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Universidade de Lisboa
Faculdade de Medicina de Lisboa
Aplicao da tcnica de espectrofotometria de
absoro atmica na anlise de metais e metalides
em amostras biolgicas.Preparao de amostras por digesto com a tecnologia microondas
Carla de Jesus Grilo de Oliveira Mustra
Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
2009
A impresso desta dissertao foi aprovada pela Comisso Coordenadora do
Conselho Cientfico da Faculdade de Medicina de Lisboa em reunio de 2 de
Junho de 2009.
Universidade de Lisboa
Faculdade de Medicina de Lisboa
Aplicao da tcnica de espectrofotometria de
absoro atmica na anlise de metais e metalides
em amostras biolgicas.Preparao de amostras por digesto com a tecnologia microondas
Carla de Jesus Grilo de Oliveira Mustra
Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Dissertao orientada e co-orientada por
Professor Doutor Francisco Corte Real e
Professor Doutor Jorge Costa Santos
2
Todas as afirmaes efectuadas no presente documento so
da exclusiva responsabilidade do seu autor, no cabendo
qualquer responsabilidade Faculdade de Medicina de Lisboa
pelos contedos nele apresentados.
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
RESUMO
A espectrofotometria de absoro atmica (EAA), apresentada por Alan Walsh h
mais de cinquenta anos como procedimento analtico, nos dias de hoje uma tcnica
bem estabelecida em inmeros campos da anlise instrumental (Welz e Sperling,
1999).
As diferentes tcnicas associadas EAA, como a chama, a cmara de grafite, a
gerao de hidretos e o vapor frio, permitem determinar quantitativamente, com
sensibilidade suficiente, mais de 60 elementos da tabela peridica (Skoog et al,
1992). O metalide arsnio (As) um desses elementos, sendo a espectrofotometria
de absoro atmica com gerao de hidretos uma das melhores tcnicas disponveis
para a sua anlise vestigial (ATSDR, 2005; Tsalev, 1995).
O arsnio encontra-se presente em todos os organismos vivos apesar de at agora no
ter sido completamente esclarecido o seu papel biolgico como elemento vestigial.
Os seus efeitos txicos, assim como de alguns dos seus compostos so amplamente
conhecidos. Sabe-se que os compostos inorgnicos de arsnio so os mais txicos,
sendo preferencialmente acumulados no organismo comparativamente aos compostos
orgnicos (Welz e Sperling, 1999).
A intoxicao pelo arsnio continua na ordem do dia, no tanto devido a casos de
intoxicao aguda, j que essa situao mais comum em pases em vias de
desenvolvimento (e.g. Bangladesh, ndia) mas sim devido intoxicao crnica
originada por exposio ambiental e profissional continuada (Moffat et al, 2004). As
notcias, quer nacionais quer internacionais, demonstram a preocupao que existe
ao nvel ambiental e de sade pblica relativamente a esta substncia.
A determinao do arsnio total presente numa amostra extensamente influenciada
pelo passo crucial de pr-tratamento dessa mesma amostra. A sua correcta avaliao
possvel se for garantida a decomposio completa dos compostos orgnicos de
arsnio persistentes, como so exemplo as espcies dimetiladas e feniladas, o que se
consegue mediante a aplicao de processos de digesto adequados.
Os processos de digesto podem ser de dois tipos: digesto hmida e digesto seca,
podendo o primeiro ser em sistema aberto ou fechado. Neste trabalho, foram
estudados os processos de digesto hmida em sistema aberto e fechado no entanto,
apesar de existirem vantagens na aplicao do processo de digesto hmida em vaso
fechado (digesto hmida pressurizada com aplicao da tecnologia microondas), o
i
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
trabalho desenvolvido no mbito desta dissertao mostra que a digesto hmida em
vaso aberto mais eficaz na decomposio completa dos compostos de arsnio.
Neste trabalho apresentam-se os resultados obtidos decorrentes da validao do
mtodo analtico de determinao do arsnio total em amostras biolgicas.
Os diferentes parmetros de validao estudados, como a especificidade, a eficincia
e taxa de recuperao da digesto, a linearidade, limites de deteco e
quantificao, preciso e exactido, robustez e estabilidade, mostram que o mtodo
adequado confirmao da presena e quantificao de arsnio total em amostras
de sangue, urina, cabelo, unhas e outras vsceras a nveis de concentrao
fisiolgicos.
PALAVRAS-CHAVE
Toxicologia forense; Espectrofotometria de absoro atmica; Gerao de hidretos;
Arsnio; Validao.
ii
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
ABSTRACT
Atomic absorption spectrometry (AAS) is today well established in numerous fields of
instrumental analysis, after being proposed by Alan Walsh as an analytical procedure
more than 50 years ago (Welz & Sperling, 1999).
AAS and its techniques (flame, graphite furnace, hydride generation and cold vapour)
provide a sensitive means of determining more than 60 elements (Skoog et al, 1992).
The arsenic metalloid (As) is one of those elements and the hydride generation
atomic absorption spectrometry (HGAAS) is among the best analytical techniques for
trace arsenic (ATSDR, 2005; Tsalev, 1995).
Arsenic is present ubiquitously in all organic tissues of human and animal organisms,
although its biological significance as trace element has not been completely
clarified. The toxicity of arsenic and some of its compounds are well known, its
inorganic forms are the most toxic and preferentially accumulated in organisms (Welz
& Sperling, 1999).
Arsenic poisoning is still important among us, mainly due to chronic occupational and
environmental exposure instead of acute poisoning, more common in undeveloped
countries (e.g. Bangladesh and India) (Moffat et al, 2004). The national and
international media shows the public health and environmental concern about this
element.
The total determination of arsenic is extensively dependent on the sample pre-
treatment crucial step. Its correct determination is possible if the total dissolution of
persistent organoarsenicals, like dimethylated and phenylated species, is achieved.
This is done by applying the proper digestion procedures.
The digestion procedure can be done in two ways: wet decompositions or dry ashing.
Wet decompositions can be performed in open vessels or pressurized vessels like
microwave oven systems. Two wet digestion procedures were studied during this
work, the open vessel and pressurized microwave digestion. Although several
advantages are presented when microwave technology digestion step is applied, the
work developed during this master thesis showed that this kind of procedure is not
the most efficient for total determination of arsenic in biological samples. Wet
digestion procedures in open vessels are more efficient for the total dissolution of
arsenic species.
iii
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
This work presents the validation parameters of an analytical method for total
arsenic determination in biological samples.
The obtained results of the studied validation parameters: specificity, efficiency of
digestion procedure, recovery, linearity, limits of detection and quantification,
accuracy, ruggedness and stability shows that the presented method is appropriate to
confirm and determine total arsenic in urine, blood, hair, nails and other organic
samples at vestigial levels.
KEYWORDS
Forensic Toxicology; Atomic absorption spectrometry; Hydride generation; Arsenic;
Validation.
iv
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Francisco Corte Real, Professor da Faculdade de Medicina
da Universidade de Coimbra e Director da Delegao do Centro do Instituto
Nacional de Medicina Legal, I.P., o meu reconhecimento pela forma como me
incentivou desde o primeiro momento em que prontamente aceitou orientar
este trabalho e tornou possvel a sua realizao no Servio de Toxicologia
Forense da Delegao do Centro. No esquecerei a confiana que depositou em
mim e a sua constante disponibilidade que muito me honram.
Ao Professor Doutor Jorge Costa Santos, Professor da Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa e Director da Delegao do Sul do INML, I.P., pelo
incentivo e apoio concedido como co-orientador deste trabalho.
Dr. Paula Monsanto, Directora do Servio de Toxicologia Forense (STF) da
Delegao do Centro do INML, I.P., pela forma como me recebeu, apoiou e
aconselhou, proporcionando sempre os meios necessrios realizao deste
trabalho.
A todos os que trabalham no STF da Delegao do Centro, pela maneira como
fui recebida quer enquanto estudante de Mestrado, quer depois como colega
de trabalho, por todo o apoio e disponibilidade demonstrados desde o primeiro
momento. Um agradecimento em particular ao Fernando e Mrio pela forma
me receberam e a abertura que demonstraram na transmisso dos
conhecimentos tcnico-cientficos adquiridos na rea de desenvolvimento
deste trabalho.
Ao Professor Doutor Duarte Nuno Vieira, Presidente do INML, I.P., pelo apoio e
incentivo concedido possibilitando a realizao deste trabalho.
A todos que, directa ou indirectamente, me apoiaram e contriburam para que
este trabalho fosse avante.
Aos meus pais por todo o carinho, apoio, confiana e fora
v
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Ao Pedro e ao Tiago por toda a pacincia e sacrifcios, pelo carinho, amor e
coragem sempre presentes
vi
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NDICE GERAL
Resumo i
Palavras Chave ii
Abstract iii
Keywords iv
Agradecimentos v
ndice Geral vii
ndice de Figuras/Tabelas/Quadros x
ndice de Anexos xii
Lista de Smbolos, Unidades e Abreviaturas xiii
Captulo I INTRODUO 1
1.1. Justificao do tema escolhido 2
1.2. Objectivos 5
1.3. mbito do estudo 6
Captulo II REVISO DA LITERATURA 7
2.1. Enquadramento Terico - Estado da Arte 8
2.1.1. A Espectrofotometria de Absoro Atmica 12
2.1.2. Determinao de Metais e Metalides Evoluo e Importncia
toxicolgica 13
2.1.3. O Metalide Arsnio e seus compostos 15
2.1.3.1 Metabolismo e excreo 17
2.1.3.2 Anlise de arsnio 17
2.1.3.3 Determinao de arsnio por espectrofotometria de
absoro atmica em amostras biolgicas 21
2.1.4. A seleco das amostras 23
2.1.4.1 A amostra de sangue 25
2.1.4.2 A amostra de urina 25
2.1.4.3 As amostras de cabelo e/ou unhas 26
2.1.5. A intoxicao por arsnio alguns casos e curiosidades 28
2.1.6. O processo de digesto das amostras 34
vii
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
2.1.7. Estudo dos processos de digesto 35
2.2. Validao de mtodos analticos 36
2.2.1. Validao de mtodos de confirmao 36
2.2.1.1 Selectividade e Especificidade 37
2.2.1.1.1 Mtodo adio padro 39
2.2.1.2 Modelo de calibrao 40
2.2.1.3 Linearidade 42
2.2.1.4 Gama de trabalho 43
2.2.1.5 Preciso 44
2.2.1.6 Exactido (Veracidade) 45
2.2.1.7 Limites de Deteco e Quantificao 45
2.2.1.8 Incerteza da medio 47
2.2.1.9 Controlo de qualidade 47
2.2.1.10 Apresentao de resultados 48
2.3. Enquadramento Legal 50
Captulo III PARTE EXPERIMENTAL 55
3.1. Introduo 56
3.2. Concepo experimental 56
3.3. Material e Mtodos 57
3.3.1. Instrumentao e material utilizado 57
3.3.2. Reagentes, Padres e Materiais de referncia 58
3.3.3. Tratamento do material 59
3.3.4. Preparao de solues 60
3.4. Condies espectrofotomtricas 61
3.5. Tipo e origem das amostras 62
3.6. Preparao das amostras 62
3.6.1. Digesto aplicando a tecnologia Microondas 63
3.6.2. Digesto hmida em vaso aberto 69
Captulo IV Apresentao e Discusso de Resultados 75
4.1. Introduo 76
viii
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
4.2. Digesto em vaso aberto vs Digesto em vaso fechado 76
4.3. Validao do mtodo analtico de determinao de arsnio 77
4.3.1. Avaliao da especificidade 77
4.3.1.1 Estudo da especificidade em urina 78
4.3.1.2 Estudo da especificidade em sangue 81
4.3.2. Limite de Deteco (LD) e Limite de Quantificao (LQ) 82
4.3.3. Eficincia da digesto 84
4.3.4. Taxa de recuperao da digesto 85
4.3.5. Avaliao de arrastamento 88
4.3.6. Preciso 89
4.3.6.1 Preciso Intradia (Intra-ensaio) 90
4.3.6.2 Preciso Intermdia, repetibilidade e incerteza nas
medies
96
4.3.6.3 Repetibilidade do equipamento 102
4.3.7. Exactido 102
4.3.8. Gama de trabalho e linearidade 105
4.3.9. Robustez 106
4.3.10. Estabilidade 108
4.4. Discusso de resultados 109
Captulo V Consideraes Finais 111
Referncias Bibliogrficas 114
Anexos 121
Anexo I 122
Anexo II 123
ix
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
NDICE DE FIGURAS, TABELAS E QUADROS
INDCE DE FIGURAS PGINA
Fig. 1 Processo de excitao e decaimento. 10
Fig. 2 Ilustrao de possveis transies electrnicas. 11
Fig. 3 Processo de absoro atmica. 11
Fig. 4 Exemplos de leses na pele devido ao consumo de gua potvel contaminada com arsnio no Bangladesh.
30
Fig. 5 - Mapa que ilustra os nveis de contaminao com arsnio das guas subterrneas de Bengala Ocidental - ndia.
32
Fig. 6 - Grfico que ilustra a aplicao do mtodo adio padro. 39
Fig. 7 Espectrofotmetro de absoro atmica com sistema gerador de hidretos com fluxo e injeco automticos (FIAS-HG-AAS) da Perkin Elmer, disponvel no STF da Delegao do Centro do INML,IP.
61
Fig. 8 Erlenmeyers com amostra e mistura de cidos antes de iniciar digesto.
71
Fig. 9 Amostras durante digesto hmida em placa de aquecimento. 71
Fig. 10 Amostras durante passo de pr-reduo aps digesto. 72
Fig. 11 Amostras aferidas em bales volumtricos, prontas para anlise. 72
Fig. 12 - Dados usados na avaliao da especificidade em urina e respectivo grfico.
79
Fig. 13 - Dados usados na avaliao da especificidade em urina e respectivo grfico (experincia 2).
80
Fig. 14 - Dados usados na avaliao da especificidade em sangue e respectivo grfico.
81
Fig. 15 - Grfico e resultados usados no estudo dos limiares analticos do mtodo
83
Fig 16 - Dados da curva de calibrao, respectivo grfico e resultados da quantificao da urina controlo, para clculo da eficincia da digesto.
85
Fig 17 - Dados da avaliao da taxa de recuperao da digesto do As para os nveis de concentrao 0,5 e 4,0 g/L.
87
Fig 18. Dados da avaliao da taxa de recuperao da digesto do As para o nvel de concentrao 1,0 g/L.
88
Fig. 19 - Clculo da preciso no DIA1 para os nveis em estudo. 91
x
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Fig. 20 - Clculo da preciso no DIA2 para os nveis em estudo. 92
Fig. 21 - Clculo da preciso no DIA3 para os nveis em estudo. 93
Fig. 22 - Clculo da preciso no DIA4 para os nveis em estudo. 94
Fig. 23 - Clculo da preciso no DIA5 para os nveis em estudo. 95
Fig. 24 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para Limite de Quantificao 0,30 ug/L (As).
97
Fig. 25 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para o nvel de concentrao 0,75 ug/L (As).
98
Fig. 26 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para o nvel de concentrao 2,50 g/L (As).
99
Fig. 27 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para o nvel de concentrao 4,00 g/L (As).
100
Fig. 28 - Dados e resultados do estudo de exactido. 103
Fig. 29 - Dados e resultados do estudo de avaliao da gama de trabalho e linearidade.
106
INDCE DE TABELAS PGINA
Tabela I: Valores de referncia da concentrao de arsnio em diversas amostras biolgicas.
23
Tabela II: Resultados da quantificao de As de duas amostras reais de urina nas duas curvas analticas representadas no grfico da Fig 12.
79
Tabela III: Resultados da quantificao de As de seis amostras reais de urina nas duas curvas analticas representadas no grfico da Fig 13.
80
Tabela IV: Resultados da quantificao de As de seis amostras reais de sangue nas duas curvas analticas representadas no grfico da Fig 14.
82
Tabela V: Dados usados no estudo dos limites de deteco e quantificao do mtodo.
83
Tabela VI - Dados de Avaliao da repetibilidade do equipamento. 102
xi
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
INDCE DE QUADROS PGINA
Quadro I - Classificao dos mtodos de espectrofotometria atmica. 9
Quadro II - Resumo dos resultados obtidos de Repetibilidade, Preciso Intermdia, Exactido e Taxa de Recuperao da digesto do mtodo estudado.
109
INDCE DE ANEXOS PGINA
ANEXO I Mtodo de Gutzeit. 122
ANEXO II Condies instrumentais do mtodo de determinao de arsnio
por HG-AAS.
123
xii
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
LISTA DE SMBOLOS, UNIDADES E ABREVIATURAS
g micrograma
l - microlitro
m - micrmetro
AAS - Atomic Absorption Spectrometry
AB - Arsenobetana
AC Arsenocolina
Al - Alumnio
AR Analytical reagent
As - Arsnio
Atomizao processo atravs do qual a amostra convertida em tomos no estado
gasoso. Etapa de produo de tomos no estado fundamental.
Background Rudo de fundo
Branco de reagentes Soluo que contem o/os solventes(s) e todos os reagentes
usados na anlise sem presena da amostra.
Cd Cdmio
cdo Comprimento de onda
Cu - Cobre
CV - Coeficiente de variao; uma medida de disperso que se presta para a
comparao de distribuies diferentes e corresponde razo do desvio padro pela
mdia (Cv= / ).
DMA cido dimetilarsnico
EAA Espectrofotometria de Absoro Atmica
e.g. - exempli gratia, por exemplo
Especiao qumica determinao da concentrao das diferentes formas qumicas
de um elemento numa matriz, sendo que estas espcies em conjunto constituem a
concentrao total do elemento na amostra.
xiii
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
et al. et alii, e outros
Fe - Ferro
g grama
H2SO4 cido sulfrico
H3PO4 cido fosfrico
HCl cido clordrico
HClO4 - cido perclrico
Hg - Mercrio
HNO3 cido ntrico
i.e. id est, isto
ICP-MS - Inductively coupled plasma - mass spectrometry
INML, I.P. Instituto Nacional de Medicina Legal - Instituto Pblico
IUPAC International Union of Pure and Applied Chemistry
KI Iodeto de potssio
l litro
LD Limite de deteco
Li - Ltio
LMR Limite mximo de resduo
LQ Limite de quantificao
M Molar numero de moles por litro (mol/l)
MAC maximum allowable concentration; concentrao mxima admissvel
MAP- mtodo adio padro
MgNO3 Nitrato de magnsio
ml - mililitro
MMA cido monometilarsnico
NaBH4 Borohidreto de sdio
NaOH Hidrxido de sdio
Ni - Nquel
xiv
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
ng - nanograma
NH2OH Hidroxilamina
nm - nanmetro
p.a. pro analysis, pour analise, para anlise
Pb - Chumbo
PET Polietileno
pH medida de acidez ou basicidade em meios aquosos.
PP Polipropileno
ppb - partes por bilio
ppm - partes por milho
Se Selnio
Sb - Antimnio
SRM Standard reference materials, materiais de referncia
STF Servio de Toxicologia Forense
T1/2 perodo de semivida, tempo necessrio para eliminar metade da quantidade de
uma substncia.
TMA Trimetilarsina
TOC total organic carbon
Zn - Zinco
xv
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
CAPTULO I INTRODUO
1
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
1.1. Justificao do tema escolhido
Os metais e metalides formam um importante grupo de substncias txicas que
apresentam muitas dificuldades quanto sua anlise qumica sistemtica. Nos pases
desenvolvidos o maior nmero de casos conhecidos de intoxicao por estes agentes
deve-se a intoxicao crnica, resultante da exposio ambiental ou ocupacional
(Moffat et al, 2004). No entanto, a intoxicao aguda ainda comum em pases em
desenvolvimento.
A espectrofotometria de absoro atmica (EAA ou AAS - Atomic absorption
spectrometry) uma tcnica bem estabelecida na anlise elementar ao nvel
vestigial de diferentes tipos de matrizes. Trata-se da tcnica mais vulgarmente usada
na determinao de metais e metalides (Moffat et al, 2004; Tsalev, 1995).
As tcnicas analticas para determinao destas substncias em amostras biolgicas
tm sofrido avanos considerveis desde incio dos anos 80, em particular a
espectrofotometria de absoro atmica com atomizao electrotrmica em cmara
de grafite e a espectrometria de massa com fonte de plasma acoplado indutivamente
(ICP-MS - Inductively coupled plasma mass spectrometry). No entanto, estas
tcnicas, principalmente o ICP-MS, so ainda relativamente dispendiosas, pelo que
no se encontram disponveis em muitos hospitais e laboratrios forenses para
anlises de rotina (Moffat et al, 2004).
A AAS uma tcnica com elevada sensibilidade, tendo como maior desvantagem o
facto de no permitir a anlise multi-elementar simultnea (6 elementos , at ao
momento, o nmero mximo de elementos monitorizados com alguns dos
instrumentos disponveis no mercado) (Freschi et al, 2000), o que pode ser limitante
quando os volumes de amostra so diminutos e existem diferentes elementos a
analisar. O desenvolvimento de tecnologias alternativas como o ICP-MS vem colmatar
essa situao permitindo a anlise multi-elementar com elevada sensibilidade,
apresentando no entanto como desvantagem o seu custo mais elevado de anlise e
manuteno, bem como problemas de interferncias isobricas.
A preparao das amostras para anlise por AAS envolve na maioria das situaes um
passo importante de dissoluo ou digesto. A digesto pode ser hmida em vaso
aberto ou fechado, ou ainda uma digesto seca (vide pontos 2.1.6. e 2.1.7., relativo
aos processos de digesto).
2
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
A escolha do tema Aplicao da tcnica de espectrofotometria de absoro atmica
na anlise de metais e metalides em amostras biolgicas. Preparao de amostras
por digesto com a tecnologia microondas est associada fundamentalmente a trs
aspectos:
O aspecto de maior relevncia a importncia toxicolgica que tem actualmente a
determinao deste grupo de substncias em diferentes tipos de matrizes. Os limites
mximos (LMR limite mximo de resduo) permitidos por lei em guas de consumo e
alimentos e os nveis mximos de exposio ambiental e profissional so cada vez
mais exigentes devido crescente preocupao quanto aos aspectos de sade
pblica, conduzindo optimizao dos mtodos de determinao destas substncias
no sentido de aumentar a sua fiabilidade e sensibilidade.
O controlo desses mesmos limites cada vez mais abrangente (controlo dos nveis
presentes no ar, gua, solos, alimentos, cosmticos, aditivos alimentares, plsticos,
tintas, etc.), como se pode evidenciar pela legislao publicada neste mbito (vide
ponto 2.3. Enquadramento legal). Paralelamente, o grupo de substncias controladas
aumenta tambm acompanhando as questes de sade pblica que vo surgindo (e.g.
extensa publicao de legislao relativa a novos produtos fitofarmacuticos que
devem ser controlados, bem como actualizao dos limites mximos de resduo
permitidos).
Esta realidade tem suscitado uma significativa preocupao no sentido de serem
optimizados os mtodos e tcnicas para a determinao destas substncias no mbito
da Toxicologia Forense.
O segundo aspecto prende-se com o facto de o Instituto Nacional de Medicina Legal
(INML, I.P.) dispor de um equipamento de espectrofotometria de absoro atmica
com sistema gerador de hidretos e cmara de grafite e tambm um sistema
microondas, no Servio de Toxicologia Forense (STF) da Delegao do Centro,
equipamentos esses com elevado potencial na determinao de um extenso grupo de
elementos desde que devidamente equipados, utilizados e assistidos.
do interesse da Instituio em causa rentabilizar da melhor forma os equipamentos
j adquiridos, permitindo responder s solicitaes de anlises toxicolgicas de
metais e metalides em amostras biolgicas dirigidas aos diferentes Servios de
Toxicologia Forense (Delegaes do Norte, Centro e Sul) do Instituto Nacional de
Medicina Legal.
3
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Finalmente, o terceiro aspecto, este de ordem pessoal, prende-se com o facto de
constituir um importante desafio profissional o de desenvolver e validar mtodos
numa tcnica que at ao momento me era pouco familiar. Esta seria uma forma de
ampliar e aprofundar os meus conhecimentos nas reas de Qumica Analtica e
Toxicologia Forense, aplicando a tcnica de espectrofotometria de absoro atmica
a amostras biolgicas
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Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
1.2. Objectivos
Sabendo que os metais e metalides formam um importante grupo de substncias
txicas a analisar no mbito da toxicologia forense, sendo normalmente associados a
intoxicaes crnicas, resultantes da exposio ambiental ou industrial, importante
desenvolver mtodos e tcnicas fiveis com sensibilidade suficiente destinados
determinao destas substncias, que permitam dar resposta s solicitaes dirigidas
aos diferentes Servios de Toxicologia Forense do INML I.P..
O primeiro objectivo deste trabalho estabelecer procedimentos e validar
metodologias para usar em rotina na anlise de alguns metais ou metalides em
amostras biolgicas, aplicando a tcnica de espectrofotometria de absoro atmica.
No mbito de um s processo forense frequente a requisio de um elevado nmero
de anlises (e.g. lcool etlico, drogas de abuso, medicamentos, pesticidas) o que
pressupe a existncia de uma quantidade razovel de amostra(s) que permita(m)
satisfazer todas as necessidades, o que nem sempre acontece. Este facto, bastante
limitante, deve merecer a maior ateno dos analistas e estar sempre presente cada
vez que se inicia e valida um mtodo.
Assim, objectivo deste trabalho que os mtodos criados permitam determinar o
analito em estudo usando a menor quantidade de amostra possvel.
Tendo em considerao as vantagens amplamente descritas na bibliografia quanto ao
uso da tecnologia microondas na digesto de amostras, mais concretamente, a
rapidez do processo, os menores riscos de contaminao e perda de analito, assim
como a necessidade de menor quantidade de reagentes tambm objectivo deste
trabalho testar e validar procedimentos para digesto de amostras biolgicas no
forno microondas.
5
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
1.3. mbito do Estudo
O trabalho foi desenvolvido tendo em conta os recursos, em termos de equipamento
e reagentes, disponveis no Servio de Toxicologia Forense da Delegao do Centro
do INML I.P., bem como as necessidades de resposta deste servio s anlises
toxicolgicas solicitadas em amostras biolgicas.
Assim, o estudo comeou pelo desenvolvimento do mtodo de determinao de
arsnio em amostras biolgicas e sua validao, j que este o elemento de entre o
grupo de metais e metalides cuja anlise mais vezes solicitada.
O trabalho a desenvolver encontrava-se partida limitado ao estudo de quatro
elementos: Arsnio, Chumbo, Cobre e Mercrio, devido ao equipamento disponvel
adquirido pelo STF na sequncia das opes tomadas quanto aos elementos que
consideraram importantes determinar.
Esta dissertao incidir sobre o desenvolvimento e os resultados obtidos no mbito
da validao do mtodo de determinao de arsnio em amostras biolgicas, tendo
sido impossvel reunir em tempo til os dados necessrios validao dos mtodos de
determinao dos restantes elementos. Esses mtodos envolvem o desenvolvimento
de procedimentos de preparao e anlise de amostras individualizados.
Relativamente s tcnicas analticas disponveis, a espectrofotometria de absoro
atmica associada a diferentes equipamentos (com tcnicas de atomizao e
condies espectrofotomtricas diferentes) consoante o elemento a determinar: mais
concretamente, no caso da determinao de arsnio, a AAS associada ao sistema
gerador de hidretos, na determinao de mercrio aplicada a tcnica de
atomizao de vapor frio e na determinao de chumbo e cobre aplica-se o sistema
de atomizao electrotrmica em cmara de grafite. Adicionalmente, a anlise de
cada elemento implica o desenvolvimento de um procedimento da preparao da
amostra individualizado.
Estes factores contribuem para a elevada sensibilidade e selectividade das tcnicas
de espectrofotometria atmica, sendo tambm a principal razo da dificuldade em
determinar metais e metalides de forma sistemtica.
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CAPTULO II REVISO DA LITERATURA
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2.1. Enquadramento Terico - Estado da Arte
A espectrofotometria atmica usada em determinaes qualitativas e quantitativas
de aproximadamente 70 elementos. A sensibilidade destes mtodos atinge
tipicamente gamas de concentrao na ordem dos ppm (partes por milho) at ppb
(partes por bilio) (Skoog et al, 1992).
Outras vantagens destes mtodos so a rapidez, a elevada selectividade e custos
relativamente moderados.
O estudo espectrofotomtrico dos tomos (ou de ies elementares tais como Fe+, Mg+
ou Al+) atravs da aplicao da radiao ultravioleta ou visvel s possvel se estes
se encontrarem no estado gasoso, onde os tomos ou ies se encontram bem
separados uns dos outros. Consequentemente, o primeiro passo de todos os
procedimentos de espectrofotometria atmica a atomizao, ou seja, o processo a
partir do qual a amostra volatilizada e decomposta de forma a produzir um gs
composto por tomos. A eficincia e reprodutibilidade do passo de atomizao
determinam em grande parte a sensibilidade do mtodo, preciso e exactido. por
isso, o passo mais crtico da espectrofotometria atmica (Skoog et al, 1992).
A classificao dos mtodos de espectrofotometria atmica baseada na forma como
a amostra atomizada. No quadro que se segue resumem-se os mtodos existentes.
Note-se que a temperatura de atomizao varia consideravelmente segundo o
mtodo de atomizao adoptado.
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Quadro I - Classificao dos mtodos de espectrofotometria atmica.
Mtodo de
atomizao
Temperatura de
atomizao (C)
Base do
mtodo
Nome comum do mtodo e
abreviatura (portugus/ingls)
Absoro Espectrofotometria de absoro atmica (EAA) / Atomic absorption spectroscopy (AAS)
Emisso Espectrofotometria de emisso atmica (EEA) / Atomic emission spectroscopy (AES)
Chama 17003150
Fuorescncia Espectrofotometria de fluorescncia atmica (EFA) / Atomic fluorescence spectroscopy (AFS)
Absoro Espectrofotometria electrotrmica de absoro atmica (EEAA) / Electrothermal atomic absorption spectroscopy (ETAAS)
Electrotrmico 1200-3000
Fluorescncia Espectrofotometria electrotrmica de fluorescncia atmica (EEFA) / Electrothermal atomic fluorescence spectroscopy (ETAFS)
Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de plasma acoplado indutivamente / Inductively coupled plasma emission spectroscopy (ICP-AES)
Plasma acoplado indutivamente
6000-8000
Fluorescncia Espectrofotometria de fluorescncia com fonte de plasma acoplado indutivamente / Inductively coupled plasma fluorescence spectroscopy (ICP-AFS)
Plasma de correntecontinua
6000-10000 Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de plasma de corrente continua / Direct current plasma spectroscopy (DCP)
Arco elctrico 4000-5000 Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de arco elctrico / Arc-source emission spectroscopy
Fasca 40000(?) Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de fasca elctrica/ Spark-source emission spectroscopy
Adaptado a partir de Skoog et al, 1992.
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A espectrofotometria atmica um mtodo que conjuga trs tcnicas com uso
analtico, como constatado na tabela anterior: a emisso atmica, a absoro
atmica e a fluorescncia atmica. Para perceber a relao entre estas tcnicas
necessrio entender o prprio tomo e o processo atmico envolvido em cada uma
das tcnicas.
O tomo constitudo por um ncleo rodeado de electres. Cada elemento tem um
nmero especfico de electres que est associado ao ncleo atmico e organizado
sob a forma de uma estrutura orbital caracterstica de cada elemento. Os electres
ocupam as orbitais de uma forma ordenada e previsvel. O estado mais baixo de
energia, ou seja, a configurao electrnica mais estvel do tomo conhecido como o
estado fundamental, a configurao orbital normal para o tomo. Se for
transmitida ao tomo uma determinada quantidade de energia, esta ser absorvida
pelo tomo e um electro da orbital vai ser promovido para uma orbital superior de
energia, originando uma configurao electrnica menos estvel, o chamado estado
excitado. Dada a instabilidade desta configurao, o tomo ir regressar ao seu
estado fundamental imediata e espontaneamente. O electro ao regressar sua
posio estvel na orbital, ir emitir radiao com energia equivalente inicialmente
absorvida no processo de excitao (Beaty e Kerber, 1993).
A figura seguinte ilustra o processo de excitao e decaimento. Note-se que no passo
(1) do processo, a excitao conseguida devido ao fornecimento de energia,
enquanto que o passo (2), o decaimento, ocorre espontaneamente.
Fig.1 - Processo de excitao e decaimento (Beaty e Kerber, 1993).
O comprimento de onda (designado abreviadamente como cdo) da radiao
emitida est directamente relacionado com a transio electrnica que ocorreu.
Como cada elemento tem uma estrutura electrnica nica, o cdo da radiao
emitida caracterstico de cada elemento. Quanto mais complexa a configurao
orbital de um tomo (maior o tomo, maior a complexidade) mais transies
electrnicas podero ocorrer. Cada transio resulta na emisso de luz ou radiao
com cdo caracterstico como ilustrado na figura seguinte ( 1, 2 ou 3).
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Fig.2 - Ilustrao de possveis transies electrnicas (Beaty e Kerber, 1993).
O processo de excitao e decaimento aplicado nos trs campos da
espectrofotometria de absoro atmica. A energia absorvida no processo de
excitao ou a emitida no processo de decaimento medida e usada com fins
analticos.
Na emisso atmica, a amostra sujeita a uma elevada energia, temperaturas
elevadas, para produzir tomos no estado excitado, capazes de emitir luz. A fonte
energtica pode ser elctrica, a chama, e mais recentemente o plasma. O espectro
de emisso de um elemento sujeito a esta energia constitudo por um conjunto de
cdo de emisso permitidos, normalmente designados linhas de emisso, devido
sua natureza discreta. Este espectro de emisso pode ser usado como nica
caracterstica para identificar qualitativamente o elemento. A emisso atmica
usando arco elctrico tem sido muito usada para anlise qualitativa.
Na anlise quantitativa, a intensidade da luz emitida ao cdo do elemento a
determinar medida, sendo a sua intensidade proporcional ao nmero de tomos do
elemento presentes. A tcnica de fotometria de chama uma aplicao da emisso
atmica para anlise quantitativa.
Se a luz de um cdo especfico atingir um tomo livre no seu estado fundamental, o
tomo pode absorver essa luz, passando para o estado excitado por um processo
denominado absoro atmica.
Fig.3 - Processo de absoro atmica (Beaty e Kerber, 1993).
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A capacidade que um tomo tem de absorver luz a um determinado cdo, usada
na tcnica de espectrofotometria de absoro atmica.
2.1.1. A Espectrofotometria de Absoro Atmica
Atomic absorption spectrometry (AAS) is a
spectroanalytical procedure for the qualitative
detection and quantitative determination of elements
employing the absorption of optical radiation by free
atoms in the gaseous state (citado por Welz e Sperling,
1999, texto original de Norma Alem DIN 51401-1,
Beuth-Verlag, Berlin; 1992).
Esta tcnica permite determinar quantitativamente, com sensibilidade suficiente,
mais de 60 elementos. A sua aplicao apropriada a determinaes de rotina
mesmo com operadores relativamente pouco treinados (Skoog et al, 1992).
Na absoro atmica a grandeza que interessa medir a quantidade de radiao que
absorvida, ao cdo de ressonncia de um determinado elemento, aps atravessar
uma nuvem de tomos. medida que o nmero de tomos existentes no caminho que
a luz atravessa aumenta, a quantidade de luz absorvida tambm aumenta de uma
forma possvel de prever, de acordo com os princpios da lei de Beer1. Medindo a
quantidade de luz (ou radiao) absorvida, torna-se possvel a determinao
quantitativa do analito (elemento) presente (Beaty e Kerber, 1993)
A utilizao de fontes de luz especficas e a seleco cuidadosa dos cdo permite a
determinao quantitativa de um determinado elemento na presena de outros.
A nuvem atmica necessria s medies em absoro atmica produzida atravs
do fornecimento de energia trmica suficiente amostra, de forma a permitir a
dissociao dos compostos qumicos, molculas em tomos livres.
Ao aspirar uma soluo contendo a amostra e lan-la numa chama devidamente
alinhada relativamente ao feixe de luz do cdo de interesse, conseguimos atingir
esse objectivo. Usando a chama em condies adequadas a maioria dos tomos
1 A Lei de Beer enuncia que a absorvncia directamente proporcional concentrao das espcies responsveis pelo processo de absoro, em determinadas condies experimentais: A=axbxc, onde A a absorvncia, a o coeficiente de absoro, uma constante que caractersticas das espcies absorventes, b o comprimento do caminho percorrido pela luz na clula de absoro, e c a concentrao das espcies absorventes.
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mantm-se no seu estado fundamental ficando aptos a absorver energia ao cdo
caracterstico de uma fonte (lmpada) (Beaty e Kerber, 1993).
2.1.2. Determinao de Metais e Metalides Evoluo e importncia toxicolgica.
Historicamente verifica-se que os metais e metalides tm sido usados com alguma
frequncia como substncias txicas. Isto acontece provavelmente porque a maioria
destas substncias potente, grande parte no tem propriedades organolpticas
(cheiro, sabor, cor), encontram-se disponveis com alguma facilidade e produzem
sintomas pouco caractersticos, similares a inmeras doenas (Moffat et al, 2004).
Consequentemente, a suspeita de intoxicao por este grupo de substncias
raramente considerada. Por exemplo, a substituio de uma ou duas cpsulas de
um medicamento prescrito por xido de arsnio, pode ter resultados fatais dando a
aparncia de um suicdio por overdose.
Os metais so provavelmente o grupo de substncias txicas mais antigo conhecido
do homem. Supe-se que o chumbo comeou a ser utilizado perto do ano de 2000
a.C..
Hipcrates, em 370 a.C., descreveu a primeira clica abdominal de um homem que
trabalhava na extraco de minrio (Casarett e Doulls, 1996).
No sc. IV a.C., Aristteles escreve sobre um substncia que hoje conhecida como
sendo o sulfureto de arsnio (De Guevara e Pueyo, 1995)
O arsnio (As) e mercrio (Hg) so citados por Theophrastus de Erebus em 310 a 287
a.C. e por Plnio, O Velho, no sc. I a.C. (Casarett e Doulls, 1996; De Guevara e
Pueyo, 1995).
O arsnio era obtido a partir da fundio do cobre e estanho e foi usado como
elemento decorativo dos tmulos egpcios. No entanto, muitos dos metais com
importncia toxicolgica nos nossos dias so conhecidos do homem h relativamente
pouco tempo. Por exemplo, o cdmio foi reconhecido pela primeira vez nas minas de
carbonato de zinco em 1817.
Cerca de 80 dos 105 elementos da tabela peridica so considerados metais, mas
menos de 30 foram identificados como substncias txicas para o homem (Casarett e
Doulls, 1996).
Normalmente os elementos deste grupo mais vulgarmente associados a intoxicaes
so o arsnio, antimnio, chumbo, ltio, mercrio e tlio (Moffat et al, 2004).
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Este grupo de substncias poderia ser analisado por rotina quando se verificam
sintomas como vmitos e diarreia. Se este fosse o procedimento escolhido, ento
deveriam aplicar-se em primeira anlise, testes simples qualitativos, como exemplo
o Teste de Reinsch (teste normalmente aplicado anlise de contedo de estmago
e resduos, que detecta sete metais txicos entre eles o arsnio, antimnio, bismuto
e mercrio).
Ficam, no entanto, muitos outros metais por testar, no podendo ser considerado um
teste completo de excluso de um grupo de txicos. Trata-se, por isso, como j atrs
referido, de um grupo que apresenta muitas dificuldades quanto sua anlise
sistemtica.
Os sinais e sintomas de toxicidade aguda podem diferir dos associados toxicidade
crnica. Algumas substncias deste grupo, como o arsnio, sofrem uma extensa
metabolizao aps serem ingeridas. Estes factores so de elevada relevncia nas
investigaes analticas aplicadas a amostras biolgicas e na sua interpretao.
importante saber partida se a intoxicao resultante de exposio aguda, crnica
ou de ambas em simultneo. De igual importncia o tempo que vai desde a
ingesto ou exposio at colheita da amostra.
A colheita das amostras deve ser efectuada com extremo cuidado, bem como a
seleco das anlises toxicolgicas.
No existe uma via simples e sistemtica para investigar casos onde a histria
incerta e a identidade das substncias txicas desconhecida. O investigador
normalmente usa o processo de excluso de hipteses, iniciando a sua investigao
nas causas mais comuns de intoxicao (substncias ilcitas e medicamentosas),
seguindo-se um exame detalhado da histria do paciente ou vtima, em particular o
possvel acesso a compostos de uso industrial ou agrcola. Da a importncia da
informao disponibilizada ao investigador para a conduo da prpria investigao.
Os mtodos de anlise de metais mais vulgarmente usados so os colorimtricos,
electroqumicos, a espectrofotometria de absoro atmica, a espectrofotometria
electrotrmica de absoro atmica, a espectrofotometria de emisso com fonte de
plasma acoplado indutivamente e a espectrometria de massa com fonte de plasma
acoplado indutivamente (Moffat et al, 2004).
A investigao da exposio crnica a metais txicos deve revestir-se de grandes
cuidados relativamente ao controlo da preciso e exactido dos resultados analticos.
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Deve recorrer-se a materiais que permitam efectuar um rigoroso controlo de
qualidade interna dos resultados, assim como participar em exerccios de controlo de
qualidade externa como o caso dos ensaios interlaboratoriais. S assim se podem
obter resultados analticos irrefutveis e de elevado nvel de confiana que podem
usar-se como elemento de prova.
2.1.3. O metalide arsnio e seus compostos.
O arsnio e alguns compostos dele derivados so considerados dos txicos de maior
relevncia na histria da humanidade. J no sc. V a.C. o arsnio era considerado um
veneno comum; a quantidade de personagens famosas supostamente envenenadas
por esta substncia interminvel (Calabuig, 2004; De Guevara e Pueyo, 1995) (vide
ponto 2.1.5 relativo a intoxicaes por arsnio).
Paracelso, na primeira metade do sc. XVI, introduz compostos de arsnio na
teraputica humana (De Guevara e Pueyo, 1995), tendo sido usado medicinalmente
durante sculos.
A sua fase urea como agente teraputico deu-se no final do sc. XIX a meados do
sc. XX. Os compostos de arsnio eram empregues no tratamento de dermatoses
como a psorase, eczemas, acne, lquen plano, leishmaniose e sfilis (Gontijo e
Bittencourt, 2005).
O arsnio difcil de caracterizar como elemento nico, a sua qumica muito
complexa, existindo inmeros compostos diferentes de arsnio. Est presente em
mais de 200 espcies minerais sendo a mais comum a arsenopirite (Casarett e
Doulls, 1996; INCHEM, 2001). Pode encontrar-se em quatro estados de oxidao
diferentes: -3, 0, +3 e +5 e est extensamente distribudo na natureza,
representando uma preocupao para a sade humana quando se concentra no meio
ambiente, quer atravs de processos naturais, quer antropognicos (Germolec et al,
1998). Em ambientes redutores, a forma predominante o arsenito As (III) - e em
ambientes oxidados, a forma mais estvel e geralmente encontrada o arsenato
As(V) (INCHEM, 2001).
Do ponto de vista estrutural o arsnio As (0) - no um metal verdadeiro, mas sim
um metalide, tambm designado semi-metal, apresentando caractersticas
intermdias entre os metais e os no-metais. Outros exemplos de elementos
metalides so: o boro, silcio, germnio, antimnio e telrio. Alguns autores incluem
arbitrariamente o polnio e o astato nessa lista.
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Trata-se do vigsimo elemento mais abundante na crosta terrestre. Encontra-se
presente em todos os organismos vivos, podendo apresentar variaes considerveis
na sua concentrao em tecidos humanos (vide Tabela 1) devido a factores como a
dieta, a exposio ambiental e ocupacional. A mdia de consumo dirio de arsnio
por um adulto cerca de 0,025 a 0,033 mg/kg/dia (Baselt, 2004).
Segundo alguns autores, a maior fonte de exposio humana ocupacional nos nossos
dias ao arsnio a produo de pesticidas, herbicidas e outros produtos agrcolas
(Baselt, 2004; Casarett e Doulls, 1996; De Guevara e Pueyo, 1995), onde se consome
80% do arsnio usado industrialmente. Outras aplicaes deste elemento so a
indstria farmacutica, a indstria do vidro, cermica e metalrgica.
De acordo com relatrio da INCHEM, 2001 (Chemical Safety Information from
Intergovernmental Organizations) os processos industriais considerados como maiores
fontes de contaminao antropognica do ar, gua e solo com este elemento so a
explorao mineira, a fundio de metais no-ferrosos e a queima de resduos e
combustveis fsseis.
Considera-se, tambm, que a maior fonte no-ocupacional de exposio a este
elemento em primeiro lugar a ingesto de alimentos e de gua. Em algumas reas,
a gua ingerida a principal fonte de exposio ao arsnio inorgnico (vide ponto
2.1.5. sobre casos de intoxicao por arsnio na ndia e Bangladesh).
Pode concluir-se, com base na bibliografia consultada, que as maiores fontes de
contaminao com arsnio variam consoante a rea geogrfica que estivermos a
considerar (estrutura geolgica), assim como com o nvel de desenvolvimento e o
tipo de indstria presente nessa rea.
Alguns dados, mas ainda algo limitados, indicam que 25% do arsnio presente nos
alimentos inorgnico, mas isso depende muito do tipo de alimentos ingerido. No
peixe e marisco o nvel de arsnio inorgnico baixo (< 1%), enquanto que na carne,
cereais e outros alimentos ingeridos diariamente, esse nvel superior.
Num fumador, a contribuio do arsnio inalado pode atingir aproximadamente os
10 g/dia, enquanto que num no fumador essa contribuio ronda o 1 g/dia
(INCHEM, 2001).
Existem trs modos principais de biotransformao do arsnio no meio ambiente
(INCHEM, 2001):
(a) Transformao redox entre arsenito e arsenato.
(b) Reduo e metilao do arsnio.
(c) Biosntese de compostos orgnicos de arsnio.
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Os compostos de arsnio so absorvidos pelo organismo por diferentes vias: inalao,
ingesto ou contacto.
2.1.3.1 Metabolismo e excreo
Uma dose administrada de arsnio distribui-se por todo o organismo, encontrando-se
em maior proporo nos msculos. excretada quase na sua totalidade (cerca de
90%) pelo rim num espao de 6 dias, encontrando-se uma pequena fraco nas fezes
(Baselt, 2004; De Guevara e Pueyo, 1996).
A maior parte do arsnio trivalente ingerido rapidamente excretado na urina, na
forma de cido dimetilarsnico (50% - DMA/dimethylarsinic acid), cido metilarsnico
(14% - MAA/methylarsonic acid), arsnio pentavalente (8%) e arsnio trivalente (8%);
os compostos orgnicos de arsnio, como os encontrados em marisco, so excretados
sem alterao na urina.
Um estudo de Johnson e Farmer, 1991, referido por Baselt, 2004, mostrou que uma
dose nica de arsnio pentavalente, ministrada a voluntrios, excretada na urina
num espao de 7 dias, na forma de DMA (57-69%), MAA (9-18%), As(V) (9-10%) e As(III)
(12-15%).
O arsnio apresenta elevada afinidade pela pele e excretado pelo processo de
descamao da pele e atravs do suor, principalmente durante os perodos de maior
sudao.
um elemento que se concentra nas unhas e cabelo. Quando se concentra nas unhas
produz as chamadas linhas de Mee2 (Casarett e Doulls, 1996). No cabelo pode
tambm reflectir uma exposio anterior ao elemento, no entanto preciso
distinguir o arsnio intrnseco ou sistematicamente absorvido, do arsnio depositado
superfcie proveniente de fontes externas (vide ponto 2.1.4.3. sobre a importncia
das amostras de cabelos e unhas na determinao de arsnio).
2.1.3.2 Anlise de Arsnio
O arsnio pode ser determinado por diferentes tcnicas analticas. A anlise por
activao neutrnica (NAA- Neutron activation analysis) uma tcnica sensvel e
fivel que permite a determinao deste analito ao nvel dos ng/g. No entanto, esta
tcnica tem um uso limitado devido ao nmero restrito de reactores nucleares
2 Estrias ou bandas encontradas nas unhas, brancas e transversais.
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essenciais irradiao das amostras (Tsalev, 1995; ATSDR, 2005). Em Portugal
dispomos de um nico reactor nuclear, o Reactor Portugus de Investigao (RPI),
instalado no Instituto Tecnolgico e Nuclear situado em Sacavm, Lisboa.
Podem aplicar-se modernos mtodos voltamtricos que conseguem atingir limites de
deteco na ordem dos 0,1 a 0,2 g/L.
O ICP-AES (Inductively coupled plasma atomic emission spectrometry) no
suficientemente sensvel para determinar arsnio em amostras biolgicas, sendo
necessrio um passo de pr-concentrao da amostra, o que se consegue aplicando
tcnicas como a gerao de hidretos, a destilao, a troca inica e armadilhas de
frio. Estas tcnicas provaram ser eficazes na diminuio dos limites de deteco em
cerca de uma a duas ordens de magnitude quando comparadas com os ensaios
directos (Tsalev, 1995).
A combinao HPLC-ICP-AES (High performance liquid chromatography - ICP-AES)
tem sido til em estudos de especiao do arsnio.
O ICP-MS (Inductively coupled plasma mass spectrometry) mais sensvel, tendo j
sido aplicado a vrias matrizes biolgicas (ossos, peixe e marisco, alimentos,
plasma/soro, sangue, tecidos, etc). Ao aplicar esta tcnica, preciso ter em conta a
possibilidade de existirem interferncias espectrais devido presena de 40Ar35Cl, o
que justifica a remoo do cloro das amostras de urina por precipitao na forma de
cloreto de prata (AgCl).
A tcnica HG-ICP-MS (Hydride generation-ICP-MS) permite atingir limites de deteco
muito baixos. A combinao do ICP-MS com cromatografia inica e HPLC tem sido
aplicada com sucesso, em estudos de especiao do arsnio.
A tcnica FAAS (Flame atomic absorption spectrometry) no adequada
determinao de arsnio, assim como a ETAAS (Electrothermal atomic absorption
spectrometry) devido grande absoro de background e perdas por volatilizao.
Finalmente, a tcnica HG-AAS (Hydride generation atomic absorption spectrometry)
est entre as melhores tcnicas disponveis para a anlise vestigial de arsnio
(ATSDR, 2005; Tsalev, 1995), apresentando inmeros aspectos positivos, como
exemplo a separao/enriquecimento on line, a automatizao atravs da aplicao
de sistemas de injeco e fluxo contnuo (FIAS - Flow injection automatic system), a
rapidez na anlise das amostras e a possibilidade de efectuar estudos de especiao.
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Apesar da indiscutvel popularidade da aplicao desta tcnica determinao de
arsnio (mais de 500 publicaes), este ensaio envolve processos qumicos
complexos, sendo muito susceptvel a vrias fontes de erro (Tsalev, 1995) devido a:
(a) Pr-tratamento da amostra.
(b) Comportamento especfico das diferentes espcies de arsnio As3+, As5+.
(c) Interferncias.
A partir de solues contendo arsnio inorgnico trivalente As(III) ou As3+, AsO33-,
AsO2- e outras espcies hidrolisadas/complexadas, produzida a arsina (AsH3) com
elevado rendimento dentro de um vasto intervalo de pH (desde solues
praticamente neutras at solues com 9 a 10M HCl).
As concentraes tpicas de cido clordrico (HCl) encontram-se entre 0,5 a 2M, mas
um aumento na acidez prefervel para melhor controlo das interferncias e maior
rapidez na pr-reduo do As (V) a As (III).
Por outro lado, impraticvel usar concentraes acima de 5-6M HCl devido
obteno de brancos de reagentes com leituras elevadas de absorvncia, devido ao
elevado consumo de reagentes, bem como devido maior corroso da clula de
quartzo e de todo o equipamento analtico.
Existe uma boa tolerncia utilizao de outros cidos como, H2SO4, HClO4 e H3PO4,
que podem no entanto aumentar a leitura dos brancos e diminuir a sensibilidade (em
medies de absorvncia em funo da altura do pico).
Apesar de alguns autores aceitarem a presena de pequenas quantidades de HNO3,
este cido pode oxidar o analito (passando para As (V)), e o Iodeto a I2, causando
instabilidade na leitura das solues de As (III) e depresso no sinal.
O arsnio inorgnico pentavalente ou As (V) um dos estados de oxidao tpicos
deste analito. Esta espcie forma arsina muito mais lentamente e s na presena de
elevadas concentraes de cido (> 0,1M HCl). Sendo assim, o sinal produzido por
esta espcie inferior ao produzido pelo As(III).
Isto explica o facto de a maioria dos procedimentos na tcnica HGAAS serem
baseados nas medies da espcie que produz um maior sinal, ou seja o As (III),
envolvendo sempre um passo de pr-reduo de qualquer arsenato a arsenito.
Salienta-se ainda o facto de que a aplicao da tcnica de gerao de hidretos ao
arsnio pentavalente ser mais susceptvel ocorrncia de interferncias.
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A pr-reduo do analito ao estado trivalente demora cerca de 1 hora, sendo muito
afectada quanto rapidez, extenso da reduo e estabilidade das solues pela
presena de resduos de agentes oxidantes e da matriz.
A seguir apresentam-se os agentes de pr-reduo mais eficientes (Tsalev, 1995):
(a) KI-cido ascrbico-HCl diludo (para a maior estabilidade das solues e maior
tolerncia a interferncias)
(b) L-cistena
(c) KI-tiouria-HCl diludo
(d) Tiouria -cido ascrbico
(e) KI- tiouria -cido ascrbico
(f) NH2OH.HCl-KI-HCl diludo
(g) NH2OH.HCl-KI-cido oxlico.
A pr-reduo on line est a tornar-se cada vez mais vulgar devido aos sistemas de
fluxo contnuo e fluxo e injeco automticos.
A concentrao do agente redutor, NaBH4 (Borohidreto de sdio), no crtica para
este analito e encontra-se habitualmente entre 2 a 3% m/v, 0,5 a 1% m/v e 0,2 a
0,6% m/v, caso se aplique um sistema onde a anlise feita na forma de lotes ou em
fluxo contnuo.
As solues redutoras a baixas concentraes, so preferveis para um melhor
controlo das interferncias da fase lquida e obteno de brancos de reagentes com
leituras de absorvncia mais baixas.
Estas solues para serem mais estveis devem ser ligeiramente alcalinizadas (por
exemplo, 0,05 a 1% m/v NaOH).
Para alm de algumas possveis interferncias, uma outra fonte de erro comum nas
determinaes de arsnio a sub-estimativa do arsnio orgnico. Neste caso, o uso
do mtodo adio padro totalmente ineficiente, aconselhando-se o uso da
correco de background cada vez que se estuda uma nova matriz ou se aplica um
novo procedimento.
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2.1.3.3 Determinao de arsnio por espectrofotometria de absoro
atmica em amostras biolgicas.
A literatura dedicada determinao de arsnio por absoro atmica extensa.
Como j referido anteriormente, existem problemas srios nestes ensaios devido ao
passo crucial analtico de pr-tratamento da amostra. Estes problemas encontram-se
referenciados em inmeros textos e so bem ilustrados pela falta de concordncia
entre resultados interlaboratoriais.
A contaminao com arsnio, durante a amostragem e armazenamento de amostras
biolgicas menos provvel do que a contribuio dos brancos (ao nvel dos
nanogramas) durante o passo de decomposio da amostra.
O armazenamento a baixas temperaturas (-25C) de amostras frescas de fgado e
amostras esterilizadas / liofilizadas (experincia efectuada com materiais de
referncia - SRM) no evidenciou diferenas significativas quando comparado com os
resultados de amostras armazenadas em azoto lquido (-80C) num perodo at cerca
de 7 anos (Tsalev, 1995).
Foi no entanto observado por Zeisler et al, 1988, uma tendncia de diminuio das
concentraes de arsnio encontradas no material de referncia NIST SRM 1577
(fgado de bovino) aps 10 anos de armazenamento.
Sabbioni e seus colaboradores (Sabbioni et al, 1990) estudaram perodos mais curtos
de armazenamento a temperaturas mais elevadas, verificando que podiam manter
amostras de soro em tubos de polipropileno durante 10 dias a 5C, e amostras de
urina em tubos de polietileno durante pelo menos 45 dias, a -20C, sem verificar
alteraes.
Alguns procedimentos tornaram-se populares devido decomposio incompleta da
matria orgnica (por exemplo digestes pressurizadas em autoclaves), dando
resultados inferiores ao esperado pela tcnica de HG-AAS. Sabe-se que se podem
obter resultados de arsnio mais baixos quando se analisam tecidos marinhos e urina,
porque estas amostras so ricas em espcies de arsnio dimetiladas. O mesmo
acontece quando se aplicam as digestes em vaso aberto s com HNO3, mesmo sob
condies de refluxo.
As digestes pressurizadas podem ser usadas como um pr-tratamento de digesto e
depois serem completadas em vaso aberto, usando uma mistura ternria de cidos
(HNO3, HClO4 e H2SO4) ou ento por digesto seca na presena de MgNO3.
21
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
As digestes mais fiveis e vulgarmente utilizadas so as digestes hmidas baseadas
na mistura ternria: HNO3-HClO4-H2SO4 (Tsalev, 1995).
Outras digestes hmidas que utilizam outras misturas de cidos como, por exemplo,
as misturas HNO3-H2SO4 e HNO3-HClO4, no so recomendadas devido sua baixa
eficcia na digesto de amostras com elevado teor em gorduras e amostras contendo
compostos orgnicos de arsnio persistentes, como o caso das espcies de arsnio
dimetiladas e feniladas. Recomenda-se a utilizao de temperaturas na ordem dos
250-300C para garantir a obteno de uma digesto completa, reduzindo
consideravelmente os oxidantes residuais que se libertam sob a forma de vapores de
SO3, no deixando chegar secura (Tsalev, 1995; Wasilewska et al, 2002).
Os estudos de especiao do arsnio tm-se revelado um permanente desafio nas
ltimas trs dcadas.
Apesar de estar longe de ser aplicada de forma rotineira, a especiao do arsnio
tem muito mais interesse para alm do acadmico e da pura investigao. Podem
enumerar-se algumas implicaes do ponto de vista prtico que permitem esclarecer
o interesse dos estudos de especiao do arsnio: as diversas espcies deste analito
so muito diferentes quanto sua mobilidade, disponibilidade e tambm toxicidade.
Podemos classificar as diferentes espcies de arsnio quanto sua toxicidade da
seguinte forma (toxicidade decrescente) (Tsalev, 1995):
As3- (arsina) >> [AsO33-] (arsenito) > [AsO43-] (arsenato) > [H4As+] X- (compostos de
arsnio) > As, As3+ > As5+ > MMA > DMA > AB, AC.
Geralmente considera-se o arsnio inorgnico mais txico que o orgnico e a forma
trivalente mais txica que a pentavalente (INCHEM, 2001).
Sendo assim, a diferenciao entre as diferentes fontes de arsnio, o arsnio
resultante da exposio ocupacional ou nutricional, tm importncia para que se
evite a m interpretao dos resultados.
Alguns protocolos recomendam uma dieta excluindo peixe e marisco durante 3 a 5
dias antes de uma determinao de arsnio, pois se isso no for respeitado, o arsnio
da proveniente (ao nvel dos g/g) contribui para a excreo urinria de espcies de
As como AB, AC, DMA, TMA, etc., de baixa toxicidade e disponibilidade.
A determinao de arsnio inorgnico em urina (considerado toxicologicamente
relevante) por anlise directa com HG-AAS e o arsnio total (orgnico e inorgnico)
aps decomposio da amostra j uma prtica comum. H, no entanto, que
considerar as drsticas diferenas no comportamento das vrias espcies de arsnio,
nomeadamente:
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(a) Diferentes respostas por HG-AAS.
(b) Ineficincia dos modificadores qumicos.
(c) Persistncia dos compostos orgnicos de arsnio em muitos processos
oxidativos comuns.
2.1.4. A seleco das amostras
A seleco das amostras adequadas anlise e a sua correcta conservao so
requisitos indispensveis a uma investigao toxicolgica.
No ponto anterior 2.1.3.3, foram discutidas brevemente algumas questes relativas
conservao das amostras destinadas anlise de arsnio. De seguida, apresentam-se
os principais aspectos relacionados com a seleco de amostras para esta anlise.
A concentrao de arsnio em amostras biolgicas muito baixa, apresentando
variaes considerveis entre os diferentes tipos de amostra. Tambm apresenta
muitas variaes de indivduo para indivduo (Tsalev, 1995; INCHEM, 2001).
Na Tabela I encontram-se resumidos valores de referncia de diferentes amostras
biolgicas compilados a partir de diversas fontes bibliogrficas.
Tabela I: Valores de referncia da concentrao de arsnio em diversas amostras biolgicas.
Valores de Referncia de Arsnio em Sangue (g/ml) :
Normal 0,002 a 0,07 (TIAFT, 2007)
0,002 a 0,06 (Baselt, 2004)
< 0,001 (ATSDR, 2007)
0,008 0,004 (Tsalev, 1995)
< 0,03 (Calabuig, 2004)
< 0,010 (Moffat et al, 2004)
0,001 a 0,004 (Casarett e Doulls, 1996)
Txica 0,05 a 0,25 (TIAFT, 2007)
0,02 a 2,00 (Baselt, 2004)
0,1 a 0,2 (ATSDR, 2005)
0,004 a 0,050 (Casarett e Doulls, 1996)
Letal 9 a 15 (TIAFT, 2007)
0,6 a 9,3; valor mdio 3,3 (Baselt, 2004)
> 1 (ATSDR, 2005)
> 0,5 (Moffat et al, 2004)
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Valores de Referncia de Arsnio em Urina (g/ml) :
Normal 0 a 0,1 (TIAFT, 2007)
0,01 a 0,30 (Baselt, 2004)
< 0,1 (ATSDR, 2007)
< 0,01 (Moffat et al, 2004)
< 0,01 (Casarett e Doulls, 1996)
Intox. Crnica 0,2 a 1,0 (TIAFT, 2007)
0,02 a 2,00 (Baselt, 2004)
> 0,1 (ATSDR, 2005)
> 0,1 (Casarett e Doulls, 1996)
Intox. Aguda > 1,0 (TIAFT, 2007)
> 0,5 (Moffat et al, 2004)
Valores de Referncia de Arsnio em Cabelo (mg/Kg) :
Normal < 1 (Baselt, 2004)
< 1 (ATSDR, 2007)
0,06 0,55 e 0,002 0,85(Tsalev, 1995)
< 1 (Calabuig, 2004)
Intox. Crnica 1 a 5 (Baselt, 2004)
Valores de Referncia de Arsnio em Unhas (mg/Kg) :
Normal 0 a 1,7; valor mdio 0,252 (Baselt, 2004)
< 1 (ATSDR, 2007)
Valores de Referncia de Arsnio no Rim (mg/Kg) :
Normal 0 a 0,068; valor mdio 0,011 (Baselt, 2004)
Intox. Fatais 0,2 a 70; valor mdio 15 (Baselt, 2004)
Valores de Referncia de Arsnio em Figado (mg/Kg) :
Normal 0 a 0,092; valor mdio 0,033 (Baselt, 2004)
Intox. Fatais 2,0 a 120; valor mdio 29 (Baselt, 2004)
Valores de Referncia de Arsnio no Pulmo (mg/Kg) :
Normal 0 a 0,085; valor mdio 0,007 (Baselt, 2004)
Intox. Fatais ??
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Valores de Referncia de Arsnio no Crebro (mg/Kg) :
Normal 0 a 0,025; valor mdio 0,009 (Baselt, 2004)
Intox. Fatais 0,2 a 4,0; valor mdio 1,7 (Baselt, 2004)
Valores de Referncia de Arsnio no Bao (mg/Kg) :
Normal ??
Intox. Fatais 0,5 a 62; valor mdio 8,8 (Baselt, 2004)
Sendo o arsnio um analito que apresenta grandes dificuldades na sua determinao,
quer devido amostragem, quer devido a erros analticos, deve fazer-se uma
ressalva de que muitos dos resultados encontrados na bibliografia podero estar
incorrectos. No entanto, ser natural verificar uma grande variabilidade nos nveis de
arsnio encontrados na urina, no cabelo, nas unhas, no sangue, no soro, na pele etc.,
porque a sua concentrao fortemente influenciada por diversos factores como, por
exemplo, a exposio ambiental, ocupacional e a dieta.
Os principais indicadores biolgicos de exposio ao arsnio so, por diversas razes,
como se explica em seguida, o sangue, a urina, o cabelo e tambm as unhas.
2.1.4.1 A amostra de sangue
Devido ao curto perodo de semi-vida do arsnio (T1/2: 7h) (Baselt, 2004), o estudo
dos nveis deste elemento no sangue s tem utilidade poucos dias aps uma
exposio aguda, no sendo til para avaliar se existe exposio crnica, a menos
que se faa uma avaliao continuada dos nveis de arsnio de um indivduo exposto
de forma crnica a este elemento (Casarett e Doulls, 1996; INCHEM, 2001).
Dados da colheita: 10ml de sangue em tubo com K-EDTA.
2.1.4.2 A amostra de urina
O arsnio encontrado na urina o melhor indicador de uma exposio actual ou
recente, no entanto deve ter-se em considerao os alimentos ingeridos nos dias
anteriores determinao, j que alguns organismos marinhos contm concentraes
elevadas de arsnio orgnico que, como referido anteriormente, excretado sem
qualquer metabolizao, alterando significativamente o resultado de arsnio obtido,
podendo gerar interpretaes erradas.
25
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Apesar da anlise da urina colhida durante 24 horas (urina de 24h) ser considerada a
amostra ideal, pois inclui as flutuaes registadas nas taxas de excreo do arsnio, a
maioria dos estudos de exposio a este elemento usam a primeira colheita de urina
da manh ou ento uma colheita ao acaso, devido maior facilidade do
procedimento.
De qualquer forma, verificou-se que a colheita da primeira urina da manh
correlaciona-se bem com a urina de 24h (ATSDR, 2002).
Para diagnosticar uma exposio crnica ao arsnio conveniente efectuar a sua
determinao nas amostras de urina, cabelo e/ou unhas, sendo estas as amostras
biolgicas de eleio nos estudos toxicolgicos de arsnio (Casarett e Doulls, 1996;
Baselt, 2004; ATSDR, 2005).
Dados de colheita: 20ml de urina em contentor de plstico universal, sem
necessidade de conservantes.
2.1.4.3 As amostras de cabelo e/ou unhas
O cabelo e unhas so essenciais na avaliao da exposio a este elemento no
passado, no entanto podem existir problemas de interpretao devido possvel
existncia de contaminao externa.
A concentrao de arsnio na raiz do cabelo encontra-se em equilbrio com a
concentrao no sangue. O arsnio depositado no cabelo medida que este vai
crescendo. Isto acontece porque o cabelo rico em queratina, protena esta que
contm muita cistena, um aminocido que proporciona a fixao do arsnio de
forma irreversvel devido ao seu grupo tiol (tambm designado sulfidril: R{-S-H}). O
mesmo fenmeno explica a afinidade do arsnio pela pele e sua concentrao nas
unhas.
Medindo a concentrao de arsnio ao longo do cabelo, podemos obter uma medida
integrada da exposio ao arsnio durante o perodo de tempo correspondente ao
crescimento do cabelo em estudo.
Sabe-se que a taxa de crescimento do cabelo em mdia 1 cm/ms, portanto um
segmento de cabelo com 5 cm de comprimento vai corresponder aproximadamente a
5 meses de crescimento (ATSDR, 2001).
A contaminao externa pode originar nveis elevados de arsnio no cabelo. A
contaminao pelo ar, gua, solo, ou mesmo partculas de p podem depositar-se no
cabelo ligando-se sua superfcie. Este arsnio pode ser resistente s lavagens,
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originando resultados elevados de arsnio (vide ponto 3.6.2 sobre preparao das
amostras de cabelo e/ou unhas para anlise).
A contaminao externa do cabelo aumenta potencialmente em cabelos compridos,
que estiveram durante muitos meses ou anos expostos. O arsnio externamente
ligado ao cabelo no tem qualquer actividade biolgica ou significado toxicolgico.
Dados de colheita: 0,5 g de cabelo colhido o mais prximo da raiz, por exemplo,
atrs junto nuca. Esta quantidade de cabelo corresponde a uma mecha de cabelo
com o dimetro aproximado de um lpis de carvo. Convm ser colocado em tubo de
plstico, percebendo-se qual o lado da raiz e assim se manter at chegar ao local
onde se realiza a anlise.
A anlise pode efectuar-se tambm em unhas, aconselhando-se a colheita de cerca
0.5 g de unhas acondicionadas em contentor de plstico.
27
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2.1.5. A intoxicao por arsnio alguns casos e curiosidades
Na Idade Mdia, o arsnio (mais precisamente o trixido de arsnio p branco, sem
sabor, nem cheiro) foi o veneno de eleio, tendo-se mantido essa preferncia at
incio do sc. XX (Gontijo e Bittencourt, 2005). Isto porque os sintomas eram
semelhantes aos da clera, bastante comum na altura, resultando na no deteco
das intoxicaes por arsnio.
A intoxicao com arsnio quer acidental, quer deliberada, associada a inmeras
doenas e mortes de personagens muito conhecidas da histria. Apresentam-se, em
seguida, alguns exemplos de (alegadas ou comprovadas) vtimas da intoxicao por
arsnio.
A sade de George III da Inglaterra (1736-1820) foi sempre motivo de preocupao
enquanto este reinou. Ele sofreu periodicamente de mal-estar fsico e problemas
mentais sendo necessrio, por diversas vezes, afast-lo dos seus deveres. Em 1969,
investigadores afirmaram que os episdios de loucura e outros sintomas fsicos eram
devido a porfria, doena que tambm tinha sido identificada em outros membros da
sua famlia. Em 2004, estudos efectuados em amostras de cabelo deste rei revelaram
nveis de arsnio extremamente elevados, que poderiam justificar os sintomas que
ele apresentava em vida. Em 2005, um artigo do jornal mdico The Lancet sugere
que a fonte do arsnio encontrado nas amostras poderia ser o antimnio usado como
constituinte do tratamento mdico do rei. Estes dois minerais so encontrados
vulgarmente nos mesmos solos, e a extraco mineral efectuada naquela altura no
era suficientemente eficaz para eliminar o arsnio dos compostos que contm
antimnio (Wikipedia, 2006).
Existe tambm uma famosa teoria que defende que Napoleo Bonaparte (1769-1821),
sofreu e morreu de intoxicao por arsnio durante o seu cativeiro na ilha de Santa
Helena. Amostras forenses do seu cabelo mostraram nveis de arsnio 13 vezes acima
do considerado normal. No entanto, isto no prova que tenha ocorrido intoxicao
deliberada de Napoleo pelos seus inimigos.
O arsenito de cobre era extensamente usado como pigmento nos papis de parede,
muito usados na altura, pelo que surgiu a suspeita de que a libertao microbiolgica
de arsnio para o meio ambiente pudesse causar intoxicao por este elemento. No
entanto, a ausncia de amostras autnticas deste papel de parede, no permite
sustentar esta teoria.
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Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Alm desta hiptese, existe tambm a suspeita de que o arsnio presente nas
amostras de cabelo possa ser resultado de contaminao externa proveniente dos
solos da sepultura onde Napoleo Bonaparte esteve inicialmente durante 20 anos, na
ilha de Santa Helena (Wikipedia, 2006).
Charles Francis Hall (1821-1871), um explorador americano, morreu repentinamente
durante a sua 3 expedio ao rctico, a bordo do navio Polaris. Depois de beber uma
chvena de caf, ele sentiu-se gravemente doente, durante uma semana sofreu de
vmitos e delrios, tendo acusado vrios companheiros de expedio de o
envenenarem, devido a graves desentendimentos. Mais tarde, em 1968, o bigrafo de
Hall, Chancey C. Loomis, procedeu exumao do corpo do explorador. Foram
analisadas amostras de osso, unhas e cabelo, cujos resultados mostraram que ele
teria sido intoxicado com elevadas doses de arsnio durante as suas ltimas duas
semanas de vida.
Causa de morte essa, que consistente com os sintomas relatados pelos
companheiros de expedio (Wikipedia, 2006).
Os pintores impressionistas usavam frequentemente o pigmento designado como
verde-esmeralda. Este pigmento constitudo essencialmente por compostos de
arsnio, suspeitando-se que tenha sido responsvel pela intoxicao acidental de
alguns pintores como Cezanne, que desenvolveu uma diabetes grave (trata-se de um
sintoma caracterstico da intoxicao por arsnio). A cegueira de Monet ou mesmo as
perturbaes psquicas de Van Gogh, podem tambm ter sido parcialmente devidas
ao uso do verde-esmeralda. A intoxicao com outras substncias vulgarmente
usadas, como o absinto, os pigmentos de chumbo e de mercrio e outros solventes
como a turpentina3, podem ser factores que tambm contriburam para os casos aqui
apontados (Steven Marcus, 2007).
So vrios os sistemas do nosso organismo que podem ser afectados pelo arsnio,
nomeadamente a pele, o aparelho respiratrio, o cardiovascular, o imunitrio, o
urinrio e rgos genitais, o sistema reprodutivo, gastrointestinal e o sistema nervoso
(INCHEM, 2001).
3 Fluido obtido a partir da destilao da resina recolhida das rvores.
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Fig. 4 Exemplos de leses na pele devido ao consumo de gua potvel contaminada com arsnio no Bangladesh (Safiuddin e Karin, 2001) (imagem disponvel em: http://www.eng-consult.com/pub/ArsenicIEB.pdf)
Os compostos inorgnicos solveis de arsnio so extremamente txicos, a sua
ingesto em doses elevadas conduz ao aparecimento de sintomas gastrointestinais
(dores abdominais fortes e vmitos), distrbios no funcionamento dos sistemas
cardiovascular e nervoso (cefaleias, delrios), podendo causar a morte.
Nos sobreviventes a uma intoxicao por arsnio podem observar-se os seguintes
sintomas, depresso da medula ssea4, hemlise5, hepatomegalia6, melanoses7,
polineuropatias8 e encefalopatias9.
Inmeros estudos epidemiolgicos mostraram que a exposio crnica ao arsnio, por
exemplo devido ingesto de guas contaminadas, est relacionada com o aumento
do risco de cancro na pele, pulmes, bexiga, rim, fgado e prstata, assim como com
outras alteraes na pele, tais como hiperqueratose10 e alteraes na pigmentao
(INCHEM, 2001; Germolec et al, 1998).
A relao causa/efeito, quanto s propriedades cancergenas deste elemento, foi
confirmada quando se verifica a ingesto de gua contaminada com As 50g
arsnio/litro.
A exposio ocupacional ao arsnio, principalmente por inalao est associada ao
aparecimento do cancro no pulmo.
4 Diminuio da produo das clulas sanguneas. 5 Destruio dos eritrcitos e libertao de hemoglobina no sangue circulante. 6 Aumento do fgado ou fgado hipertrfico. 7 Hiperpigmentao da pele. 8 Distrbio neurolgico devido a leses nervosas perifricas. 9 Patologias cerebrais, transtornos do sistema nervoso central (SNC). 10 Resultante de uma produo excessiva de protenas, denominadas queratinas.
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Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
A exposio crnica ao arsnio em Taiwan foi associada doena designada como
Blackfoot disease (BFD), uma forma severa de doena do sistema vascular perifrico,
que conduz a situaes de gangrena. Esta doena no foi documentada noutros locais
do mundo e estes achados em Taiwan podero estar associados tambm a outros
factores contributivos. Existem, no entanto, outras evidncias reunidas a partir de
estudos efectuados em vrios pases, que sustentam a tese de que a exposio ao
arsnio causa outras formas de doenas do sistema vascular perifrico (INCHEM,
2001).
A contaminao das guas subterrneas e o impacto negativo dessa contaminao no
homem foi j registado em vinte e trs pases. A situao particularmente grave na
ndia e no Bangladesh (Rahman et al, 2005).
Estes dois casos de contaminao de guas subterrneas deram j origem a inmeras
publicaes cientficas, onde so relatados os problemas de sade pblica
encontrados, as tcnicas analticas e de amostragem usadas na avaliao desta
contaminao (Van Geen et al, 2003; Smith et al, 2000; Roychowdhury et al, 1999;
Tondel et al, 1999; Chowdhury et al, 2000; Rahman et al, 2001; Chowdhury et al,
2001; Chakraborti et al, 2002; Rahman et al, 2002; Mandal et al, 2002; Guha
Mazumder et al, 2000).
O estudo relativo contaminao de vrias regies da ndia j dura h mais de vinte
anos. Analisando a figura que se segue (Fig.5) podemos ter uma ideia actualizada da
extenso dessa contaminao.
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Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
Fig.5 - Mapa que ilustra os nveis de contaminao com arsnio das guas subterrneas de Bengala Ocidental - ndia. Imagem retirada da Internet em 2008 Fev 20. Disponvel em: http://www.soesju.org/arsenic/wb.htm
Nos ltimos anos, surgiram evidncias de contaminao das guas subterrneas
noutros pases asiticos, incluindo por exemplo o Cambodja, Myanmar e Paquisto.
Estes nveis de contaminao e a sua relao com leses encontradas na pele
tambm foram relatados no Nepal, Vietname, Iro e outras regies.
As notcias, quer nacionais, quer internacionais ilustram a preocupao que existe ao
nvel ambiental e de sade pblica relativamente a esta substncia.
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Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
De acordo com investigadores nesta rea, cerca de 140 milhes de pessoas,
principalmente em pases em desenvolvimento, esto a ser envenenadas por arsnio
na gua potvel (BBC, 2007).
Em Portugal, em diferentes regies, ao longo do tempo, foram-se registando nveis
de arsnio em gua potvel acima do limite mximo permitido (10g/l), como se
pode evidenciar pelas notcias recolhidas em vrios sites da internet ou atravs de
consulta dos relatrios anuais sobre qualidade das guas de consumo do IRAR
(Instituto Regulador de guas e Resduos; disponvel em www.irar.pt ):
Vilares continua a beber gua contaminada da rede () a pior
situao verifica-se na aldeia de Valbom (Vila Flor) que h 4 anos
consecutivos detm o galardo do mais alto nvel de arsnio do pas
(Jornal de Notcias, 2004). Entre 2000 a 2003 encontraram-se valores
de arsnio na gua da rede 15 a 80 vezes superiores ao limite mximo
permitido.
Em Baio, autotanques substituem fornecimento de gua
contaminada com arsnio(RTP, 2005).
Cerca de 60 mil portugueses bebem gua com arsnio a mais ()
portugueses consumiram gua contaminada com doses excessivas de
arsnio em 2004. Este um dos principais problemas que ressaltam dos
dados de base do ltimo relatrio anual sobre a qualidade da gua em
Portugal, divulgado pelo Instituto Regulador de guas e Resduos (IRAR)
no final do ano passado.(Jornal O Pblico, 2006)
33
Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses
2.1.6. O processo de digesto das amostras
Apesar da digesto ser um processo sobejamente conhecido e extensamente usado
desde h muito tempo em inmeras determinaes analticas, muitos investigadores
continuam ainda a procurar o mtodo de digesto ptimo.
Este processo fundamental, j que a escolha inadequada do mtodo de digesto
pode causar importantes erros que culminam na perda dos elementos de interesse,
por exemplo, por adsoro na matria orgnica residual ou por contaminao das
amostras atravs de contaminantes provenientes do ar, dos recipientes do
laboratrio ou pelo uso de cidos com pureza insuficiente (Loska, 2006).
Normalmente so usados dois tipos de digesto: a digesto hmida ou a digesto
seca.
O processo de digesto seca consiste na incinerao da matria orgnica desde os
450 aos 800C em vasos abertos. O uso deste tipo de digesto encontra-se limitado
devido volatilidade das ligaes de alguns elementos. A adio de determinados
compostos como, por exemplo, xido de magnsio (MgO) ou nitrato de magnsio
(Mg(NO3)2) diminui a volatilidade dos elementos e acelera a decomposio da
amostra. Infelizmente, este processo tem a desvantagem de consumir muito tempo.
No processo de digesto hmida a matria orgnica decomposta aplicando cidos
concentrados com efeito oxidante. Os cidos ntrico, sulfrico e perclrico so os
mais comuns.
A digesto hmida pode ocorrer em sistema aberto ou fechado, vulgarmente
designados por digesto hmida em vaso aberto ou digesto hmida em vaso
fechado. De entre os sistemas anteriores, a digesto em vaso aberto a mais
popular, no entanto esta encontra-se limitada devido s baixas temperaturas de
decomposio que podem ser aplicadas. As temperaturas de digesto no podem
exceder o ponto de ebulio de um determinado cido ou mistura de cidos presso
atmosfrica.
Outras desvantagens deste tipo de digesto so um maior risco de contaminao, a
necessidade de usar maior volume de cidos e finalmente a perda de analito devido
sua volatilidade.
A digesto em vaso fechado diminui o risco de contaminao e perdas de analito
causadas pela volatilidade dos elementos.
Nos ltimos anos a digesto com microondas tem vindo a ganhar popularidade. A
aplicao da tecnologia microondas, de um modo geral, diminui o tempo de
34
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preparao da amostra possibilitando igualmente a digesto completa da matria
orgnica. Tambm reduz a perda de elementos e a contaminao da amostra quando
comparada com outros mtodos de digesto.
Um mtodo de digesto aplicando microondas pode ser 10 a 100 vezes mais rpido do
que um mtodo tradicional, dependendo do material que est a ser tratado.
2.1.7. Estudo dos processos de digesto
Neste trabalho estudou-se a hiptese de aplicao da tecnologia microondas na
digesto de amostras biolgicas para determinao de arsnio, assim como o
processo de digesto hmida em vaso aberto.
O processo de digesto por microondas consiste