qual todas as distinções seriam, no melhor dos casos, de pouca importância: a convicção de que o tema político mais crucial é e sempre foi, a questão sobre “quem domina quem” (ARENDT, 2009, p. 59-60).
Cedendo à tentação, a autora redefine os conceitos da seguinte forma: o
primeiro (poder) diz respeito à habilidade de ação coletiva e funda-se em oposição
ou, mais especificamente, na ausência deste último termo (violência), de caráter
instrumental. O segundo (vigor) vincula-se à esfera individual, como propriedade de
pessoa ou objeto. O terceiro (força), comumente utilizado como sinônimo da
violência, mais propriamente deveria tratar de movimentos físicos ou sociais. O
quarto (autoridade), pautado no respeito, pode preterir da coerção ou persuasão, e
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somente é anulado pelo desprezo. O último (violência) diferentemente de todos os
anteriores, utilizado como ferramenta, multiplica o vigor individual até que em última
instância venha a substituí-lo (ARENDT, 2009).
Segundo Rosa Del Olmo (2000, p. 76), o termo violência, elaborado
politicamente, é impreciso, ambíguo, polissêmico, utilizado para significar inúmeras
circunstâncias, podendo ser classificado segundo as pessoas que a sofrem:
mulheres, crianças, idosos, etc.; segundo a natureza da agressão: física,
psicológica, sexual, etc.; segundo o motivo que a incita: político, racial, etc.; segundo
onde se localiza: a casa, o trabalho, a rua, etc. A mesma autora complementa
enfatizando suas conseqüências:
A su vez, las violencias que se desarrollan em las ciudades tienes actores, formas y móviles variados y multicausales. [...]. Todas estas violencias pueden actuar interelacionadamente, com lo cual se complica su comprensión (Carrión, p. 14). Pero un hecho es cierto. Estamos ante uma de las manifestaciones más importantes del deterioro de la calidad de vida de los habitantes de las ciudades contemporaneas.
Em contexto brasileiro, estudiosos da temática, de maneira resumida, sub-
classificam esta noção, especializando a partir de possíveis causas: violência para
obtenção de bens materiais, visando garantir o “consumo orgiástico” e, em última
instância, a produção generalizada; violência como instrumento para garantir o
status, “por afirmação, por visibilidade, pela valorização do ego”, ou seja, “como
estratégia de auto-afirmação”; violência institucional e institucionalizada justificada
pela fragilidade das estruturas de coesão social e garantidoras da ordem (Família,
Estado, Justiça); ou aquela favorecida pelo ethos da “hipermasculinidade” que
ultrapassa a idéia de classe social, e se vincula como forma de “tornar mais
complexa a análise dos contextos sociais amplos e locais para entender por que
cada vez um maior número de jovens (de todos os estratos sociais) incorpora
práticas sociais que os tornam predadores do próximo” (ZALUAR, 2004, p. 258),
podendo ainda estar vinculada a questões de gênero.
Destacam-se, portanto diferenças reais ou representacionais ao considerar a
violência como noção heterogênea, de fator multicausal e, a partir do sociólogo
baiano Gey Espinheira, como um fato social culturalmente elaborado, passível de
lógica e racionalidade: “A violência é um fato social de múltiplas dimensões, [...]
determinada pela prevalência de variáveis que a tornam economicamente viável,
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incluindo neste cálculo a economia emocional ou libidinal (LYOTARD, 1990). [...]
ainda que ela possa também se apresentar como absurda” (ESPINHEIRA, 2006, p.
41).
De outro modo, num esforço de teorização e apreensão do real, como sugere
DaMatta (1997a; 1997b), a partir de espaços/âmbitos diferenciados (a casa e a rua),
é possível pensar especificidades - a violência no espaço da rua e a violência do
espaço doméstico - complementares na dinâmica de suas relações.
Ao referir-se ao processo de identificação de Paulo Rigger, personagem de
Jorge Amado, evidencia DaMatta que o processo de identificação dá-se através de
domínios sociais básicos:
um deles é evidentemente, a rua – onde o herói sambou e sabemos que sua parceira foi uma mulata. O outro é o domínio da casa (do quarto, para ser mais preciso), onde a amante francesa e traidora foi devidamente surrada. Temos assim: Sambar: rua:: surrar: casa (quarto) e também, rua: descontrole e massificação:: casa: controle e autoritarismo. (DAMATTA, 1997b, p.90)
As palavras que o autor utiliza para representar as categorias específicas, em
analogia, são precisas, podendo ser utilizadas para a compreensão ou explicitação
de elementos que caracterizam ou tipificam formas de violência.
A violência no espaço das ruas, em âmbito característico, marcado pelo
descontrole e massificação, cujos discursos utilizam e/ou aplicam “o idioma do
decreto, da letra dura da lei, da emoção disciplinada que, por isto mesmo, permite a
exclusão, a cassação, o banimento, a condenação” (DAMATTA, 1997a, p. 19),
possui como atores principais indivíduos jovens, negros, pobres e Policiais Militares
do círculo de praças, massificados e vulneráveis, como visto, pela constituição de
um ethos violento em descontrole, e de configurações sociais, econômicas e
políticas discriminatórias excludentes.
A violência doméstica, por outro lado, exercida no lócus do familismo, é
marcada pelo controle e autoritarismo, na imposição de uma ordem e força que os
indivíduos mais vulneráveis – crianças, idosos mulheres – em condições
desfavoráveis, são suas vítimas preferenciais.
Causas são aventadas de forma procedente:
Meninos são educados para serem fortes, violentos, preparados para o espaço público. São incitados a brigar e proibidos de chorar. Meninas são domesticadas. Sob o argumento da fragilidade,
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permanecem no espaço do lar, brincando de boneca. Assim são construídos os papéis do homem violento e da mulher resignada. A idéia básica de que ele é superior e vale mais do que ela é sustentada através da mídia, do sistema educacional, da religião e da cultura, sendo “naturalizada. (SOUZA, 2008, p. A3).
Nacionalmente, o sistema de controle, acompanhamento e atendimento à
mulher vitimada indica uma realidade absurda frente à nova legislação que começa
a apresentar resultados:
O número total de atendimentos a mulheres vítimas de agressão dobrou no primeiro semestre de 2008 em relação ao mesmo período de 2007. De acordo com os dados da Central de Atendimento à Mulher (telefone 180), de janeiro a junho deste ano foram registrados 121.891 atendimentos, ante 58.417 em 2007, um aumento de 107,9%. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) avalia que o aumento no número de registros resulta, principalmente, da maior divulgação da lei Maria da Penha, que pune com mais rigor os agressores das mulheres e completa hoje dois anos de vigência. Do total de mulheres que entraram em contato com a central no primeiro semestre deste ano, 61% afirmaram sofrer agressões diariamente e 17,8% semanalmente. O agressor, na maioria das vezes (63,9%), é o próprio parceiro da vítima, que costuma ser usuário de drogas ou álcool (58,4%). Os dados apurados revelaram ainda o perfil da mulher que mais recorre à central. Segundo a pesquisa, 37,6% das atendidas eram negras, 52,6% têm idade entre 20 e 40 anos e 32,8% cursaram parte ou todo o ensino fundamental. A violência física foi apontada como a mais freqüente, porém não é a única. As mulheres relataram também casos de violências psicológicas, moral, patrimonial e regime de cárcere privado (AGENCIA ESTADO, 2008, s/p.).
Paralelamente a este acompanhamento, cita-se na mesma matéria de jornal,
uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2008, entre os dias 17 e 21 de
julho, pelo Ibope/Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, em parceria
com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), com 2002
entrevistados em 142 municípios brasileiros, apresentando os seguintes resultados
sobre o impacto de implantação da nova Lei: 68% dos entrevistados tinham
conhecimento sobre a lei; outros 32% disseram não ter conhecimento ou não
quiseram se manifestar. Do total dos entrevistados, 33% afirmaram acreditar que a
lei pune a violência doméstica com eficácia, 21% disseram que ela diminui a
incidência das agressões e 13% sentem que a lei tem ajudado a resolver o problema
da violência (AGENCIA ESTADO, 2008, s./p.).
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Aladilce Souza, em matéria de jornal intitulada Basta de violência!, citando
informações do Centro de Documentação e Estatística da Polícia Civil da Bahia
(CEDEP), recorda que a cada minuto, quatro mulheres são agredidas no Brasil: “Em
2007, a Delegacia Especial de Atenção à Mulher de Salvador registrou 8.875
ocorrências com 2.595 lesões corporais. Este ano, até julho, 59 mulheres foram
assassinadas na Bahia”. Segundo esta autora, os números apontam circunstâncias
vivenciadas por mulheres de todas as condições físicas e sociais e representam a
desigualdade nas relações de gênero, considerando o desequilíbrio das forças entre
homens e mulheres, construído culturalmente.
Nos anos 80 e início dos 90, no HGE e no Hospital Getúlio Vargas, recebíamos diariamente mulheres espancadas por seus companheiros. Cheias de lesões. Lembro de uma jovem que chegou desacordada, com trauma grave na cabeça, acompanhada da mãe, que contou sobre a brutalidade praticada pelo genro. Ela não sobreviveu à agressão. Ele permanece impune. (SOUZA, 2008, p. A3).
As imagens descritas pela autora são ainda reprisadas cotidianamente em
lares diversos e nos setores de registro de ocorrências nas Delegacias Especiais de
Atendimento à Mulher, como documentário de uma realidade social trágica (figuras
de 01 a 03)4.
2.1 Números da violência e do cuidado à mulher na DEAM-Brotas, em Salvador 4 Figuras de 01 a 03 ilustram casos de violência doméstica e familiar. Acervo do Serviço de Inteligência da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher – DEAM, autora Maria Solange Alves de Jesus, 2008.
Figura 01- Mulher vitimada pela violência doméstica e familiar Figura 02- Mulher vitimada pela violência
doméstica e familiar
Figura 03- Mulher vitimada pela violência doméstica e familiar
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Os números da violência contra a mulher registrados na Delegacia Especial
de Atendimento à Mulher, localizada no bairro de Brotas da capital baiana,
contemplam uma variedade de crimes e grande quantitativo, sobretudo de ameaças
e lesões corporais direcionadas às mulheres de todas as classes sociais, com
acentuada ênfase às mulheres das classes sociais mais humildes que, conforme
informações de técnicos da instituição, compõem 99% da sua clientela.
Quadro 1 - Ocorrências policiais registradas na Delegacia Especial de Atendimento à mulher
Salvador/2009 Ano 2005 2006 2007 2008
Estupro 50 36 43 45
Calunia / difamação / injúria 418 536 520 446
Ameaça 2530 2983 3029 2970
Lesão corporal 2313 2137 2436 2722
Vias de fato 3107 2986 2595 1798
Fonte: DEAM/SSP/BA, elaboração do autor, 2009
Gráfico 1 - Ocorrências policiais registradas na Delegacia Especial de Atendimento à mulher
0 1000 2000 3000 4000
2005
2006
2007
2008 Vias de fato
Lesão corporal
Ameaça
Calunia / difamação / injúria
Estupro
Fonte: DEAM/SSP/BA, elaboração do autor, 2009
Analisando os dados secundários verifica-se que, ainda em finais de 2006,
não se pôde implementar todas as possibilidades trazidas pela nova lei ao
ordenamento jurídico. Havia a necessidade, por parte dos organismos aplicadores
da lei, de prepararem-se para o cumprimento da norma, absorvendo suas novas
possibilidades de atendimento e enfrentamento do desafio da proteção à mulher
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vítima de violência doméstica. Os quadros que analisamos mostram claramente esta
transição da aplicação das ferramentas disponíveis no ordenamento jurídico anterior
e o incremento das novas ferramentas e procedimentos previstos pela Lei Maria da
Penha.
Quadro 2 - Providencia e encaminhamentos/Delegacia Especial de Atendimento à mulher
Salvador/2009
Ano 2005 2006 2007 2008
Assistência social 2681 6589 3911 3281
Inquéritos instaurados 31 29 397 522
Inquéritos remetidos 27 30 328 509
Termos circunst. instaurados 868 1235 242 27
Termos circunst. remetidos 888 1262 250 32
Medidas protetivas 0 1 122 79
Prisões em flagrante 5 10 (I) 38(II) 87
(I) Ano 2006 - 04 são relacionados à Lei 11.340/06 (II) Ano 2007 - todas relacionados à Lei 11.340/06 Fonte: DEAM/SSP/BA, elaboração do autor, 2009
Gráfico 2 - Proporcionalidade de providencias e encaminhamentos realizados pela DEAM, entre os anos de 2005 a 2008
0%50%
100%
2005
2006
2007
2008
assistencia social
inqueritos instaurados
inquéritos remetidos
termos circunst. Instaurados
termos circunst. Remetidos
medidas protetiva
Fonte: DEAM/SSP/BA, elaboração do autor, 2009
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Vimos no passado recente uma grande presença de termos circunstanciados
aliada a atividades de assistência social5, o que demonstra, no caso do Termo
Circunstanciado - TCO, um claro passar à diante sem qualquer conseqüência prática
e/ou eficácia fática ou jurídica na modificação da situação da vítima. No segundo
caso, se o atendimento social minimizava o impacto da violência, buscando formas
de, inclusive, apoiar e orientar a vítima e até oferecer ao infrator mecanismos para a
compreensão do fato, da sua gravidade e das suas conseqüências, podemos ver
que, efetivamente, com o novo ordenamento jurídico afirmou-se a responsabilidade
do Law Enforcement6. Este sim passa garantir à vítima a proteção imediata à sua
integridade, a restauração da sua tranqüilidade psicológica e moral atribuindo-se a
ela o status de protegido do ente público. Ou seja, com a força do sistema
jurisdicional, a nova Lei institui, em suas medidas cautelares, ferramentas jurídicas
que demonstram eficácia na defesa da vítima, que também conta com o acolhimento
e proteção complementares do sistema de atendimento social.
Se os números de atendimentos relacionados à assistência social (quadro 1),
registrados na DEAM após o ano de implantação da Lei Maria da Penha, sofreram
decréscimos posteriores, este fato, segundo informações da própria instituição,
deve-se a problemas relacionados com a administração estatal que diminuiu
drasticamente o número de funcionários contratados para tal fim.
Está claramente demonstrado, na análise desses dados, o incremento dos
Inquéritos Policiais instaurados e de Inquéritos Policiais remetidos, agora com
poderosa eficácia fática e jurídica. De outra parte, os Termos Circunstanciados,
vigentes sob a égide da Lei 9099/95 davam uma aparente solução jurídica para o
5 Existe na própria DEAM - Brotas o Setor Psicossocial que atua prestando os seguintes serviços: num primeiro momento faz o serviço de triagem, escutando, orientando e encaminhando as mulheres e suas famílias, crianças e adolescentes para serviços externos da rede, serviços de atendimento ao usuário de álcool e outras drogas; o serviço social propõe-se a um atendimento especializado com escuta mais aprofundada, serviço de terapia dos casais que desejam mudanças no seu padrão relacional, buscando melhorar a comunicação intra-familiar, definindo os papéis sociais, reestruturando a convivência pacífica através da alteração do padrão de relacionamento dos membros; a depender da necessidade, recorre-se ao serviço de psicologia objetiva oferecer um espaço de escuta psicoterapeutica aos envolvidos nos atos de violência, buscando superação de traumas, através da elaboração dos sentimentos, estruturação da personalidade, reorganização da vida pessoal, oferecendo um suporte emocional e psíquico; já o serviço sócio educativo tem como objetivo tornar a DEAM um espaço de integração com a comunidade, com os movimentos de mulheres, escolas e universidades, promovendo no auditório e sala de espera cursos, palestras, seminários com discussões temáticas de gênero em parcerias com órgãos e entidades promotoras da cultura da Paz e dos Direitos Humanos. Importante lembrar que o Setor está envolvido com o Projeto de Reeducação com os autores de violência e com o Programa de Integração e Capacitação dos funcionários da DEAM. 6 Termo recolhido do sistema jurídico americano para definir o aparato de aplicação da Lei.
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aparato repressor sem necessariamente garantir a implementação das medidas
necessárias à restauração de sua tranqüilidade, da sua paz psicológica e,
especialmente, garantindo sua integridade física.
O Termo Circunstanciado não garantia nada mais do que uma futura punição
ao autor da infração com vistas aos benefícios típicos da aplicação da Lei a crimes
de menor potencial ofensivo, especialmente centradas nas penas alternativas. Não
falar ainda que o próprio rótulo de crime de menor potencial ofensivo afrontava a
dignidade da mulher e a paz familiar, configurando verdadeira Captis Diminutis7 a
proteção à família, igualando a dignidade familiar às infrações de trânsito, às
pequenas rixas, dentre outros de menor relevância. A nova lei traz, pois, na sua
ponta, no seu mote, a clara garantia da dignidade da mulher, da família, da
tranqüilidade e da preservação da paz social a partir do seio familiar, primeiro núcleo
da vida organizada em sociedade, especialmente grata a uma nova visão dos
direitos do ser humano, inserida no ordenamento jurídico, como garantia do Estado
moderno.
Os números de prisões em flagrante registrados demonstram um quase
vertiginoso acréscimo, provando que o agente protetor designado pelo Estado
sentiu-se impactado pelo novo ordenamento, e fez cumprir a Lei rigorosamente,
porque esta é a conclusão a que podemos chegar ante o incremento da referida
resposta analisada face à estabilidade das ocorrências policias no período.
É sabido que o Inquérito Policial, diferentemente do Termo Circunstanciado,
permite um maior aprofundamento na via da polícia judiciária, das suas
circunstâncias, possibilitando ainda à autoridade policial o aprofundamento da
análise dos fatos, a melhoria da análise das provas produzidas, ampliando-se as
possibilidades, e permitindo, afinal, que o resultado dessa colheita possa ser melhor
e mais circunstanciadamente delineado, relatado e encaminhado ao seu fluxo no
sistema de repressão judiciária.
De outra parte, vemos modificar o cenário numérico a partir das novas
possibilidades oferecidas com o implemento das medidas protetivas, que tinham
nula a sua participação no conjunto de indicadores da Polícia Civil em seu sistema
de atendimento à mulher, solicitadas agora pela autoridade policial ao Juiz, a serem
deferidas ou não, dependendo da necessidade da suposta vítima.
7 Termo jurídico latino que refere a diminuição valorativa de fato, direito ou pessoa.
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Números de 2009 não informados, registrados até o mês de julho, computam
a solicitação de 154 medidas protetivas pela DEAM-Brotas, voltando a indicar
acréscimo em relação aos dados apresentados, ultrapassando o maior pico
registrado em 2007 e superando o decréscimo verificado em 2008. Ainda sobre o
decréscimo registrado nos números de solicitação de medidas protetivas no ano
passado, outra possibilidade de análise seria considerar a compensação entre a
diminuição de solicitações destas medidas em virtude da quantidade de prisões em
flagrante, dispositivo que se demonstra em constante crescimento.
É indispensável ressaltar que estas novas possibilidades jurídicas trazem ao
profissional da polícia judiciária a certeza de que poderá utilizar-se de ferramentas
jurídicas capazes de fazer com que seu mister ganhe uma eficácia estimuladora da
utilização das instituições garantidoras, a valorização do sistema de repressão à
violência doméstica e familiar e uma conseqüência natural e desejada por todos os
que vislumbram uma sociedade justa e submetida a um Estado que busca a sua
finalidade na grandeza e na dignidade humana.
Analisando-se o número de ocorrências policiais x medidas jurídicas
implementadas, e ainda a assistência social prestada que necessita de uma análise
extremamente detalhada do que representa cada atendimento incito em cada
Boletim de Ocorrência e a realidade dos fatos que em suas particularidades pode
ensejar, vindo a requerer esta ou aquela conduta do agente aplicador da Lei, bate-se
com fatos cuja gradação valorativa muitas vezes não alcançou a proteção da lei
penal.
Apesar do comparativo entre ocorrências e providências e/ou
encaminhamentos dados pela instituição policial aqui referida apresentar grandes
desproporções (quadro 3; gráfico 3), a nosso ver, há um caminhar para o encontro
da certeza de Bobbio (1992, p. 25) com as práticas requeridas em Lei: “não se trata
de saber qual e quantos são esses direitos, qual é a natureza e seu fundamento, se
são direitos naturais ou históricos, abstratos ou relativos, mas sim, qual é o modo
mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações,
eles sejam continuamente violados”.
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Quadro 3 - Comparativo entre ocorrências e providencias e encaminhamentos/DEAM
Ano 2005 2006 2007 2008
Ocorrências 8583 8982 8875 8261
Inquéritos remetidos 27 30 328 509
Termos circunst. remetidos 888 1262 250 32
Fonte: DEAM/SSP/BA, elaboração do autor, 2009
Gráfico 3 – Comparativo entre ocorrências e providencias e encaminhamentos/DEAM
0 5000 10000
2005
2006
2007
2008
termos circunst. remetidos
inquéritos remetidos
ocorrências
Fonte: DEAM/SSP/BA, elaboração do autor, 2009
2.2 Subjetividade, Direitos Humanos e garantias jurídicas: distâncias e
aproximações
Entre meados e o final do século XX implementou-se uma série de avanços
sociais com reflexos nas garantias jurídicas dadas aos cidadãos, ao trabalhador, ao
contribuinte, à família, à criança e ao adolescente, entre outros, como direitos de
terceira geração (BOBBIO, 1992).
O ser humano, com todas as suas maravilhosas formas de expressão, passa
a estar valorado pelo novo sistema jurídico que lança mão de pontes doiradas para
permitir, em sua plenitude, a expressão de todo potencial cidadão. Pensa-se em
garantir a dignidade humana, o respeito e a igualdade de gênero, desenhados na
Declaração dos Direitos Humanos, especialmente em seus artigos I, II, III, XII e
XVII8:
8 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
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Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo XII
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XVI.
[...] 3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção
da sociedade e do Estado.
No Brasil, de modo reflexo, vimos, após a Constituição de 1988, aflorar forte
tendência para implementar as garantias à pessoa humana, sustentando as
múltiplas formas de manifestação da personalidade, e dos direitos personalíssimos
voltados a possibilitar a ampla participação do ser humano na vida da sociedade.
Este movimento suplanta antigos paradigmas e vetustas normas jurídicas e sociais,
e pode assim ser compreendido:
A sociedade deve ser o resultado de processos democráticos de sociação, baseada em valores universais, a exemplo dos que emergem da Declaração de Direitos Humanos, e a partir desses significados a construção de modos de ser e de viver, com ampla liberdade individual, mas ao mesmo tempo com forte apelo público para o compromisso coletivo. [...]. (ESPINHEIRA, 2008, p. 262).
Mas estamos realmente diante de um novo tempo?
Como visto, ainda nos tempos atuais, após 41 anos do processo que buscava
assumir e criar “uma identidade coletiva de mulheres, indivíduos do sexo feminino
com interesse compartilhado no fim da subordinação, da invisibilidade e da
impotência, criando igualdade e ganhando um controle sobre seus corpos e sobre
suas vidas” (SCOTT, 1992, p. 67-68), e de estudos e ganhos parciais, o preconceito
de gênero ainda não foi banido da nossa sociedade e muitas mulheres sofrem suas
conseqüências, sendo vitimadas em suas esferas psicológica e patrimonial, e até em
sua integridade física, chegando a sua expressão mais extrema, a morte da vítima.
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Convivemos com a ambigüidade da realidade social, marcadamente violenta
e extremamente discriminatória, de onde também emergem ideais igualitários e
direitos garantidores da dignidade humana. Scott (1992, p. 75), em seu artigo sobre
a história das mulheres, citando Virgínia Woolf, comenta sobre estas “inadequações
da história existente, uma história que necessita ser reescrita, diz ela, porque
‘freqüentemente parece um pouco estranho, como se fosse irreal, desequilibrado’,
ou seja, carente, insuficiente, incompleto”, o que se pode aplicar aos dias de hoje.
Nesse contexto, a análise sobre a repercussão da Lei Maria da Penha, sua
eficácia e aplicação, perpassa também questões relativas às subjetividades das
mulheres, seus pontos de vista, suas emoções, suas configurações familiares e
relacionais, enquanto elementos de grande peso. Como a experiência profissional
dos peritos envolvidos (delegados, agentes, promotores, etc) e os sistemas de
repressão à violência lidam com estes aspectos que se vinculam tão fortemente à
fraqueza ou potência institucional no apoio aos grupos familiares ou indivíduos em
suas questões mai íntimas e pessoais? “Ou como fornecer os meio de compreender,
isto é, de tomar as pessoas como elas são, senão oferecendo-lhes os instrumentos
necessários para os apreender como necessários, por deles necessitar,
relacionando-os metodicamente, às causas e às razões que elas têm de ser como
são?” (BOURDIEU, 2003, p. 09 e 10).
No âmbito deste estudo, algumas respostas puderam ser registradas, a
exemplo do que pensa a Sra. Cely Carlos, delegada titular da DEAM-Brotas:
O enfrentamento repressivo e preventivo da violência contra a mulher, e principalmente, a violência doméstica e familiar, por envolver sentimentos, deve ser o único objeto de todos que desejam viver com liberdade, igualdade, dignidade, oportunidade, justiça e cidadania (CARLOS, 2009, s/p)9.
Estas idéias remetem e dialogam com a necessidade de ruptura com
estruturas hierárquicas e procedimentos determinados institucionalmente, tantas
vezes reproduzidos pelos atores/agentes ligados à instituição policial, sem a menor
reflexão ainda. Urgem daí formas outras de operar, com sensibilidade, escuta...
compatíveis com o amadurecimento institucional e dos indivíduos de um novo
tempo, como nos lembra a filósofa Agnes Heller.
9 CARLOS, Cely. Delegada Titular da DEAM/Brotas, 04 anos no cargo, entrevista concedida a Aydil Dias Carvalho Silva, em 13 de julho de 2009.
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Se a assimilação da manipulação das coisas (e, eo ipso, a assimilação do domínio da natureza e das mediações sociais) é já condição de ‘amadurecimento’ do homem até tornar-se adulto na cotidianidade, o mesmo poder-se-á dizer – e, pelo menos, em igual medida – no que se refere à assimilação imediata das formas do intercâmbio ou comunicação social. Essa assimilação, esse ‘amadurecimento’ para a cotidianidade, começa sempre ‘por grupos’ (em nossos dias, de modo geral, na família, na escola, em pequenas comunidades). E esses grupos face-to-face estabelecem uma mediação entre o indivíduo e os costumes, as normas e a ética de outras integrações maiores. (HELLER, 2000, p. 19)
A atuação policial e/ou jurídica, junto a pessoas com suas histórias de vida
particulares necessitarão sempre de grande amadurecimento dos seus agentes e
remeterá a uma relação consciente com o outro, com a comunidade, ou seja, de
consciência de nós, que “não se refere apenas à vida do indivíduo, mas também à
da humanidade” (HELLER, 2000, p. 23).
Emergem assim as porções humanas, priorizadas, de todos os envolvidos e
em esferas diferenciadas: indivíduos, técnicos, famílias e instituição. São famílias e
indivíduos no auge do sofrimento, da comoção, em suas vidas e dramas cotidianos.
O que se altera no cotidiano de vida dos envolvidos no momento da decisão em
realizar queixa, e em suas conseqüências? O que fica dessa experiência? São
situações em que a Lei dá conta? Sim? Não? Em quais aspectos?
As medidas protetivas e as possibilidades de aconselhamento são exemplos
de respostas positivas, mas restará a dúvida se a instituição está ou não longe de
alcançar as necessidades reais e as expectativas das pessoas envolvidas:
Doutora, a senhora vai dar um jeito na minha vida, não vai?... Só tenho 24 anos, estou com o corpo todo furado de faca. Tem mais de cinco anos que ele me fura. Estou morando com meu filho na casa da minha mãe, que já está doente por conta dele. Quando ele quer, invade a casa da minha mãe, me estupra. [...]. Eu não quero e nem preciso dele pra nada. Trabalho na casa dos brancos e sustento meu filho. Pago uma escolinha pra ele, quero que meu filho seja gente... [após o atendimento, com a solicitação de medidas protetivas, e a explicação da autoridade policial do que ocorreria a partir do deferimento da medida, complementa:] ...Doutora, agora eu sei que estou livre dele, sei que vou finalmente viver.(J.M.S., 2009, s/p.)10
Como nos lembra Heller (2000, p. 33), a fé e a confiança têm na vida
cotidiana um papel decisivo, quando “sua função mediadora torna-se necessária em
10 J. M. S., 24 anos, mulher vítima de violência doméstica, casada por cinco anos e separada há seis meses. Escuta flutuante em 23 de julho de 2009.
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maior número de situações. Os homens não podem dominar o todo com um golpe
de vista em nenhum aspecto da realidade; por isso, o conhecimento dos contornos
básico da verdade requer confiança [...]”, assim, tanto a confiança quanto a
desconfiança, nestes termos, serão levadas adiante, inferidas e testadas ao limite a
partir dos encontros “com rosto” (GIDDENS, 1991), quando a condução dos
profissionais pertencentes aos quadros das instituições policiais e jurídicas será
decisiva.
Existe uma extensa Rede de Proteção a Mulher em Salvador-Bahia, mas ainda acho que é necessário um maior investimento na Rede de atendimento à Mulher, com a criação de Diretorias, Coordenadorias, com autonomia e recursos financeiros suficientes para a implementação desta importante política pública. Deve-se ainda primar pela formação contínua e de qualidade dos profissionais envolvidos nesta rede, com todos trabalhando em verdadeira parceria, na persecução deste objetivo maior. Nesta questão, não há espaço para vaidades e ingerências políticas negativas, voltadas unicamente para a demonstração de poder (CARLOS, 2009, s/p.).
Por outro lado, para o agressor, o aperfeiçoamento e incremento da
capacidade de resposta do Estado ante os fatos objeto da repressão legal geram o
desestímulo e o temor, impondo uma reflexão sobre as conseqüências sociais,
psicológicas e pessoais, inclusive com restrições a sua liberdade, o que redundará,
e ao final, numa acomodação à demanda moral e ética de respeito ao outro do sexo
feminino. Sobre tais aspectos, Heller (2000, p. 30), analisando as relações entre
ética e relações sociais, é contundente: “na vida cotidiana, o homem atua sobre a
base da probabilidade, da possibilidade: entre suas atividades e as conseqüências
delas, existe uma relação objetiva de probabilidade”.
3 Considerações finais
O projeto de pesquisa originário deste artigo remetia-se a duas hipóteses. A
primeira considerava a preocupação em conhecer a razão ou razões, após, três
anos de implantação da Lei Maria da Penha, do aumento de ocorrências de
violência contra a mulher, vinculando-o à idéia de um crescente em expressões
violentas, portanto, em oposição ao que a Lei instituída procura salvaguardar; a
segunda hipótese previa a boa repercussão da Lei ante as mulheres vitimadas,
destinatárias da proteção legal, que procuram, com muita confiança e em maior
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volume, as delegacias especializadas para registrar queixas contra violências
contumazes, principalmente devido à amplitude das medidas protetivas previstas no
texto legal.
Enquanto informações iniciais tinham-se tanto o aumento do número de
registros, quanto o de procedimentos realizados, advindas de fontes diversas. Uma
análise mais acurada de tais informações e o conhecimento de fatos relacionados à
temática de estudo advertem sobre o fato de que a intensidade e profundidade da
repercussão da Lei Maria da Penha passam, certamente, pelo resultado entre a
confiança dos destinatários da proteção da Lei e a capacidade do Estado em
responder aos novos anseios surgidos a partir do vislumbre de uma nova realidade,
cada vez mais garantidora. De outro modo, o processo de construção da eficácia da
Lei será resultante da competência dos gestores do sistema de repressão legal na
conjugação da visão crítica e sensibilidade social. Outrossim, os membros dos
sistemas de aplicação da lei poderão e deverão intervir em todo o processo, de
forma a permitir que a percepção do universo social submetido ali aos seus
cuidados, possa permear suas práticas (práxis), elaborando uma nova visão sobre
suas responsabilidades e possibilidades ante os novos desafios de uma vida
profissional ressiginificada a partir da consciência do nós.
Todo o aparato do cumprimento da Lei, no novo modelo preconizado pela
SENASP, especialmente em seus treinamentos, ressaltam a necessidade, por parte
da autoridade policial, de uma visão crítica, responsável e socialmente engajada.
Enfatiza-se, portanto, a participação do Estado (e de seus peritos/profissionais),
como organismo promotor da justiça, sobretudo pela contradição de ser o mesmo,
em tantas vezes, considerado como violador dos Direitos Humanos a dificultar o
exercício pleno da cidadania, o que leva ao entendimento de que se deve centrar a
discussão acerca desses direitos, em particular àqueles ligados aos principais
direitos constitucionais como Segurança, Educação e Saúde (MENDONÇA FILHO,
etc e tal, 2002).
A justa e necessária pressão daquela que seria a “ideologia contemporânea”,
ou seja, a luta pelos Direitos Humanos, fundamentada sobre os princípios da
dignidade humana e pela Democracia (BOBBIO, 1992; MENDONÇA FILHO, etc e
tal, 2002) requer uma sociedade e indivíduos ciosos dos direitos (de todos) e
demandando que estes sejam reconhecidos.
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Sobre a percepção que tenho sobre a violência doméstica é que trata-se de um problema histórico cultural, em uma sociedade de origem patriarcal como a brasileira e que o verdadeiro enfrentamento deste problema vai além da mera detenção do agressor, devendo perpassar pela mudança de comportamento e da própria concepção do papel da mulher na família e na sociedade.Daí porque é essencial a inserção na matriz curricular do ensino, matérias conscientizadoras contrárias a todas as formas de discriminação e intolerância às diferenças, como também a implementação dos programas previstos na legislação, para que o agressor tome consciência de seus atos lesivos e não volte a delinqüir. Devendo-se conscientizar a própria mulher, para que esta consiga romper o ciclo da violência (CARLOS, 2009, s./p.).
Se a concepção do sistema de atendimento à mulher e as inovações da Lei
Maria da Penha buscam a elevação humana e os números refletem o incremento
das atividades protetivas, e a repercussão favorável da Lei Maria da Penha, este
caminhar, agora, mais rápido, acelerado, necessita passar por um sistema de
controle e acompanhamento, não só para correção de rumos na estrutura, nas
previsões legais, nos procedimentos do Law Enforcement. É preciso que possa, o
sistema, alimentar-se da sua vivência, refletir criticamente sua produção e produzir
novos caminhos, de forma que esta elevação permanente da qualidade do processo
de cuidar e proteger a mulher venha a interferir continuamente, e de modo
sustentável, na melhoria da vida cotidiana de todos os sujeitos envolvidos nas
relações objeto dos cuidados da Lei.
O engrandecimento e a elevação da qualidade de vida da mulher, da
consciência de seus direitos e sua capacidade de utilizar-se de um ferramental novo,
aperfeiçoado, certamente, implicarão cada vez mais numa ressignificação do seu
papel na condução da vida em família, do mesmo modo que foram as mudanças de
papeis sociais, ao longo do tempo, e as lutas individuais e coletivas - pelas mulheres
- que alteraram as estruturas sociais e suas representações sobre os direitos
universais e específicos. Vislumbra-se, assim, igual crescimento no conjunto da
sociedade, de iniciativas apoiadas pelo terceiro setor, do coletivo de pessoas
abrigadas sob o manto da nova lei, ou seja, o dia em que estejamos todos, cada vez
mais, próximos das garantias do Bem.
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