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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO
BRASIL NA DÉCADA DE 1980: UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA
ENIRSON FERNANDO MACAGNAN
ITAJAÍ (SC), 2013
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO
BRASIL NA DÉCADA DE 1980: UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA
ENIRSON FERNANDO MACAGNAN
Dissertação apresentada à Banca Examinadora no Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob orientação do Professor Doutor Paulo Rogério Melo de Oliveira como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas.
ITAJAÍ (SC), 2013
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DEDICATÓRIA
A vocês que sempre me fizeram acreditar na
realização dos meus sonhos e que sonharam
comigo - a minha Família.
A você Debora minha esposa, por me
incentivar em iniciar mais essa jornada de busca de
conhecimento, que foi compreensiva nas horas
difíceis, e me deu forças para prosseguir e chegar à
conclusão deste trabalho. Teu amor foi
fundamental para esta conquista.
As minhas filhas Maria Eduarda e Beatriz,
pedaços da minha vida, que pacientemente
souberam aguardar minha chegada, perdoando
minha ausência, a vocês dedico este trabalho.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por conceder-me força, saúde e coragem para prosseguir, e que nas
horas difíceis me faz crer que tudo é possível! Obrigado por ter confiado em mim e me dado
os “talentos” para administrá-los;
A São Cristovão, protetor dos motoristas que nos guiou durante as inúmeras viagens
nos mais de 30.000 km de estradas rodados durante os dois anos de curso, obrigado pela
proteção;
Aos meus pais, meu agradecimento especial por terem me concedido a vida, uma vida de
luta e de sonhos, de provações e de muitas vitórias. Uma vida de amor, vinda do amor e por
amor.
Meus agradecimentos especiais aos professores do curso de Mestrado pela
oportunidade a mim conferida de poder aprender e apreender sempre. Neste contexto,
ressalto o apoio e estímulo do Prof. Dr. Flávio Ramos e da professora Doutora Adriana
Rosseto, ex-coordenadora deste mestrado.
Ao Professor Doutor Paulo Rogério Melo de Oliveira meu orientador, que me
honrou com sua sabedoria, transmitiu a mim seus conhecimentos, me acolheu, acreditou em
mim mesmo quando nem eu mesmo acreditei, me conduziu com compreensão e firmeza à
conclusão deste trabalho, meu muito obrigado.
Ao Prefeito do município de Cruzeiro do Iguaçu (2005-2012) Dilmar Túrmina, pela
compreensão na minha ausência do trabalho e no desenvolvimento da minha vida
profissional durante os dois anos de curso, essa conquista se deu graças a sua colaboração;
À amiga, colega de trabalho e chefe Sandra Ghedin Túrmina, presteza e
companheirismo. Sem a sua colaboração, a trajetória teria sido muito mais difícil.
Registro meus agradecimentos a todos os que compartilharam o trilhar de mais esse
caminho percorrido, contribuindo de forma direta e/ou indiretamente, para que eu realizasse
este trabalho, auxiliando-me e dando-me forças nos momentos em que mais precisei.
Muito obrigada por vocês existirem e estarem ao meu lado.
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Mas que pampa é essa que eu recebo agora Com a missão de cultivar raízes
Se dessa pampa que me fala a história Não me deixaram nem sequer matizes?
Passam as mãos da minha geração
Heranças feitas de fortunas rotas Campos desertos que não geram pão
Onde a ganância anda de rédeas soltas
Se for preciso, eu volto a ser caudilho Por essa pampa que ficou pra trás
Porque eu não quero deixar pro meu filho A pampa pobre que herdei de meu pai...
(Herdeiros da pampa pobre – Engenheiros
do Havai)
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RESUMO O presente trabalho tem como tema a emergência da Assistência Social como Política Pública no cenário brasileiro na década de 1980. Inicia-se com a identificação da origem dos direitos sociais e a conceituação de políticas públicas como parâmetro para a análise da presença dos direitos sociais na legislação brasileira, em especial em suas constituições, desde 1891. A partir da posse de Getúlio Vargas no governo brasileiro há uma profunda transformação na concepção de desenvolvimento, apontando para a priorização da industrialização como caminho para a modernização econômica, social e política do país e as políticas de assistência social passam a ser condicionadas pela nova concepção, ficando vinculadas durante o processo histórico posterior ao trabalho assalariado. Vinculação esta, que foi aprofundada pelos governos militares e que somente foi rompida com a Constituição de 1988. A nova constituição brasileira é fruto de um período de grande mobilização social, que coloca em cena os novos movimentos sociais que, a partir da luta contra a ditadura, conseguiram se articular e influenciar decisivamente para a configuração política que desembocou numa constituição que afirma uma nova concepção de proteção social. A constituição de 1988 cria um modelo de seguridade social, incluindo em sua abrangência a previdência, a saúde e a assistência social, e esta já numa perspectiva de universalização do acesso e superando a histórica fragmentação que caracterizou sua presença nas políticas sociais brasileiras até então. A novidade foi a superação do assistencialismo, que transformava os assistidos em dependentes e submissos politicamente, a partir da universalização de acesso, da gestão social e da sua articulação como política não-contributiva de um sistema mais amplo de proteção social. Embora ainda dependendo de avanços na construção do sistema de proteção social, a Assistência Social passa a ter seu papel instituído de forma clara e uma estrutura que a caracteriza em plenitude como Política Pública. Palavras chave: Políticas Públicas, Assistência Social, Constituição Federal de 1988.
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ABSTRACT
The theme of this work is the emergence of Social Welfare and Public Policy inBrazil in the 1980s. It starts by identifying the origin of social rights and the concept of public policy, as a parameter for the analysis of the presence of social rights in the Brazilian legislation, particularly in its constitutions since 1891. From the time Getúlio Vargas took office in the Brazilian government, there has been a profound transformation in ideas of development, pointing to a prioritization of industrialization as the path to economic, social and political modernization of the country, and its social welfare policieshave become conditioned by the new concept, becoming connected during the historical process subsequent to salaried work. This link was deepened by the military governments and was only broken by the 1988 Constitution. The new Brazilian constitution is the result of a period of great social mobilization, which puts into play the new social movements that, from the fight against the dictatorship, managed to articulate and decisively influence the political configuration, culminating in a new constitution that affirms a new concept of social protection. The 1988 Constitution creates a model of social security, including, within in its scope, pensions, health and social welfare, with a perspective of universal access and overcoming the fragmentation that had characterized its presence in the Brazilian social policies up until then. The novelty was overcoming a welfare mentality that transformed its recipients into dependents, politically submissive, based on a universalization of access, social management, and its articulation as a non-contributory policy of a wider system of social protection. While still dependent on the advances in the construction of the system of social protection, the role of Social Welfare is clearly established, as a structure that fully characterizes it as Public Policy. Keywords: Public Policies, Social Welfare, 1988 Federal Constitution.
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................
2 DE VARGAS A JANGO..................................................................................................
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS - QUESTÕES CONCEITUAIS............................................
2.2 A ORIGEM DOS DIREITOS SOCIAIS........................................................................
2.3 A PERCEPÇÃO DO ESTADO NO BRASIL COLÕNIA.............................................
2.4 A INDEPENDÊNCIA, A CONTRADIÇÃO E A CONTINUIDADE............................
2.5 A REPUBLICA VELHA: RUPTURAS E CONTINUIDADES....................................
2.6 A REVOLUÇÃO DE 1930 E SEU SIGNIDICADO.....................................................
2.7 DIREITOS SOCIAIS, DITADURA E POPULISMO....................................................
3 OS GOVERNOS MILITARES.......................................................................................
3.1 CENÁRIO INTERNACIONAL E SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL..........................
3.2 O GOLPE MILITAR DE 31 DE MARÇO DE 1964......................................................
3.3. POLÍTICAS SOCIAIS NO PERÍODO DE GOVERNOS MILITARES......................
3.4. A LUTA CONTRA A DITADURA COMO EIXO MOBILIZADOR...........................
4 A DÉCADA DE 1980 E A CONSTITUIÇÃO DE 1988................................................
4.1 CONTEXTO POLÍTICO E EMERÊNCIA DAS DEMANDAS SOCIAIS...................
4.2 A CRISE ECONÔMICA E A LUTA SOCIAL...............................................................
4.3 A EMERGÊNCIA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A PERSPECTIVA
DA PARITCIPAÇÃO SOCIAL NA COSNTRUÇÃO DAS POLÍTICAS NO
BRASIL................................................................................................................................
4.4 ASPECTOS SOCIAIS DO BRASIL NA DÉCADA DE 1980.......................................
4.5 A DEMOCRATIZAÇÃO E A PARTICIPAÇÃO COMO NOVIDADE........................
4.6 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS........................
4.7 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988........................................
5 CONCLUSÃO..................................................................................................................
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................
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LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Constituição Brasileira de 1891 e os direitos civis, políticos e
sociais...................................................................................................................................
Quadro 02 – Constituição Brasileira de 1934 e as identificações dos direitos civis,
políticos e sociais ….............................................................................................................
Quadro 03 – Constituição Brasileira de 1937 e a identificação dos direitos civis,
políticos e sociais ….............................................................................................................
Quadro 04 – Constituição Brasileira de 1946 e a identificação dos direitos civis,
políticos e sociais ….............................................................................................................
Quadro 05 – Constituição Brasileira de 1967 e a identificação dos direitos civis,
políticos e sociais ….............................................................................................................
Quadro 06 – Constituição Brasileira de 1969 e a identificação dos direitos civis,
políticos e sociais ….............................................................................................................
Quadro 07 – Constituição Brasileira de 1988 e a identificação dos direitos civis,
políticos e sociais ….............................................................................................................
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LISTA DE SIGLAS
ABC Paulista Cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul
AI Ato Institucional
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNH Banco Nacional da Habitação
CEAS Centro de Estudos e Ação Social
CEB Comunidade Eclesial de Base
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNA Confederação Nacional da Agricultura
CNAS Conselho Nacional de Assistência Social
CNC Confederação Nacional do Comércio
CNI Confederação Nacional da Indústria
CONTAG Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
CPT Comissão Pastoral da Terra
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
CUT Central Única dos Trabalhadores
DASP Departamento Administrativo do Serviço Público
DIEESE Departamento de Intersindical de Estatísticas e Estudos
ESG Escola Superior de Guerra
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menor
FLBA Fundação Legião Brasileira de Assistência
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
IAP Instituto de Aposentadorias e Pensões
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
LBA Legião Brasileira de Assistência
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MDB Movimento Democrático Brasileiro
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MMA Movimento de Mulheres Agriculturas
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONU Organização das Nações Unidas
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PL Projeto de Lei
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNBEM Política Nacional do Bem Estar do Menor
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PROMORAR Programa de Apoio Habitacional
SALTE Plano de Saúde, Alimentação, Transportes e Energia
SAM Serviço de Assistência ao Menor
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SEPLAN Secretaria de Planejamento
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
UDN União Democrática Nacional
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1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo central a interpretação histórica da
constituição da Assistência Social no Brasil enquanto política pública. Para cumprir com
esse objetivo não basta apenas analisar a situação atual, com as diversas legislações e
estruturas criadas pelo Estado para o desenvolvimento dos serviços de assistência social à
população, mas sim, é necessária uma releitura da caminhada histórica da estruturação dos
direitos civis, políticos e sociais durante toda a história brasileira para que se possa não
apenas conhecer as diversas formas como o tema foi tratado e desenvolvido pelos governos,
mas para compreender de forma mais clara a origem de muitos dos fundamentos que ainda
regem não somente as legislações, mas inclusive os aspectos culturais que influenciam na
compreensão da sociedade brasileira sobre o papel dessas políticas.
A pesquisa foi realizada a partir da compreensão de que toda estrutura política,
social, cultural e econômica que hoje existe no país é consequência de um processo histórico
que expressa às opções da sociedade brasileira na construção de sua identidade. Por essa
razão, para compreender a constituição da Assistência Social como política pública é
imprescindível o estudo da trajetória histórica das políticas sociais e, em especial, da
assistência social desenvolvida pelos governos e traduzida nas estruturas do Estado.
O estudo foi realizado através da pesquisa bibliográfica sobre as políticas sociais
expressas nos textos constitucionais que vigeram no Brasil desde sua independência, dando-
se mais atenção aos textos constitucionais republicanos. Para que essas políticas sociais
adotadas pudessem ser melhor compreendidas houve a preocupação de contextualizá-las em
seus momentos históricos.
No trabalho se busca, também, estabelecer um processo comparativo entre as
políticas sociais adotadas em cada momento histórico, visando a compreensão das
influências econômicas, sociais, políticas e culturais que influenciaram a sua adoção.
Na medida em que a trajetória histórica das políticas sociais foi contextualizada,
tendo como parâmetro fundamental a compreensão de que a história é a trajetória do ser
humano e da sociedade humana no espaço e no tempo (BLOCH, 2001, p. 50), o processo de
interpretação da Assistência Social como política pública na Constituição de 1988 tornou-se
mais fácil, especialmente pela percepção dos avanços em relação à sua estrutura durante a
história brasileira.
Para a compreensão de um tema tão complexo a pesquisa foi dividida em três
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capítulos. O primeiro capítulo analisa os direitos civis, políticos e sociais e as formas de
assistência desenvolvidas na história brasileira, priorizando o estudo da sua estruturação a
partir do ano de 1930, quando da posse de Getúlio Vargas no governo brasileiro, estendendo-
se até o ano de 1964, quando ocorreu o golpe militar, que implantou uma ditadura com uma
duração relativamente grande, chegando ao ano de 1985, com uma sucessão de governos
autoritários.
O segundo capítulo é dedicado ao estudo dos governos militares e sua influência na
construção das políticas sociais no Brasil. Normalmente com princípios constitucionais
expressos como meras formas de maquiar o verdadeiro sentido da ditadura, os militares
aliaram governos autoritários com atendimento às demandas sociais focalizadas para
eliminação ou redução das tensões sociais. Ao final da década de 1970 esses governos
começam a ter problemas para controlar a população, os movimentos sociais e os diversos
setores da sociedade civil que assumiam a bandeira da democratização.
Depois de muitas concessões, finalmente a abertura gradual e segura pregada pelos
militares se concretizou, com a eleição indireta para um presidente civil. Durante esse
período surgem os novos movimentos sociais que, pela sua ação e mobilização, conseguiram
influenciar de forma expressiva o processo de democratização do país e a concepção de
novos papéis para o Estado, cuja consolidação deveria ocorrer através de um processo
constituinte. A superação da ditadura foi um dos aspectos unificadores dos movimentos
sociais e, para superação de todos os resíduos ditatoriais presentes na estrutura do Estado,
esses mesmos movimentos defendiam a imediata convocação de um processo constituinte.
O terceiro capítulo inicia com o estudo do contexto político brasileiro e a emergência
das demandas sociais, buscando resgatar alguns elementos dos capítulos anteriores que
permitem uma análise mais apurada dos processos sociais que trouxeram à tona um grande
conjunto de demandas sociais. A emergência dos novos movimentos sociais, que tinham
como elemento unificador a luta contra a ditadura militar, abre a perspectiva da participação
social na construção do processo de redemocratização do país.
Para permitir uma análise das permanências e das mudanças ocorridas no trajeto dos
direitos civis, políticos e sociais no Brasil, foram incluídas as sínteses dos direitos em cada
uma das Constituições Brasileiras. Na medida em que se faz a análise comparativa entre as
Constituições, pode-se perceber permanências e mudanças adotadas no processo constituinte
brasileiro.
O desafio que a adoção do conceito de Seguridade Social mais amplo poderá ensejar
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novos estudos, especialmente a partir da análise das legislações geradas para materializar as
decisões constitucionais. Neste aspecto, torna-se muito desafiante o estudo da Lei Orgânica
da Assistência Social e a estruturação do Sistema Único de Assistência Social.
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2 DE VARGAS A JANGO
O presente capítulo tem por finalidade abordar as políticas públicas brasileiras de um
ponto de vista histórico e conceitual por meio de uma revisão da literatura e apresentar um
panorama histórico da evolução das políticas públicas e sociais do Brasil Colônia ao
governo de João Goulart. O tema proposto no capítulo será abordado em três partes. A
primeira trará as questões conceituais sobre políticas públicas brasileiras; a segunda aborda
as diferenças entre políticas públicas e políticas sociais e a terceira analisa os governos de
Getúlio Vargas a João Goulart, mais conhecido como Jango, no período de 1930 a 1964
focalizando os pontos considerados importantes para a história da assistência social no
Brasil.
2.1 Políticas públicas - questões conceituais
Compreender o significado de políticas públicas é fundamental para o entendimento
das questões abordadas nesta pesquisa, especialmente porque se refere à política pública de
Assistência Social no Brasil tendo como horizonte a Constituição de 1988, que estabeleceu
uma conceituação de Seguridade Social que, além da Assistência Social, inclui a Saúde e a
Previdência, propondo a articulação entre as três áreas para definir o sistema brasileiro de
Proteção Social.
Iniciamos com a definição de Maria das Graças Rua (2012, p. 12 ss) quando
estabelece a relação entre decisão política e política pública. A autora define a decisão
política como uma escolha entre diversas alternativas possíveis e que é tomada de acordo
com os interesses predominantes entre os atores envolvidos. A política pública envolve
muito mais que uma decisão política. Envolve um conjunto de ações que visam implementar
a decisão política e atingir os seus objetivos.
Para Rua (2012, p. 12) a compreensão de política pública começa pela compreensão
do significado de sociedade, que ela define como um conjunto de pessoas com interesses e
recursos de poder diferenciados que interagem continuamente em busca da satisfação de
suas necessidades. A diferenciação é a principal característica de uma sociedade. Além das
diferenças de idade, sexo, religião, estado civil, renda e profissão, existem as diferenças de
valores, idéias, interesses e papéis sociais, envolvendo múltiplas possibilidades de
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cooperação, de competição e de conflito. Normalmente a sociedade, ainda de acordo com
Rua (2012, p. 14), a partir da diferenciação de seus componentes, busca formas de
administração dos conflitos em busca de consensos, para estabelecimento de formas de
convivência administráveis. A administração dos conflitos pode ser conseguida através de
duas formas principais: pela coerção, em que a aceitação de uma solução é imposta a
determinados grupos, e pela política, que é um conjunto de procedimentos formais e
informais que expressam relações de poder que levam à solução pacífica dos conflitos.
As políticas públicas não ocorrem de forma isolada, mas fazem parte de um contexto
sociopolítico que passa por mudanças constantes dentro de um processo dialético onde as
forças políticas e sociais determinam sua direção, assim como suas motivações e suas
consequências. As políticas públicas podem ser entendidas como um conjunto de ações
governamentais que se interligam para o cumprimento de determinado fim. Para Peters 1986
apud Souza (2006, p. 24) “política publica é a soma das atividades dos governos, que agem
diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos.” Para Dye
(2009, p. 104) política publica é “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. Mas, a
definição mais conhecida continua sendo a de Laswell: “decisões e análises sobre política
publica implicam responder às seguintes perguntas: quem ganha o quê, por que e que
diferença faz.”
A política pública enquanto área de conhecimento nasce nos EUA. Enquanto a
Europa se concentrava no estudo sobre o Estado, os EUA dedicavam-se a estudar a ação dos
governos, não estabelecendo relações com o papel do Estado. Segundo ela, as políticas
públicas podem ser definidas como o campo do conhecimento que almeja, ao mesmo tempo,
“colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças
na trajetória dessas ações (SOUZA, 2006, p. 22).
Já Klaus Frei (2000) apresenta quando se iniciam os campos específicos das políticas
publicas:
Nos Estados Unidos, essa vertente de pesquisa da ciência política começou a se inserir já no início dos anos 50, sob rótulo de “policy science”, ao passo que na Europa, particularmente na Alemanha, a preocupação com determinados campos de políticas só toma força a partir do início dos anos 70 [...]. Já no Brasil, estudos sobre políticas públicas foram realizados só recentemente […] (FREI, 2000, p. 214)
Novamente Celina Souza nos apresenta a contribuição dos quatro grandes
fundadores da área de políticas públicas:
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Laswel (1936) introduz a expressão policy analysys (análise de política pública), ainda nos anos 30, como forma de conciliar conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica [...]. Simon (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers), argumentando, todavia, que a limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhecimento racional. Para Simon a racionalidade dos decisores é sempre limitada [...]. Lindblon (1959; 1979) questionou a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à analise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório o que não teria necessariamente um fim ou um princípio [...]. Easton (1965) contribui para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente. Segundo Easton, políticas públicas recebem inputs dos partidos políticos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos (SOUZA, 2006, p. 23-24).
Pode-se perceber que apesar das políticas públicas terem se iniciado nos anos de
1930, somente por volta de 1950 é que campos específicos começam a ser analisados,
buscando a compreensão da sua gênese e estruturação, sendo no Brasil uma área recente de
estudos.
De acordo com Frey (2000), a ciência política diferencia a política em três
dimensões. Para essa ilustração tem-se adotado na ciência política o emprego de conceitos
em inglês: a dimensão institucional ‘polity’ se refere à ordem do sistema político, delineada
pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; a
‘politics’ tem-se em vista o processo político, frequentemente de caráter conflituoso no que
diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição, no quadro
da dimensão processual; e na dimensão material ‘policy’ refere-se aos conteúdos concretos,
isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo
material das decisões políticas.
Igualmente importante, são as definições dos elementos proposta por Souza (2006, p.
36-37) a respeito dos modelos sobre políticas publicas,
A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz. A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes. A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras. A política publica é uma ação intelectual, com objetivos a serem alcançados. A política publica, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo. A política pública envolve processos subsequente após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação.
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Os principais modelos de políticas públicas apresentados por Souza vêem nos
auxiliar a uma melhor compreensão das ações apresentados pelos governantes que de
maneira direta afeta a vida da população, que muitas vezes não percebem o real objetivo de
muitas das políticas públicas existentes, já que não existe um conceito único do que vem a
ser políticas publicas.
Pereira apud Degennzajh (2000, p. 59) define as políticas publicas como:
Linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídas ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é o direito coletivo e não individual.
Quando se fala em política pública é necessário entender o termo público e sua
dimensão. De acordo com Pereira (1994 apud CUNHA, 2003, p. 12):
O termo público, associado à política não é uma referencia exclusiva do Estado, como muitos pensam, mas sim à coisa publica, ou seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei e o apoio de uma comunidade de interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas e frequentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A política publica expressa, assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos.
O tratamento das políticas públicas requer alguma forma de abordagem que abarque
suas diversas dimensões e diferenciações, permitindo contextualizar tais programas, e
visualizar a inserção e efetividade social, complementações e superposições entre estruturas
governamentais. O termo políticas públicas não se refere especificamente às políticas do
Estado, mas pode incluir outras ações igualmente publicas originarias de instituições não
governamentais, movimentos (LEITE e FLEXOR, 2006).
Para Lopes e Amaral (2008, p. 07), as Políticas Públicas:
São o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da sociedade que buscam defender (ou garantir) seus interesses. Tais interesses podem ser específicos – como a construção de uma estrada ou um sistema de captação das águas da chuva em determinada região – ou gerais – como demandas por segurança pública e melhores condições de saúde.
Teixeira (2002, p. 2) define as políticas públicas como “diretrizes, princípios
norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder
público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”.
Carvalho (2003, p. 186), considera o sistema das políticas públicas como um
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processo em fluxo, assim para ele:
A abordagem que melhor expressa o quadro real das políticas públicas é a que a considera um processo contínuo de decisões que, se de um lado pode contribuir para ajustar e melhor adequar as ações ao seu objeto, de outro, pode alterar substancialmente uma política pública.
As políticas públicas podem ser definidas como o campo do conhecimento que
almeja, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação e, quando
necessário, propor mudanças na trajetória dessas ações. Assim, “a formulação de políticas
públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos
e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no
mundo real” (SOUZA, 2006, p. 26).
A apresentação de reivindicações por parte dos setores ou grupos sociais nem sempre
implica na geração de uma política pública. A reivindicação de um setor ou grupo social
normalmente implica em disputa com outros setores, cujos interesses normalmente não são
coincidentes e, não raras vezes, são conflitantes entre si. A transformação de uma
reivindicação em política pública necessita do reconhecimento de sua importância e
adequação pelos poderes públicos, compreendidos como os poderes executivo, legislativo e
judiciário.
Esses grupos ou setores sociais que apresentam suas reivindicações fazem parte do
Sistema Político, e são reconhecidos como atores sociais, que se caracteriza pela permanente
disputa em função da diferenciação de situação e de interesses que tornam as relações
sociais extremamente complexas. Os atores sociais podem ser divididos em dois tipos
principais: os estatais, oriundos do governo ou do Estado, e os privados, oriundos da
sociedade civil (CALDAS E CRESTANA, 2005).
Os atores públicos fazem parte do sistema político, ou seja, tem função pública.
Dentre eles destacam-se os funcionários (políticos e concursados), os políticos, o Poder
Executivo, o Poder Legislativo e o Corpo Técnico. A categoria dos políticos diz respeito aos
membros da alta equipe administrativa do Poder Executivo e Legislativo. O Poder
Executivo, por sua vez, é a peça chave do governo, que tem autoridade constitucional para
colocar em vigor as decisões tomadas. O Poder Legislativo tem como função a
representação, legislação, articulação e acomodação de interesses, a garantia de
legitimidade, bem como o controle do Executivo. Esses poderes estão diretamente ligados
ao processo de formulação das políticas públicas. Já o corpo técnico é formado pelos
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funcionários de carreira contratados em caráter permanente, que tem como função assistir os
titulares do Poder Executivo (CALDAS E CRESTANA, 2005).
Já os atores sociais são os que fazem parte da sociedade civil e não tem cargos ou
nomeações políticas e, segundo Caldas e Crestana (2005), são chamados Grupos de Pressão,
como por exemplo, as federações de empresários (CNI, CNC, CNA) e sindicatos (CUT,
Força Sindical), a imprensa, os centros de pesquisa e as Organizações Não-Governamentais
(ONGs). Dentre esses, para os autores, os mais importantes e que merecem destaque são: a
imprensa ou mídia, os quais determinam a opinião pública, e tem o papel de manter a
população informada; os grupos de pressão, que manifestam suas necessidades, traduzindo-
as em demandas específicas de legislação ou de outro tipo de ação governamental; as
Organizações Não Governamentais, que objetivam a promoção do Interesse Público,
influenciando nas deliberações das políticas e na implementação das decisões; as empresas
transnacionais, responsáveis pelo enorme fluxo produtivo e comercial da economia
internacional; e, por fim os centros de pesquisas, os quais conduzem os programas de
pesquisa com o objetivo de solucionar os problemas econômicos, sociais e políticos.
Como conclusão pode-se afirmar que as políticas públicas se diferenciam das demais
políticas sociais pela presença do controle social, exercido principalmente pelos Conselhos,
normalmente paritários entre governo e sociedade civil. Uma política pública ou política
social é estabelecida a partir de uma idéia que se converte em normativa legal, estabelecendo
os programas, os serviços sociais ou serviços públicos e os instrumentos de acesso por parte
dos usuários. Os serviços públicos ou sociais são os benefícios diretos que materializam a
execução das políticas públicas e, a partir deles, se torna executável.
2.2 A origem dos direitos sociais
Os direitos sociais, que na sociedade atual estão incorporados e consolidados tanto na
sociedade civil quanto no Estado, foram surgindo e se ampliando a partir de um conjunto de
transformações sociais, que geraram novos conflitos entre classes, grupos e setores da
sociedade, iniciadas no século XVII e, em sua evolução, foram refletindo a complexificação
da sociedade. De uma política de assistência aos pobres, esses direitos sociais foram
produzindo novas formas de tratar as questões sociais até chegar à concepção que temos,
atualmente, de assistência e de proteção social.
21
O surgimento da idéia de assistência social, que é o objeto desta pesquisa, aparece na
Inglaterra com a instituição da Lei dos Pobres (Poor Law), que foi implantada no ano 1601,
que estabelecia uma taxa que deveria ser recolhida para as paróquias para que fossem
assistidos os pobres sem condições de se manterem por suas próprias condições, e que
somente foi revogada em 1834 quando foi implantada a Nova Lei dos Pobres (Poor Law
Reform), que foi considerada como marco inicial da formação do mercado de trabalho
(SCHONS, 2003, p. 66).
Quando foi implantada a primeira Lei dos Pobres era considerada pobre a pessoa que
passava necessidade, podendo ser o povo em geral quando passava necessidades e os
indigentes. Além dos velhos, dos enfermos e das crianças, existiam os pobres capacitados,
que poderiam ser considerados como desempregados. A implementação da assistência era
feita pelas paróquias, que eram as únicas instituições que tinham condições de arrecadar
fundos e de prestar assistência de forma mais capilarizada pelo país. Aos pobres capacitados
as paróquias tinham a obrigação de arranjar trabalho para que pudessem prover seu sustento.
Para os membros da burguesia, que já despontava como classe e se destacava pelo
controle sobre os processos de produção de mercadorias, essa assistência era considerada
nociva porque retirava uma grande quantidade de pessoas da reserva de mão de obra para
suas indústrias. Essa indústria precisava de uma numerosa e móvel reserva de mão-de-obra e
toda e qualquer ação estatal que pudesse comprometer a formação dessa reserva era
combatida.
Selma Maria Schons (2003) situa, no entanto, como nascedouro dos direitos sociais a
formação do Estado Moderno, que passa a se fundamentar no direito do cidadão ao invés do
dever dos súditos. Para a autora, antes da formação do Estado Moderno a relação das
pessoas com o Estado era de súditos, normalmente imperadores ou reis, não havendo
possibilidades de discutir cidadania pela forma como a população se posicionava frente a
eles. Os benefícios ou formas de assistência promovido pelo Estado não podiam ser
discutidos a partir da ótica dos direitos.
O Estado Moderno se diferencia do Estado absolutista pela forma como as pessoas
passam a se posicionar na sociedade e na relação com os governantes. O processo
econômico gerado a partir do surgimento da classe burguesa, cuja primeira base foi a livre
comercialização e, posteriormente, a livre fabricação de mercadorias, estabelecia uma
necessidade de limitar o poder do Estado e criar um espaço de relação livre entre as pessoas
nas suas atividades econômicas.
22
A implantação do Estado Moderno teve como marco político fundamental a
Revolução Francesa, quando foram instituídos os poderes estatais e passou a ser superada a
situação das pessoas humanas como súditas dos imperadores para uma nova situação de
sujeitos de direitos sociais, políticos e econômicos que foi denominada de cidadania. A
estrutura do Estado gerado pela Revolução Francesa permanece até hoje, com a definição
dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), o estabelecimento de instrumentos de
participação política das pessoas, através das eleições e a definição da representação política
através do processo eleitoral que se consolidou na sociedade a partir daí.
No entanto, a Revolução Francesa foi um dos movimentos que geraram o Estado
Moderno. A Revolução Industrial, que teve seu início na Inglaterra, gerou uma nova
organização da sociedade a partir da constituição da classe burguesa, dona dos meios de
produção, e do operariado urbano. Essas duas classes, burguesia e operariado, são
consideradas as classes características de uma sociedade industrial.
Segundo Marshall apud Schons (2003, p. 72) o período entre 1795 e 1834 foi
estabelecido a Speenhamland Law que oferecia um salário mínimo e um salário família a
todos os trabalhadores, como renda mínima a ser obtida mesmo quando empregados, sendo
um substancial conjunto de direitos sociais. Durante este período havia uma forte defesa do
direito social dos cidadãos, o que se confrontava com a demanda da burguesia, que queria
eliminar toda e qualquer intervenção do Estado na relação entre o industrial e o trabalhador
na questão salarial.
A pressão da burguesia conseguiu efeitos muito fortes em 1834, quando foi editada a
Nova Lei dos Pobres, que eliminou todas as interferências no sistema salarial e na oferta de
mão de obra. A nova lei estabeleceu o primado do trabalho como forma de sustentação de
quem não possuía outros meios para se manter, eliminou todos os direitos sociais antes
instituídos e transformou todos os que deles dependiam em indigentes, que tinham que
renunciar a quaisquer direitos para receber a assistência. A partir dessa nova lei dos pobres
houve a formação do mercado de trabalho, que era a grande aspiração da sociedade
industrial que começava a se consolidar na Inglaterra.
Na primeira Lei dos Pobres a assistência era realizada pelas paróquias, através de um
processo de arrecadação de fundos para assistir os pobres da sua jurisdição. Na segunda Lei
dos Pobres, de 1834, a assistência passa a ser controlada diretamente pelo Estado, e os
abrigos onde eram acolhidos eram de muito baixa qualidade para inibir ao máximo que essas
pessoas fizessem uso da benemerência estatal. Nessa nova lei, o pobre passa a ser
23
considerado de forma diferente, especialmente porque previa a perda de seus direitos civis e
políticos em função de sua incapacidade de manutenção e pela sua dependência da
sociedade para a sobrevivência.
De acordo com Couto (2006, p. 63), quando analisa a aplicação da legislação na
Inglaterra:
[…] os pobres abdicaram de seus direitos civis e políticos em troca de sua manutenção pela coletividade. Por meio de uma taxa, paga pelos cidadãos, e com a preocupação de que os pobres representavam um problema para a ordem pública e de higiene para a coletividade, o tratamento deveria ser feito pelas paróquias, que tinham a tarefa de controlá-los. Evitavam, assim, que as populações empobrecidas prejudicassem o funcionamento da sociedade e, ao atendê-las dessa forma, não criavam situações indesejáveis para a expansão do capitalismo e para o necessário sentimento de competição que deveria pautar a integração dos homens na vida social.
Sob o argumento de eliminação da pobreza, a segunda lei deixou ao desamparo a
maioria das pessoas necessitadas em função da drástica redução da assistência. O pobre
sempre foi considerado um problema para a sociedade e por isso precisava ser retirado das
ruas e da mendicância.
Larissa Pereira faz uma síntese da estruturação dos direitos civis, políticos e sociais
que permitem uma visualização da forma como os diversos sistemas de direitos foram se
constituindo a partir da estruturação do Estado Moderno, permitindo uma compreensão mais
ampla em relação à nova configuração que se estabelece na relação entre as pessoas e o
Estado, apontando a cidadania como uma situação nova e o cidadão um sujeito de direitos.
As políticas públicas são compostas por políticas de cunho social e econômico e foram construídas ao longo do desenvolvimento da ordem burguesa, com a emergência do Estado-Nação, a partir do século XVI. […] O século XVIII marca, através das Revoluções Industrial (1769), Americana (1776) e Francesa (1789), a passagem definitiva para a nova ordem burguesa, cujo princípio é o da acumulação e o fundamento é a propriedade privada dos meios de produção. Aquele século inaugura a era dos direitos civis, necessários à ordem burguesa, pois era preciso o direito de ir e vir, de vender “livremente” a sua força de trabalho e, principalmente, ter a garantia – através da força estatal - da segurança à propriedade privada. O século XIX assistirá à emergência da classe trabalhadora, organizada, que passou - frente às terríveis condições de vida - a exigir o direito de organização em sindicatos e de participar da vida política, até então reservada aos detentores de renda e propriedade. Este século, através de lutas sangrentas, vê nascer os direitos políticos. Já o século XX testemunha o nascimento dos direitos sociais, resultado das inúmeras lutas enfrentadas pela classe trabalhadora desde meados do século XIX. Tal processo – de nascimento do que conhecemos hoje como cidadania (direitos civis, políticos e sociais) – desenvolveu-se na Inglaterra, centro do desenvolvimento capitalista, e espraiou-se, de formas diferenciadas e de acordo com as lutas de classes, nos demais países. (PEREIRA, SD, p. 03)
24
Para Norberto Bobbio, citado por Schons (2003), a partir da constituição do Estado
Moderno a relação passa a evoluir cada vez mais claramente da situação de soberano/súdito
para a de Estado/cidadão. A relação passa a ser encarada cada vez mais do ponto de vista dos
direitos dos cidadãos e menos dos direitos dos soberanos.
A implantação do Estado Moderno marca a entrada da burguesia e de sua ideologia
no poder político, passando para uma visão individualista da sociedade e para um Estado
que tem como principal atribuição o de garantir o direito de propriedade, a liberdade de
iniciativa e de contrato, não mais intervindo nas relações econômicas.
As transformações nas relações entre as pessoas e o Estado, no entanto, não surgem
de forma abrupta, mas se constituem a partir de uma nova configuração das relações sociais,
tendo como base relações que passam a criar espaços onde a intervenção do Estado passa a
ser inconveniente, especialmente porque o mercado que vai se construindo tem como
fundamento a livre troca de mercadorias onde os valores são estabelecidos pelo grau de
necessidade das pessoas e não mais pelas regras vindas dos soberanos.
Esses direitos civis de livre relação econômica e social criaram na sociedade uma
pressão cada vez maior para que o Estado assumisse um novo papel, o que levou a essas
novas classes surgidas a se impor no exercício do poder, gerando uma situação de
constitucionalização que estabelecia direitos de participação no exercício do poder, criando-
se um conjunto de direitos políticos.
Na medida em que os direitos civis e políticos se estabelecem nas sociedades
humanas surgem situações históricas de conflito entre as classes sociais que se constituíram,
especialmente a burguesia e o proletariado, necessitando de uma regulação especial para
evitar que esses conflitos gerassem situações de insegurança para o exercício dos direitos
civis e políticos. Os conflitos entre as classes, gerados a partir das desigualdades surgidos a
partir das diferentes posições das pessoas e classes frente às relações econômicas,
pressionaram os próprios capitalistas, donos dos meios de produção, a aceitar um novo papel
do Estado para possibilitar uma ação distributiva e assistencial que possibilitasse o
funcionamento da sociedade com as tensões provocadas pela desigualdade amenizadas pela
atuação do Estado. Assim começam a se constituir os direitos sociais.
A partir dessa evolução pode-se afirmar que os direitos foram se constituindo na
medida em que a sociedade foi se estruturando e enfrentando novos desafios.
[…] direitos dos homens, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de
25
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez para todos. (BOBBIO, apud SCHONS, 2003, p. 55)
A afirmação acima nos permite perceber que todos os direitos surgiram dentro de
determinada circunstâncias e podem deixar de existir em outras, dependendo do contexto
político e social de cada sociedade. Também é necessária a percepção que, cada sociedade,
avançou na constituição de suas relações civis, políticas e sociais, estabelecendo um papel
para o Estado na mediação das relações entre as pessoas e instituições. Mais recentes que os
dois outros, os direitos sociais passam a ter o Estado como garantidor, ou melhor, a partir do
papel que o Estado assume, tendo os governos um papel fundamental no sentido da relação
entre sociedade e Estado, os direitos passam a ser constituídos ou desconstituídos. No
entanto, não basta apenas o reconhecimento.
Para que um direito social possa realmente se constituir enquanto direito é necessário
que o Estado, ou as suas instituições, o assumam de forma positiva, o que significa que não
basta apenas o reconhecimento do direito, mas se faz necessária a ação do Estado. Ainda se
pode afirmar que os direitos sociais têm como uma das principais marcas a sua historicidade,
por surgirem a partir de determinadas circunstâncias e que podem desaparecer a partir de
outras condições. Conclui-se que os direitos sociais passaram a se constituir na medida em
que houve o seu reconhecimento através de sua institucionalização, através de leis ou
regulamentos, e da ação do Estado para garantir o acesso a esse direito (BOBBIO apud
SCHONS, 2003, p. 58).
A passagem do Estado Liberal de Direito, cujos princípios fundamentais eram o
individualismo e a não intervenção, para o Estado Social de Direito, que admitia o
individualismo como um direito social e com a intervenção bastante acentuada nas relações
econômicas, sociais e políticas, foi provocada pela pressão dos movimentos sociais, dos
partidos socialistas e, mais tarde, pela Revolução Socialista Soviética. A nova conformação
passa a ser chamada de Estado de Bem Estar. Schons (2003, p. 119) alerta para a
necessidade de perceber que não se pode imaginar que este novo estado tenha como base a
distribuição igualitária dos benefícios sociais. Com certeza os fundamentos capitalistas de
diferenciação social continuaram a existir e as classes mais organizadas e politicamente mais
fortes continuaram a ter maiores benefícios sociais, enquanto que as classes mais fracas e
mais pobres continuaram a depender de muitas concessões estatais, que poderiam ser
classificadas ainda de benemerências.
A partir da crise de 1929 e a introdução das teorias de Keynes sobre a regulação
26
econômica e a intervenção do Estado na economia o Estado de Bem Estar passa a se
consolidar com maior força. Na questão econômica o processo se caracteriza pelo modelo
fordista-keynesiano de produção em massa articulado ao consumo em massa, assentado em
uma ação estatal de fortalecimento da economia capitalista a partir de políticas econômicas,
fiscais e monetárias, desenvolvendo políticas sociais capazes de transformar os
trabalhadores em consumidores dos produtos colocados no mercado. Esse modelo
predomina até a década de 1970, quando entra em crise, especialmente a partir da primeira
crise do petróleo.
O Estado passa a ter co-responsabilidade com o desenvolvimento econômico e busca
atuar no processo de mercado de tal forma que garanta as condições de consumo dos
excedentes produzidos através das compras para fins de defesa, que envolvem os gastos
militares, os gastos de transferências financeiras, principalmente para o pagamento de
seguros sociais de desemprego, velhice e veteranos das guerras, e os gastos não destinados à
defesa, onde se incluem os gastos com a educação pública, com a saúde pública, com a
assistência, a conservação de estradas e outros, envolvendo os gastos que possibilitam o
funcionamento e o bem estar da sociedade. (SCHONS, 2003, p. 124).
2.3 A percepção do estado no Brasil colônia
A chegada dos portugueses no Brasil em 1500 marca uma nova fase para o território
que, até então, era ocupado e explorado por uma população de milhões de pessoas, dividida
em duas grandes subdivisões que foram denominadas de tupi-guarani e de tapuias. Os tupi-
guarani ocupavam praticamente toda a costa brasileira, sendo que os tupis, também
denominados de tupinambás, tinham presença muito forte na faixa litorânea e os guaranis na
bacia dos rios Paraná-Paraguai e em grande parte do território que formaria mais tarde o sul
do Brasil. Em alguns pontos do litoral brasileiro a presença dos tupi-guarani era
interrompida pela presença dos grupos goytacazes, aimorés e tremembés, que eram
denominados de forma geral de tapuias, a partir da própria denominação adotada pelos tupi-
guarani por serem povos de língua diferente. (FAUSTO, 1996, p. 37)
Os portugueses tomaram posse deste território como seu, sem considerar a existência
das populações nativas, que eram consideradas atrasadas e sem nenhum tipo de civilização,
sem condições de contribuir de forma mais consistente para o projeto colonizador. Esses
índios, pelas suas condições de vida, passaram a ser considerados como possibilidade de
27
mão de obra para alguns setores, como estorvo a ser eliminado por outros setores e, para os
padres, como um enorme contingente de pagãos a serem cristianizados.
Inicialmente os portugueses adotaram uma política de formação de feitorias no litoral
brasileiro, repetindo a experiência que haviam desenvolvido no litoral africano. As feitorias
tinham como papel, além de garantir a posse do território pelos portugueses, de realizar
atividades econômicas, especialmente o comércio, para gerar recursos para a metrópole. As
feitorias, no entanto, não tinham condições de garantir o povoamento e a ocupação efetiva
do território, sendo sua função apenas marcar a presença lusitana pelo processo de
exploração de atividades econômicas de comércio.
A primeira atividade econômica significativa foi a exploração do pau-brasil, que se
utilizou a mão de obra indígena para derrubada e preparação das árvores para serem
transportadas para a Europa onde eram comercializadas. A exploração do pau-brasil não
constituiu povoações nem a formação de processos econômicos mais permanentes. Ao
contrário, impôs uma atividade de extração predatória cujo único sinal de sua passagem se
caracterizava pela devastação das florestas onde se localizava o pau-brasil.
Para formar essas feitorias o território brasileiro foi arrendado pelo rei de Portugal a
um consórcio de comerciantes, liderado por Fernão de Noronha, que recebeu o monopólio
comercial em troca do compromisso de realizar seis viagens por ano para exploração do
litoral e do território recém-conquistado. (FAUSTO, 1996).
A implantação de feitorias como forma de apossamento do território foi abandonado
em função da ameaça de outros países na exploração do litoral brasileiro. A partir de sua
coroação, em 1530, o rei Dom João III determinou a mudança na forma de ocupação para a
colonização, quando foram instituídas as quinze Capitanias Hereditárias, concedidas a
capitães donatários entre a pequena nobreza, burocratas e comerciantes simpáticos à coroa.
A alta nobreza não manifestou interesse pelas concessões tendo em vista as dificuldades para
a ocupação e as poucas perspectivas de lucros percebidas na época, especialmente frente aos
negócios nas Índias a partir da descoberta da rota comercial contornando a África por Vasco
da Gama.
Os donatários receberam uma doação da coroa, pela qual se tornavam possuidores mas não proprietários. […] A posse dava aos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica (arrecadação de tributos) como na esfera administrativa. A Instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados de pesca cabiam também aos capitães-donatários. Do ponto de vista administrativo, eles tinham monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos
28
para fins militares e formar milícias sob seu comando (FAUSTO, 1996, p. 44)
A concessão de capitanias transformava os donatários em representantes do Estado
português no Brasil, agindo em seu nome e organizando a ocupação do território sempre
tendo em conta a sua dependência da Coroa portuguesa. Centralizavam os poderes
administrativos, político e da justiça, exercendo de forma muito semelhante ao próprio
monarca o seu poder.
A primeira forma de ocupar efetivamente as terras foi a possibilidade de concessão
de terras para o exercício de atividades econômicas, principalmente no litoral nordestino,
identificado como adequado para a produção de açúcar. Pela semelhança climática com suas
colônias no litoral africano e nas ilhas atlânticas próximas ao litoral africano e europeu, os
donatários passaram a ser incentivados a formar engenhos de produção de açúcar e garantir,
através da concessão de terras, a produção da cana de açúcar, utilizando as formas já
tradicionais em suas possessões anteriores.
O poder de doar sesmarias deu origem a vastos latifúndios, cujos limites estavam
muito mal definidos e possibilitaram o apossamento de quantidades muito grande de terras
por parte dos sesmeiros.
O insucesso da maioria das capitanias levou o governo português a retomar para seu
domínio as concessões em busca de novas formas de exploração e de domínio sobre o
território através da implantação de um governo geral no Brasil. O primeiro Governador
Geral, Tomé de Souza, que chegou à Bahia acompanhado de mais de mil pessoas, inclusive
quatrocentos degradados (FAUSTO, 1996, p. 46)
Pela descrição da estrutura social brasileira feita pelos Historiadores (FAUSTO,
1996, p. 45ss) percebe-se que a população no Brasil estava então formada por uma elite
portuguesa que era dona de sesmarias, por colonos que tinham como tarefa a exploração das
terras, especialmente com a implantação de canaviais para abastecer os engenhos que se
formavam em todo o nordeste e que poderiam ser chamados a compor o exército em caso de
necessidade, pelos portugueses degredados, cuja vinda para o Brasil era uma forma de
cumprir suas penas e pelos índios que, na maioria das capitanias foram fortemente
agredidos, especialmente quando tentavam defender os seus territórios tradicionais.
Da mesma forma, infere-se que a relação dessa população com os organismos
estatais implantados no Brasil era de submissão, especialmente os mais pobres e os índios.
As populações indígenas rebeldes ao domínio português recebiam um combate sistemático
até o seu extermínio ou submissão (FAUSTO, 1996, p. 47 s).
29
A forma de exploração das terras adotada por Portugal exigia uma grande quantidade
de mão-de-obra e não haviam trabalhadores disponíveis na metrópole para trabalhar como
assalariados no Brasil. A opção foi o trabalho compulsório, que começou com a escravização
dos índios e, posteriormente, de africanos trazidos por mercadores. O custo do negro,
enquanto escravo era muito mais alto e somente foi adotado inicialmente nas regiões de
maior força econômica, como no nordeste onde se estabeleceu a economia açucareira. Nas
regiões mais periféricas foi mantida a escravização de índios, especialmente em São Paulo,
de onde saíram inúmeras bandeiras para apresamento de índios para trabalharem como
escravos. (FAUSTO, 1996, p. 49).
Os índios, pela sua cultura, tinham muitas dificuldades de adaptar-se à atividade
agrícola intensiva e, normalmente, tinham uma vida útil como escravo muito curta em
função dessa inadequação cultural. Por mais que conhecessem a agricultura, essa era
desenvolvida sem a necessidade de um trabalho intenso e que fugisse dos seus padrões
culturais. Os negros eram considerados mais adequados ao trabalho escravo por algumas
razões principais, entre elas por serem exímios agricultores, por serem mais acostumados às
atividades regulares da agricultura e, em função da organização social de seu território de
origem, ter mais familiaridade cultural com a escravidão, adotada especialmente nas guerras
entre suas tribos.
Na prática, os escravos eram considerados membros de uma espécie inferior, e tratados como bestas de carga a serem guiadas e inventariadas como gado. E como todas as ideologias racistas, esta estava permeada de má-fé. Os escravos eram úteis aos fazendeiros exatamente por serem homens e mulheres capazes de compreender e executar ordens complexas e de usar intrincadas técnicas cooperativas. A característica mais perturbadora dos escravos, do ponto de vista do dono, não era a diferença cultural, mas a semelhança básica entre ele e a sua propriedade (BLACKBURN, 2003, p. 26).
A forma como os portugueses tratavam os escravos refletem claramente que se
consideravam uma civilização superior e que tinha direito de dominar e escravizar a todos os
que fossem inferiores, fossem eles índios ou africanos. Por maiores que fossem, no entanto,
as convicções de que eram seres inferiores, havia clareza de que se tratava de seres
inteligentes e que precisavam ser controlados com ferocidade para que não se rebelassem. O
perigo da rebeldia era compensado pela capacidade que tinham para o trabalho.
As relações sociais da escravidão colonial adotaram um antigo conjunto de fórmulas legais, usaram técnicas contemporâneas de violência, desenvolveram em grande escala a manufatura e o transporte marítimo e anteciparam modernos de
30
coordenação e consumo. A escravidão no Novo Mundo foi, acima de tudo, uma mistura do antigo e do moderno, do comércio europeu e da agropecuária africana, de plantas americanas e orientais e de processos e elementos do patrimonialismo tradicional com a contabilidade e a propriedade individual moderno (BLACKBURN, 2003, p. 33).
Durante todo o período colonial o processo de exploração da mão de obra escrava foi
a base das relações econômicas. Os grandes proprietários de terras, os senhores de engenhos
e os senhores de escravos que exploravam minas de ouro formavam uma elite poderosa e
pouco numerosa. Os trabalhadores livres e os funcionários da coroa formavam uma espécie
de classe média que vivia à sombra do processo de dominação da elite agrária e, a grande
massa populacional era formada pelos escravos, que eram tratados como animais de
trabalho.
Havia no Brasil, ainda uma população bastante dispersa formada pelos camponeses
que se internavam cada vez mais para o interior, fugindo da dominação territorial do
latifúndio e de peões que trabalhavam na criação de gado, em áreas imensas e de muito
baixa densidade populacional.
Uma das características básicas da economia desenvolvida no Brasil era a virtual
inexistência de mercado interno e a fragmentação territorial. Em relação ao mercado interno
pode-se afirmar que se limitava a uma parca comercialização de produtos alimentícios
fornecidos pelos camponeses às famílias de funcionários estatais ou pequenos prestadores de
serviço livres e alguns produtos que eram fornecidos aos grandes proprietários.
A maioria dos produtos consumidos era importado diretamente de Portugal,
especialmente pela elite, na troca pelo açúcar fornecido para a metrópole. A maioria dos
alimentos, da roupa, dos utensílios e das ferramentas eram trazidas de Portugal, embora a
maioria delas não fosse produzida pelos portugueses. Até a roupa dos escravos era
importada.
O período colonial produziu uma sociedade cujas desigualdades eram brutais e onde
a maioria da população não tinha acesso a nenhum tipo de assistência por parte do estado.
A população livre e pobre abrangia pessoas de condição diversa. Roceiros, pequenos lavradores, trabalhadores povoaram os campos; as poucas cidades reuniram vendedores de rua, pequenos comerciantes, artesãos. Lembremos, de passagem, que este quadro não foi estático. A descoberta do ouro e dos diamantes em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, a partir do século XVIII, e a vinda da família real para o Rio de Janeiro, no início do século XIX, foram, cada um à sua maneira, fatores de diversificação social e de alteração das relações entre o campo e a cidade (FAUSTO, 1996, p. 70).
31
A diversidade de personagens que compunha a população brasileira livre associava-
se aos milhões de escravos que estavam em praticamente todo o território, aos quilombos
formados por negros que fugiam da escravidão, às aldeias indígenas que ainda não haviam
sido destruídas pelo preamento ou pela perseguição branca, por serem consideradas
estorvos, para formar uma massa populacional significativa que não tinha acesso a nenhum
benefício do Estado e, ao contrário disso, eram obrigadas a manter-se permanentemente
submissas às determinações da elite representante da nobreza governante de Portugal.
Essa configuração da população, somada à questão da inexistência de acesso à terra a
não ser através de concessões feitas aos que demonstravam ter poder suficiente para explorá-
las e que eram simpáticos à coroa, demonstra claramente a inexistência de qualquer direito
social no Brasil Colonial. As únicas formas de assistência eram as desenvolvidas pela Igreja,
através da catequese e dos processos de conversão para o cristianismo como passo decisivo
para a salvação e a integração na sociedade, sem que isso desse direito a se tornar um igual
aos brancos dominantes.
Nos anos 1600 a Igreja Católica, através dos Jesuítas, atuava de forma muito intensa
no território onde atualmente é o Brasil, especialmente junto aos povos indígenas, pela
catequese e pela formação de reduções, organizadas através de processos coletivos, sob os
princípios do cristianismo. As reduções jesuíticas, embora em território atualmente
brasileiro, estavam sob a jurisdição de padres espanhóis e sua destruição teve muito a ver
com a disputa territorial entre espanhóis e portugueses, tanto na região do Tape quanto na
região de Guairá. Os índios reduzidos na época permaneceram, em grande parte, mesmo
depois da destruição de suas reduções, nas terras próximas das reduções, formando
posteriormente a população brasileira.
Várias foram as experiências de reduções jesuíticas formadas pela atuação dos
padres. Podem ser citadas, na região Sul do Brasil, as Reduções Jesuíticas do Guairá, que
envolviam os atuais territórios noroeste e oeste do Paraná, que na década de 1630 foram
destruídas pelos bandeirantes que buscavam escravos para a economia paulista e as reduções
jesuíticas do Tape, localizadas no Rio Grande do Sul, e que também foram destruídas pelas
incursões de bandeirantes e pelos conflitos armados na disputa dos limites territoriais entre
portugueses e espanhóis.
Nas reduções a população tinha uma intensa assistência religiosa que se estendia para
a assistência às suas necessidades alimentares e de saúde, em troca de uma submissão total
aos princípios religiosos do catolicismo. Essas reduções, no entanto, não tinham nenhum
32
tipo de relação com o estado. Este, ao contrário, apoiou as diversas iniciativas que levaram à
destruição de praticamente todas elas no decorrer da história.
A penetração dos jesuítas entre os Guarani e a articulação de um expressivo sistema de missões – as reduções – permanecem um dos capítulos mais interessantes e problemáticos da história do continente. Objeto de acirradas controvérsias desde o século XVII, as reduções estimularam uma ampla literatura que, por um lado, enxergava na experiência jesuítica a realização de autênticas sociedades cristãs e socialistas e, por outro, condenava a mesma experiência pelo despotismo e cerceamento da liberdade humana (CUNHA, 1992, p. 486)
A experiência das reduções jesuíticas pode ser interpretada de várias formas, mas se
observarmos a questão da população indígena e a forma como o Estado português a
considerava, veremos que a única forma de proteção social recebida por essas populações,
em que ocorria uma intransigente defesa de sua humanidade e de sua possibilidade de
cristianização, foi feita a partir da ação dos Jesuítas.
Considerados como povos sem civilização, a ação do Estado normalmente tinha
como objetivo o seu extermínio ou sua expulsão para dar lugar à ocupação civilizada, ou o
apresamento e a transformação em mão de obra escrava para as regiões periféricas da
economia colonial, onde a aquisição de escravos negros era considerada inviável em função
da falta de dinamismo econômico.
Num contexto mais geral se pode afirmar que a ocupação territorial do Brasil e a
formação de sua população se deu de forma fragmentada e praticamente sem comunicação
entre as diversas regiões. No entanto, é importante perceber que a homogeneização
populacional que normalmente se salienta na história é uma idéia completamente
equivocada. Havia, no território brasileiro, uma grande diversidade de populações, com
situações de vida e cultura completamente diferentes uma das outras, e que praticamente não
sentiam a presença do Estado, a não ser em casos de conflitos de interesses com os setores
dominantes.
2.4 A independência, a contradição e a continuidade
A partir da vinda da família real portuguesa ao Brasil e a elevação do Brasil como
sede do império português foram se constituindo as condições para a independência. Dom
João VI, ao manter a aliança entre Portugal e a Inglaterra, desafiou o poder de Napoleão
33
Bonaparte que, para impor um bloqueio continental contra a Inglaterra, resolveu invadir o
território português. Antes da chegada dos exércitos franceses a família real, acompanhada
por uma enorme quantidade de nobres e funcionários estatais, transportados por navios
ingleses, embarcou para o Brasil, fugindo da dominação. A abertura dos portos para os
povos amigos, leia-se especialmente a Inglaterra, deu ao Brasil uma condições nova de
relação com outros povos e não somente com a metrópole.
Na chegada ao Brasil a delegação imperial foi desalojando a população local para
abrigar os nobres e funcionários estatais, obrigando muita gente que habitava no Rio de
Janeiro a deixar suas casas para serem ocupadas pelos que chegavam de Portugal.
A presença do Estado português passou a ser sentida mais de perto pela população
colonial, mas numa relação de submissão e de imposição, como se fosse uma invasão ao
território brasileiro.
Muitas instituições foram constituídas, como bancos, teatros, academias literárias e
científicas, bibliotecas, escolas e outras que tinham como finalidade reproduzir
minimamente as condições de vida existentes anteriormente na metrópole. No entanto, não
havia nenhuma preocupação em estender esses benefícios sociais e econômicos para a
população nativa ou para os habitantes, mesmo os portugueses, que já estavam no Brasil.
(FAUSTO, 1996, p. 135 ss) O processo econômico fundamentado no latifúndio e na
escravidão foi mantido intacto. A única vantagem que os latifundiários produtores e cana-de-
açúcar e algodão conseguiram foi a de não depender mais da mediação metropolitana para
poder comerciar com a Inglaterra os seus produtos.
O retorno da família real para Portugal após o fim da guerra contra Napoleão deixou
o Brasil na incerteza se manteria a sua condição de reino unido ou se voltaria à condição de
colônia. Financiados pela Inglaterra, que tinha muitos interesses comerciais, os partidários
da independência pressionaram Dom Pedro I a buscar a autonomia em relação a Portugal.
Voltar à condição de colônia não interessava justamente porque os donos de terra não
queriam mais depender da mediação de Portugal para a realização de suas atividades
comerciais.
O Estado brasileiro, desde sua independência, assumiu a estrutura constitucional,
tendo sua primeira constituição sido objeto de uma primeira disputa entre uma constituinte
convocada e dissolvida pelo imperador em função de suas divergências de concepção. A
constituição outorgada manteve a mesma estrutura de poder presente durante o período
colonial, em que a oligarquia agrária detinha todos os benefícios e a população praticamente
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só tinha algumas possibilidades de acesso a um sistema educacional incipiente para as
primeiras letras, sem qualquer outro tipo de assistência. Inclusive na educação, as melhores
escolas tinham como finalidade a formação da elite com um ensino propedêutico baseado no
ensino das letras, especialmente a partir da criação do Colégio Pedro II em 1838.
(BITTENCOURT, 2003).
A independência não alterou em praticamente nada a situação da população
brasileira. O seu acesso aos benefícios do Estado, como a educação, a saúde e a assistência
praticamente continuou sem existir e nem ser muita preocupação para o governo imperial
brasileiro. A escravidão foi mantida, mesmo com a oposição da Inglaterra ao tráfico de
escravos africanos para o Brasil. Somente algumas ações na área da educação, especialmente
para permitir o acesso às “primeiras letras” foi organizado pelo governo brasileiro, embora
sem muita efetividade. Normalmente o acesso à escola era ainda provido através de
iniciativas locais das comunidades, sem intervenção do Estado. A criação do Colégio Dom
Pedro I, no Rio de Janeiro, ocorreu somente na década de 1830, mas com a preocupação de
garantir o acesso aos filhos das classes mais abastadas. O acesso à terra, depois da
independência, passou por um grande período sem regulamentação alguma. O imperador
determinou a suspensão das concessões de terras com o objetivo de aguardar o processo de
regulamentação do império, mas que somente ocorreu em 1850. O maior problema
enfrentado era o processo de ocupação de terras, que não estavam regularizadas e, o motivo
imediato da suspensão das concessões foi a forma confusa como vinha se dando a
solicitação de regularização das posses. Durante o período sem legislação a única forma de
acesso à terra era a ocupação, considerada irregular pelo império, mas que se disseminou em
grande velocidade pela inexistência de outros instrumentos. Os setores dominantes passaram
a ampliar seus domínios a partir de seu poder de coação, normalmente expulsando os
camponeses das áreas já abertas, com a finalidade de ampliar as propriedades e suas grandes
lavouras (POLI, 2009, p. 42)
Os camponeses e índios que haviam se apossado ou ocupavam terras mais próximas
das explorações econômicas dos grandes proprietários passaram a ser desalojados e
obrigados a entrar cada vez mais para o interior em busca de um espaço não reclamado pelos
grandes proprietários.
Em 1850 foi publicada a Lei de Terras, que estabelecia que a única forma de acesso
seria através da compra em dinheiro, que a mantinha distante das camadas mais populares.
Ao mesmo tempo começou um movimento que tinha como centro a expectativa de
35
que o intuito da escravidão poderia deixar de existir no Brasil que incentivava a imigração
de europeus para o Brasil para servir de mão de obra, principalmente para as explorações
cafeeiras. A imigração tinha como grande objetivo substituir a mão de obra escrava por
trabalhadores livres e assalariados.
Esse movimento foi crescendo até o momento em que o Brasil declarou abolida a
escravatura. A vinda de europeus, além de substituir os escravos no trabalho, tinha como
base uma intenção de branqueamento da população, tendo em vista que negros e índios eram
considerados incapazes para o trabalho livre (POLI, 2009, p. 44).
O processo de substituição da mão de obra escrava pela livre promoveu a completa
exclusão dos negros do acesso ao trabalho. A libertação da escravatura os deixou em
completo abandono, pois eram considerados incapazes de assumir um trabalho livre. A
contratação de mão de obra livre se deu principalmente através da imigração de europeus e a
população negra ficou sem opções de trabalho e nem de acesso à terra, provocando sua
marginalização social.
2.5 A república velha: rupturas e continuidades
A proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889, pouco tempo
depois da Abolição da Escravatura. O Brasil, a partir desses dois fatos históricos, aparenta
uma mudança bastante profunda em sua realidade política, econômica e social. No entanto,
as mudanças nos espaços de governo e na forma de constituição do Estado produziram
poucos efeitos sobre a realidade brasileira. A continuidade foi uma das características mais
marcantes dessa transição.
No entanto, por menores que fossem os efeitos práticos sobre a realidade social
brasileira, podem ser identificados alguns aspectos de mudança que podem ser salientados. No Brasil, a instauração do mercado livre de trabalho data do final do século XIX, com a Abolição da Escravatura, logo seguida pela Proclamação da República. A nova ordem política, consagrada pela Constituição de 1891, estendeu o direito de votar e de ser votado a todo o cidadão brasileiro do sexo masculino maior de 21 anos, excetuando-se os mendigos, analfabetos, praças de pré e religiosos sujeitos ao voto de obediência que importasse em renúncia da liberdade individual. Os direitos civis, por sua vez, foram consagrados nos 31 incisos do artigo 72, não havendo qualquer menção aos direitos de natureza social (LUCA, 2003, p. 56)
Até 1930 a pobreza não era vista como parte da questão social, mas como um
problema dos indivíduos. Grande parte dessas pessoas era internada em asilos para
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tratamento como se fosse necessário afastá-los da sociedade.
(...) os pobres eram considerados como grupos especiais, párias da sociedade, frágeis ou doentes. A assistência se mesclava com as necessidades de saúde, caracterizando o que se poderia chamar de binômio de ajuda médico-social. Isto irá se refletir na própria constituição dos organismos prestadores de serviços assistenciais, que manifestarão as duas faces: a assistência à saúde e a assistência social. O resgate da história dos órgãos estatais de promoção, bem-estar, assistência social, traz, via de regra, esta trajetória inicial unificada (SPOSATI, 2007, p. 42).
Por maior que fosse a predominância da economia de agro-exportação,
especialmente o café, o Brasil passou por um processo lento de industrialização,
principalmente na região Centro-Sul. Conforme Brum (2012, p. 156), esse processo de
industrialização teve como uma das principais causas as dificuldades de acesso aos
mercados internacionais durante o período da primeira Guerra Mundial. Vários pólos de
industrialização começavam a se destacar no cenário brasileiro, embora ainda com pouca
expressão no conjunto da economia do país.
Foi justamente no início do período republicano, quando do primeiro surto industrial na região Centro-Sul do país, que os trabalhadores surgiram na cena política. A concepção vigente em grande parte da primeira República, de nítida inspiração liberal, relegava as relações entre assalariados e patrões no âmbito privado, abstendo-se o Estado de qualquer interferência nesse mercado, ainda que o Decreto 1637, de 1907, houvesse reconhecido o direito de associação e reunião para todos os que exercessem profissões similares ou conexas, tendo em vista a defesa e o desenvolvimento de interesses comuns. As agremiações estavam livres da ingerência estatal e não dependiam de autorização prévia para funcionar. Esse ponto é importante na medida em que se admitia, pelo menos em tese, a presença no mercado de compra e venda de força de trabalho dos sindicatos, que são entes coletivos (LUCA, 2003, p. 471)
A presença do operariado e de suas organizações no Brasil pode ser identificado em
diversos momentos, podendo ser salientada a ocorrência de uma greve geral em São Paulo
no ano de 1917. A agitação provocada pela primeira Guerra Mundial e a implantação da
primeira república operária, no caso a Rússia, onde ocorreu a revolução comunista em 1917,
de certa forma começou a gerar pressão sobre os governos, especialmente em função dos
patrões que buscavam maior estabilidade nas condições de produção industrial e maior
amparo nas suas dificuldades de relação com o operariado, especialmente m função da
fragilidade do mercado industrial brasileiro.
A primeira norma legislativa a regular o processo de acumulação data de 1919 e reconhecia a obrigação do empregador em indenizar o operário em caso de
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acidentes de trabalho. Seguiu-se a lei de férias (1925), que estabelecia o direito dos trabalhadores urbanos a 15 dias de descanso anual remunerado, e o Código de Menores (1927), que proibia o trabalho de crianças com menos de 14 anos e estipulava jornada de seis horas até os 18 anos de idade. Por meio de suas associações, os empregadores tentaram obstruir ao máximo toda e qualquer intervenção no mercado de trabalho, alertando os perigos de tal intromissão, sobretudo pelo fato dela provir de legisladores que desconheciam o cotidiano das fábricas (LUCA, 2003, 473).
Em 1923 foi criada a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) dos ferroviários que
assegurava aposentadoria por tempo de serviço, velhice ou invalidez, pensão para os
dependentes em caso de falecimento, custeio das despesas funerárias e assistência médica.
Essa foi a primeira das instituições do sistema previdenciário brasileiro e que seguiu a
receita de várias iniciativas anteriores feitas por empresas, para se desonerar do conjunto das
indenizações a que eram obrigadas em função de acidentes (LUCA, 2003, p. 475). O
patronato aderiu e apoiou a implantação desses planos previdenciários, pois entendiam que
tinham um amplo poder de desmobilização do operariado. Até 1930 a expansão do modelo
de CAP foi rápida, chegando a 47 fundos naquele ano.
O decreto n° 17.943-A, de 12 de outubro de 19271, criou o Código de Menores do
Brasil, consolidando as regras sobre a proteção, a assistência e o controle das crianças e
adolescentes, de 0 a 18 anos. O Código de Menores, elaborado nesse contexto, tinha um
caráter protecionista e de controle total dos adolescentes, estigmatizando os chamados
menores, como um segmento potencialmente perigoso e diferente do restante da juventude.
No texto do decreto há uma permanente referência da necessidade de proteção de menores
em relação à situação de abandono, exercício de atividade ilegal e contrária à moral e bons
costumes. A situação social dos menores foi tratada neste código muito mais no sentido da
vigilância do que da proteção.
Os direitos sociais passam a fazer parte das políticas governamentais, embora
timidamente. A política econômica dos governos nunca priorizou os setores de comércio,
indústria e serviços. As políticas de apoio aos setores econômicos urbanos foram resultado
da pressão social que já fazia se sentir no Brasil. Na medida em que as cidades cresciam em
função do aumento das atividades comerciais, industriais e de serviços, a pressão para a
solução dos problemas que começaram a aparecer levou o Estado a adotar algumas políticas
de cunho social, sem abandonar sua postura de priorização econômica dos setores
tradicionais. A base da ação econômica governamental estava assentada na exportação do
café, como o único produto brasileiro com peso no comércio internacional. Sua política 1 Acessada no sítio eletrônico www.planalto.gov.br.
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estava assentada na garantia de preços e de comercialização do produto para a geração de
divisas visando o financiamento da política interna do país.
Sua ação na área dos direitos sociais se manteve tímida, somente assumindo algumas
ações na medida em que o processo social o pressionasse. Para Bóris Fausto (1996, p. 293)
os movimentos sociais foram muito importantes para que o processo de transformação das
políticas ocorresse de forma efetiva no Brasil. Esses movimentos se originam das
transformações sociais ocorridas, tanto no espaço urbano, com o fortalecimento da classe
média e a formação do proletariado, e do espaço rural com a formação de vários
movimentos sociais, que Fausto (1996, p. 295) classifica em três tipos: 1) os que
combinaram o conteúdo religioso com carência social, tendo como exemplo o movimento
organizado pelo padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro (CE) entre 1872 e 1924; 2) os que
combinaram conteúdo religioso com reivindicação social, tendo como exemplo mais
próximo o Contestado, entre 1911 e 1915, na fronteira entre os estados do Paraná e de Santa
Catarina e: 3) os que expressaram reivindicações sociais sem conteúdo religioso, tendo
como exemplos as greves dos trabalhadores rurais por salários e melhores condições de
trabalho ocorridas em São Paulo, sendo a mais importante em 1913.
Os movimentos sociais urbanos foram surgindo na medida em que a sociedade
brasileira se diversifica e se forma uma classe trabalhadora mais numerosa que começa a se
mobilizar. Em São Paulo houve uma forte influência dos imigrantes e predominou a
inspiração anarquista. No Rio de Janeiro a predominância foi da inspiração socialista e
sindicalista de resultados, conforme descrição de Boris Fausto em seu livro História do
Brasil (1996, p. 297). Esse movimento raramente preocupou a classe patronal pela sua
desarticulação, com algumas exceções, especialmente em 1917, quando ocorreu a Greve
Geral em São Paulo.
Refletindo com Boris Fausto (1996) pode-se afirmar que o Brasil, durante as
primeiras duas décadas do século XX vivenciou uma fase de muitos conflitos e de muitas
transformações mundiais, podendo ser citadas a primeira Guerra Mundial, a Revolução
Russa, a profunda crise econômica vivida pelos países europeus, em especial durante a
década de 1920, a emergência dos totalitarismos europeus, especialmente na Alemanha e na
Itália e, como fato econômico mais marcante, a crise de 1929, com a quebra da bolsa de
valores de New York, provocando a falência de centenas de grandes empresas e de muitas
economias nacionais.
O mundo todo vivenciou uma fase de desestruturação do liberalismo clássico, que foi
39
incapaz de, a partir da concepção da liberdade de mercado e da não intervenção do Estado
na regulação da economia, de superar os desequilíbrios oriundos da primeira guerra mundial
e da desestruturação das economias européias e nem de encontrar mecanismos de evitar a
super-produção industrial e agroexportadora que provocaram a quebra do sistema financeiro
e econômico estruturado desde o final do século XIX.
Além de todos esses problemas, a economia capitalista vivia a ameaça permanente
dos movimentos revolucionários, que tomaram enorme impulso a partir da Revolução Russa
de 1917. Enquanto as economias capitalistas viviam uma época de profunda crise, a
economia socialista implantada pela Revolução Russa manifestava forte vitalidade e muita
estabilidade.
É neste contexto que surgem movimentos mais fortes também no Brasil,
especialmente a criação do partido comunista em 1922 e o movimento tenentista de 1924.
A velha República brasileira, com sua política do “café com leite” vinha sendo
questionada pela emergência de novos setores sociais que começavam a exigir seu lugar na
política brasileira, totalmente dominada pela oligarquia agrária desde a independência.
A crise econômica vivida pela Europa no pós-guerra e a superprodução industrial
provocada pelos Estados Unidos levaram à crise na Bolsa de Valores de New York em 1929,
deixando o Brasil sem condições de exportar o café pela falta de compradores e de preços.
As eleições de 1930 e a crise econômica vivida abriram espaço para que Getúlio
Vargas, apoiado pelos setores ligados à indústria, comércio e serviços, se rebelasse contra os
resultados eleitorais e tomasse o poder.
Importante ressaltar, ainda, que a partir de 1930 o Brasil começa a superar o sistema
de poder que sustentava a República, assentada nas oligarquias regionais, e começa a
desenvolver um processo de articulação nacional das políticas e do poder. A Revolução de
1930, além de atuar de forma decisiva na superação da fragmentação do poder, passa a
inserir na agenda nacional a solução dos conflitos e dos problemas que afetavam diretamente
a reprodução da força de trabalho.
2.6 Revolução de 1930 e seu significado
O ano de 1930 é considerado por quase todos os historiadores como um marco no
processo de desenvolvimento do Brasil que, a partir daquele ano, assume uma política de
40
industrialização e de modernização em contradição com a sociedade agrário-exportadora e
oligarca que até aquele momento dominava o país. No entanto, nenhuma das transformações
ocorridas nasce por acaso. Foram, todas, resultado do processo histórico vivido pelo Brasil
desde a chegada dos portugueses. Para contextualizar o processo histórico vivenciado pelo
Brasil a partir de 1930 é importante realizar uma revisitada panorâmica sobre as bases que
permitiram as transformações ocorridas a partir de 1930.
A posse de Getúlio Vargas no governo brasileiro, com a posterior implantação do
Estado Novo, o processo de industrialização pela substituição de importações, a implantação
da indústria siderúrgica e a associação entre a produção agroexportadora do café com o
processo de industrialização, em que as divisas geradas pelo café produziam condições de
importação das tecnologias necessárias às novas indústrias, permite ao Brasil avançar na
construção de uma nova identidade.
O modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil a partir de 1930 foi influenciado
de forma direta pela crise interna e externa e foi denominado de industrialização por
substituição de importações.
A tese da substituição de importações como processo específico da industrialização latino-americana consiste principalmente na idéia de que o processo é resultado de uma interação dinâmica entre o desequilíbrio externo e as novas demandas por importação. O processo se inicia pela substituição de bens finais não duráveis, que envolve uma tecnologia simples e pouco capital. As novas indústrias requerem a importação da maioria dos bens intermediários e de capital, necessários ao processo de produção, que as economias periféricas especializadas permanecerão incapazes de produzir até um estágio muito posterior da industrialização […] Isso reforça a insuficiência da capacidade para importar, ampliando as substituições de importações, num processo que tende a se estender aos setores de bens duráveis finais e de bens intermediários e de capital. A rapidez e profundidade do processo como um todo depende, primeiro, da capacidade de cada economia no sentido de adaptar sua estrutura produtiva às novas demandas de expansão industrial […] e, segundo, da evolução da capacidade de importação da economia (BIELSCHOWSKI, 1996, p. 25).
A crise internacional e a crise da exportação do café deixaram o Brasil sem recursos
para a importação de bens e serviços, paralisando praticamente toda a economia e
provocando um processo de crise geral da economia.
A concepção do desenvolvimento industrial através do processo de substituição de
importações obrigava o Estado a duas ações bem concretas: a primeira, tinha que garantir
uma capacidade mínima para a importação para adquirir no exterior as máquinas,
equipamentos e tecnologias que pusessem em movimento as indústrias que poderiam
promover a substituição dos bens importados demandados pela população; a segunda, para
41
gerar recursos para importações era necessário ter produtos exportáveis, com compradores e
preços. (BIELSCHOWSKI, 1996, p. 226 ss)
A falta de recursos para o pagamento da dívida pública externa levou o governo a
centralizar o câmbio, obrigando a todos os exportadores a trocar os recursos advindos das
exportações por moeda nacional junto ao Banco do Brasil, centralizando nas mãos do
governo federal todo o estoque de moeda externa (FAUSTO, 1996, p. 334).
A crise mundial influenciou de forma decisiva o processo de desenvolvimento Brasil.
As teorias Keynes, apontando para a intervenção do Estado na regulação do processo
econômico inspirou novas formas de ação estatal para superação da crise e geração de novas
perspectivas de desenvolvimento.
Na medida em que a opção do governo Vargas foi pela industrialização como base de
todo o processo de desenvolvimento havia necessidade de atuar de forma concreta na
formulação de políticas de apoio às indústrias, através de facilitação da importação de
máquinas e equipamentos, organização do crédito e do mercado. No entanto, a ação mais
ampla realizada pelo governo foi na área da regulação do mercado de trabalho, com a
criação de estruturas e legislação própria para dar mais segurança aos empresários em seus
investimentos. A legislação trabalhista permitia que as relações entre patrões e empregados
tivessem uma maior segurança e, principalmente, as empresas passaram a ser desoneradas
das obrigações ligadas à saúde e assistência do seu empregado e de suas famílias.
O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado em novembro de 1930 […] apresentou, nos seus primeiros anos de existência, um conjunto de anteprojetos relativos a duração da jornada de trabalho, regulamentação do trabalho feminino e de menores, férias para comerciários e industriários, convenções coletivas de trabalho, salário mínimo, juntas de conciliação e julgamento, porcentagem de estrangeiros empregados nas empresas, criação da carteira de trabalho, e nova lei de sindicalização […](LUCA, 2003).
O governo Vargas enfrentou a Revolução Constitucionalista em 1932 e vários outras
manifestações de contestação durante a década de 1930, levando-o a decretar o Estado
Novo.
Houve um pequeno período de democracia entre os anos 1933, quando foi eleita a
Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou uma nova Constituição, promulgada em
1934 e 1935, quando foi aprovada a Lei de Segurança Nacional e decretado o estado de
guerra, que suspendeu todos os direitos e garantias concedidas pela nova Constituição. A
efervescência política e a influência cada vez maior de setores que contestavam o governo
levaram ao Estado Novo, que destruiu as bases democráticas e passou a exercer o poder de
42
forma ditatorial.
No ano de 1937 o governo Vargas outorga uma nova Constituição, implantando uma
ditadura, que perdurou até sua queda em 1945.
2.7 Direitos sociais, ditadura e populismo
A primeira e a segunda guerras mundiais são, para muitos historiadores, parte de um
mesmo processo de disputa de poder e de mercados entre os países na busca da consolidação
de um processo imperialista que o capitalismo monopolista trouxe como consequência.
Iniciada em 1914 e encerrada em 1918, essa guerra teve um acordo final muito prejudicial
aos países perdedores, impondo a eles uma condição muito difícil de suportar, especialmente
no processo de recuperação econômica.
A crise econômica e social vivida depois da guerra, provocou uma guinada muito
forte para os totalitarismos como consequência das agitações políticas provocadas pelos
partidos de esquerda, impulsionados pela evolução Socialista Soviética, e pelo desequilíbrio
das economias dos países. Os Estados Unidos apoiavam a recuperação econômica dos países
europeus, fornecendo os produtos e financiando as aquisições.
Na medida em que os países foram recuperando sua capacidade e entrando
novamente no mercado internacional houve a ocorrência de uma superprodução industrial,
especialmente porque as indústrias americanas não reduziram sua produção, confiando que
suas vendas seriam mantidas pelo sistema de associação entre o financiamento e a
comercialização. O processo foi se agravando até ocorrer a quebra da bolsa de valores de
New York, que foi o evento mais marcante de todo esse processo de crise internacional.
A Revolução Russa, ocorrida em 1917, e a implantação do socialismo, provocaram
uma forte onda de fortalecimento dos movimentos revolucionários em todo o mundo e a
formação dos partidos comunistas e socialistas em praticamente todos os países, tornando-se
uma forte ameaça às estruturas capitalistas. Os movimentos de esquerda passaram a ameaçar
seriamente a estrutura capitalista da sociedade e, na medida em que essa ameaça se tornava
mais concreta, havia uma reação dos partidos liberais que se direcionava ao apoio de opções
ditatoriais, capazes de restabelecer a ordem através do processo de repressão. Na Europa
foram os casos típicos da Itália e da Alemanha, seguidos depois por Espanha e Portugal.
No Brasil ocorreu um processo semelhante, com uma reação muito característica do
processo descrito acima. Getúlio Vargas, que assumiu o governo em 1930, que havia
43
convocado eleições para uma assembléia constituinte que produziu uma constituição que foi
promulgada em 1934, que enfrentou uma revolução constitucionalista em São Paulo, propôs
e o congresso aprovou uma lei de Segurança Nacional que reagia à ameaça comunista e
permitiu a implantação do Estado Novo, ditadura que durou até 1945.
A Constituição de 1934 foi a primeira constituição do país a destinar um capítulo
para a ordem econômica e social, definindo as responsabilidades sociais do Estado,
especialmente a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante. Essas obrigações
do poder público representavam um avanço nos serviços sociais, redefinindo as relações
entre o Estado e a sociedade civil mas, além de terem um caráter assistencialista, eram
usadas como instrumentos de controle e de repressão das demandas sociais por melhores
condições de vida apresentadas pela classe trabalhadora, através de suas organizações. O
principal controle sobre as organizações estava na obrigatoriedade de registro junto ao
Ministério do Trabalho, que mantinha uma fiscalização permanente sobre sua atuação.
Pereira (2007, p. 94 ss) afirma o surgimento do serviço social como resultante da
industrialização e da necessidade de controle da classe trabalhadora. Além da verticalização
da estrutura sindical e do aparato repressivo, o Estado passa a adotar as políticas sociais
como forma de controle da população trabalhadora. A criação da profissão de Serviço
Social, conforme a autora, teve como elemento base a necessidade de um profissional que
atuasse como difusor da ideologia dominante e executor de suas políticas sociais.
A crise da economia de agroexportação durante as duas primeiras décadas do século
XX e a adoção de uma política de industrialização provocou, no Brasil, a necessidade de
uma nova visão da questão social e levou à criação das primeiras escolas de serviço social.
Neste contexto de luta por hegemonia, foi criado com o incentivo e sob o controle da hierarquia da Igreja Católica o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) de São Paulo, considerado como “manifestação original do Serviço Social no Brasil” (IAMAMOTO e CARVALHO, 1995: 172). O seu início oficial se deu após a realização do “Curso Intensivo de Formação Social para Moças”, promovido pelas Cônegas de Santo Agostinho, sendo convidada Mlle. Adèle Loneux, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas (PEREIRA, 2007, p. 98)
Com a instauração do Estado Novo com uma nova Constituição, outorgada em 1937,
de caráter autoritário, centralizador, antidemocrático, que suprimiu os direitos políticos,
aboliu o poder legislativo em todos os níveis, dissolvendo os partidos políticos, com a
proibição de greves, censura aos meios de comunicação e perseguição política aos
adversários do regime, pode-se questionar a forma como os direitos sociais avançaram. A
manutenção e o avanço dos direitos sociais durante a ditadura caracterizou a postura
populista do governo que buscava se legitimar a partir do apoio das classes mais
44
desfavorecidas, sendo chamado de pai dos pobres. Todo o processo dos direitos sociais
estava vinculado à ética do trabalho (LUCA, 2003, p. 480).
Conforme a mesma autora, a cidadania passou a ter nova conceituação, que não mais
era resultado da luta política e pelos direitos sociais. Eram considerados cidadãos as pessoas
que estavam inseridos em uma ocupação regulamentada por lei e ampliação dos direitos
associados a essas profissões. Os sindicatos, desde o início do governo Vargas eram
considerados como parte do Estado, regulados pelo Ministério do Trabalho.
Os cidadãos que exerciam qualquer profissão não reconhecida e regulamentada pela
lei, como é o caso das profissões ligadas ao espaço rural e os trabalhadores urbanos de
profissões não regulamentadas legalmente, eram considerados como pré-cidadãos (LUCA,
2003, p. 481). A regulamentação da profissão, a carteira profissional e o sindicato público
eram as características para a cidadania.
Conforme Fausto (1996, p. 370 ss) a partir da implantação do Estado Novo o
processo de desenvolvimento econômico amparado na concepção de substituição de
importações foi aprofundada, com a intenção de implantar no Brasil uma Indústria de Base,
que teve como uma de suas maiores conquistas a implantação da indústria siderúrgica de
Volta Redonda e a constituição da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional. Essa indústria
foi financiada por capitais americanos no contexto da negociação da entrada do Brasil na
segunda Guerra Mundial.
Na política trabalhista podem ser salientados alguns aspectos importantes: a unidade
sindical, as greves tanto de trabalhadores quanto de patrões foram proibidas,
aprofundamento da dependência dos sindicatos ao Estado, criação do imposto sindical como
instrumento de financiamento do sistema sindical, implantação da Justiça do Trabalho,
criação e implantação do salário mínimo nacional, sendo os valores fixados de acordo com
as regiões.
No serviço público, que desde a primeira república tinha base no clientelismo, sem
concurso público e com uma pequena elite de quadros especializados, o Estado Novo
buscou reformular a administração pública com o objetivo de transformá-la em agente de
modernização. Foi criado o DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público com a
intenção de implantar um controle central sobre o pessoal e o material. Houve uma tentativa
de implantação de uma carreira no serviço público. Os servidores públicos foram divididos
em duas categorias: os funcionários públicos, que deveriam fazer concurso público para
assumir suas funções, e os extranumerários, que eram pessoas admitidas sem concurso, por
45
tempo determinado. Na prática essa categoria de servidores serviu para a continuidade da
política clientelista (FAUSTO, 1996, p. 378).
Os problemas enfrentados pela sociedade brasileira nas áreas urbanas eram novos
justamente porque o processo de urbanização mais acelerada era um fenômeno recente e que
trazia à tona situações que a legislação brasileira não previa e que o Estado não tinha
estruturas específicas para o trato das questões. Na área da assistência social, visando o
enfrentamento da questão social que se agravava pela urbanização, o governo criou uma
instituição que pudesse orientar todas as ações na área. Gomes (2008) aborda o tema
afirmando:
Cabe retomar aqui a configuração da Legião Brasileira de Assistência. [...]a concepção de um órgão central criado para expandir e integrar, ao mesmo tempo, as ações voluntárias benemerentes vinham se dando no interior do Estado, antes da entrada do país na Segunda Guerra Mundial. Interessava ao Governo Central fomentar as iniciativas civis, pois já atendiam as demandas sociais que se avolumavam nos centros urbanos, principalmente nas regiões onde a industrialização avançara, e antecipar-se a pressões sociais exercidas pelas precárias condições de vida dos segmentos sociais excluídos econômica e socialmente; controlá-las era fundamental. Há indícios de que a própria sigla – Legião – pode ser originária de outro movimento semelhante empreendido pela esposa do então presidente do estado gaúcho, Getúlio Vargas, em 1930, quando Darcy Vargas organizou no Rio Grande do Sul a Legião da Caridade, movimento assistencial de atendimento aos combatentes e aos seus familiares na Revolução de 30 (GOMES, 2008, p. 115)
Interessante notar que as ações voluntárias e de benemerência caracterizaram o
processo a partir da figura da primeira-dama, Darcy Vargas, que criou, inclusive, em 1942, a
Fundação Darcy Vargas, que ainda existe, e logo em seguida a Casa do Pequeno Jornaleiro,
que também continua a atuar até o presente momento2.
Após a queda de Getúlio Vargas, em 1945, o Brasil passou por um período
democrático que perdurou até 1964, quando houve o Golpe Militar que implantou um novo
e longo período de ditadura.
O primeiro presidente eleito após a queda do Estado Novo foi Eurico Gaspar Dutra,
que recebeu apoio de Getúlio Vargas e manteve a orientação desenvolvimentista e
preocupada com a formação de mão de obra de obra para a modernização do país. Conforme
Gomes:
[...] foram criados, logo no início do Governo Dutra (1946), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), o Serviço Social do Comércio (SESC) e o
2Acessado no sítio eletrônico www.fdv.org.br.
46
Serviço Social da Indústria (SESI) que, conjugados ao Serviço Nacional da Indústria (SENAI) – criado em 1942 –, compuseram o reconhecido Sistema S, o que avalizou o ingresso de setores do mercado na gama de ofertas de serviços sociais, de recorte ora corporativo ora ampliado para a população. Esse conjunto institucional representa, sobejamente, a característica datada do período da filantropia partilhada sob o âmbito educacional (idem, 2001). A perspectiva formadora da força de trabalho, exigida pelos setores da indústria e do comércio em plena expansão, era parte integrante do horizonte desenvolvimentista da época (GOMES, 2008, p. 112).
Após a posse do novo presidente foi instaurado o processo constituinte que elaborou
uma nova constituição para o país, promulgada em 1946. Com base liberal e democrática, a
nova constituição estruturou o Estado em formato muito semelhante ao que temos
atualmente.
No seu capítulo da ordem social praticamente manteve os mesmos benefícios e
direitos da constituição de 1937. A novidade ficou por conta da introdução do mecanismo de
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, embora não tenha entrado em vigor
por falta de sua regulamentação. (FAUSTO, 1996, p. 400) Na questão da cidadania ficou
estabelecida a igualdade entre homens e mulheres na questão dos direitos eleitorais,
eliminando-se a questão que restringia a obrigatoriedade de voto apenas para as mulheres
que exerciam função pública remunerada, estabelecido pela constituição de 1934. Na
questão da organização dos trabalhadores ficou mantida a organização corporativista e a
concepção de sindicato como órgão de colaboração com o estado. O padrão paternalista e protetor, próprio da ação política getulista, foi substituído por um padrão nacionalista e democrático que, todavia, preserva o populismo como traço dominante do governante. De um lado, a dependência dos países industrializados para obter equipamentos, tecnologia e financiamento se colocava como questão a ser superada com a industrialização plena do Brasil, um atraso a ser superado. De outro lado, o estilo de liderança política, do modo de governar, o carisma pessoal, a não vinculação orgânica partidária encontraram sua expressão em governantes da época como Jânio da Silva Quadros, João Goulart, além do retorno do próprio Getúlio Vargas a Presidência da República, e em Adhemar Pereira de Barros nas gestões estadual e municipal paulistas (GOMES, 2008, p. 110).
O sucessor de Dutra foi novamente Getúlio Vargas, agora eleito democraticamente.
Sua posse ocorreu em 1951, não tendo completado seu governo em função do suicídio em
1954. Entre os grandes debates que enfrentou foi a questão da exploração de petróleo, com a
criação da Petrobrás. Sucedeu-o, depois de uma confusa transição, o presidente Juscelino
Kubitscheck, que teve um governo de grande estabilidade política e de altos índices de
crescimento econômico. Sua obra mais gigantesca foi a construção de Brasília, transferindo
a capital federal para a região Centro-Oeste do Brasil. Conforme Fausto (1996, p. 426), as
47
bases do programa de metas de Juscelino caracterizavam-se pelo nacional-
desenvolvimentismo.
O sucessor de JK foi Jânio Quadros, que renunciou pouco tempo depois de assumir.
A posse de seu vice-presidente João Goulart foi contestada pelos militares. Um movimento
político para garantir sua posse levou a uma experiência parlamentarista no Brasil, que
pouco tempo depois foi abandonada depois de um plebiscito nacional que aprovou o retorno
do presidencialismo.
Na questão social esse período democrático ficou caracterizado por alguns períodos
de maior intensidade democrática, especialmente no período que se seguiu à segunda Guerra
Mundial. No entanto, já durante o governo Dutra iniciou-se um processo de repressão aos
movimentos dos trabalhadores e o Partido Comunista foi novamente declarado ilegal.
(LUCA, 2003, p. 482). No espaço rural, a expulsão de posseiros e a substituição dos
foreiros, meeiros e arrendatários por diaristas, que passaram a ser chamados de “boias frias”
provocaram uma ampla mobilização social no campo, com a formação das Ligas
Camponesas e outras formas de associação, perdurando essa movimentação até 1964.
Somente no governo de João Goulart é que os trabalhadores do campo conseguiram o direito
de se organizar em sindicatos. Foi implantado um planejamento racional de suas atividades, sob forte influência do Serviço Social enquanto profissão emergente na sociedade brasileira, com o objetivo de reformular a política assistencial adotada até então. A perspectiva era adotar uma metodologia de estudo da realidade, para a criação de serviços dotados de programação adequada, baseados em padrões mínimos necessários à superação do assistencialismo, válidos tanto para as obras próprias quanto para aquelas objeto de convênio com a LBA. As iniciativas implantadas pela LBA serviam de modelo para a criação de outras similares, tal qual os centros de proteção à mãe e à criança, na forma dos Postos de Puericultura, Creches, Comissões Municipais, Hospitais Infantis e Maternidades. Sob o exemplo modelar da LBA, foram criadas, por iniciativa da sociedade civil, as Associações de Proteção à Maternidade e à Infância – APMI. Além disso, a LBA tomava a iniciativa de atender e estimular o atendimento às necessidades socioeconômicas de populações atingidas por catástrofes como secas, incêndios, desabamentos e enchentes. (GOMES, 2008. p. 117).
O processo de mobilização dos trabalhadores foi muito intensa, especialmente
durante o governo de João Goulart, dando argumento aos militares para o golpe de Estado
que desencadearam em 1964.
48
3 OS GOVERNOS MILITARES
A implantação dos governos militares no Brasil tornou a experiência democrática,
vivida pelo país depois da segunda Guerra Mundial e da derrubada do Estado Novo, muito
efêmera para possibilitar à população uma cultura democrática capaz de mobilizá-la de
forma massiva contra seu rompimento. Desde 1930 o Brasil vivera uma experiência de
ditadura mesclada com políticas populistas que geraram a cultura de um Estado paternalista
e que atuara na garantia de direitos sociais pela população, sem que houvesse necessidade de
mobilização e de luta por esses direitos.
Na medida em que a mobilização popular começou a se intensificar durante o
período democrático, em que as vozes não mais eram silenciadas de forma tão repressiva
como durante a ditadura, a mobilização em busca dos direitos sociais passou a fazer parte da
agenda popular, ao mesmo tempo que impunha aos governos uma agenda política cada vez
mais intensa. O ambiente internacional de Guerra Fria, a política anti-comunista dos Estados
Unidos e a vitória da Revolução Cubana colocavam em alerta os setores mais
conservadores, interpretando toda a movimentação popular como um perigo de movimentos
comunistas.
3.1 O cenário internacional e sua influência no Brasil
O golpe militar ocorrido no ano de 1964 foi se construindo a partir das contradições
políticas, econômicas e sociais vivenciadas pelo país nos anos finais da década de 1950 e
nos anos iniciais da década de 1960.
No final da década de 1950 e no início da década de 1960 o processo político no
Brasil apresentava uma instabilidade bastante acentuada, especialmente pela forte
mobilização social em alguns setores, como no caso dos estudantes universitários e as Ligas
Camponesas. Boris Fausto cita como importante o surgimento das Ligas Camponesas como
reação dos setores esquecidos do campo (FAUSTO, 1996, p. 443 s).
No plano da sociedade, houve um avanço dos movimentos sociais eu surgimento de novos atores. Os setores esquecidos do campo – verdadeiros órfãos da política populista – começaram a se mobilizar. O pano de fundo dessa mobilização parece se encontrar nas grandes mudanças estruturais ocorridas no Brasil entre 1950 e
49
1964, caracterizadas pelo crescimento urbano e uma rápida industrialização. Essas mudanças ampliaram o mercado para os produtos agrícolas e a pecuária, levando a uma alteração nas formas de posse da terra e de sua utilização. A terra passou a ser mais rentável do que no passado, e os proprietários trataram de expulsar os antigos posseiros ou agravar suas condições de trabalho, o que provocou forte descontentamento entre a população rural. Além disso, as migrações aproximaram campo e cidade, facilitando uma tomada de consciência de uma situação de extrema submissão, por parte da gente do campo (FAUSTO, 1996, p. 443 s).
Depois da eleição de Jânio Quadros o quadro de instabilidade foi se agravando, tendo
seu momento mais crítico com a renúncia do presidente recém-eleito e a reação dos militares
à posse do Vice-presidente João Goulart. A negociação para a implantação do
Parlamentarismo foi a saída para a manutenção da legalidade e da ordem democrática. No
entanto, foi uma solução que se manifestou efêmera pela sua rejeição em plebiscito nacional,
voltando o país ao presidencialismo. Boris Fausto, em seu livro História do Brasil
(FAUSTO, 1996, p. 446 ss) descreve todo o processo de mobilização social dos diversos
setores, desde os mais conservadores, formados pelos proprietários de terras e industriais,
até os mais progressistas, entre eles os estudantes, o movimento sindical e uma grande
parcela da Igreja Católica que passara a defender as reformas como único caminho para a
pacificação social. Ao mesmo tempo a Juventude Agrária Católica e a Juventude
Universitária Católica passaram a assumir posições políticas cada vez mais radicais na
defesa das reformas. As propostas de reforma urbana, que possibilitariam o acesso dos
inquilinos à propriedade das casas, afastou a classe média urbana das reformas, com receio
de perder as suas propriedades. Todo esse movimento se assentava em uma parcela dos
partidos políticos que assumiram de forma mais aberta a defesa do nacionalismo, com
propostas de desapropriação de todas as refinarias de petróleo para vinculá-las à Petrobrás, e
outras medidas para fortalecer o controle do Estado sobre a economia.
No cenário internacional a Guerra Fria entre os blocos socialista e capitalista,
capitaneada, de um lado, pelos Estados Unidos e, do outro, pela União Soviética, criava um
ambiente de anticomunismo muito forte. A vitória da Revolução Cubana em 1959 acirrou
ainda mais os ânimos e os Estados Unidos atuavam fortemente pressionando os governos
latino-americanos a reprimirem os movimentos de esquerda em todo o continente.
Desse modo, entendia-se que a “agitação” e a “subversão” comunistas deveriam ser combatidas in loco, dentro do próprio país “ameaçado” pela insurgência social. O que os Estados Unidos poderiam fazer para conter esta situação? Como mobilizar apoio político suficiente para levar adiante a causa do combate à insurgência? Naturalmente, a América Latina não escapou destas preocupações e foi uma das áreas nas quais as políticas inspiradas pela doutrina da contra-insurgência mais influenciaram a ofensiva do governo norte-americano. (SILVA,
50
2008, p. 132)
A ameaça comunista, real ou utilizada como desculpa para a repressão contra os
movimentos populares, foi motivo para uma política muito intensa da parte dos Estados
Unidos visando a manutenção de todos os países alinhados à suas políticas e ao seu
posicionamento internacional da Guerra Fria com o Bloco Socialista. A Revolução Cubana
foi um mau exemplo que não poderia acontecer novamente. Mesclando programas de ajuda
com programas de treinamento e aparelhamento militar e com pressão política sobre os
governos dos países americanos, os Estados Unidos foram influenciando na política interna
de todos os países, e incentivando os militares a assumir o poder em todos os países onde o
poder civil não fosse capaz de garantir o alinhamento ao seu projeto de poder.
Para ilustrar a importância dada ao tema, reproduzimos parte de um relatório da
Força-Tarefa instituída pelos Estados Unidos para estudar os problemas imediatos da
América Latina e propor soluções para o governo americano.
Os esforços norte-americanos devem competir e defender-se contra o atual programa do bloco comunista, e operar em uma escala sete vezes maior do que os atuais esforços dos Estados Unidos, medido por comparações entre as despesas. (Somando-se todas as agências dos Estados Unidos gasta-se aproximadamente quinze milhões de dólares. Os países do bloco comunista estão gastando pela região cem milhões de dólares). Em muitos países latino-americanos o estrato de intelectuais e de pessoas politicamente conscientes é estreito. As agências do bloco comunista podem então infiltrar os sistemas educacionais, selecionar grupos para treinamento especial, e conquistar a vida intelectualmente consciente de países menos desenvolvidos. Na ausência de algum outro sistema, ao promover algumas centenas ou (como planejado no caso do Brasil) alguns milhares de comunistas treinados anualmente, os esforços do bloco comunista pode, após poucos anos de operação, virtualmente tomar o controle de um país. Países subdesenvolvidos com adequado sistema educacional são alvos prontos para este tipo de imperialismo. Não há razão para deixar com que este vácuo seja preenchido por nossos inimigos. O desenvolvimento organizativo de um plano de educação-informacão-propaganda, e o desenho de uma legislação para torná-la efetiva, levará algum tempo. Este assunto alinha-se à política e à defesa militar. Isto está para além das atribuições da Força-Tarefa. Eu sugiro, portanto, a constituição de um grupo patrocinado pela Casa Branca para lidar com estas questões (SILVA, 2008, p. 48)
Percebe-se no texto acima a forte influência das políticas comunistas sobre a ação
dos americanos. A maior preocupação era manter a influência sobre os povos, visando inibir
as ações comunistas que atuavam no sentido de promover a expansão de suas influências no
mundo ocidental. A confusão de conceitos, intencional talvez, de educação, informação e
propaganda podem dar uma dimensão da forma como os americanos pensavam sua
influência. Para eles a ação deveria associar as três dimensões visando tornar a influência
americana uma presença constante na vida das pessoas.
51
Os americanos, especialmente a partir da Revolução Cubana, mantiveram-se atentos
aos movimentos políticos dos países latino-americanos, agindo de forma muito contundente
quando seus interesses estavam em jogo.
Para além da ação direta do Estado, os americanos incentivavam a expansão das
empresas americanas nos países e colocavam como parte essencial de sua política a defesa
dos interesses dessas empresas no cenário econômico internacional.
3.2 O golpe militar em 31 de março de 1964
Com o lançamento, pelo presidente João Goulart, da proposta de Reformas de Base
em um comício no Rio de Janeiro, e a reação dos setores conservadores da Igreja Católica,
que organizaram a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo as
condições para o Golpe Militar estavam dadas. No dia 31 de março de 1964 os militares
tomaram o poder e implantaram uma ditadura que duraria 20 anos (FAUSTO, 1996, p. 460).
O Golpe de Estado tornou-se uma solução para o processo de mobilização política
que se estabeleceu no país. De um lado, os movimentos sociais reivindicando melhores
condições de vida, maior democracia, maior distribuição de riquezas, e do outro, a reação
das classes ameaçadas pelo aspecto revolucionário comunista que rondava toda a América
Latina. Se houve mobilização popular, apoiada nas organizações de caráter popular e
progressista, houve uma reação social muito forte da parte dos setores conservadores.
A burguesia internacional objetivava implementar o projeto capitalista no Brasil, de modo a fazer com que o capitalismo e a hegemonia burguesa persistissem. A realização desta meta necessitava da parceria e do sucesso de uma burguesia nacional forte que, por sua vez, precisava do capital externo para proporcionar as condições de desenvolvimento capitalista. Em paralelo, havia uma interpenetração civil-militar. Muitos dos civis que fundaram o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) haviam frequentado a Escola Superior de Guerra (ESG), o que levou à congruência de posições [...] como resultado desta aliança, enquanto a campanha do IPES unificava a oposição e minava o governo, a ação dos militares protegia a burguesia e dissimulava as características de classe do movimento [...] visando a defesa de seus interesses, as diversas frações e setores da classe dominante buscaram reconciliação política, o que resultou no desenvolvimento de uma solidariedade de classe burguesa, de caráter conservador e de comportamento reacionário. Mas, sem auxílio do poder estatal, esta união não seria suficiente para impedir que as pressões vindas de baixo e as divergências no interior das classes burguesas ameaçassem as bases de equilíbrio. Para solucionar esta questão e realizar as tarefas que estavam fora do alcance burguês no campo privado a ação, os recursos e o poder do Estado mostravam-se fundamentais. (VASCONCELOS, 2010, p. 17)
52
Os militares assumiram o governo e estabeleceram imediatamente uma legislação de
exceção, através de Atos Institucionais, garantindo o poder para cumprir os objetivos do
Golpe que eram os de estabelecer a ordem e promover o desenvolvimento. O grande
objetivo do Golpe de Estado foi colocar o Estado brasileiro à serviço de um projeto de
desenvolvimento econômico subordinado ao mercado internacional e aos rumos
desenvolvimentistas promovidos pelos países centrais. No contexto da Guerra Fria, o
fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado na solução dos conflitos sociais,
através de processos ditatoriais, foi um fenômeno latino-americano. As ditaduras militares
ocorreram em praticamente todos os países sul-americanos e todos os países do cone sul.
O AI-1 visava a reforçar o Poder Executivo, dotando-o de poderes excepcionais, e reduzir o campo de ação do Congresso, através de prazos restritos de apreciação dos Projetos de Lei, o que culminava na aprovação dos PLs “por decurso de prazo”. De saída, o AI-1 suspendia as imunidades parlamentares e autorizava o comando do governo central a cassar mandatos – nos âmbitos federal, estadual e municipal – e a suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos. As garantias de vitaliciedade (dos magistrados) e de estabilidade (dos servidores públicos) foram suspensas (GOMES, 2008, p. 134).
O governo militar inicia seu programa de recuperação econômica e de combate à
inflação pela redução da capacidade de consumo da população e, em especial, pela redução
da capacidade de compra dos salários. O salário mínimo perdeu muito de seu valor real e, se
considerado em 1960 igual a 100, equivalia a 69 em 1970, a 62 em 1980 e a 45 em 1984.
Essa redução do valor no salário mínimo foi acompanhada de uma perda geral dos salários
na economia e foi acompanhada por uma forte tendência de concentração de renda.
A repressão aos movimentos sociais e populares tinha como objetivo, também,
eliminar a possibilidade de que as reivindicações por direitos sociais e por políticas sociais
fossem colocadas na agenda da sociedade brasileira, gerando pressões políticas sobre o
governo. A ausência de uma agenda social deixava o governo militar em condições de
implantar seus programas de corte de direitos e de redução dos investimentos sociais.
Nos primeiros anos dos governos militares o processo de repressão às manifestações
populares, a cassação de direitos e a prisão dos líderes dos movimentos sociais e de esquerda
e a intervenção nas entidades e organizações de classe foram consideradas suficientes para
manter o controle sobre a sociedade brasileira.
No entanto, as mobilizações de trabalhadores e a eclosão de movimentos populares
levaram o governo a impor o AI-5 (Ato Institucional nº 5) em 1968, tornando a ditadura
mais violenta e o processo de repressão mais institucionalizado. O sucesso nas políticas
53
econômicas, baseadas no capital externo e na ação governamental, o crescimento econômico
acelerado, caracterizado como o “milagre brasileiro”, a redução do desemprego, a forte
censura à imprensa, a adesão da grande imprensa ao ufanismo dos militares, a conquista da
Copa do Mundo em 1970 e os grandes projetos de integração nacional criaram um ambiente
favorável à desmobilização social e à camuflagem das ações de repressão.
3.3 Políticas sociais no período de governos militares
Os direitos sociais foram profundamente afetados durante a vigência da ditadura
militar no Brasil, especialmente no que diz respeito aos salários, aos direitos de organização
e de manifestação e nas condições de vida da população (LUCA, 2003, p. 484).
A edição da Lei 4725, de 1965, transformou completamente a relação entre patrões e
empregados na discussão salarial. A lei colocou sob estrito controle governamental o
reajuste dos salários e o submeteu à política de combate à inflação e de promoção do
crescimento econômico. A política salarial passou a ser encarada como uma política
monetária e não mais como uma política de bem estar social.
Conforme Luca (2003, p. 484) os dados de saúde mortalidade infantil, educação,
infra-estrutura urbana, habitação e distribuição de renda indicam que, apesar do crescimento
do PIB de mais de 10% ao ano, que foi denominado de milagre brasileiro, houve um
crescimento substancial da desigualdade social e da concentração da riqueza no país.
As principais mudanças promovidas pelos governos militares na questão das
políticas sociais tiveram como ponto de partida a restrição aos direitos políticos e à liberdade
de expressão das pessoas, com a cassação de dirigentes de entidades sindicais, organizações
populares e estudantis que representassem oposição ou risco de reação contra o regime. Ao
mesmo tempo o governo conseguiu aparelhar as organizações sindicais como executoras de
suas políticas, em especial na questão da saúde e da assistência social. Exemplo disso são os
programas de convênios realizados com sindicatos para a contratação de serviços médicos,
odontológicos e de assistência social para trabalhadores. Aprofundou-se a concepção de
assistência vinculada ao trabalho.
Um importante direito, valorizado pelo trabalhador assalariado e garantido na CLT – a estabilidade no emprego após dez anos de serviço – foi praticamente substituído pelo Fundo de Garantida por Tempo de Serviço (FGTS), em 1966. Caracterizado pela adesão voluntária, era quase impossível obter emprego sem ele,
54
além de ser desvantajoso em relação à estabilidade de outrora, pois a correção monetária se dava abaixo da inflação e o não-recolhimento de parcelas devidas ao FGTS era comum (GOMES, 2008, p. 135).
Uma das mais polêmicas ações do governo militar foi eliminar a possibilidade de
aquisição da estabilidade no emprego, que era muito combatida pelo empresariado, que
considerava um entrave para o desenvolvimento das relações trabalhistas nas empresas. A
criação do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço gerava um instrumento de
proteção ao trabalhador externo às empresas, permitindo aos trabalhadores o saque dos
valores recolhidos no caso de demissões imotivadas. Ao mesmo tempo em que se combatia a
estabilidade como nociva para as relações trabalhistas, se fazia ampla propaganda sobre as
vantagens da criação do fundo, que poderia, além de dar uma garantia em caso de
desemprego imotivado, garantir o financiamento do trabalhador para acesso aos programas
habitacionais. Fruto dessa propaganda foi o aprofundamento das políticas relacionadas à
utilização do fundo através do BNH – Banco Nacional de Habitação. Criado no ano de 1964,
através da Lei 4.380, de 27 de agosto, representou a primeira iniciativa de uma política
habitacional nacional, que vinha compensar os trabalhadores urbanos em função das perdas
salariais e pela insegurança gerada pelo processo de quebra da estabilidade no emprego. A
utilização do FGTS teve como uma de suas características a implantação de grandes
conjuntos habitacionais, com financiamento da aquisição de casas por trabalhadores das
mais diversas faixas salariais.
Uma outra consequência da quebra da estabilidade e da possibilidade de demissão
sem as consequências anteriormente previstas pela CLT foi a utilização, pelas empresas, do
expediente das demissões para redução dos gastos salariais quando se aproximavam os
momentos de aumento dos salários. Conforme Luca (2003, p. 486), esse expediente
aumentou ainda mais a perspectiva de lucros das empresas, que já estavam beneficiadas
pelos redutores utilizados pelo governo no repasse das perdas salariais provocadas pela
inflação.
Assim como nas políticas habitacionais, o Estado passou a exercer uma função
assistencial compensatória visando eliminar ou baixar as tensões sociais provocadas pela
repressão e pela redução dos salários.
[...] durante o regime militar, consolidou-se o Estado assistencial, traduzido em medidas compensatórias pontuais do achatamento salarial, da ausência de renda, da repressão exacerbada sobre as manifestações e reivindicações dos trabalhadores. Um Estado secundário e marginal às manifestações da pobreza e da miséria, que alimentou oficialmente a rede de solidariedade reconhecida como a
55
viga mestra da proteção social brasileira, em que o patamar compensatório de atenção provocado por essa aliança seria suficiente para a dispersão das tensões sociais. Por outro lado, a bandeira levantada era a da integração social como solução para a situação de marginalização social – são as teses do nacional – desenvolvimentismo que prevalecem no período. (GOMES, 2008, p. 136).
A ação de governo para equilibrar as finanças do Estado, assentada na repressão,
redução de direitos e achatamento da renda provocavam insatisfações, que eram
compensadas por medidas assistencialistas que visavam apagar a imagem de abandono
social e, ao mesmo tempo, aliviar as tensões sociais a níveis aceitáveis, de tal forma que não
houvesse perigo de uma reação popular, mesmo que espontânea. A desestruturação de todos
os movimentos sociais por parte do governo e esses programas assistencialistas davam ao
governo militar a segurança de que não haveriam muitas reações às suas pretensões na
direção da política econômica.
O nacional-desenvolvimentismo, adotado pelo Estado brasileiro desde os governos
civis anteriores ao Golpe de Estado, e o projeto de um Brasil industrializado iniciado em
1930, foram mantidos como vigas mestras para o processo de desenvolvimento brasileiro.
No entanto, os militares, ao assumirem o governo, adotaram a integração nacional como
meta fundamental, associada ao processo de desenvolvimento econômico.
Das metas de integração nacional podem ser citadas a implantação da rodovia
Transamazônica e a unificação em todo o território nacional das políticas sociais.
A educação foi uma das políticas sociais que mais recebeu atenção dos governos
militares. Isso não significa, no entanto, que tenham buscado o aprofundamento no processo
de qualidade da educação do país. O aprofundamento da reforma educacional que culminou
com a publicação da Lei 5.692, de 1971, e com a Reforma Universitária consolidada através
da Lei 5.540, de 1968, tinha como objetivo central dotar o sistema educacional brasileiro
com capacidade para formação de mão de obra para o desenvolvimento. A educação
profissionalizante já estava presente no ensino médio, na época denominado de segundo
grau, que passou a ser prioritariamente um curso destinado a inserir no mercado de trabalho
os jovens, especialmente das classes populares.
A Reforma Universitária buscou, também o aperfeiçoamento dos cursos na direção
da formação profissional, com sua departamentalização, desestruturação das estruturas que
permitiam a mobilização social de estudantes e professores, matrícula por disciplina e outros
instrumentos de controle sobre a estrutura das universidades. A desmobilização das
universidades era um importante instrumento para controlar as reações populares por
direitos sociais. A experiência dos movimentos estudantis durante o período democrático
56
anterior ao Golpe de Estado demonstrava claramente aos militares a necessidade de um
controle efetivo sobre as universidades para evitar o risco de conflitos sociais.
Na área da assistência social os governos militares adotaram algumas políticas que
podem ser destacadas. Uma delas é a política de assistência à criança e ao adolescente. Que
levou à criação da FUNABEM – Fundação Nacional de Bem Estar do Menor, e da FEBEM
– Fundação Estadual de Bem Estar do Menor, que foram implantadas nas Unidades da
Federação, de forma articulada à FUNABEM.
Como na maioria de suas políticas, o governo central estruturou o setor de tal forma
que o controle e a responsabilidade ficavam centralizadas no governo federal, sendo que os
governos estaduais tinham um papel secundário, de aplicação das determinações vindas do
governo federal. Conforme Gomes:
A Declaração dos Direitos da Criança, aprovada em Assembléia Geral da ONU em 1959, impulsionou a alternativa brasileira de FUNABEM e FEBEM por entender que, com isso, responderia ao disposto quanto à responsabilidade do Estado pelo bem-estar da criança, reconhecida pela ONU como portadora de direito à vida digna. O governo central criou a FUNABEM pela Lei no 4513, de 01 de dezembro de 1964, e extinguiu o SAM, vinculando-a ao Ministério da Justiça com a competência de definir uma Política Nacional do Bem-Estar do Menor – a PNBEM. Dessa forma, o Estado central dava mostras de que passou a deter toda a responsabilidade com relação à infância e à adolescência abandonada e/ou infratora (GOMES, 2008, p 137).
A partir da criação da FUNABEM o governo buscou envolver a sociedade, em
especial a classe média, na constituição de comissões locais e na formação do Conselho
Nacional, que fazia parte da gestão do novo órgão.
O desenvolvimento de ações assistenciais por parte de entidades filantrópicas foi
incentivado pelo Estado para garantir que os serviços sociais chegassem até os seus
beneficiários e, ao mesmo tempo, que essas entidades se mantivessem articuladas aos
programas governamentais para sua sustentação. O primeiro aspecto, relacionado com os
serviços públicos, apontava para a necessidade de que a população fosse atendida
minimamente em suas necessidades e demandas para diminuir as tensões e conflitos,
despolitizando as relações entre as entidades e seus associados. Do outro lado, a garantia de
isenções e benefícios fiscais para o cumprimento de programas governamentais deixava as
entidades atreladas ao Estado, tornando-as submissas em função da sua dependência
governamental enquanto processo de sustentação financeira. Os autores Sposati e Mestriner
(2001 apud GOMES, 2008, p. 140) afirmam:
57
Por sua vez, o marco regulatório das relações do Estado com as entidades sociais teve produção intensificada nesse período inicial da ditadura militar. Logo em 1964, foram estabelecidas condicionalidades para a isenção do imposto de renda – a não-remuneração da diretoria e a aplicação de recursos afinados com os objetivos institucionais -, ao mesmo tempo em que regulamentou a dedução do imposto de renda de pessoa jurídica sobre doações efetuadas a entidades filantrópicas (lei no 4506). A lei federal no 4917 aprimorou a isenção fiscal dos impostos de importação e de consumo, de emolumentos consulares e outras taxas e impostos relacionados à doação de alimentos e utilidades adquiridos no exterior. Em 1966, as entidades sociais foram dispensadas da contribuição de 1% ao BNH – Banco Nacional da Habitação (lei no 5127) e a Constituição Federal de 1967 previa a isenção de impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços de instituições de educação e assistência social, observados os requisitos fixados em lei (art 20, III, alínea c), benefício esse ampliado por outro dispositivo constitucional de 1969, que estendeu as isenções de impostos estaduais e municipais, mediante lei complementar (art 19, III, §2). Foi dispensado o recolhimento do FGTS dos funcionários das entidades filantrópicas (decreto-lei no 194/67), bem como a arrecadação da taxa rodoviária única dos veículos das instituições de caridade (decreto-lei no 999/69).
Para além da atuação através das entidades representativas dos trabalhadores e das
entidades beneficentes, o governo atuava através da LBA.
A LBA – Legião Brasileira de Assistência se constituía, junto com a FUNABEM, no
principal organismo governamental para a assistência social. Durante os governos militares
sofreu várias alterações em suas ações e no seu processo de sustentação.
Quando o governo federal unificou os Institutos de Aposentadorias e Pensões no
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) ocorreu um corte na sustentação da LBA
que recebia sua principal contribuição dos IAP desde 1946, tendo em vista que a receita da
LBA passou a ser repassada diretamente pelo Tesouro Nacional.
A unificação dos institutos de previdência e a criação do INPS transformou
profundamente o setor de previdência, tornando-o nacional e com controle centralizado. Foi
um passo importante para que o governo federal assumisse o controle de um setor de
importância vital na constituição do sistema de seguridade social.
Conforme Luca (2003, p. 485) “é inegável que a centralização dos serviços de saúde
atendia à lógica da racionalização administrativa, além de representar um considerável
avanço em termos de cidadania” em função da uniformização dos serviços para todas as
categorias de trabalhadores, independentemente de sua capacidade de reivindicação. No
entanto, na medida em que ocorreu a unificação, tanto os patrões quanto os trabalhadores
perderam a condição de participação na gestão dos seus institutos, passando essa nova
instituição ser administrada exclusivamente pelo estado. A forma como a política de saúde
foi implantada, ao invés de ampliação da rede pública de assistência à saúde, com a
contratação de hospitais privados levou à consolidação do acesso apenas às categorias mais
58
organizadas e fortes. Além disso, houve, por parte do estado, a desresponsabilização das
empresas para a implantação de serviços de atendimento à saúde de seus trabalhadores, por
ter assumido de forma completa a responsabilidade de coordenação do processo.
Outra mudança importante na origem dos recursos para a assistência se deu em 1967
quando o presidente Artur da Costa e Silva cria a Loteria Esportiva Federal com destinação
de 40% de sua arrecadação para a LBA, tornando-se a única fonte de arrecadação estável da
instituição. Conforme Gomes (2008, p. 143) a transformação da LBA em fundação, no ano
de 1969, dando maior autonomia no funcionamento, embora ainda permanecesse vinculada
ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social, foi considerado um passo muito
importante para a construção de uma política mais autônoma de assistência.
Em síntese, pode-se dizer, nesse início do período militar, que a gestão federal da assistência social pública encontrava-se bipartida entre a FUNABEM e a FLBA, essa última assumindo iniciativas em prol criança abandonada e/ou fragilizada por contingências familiares e sociais que, em tese, seriam da alçada da FUNABEM. Dessa forma, estabeleciam-se vias paralelas e superpostas de condução das iniciativas governamentais, somado ao fato de robustecerem a execução direta da FLBA com iniciativas típicas do campo da saúde, até porque o predomínio privatista da saúde na época expurgava a atenção ao cidadão empobrecido. Ao lado da capilarização profusa de serviços próprios das duas fundações federais, o governo militar investiu acentuadamente no incentivo fiscal à iniciativa civil das entidades sociais, o que sugere um movimento duplo de ampliação da oferta de serviços sociais diretos e indiretos, distante, porém, da possibilidade de configurá-los como um conjunto uniforme e integrante de uma política social articulada e equilibrada, sobre competências partilhadas entre os entes federados (GOMES, 2008, p. 144).
O sistema de saúde assentado numa perspectiva privatista, tendo nas entidades
sindicais e de classe a única forma de assistência mais barata e acessível para as categorias
de trabalhadores, tornando a presença do Estado mais próxima da população, mas de forma
desarticulada.
Pela Lei no 6036, de 01/05/1974, o governo federal estabelece uma reforma
administrativa, dividindo o Ministério do Trabalho e da Previdência Social em dois novos
ministérios, sendo os Ministério do Trabalho e o Ministério da Previdência e Assistência
Social – MPAS. A FLBA foi transferida para a gestão do MPAS e passou a integrar-se como
órgão do governo na Assistência Social, deixando de ser apenas um órgão complementar das
ações governamentais. Nessa transição foram incorporados à FLBA o FUNRURAL, o
atendimento ao idoso e ao excepcional. Conforme Gomes (2008, p. 163) é nesse momento
que se inicia a constituição de um sistema nacional para a assistência social.
59
3.4 A luta contra a ditadura como eixo mobilizador
A ditadura militar conseguiu seu intento de manter completamente sob controle todos
os conflitos sociais até a metade da década de 1970. Depois da implantação do AI-5, no ano
de 1968, quando todos os instrumentos repressivos foram aprofundados e colocados à
disposição das forças armadas e das polícias, os governos mantiveram rígido controle sobre
todos os movimentos e conflitos sociais de tal forma que, em 1970, puderam comemorar
indicadores expressivos como do crescimento da economia, da conquista da copa do mundo
e um ano inteiro sem greves ou protestos sociais.
Sader, em seu estudo sobre os movimentos sociais identificados na Grande São Paulo
entre os anos 1970 e 1980, nos aponta uma profunda mudança no processo de combate à
ditadura militar. Já não eram mais movimentos armados que buscavam a guerrilha urbana ou
rural, nem eram movimentos tributários de algum movimento revolucionário, mas eram
movimentos que aconteciam de forma intensa nos espaços das relações familiares e de
bairros, de debate do cotidiano e não das questões nacionais imediatas, constituindo um
sujeito novo nas relações sociais brasileiras. Por que sujeito novo? Antes de mais nada, porque criado pelos próprios movimentos sociais populares do período: sua prática os põe como sujeitos sem que teorias prévias os houvessem constituído ou designado. Em segundo lugar, porque se trata de um sujeito coletivo e descentralizado, portanto, despojado das duas marcas que caracterizaram o advento da concepção burguesa de subjetividade: a individualidade solipsista ou monádica como centro de onde partem as ações livres e responsáveis e o sujeito como consciência individual soberana de onde irradiam idéias e representações, postas como objeto domináveis pelo intelecto. O novo sujeito é social; são os movimentos sociais populares em cujo interior indivíduos, até então dispersos e privatizados, passam a definir-se, a reconhecer-se mutuamente, a decidir e agir em conjunto e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas. Em terceiro lugar, porque é um sujeito que, embora coletivo, não se apresenta como portador da universalidade definida a partir de uma organização determinada que operaria como centro, vetor ou tê-los das ações sociopolíticas e para a qual não haveria propriamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da máquina organizadora. (SADER, 1988, p. 10).
A nova característica dos movimentos sociais populares, enquanto sujeito coletivo,
que atua de forma autônoma, mas sem líderes identificados como essenciais para a
mobilização, sem uma teoria que os definisse de forma clara, tornaram o seu controle
praticamente impossível pelos militares e pela polícia. Conforme o autor, esses movimentos
passaram a se constituir a partir de programas de alfabetização de adultos, como o foi o
MOBRAL, implantado pelos governos militares para combater o analfabetismo, a partir de
60
sua religiosidade e pela organização de grupos para catequese e que mais tarde passaram a
ser constituir enquanto comunidades de base, a partir da necessidade de busca de soluções
para os problemas cotidianos vividos nos bairros, a partir de uma inspiração vinda de
pessoas que haviam participado de movimentos armados ou de movimentos políticos
anteriores e que haviam sobrevivido à repressão.
O estudo de Eder Sader abrange a Grande São Paulo, mas o movimento pode ser
encontrado em praticamente todo o Brasil, nas cidades e no campo e, sempre, buscando
alternativas capazes de romper com as imensas dificuldades enfrentadas pela falta de
assistência, pela falta de cobertura de programas de saúde, pela ausência do Estado para a
garantia de direitos sociais, pela luta intensa em busca da cidadania, e que tinha como mote
central o combate à ditadura militar.
Podem ser identificados como articuladores dessa construção coletiva algumas
instituições como a Igreja, o sindicato, as esquerdas, mas não em sua função clássica de
liderança, mas como instituições em crise, que vivenciavam essa crise muito mais pelo seu
descolamento do seu público e em busca de novas condições de reatar relações com esse seu
público, em novas condições e novos parâmetros (SADER, 1988, p. 11).
O processo que nasce nesses novos movimentos sociais populares constitui um
sujeito coletivo, sem indivíduos a representá-los e sem um lugar para serem combatidos,
Estavam em todos os espaços e de forma difusa. Foi a partir dessa nova característica dos
movimentos sociais que o processo de combate à ditadura militar toma corpo.
O Brasil passou a viver um período de intensas mobilizações de trabalhadores, como
as grandes greves ocorridas no ABC paulista e na Grande São Paulo, especialmente entre os
metalúrgicos, e que se espalhou pelo país inteiro.
O governo do General Ernesto Geisel recebeu como herança de seus antecessores um
país cujo modelo de desenvolvimento se esgotara completamente. As crises do petróleo
ocorridas em 1973 e nos anos finais da década de 1970 obrigaram a uma forte adaptação das
economias do mundo inteiro a uma nova realidade frente a questão energética.
A maioria dos países desenvolvidos optaram por cortes profundos nos gastos
públicos, medidas visando reduzir drasticamente o consumo de petróleo e liberação das
taxas de câmbio visando a redução dos déficits em suas balanças comerciais. As
consequências imediatas foram uma ampliação significativa do desemprego, do corte de
benefícios sociais e um aprofundamento do processo de recessão.
O Governo Brasileiro, ao contrário, optou por uma estratégia denominada
61
desaceleração progressiva sob as alegações de que uma política de tratamento de choque geraria desemprego em massa e poderia provocar grande desorganização do setor produtivo, de consequências imprevisíveis, e de que a crise havia aberto importantes oportunidades para substituir importações as quais deveriam ser imediatamente aproveitadas. Assim adotou-se uma estratégia que se caracterizou (a) pela manutenção das taxas relativamente elevadas, ainda que declinantes, dos investimentos públicos globais, (b) pela manutenção de elevado ritmo de importações de petróleo, (c) pela intensificação do processo de substituição de importações na área de insumos básicos e bens de capital, via importação de equipamento e "know-how" estrangeiros, e (d) pelo estímulo às exportações de produtos manufaturados. Além disso o governo iniciou também vultosos projetos para a produção de álcool destinado a substituir gasolina automotiva. Conforme se sabe esta estratégia sucedeu em manter um elevado nível interno da atividade econômica e do emprego mesmo durante os períodos no decorrer dos quais os países desenvolvidos se defrontaram com uma profunda recessão. Em contrapartida acarretou substancial aumento da nossa Dívida Externa. (MARTINS, 1977, p. 02).
Conforme Fausto (1996, p. 496), embalado pelo resultado do I PND (Primeiro Plano
Nacional de Desenvolvimento, que se concentrou na industrialização para produção de bens
de consumo duráveis, e que havia levado a economia brasileira ao crescimento médio de
10% (dez por cento) no seu PIB – Produto Interno Bruto entre os anos 1969 e 1972, ao
enfrentar a crise do Petróleo o governo brasileiro apostou na capacidade de manter o
crescimento, a partir de ações encadeadas a partir do II PND (Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento) que concentrava os esforços no incentivo às grandes empresas privadas
de produção de bens de capital. Ao mesmo tempo, exigia das grandes empresas estatais um
esforço muito grande, pois se situavam o centro dinamizador desse processo de
industrialização. Conforme o autor, os gigantescos investimentos da Eletrobrás, da
Petrobrás, da Embratel e de outras empresas estatais foram exemplo desse esforço. O BNDE
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) utilizou todo o seu sistema de crédito e
de incentivos tanto para as empresas privadas quanto para as empresas estatais.
A crise do petróleo de 1973 teve como consequência mais imediata a desestruturação
do denominado milagre brasileiro, assentado em altos índices de crescimento econômico,
pela substituição das importações na área dos bens duráveis e no alto investimento do
Estado na formação de infraestrutura para o capital, através do endividamento externo.
A crise do petróleo levou o Brasil a buscar uma forma de adaptação que lhe
permitisse garantir uma maior industrialização e o direcionamento das importações para
determinados campos, como foi o caso da estruturação das indústrias de bens de capital. A
importação de petróleo e de equipamentos, conhecimentos e tecnologias para a produção de
bens de capital e de insumos de base estabeleceram os critérios para a limitação das
importações. Com o aumento dos gastos com petróleo as divisas do Brasil se tornaram
62
insuficientes para bancar toda a pauta de importações.
Outro aspecto que se tornou significativo foi a elevação do custo dos produtos
exportáveis, pois dependiam do petróleo em suas cadeias produtivas, especialmente em
relação ao transporte. No entanto, não foi somente esta a consequência: a redução das taxas
de crescimento da renda nacional, atingida de forma imediata em função do aumento do
gasto com o petróleo, e a redução dos rendimentos dos bens de capital investidos nas
economias em função do aumento dos custos na economia.
Uma das formas de combater a crise do petróleo utilizada no Brasil foi a adoção da
produção de álcool combustível para substituir a utilização da gasolina. O Pró-Álcool foi um
programa muito incentivado pelos governos, e a produção de carros movidos a álcool
recebia incentivos especiais. O novo combustível recebia subsídios a partir do próprio preço
da gasolina, visando torná-lo atrativo enquanto custo para o consumidor.
Na área da geração de divisas para a importação, o Brasil passou a fortalecer as
estratégias de exportação de bens industrializados, mas sua maior fonte de recursos
continuava ainda a ser na agroexportação.
Os programas de apoio para a agricultura tinham como base o incentivo para as
culturas exportáveis, tendo a soja como o produto que mais tomava impulso pelo seu amplo
mercado internacional e que se tornava cada vez mais promissor. Ao mesmo tempo,
continuava a política de apoio à exportação de café e outros produtos exportáveis de menor
expressão.
A intensa urbanização que se verificava no Brasil, com a formação de fluxos
migratórios das mais diversas dimensões, especialmente do campo para a cidade, começava
a colocar para o Brasil uma nova gama de problemas sociais. O esvaziamento do campo
ocorrido nas regiões de pequenos agricultores do sul do país, a redução do número de
empregos rurais pela paulatina incorporação de tecnologias modernas na produção agrícola,
a intensa migração nordestina para o centro do país em busca de uma nova vida e novas
oportunidades faziam com que os indicadores sociais brasileiros sofressem profundas
alterações de forma permanente.
O conjunto de transformações que atingiam o Brasil elevavam muito o grau das
tensões sociais e das demandas por políticas de assistência à população. As taxas de
desemprego, a miséria, a concentração de riqueza e renda e todo o conjunto de demandas
sociais por cidadania e democracia criaram um ambiente insuportável para os governos
militares, que passaram a ver como saídas únicas a abertura democrática. Para que não
63
ocorresse uma erupção social que provocasse a derrubada do governo, os militares passaram
a acenar com uma abertura democrática progressiva, sob a alegação de que a democratização
deveria ocorrer dentro da normalidade, sem conflitos sociais e sem confrontos.
O movimento operário veio à tona, no governo Geisel, com novo ímpeto e novas feições. A reconstrução do sindicalismo populista era inviável porque o regime não se assentava, nem pretendia se assentar, no movimento operário organizado. Desse modo, o movimento sindical ressurgiu adotando formas independentes do Estado, a partir muitas vezes da vivência no interior das empresas onde os trabalhadores organizaram e ampliaram as comissões de fábrica. O eixo combativo se deslocou das empresas públicas para a indústria automobilística, que tinha sido um setor pouco atuante até 1964. A grande concentração de trabalhadores em um pequeno número de empresas e a concentração geográfica no ABC paulista foram fatores materiais importantes para a organização do novo movimento operário. (FAUSTO, 1996, p. 499).
Durante o mês de agosto de 1977 o governo federal admitiu que havia manipulado os
índices de inflação dos anos 1973 e 1974, provocando perdas salariais na ordem de 31,4% e
esse fato desencadeou um movimento que cobrava do governo federal a recomposição dos
salários. O foco do movimento se deu justamente entre os metalúrgicos do ABC. Foi uma
mobilização que provocou um despertar dos trabalhadores em busca de seus direitos e, além
de 1977, o movimento se repetiu nos dois anos seguintes, ainda com mais força e
organização.
Além das greves dos metalúrgicos, diversas categorias também se mobilizaram com
uma pauta de reivindicações muito ampla: aumento de salários, garantia de emprego,
reconhecimento das comissões de fábrica e liberdades democráticas.
Na sua trajetória em busca de uma organização nacional esse novo sindicalismo
constituiu a CUT – Central Única dos Trabalhadores, no ano de 1983.
Em relação aos movimentos sociais Fausto (1996, p. 498) aponta que a ditadura
militar reprimiu as direções dos sindicatos ao assumir o poder, mas não desmantelou os
sindicatos. Buscou, através de suas políticas, mantê-los sob estrito controle para que não
provocassem mais conflitos sociais. Para isso, foram aparelhados para a implantação de
políticas sociais, como é o caso das políticas de providência. Pode-se observar, como
exemplo, o número de sindicatos rurais em todo o país que experimentaram um crescimento
muito grande de trabalhadores sindicalizados durante o período dos governos militares: em
1968 eram 625 sindicatos e em 1980 chegaram a 2.144 sindicatos; o número de
trabalhadores associados passou de 2,9 milhões em 1973 para mais de 5,1 milhões em 1979.
Esse crescimento, no entanto, não estava vinculado à capacidade de organização e
64
mobilização política das entidades, mas aos seus serviços relativos aos programas da
previdência social, através de convênios com o governo federal.
Por mais que a situação estivesse sob controle do governo, começaram a ocorrer
movimentos contestatórios entre os sindicatos rurais, acompanhando o movimento geral de
fortalecimento do movimento operário no meio urbano. No mesmo período das grandes
greves urbanas do final da década de 1970 correram as primeiras oposições sindicais
vitoriosas no Sul do País, em três cidades que serviam de referência para o sindicalismo
rural: Francisco Beltrão (PR), Chapecó (SC) e Erechim (RS).
No final da década de 1970 surgem, também, diversos movimentos de trabalhadores
rurais sem terra que passaram a atuar na ocupação de fazendas e na luta pela reforma agrária
em diversas regiões do país, especialmente nos três estados do Sul.
Esses diversos movimentos de trabalhadores rurais sem terra decidiram por um
processo de unificação em 1985, com a criação do MST – Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.
Com a crise da dívida externa, que afetou praticamente todos os países latino-
americanos, ao final da década de 1970 e início da década de 1980, a economia brasileira
entrou em sérias dificuldades para manter sua capacidade de pagamento dos compromissos
internacionais e, ao mesmo tempo, não conseguia garantir o refinanciamento da dívida para
estender o prazo ou para aliviar a pressão sobre as contas do Brasil. Fausto (1996, p. 500)
aponta que as grandes mobilizações sociais, o aumento do desemprego, o aumento da
inflação, a redução da moeda corrente no mercado, a desaceleração da economia e o corte
profundo nos investimentos públicos tornaram o início da década de 1980 uma das mais
complexas para a ditadura militar. O PIB negativo durante três anos seguidos tornava cada
vez mais impopular o governo Figueiredo, que tentava manter as rédeas do processo de
abertura democrática em plena crise econômica.
65
4 A DÉCADA DE 1980 E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição Brasileira de 1988 foi um marco essencial para a formatação da
seguridade social brasileira. É o momento inicial da estruturação de uma seguridade social
envolvendo a previdência, a saúde e a assistência social. Adailza Sposati (2009) afirma que,
além da nova estrutura, o texto constitucional estabelece mudanças de concepção profundas
em relação ao que o Brasil até o momento havia vivenciado.
A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, ao afiançar os direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual. Nesse caminho, inaugurou uma mudança para a sociedade brasileira ao introduzir a seguridade como um guarda-chuva que abriga três políticas de proteção social: a saúde, a previdência e a assistência social. As constituições anteriores já reconheciam o papel da previdência social em assegurar a maior parte das atenções da legislação social do trabalho. (SPOSATI, 2009, p. 13)
Ao conceber a seguridade social como um grande guarda-chuva envolvendo a
proteção social, unificada enquanto processo integrador da ação do Estado e da sociedade,
mantém uma divisão entre previdência, saúde e assistência social, que permanece
desagregada na estrutura administrativa do país pela existência de três ministérios que atuam
de forma independente e desarticulada.
Mesmo assim, o avanço é significativo. Essa decisão apresenta uma novidade que é
apontada por Sposati (2009) de forma muito clara.
A inclusão da assistência social na seguridade social foi uma decisão plenamente inovadora. Primeiro, por tratar esse campo como de conteúdo da política pública, de responsabilidade estatal, e não como uma nova ação, com atividades e atendimentos eventuais. Segundo, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade, pelo qual a ação da família e da sociedade antecedia a do Estado. O apoio a entidades sociais foi sempre o biombo relacional adotado pelo Estado para não quebrar a mediação da religiosidade posta pelo pacto Igreja-Estado. Terceiro, por introduzir um novo campo em que se efetivam os direitos sociais. A inclusão da assistência social significou, portanto, ampliação no campo dos direitos humanos e sociais e, como consequência, introduziu a exigência de a assistência social, como política, ser capaz de formular com objetividade o conteúdo dos direitos do cidadão em seu raio de ação, tarefa, aliás, que ainda permanece em construção (SPOSATI, 2009, p. 14).
As mudanças implementadas na Constituição de 1988 superam, também, concepção
que historicamente reduziam esse campo de direitos a uma faixa da população considerada
como pessoas incapazes de uma ação cidadã, excluídas da sociedade de consumo pela sua
66
baixa renda e pela sua incapacidade de contribuir de forma positiva para o desenvolvimento
do país. Ao ser inserida no âmbito da seguridade social, a Constituição abre caminho para
que o público da assistência social passasse a assumir sua cidadania de forma plena, sem
passar pelos constrangimentos sociais da segregação da baixa renda e da miséria.
Conforme Sposati (2009, p. 15),
Sob a concepção hegemonizada, principalmente pela visão conservadora, liberal e neossocial-liberal, a assistência social é transversal, porque está dedicada a possibilitar acessos materiais que não estão disponíveis no mercado aos convencidamente pobres, com explícita demonstração de sua precariedade. Confrontar essa maneira de ver, significa adotar a concepção de que a assistência social é uma política que atende determinadas necessidades de proteção social e é, portanto, o campo em que se efetivam as seguranças sociais como direitos. Trata-se de uma forte guinada de concepção, pois, como segurança social, está sendo tratada como bem público e social do estatuto de uma sociedade para alcançar todos os seus membros. Portanto, trata-se de um pacto que inclui a universalidade da proteção social na seguridade social. E até a promulgação da CF/88 não se dispunha de uma concepção nacional sobre assistência social, embora já existisse há mais de dez anos uma Secretaria Nacional de Assistência Social instalada no Ministério da Previdência e Assistência Social.
A superação da subsidiariedade da ação do Estado na Assistência Social e sua
inclusão como política pública aparecem realmente como resultado de um amplo processo
de debate na sociedade brasileira. Não foi apenas um ato de inspiração dos constituintes que
resultou nessa nova configuração da seguridade social e, em espacial, da Assistência Social.
A constituição de 1988 foi denominada de “cidadã” por ter se caracterizado pela
participação da sociedade civil na sua elaboração através de movimentos específicos ou
através dos movimentos sociais já constituídos e que pressionaram para incluir suas
demandas e projetos de sociedade na nova lei maior do país.
A participação social no processo de elaboração da carta constitucional adquiriu
importância decisiva na formulação da nova lei maior por ter feito chegar aos constituintes
as necessidades, demandas e compreensões dos mais diversos setores da sociedade civil em
áreas específicas, especialmente as relacionadas aos direitos sociais. A participação se deu
através de movimentos sociais tradicionais que passaram a dedicar parte de suas energias na
reflexão, formalização de propostas e acompanhamento do processo de elaboração no
Congresso Constituinte. Também houve muitos setores sociais que organizaram movimentos
sociais específicos para o processo constituinte, dedicando todas as suas energias e recursos
na mobilização, discussão e formulação de propostas para a nova Constituição, bem como
no acompanhamento da sua discussão e elaboração no Congresso Nacional.
Além da influência direta na elaboração da Constituição, a participação na defesa de
67
direitos gerou uma forte mobilização social que se caracterizou como um processo educativo
em relação à cidadania e à democracia. Na medida em que esses novos atores sociais
passaram a se organizar para a defesa de interesses, começaram a aparecer na cena política
nacional.
Maria da Glória Gohn (2011) compreende que a participação nas lutas se caracteriza
como um processo educacional, gerando aprendizados tanto em que participa dos
movimentos quanto para os que dialogam com eles na construção das propostas.
Um dos exemplos de outros espaços educativos é a participação social em movimentos e ações coletivas, o que gera aprendizagens e saberes. Há um caráter educativo nas práticas que se desenrolam no ato de participar, tanto para os membros da sociedade civil, como para a sociedade mais geral, e também para os órgãos públicos envolvidos – quando há negociações, diálogos ou confrontos (GOHN, 2011, p. 1).
A postura participativa enfatizada enquanto processo educativo deixa clara a
crescente capacidade de atuação cidadã, enquanto atitude individual dos participantes, e a
ação democrática enquanto organizações e nas práticas coletivas. Além disso, a autora
salienta que cada movimento social está situado historicamente e promove uma rede de
relações que possibilita a disseminação de suas atitudes e idéias, não apenas nas suas
especificidades enquanto atuação, mas avançando em compreensões que abrangem a sua
situação econômica, política e sociocultural.
É importante ressaltar que a maioria desses movimentos sociais não surgiu
simplesmente no momento em que o país se debruçou na elaboração da nova Constituição. A
grande maioria deles fez parte da intensa luta pela democratização do país, tendo chegado ao
período de trabalhos constituintes com um acúmulo de muitos anos de debate e de
mobilização social.
Outro aspecto importante a destacar é o de que nem todos os movimentos sociais que
participaram ativamente no processo constituinte buscavam a transformação da realidade
social, econômica, política e cultural do Brasil. Houve diversos movimentos que se
organizaram para impedir as mudanças, assumindo um caráter conservador das estruturas
existentes no país.
Como salienta Gohn (2011), nas suas ações sociais coletivas os movimentos
expressavam suas demandas fazendo crescer a consciência social das pessoas que
participavam e, ao mesmo tempo, colocando na agenda da sociedade civil e do Estado
carências de direitos que se originavam pela inserção desigual da população nos processos
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econômico, político, social e cultural. Essa participação enfatizava dois aspectos
fundamentais: de um lado a participação das pessoas, como atitude individual assumida a
partir do sentimento de pertencimento junto ao grupo social ou frente à demanda em causa e,
do outro, a ação coletiva, que se manifestava a partir da organização e das mobilizações
promovidas. A ação individual pode ser caracterizada como ação de cidadania, em que as
pessoas se posicionavam como sujeitas de direitos, e a ação coletiva como ação democrática,
pela busca de construção do espaço social reconhecido pelo conjunto da sociedade civil e
pelo Estado.
Para compreender a denominação do processo constituinte como construtor de uma
Constituição cidadã é fundamental que se explicite a compreensão de cidadania como
elemento chave do momento político vivido no Brasil em sua trajetória de democratização.
A cidadania, conforme Marshal (1967, p. 63) possui três dimensões básicas: a)
Direitos civis, necessários para o exercício da liberdade individual, como a liberdade de ir e
vir, de imprensa, de pensamento, de fé, de propriedade e de justiça; b) Direitos Políticos,
compreendidos como direito de participação no poder político, como autoridade ou como
eleitor, acesso às instituições políticas, direitos eleitorais, como o voto secreto, e de criação e
participação em partidos políticos; c) Direitos Sociais, desde o direito a um mínimo bem
estar econômico e segurança até o direito de participar da herança social, o que implica em
uma vida de acordo com os padrões sociais, a educação e os serviços sociais.
Enquanto muitos movimentos estavam focalizados na garantia de direitos civis,
especialmente na eliminação de todas as restrições à liberdade individual e à organização
social, outros movimentos tinham como objetivo mais concreto a superação de todas as
formas de limitação dos direitos políticos, algumas impostas pela ditadura e outras pelos
limites do conceito de democracia no Brasil, como foi o caso do voto para os analfabetos.
No entanto, a maior incidência de movimentos sociais foi na defesa de direitos sociais. Em
Sader (1988) e Poli (1999) podem ser identificadas as diversas formas de organização
articuladas a partir do cotidiano das pessoas e setores sociais que, pela sua vivência, foram
elaborando propostas e colocando a público suas demandas, embora nem sempre tivessem
um fim explícito de participação na elaboração da Constituição. Quirino & Montes (1986, p
59) complementam o conceito afirmando que a cidadania não envolve apenas direitos, mas
também os deveres que as pessoas assumem na medida dos seus direitos.
É importante salientar que a cidadania pode ser ativa ou passiva, isto é, construída a
partir da ação da sociedade ou concedida pelo Estado. Nos países europeus, cuja formação é
69
mais antiga, normalmente o processo de construção da cidadania foi se fortalecendo
historicamente a partir das lutas sociais que envolveram as grandes transformações,
especialmente na transição para o mundo moderno e contemporâneo. Nos países mais
recentes, e que Souza (2003, p 31) denomina de periféricos, a cidadania normalmente já foi
assumida a partir de conceitos construídos em outros países, especialmente os centrais,
como a Inglaterra e a França.
Souza (2003, p. 91) analisa a questão da abolição da escravatura no Brasil que
deixou os libertos sem alternativas de acesso à terra em função da Lei de Terras de 1850 e
nem de acesso ao trabalho em função do incentivo à imigração de trabalhadores europeus.
Criou-se no Brasil uma “ralé estrutural” que não conseguia oportunidades de acesso às
políticas e nem à renda. Sem considerar essas condições de marginalização provocada pelo
próprio sistema implantado no país, essas pessoas são tratadas como fracassadas por não
terem condições sociais se sobrevivência e de renda. Durante toda a história brasileira não
foram adotadas políticas e nem ações da sociedade civil que tivessem como objetivo corrigir
as causas da marginalização social e econômica dessas populações. Na medida em que, na
atualidade, a partir da pressão dos movimentos sociais, foram estabelecidas políticas para
correção das injustiças cometidas no passado, há uma reação social de alguns setores da
sociedade considerando essas políticas afirmativas como injustas e geradoras de
diferenciações sociais, impedindo a livre concorrência ou a igualdade de condições de
acesso aos benefícios sociais.
Da mesma forma como os negros e seus descendentes, as populações indígenas
sempre foram consideradas como incapazes do exercício da cidadania, sofrendo um
processo de segregação que os confinou em reservas insuficientes para sua sobrevivência. A
luta pela conquista de seus direitos sempre enfrentou a resistência de muitos setores da
sociedade, em especial das elites agrárias, por serem considerados vagabundos e incapazes
de trabalhar. As políticas de valorização das populações indígenas, da mesma forma como as
políticas afirmativas em relação à população negra, são consideradas injustas por parte dos
ideólogos liberais e neoliberais, por subverterem a máxima da igualdade de oportunidades
na sociedade.
Conforme Souza (2009, p. 17) o sistema capitalista tem na desigualdade um fator de
dinamização. A propaganda da mobilidade social como conquista pela capacidade de
aproveitamento das oportunidades leva a uma concepção de que todos os que não
conseguem uma situação social digna são incompetentes ou fracassados. Tanto os
70
capitalistas quanto os trabalhadores internalizaram essa concepção que ela se naturalizou no
conjunto da sociedade, de tal forma que, mesmo sabendo que não existem oportunidades
para todos e nem emprego para todos os que o demandam, há uma permanente pressão para
que o Estado promova condições de qualificação e requalificação profissionais, como fator
de acesso a melhores condições de vida e de acesso ao trabalho.
Na questão dos direitos que compõe a cidadania percebe-se que a sociedade
brasileira sempre manteve como centrais os direitos relativos à liberdade de iniciativa
econômica, sendo que os demais direitos normalmente foram relativizados de acordo com a
situação econômica e política do país. Durante o período ditatorial, iniciado em 1964 e
encerrado em 1985, as liberdades de ir e vir, de imprensa e de manifestação, foram
cerceados e, raramente, foram ouvidas vozes dissonantes nas classes mais abastadas.
Somente entre os trabalhadores e classes subalternas houve reação. Da mesma forma
ocorreu em relação aos direitos sociais, que somente foram concedidos na medida da
pressão social provocada pelas lutas dos setores organizados dos trabalhadores.
A partir da adoção das teorias econômicas neoliberais esses direitos, como a
estabilidade do emprego, passaram a serem combatidos como privilégios e como causas da
falta de competitividade das empresas brasileiras frente o mercado internacional. No
entanto, a adoção dessas políticas ocorreu após a promulgação da Constituição, tendo como
marco inicial mais concreto o governo Collor de Mello, e que ultrapassa o período dedicado
a esse estudo.
4.1 Contexto político e emergência das demandas sociais
O Golpe de Estado de 1964 interrompeu a experiência democrática que vinha se
desenvolvendo no Brasil a partir da década de 1940. Por mais conturbada que fosse a
relação política em vigor depois de 1945, era a primeira experiência de democracia mais
ampla vivenciada pelo país, muito embora ainda houvesse vários limites à ação cidadã e
democrática, como era o caso do Partido Comunista que, durante a maior parte do período
considerado, estava na clandestinidade.
O regime ditatorial implantado no Brasil seguiu uma tendência do conjunto dos
países da América Latina provocada pela Guerra Fria entre os dois grandes blocos
(capitalista e socialista). A pressão norte-americana para o combate ao comunismo, aliada ao
conservadorismo interno do país, levou os países latino-americanos a uma feroz repressão
71
aos movimentos sociais e populares, denominados genericamente de subversivos e
comunistas. Conforme Fausto (1996, p. 457 e ss), o processo de preparação do golpe militar
estava amadurecendo durante os primeiros anos da década de 1960 em função das diversas
crises enfrentadas pelo governo nos aspectos econômicos e sociais. A presença cada vez
mais forte das Ligas Camponeses, a rápida disseminação de sindicatos rurais, as invasões de
terras para pressionar a execução da Reforma Agrária, as greves de trabalhadores em busca
da recomposição dos salários corroídos pela inflação, as diversas lutas que foram
promovidas no espaço urbano em busca de direitos sociais criaram os argumentos para que o
comando militar brasileiro se convencesse da necessidade de uma mudança radical na
estrutura política brasileira. Na área da assistência social, por exemplo, não havia uma
preocupação de universalização de amparo às populações pobres e que necessitava de
amparo social. O atendimento era praticado somente a partir de interesses governamentais
na manutenção da ordem ou na eliminação de tensões sociais. A pressão dos diversos setores
sociais, como os pequenos agricultores, os operários urbanos, os estudantes e suas
organizações eram interpretadas pelos setores conservadores como sinais do avanço do
comunismo e da subversão política. Esses setores conservadores, apoiados em alguns
partidos, como a União Democrática Nacional – UDN, e nas forças armadas, passaram a
buscar alternativas para a construção da ordem e da paz social, embora sem passar pela
solução das demandas sociais evidenciadas pelos movimentos.
O empresariado, os setores ligados à grande propriedade rural, a Igreja Católica, em
especial a partir de sua hierarquia, que tinham posturas anticomunista, começaram a se
expressar publicamente pela necessidade de uma “revolução” capaz de conter o clima de
instabilidade, que poderia levar a convulsões sociais com resultados imprevisíveis.
Conforme Boris Fausto (1996), houve também, reações por parte da esquerda do PTB,
comandadas por Brizola, que estava descontente em função da falta de definição do governo
federal na implantação das reformas sociais prometidas. Brizola e seu grupo passaram a
organizar grupos de resistência para combater a possibilidade de golpe militar. O Grupo dos
onze, conforme denominado pelo movimento, passou a representar mais uma ameaça à
estabilidade política no Brasil, dando mais argumentos aos militares na gestação do golpe.
A vitória dos militares e a consolidação do Golpe de Estado foram resultado da
situação social vivida no Brasil durante o período. A efervescência social que ocorreu nos
anos finais da década de 1950 e nos anos iniciais da década de 1960 produziu uma forte
mobilização de vários setores, com muitas manifestações populares, sem conseguir se
72
enraizar culturalmente e politicamente no conjunto da população. A participação nas
manifestações públicas, a defesa de direitos sociais, políticos e econômicos e a contestação
ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil não conseguiram gerar uma organização
social capilarizada e com capacidade de reação autônoma. Um exemplo claro dessa
fragilidade foi a desarticulação completa do movimento sindical e dos movimentos sociais a
partir do afastamento de seus principais líderes.
A partir de Fausto (1996) pode-se perceber que em 1968 o regime ditatorial se
enrijece e aprofunda a política repressiva, com um combate sistemático a toda e qualquer
manifestação popular. O regime implantado procurou manter a aparência democrática, com
a manutenção do Congresso Nacional e das Assembléias Estaduais, depois de um amplo
processo de cassação dos deputados considerados comunistas ou com tendências
revolucionárias. Os presidentes da República eram indicados por uma Junta Militar formada
por representantes das três Forças Armadas e tinham seus nomes ratificados pelo Congresso
Nacional, completamente hegemonizado pelos aliados do governo militar. Os demais
poderes estavam completamente subordinados ao Poder Executivo.
O auge da hegemonia militar ocorreu no início da década de 1970, com o “milagre
brasileiro”, que se caracterizou pelo dinamismo da economia e do ufanismo desencadeado
na sociedade pela ampla propaganda governamental, reforçada pela conquista da Copa do
Mundo em 1970. Além disso, a forte censura à imprensa e a cooptação dos órgãos de
comunicação estabelecia uma coerência muito grande no processo de divulgação e
propaganda do regime.
O bipartidarismo implantado eliminou as possibilidades de manifestação da
pluralidade política presente na sociedade brasileira, dividindo o Brasil em situação e
oposição ao regime militar. A oposição presente na política nacional era definida como
consentida, pois os setores da sociedade contrários ao regime haviam sido afastados da arena
política através das cassações ou da emigração forçada.
Na medida em que o modelo de desenvolvimento adotado foi se esgotando e a
conjuntura internacional se tornou menos favorável, os governos militares passaram a
enfrentar maiores resistências, como expresso em Sader (1988), especialmente a partir da
segunda metade da década de 1970.
Durante as décadas de 1970 e 1980 os movimentos sociais atuaram na construção de
alternativas para a superação das difíceis condições de vida enfrentadas em suas relações
cotidianas. Sader (1988) salienta, em seu capítulo “Sobre as experiências da condição
73
proletária em São Paulo” a forte influência da problemática cotidiana no processo de
organização popular que começa a se estruturar. Essa atuação política, para além das ações
dos partidos, fez parte da grande articulação social e política que se formou na busca da
democratização do Brasil. No entanto, muitos dos que lutavam não tinham a intenção
expressa de combater a ditadura. Suas bandeiras estavam situadas mais próximas de seu
cotidiano de dificuldades para a sobrevivência e para a conquista de condições mínimas de
conforto. Eram ações de donas de casa que promoviam ações contra a carestia, eram os
trabalhadores que lutavam para melhores condições de moradia e transporte, educação e
saúde, que envolviam uma população que, em momento alguma da história brasileira, havia
participado ativamente na pressão explícita em busca de maior atenção por parte o Estado.
Evidentemente que o rápido processo de urbanização e industrialização ocorrido
provocava o surgimento de novas formas sociais, como os bairros pobres e as periferias cada
vez mais distantes dos locais de trabalho, além de uma explicitação muito clara das
desigualdades sociais, expressas nas diferenças brutais de condições de vida entre os ricos e
os pobres. A reação popular às suas condições de vida gerou um processo de educação para a
cidadania construído a partir da participação social. Conforme Maria da Glória Gohn (2011,
p. 2):
A relação movimento social e educação foi construída a partir da atuação de novos atores que entravam em cena, sujeitos de novas ações coletivas que extrapolavam o âmbito da fábrica ou os locais de trabalho, atuando como moradores das periferias da cidade, demandando ao poder público o atendimento de suas necessidades para sobreviver no mundo urbano.
A busca pelo atendimento de suas necessidades apontava claramente para a conquista
de direitos sociais. A educação, a saúde e a assistência social passaram a fazer parte do
debate e do confronto que passou a ocorrer em todos os espaços da cidade, muito além dos
locais de trabalho. Certamente a luta sindical passou a repercutir de forma mais intensa pelo
seu impacto junto às empresas e ao mercado, mas a pressão por outros direitos foi
encurralando os governos militares, que passaram a promover concessões em busca da
estabilização do regime, principalmente porque a repressão deixou de ser um instrumento
eficaz para combater a mobilização social.
Conforme Éder Sader (1988, p. 26) o período entre 1978 e 1985, das greves no ABC
paulista até a eleição direta de Tancredo Neves para a presidência da República,
provavelmente vai ficar marcado como o momento decisivo para a estruturação de uma
forma de sistema político no Brasil, que estava acompanhado de sensíveis mudanças no
74
conjunto da sociedade civil. O autor considera que, entre as rupturas ocorridas no período, a
mais impressionante está relacionada com a história do movimento operário e com as classes
ou setores populares que, mesmo sem ter uma dimensão completa do que estavam
provocando, tinham consciência que algo novo estava emergindo na história social e política
do Brasil.
A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente enunciada sob a forma de imagens, narrativas e análises referindo-se a grupos populares os mais diversos que irrompiam na cena política reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar direitos. O impacto dos movimentos sociais em 1978 levou a uma revalorização de práticas socialmente presentes no cotidiano popular, ofuscadas pelas modalidades dominantes de sua representação. Foram assim descobertos os movimentos sociais desde a sua gestação no curso da década de 70. Eles foram vistos, então, pelas suas linguagens, pelos lugares onde se manifestavam, pelos valores que professavam, como indicadores da emergência de novas identidades coletivas (SADER, 1988, p. 26 s)
O início da mobilização dos trabalhadores, especialmente a partir do ano de 1977,
com as greves dos metalúrgicos, trouxe à tona novos setores sociais se mobilizando contra a
ditadura, gerando instabilidade no regime. As novas formas de organização popular, as
novas formas de lutas, os novos argumentos utilizados, as novas demandas sociais
apresentadas começaram a minar a capacidade de controle social exercido pela ditadura.
A pressão dos militares sobre as manifestações populares, a intervenção em
sindicatos que coordenavam greves, a imposição de barreiras ou proibições para ocupação
de espaços públicos para suas atividades provocaram uma onda de solidariedade que foi
fortalecendo cada vez mais a luta por novas condições de vida e passou a representar a luta
pela democratização do país. A emergência desses novos sujeitos coletivos, articulados entre
si para fortalecer-se colocaram no cenário político brasileiro uma grande quantidade de
novas lideranças que passaram a influenciar cada vez mais no direcionamento das ações da
luta pela democratização do país e começaram a colocar na pauta da sociedade civil os
direitos sociais sempre esquecidos pelos governos militares (SADER, 1988, p. 27 ss.).
As lutas contra a carestia, pela saúde, pela assistência aos marginalizados sociais
produzidos pelo sistema de concentração de renda e de priorização da economia de
exportação, a pressão para a abertura de novos canais de representação política que
rompessem com a estrutura política e partidária mantida sob rígido controle pelos militares e
as lutas dos trabalhadores por melhores salários e condições de trabalho criaram o ambiente
fez desembocar no grande movimento político que tinha a democratização como centro de
suas articulações.
75
O debate da abertura política levou à construção de opção pluripartidária e da anistia
política, embora limitada em função da pressão dos militares. Com a abertura política e a
superação do bipartidarismo foram criados vários partidos de base popular, como o PT –
Partido dos Trabalhadores, o PSB – Partido Socialista Brasileiro, o PCB – Partido
Comunista Brasileiro e o PCdoB – Partido Comunista do Brasil. Também foram criados o
PDT – Partido Democrático Trabalhista e o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, de caráter
populista e incorporando as bases do antigo PTB. O MDB – Movimento Democrático
Brasileiro foi transformado em PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. O
movimento das “Diretas Já” iniciado no ano de 1984 e que tomou corpo em 1985 avançou
para a eleição indireta de um governo civil. A morte de Tancredo Neves, presidente eleito, e
a posse de José Sarney, seu vice-presidente, frustrou muito a expectativa popular. A posse de
Sarney, no entanto, inaugura uma fase que foi denominada de nova República e que se
caracterizou a grosso modo, pela presença de um governo civil, representando a superação
da ditadura militar.
Ainda na expectativa de recuperação de Tancredo Neves, o presidente Sarney lança
um programa de emergência que definiu como principais prioridades a merenda escolar, a
alimentação de gestantes, jovens mães e crianças, concessão de cesta básica de alimentos,
saneamento e habitação popular e construção de presídios e delegacias. A forma como foi
lançado esse primeiro conjunto de medidas sociais demonstrava claramente que a
fragmentação dos processos de assistência à população continuava nos moldes dos últimos
governos militares, muito embora a tentativa de incluir novos públicos como beneficiários
dos programas. Em 1985 o presidente Sarney lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento
da Nova República que tem como diferencial a tentativa de promover o desenvolvimento do
país a partir de critérios sociais. A base da política estabelecida no plano foram as seguintes,
conforme Patrícia de Oliveira Matos (2002, p. 72)
Este primeiro plano de desenvolvimento do governo de José Sarney foi publicado pela SEPLAN, com metas para o período de 1986 a 1989 e elaborado sob a coordenação do ministro João Sayad. O I PND-NR se concentrou nos seguintes aspectos: crescimento econômico; combate à pobreza, às desigualdades e ao desemprego; educação, alimentação, saúde, saneamento, habitação, previdência e assistência social;
76
justiça e segurança pública.
O planejamento do desenvolvimento, no entanto, sofreu muitos revezes e
praticamente foi esquecido como base de orientação da ação governamental. A amplitude
das propostas na área das políticas sociais era significativa, pois a maioria das áreas
apontava para a priorização dos aspectos sociais do desenvolvimento. A fragilidade
econômica do Brasil, ainda sob o efeito das crises de 1981 e 1983 e a aceleração da inflação
destruíram as possibilidades de uma aplicação mais significativa do plano.
Segundo Maciel (2008, p. 121 ss.), uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo
novo presidente foi a questão da dívida externa, que vinha aprofundando a crise econômica e
fiscal no Brasil, especialmente pela necessidade de desembolsos cada vez maiores para o
serviço da dívida. Embora o auge da crise da dívida tenha ocorrido no governo de
Figueiredo, muitos dos seus efeitos ainda se mantinham. A suspensão dos pagamentos do
principal da dívida e, depois, do pagamento dos juros da dívida, foram instrumentos
utilizados pelo governo para pressionar os organismos financeiros internacionais para o
estabelecimento de condições mais adequadas de negociação.
Na área econômica o Plano Cruzado foi a marca, de curta duração e de poucos
efeitos na estabilização econômica brasileira. Na área da assistência social a identidade
governamental se dá pela política do “TUDO PELO SOCIAL”. A Legião Brasileira de
Assistência era o grande instrumento governamental de aplicação de políticas de assistência
social. Sua forte centralização deixava todos os estados e municípios dependentes de suas
decisões e orientações, bem como de liberação de recursos para a sua execução.
O processo eleitoral que se seguiu, em 1986, após a edição do Plano Cruzado para
estabilização econômica e sob o impacto da eleição de um presidente civil, se caracterizou
pela ampla vitória do PMDB em todo o território nacional e pela fragorosa derrota dos
partidos que apoiaram a ditadura militar. No entanto, o processo eleitoral demonstrou que os
novos partidos, especialmente os caracteristicamente de esquerda, ainda não haviam
conseguido conquistar espaço eleitoral, a não ser o PT, o PDT e o PTB, que conseguiram
cadeiras no Congresso Nacional de forma mais significativa. O PMDB, que abrigou muitos
dos descontentes com o processo ditatorial, e muitos outros oportunistas que aproveitaram o
momento eleitoral favorável à oposição, se destacou nas eleições por ser representativo de
uma posição mais moderada e conservadora, embora representasse uma alternativa concreta
contra a ditadura no olhar do eleitorado brasileiro. Além disso, o PMDB conseguiu se
fortalecer em função de sua característica fragmentada e contraditória nas diversas unidades
77
da federação, tornando-se uma sigla que poderia ser identificada como uma confederação de
oligarquias regionais e estaduais (MACIEL, 2008, p. 155 ss.).
A eleição de 1986 teve uma importância decisiva para o processo político brasileiro
em função da formação do Congresso Nacional Constituinte. Os deputados federais e
senadores eleitos tinham como missão principal a elaboração de uma nova Constituição para
o país, e os deputados estaduais eleitos tinham como tarefa a elaboração das constituições
estaduais a partir das bases estabelecidas pela nova Constituição Federal.
Um elemento importante percebido no processo constituinte foi a formação do
“Centrão”, que foi o nome dado ao conjunto de deputados e senadores que se articularam,
independentemente dos partidos políticos, para a defesa dos interesses das oligarquias
agrárias e empresariais, buscando evitar um maior avanço nas conquistas sociais,
especialmente na questão da reforma agrária e na normatização do direito de propriedade. A
ação desses deputados conseguiu alterar o regimento da Constituinte para obrigar a que
todas as propostas contidas na minuta apresentada como sistematização pela Mesa Diretora
tivesse que obter maioria para ser aprovada. Originalmente as mudanças nas propostas
contidas na minuta sistematizada teriam que obter maioria dos votos para serem válidas.
Além de uma ação muito forte de mobilização conservadora, os deputados participantes do
“Centrão” articularam as organizações sociais ligadas aos setores empresariais e agrários
para exercerem pressão sobre os parlamentares (MACIEL, 2008, p. 151 ss).
Como resultado imediato da nova Constituição foi realizado, em 1989, a eleição do
primeiro presidente da República pelo voto direto da população.
4.2 A crise econômica e a luta social
Após a Revolução Cubana houve uma intensificação do processo de combate à
subversão comunista em toda a América Latina. Conforme Leslie Bethell (2009, p. 210 s),
ocorreu uma mudança de estratégia militar, passando da defesa nacional para a segurança
nacional e, no período de 1962 a 1966, ocorreram nove golpes militares nos países latino-
americanos. A deposição dos governos considerados muito frouxos no combate à ameaça
comunista mudou completamente a configuração da América Latina.
O modelo de desenvolvimento adotado no Brasil a partir de 1964 assume algumas
características semelhantes ao restante da América Latina, como uma economia dependente
em relação aos países ricos, em que o foco estava voltado para a modernização e a
78
industrialização, principalmente pensado a partir da atração de capitais externos (BETHEL,
2009, p. 130 ss). O Estado brasileiro assumiu o papel de gerador de infraestrutura para
garantir às empresas que aqui se instalavam a condição de competitividade para o processo
de exportação. Um dos aspectos mais importantes da ação estatal estava na garantia de
estabilidade nas relações trabalhistas, de tal forma que os investidores industriais não
tivessem problemas para encontrar mão de obra abundante, barata e qualificada. Do lado das
infraestruturas o Estado promoveu uma ampla melhoria nos sistemas de transportes
rodoviários e portos, produção de aço e outros setores metal-mecânico com altos subsídios,
energia elétrica e comunicações.
Na questão da mão de obra houve um forte investimento na área da educação
profissional, a ponto que, na edição da Lei 5692/71 houve uma opção pela obrigatoriedade
do ensino médio profissionalizante (LIRA, 2010, p. 280).
Ao mesmo tempo que adotava uma política de apoio à industrialização, o Estado
atuava fortemente na regulação das relações de trabalho, com políticas salariais centralizadas
e definidas a partir de uma legislação em que os aumentos salariais já eram determinados
sem dar espaço para a ocorrência de dissídios coletivos nas categorias profissionais. Os
aumentos salariais com reposição apenas parcial da inflação foram minando a capacidade de
compra dos salários, provocando o surgimento de insatisfação popular (SADER, 1988, p.
308). A opção clara de favorecimento do empresariado nas suas políticas foi minando,
também, a capacidade do Estado em controlar as manifestações populares e de
trabalhadores, fazendo com que o clima de tensão social começasse a se manifestar,
especialmente a partir do governo do presidente Ernesto Geisel.
Um dado importante sobre a mudança estrutural da economia brasileira é citado por
Fausto (1996, p. 535) que aponta o ano de 1978 como o ano em que as exportações de
origem industrial ultrapassam as de origem primária, formadas pela agricultura e mineração.
Cita que, embora alguns itens da exportação industrial tivessem um baixo grau de
transformação, esse dado se torna muito importante na análise da economia nacional. O
processo de industrialização, que era focado principalmente na produção de bens de
consumo duráveis, na década de 1970 assume uma proposta de produção de bens de capital,
especialmente a partir do governo do presidente Ernesto Geisel. No entanto, essa opção foi
prejudicada pela conjuntura internacional desfavorável. A crise do petróleo de 1973
estabeleceu uma nova configuração no processo de crédito internacional. Os recursos
gerados pela elevação do preço do petróleo passaram a gerar abundância de crédito
79
internacional, o que levou a um enorme endividamento dos países latino-americanos, entre
eles o Brasil.
Ao final da década de 1970, com a nova crise do petróleo e a desaceleração do
crescimento da economia mundial geraram uma crise de crédito e provocaram uma crise da
dívida externa nesses países endividados, cujo momento mais agudo foi no ano de 1980,
quando o Brasil passou a ter muitas dificuldades para honrar seus compromissos externos,
obrigando a ajustes recessivos na economia do país. O reflexo dessa situação foi a
ocorrência de PIB (Produto Interno Bruto) negativo durante três anos seguidos. A
intervenção dos organismos internacionais, como o FMI – Fundo Monetário Internacional -
obrigou o governo brasileiro a adotar políticas de redução dos programas sociais, de redução
do crédito interno e de arrocho salarial visando a geração de superávit para o pagamento das
dívidas.
Por maiores que tenham sido os problemas enfrentados, Boris Fausto (1996, p. 540)
destaca que em 1985 o Brasil já produzia quatro quintos de sua necessidade de bens de
capital (máquinas e equipamentos), garantindo um bom nível de autonomia econômica. No
entanto, o Brasil teve que enfrentar um desafio importante na área de produção de alimentos,
que havia sido deixada em segundo plano durante muitos anos.
Berenice Rojas Couto (2006, p. 139 e ss) analisa o processo ocorrido durante a
década de 1980, incluindo também a década de 1990, como paradigmática e paradoxal na
configuração dos cenários político, econômico e social do Brasil. De um lado ocorreram as
reformas que caminharam na direção da construção da democracia e de uma grande
reformulação política e jurídica, especialmente pela Constituição de 1988, e por outro uma
grande recessão econômica, permeada por diversas tentativas de controlar a inflação e
retomar o crescimento econômico, com seu eixo baseado nos princípios da macroeconomia,
sempre em detrimento da área social.
4.3 A emergência dos novos movimentos sociais e a perspectiva da participação social
na construção das políticas no Brasil
Eder Sader em seu livro “Quando novos personagens entraram em cena” faz uma
análise do surgimento dos novos movimentos sociais na grande São Paulo, depois de um
período de refluxo provocado pela repressão do governo militar. Os novos movimentos
80
sociais e populares se constituíram tendo como elementos unificadores a luta pela
democracia, pelos direitos sociais, por melhores condições de vida, contra a carestia, por
melhores salários dos trabalhadores e o combate à ditadura militar. O autor destaca a
importância das questões do cotidiano, compreendidas por eles enquanto expressões de
resistência, autonomia e criatividade, transformando-as em eixos da luta política. Assim, os
movimentos populares passaram a reivindicar novos direitos relacionados às questões de
moradia, educação, saúde, trabalho, lazer, e dos direitos da criança e do adolescente, entre
outros.
Além das questões relacionadas ao trabalho, estavam em pauta nas reivindicações
populares as bases para a assistência social por parte do Estado para as populações
marginalizadas pelo processo econômico. Esses movimentos conseguiram ampliar as suas
propostas a partir das suas lutas, especialmente colocando em debate direitos sociais que
envolviam a saúde, em função do abandono vivido pelas populações da periferia das grandes
cidades, a assistência social, especialmente quando levantam seus direitos à proteção social
em função dos riscos sociais vividos pela população, e a necessidade de um debate mais
amplo da previdência quando colocam, a exemplo das mulheres, tanto do espaço urbano
quanto rural, para o reconhecimento de suas atividades econômicas, como o trabalho
doméstico, no espaço urbano, e de agricultoras, no espaço rural.
Os movimentos populares surgidos na segunda metade da década de 1970 tiveram
como fontes inspiradoras as seguintes vertentes (SADER, p. 141 ss):
a) Comunidades Eclesiais de Base, caracterizados como grupos de pessoas nos
bairros que se reuniam em busca da solução de seus problemas locais e imediatos e para o
combate da ditadura, inspirados na Teologia da Libertação, que se constituiu como uma
corrente teológica específica da América Latina surgida após o Concílio Vaticano II, que
promoveu profundas modificações na estrutura e nas linhas pastorais da Igreja Católica. O
episcopado católico da América Latina promoveu uma intensa interpretação dos novos
princípios eclesiais, buscando uma releitura do evangelho. A principal base da teologia da
libertação foi a opção preferencial pelos pobres adotada pela Igreja da América Latina,
levando uma parte significativa do clero a optar por uma ação pastoral voltada para os
pobres e sua organização em busca dos seus direitos sociais e por melhores condições de
vida. Uma das características mais acentuadas da ação eclesial de inspiração libertadora foi a
organização comunitária como base do processo de solidariedade dos pobres em busca da
superação de seus problemas.
81
b) Remanescentes dos movimentos revolucionários, a grande maioria de inspiração
marxista, que combatiam a ditadura militar. Nos primeiros anos da ditadura militar, diversos
movimentos revolucionários assumiram uma luta, classificada como subversiva, de combate
ao regime, especialmente através da luta armada, inspirados em diversas experiências
ocorridas em outros países. Uma das principais inspirações vinha da Revolução Cubana, que
em 1959 assumiu o poder em Cuba a partir de sua estratégia de combate através de focos
revolucionários que, pela sua ação armada, provocaria o desgaste do regime e as condições
favoráveis para sua derrubada. Esses movimentos revolucionários foram duramente
combatidos pelos militares a partir de uma ação repressiva sistemática. Os sobreviventes da
repressão passaram a atuar de forma mais disfarçada e através de outros métodos, Um dos
instrumentos utilizados por esses militantes foi a alfabetização de adultos, aproveitando o
programa governamental de combate ao analfabetismo denominado de MOBRAL –
Movimento Brasileiro de Alfabetização.
c) Novo sindicalismo: surgido a partir da mobilização dos trabalhadores na base,
normalmente por fábrica, com a formação das comissões de fábrica de inspiração
gramsciana, os trabalhadores foram se organizando para tomar as estruturas sindicais através
de eleições. As oposições sindicais passaram a atuar a partir de outra concepção de papel dos
sindicatos, buscando romper com o atrelamento às políticas governamentais e tendo como
principal eixo de motivação a recuperação do poder de compra dos salários, a ampliação dos
direitos trabalhistas, a melhoria das condições de trabalho, assistência à saúde, acesso à
educação e a conquistas de novos direitos sociais. O movimento sindical estava
completamente aparelhado pelo Ministério do Trabalho, que mantinha sob rígido controle as
estruturas verticais de federações e confederações e o controle ideológico das diretorias
sindicais, que eram obrigadas a manter registro no ministério.
O processo de urbanização ocorrido no Brasil transformou o operariado industrial
urbano um segmento muito amplo e com peso social significativo. A mobilização dos
trabalhadores, que nas décadas anteriores tinha como principal base o funcionalismo público
e de empresas governamentais, passou a ter como categoriais mais fortes aquelas ligadas à
grande indústria, especialmente metalúrgica.
A força do movimento sindical urbano era a grande novidade no país e passava a
influenciar de forma decisiva nas políticas governamentais a partir de suas mobilizações. O
início das mobilizações foi seguido de um processo de repressão rigoroso por parte do
governo federal, mas que foi insuficiente para deter a organização dos trabalhadores. Na
82
medida em que os sindicatos passaram a adotar uma postura mais agressiva em relação ao
processo de negociação salarial e de direitos trabalhistas, houve uma adesão cada vez mais
forte dos trabalhadores e articulação com outros movimentos sociais, passando a colocá-los
como protagonistas na luta pela democratização do país (SADER, 1988, p. 313).
No espaço do campo os movimentos sociais se caracterizaram especialmente pela
vinculação às comunidades eclesiais de base. Os trabalhadores assalariados rurais passaram
a exigir melhores condições de trabalho e salário, enquanto os agricultores de base familiar
agiam em busca de políticas de apoio à produção e acesso às políticas sociais.
Nessa época (década de 70), a partir do Concílio Vaticano II e dos encontros episcopais de Medellin e Puebla, a Diocese de Chapecó inaugurou uma nova orientação para a sua atuação, na qual assumiu explicitamente a opção preferencial pelos pobres. Desde então a sua inserção junto às classes populares passou a estimular a organização e também a difundir uma visão de mundo calcada no igualitarismo comunitário e na ênfase à participação popular. Sua estratégia baseava-se sobretudo na criação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Grupos de Reflexão e criação de serviços de assessoria e apoio às lutas populares como a Comissão Pastoral da Terra (CPT)...(POLI, 1999, p. 74)
O intenso êxodo rural provocado pelo processo de modernização agrícola, acelerado
a partir das políticas governamentais, provocou o surgimento de movimentos de luta pela
terra e de combate ao latifúndio.
No final da década de 1970 surgiram os primeiros movimentos de oposição sindical.
Nos anos de 1977 e 1978 ocorreram movimentos de oposição sindical vitoriosos nas cidades
de Francisco Beltrão (PR), Chapecó (SC) e Erechim (RS), provocando uma verdadeira
avalanche de novos processos oposicionistas, que modificaram completamente a feição do
movimento sindical do campo, que passou a realizar grandes mobilizações em defesa dos
direitos dos agricultores de base familiar (POLI, 1999, p. 76 ss).
As oposições sindicais, a partir dos mesmos fundamentos do novo sindicalismo que
surgia nos grandes centros urbanos, buscava romper com o assistencialismo praticado nas
organizações sindicais especialmente a partir da Lei de Valorização da Ação Sindical de
1970 e do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, criado em 1971, que destinava aos
sindicatos recursos para a assistência à saúde, a assistência médico-hospitalar e
odontológica, ao cadastramento das terras e até a cobrança do imposto territorial rural. As
oposições sindicais surgiram em busca do rompimento dessa visão assistencialista e assumir
uma postura de defesa dos interesses e necessidades dos trabalhadores rurais,
compreendidos aqui como os assalariados rurais e os agricultores de base familiar (POLI,
83
1999, p. 76).
Em 1983 foi fundada a CUT – Central Única dos Trabalhadores, agregando todos os
sindicatos vinculados ao novo sindicalismo, tanto no campo quanto na cidade. A criação da
central, desvinculada da estrutura tradicional de federações e confederações provocou
conflitos muito grandes no meio sindical, com reações bastante fortes dos demais sindicatos,
federações, confederações e centrais sindicais.
De forma simultânea e articulada ao processo de tomada dos sindicatos ocorreu a
organização de diversos movimentos de agricultores sem terra em busca da reconquista da
terra perdida no processo de modernização e de expulsão provocada pelo latifúndio. No ano
de 1985, os diversos movimentos de agricultores sem terra se reuniram e organizaram um
movimento unificado de luta pela terra, que foi denominado de MST – Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Outro movimento social, contemporâneo ao MST, foi o
Movimento e Atingidos por Barragens – MAB, que começou a se estruturar a partir da
década de 1970 com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, e tomou forma
de movimento estruturado a partir da década de 1980 quando da construção de novas
barragens, especialmente a de Itá (SC).
Durante a década de 1980 e a partir dos debates constituintes, estruturou-se o MMA
– Movimento de Mulheres Agricultoras que tinham como objetivo central a discussão dos
direitos e a estruturação de políticas específicas para as mulheres. A maior reivindicação era
a equiparação de direitos com as mulheres do espaço urbano na assistência à saúde,
maternidade, previdência e licença maternidade.
Um dos aspectos importantes a perceber é o processo de articulação entre os diversos
movimentos sociais, tomado aqui o exemplo do que ocorreu no Oeste de Santa Catarina.
Com a vitória das oposições sindicais também ocorreu uma mudança significativa na relação entre os sindicatos e outros movimentos sociais da região (MST, MAB e MMA). O sindicato passou a ser um ponto de referência, apoio e até um agente de organização de tais movimentos. De modo geral, o sindicato passou a organizar, internamente e nas comunidades, comissões específicas com representantes de cada movimento, responsáveis por dinamizar a organização do movimento e promover o intercâmbio entre sindicato e movimento (POLI, 1999, p. 89).
Essa ação articulada entre os movimentos foi fortalecendo a luta dos agricultores e
trabalhadores rurais, transformando-os em atores sociais significativos nas disputas por
políticas públicas específicas e na capacidade de articulação com as demais organizações de
trabalhadores no Brasil.
84
4.4 Aspectos sociais do Brasil na década de 1980
O início da década de 1960 marca o início de um forte movimento de urbanização
provocado pela industrialização e pelo acentuado êxodo rural. A migração interna em busca
de oportunidades de emprego e renda não foi apenas do campo para as cidades, mas de uma
região para outra. Pode-se citar o movimento migratório do Nordeste brasileiro para a região
Sudeste como um dos maiores. As grandes cidades industrializadas como São Paulo e Rio de
Janeiro eram destino da maioria das famílias migrantes. A construção de Brasília também
absorveu grande contingente de migrantes nordestinos.
No entanto, os processos migratórios não foram exclusivamente para as regiões
industrializadas. Houveram movimentos acentuados em direção ao norte e noroeste do
Paraná em busca de empregos na produção de café, bem como de famílias agricultoras do
Rio Grande do Sul em direção ao oeste de Santa Catarina, sudoeste e oeste do Paraná e para
o Centro Oeste, onde se abriam novas fronteiras agrícolas. Esse intenso movimento de
migração povoou e estruturou uma grande quantidade de novos municípios, assentando um
processo de ocupação territorial de regiões ainda não ocupadas.
O processo de modernização da agricultura brasileira, iniciada na década de 1950,
que se acelerou a partir da metade da década de 1960 e se generalizou durante a década de
1970 (DELGADO, 1985, p. 33 ss), provocou um novo ciclo migratório formado pelas
famílias que deixavam o campo em direção às cidades pela falência do modelo de produção.
As regiões que sofreram os maiores impactos desse movimento foram as que haviam sido
colonizadas por agricultores de base familiar, nos três estados do Sul do país especialmente.
O motivo mais forte para esse processo migratório foi o abandono das terras por parte das
famílias que tentaram se modernizar a partir de tecnologias inadequadas às pequenas
propriedades ofertadas pelo complexo agroindustrial brasileiro. A entrada de tratores e
equipamentos de grande porte, a produção de grãos a partir da monocultura, a utilização
intensiva dos insumos modernos, como adubos químicos, sementes híbridas e defensivos
agrícolas, mostraram-se adequados apenas para as grandes produções. Os pequenos
produtores que buscaram essas tecnologias para suas propriedades não conseguiram manter
a sustentabilidade de suas unidades produtivas em função do alto custo de produção e da
incapacidade de gerar renda para pagamento de seus empréstimos oriundos da aquisição de
máquinas, equipamentos e insumos modernos.
85
A contradição entre a pobreza, as dificuldades econômicas, as dificuldades para o
acesso às políticas governamentais e a atração exercida pelo ambiente urbano e suas
oportunidades de trabalho e renda provocaram a opção pela migração de todo esse
contingente populacional para os grandes centros industriais.
A urbanização acelerada e desordenada provocou a emergência de uma enorme gama
de novos problemas sociais envolvendo desde a relação entre patrão e assalariados até a
questão da moradia, do transporte, da saúde, da educação e da alimentação. Na grande
maioria das grandes cidades formaram-se cinturões de pobreza e miséria, com a presença de
bairros pobres e sem estrutura, de favelas, cortiços e outras realidades de abandono social.
A economia brasileira, assentada num modelo de desenvolvimento com concentração
de renda e riqueza, apoiados principalmente nas atividades de produção para a exportação,
deixava em segundo plano a produção para o mercado interno, especialmente o mercado de
alimentos e de produtos consumidos pela população pobre. As políticas governamentais
estavam direcionadas para o incentivo aos empreendimentos industriais e de exportação,
com a compreensão de que, com a geração de empregos a partir de novas indústrias e novas
explorações econômicas, haveria automaticamente uma absorção dessa população pobre,
resolvendo a questão social que se apresentava cada vez mais aguda.
Todo esse contexto de urbanização desordenado provocou a emergência dos novos
movimentos sociais em busca de melhores condições de vida. As greves que se espalhavam
pelo país todo, os movimentos de reivindicação de melhores condições de saúde, de
assistência social, de educação, de moradia, de transporte e, no campo, de produção por
parte dos agricultores de base familiar e assalariados rurais, formaram uma base que obrigou
os governos militares a buscar o caminho da abertura democrática visando articular o
conjunto dos atores sociais na solução dos problemas sociais vividos no país (FAUSTO,
1996, p. 496 s).
4.5 A democratização e a participação como novidade
Com a eleição do novo governo civil a demanda pela democratização se colocou de
forma intensa, com ampla participação da sociedade civil, especialmente dos movimentos
sociais populares. A instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte estava na agenda
de toda a sociedade. Os movimentos sociais defendiam a eleição de uma assembléia
exclusiva, mas o governo Sarney encaminhou ao Congresso um projeto de Emenda
86
Constitucional dando poderes constituintes ao Congresso a ser eleito em 15 de novembro de
1986. Os movimentos sociais reagiram encaminhando mais de setenta mil telegramas ao
relator do projeto na Câmara Federal que, atendendo ao clamor popular, propôs a realização
de um plebiscito popular para definir se haveria uma assembléia unicameral exclusiva ou se
o Congresso a ser eleito teria poderes constituintes. O PMDB exerceu seu papel de maioria e
derrubou o parecer do relator e aprovou a realização de eleições em novembro de 1986,
dando aos deputados e senadores o poder constituinte. Dessa forma, os deputados e
senadores eleitos, além de suas atividades normais do legislativo, tinham a atribuição de
elaborar a nova constituição do país.
Apesar da derrota, a disputa demonstrou claramente a capacidade de mobilização da
sociedade civil em torno da Constituinte. Durante os anos de 1985 e 1986, muitas foram as
manifestações em defesa de uma maior participação da sociedade no processo de
democratização e de elaboração da nova Constituição. Dom Paulo Evaristo Arns (1985, p
70) afirmou,
Se queremos que nossa gente simples aceite a próxima Carta Magna como sendo sua, impõem-se, no mínimo, duas condições: a primeira, que ela tenha origem na própria vontade do povo, alertado para a importância do assunto. Depois, que o mesmo povo possa propor os tópicos que mais influem na sua vida. Além disso, a nação como tal quer asseguradas as medidas que lhe possibilitem a tutela da nova Constituição.
A mobilização popular para participar do processo constituinte se fortaleceu com a
criação de diversas organizações sociais com finalidade específica de participar no debate e
influenciar na elaboração da nova constituição. Para essa participação se tornar efetiva
deveria ocorrer a construção de instrumentos concretos de participação, para além da
capacidade dos movimentos em influenciar diretamente os parlamentares. Com a instalação
do processo constituinte, a primeira providência foi a elaboração do Regimento Interno
específico. O regimento interno da Assembléia Nacional Constituinte, em seu artigo 24,
previu a possibilidade de apresentação de emendas populares, que deveriam ter, no mínimo,
30.000 assinaturas e três instituições sociais responsáveis. Foi uma importante porta de
entrada das demandas populares e que deu uma característica nova para o processo.3
Conforme Brandão (2011, p. 83 ss) o instrumento das emendas populares foi
utilizado pelos movimentos sociais progressistas e conservadores, com propostas 3 DIÁRIO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. Resolução No 2 de 1987 – Dispõe sobre
Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte. Brasília, Ano I, no 33, quarta-feira, 25 de março de 1987, p. 876.
87
contraditórias entre si. Um exemplo da contradição foram as emendas populares relativas à
Reforma Agrária e o direito de propriedade. A CONTAG e o MST apresentaram uma
proposta e os setores ruralistas apresentaram outra, completamente diferente, tentando
proteger o direito de propriedade e evitar as desapropriações com a finalidade social. A
mobilização popular foi muito grande, com 288 entidades diferentes apresentando 122
emendas populares que registraram um total de 12.265.854 assinaturas.
Além da participação popular na elaboração da constituição, houve a inclusão do
mecanismo de participação popular em decisões legislativas através dos instrumentos de
referendo, plebiscito e emendas populares, previstos no artigo 14 da nova constituição. Todo
esse processo de mobilização permitiu um crescimento muito acentuado do conceito de
cidadania como participação direta na vida política do país através da organização social. A
pressão popular que se manifestou no movimento das “Diretas Já” tinha como um dos
objetivos a implantação de uma Constituinte que desse ao país uma carta magna que
superasse todos os resquícios ditatoriais.
4.6 A assistência social nas constituições brasileiras
Uma breve observação sobre o tema da Assistência Social nas Constituições
brasileiras nos ajuda a realçar as novidades que aparecem com a constituição de 1988. As
políticas de proteção social, como a saúde, a previdência e a assistência social são
consideradas como produtos das lutas dos trabalhadores em busca do atendimento de suas
necessidades que são reconhecidas pelo Estado e pelos patrões em função dos riscos do
trabalho assalariado. Mota (1995, p. 15) firma que essas políticas estruturadas pelas lutas
dos trabalhadores está assentada nas contradições da sociedade capitalista e em permanente
disputa.
O processo histórico da consolidação dos direitos sociais pode ser visualizado num
estudo comparativo das constituições brasileiras desde a proclamação da República. Os
quadros a seguir foram sistematizados por Berenice Rojas Couto em seu livro “O Direito
Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação possível?” (COUTO,
2006) permite uma análise da estrutura dos direitos civis, políticos e sociais presentes na
organização da sociedade e do Estado brasileiro. Uma constatação inicial é que, mesmo
instituídos nas Constituições, nem sempre esses direitos se converteram em benefícios
88
efetivos para os cidadãos em função das particularidades dos regimes de governo. A partir da
derrubada do império e da implantação do regime republicano ocorreram várias
transformações na estruturação da sociedade brasileira, especialmente pela laicização do
Estado, com a separação entre Estado e Igreja, passando a população a ter liberdade de
professar outros credos que não o católico, antes considerado como oficial.
Na estrutura de poder praticamente houve continuidade, com a oligarquia rural sendo
predominante nos espaços de decisão política. Os processos eleitorais, embora a expansão
do colégio eleitoral pela inclusão de todos os homens acima de 21 anos, desde que não
fossem mendigos, militares da base, denominados de praças, e religiosos, continuaram a ser
viciados pelo coronelismo e pelo mandonismo local, estrutura que predominou até o final da
década de 1920. Em relação aos direitos sociais houve apenas o reconhecimento do livre
exercício profissional. A pobreza, tanto urbana quanto rural, não estava entre as
preocupações prioritárias do governo, com raros programas que combatiam algum foco de
tensão social.
Sposatti et al. (2008, p. 41) afirma que, no Brasil, até 1930, a consciência social não
apreendia a pobreza como expressão da questão social, mas era considerada como um
problema pessoal dos indivíduos e os problemas gerados por ela era tratados como caso de
polícia. É o caso da legislação sobre as crianças e adolescentes da década de 1920, cujo
conteúdo basicamente tem sua centralidade no enfrentamento policialesco dos problemas
gerados por eles.
Abaixo o quadro síntese dos direitos civis, políticos e sociais presentes na
Constituição Brasileira de 1891, a primeira da era republicana. Quadro 01 – A Constituição brasileira de 1891 e os direitos civis, políticos e sociais Constituição 1891 Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
Artigos 70, 71 e 72 Todos são iguais perante a lei; Direito de credo diferenciado; Direito de propriedade; Inviolabilidade do lar; Liberdade de imprensa; Habeas corpus; Direito à defesa; Sigilo da correspondência;
Votar e ser eleito, para os maiores de 21 anos, com exceção dos mendigos, analfabetos, praças e religiosos. Direito de associação em qualquer instituição.
Livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.
FONTE: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 91).
Conforme IAMAMOTO e CARVALHO (1983), a questão social se relaciona à
generalização do trabalho livre numa sociedade marcada pela escravidão. No Brasil a
sociedade percorreu um longo processo de transição para a formação do mercado de
trabalho nos moldes capitalistas.
89
Na primeira república o capital já havia superado o custo de manutenção e
reprodução da mão de obra, característico do período da escravidão, para contratá-la como
mercadoria no mercado.
O trabalhador livre tem sob sua responsabilidade e de sua família a tarefa de
manutenção e reprodução. Essa nova situação desonerou o capital da necessidade de prover
a reprodução dos trabalhadores. Na nova formulação, estabelecia-se uma relação contratual
entre as duas partes e o capitalista pagava uma remuneração ao trabalhador para contar com
seu trabalho durante algumas horas. A vida privada e familiar do trabalhador e a forma como
vivia passou a não mais fazer parte das preocupações de quem contratava o trabalho.
No entanto, os capitalistas, conforme os mesmos autores, tinham uma preocupação
em relação ao conflito gerado pela exploração do trabalho e a sua organização para lutar por
melhores condições passou a ser considerada ameaça. A partir desta preocupação, os
capitalistas passam a delegar ao Estado a tarefa de controle social.
As leis sociais aparecem como resposta aos movimentos sociais reivindicatórios que
buscavam cidadania.
Esses movimentos caracterizam-se como pólos dinâmicos das transformações
sociais, que colocam problemas e exigem modificações na composição das forças dentro do
Estado e na relação entre as classes sociais. Na medida em que esses movimentos se
constituem, novos atores sociais passam a figurar na cena social, gerando, pela contradição
de interesses, conflitos sociais que exigiam novas soluções.
A formação de bairros insalubres, a existência de empresas com prédios sem higiene
e segurança, os salários insuficientes para os trabalhadores manterem um nível de vida
mínimo, a pressão gerada pelo grande desemprego, as jornadas de trabalhos longas e
exaustivas passaram a fazer parte da realidade das maiores cidades brasileiras.
Entre os anos de 1917 e 1920 ocorreu uma ampla mobilização dos trabalhadores
pressionando o Estado a mediar os conflitos sociais através de ações sociais. Em 1919, por
exemplo, foi publicada a primeira lei social responsabilizando as empresas pelos acidentes
de trabalho.
Por um lado, para o Estado e para setores dominantes ligados a agro-exportação, as relações de produção são um problema de empresa, por outro, o movimento operário também não consegue estabelecer laços politicamente válidos com outros segmentos da sociedade que constituem a maioria da população. Assim, a classe operária, apesar de seu progressivo adensamento, permanece sendo uma minoria fortemente marcada pela origem européia, estando social e politicamente isolada (IAMAMOTO. & CARVALHO, 1983, p. 13)
90
A oligarquia agrária manteve uma postura de distância em relação aos problemas
oriundos da relação entre empresários e trabalhadores industriais e comerciais até a sua
desestruturação em 1930, quando ascende ao poder Getúlio Vargas com uma proposta mais
voltada ao processo de industrialização.
No texto constitucional os direitos estavam definidos apenas na área civil e político e
os direitos sociais ficavam restritos ao livre exercício profissional, sem estabelecer nenhuma
ordenação na relação de trabalho assalariado.
A Constituição de 1891 teve sua vigência até sua substituição pela constituição de
1934, que apresenta uma significativa ampliação dos direitos sociais. A inclusão dos direitos
trabalhistas, como o salário mínimo, a proibição de diferenças salariais para as mesmas
funções, a regulação da atividade sindical e outras estabelecem claramente a vinculação
desses direitos à relação entre patrão e empregado urbano e industrial na perspectiva de
garantir uma base legal atraente para os investimentos na industrialização da economia
brasileira. No entanto, embora o previsto no texto constitucional, a historiografia mantém
silêncio sobre a real situação da assistência à população e ao cumprimento dos direitos dos
cidadãos.
O amparo aos desvalidos, à maternidade e à infância e às famílias com prole
numerosa já inclui a pobreza como questão social embora de forma bastante desarticulada de
um sistema de seguridade social, que ainda está muito longe de ser constituído. Conforme
Couto (2006, p. 99), a Constituição tinha uma base ideológica liberal em sua compreensão
de direitos, tendo o Estado como responsável para a solução dos problemas sociais gerados
pela relação de exploração das relações capitalistas.
IAMAMOTO e CARVALHO (1983) apontam ainda a ação da Igreja na área da ação
social, buscando reconquistar seu espaço, em grande parte perdido com o fim do império. A
política social da Igreja direcionou grande parte do processo de assistência à população
pobre, especialmente porque o Estado não assumia de forma mais concreta a realização de
ações sociais de amparo a essas populações.
A crise de 1929 acelera o surgimento das condições que possibilitam o fim da supremacia da burguesia cafeicultora, porque mantém uma política de equilíbrio financeiro, abandonando a política de defesa de preços e subsídios aos produtores. Aglutina as oligarquias regionais não vinculadas à economia cafeeira, setores do aparelho do Estado e fração majoritária das classes médias urbanas que reclamavam o alargamento da base social do regime, a fim de assegurar área de influência para defesa de seus interesses econômicos. Assim, forma-se uma coalizão heterogênea sob a bandeira da diversificação do aparato produtivo e da reforma política, que desencadeia o movimento político-militar de 1930, pondo
91
fim a Velha República (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983. p. 15)
A partir do início do governo Vargas o Brasil passa a viver uma nova orientação
política, assentada na priorização da industrialização e na urbanização acelerada, mantendo a
burguesia cafeicultora como geradora de divisas para financiamento da importação de
máquinas e equipamentos industriais.
Os princípios constitucionais ampliam consideravelmente os direitos sociais em
relação à Constituição de 1891. No entanto, o principal diferencial que se estabelece é a
concentração dos direitos sociais no processo do trabalho urbano e assalariado.
A educação passa a ser pensada como formadora do trabalho para a indústria, com
profundas alterações que vão se processando desde 1930, especialmente no sentido de
aprofundar os controles sociais a partir de legislação trabalhista que mais tarde se estrutura
na Consolidação das Leis do Trabalho. Quadro 02 - Constituição Brasileira de 1934 e as identificações dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1934 Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
106 a 115 120 a 123 125 138 a 141 144 a 158
Todos são iguais perante a lei. Não distinção de credo, sexo, raça e classe social; Liberdade de consciência e de credo; Sigilo de correspondência; Inviolabilidade do lar; Direito de segurança; Habeas Corpus
Direito de voto aos maiores de 18 anos com exceção dos analfabetos, praças e mendigos; Liberdade de associação; Pluralidade sindical; Criação da Justiça do Trabalho;
Legislação trabalhista; Proibição da diferença de salário para o mesmo trabalho; Salário Mínimo Jornada diária de 8 horas; Proibição do trabalho de menores de 14 anos, do trabalho noturno para menores de 16 anos, do trabalho insalubre para menores de 18 anos e mulheres. Repouso remunerado; Férias anuais remuneradas; Indenização por dispensa do trabalho sem justa causa; Regulamentação especial para o trabalho agrícola; Domínio do solo após 10 anos de ocupação da terra (garantidos 10 hectares) Amparo aos desvalidos Estimular a educação eugênica; Amparo à maternidade e à infância; Atendimento às famílias de prole numerosa; Direito à educação primária integral e gratuita;
Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 99)
Um dos mais polêmicos institutos da Constituição de 1934 foi a inclusão da
educação eugênica, cuja interpretação social estava vinculada à idéia de aperfeiçoamento
racial, especialmente na legislação alemã nazista, contemporânea à sua promulgação. É um
princípio que não mais se repetiu nas outras cartas magnas do Brasil.
Finalmente, em relação à Constituição de 1934 pode ser citado o aumento da
intervenção do Estado nas relações sociais, com vários mecanismos de apoio às classes
menos favorecidas. A partir da obrigatoriedade do Estado de fornecer educação pré-
vocacional percebe-se a clara intenção de garantir a formação de mão de obra adequada à
92
nova realidade industrial do país.
Um elemento importante para a história dos direitos sociais no Brasil foi a
implantação, em 1936, do Serviço Social através do Centro de Estudos e Ação Social –
CEAS – que atuava como organizador da Ação Católica em São Paulo. O seu surgimento foi
uma reação em busca da superação da assistência fundamentada na benemerência e no
voluntarismo da solidariedade social. Foi uma contraposição com a atuação de profissionais
contra as ações voluntárias. Tinha como objetivo trabalhar o autodesenvolvimento das
pessoas, grupos e comunidades, tendo compromisso com a justiça e com a liberdade.
Negava a assistência em função da dependência e da sujeição que gerava (SPOSATTI et all,
2008, p. 43 s)
A constituição de 1934 vigorou até 1937, quando o governo de Getúlio Vargas
implantou o Estado Novo, que se caracterizou como um regime ditatorial e populista. O seu
projeto social era de caráter autoritário e tinha a intenção de estabelecer um forte controle
sobre a classe operária, que poderia, a partir de sua organização, tornar-se um incômodo,
especialmente em função das idéias comunistas que circulavam no Brasil e na América
Latina (COUTO, 2006, p. 102). A nova constituição outorgada em 1937, cujas bases estão
explicitadas no quadro 03 adiante, não alterou muito a área dos direitos sociais, mas
transformou o controle sindical por parte do Estado mais rigoroso e estabeleceu uma
proibição pura e simples do direito de greve sob o argumento de que era anti-social e nociva
aos interesses do país e da sociedade. A política social do Estado Novo está vinculada a uma estrutura corporativista, em que reprime e desmantela a organização política e sindical autônoma. As medidas de legislação social e sindical são relacionadas à crise de poder e a redefinição das relações do Estado com as diferentes classes sociais, acompanhadas de mecanismos que visam integrar os interesses do proletariado através de canais dependentes e controlados, com o objetivo de expandir a acumulação, intensificando a exploração da força de trabalho (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983, p. 17)
Todo o processo social se assenta na perspectiva da conciliação de classes mediada
pelo Estado através do Ministério do Trabalho e da legislação trabalhista.
Pereira (2007) analisa a criação das escolas de Serviço Social no âmbito dos Institutos de
Ensino Superior isolados, constituídos de acordo com o Estatuto das Universidades Brasileiras,
instituído pelo Decreto 19.851, de 11.04.1931.
No contexto acima explicitado é possível apreender, de forma mais substancial, como as primeiras unidades formadoras de assistentes sociais surgiram no país. A articulação entre Estado, Igreja Católica e empresariado marcou a criação das
93
primeiras ESSs: mesmo onde houve a ação direta da Igreja Católica, o Estado participou através da disponibilização de fundos públicos, conforme pudemos constatar ao pesquisar sobre as origens das ESSs por todo o país. Outra característica foi a criação destas ESSs fundamentalmente em estabelecimentos isolados, direcionamento dado pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931. Portanto, o movimento de criação de ESSs naquelas duas décadas deve ser apreendido também no contexto de reaproximação entre Estado e Igreja Católica -na luta da Igreja para conquistar espaços mais alargados, principalmente no âmbito educacional – além da participação do empresariado, cujas elites locais e regionais também se organizavam e disputavam hegemonia (PEREIRA, 2007, p: 112)
O Serviço Social se inseriu de forma muito intensa na ação do Estado, especialmente
a partir da aliança entre o Estado autoritário e a Igreja Católica.
Na área da assistência pode-se destacar o Decreto nº 525, de 1938, que estabelece a
organização nacional do Serviço Social enquanto modalidade de serviço público, através do
Conselho Nacional de Serviço Social, junto ao Ministério de Educação e Saúde (SPOSATTI
et all, 2008, p. 45) e a criação da LBA em 1942, inicialmente como entidade para prestar
apoio às famílias dos combatentes nas guerras e depois ampliando sua atuação para o
desenvolvimento de programas de assistência aos pobres. Quadro 03 - Constituição Brasileira de 1937 e as identificações dos direitos civis, políticos e sociais
Constituição de 1937
Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
115 a 130 132 a 133 136 a 142 148 151
Todos são iguais perante a lei; Direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade; Habeas corpus
Direito ao voto aos maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos, dos militares em serviço ativo e mendigos; Liberdade de associação; Direito a reuniões; Direito à posse da terra para os índios, sem direito de alienação; Lei pode prescrever: a) censura prévia à imprensa, ao cinema, ao teatro e ao rádio; b) medidas podem impedir manifestações públicas; c) crimes contra o Estado serão julgados; Dissolução da Câmara dos Deputados, Senado Federal, das assembléias legislativas dos estados e das câmaras municipais.
Ensino pré-vocacional e educacional destinados às classes menos favorecidas, enquanto prioridade do Estado; Amparo à infância e à juventude; Aos pais miseráveis assiste o direito de serem auxiliados na educação da prole; Ensino primário obrigatório e gratuito; Legislação trabalhista; Proibição da diferença de salário para o mesmo trabalho; Salário mínimo regional; Jornada diária de 8 horas de trabalho; Proibição do trabalho de menores de 14 anos, do trabalho noturno para menores de 16 anos, do trabalho insalubre para menores de 18 anos e mulheres; Repouso remunerado; Férias anuais remuneradas; Indenização por dispensa do trabalho sem justa causa; Necessidade de reconhecimento do sindicato pelo Estado; Greve considerada anti-social e nociva.
Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 101)
Conforme IAMAMOTO & CARVALHO (1983), a partir de 1937 se aprofunda a
opção corporativista do Estado, com uma vertente industrialista cada vez mais clara e
fundamentada numa aliança entre a burguesia e a oligarquia rural que apresentava poucas
94
contradições e com a ampliação do ritmo da urbanização, que transforma profundamente o
ambiente e a situação política brasileira. Conforme Iamamoto e Carvalho (1983):
O surgimento das grandes instituições sociais está relacionado ao aprofundamento das contradições desencadeadas a partir da Segunda Guerra Mundial e à crise política e social que precede a desagregação do Estado Novo. Após 1939, assiste-se a uma retomada do aprofundamento capitalista (expansão da produção industrial, atividades produtivas e agro-exportação), que exige do Estado maior intervenção no mercado de trabalho. Surge o SENAI para responder à necessidade básica de qualificação da força de trabalho necessária a expansão industrial. A pretexto do engajamento do país na Segunda Guerra, surge a primeira campanha assistencialista de âmbito nacional a partir da criação da Legião Brasileira de Assistência (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983, p. 22)
No ano de 1942, dia 28 de agosto, foi criada a Legião Brasileira de Assistência –
LBA, inspirada na ação de Darcy Vargas, primeira dama brasileira e apoiada pela Federação
das Associações Comerciais e pela Confederação Nacional da Indústria. Conforme
OLIVEIRA (2001), a criação da LBA provocou uma redefinição do Estado Brasileiro com a
incorporação da pobreza e da miséria no discurso oficial. Uma das características da ação da
LBA foi a utilização de mão de obra voluntária em suas ações complementares.
O objetivo inicial da criação da LBA era mobilizar o trabalho civil no esforço de
guerra. Este objetivo se ampliou durante sua trajetória histórica.
As principais marcas da ação da LBA podem ser sintetizadas como:
apoio ao surgimento de escolas de serviço social em diversas capitais dos estados
brasileiros. Esta ação se deu principalmente através de parcerias com movimentos de
ação social e da ação católica.
Trabalho assentado na ação das primeiras damas nos estados e municípios,
construindo uma cultura de vinculação das primeiras damas com a assistência social.
A partir do seu trabalho em todo o território nacional, a LBA se transformou na
maior agência de assistência social do país, mas se caracterizou pelas políticas
assistencialistas de cunho paternalista, emergencial e compensatória.
O trabalho da LBA, conforme OLIBEIRA (2001) fragmentou a pobreza em grupos
(menor, gestante, idoso) e necessidade (lazer, educação, alimentação) para atendimento das
demandas sociais. Por não aplicar uma política universalizante, estabeleceu critérios de
elegibilidade em cada uma de suas ações.
A ação junto à população excluída do mercado levou à caracterização de grande parte
da população como sub-cidadãos, conforme citado por Oliveira (2001). Esses, pela sua
dependência e submissão, não participavam das conquistas sociais.
95
No conjunto, Oliveira (2001) classifica as ações da LBA em três tipos básicos.
O primeiro tipo se relacionava ao apoio à família, com a oferta de creches, ações
básicas de saúde, apoio nutricional, banco de leite humano, educação social, documentação e
acesso aos direitos civis e com programas de auxílio econômico e financeiro.
O segundo tipo se situava no incentivo ao trabalho e à geração de renda, tanto no
espaço rural como no urbano. Normalmente eram desenvolvidas através de cooperação
técnica e financeira com outras entidades e organizações para atividades de reciclagem
profissional.
O terceiro tipo relacionava-se ao desenvolvimento comunitário, especialmente as que
se relacionavam à assistência técnica e financeira para melhoria habitacional da população
pobre.
Em todas as áreas de atuação utilizava-se de convênios com entidades para ampliar
sua ação, dando prioridade para a assistência à maternidade e à infância, aos velhos e aos
desvalidos.
A partir de sua fundação até a sua extinção a LBA foi utilizada pelos governos para a
implementação de suas políticas na área da assistência social. Pelas características da
atuação da entidade e pela forma como os governos atuavam, a Assistência Social não se
transformava numa política pública em seu sentido pleno de universalidade, assentada num
direito social, que somente ficou mais caracterizado a partir da Constituição de 1988.
O surgimento e o desenvolvimento das grandes entidades sociais, como a LBA, o
SESI, o SENAI e a Previdência Social é, conforme Iamamoto e Carvalho (1983, p. 24)
coincide com o fortalecimento do Serviço Social que,aos poucos, rompe com os limites de
sua origem na ação social católica para se inserir no mercado de trabalho.
O Serviço Social deixa de ser uma forma de intervenção política de determinadas frações de classes para ser uma atividade institucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo conjunto do bloco dominante, constituindo-se numa das engrenagens de execução das políticas sociais do Estado e de corporações empresariais. Contudo, o Serviço Social mantém sua ação educativa e doutrinária de “enquadramento” da população cliente (IAMAMOTO e CARVALHO, 1983 p 25)
Em 1945, seguindo a onda mundial pela democratização ocorrida em função do fim
da segunda guerra mundial, a pressão pelo retorno da democracia foi enfraquecendo a
posição de Getúlio Vargas, até que uma Junta Militar o destituiu do poder, inaugurando uma
etapa democrática na história do Brasil. A Constituição promulgada em 1946 teve como
96
característica básica a eliminação de todas as restrições à liberdade contidas na anterior,
especialmente o direito à greve, à livre associação sindical, mantendo de forma bastante
explícita sua prioridade de regulação dos direitos trabalhistas (COUTO, 2006, p. 104).
Outros avanços que podem ser citados foram os relativos à propriedade da terra,
sendo a primeira a incluir as questões de regulação das posses, o direito de acesso à
propriedade aos posseiros, garantida constitucionalmente uma área de 25 hectares, e
incluindo a função social da terra como fator essencial para o desenvolvimento da sociedade.
Durante o início da década de 1940 ocorre, também, uma grande mudança na
compreensão das políticas sociais, com a implantação de uma política mais global, que se
refletiu diretamente na ação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial)
quando, em 1942, passa a adotar medidas assistenciais e educativas para a adequação da
força de trabalho às necessidades das indústrias, que estavam em plena expansão. Em 1946
se constitui, também, o SESI (Serviço Social da Indústria) que segue a mesma orientação
(SPOSATTI et all, 2008, p. 46).
Reflexo da nova postura, o governo brasileiro lançou em 1948 o Plano SALTE, que
tinha como base a planificação das áreas da saúde, da alimentação, do transporte e da
energia para o desenvolvimento do país. Com resultados não muito animadores, grande parte
dos seus princípios não conseguiram ser efetivados em função da incapacidade do Estado
em capitalizar os seus investimentos nas áreas estratégicas que apontava.
Abaixo o quadro com a síntese dos direitos sociais contidos na Constituição
Brasileira de 1946. Quadro 04: A Constituição Brasileira de 1946 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais
Constituição 1946 Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
129 a 148 156 a 168
Todos são iguais perante a lei; Direito à liberdade; Habeas corpus; Mandado de Segurança; Liberdade de pensamento e de crença; Proíbe a pena de morte;
Direito a voto aos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, com exceção dos analfabetos, dos praças de pré e dos que não saibam exprimir-se em língua nacional; Voto secreto; Liberdade de associação; Direito a reuniões;
Direito ao trabalho Uso da propriedade condicionada ao bem estar social; Salário mínimo para satisfazer as necessidades do trabalhador e de sua família; Jornada diária de oito horas de trabalho; Proibição de salários desiguais para o mesmo trabalho por motivo de sexo, nacionalidade ou estado civil; Salário do trabalho noturno superior ao do diurno; Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; Higiene e segurança no trabalho; Proibição do trabalho de menores de 14 anos e de mulheres e menores de 18 anos em indústrias insalubres; Direito da gestante de descanso antes e depois do parto; Estabilidade no emprego e indenização na dispensa de trabalhador urbano e rural; Convenção coletiva de trabalho; Assistência aos desempregados; Previdência com contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e da União;
97
Seguro para acidente de trabalho; Reconhecimento do direito de greve; Educação primária gratuita e obrigatória; Empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de 100 empregados são obrigadas a manter ensino primário e de aprendizagem ao trabalho; Repouso semanal remunerado; Férias anuais remuneradas; Indenização por dispensa do trabalho sem justa causa; Assistência à maternidade, à infância e à adolescência.
Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 106)
A experiência democrática brasileira durou apenas até 1964, quando os militares
assumiram o poder através de um Golpe de Estado que foi construído durante o período
inicial da década de 1960 sob a forte influência da Guerra Fria e da pressão dos setores
empresariais para garantia de estabilidade nas relações entre capital e trabalho,
convulsionadas em função da crise econômica sofrida naqueles anos. Ao assumir o governo
os militares estabeleceram um regime de exceção sem, no entanto, mudar a constituição.
Somente no ano de 1967 outorgaram à nação uma nova carta constitucional, incorporando
todas as medidas de exceção que haviam adotado nos primeiros anos de governo.
O sonho nacionalista acabou e os militares adotaram um caráter nacional-
desenvolvimentista com uma forte internacionalização e modernização da economia
brasileira, não apenas na área industrial, mas com a expansão do processo modernizador da
agricultura de forma integrada ao setor industrial, gerando a constituição do complexo
agroindustrial brasileiro. A base de todo o processo, inclusive na área do serviço social, foi o
do planejamento. Pelo planejamento, como técnica de consenso social, transformou as
classes trabalhadoras e subalternizadas como elementos passivos do serviço social, que
recebiam todos os benefícios enquanto concessão do Estado (SPOSATTI et all, 2008, p. 50
ss).
Houve a sistemática exclusão dos trabalhadores dos espaços de decisão,
especialmente na área da previdência onde ocorreu a unificação de todos os institutos das
categorias em uma única organização sob o controle do Estado, com a criação do INPS –
Instituto Nacional de Previdência Social. Quadro 05: A Constituição Brasileira de 1967 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1967 Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
140 142 a 151 157 a 159 168 170
Direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade; Todos são iguais
Direito ao voto para os maiores de 18 anos com exceção dos analfabetos, dos que não saibam se exprimir em língua nacional e os privados dos
Direito ao trabalho; Valorização do trabalho como condição de dignidade humana; Função social da propriedade; Proibição de greve em serviço público e serviços essenciais;
98
perante a lei; Habeas corpus Mandado de segurança;
direitos políticos; Liberdade de associação profissional ou sindical; Eleição do Presidente por Colégio Eleitoral.
Salário mínimo para a satisfação das necessidades de trabalho e familiar; Salário família; Proibição de diferenças de salário e de critérios de admissão por sexo, cor e estado civil; Salário do trabalho noturno superior ao do diurno; Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; Jornada de trabalho de oito horas; Repouso semanal remunerado; Férias anuais remuneradas; Higiene e segurança no trabalho; Proibição do trabalho de menores de 12 anos, de trabalho noturno aos menores de 18 anos, do trabalho insalubre para mulheres e para menores de 18 anos. Descanso remunerado a gestantes, antes e após o parto; Previdência social; Assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva aos trabalhadores; Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais; Direito à educação primária.
Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 125)
O ano de 1968 ficou mundialmente marcado pela mobilização social em busca dos
direitos sociais e do aprofundamento da proteção social, tendo a Europa como principal
espaço irradiador das mobilizações. No Brasil também ocorreram vários movimentos
grevistas e sociais em busca da superação da ditadura militar. A forte pressão social levou os
militares a intensificarem o processo de controle social sobre os trabalhadores e movimentos
sociais com a adição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que tornou a constituição de 1967
completamente inadequada para a nova realidade política vivida pelo país. Por isso, em 1969
foi outorgada nova constituição, incorporando grande parte dos dispositivos do AI-5 ou
estabelecendo condições para sua legitimação.
Conforme Mestriner (2001, p. 168), em 1969 o governo federal transforma a LBA
em Fundação que passa a ser vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social,
ampliando seus programas e sua estrutura de funcionamento.
Em 1974, o governo Geisel cria o Ministério da Previdência e Assistência Social que
abrigava em sua estrutura a Secretaria de Assistência Social, que passou a ser o órgão
responsável pela elaboração e formulação da política nacional de assistência social que tem
como um de seus principais focos o combate à pobreza.
A nova constituição manteve todos os direitos dos trabalhadores de forma individual
e concentrando as grandes mudanças na área dos direitos civis e políticos. Além de
implantar a pena de morte, prisão perpétua, banimento dos que transgrediam a ordem, o
confisco dos bens e a censura prévia aos jornais, revistas e demais meios de comunicação.
Ao meso tempo, as ações governamentais conseguiram desencadear um processo de rápido
99
crescimento econômico, que foi denominado de “milagre brasileiro”. Neste processo
econômico adotou-se o princípio de que primeiro a economia deveria crescer para depois
serem repartidos os seus benefícios. A forte pressão sobre os salários e a proteção aos lucros
das empresas provocou uma forte concentração de renda e riqueza. Quadro 06: A Constituição Brasileira de 1969 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1969 Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
145 a 154 160 a 166 175 a 176
Direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade; Todos são iguais perante a lei; Inviolabilidade do lar; Habeas corpus; Mandado de segurança.
Direito ao voto para os maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos, dos que não saibam se exprimir em língua nacional e dos privados dos direitos políticos.
Direito ao trabalho; Trabalho noturno superior ao diurno; Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; Jornada diária de oito horas de trabalho; Repouso semanal remunerado; Férias anuais remuneradas; Higiene e segurança o trabalho; Proibição do trabalho aos menores de 12 anos, do trabalho noturno para os menores de 18 anos, do trabalho insalubre para mulheres e para os menores de 18 anos; Descanso remunerado a gestantes, antes e depois do parto; Salário família; Aposentadoria a mulheres com 30 anos de trabalho; Proibição de greves no serviço público e atividades essenciais; Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e à educação de excepcionais; Necessidade de apontar a fonte de custeio para benefícios assistenciais.
Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 126) Os principais programas desenvolvidos na área dos direitos sociais foram a criação
do Funrural, em 1972 a regulamentação do trabalho doméstico e do autônomo, o Plano
Nacional de Habitação popular, o PIS-PASEP, como fundos com recursos da folha de
pagamento, o programa de alimentação do trabalhador, o programa de erradicação da sub-
habitação – Promorar, a criação, em 1972, do Ministério da Previdência e Assistência Social.
A LBA continuava como a principal instituição da assistência social, desenvolvendo seus
programas de forma focalizada para eliminação das tensões sociais.
4.7 A assistência social na Constituição de 1988
A desestruturação da ditadura militar, descrita anteriormente neste capítulo, permitiu
a estruturação de um Congresso Constituinte que, articulado a um grande movimento social,
elaborou a nova constituição, promulgada em 1988.
Partindo de uma grande pressão social para a superação das estruturas estatais
produzidas pela ditadura militar, como analisado antes neste capítulo, o Congresso
Constituinte produziu um novo modelo de proteção social, ampliou os direitos sociais,
universalizou o direito ao voto, incluindo os analfabetos que historicamente sempre foram
100
excluídos e, na área dos direitos civis, promoveu garantias de inviolabilidade da vida privada
das pessoas.
Pode-se afirmar, como ponto de partida, que o processo de construção da
Constituição de 1988 se deu em um ambiente de ampliação dos direitos e numa tendência de
universalização de direitos. No entanto, quando inicia o processo de sua regulamentação
enquanto política pública o Estado brasileiro já vivia um ambiente de crise de financiamento
das políticas sociais, influenciado pela crise geral do estado de bem estar social e a opção
pelo modelo neoliberal iniciado pelos governos Tatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados
Unidos.
Como afirma Sposati (2009), em relação ao conceito de Seguridade Social, que
inclui a Assistência Social, juntamente com a Saúde e a Previdência, no sistema de proteção
social:
A inclusão da assistência social significou, portanto, ampliação no campo dos direitos humanos e sociais e, como consequência, introduziu a exigência de a assistência social, como política, ser capaz de formular com objetividade o conteúdo dos direitos do cidadão em seu raio de ação, tarefa, aliás, que ainda permanece em construção (SPOSATI, 2009, p. 13)
Por mais que ainda esteja em construção, o Brasil adotou um modelo que abre
perspectivas para a articulação entre sistemas contributivos e não contributivos nos direitos
dos cidadãos, ultrapassando definitivamente o conceito de pessoa assistida para assumir o
conceito de cidadão usuário.
Sposatti (2009) continua afirmando que essa decisão do Congresso Constituinte foi a
grande novidade trazida pela nova Constituição Federal. Compreende-se que, sendo uma
novidade, para se tornar realidade, obrigará aos governos e à sociedade civil a uma
construção nova, superando a fragmentação sempre presente nas estruturas do Estado
brasileiro desde sua origem.
Para que possamos iniciar uma análise mais aprofundada da forma como se
estruturou a Seguridade Social no Brasil, iniciamos pela síntese dos direitos presentes no
texto constitucional. Abaixo a síntese dos direitos civis, políticos e sociais instituídos pela
Constituição de 1988.
101
Quadro 07: A Constituição Brasileira de 1988 e a identificação dos direitos civis, políticos e sociais Constituição 1988 Síntese dos Direitos
Artigos Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais
05 a 17 170 e 184 194 a 232
Todos são iguais perante a lei; Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando-se o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; Habeas corpus; Habeas data; Mandado de segurança coletivo; Mandado de injunção.
Expansão do voto aos analfabetos; Voto facultativo para maiores de 16 anos até 18 anos e para os maiores de 70 anos; Flexibilização da organização dos partidos políticos, podendo um partido ser criado a partir da assinatura de 30 pessoas; Liberdade de imprensa e o debate político como regra dos processos eleitorais.
Redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais; Férias anuais remuneradas e mais um terço do salário; Extensão do FGTS a todos os trabalhadores; Licença paternidade; Direitos iguais entre trabalhadores urbanos, rurais e domésticos; Vinculação da aposentadoria ao salário mínimo; Extensão aos aposentados dos benefícios concedidos aos trabalhadores ativos; Ampliação de 90 para 120 dias do período de licença gestante; Reconhecimento do direito de greve e de autonomia e liberdade sindical; Inclusão do seguro-desemprego como direito dos trabalhadores urbanos e rurais; Universalização do ensino fundamental; destinação de recursos públicos para esse nível de ensino e para a erradicação do analfabetismo; Gratuidade do ensino público em todos os níveis; Transformação da creche em um serviço educacional; Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços; Irredutibilidade do valor dos benefícios; Diversidade de sua base de financiamento; Gestão administrativa descentralizada e com controle social; Acesso a todo o serviço de saúde, com princípios da universalidade e da equidade; Reconhecimento da assistência social como componente da seguridade social; Salário mínimo para os idosos e portadores de deficiência que não puderem se manter;
Fonte: Berenice Rojas Couto (COUTO, 2006, p. 157)
Entre os anos de 1940 e 1970 houve um acentuado crescimento na construção de
sistemas de seguridade social. A partir da década de 1970 o sistema capitalista enfrentou
uma séria crise de acumulação, provocando uma reação ao sistema para adequá-lo às novas
condições. A reação inicia pela negação da possibilidade de existência de um sistema
alternativo ao capitalismo. As classes dominantes passaram a pregar a substituição do
modelo de sociabilidade do trabalho protegido pelo modelo de regulação pelo mercado,
negando a intervenção do Estado e afirmando a responsabilidade da sociedade pelas
políticas sociais, institucionalizando um terceiro setor para a sua execução.
No Brasil, a partir dos escritos de Sposatti (2009) e Couto (2006), pode ser percebido
que, embora as iniciativas ocorridas nas décadas de 1940 e 1950, foi somente a partir dos
anos 1980, com a superação da ditadura, a sociedade avança na institucionalização e
constitucionalização do exercício da cidadania, da democracia e dos novos direitos sociais,
trabalhistas e políticos. A partir de 1964 a trajetória das políticas evidencia a fragmentação,
102
com espaço para a iniciativa privada naqueles que são lucrativos, como a saúde, a
previdência e a educação. A inclusão dos setores não assalariados ou em situação de
vulnerabilidade social nas políticas, afastaram os setores médios assalariados para o
consumo de serviços privados, seja na saúde, na previdência ou na educação. Esse processo
apontou a tendência clara da seguridade social atual: fragmentação das necessidades e
interesses dos trabalhadores, uma previdência com característica de seguro social, a saúde
como uma mercadoria e a assistência social como uma política estruturadora. Novos
mecanismos de consenso são estimulados: descentralização, parcerias, participação
indiferenciada das classes, focalização, responsabilização individual. O centro da questão
social deixa de ser a ação distributiva para se centrar no combate à pobreza.
O grande capital consegue, através das iniciativas dos trabalhadores, especialmente
na previdência, parceiros e provedores do capital financeiro e proprietários de grandes
negócios, como ocorrem com os fundos de pensão das maiores empresas estatais, que
investiram enormes recursos em empresas quando do processo de privatização desenvolvido
durante a década de 1990. A seguridade social brasileira, concebida a partir de 1988,
caminhou em direção ao estado de bem-estar social, mas as características excludentes do
mercado de trabalho, a alta concentração de renda, a grande pauperização da população e a
baixa publicização do Estado impediram a universalização do acesso aos benefícios sociais.
Mesmo assim, houve um alargamento da oferta de benefícios, como a assistência social e a
saúde, mesmo que essa trajetória tenha sido combatida pelas concepções neoliberais que
passaram a predominar na esfera estatal e classes dominantes. A nova política em relação ao
trabalho assume a precarização como inevitável, a mercantilização como caminho sem volta
e a subordinação do público ao privado como parte de uma nova forma de gestão.
De acordo com Sposatti (2007, p. 449), a partir do momento em que a Assistência
Social passa a ser incluída no conjunto das políticas de proteção social e assume a
característica de ser não-contributiva, tem como missão a geração de ações preventivas e de
proteção frente às situações de vulnerabilidade, de riscos e de danos sociais,
independentemente da situação e da contribuição financeira dos usuários e sem levar em
conta sua situação legal.
A autora aponta uma questão que se torna essencial para compreensão da nova
formulação política da Assistência Social contida na Constituição Federal de 1988: se
fundamenta nas “situações instaladas no campo relacional da vida humana” (SPOSATTI,
2007, p. 449), assumindo a perspectiva de assumir a proteção das pessoas e comunidades a
103
partir dos riscos sociais originados a partir da insustentabilidade dos vínculos sociais e das
incertezas que provocam esses riscos, atuando de forma deliberada na construção de
processos de desenvolvimento humano e social.
É neste aspecto que passa a ser percebida a novidade da concepção da política na
Constituição: ao invés de atuar para remediar situações de exclusão e de risco social
provocados pelo processo de desenvolvimento do país, a Assistência Social assume o papel
de promover, a partir de suas ações, processos de desenvolvimento que incluam seus
usuários na partilha dos bens sociais gerados pelo processo de desenvolvimento. Isso
implica, necessariamente, a sua articulação com o conjunto de políticas adotadas pela
sociedade na construção de seu desenvolvimento social, econômico, cultural e político. É o
momento mais claro da superação das políticas de caridade e de clientelismo para assumir
uma política de inclusão dos seus usuários na cidadania plena.
Observa-se, a partir da autora acima, a constatação de uma caminhada em busca da
universalização do direito à assistência social, embora permaneça a seletividade do
atendimento a partir das condições sociais dos cidadãos. A vulnerabilidade, os riscos e os
danos sociais passam a ser critérios de seleção para inclusão nos programas da área de
assistência social. Os objetivos de sua ação, no entanto, passam a ser ampliados de forma
significativa. Não se restringem mais ao mero socorro, às ações imediatas de superação das
situações de risco. Passa a ser fundamental a atuação com a perspectiva do desenvolvimento,
no sentido de que os usuários tenham condições de superar as situações de vulnerabilidade
social para se inserir de forma sustentável na partilha dos benefícios do desenvolvimento
econômico, social, cultural e político do país. O trabalho voluntário ou através de
Organizações não Governamentais ou de empresas socialmente responsáveis aumentam a
participação da sociedade na execução das políticas sem, no entanto, assumir características
de mero assistencialismo ou de caridade. Os programas de renda mínima passam a exercer o
papel de integração das pessoas na sociedade.
Conforme a Constituição Federal, a seguridade social envolve os direitos à saúde,
previdência e assistência social. No seu artigo 194 explicita essa concepção, que precisa ser
compreendida de forma clara.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento;
104
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988).
A Emenda constitucional nº 20 de 1998 estabeleceu a participação quadripartite na
gestão da política de seguridade social, considerando o governo, os trabalhadores, os
empresários e os aposentados. O primeiro princípio que se destaca é a universalidade do
acesso dos cidadãos aos benefícios da seguridade social. Considerando que a saúde, a
previdência e assistência social fazem parte da seguridade social, a universalidade deve ser
garantida de forma articulada entre as três áreas. Isso implicaria uma necessária integração
na gestão dos processos que, observada a organização do governo federal, mantém a
separação dos ministérios da saúde, da previdência e da assistência social, dificultando
sobremaneira o processo de articulação entre as políticas.
Da mesma forma como no governo federal, os estados e municípios mantêm a
fragmentação, impedindo que as ações possam ser articulada de forma a garantir a
complementaridade e a capacidade de prover a universalidade prevista na lei.
Para Sader (2006, p. 49) a universalidade prevista no inciso I somente se aplica à
saúde, que todo o cidadão, independentemente de sua condição social tem o direito de
acessar. Não se aplica à assistência social, que somente será acessado pelos cidadãos em
estado de vulnerabilidade social e a previdência, que é uma política contributiva. No
entanto, pode-se contestar esse conceito de universalidade interpretando que todos,
independentemente de sua condição social e de renda, têm direito de acesso à assistência
social se chegar ao estado de vulnerabilidade social. A partir do momento que, embora tenha
tido renda para se manter em situação de auto-sustentação, houver uma situação de
vulnerabilidade o acesso estará garantido. No mesmo sentido pode-se afirmar a
universalidade a partir dos benefícios sociais concedidos aos idosos, sem necessidade de
prévia contribuição.
Um dos aspectos que até o momento não se conseguiu avançar foi na equiparação
entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada, mantendo o Brasil uma forma
previdenciária específica para os primeiros, com vários conteúdos considerados pela
sociedade como privilégios.
105
Outro setor que ainda não conseguiu ser contemplado no processo de equivalência de
benefícios são os trabalhadores informais, cujo acesso ao sistema ainda é precário,
especialmente quando se leva em consideração a questão da previdência. Essa diferenciação
se acentuou muito a partir da Emenda Constitucional nº 20, que eliminou o tempo de serviço
como medida de acesso aos benefícios previdenciários e o substituiu pelo tempo de
contribuição.
É questionável a opção pelo tempo de contribuição sendo que não foram criados
mecanismos claros de acesso aos trabalhadores informais no que se refere às condições de
renda e capacidade de contribuição para a previdência. Por mais que a previdência seja
considerada uma política contributiva, a definição de mecanismos de garantia de
contribuição de acordo com a realidade social de quem não é assalariado ou não tem formas
de arrecadação regulamentados a partir das empresas ou da venda de produtos da agricultura
provoca uma quebra no princípio da universalidade de acesso e na equivalência dos
benefícios.
Quanto à seletividade e distributividade, a Constituição prevê o que se pode chamar
de políticas positivas de inclusão, na medida em que estabelece a ampliação dos benefícios a
todos os cidadãos que deles necessitam.
Conforme o DIEESE (2006, p. 3), a Constituição, ao prever essa concepção de
seguridade, obriga o Estado brasileiro a assumir a responsabilidade de um processo
integrado, que vai muito além das ações em cada uma das áreas. A universalidade do
atendimento inclui a proteção a todos os cidadãos que, de alguma forma, tenha sua
sobrevivência comprometida ou ameaçada, indo muito além da mera concessão de
benefícios. É neste aspecto que reside o sentido estratégico que se reveste o planejamento
das ações em cada uma das áreas, que precisam visualizar não apenas o atendimento
específico, seja na saúde, na previdência ou na assistência social, mas serem estruturadas de
tal forma que sejam mediadoras de um processo de construção da inclusão dos usuários nas
perspectivas de um desenvolvimento social, econômico, cultural e político que possibilitem
a segurança social e uma vida integrada ao conjunto da sociedade, usufruindo dos benefícios
do desenvolvimento.
Essa nova política desafia o Estado a constituir um processo que supere a visão de
“seguro”, em que os beneficiários sejam inseridos nos processos de proteção sem o limite de
contribuições, em que as necessidades dos cidadãos preponderem em relação às questões
orçamentárias ou contributivas.
106
Adailza Sposati (2009, p. 16) afirma que a nova Constituição estabeleceu um modelo
de proteção social e que isso não significa que ele já exista. Para ela, esse modelo é uma
construção e que orienta todo o processo de sua implantação. Ao prever um avanço na
concepção e acesso à proteção social, a Constituição Federal desafia o Estado a atuar de
forma decidida na construção do modelo e sua materialização enquanto processo.
Complementa, a autora, afirmando que o ritmo e a forma de implantação sofre problemas
em função dos diferentes ritmos de atuação dos entes federados e sofre a influência das
múltiplas territorialidades que abrigam sujeitos sociais diversos.
Sposatti (2009, p. 17) identifica três mudanças significativas no modelo
constitucional: a primeira em relação a responsabilidades do órgão público pelas políticas; a
segunda quando pressupõe uma ação social planejada e proativa em relação às questões
sociais; e a terceira pela criação de espaços democráticos de decisão sobre as políticas e sua
execução. A mudança do papel do gestor público que não mais considera como público da
proteção social como carente ou como assistido, mas como cidadão usuário de direitos.
A compreensão do DIEESE aponta para a necessária integração entre os setores da
saúde, da previdência e da assistência social para garantir o bem estar dos cidadãos. Essa
integração de políticas é uma das garantias básicas para a cidadania das pessoas pobres e que
estejam em situação de vulnerabilidade social. Na compreensão de “um conjunto integrado
de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988. Art. 194) o novo
modelo criado associa ao tradicional seguro social articulado à previdência a um conjunto de
políticas sociais de caráter universal e distributivo, ampliando de forma significativa o papel
do Estado e da Sociedade na sua relação com a cidadania (SADER, 2006, p. 48).
Os recursos necessários para o financiamento da seguridade social devem ser
originários de fontes diversas, e não apenas do orçamento da União. No artigo 195 da Carta
Magna está prevista a forma como será o seu financiamento, apontando para a necessária
articulação de toda a sociedade em seu financiamento.
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento;
107
c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos; IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988)
Interpretando o texto constitucional acima se percebe que há uma unificação das
fontes de financiamento da seguridade social. Isso aponta para o Estado a necessidade de
unificação do orçamento das três áreas, de tal forma que todas as ações, integradas,
pudessem ser financiadas por esses recursos. Observando a estrutura do governo federal
pode-se perceber a presença de três ministérios diferentes, com separação entre a
previdência social, a saúde e a assistência social. A existência de três ministérios diferentes
não é um pressuposto que caracterize a fragmentação. Poderia o Estado manter as três áreas
atuando de forma específica, mas mantendo uma integração política capaz de superar essa
fragmentação. No entanto, pela percepção das ações na oferta dos serviços públicos aos
cidadãos, nas agências de acesso utilizadas pelo cidadão, que ainda estamos muito distantes
de uma ação de proteção social e não meramente de saúde, de assistência social ou de
previdência. Por mais que o texto da Constituição unifique as três áreas como seguridade
social, ainda se percebe que não houve a unificação da gestão em função da fragmentação
em três ministérios sem que tenha sido construído um instrumento mínimo para articular as
políticas, os programas e os serviços públicos.
Uma dificuldade enfrentada na implantação do sistema de seguridade social foi a
necessidade de regulamentação dos dispositivos da nova constituição. Embora estivesse
prevista para ser realizada em seis meses após a sua promulgação, a maioria das leis que
regulamentaram as diversas áreas levaram alguns anos para serem elaboradas.
– A lei Orgânica da Saúde - Lei 8.080 – só foi aprovada em 1990; a Lei de
Organização e Custeio da Seguridade e de Benefícios da Previdência – Lei 8.212 – em 1991;
e a Lei Orgânica da Assistência Social somente em 1993, devido à forte pressão social,
principalmente dos setores sociais mais relacionados com a área, após haver sofrido um veto
total do presidente Collor em 1990. Enquanto não havia uma regulamentação específica, os
governos podiam atuar sem respeitar a constituição sob a alegação de sua inaplicabilidade.
Uma ação governamental que comprometeu seriamente a capacidade de
financiamento da seguridade social foi a adoção da desvinculação de receitas aos gastos
específicos que inicialmente, em 1994, foi denominado de Fundo Social de Emergência, que
depois foi redefinido como Fundo Social de Emergência e, posteriormente, de
108
Desvinculação das Receitas da União – DRU. O mecanismo reduz sensivelmente a
destinação dos recursos da União para o financiamento da seguridade pela destinação de um
percentual da arrecadação federal para a estabilização financeira das contas da União e para
o cumprimento das metas fiscais estabelecidas a partir das determinações orçamentárias.
Se observada a forma de gestão utilizada pelos governos depois da Constituição de
1988, pode-se perceber claramente que não houve a preocupação em elaborar um plano
orçamentário da Seguridade Social brasileira e esta tem se caracterizado pela fragmentação
nas ações da saúde, da previdência e da assistência social. A existência de três ministérios
diferentes para a gestão da seguridade e a forma como os orçamentos são definidos tornam a
articulação da seguridade social bastante complexa, com a duplicação de estruturas e
diferenciação nas orientações políticas.
Outro aspecto que se torna essencial observar na aplicação dos princípios
constitucionais é a vinculação da garantia dos direitos sociais aos ditames orçamentários. A
necessidade de contenção de gastos por parte do governo retira a incondicionalidade e a
universalidade dos direitos sociais, deixando-os contingenciados de acordo com os valores
previstos no processo de arrecadação. A forte pressão dos setores dominantes para que o
Estado reduza os gastos sociais para garantir a capacidade de investimentos econômicos
tornam a previdência, a saúde e a assistência social vilões do desequilíbrio fiscal.
A Constituição Federal de 1988 definiu de forma bastante precisa a concepção de
assistência social quando estabelece a universalidade de acesso, independentemente das
contribuições que sejam feitas para a seguridade social. Ao mesmo tempo em que estabelece
que qualquer pessoa, independentemente de sua condição de contribuinte, tenha acesso aos
seus benefícios, estabeleceu como públicos especiais a família, a maternidade, a infância, a
adolescência e a velhice, ensejando a necessidade construção de leis específicas para a
implantação das políticas públicas para o atendimento.
O Artigo 203 da Constituição, em seu inciso III, aponta para a necessidade de
articulação do processo de assistência às necessidades e carências com a integração das
pessoas ao mercado de trabalho. Embora com o limite de apenas pensar o processo enquanto
mercado de trabalho e não de geração de condições de acesso à renda e ao trabalho,
independentemente do assalariamento, é possível visualizar a possibilidade de uma forte
intersecção entre as políticas de assistência social às políticas de acesso à terra para as
famílias de agricultores, especialmente da agricultura de base familiar. Com essa observação
aponto como uma das vertentes de debate que a sociedade terá que colocar em seu horizonte
109
a integração da assistência social às políticas de reforma agrária, de assistência técnica e
extensão rural para as famílias de agricultores de base familiar, bem como o avanço na
construção de políticas e serviços sociais específicos para as populações do campo,
especialmente os remanescentes de quilombolas, de faxinais, de comunidades indígenas e
outras, que sempre foram tratadas como objetos de um mero assistencialismo, normalmente
assumido de forma setorial pelo INCRA ou pela FUNAI.
A amplitude dos direitos sociais constituídos colocava como absolutamente
necessária a organização de um sistema de assistência social articulado nacionalmente,
capaz de abranger a todos os cidadãos, a estabelecer instrumentos de acesso aos serviços
sociais capazes de ser um dos fatores de garantia da cidadania.
A ampliação dos direitos obriga, também, a alocação de recursos compatíveis com a
complexidade de sua disponibilização para a população. Para tanto a Constituição Federal
estabeleceu as fontes de financiamento da assistência social de forma articulada com o
conjunto da Seguridade Social.
No seu Artigo 204 a Constituição Federal aponta para o financiamento da Assistência
Social com base nos recursos orçamentários da seguridade social, mas aponta para outras
fontes de financiamento que sejam oriundas do processo de descentralização político-
administrativa do Estado. Neste ponto se entende que os entes federados (estados, distrito
federal e municípios) não sejam apenas executores das políticas, mas que devem destinar
recursos de seus próprios orçamentos para garantir os objetivos da Assistência Social.
O dispositivo constitucional aponta, também, os papéis assumidos no processo de
descentralização, cabendo à União a coordenação e o estabelecimento de normas gerais, e
aos estados, municípios e entidades assistenciais e beneficentes a coordenação e a execução
em sua esfera de atuação.
Também, no Artigo 204, está determinada a participação da população, através de
suas representações, na formulação das políticas e no controle de sua execução. É o
dispositivo que estabelece o controle social sobre as políticas de assistência social, que ainda
precisa avançar significativamente. Poderá ser objeto de estudo específico o papel
desempenhado pelos Conselhos da Assistência Social nos estados e municípios para
compreender de forma mais significativa a constituição dos espaços de controle social.
Pode-se estabelecer, desde já, o questionamento sobre a relação que se estabelece entre o
Estado e a Sociedade Civil no processo de controle social das políticas públicas, não se
restringindo o questionamento à área da Assistência Social.
110
A maior dificuldade enfrentada na constituição da Assistência Social como política
pública, articulada à seguridade social, era a concepção que se tinha desde a criação da LBA
– Legião Brasileira de Assistência em 1942, cuja base era fragmentada e assistencialista.
Conforme PINHEIRO (2008, p. 53), essa dificuldade não era uma prerrogativa apenas dos
movimentos e partidos de direita, mas também dos partidos e movimentos de esquerda. Para
o autor, a proteção social veio historicamente se confundindo com a “subsidiaridade”, o
favor e o clientelismo.
O processo de implantação da Assistência Social enquanto Política Pública sofreu
vários percalços em função da tradição e da concepção histórica adotada pelo serviço no
Brasil. Uma das questões que mais emperraram a compreensão do novo processo foi a
tendência ao assistencialismo fragmentado e focado, normalmente com muitas
características clientelistas. O clientelismo, que está na raiz das práticas políticas tradicionais
no Brasil, tem sua perenização apoiada nas práticas dos mandatários políticos, que
normalmente se apóiam nessas políticas para construir bases eleitorais atreladas a benefícios
concedidos como favores.
O Movimento de Assistência Social, conforme Pinheiro (2008, p. 54), o modo de
gestão da política federal tem reproduzido as mesmas condições de execução aplicadas
quando da atuação da LBA, formando um modelo segmentado e centralizado, com várias
blindagens contra a participação social. Para o movimento, a ampliação da esfera pública e a
noção de direitos propostos pela CF/88 não estão respaldados no modelo de Estado existente
no Brasil.
Pinheiro (2008) afirma que a criação, pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso,
do programa Comunidade Solidária, coordenado pela primeira-dama, como a negação de
todas as políticas definidas pela Constituição Federal e pela visão da assistência como
política pública. Focado nos bolsões de pobreza e direcionado apenas aos indigentes e aos
mais pobres, atuou de forma pontual, negando o princípio da universalidade e da articulação
com as demais políticas de proteção social.
Da mesma forma como a LBA havia desenvolvido suas atividades, o programa
Comunidade Solidária manteve a estrutura de funcionamento, apelando para ações focadas e
de grande impacto na opinião pública. Sem se consagrar como política pública, o programa
conseguiu retardar a implantação de uma política de caráter mais universal, com
perspectivas mais amplas de amparar o público previsto na Constituição Federal. Assentado
numa concepção neoliberal de gestão pública, os recursos aplicados eram condicionados aos
111
recursos orçamentários disponíveis, sem a preocupação de gerar novas fontes de
financiamento capazes de permitir maior amplitude de ação.
Não é objeto deste estudo a análise da implantação do SUAS – Sistema Único de
Assistência Social, ensejando novos estudos sobre a capacidade do novo sistema de atender
aos preceitos constitucionais, mas é possível prever a possibilidade de que possa avançar na
concepção e implantação de um sistema que respeite os elementos básicos capazes de
caracterizar a Assistência Social enquanto política pública.
O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, que deveria representar a
participação popular conquistada na Constituição Federal, conforme Pinheiro (2008) foi
mantido, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, apenas como legitimador da
aplicação dos recursos, especialmente para repasse às entidades da assistência social,
obrigatória pelos preceitos constitucionais. Durante os governos de Itamar Franco e de
Fernando Henrique Cardoso o CNAS não obteve condições para atuação, não sendo
reconhecido no seu papel de elaborador de políticas e de promotor de um processo de
aperfeiçoamento institucional. O autor ainda cita o duro embate entre o CNAS e o governo
Fernando Henrique Cardoso como emblemático para representar uma posição de Estado
assistencialista se contrapondo claramente ao avanço na construção de políticas públicas
universais, capazes de romper com o clientelismo.
O processo de representação e gestão social conforme previsto na Constituição se
articulou de forma mais ampla para poder dar sustentação a uma luta pela transformação da
Assistência Social enquanto política pública, articulada de forma orgânica com o novo
conceito de seguridade social. Conforme Pinheiro (2008, p. 56), formou-se no Brasil um
campo político em busca da construção da Assistência Social como política pública da
Seguridade Social, denominado de “movimento da assistência social” que passaram a
disputar as vagas nos conselhos, representando a sociedade civil ou o governo, dependendo
da posição onde atuava, agrupando-se em Fóruns da Sociedade Civil, dos Secretários
Municipais ou Estaduais. Organizando conferências, encontros e debates, esse campo
político estruturou a Frente de Defesa da Política de Assistência Social no Congresso
Nacional no ano de 1999.
O conflito com o governo federal, que apostava na manutenção de um sistema de
assistência social fragmentado, os fóruns de debate conseguiram gerar uma pressão
significativa. A reação do governo se fez sentir com a tentativa de esvaziamento da
participação social, para reduzir a capacidade de pressão gerada pela sociedade civil
112
organizada.
O auge do conflito entre o CNAS e o governo federal foi a aprovação da Lei
9720/1998, que alterou vários aspectos da LOAS, inclusive na periodicidade da realização
das Conferências Nacionais de Assistência Social. O conflito entre o CNAS e o governo
federal se manteve como uma tônica do período, caracterizando as ações governamentais até
o final do mandato do então presidente (PINHEIRO, 2008, p. 57)
A opção de uma convocação extraordinária de Assistência Social que foi promovida
uma ampliação do debate na sociedade civil. As conferências têm sido muito valorizadas
como geradoras de políticas de acordo com a representação social. Foi através dessas
conferências que foram lançadas as bases para a constituição do SUAS, cujos objetivos era o
enfrentamento da questão da inclusão social com ações articuladas, com a formação de redes
de proteção social hierarquizadas de acordo com os níveis de complexidade e tendo como
elementos básicos a participação social, a territorialização e como matriz estruturante a
família.
Por mais que houvesse conflitos e por maiores que fossem as dificuldades impostas
pelas concepções de Estado e de ação de governo, o debate sobre a política pública de
Assistência Social avançou significativamente.
Outros estudos poderão avançar para além do horizonte objeto deste estudo,
especialmente nos processos de implantação do SUAS – Sistema Único de Assistência
Social, buscando discutir até que ponto esse novo sistema responde aos princípios
constitucionais e às demandas da sociedade civil na construção das políticas públicas,
transformando a Seguridade Social uma política de proteção social com a amplitude
estabelecida no modelo construído pelo Congresso Nacional Constituinte de 1988.
113
5 CONCLUSÃO
O processo de constituição da Assistência Social no Brasil precisa ser identificado na
história da organização política, social e econômica da sociedade e do Estado, desde a
chegada dos portugueses até a estruturação do processo constituinte que desembocou na
Constituição Federal de 1988.
Durante toda a trajetória dos direitos sociais, expressos neste trabalho a partir dos
primeiros capítulos e, no terceiro capítulo pela síntese dos direitos civis, políticos e sociais
presentes nas Constituições Brasileiras desde 1891, observam-se um caminho de
fragmentação e de concessão por parte do Estado, sendo os beneficiários considerados
apenas como um público-alvo passivo e sem condições de interferir no processo de
concessão e de gestão dos benefícios.
Somente a Constituição de 1988 implantou o princípio da gestão social das políticas
públicas, tornando os beneficiários dos programas em usuários, com instrumentos concretos
de gestão. Embora os conselhos, nas mais diversas áreas, ainda não tenham tido uma ação
realmente substantiva, o princípio enseja uma trajetória de maior participação social na
concepção, gestão e controle das políticas sociais e públicas.
O sistema de seguridade social somente se constituiu em um sistema de forma mais
efetiva a partir dos governos militares, embora tenham preservado a fragmentação entre as
políticas de saúde, de previdência e de assistência social.
Houve, também, uma trajetória de ampliação paulatina dos públicos da seguridade
social, com a universalização do acesso a partir da constituição de 1988 e a posterior
implantação do SUS e do SUAS.
Percebeu-se como novidade trazida pela Constituição de 1988 a criação de um novo
modelo de proteção social, com a inclusão da saúde, previdência e assistência social como
parte de um único sistema de Seguridade Social. Embora ainda não implementado, esse
novo conceito desafia a sociedade brasileira para avançar na estruturação de um processo de
gestão capaz de cumprir a intencionalidade constitucional de unificação associado à gestão
social das políticas públicas.
Certamente o resgate da história da constituição dos direitos sociais e da assistência
114
social no Brasil nos permite uma percepção clara das lutas dos trabalhadores e das classes
subalternizadas na busca de se constituírem enquanto cidadãos, como base para a construção
da democracia.
O trabalho não avançou para a análise do período pós-constituição de 1988 por não
estar dentro dos seus objetivos, mas aponta para a possibilidade de novos estudos, que
analisem a constituição dos direitos sociais e a implantação da assistência social enquanto
serviço público, universalizado a partir da condição de uma das partes essenciais do sistema
de seguridade social.
115
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