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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
AS POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, SUA
SUSTENTABILIDADE E AS DEFINIÇÕES DO
ESPAÇO URBANO
POR: MARIO VASCONCELLOS FERNANDES
ORIENTADORA
PROFª MARIA POPPE
RIO DE JANEIRO
2008
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
AS POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, SUA
SUSTENTABILIDADE E AS DEFINIÇÕES DO
ESPAÇO URBANO
Monografia apresentada na disciplina de
Metodologia Científica da Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Gestão
Pública.
Por: Mario Vasconcellos Fernandes
RIO DE JANEIRO
2008
3
AGRADECIMENTO
"Ser mestre não é apenas lecionar, ensinar não é
apenas transmitir o conteúdo programático. Ser
mestre é ser orientador e amigo, guia e
companheiro, é caminhar com o aluno passo a
passo. É transmitir a este os segredos da
caminhada. Ser mestre é ser exemplo de dedicação,
de doação, de dignidade pessoal e de amor”
. Meu agradecimento sincero aos Professores do
curso de Gestão Pública da UNICAM pela
persistência, pela dedicação e pela postura
dispensada a mim e a todos os meus colegas de
turma.
4
“Não existem comunidades
excluídas, e sim comunidades
perversamente incluídas”
Milton Santos (geógrafo)
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RESUMO
Este trabalho discute o papel do Estado como empreendedor de
conjuntos habitacionais de interesse social e a melhor escolha do espaço urbano,
assim como os possíveis ganhos especulativos para os proprietários de terra,
resultante da escolha da localização dos empreendimentos. Entende-se que a
localização de empreendimentos habitacionais é um indutor de desenvolvimento
urbano e tem implicações diretas na qualidade de vida urbana do usuário, pelas
distâncias que estabelece em relação aos serviços e comércios urbanos. Discute-
se a definição e implantação de uma política de aquisição e provisão de terras que
tem como objetivos a progressiva redução dos custos de implantação, de serviços,
de infra-estrutura urbana e a interrupção do processo de crescimento urbano,
dispersos nas periferias das cidades na tentativa de impedir a exclusão social de
seus habitantes. Por fim, destaca-se a aplicação dos instrumentos do Estatuto da
Cidade, que amplia as possibilidades dos poderes públicos municipais de
adquirirem terras em áreas já urbanizadas, diminuindo os ganhos especulativos. e
visando ações favoráveis de fortalecimento do Poder decisório na construção da
sustentabilidade, pois ainda prevalecem na formulação de políticas públicas,
práticas como clientelismo, assistencialismo e autoritarismo – configurando um
cenário pouco participativo, onde os diferentes atores sociais atuam segundo seus
próprios interesses.
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METODOLOGIA
A metodologia para o desenvolvimento deste projeto se baseou em um
conteúdo teórico e científico sobre o tema proposto, através de livros, textos
científicos, internet e outros. Após o levantamento dos textos, houve a
necessidade de realizar uma pesquisa documental e bibliográfica, com reflexões a
cerca do tema lido. Foi priorizado a metodologia qualitativa buscando ter respaldo
teórico em todos os questionamentos realizados. Assim como também foi
priorizada a construção teórica-metodológica do objeto de estudo, sendo realizado
um levantamento bibliográfico – analítico sobre a temática central do objeto e de
outros temas que estavam ligados a ele. Dentre as bibliografias levantadas,
destaco CAMPOS FILHO (2003) em “Reinvente seu bairro” aonde o autor
identifica os padrões espaciais urbano como produtos da estrutura social; e
SANTOS JUNIOR (1995) em “A Reforma Urbana: por um novo modelo de
planejamento e gestão das cidades” aonde o autor retrata que ao parcelar, ou
permitir o parcelamento da cidade, de forma desordenada, criando vazios, o Poder
Público se alia aos especuladores imobiliários.
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SUMÁRIO
Introdução.......................................................................................................................7
Capítulo I - Os problemas na questão da localização no espaço urbano.....................10
1.1.- As ações do capital imobiliário especulativo....................................................12
Capítulo II – As concepções de sustentabilidade política..............................................14
2.1 – A sustentabilidade no âmbito local..................................................................17
2.2 – Gestão Pública e democrática na ótica da sustentabilidade política...............19
2.3 – O papel dos agentes sociais nas políticas públicas habitacionais..................21
Capítulo III - O Direito de Preempção exercido pelo Poder Público .............................23
3.1 – Concepções modernas de ação do poder público no território.......................24
3.2.- A Política de localização Habitacional aplicada a PMDC.................................25
Capítulo IV - A contribuição do Estatuto da Cidade na ocupação do Solo Urbano ......28
4.1 – O Plano Diretor como instrumento de Gestão da Cidade ..............................33
Conclusão.....................................................................................................................35
Referências...................................................................................................................37
8
INTRODUÇÃO
O objetivo do tema é o de discutir o impacto causado na localização de
empreendimentos habitacionais de interesse social na qualidade de vida da
população atendida, no meio ambiente construído, na sustentabilidade e no
desenvolvimento urbano, além de um breve retrospecto do Direito de Preempção
exercido pelo Poder Público Municipal.
Inicia-se com uma reflexão sobre o processo de produção do espaço urbano
nas cidades brasileiras, sob a ótica de autores como Campos Filho “Reinvente seu
bairro” (2003) , Massena, Vetter “Quem se apropria dos benefícios líquidos dos
investimentos do Estado em infra-estrutura urbana” (1981), e do próprio Congresso
Nacional quando da edição da Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que criou o
Estatuto da Cidade.
Acrescenta-se ainda neste artigo o debate sobre a dimensão política da
sustentabilidade na escala local, que tem como objetivo formas públicas e
participativas de gestão. Nesse contexto os atores inseridos no processo de
elaboração de diretrizes de políticas públicas devem receber do poder gestor
municipal possibilidades no controle de recursos para decisões políticas.
Em seguida apresenta-se um depoimento pessoal do autor deste trabalho
quando Secretário Municipal de Governo em um município da baixada fluminense,
que através da Secretaria Municipal de Obras, estudou-se projetos quanto da
questão de escolha da localização de conjuntos habitacionais, buscando sua
proximidade com áreas já urbanizadas, mesmo que os custos de aquisição dos
9 terrenos fossem mais altos, na tentativa de impedir a produção de vazios urbanos e a
formação periferias urbanas dispersas e desestruturadas.
Por fim, ressalta-se a importância, como já citado, do Estatuto da Cidade e,
consequentemente, do Plano Diretor como instrumento de gestão das cidades ,
destacando que a aplicação de seus instrumentos urbanísticos possibilitará um maior
controle do uso e ocupação do solo urbano, diminuindo os ganhos especulativos com
a criação de vazios urbanos e ampliando as possibilidades de o Poder Público
adquirir áreas já urbanizadas e fazer cumprir o preceito constitucional da função
social da propriedade.
10
CAPÍTULO I
OS PROBLEMAS NA QUESTÃO DA LOCALIZAÇÃO NO
ESPAÇO URBANO.
Nos países capitalistas, como o caso do Brasil, o espaço urbano resultante
do padrão de acumulação, adquire um perfil cada vez mais perverso, o que contribui
para aumentar ainda mais as desigualdades sociais, com um aumento significativo da
deterioração das condições de vida de amplas parcelas da população; da poluição
ambiental às carências de serviços urbanos; das dificuldades de transportes às más
condições de habitação; da insuficiência de lazer ao aumento da criminalidade.
Para Campos Filho (2003), o espaço urbano resulta de um processo de
desenvolvimento social, no qual diferentes atores e agentes sociais desempenham
seus papéis, cada qual marcando sua intervenção, de acordo com seus próprios
interesses objetivos. Esses atores são, fundamentalmente, as classes dominantes, as
classes dominadas e o Estado. Na concretização das articulações entre esses
agentes, cabe ao capital privado o papel dinâmico e impulsionador do processo de
produção do espaço urbano.
As áreas produzidas pela e para a burguesia são também produzidas pela
ação do Estado no espaço urbano (em seus três níveis de governo, particularmente o
municipal) e a especulação imobiliária deriva da ação dos agentes imobiliários,
principalmente da atuação do Estado no atendimento as demandas das classes altas
e médias, provendo de acessibilidade, infra-estrutura urbana e equipamentos sociais,
o que gera ainda mais valorização imobiliária.
11 Vários autores tratam dessas questões. Para Vetter e Massena (1981), a
segregação é uma manifestação da renda fundiária urbana que se correlacionam com
o poder político e econômico e o papel desses poderes na pressão sobre o Estado,
de modo a promover uma distribuição desigual dos investimentos em infra-estrutura.
A pesquisa retratada na obra de Vetter e Massena mostra a atuação desigual do
Estado no espaço urbano e na produção de melhoramentos públicos no município do
Rio de Janeiro entre1938 e 1965.
Para o capitalismo, o valor de uso da cidade reside no fato de ser uma força
produtiva, porque concentra as condições gerais de produção capitalista, que, por
sua vez, são condições de produção da força de trabalho. E, além disso, toda
atividade produtiva tem necessidade de uma base espacial, portanto, todo produtor
deve dispor de um poder de propriedade do solo, um controle efetivo do uso de uma
fração da terra. No caso da agricultura, o solo pode ser um elemento da produção ou
pode ser uma simples base da produção, como para a maioria das industrias. Porém,
a produção imobiliária é o único setor para o qual cada processo produtivo implica o
uso de um novo solo; ao terminar a obra, a empresa construtora deve dispor de um
novo terreno. Uma das condições do capital industrial da construção é o solo, como
obstáculo recorrente, que reaparece no começo de cada ciclo produtivo. Ë um
obstáculo porque o solo urbano não é reprodutível e é um objeto de propriedade
privada; em outros termos, é monopolizável. O solo urbano possui regras próprias de
valorização, como por exemplo, retenção de um imóvel para gerar escassez forçada
como forma de elevar seu preço. O solo afeta essencialmente a produção imobiliária.
Assim, a cidade fundamentada na lógica capitalista não se limita a um
espaço ocupado pela vida urbana e pelo sistema produtivo, pois ela mesma se
transforma em negócio, patrocinado pelos empreendedores imobiliários. A cidade
capitalista, que serve de base física para o desenvolvimento capitalista, é formada por
um conjunto de mercadorias imobiliárias cujos produtores, em geral, tem em vista o
12 lucro. Assim sendo, são os agentes imobiliários que produzem a cidade, entre os
quais se incluem as empresas de construção civil, os promotores, os, as empresas de
crédito imobiliário, os corretores e os proprietários de terra. Além desses agentes,
nas cidades de países em desenvolvimento como o Brasil existem outros, tais como o
loteador clandestino, o posseiro, o intermediário dos cortiços, os auto-construtores,
marginalizados do mercado formal, e os agentes promotores públicos, os quais
produzem a moradia popular, serviços e infra-estrutura urbana. Estes, por meios de
seus órgãos executores de serviços públicos, produzem ou contratam empresas
privadas para produzir o saneamento básico, a infra-estrutura urbana, os sistemas
viários e de transportes. Com isso, promovem também a valorização do solo. Esta
se vincula estreitamente aos problemas sociais, econômicos e políticos
administrativos, decorrentes da dinâmica urbana, sobretudo das classes sociais de
menores condições.
1.1 - As ações do capital imobiliário especulativo.
No processo de produção do espaço urbano, por causa da especulação
imobiliária, acarretam desequilíbrios intra-urbanos; excessiva verticalização nas áreas
centrais (saturadas e congestionadas, exigindo do Estado a substituição da infra-
estrutura por outra com maior capacidade de suporte); e excessiva horizontalização
das periferias urbanas, com altos custos de urbanização e ocupação rarefeita,
intercaladas de vazios urbanos, ociosamente estocados, na expectativa de
valorização imobiliária. Como conseqüência, encarecem os serviços urbanos, o
comercio, os produtos industriais, o transporte e a mão-de-obra, que necessita de
maiores salários para o atendimento às suas condições básicas de vida.
13 Surgem diferentes valores de troca de imóveis urbanos, os quais são
fortemente influenciados pela distribuição espacial da população na cidade; a
população de baixa renda é excluída das áreas bem atendidas pela infra-estrutura e
equipamentos públicos, alojando-se nas periferias, em geral em áreas de risco e
insalubres, acentuando-se as desigualdades sociais existentes.
Problemas como a pouca ou precária disponibilidade de áreas, elevado
preço da terra, crescimento e expansão urbana em curto espaço de tempo, e
aumento de favelas e loteamentos irregulares (sem infra-estrutura básica e
equipamentos sociais) são comuns em nossas cidades. Dados recentes do Ministério
do Meio Ambiente revelam que o número de favelas nas grandes cidades brasileiras
vem aumentando ininterruptamente. Em reportagem publicada no Jornal O Globo de
03 de junho de 2007, relata um levantamento do Ministério Público em parceria com o
Exército, revelando que as quatro favelas situadas na região mais nobre da Zona Sul
do Rio de Janeiro, praticamente dobraram de tamanho nos últimos 40 anos,
avançando sobre a mata atlântica, aonde as comunidades consumiram um total de
548 mil metros quadrados de floresta, o equivalente a 64 campos de futebol.
Segundo Campos Filho (2003), ao parcelar, ou permitir o parcelamento da
cidade, de forma desordenada, criando esses vazios, o Poder Público se alia aos
especuladores imobiliários. É a lógica da desordem. Assim sendo, ao prover de infra-
estrutura de transportes e de serviços as áreas isoladas da trama urbana, o Poder
Público agrega valor a cada propriedade, principalmente às áreas vazias e seu
entorno imediato, independentemente da vontade de cada proprietário; este valor
representa um ganho privado, ou melhor, trata-se de uma apropriação privada de
valor produzido coletivamente, na forma de renda fundiária.
14 Quanto mais o crescimento horizontal se acentua, mais o patrimônio
imobiliário privado do centro urbano e adjacentes cerca-se de investimentos públicos,
consolidando a formação da chamada renda diferencial, gerada pela valorização
imobiliária desigual.
15
CAPÍTULO II
AS CONCEPÇÕES DE SUSTENTABILIDADE POLÍTICA.
O debate sobre sustentabilidade encontrado na literatura tem suas bases no
movimento ambientalista, sendo que uma ampla bibliografia já vem criticando o uso
conceitual do termo somente para a dimensão ambiental. Nesse caminho, Acselrad
(2003) examina a discussão que tem se pautado predominantemente pelo recurso a
categorizações socialmente vazias, com noções evocadas, que não contemplam a
diversidade social e as contradições, pautadas somente no campo técnico e
descoladas da dinâmica da sociedade e das lutas sociais. Como exemplo cita as
definições do relatório Brundtland e do Banco Mundial, que são caracterizadas pelo
efeito que querem atingir e não pelos processos sócio-políticos que deverão ser
acionados para que se alcance o desenvolvimento suposto.
A concepção do desenvolvimento sustentável é vista como favorável para a
comunidade internacional, porém, dificilmente se observam compromissos e metas
além do discurso que visa o crescimento econômico, pois se encontra, ainda,
vinculada e subordinada ao mercado e à ideologia que o sustenta.
O relatório Brundtland define desenvolvimento sustentável como “aquele que
se propõe a satisfazer as necessidades presentes sem comprometer a satisfação das
necessidades das gerações futuras”. Na definição do Banco Mundial, a afirmação é
que esse desenvolvimento é pautado em estabelecer “iguais condições de acesso
aos recursos naturais às diferentes gerações”. Nota-se um corte intergeracional que
abdica a diversidade social no futuro e no presente.
16 Na construção do conceito de desenvolvimento sustentável, Acselrad (2003)
e Leroy (1997), no debate sobre as novas premissas da sustentabilidade
democrática, apontam que a “sustentabilidade tende a ser entendida como o
processo pelo qual as sociedades administram as condições materiais de sua
reprodução, redefinindo os princípios éticos e sócio-políticos que orientam a
distribuição de seus recursos ambientais”. Desse modo, desenvolve-se a tese quanto
a re-significação do desenvolvimento pelos atores sociais, quando estes partem para
o campo das lutas sociais na conformação de novos espaços de produção e
reprodução.
Nesse trabalho, a argumentação é de sustentar a idéia de que, “não obstante
a importante questão da capacidade analítica e os limites do conhecimento científico,
o desafio do desenvolvimento sustentável é, antes de mais nada, um problema
político e de exercício de poder, que coloca em pauta a questão das instituições
político-administrativas, da participação e do processo político”.
Nesse sentido os autores relacionam outras dimensões ligadas à construção
do desenvolvimento sustentável, não se restringindo a ambiental e a econômica.
Identificam-se, por exemplo, as dimensões política e social, quando a
sustentabilidade é construída através de sujeitos políticos atuantes em seu ambiente
sócio-econômico-cultural, recebendo do poder público possibilidades no controle de
recursos para decisões políticas.
Utilizando tais dimensões em estratégias para a construção da
sustentabilidade urbana, buscamos resultados em que ocorra o predomínio de
políticas e ações capazes de garantir uma sustentabilidade comprometida com a
justiça social, nos seus aspectos distributivos e espaciais, eliminando a desigualdade
no acesso aos frutos da civilização material.
17 Dentre as estratégias expostas pelos autores têm-se: a) o resgate das
funções sociais do Estado para garantir o direito à cidade (atendimento aos direitos
básicos, a construção da cidadania e combate a especulação e privatização dos bens
naturais e das ações públicas a partir da construção de políticas públicas e de sua
democratização); b) a defesa pelos atores. Essas dimensões estão relacionadas e
conceituadas em “SILVA, Sandra Regina Mota. Indicadores de Sustentabilidade
Urbana: as perspectivas e limitações da operacionalização de um referencial
sustentável. São Carlos: UFSCar/ Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, (2000).
Dissertação de Mestrado”. A autora define as dimensões ambiental, social,
econômica e política, destacando seus princípios e estratégias gerais. Para o aspecto
político a autora coloca estratégias como a “criação de mecanismos que incrementem
a participação da sociedade nas tomadas de decisões, reconhecendo e respeitando
os direitos de todos, superando as práticas e em considerar o espaço como instância
social onde se possam construir novos modelos de desenvolvimento, baseados no
planejamento sócio-político que favoreçam a distribuição de renda, justiça social e
mecanismos que garantam acesso menos desigual aos recursos naturais e
ambientais que integram a variedade de meios construídos do espaço urbano
brasileiro; c) a gestão democrática em todos os níveis da federação para possibilitar a
participação da população no planejamento, na operação e governo das cidades, das
metrópoles e no desenvolvimento da política urbana nacional.
Observa-se, na literatura atual referente à sustentabilidade, a incorporação
de discussões político-sociais. Há nelas um consenso quanto ao estágio desafiador
para os conselhos de gestão municipal, visto o poder articulador da sociedade civil na
escala local.
Nessa escala existem contradições e conflitos, principalmente quanto à
definição do papel de cada ator social. Leroy (2002) atenta para a necessidade de
pactos entre os setores da sociedade na formulação e execução de políticas públicas,
onde tais setores estejam abertos a reais transformações, que aceitem negociar e,
18 portanto, sacrificar algum interesse particular no compromisso de se engajar nas
políticas pactuadas.
Para que isso aconteça torna-se fundamental a criação de espaços para que
a sociedade participe e possa exercer a democracia participativa. Somente assim,
afirma Leroy (2002), a sustentabilidade política será alcançada, “com a
democratização da sociedade e a democratização do Estado, a democratização de
um sendo condição da do outro”.
Como visto, dentro de um projeto de desenvolvimento sustentável, a
sociedade deve estar em condições de gerar e conduzir suas próprias políticas,
valendo o exercício da cidadania como instrumento gestor. O que se observa, apesar
dos esforços políticos de alguns atores, é que a sociedade parece não ter se
apropriado de sua posição de agente. A questão que se coloca aqui é como se
podem constituir atores sociais que participem da gestão local na construção do
desenvolvimento sustentável.
2.1 - A sustentabilidade no âmbito local.
Uma das metodologias utilizadas para atingir o desenvolvimento sustentável
é a do desenvolvimento local que dirige as ações na sensibilização da comunidade
para suas vocações e potencialidades, explorando as vantagens locais através de um
processo participativo, democrático e solidário, envolvendo governo, entidades de
classe, organizações políticas de exclusão e permitindo o exercício da cidadania
ativa”.
19 Entende-se por potencialidades regionais não somente os recursos naturais
do local, mas também as não governamentais e lideranças comunitárias.
As práticas locais têm como objetivos introduzir novos valores à gestão, tais
como participação, planejamento, estratégia, acompanhados pela valorização das
tradições locais, que ajudariam a fortalecer a identidade regional.
Nesse contexto eleva-se o papel das gestões como principais articuladoras e
impulsionadoras de uma nova dinâmica dentro das administrações municipais. Grazia
e Queiroz (2001) afirmam que apesar das limitações, as prefeituras, em graus
diferenciados, assumem parte de um poder real que tem condições de induzir
processos sociais.
A efetivação de políticas públicas supõe que sejam abertos espaços
institucionais adequados à negociação e ao pacto entre os atores sociais relevantes,
com o devido suporte técnico-operacional, assim como a captação de recursos
financeiros necessários ao cumprimento dos propósitos pactuados. Logo, além da
comunidade ter que assumir o papel de comunidade agente e empreendedora, as
prefeituras e secretarias devem induzir políticas de participação e captar recursos e
espaços para a sua implementação.
Brandão (2003) questiona a idéia do poder ilimitado da escala local, critica
todo um conjunto da literatura que sugere que estaríamos vivendo a possibilidade de
consolidar um novo padrão de desenvolvimento, construído totalmente no âmbito
local: “Uma boa parte desta produção intelectual exagera na capacidade endógena
de uma região engendrar um processo virtuoso de desenvolvimento sócio-econômico,
replicar as características existosas de outros casos e, dessa forma, acaba por
subestimar os enormes limites colocados à regulação local”.
20 Segundo o autor, as abordagens ‘da moda’ têm abandonado a perspectiva
crítica da sociedade, retornando ao conceito de comunidade, constituída por atores e
agentes (e não classes sociais) que orientariam suas ações pelo compartilhamento
de valores da auto-identidade e do pertencimento a comunas mais que por interesses
de classe. Os atores muitas vezes não têm sido vistos como classes, com diferentes
interesses e identidades, porém, a sociedade não é somente estruturada por relações
de confiança e solidariedade. características sócio-econômicas da região.
Nesse contexto o autor acrescenta que é necessário questionar as visões
das ilhas de “produtividade”, pois “poucas estruturas produtivas regionais no Brasil
possuem capacidade de transformar as suas melhores posições internacionais em
encadeamentos virtuosos e internalizados à sua economia doméstica”.
Nesse caso, os localismos devem ser pensados de maneira a romper com
estruturas e coalizações tradicionais de dominação e reprodução do poder, sem
negligenciar a questão fundamental da hegemonia e do poder político, tendo a
“consciência das limitações do crescimento econômico para, automaticamente, incluir
os excluídos”.
2.2 - Gestão pública e democrática na ótica da sustentabilidade
política.
Uma das relevantes estratégias da sustentabilidade política em sua escala
local é a forma participativa da gestão. Alguns autores acreditam que a
descentralização administrativa garante a democratização e abre novos canais de
comunicação entre sociedade civil e Estado.
21 Nessa linha, defende-se a estreita relação recíproca entre descentralização e
participação, salientando a descentralização como pré-condição para as práticas
participativas, dependendo dela como estratégia para sua efetivação. De fato a
descentralização seria um caminho necessário para a democratização do processo
decisório e se o conjunto das políticas sociais no Brasil estaria se descentralizando.
Aponta-se que a redistribuição das competências no interior de uma política
específica não tem resultado na eficiência administrativa. Apesar de existir uma nova
proximidade entre administração e população, a capacidade de coordenar o conjunto
da ação pública não tem sido satisfatória, faltando mecanismos e até vontade em
abrir espaços e oportunidades para a promoção da democracia.
O modelo de intervenção pública descentralizada e democrática requer a
participação popular, que, por sua vez, está condicionada à questão da cidadania.
Para Santos Junior (1995, p.130), “o ideal de cidadania é ainda uma meta distante”,
considerando-se que os setores populares e os trabalhadores permanecem à
margem da formulação de políticas públicas que visam racionalizar os recursos de
sua própria região.
A partir disso, é possível concluir que o não exercício da cidadania é
decorrente da falta de interesse da população pelos problemas que atingem o seu
próprio cotidiano. Esse comportamento de manter-se à distância dos processos
políticos é uma característica marcante dos povos ibéricos. Além da questão cultural,
Santos Junior (1995) acrescenta que tal panorama é conseqüência da dificuldade de
acesso à informação pela população, da ausência de espaços institucionais para
reivindicações e da falta de estratégias eficazes do poder público na inclusão das
camadas populares nas decisões políticas.
Ambos os fatores cultural e político são responsáveis, em grande parte, pela
falta de mudanças no padrão estrutural da sociedade brasileira e no grau de sua
sustentabilidade social, econômica e política. Tendo em vista que é no campo da
22 política que se alcança a equidade social e, considerando-se que as camadas
populares não têm exercido a cidadania em sua plenitude, logo, tem sido verificado o
insucesso da gestão democrática com participação popular e seus benefícios.
Nas pequenas cidades, principalmente, esse problema tem sido muito
comum. Em função de movimentos sociais com pouca força política e do clientelismo
e paternalismo que, historicamente, encontraram nesses locais um ambiente
favorável para sua inserção, a participação popular nos processos de formulação de
políticas públicas não tem correspondido ao espaço que lhe é reservado na
Constituição Federal.
2.3 – O papel dos agentes sociais nas políticas públicas
habitacionais.
Nos anos 80, com a extinção do BNH e a tentativa da implantação do modelo
de gestão pública participativa e democrática, a política habitacional incorporou a
tendência da descentralização, tornando-se responsabilidade dos estados e
municípios. A partir disso, o papel das instâncias de poder local foi fortalecido e as
decisões e alocação dos recursos descentralizados.
Dentro desta nova perspectiva, o programa de construção de moradias para
população de baixa renda deveria considerar as potencialidades locais quanto aos
insumos para a construção, a tecnologia disponível e os recursos humanos
qualificados como forma de proporcionar o desenvolvimento regional.
O Municipalismo e a produção pública da habitação, dissociada da ação
estatal na esfera federal, têm sido pautados pela ausência de políticas estruturais. O
Estado fica à margem de provisão políticas públicas de habitação social, estando
23 essa competência aos municípios. Algumas prefeituras municipais tomam iniciativa
na formulação de propostas alternativas de ação pública e planejamento estratégico,
atuando principalmente na urbanização de favelas, em programas especiais nas
áreas de risco, na produção de novas moradias por empreiteiras e mutirões, na
regularização e urbanização de loteamentos irregulares e incrementando o discurso
de participação cidadã e geração de renda.
Apesar de algumas experiências inovadoras nas políticas habitacionais
locais, o que se observa na maioria dos municípios brasileiros é que tais experiências
(mutirão, autoconstrução, geração de trabalho e renda, etc) têm tido pouco apoio do
poder público, e quando o faz compactua com a iniciativa privada, reafirmando
interesses do mercado. Dessa forma as obras de habitação ficam restritas aos
modelos propostos por órgãos financiadores, configurando – principalmente ao
pequeno município – um papel limitado, na espera por políticas assistencialistas sem
o esforço na elaboração de um projeto coletivo.
Embora tenham ocorrido importantes iniciativas no sentido de
descentralização das políticas públicas, no campo da habitação pouco se observam
movimentos no sentido de alteração das bases centralizadas de tomada de decisões.
Existe um esforço por parte dos governos estaduais e/ou prefeituras no sentido da
constituição de mecanismos locais de formulação e implementação de programas
sociais de habitação, ficando tal esforço restringido e obstacularizado pela
manutenção da dependência financeira.
Nesse sentido pode-se levantar algumas questões em relação a política
habitacional nacional atual, se de fato ela está incorporando em sua formulação
práticas locais sustentáveis com atuação da população, e de quem tem sido a
competência da formulação de tais proposições.
24
CAPÍTULO III
O DIREITO DE PREEMPÇÃO EXERCIDO PELO PODER
PÚBLICO.
O direito de preempção é uma instituição tradicional no direito civil; segundo
a tradição romana, era o que se denominava de pactum prothimiseos e, desde então,
apesar do decurso do tempo, não se viu grandes mudanças, guardando a idéia
originária de preferência. Desse modo é que “direito de preempção”, “direito de
preferência” ou “direito de prelação”, ainda guardam o mesmo significado de
anterioridade na compra.
Esta previsto em Lei, o exercício do direito de preferência pelo Poder Público
em algumas hipóteses, sob a justificativa de atender à finalidade social. A par da
repartição de competências, ao Município coube a política urbana e, portanto, é o
ente responsável pelo exercício da prelação, podendo, ainda, criar um órgão
específico para o mister.
O exercício do direito de preferência exercido pelo Poder Público Municipal
se justifica também na execução de programas e projetos habitacionais de interesse
social.
A finalidade reside na execução de políticas públicas pelo Município que
importem em equacionar o problema habitacional em determinada área de modo
mais prolongado (programa), ou de modo mais curto (projeto), já que não consigo
compreender diferença mais significativa entre os dois termos.
25 Quando há menção a um projeto ou a um programa oficial, presume-se o
prévio planejamento de escolas, feiras, postos de saúde, policiamento, enfim setores
necessários ao bom funcionamento daquele setor habitacional.
A partir do momento em que determinado programa é apresentado à
comunidade e alguns desses setores não está presente, pode-se exigir do poder
público a sua inserção, oportunidade em que, valendo-se da prelação, poderá o
município invocá-la para complementar a referida inclusão no programa ou projeto
antes incompleto.
3.1 - Concepções modernas de ação do poder público no território.
Conciliar qualidade de vida e eficiência produtiva, evitar a marginalização das
classes sociais de baixa renda, legislar o parcelamento do solo são algumas medidas
que fazem parte do processo social e político de produção e consumo do espaço
urbano. A responsabilidade dos poderes públicos quanto à organização dos serviços
públicos locais restringe-se hoje aos problemas de acumulação de capital do setor
privado, e para Fernandes (2001, p.38) a “nova concepção da ação do poder público
local consiste num ajuste reativo e subordinado aos interesses hegemônicos, no mais
das vezes inócuo, dramaticamente custoso aos fundo públicos e à integridade do
tecido urbano - físico e social”. Ficam visíveis dois lados destoantes, sendo eles, o
poder econômico que comanda produção de riqueza e do espaço e o poder público
com um limitado grau de controle político. A herança de um caldeamento cultural
repercute na mais absoluta complacência com normas de convívio entre as mais
diversas classes sociais e um completo descaso pelas regras de urbanismo.
26 A maneira como se deu a criação da maioria dos municípios acabou
atropelando os modelos de organização do território e gestão urbana tradicionalmente
utilizados, e a máquina administrativa mostrou ser inadequada. O resultado tem sido o
surgimento de cidades sem infra estrutura disponibilidade de serviços urbanos
capazes de comportar o crescimento provocado pelo contingente populacional que
migrou para as cidades com mais oferta de empregos e serviços.
Entre as décadas de 50 e 90, a parcela da população brasileira que vivia em
cidades cresceu de 36% para 75%, sendo que em 1991,nove regiões metropolitanas
possuíam mais de 1 milhão de habitantes cada. Neste contexto, foram evidentes os
desequilíbrios gerados por essa rápida expansão, agravados pela falta de uma
legislação municipal que dispusesse sobre o uso e ocupação do solo urbano e
urbanizável.
Cabe aqui colocar as reflexões de Veiga (2002) quanto às aglomerações
qualificadas como urbanas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Esta instituição considera toda zona municipal, independente do número de
habitantes, de caráter urbano.
Calculando um número total de 5.507 municípios brasileiros, vale dizer que,
no ano de 2000, 1.176 reuniam menos de 2.000 habitantes e 3.887menos de 10.000
habitantes.
Grandes assentamentos urbanos concentram problemas como desintegração
social, desemprego, perda de identidade cultural,de produtividade econômica além é
claro, dos impactos ambientais como poluição e destruição de recursos naturais. Nas
cidades com forte concentração industrial exacerbam-se os problemas de trânsito,
enchentes, favelização e assentamentos em áreas inundáveis, de risco e carente sem
saneamento. Como centros de produção, essas cidades mostram saturação de
indústrias em áreas restritas, trazendo diversos problemas a seus habitantes,
27 provocados pelos elevados índices de poluição do ar, sonora e hídrica que
apresentam.
3.2 - A Política de Localização Habitacional aplicada pela PMDC.
Ao longo de 6 anos como Secretário Municipal de Governo da Prefeitura
Municipal de Duque de Caxias, podemos constatar que as áreas urbanas destinadas
pela Prefeitura à habitação de baixa renda localizavam-se nas periferias da cidade,
cujo padrão de urbanização caracterizava-se por uma ocupação precária, desprovida
de infra-estrutura e serviços urbanos, distante dos centros comerciais e de emprego,
reproduzindo no território a segregação social dessa população de baixos ingressos.
A produção de grandes empreendimentos habitacionais gerava impactos negativos
no meio ambiente construído e seu entorno imediato. Essa ocupação desordenada
tem gerado inúmeros vazios urbanos, o que acarreta altos custos de urbanização, a
desestruturação dos espaços urbanos e a valorização imobiliária desses vazios. A
constatação desses problemas e o fato de que as desigualdades da sociedade
brasileira acarretam um processo de exclusão social, que se espelha na estrutura das
cidades e constitui-se em um desafio para aqueles que se dedicam à melhoria das
condições urbanísticas e habitacionais, levaram-nos a redefinir a escolha da
localização de conjuntos habitacionais.
Para isso, percebemos a necessidade de redefinir apolítica de localização da
PMDC para a provisão de terras, até então praticada a revelia, para assentamentos
urbanos da população de baixa renda (de um a dez salários mínimos). Elaboramos
um manual que continha critérios básicos para a análise e seleção de terrenos para a
implantação de conjuntos habitacionais, que passou a ser seguido oficialmente, como
28 norma, e no qual se encontra expressa a política de localização habitacional urbana
praticada naquele Município.
Com a responsabilidade de vistoriar os terrenos indicados e estabelecer
critérios que norteassem as indicações de terrenos por parte da prefeitura e, também,
que orientassem os técnicos que fariam as análises desses terrenos (arquitetos
urbanistas e engenheiros) criou-se uma superintendência para projetos habitacionais.
Como um dos co-responsáveis pela gerência dos projetos (Plano Municipal
de Habitação – SMOS/DC - 2002), após ampla discussão de nossa equipe, criamos
os critérios básicos para a análise e seleção de terrenos para implantação de novos
conjuntos habitacionais e passamos a pratica-los, pois tínhamos consciência da
importância da localização de empreendimentos habitacionais na qualidade de vida
da população caxiense, pelas distâncias que estabelece em relação aos empregos,
serviços e comércios urbanos, e também no meio ambiente construído, pelos
impactos que causam em seu entorno, constituindo-se importantes indutores de
crescimento urbano.
A principal barreira que enfrentamos era a dificuldade de recursos públicos
para aquisição de áreas bem localizadas, com valores muito altos, aonde a Secretaria
de Fazenda alegava não ter condições de compra-las ou desapropria-las. Com o
Estatuto da Cidade, essa dificuldade perde sua força de argumentação, uma vez que
se ampliam as possibilidades do Poder Público Municipal de adquirir terras, a partir
da utilização dos instrumentos contidos nesse estatuto.
29
CAPÍTULO IV
A CONTRIBUIÇÕA DO ESTATUTO DA CIDADE NOS
PROBLEMAS DE OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO.
No intuito de redirecionar o processo de produção, apropriação e consumo
do espaço urbano, buscando resolver ou, pelo menos, reduzir desequilíbrios sócio
espaciais conflitivos na distribuição territorial das atividades, para promover um
desenvolvimento urbano mais justo socialmente, com destaque ao combate dos
processos imobiliários especulativos, e para melhor controlar e adequar o uso do solo
urbano a capacidade infra-estrutural de atividades no território, de forma a evitar a
exclusão social e a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação
ambiental, temos a Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como
Estatuto da Cidade. O novo estatuto preconiza “o pleno desenvolvimento das
funções sociais das cidades” e “a garantia do direito a cidades sustentáveis”. Em
vários artigos e parágrafos, esse direito é explicitado; direito à terra, à moradia, ao
saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.
O Estatuto da Cidade regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal de 1988, referentes ao desenvolvimento urbano, estabelece diretrizes gerais
da política urbana e oferece um importante conjunto de instrumentos de natureza
urbanística, tributária e jurídica, para controle do uso e ocupação do solo urbano, que
podem garantir efetividade aos planos diretores, responsáveis pelas políticas
urbanas, na esfera municipal, e pelo desenvolvimento das funções sociais da cidade
e da propriedade urbana. É o Estado, em sua esfera municipal, que deverá indicar a
função social da propriedade, buscando o equilíbrio necessário entre o interesse
público e o privado, no espaço urbano. O Estatuto da Cidade, no capítulo IV,
30 estabelece uma nova estratégia de gestão democrática da cidade, a gestão
orçamentária participativa, e os outros instrumentos para a participação da população
nos processos decisórios sobre o destino das cidades (audiências e consultas
públicas, iniciativa popular de projetos de lei, e de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano, entre outros). A participação está prevista em todas as
fases do processo; desde a formulação do Plano Diretor, sua negociação e
aprovação na Câmara, até sua implementação e revisão. Ressaltamos que a
participação da população, prevista no Estatuto, é de fundamental importância para a
compreensão e resolução dos processos e conflitos em torno das questões urbanas.
Se isso não ocorrer, dificilmente serão alcançados os princípios constitucionais do
direito à cidade, da função social da propriedade e da distribuição justa dos
benefícios e dos ônus decorrentes do processo de urbanização.
Além de definir uma nova estratégia de gestão democrática da cidade, com a
participação direta do cidadão sobre os processos decisórios, o Estatuto da Cidade
possui um conjunto de instrumentos de natureza urbanísticas inovadores para regular
o uso e a ocupação do solo, significativos para a implementação da política urbana
habitacional: o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, o IPTU
progressivo no tempo, a desapropriação com pagamentos em títulos e o direito de
preempção, entre outros.
O instrumento “parcelamento, edificação e utilização compulsórios” permite
ao Poder Público intervir nas propriedades que não cumpram sua força social, no
sentido de impor aos proprietários o uso adequado para sua utilização, desde que
elas sejam previamente delimitadas no plano diretor da cidade. Caso o proprietário
não cumpra as condições e os prazos previstos, de parcelar, edificar ou usar a
propriedade, estará sujeito a incidência de imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana (IPTU), progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota
pelo prazo de cinco anos consecutivos, sem prejuízo da obrigação original. Esse
instrumento visa a combater a retenção de terrenos vazios para valorização, que
31 reduzem a oferta de espaço para o uso urbano e que, como conseqüência,
contribuem para aumentar os investimentos públicos em infra-estrutura urbana (redes
de água, esgoto e energia elétrica, execução, pavimentação e manutenção de vias,
drenagem, etc.) e em equipamentos urbanos coletivos (escolas, creches, postos de
saúde, etc.) além da extensão dos sistemas de transporte coletivo. Para ser aplicado
com justiça e eficácia, requer um preparo cuidadoso por parte do Poder Público
Municipal, que deve manter um cadastro imobiliário permanentemente organizado e
atualizado. Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não seja atendida em
cinco anos, o município pode ou manter a cobrança do IPTU pela alíquota máxima
(fixada por lei específica), até que se cumpra a referida obrigação, ou proceder a
desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. O valor da
desapropriação refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, com o qual o município
pode proceder a desapropriação do imóvel, decorridos cinco anos do IPTU
progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento,
edificação ou utilização. Outro instrumento importante que pode ser aplicado é o
direito de preempção, pelo qual o Poder Público Municipal, baseado no plano diretor,
deverá delimitar as áreas em que incidirá o direito de preempção, ou seja, a
preferência para aquisição de imóvel urbano, objeto de alienação onerosa entre
particulares, por meio de lei municipal.
Observa-se que a utilização desses instrumentos na forma seqüencial –
utilização compulsória, IPTU progressivo e desapropriação – permite ao Poder
Público intervir nos terrenos vazios, para impor ao proprietário o seu uso ou, no caso
de descumprimento, adquiri-los por desapropriação com títulos da dívida pública, ou
por aquisição utilizando seu direito de preferência. Dessa forma, permite combater a
retenção de terrenos ociosos em setores das cidades os quais se valorizam ao serem
dotados de infra-estrutura e serviços urbanos, aumentando os custos de urbanização
e expandindo as áreas urbanas. São, portanto, instrumentos essenciais para a
política de desenvolvimento urbano dos municípios, particularmente para a obtenção
de áreas adequadas para fins habitacionais de interesse social.
32
Outro instrumento significativo previsto pelo Estatuto da Cidade para
combater os efeitos da especulação imobiliária é a outorga onerosa do direito de
construir, que consiste no direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento
básico e gratuito, adotado pela legislação de uso e ocupação do solo dos municípios,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, em áreas definidas pelo
plano diretor. É um instrumento jurídico-fiscal apto a recuperar parcela da valorização
imobiliária gerada pelos investimentos públicos em infra-estrutura social e física, ou
por alterações da lei de zoneamento, ou nos gabaritos das edificações, o que permite
maior verticalização. Essa captação de valorização pelo Poder Público poderá ser
utilizada para financiar a provisão de infra-estrutura e serviços públicos urbanos, para
a melhoria da qualidade de vida da população mais necessitada, uma vez que os
investimentos realizados utilizaram impostos recolhidos de todos.
Destacam-se, também, outros instrumentos importantes para a política
urbana habitacional. São eles:
a) o estudo de impacto de vizinhança, o qual permite analisar os
efeitos positivos e negativos de empreendimentos ou atividades no espaço
urbano, no que diz respeito à qualidade de vida da população nele residente, e
identificar os problemas ambientais existentes no local e seu entorno (poderá
ser exigido por lei municipal, para obter as licenças e autorizações de
construção, ampliação ou funcionamento). Cabe mencionar um outro
instrumento com a mesma finalidade, o plano de bairro, desenvolvido por
Campos Filho (2003), também, a nosso ver, uma modalidade de ação social
importante para a conscientização popular; e
b) a regularização fundiária e urbanização de favelas em áreas
invadidas ou alagadiças, aprovada pela MP 2.220, de 4 de setembro de 2001,
que permite ao Poder Público estabelecer normas especiais de urbanização,
33 de uso e ocupação do solo e de edificação, simplificando a legislação, de
modo a facilitar o enquadramento das construções realizadas pela própria
população.
Em vista do exposto, concluímos que os instrumentos urbanísticos contidos
no Estatuto da Cidade permitem ao Poder Público intervir nas propriedades que não
cumprem sua função social; sua aplicação pode resultar na redução dos custos
públicos de urbanização e do custo de acesso à terra, e na diminuição dos
desequilíbrios urbanos. Se aplicado adequadamente e com responsabilidade, pode
ser uma resposta para minorar os problemas urbanos, abrindo possibilidades para o
desenvolvimento de uma política urbana de enfrentamento deles, e, neste sentido, é
uma lei inovadora: fornece-nos condições não apenas para agilizar as necessárias
regularizações fundiárias, mas, principalmente, para combater a especulação
imobiliária, utilizando o conceito de propriedade social do solo, o que possibilita a
mudança do direito de propriedade urbana, e, portanto, oferece condições para
mudar o rumo do crescimento desordenado, marcado pelas desigualdades sociais de
nossas cidades, para uma distribuição mais justa do espaço urbano, permitindo às
populações de baixa renda inclusão social e melhores condições de vida.
No entanto, torna-se premente a necessidade de revisão e atualização dos
planos diretores dos municípios, para a aplicação imediata dos instrumentos do
Estatuto da Cidade, particularmente a definição de áreas de utilização compulsória,
IPTU progressivo no tempo e desapropriação com títulos da dívida pública, os quais,
se aplicados seqüencialmente, facilitam a aquisição de terrenos para fins
habitacionais.
34
4.1 - O Plano Diretor como Instrumento de Gestão da Cidade
O Plano Diretor é um instrumento de planejamento fundamental para o
ordenamento e sustentabilidade do espaço urbano. Essa importante ferramenta é
uma conquista da sociedade brasileira que permite promover políticas públicas de
longo prazo de processo de consolidadas a partir da participação popular. Essa
característica foi legitimada pela Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) que permitiu
integrar o planejamento técnico com a participação cidadã.
Os objetivos da política de desenvolvimento urbano dos municípios é a de
aprofundar a análise de questões relevantes para esse desenvolvimento, enfocando,
principalmente, aspectos relativos à questão ambiental e à estrutura urbana, ao perfil
de uso e ocupação do solo das diferentes regiões e a capacidade de infra-estrutura
instalada e prevista propondo-se, a partir dessa releitura da cidade, diretrizes e
normas mais adequadas as características de cada zona da cidade e definindo, de
modo mais rigoroso, as formas de planejar e de interferir no crescimento e
organização do seu espaço.
Concomitante ao processo de elaboração do Plano Diretor Participativo,
deve-se reestudar as leis que atualmente regulam a gestão de uso e ocupação do
solo municipal, já que as legislações vigentes não atendem mais às características e
necessidades atuais implantadas pelo Estatuto da Cidade.
Uma das principais decorrências do Plano Diretor será o estabelecimento de
parâmetros para adequação das leis de parcelamento e de zoneamento às
especificidades das diferentes macrozonas definidas para o território municipal,
35 subordinando-se o adensamento e o tipo de uso das construções às condições do
meio natural, à infra-estrutura disponível e projetada e, ainda, à capacidade do
sistema viário e de transportes.
A partir das orientações estratégicas definidas no Plano Diretor Participativo,
também serão introduzidos alguns instrumentos urbanísticos que permitirão uma
gestão mais moderna do crescimento da cidade, que deverá ter por base a
participação de investimentos públicos e privados.
Para além dos aspectos técnicos e das particularidades urbanísticas de cada
município, o Plano Diretor Participativo será um marco geral para o crescimento das
cidades em um curto e médio prazo. E, sua efetivação é indispensável para garantir
padrões adequados de qualidade de vida nas cidades.
36
CONCLUSÃO
Concluindo, vimos que a ação do Estado no processo de definição do espaço
urbano como empreendedor de conjuntos habitacionais de interesse social pode, na
escolha da localização dos empreendimentos, induzir o desenvolvimento urbano, com
implicações diretas na qualidade de vida urbana do usuário da habitação pelas
distâncias que estabeleça em relação aos serviços e comércios urbanos, assim como
na sustentabilidade e competitividade das cidades em relação as demais. Também
pode gerar grandes ganhos especulativos para os proprietários de terra, em
detrimento da qualidade de vida da população urbana como um todo.
Neste contexto, segue confirmando a hipótese de que no processo de
desenvolvimento atual, que visa a sustentabilidade política através da maior
participação da população em sua unidade local, experiências inovadoras têm se
confrontado com interesses conservadores que buscam firmar seus privilégios frente
a coletividade.
Pode-se verificar que algumas práticas de desenvolvimento induzem a
formação de grupos sociais, porém, não se configuram em condição para que esses
grupos atuem nas políticas e exerçam a cidadania e a democracia. Os setores
populares e os trabalhadores permanecem à margem da formulação de políticas
públicas que visam racionalizar os recursos de sua própria região. A partir disso é
possível concluir que o não exercício da cidadania é decorrente da falta de interesse
da população pelos problemas que atingem seu próprio cotidiano.
Em relação às práticas locais de desenvolvimento nas políticas públicas de
habitação, o que se constata é que o maior obstáculo está ligado à falta de vontade
37 política no apoio às iniciativas locais para aproveitamento das potencialidades, como
por exemplo, na falta de reforço para a organização da população – o que poderia
estar ocorrendo através do suprimento aos recursos necessários legais e
institucionais e na formação de parcerias para execução de políticas municipais.
Dessa forma, torna-se cada vez mais importante para a política habitacional
pública, a gestão do Estado na política de aquisição e provisão de terras, a qual tem
um papel fundamental para a redução progressiva dos custos de implantação e
custeio dos serviços e da infra-estrutura urbana, que pode ser obtida com maior
eficiência produtiva, interrompendo-se o processo de crescimento urbano muito
disperso nas periferias das cidades (que acarreta exclusão social de seus habitantes)
e muito concentrado em seus centros (congestionados e, muitas vezes, deteriorados
ambientalmente).
A utilização do conjunto de instrumentos inovadores de natureza urbanística
do Estatuto da Cidade para regular o uso e ocupação do solo abre novas
perspectivas para a implementação da política urbana habitacional com qualidade
ambiental. O Estatuto da Cidade e a legislação urbanística (Plano Diretor) impõe
normas, apontam diretrizes e oferecem dispositivos para sua implementação, porém
não está garantida a sua aplicação. Há interesses opostos à sua utilização e à
democratização da cidade. Cabe ao Poder Público Municipal, portanto, tirar o melhor
proveito dos instrumentos existentes, aliando-se aos munícipes e demais
interessados na sua aplicação e na democratização da gestão.
38
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SITE, www.ministériodoplanejamento.gov.br.
40
INDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
OS PROBLEMAS NA QUESTÃO DA LOCALIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO 10
1.1 – As ações do capital imobiliário especulativo 12
CAPÍTULO II
AS CONCEPÇÕES DE SUSTENTABILIDADE POLÍTICA 14
2.1 – A sustentabilidade no âmbito local 17
2.2 – Gestão pública e democrática na ótica da sustentabilidade política 19
2.3 – O papel dos agentes sociais nas políticas públicas habitacionais .21
CAPÍTULO III
O DIREITO DE PREEMPÇÃO EXERCIDO PELO PODER PÚBLICO 23
3.1 – Concepções modernas de ação do poder público no território 24
3.2 – A política de localização habitacional aplicada a PMDC 25
CAPÍTULO IV
A CONTRIBUIÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE NA OCUPAÇÃO DO SOLO
URBANO 28
4.1 – O Plano Diretor como instrumento de gestão da cidade 33