Post on 25-Oct-2021
Raquel Santos Ribeiro
Autolesão, Suicídio e Género em
contexto prisional: a perspetiva dos
profissionais prisionais
outubro 2017Um
inho |
2017
Raquel Santo
s R
ibeiro
Au
tole
sã
o,
Su
icíd
io e
Gé
ne
ro e
m c
on
texto
pri
sio
na
l:
a p
ers
pe
tiva
do
s p
rofi
ssio
na
is p
risio
na
is
Universidade do Minho
Instituto de Ciências Sociais
Raquel Santos Ribeiro
Autolesão, Suicídio e Género em
contexto prisional: a perspetiva
dos profissionais prisionais
outubro 2017
Dissertação de Mestrado
Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade
Trabalho realizado sob a orientação de
Professora Doutora Manuela Ivone Cunha
Universidade do Minho
Instituto de Ciências Sociais
2
DECLARAÇÃO
Nome: Raquel Santos Ribeiro
Endereço electrónico: raquel_ribeiro_024@hotmail.com
Número do Bilhete de Identidade: 14553489 8 ZZ9
Título da dissertação: “Autolesão, Suicídio e Género em contexto prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais”
Orientador: Professora Auxiliar com Agregação Manuela Ivone Cunha
Ano de conclusão: 2017
Designação do Mestrado: Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTE TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.
Universidade do Minho, ___ /___ /_____
____________________________ Nome completo
3
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EPSCB feminino – Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo – feminino
EPSCB masculino - Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo – masculino
PIPS – Programa Integrado de Prevenção do Suicídio
PNPS – Plano Nacional de Prevenção do Suicídio
TS – Tentativa de Suicídio
TSR – Técnico Superior de Reeducação
SPS – Sociedade Portuguesa de Suicidologia
4
5
AGRADECIMENTOS
Aos pilares da minha vida, aos meus pais, por tudo o que fizeram e continuam a
fazer por mim, por todos os sacrifícios, por não me deixarem desistir nos momentos de
fraqueza. Só se tornou possível graças a vocês.
Ao meu irmão, por ser para mim um exemplo de ser humano que me enche de
orgulho todos os dias.
A toda a família e aos amigos mais próximos que acompanharam direta ou
indiretamente todo o meu percurso académico.
À Professora Doutora Manuela Ivone Cunha, orientadora de uma das maiores
aventuras da minha vida. Obrigada pela paciência, pela dedicação e sobretudo, pelos
conselhos quando tudo era confuso na minha cabeça. Por todos os incentivos e correções,
por tudo.
Queria também agradecer, de coração, a todos os profissionais (desde as direções
aos Corpos de Guardas Prisionais) dos Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo
masculino e feminino, que tão bem me receberam e pelo respeito que demonstraram pelo
meu trabalho. Não posso deixar de referir três belíssimas profissionais que me marcaram
de uma forma especial, que me fizeram rir, que me ajudaram, que me secaram lágrimas,
inclusive. Minhas queridas Anabela Pereira, Flora Novais e Manuela Novais, gosto muito
das três, na altura em que me senti mais perdida, foram vocês me ajudaram a levantar, um
obrigado sincero.
À Guarda Alexandra Costa, nunca me esquecerei das suas palavras, ainda fico com
o coração apertado ao relembrar. Obrigada acima de tudo, por ter confiado.
6
7
RESUMO
Autolesão, Suicídio e Género em Contexto Prisional: a perspetiva dos profissionais
prisionais
Os estudos existentes sobre os fenómenos de autolesão e (tentativas de) suicídio
centram-se na exposição dos fatores de risco que o contexto prisional representa na vida do
indivíduo e na forma como estes influenciam e potenciam estas práticas, sendo que tais
estudos procuram definir padrões/ perfis de reclusos possivelmente suicidários. O objetivo
desta dissertação é de outra natureza. Procurou-se compreender de que forma vários
profissionais prisionais (desde Guardas Prisionais, Técnicos Superiores de Reeducação e
membros do corpo clínico) percecionam e lidam com estes comportamentos
(autolesivos/suicidários) e se o fazem de forma diferenciada consoante o género de pessoas
recluídas. Para isso, no total foram realizadas 23 entrevistas junto de profissionais ao
serviço do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (masculino) e do
Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (feminino).
No que concerne aos resultados e tendo por base o discurso dos profissionais,
constata-se algumas tendências. Encontramos profissionais com discursos ainda assentes
em ideias de senso comum e enraizadas socialmente, como “quem se quer suicidar não diz
que o vai fazer”. Mas acima de tudo, ainda encontramos no coletivo de todos os
profissionais entrevistados (e com outros com os quais apenas existiu a oportunidade de
estabelecer conversas informais), a ideia de que quem comete violência autodirigida,
nomeadamente a autolesão, o faz com um propósito essencialmente instrumental, o qual
passa por chamar atenção e/ou para a obtenção de algo, seja o indivíduo recluído homem
ou mulher.
8
9
ABSTRACT
Self-Harm, suicide and prison context gender: the prison professional’s perspective
Self-Harm and (attempt) suicide studies usually focus on risk factors generated by
prison in prisoners’ life, and on how these risks can induce and potentiate such practices.
These studies try to define prisoners’ profiles that could potentially be suicidal. However,
this dissertation has a different goal. It aims to understand the views held by different
categories of prison personnel (prison guards, re-education personnel, and clinical staff) on
prisoner’s self-injury and suicidal behaviour; it also aims to understand how they deal with
these behaviours, and whether they deal with them differently according to the prisoners’
gender.
In order to do that, twenty-three interviews to prison staff members were conducted
in both Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (a male prison) and
Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (a female prison).
10
11
ÍNDICE
Lista de abreviaturas e siglas ......................................................................................... 3
Agradecimentos ............................................................................................................... 5
Resumo ............................................................................................................................. 7
Abstract ............................................................................................................................ 9
Introdução ..................................................................................................................... 15
PARTE I: Revisão da Literatura................................................................................. 19
1.1. Comportamentos Autodestrutivos: A problemática em torno de uma
multiplicidade de conceitos ......................................................................................... 20
1.1.1. Automutilação, Autolesão e Autoagressão: Evolução Etimológica ............. 21
1.1.2. Autolesão em Contexto Prisional ................................................................. 22
1.1.2.1. Autolesão e Género ................................................................................... 23
1.1.2.2. Autolesão: ato apelativo/manipulativo? ...................................................... 24
1.2. O suicídio é um objeto transversal a várias ciências. ....................................... 26
1.2.1. Autores e respetivas definições de Suicídio ................................................. 26
1.2.2. Suicídio em Contexto Prisional: Efeitos da Reclusão ....................................... 27
Tabela nº1: Fatores de Risco (DGS, 2013, pp. 46-50) ............................................. 28
Tabela nº2: Fatores de Proteção (DGS, 2013, p. 50) ............................................... 31
1.2.2.1. Suicídio e Género: Perfis............................................................................. 31
1.2.2.2. Plano Integrado na Prevenção do Suicídio .................................................. 33
1.3. Autolesão e Suicídio: fenómenos relacionados? .............................................. 40
CAPÍTULO II: CONTEXTO PRISIONAL - PROFISSIONAIS PRISIONAIS .... 41
2.1. O papel do Técnico Superior de Reeducação ....................................................... 41
2.2. O papel do/a Guarda Prisional .............................................................................. 43
CAPÍTULO III: METODOLOGIA ............................................................................ 47
3.1. Objetivos do estudo .......................................................................................... 47
12
3.2. Opções e limitações metodológicas ................................................................. 48
3.3. Procedimentos no terreno ................................................................................. 51
3.4. Caracterização dos entrevistados ..................................................................... 55
PARTE II: INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTO PRISIONAL ............................... 59
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ..................................... 60
4.1. Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo Masculino ................................. 60
4.2. Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo Feminino .................................. 61
4.3. Entrevistados e Análise dos Dados ....................................................................... 62
4.3.1. Perceção dos profissionais face aos comportamentos autolesivos e suicidários
.................................................................................................................................. 64
4.3.2. Significados atribuídos pelos profissionais aos comportamentos autolesivos e
suicidários................................................................................................................. 68
4.3.3. Estratégias e Mecanismos de coping implementados pelos profissionais ..... 74
4.3.4. Impacto dos comportamentos autolesivos e suicidários nos profissionais e nos
reclusos ..................................................................................................................... 80
4.3.5. Assistência prestada pelos Serviços Clínicos afetos aos Estabelecimentos em
casos de comportamentos autolesivos/suicidários ................................................... 89
4.3.6. Plano Integrado na Prevenção do Suicídio ..................................................... 94
4.4. Discurso dos profissionais em função do género ............................................... 101
4.5. Articulação/Relação entre os diferentes profissionais ........................................ 103
Parte III: Discussão e considerações finais ............................................................... 111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 119
ANEXOS ...................................................................................................................... 123
Anexo nº1: Intake Screening ..................................................................................... 123
Anexo nº2: Ofício da DGRSP ................................................................................... 126
Anexo nº3: Consentimento Informado ...................................................................... 128
Anexo nº4: Guião de Entrevista semi-diretiva para TSR .......................................... 130
13
Anexo nº5: Guião de Entrevista semi-diretiva para Guardas Prisionais ................... 134
Anexo nº 6: Guião de Entrevista semi-diretiva para membros dos Serviços Clínicos137
14
15
INTRODUÇÃO
Em 1867, Fontes Pereira de Melo, político português da segunda metade do século
XIX, aprovou uma nova reforma penal que consistia na abolição da pena de morte,
tornando Portugal num dos países pioneiros relativos a esta medida.
Neste sentido, torna-se pertinente mencionar, num leque de 122 regras consideradas
as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, aquela que é para
Nelson Mandela a primeira:
todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente
ao valor e dignidade do ser humano. Nenhum recluso deverá
ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de
tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer
circunstância (…)1.
Contudo, fenómenos como a autolesão e o suicídio colocam sempre a questão da
liberdade que o indivíduo tem, sobre si mesmo, para se autodestruir, seja através de
comportamentos sem fins letais, como com esses mesmos fins.
Anualmente, em Portugal, são mais de mil os cidadãos que colocam termo à vida.
Para lidar com este problema, foi elaborado e implementado em 2013 um Plano Nacional
de Prevenção do Suicídio (PNPS), que será avaliado ao fim de quatro anos, ou seja, em
2017. Dentro da temática, o contexto prisional apresenta-se com uma subpopulação de risco
que necessita, igualmente, de intervenção, estando implementado desde 2009, em contexto
prisional, o Plano Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS).
E se falarmos em números absolutos, no mundo e em termos anuais, se ocorrerem
1 000 0000 suicídios, ocorrem o dobro em comportamentos autolesivos que podem ser, por
muitos, considerados como tentativas de suicídio (TS).
1 http://www.dgsp.mj.pt/paginas/documentos/informacoes/Legislacao/RMTR-ONU.pdf, acedido em julho
de 2017.
16
Em termos de literatura científica, é a nível internacional que existe uma maior
consistência e debate sobre estes fenómenos. Contudo, são discursos centrados,
maioritariamente, no perfil do recluso suicidário, nos fatores de risco assentes numa
instituição totalitária que deixa o indivíduo vulnerável/deprimido. No caso desta
dissertação trata-se de conhecer discursos, representações e experiências de profissionais
dos serviços prisionais face a estes fenómenos, desde Técnicos Superiores de Reeducação
(TSR) a Guardas Prisionais (homens e mulheres) e a membros dos corpos clínicos
(enfermeiros e médicos).
A metodologia utilizada na investigação é de cariz qualitativo, tendo sido efetuadas
entrevistas semiestruturadas a vários profissionais dos Estabelecimentos Prisionais de
Santa Cruz do Bispo feminino (EPSCB feminino) e masculino (EPSCB masculino)2 ,
procurando interpretar/compreender, através das experiências/carreiras profissionais, de
que forma é que estes percecionam, representam e lidam com os comportamentos
autolesivos/suicidários e se o fazem de maneira diferenciada consoante o género de pessoas
recluídas. Primeiramente foram analisados processos físicos individuais de modo a
conhecer, no geral, o tipo de populações que encontramos recluídas em cada instituição.
De seguida, foram analisados processos/autos de notícia que permitiram conhecer situações
concretas de autolesões, tentativas de suicídio e consumações do ato. Esta análise prévia
permitiu que o guião de entrevistas fosse elaborado de uma forma mais concreta e
consistente.
A presente dissertação encontra-se norteada segundo três partes, onde se incluem
quatro capítulos. A primeira parte destina-se a uma revisão da literatura e, como tal, o
primeiro capítulo corresponde a um enquadramento/evolução conceptual da violência
autodirigida, onde se encontram noções e evoluções terminológicas de conceitos como
autolesão, suicídio e perspetivas de vários autores sobre os fenómenos em questão. Sendo
esta uma investigação que tem como foco a perspetiva profissional dos agentes prisionais,
o segundo capítulo permitirá ao leitor conhecer os quadros legais e os perfis que são
traçados para estes.
2 Dentro do leque de entrevistas do EPCSB masculino, incluem-se profissionais afetos à Clínica de Psiquiatria
e Saúde Mental.
17
No que concerne à segunda parte, é realizada uma abordagem empírica da
investigação que ocorreu em contexto prisional. Assim, no terceiro capítulo serão
explicadas questões relacionadas com a metodologia adotada, bem como os objetivos que
nortearam o estudo. Chegados ao capítulo quarto, proceder-se-á à apresentação dos
resultados, fazendo uma primeira abordagem às duas instituições prisionais onde se
procedeu à investigação. A apresentação dos resultados será realizada de acordo com as
hipóteses de partida e serão estas que darão o mote para a concretização da terceira parte,
onde se encontrarão as questões alvo de discussão e as considerações finais retiradas de
todo o trabalho.
18
19
PARTE I: Revisão da Literatura
“Os comportamentos autolesivos sem intenção suicida não
devem, todavia, ser desvalorizados, pois pode acontecer que o
recluso, não tendo atingido os seus objetivos por este meio,
enverede por uma escalada de letalidade crescente, que pode
culminar na morte” (Saraiva, 1999, p.421).
20
CAPÍTULO I: VIOLÊNCIA AUTODIRIGIDA: ENQUADRAMENTO/EVOLUÇÃO CONCEPTUAL
Segundo Santos & Moreira (2014b), as prisões albergam populações com
características particulares. Neste sentido, a instituição prisional implementa uma conduta
mais rígida, sujeitando os indivíduos a “condições e regras opressivas e, por isso geradoras
de um intenso e constante stress” (idem, p.418). Contudo, a entrada em contexto prisional,
segundo Donald Clemmer (1940), corresponde a um processo de ‘prisionização 3 ’, à
assimilação mais ou menos intensa de um código prisional que corresponde a uma conduta
gerada de forma informal entre reclusos, permitindo a adaptação e sobrevivência destes em
meio prisional. Essa adaptação pode ocorrer de forma positiva ou negativa (Gonçalves,
1993).
A autolesão e o suicídio surgem como comportamentos que podem estar ligados
ao stress vivenciado e a toda a normatividade (quer formal quer informal) que o contexto
comporta.
Neste sentido, a primeira abordagem ao tema em estudo tem como propósito
contextualizar e expor a evolução teórica e etimológica dos conceitos, bem como apresentar
estatísticas oficiais, para uma melhor exposição da problemática.
1.1. Comportamentos Autodestrutivos: A problemática em torno de uma
multiplicidade de conceitos
Na literatura ainda não existe um termo específico consensualizado para designar
um tipo de violência autodirigida. Segundo Borges (2012), há uma falta quer de consenso,
quer de conteúdo na literatura no que diz respeito a estes comportamentos. Assim, um dos
problemas é definir o fenómeno. Se para este trabalho o termo utilizado é a autolesão, deve
ter-se em conta que existem outros termos, com definições semelhantes, como: a
automutilação 4 (self-mutilation), autoagressão deliberada (deliberate self-harm),
autoagressão (self-harm), corte (cutting), autolesão repetida (repeated self-injury) e
3 Do inglês prisonization. 4 Terminologia ainda muito presente nos discursos dos profissionais prisionais.
21
comportamento autodestrutivo (autodestructive behavior). Esta diversidade pode existir,
também em parte, pelas “diferenças conceptuais de cada cultura” (idem, p.17).
1.1.1. Automutilação, Autolesão e Autoagressão: Evolução Etimológica
Atualmente, o termo mais aceite é autolesão, contudo, em décadas anteriores era
definido como automutilação. Neste sentido, torna-se pertinente compreender o que
distingue estes dois fenómenos.
As autoras Almeida e Horta (2010), distinguem dois tipos de comportamentos
agressivos, isto é, se por um lado existem comportamentos relacionados com práticas e
crenças culturais e religiosas5, por outro, temos os que estão associados ao foro psiquiátrico,
sendo que é neste segundo que se centra esta investigação. Sabemos que um
comportamento autolesivo é patológico ou desajustado quando este não está relacionado
com nenhum simbolismo sociocultural/ religioso.
No decorrer da investigação deparei-me com profissionais a designarem,
maioritariamente, o fenómeno como automutilação; embora comecem já a surgir alguns
que se lhe referem como autolesão. Contudo, em termos de serviços clínicos a autolesão
surge como uma variante da autoagressão. Recorrendo novamente a Almeida e Horta
(ibidem), a agressão corresponde a um comportamento que pode surgir na forma hétero
(contra terceiros) e na forma auto (contra o próprio). Uma autoagressão corresponde a
comportamentos contra o próprio por via de autolesões, automutilações, tentativas de
suicídio e o próprio suicídio.
Devido à falta de consenso terminológico, as autoras Almeida e Horta (ibidem)
fazem uma clara distinção entre automutilação e autolesão. O fator chave de distinção está
na gravidade dos atos. Ou seja, se as autolesões são encaradas como lesões corporais
moderadas (como: cortes, queimaduras, …) sem qualquer ideação suicida e que o indivíduo
tem sobre si próprio; as automutilações correspondem a comportamentos mais graves
5 Por exemplo, “a mutilação genital feminina (MGF), também conhecida por circuncisão feminina, é a
remoção ritualista de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos. Geralmente executada por um
circuncisador tradicional com a utilização de uma lâmina de corte, com ou sem anestesia …”
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Mutila%C3%A7%C3%A3o_genital_feminina, acedido em julho de 2017).
22
(como: amputação de membros, castrações, …), onde se assiste a uma autodestruição
corporal do eu, ameaçando a própria vida.
Procurando definições mais consistentes sobre estes dois fenómenos, realço a
definição proposta por Menninger (1935). Este apresenta a automutilação como uma
autopunição que permitiria ao indivíduo compensar-se por uma falha cometida que poderia
ter uma natureza agressiva ou sexual. Por sua vez, a autolesão é definida segundo Favazza
(2009 cit in Borges, 2012, p.10), como:
uma conduta desadequada que, em muitos casos, poderá
representar uma tentativa desesperada de cura, de
estabilidade social e, em alguns casos, de espiritualidade
como também poderá ser entendida como uma forma
mórbida de autoajuda, já que fornece um alívio temporário
face a sintomas psicopatológicos.
1.1.2. Autolesão em Contexto Prisional
De acordo com Favazza, a autolesão é, igualmente em contexto prisional, vista
como um comportamento desadequado. Contudo existem duas formas possíveis para se
entender esta problemática: (1) como uma procura de estabilidade social ou (2) como uma
forma de manipulação6.
O contexto prisional, para além de se apresentar mais rígido e normativo, é também
um ambiente potenciador de stress, tornando os indivíduos mais vulneráveis. Neste sentido,
Sykes (1958) apresenta alguns efeitos da reclusão que potenciem comportamentos
autoagressivos, sendo eles: (1) privação da liberdade, de bens e serviços, (2) de
relacionamentos heterossexuais, (3) de autonomia e da (4) segurança pessoal. Estas
privações7 espoletam nos indivíduos sentimentos de medo, insegurança e desconfiança.
6 Este ponto será abordado no tópico 1.1.2.2.
7 É de realçar que algumas destas privações mencionadas em 1958, atualmente já não o são, pelo menos não
na integra (por exemplo, no que diz respeito à privação de relações heterossexuais, hoje em dia, o/a recluso/a
pode ter visitas íntimas com o seu companheiro/a).
23
De acordo com Alison Liebling (1999), a autolesão é uma estratégia de regulação
que necessita de ser acompanhada por mecanismos de coping8. Outros autores completam
a visão de Liebling afirmando que a autolesão possibilita ao indivíduo a sua regulação
emocional, com base nesses mecanismos, de forma a dar resposta a uma situação ou
emoção que esteja a atravessar no momento.
Segundo Saraiva (2014), estes comportamentos seguem um padrão de secretismo
que, na maior parte dos casos, está longe de ter uma intenção suicida. Têm como referências
sentimentos como a solidão; a tristeza; o tédio e a raiva, sendo que o objetivo deste
comportamento é o alívio rápido de estados de angústia.
Assim, Saraiva (2006 cit in Saraiva, 2014, p.11) afirma que os comportamentos
autolesivos se encontram “na oscilação entre a fantasia e a realidade, [onde] o sangrar é o
alívio”. Com estes comportamentos os indivíduos pretendem baixar a tensão emocional
(mais uma vez, a ideia de Alison Liebling, de regulação emocional), pretendendo resolver
aquilo que para eles, no momento, corresponde a um sofrimento sem fim e que os deixa
angustiados.
Em termos estatísticos, não existem dados oficiais que nos dão conta da dimensão
da população prisional a desenvolverem esta prática. Contudo, “só uma fração da
população prisional apresenta comportamentos autolesivos sem intenção suicida (…)
durante o cumprimento a pena” (Santos & Moreira, 2014b, p.419).
1.1.2.1.Autolesão e Género
Para além de a literatura não ser clara em termos da pluralidade de conceitos,
também os estudos realizados se tornam de difícil compreensão, devido aos diferentes
resultados obtidos. Por exemplo, embora Lucia Zedner (1995) nos afirme que a
automutilação faria parte do quotidiano das prisões femininas, não sendo verificável em
contexto masculino, existem estudos realizados anteriores à afirmação, que nos mostram o
oposto, ou seja, comprova-se a existência destes em contexto masculino e, pelo contrário,
não se constatavam em contexto feminino.
8 “Estratégias de coping, ou enfrentamento, são esforços cognitivos e comportamentais para lidar com
situações de dano, de ameaça ou de desafio quando não está disponível uma rotina ou uma resposta
automática” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mecanismos_de_enfrentamento, consultado em abril de 2017).
24
Bárbara Pimenta, em 1992, publicou um livro intitulado por “Prisão de
Mulheres”, com base no projeto de investigação9 que realizou em 1987. Entre temas como:
drogas, maternidade, violência, castigos, (…) abordou a questão da automutilação. Iniciou
esse capítulo e passo a citar: “Engolir pilhas, cruzes, colheres torcidas é um comportamento
típico de homens. As mulheres cortam os pulsos ou… bebem lixívia” (Pimenta, 1992,
p.81). Recentemente, Borges (2012) afirma que, num panorama geral, 70% dos sujeitos
utilizam o corte na pele como o mais comum; embora estes comportamentos não difiram
em função do género e das zonas mais afetadas, sendo estas: os braços, as mãos, os pulsos,
as coxas e, por fim, o estômago. Entre homens e mulheres, a diferença apenas existe na
forma como o indivíduo executa o ato. Ou seja, se por um lado, os homens optam pela via
das queimaduras, as mulheres optam, geralmente, pelo corte (cutting).
Com base na investigação que realizei em contexto prisional (feminino e
masculino) foi possível compreender que, atualmente, o comportamento que era
tipicamente masculino caiu em desuso sendo que o método mais utilizado é semelhante nos
dois contextos, ou seja, corte na pele, com lâmina10.
1.1.2.2. AUTOLESÃO: ATO APELATIVO/MANIPULATIVO?
Estes comportamentos autolesivos (com ou sem fins letais) são muitas vezes
situados, nomeadamente por parte dos profissionais prisionais, na órbita dos processos de
manipulação por parte do recluso para obtenção de algo que pretende, como trocar de cela
ou de estabelecimento prisional, por exemplo (Moreira, 2009 e 2010). Contudo, alguns
autores têm vindo a chamar à atenção destes para as consequências que este argumento
pode ter.
Nomeadamente Saraiva (1999 cit in Saraiva, Peixoto & Bessa, 2014b), diz-nos que
a manipulação de hoje pode dar origem, em muitos casos, ao sério do amanhã (há assim
9 Sobre “Noções de Reclusão e Liberdade no interior da prisão”. 10 A lâmina é um material que o/a recluso/a pode ter em sua pose por questões de higiene pessoal. No caso
masculino, utilizam a gilete para fazerem a barba e, no caso feminino, para fazerem a depilação. Quando se
pretendem auto lesionar, destroem o utensílio ficando só com a lâmina para se ferirem.
25
uma rotulagem11 do recluso, como sendo um ser manipulativo, isto porque a autolesão é
considerada um comportamento desviante, por não ir ao encontro das normas institucionais.
Uma vez definido este comportamento como um caso de manipulação, torna-se
complicado, para o profissional, distanciar-se e trabalhar a questão de outra forma). Neste
sentido, não se devem desvalorizar estes comportamentos autolesivos, “pois pode acontecer
que o recluso, não tendo atingido os seus objetivos12 por este meio, enverede por uma
escalada de letalidade crescente, que pode culminar na morte” (idem, p.421).
Existem, segundo Saraiva (2014) quatro fatores podem originar uma diversidade de
interpretações quando se fala em comportamentos autolesivos. Correspondem a reforços
positivos e negativos, de cariz automático e social. Segundo Zetterqvist, Dahlstrom &
Svedin (2013 in Saraiva, 2014), o reforço automático negativo corresponde a travar
sentimentos desagradáveis, por sua vez, o reforço automático positivo é quando o indivíduo
pretende relaxar. Relativamente aos reforços sociais, o negativo é quando o indivíduo
pretende evitar, por exemplo, certos lugares/locais, enquanto o positivo tem como
componente o auxílio, o pedir de ajuda.
Em contexto prisional, segundo os discursos dos profissionais, o reforço que está
mais presente é o reforço social negativo, ou seja, muitas vezes, por motivos de dívidas ou
desacatos nas alas, os indivíduos cometem comportamentos autolesivos como fuga destes
locais, de modo a evitar colegas com quem estão com problemas.
Contudo, “o mais importante é mesmo ouvir o que os doentes usualmente têm para
dizer: “prefiro a dor do corpo à dor da alma”” (Saraiva, 2014, p.11).
11 Segundo Becker (1963, p.9), a teoria da rotulagem associada ao conceito de desvio diz-nos que “o desviante
é aquele ao qual este rótulo foi aplicado com sucesso e o comportamento desviante é aquele ao qual a
coletividade atribui este rótulo”. 12 Segundo Goffman (cit in Machado, 2008, p. 98) e de acordo com a teoria da rotulagem um dos conceitos
básicos é a negociação que “resulta sempre de uma relação de poder, que implica margens de manobra, tanto
da parte do desviante como de quem reage ao desvio”.
26
1.2. O suicídio é um objeto transversal a várias ciências.
Segundo dados oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio
corresponde a cerca de metade das mortes violentas que todos os anos se registam em
termos mundiais, tratando-se desde logo de um problema de saúde pública.
Em termos epistemológicos, o fenómeno do suicídio é alvo de estudo por parte de
várias ciências, tendo o sociólogo Émile Durkheim iniciado em 1897 uma investigação
científica sobre a problemática. Até então, o assunto era debatido através das diferentes
impressões que as pessoas tinham sobre o ato.
Segundo Albert Camus, “o suicídio é a grande questão filosófica do nosso tempo,
decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da
filosofia13”. Assim, “o suicídio é um fenómeno complexo e multifacetado fruto da interação
de fatores de ordem filosófica, antropológica, psicológica, biológica e social” (DGS, 2013,
p.3).
Nos tópicos que sucedem, pretende-se explanar a evolução terminológica deste
fenómeno, bem como enquadrá-los em termos do contexto prisional.
1.2.1. Autores e respetivas definições de Suicídio
Procurando definir o fenómeno, atendendo à perspetiva de vários autores, Émile
Durkheim diz-nos que corresponde a uma “morte que resulta direta ou indiretamente de um
ato positivo ou negativo cometido por um indivíduo que conhecia o resultado desse
comportamento” (Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014a, p.42).
Por sua vez, Erwin Stengel, define-o como um “ato de autolesão fatal” (ibidem).
Vaz Serra diz-nos que, em Portugal, o suicídio corresponde a uma “autodestruição por um
ato deliberadamente realizado para conseguir esse fim” (ibidem). Edwin Shneidman,
considerado como o pai da suicidologia14, caracteriza o fenómeno como sendo um “ato
consciente de autoaniquilação induzida, mais bem compreendido como uma doença
13 http://www.sparknotes.com/philosophy/sisyphus/section1/page/3/ , consultado em maio de 2017.
14 Existe em Portugal, a Sociedade Portuguesa da Suicidologia (SPS), consultar
http://www.spsuicidologia.pt/.
27
multidimensional num indivíduo carente que entende o suicídio como uma maneira de
resolver o problema” (ibidem).
Nos anos de 1986 e 1998, trabalhos realizados pelo Organização Mundial de Saúde
(OMS), em Copenhaga e Genebra, respetivamente, o suicídio é caracterizado como um ato
deliberado, com um desfecho fatal, sendo que o indivíduo conhecia as consequências desse
mesmo ato.
David Mayo (1992 in Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014a) apresenta quatro
elementos-chave para a existência do suicídio, sendo eles: (1) tem de existir a morte; (2)
que tem de ser cometida pelo próprio indivíduo; (3) esta morte pode ocorrer de forma ativa
ou passiva e (4) implica, obrigatoriamente, a intencionalidade de colocar termo à vida.
Por sua vez, Nock; Nock e Favazza (2009 e 2010 in Borges, 2012) salientam que o
suicídio tem por base três paradigmas: (1) ideação suicida (pensamento que o indivíduo
tem em colocar termo à vida); (2) plano suicida (quando o indivíduo idealiza os métodos
pelos quais quer ou pretende colocar termo à vida) e (3) tentativa de suicídio (quando o
indivíduo implementa comportamentos que lhe são prejudiciais e que têm como intenção
colocar termo à vida).
Apesar de em contexto prisional estar, desde 2009, implementado o Programa
Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS)15, existe igualmente, um Plano Nacional de
Prevenção do Suicídio (PNPS), que decorre desde 2013 até 2017, onde o fenómeno é
descrito como uma “morte provocada por ato levado a cabo pelo indivíduo com intenção
de pôr termo à vida” (idem, p.44).
1.2.2. SUICÍDIO EM CONTEXTO PRISIONAL: EFEITOS DA RECLUSÃO
Quando abordamos questões como a autolesão e o suicídio, devemos ter em conta
os fatores de risco que estão subjacentes às problemáticas. Só assim é possível trabalhar
questões de intervenção em grupos de risco, como é o caso da subpopulação presente em
contexto prisional. Neste sentido, a Direção Geral de Saúde (DGS), ao elaborar o PNPS,
15 Este programa será clarificado no tópico 1.2.2.2.
28
categorizou os fatores de risco em: (1) individuais; (2) socioculturais e (3) situacionais. A
tabela que se segue apresenta esses mesmos fatores de risco.
Categorias
Individuais
Socioculturais
Situacionais
Idade Estigma, valores culturais
e atitudes
Desemprego
Sexo Isolamento Social Acesso a meios letais
Estado Civil Barreiras no acesso aos
cuidados de saúde
Acontecimentos de vida
negativos recentes
Profissão Influência nos media
Resiliência Urbana/Rural
Comportamentos
autolesivos e Tentativas
de Suicídio anteriores
Perturbação Mental
Resiliência e
Vulnerabilidade da
personalidade
Doenças Físicas
História Familiar
Fatores Neurobiológicos
TABELA Nº1: FATORES DE RISCO (DGS, 2013, PP. 46-50)
29
Fatores como a idade, o sexo, o estado civil e a perturbação mental serão retratados
no subtópico seguinte (1.2.2.1. Suicídio e Género: Perfis) a partir de Alison Liebling, onde
será visualizada uma forma diferente de categorizar, por exemplo, o estado civil e a
perturbação mental que, para Liebling, são fatores sociais e não individuais.
Relativamente aos fatores categorizados como socioculturais, em contexto
prisional, o isolamento social pode ser entendido de duas formas: (1) isolamento social
externo16 e (2) isolamento social interno. Quando Gonçalves (1993) refere a boa e a má
adaptação ao contexto prisional, podemos refletir sobre a questão de que, em parte, a boa
adaptação do recluso ao contexto também pode ser má, na medida em que, para ser
realmente boa, este tem de se integrar em grupos já estruturados e obedecer a um código
oculto estipulado entre reclusos. Neste sentido, a pressão do grupo (para pertencer ou por
já estar integrado e não se identificar, por exemplo) pode espoletar comportamentos
autolesivos ou suicidários.
Em termos situacionais, o fator “acesso a meios letais” em contexto prisional torna-
se uma problemática muito acentuada, na medida em que, mesmo quando os objetos
cortantes lhes são retirados por proteção, o recluso se realmente o quiser fazer, arranja uma
outra via de obtenção, que resulta, por exemplo, de trocas de objetos ou de empréstimos de
lâminas (material mais utilizado na autolesão) entre reclusos. Dos dois estabelecimentos
prisionais em estudo, era no contexto feminino que a retirada dos objetos suscetíveis de
autolesão funcionava com mais sucesso. Isto porque, tratando-se de um edifício
relativamente novo e onde ainda não se faz sentir tanto a sobrelotação, as reclusas habitam,
maioritariamente, em celas individuais. Neste sentido, quando se dá o alerta para a retirada
dos objetos cortantes, é aberta a cela e todo o material que puder ser utilizado para esse fim,
é retirado até ordem em contrário (pelo menos enquanto o risco ainda estiver presente).
Claro está que isto não impede que não obtenha o material por outras reclusas, mas a
vigilância é mais fácil e eficaz porque a reclusa está sinalizada e é seguida mais de perto.
Apesar de os fatores de risco entre população geral e a subpopulação prisional serem
semelhantes, ao contexto prisional acrescenta-se uma particularidade, que os autores
Saraiva, Peixoto e Sampaio (2014b, p.415) descrevem como uma convergência de três
elementos, sendo eles: (1) a privação de liberdade; (2) meio gerador de violência hétero e
autodirigida e (3) vulnerabilidade da população prisional. Segundo estes autores, esta
16 Quando existe uma forte rutura com o exterior, nomeadamente com os familiares e amigos.
30
prática associa-se “geralmente a reclusos depressivos, com constrição cognitiva, que
perderam a esperança e não conseguem perspetivar outra saída para o seu sofrimento que
não a morte” (idem, p.421).
De acordo com Heney (1996), é devido a esta perda que muitas reclusas têm
comportamentos quer autolesivos quer suicidários, na medida em que estas perdas
potenciam o stress que se traduz na “incapacidade de adaptação e aquisição do seu novo
estatuto (…) [e consequente,] ocorrência de comportamentos suicidários” (Haycock, 1986
cit in Moreira, 2010, p.57). Neste sentido, segundo Goring (1913), o desejo de morrer
aumenta em indivíduos que se depararam com o contexto prisional e com toda a tensão e
stress que este contexto comporta.
Pese embora a necessidade de intervir nos fatores de risco, diminuindo-os, existem
fatores de proteção que devem ser trabalhados, potenciando reforços positivos de regulação
emocional, valorização pessoal e de sentimentos de pertença a grupos, onde se incluem os
familiares.
Na tabela seguinte, encontramos os fatores de proteção que a DGS considera serem
alguns dos fundamentais.
Categorias
Individuais
Familiares
Sociais
Capacidade de resolução
de problemas e conflitos;
Bom relacionamento
familiar;
Ter emprego;
Iniciativa no pedido de
ajuda;
Suporte e apoio familiar; Facilidade de acesso aos
serviços;
Noção de valor pessoal; Relação de confiança; Articulação entre os
serviços de saúde com
instituições de serviço
social e comunitário;
31
Abertura para novas
experiências e
aprendizagens;
Valores Culturais;
Estratégias
comunicacionais
desenvolvidas;
Pertença a uma religião;
Empenho em projetos de
vida;
TABELA Nº2: FATORES DE PROTEÇÃO (DGS, 2013, P. 50)
Em contexto prisional, é notório o distanciamento que se vai criando entre as
famílias e os reclusos durante o cumprimento da pena, sendo necessário trabalhar para o
fortalecimento destas relações. O facto de terem uma ocupação laboral também ajuda a
terem o tempo ocupado. Como na altura me disse um guarda prisional (por outras palavras,
mas com a mesma ideia) “se estiverem ocupados, não pensam no que não devem17”.
No que concerne ao fator “capacidade de resolução de problemas e conflitos”, na
categoria de individuais, o contexto prisional pode repensar a sua forma de trabalhar este
aspeto. Após estar em contacto direto com os profissionais e com as suas expetativas, estes
expuseram-me sentimentos de frustração por apenas conseguirem trabalhar para o
indivíduo, em prol das necessidades e vontades destes, mas não com eles18.
1.2.2.1. SUICÍDIO E GÉNERO: PERFIS
Liebling (1994) afirma que, “a maioria dos estudos têm-se centrado na busca de um
perfil que enumera determinadas características associadas com o suicídio, mas nenhum
explica essa conexão”, por exemplo, alguns autores traçaram um perfil de recluso
suicidário, caracterizando-o como “homem branco, com 22 anos de idade, preso por um
17 Referindo-se claramente a fenómenos de autolesão e/ou pensamentos suicidários.
18 Relacionando com comportamentos autolesivos/suicidários, foram vários os profissionais a referir que, por
exemplo, quando lhes é negado o acesso imediato aos serviços clínicos, o/a recluso/a recorre à autolesão a
fim de cumprir o seu interesse/objetivo de ir efetivamente aos serviços em questão.
32
crime relativamente pouco grave, não envolvendo violência” (Moreira, 2010, p.54),
contudo, não há indicação de um perfil suicida feminino, nem explicam de que modo é que
o suicídio pode ter ligação com o padrão comum de um jovem ocidental19.
Em 1992, Liebling através de características demográficas e sociais, traça um
perfil suicidário que tem como objetivo a previsão e prevenção de futuros suicídios em
contexto prisional. Neste sentido, como características demográficas apresenta:
1. Idade: destaca os adolescentes como os mais vulneráveis ao fenómeno, sendo que
Kennedy (1984), num dos seus estudos, afirma que as idades de risco20 são
compreendidas dos 20 aos 30 anos.
2. Género: em contexto prisional, existem poucos estudos com amostras femininas
(talvez pela reduzida taxa de mulheres recluídas). Contudo, na população em
geral, o homem comete 2 a 4 vezes mais o suicídio, isto porque a mulher tenta-
o com métodos menos letais, como: overdoses ao invés de armas e
estrangulamentos.
3. Etnicidade: Liebling, apoiando-se num estudo realizado por Scott-Denoon,
(1984) revela que questões associadas à origem étnica são fatores com pouco
relevo para estabelecer uma hipótese ou perfil suicidário.
Relativamente às características sociais:
4. Estado Civil: quer em contexto prisional, quer na população em geral, o grupo
mais vulnerável são as pessoas solteiras (divorciados, viúvos, …). Segundo
Saraiva, Peixoto e Bessa (2014), as relações/casamentos são vistas como um
nicho de segurança21.
5. Fundo Psiquiátrico: Questões como consumo abusivo de álcool, histórias de vida
ligadas a comportamentos autolesivos ou suicidários, consumo de drogas e
19 Em termos estatísticos, só a partir do ano 2009 é que os dados oficiais das taxas anuais de suicídio em
contexto prisional começam a ser apresentadas segundo o género, distinguindo assim homens e mulheres
(tanto para portugueses como para estrangeiros). Consultar tabela nº3: número de suicídios ocorridos em
contexto prisional português entre os anos 2009 e 2016.
20 Na população geral, as taxas de suicídio em termos de idade são compreendidas entre os 15 e os 44 anos. 21 Corresponda a uma Rede de Apoio Social, que permite ao indivíduo estar integrado socialmente.
33
isolamento social, são fatores que aumentam o risco suicida no individuo. A
depressão também representa um fator de risco.
Num estudo realizado entre 1902 e 1911, Smalley (1911) observa o fenómeno do
suicídio a partir da premissa do crime que o indivíduo cometeu, afirmando que o suicídio
não pode ser trabalhado apenas segundo a hipótese de insanidade do indivíduo. Neste
sentido, alerta que o facto de um indivíduo cometer um crime de forma impulsiva, pode
induzir que o mesmo comporte algum tipo de doença mental.
Em contexto português, o período em que existe uma maior predisposição do
indivíduo para cometer um ato suicida decorre nos seus primeiros dias de reclusão, podendo
manter-se até ao primeiro ano e meio de cumprimento da pena. Moreira (2010, p.54) afirma
que “68,8% dos reclusos cometem o suicídio durante este período, 11,7% dos quais nos
primeiros dias de reclusão”. Sendo ainda que,
a tipologia do suicida prisional em Portugal encontra-se
bastante vincada. (…) este trata-se, na sua maioria, de um
recluso do sexo masculino, mais jovem, solteiro ou
divorciado e recém-condenados. O facto de ser jovem torna-
o mais vulnerável ao risco de ideação suicida, uma vez que
não possui tantos recursos quer a nível interno, quer externo
(Santos, 2013, p. 10).
Contudo, a prevenção em contexto prisional “implica atuar não apenas sobre o
indivíduo e as suas fragilidades, mas também sobre o meio e mecanismo carcerário”
(Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014b, p.423).
1.2.2.2. PLANO INTEGRADO NA PREVENÇÃO DO SUICÍDIO
De acordo com o que foi dito anteriormente, a nível nacional encontra-se
implementado um plano de prevenção do suicídio, PNPS, que teve a sua origem em 2013.
O PNPS é composto por duas fases, com distribuição temporal. Isto é, a primeira fase
decorreu no primeiro ano de implementação do plano (2013/14), sendo que a segunda é de
2014 a 2017. Em termos populacionais, para além da intervenção junto da população em
34
geral, especificam-se os seguintes grupos de risco: profissionais de saúde; adolescentes;
população idosa; população prisional; forças de segurança; lésbicas, gays, bissexuais e
transsexuais/transgéneros (LGBT) e pessoas com deficiência intelectual (DGS, 2013).
Muito embora no PNPS estejam elencadas medidas gerais e específicas de como
prevenir o suicídio em contexto prisional, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços
Prisionais (DGRSP) dispõe de um Programa Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS),
também ele já mencionado em fases anteriores.
O PIPS22 surge como resposta à problemática que tem vindo a ser definida, desde
o risco/vulnerabilidade dos reclusos ao suicídio, em contexto prisional. Entre os períodos
de 1983 a 2008, os dados oficiais23 divulgados sobre os suicídios em contexto prisional,
expressavam a necessidade de intervir sobre o fenómeno e, neste sentido, surge o PIPS,
implementado desde 2009.
O seu objetivo visa “o enfoque sobretudo ao nível da resiliência interna dos
indivíduos que revelam maior risco no cometimento do ato suicidário ou que façam parte
dos grupos particularmente vulneráveis ao cometimento do ato suicídio” (DGSP, 2009,
p.9).
Tendo em conta estes indivíduos ou grupos vulneráveis, o programa apresenta os
grupos-alvo de intervenção em três categorias: (1) reclusos/as com uma história de vida
com adoção de pensamentos e comportamentos com intenção suicidário (no interior ou
exterior do contexto); (2) reclusos/as que pertencem a grupos vulneráveis e com risco de
cometerem atos suicidários, dentro do próprio contexto prisional e (3) reclusos/as com
pensamentos autodestrutivos (não apresentam a intenção de colocar termo à vida mas é
considerado um comportamento de risco). Relativamente à estratégia de prevenção do
suicídio, adotada pelo PIPS, podemos observar, através de um esquema-síntese (disponível
no manual do programa), que este se divide em duas fases/dois níveis.
De seguida, poderá observar-se a imagem nº1 que expõe de uma forma gráfica a
estratégia integrada do PIPS, a nível Local.
22 Segue as bases do Plano Preventivo Multidimensional, dos EUA, adaptando toda a informação e
instrumentos da National Center on Institutions and Alternatives (NCIA) ao contexto português (Hayes,
2005).
23 Entre os anos 2000 e 2008, o número total de suicídios em contexto prisional foi de 125 (DGRSP cit in
DGS, 2013, p. 82)
35
IMAGEM Nº1: ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO – NÍVEL LOCAL
(DGSP, 2009, P.32).
O nível I tem por base detetar os sinais/sintomas de alerta e proceder, caso exista
algum caso suspeito (presença de risco de ideação suicida) ou quando se dá o próprio ato
suicida. O nível II dá continuidade ao nível I, através de profissionais com
uma formação específica em suicidologia, e implementa o PIPS numa fase de alojamento
do recluso e não apenas no seu ingresso (observável no nível I).
No quadro de avaliação do recluso, “o momento de início de reclusão é a fase
oportuna para fazer a deteção precoce de sinais e sintomas de alerta de risco de
suicídio/vulnerabilidade ao ato suicida perpetuado intramuros” (idem, p.13).
Dentro do programa encontramos grupos de trabalho que foram constituídos
internamente, como se pode constatar pela imagem nº2, que será exposta de seguida.
36
IMAGEM Nº2: ORGANIGRAMA DE ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO DO
SUICÍDIO – NÍVEL NACIONAL (DGSP, 2009, P.32)
Estas equipas têm como objetivo “estudar e construir o(s) instrumento(s)/
procedimento(s) mais adequados a adotar” (ibidem). Independentemente destes grupos,
existem as Equipas de Observação Permanente (EOP) que coordenam o programa de norte
a sul. A nível nacional, o Conselho de Prevenção do Suicídio (CNPS) destaca três Grupos
de Operacionalização Regional (GOR), um a norte, outro no centro e a sul de Portugal.
Cada grupo subdivide-se em serviços específicos, que são: (1) Serviços de Vigilância; (2)
Serviços de Educação e Ensino e (3) Serviços Clínicos.
Na altura do seu ingresso, o recluso é avaliado, passando por um conjunto de
procedimentos. No que concerne aos Serviços de Vigilância, o rastreio/sinalização é
realizado segundo uma check List de Alerta. Este procedimento deve ser efetuado antes do
recluso entrar em zona prisional (de preferência a par da ficha de entrada, momento de
ingresso). Este método é implementado com todos os reclusos, independentemente da sua
situação jurídica. O objetivo deste procedimento é “aferir o grau de risco
suicidário/vulnerabilidade ao cometimento do ato suicida” (idem, p. 16).
Dentro deste nível I e depois do recluso realizar esta check list de alerta, fazem
uma avaliação mais densa do risco. Esta avaliação é feita segundo a
37
estratégia/procedimento de Intake Screening24. Este procedimento acaba por ir ao encontro
do anterior, ou seja, “identificar o risco suicidário/vulnerabilidade ao cometimento do ato
suicida por parte da população reclusa recém-entrada25”.
Contudo, “este instrumento convoca uma maior densidade técnica, pretendendo
objetivar comportamentos para-suicidários que possam ser relevantes para uma prevenção
mais apropriada” (idem, p.17).
De modo a finalizar os procedimentos do nível I, realizam um diagnóstico, que
consiste numa avaliação clínica do recluso. Neste âmbito, todos os procedimentos vão ao
encontro do Manual de Procedimentos para Prestação de Cuidados de Saúde.
Sumariamente, é realizada uma consulta médica de admissão (num prazo máximo de 3
dias/ primeiras 72 horas) e “sempre que se verificar necessário, o recluso é referenciado
para outras especialidades, de acordo com a sua patologia” (idem, p.18).
Em suma, cada um dos instrumentos/procedimentos visa identificar o risco
suicidário/vulnerabilidade ao ato suicida por parte dos (as) reclusos (as)/ detidos (as)
entrados (as) e, por decorrência, antecipar o grau de responsividade necessário e adequado
para cada recluso (a)/detido (a) (idem, p.15).
De seguida, depois de passar por estes procedimentos e, de acordo com a fase de
avaliação, a Equipa de Observação Permanente (EOP), já numa fase de alojamento e com
a intervenção dos Serviços de Educação e Ensino e os Serviços Clínicos, classificam os
resultados em graus, que podem ser de:
1. Baixo Risco: corresponde ao regime comum, onde não existem dados que
comprovem que seja necessário, o recluso ser incluído no PIPS.
2. Médio Risco: quando o recluso se apresenta neste grau, deve/tem que ser
alojado na Unidade Residencial de Gestão do Risco (URGR), sendo integrado
no PIPS. Posteriormente e consoante a avaliação obtida com o programa,
pode: (1) ou ser recolocado no regime comum, sob supervisão (na medida em
que o seu grau passa a ser de Baixo Risco); (2) pode manter-se na URGR, ou
24 Anexo número 1: Intake Screening
25 “Quer no ingresso do recluso(a)/detido(a) no sistema prisional [ou] por efeito de um processo de
transferência” (DGSP, 2009, p.17).
38
seja, no grau de Médio Risco ou (3) ser direcionado para o grau de Elevado
Risco.
3. Elevado Risco: é quando o recluso é encaminhado para o internamento,
podendo ser alojado no Hospital Prisional São João de Deus, no Hospital
Geral ou numa Clínica de Psiquiatria.
Contudo, a questão do suicídio continua a estar muito presente no contexto
prisional, com alguns altos e baixos ao longo dos anos, como nos comprova a seguinte
tabela:
Causa da morte: Suicídio
Ano
Homens Mulheres
Portugueses Estrangeiros Portuguesas Estrangeiras
2009 15 1 - -
2010 15 3 1 -
2011 8 - - -
2012 15 1 - -
2013 10 1 2 -
2014 18 1 3 -
2015 10 - 1 -
2016 8 1 - -
Subtotal: 99 8 7 0
Total: 114 suicídios
Tabela nº3: Número de suicídios ocorridos em contexto prisional português entre os
anos de 2009 e 2016
Em Portugal, entre 1990 e 2007 26 , as estatísticas prisionais deram conta da
ocorrência de 259 suicídios em contexto prisional, sendo que os anos com menos registos
foram 1993 e 2005, com 7 e 9 suicídios, respetivamente (Moreira, 2009). Na sequência da
divulgação destes dados reconhece-se a necessidade de intervenção no problema e, neste
26 Em 2008, ocorreram 7 suicídios em contexto prisional português (Fonte: DGRSP).
39
sentido, surge o Programa Integrado de Prevenção do Suicídio, implementado em Portugal
desde 2009. Uma das causas para a sua implementação deve-se ao facto de os suicídios
consumados gerarem uma perturbação significativa na população reclusa. Os reclusos e
reclusas sentem revolta e injustiça por aquilo que poderia ter sido feito de diferente, de
modo a evitar o fim trágico (Moreira, 2009).
Com a implementação do programa, as estatísticas pouco se alteraram, como
podemos observar pelos dados divulgados entre os anos de 2009 e 2016. O total de suicídios
em contexto prisional português foi de 114 (99 homens portugueses, 8 homens estrangeiros
e 7 mulheres portuguesas), registando um pico nos anos 2010 e 2014, com 19 e 22 suicídios,
respetivamente. O ano com um menor registo foi em 2011, com 8 mortes por suicídio.
40
1.3. Autolesão e Suicídio: fenómenos relacionados?
Em termos de relações terminológicas, tanto a autolesão é definida segundo a ideia
de um comportamento autoagressivo de cariz suicidário (com o objetivo de colocar termo
à vida), como o suicídio é encarado como uma autolesão fatal. Estes fenómenos
relacionam-se quando o objetivo é, efetivamente, colocar termo à vida.
Smith, Cox e Saradijan (1998), afirmam que a ligação entre os fenómenos como
autolesão e (tentativa de) suicídio não passa de uma crença, de um mal-entendido, até
porque a percentagem de suicídios que ocorre por via da autolesão é diminuta.
Os mesmos autores explicam que, embora a autolesão crie marcas/ferimentos
diretos no corpo, esses não são prejudiciais ao ponto de colocarem em causa a vida do
indivíduo. Assim, “a autolesão continua o discurso da vida de uma pessoa, enquanto que
uma tentativa de suicídio separa uma pessoa desse discurso, removendo o indivíduo da
consciência e do ser” (idem, p.13).
Apesar de alguns autores apresentarem a autolesão como uma forma de alívio de
uma dor psicológica/angústia e de o suicídio surgir como a única e última alternativa para
uma dor insuportável, a efetiva correlação que se pode realizar sobre estes fenómenos é
quando a autolesão toma proporções superiores, com ferimentos profundos e que levam à
perda dos sentidos, podendo culminar na morte do indivíduo, por falta de assistência, por
exemplo.
41
CAPÍTULO II: CONTEXTO PRISIONAL - PROFISSIONAIS PRISIONAIS
Para o projeto de investigação em causa foram tidos em conta discursos de
profissionais de setores/serviços como os de Educação, Técnicos Superiores de
Reeducação (TSR) e os de Vigilância, nomeadamente Corpos de Guardas prisionais dos
Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo masculino (EPSCB masculino) e
feminino (EPSCB feminino).
No capítulo II, contexto prisional – profissionais prisionais, proceder-se-á à
categorização do perfil legal destes profissionais. Recorrendo à literatura e a documentos
legais, nomeadamente decretos-lei, será realizada uma exposição do perfil delineado para
estes profissionais, bem como as suas respetivas funções.
Uma vez que “o suicídio neste meio representa um fator de convulsão interna,
afetando não só a instituição e a sua imagem pública, os guardas e outros funcionários, mas
também os reclusos” (Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014b, p.415) e como “não existem
indicadores sistemáticos e suficientemente fiáveis relativos às tentativas de suicídio e aos
comportamentos [autolesivos]” (idem, p.417), torna-se fundamental dar voz a estes
profissionais que lidam diariamente com a população reclusa, independentemente das suas
funções,. Até porque, “prevenir o suicídio neste contexto implica atuar não apenas sobre o
indivíduo e as suas fragilidades intrínsecas, mas também sobre o meio e mecanismo
carcerários” (idem, p.423).
2.1. O PAPEL DO TÉCNICO SUPERIOR DE REEDUCAÇÃO
Atendendo ao Decreto-Lei 346/91, de 18 de setembro27, os Técnicos de Educação
que pertencem aos quadros de pessoal da DGRSP, do Ministério da Justiça, com a
designação de Técnicos Superiores de Reeducação, devem ser detentores, sem exceção, do
grau de habilitação de licenciado, correspondente ao curso superior de Serviço Social ou
27 https://dre.tretas.org/dre/33780/decreto-lei-346-91-de-18-de-setembro, acedido em julho de 2017
42
habilitação equiparada (onde se incluem, por exemplo, as Ciências da Educação, a
Psicologia e a Sociologia).
Procurando conhecer os requisitos e as funções que são esperadas por parte de um
TSR, e consultando os concursos públicos que surgiram mais recentemente, pode constatar-
se que um TSR tem
funções de natureza consultiva, de estudo, planeamento,
programação, avaliação e aplicação de métodos de natureza
técnica e ou cientifica que fundamentam e preparam a
decisão, (…), nomeadamente as inerentes à organização,
planeamento, programação e controlo em matéria de
educação, ensino, formação profissional e atividades
socioculturais destinadas a reclusos28.
De acordo com o decreto já mencionado, 346/91 de 18 de setembro, a principal
função de um TSR é, para além do trabalho burocrático, o acompanhamento e melhoria das
capacidades pessoais, académicas e laborais de cada recluso. No projeto de investigação
em questão, foi possível entrevistar seis técnicos (TSR) e uma das questões passava por
compreender a forma como estes se organizam entre o trabalho burocrático e o
atendimento/acompanhamento individual/presencial.
Num leque de 6 técnicos, do EPSCB masculino e EPSCB feminino, embora
alguns técnicos se consigam organizar de forma a repartir de forma igualitária o seu
trabalho, a ideia geral é que o trabalho burocrático se sobrepõe ao trabalho de intervenção.
Segundo uma TSR:
nós andamos sempre em S.O.S. e, portanto, eu gostava muito
de poder dizer assim “vou programar o meu trabalho,
amanhã vou (o que acontece muitas vezes), (…), vou para lá
de manhã e toda a manhã fico lá disponível”, aliás eu devia
estar meio dia (…) pelo menos, ou de manhã ou de tarde.
Nem consigo fazer isso porque o trabalho burocrático, é tanto
papel que nós somos absorvidos e muitas vezes ando ao
28 Diário da República, 2.ª série — N.º 67 — 6 de abril de 2016
43
reboque dos pedidos deles… ou de me apanharem aí (risos)
mas ainda bem que eles o fazem de vez em quando,
realmente, é-é somos poucos técnicos (…)
Como podemos observar, através desta citação ilustrativa, os TSR trabalham em
função das necessidades, alertando que esta falta de organização se deve ao facto de
existirem poucos técnicos para o número de pessoas recluídas nos estabelecimentos29 e,
depois, porque existem prazos que são estabelecidos por outras entidades, como tribunais,
por exemplo, e que são para cumprir, relativos a relatórios, a planos, … Assim, o trabalho
de intervenção acaba por surgir quando solicitado pelo recluso/a por algum motivo ou
problema que este queira ver resolvido.
2.2. O papel do/a Guarda Prisional
Atendendo ao decreto-lei nº 3/2014, de 3 de janeiro, um indivíduo que pretenda
concorrer a Guarda Prisional necessita de ter como requisitos de admissão ao concurso de
ingresso:
1) ter no mínimo 21 anos e máximo de 28 anos;
2) para candidatas do sexo feminino, ter no mínimo 1,60m e para os candidatos do
sexo masculino, 1,65m;
3) robustez física, boa constituição e boa aparência exterior;
4) considerado apto para todo o serviço militar (requisito exclusivo para candidatos
do sexo masculino);
5) inexistência de sanções disciplinares graves, bem como condenações penais
anteriores;
6) ter como habilitação mínima o 12º ano de escolaridade.
Procurando conhecer as funções que são esperadas por parte de um/a Guarda
Prisional,
29 No EPSCB masculino existem 6 TSR (2 para a Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental, 3 para o regime
comum e 1 para a CASA); por sua vez, no EPSCB feminino existem 2 TSR, que dividem entre sio número
total de reclusas.
44
Art.º.
7.º
Competência genérica do pessoal do corpo da guarda prisional
1- Ao pessoal do corpo da guarda prisional compete, genericamente:
a) Exercer vigilância sobre toda a área das instalações afetas aos serviços
durante o serviço diurno ou noturno que lhe competir por escala;
b) Observar os reclusos nos locais de trabalho, recintos ou zonas habitacionais,
com a discrição possível, a fim de detetar situações que atentem contra a
ordem e segurança dos serviços ou contra a integridade física e moral de
todos os que se encontrem no estabelecimento;
c) Manter relacionamento com os reclusos em termos de justiça, firmeza e
humanidade, procurando, simultaneamente e pelo exemplo, exercer uma
influência benéfica;
d) Colaborar com os demais serviços e funcionários em tarefas de interesse
comum, nomeadamente prestando, de forma exata, detalhada e imparcial, as
informações que forem adequadas à realização dos fins de execução da
pena, da prisão preventiva e das medidas de segurança;
e) Transmitir imediatamente ao superior hierárquico competente as petições e
reclamações dos reclusos;
f) Participar superiormente, e com a maior brevidade, as infrações à disciplina
de que tenha conhecimento;
g) Acompanhar e custodiar os reclusos que sejam transferidos ou que, por
outro motivo, se desloquem ao exterior do estabelecimento prisional;
h) Capturar e reconduzir ao estabelecimento prisional mais próximo reclusos
evadidos ou que se encontrem fora do estabelecimento sem autorização;
i) Prestar assistência e manter segurança e vigilância durante o período de
visita aos reclusos, bem como verificar e fiscalizar os produtos ou artigos
pertencentes ou destinados aos mesmos;
j) Desenvolver as atividades necessárias ou úteis para um primeiro
acolhimento dos reclusos, esclarecendo-os sobre as disposições legais e
regulamentares em vigor no estabelecimento.
45
Tabela nº4: Competência genérica do pessoal do corpo da guarda prisional30
De acordo com as competências acima referidas, “duma maneira geral, [os/as
guardas prisionais] são responsáveis por zelar pelo cumprimento das instruções gerais
dadas às reclusas” (art. 14º do Regulamento do Corpo de Guardas em Serviço in Cunha,
1994, p.81).
No projeto de investigação em questão, foi possível entrevistar 14 guardas
prisionais, 7 do sexo masculino e 7 do sexo feminino, do EPSCB masculino e do EPSCB
feminino. Com o desenrolar das entrevistas surgiu, entre outras, a questão da valorização
desta carreira profissional.
Segundo um testemunho recolhido por Cunha (idem, p.84), “as pessoas não fazem
ideia do que é ser guarda. Ser guarda não é só abrir e fechar portas”. Hoje em dia, este
discurso mantem-se, sendo que alguns guardas chegam mesmo a afirmar que a
desvalorização da sua profissão não passa pela população em geral, até porque as pessoas
acham arriscado; sentem mais a desvalorização por parte do sistema/direção (referindo à
DGRSP). Explicam que esta desvalorização se deve ao facto de esta ser constituída por
pessoas que não são da farda e não conhecem verdadeiramente o contexto, sendo que esta
falta de conhecimento leva à desvalorização do “serviço”, e à consideração que a função
de um guarda é “abrir e fechar portas”31.
Contudo, na perspetiva feminina a ideia prevalece e quem o adianta é uma Guarda
Prisional do EPSCB feminino, com uma experiência de 10 anos, que ao ser questionada
sobre a desvalorização da sua profissão revela que “hmm, sim, é verdade”. Prossegui
perguntando se o sentia apenas com os civis exteriores ao sistema e a mesma revela que,
“sim, sim, tudo, mas eu penso que, que no momento em que estamos, nesta conjuntura que
é mais uma crise social, que todos os elementos, seja Guarda Prisional, seja GNR, PSP, que
acabam por sentir isso (pausa) mas nós aqui, acho que sim (…)”.
30 http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=214&tabela=leis, acedido em julho de 2017
31 Ideia extraída de entrevistas realizadas a guardas prisionais masculinos às quais não foram autorizadas
gravações.
46
Ainda questionada sobre a ideia de ser apenas quem abre ou fecha celas,
prossegue afirmando que,
É, a maior parte da noção que as pessoas têm é isso, não
conhecem exatamente o trabalho que fazemos cá e depois há
aquele, aquela linha que separa a nossa profissão dos
técnicos, mas que ao mesmo tempo, por incapacidade de
recursos humanos que acaba por ter todos os EP’s de
Portugal, o Guarda Prisional tem que fazer (…).
47
CAPÍTULO III: METODOLOGIA
As investigações anteriores colocam o foco principal no suicídio consumado e em
quem o pratica, procurando testemunhos de reclusos que tenham tido comportamentos
suicidários. Deslocando o enfoque dos/as reclusos/as para os profissionais que com eles/as
contactam em contexto prisional, esta investigação tem como intuito compreender o modo
como estes profissionais, inseridos no próprio meio, percecionam esta prática e procuram
lidar com a mesma.
Como tal, reserva-se o capítulo III para expor não só os objetivos que nortearam
todo o estudo, como também a metodologia adotada em todo o processo, apontando, de
igual modo, as suas limitações e os procedimentos no terreno. Para finalizar será realizada
uma caracterização dos entrevistados, nomeadamente em termos de carreira profissional,
habilitações literárias, idades e outros dados relevantes.
3.1.Objetivos do estudo
Para este estudo, existe um objetivo principal que tem vindo a ser referido em partes
anteriores, que consiste em compreender junto dos vários profissionais prisionais (desde
Guardas Prisionais, Técnicos Superiores de Reeducação e membros do corpo clínico) de
que forma é que estes percecionam e lidam com os comportamentos
(autolesivos/suicidários) e se o fazem de forma diferenciada consoante o género de pessoas
recluídas.
Paralelamente a este objetivo, surgem tópicos/hipóteses que nos permitirão
conhecer ou compreender os resultados de uma forma mais concisa. Essas hipóteses são:
1. Compreender de que forma os profissionais percecionam os comportamentos
suicidários e lidam com a questão do suicídio;
2. Perspetivar os significados que são atribuídos às práticas e ao modo como
classificam os reclusos e reclusas com comportamentos suicidários;
3. Compreender se as estratégias e mecanismos de coping a implementar estão
associadas a uma dimensão de género e se são diferentes em função do género;
48
4. Verificar o impacto que os comportamentos suicidários e os próprios suicídios
têm na vida quer dos profissionais quer dos reclusos/as;
5. Observar se o comportamento autolesivo é perspetivado segundo a dimensão de
género nas narrativas dos profissionais;
6. Observar de que modo se processam os acompanhamentos diretos, face-a-face,
entre técnicos e reclusos/as, bem como as condições e circunstâncias em que se
desenrolam;
7. Verificar de que forma o acompanhamento dos técnicos pode-se orientar ou não
para a prevenção de possíveis comportamentos/atos suicidas em reclusos/as;
8. Observar as interações e forma de tratamento adotada pelos técnicos da área de
saúde quando um recluso/a se dirige à enfermaria, devido a autolesões;
9. Compreender se os programas de intervenção/prevenção do suicídio são sensíveis
ao género.
Através destes objetivos, foram formuladas entrevistas semi-diretivas a TSR, a
Guardas Prisionais e a membros do corpo clinico (nomeadamente enfermeiros, psicólogos
e médico-psiquiatra) do EPSCB masculino e EPSCB feminino, com o intuito de procurar,
através dos discursos dos profissionais, as perceções destes face aos fenómenos que têm
vindo a ser trabalhados, nomeadamente a autolesão e o suicídio, e atendendo à variável de
género, procurando saber se essas perceções se alteram entre profissionais que trabalham
com populações recluídas de géneros distintos.
3.2.Opções e limitações metodológicas
Para a obtenção de respostas aos objetivos apresentados anteriormente, a primeira
consideração prendeu-se com a escolha dos Estabelecimentos Prisionais. Neste sentido, o
EPSCB masculino surgiu como opção por abranger a Clínica de Psiquiatria e de Saúde
Mental, na medida em que, sendo estes comportamentos disfuncionais e que acabam por
estar ligados, em parte, a disfunções psicológicas, a depressões, … torna-se uma mais-valia
49
incluir, para além da população prisional comum, os inimputáveis 32 no estudo.
Relativamente ao EPSCB feminino, a escolha recai essencialmente por se tratar do contexto
prisional feminino mais perto da minha zona de residência, facilitando assim o
acesso/deslocações.
Seguindo os procedimentos legais para realização de uma investigação académica
em contexto prisional e após receber o parecer positivo da DGRSP 33 , por opção a
investigação iniciou-se me contexto prisional masculino e, de seguida, em contexto
prisional feminino.
Uma vez inserida nos contextos, toda a metodologia adotada foi de cariz
qualitativo, com base em análises documentais34 e de conteúdo35 de processos. Contudo, o
objetivo central da investigação foi, através dos discursos dos profissionais prisionais,
compreender a visão destes face às problemáticas em estudo. Neste sentido foram
construídos materiais metodológicos, nomeadamente guiões de entrevistas.
Segundo Quivy e Compenhoudt (1995, p.95), “os métodos de entrevista
caracterizam-se por um contacto direto entre o investigador e os seus interlocutores”. Para
este projeto de investigação, a variante da entrevista utilizada foi a semi-diretiva (também
conhecida por entrevista semiestruturada ou semi-dirigida), onde “geralmente, o
investigador dispõe de uma série de perguntas-guias, relativamente abertas” (idem, p.96).
32 “1 - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto,
de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. 2 - Pode ser declarado
inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem
que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude
deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída. 3 - A comprovada
incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode constituir índice da situação prevista no
número anterior. 4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo
agente com intenção de praticar o facto” (http://www.pcd.pt/biblioteca/ver.php?id=104, acedido em agosto
de 2017).
33 Ver anexo nº 2: Ofício da DGRSP.
34 “A análise documental busca identificar informações fatuais nos documentos a partir de questões ou
hipóteses de interesse” (Ludke & André, 1986, p. 38). 35 A análise de conteúdo é uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva,
sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação (Bardin, 1979).
50
Ou seja, o entrevistado é convidado a colaborar com um projeto de investigação, tendo
assim que responder a um conjunto de questões delineadas previamente pelo
investigador/entrevistador.
Contudo, este tipo de respostas abertas traz vantagens e, por consequência,
desvantagens à investigação. Isto é, se por um lado temos a vantagem de as respostas serem
ricas em detalhes, estas podem pecar pelo exagero, tornando-se uma desvantagem. E,
apesar de este tipo de entrevistas e de respostas ser mais interessante quer para o
entrevistado, quer para o entrevistador, pode existir uma perda de controlo da entrevista
pelo tempo que o entrevistado leva a responder36 a cada questão37.
Por forma a garantir o anonimato dos entrevistados foi criado um consentimento
informado38 que consiste em assegurar que as suas identidades não serão reveladas.
Atendendo não só às opções metodológicas como também aos próprios terrenos de
investigações, foram surgindo algumas limitações, fundamentalmente no que concerne às
entrevistas. Expondo as limitações segundo os estabelecimentos prisionais em causa, no
EPSCB masculino e apesar dos guardas prisionais estarem salvaguardados pelo
consentimento informado, aceitaram colaborar cedendo as entrevistas, contudo, na sua
maioria não aceitaram que estas fossem gravadas. Torna-se assim uma limitação porque
como dito anteriormente, as respostas abertas são extensas e, sem gravação, existem
detalhes e informações que se perdem e onde ficam ideias gerais e não tão específicas.
Relativamente ao EPSCB feminino, esta limitação esteve mais presente no TSR e não tanto
no Corpo de Guardas Prisionais. A limitação que mais se sentiu no EPSCB feminino foi
em termos de recursos humanos. Este estabelecimento tem apenas dois TSR, sendo que um
destes não aceitou colaborar com a investigação. A amostragem comparativamente ao
EPSCB masculino, relativo aos TSR, ficou diminuta e com pouca perspetiva de
profissionais que já tivessem estado ou que estão em contexto prisional feminino.
36 O facto de ser um tipo de resposta que leva à espontaneidade do indivíduo e por serem questões abertas
com uma maior facilidade de resposta, pode levar a estes excessos, perdas de controlo e tempo não convertido
em informações pertinentes.
37 http://wiki.ua.sapo.pt/wiki/Entrevista, acedido em agosto de 2017 38 Ver anexo nº 3: Consentimento Informado.
51
Em média as entrevistas a Guardas Prisionais demoravam cerca de uma hora a uma
hora e trinta minutos. No EPSCB masculino, foi-me pedido para apenas efetuar entrevistas
a Guardas Prisionais no período da tarde para não interferir com o bom funcionamento do
contexto, algo que limitou a investigação, na medida em que só era possível entrevistar um
guarda prisional por dia/tarde. No EPSCB feminino esta limitação voltou a centrar-se mais
na disponibilidade do TSR, na medida em que, como são apenas dois, a sobrecarga de
trabalho é maior e não é tão fácil dispensar tanto tempo. Em alguns casos, as entrevistas
quer com TSR quer com Guardas Prisionais dividiram-se em duas partes, por
incompatibilidade de horários e para não interferir com as funções e responsabilidades dos
profissionais.
3.3.Procedimentos no terreno
Para a realização desta investigação foi previamente delineado um cronograma que
serviria de guia, não só para o tempo em que se estaria no terreno e os procedimentos que
iriam ser seguidos, como também foram delineados e estipulados tempos para atividades
como: análises documentais e de conteúdo, tempo para a elaboração de matérias
metodológicos, como entrevistas semi-diretivas e, por consequência transcrições.
Através do cronograma que se segue, pode observar-se que nos meses dezembro de
2016 e janeiro de 2017, o espaço de investigação decorreu no EPSCB masculino e nos
meses de março e abril de 2017, a mesma investigação decorreu no EPSCB feminino. Esta
investigação foi autorizada pela DGRSP, como o comprova o ofício presente no anexo nº
2 (Ofício da DGRSP).
52
Tabela nº 5: Cronograma de Atividades do Projeto de Tese: "Autolesão, Suicídio e
Género em Contexto Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais”
Tanto no EPSCB masculino como no EPSCB feminino, os procedimentos iniciais
foram os mesmos. Primeiramente, foram agendadas reuniões de apresentação formal do
projeto de investigação em questão junto de membros da direção dos Estabelecimentos
Prisionais39. Estas reuniões visavam a apresentação da investigadora e um esclarecimento
sobre os objetivos e aspetos metodológicos assentes na investigação.
Como o foco se centra na perspetiva dos profissionais prisionais, primeiramente
tornou-se fundamental conhecer a população prisional afeta aos dois contextos. Assim,
foram analisados processos físicos individuais. Como a dimensão da informação era
39 No EPSCB masculino a reunião foi no início do mês de dezembro e no EPSCB feminino apesar de ter sido
realizada em fevereiro, a disponibilidade de iniciar a investigação em consonância com o estabelecimento só
surgiu em março de 2017.
Atividade / Mês Set. 2016 Out. 2016 Nov. 2016 Dez. 2016 Jan. 2017 Fev. 2017 Mar. 2017 Abr. 2017 Mai. 2017 Jun. 2017 Jul. 2017 Ago. 2017 Set. 2017
Análise Documental e de Conteúdo
Contrução de Guiões para Entrevistas Semi-Diretivas
Trabalho de campo no Estabelecimento Prisional
Especial Santa Cruz do Bispo, englobando realização de
entrevistas a técnicos e guardas prisionas, bem como conversas
informais com estes
Transcrição das entrevistas semi-diretivas
Análise do conteúdo das entrevistas e seleção da
informação mais pertinente para o estudo
Análise comparativa da componente teórica e da
componente prática
Redação das conclusões obtidas com a junção das duas
componentes
Redação final da dissertação
Cronograma de Atividades do Projeto de Tese: "Autolesão, Suicídio e Género em Contexto Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais"
53
avultada, dentro destes eram tidos em conta documentos como: avaliação 72 horas40, o
Plano Individual de Readaptação41 (PIR) ou Plano Terapêutico de Reabilitação42 (PTR).
Com estes materiais, foi possível ter uma ideia mais exata dos indivíduos que
constituem cada estabelecimento, sendo possível compreender e analisar, em alguns casos,
se o indivíduo tem ou não distúrbios de personalidade, doenças (que, no caso dos
inimputáveis, se concentram regra geral em esquizofrenias), comportamentos autolesivos
e/ou suicidários, … Contudo, para além de processos físicos individuais (presentes nas
seções de reclusos/as), foram analisados, nos gabinetes jurídicos, autos de notícia (alguns
que não dão origem a processos disciplinares e ficam como processos sem número).
Relativamente a estes documentos, foram analisados autos desde 2008. Foram
apenas tidos em conta processos ou autos que especificassem comportamentos de violência
autodirigida, nomeadamente comportamentos autolesivos e/ou suicidários.
40 Segundo o Decreto-Lei n.º 51/2011, no artigo 19º, como base nesta avaliação os serviços responsáveis,
nomeadamente que procedem ao acompanhamento da execução da pena, os serviços de vigilância e segurança
e os serviços clínicos “adota as medidas que considerar adequadas, nomeadamente: a) a determinação do
futuro espaço de alojamento do recluso; b) A prestação de cuidados de saúde especiais; c) Medidas especiais
de vigilância; d) A prestação de cuidados psicoterapêuticos individualizados; e) Medidas especiais de
vigilância; f) A inserção do recluso em determinadas atividades ou programas; g) A proposta de transferência
do recluso para outro estabelecimento prisional; h) A colocação em regime aberto no interior ou a proposta
de colocação em regime de segurança” (Diário da República, 1.ª série – N.º71 – 11 de Abril de 2011, p.2184).
41 Segundo o Decreto-Lei n.º 51/2011, no artigo 69.º, o PIR “estabelece os objetivos a atingir pelo recluso
(…) contemplando as seguintes matérias: a) Escolaridade e formação profissional; b) Trabalho e atividades
ocupacionais; c) Programas; d) Atividades socioculturais e desportivas; e) Saúde; f) Contatos com o exterior;
g) Estratégias de preparação para a liberdade” (Diário da República, 1.ª série – N.º 71 – 11 de Abril de 2011,
p.2193). 42 O PTR é o plano que se traça para os inimputáveis, indivíduos que estão em medida de tratamento, nesta
investigação foi possível ter em conta estes documentos devido à Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental,
incluída no EPSCB masculino. Segundo o Decreto-Lei n.º 115/2009, no artigo 128.º “o plano terapêutico e
de reabilitação do internado: a) Respeita a sua individualidade e dignidade; b) Promove o seu envolvimento
e o dos seus familiares; c) Compreende atividades ocupacionais e terapias individuais ou de grupo; d)
Privilegia a sua integração em programas de reabilitação e, sempre que a situação pessoal e processual o
permita, em estruturas comunitárias; e) Cria as condições necessárias para a continuidade do tratamento após
a libertação” (http://bdjur.almedina.net/item.php?field=item_id&value=1471495, acedido em agosto de
2017).
54
Estas duas análises não serão usadas diretamente na apresentação de resultados, o
objetivo principal desta análise passa por um melhor conhecimento da população reclusa
e, principalmente, pela presença dos dois fenómenos em estudos nos estabelecimentos
prisionais em questão. Foi também com base nestas análises que foi possível criar materiais
metodológicos que fossem ao encontro da realidade dos contextos e das experiências dos
profissionais, mais concretamente dos entrevistados. Assim, em dezembro de 2016, ainda
no decorrer das análises, criou-se o Consentimento Informado43 e iniciou-se a construção
dos guiões de entrevistas para TSR 44 , para Guardas Prisionais 45 e para os Serviços
Clínicos46. Contudo, em março de 2017, já no EPSCB feminino, os mesmos guiões foram
revistos de modo a confirmar a validade e pertinência destes em contexto feminino47.
No EPSCB masculino as entrevistas com os TSR e com os membros dos serviços
clínicos foram agendadas diretamente com os profissionais atendendo à disponibilidade de
cada um. No que concerne às entrevistas realizadas a Guardas Prisionais masculinos, o
agendamento de cada uma só foi possível com a ajuda do Chefe de Guardas. No EPSCB
feminino, também as entrevistas com o TSR e com o membro dos serviços clínicos48 foram
agendadas diretamente com os profissionais atendendo à disponibilidade de cada um.
Relativamente às entrevistas realizadas a Guardas Prisionais femininas, o agendamento de
cada uma só foi possível com a ajuda da Adjunta da Diretora.
43 Consultar anexo nº 3: Consentimento Informado.
44 Consultar anexo nº 4: Guião de Entrevista semi-diretiva para TSR.
45 Consultar anexo nº 5: Guião de Entrevista semi-diretiva para Guardas Prisionais. 46 Consultar anexo nº 6: Guião de Entrevista semi-diretiva para membros dos Serviços Clínicos.
47 No geral, manteve-se o guião utilizado no EPSCB masculino. As alterações passam essencialmente pelos
exemplos utilizados no decorrer da entrevista.
48 No caso dos serviços clínicos do EPSCB feminino, estes são da alçada da Santa Casa da Misericórdia do
Porto, pelo que teve que ser dada autorização prévia para a realização da entrevista.
55
3.4. Caracterização dos entrevistados
Através do gráfico nº1, referente à Caracterização dos Entrevistados – Parte I -
Geral, podemos observar que de um total de 23 entrevistados, no EPSCB masculino foram
obtidas 14 entrevistas (sendo que cinco foram realizadas a TSR, sete a Guardas Prisionais
e dois são referentes ao Corpo Clinico), por sua vez, no EPSCB feminino o alcance foi de
nove entrevistas (correspondentes a um TSR, a sete Guardas Prisionais e um referente ao
Corpo Clínico). Dos seis TSR, dois são do sexo masculino e quatro do sexo feminino;
relativamente aos Guardas Prisionais, sete dos entrevistados são do sexo masculino e sete
do sexo feminino; por fim, do corpo clínico constam três indivíduos, tratando de dois do
sexo feminino e um do sexo masculino.
Gráfico nº1: Caracterização dos Entrevistados – Parte I - Geral
De forma a especificar um pouco mais a amostra obtida para o estudo em questão,
no gráfico nº 2: Caracterização dos Entrevistados – Parte II - TSR, direcionamo-nos para
os TSR. Relembrando que foram entrevistados dois homens, a média de idades é de 40
anos e cinco meses, têm como média para a experiência profissional enquanto TSR três
anos e oito meses e, dos dois, apenas um já esteve inserido em contexto prisional feminino.
51 2
4
7
77
7
2
11
2
02468
10121416
EPSCB -Masculino
EPSCB -Feminino
Masculino Feminino
Caracterização do Entrevistados – Parte I - Geral
TSR Guardas Prisionais Corpo Clínico
56
Relativamente às mulheres TSR entrevistadas, a média das idades é de 56 anos, têm como
média para a experiência profissional 32 anos e nenhuma esteve inserida em contexto
prisional feminino.
Gráfico nº 2: Caracterização dos Entrevistados – Parte II – TSR
Relativamente ao Gráfico nº3: Caracterização dos Entrevistados – Parte III -TSR,
pode constatar-se que dos seis TSR, três têm como formação de base Psicologia: quanto
aos restantes três, cada um tem uma formação distinta, ou seja, um tem como formação de
base a Geografia, outro Serviço Social e outro Sociologia.
0
10
20
30
40
50
60
Idade Experiência EP's Femininos
Caracterização dos Entrevistados – Parte II -TSR
TSR - Masculino TSR - Feminino
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5
Psicologia
Sociologia
Serviço Social
Geografia
Caracterização dos Entrevistados – Parte III - TSR
TSR
57
Gráfico nº3: Caracterização dos Entrevistados – Parte II - TSR
Relativamente à caracterização dos Entrevistados – Parte IV – Guardas Prisionais,
observável no gráfico nº4, este centra-se na amostra dos 14 Guardas Prisionais (homens e
mulheres) entrevistados. Neste sentido, a média de idades dos Guardas Prisionais homens
é de 44,43 (anos) e a das Guardas Prisionais mulheres é de 38 (anos). Referente à
experiência profissional, os homens apresentam uma média de 17,57 (anos) e as mulheres
de 11,71 (anos). No que concerne à escolaridade compreendida entre o 6º ano e o 12º ano,
os sete Guardas Prisionais homens encontram-se neste escalão, bem como quatro das
Guardas Prisionais mulheres entrevistadas. As restantes três têm como grau de habilitação
a licenciatura, nomeadamente nas áreas de Ação Social e Educação Social.
Gráfico nº4: Caracterização dos Entrevistados – Parte IV – Guardas Prisionais
No que concerne aos serviços clínicos (SC), a amostragem é de apenas três
elementos, recordando que se trata de um do sexo masculino e de dois do sexo feminino.
Assim, como nos comprova o gráfico nº5: Caracterização dos Entrevistados – Parte V –
Serviços Clínicos, a média de idade é de 40 anos no que respeita ao sexo masculino e 50
anos no que respeita ao sexo feminino. Relativamente à experiência, os membros do sexo
masculino têm como média os 12 anos e no sexo feminino contam com 17 anos. Dos dois
01020304050
Idade ExperiênciaProfissional
Escolaridade entreo 6º e o 12º
Licenciatura
Caracterização dos Entrevistados – Parte IV - Guardas Prisionais
GP - Masculino GP - Feminino
58
sexos apenas um dos membros, do sexo masculino, esteve em contacto com população
feminina recluída.
Gráfico nº5: Caracterização dos Entrevistados – Parte V – Serviços Clínicos
Por fim, no gráfico nº 6, podemos observar que dos três entrevistados nenhum
comporta a mesma habilitação literária, sendo que temos como formação de base Medicina,
Enfermagem e Psicologia. É de realçar que para a amostragem só foram tidas em conta as
formações base e não as especializações. Contudo, torna-se pertinente especificar que os
entrevistados têm especializações, por exemplo, em Psiquiatria e em Saúde Mental.
Gráfico nº6: Caracterização dos Entrevistados – Parte VI – Serviços Clínicos
0102030405060
Idade Experiência EP's Feminino
Caracterização dos Entrevistados – Parte V -Serviços Clínicos
SC - Masculino SC - Feminino
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2
Psicologia
Enfermagem
Medicina
Caracterização dos Entrevistados – Parte VI - Serviços Clínicos
S. Clínicos
59
PARTE II: INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTO PRISIONAL
“O Suicídio neste meio representa um fator de convulsão
interna” (Saraiva, Peixoto e Sampaio, 2014b, p.415). Contudo,
“não existem indicadores sistemáticos e suficientemente fiáveis
relativos às tentativas de suicídio e aos comportamentos”
(idem, p.417).
60
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Na segunda parte da dissertação começarão por ser expostos os resultados obtidos
com base nos discursos dos 23 profissionais prisionais entrevistados.
Primeiramente será realizada, em linhas gerais, uma caracterização dos
estabelecimentos prisionais onde o projeto de investigação foi desenvolvido,
nomeadamente o EPSCB masculino e EPSCB feminino. Numa segunda abordagem, serão
formuladas hipóteses de acordo com os objetivos do projeto, de modo a explanar os
resultados obtidos.
Como num leque de 23 profissionais prisionais se incluem Técnicos Superiores,
Guardas Prisionais e Corpo Clínico, na apresentação de resultados ter-se-á o cuidado de
explicitar o conteúdo destas categorias, de modo a ser possível compreender as diferentes
visões e os diferentes discursos.
4.1. ESTABELECIMENTO PRISIONAL SANTA CRUZ DO BISPO - MASCULINO O EPSCB masculino foi fundado em julho de 1935, funcionando primeiramente
como uma extensão da Cadeia Civil do Porto. Foi em 1946 que este surge de forma
autónoma e, neste sentido, com uma direção própria. Situado no concelho de Matosinhos,
no distrito do Porto, em termos de classificação, corresponde a um estabelecimento
prisional de alta segurança e com um grau de complexidade de gestão elevado.
Relativamente à estrutura física, segundo a DGRSP, este estabelecimento
compreende um pavilhão com duas alas, cada uma com dois pisos, sendo que são área
destinada a reclusos do regime comum. A Clínica de Psiquiatria e de Saúde Mental conta
com 73 celas, 9 camaratas e um quarto com duas camas que se destina não só a
internamentos para inimputáveis como, se necessário, a reclusos afetos ao regime comum.
Para além destas duas áreas, o EPSCB – masculino conta ainda com uma Unidade
Livre de Drogas (ULD), que se destina ao tratamento de reclusos toxicodependentes. Nesta
área existe ainda uma cozinha, um ginásio e um campo de jogos.
Por fim, falta mencionar a Casa de Acolhimento de Santo André (CASA), que
inicialmente tinha como função acolher ex-reclusos inimputáveis sem apoios exteriores.
61
Contudo, atualmente recebe igualmente reclusos afetos ao regime comum, colocados em
regime aberto.
Na página oficial da DGRSP49 pode ser consultado o Relatório de Atividades de
2010. Embora desatualizado, este permite-nos ter uma noção mais extensa e específica
relativa aos recursos humanos. Assim, nesse relatório consta que no EPSCB masculino
exercem funções 181 trabalhadores, onde se incluem: 125 guardas prisionais; 13
funcionários (entre os quais o diretor, as adjuntas e os técnicos superiores); 17 assistentes
técnicos; quatro médicos; 12 enfermeiros e um guarda florestal.
O EPSCB masculino tem uma lotação para 374 reclusos, contudo, a 31 de dezembro
de 201650 encontravam-se 514 indivíduos recluídos. A Clinica de Psiquiatria e Saúde
Mental afeta a este estabelecimento prisional contava ainda com 144 inimputáveis a
cumprir medida de tratamento.
4.2. ESTABELECIMENTO PRISIONAL SANTA CRUZ DO BISPO FEMININO
O EPSCB feminino foi fundado de 2005, no concelho de Matosinhos, distrito do
Porto. É de realçar que a área de gestão prisional é realizada em parceria com a Santa Casa
da Misericórdia do Porto (SCMP)51.
A sua criação teve como principal propósito diminuir o número de reclusas
recluídas a sul do país, mas provenientes e residentes do Norte. Este propósito vai ao
encontro de uma das maiores preocupações dos profissionais prisionais, facilitar e manter
os contactos destas com os mais próximos, os familiares.
Relativamente à estrutura física, a área prisional é abrangida por 4 alas. Neste
sentido trata-se de um
49 www.dgsp.mj.pt
50 Fonte: DGRSP
51 “A Santa Casa da Misericórdia do Porto cumpre a missão de auxiliar a população reclusa através do projeto
de cooperação, com a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, na gestão do Estabelecimento
Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo. Ao abrigo desta parceria são asseguradas as atividades de apoio
ao tratamento penitenciário. A Misericórdia do Porto contribui para uma maior humanização e capacidade de
resposta às necessidades da população reclusa, para que um dia, regressada à vida livre, saiba ser merecedora
de respeito social e alcance a plena integração na comunidade a que pertence” (http://www.scmp.pt/pt-
pt/justica/epscbf, acedido em agosto de 2017).
62
estabelecimento prisional novo, construído de raiz, permite
adotar soluções que vêm ao encontro das necessidades atuais
do sistema prisional tais como celas para mães com crianças,
creche e quartos para visitas conjugais. O edifício permite a
separação de reclusas condenadas e preventivas além de se
poder, eventualmente, separar as reclusas reincidentes das
reclusas de primeiro delito, existindo ainda um setor de
segurança para reclusas em regime de segurança ou reclusas
que, pelo tipo de delito, não devam coabitar com as
restantes52
Recorrendo novamente ao Relatório de Atividades de 2010, pode constatar-se que
em termos de recursos humanos, o estabelecimento prisional conta com, aproximadamente,
153 trabalhadores, entre os quais são 139 elementos do Corpo de Guarda Prisional; quatro
elementos da direção; quatro elementos nos Serviços de Educação e Ensino; dois
assistentes nas contas correntes e três funcionárias na seção de reclusas.
O EPSCB feminino tem uma lotação para 352 reclusas, contudo, a 31 de dezembro
de 201653 encontravam-se 343 mulheres recluídas.
4.3. ENTREVISTADOS E ANÁLISE DOS DADOS
Num total de 23 entrevistas, apenas 14 obtiveram autorização por parte dos
entrevistados para se proceder à gravação da mesma. Neste sentido, na análise de dados
poderão aparecer citações extraídas da transcrição da entrevista em causa ou excertos de
anotações que resultam de entrevistas não gravadas. Sempre que estiver a ser referida uma
fala de um profissional prisional, será mencionada a sua categoria profissional (por
exemplo: TSR) bem como a sua idade.
Para uma melhor e mais concreta análise dos dados, procurar-se-á responder aos
objetivos presentes no tópico 3.1. Objetivos de Estudo, no Capítulo III: Metodologia, da
parte I: Revisão da Literatura, foram criadas (7) hipóteses:
52 Fonte: http://www.dgsp.mj.pt/ 53 Fonte: DGRSP
63
1) Perceção dos profissionais face aos comportamentos autolesivos e suicidários;
2) Significados atribuídos pelos profissionais aos comportamentos autolesivos e
suicidários;
3) Estratégias e Mecanismos de coping implementados pelos profissionais;
4) Impacto dos comportamentos autolesivos e suicidários nos profissionais e nos
reclusos;
5) Assistência prestada pelos pelos Serviços Clínicos afetos aos Estabelecimentos
em casos de comportamentos autolesivos/suicidários;
6) Plano Integrado na Prevenção do Suicídio – PIPS;
7) Discurso dos profissionais em função do género;
8) Articulação/Relação entre os diferentes profissionais.
Assim, com base nas hipóteses serão criadas (2) alíneas com base nas categorias
profissionais, uma para TSR, outra para Guardas Prisionais. No tópico 6) Assistência
prestada pelos Serviços Clínicos afetos aos Estabelecimentos em casos de comportamentos
autolesivos/suicidários, não existirão alíneas por se tratar de um tópico que se destina aos
profissionais na área da saúde, membros dos serviços clínicos afetos ao EPSCB masculino
e EPSCB feminino.
64
4.3.1. PERCEÇÃO DOS PROFISSIONAIS FACE AOS COMPORTAMENTOS AUTOLESIVOS E
SUICIDÁRIOS
Recordando Favazza 54 , esta autora define a autolesão como “uma tentativa
desesperada de cura, de estabilidade social… um alívio temporário” (Borges, 2010, p.10).
No presente subtópico, pretende-se, com base nos discursos/testemunhos dos profissionais
prisionais, compreender a perspetiva e interpretação destes face aos fenómenos.
a) Técnicos Superiores de Reeducação – TSR
Iniciando com a perspetiva dos seis TSR entrevistados sobre aos fenómenos em
estudo, no guião de entrevista semi-diretiva estruturada para estes profissionais existe uma
questão (número 4, da parte III – Autolesão e Suicídio), “como é que perceciona estes
comportamentos e qual o tratamento efetuado junto de cada recluso/a?”. De uma forma
geral, os TSR responderam que estes comportamentos acontecem, no seu entender, devido
a sentimentos de frustração, contrariedade, angústia, desespero, bem como estados
depressivos em que o recluso/a se encontra.
Segundo um TSR, de 44 anos, o que leva um recluso a autolesionar-se poderá ser
(…) o desespero (riso nervoso), a frustração, o não estar nas
mãos dele resolver os problemas, alguma coisa que
aconteceu em casa e ele não, está aqui detido e não pode
resolver. Muitas vezes para não fazer mal aos outros e
estragar a própria vida, como eles dizem aqui dentro,
vingam-se neles próprios, tanta coisa.
Todos os TSR ao responderem a estas questões faziam-no de forma geral, mas
afirmando sempre que dependia de caso para caso, de recluso para recluso. Contudo e, uma
vez que temos discursos de profissionais afetos à Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental é
importante compreender que esta prática existe quer em inimputáveis quer em reclusos do
regime comum. De acordo com uma TSR, de 44 anos, que trabalhou em
54 Citada no tópico 1.1.1. Automutilação, Autolesão e Autoagressão: Evolução Etimológica, na Parte I da
presente dissertação.
65
[…] Paços de Ferreira, dois anos, e os casos que eu tinha lá
de autolesões e automutilações de facto, eram muito
diferentes destes da clínica e são indivíduos que, alguns
teriam também, anomalia aaa (pausa) da personalidade e
tinham perturbação da personalidade e eram quadros
borderline, sobretudo de personalidade e também o faziam
com alguma frequência e tínhamos casos, em Paços de
Ferreira, indivíduos sem psicopatologia e que o faziam,
numa situação contextual de angústia e de estados
depressivos e ansiosos, muito, muito acentuados e,
claramente, como uma forma de comunicar que não estariam
bem, não é.
Ainda relativo às perceções, o único TSR com experiências quer no sexo masculino,
quer no sexo feminino, de 37 anos, explica que:
no sexo masculino as causas passam essencialmente por
questões de segurança, devido a dívidas que são contraídas
em meio prisional. Continua a explicar que, muitas vezes,
essas ameaças passam para o exterior, para as famílias e,
assim, tratam-se de situações graves de segurança.
Acaba por concluir que, no sexo masculino, as situações mais gritantes induzem
situações que colocam a sua vida e a dos seus familiares em causa, nunca descartando as
causas psiquiátricas que também podem estar associadas. Relativamente ao sexo feminino,
o TSR em causa revela que estas o cometem por questões mais básicas, como chamadas
telefónicas, por exemplo. No seu entender, a autolesão no feminino funciona como uma
chantagem emocional, baseada em questões externas ao meio, como: sentirem saudades
dos seus filhos, terem-se “chateado” com o marido, … Assim, no seu entender, as mulheres
reclusas são mais apelativas e por questões mais diminutas do que um homem recluído55.
55 Ideia extraída de uma entrevista não gravada.
66
b) Guardas Prisionais
Se por um lado, a perceção dos TSR salienta sentimentos de frustração, de
contrariedade, de angústia, … no discurso dos Guardas Prisionais, as autolesões passam
por “chamadas de atenção” e as tentativas de suicídio são definidas por “tentativas falhadas
de suicídio”, por se tratarem de simulações e não de tentativas reais.
Neste sentido, os Guardas Prisionais masculinos, no geral, na Parte III do Guião de
Entrevista, à questão número 8, alínea b) “na sua perspetiva, o que é que leva um recluso a
autolesionar-se?”, estes enumeram questões como: angústia, stress, falta de capacidade
para ouvir um “não”56, dívidas, homossexualidade, …
Segundo a perspetiva de um Guarda Prisional, de 30 anos, com 7 anos de
experiência, este enumera o abandono familiar, o abuso, a violação, a falta de resolução de
alguma questão/problema. Contudo, um Guarda Prisional, de 49 anos, com 22 anos de
experiência apresenta outras perspetivas, revela tratar-se de chamadas de atenção,
esclarecendo que, no caso dos internados (referindo-se aos inimputáveis) é uma questão de
chantagem e que, por vezes, é extramuros, pretendendo chamar a atenção das famílias. No
caso dos reclusos em regime comum, considera que estes já têm antecedentes familiares.
Outra ideia/perspetiva que este Guarda Prisional apresenta é que, no seu entender, quando
um recluso o faz de forma recorrente, já se trata de uma questão de prazer e que já lhes dá
“gozo” fazê-lo, considera que estes habituam-se e gostam daquilo que a autolesão os faz
sentir.
Relativamente à perspetiva feminina, quando questionadas sobre o que, nas suas
perspetivas, leva uma reclusa a autolesionar-se, as Guardas Prisionais prontamente
responderam tratar-se de “chamadas de atenção”, que só em segunda instância justificam o
porquê de o dizerem, bem como os motivos que estão por detrás das autolesões.
No caso de uma Guarda Prisional, de 39 anos, com 10 anos de experiência, esta
revela que “as nossas reclusas sim, só chamadas de atenção”, esclarecendo à posteriori: “ou
porque querem sair da cela um bocadinho e enquanto vão aos clínicos… ou porque é uma
chamada de atenção para nós nos apercebermos que ela existe, que ela existe só”.
56 A determinada altura, o Guarda Prisional, de 45 anos, com 17 anos de experiência, dizia-me “se queres
conhecer uma pessoa, diz-lhe não” e depois, consoante a reação conhecerás a pessoa. No caso da população
recluída, não aceitam bem e depois varia na transmissão, ou seja, na forma como se diz “não”.
67
Uma outra Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de experiência, afirma que,
não é que eu possa dizer que vi alguma coisa com intenção
efetiva de… acho que são mesmo chamadas de atenção até
porque nós estamos no meio prisional feminino, ah… e a
carência afetiva, emocional, a parte emocional acaba por
afetar. O desprender-se dos filhos, o marido que ficou na rua,
a família, … e, e muitas vezes as mulheres ah… que cá estão,
são elas que lidam com o dia-a-dia das crianças e pronto e é
aquelas chamadas de atenção para ter um bocadinho mais
com quem conversar.
Contudo, existem igualmente profissionais com um outro discurso. De acordo com
uma Guarda Prisional, de 36 anos, com 9 anos de experiência, esta afirma que “é o
sofrimento emocional, sem dúvida, não tenho dúvidas nenhumas. Carência emocional e
sofrimento emocional, é. Eu tenho muito pouco conhecimento na matéria, mas para mim,
é só isso.”
Embora, no geral, o discurso vá muito ao encontro de uma Guarda Prisional, de 38
anos que afirma “de todas as que eu possa agora recordar, foram de reclusas de que foi mais
chamadas de atenção do que propriamente de, para, pronto, para chegarem a vias de facto”.
68
4.3.2. SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS PELOS PROFISSIONAIS AOS COMPORTAMENTOS
AUTOLESIVOS E SUICIDÁRIOS
Na parte I: Revisão da Literatura, no subtópico 1.1.2.2. Autolesão: ato
apelativo/manipulativo? foi referido que em contexto prisional o discurso dos profissionais
prisionais estava muito centrado na suposição de manipulação como forma de obter ganhos
secundários. No presente ponto, serão expostos os significados atribuídos a estas
práticas/comportamentos autolesivos e/ou suicidários por parte dos profissionais prisionais.
a) Técnicos Superiores de Reeducação – TSR
Ao longo das entrevistas a TSR, os comportamentos autolesivos e suicidários
encontravam-se muito ligados no discurso dos profissionais a chamadas de atenção. De
modo compreender o significado destas chamadas de atenção, uma das perguntas incidia
mesmo em compreender se consideravam estes comportamentos manipulativos. Com base
na pergunta 6, alínea e), da Parte III – Autolesão e Suicídio, “Considera que, em alguns
casos, um comportamento autolesivo tem um carácter manipulativo? Porquê? Em que
circunstância o considera? Como é que difere?”, apesar de os profissionais darem a
entender que sim, que a maior parte é de carácter manipulativo, confessam que nunca se
pode desvalorizar esta prática.
De acordo com uma TSR, de 44 anos “eu tendo sempre a dizer que o Técnico
Superior de Reeducação, sendo uma equipa constituída por várias formações, não deve
colocar-se em bicos de pés e determinar o que é apelativo e manipulativo e o que não é”,
contudo à questão referida anteriormente revela que “em muitos casos tem, em muitos tem”
(referindo-se ao carácter manipulativo).
Relacionando a perceção com o significado atribuído ao comportamento
autolesivo/suicidário cometido pelo recluso segundo o entendimento de um profissional
prisional, TSR, pode observar-se que, para estes a forma que o recluso tem para demonstrar
a sua frustração, a sua angústia, o seu desespero é chamar atenção destes com base em
cortes e/ou tentativas de suicídio.
Neste sentido, tornou-se pertinente compreender se os TSR têm a preocupação de
conhecer as causas que levam um recluso a desenvolver determinados comportamentos de
69
risco e ainda, se após estes comportamentos, o recluso consegue falar abertamente com o
TSR. No geral, os TSR esclarecem que, sabendo que um recluso da sua numeração o fez,
tentam compreender os porquês, o que está por detrás dessa atitude.
Uma TSR, de 44 anos esclarece que,
quando é com carácter manipulativo fala até antes de
perguntar, não é? E nos casos em que nós, na clínica, quase
que não vamos ao assunto, eles vão colocando as mangas da
camisa para cima até ter a certeza que nós vemos. Pronto, são
esses dois casos de que falamos e que estão referenciados e
que sim, mostram logo e que esperam por nós na porta para
dizer que já se cortaram.
Um TSR, de 44 anos revela que, por vezes, a autolesão ou a própria tentativa de
suicídio é um comportamento não só para chamar atenção intramuros como extramuros,
revelando que,
Tem (risos). Tem porque é o que falamos há bocadinho, é o
chamar à atenção, é, às vezes nem é cá para dentro, é para a
própria família, porque muitos contraem dívidas lá fora e as
famílias dizem ‘foste tu que as contraíste, és tu que tens que
as pagar’, muitos, alguns casos cortam-se e depois dizem à
família que foi o outro porque não lhe pagou as dívidas, ou
então, estou tão desesperado que até tentei por termo à vida.
Ao longo das entrevistas, os TSR iam expondo experiências pelas quais já passaram,
nomeadamente experiências relacionadas com autolesões, cortes e tentativas de suicídio.
Neste sentido, uma TSR, de 62 anos, conta que:
tirando alguns casos que eram gritantes e que nos ficam, mas
eram casos que… ato flagrante de chantagem não é,
chantagem. Nós tínhamos o Henrique, eu nunca mais me vou
esquecer da cara do Henrique que chegava ali ao gabinete
dos Técnicos de Reeducação; nós temos uma fábrica de
pregos aqui e eles chegavam com os bolsos cheios de pregos,
70
ele trabalhava lá e dizia assim para o técnico, na altura não
era eu, estava no Instituto já, mas apreciei isto algumas
vezes, chegava lá e dizia assim “eu quero telefonar” e o
técnico de educação dizia “você já sabe que não pode
telefonar a não ser com autorização superior”, “se não me
deixar telefonar eu como um prego” e, e comia mesmo o
prego, ele ponha aquela barriga cheia de pregos (…)
Em termos de reclusas do sexo feminino, o TSR, de 37 anos, conta que
pessoalmente não entra no jogo psicológico que elas tentam fazer com os profissionais, não
cedendo aos pedidos. Recorda que foi chamado ao pavilhão uma vez, porque uma reclusa
ameaçava cortar-se caso não lhe fosse permitido realizar um telefonema para a família.
É de realçar que este discurso vem sempre acompanhado da ideia que podem existir
as duas vertentes, a de manipulação e a de desespero. A TSR, de 62 anos, revela que
nunca mais me esquece de um que uma vez me disse aaa, eu
depois a falar com o médico, lá fora, aaa com o médico
porque na altura achei um bocado estranho, que ele dizia
assim “eu enquanto sentir a dor do cortar, não sinto a dor da
minha alma” (pausa), eu nunca mais me esqueci disso (…)
Contudo, confessam que, no geral, são mais os comportamentos
apelativos/manipulativos e que estes só conseguem distinguir com base no conhecimento
que têm do recluso, conhecimento esse que vão adquirindo com a experiência profissional.
Até porque,
se a pessoa relata na sequência de automutilação, vai com um
discurso de “tem que me tirar da ala”; “eu não quero trabalhar
em tal sítio”; “preciso do internamento rápido”; de um
pedido de transferência de Estabelecimento Prisional,
também; são casos em que o diagnóstico de manipulação é
feito no imediato, é uma forma de comunicar rapidamente,
“eu preciso disto para agora, preciso que me mande para
Paços ou para Izeda, preciso de sair daqui (extraído da
entrevista a uma TSR, 44 anos).
71
b) Guardas Prisionais
Neste seguimento, no Guião de Entrevista a Guardas Prisionais, igualmente na Parte
III – Autolesão e Suicídio, na questão número 8, alínea d) “Considera um comportamento
autolesivo um comportamento manipulativo? Porquê? Em que circunstâncias o
considera?”, a maioria afirma convictamente que sim, que se trata de um comportamento
manipulativo/apelativo, na medida em que é executado segundo um objetivo concreto, isto
é, tem por base algo que o/a recluso/a pretende obter. Nas suas perspetivas, não é
manipulativo quando o/a recluso/a omite/esconde que o fez, sendo que bater à porta da cela,
pedindo aos/às guardas auxílio após o corte ou antes de uma tentativa de suicídio, para os/as
guardas prisionais só os faz consolidar mais a ideia de que é um comportamento
manipulativo.
Mais concretamente, os Guardas Prisionais masculinos, questionados sobre o
carácter manipulativo dos comportamentos autolesivos/suicidários, revelam que “muitas
das vezes, maior parte das vezes, sim” (Guarda Prisional, de 43 anos, com 10 anos de
experiência), o são.
No discurso de um Guarda Prisional, de 48 anos, com 22 anos de experiência, para
si, 99% dos casos são de cariz manipulativo. Considera que o fazem por falta de algo que
não obtiveram. Justificando que os guardas o sabem porque, por exemplo, pediu alguma
coisa anteriormente que não lhe foi facultado e, de seguida, surge junto do guarda
autolesionado. Contudo, revela que este comportamento possa ser por “isto ou pela
chantagem que sofrem uns dos outros”, referindo-se a desacatos nas alas, à contração de
dívidas, …
Por sua vez, um Guarda Prisional, de 45 anos, com 17 anos de experiência, afirma
que, no seu entender, “uma parte tem… grande parte”. Considera que, o recluso o faz em
alturas de maior desespero e que, muitas vezes, até são causas extramuros, como ruturas
com o exterior. Revela que as que não têm carácter manipulativo, são aquelas em que não
há um pedido de ajuda, revelando que esses reclusos omitem e escondem os cortes, assim,
os guardas nem sabem que ele se autolesionou. Contudo, no inverso, mesmo quando julgam
ser manipulativo, realça que ficam sempre na dúvida se foi realmente manipulação ou não.
Realizando a distinção entre os inimputáveis e os de regime comum, considera que na
Clínica de Psiquiatria, esses internados o fazem pelo “mimo” que têm e que quando estes
72
sentem a falta do carinho/afeto a que estão habituados, se autolesionam para receber
atenção.
Este discurso vai ao encontro de um outro Guarda Prisional, de 49 anos, com 22
anos de experiência que revela que, no seu entender, na Clínica de Psiquiatria, maior parte
das vezes é “paleio”, pela necessidade que têm de ser ouvidos.
Por sua vez, quando questionadas com a mesma pergunta, as Guardas Prisionais
femininas também não hesitam, afirmando tratarem-se de comportamentos de cariz
manipulativo.
Assim, segundo uma Guarda Prisional, de 39 anos, com 10 anos de experiência,
“completamente, em todas elas (…) mesmo as que atentaram e conseguiram, foi por
descuido”. No EPSCB feminino questionei todas as guardas prisionais sobre um caso
específico de suicídio que ocorreu naquele meio em concreto e, na maioria, a ideia é de que
a reclusa que cometeu o suicídio, não o queria fazer efetivamente. Na realidade o que
aconteceu para estas guardas é que esta reclusa apenas queria chamar atenção, só que
“correu-lhe mal”, justificando que possivelmente a reclusa estaria à espera da ronda a uma
hora e a ronda realizou-se, naquele setor, mais tarde. Bem como, prevalece a ideia de que,
em termos de autolesão, “em questão de mulheres são quase todos superficiais, quase todos
e os que não são superficiais serão certamente por descuido no controlo da, do objeto
cortante” (Guarda Prisional, de 39 anos, com 10 anos de experiência).
Uma outra Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de experiência, afirma mesmo
que, em questões de comportamento manipulativo é “muito. Aliás, eu nem conheço
nenhuma reclusa aqui, nem tenho conhecimento que não seja mesmo de manipulação”.
Contudo, existem guardas que consideram que “existe, mas advém da carência emocional,
é o que eu acho (…) querem atenção (…) para chamarem atenção, para terem mimo naquela
hora” (Guarda Prisional, de 36 anos, com 9 anos de experiência).
Apesar disso, no geral, as Guardas Prisionais, em relação à população reclusa
feminina, não só em termos de autolesão, avançam que “elas são um bocadinho
manipuladoras, são” (Guarda Prisional, de 46 anos, com 19 anos de experiência). Esta ideia
é completada segundo a visão de uma Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de
experiência que nos afirma “elas são muito manipuladoras, são muito mentirosas, mentem
muito”, revelando que, em termos de autolesão, por vezes apresentam às guardas uma causa
e na jurista apresentam outra, “por isso, podem, podem-nos dizer uma coisa e ser outra
73
completamente diferente. Elas querem passar uma coisa, quando vão à jurista dizem que é
por outra”.
Ainda atendendo às perspetivas e experiências, tornou-se fundamental compreender
a visão que estes profissionais, masculinos e femininos, têm relativamente ao pedido de
auxílio que passa por bater à porta da cela. Neste sentido, tanto os profissionais masculinos
como femininos têm a ideia muito presente de que “quem se quer matar, não pede ajuda”
(Guarda Prisional (masculino), de 45 anos, com 17 anos de experiência).
Anteriormente, foi referido que as tentativas de suicídio são encaradas pelos
profissionais como falsas tentativas ou tentativas fingidas. Relacionando este aspeto com o
pedido de auxílio, um Guarda Prisional, de 48 anos, com 22 anos de experiência revela que
quando é “a sério, não dão sinal nenhum”. Depois tem os que fingem uma tentativa de
suicídio e que quando se abre a porta da cela/camarata se vê “a pontinha dos pés apoiada”,
reforçando que essas tentativas fingidas podem correr mal, caso escorreguem. Mas, para si
são, claramente, tentativas fingidas. Ainda revela que, depende das horas das tentativas,
isto porque os reclusos/internados conhecem bem as rotinas e sabem as horas das rondas e
que, por vezes, simulam o ato quando o guarda está prestes a abrir a cela, algo que também
pode “correr mal” porque o guarda por um contratempo qualquer pode atrasar-se a fazer a
ronda, ou recuar na abertura daquela cela por algum incidente, por exemplo.
Nos discursos femininos isto também se comprova. De acordo com uma Guarda
Prisional, de 35 anos, com 15 anos de experiência, “muitos dos suicídios que há, são
chamadas de atenção que normalmente fazem. Lembro-me de ver um lençol pendurado e
a mulher na cama que era para quando damos a abertura, ela põe-se lá para chamar atenção
e nós conseguimos tirá-la”.
74
4.3.3. ESTRATÉGIAS E MECANISMOS DE COPING IMPLEMENTADOS PELOS
PROFISSIONAIS
De acordo com Alison Liebling, a autolesão corresponde a uma estratégia de
regulação emocional que deve ser acompanhada por mecanismos de coping.
Atendendo aos significados e às perceções que os profissionais prisionais têm face
a estes comportamentos (autolesivos e suicidários), o presente subtópico tem como objetivo
explanar como é que estes profissionais lidam e definem as estratégias a implementar com
o/a recluso/a de modo a evitar a repetição ou agravamento do fenómeno.
a) Técnicos Superiores de Reeducação – TSR
Primeiramente tornou-se pertinente compreender se os TSR já presenciaram ou se
já foram chamados a intervir junto de reclusos/as por estes/as se terem autolesionado ou
terem cometido uma tentativa de suicídio. Assim, no guião de entrevista, na III Parte –
Autolesão e Suicídio, encontramos questões como: 5) “Já presenciou algum
comportamento autolesivo (como: cortes, queimaduras, …)?”; 6) “Já foi chamado a intervir
junto de algum/a recluso/a por esta causa?” e 10) “No decorrer da sua carreira, já aconteceu
algum suicídio ou tentativa de suicídio?”.
Estas são questões que nos permitem conhecer, com base na experiência
profissional, como é que os TSR lidaram concretamente com os fenómenos em causa.
Assim, dos seis TSR entrevistados, apenas uma afirma nunca ter situações de intervenção
por motivo de autolesão. No que concerne ao suicídio, dos seis TSR, todos já tiveram
suicídios, com a exceção de um TSR que afirma nunca ter ocorrido em reclusos da sua
numeração, mas ter tido conhecimento de alguns.
Relativamente aos mecanismos de coping, estes são diferentes de TSR para TSR. O
TSR, de 44 anos afirma que, quando algo assim acontece “terá que ser um
acompanhamento mais direto, mais amiúde, se calhar falar com ele todos os dias, se
possível. Saber as causas que o levaram a fazer aquilo, não é, … porque muitas vezes não
é só o que se passa cá dentro, o que está lá para fora (…)”.
Contudo e não tendo só por base o discurso dos profissionais como também os
documentos físicos já referidos, verificou-se que quando ocorre uma autolesão ou uma
75
tentativa de suicídio, o/a recluso/a é assistido/a pelos serviços clínicos, podendo ou não
ficar internado/a. Atendendo a este aspeto, a TSR, de 44 anos, relembra um episódio da sua
vida
tive uma professora, uma vez que me dizia uma coisa nos
hospitais da universidade que nunca mais me esqueci, …
quando eu lhe perguntava em relação à rapariga que estava a
dizer que se ia matar, como é que havia de fazer; ela diz:
interna-se (pausa), interna-se porque ... é sempre pior uma
cama a mais do que uma vida a menos, era esta a expressão.
E isto faz sentido, mesmo que seja manipulativo, vai aos
Serviços Clínicos e… e avalia-se, não é.
Na verdade, muitos TSR revelam que existem informações que não chegam à
equipa técnica e a autolesão é um deles. O TSR, de 37 anos, revela que, nestes casos o/a
guarda prisional encaminha diretamente a reclusa para os Serviços Clínicos, sendo que a
informação não circula e que, por vezes, o TSR só sabe que aconteceu porque a própria
reclusa lhe conta.
Uma vez que os discursos se centram em demasia nas chamadas de atenção e no
carácter manipulativo da ação, é importante compreender se existem cedências em meio
prisional que sejam reforçadoras o suficiente para que o recluso repita os comportamentos.
Assim, a TSR, de 44 anos esclarece
eu acho que … o meio prisional está muito preparado para
dizer que não reforçou porque ele não tem a precária, por
causa disto, ou não tem uma liberdade condicional, porque
se cortou, aaa, eu acho que os reclusos também não são
propriamente tontos para se cortarem para terem uma
precária e nem se, … nem para irem numa liberdade
condicional. Fazem por questões de stress do seu dia-a-dia,
que é com quem partilham a cela, aaa, são as dívidas que eles
têm e não sabem como, como gerir essas coisas; e essas às
vezes realmente do reforço quase imediato do internamento
na clínica é, é conseguido. E, por isso, eu acho que nesses
casos, que vão para a clínica, eu como disse, eu não sou
76
contra o internamento porque eu acho que eles devem,
realmente precisam de um espaço para a avaliação, mas eu
acho que o espaço de avaliação dever ser muito curto. Se o
indivíduo não tem de facto necessidade de estar na clínica,
ele deve voltar o quanto antes para, para a ala.
Acrescenta ainda que “o problema é que depois ninguém quer, naturalmente, um
suicídio no meio prisional”. Ainda neste seguimento, o TSR, de 44 anos afirma que,
tem é que se fazer o reforço pela positiva, as coisas fazem-se
não é por tu fazeres isso. Como por exemplo, quando entram
em greve de fome, pode considerar-se um comportamento
auto…, para ser transferido, agora fala-se com a pessoa e diz-
se-lhe: ‘não é com greve de fome que a Direção-Geral o vai
transferir’, se tiver condições para ser transferido para onde
pede, é transferido, se não podem ficar em greve de fome até
ao fim da pena porque se não tiver condições para ser
transferido não vale a pena estar a fazer asneiras, não é.
b) Guardas Prisionais
No que concerne às estratégias e mecanismos de coping implementados pelos/as
guardas prisionais, foi através de questões como “Tem alguma estratégia quando situações
destas acontecem?” (número 8, alínea c) ou “Consegue sinalizar um indivíduo nestas
situações ou é algo que não é percetível?” (número 12, alínea a), presentes na Parte III –
Autolesão e Suicídio, do Guião de Entrevistas a Guardas Prisionais.
Quando um/a recluso/a se autolesiona, existe um procedimento comum ao EPSCB
masculino e ao EPSCB feminino. Esse procedimento consiste em dar ocorrência aos
Serviços Clínicos afetos ao contexto e aguardar que estes deem autorização para que o/a
recluso/a seja encaminhado/a. Após o/a recluso/a ser assistido/a e avaliado o risco de
possíveis repetições, este/a poderá ficar sob vigilância clínica, em quarto de observação,
caso não se justifique, o/a recluso/a regressa à ala, normalmente medicado/a com o objetivo
de serem diminuídos os níveis de ansiedade.
77
Contudo torna-se pertinente compreender o papel que o/a Guarda Prisional
desempenha quando este fenómeno acontece, nomeadamente as formas como trabalha com
o individuo em questões de ameaça; quando abre a cela e se depara com o individuo ferido;
entre outros aspetos.
Iniciando com os discursos dos Guardas Prisionais masculinos, por norma, estes
utilizam o diálogo para compreender o que levou o recluso a ter determinada ação, é através
do diálogo que também os tentam advertir para possíveis tentativas. Apesar deste aspeto,
revelam que trabalham o assunto segundo cada recluso, adaptando a estratégia a cada caso
concreto. Segundo um Guarda Prisional, de 45 anos, com quase 19 anos de experiência,
este esclarece que quando um recluso ameaça ou avisa que se vai cortar, mas os guardas
sabem que ele não o faz, dizem “então corta-te” (em tom de ironia/desvalorização)57 e diz
que o fazem porque este tipo de ameaça ou aviso é só porque o recluso/internado quer
atenção e como vêm que o guarda em questão não valoriza, não o faz. Contudo, a estratégia
muda quando se trata de um recluso/internado que anda mais abatido e aí, tentam falar com
ele de modo a compreender o que se passa e, de algum modo, evitar o comportamento ou
a sua repetição.
No geral, todos os guardas prisionais masculinos referenciaram esta ideia, ou seja,
quando consideram apelativo, a forma estratégica de agir é ridicularizar a ameaça ou o
próprio ato, acabando por “brincar” junto do recluso. Contudo, assumem que os mais
pacatos e que concretizam sem ameaças e que não gostam de falar sobre o assunto, a
sinalização e o diálogo são mais sérios, primeiro procurando conhecer as causas, de modo
a atuar definidamente sobre o problema.
57 O mesmo guarda, quando questionado sobre o porquê de brincarem com os reclusos que se autolesionam,
esclarece que só brincam com os que podem, isto porque é comum verem os reclusos cheios de pequenos
cortes nos braços e até eles acabam por brincar com essas “tatuagens”. Contudo, confessa que têm que ter
mais cuidado com os reclusos/internados que estão mais “caladinhos” porque, para si, os que têm mesmo
intenção de o fazer, não manifestam. Comparando regime comum e clínica, “aqui na clínica os que fazem,
pedem ajuda ao guarda; no regime comum os que fazem não falam”. No seu entender são mais os arranhões
e que quando é mesmo automutilação grave é porque a lâmina perfurou demais e não era a intenção do
recluso/internado (ideia anteriormente apresentada segundo o discurso de Guardas Prisionais femininas),
segundo o guarda “é como a corda, os que falam de se matar, não querem”.
78
Neste seguimento, um Guarda Prisional, de 43 anos, com 10 anos de experiência
revela que
eu digo “pega numa catana”; “oh pá, não é aí é aqui”
[apontando para o pescoço] e eles não fazem (…) às vezes é
tentá-los, (…) mas uma pessoa, por exemplo, eles falam isso
e-e logo em seguida, dou ah, dobro uma esquina qualquer, de
uma parede e volto outra vez para trás e ando sempre em
cima do indivíduo a ver se vai fazer ou não. Mas, em
princípio, geralmente resulta, agora não sei até que ponto.”
Contudo confessa que “muitas vezes “ah, está bem” (…) e às vezes fazem”.
Revelando que, embora no geral resulte, há sempre aquele que cumpre a ameaça na mesma.
No caso feminino, as guardas prisionais têm formas distintas de lidar com a
situação, embora, no geral, esclareçam que a estratégia inicial passa pelo diálogo. Uma
Guarda Prisional, de 46 anos, com 19 anos de experiência, relativamente às suas colegas
afirma que,
não usam nada, maioria das pessoas não acredita. As colegas
muitas vezes, eu ouço elas a dizer “é tudo treta, ela não faz
nada, ela não se mata” (…) eu acho que deve sempre dar
valor quando dizem que querem fazer porque muitas colegas
dizem “correu-lhe mal”, como quem diz “ela tentou chamar
atenção, não era para se matar”.
Acrescenta ainda que, “eu tento dar-lhes um bocadinho de ânimo e elas parece que
ouvem, mas na hora ficam mais calmas, mas depois fazem outra vez igual, não adianta de
muito falar”. Uma Guarda Prisional, de 39 anos, com 10 anos de experiência, revela que
“quando se cortam há sempre a tentativa, há sempre o diálogo “não faça, não faça”. Os
enfermeiros têm um trabalho intensivo nessa área, ah, “não faça”. Nós guardas também,
mas … não, não obtêm qualquer resultado”.
Existe, no EPSCB feminino, um procedimento base que passa por “vigilância mais,
vigilância contínua, não quer dizer que não seja nos outros dias, mas nós temos vigilância
de x em x tempos, de uma forma geral para todas, nessas que são identificadas (…) temos
79
vigilância intermédia” (Guarda Prisional, de 36 anos, com 9 anos de experiência). Isto
porque, “uma reclusa que se automutila vem depois, desce sempre com a indicação de
retirar todos os objetos cortantes da, da cela” (Guarda Prisional, de 39 anos, com 10 anos
de experiência).
Por sua vez, existe uma Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de experiência,
que percebendo que a reclusa pretende algo com a autolesão ou com comportamentos
suicidários, faz o oposto, retira. Neste sentido, segundo a mesma
tento chamar-lhes atenção e retiro-lhes o tabaco. Por
exemplo, se o objetivo delas era ir aos serviços clínicos ou
falar com um técnico, alguma coisa que elas têm dentro da
cela, eu retiro. Ou uma televisão, ou um rádio, ali durante
umas horas para elas perceberem que não é assim que vão
atingir os objetivos.
Revelando que, “por essa via [autolesão ou tentativa de suicídio], a tentar lá chegar,
eu não sou apologista de que se deva ceder, aí sou apologista que se deva retirar”.
Independentemente das estratégias utilizadas por cada Guarda Prisional,
quando elas se cortam nós fazemos aquilo que está
estipulado, que é avisar os serviços clínicos, abrir para
tratamento. Em alguns casos, quando achamos que é
manipulação (…) fazemo-la esperar mais um bocadinho
(Guarda Prisional, de 36 anos, com 9 anos de experiência).
Até porque, como afirma uma Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de
experiência, “o meu tempo de reação revela o meu medo de isso acontecer. Nós não
corremos”, justificando que “a vossa atitude [referindo-se às reclusas] é que revela os
comportamentos a adotar. Vocês têm que ser ah maiores de idade para estarem aqui a
assumir as consequências dos vossos atos”.
80
4.3.4. IMPACTO DOS COMPORTAMENTOS AUTOLESIVOS E SUICIDÁRIOS NOS
PROFISSIONAIS E NOS RECLUSOS
A ideia de que “o suicídio neste meio representa um fator de convulsão interna,
afetando não só a instituição e a sua imagem pública, os guardas e outros funcionários, mas
também os reclusos” (Saraiva, Peixoto e Sampaio, 2014b, p.415), vai ao encontro de um
dos objetivos delineados para esta investigação que passa por compreender o impacto dos
comportamentos autolesivos e suicidários nos profissionais prisionais e nos reclusos.
a) Técnicos Superiores de Reeducação – TSR
No guião de entrevista, as questões que nos permitem dar resposta a este subtópico,
impacto dos comportamentos autolesivos e suicidários nos profissionais e nos reclusos,
são: 11) “Como é que acha que os TSR e os Guardas Prisionais lidam com este fenómeno?
Como é que abordam o assunto entre vocês, técnicos e guardas?” e 12) “Os/as próprios/as
reclusos/as sofrem com estes comportamentos. Como é que tentam lidar com os
constrangimentos que estes sentem?”, presentes na III Parte – Autolesão e Suicídio.
Em meio prisional, muitos foram os profissionais a salientarem a questão do efeito
dominó 58 , mostrando receio de possíveis repetições. Neste sentido, existe uma clara
distinção quando se aborda a questão dos constrangimentos dos reclusos, existindo a
necessidade, por parte da equipa técnica, de distinguirem constrangimentos e formas de
lidar com os mesmos em inimputáveis e reclusos afetos ao regime comum.
Contudo este receio passa maioritariamente pela questão do suicídio. Questionados,
inicialmente, sobre se falam entre profissionais sobre estas questões, uma das TSR, de 62
anos clarifica que, quando assuntos desta natureza acontecem, a interajuda entre eles é mais
individual e não tanto em grupo: “quer dizer nós vamos fazendo esse tipo de… sei lá, de
58 O efeito dominó, efeito em cascata ou efeito em cadeia sugere a ideia de um efeito ser a causa de outro
efeito gerando uma série de acontecimentos semelhantes de média, longa ou infinita duração. Um círculo
vicioso consiste na repetição sistemática de uma série de acontecimentos que dão origem a outra sequência
semelhante, gerando um efeito dominó sem fim (https://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_domin%C3%B3,
acedido em agosto de 2017).
81
auto… esse tipo de ajuda, de colaboração (…) de forma individual. Eu faço isso com todos
os colegas porque eu sei que é assim, é muito difícil porque também já tive que dar algumas
noticias de mortes”.
Por sua vez, a TSR de 44 anos considera que a conversa em torno do acontecimento
não é a mais apropriada, referido que,
sobre as automutilações, sobre o suicídio fala-se muito,
habitualmente fala-se muito e demais e nos sítios não certos,
por isso… é sempre um tipo de conversa-aa muito há correio
da manhã que seria perfeitamente evitado. Do ‘coitadinho’
porque era tão novo, olha veja lá. A questão é que o suicídio
em meio prisional aa, não vai deixar de acontecer, como
também não deixa de acontecer lá fora.
O TSR de 37 anos, chega a ser mais concreto, trazendo para a questão a ideia de
que há uma certa frieza por parte dos profissionais prisionais, até porque estes se deparam
com realidades e situações completamente distintas daquelas com as quais a população em
geral está habituada a lidar. Revela que é um assunto tabu em meio prisional, que não é
falado, chega mesmo a afirmar que “ninguém quer saber do suicídio até acontecer”. Ainda
sobre os profissionais considera que seja uma dor sentida para dentro e que tentam não
demonstrar. Considera que estes ficam sempre com a sensação que podia ter sido feito mais
qualquer coisa.
Contudo o TSR de 44 anos é muito claro: “sofre quem faz e quem está ao lado
deles…”. Com base nesta expressão, é necessário compreender as estratégias criadas para
colmatar estes constrangimentos, de modo a conseguir evitar, igualmente, o efeito dominó.
Assim,
há indicação por causa do efeito dominó, quando alguém
morre em meio prisional, se suicida, isso não é dado a
conhecer a ninguém, a ninguém dos reclusos, não é. Por isso,
a informação que passamos quando um diz “o não sei quem
morreu”, habitualmente diz-se uma história qualquer que
morreu de coração, porque morreu. Não se vai dizer a um
recluso que ele se suicidou com o risco de isso ser repetido
ser muito grande, por isso não é, é uma diretiva, essa sim pelo
82
efeito dominó de não ser divulgado os suicídios dentro do
meio prisional (extraída da entrevista à TSR de 44 anos).
Dos TSR entrevistados do EPSCB masculino todos mostravam, através dos seus
discursos, que existem mais cuidados com os inimputáveis afetos à Clinica de Psiquiatria
e Saúde Mental do que com os reclusos afetos ao regime comum. Descrevem os
inimputáveis como seres mais vulneráveis e os reclusos do regime comum como seres
psicologicamente mais fortes para gerirem as suas emoções.
Neste sentido, a TSR, de 57 anos afirma que, quando acontecimentos destes
acontecem e é em camarata, o procedimento é falar com o recluso que viu e que convivia
mais diretamente, se este quiser e se achar que é necessário e que algo não está bem com
este, encaminham para os serviços clínicos. Ainda questionada sobre se trocam, no regime
comum, os reclusos de cela, a técnica afirma que, em regime comum essa prática não é
utilizada porque tudo se sabe e não consideram ser necessário estar a tirar um recluso de
um sítio e coloca-lo noutro. Ainda neste seguimento, a TSR de 61 anos quando questionada
sobre se no regime comum procedem à troca de celas, disse que não se usa esse método no
regime comum. Que na clínica o fazem devido às patologias dos indivíduos e que estão
sinalizadas. No regime comum sentem que isso não é necessário pelas características da
população, sendo uma população mais “rija” do que a população que se encontra na Clínica
de Psiquiatria59.
A TSR de 62 anos, concretiza ilustrando
na clínica poderão fazer algum até, não sei, não faço, não sei
muito bem como funciona a clínica. No regime comum
penso que não fazem mesmo nada (tom de voz mais baixo e
pensativa). E eu estou a dizer porque numa das vezes em que
fui lá dentro e foi uma das vezes em que se suicidou um que
eu acompanhava e estava um outro, na sexta secção, foi na
sexta secção acho eu, não tenho muita ideia. O outro era
muito débil e eu também acompanhava e eu ao falar com ele,
ele disse “o não sei quê, ele matou-se mesmo ao pé de mim”
59 Entrevistas às quais não foram concedidas gravações.
83
e eu cheguei à conclusão nesse dia, que eu pensei que ele
tivesse sido retirado, deixei passar dois diazitos, para ele
acalmar um bocadinho e depois ir falar com ele e tal, porque
ele era assim muito débil. Ele continuava no mesmo sítio em
que o outro tinha morrido.
Por sua vez, o TSR de 37 anos revela que, as reclusas sofrem, contudo não existe
um acompanhamento contínuo, muito pela falta de recursos, não só sentida no EPSCB
feminino como no EPSCB masculino. O TSR acrescenta que, a reclusa até pode chegar a
ir a uma consulta, mas depois não é dado seguimento ao apoio. A TSR de 62 anos
questionada sobre se considera os reclusos do regime comum mais fortes psicologicamente,
esta afirma que,
eu acho que sim, que é um bocado por aí. São mais fortes
psicologicamente ee-e mesmo que haja preocupação, não
têm recursos, não é? Quando diz que está sobrelotado,
queriam tirar, só se fosse por trocas e trocas… vamos tirar
aquele dali porque aquele suicidou-se e vamos pô-lo onde,
não é. Se calhar e como eles estão muitos dentro de uma
cela… se calhar, digo eu, é mais importante até o
acompanhamento, mas nós só temos um psicólogo, em part-
time acho eu, não é? Na casa toda…
b) Guardas Prisionais
Por sua vez, no que respeita ao impacto que estes comportamentos têm
relativamente aos guardas prisionais e às perspetivas que estes têm do impacto desses
mesmos comportamentos na população reclusa, no guião de entrevista, na Parte III –
Autolesão e Suicídio, através das questões: 10) “Os próprios reclusos sofrem com estes
comportamentos. Como é que tentam lidar com os constrangimentos que estes sentem?” e
10. a) “Como é que abordam o assunto entre vocês, corpo prisional?”, podem ser retiradas
algumas ilações.
84
Primeiramente torna-se necessário compreender se, no geral, o Corpo da Guarda
Prisional “consegue facilmente distanciar a sua vida profissional do ramo pessoal ou trata-
se de um processo difícil?” (Parte II – Perspetivas e Experiências, questão número 2).
Neste sentido, tanto os guardas prisionais masculinos como as guardas prisionais
femininas revelam que conseguem distanciar a profissão da vida pessoal. Muitos referem
que a vida pessoal fica do lado de fora do portão e a vida profissional, o que se passa em
meio prisional, fica do lado de dentro deste. Pese embora esta seja a resposta da maioria,
existem sempre as exceções.
Segundo um Guarda Prisional, de 45 anos, com 17 anos de experiência, este revela
que tenta “separar as águas”, considerando que é algo que se aprende a fazer com a
experiência. Contudo revela que é uma profissão stressante e que já necessitou de ajuda
profissional pelo desgaste que sentia.
Um outro Guarda Prisional, de 43 anos, com 10 anos de experiência, revela que “eu
tento resolvê-las aqui dentro que é para não levar nada lá para fora. Tento porque a família
não tem culpa disso, mas é um bocado complicado”. E é nesta ordem de ideias que um
Guarda Prisional de 49 anos, com 22 anos de experiência, assume que não consegue,
afirmando que, quem diz que sim, que o consegue facilmente, não tem em conta a família.
Considera que a parte stressante da profissão é sentida pela família.
No que concerne à perspetiva das guardas prisionais femininas, temos casos como
os de uma Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de experiência, que nos confessa que
“sim, até ao momento consigo, vamos ver se continuo assim ao longo dos anos”. Do mesmo
modo que, uma Guarda Prisional de 46 anos, com 19 anos de experiência, que afirma que
“sim, eu chego a casa já não me lembro (…) não dou comigo a pensar nisto”.
Contudo, existem sempre casos como o de uma Guarda Prisional, de 38 anos, com
quase 10 anos de experiência que confessa
consigo. [Investigadora: Bem?] Tem dias. Eu acho que na
maior parte dos dias, sim… ah, nós brincamos um bocadinho
com a situação, mas há quase como se existisse da portaria
para fora, um botãozinho que a gente desliga. Nem sempre
funciona, mas penso que até à data, acho que consigo
distanciar bem.
85
Uma outra guarda prisional, de 35 anos, com 15 anos de experiência revela que
“consigo, consigo, mas por vezes torna-se complicado (…) quando as coisas correm mal
não se consegue separar completamente”.
De acordo com um panorama geral, quer os guardas prisionais masculinos quer as
guardas prisionais femininas revelam que é algo que mexe com estes profissionais.
Revelam, igualmente, que devia ser dado ao profissional acompanhamento psicológico,
realçando que esta necessidade não se deve apenas face a estes casos concretos,
nomeadamente quando ocorre um suicídio, mas por todo o desgaste emocional e
psicológico que esta profissão faz sentir.
Um Guarda Prisional de 49 anos, com 22 anos de experiência, a determinada altura
na sua entrevista, em modo de desabafo revelou que, não há acompanhamento ao corpo de
guarda prisional, nem em casos em que os guardas assistem ao suicídio ou quando se
deparam com este. No seu entender esta política é errada60. Revela que esta falta de apoio
(ao guarda prisional) leva a que “cada vez mais dão tiros na cabeça”. Neste sentido coloca
a seguinte questão: “se há para reclusos porque é que não há para guardas?”. Considera que
esta questão ultrapassa o foro profissional, afetando as próprias famílias que acabam por
compreender e sofrer com isso61. Por muito que o guarda prisional tente não levar os
problemas para o exterior, há sentimentos que não conseguem, como a raiva e o stress que
a própria profissão incute.
No decorrer desta mesma entrevista, questionado sobre se estes comportamentos
eram, para o guarda prisional, perturbadores, o Guarda em questão revela que, no seu ver,
um guarda prisional não trabalha as suas emoções, sufoca-as, o que pode culminar ou
permitir cair em vícios como o álcool e as drogas. Revela que o próprio guarda parte do
pressuposto que aquilo passa e “vai passando, até um dia”. Faz a alusão a uma panela de
pressão que, um dia, rebenta.
60 Confessa conhecer um guarda prisional que anda a “bater mal” e que até está a ser seguido no psicólogo
exatamente por estas questões, sendo que esse colega, no decorrer da sua carreira, já encontrou 10 reclusos
que se suicidaram.
61 Revela que colegas seus, guardas, que sempre fizeram o horário noturno, quando se reformam acabam por
se divorciarem porque foram perdendo os laços e a afinidade que existia.
86
Contudo, os restantes guardas prisionais masculinos entrevistados foram mais
simples nas suas respostas, afirmando apenas que “toca-nos um bocadinho” (Guarda
Prisional, de 30 anos, com 7 anos de experiência), até pela imagem que fica na cabeça dos
guardas depois do sucedido. Embora a questão apenas seja abordada naquele dia, naquela
hora, “porque não faz sentido (…) falamos no dia e depois passa” (Guarda Prisional, de 48
anos, com 22 anos de experiência).
Relativamente aos constrangimentos ou ao impacto que estes comportamentos
autolesivos/suicidários têm juntos das guardas prisionais femininas, sente-se que estas
desvalorizam mais estes comportamentos, contudo, esta desvalorização pode ser justificada
atendendo a dois fatores: 1) no EPSCB feminino, até ao término da investigação, tinham
ocorrido apenas dois suicídios, um primeiro, logo nos inícios da inauguração do
Estabelecimento (onde maior parte das entrevistadas não estavam em funções) e um
segundo mais recente, em 2014, que as Guardas Prisionais, na sua maioria, julgam tratar-
se de um suicídio “involuntário”, na medida em que a reclusa em questão não o queria fazer
efetivamente. Tratou-se, na perspetiva das guardas, de uma chamada de atenção por via de
uma falsa tentativa de suicídio que acabou por “correr mal” e 2) porque, como afirma uma
Guarda Prisional de 39 anos, com 10 anos de experiência, quando questionada sobre os
constrangimentos sentidos com estas práticas responde que “não [existem] (…) porque não
há nenhum caso grave”.
Contudo, se tanto em Guardas Prisionais masculinos como femininas a autolesão é
um tema desvalorizado, no caso do suicídio revelam que existe outro tipo de
constrangimentos. Uma guarda prisional de 35 anos, com 10 anos de experiência, revela
que “sim, um bocadinho (…) não vemos assim uma pessoa morte, assim (…) nos primeiros
dias pensasse um bocado no assunto e falasse, mas depois tudo passa”.
Uma outra Guarda Prisional, de 38 anos, com quase 10 anos de experiência afirma
que, na altura do suicídio em 2014:
foi muito complicado, foi difícil de lidar e no dia a seguir nós
passávamos a vida a telefonar para as nossas colegas que
assistiram na hora à abertura da porta e deram de caras com
aquilo (…) ficamos mais atentas (…) nós andamos aí um
bom mês traumatizadas com isso.
Acrescenta ainda que,
87
o que é certo é que foi horrível, mexeu com toda a gente ah,
houve momentos em que eu acho até que consegui sonhar e
não vi o corpo, ah melhor, eu vi o corpo a sair e já todo
embrulhado naquele papel específico (…) mas eu acho que
consegui por vezes sonhar com a x ah, naquela posição.
Uma das Guardas que participou na ocorrência deste suicídio, em 2014, confessa
que, “é desconfortável, é sempre desconfortável. Eu digo que não me custa de…, mas é
sempre desconfortável. É sempre uma pessoa que está ali, mas… falou-se um bocadinho,
não se falou muito” (Guarda Prisional, de 35 anos, com 15 anos de experiência).
É neste sentido que, também as Guardas Prisionais femininas fazem referência à
falta de apoio psicológico. Segundo uma Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de
experiência, “mesmo sem ocorrer suicídio, a profissão é muito desgastante a nível
emocional e o impacto que tem nas nossas vidas diárias, porque a pressão aqui é muita”.
Por forma agora a compreender o impacto que estes comportamentos autolesivos e
suicidários têm junto da população reclusa, os Guardas Prisionais masculinos afetos ao
EPSCB masculino fazem distinção entre os reclusos em regime comum e os inimputáveis
em medida de tratamento.
Neste sentido, um Guarda Prisional de 45 anos, com 17 anos de experiência, refere
que, no regime comum, não sente que se faça um grande luto após um suicídio, apenas se
fala sobre o assunto. Quando é um suicídio que ocorre na clínica de psiquiatria (onde
existem maioritariamente no EPSCB masculino), sente que os reclusos do regime comum
não procuram culpados, porque olham para os inimputáveis como “maluquinhos” e, por
isso, usam a doença/patologia para justificar o sucedido. Por esta ordem de ideias, um
Guarda Prisional de 30 anos, com 7 anos de experiência, explica que, contrariamente aos
que ocorrem na Clínica de Psiquiatria, quando uma morte sucede em regime comum, não
sendo exclusivamente suicídio, tentam culpar sempre alguém pela morte do colega.
Contudo, revela que, nesse dia em concreto, é um dia mais pesado e silencioso.
Pode notar-se que as opiniões entre guardas relativos aos constrangimentos sentidos
pelos reclusos são diferentes. Ainda no masculino, o Guarda Prisional de 49 anos, com 22
anos de experiência, afirma que, no seu ponto de vista, os reclusos “nem querem saber”.
88
Por sua vez, no contexto feminino e segundo as Guardas Prisionais femininas
mesmo quando se trata de autolesões superficiais, nota-se que existe pena por parte das
reclusas face ao sucedido, contudo, revelam que se a reclusa o repetir demasiadas vezes,
também estas acabam por desvalorizar e de sentir essa pena.
Assim, segundo uma Guarda Prisional, de 36 anos, com 9 anos de experiência
“algumas têm pena, aliás elas alertam as outras; as vizinhas apercebendo-se, alertam (…)
outras gozam, claro, claro que sim”. Revela ainda que, “numa fase inicial poderá receber
[mimo] mas se for muitas vezes, elas começam-se a aperceber e a achar que é manipulação
também”. Sendo que, o testemunho de uma Guarda Prisional, de 46 anos, com 19 anos de
experiência é semelhante, esta afirma que “eu acho que elas têm pena, elas são muito
humanas entre elas, vejo mais elas a serem humanas entre elas do que propriamente as
guardas a serem humanas com as presas” Acrescenta claro que, “também não são todas. Há
muitas presas que criticam outras presas”.
Outra Guarda Prisional, de 38 anos, com quase 10 anos de experiência considera
que as reclusas ficam constrangidas, “ficam, ficam, bastante. Ah (…) algumas porque sim,
porque ela se podia matar, outras “olha que parva, ia fazer isto aqui à nossa frente” (…)
ficam assim revoltadas”.
Questionadas sobre se de alguma forma tentam esconder o sucedido das reclusas
devido aos constrangimentos ou ao efeito dominó, uma Guarda Prisional, de 39 anos, com
10 anos de experiência revela que “ficam sempre a saber porquê? Porque tem que ser
encaminhada aos clínicos e passa sempre uma outra reclusa no corredor que vê”. Contudo,
segundo uma Guarda Prisional, de 35 anos, com 10 anos de experiência revela que
a noção que eu tenho é que acabam por desvalorizar, elas
próprias também têm a noção que são chamadas de atenção,
independentemente da reclusa que e, acabam por associar
aquilo a uma maluquice, mesmo os cortes nos braços que é
mais comum, ah pronto, são malucas, isto tirando delas,
acaba por não lhes afetar.
Assim, podemos constatar que, tanto no masculino como no feminino, a perspetiva
profissional referente ao impacto destes comportamentos na vida da população reclusa
difere nos discursos.
89
4.3.5. ASSISTÊNCIA PRESTADA PELOS SERVIÇOS CLÍNICOS AFETOS AOS
ESTABELECIMENTOS EM CASOS DE COMPORTAMENTOS AUTOLESIVOS/SUICIDÁRIOS
Quer nos entrevistados do EPSCB masculino quer no EPSCB feminino, os TSR e
os Guardas Prisionais foram questionados sobre as medidas de tratamento adotadas pelos
Serviços Clínicos, nomeadamente se concordam. Assim, torna-se igualmente importante
compreender de que forma se processa a assistência dos Serviços Clínicos em
comportamentos autolesivos/suicidários e quais as finalidades destes mecanismos.
Primeiramente será exposta, de uma forma sucinta, a opinião de TSR e de Guardas
Prisionais, sendo à posteriori apresentados os métodos de trabalho, segundo os discursos
dos profissionais afetos aos Serviços Clínicos.
Aos TSR a questão passava por compreender qual o objetivo/intuito da medicação
após o recluso/a e/ou internado se ter autolesionado/a ou efetuado uma tentativa de suicídio.
De uma forma geral, os TSR não se quiseram manifestar de forma prolongada por ser
uma pergunta mais médica. O SOS é, geralmente utiliza-se o
SOS para quando o recluso anda bem, mas, de vez em
quando, está mais nervoso e é-lhe aplicada aquela
medicação. Quando o caso é muito grave e atenta contra a
vida dele ou de terceiros, aa, de certeza absoluta que a
psiquiatra manda administrar uma medicação mais forte para
o acalmar e depois começar a fazer o tratamento adequado
(TSR de 44 anos).
Contudo, na visão dos/as Guardas Prisionais, a administração da medicação é vista
e definida como a via mais rápida e fácil de atuar sobre o indivíduo. Como explica uma
Guarda Prisional de 35 anos, com 10 anos de experiência,
a minha opinião se calhar não é a mais correta, mas eu acho
que deveria haver mais apoio psicológico e menos
medicação psiquiátrica. Ou seja, muitas reclusas têm um
problema de vida cá dentro, ou lá fora, ou psicológico, não
é, mas normalmente o que se avança é com medicação de
90
psiquiatria e se calhar o conversar, o dialogar e o tentar que
elas encarem o problema e solucionar as coisas era meio
caminho andado para elas evoluírem e não estarem à espera
que a medicação lhes ficasse zen, calmas e daqui a dois
meses estarem outra vez com o mesmo problema ou ainda
maior.
Se por um lado, os/as Guardas Prisionais dão, no geral, a entender que nas suas
perspetivas a medicação é utilizada em determinados casos para estancar o problema no
imediato por forma a não existir um grande alvoroço em meio prisional e por ser, não só a
forma mais rápida, mas a mais fácil de trabalhar, um membro feminino dos Serviços
Clínicos de 39 anos, revela que a medicação nestes casos autolesivos/suicidários tem como
objetivo “baixar o nível de ansiedade (…) sedar e prevenir que não se repita, naquele
momento. Porque por vezes, eles automutilam-se hoje porque o problema hoje parece que
é muito grande mesmo. Mas amanhã já, já esqueceu”.
Primeiramente torna-se importante referir que, assim como foi exposto por outros
profissionais prisionais, TSR e Guardas Prisionais, os membros afetos aos Serviços
Clínicos entrevistados também explicam que estes comportamentos são “uma coisa mais
apelativa, é mais uma questão de chamar atenção, não é, mesmo os tratamentos que nós
temos para os doentes não é propriamente aquela ferida, não” (membro feminino dos
serviços clínicos de 39 anos). Da mesma forma, um membro masculino dos Serviços
Clínicos de 40 anos explica que “nós temos aqui todo o leque, temos aqui situações que são
mais graves, mas a grande maioria não são, são situações mais superficiais”.
Relativamente aos procedimentos mais concretos, este mesmo profissional explica
que,
Ou seja, quando ela é sinalizada, e chamada e vem à consulta
de enfermaria, de avaliação, aí entramos num campo que
temos (…) várias formas de atuar (…) ah, é feita a avaliação
por enfermagem, é feito, prestados os cuidados necessários
para o tratamento da, da ferida e é avaliar a perigosidade e o
risco de eventual novo comportamento autolesivo (…) temos
vários tipos de resposta, ou seja, se for uma situação de
91
emergência em que há um risco elevado de se voltar a repetir
(…) mesmo com intervenção farmacológica (…) e quando
não se consegue desmontar (…) quando a pessoa não
conseguir ainda desbloquear e há um risco emergente,
usamos… temos o quatro de OBS, de contenção (…) que
ativamos com, com os critérios legais. Depois temos outra
parte, ou seja, se (…) não é preciso conter, mas, mas há um
risco de, de se voltar a repetir, mas é um risco menos grave,
ah… que o primeiro é ela ficar cá internada nos serviços
clínicos e depois temos as situações de, de que são menos
graves que é com um pedido de maior vigilância e a tal
articulação que fazemos muitas vezes com o corpo de
guardas prisionais.
Da mesma forma que quando são comportamentos suicidários,
se aparecer uma pessoa com ideação suicida de uma forma
até não estruturada, até, aquela vontade de “já alguma vez
pensou que, que era bom não acordar amanhã” em que não
há, há ali pouca vontade de viver, mas não há uma ideia ah,
suicida e mediante se há um critério de intervenção
especifico nesta área posso fazer sinalizar com pedido de
maior vigilância, por exemplo. Este pedido é sempre
direcionado à direção do EP ah, que depois faz chegar às
chefias (…) e é sinalizada para a psicologia, para a
psiquiatria.
Esta explicação acaba por dar uma justificação à lacuna detetada anteriormente,
relativa à ausência de implementação do PIPS, no EPSCB feminino. Por sua vez, um
membro feminino dos Serviços Clínicos com 61 anos, anteriormente a exercer funções em
Paços de Ferreira, explica que “aqui [EPSCB masculino] ah, tentei na altura que cheguei,
perguntei como é que isso funcionava (…) e percebi perfeitamente que nunca funcionava,
nem funciona”, adiantando que “quando cheguei aqui, fez-me alguma impressão não se
fazer o programa” contudo, considera que, “a forma como nós funcionamos, não acho que,
aliás vê-se pelo tipo de suicídios daqui que não, que não justifica”. Um membro feminino
92
dos Serviços Clínicos de 39 anos, acrescenta que, “essa avaliação de papel, não existe”,
revelando que há sim, uma articulação entre os serviços.
Questionados sobre os ganhos/reforços positivos que os/as reclusos/as têm com
estes comportamentos, um membro feminino dos Serviços Clínicos de 39 anos, embora
confesse que a equipa de enfermagem seja para muitos “confidentes, para lermos as cartas
que a família manda, para contar, sei lá, tudo e mais alguma coisa”, a “automutilação não
é para falar connosco, é para conseguir se calhar um ganho (…) muitos fazem
automutilação porque (…) têm um beneficio com aquele corte; outros é para chamar
atenção porque não sabem como manifestar o problema” mas,
por vezes, eles para fugir à confusão, porque o meio prisional
é muito, é muito stressante, não é (…) eles tê fila para tudo
(…) e por vezes vir falar com alguém diferente não é, que
não o julga, para eles é destressante. Muitas vezes vêm cá
falar de alhos, falam de bugalhos e vão todos contentes.
Segundo um membro feminino dos Serviços Clínicos, de 61 anos, “não podem ter
ganhos secundários, por isso é que tem que ser tudo desconstruído até ao fim. Porque se
tiver um ganho secundário, nunca mais vai perder essa motivação. Se ele obtiver aquilo
que quer (…) tudo é motivo para repetir a automutilação”. Continua por explicar que, num
panorama geral, “indivíduos muito descompensados e sem pessoas/médicos profissionais
perto deles, estão descompensados. Quando têm profissionais mais perto, compensam”,
revelando que é um dos aspetos que faz diminuir as taxas de autolesão. Ainda de acordo
com este motivo para a descompensação, revela que a altura do ano mais propícia é em
agosto, por exemplo, pelo facto dos TSR estarem de férias, não haver escola, afirmando
que “se nós estivermos mais afastados (…) nesse período morto acontecem mais coisas
(…) não há ocupação (…) os mais frágeis (…) é para chamar atenção”.
De acordo com um membro masculino de 40 anos,
estes tipos de episódios de autolesão acontecem ah, e… neste
contexto, eu acho que a grande maioria é com o intuito de
ah… manifestar o desagrado pelo qual está a viver, a
93
angústia pela qual está a viver e com o desejo de resolver as
coisas, não propriamente de pôr termo à vida.
Da mesma forma, um membro feminino dos Serviços Clínicos de 61 anos revela
que, “ao contrário do que se pensa, de falarmos na morte ser alguma coisa que induz o
suicídio, isso é completamente errado não é… deve-se falar sobre isto, isto não pode ser
um preconceito, nem um estigma para nós”. Contudo considera errada a “política do
incentivo”, ou seja, “quando eles dizem [reclusos] “eu corto-me” (…) “então corta-te para
aí”, isto é errado porque um indivíduo que está, uma boa automutilação, ah, um indivíduo
(salvo seja), não sente dor, serve para reduzir a ansiedade”.
Independentemente de todos os fatores enunciados, no geral, todos os profissionais
prisionais entrevistados revelam que a taxa de autolesão tem diminuído, correspondendo,
atualmente, a picos, a fases pontuais. De acordo com um membro masculino dos serviços
clínicos, de 40 anos, “acho que se tem feito ah… vários progressos e também com o facto
de as pessoas irem conhecendo e apercebendo-se da pessoa que está à nossa frente e do tipo
de problemática que se tem de se cortar com a dualidade de, de e que julgo que tem vindo
a melhorar”.
Contudo, tenta realizar uma comparação que vai ao encontro da visão/perspetiva
geral, em que afirma:
eu não sei como é no masculino e pelo que tenho conversado
com os colegas os comportamentos autolesivos e… no
género masculino normalmente são sempre mais graves do
que no género feminino… ah, mas não deixa de haver uma
coisa em comum e que há muitos, muitos comportamentos
como, com o intuito de ter um beneficio secundário e ah…
se calhar, também se diz “se calhar é melhor”, eu também
entendo que, muitas vezes diga (…) eles próprios também
vão vendo as medidas que são tomadas.
94
4.3.6. PLANO INTEGRADO NA PREVENÇÃO DO SUICÍDIO
De acordo com o tópico 1.2.2.2. Plano Integrado na Prevenção do Suicídio, em
Portugal, o programa começou a ser implementado, a nível nacional, a partir de 2009.
Recordando a imagem nº2: Organigrama de Estratégia Integrada de Prevenção do
Suicídio – Nível Nacional (DGSP, 2009, p.32), podemos observar que os EPSCB
masculino e EPSCB feminino estão incluídos no Grupo Operacionalização Regional
(GOR) – Norte.
Neste projeto de investigação, um dos objetivos passa por compreender se os
programas de intervenção/prevenção são sensíveis ao género. Contudo, tornou-se
pertinente compreender em que moldes o programa está implementado nos já mencionados
estabelecimentos prisionais. Sendo que, de um modo geral, no EPSCB masculino, o Intake
Screening62 é utilizado (não é dado é seguimento ao programa) e no EPSCB feminino,
atualmente, nem o Intake Screening é utilizado (tendo sido utilizado por TSR anteriores).
Em todo o caso, não existem registos que comprovem a sua utilização atual.
a) Técnicos Superiores de Reeducação – TSR
Na III Parte – Autolesão e Suicídio, do Guião de Entrevista, a primeira questão
procura compreender em que moldes o PIPS foi implementado nos estabelecimentos
prisionais. Contudo, dois dos TSR remontam a questão para experiências que obtiveram
em outros estabelecimentos, nomeadamente no Estabelecimento Prisional de Paços de
Ferreira e no Estabelecimento Prisional do Porto.
Neste sentido, a TSR de 44 anos, revela que,
quando entrei, em 2010, em Paços de Ferreira, já estava
implementado o PIPS, o Plano de Intervenção e Prevenção
do Suicídio, e em Paços de Ferreira fiz parte da, da equipa do
PIPS. Era eu, o adjunto do tratamento penitenciário, era o
médico psiquiatra, o enfermeiro-chefe e um guarda. Pronto e
a seguir aos conselhos técnicos, nós avaliávamos toda… o
Intake Screening e a avaliação do guarda e decidíamos, na
62 Recordar anexo número 1: Intake Screening
95
realidade, se eles iam, … havia quartos em Paços de Ferreira,
especiais e com cuidados onde os doentes estavam e não
podiam estar sozinhos e estabelecíamos se eles iam trabalhar,
se… que tipo de trabalho é que iam ter, quanto tempo de
permanência nesse quarto, íamos acompanhando estes casos
em que houvesse ideação suicida.
Esclarece ainda que,
depois, entrei em 2012 aqui, em Santa Cruz do Bispo, o
programa também já estava implementado e eu não faço
parte da equipa do programa e de maneira que, aqui,
desconheço porque ali nos inimputáveis nós não aplicamos
o Intake Screening porque, sendo avaliação psiquiátrica, são
avaliados pelos serviços clínicos. Não se faz a avaliação do
suicídio, ou melhor, faz-se a avaliação do suicídio, mas
abrangida pela avaliação clínica.
Por sua vez, o TSR de 37 anos explica que no Estabelecimento Prisional do Porto,
com o surgimento do programa começaram a realizar-se reuniões semanais com os casos
sinalizados e onde os próprios guardas participavam e davam os seus feedbacks. Estas
reuniões concretizavam-se sempre às quartas-feiras e nela estavam presentes: a adjunta do
tratamento penitenciário; um representante técnico de cada pavilhão; um membro do setor
clínico; um psicólogo e um subchefe do corpo de guarda prisional. Explica que os
representantes se preparam previamente, sendo que às segundas-feiras existe uma reunião
do pavilhão onde o representante é informado sobre os casos sinalizados que devem ser
abordados em reunião. Após estas reuniões, às quartas-feiras, os representantes de cada
setor têm a obrigação de informar os restantes sobre o que foi tratado nas reuniões.
A TSR de 62 anos, recorda que no EPSCB masculino,
nós juntávamo-nos ali no gabinete da doutora x que era a
adjunta do diretor e estava um técnico de educação, estava a
adjunta do diretor que era a Doutora x, estava o chefe dos
guardas… nós fazíamos a receção ao recluso ah e foi aí, e
passávamos o… depois, depois de fazermos a receção, de
96
dizermos o que havia, o recurso que ele tinha etc., etc., …
nós depois íamos para o gabinete ao lado para passarmos o
inquérito do PIPS, (…).
I: Pertencia a essas reuniões?
T: Pertencíamos todos, ia o técnico que… que ia ser
responsável pelo acompanhamento, por norma.
I: E essas sessões não se fazem atualmente?
T: Não, deixamos de fazer rapidamente.
I: Mas porque achavam que não resultava ou porque foi só o
impacto de ser novo?
T: (pausa) depois nem sei… aquilo foi acabando, penso que
pela dificuldade de juntar as pessoas todas porque… era
sempre, era sempre: “quando é que nos juntamos? Quando é
que vamos ouvir os entrados? Quando é que não sei quê…”
porque o chefe tinha não sei quê, a adjunta tinha mais não sei
quê, o técnico estava para o pavilhão, ou… (riso)
Atualmente, no EPSCB masculino, continua a ser utilizado o Intake Screening. Uma
vez que não existem as reuniões, tornou-se importante compreender como é que é dado
seguimento ao programa após um recluso ser sinalizado com risco suicidário. Assim, uma
das alíneas elaboradas para a primeira questão procura obter a seguinte resposta “d)
Atendendo aos fatores presentes neste mecanismo, de que forma quantificam ou qualificam
o risco suicidário?”.
A TSR de 44 anos, ao responder a esta questão sentiu necessidade de fazer um
reparo relativo ao utensílio utilizado. Aferindo que, “esta lista que é aplicada por (…)
alguns dos técnicos sem licenciatura na área da psicopatologia e da saúde mental,
naturalmente que teria sempre que ser acompanhado por um, umas expressões muito claras
de quais eram os itens que mereceriam a sinalização imediata do doente”.
Procurando ser mais crítica, revela que,
97
aquilo tem um primeiro item em que mete, …, se tem história
passada ou presente de consumo de drogas, ora, isso nunca
poderia estar avaliado apenas em um item, tinha que haver
um item sobre se tem história passada de consumo de
estupefacientes e, um segundo, se tem história presente do
consumo de estupefacientes e deviam estar porque,
naturalmente, uma história passada e resolvida de tratamento
toxicodependente não constitui um risco atual mas o
consumo atual de estupefacientes é um fator de risco grande
e, por isso, tem que estar pontuado em regime de
exclusividade e tem que ser um item que, só por si, terá a
sinalização naquele caso.
Depois tem outro, falta de apoio, e falta de apoio social é
aquele que 99% dos presos, em Portugal, tem, por isso, quase
que vai dar, que vai pontuar em todos. Isto para lhe dizer que,
há ali, muitas perguntas que, em termos sociais, familiares,
etc, vão pontuar em quase todos os reclusos e depois é de a
competência do técnico sinalizar ou não. Ora, eu não acho,
apesar de poder continuar a ser da competência do técnico e
da decisão do técnico encaminhar ou não, a escala por baixo
tem que dizer de forma muito clara que, a pontuação positiva
no item de, por exemplo, ‘tem/faz planos concretos de
suicídio’, esta é um dos itens, se isto pontuar tem que estar
escrito de forma muito clara que a pessoa tem que ser
sinalizada e encaminhada para os Serviços Clínicos.
Contrariamente à opinião desta TSR é o que é efetivamente realizado. Isto é,
segundo a TSR de 62 anos, “é assim o que nos, o que nos foi dito foi “se já consumiu
alguma vez vai logo para o psiquiatra”, portanto se alguma destas perguntinhas que aqui
estão, se forem sim é logo encaminhar para a psiquiatria. Pronto e é isso que nós fazemos”.
Contudo, esclarece que, “eu pessoalmente tenho algum cuidado de ver a postura do recluso
não é, e depois encaminho com… logo a seguir ligo ao médico “olhe veja-me este…”
(risos) ou então vai…”.
98
Relativamente ao EPSCB feminino, o PIPS não se encontra implementado, sendo
que o TSR apenas afirma que, como vem de um estabelecimento que trabalhava com estes
materiais, o mesmo faz os seus relatórios de observação e sempre que considera necessário
sinaliza juntos do corpo clínico e Guardas Prisionais63. O TSR de 37 anos chega mesmo a
lamentar a inexistência do programa, principalmente porque para si, as reuniões entre
profissionais são importantes e considera que esta seja uma lacuna do EPSCB feminino.
b) Guardas Prisionais
Relativamente ao PIPS, segundo os 14 Guardas Prisionais entrevistados, no geral,
nunca ouviram falar, nem sabem do que se trata. Há questão 7. a) “sabe-se que está em
vigor um Programa Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS). Alguma vez ouviu falar
deste programa?”, do guião de entrevista, Parte III – Autolesão e Suicídio, apenas quatro
guardas prisionais masculinos confessam já terem ouvido falar (um foi por intermédio da
PSP, dois já ouviram falar por alto, mas não se recordam onde ou por quem, e um outro
guarda prisional revela ter tido conhecimento através de um colega). No que respeita às
guardas prisionais femininas, das sete entrevistadas, nenhuma ouviu falar do programa em
questão.
Assim, torna-se pertinente compreender se “quando surgem novos
projetos/programas, é-vos dado algum tipo de formação?” (questão 7, Parte III – Autolesão
e Suicídio, guião de entrevista).
No que diz respeito a guardas prisionais masculinos, estes revelam que, para além
da formação inicial, a formação complementar dada pelos serviços prisionais é muito
pouca, sendo que alguns guardas revelam mesmo ser nenhuma.
No entender destes, deveria existir uma carga horária mais flexível neste âmbito, no
sentido em que, para irem a formações, os guardas prisionais só podem fazê-lo nas suas
folgas (sendo que, assim, são poucos os que se inscrevem). Ainda foi referido que deveria
existir uma formação mais específica para guardas prisionais afetos à Clínica de Psiquiatria
e Saúde Mental, que trabalham com inimputáveis.
63 Dos processos físicos individuais analisados, em alguns, existiam registos do Intake Screening, de TSR
que exerceram antes funções no EPSCB feminino.
99
Um Guarda Prisional de 49 anos, com 22 anos de experiência, revela que deviam
existir formações distintas para a clínica e para o regime comum, na medida em que um
guarda afeto à clínica “tem que ser amável, tem que saber ouvir, tem que ser mais
humano”64. Um outro Guarda Prisional, de 48 anos, com 22 anos de experiência, revela
que, nesta profissão “quem não se interessar, quem não gostar, acaba por deixar passar
muitas situações”.
Por sua vez, as guardas prisionais femininas enumeram algumas formações que já
efetuaram, nomeadamente: Medidas Preventivas da Liberdade, Manutenção e Ordem
Prisional, Técnicas de Algemagem, Revistas e Buscas e Suporte Básico de Vida via Santa
Casa da Misericórdia.
Segundo uma Guarda Prisional, de 36 anos, com 9 anos de experiência, “eu tive a
formação de ingresso, aquela que é obrigatória, ah, depois mais uma ou duas, mas tudo
formação na parte, parte física”. Uma outra Guarda Prisional, de 46 anos, com 19 anos de
experiência afirma que: “é raro também haver assim formações úteis (…) ninguém nos diz
nada, não há assim grandes formações não, não acontece. Devia de haver mais”.
Por fim, outro aspeto essencial de ser mencionado e esclarecido é, uma vez que não
existe conhecimento do Corpo da Guarda Prisional referente ao PIPS, se o Guarda Prisional
“consegue sinalizar um indivíduo nestas situações ou é algo que não é percetível?” (questão
8. a), Parte III – Autolesão e Suicídio).
Relativamente aos guardas prisionais masculinos, de um modo geral, consideram
não ser possível realizar essa sinalização, justificando tratar-se de muitos reclusos e poucos
profissionais, explicando que, por vezes, encontra-se um guarda prisional por piso, o que
lhes retira margem de manobra para estarem atentos a todos os reclusos. Outra perspetiva
apresentada foi que, em alguns casos o guarda consegue fazer essa sinalização, em outros
não, revelando que depende do conhecimento que o guarda tem do recluso (o que tem como
desvantagem o recluso também conhecer bem o guarda). Um outro Guarda Prisional, de 48
anos, com quase 22 anos de experiência, realça que em casos como autolesões é possível
sinalizar porque, normalmente, partem de ameaças e então, o guarda fica sempre alerta,
contudo, em casos de suicídio revela que não conseguem, partindo da ideia de quem “quem
64 Recorda que, na altura em que foi afeto à clínica, quinze dias antes de iniciar funções, teve uma palestra de
dois dias sobre assuntos de psiquiatria, revela que, hoje em dia, de todos os guardas afetos à clinica, só existem
dois guardas que o fizeram, os restantes não e considera isso uma lacuna.
100
quer, não avisa”. Por sua vez, um Guarda Prisional, de 45 anos, com quase 19 anos de
experiência, revela que entre guardas fazem a sinalização daqueles que desconfiam que
podem…. Acrescenta que mesmo que estejam enganados, a sinalização é feita entre eles,
principalmente em casos de reclusos/internados que se começam a isolar.
Por fim, no que é relativo às perspetivas/discursos das guardas prisionais femininas,
quando questionadas de que forma sinalizavam as reclusas e se tinham informações dos
serviços clínicos, uma Guarda Prisional, de 39 anos, com 10 anos de experiência afirma
que, “não, geralmente é mesmo de conversa de, entre nós. Poderá haver alguma sinalização
dos serviços clínicos, até por causa das rondas, das rondas que se faz periódicas, mas
formalmente julgo que não”.
Uma Guarda Prisional, de 38 anos, com quase 10 anos de experiência, revela que,
“não temos essa indicação direta, a experiência é que nos diz (pausa) porque a reclusa
encontra-se muito deprimida ou porque não quer estar sozinha, tem medo que faça uma
asneira e a gente vai juntando as peças e normalmente leva a isto”.
De um modo geral, quer guardas prisionais masculinos, quer guardas prisionais
femininas concordam que estes comportamentos sejam aprendidos entre reclusos/as, sendo
que um dos Guardas Prisionais, de 45 anos, com quase 19 anos de experiência revela que
“sim, claro. Depois veem se funciona ou não”.
101
4.4. DISCURSO DOS PROFISSIONAIS EM FUNÇÃO DO GÉNERO
Relativamente às questões de género, um dos objetivos deste projeto passa por
compreender se as estratégias/mecanismos assim como os significados e as perspetivas de
profissionais variam consoante o género da população recluída. Contudo existe, para além
do género, um outro fator que é mencionado nos discursos dos profissionais em análise.
Quer no EPSCB masculino quer no EPSCB feminino, os profissionais prisionais
entrevistados, desde TSR, Guardas Prisionais e Corpo Clínico, não tinham, no geral,
experiência em meio prisional que englobasse os dois tipos, reclusos homens e reclusas
mulheres. Assim, no EPSCB masculino, os profissionais prisionais tinham, pelos seus
públicos de intervenção, a necessidade de distinguir internados/inimputáveis (a cumprirem
medida de tratamento em meio prisional) e os reclusos em regime comum.
Neste sentido e mediante os discursos dos profissionais prisionais, aos inimputáveis
a ligação que fazem destes aos comportamentos autolesivos/suicidários é por questões
psicopatológicas; o individuo é, em parte, referenciado como uma pessoa doente e que são
os distúrbios de personalidade ou a esquizofrenia que lhes foi diagnosticada que os levam
a ter determinadas atitudes e/ou comportamentos; outro aspeto referido é a descompensação
do indivíduo que pode derivar dos problemas que lhe estão associados ou à falta da
medicação (em caso de internados que simulam a sua toma mas que não a concretizam).
Por último, outro aspeto indicado é a carência emocional e a necessidade de atenção que,
quando sentem que não têm, fazem autolesão para o conseguirem.
De todos os entrevistados, apenas uma TSR teve contacto com inimputáveis de
ambos os sexos, neste sentido, essa mesma TSR de 44 anos esclarece que,
no caso dos inimputáveis é completamente diferente porque
a patologia, também é diferente, naturalmente. Nós temos
pouquíssimas doentes inimputáveis a nível nacional, estão
todas no Sobral Cid, aaa, e os quadros psicopatológicos
realmente são, são diferentes e são diferentes porque há mais
esquizofrénicos no sexo masculino do que no sexo feminino.
Por exemplo, muitos mais doentes psicóticos por
inimputáveis homens de que mulheres. A unidade feminina
de inimputáveis tinha sobretudo deficiências mentais e,
naturalmente, aí há um compromisso a nível intelectual mas
102
que, em termos comportamentais também não deixa de ser a
questão do género; as alterações de comportamento mais
impulsivo, mais agressivo, mais violento, estavam muito
mais presentes na população masculina e na população
feminina estavam… tínhamos muitas deficiências mentais
com, com algumas chamadas de atenção com um
comportamento… com tentativas de, de suicídio, não diria
suicídio mas para-suicídio, muitas das automutilações ou de,
de irem ao atendimento dizer que tinham ingerido um, aaaa,
muitos medicamentos ou que tinham tomado qualquer coisa,
pronto, isto era muito mais, estava muito mais presente nas
mulheres do que nos homens.
Por sua vez, quando falamos em reclusos/as em situação de regime comum, nos
discursos dos vários profissionais prisionais pode observar-se que, tanto em reclusos como
em reclusas, estes comportamentos autolesivos/suicidários são desvalorizados, mas esta
desvalorização não é demonstrada aos/às reclusos/as. Ela processa-se entre profissionais.
De acordo com uma Guarda Prisional de 39 anos, com 10 anos de experiência, “nós temos
que dar a entender que valorizamos, mas desvalorizando, não é. Temos que lhes transmitir
isso. Mas nós sabemos que, oh, para nós é desvalorizado. Nós sabemos que façam o que
fizerem é só para chamar atenção”.
Contudo, existem profissionais prisionais que fazem uma clara distinção entre
reclusos e reclusas. Isto é, existem profissionais que, segundo as suas perspetivas, as
mulheres reclusas que se autolesionam fazem-no por motivos mais banais,
comparativamente com reclusos homens.
Assim, um TSR de 37 anos afirma que, para si e com base na sua experiência, a
gestão emocional é mais acentuada no género feminino, assim como a psicopatologia e o
facto de as reclusas serem mais apelativas do que no género masculino. Em linhas gerais,
considera que o recluso homem, quando se depara com um problema, é mais prático na
resolução deste, enquanto a reclusa mulher vive o problema de uma forma prolongada,
mesmo quando o problema em causa já foi resolvido. Enquanto TSR sente que, no recluso
homem, a intervenção passa por questões comportamentais, enquanto na reclusa mulher a
intervenção passa por uma gestão emocional.
103
4.5. ARTICULAÇÃO/RELAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES PROFISSIONAIS
Através do PIPS e da sua organização cronográfica a nível local (recordar imagem
número 1) vemos que para trabalhar as problemáticas em meio prisional, não referindo
exclusivamente os comportamentos autolesivos/suicidários, é necessário existir uma
equipa multidisciplinar, mas acima de tudo equipas que se articulem umas com as outras
para que o trabalho seja não só mais prático e fácil, como para o sucesso do mesmo.
Assim, torna-se pertinente compreender se esta articulação entre os serviços existe
nos meios prisionais em estudo (EPSCB masculino e EPSCB feminino), nomeadamente
nos serviços de vigilância, nos serviços de educação e nos serviços clínicos.
a) Técnicos Superiores de Reeducação – TSR
No guião de entrevista semi-diretiva a TSR, na parte II – Perspetivas e Experiências,
podem encontrar-se questões como: “qual é a relação que um TSR estabelece com o corpo
clínico (médicos e enfermeiros)?” e “qual é a relação que se estabelece entre os TSR e os
Guardas Prisionais?”.
No caso dos TSR afetos à Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental, no que concerne à
relação destes com os serviços clínicos, segundo uma TSR de 44 anos,
a articulação tem que ser de facto muito próxima porque qualquer preparação de um doente
inimputável para uma saída ao exterior ou em liberdade para prova, tem que estar em
concordância com a estabilidade clínica e, simultaneamente, com o meio de receção, com
o meio familiar ou com o meio comunitário.
Acrescentando que, após o trabalho inicial que se traça para o recluso,
futuramente, nós vamos articulando consoante as nossas
necessidades, se um doente, aaa, solicita ou demonstra
interesse ou eu acho importante para o seu plano de o levar à
escola, para o ensino secundário, claro que, irei falar com o
médico assistente para saber se reúne condições clínicas para
o efeito, aa, se o médico de acordo com o tratamento clínico
acha que é altura do doente ir a casa, vai articular comigo
104
para saber se junto da família há disponibilidade ou não para
receber.
De acordo com um TSR de 44 anos, “é uma relação de trabalho em grupo”,
explicando que,
nós nos atendimentos se virmos que está mais alterado
falamos com a, a psicóloga ou psiquiatra para o atender ou
para ver se se passou alguma coisa, além do que nos está à
vista. Às vezes é ao contrário, quando eles vão mais agitados
às consultas, [os serviços clínicos] ligam para nós para saber
se se passou alguma coisa com a família ou com a pena,
porque é que eles andam mais agitados, se, sei lá, se se
meteram em confusões e vão ser castigados, …
Segundo este TSR, a articulação com os serviços clínicos é diferente quando se trata
do regime comum, contudo, segundo uma TSR de 62 anos,
Sim sim, sim, até porque há…, no regime comum temos
muita gente com problemas não é, que não estão… que não
estão controlados como estão os da clínica e, portanto, acho
que é importante para nós. Muitas vezes recorremos aos
médicos para tentar perceber até como é que hei-de lidar com
as patologias que a gente aqui encontra, não é?
A mesma esclarece que,
e depois para também poder reencaminhar devidamente não
é, depois se vir que há ali qualquer coisa, por exemplo, (…)
deteto até pela experiência que há ali alguma coisa que não
está a funcionar bem e então pronto, há que ver com o médico
para até ser encaminhado e precaver até futuras situações,
por exemplo.
Por sua vez, nem todos os TSR têm esta visão, em parte idealizada. Um TSR de 37
anos, a exercer funções no EPSCB feminino, considera que “devia haver mais
comunicação”, acrescentando que esta lacuna passa muito pelos coordenadores
105
(nomeadamente entre os da Santa Casa da Misericórdia e os dos Serviços Prisionais). No
seu ponto de vista, esta lacuna existe pela falta de contacto direto entre os técnicos.
Exemplifica, afirmando que muitas vezes os serviços clínicos estão a intervir junto de uma
reclusa e os TSR não têm conhecimento. Assim como, muitas vezes o TSR sinaliza uma
reclusa e a informação tarda a chegar, pelas informações que se têm que fazer circular e
por ser um processo demorado, porque não vai diretamente para os recursos necessários e
para quem intervém. Questionado sobre se considera que os objetivos são convergentes, o
mesmo considera que os objetivos são os mesmos, os métodos é que são distintos. Em
forma de descontentamento e mesmo sabendo da política de sigilo a que os serviços clínicos
estão vinculados, considera desadequado o facto de o TSR não ter acesso ao processo ou
ao quadro clínico da reclusa, uma vez que considera ser uma informação importante para
si, que intervém com a mesma.
Relativamente à relação dos TSR com os guardas prisionais, segundo a perspetiva
dos TSR, concretamente uma TSR de 44 anos, “é obrigatório que seja uma relação também
de muita proximidade”, justificando que é,
muito importante porque, quando eles passam aqui todos os
dias de manhã para dar conta como é que o dia correu,
sobretudo a noite, depois da nossa saída… eventuais
conflitos que tenham ocorrido no interior e é consoante a
informação dos Guardas Prisionais que nós também
podemos atuar e perceber o que é que é prioritário naquele
dia, não é?
Contudo, neste aspeto ou nesta articulação, os discursos dos TSR vão-se
diferenciando. De acordo com o TSR de 44 anos,
é um trabalho mais dividido, mas embora, às vezes, também
e, voltando a falar na clínica, às vezes são os próprios
guardas que convivem com eles, no dia-a-dia, estão vinte e
quatro horas e dizem ‘oh doutor, não está aí a psicóloga, se
calhar é melhor chamar o recluso ou internado porque ele
anda a fazer asneiras ou então da próxima vez que chamar
106
por ele puxe-lhe as orelhas’ porque, sei lá, brincadeiras de
mau gosto como aqui há tempos.
Uma opinião ainda mais diferente, é a de uma TSR de 62 anos que afirma que “aí é
mais complicado, não por eu não tentar (risos) mas porque parece que há pouca
sensibilidade da parte deles para, para… para a articulação nessas vertentes”, acrescentando
que, “temos alguns elementos da guarda prisional que têm essa preocupação (pausa) mas
eu acho que cada vez menos, infelizmente”. Assim, questionado sobre o porquê de achar
que essa articulação é menor, a mesma afirma que, “as pessoas estão muito cansadas
(pausa) aaa não se sentem reforçadas e, e isso já cria realmente um deixa andar, estão-se
um bocado borrifando para, para essas situações”.
Por fim, um TSR de 37 anos considera que, no seu ponto de vista, só se consegue
trabalhar com base na colaboração e considera fundamental o trabalho que se realiza com
o corpo de guarda prisional, realçando que “depende da postura de cada um”, na medida
em que esta colaboração existe se houver interesse de parte a parte. Tendo frisado que
trabalhava muito em colaboração com o chefe de ala, questionei-o se a informação que
obtém é exclusivamente proveniente deste. Revelou que na maioria sim, devido à
rotatividade que vai existindo nos setores, relativamente a outras guardas prisionais. No seu
entender, esta colaboração é fundamental, ainda mais nestas questões (referindo-se à
autolesão e ao suicídio) porque embora o TSR sinalize os sintomas, o/a guarda, por vezes,
conhece os motivos que estão por detrás do ato. Isto sucede porque o/a recluso/a nem
sempre revela os seus verdadeiros motivos ao TSR e o guarda, como conhece e anda mais
pelo meio da população reclusa, sabe o que está por detrás daquela alteração
comportamental e/ou emocional. É com base nesta colaboração que, sinalizando os
sintomas e conhecendo os motivos, se fica a “conhecer meia verdade”, o que facilita depois
o trabalho que é efetuado com o/a recluso/a, pois este percebe que o TSR sabe e sente mais
confiança para falar a verdade.
b) Guardas Prisionais
No guião de entrevista semi-diretiva a Guardas Prisionais, na parte II – Perspetivas
e Experiências, podem encontrar-se questões como: “tem por hábito partilhar ideias com
107
os técnicos sobre os reclusos, ou acaba por ser um trabalho individualizado e de pouca troca
de opiniões?”; “e com a equipa clínica, também existe essa partilha?” e “entre guardas
prisionais, há uma troca de ideias sobre os reclusos, as suas relações e comportamentos?”.
Iniciando com os Guardas Prisionais masculinos e a relação que estes estabelecem
com os TSR, através dos seus discursos esta mostra-se, contrariamente à opinião dos TSR,
diminuta. Um Guarda Prisional de 49 anos, com 22 anos de experiência revela que, um dos
problemas é haverem alguns TSR que se consideram “conhecedores de tudo”, acabando
por desvalorizar a opinião do guarda prisional. Um dos Guardas Prisionais de 45 anos, com
17 anos de experiência, após revelar que essa partilha não existe e questionado sobre como
se processa a passagem de serviço para um TSR, este revela que, quando alguma coisa
acontece, o guarda prisional em questão passa a informação ao chefe (de ala) e este passa
a informação para os serviços que considera mais adequados. Por coincidência, no dia da
entrevista o chefe afeto ao seu serviço não estava, daí o Guarda ter afirmado “o chefe não
está, não há partilha”.
Contudo, um outro Guarda Prisional, de 48 anos, com 22 anos de experiência, revela
que depende, que quando vê os TSR fala diretamente com eles, caso contrário segue o
procedimento base que passa por comunicar ao chefe e depois o chefe passa serviço.
Uma vez que um dos entrevistados era chefe de ala, este revela que,
geralmente quando eles têm, têm problemas e, é assim,
falam, fala-se das situações deles para melhorar, por acaso
isso é uma das coisas que faço, que faço com qualquer
equipa: com os médicos, com os… já nem tanto com a parte
da enfermagem, falo mais com os médicos e os técnicos (…)
é assim, com os meus colegas, muita das vezes comunicam-
me a mim ou ao Chefe e nós transmitimos aos técnicos. Se
tiver que haver com os técnicos, trabalhamos com eles; se
tiver haver com os médicos, falamos com os médicos.
Por sua vez, em termos de articulação com os serviços clínicos, o mesmo guarda
explica que,
108
Sim, sim. Quando eles andam mais destabilizados ah… nós
temos mais, estamos mais próximos; agora se temos um
indivíduo que anda mais agressivo, que anda mais ah, (…),
fala com os outros mas que está neste preciso momento
encostado a um canto e que está encostado e não fala com
ninguém, geralmente nós comunicamos sempre aos médicos,
além de comunicar aos médicos, falo sempre com o
internado a ver o que é que se passa mas tento saber se algo
não está ali bem e é quando, esses pequenos pormenores que
nós, que nós transmitimos para prevenir o suicídio, (…)
Relativamente às Guardas Prisionais femininas e as suas perspetivas relativas à
articulação existente entre os TSR e elas próprias, no geral, a ideia que sobressai é que “há
uma grande lacuna entre civis e farda” (Guarda Prisional de 39 anos, com 10 anos de
experiência).
Segundo uma Guarda Prisional de 35 anos, com 10 anos de experiência, “as chefes
de ala é que tratam mais desses assuntos e nós não temos esse cruzamento” (ideia já referida
segundo os guardas prisionais masculinos).
Assim, na perspetiva feminina sobressai a ideia de uma Guarda Prisional de 36 anos,
com 9 anos de experiência, que confessa,
aqui, conseguimos conversar (…) e ás vezes expor as ideias
(…) oh mas é muito pouco. E depois é assim, quem tem o
dom da palavra e-ee consegue chegar facilmente, porque
depois temos o efeito de grupo (…) eu sou da parte civil, sou
dos técnicos, nós somos da farda e ah, sente-se muito isso, é
quase como se houvesse uma picardia, uma guerra entre as
classes, não faz sentido porque trabalhamos tudo, todos para
o mesmo.
Contudo esta dificuldade transcende os TSR. De acordo com uma Guarda Prisional
de 39 anos, com 10 anos de experiência, “acho que há uma dificuldade, não só com os
técnicos, mas com todo o pessoal civil”, o que pode ser remetido para os serviços clínicos.
109
Por fim, falta compreender como é que se estabelece a articulação entre guardas e
se estes passam serviço uns aos outros. Neste sentido, quer os guardas prisionais masculinos
quer as guardas prisionais femininas revelam que no seu entender existe um aspeto que não
está muito bem consolidado, nomeadamente no objetivo da formatura. Segundo uma
Guarda Prisional de 38 anos, com quase 10 anos de experiência, este objetivo “está
descurado sim, é culpa de toda a gente. Partindo do particular para o geral, eu tenho culpa,
o chefe tem culpa, agora, a nível global, eu acho que a própria Direção-Geral devia ter uma
chamada (risos) de atenção, para isto, porque não está a funcionar”.
No contexto masculino, os Guardas Prisionais revelam que embora não exista uma
passagem de serviço direta no início de cada turno, quando se deparam com algum
problema trocam opiniões entre eles durante os turnos, mas que, em alguns casos, entram
ao serviço e não sabem do que se passou, quem foi para o castigo ou está nos serviços
clínicos, por exemplo. Contudo, também existe a outra versão, ou seja, segundo um Guarda
Prisional de 43 anos, com 10 anos de experiência, “sim, geralmente de manhã quando entro
ao trabalho a primeira coisa é perguntar se ocorreu alguma coisa, por exemplo de noite;
durante o dia pronto, geralmente sabemos tudo e quando, e quando não são os meus colegas
a transmitir, eles vêm transmitir”.
No contexto feminino, as Guardas Prisionais revelam que falam entre elas e que
passam o serviço, contudo, uma Guarda Prisional de 39 anos, com 10 anos de experiência,
sustenta que,
sim, sim, é algo que sendo uma cadeia de mulheres reclusas
e mulheres guardas, e sabemos que é uma questão de género,
há dificuldade entre algumas guardas por empatias ou apatias
que vamos sentindo umas com as outras. Profissionalmente
tentamos (…) passar serviço, é obvio que há sempre uma
falha ou outra.
110
111
Parte III: Discussão e considerações finais
Na III Parte – Discussão e Considerações Finais pretende-se a realização de uma
reflexão atendendo às duas partes que compõem a dissertação em causa, nomeadamente a
I Parte – Revisão da Literatura (que permitiu conhecer e compreender conceitos e estudos
desenvolvidos segundo as temáticas em causa, bem como estatísticas oficiais e quadros
legais relativos às profissões de TSR, de Guardas Prisionais e de membros afetos aos
serviços clínicos) e a II Parte – Apresentação de Resultados (que teve como intuito expor,
de acordo com os objetivos e as hipóteses formuladas, os resultados obtidos com as
entrevistas semi-diretivas implementadas junto dos vários profissionais prisionais do
EPSCB masculino e do EPSCB feminino).
Relativamente à I Parte – Revisão da Literatura, pode constatar-se que tem existido
uma evolução em termos de terminologia, como podemos observar pela substituição do
termo automutilação por autolesão. Embora em contexto prisional esta substituição ainda
não se faça sentir em termos dos discursos dos vários profissionais prisionais, ela adequa-
se às definições utilizadas por estes profissionais, na medida em que, pelos materiais
analisados e pelos feedbacks obtidos sobre esta questão tanto no EPSCB masculino como
no EPSCB feminino, a autolesão é descrita como arranhões superficiais e pequenas
escoriações, enquanto a automutilação é entendida como situações em que existe, por
exemplo, amputação de membros65.
Por sua vez, em termos de suicídios, os estudos atuais baseiam-se em estudos e
definições anteriores, sendo que podem expor uma ou outra novidade em termos de causa-
efeito, mas são relativamente convergentes ou redundantes. Neste sentido, é importante
realçar que, em termos de comportamentos autolesivos/suicidários, é mais fácil e fiável
estudar a autolesão e as tentativas de suicídio do que o suicídio consumado, até porque em
casos de autolesão e de tentativas de suicídio ainda existe a possibilidade de trabalhar, em
termos de intervenção, junto do individuo. Quando se trata de um suicídio consumado, o
único estudo que pode ser realizado é o de compreender o que levou o individuo a ter
65 No geral são mais autolesões, contudo, isto não significa que não existam cortes mais graves. São é menos
frequente.
112
colocado termo à vida e, assim, ficar mais alerta para a identificação prévia do risco em
outros indivíduos em situações idênticas.
Ainda no que concerne à I Parte – Revisão da Literatura e relacionando as questões
do género com o suicídio, pode constatar-se que em termos de organização e recolha
estatística existe uma evolução. Relembra-se que, até 2008, a DGRSP apresentava os dados
oficiais em números absolutos/finais, sem descriminação do género. Surge em 2009 a
alteração e, atualmente, as taxas de suicídio são apresentadas segundo homens
portugueses/homens estrangeiros e mulheres portuguesas/mulheres estrangeiras. Esta
evolução na arquitetura estatística permite compreender e desconstruir alguns mitos
existentes, nomeadamente aquele segundo o qual o suicídio é mais cometido por mulheres
porque estas seriam mais fracas psicologicamente e com menos tolerância à frustração.
Contudo, com estas estatísticas não podemos realizar uma análise comparativa, até porque
a população prisional masculina é superior à população prisional feminina e essa
comparação não seria fiável.
Assim, foi com base na análise dos discursos dos profissionais que se pretendeu
observar se as estratégias de coping em comportamentos autolesivos/suicidários eram
diferentes em termos de género.
Na reflexão da II Parte – Apresentação dos Resultados, refere-se que, no geral, os
profissionais prisionais descrevem as situações de autolesão em termos de chamadas de
atenção. Essas mesmas chamadas de atenção têm, no entender destes profissionais, um
carácter manipulativo porque o indivíduo teria, neste ato, um objetivo oculto. Assim, a
autolesão pode ser analisada segundo duas perspetivas.
1. Autolesão como uma forma de obter atenção por parte das pessoas em redor,
desde profissionais a reclusos/as. Isto é, o/a recluso/a efetua um corte na pele,
por forma a obter a atenção dos outros. Isto aconteceria porque, assim, até vai
aos serviços clínicos e estes serviços vão querer compreender o porquê desse
comportamento e vão falar um pouco com a pessoa, fazendo com que fique mais
reconfortada. No geral, a autolesão acontece ou durante o dia quando as celas
estão abertas e, deste modo, toda a gente pode ver e ficar ou não preocupada; ou
durante a noite, quando estão sozinhos e, assim, é uma forma de as celas serem
113
abertas temporariamente e de verem e falarem com os/as guardas e/ou com os/as
enfermeiros/as.
2. Autolesão como uma forma de obter um ganho secundário66. Aqui temos de
realçar que existem profissionais prisionais que nos dizem que este
comportamento não é reforçado, ou seja, que o individuo não obtém nenhum
ganho com o comportamento de corte (cutting). Contudo, existem os
profissionais que julgam que para o individuo repetir o ato significa que, em
alguma das tentativas, teve um ganho secundário. Então, como já conseguiu
uma vez, continua a tentar para conseguir uma segunda ou terceira vez.
Embora os profissionais prisionais sejam muito diretos em afirmar que se trata de
um comportamento manipulativo/chamada de atenção, acabam por justificar de forma
indireta quais são os objetivos dos/as reclusos/as com estas práticas. Das duas análises
possíveis, a segunda é a mais recorrente e aquela que é mais falada pelos profissionais, que
a descrevem como constituindo a maioria dos casos. É graças a essa preponderância por
eles estimada que existe uma rotulagem do comportamento como manipulativo67.
Se a primeira análise se concentra em sentimentos de solidão, de frustração ou até
mesmo como um sinal de depressão, a segunda análise permite caracterizar o indivíduo
como um ser manipulativo, capaz de utilizar qualquer meio para chegar ao fim pretendido
e que desafia não só o contexto como os profissionais que trabalham consigo diretamente.
Contudo, deve ter-se em atenção a leitura que fazem do fenómeno enquanto
profissionais prisionais que trabalham diretamente com estas problemáticas. com. Primeiro,
não se deve olhar sempre para o fenómeno da mesma forma, porque cada caso é um caso e
cada recluso/a tem a sua história, os seus problemas. Não valorizar um cutting ligado a
sentimentos de depressão pode originar uma tentativa mais gravosa e não detetar as
66 Exemplos de ganhos secundários: sair da ala por causa de desacatos ou contração de dividas, ir aos serviços
clínicos, por causa de chamadas, cantinas ou tabaco, …
67 O comportamento é descrito como manipulativo porque os/as reclusos/as fingem sentir uma dor psicológica
para obterem alguma coisa.
114
verdadeiras causas pode levar a que o/a recluso/a consiga obter um ganho e, a partir daí, vá
sempre tentando para o conseguir uma segunda vez.
Relativamente ao suicídio e às suas tentativas, existem algumas ilações que podem
ser referidas. No que concerne às tentativas, os profissionais prisionais fazem uma leitura
idêntica à da autolesão, ou seja, consideram tratar-se, igualmente, de uma chamada de
atenção para algo.
No caso da autolesão, os profissionais prisionais consideram que seja uma chamada
de atenção porque são cortes superficiais, sem gravidade. Para além disso, acontece existir
uma ameaça prévia e o corte surge após uma proibição ou a falta de uma autorização para
algo que o/a recluso/a pretendia, existindo ainda um pedido de auxílio como bater à porta
da cela, por exemplo. Por sua vez, a tentativa de suicídio é vista de forma semelhante
porque, segundo os profissionais, o indivíduo quando se quer matar fá-lo no silêncio da
noite e não na hora em que vão ser abertos ou quando vai existir uma ronda68.
Assim, torna-se importante recordar uma citação de Saraiva (1999, p.421),
os comportamentos autolesivos sem intenção suicida não
devem, todavia, ser desvalorizados, pois pode acontecer que
o recluso, não tendo atingido os seus objetivos por este meio,
enverede por uma escalada de letalidade crescente, que pode
culminar na morte.
Nos casos de suicídios consumados, existe muito a ideia de que aconteceu, mas que
o individuo não tinha a verdadeira intenção de colocar termo à vida. Nos discursos dos
profissionais, estes dão a entender que quando acontece um suicídio em meio prisional, este
vem de uma falsa tentativa de suicídio que “correu mal”, justificando que os/as reclusos/as
têm muito tempo para conhecer as rotinas dos/as guardas prisionais. Se estes passam todos
os dias à mesma hora para a ronda, os reclusos colocar-se-iam em posição àquela hora para
serem “apanhados” a tempo. O que pode acontecer é que o/a guarda, por algum imprevisto,
não passou àquela hora como de costume, e de uma falsa tentativa de suicídio passamos a
um suicídio consumado. Claro que fica sempre a dúvida se realmente foi assim ou não.
68 Este discurso muito assente em ideias de senso comum está muito presente nestes profissionais.
115
Este discurso teve mais força no EPSCB feminino porque até ao término da
investigação (fins de abril), apenas tinham existido dois suicídios, sendo que do primeiro
quase nenhuma guarda prisional tinha conhecimento/experiência e, relativamente ao
segundo, todos profissionais com conhecimento e experiência sobre este feito diziam que
tinha sido assim, ou seja, um mau cálculo da reclusa porque supostamente a ronda era a
uma hora e não o foi naquele dia. Hoje, no EPSCB feminino, provavelmente, os discursos
dos profissionais prisionais já não seriam tão retos, até porque recentemente existiu um
suicídio consumado69, que gerou um efeito dominó com tentativas de suicídio de outras
reclusas, mas sem repercussões de maior gravidade.
No EPSCB masculino, em termos de suicídio, como os que acontecem são
maioritariamente de internados a cumprir medida de tratamento na Clínica de Psiquiatria e
Saúde Mental, acaba por haver uma compreensão maior devido às patologias que estão
associadas ao individuo. Contudo, existe também a ideia do “correu mal”.
Debruçando-me agora sobre as estratégias/mecanismos de coping, considero que,
no geral, o EPSCB feminino parece estar mais bem preparado fisicamente para controlar
estas situações. Primeiro porque ainda não se sente a sobrelotação e, segundo, como maior
parte das reclusas tem a sua própria cela, torna-se mais fácil ter vigilância mais apertada,
com o retirar dos objetos e com rondas intermédias, o que facilita a supervisão do estado
emocional da reclusa e assim prevenir situações mais gravosas. Por sua vez, o EPSCB
masculino encontra-se sobrelotado e esse fator já dificulta o trabalho dos guardas prisionais
que não conseguem, com tanta gente, perceber quais são as alterações nos estados
emocionais do individuo.
Uma lacuna que eu considero existir nos dois estabelecimentos é a ausência do
PIPS, sendo que no EPSCB masculino temos apenas uma parte do programa a ser
implementada.
O PIPS deve surgir para sinalizar um individuo em risco e, embora o risco aumente
numa pessoa recluída, para os próprios profissionais torna-se mais fácil prever o
acompanhamento quando uma pessoa está sinalizada, porque quando o estado emocional
69https://www.facebook.com/APARPT/photos/a.368059096563754.73157.364278803608450/14219349445
09492/?type=3&theater, acedido em outubro de 2017
116
altera, o profissional poderá estar preparado ou mais vigilante. Penso que há margem para
uma maior partilha entre guardas, técnicos, médicos e enfermeiros, na medida em que que
casos como estes devem ser trabalhados em grupo, sem deixar de respeitar as questões do
sigilo profissional. A implementação do PIPS é importante também neste aspeto, até pelas
reuniões que promove e onde temos profissionais afetos a vários serviços, tais como
vigilância, educação e saúde.
Dois aspetos que penso ser importante mencionar são as questões da formação a
guardas prisionais e o acompanhamento psicológico a profissionais prisionais. Um guarda
prisional, contrariamente à visão geral que se tem desta profissão, não se limita a abrir e
fechar celas. Por essa razão é importante reforçar uma formação que lhes permita
compreender e detetar, por exemplo, alterações emocionais, distúrbios de personalidade,
não só por questões de comportamentos autolesivos e suicidários, mas para saber como
atuar em casos de descompensação e de alteração do estado emocional.
O tema da manipulação, o discurso com base em ideias de senso comum, mesmo
que compreensível no contexto das pressões quotidianas enfrentadas pelos profissionais,
tem de ser desmistificado para que também estes profissionais consigam compreender o
que está por detrás do comportamento. Em caso de reforços positivos e negativos, é por
exemplo importante ter instrumentos que lhes permitam perceber melhor quando é
vantajoso e não é.
Considero igualmente que, na linha do que referi acima, há margem para uma maior
partilha entre os vários serviços. Por exemplo, enquanto o TSR ou o médico trabalham o
problema, o Guarda Prisional conhece algumas causas próximas ou fatores
desencadeadores, porque está no pavilhão, vê o dia-a-dia do/a recluso/a. Este interagir entre
serviços seria mais benéfico e nem sempre acontece. Por vezes, trabalhos que se deviam
complementar são opostos aos objetivos.
No que concerne ao apoio psicológico, o contexto prisional não é só desgastante
para o recluso. Muitos estudos centram-se nos reclusos e nas desvantagens que o contexto
prisional tem no desenvolvimento humano e esquecem-se que existem profissionais que
também acabam por estar “aprisionados”. Relembro uma pergunta que um guarda prisional
me fez “se eles [os reclusos] têm apoio psicológico, porque é que nós não temos?”. A
valorização pessoal passa por um reconhecimento das competências de todos estes
117
profissionais, por muito que digam que conseguem sair dali e não pensar mais em trabalho.
Há possivelmente emoções que não são trabalhadas e que ganhariam em sê-lo.
Por fim, e como reflexão transversal a todo o trabalho académico e de investigação
em meio prisional, no geral as estratégias que envolvem palavras como reeducar, reinserir,
ganham em ser pensadas em trabalho com as pessoas e não apenas para as pessoas. Um
trabalho que passa por mostrar-lhes que podem construir histórias de vida sem delinquir.
Após estar em contexto prisional, existiu um dos tópicos/objetivos do meu projeto-
tese que não foi cumprido70: “observar de que modo se processam os acompanhamentos
diretos, face-a-face, entre técnicos e reclusos/as, bem como as condições e circunstâncias
em que se desenrolam”. Este tópico não chegou a ser concretizado porque os próprios TSR
assumiam que os seus atendimentos se baseavam em preencher papéis de teor pouco
relevante, como dar os papéis necessários para criar um cartão-de-visita, ou para dar um
número para o cartão de telefone, confessando que o trabalho de intervenção propriamente
dita junto do recluso pouco ou nada existe.
A conclusão a que cheguei depois de ler que um individuo recluído pode envelhecer
até 10 anos, fez-me pensar que fisicamente pode envelhecer, mas que, em termos de
maturidade e responsabilidade, o contexto não está a trabalhar para dar autonomia ao
individuo, mas sim para a retirar. Pode suceder que, como muitos profissionais prisionais
referiam, “eles não têm que se preocupar com nada”. No entender destes profissionais,
como vimos, os comportamentos autolesivos/suicidários acabam por surgir quando um
individuo que não tem tolerância ao “não” o ouve, e quando um individuo que não tem a
paciência necessária para esperar, tem de o fazer. Porque tais indivíduos achariam que
assim vão conseguir o que querem, desde falar com um TSR, com um Guarda ou com um
enfermeiro, ou então reforços como passar a noite nos serviços clínicos, conseguir que
alguém, com pena, lhes arranje um cigarro, …
Contudo, deve ter-se em atenção que, atualmente, só uma pequena fração destes
motivos se traduz nestes atos autolesivos/suicidários. Cada individuo tem a sua forma de
chamar atenção, existem reclusos/as que preferem chamar atenção passando o dia aos gritos
70Não foi cumprido não por falta de tempo ou por indisponibilidade dos serviços competentes, mas por não
se aplicar à realidade.
118
pelas alas ou quando são fechados/as; outros optam por descarregarem toda a sua frustração
em objetos, destruindo-os. E temos, por fim, os que se autolesionam, como uma forma de
descarga emocional ou para chamarem atenção para um problema que pode ser emocional
(sentimentos de culpa, por exemplo), ou um problema financeiro (falta de apoios externos,
contração de dívidas, falta de dinheiro para vícios, entre outros).
119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida, C. & Horta, P. (2010). Auto-lesão, auto-mutilação e auto-agressão. A mesma
distinção? Lisboa: Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa. (disponível em:
file:///C:/Users/Utilizador/Desktop/News%20nº%2016%20_%20Agosto_Setembro%202
010.html, acedido em setembro de 2016).
Bardin, L. (1979). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 7.
Becker, H. (1963). Outsiders – Studies in the Sociology of Deviance. Nova Iorque: Free
Press.
Borges, C. N. (2012). À Flor da Pele: algumas reflexões a propósito de um estudo de caso
sobre autolesão. Dissertação de Mestrado, ISPA, Lisboa, Portugal.
Clemmer, D. (1940). The Prison Community. New York: Holt, Rinehart & Winston.
Cunha, M. (1994). Malhas que a reclusão tece. Questões de identidade numa prisão
feminina. “Vigiar e Assistir”: As Guardas., CEJ: Lisboa, pp.81-98.
Cunha, Manuela P. da: 2002, Entre o Bairro e a Prisão: Tráfico e Trajectos, Lisboa, Fim
de Século.
Diário da República, 1.ª série — N.º 197 — 12 de outubro de 2009.
Diário da República, 1.ª série — N.º 71 — 11 de abril de 2011.
Diário da República, 1.ª série — N.º 189 — 28 de setembro de 2012.
Diário da República, 2.ª série — N.º 67 — 6 de abril de 2016.
Direção-Geral de Saúde. Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. Programa Nacional de
Saúde Mental, 2013.
Direção-Geral de Serviços Prisionais. Programa Integrado de Prevenção do Suicídio.
Manual do Programa, 2009.
Durkheim, E. (1996). O suicídio: Estudo sociológico (Tradução de L. Cary, M. Garrido &
J. Esteves). Lisboa: Editorial Presença.
120
Gonçalves, R. (1993). A Adaptação à Prisão: um processo vivido e observado. Lisboa:
Direção-Geral dos Serviços Prisionais.
Goring, C. (1913). The English Convict. London: HMSO
Haycock, J. (1989). Manipulation and suicide attempts in jails and prisions. Psychiatric
Quarterly, 60 (1), 85-98.
Hayes, L. (2005). A pratitioner’s guide to developing and maintaining a sound suicide
prevention policy. Jail Suicide/Mental Health Update, 12 (3).
Heney, J. (1996). Dying on the inside: Suicide and suicidal feelins among federally
incarcerated women. Doctoral dissertation, Carleton University, Canada – Ontario.
Lester, D. (1987). Social Desviancy and Suicidal Behavior. Journal of Social Psychology,
127 (3), 339-340.
Liebling, A. (1992). Suicides in Prision. Londres: Routledge.
Liebling, A. (1994). Suicide Amongst Women Prisioners. The Harvard Journal, vol. 33 No
1. Feb 94.
Liebling, A. (1999). Prison Suicide and Prisoner Coping. Crime and Justice, vol. 26, 283-
359.
Ludke, M. & André, M. (2007). Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas. São
Paulo: Editora Pedagógica e Universitária.
Machado, H. (2008). Manual de Sociologia do Crime. Porto: Afrontamento.
Menninger, K. (1935). A Psychoanalytic Study Of The Significance Of Self-Mutilation.
Psychoanalytic Quarterly
Moreira, N. (2009). Sofrimento, desespero e comportamentos suicidários na prisão.
Coimbra: Quarteto Editora.
Moreira, N. (2010). Suicídio nas Prisões. Porto: Livpsic.
121
Pimenta, B. (1992). Prisão de Mulheres. Odivelas: EUROPRESS, Editores e Distribuidores
de Publicações, Lda.
Quivy, C. & Compenhoudt, L. (1995). Métodos de Investigação em Ciências Sociais.
Trajetos. Paris: Gradiva [URL: https://pt.scribd.com/doc/37937019/Quivy-e-
Campenhoudt-Manual-de-Investigacao-em-Ciencias-Sociais, acedido em agosto de 2017].
Santos, S. (2013). Vulnerabilidade ao Risco de Ideação Suicida em Contexto Prisional.
Universidade do Minho, Braga, Portugal.
Saraiva, C. (1999). Para-suicídio: Contributo para uma compreensão clínica dos
comportamentos suicidários recorrentes. Coimbra: Quarteto.
Saraiva, C. (2014). Depressão e Suicídio. Um guia clínico nos cuidados de saúde primários.
Lisboa: Lidel – edições técnicas, lda.
Saraiva, C., Peixoto, B. & Sampaio, D. (2014a). Suicídio e Comportamentos Autolesivos.
dos conceitos à prática clínica. In C. B. Saraiva & N. P. Gil (Eds). Conceitos e limites em
suicidologia (pp. 41 – 54). Lisboa: Lidel – edições técnicas, lda.
Saraiva, C., Peixoto, B. & Sampaio, D. (2014b). Suicídio e Comportamentos Autolesivos.
Dos conceitos à prática clínica. In J. C. Santos & N. Moreira (Eds). Atos suicidas e outros
comportamentos autolesivos na prisão (pp. 415 – 424). Lisboa: Lidel – edições técnicas,
lda.
Smalley, H. (1911). Report by the Medical Inspector, in Report by the Prison
Commissioners. London: HMSO.
Smith, G., Cox, D. & Saradjian, J. (1998). Women and Self-Harm. London: The women’s
press.
Sykes, G. (1958). The Society of Captives. Princeton University Press: Princeton.
UNODC. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de
Nelson Mandela), disponível em:
http://www.dgsp.mj.pt/paginas/documentos/informacoes/Legislacao/RMTR-ONU.pdf,
acedido em julho de 2017.
122
Walker, T. & Towl, G. (2016). Preventing Self-Injury and Suicide in Women’s Prisons.
United Kingdom: Waterside Press.
123
ANEXOS
ANEXO Nº1: INTAKE SCREENING
124
125
126
ANEXO Nº2: OFÍCIO DA DGRSP
127
128
ANEXO Nº3: CONSENTIMENTO INFORMADO
CONSENTIMENTO INFORMADO
Estudo sobre
Auttolesão, Suicídio e Género em Contexto Prisional: a perspetiva dos profissionais
prisionais
Declaro que consinto participar no estudo sobre Autolesão, Suicídio e Género em Contexto
Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais, para o qual foi solicitada a minha
colaboração para a realização de uma entrevista.
Declaro que autorizo a gravação do meu depoimento e utilização posterior dessa
informação.
Declaro ainda que fui informado acerca do carácter confidencial e anónimo das respostas
que der no âmbito do referido estudo, tendo-me sido concedidas garantias de que a minha
identidade não será revelada.
Declaro por fim que me foi dada oportunidade de colocar as questões que julguei
necessárias e que fui informado acerca do direito de recusar a qualquer momento a
participação no estudo.
Estabelecimento prisional de ……………………………, ____ / ____ / _____
Nome:____________________________________________________________
Assinatura:________________________________________________________
129
130
ANEXO Nº4: GUIÃO DE ENTREVISTA SEMI-DIRETIVA PARA TSR
Universidade do Minho
Instituto de Ciências Sociais
Entrevista semi-diretiva aos técnicos
Este projeto de investigação, intitulado: Autolesão, Suicídio e Género em Contexto
Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais, tem como objetivo compreender como
é que os profissionais (técnicos e guardas prisionais), encaram estes comportamentos dos
reclusos e de que forma lidam com eles no seu dia-a-dia.
Parte I – Informações Gerais
Género: Idade: Escolaridade:
Anos de Profissão: Estabelecimentos Prisionais em que já exerceu e
respetivos tempos (em caso de haver mais do que um):
Parte II – Perspetivas e Experiências
Atendendo ao decreto lei 346/91 de 18 de setembro, a principal função de um Técnico
Superior de Reeducação (TSR) é, para além do trabalho burocrático, o acompanhamento e
melhoria das capacidades pessoais, académicas e laborais de cada recluso.
1. Para compreender de forma mais clara as relações interpessoais que se estabelecem
entre profissionais, gostaria de saber:
a. Qual é a relação que se estabelece entre os TSR e os Guardas Prisionais?
b. Qual é a relação que um TSR estabelece com o corpo clínico (médicos e
enfermeiros)?
i. Trabalham em parceria, na medida em que, procuram, junto dos enfermeiros
compreender a situação clínica da reclusa?
c. Qual é a relação que se estabelece entre os TSR e a/s reclusa/s?
131
2. Como é que se organiza para realizar o seu trabalho? O que tem mais importância,
o acompanhamento individual e o atendimento presencial ou a parte burocrática?
a. Qual é o tempo laboral que dedica a cada tipo de tarefa (em proporção, por alto)?
Pude constatar que o acompanhamento ‘direto’ a reclusos concretiza-se quando o técnico
considera ser necessário ou quando solicitado pelo próprio recluso.
b. Gostaria de compreender em que moldes se processam estes atendimentos? (em
função dos objetivos, das motivações, das preocupações, …)
c. Já trabalhou com reclusos de ambos os sexos? A sua experiência com uns e outros
foi diferente? Pode explanar as principais diferenças?
III Parte – Autolesão e Suicídio
Por informação recolhida em fases iniciais ao projeto, pude apurar que, em Portugal, o
Progama Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS), começou a ser implementado desde
o ano de 2009, em contexto prisional.
1. Neste EP, recorda-se do ano da sua implementação?
a. Como é que este foi transmitido junto do corpo prisional? Através de reuniões,
formações, …
b. A Equipa de Observação Permanente (EOP) efetua um trabalho frequente neste
EP, ou é algo esporádico?
c. Utilizando como ferramenta a Check List de Alerta presente neste programa,
Intake Screening, gostaria de saber se todos os reclusos, regime comum e clínica,
são submetidos a este procedimento?
d. Atendendo aos fatores presentes neste mecanismo, de que forma quantificam ou
qualificam o risco suicidário?
i. Existem muitos reclusos sinalizados? Dos sinalizados, estão internados na
clínica?
Relativamente ao decreto e à alínea que nos afirma que uma das funções de um TSR é
organizar estudos estatísticos e elaboração de relatórios. Até à data, a DGRSP não publica
dados relativos às taxas de autolesão.
3. Neste EP é algo que se realiza com frequência?
132
4. Como é que perceciona estes comportamentos e qual o tratamento efetuado junto
de cada reclusa?
5. Já presenciou algum comportamento autolesivo (como: cortes, queimaduras, …)?
– Pergunta exclusiva para médicos e enfermeiros.
6. Já foi chamado a intervir junto de alguma reclusa por esta causa?
a. Se sim, preocupa-se em conhecer as causas que levam a reclusa a estes
comportamentos?
b. Se não, algum colega já lhe relatou algum acontecimento desse género?
c. Na sua perspetiva, o que leva uma reclusa a autolesionar-se? Qual é a intenção?
(caso tenha trabalhado em Eps masculinos e femininos: ‘nota diferenças neste
aspeto entre homens e mulheres reclusos?’)
i. Como é que analisa o corte no pescoço. Já pensou que poderá ser uma questão
de impacto, de visibilidade? Considera, de alguma forma, que seja um procurar
de atenção mais rebuscado?
ii. Considera que seja um ato aprendido entre reclusas?
d. Qual é o acompanhamento que se faz a uma reclusa, após ter tido um
comportamento autolesivo? E em caso de reincidência, são definidas estratégias
diferentes?
e. Considera que, em alguns casos, um comportamento autolesivo tem um carácter
manipulativo? Porquê? Em que circunstância o considera? Como é que difere?
(caso tenha trabalhado em Eps masculinos e femininos: ‘nota diferenças neste
aspeto entre homens e mulheres reclusos?’)
7. Em termos de intervenção médica, quando uma reclusa comporta comportamentos
de carácter autolesivo é-lhe é administrado algum SOS?
a. O que é que se pretende com a administração desta medicação?
b. Já colocou a hipótese de que, em casos de reincidência do comportamento, a
reclusa já o faça para obter esta medicação?
8. Em casos em que a reclusa é colocada em quarto de segurança, quando é retirado
deste, existe algum acompanhamento específico?
a. Qual é a abordagem que faz?
b. Normalmente a reclusa consegue falar abertamente sobre o que se passa,
permitindo identificar de forma clara as causas ou opta pelo silêncio?
133
9. Como é que o sistema responde aos pedidos da reclusa quando incidentes dessa
natureza surgem?
a. Considera que existem cedências quando uma reclusa envereda pelos
comportamentos autolesivos? Quais são essas cedências? Consegue enumerar
algumas?
i. A administração desta medicação específica e o facto de ser colocado em
quarto de segurança, poderá ser entendido como uma cedência?
b. Como é que os profissionais reagem e lidam com a reclusa que envereda por estes
meios? Pode dar um exemplo concreto da sua experiência ou de um caso a que
tenha assistido? (caso tenha trabalhado em Eps masculinos e femininos: ‘nota
diferenças neste aspeto entre homens e mulheres reclusos?’)
Ao contrário dos comportamentos autolesivos, a DGRSP publica, anualmente, as
estatísticas referentes às mortes, incluindo a causa do Suicídio.
10. No decorrer da sua carreira, já aconteceu algum suicídio ou comportamento
suicida? Tentativa, consumação do ato, …
a. Pode contar essa experiência?
b. Para além da sua experiência, já algum colega lhe relatou algum acontecimento
deste género? (caso tenha trabalhado em Eps masculinos e femininos: ‘nota
diferenças neste aspeto entre homens e mulheres reclusos?’)
11. Como é que acha que os técnicos e os guardas prisionais lidam com este fenómeno?
Como é que abordam o assunto entre vocês, técnicos e guardas?
12. As próprias reclusas sofrem com estes comportamentos. Como é que tentam lidar
com os constrangimentos que estes sentem?
13. Um comportamento autolesivo, nem sempre conduz a um suicídio. Mas já sentiu
que as reclusas vão aumentando a gravidade desses atos, podendo consumar um
suicídio involuntário?
a. Nestes casos, a avaliação do risco é reavaliado? De que forma? Quais os
procedimentos a seguir? Qual a sua função e as estratégias que adota nestas
situações?
134
ANEXO Nº5: GUIÃO DE ENTREVISTA SEMI-DIRETIVA PARA GUARDAS PRISIONAIS
Universidade do Minho
Instituto de Ciências Sociais
Entrevista semi-diretiva a Guardas Prisionais
Este projeto de investigação, intitulado: Autolesão, Suicídio e Género em Contexto
Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais, tem como objetivo compreender como
é que os profissionais (técnicos e guardas prisionais), encaram estes comportamentos dos
reclusos e de que forma lidam com eles no seu dia-a-dia.
Parte I – Dados Gerais
Género:
Idade:
Escolaridade:
Anos de Profissão:
Estabelecimentos Prisionais em que já exerceu e respetivos tempos (em caso de haver mais
do que um):
Parte II – Perspetivas e Experiências
1. O que o levou a enveredar por este ramo?
2. Consegue facilmente distanciar a sua vida profissional do ramo pessoal, ou é um
processo difícil?
3. No decorrer da sua carreira profissional, o que mais o impressionou ou continua a
impressionar, dentro deste contexto?
135
4. Tem por hábito partilhar ideias com os técnicos sobre os reclusos, ou acaba por ser
um trabalho individualizado e de pouca troca de opiniões?
5. Entre guardas prisionais, há uma troca de ideias sobre os reclusos, as suas relações
e comportamentos?
a. Quando tem que dar uma resposta a uma situação, procura um colega para ter
uma segunda opinião, ou é um trabalho muito solitário e individual?
6. Qual é sua relação, de guarda prisional, com os diferentes tipos de pessoas
recluídas? Qual é a postura que adota?
III Parte – Autolesão e Suicídio
7. Quando surgem novos projetos/programas, é-vos dado algum tipo de formação?
a. Sabemos que está em vigor, um Programa Integrado de Prevenção de Suicídio
(PIPS). Alguma vez ouviu falar deste programa?
b. Qual foi a abordagem realizada para a apresentação do programa junto do corpo
prisional?
8. Alguma vez, durante o seu turno, presenciou algum comportamento autolesivo?
Nomeadamente: cortes, queimaduras, …
a. Pode contar-me uma experiência sua ou que tenha tido conhecimento por um
colega?
b. Na sua perspetiva, o que é que leva um recluso a automutilar-se?
c. Existem reclusos que são reincidentes nestes comportamentos. Considera que
não há uma forma de prever e combater estes comportamentos?
d. Tem alguma estratégia quando situações destas acontecem?
e. Considera um comportamento autolesivo, um comportamento manipulativo?
Porquê? Em que circunstância o considera?
9. Como é que os profissionais (corpo prisional) reagem e lidam com o recluso que
envereda por estes meios? Pode dar um exemplo concreto da sua experiência ou de
um caso a que tenha assistido e a forma como tratou, posteriormente, o recluso?
a. Como é que você o faz? Não só enquanto guarda, mas como pessoa, porque é
algo que mexe, pessoalmente, presumo.
b. Considera que existem cedências quando um recluso comporta
comportamentos autolesivos, de forma repetida, de modo a evitar um desfecho
trágico? (transferência, visitas, telefonemas, troca de cela…)
136
10. No decorrer da sua carreira, já aconteceu algum suicídio ou comportamento
suicida? Tentativa, consumação do ato, …
a. Pode contar uma experiência em que tenha estado presente ou que algum colega
lhe tenha contado?
11. Os próprios reclusos sofrem com estes comportamentos. Como é que tentam lidar
com os constrangimentos que estes sentem?
a. Como é que abordam o assunto entre vocês, corpo prisional?
12. Um comportamento autolesivo, nem sempre leva a um suicídio. Mas já sentiu que
os reclusos vão aumentando a gravidade desses atos, podendo consumar um
suicídio involuntário?
a. Nestes casos, as estratégias dos guardas alteram-se?
b. Consegue sinalizar um individuo nestas situações ou é algo que não é
percetível?
c. Quando existe uma tentativa de suicídio, em alguns casos, o recluso dá o alerta
(bater à porta, por exemplo), como é que interpreta esse comportamento?
13. Quando comportamentos desta natureza acontecem (comp. autolesivos e tentativa
de suicídio), tenta compreender o que levou o recluso a ter determinadas ações?
a. Acha que é possível distinguir ‘um grito de desespero’ de uma ‘chamada de
atenção’?
14. Considera que a intervenção médica, nestes casos é a mais correta ou acha que devia
ser uma abordagem diferente?
15. Enquanto guarda, profissional que trabalha diretamente com o recluso, acha que o
comportamento autolesivo é um comportamento aprendido entre reclusos?
a. Nomeadamente às mutilações mais graves, acha que o indivíduo tem noção da
gravidade?
b. Considera que o corte no pescoço (muito frequente) é uma questão de
visibilidade?
c. Consegue falar com o recluso após estes acontecimentos? Ou o recluso não fala?
16. Acha que a frequência destes atos tem vindo a diminuir? Como é que se justifica
esta mudança?
17. Considera que a clínica é vantajosa para controlar e colmatar estas problemáticas?
137
ANEXO Nº 6: GUIÃO DE ENTREVISTA SEMI-DIRETIVA PARA MEMBROS DOS SERVIÇOS
CLÍNICOS
Universidade do Minho
Instituto de Ciências Sociais
Entrevista semi-diretiva a membros dos Serviços Clínicos
Este projeto de investigação, intitulado: Autolesão, Suicídio e Género em Contexto
Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais, tem como objetivo compreender como
é que os profissionais, encaram estes comportamentos dos reclusos e de que forma lidam
com eles no seu dia-a-dia.
Parte I – Informações Gerais
Género:
Idade:
Escolaridade:
Anos de Profissão/percurso:
Parte II – Perspetivas e Experiências
1. Para compreender de forma mais clara as relações interpessoais que se estabelecem
entre profissionais, gostaria de saber:
a. Qual é a relação que se estabelece entre os Serviços Clínicos e os Técnicos
Superiores de Reeducação?
i. Trabalham em parceria, na medida em que, procuram junto dos técnicos
compreender a situação da reclusa?
b. Qual é a relação que se estabelece entre os Serviços Clínicos e os/as guardas
prisionais?
138
c. Qual é a relação que se estabelece entre os Serviços Clínicos e a/s reclusa/s?
III Parte – Autolesão e Suicídio
2. Quando a reclusa procura os serviços clínicos, quais são os motivos mais
frequentes?
3. Abordando a questão da autolesão, neste EP, este comportamento é recorrente?
4. Já presenciou algum comportamento autolesivo (como: cortes, queimaduras, …)?
5. Relativamente às autolesões/autoagressões, quais são os principais pontos de
consumação do ato?
a. Quais são os procedimentos quando uma reclusa dá entrada nos serviços
clínicos devido a autolesões? Qual é o tratamento dado à reclusa?
b. Preocupa-se em conhecer as causas? Pode enumerar algumas?
c. Costuma falar com os técnicos quando incidentes deste género acontecem?
d. Como é que perspetiva estes comportamentos? Na sua perspetiva, o que é que
leva a reclusa a enveredar por um comportamento autolesivo?
e. Considera que um comportamento autolesivo tem um carácter
manipulativo/apelativo? Como é que faz a distinção?
f. E em caso de reincidência, são definidas estratégias diferentes?
6. Considera que a reclusa tem ganhos com a autolesão?
a. Em termos de serviços clínicos, considera que a reclusa, por vezes, o faça para
ser internada em regime de observação, conseguindo assim refugiar-se do
pavilhão?
7. Considera que seja um ato aprendido entre reclusas?
Por informação recolhida em fases iniciais ao projeto, pude apurar que, em Portugal, o
Programa Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS), começou a ser implementado desde
o ano de 2009, em contexto prisional.
2. Os serviços clínicos, neste EP, têm algum programa, que não sendo o que está a
ser implementado pelos Serviços Prisionais, tenha os mesmos objetivos?
a. Quando há alguma reclusa que se apresente com ideação suicida, têm a
preocupação de informar técnicos e guardas?
i. Existem muitas reclusas com ideação suicida?
139
b. Quando existe uma tentativa de suicídio, quais são os procedimentos a seguir
pelos serviços clínicos?
c. Quando são casos em que a reclusa é colocada em quarto de observação, quando
é retirada que tipo de acompanhamento se faz junto desta?
i. Normalmente, a reclusa fala sobre o que aconteceu e dos motivos que a
levaram a agir de determinada forma?
8. Como é que perceciona estes comportamentos e qual o tratamento efetuado junto
de cada reclusa? Em casos de tentativa, o risco é reavaliado de que forma?
Ao contrário dos comportamentos autolesivos, a DGRSP publica, anualmente, as
estatísticas referentes às mortes, incluindo a causa do Suicídio.
9. No decorrer da sua carreira, já aconteceu algum suicídio ou comportamento
suicida? Tentativa, consumação do ato, …
a. Pode contar essa experiência?
b. Para além da sua experiência, já algum colega lhe relatou algum acontecimento
deste género? (caso tenha trabalhado em Eps masculinos e femininos: ‘nota
diferenças neste aspeto entre homens e mulheres reclusos?’)
10. Como é que acha que os técnicos e os guardas prisionais lidam com este fenómeno?
Como é que abordam o assunto entre vocês?
11. As próprias reclusas sofrem com estes comportamentos. Como é que tentam lidar
com os constrangimentos que estes sentem?
12. Um comportamento autolesivo, nem sempre conduz a um suicídio. Mas já sentiu
que as reclusas vão aumentando a gravidade desses atos, podendo consumar um
suicídio involuntário?
13. No geral e abordando os dois fenómenos, considera que os profissionais (no seu
todo), desvalorizam estes comportamentos?
140