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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO
ESTADO DO PARANÁ
ENSINO E APRENDIZAGEM DA LEITURA - A
INTERTEXTUALIDADE COMO AUXILIAR NA FORMAÇÃO
DA COMPETÊNCIA LEITORA
ROZIANI SERPELONI PIRANI
LONDRINA
2012
A INTERTEXTUALIDADE COMO MECANSMO AUXILIAR NA FORMAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEITORA
Artigo da implementação do Projeto de Pesquisa e Caderno Pedagógico desenvolvido para o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria Estadual de Educação do Paraná – SEED.
Orientadora: Profª Drª Sonia Aparecida Vido Pascolati
LONDRINA 2012
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A INTERTEXTUALIDADE COMO MECANISMO AUXILIAR NA FORMACÃO DA
COMPETÊNCIA LEITORA
Autora: Roziani Serpeloni Pirani1
Orientadora: Profª Drª Sonia Aparecida Vido Pascolati2
RESUMO
O presente artigo é um relato de experiência da aplicação de uma proposta voltada ao ensino de leitura, focada na intertextualidade, com o objetivo de fazer com que o aluno desenvolva a capacidade de ler e interpretar além das informações explícitas, visto que os sentidos se produzem no diálogo entre os textos. Para isso, e com base nos estudos e conhecimentos adquiridos sobre multiletramento e intertextualidade, foi elaborado e aplicado um material didático dirigido para turmas de quinta série/sexto ano do Ensino Fundamental. Este trabalho é parte integrante do processo de formação continuada desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná, por meio do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE.
Palavras-chave: leitura; letramento; intertextualidade; competência leitora.
ABSTRACT
The present article is an experience report on a proposal that has been applied to reading instruction focused on intertextuality in order to make the student develop the ability to read and interpret beyond the explicit information since the senses occur in the dialogue between the texts. Based on the studies and knowledge on the subject, didactic material was developed and applied in classes of fifth grade / sixth year of elementary school. This work is part of the process of continued education developed by the Secretaria de Estado de Educação do Paraná, in the Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE.
1 Professora de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Formada em Letras Anglo pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de jandaia do Sul.. 2 Docente do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da UEL – Universidade Estadual de
Londrina.
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Keywords: Reading, letramento, intertextuality, reader expertise
INTRODUÇÃO
Vivemos imersos em imagens, fotografias, letreiros, notícias, placas de
trânsito, manuais, documentos, revistas, jornais, livros, entre outros. Ou seja, a
sociedade moderna exige letramento. Somos leitores em tempo integral, mas
precisamos estabelecer diferentes estratégias para efetivar o ato de ler cada gênero
que se apresente. Portanto, o papel da escola é fornecer aos estudantes os
instrumentos necessários para que cada um consiga buscar, analisar, selecionar,
relacionar e organizar as informações oferecidas pelos textos, realizando uma leitura
completa, que ultrapasse o que está explícito, estabeleça as relações apresentadas
por cada gênero, enfim, que a leitura seja completa e efetiva. Sobre isso, Soares
(2004, p.89) diz:
É à escola e à escolarização que cabem tanto a aprendizagem das habilidades básicas de leitura e escrita, ou seja, a alfabetização, quanto o desenvolvimento para além dessa aprendizagem básica, das habilidades, conhecimentos e atitudes necessários ao uso efetivo e competente de leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita,ou seja, o letramento.
Acreditando que um texto está sempre relacionado a outros, que não é um
objeto fixo em um dado momento no tempo, ele lança seus sentidos no diálogo
intertextual, isto é, ele é sempre uma atitude de resposta a outros textos,
estabelecendo relações dialógicas. Na visão de Bakhtin (1992, p.354), “mesmo
enunciados separados um do outro no tempo e no espaço e que nada sabem um do
outro, se confrontados no plano do sentido, revelarão relações dialógicas”.
Vendo neste diálogo o fio condutor que permite compreender seus sentidos,
é tarefa do professor ensinar o aluno a perceber isso, e assim, formar alunos
reflexivos, capazes de identificar diferentes sentidos existentes em cada texto, já que
muitas vezes esses sentidos não são perceptíveis em um primeiro momento, por
haver uma multiplicidade de compreensões possíveis.
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Necessário se faz dirigir a leitura de forma crítica e consciente, fazendo das
aulas espaços produtivos para expandir os conhecimentos já adquiridos pelos
alunos e aumentar as possibilidades de interpretação e produção de sentido dos
textos. E mais, criar espaços que levem os alunos a interagir com as várias vozes
existentes em cada um, explícita ou implicitamente, possibilitando novas construções
de sentido, formando leitores apreciadores da leitura, que leiam para as mais
diversas finalidades.
Diante disso, o projeto foi idealizado e construído a partir do questionamento:
“Por que muitos alunos, quando leem, não conseguem ir além da decodificação, e
quais estratégias poderiam ser utilizadas para ajudá-los a alcançarem a competência
leitora?”
O objetivo geral é desenvolver um trabalho de leitura com ênfase na
intertextualidade como estratégia para ajudar os alunos a alcançarem a competência
leitora. De forma específica, pretende-se a percepção da ocorrência da
intertextualidade em diversas linguagens e gêneros textuais, assim como a
compreensão do conceito de texto através da intertextualidade, visto que os sentidos
se produzem no diálogo entre eles, e a capacidade de ler e interpretar vai além das
informações explícitas no texto.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A divergência de posições acerca da melhor metodologia para o ensino da
leitura se dá pela diversidade de concepções do que seja o ato da leitura. Enquanto
para uns saber ler se restringe a apenas conhecer os signos para decodificá-los,
para outros ler é atribuir sentidos, e não tão-somente decodificar. A leitura seria,
assim, uma ação dialógica e interacional e o significado de um texto resultaria de
sua interseção. Para Solé (1998), a leitura é um processo de interação entre o leitor
e o texto e dentro desse processo tenta-se satisfazer os objetivos que guiam a
leitura. Assim também para a pesquisadora Angela Kleiman, a leitura processa-se
numa ação dialógica e interacional que se opera a distância entre autor e leitor.
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[...] o leitor constrói, e não apenas recebe, um significado global para o texto; ele procura pistas formais, antecipa essas pistas, formula e reformula hipótese, aceita ou rejeita conclusões. Contudo, não há reciprocidade com a ação do autor, que busca, essencialmente, a adesão do leitor, apresentando para isso, da melhor maneira possível, os melhores argumentos, a evidência mais convincente,da forma mais clara possível, organizando e deixando no texto pistas formais a fim de facilitar a consecução de seu objetivo. (KLEIMAN, 2004, p.65).
Ao falar de leitura não se deve limitá-la apenas como ato realizado dentro do
ambiente escolar, pois ler é algo anterior aos anos escolares e se estende por toda a
vida. O objetivo da escola é colaborar para tornar a atividade da leitura mais
significativa e transformar o aluno em um leitor ativo, reflexivo e competente, como
recomendam as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (DCEs, 2010, p.71) :
[...]o professor precisa atuar como mediador, provocando seus alunos a realizarem leituras significativas. Assim, o professor deve dar condições para que o aluno atribua sentidos a sua leitura, visando a um sujeito crítico e atuante nas práticas de letramento da sociedade.
Também o texto possui múltiplos conceitos, desde a concepção de texto como
produto lógico do pensamento do autor, ou como simples produto de uma
mensagem codificada por um emissor e decodificada pelo leitor/ouvinte, até a
concepção mais aceita atualmente, que vê o texto como “o próprio lugar de interação
e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e
são construídos.” (KOCH,1997, p.17). Por isso Koch (1997, p.22) propõe:
Conceituar o texto como uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes,(...) de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas na depreensão dos conteúdos semânticos, (…) como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais.
O sentido de um texto é, então, construído na interação entre os sujeitos
(autor-leitor/ouvinte) e não algo preexistente a essa interação. E é claro que esta
atividade depende, da parte do produtor, de um plano de o que e como dizer; e da
parte do interpretador uma participação ativa construindo o sentido a partir das
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pistas e sinalizações oferecidas pelo texto.
O leitor, portanto, como co-autor, passa a ter papel ativo no processo de
leitura. Este deve procurar pistas, formular hipóteses, usar estratégias baseadas em
seu conhecimento linguístico e nas suas experiências, estabelecer relações
intertextuais.
A essa relação que se estabelece entre os textos, seja ela explícita ou
implícita, dá-se o nome de intertextualidade, conceito baseado no postulado
dialógico de Bakhtin de que um texto não existe por si só, ele está sempre em
diálogo com outros textos.
O texto só ganha vida em contato com outro texto (com contexto). Somente neste ponto de contato entre textos é que brilha uma luz, iluminando tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo. Enfatizamos que esse contato é um contato dialógico entre textos (…) por trás desse contato está um contato de personalidades e não de coisas. (BAKHTIN,1986, p.162)
O conceito de intertextualidade surgiu na década de 1960, introduzido pela
crítica literária francesa Julia Kristeva (1974), para quem “qualquer texto se constrói
como um mosaico de citações e é a absorção e transformação de um outro texto.”
(apud KOCH, 2008, p.14). Da mesma forma, Maingueneau (1976) afirma que um
intertexto constitui um dos componentes decisivos das condições de produção: “um
discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um
já-dito em relação ao qual toma posição.” (apud KOCH 2008,p.14).
Devido a essa necessária presença do outro naquilo que falamos/escrevemos
é que se pode afirmar a existência de uma intertextualidade ampla, que está
presente em qualquer discurso (também denominada interdiscursividade), e também
de uma intertextualidade restrita, em que deve haver necessariamente a presença
de um intertexto.
A intertextualidade restrita ocorre quando um texto está inserido em outro,
outrora produzido, e que faz parte da memória discursiva dos interlocutores. Ou seja,
o texto remete a outros textos, ou a fragmentos de textos efetivamente produzidos e
que com eles estabelece alguma relação.
Diversos tipos de intertextualidade têm sido relacionados, dependendo de
suas características. Dentre eles, de acordo com Koch (1997; 2008), vale destacar:
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Intertextualidade Temática – percebida em textos que pertencem a uma mesma
área do saber, que partilham temas e que se servem de conceitos e termos próprios.
Ela ocorre, por exemplo, entre textos científicos, de uma mesma área do
conhecimento, entre matérias de jornais do mesmo dia ou época, entre textos
literários em que os temas são retomados ao longo do tempo, entre diversas
versões de um conto de fadas ou as encenações de uma peça de teatro, novas
versões de um filme, e assim por diante.
Intertextualidade Estilística – ocorre quando o produtor do texto repete, imita,
parodia certos estilos ou variedades linguísticas, seja qual for seu objetivo. Nesse
sentido, pode-se citar os textos que reproduzem a linguagem bíblica, um jargão
profissional, o estilo ou linguagem de determinado gênero ou autor.
Intertextualidade Explícita – assim considerada quando é feita, no próprio texto,
menção à fonte do intertexto. É o caso das citações, referências, resumos, resenhas,
traduções.
Intertextualidade Implícita – ocorre sem citação expressa da fonte. Cabe, então,
ao interlocutor recuperá-la na memória discursiva e assim construir o sentido do
texto. O autor que a emprega pode ter como objetivo seguir-lhe a orientação
argumentativa ou argumentar em sentido contrário, ridicularizando-o, contradizendo-
o, ou colocando-o em questão.
No primeiro caso, ocorrem os casos de paráfrases do texto-fonte, denominado
por Sant'Anna (1988, p.31) como “intertextualidade das semelhanças”. Uma
paráfrase pode ser definida como uma reafirmação da ideia de uma obra escrita,
usando-se palavras diferentes. Já no segundo caso, incluem-se as apropriações e
as paródias. É o que Sant'Anna (1988, p.31) classifica como “intertextualidade das
diferenças”. “Ora, o que o texto parodístico faz é exatamente uma re-apresentação
daquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o
convencional. É um processo de liberação do discurso. É a tomada de consciência
crítica”.
Tratando-se de intertextualidade implícita, espera-se que o leitor/ouvinte
reconheça a presença do intertexto, ativando o texto fonte em sua memória
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discursiva. Caso isso não ocorra, a construção do sentido do texto estará
prejudicada.
Há ainda que se citar a intertextualidade com intertexto atribuído a um
enunciador genérico, caso em que “enunciações que têm por origem um enunciador
indeterminado, as quais fazem parte do repertório de uma comunidade, como
acontece com provérbios e ditos populares.” (KOCH, 1997, p.50)
Déutournement – termo que, segundo Gresillon e Maingueneau (1984) (apud
KOCH, 2008, p.45.), “consiste em produzir um enunciado que possui as marcas
linguísticas de uma enunciação proverbial, mas que não pertence ao estoque dos
provérbios reconhecidos.”
Este recurso, segundo os autores, pode ser um simples jogo com a
sonoridade das palavras, ou estar a serviço de uma ideologia autorizando,
contradizendo, ironizando ou ridicularizando o sentido original do enunciado; ocorre
muito frequentemente na publicidade, na música, no humor.
Os procedimentos intertextuais enumerados acima influenciam decisivamente
o processo de compreensão e de produção dos textos. Quem lê deve identificar,
reconhecer, entender a remissão a outras obras, textos ou trechos. A compreensão
depende das experiências de vida, do conhecimento de mundo, das leituras já
realizadas, o que varia de indivíduo para indivíduo. Quanto mais amplo o cabedal de
conhecimentos do leitor, maior será sua competência para perceber que um texto
dialoga com outros, e mais ampla será sua compreensão.
Por isso, para que uma leitura seja competente e completa, não basta
identificar apenas o que é dito pelas palavras, mas também o que não está na
superfície do texto: os elementos implícitos. É necessário investir na ideia de que
todo texto é resultado de outros textos. E, tendo como tarefa o desenvolvimento da
competência leitora, é imprescindível que o professor leve o aluno a perceber isso.
Assim, o trabalho com a intertextualidade deve servir não só para conscientizar os
alunos quanto à existência desse recurso, mas principalmente, percebendo seu uso,
melhorar os níveis de interpretação de textos, bem como utilizar tal recurso em suas
produções.
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CONSTRUINDO PERCURSOS INTERTEXTUAIS
Para a concretização de uma proposta de ensino intertextual de leitura,
elaboramos um material que contempla uma gama variada de gêneros, todos
estabelecendo entre si relações intertextuais e remetendo a um texto-fonte.
Buscamos trabalhar com textos das diversas áreas do conhecimento e que
empreguem as linguagens visual e verbal, compondo três unidades didáticas, sendo
elas: intertextualidade a partir de clássico da literatura adaptado para o cinema;
intertextualidade a partir de ditados/provérbios populares; intertextualidade a partir
de cantigas de roda. Com as unidades didáticas, compôs-se um caderno
pedagógico. A escolha dos temas foi proposital: o trabalho com um tema atual e o
resgate da cultura universal através dos provérbios e cantigas de roda.
As turmas selecionadas para a implementação pedagógica foram as 5ª séries
E, F, G, todas com 35 alunos em idades compreendidas entre 10 e 14 anos, no
período vespertino do Colégio Estadual Souza Naves – CESN, Rolândia, Paraná,
utilizando-se para a implementação três aulas semanais durante três meses.
No transcorrer das aulas, valorizaram-se ações que motivassem o aluno a ler
os diversos gêneros, assim como propõem as DCEs (2010, p.50).
O professor de Língua portuguesa precisa, então, propiciar ao educando a prática, a discussão, a leitura de textos das diferentes esferas sociais (...) que as práticas discursivas abrangem, além dos textos escritos e falados, a integração da linguagem verbal com outras linguagens.
Vale destacar que o importante não é trabalhar a intertextualidade apenas
como a “ identificação” da fonte, mas sim estudá-la como um enriquecimento da
leitura e da produção de textos e, sobretudo, mostrar a função de sua presença na
construção e no sentido do texto. Sobre isso, afirmam Koch & Travaglia (1989, p.95):
“todas as questões ligadas à intertextualidade influenciam tanto o processo de
produção como o de compreensão de textos e apresentam consequências no
trabalho pedagógico com o texto (...)”.
Para todo leitor o texto funciona como um mosaico de outros textos, alguns
de mais fácil identificação, outros de maior complexidade, mas todos influenciam a
leitura. Além disso, a leitura intertextual amplia o repertório de conhecimentos, o
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universo cultural do aluno, sua habilidade de perceber as especificidades, os
objetivos e intenções que cada texto comporta. Sobre isso, Kleiman (2003, p.62)
destaca:
A intertextualidade é um fenômeno cumulativo: quanto mais se lê, mais se detectam vestígios de outros textos naquele que se está lendo e mais fácil se trona perceber suas relações com outros objetos culturais, e, portanto, mais fácil é sua compreensão.
Com isso, buscamos melhorar a capacidade de interpretação e colaborar no
permanente processo de letramento e multiletramento dos alunos envolvidos. Além
do mais, quem escreve, não escreve no vazio, pois um texto nunca surge do nada.
Ele nasce de/em outros textos. Pode-se dizer que escrever é a habilidade de
aproveitar critica e criativamente outros materiais interdiscursivos, outros textos. Por
isso, o fato de expor os alunos a esta variedade de leituras intertextuais colocou-os
em situação privilegiada para escrever, uma vez que se apropriaram, mediante as
múltiplas leituras realizadas, de ideias e de recursos expressivos.
Com base nessa premissa, além da leitura, interpretação, percepção e
estabelecimento das relações intertextuais entre os textos, o material contemplou
atividades de pesquisa com familiares, em livros ou na internet; dramatização e
produção textual com ênfase na paráfrase e na paródia. Com estas últimas
atividades foi possível avaliar o grau de compreensão do que foi lido, pois
parafrasear ou parodiar exige a habilidade de compreensão do que se leu, e então
retomar seu processo de construção em seus efeitos de sentido, ou seja,
parafraseá-lo. Ou ainda, para apropriar-se das ideias do autor e romper com ele,
parodiá-lo.
Dentre as múltiplas atividades de leitura, interpretação e produção textual, o
material é composto de boxes informativos sobre as diversas questões
desenvolvidas, os “fique por dentro”. Tais boxes trazem pequenos textos com
informações extras sobre o assunto em questão, biografias, curiosidades, definições.
Assim, mais leituras se realizavam no decorrer do trabalho e aumentavam os
conhecimentos gerais dos alunos.
Já para os professores, alguns anexos traziam sugestões de estratégias,
esclarecimentos e orientações sobre o trabalho. O material foi reproduzido e
entregue a cada aluno das turmas selecionadas para a implementação.
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INTERTEXTUALIDADE EXISTE, LOGO, PRECISA SER RECONHECIDA
Ao iniciar o trabalho, os alunos foram questionados sobre livros que se
tornaram filmes, ou seja, textos literários adaptados para o cinema. Tal
questionamento pretendia verificar a capacidade de identificação de textos-fonte
como romances, HQs, clássicos da literatura infantil e juvenil. Diante das respostas,
a proposta foi assistir a um destes filmes, no caso, Alice no País das Maravilhas
(Disney, 2010), tema da primeira unidade. Verificou-se que apenas uma pequena
parte dos alunos não conheciam o filme, bem como a história original. Mesmo assim,
houve interesse geral em assisti-lo.
A partir de então, foi-lhes apresentada a história original em leituras diárias, e
um trabalho específico com um dos capítulos fazendo a leitura compartilhada, o
estudo do texto e apresentada a noção de paráfrase, que Sant’Anna (1998, p.17)
define como uma “reafirmação em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma
obra escrita”. Assim, de forma coletiva e oral, produziu-se uma paráfrase resumida
do texto em estudo. O trabalho coletivo antecedendo a produção individual e escrita
foi importante e necessário, já que a proposta envolvia duas ações: parafrasear e
resumir. E, para resumir, alguns aspectos devem ser levados em conta: a seleção
dos fatos, a generalização das informações e o uso do discurso indireto, que
precisariam ser ensinados, visto o pouco contato dos alunos nesta fase escolar com
o gênero resumo.
Faz-se necessário esclarecer que a proposta de produção de uma paráfrase
resumida provocou um equívoco entre alguns alunos. Devido à novidade em
transpor o discurso direto para o discurso indireto na produção textual resumida,
instalou-se a ideia de que, nas palavras de um aluno: “parafrasear é reescrever ou
recontar um texto com suas palavras sem usar diálogos.”
Mediante tal confusão houve a necessidade de um redirecionamento, uma
retomada do conceito de paráfrase. Para tanto, foram-lhes apresentados diversos
exemplos de paráfrases e uma nova atividade de produção foi proposta (agora não
resumida) e assim sanaram-se as dúvidas.
Ainda relacionados ao tema, outros gêneros foram apresentados, lidos e
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analisados: charge, propagandas e HQs. Verificou-se que, para o estudo da charge
seria necessário fornecer aos alunos os instrumentos necessários para a realização
de uma leitura completa, que transpusesse os elementos explícitos, induzindo-os à
percepção dos implícitos, das sutilezas, das intenções, além das relações
intertextuais existentes, visto que a charge é um gênero que exige maturidade e
conhecimento geral para sua efetiva compreensão. Assim, o trabalho de leitura do
gênero foi dirigido, pois, de acordo com Solé (1998) é papel da escola fornecer aos
estudantes, através da leitura, os instrumentos necessários para que consigam
buscar, analisar, selecionar, relacionar, organizar informações para a realização de
uma leitura completa e efetiva, cabendo então ao professor ensinar estratégias que
levem a isso. Ou seja, é função do professor mediar as informações oriundas de
uma esfera social mais ampla do aluno para possibilitar um elo com o texto.
Sobre o trabalho com a charge, houve dificuldades no emprego adequado de
termos referentes ao tema. Vários alunos confundiam o uso de palavras como:
“eleitores”, “governantes”, “candidatos”. Além disso, observou-se a pouca
maturidade dos alunos ao analisar um tema tão abstrato que é a política. Isso fez
com que surgissem comentários genéricos e generalizantes sobre o assunto,
fugindo do texto ou dando maior abrangência às informações realmente presentes
nele. Por isso, a interferência, o direcionamento para a observação de elementos
específicos ao texto feito por parte do professor é essencial para a consecução dos
objetivos. Verificou-se, portanto, a relevância do papel deste como mediador no
estabelecimento de uma relação de fruição da criança com o texto.
Quanto aos textos publicitários, as referências aos textos-fonte foram
perceptíveis facilmente por todos, visto que tais textos reportavam sempre a filmes,
músicas, personagens bem populares. Reafirma-se o pressuposto teórico que a
compreensão de um texto depende de nossas experiências de vida, de nosso
conhecimento de mundo e das leituras que efetuamos.
O uso da mídia audiovisual neste trabalho com as propagandas foi um dos
pontos-chave para manter a atenção, o envolvimento e a consequente compreensão
por parte dos alunos, visto que os materiais audiovisuais são atrativos e uma
constante no cotidiano das crianças e adolescentes. A utilização deste tipo de mídia
(vídeos da internet apresentados na TV pendrive) possibilitou unir a eficiência da
comunicação e da imagem para difundir, de forma atrativa, a cultura, a informação e
o conhecimento.
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Ainda estabelecendo relação intertextual com o clássico da literatura,
trabalhou-se com uma revista em quadrinhos que parodia o texto-fonte. Após a
leitura silenciosa, houve um primeiro momento de exposição oral sobre o material
lido. Observou-se uma euforia entre todos e o desejo de participar, fazendo alguma
colocação sobre o que foi lido. Já nesta etapa ficou clara a percepção por parte de
todos os alunos de que enredo, características, nomes e falas dos personagens
estabeleciam relação direta com o clássico.
Mais uma vez, direcionados pela professora, os alunos foram levados a
compreender que as HQs lidas, ao mesmo tempo em que retomavam o texto
original, rompiam com ele, satirizando-o, criticando-o, contradizendo-o. Assim,
Sant’Anna (1998, p.31) coloca:
Ora, o que todo texto parodístico faz é exatamente uma re-apresentação daquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o convencional. É um processo de liberação do discurso. É uma tomada de consciência crítica.
Como atividade oral, grupos foram formados para dramatização das paródias
lidas. No processo de preparação e ensaios houve a integração de professores de
outras disciplinas que colaboraram em um trabalho interdisciplinar. Nas aulas de Arte
confeccionaram-se cenários, adereços e fantasias; e nas de Educação Física
aconteceram os ensaios. O trabalho intenso, responsável e a autonomia verificada
nos grupos foi o ponto de destaque na atividade.
Por fim, no intuito de verificar a capacidade de uso de intertextos em sua
produção, bem como a compreensão da paródia enquanto texto que subverte outro,
produziu-se uma paródia para a história de Lewis Carrol. Com a liberdade de
escolha de outros títulos, como: “Alice no País da moda, do skate, da música, do
chocolate, entre outros”, em duplas desenvolveram seus textos. Cada dupla
produziu de acordo com suas preferências e vivências, comprovando que todo texto
é resultado de outros textos. Isso significa dizer que não são “puros”, pois a palavra
é dialógica. Isto implica a utilização de um repertório de outros textos, outras ideias
já experimentadas.
Todas as produções atenderam à proposta. Já neste trabalho ficou evidente a
presença de outras vozes, outras ideias anteriormente conhecidas por eles. Isto se
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observou em colocações como: “Gêmeos Cor sim e Cor não” (referência a um
bordão de personagem de TV), “Gêmeos Tony e Hawk” (nome de um skatista e um
jogo de vídeo game sobre skate), ou em “Beba com moderação” ( presente em
anúncio publicitário).
Sabe-se que é pela ratificação que se consolida o conhecimento
sistematizado na fase de escolaridade em questão. Por isso, outras duas unidades
se seguiram aprofundando e ratificando a intertextualidade como propriedade
constitutiva de todo e qualquer texto.
Houve também a intenção de promover a formação leitora através do resgate
da cultura popular nas unidades seguintes, que foram: intertextualidade através dos
provérbios/ditados populares e intertextualidade nas cantigas de roda.
Nestas unidades, os gêneros que serviram de texto-base representam um tipo
de intertextualidade com intertexto atribuído a um enunciador genérico, portanto,
fazem parte do repertório da comunidade: os provérbios e ditados populares.
De início, para motivar e verificar o grau de conhecimento e reconhecimento
do gênero provérbio e dito popular, foram apresentados fragmentos de textos do
gênero em questão para serem completados oralmente pelos alunos. Neste
momento inicial foi percebido que se trata de um gênero pouco explorado e por isso
pouco empregado no cotidiano do aluno. Dos diversos provérbios propostos,
apenas “Água mole em pedra dura...” era de conhecimento geral. Quanto a todos os
outros, observou-se que apenas uma pequena parcela dos alunos os conhecia.
Dada esta constatação, seguiu-se uma atividade de pesquisa na internet, realizada
na sala de informática do colégio, o que proporcionou o contato com uma gama
variada de textos do gênero e assim ampliou-se o repertório dos provérbios. E mais,
durante a realização da pesquisa, constatou-se que na realidade não havia total
desconhecimento do gênero, mas o que ocorria, na verdade, é que os alunos não
tinham conhecimento de que tais textos se classificavam como provérbios/ditados
populares. Seguiram-se comentários relacionando tais textos, ou partes deles, a
outros já lidos ou vistos em músicas, filmes, piadas, moral de fábulas. Como na fala
de um aluno: “No filme A Era do Gelo 3, quando um personagem fala “olho por olho,
dente por dente, joelho por cotovelo, nariz por bumbum”, ele se refere a um ditado
popular, não é professora?”
Desta forma, utilizamos um texto publicitário cujo slogan refere-se
explicitamente a um provérbio muito conhecido. Seguiu-se, então a interpretação do
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mesmo.
Ainda no trabalho com intertexto atribuído a enunciador genérico, foram
explorados provérbios modificados, com jogos de sonoridade das palavras,
contradizendo, ironizando ou ridicularizando o sentido original do enunciado.
Novamente, fazendo uso de recurso audiovisual, foi apresentada uma sequência de
provérbios de forma a fazer com que os compreendessem e identificassem o
provérbio original. Oralmente foram feitas as interpretações, induzindo-os a perceber
não apenas o humor, mas tudo o que estava implícito nos enunciados. Só a partir
desta exploração é que foram realizadas produções do gênero. Pode-se afirmar que
as produções dos educandos foi bastante satisfatória, algumas pautando-se apenas
no jogo sonoro, buscando nas rimas o efeito de humor, que se percebe em “Quem
não tem cão, não tem guardião”. Outras em que estava implícita uma carga crítica e
realista que se vê em: “Diga-me com quem andas e te direi se vou junto”.
Na ultima etapa, partiu-se da leitura de textos que “dialogassem” com
cantigas de roda objetivando verificar de que forma os alunos perceberiam a relação
intertextual entre os gêneros expostos e os texto-fonte, no caso, as cantigas. Assim,
os textos foram explorados contemplando um estudo completo, como orientam as
DCEs (2010, p.74):
Para o encaminhamento da prática de leitura, é relevante que o professor realize atividades que propiciem a reflexão e discussão do gênero a ser lido: do conteúdo temático, da finalidade, dos possíveis interlocutores, das vozes presentes no discurso e o papel social que estas representam, das ideologias, da fonte, dos argumentos elaborados, da intertextualidade.
Ao constatar a relação entre os gêneros estudados e as cantigas, realizou-se
uma pesquisa de letras de canções deste gênero e confecção de mural onde foram
expostos os textos.
Há que citar um ponto negativo surgido nesta fase: a rejeição inicial por parte
de uns poucos alunos que consideraram o tema “próprio de criancinhas”. Em
contrapartida, outros desejavam copiar mais de uma letra, ilustraram o texto
espontaneamente, sugerindo então, no momento da apresentação do trabalho que,
além de cantá-las, deveria também brincar de roda. Isto fez com que a inicial
rejeição se dissipasse, dando espaço para a motivação, a curiosidade, a euforia,
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confirmando o exposto por Calkins (1989, p.19): “quando a escrita se torna um
projeto pessoal para as crianças, os professores não precisam adular, pressionar,
seduzir ou motivar. O ato de ensinar se transforma”.
Como atividade finalizadora e avaliativa, foram produzidas paródias de
cantigas de roda que seriam apresentadas para colegas de outras turmas. Mais uma
vez, como em todas as propostas de produção textual desenvolvidas, seguiu-se o
encaminhamento metodológico sugerido pelas DCEs (2010, p. 70):
Para dar oportunidade de socializar a experiência da produção textual, o professor pode se utilizar de diversas estratégias (...). dessa forma, além de enfatizar o caráter interlocutivo da linguagem, possibilitando aos estudantes constituírem-se sujeitos do fazer lingüístico, essa prática orientará não apenas a produção de textos significativos, como incentivará a prática da leitura.
Há que se colocar que uma mesma proposta, aplicada em turmas diferentes
suscita estratégias, encaminhamentos, posturas diversas por parte do professor,
bem como resultados podem não ser os mesmos. Assim, o desenvolvimento do
trabalho com a intertextualidade como colaboradora na formação leitora se efetivou
em três turmas, entretanto, na quinta série E, os resultados ficaram bem acima das
expectativas. Houve bom rendimento, maior envolvimento, participação mais efetiva,
criatividade e argumentação, e, consequentemente produções mais elaboradas,
maduras, criativas.
As turmas F e G eram mais heterogêneas, os alunos, de modo geral, mais
faltosos, menos motivados, menos envolvidos com a aprendizagem, acrescido do
fato de que das 4 aulas semanais de Língua Portuguesa, 2 delas aconteciam
sempre após o intervalo. Tal fato por si já provocava maior agitação. Devido a estes
fatores, houve maior necessidade de intervenção e direcionamento por parte do
professor em todo o decorrer da efetivação da proposta, e o tempo previsto se
estendeu. Apesar disso, foi perceptível a compreensão deles da função da
intertextualidade na construção e no sentido do texto.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória de uma pessoa no universo letrado parte de um processo
fundamental que é o desenvolvimento da capacidade de leitura. No entanto, não
basta decifrar um conjunto de códigos. Os sistemas simbólicos precisam ser
ensinados para que alguém se aproprie deles e extraia significados. Trata-se de um
processo complexo.
Por isso, o ensino de leitura deve assumir papel de especial destaque nas
aulas de Língua Portuguesa. Cabe, portanto, ao professor a tarefa de elaborar
mecanismos de desenvolvimento da competência leitora para levar seu aluno a
tornar-se “sujeito do ato de ler”, nas palavras de Paulo Freire.
Assim, nas aulas de leitura, faz-se necessário levar o aluno a perceber que,
além da significação explícita, há toda uma gama de outras significações sutis e
implícitas naquilo que se lê.
Tais fatores determinaram um estudo aprofundado e um consequente projeto
de trabalho sistematizado com a intertextualidade para que os alunos envolvidos
ampliassem sua capacidade de leitura, ultrapassando a superficialidade da
decifração do código linguístico, passando a participar como sujeito ativo do ato de
ler.
Para alcançar este objetivo os alunos foram expostos a uma variedade de
leituras de gêneros diversos, objetivando levá-los a compreender que todo texto se
constitui de forma heterogênea, de modo que sempre há outros envolvidos no “novo”
texto.
Assim, o trabalho desenvolvido com a intertextualidade procurou servir não
só para conscientizar os alunos quanto à existência desse recurso, mas
principalmente, percebendo seu uso, melhorar os níveis de interpretação de textos,
bem como utilizar tal recurso em suas produções.
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