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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA
Por: Priscilla Cardoso Caeiro
Orientador
Prof. Carlos Afonso Leite Leocadio
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez
do Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Responsabilidade Civil.
Por: Priscilla Cardoso Caeiro
3
AGRADECIMENTOS
Ao orientador e professor Carlos
Afonso Leite Leocadio, pela paciência
e carinho.
A todos que de modo direto e
indireto, contribuíram para a realização
deste trabalho.
4
DEDICATÓRIA
A minha mãe, financiadora direta de
todos os meus protejos.
5
RESUMO
Partindo-se das questões referentes à responsabilidade civil no âmbito
das relações familiares, sem a intenção de exaurir o tema, o presente estudo
tem por finalidade abranger a historicidade da sociedade quanto família, refletir
sobre a legislação brasileira no que concerne à responsabilidade civil e realizar
uma análise crítica com relação aos entendimentos hoje existentes na doutrina
e jurisprudência. Para tanto, será utilizado como material de apoio algumas
valiosas obras que abrangem tal temática, tanto da área jurídica quanto da
área da psicologia. Assim, traremos questões de relevante interesse que,
sobremaneira, contribuem para a discussão da responsabilidade civil no seio
familiar e suas repercussões práticas. Desta forma, diante dos novos rumos do
direito, sua visão civil constitucional e a repersonalização dos membros
integrantes do núcleo familiar se passará a confrontar questões de absoluto
interesse ao mundo do Direito de/da Família.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada destina-se a apoiar os estudantes de Direitos,
advogados e aplicadores do Direito, tornando o assunto mais compreensível e
de aplicação prática.
O estudante e estudiosos terão uma monografia prática, porque
acompanhará passo a passo desde quando se forma o núcleo familiar,
hodiernamente totalmente voltado ao afeto, e a possível responsabilização de
seus membros, no caso de ilícitos praticados e abuso de direito, colocando o
tema de forma clara, proporcionando um melhor entendimento que versa sobre
o tema. O método de pesquisa utilizados no presente trabalho foi a pesquisa
bibliográfica, pesquisando em livros, artigos, jurisprudências, enfim, todo o
acervo bibliográfico e jurisprudencial que possa elucidar o tema e fundamentar
a responsabilidade civil no seio familiar.
A proposta deste trabalho é no sentido de mostrar que o tema é essencial
para a disciplina da responsabilidade civil, visando um melhor entendimento.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - A Responsabilidade Civil e o CC\02 10
CAPÍTULO II - Responsabilidade Civil no Direito de Família
21
CAPÍTULO III – Dano Moral 53
CAPÍTULO IV- Estudo Psicossocial aplicado ao Estudo do Direito de Família 60
CONCLUSÃO 69
BIBLIOGRAFIA 71
ANEXOS 74
ÍNDICE 78
8
INTRODUÇÃO
Durante grande tempo, o estudo do direito de família foi encoberto pelo
dogma do abstencionismo estatal, onde todas as decisões acerca das relações
conjugais, parentalidade e poder familiar ficavam a cargo exclusivamente de
seus membros, levando equivocadamente a crer que as relações nascidas
nesta seara do direito não guardariam qualquer conexão com as normas
jurídicas que regulavam as demais expressões do comportamento humano,
gerando assim uma aura de impenetrabilidade, visando-se afastar potenciais
diálogos com os demais institutos do direito privado.
No entanto, vendo nosso ordenamento jurídico como um todo, único e
fazendo valer a unidade do sistema, a leitura do direito de família deve ser
vista à luz de seus princípios, quais sejam: o princípio da isonomia traduzido na
igualdade material entre todos os integrantes do núcleo familiar; o princípio do
melhor interesse da criança, que surge e se desenvolve tendo como foco a
proteção do menor vulnerável; o da afetividade, que permite compreender as
relações familiares não mais como uma relação de poder e sujeição, mas sim
como um lócus permeado pelo afeto onde deve imperar o respeito e o amor, e
sobejando todos esses, o valor da dignidade da pessoa humana.
Enfim, como dita Maria Berenice Dias:
O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da
repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do
eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao
direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo e
não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação
familiar. A família-instituição foi substituída pela família-
instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o
desenvolvimento da personalidade dos seus integrantes
como para o crescimento e formação da própria
9
sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo
Estado1.
Este trabalho tem por objetivo esclarecer o nexo causalidade firmado
entre os membros de uma família a ensejar a responsabilização destes, e
ainda a ocorrência de dano, seja material ou afetivo quando da ocorrência do
abuso de direito nas relações familiares.
A responsabilidade civil, tem como substrato a idéia de dano que atente
contra o estado de família, o qual se sobrepõe como atributo da personalidade.
O ilícito que atente contra o estado familiar, capaz de gerar gravame moral,
assim como sucede nas demais violações do direito da personalidade, está
sujeito a ser reparado mediante indenização.
A responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva, exigindo para
sua configuração juízo de censura do agente capaz de entender a ilicitude de
sua conduta. Enfim, exige-se comportamento culposo ou doloso, de tal sorte
que só se pode pleitear ressarcimento, se comprovado que o chamado a
indenizar agiu com culpa ou dolo.
Também é preciso demonstrar o nexo de causalidade entre o agir com
dolo ou culpa e o dano, que deve ser certo, presente ou futuro e próprio,
podendo atingir o patrimônio material ou moral.
1 Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2009.
10
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL E O CODIGO CIVIL DE
2002
A noção manualista de responsabilidade civil é sinônima de tutela
ressarcitória (prover o equivalente pecuniário daquilo que fora lesado) e de
tutela reintegratória (restituir em espécie igual ao objeto da lesão, retornando-
se ao estado anterior). Contudo, ambas as tutelas baseiam-se somente em
dano. O cerne dessa limitação está delineado na evolução da responsabilidade
civil. Na verdade, desde o inicio, a sociedade sempre encontrou soluções,
satisfatórias ou não, para os seus problemas.
A intervenção da autoridade foi gradativa à evolução da lesão dentro do
sistema jurídico. Até o momento em que não podíamos diferenciar categorias
de lesão, não se havia como falar em diferenciação entre responsabilidade civil
e penal. A pena era a forma de reparação comum a todas as ofensas.
Como resultado da intervenção da autoridade estatal na reparação do
dano, a lesão é a diferenciada em duas categorias: lesão dos delitos públicos
(relacionada à ordem pública) e lesão dos delitos privados (relacionada aos
indivíduos).
O conceito clássico de responsabilidade civil é fundado em seus
requisitos, quais sejam: (a) conduta antijurídica – sinônimo de contrariedade ao
direito; (b) existência de dano – no sentido estrito de resultar do ato ofensor em
uma lesão ao bem jurídico tutelado; (c) nexo de causalidade – o
estabelecimento de uma relação causal entre a conduta do agente e a
existência do dano.
Qualquer que seja o conceito pautado nos requisitos acima enumerados
abandonar-se-ão outras formas de tutelas que não sejam a ressarcitória e a
reintegratória. Ocorre que nem todas as formas de tutelas dirigem-se
diretamente ao dano, tal como nem todas as formas de responsabilidade
questionam o elemento subjetivo.
11
É exatamente esse o momento propício para questionar a abrangência do
conceito de responsabilidade civil. De logo, deve ficar claro que é bastante
questionado se falar em um conceito de responsabilidade civil.
A responsabilidade civil é uma idéia que se desenvolve ao longo do
tempo por meio de contradições, condensadas sobre a forma de problemas,
que se impõem aos seus operadores, forçando a busca de uma superação
gradativa de óbices, lacunas e espaços de não-abrangência. A
responsabilidade civil de hoje não é a de amanhã, nem muito menos a de
ontem. A abrangência da noção de responsabilidade civil é temporal e histórica
e calcada na superação de problemas de ordem estrutural do desenvolvimento
da ciência jurídica. E, daí, começa o questionamento sobre a edificação de
uma noção de responsabilidade civil que abarque todas as formas de tutelas
garantidas pelo direito material.
Como revela Aguiar Dias, ao tratar da insuficiência das formas de tutela
processual dos direitos materiais,
Este fato revela mais uma vez a pobreza de técnica
em face da pujança da evolução da sociedade, exigindo a
readaptação das normas jurídicas às situações novas.
Filosoficamente, não é possível conceber
responsabilidade sem culpa. A obrigação civil decorrente
de responsabilidade civil, se, sacrificados à tirania das
palavras, quisermos guardar a significação rigorosa do
termo, só pode ser entendida como consequência da
conjugação destes elementos: imputabilidade mais
capacidade2.
Podemos, após constatar a insuficiência das formas de tutela em relação
a direitos que extrapolem o simples ressarcimento ou reintegração, esboçar
uma divisão entre tutelas repressivas e preventivas do ilícito. Aqui se inicia o
ponto que justificou a responsabilidade objetiva como desvinculação do dever
2 Aguiar Dias,
12
de reparar à idéia de culpa. E na mesma linha de evolução, veio a
consolidação da responsabilidade civil pela simples existência do ilícito, como
desvinculação da idéia de dano, seja patrimonial ou extrapatrimonial. Da
mesma forma que inexiste na responsabilidade objetiva a necessidade de
questionar culpa, inexiste na responsabilidade civil preventiva a necessidade
de questionar dano.
Sendo assim, agora, o ponto central da discussão passa a ser a noção de
ilícito, juntamente com a sua implicação sobre as categorias do dano.
A concepção clássica de responsabilidade civil estrutura-se sobre o
requisito do dano. Contudo, o dano é próprio de apenas duas das situações
referentes à responsabilidade civil – tutela ressarcitória e reintegratória. O
termo responsabilidade civil não se esgota em sua atribuição de tutelar
situações de direito material relacionadas com as tutelas ditas ressarcitória e
reintegratória. Existe, além do dogma do dano, a responsabilidade civil pelo
simples ilícito. Se fosse diferente, ficariam completamente descobertas várias
situações onde não houvesse dano, pelo menos imediato, a ponto de
configurar plausível a adoção de medidas de efetividade por parte do Estado-
Juiz.
É certa em nosso sistema constitucional a existência de direitos elevados
a tão alto grau de proteção (apelidados juridicamente de direitos invioláveis)
que obrigam aos mecanismos de responsabilização alcançarem situações de
afronta sem considerar o elemento material denominado de dano. É o caso
dos direitos da personalidade, constitucional e infraconstitucionalmente
considerados como invioláveis. Denominar um direito ou interesse de inviolável
é conferir-lhe um atributo de proteção no mais alto nível de eficácia. Tal
eficácia não pode ser medida do ponto de vista somente reparador, mas,
principalmente, pela potencialidade de garantir a força do dispositivo
constitucional de atribuir-lhe intocabilidade, inviolabilidade. Não se recompõe a
substância do direito da personalidade. São raríssimos os casos em que se
pode falar em uma tutela em espécie dos direitos extrapatrimoniais, limitando-
se a poucas situações de dano já efetivado.
13
A instituição da lei como fonte obrigacional ao lado do contrato trouxe
repercussões profundas na conceituação da responsabilidade civil. A maior de
todas as consequências é certamente a mistura das categorias de ilícito com
os delitos contratuais como fonte da obrigação de reparar o dano. Junte-se a
isso a sublimação medieval da reparação de danos como vala-comum da
responsabilização civil.
Outro elemento que deve ser observado em relação ao conceito de ato
ilícito é o subjetivo (culpa e dolo). O próprio art. 186, caso fosse entendido de
forma descontextualizada, decorreria na aplicação uníssona da
responsabilidade civil sobre a modalidade subjetiva. Tal leitura comportaria um
equívoco. Da mesma forma da evolução da responsabilidade civil objetiva, a
trajetória do ato ilícito não exige a coexistência de culpa. A dimensão de
imputabilidade do agente pode ser desconsiderada para a conceituação do
ilícito. Imputabilidade no sentido de atribuir o resultado antijurídico à
consciência do agente é contrária à noção de ilícito como violação ao direito. A
falta de imputabilidade não constitui forma de descaracterizar o ilícito, mas, em
alguns casos, é elemento desconstituinte do dever de reparar. Pode haver
ilícito sem culpa. O nosso C. C. dá exemplo da responsabilidade sem culpa ao
dispor sobre a obrigação de reparar daquele que agiu em estado de
necessidade. É o exemplo clássico de quem encontra o muro com o pára-
choque de seu carro ao livrar-se de atropelar uma criança que corre para o
meio da rua de repente.
A primeira constatação ao falar-se em direitos não-patrimoniais é que não
é seguro limitá-los. A divisão clássica entre direitos públicos e privados é bem
sintomática da divisão entre os direitos patrimoniais e não-patrimoniais. Nesse
sentido temos hoje a classificação em direitos difusos, coletivos estritos e
individuais homogêneos, superando qualquer adoção do critério binário dos
direitos. Temos ainda a divisão em direitos patrimoniais, separados em direitos
reais e em direitos obrigacionais, e, de outro lado, os direitos ditos
extrapatrimoniais,
Contudo, a fórmula de atrelar a classificação do direito ao conteúdo
patrimonial que ele revela é falha. Qualquer direito do tipo não-patrimonial
14
pode tornar-se patrimonial à medida que a forma de tutela seja meramente
ressarcitória. Frustrada ou esquecida a forma de tutela preventiva do direito
não-patrimonial, resta somente a sua transformação em patrimônio, sobre a
guisa mercantil dos danos morais.
Então, em termos terminológicos, seria mais seguro falar-se em direitos
extrapatrimoniais, por, inicialmente, extrapolarem a mera relação patrimonial-
mercadológica. No entanto, se fôssemos tomar como comparação os direitos
que são enunciados como patrimoniais e os extrapatrimoniais, não poderíamos
concluir uma relação direta entre ambos, por que eles não se encontram no
mesmo plano existencial e lógico. Os direitos patrimoniais são próprios de uma
fungibilidade ou equivalência. Seja por que podem ser entregues no mesmo
gênero, espécie e quantidade em que foram lesados, como no caso exemplar
do dinheiro, seja por que podem ser reduzidos a um ou mais equivalentes. Ao
contrário, os direitos extrapatrimoniais não são passíveis, em sua ontologia, de
serem restituídos ou ressarcidos. Haveria, pois, impossibilidade de
comparação.
Os direitos extrapatrimoniais são dotados intrinsecamente do atributo da
absoluta imposição de sujeição. São, por isso, denominados de direitos com
sujeitos passivos totais, direitos absolutos. Podem ser opostos a toda e
qualquer pessoa. O direito subjetivo decorrente da tutela de um direito
extrapatrimonial não precisa de condição ou termo para dotá-lo de
exigibilidade. Assim, a pretensão (exigibilidade) nasce ao mesmo tempo do
direito subjetivo.
Do ponto de vista constitucional, devido à ação que exerce sobre as
normas infraconstitucionais, a Constituição Federal apresenta-se como fonte
primária e primeva do ordenamento civil. O Direito Civil, tendo em vista a sua
ligação com o Direito Constitucional, é adequadamente denominado de Direito
Civil-Constitucional.
Contudo, uma análise do Direito Civil atual não pode ser feita sem noção
das bases de sua estruturação, pois, como propôs Gustavo Tepedino, ao
apontar a singularidade do momento da entrada em vigor do novo Código, é
necessário dizer que
15
A doutrina debruça-se na tarefa de construção de novos
modelos interpretativos. [...] Afinal, o momento é de
construção interpretativa e é preciso retirar do elemento
normativo todas as suas potencialidades,
compatibilizando-o, a todo custo, à Constituição da
República. [...] Ao revés, parece indispensável manter-se
um comportamento atento e permanentemente crítico em
face do Código Civil para que, procurando conferir-lhe a
máxima eficácia social, não se percam de vista os valores
consagrados no ordenamento civil-constitucional3.
Ensina Miguel Reale que três são os princípios basilares do novo Código
Civil: a socialidade, a eticidade e a operabilidade. Tais princípios têm sido
muito discutidos pelos doutrinadores que abordam os temas disciplinados pela
nova codificação, de modo a orientar conclusões interessantes sobre os
institutos de Direito Privado.
Pelo princípio da socialidade, rompe-se com o caráter individualista e
egoístico do Código Civil de 1916. Nesse sentido, todos os institutos de Direito
Privado passam a ser analisados dentro de uma concepção social importante,
indeclinável e inafastável: a obrigação, a responsabilidade civil, o contrato, a
empresa, a posse, a propriedade, a família, o testamento. Para facilitar sua
visualização social, os institutos de Direito Privado devem ser analisados tendo
como parâmetro o Texto Maior: a Constituição Federal de 1988 e seus
preceitos fundamentais, particularmente aqueles que protegem a pessoa
humana.
De acordo com o princípio da eticidade, a ética e a boa-fé ganham um
novo dimensionamento, uma nova valorização. A boa-fé deixa o campo das
idéias, da intenção – boa-fé subjetiva –, e ingressa no campo dos atos, das
práticas de lealdade – boa-fé objetiva. Essa boa-fé objetiva é concebida como
uma forma de integração dos negócios jurídicos em geral, como ferramenta
3 Gustavo Tepedino
16
auxiliar do aplicador do Direito para preenchimento de lacunas, de espaços
vazios deixados pela lei.
Por seu turno, o princípio da operabilidade, que para nós apresenta
maiores dificuldades de compreensão, tem dois enfoques. Em um primeiro
sentido, a operabilidade é responsável pela facilitação do Direito Privado, ao
deixar-se de lado o rigor técnico, que era muito valorizado pela codificação
anterior, e ao buscar-se a simplicidade de um Direito Civil que realmente tenha
relevância prática, material e real. Desse ponto, nasce o segundo enfoque do
princípio: a efetividade, que está relacionada com o sistema de cláusulas
gerais, adotado pela nova codificação. Essas cláusulas gerais são janelas
abertas deixadas pelo legislador para preenchimento pelo aplicador do Direito.
1.1. Abuso de Direito e Boa-fé Objetiva
Segundo Nélson Rosenvald,
Comentar o abuso de direito significa abrir canais e
pontes entre dois pontos da maior relevância no direito: a
boa-fé e o exercício dos direitos subjetivos. Só é possível
conceber um liame entre eles no contexto das obrigações
complexas, nas quais a vontade livre dos contratantes
perde a exclusividade, pois o nível de atuação dos
direitos subjetivos é funcionalizado em vista do
adimplemento da relação jurídica. A boa-fé atuará no
sentido de conceder renovado perfil à autonomia privada,
conduzindo os direitos subjetivos a limites equilibrados,
prestigiando o princípio da solidariedade e, em ultima
instancia, a dignidade das partes.
17
Ainda segundo Nélson Rosenvald:
O abuso de direito só ocupa posição de relevo em
ordenamento jurídicos que reconheçam a prevalência
axiológica dos princípios constitucionais e superem a
visão míope dos direitos como construções fracionadas e
atomizadas. Apenas sistemas abertos terão a capacidade
de captar os valores imantados em princípios e enviá-los
diretamente às normas privadas, garantindo a supremacia
da Lei Maior e a necessária unidade e coerência com os
demais sistemas4.
A postura legal do abuso de direito na ordem jurídica brasileira, permite
afirmar que se trata da imposição de limites éticos ao exercício de direitos
subjetivos (como de outras prerrogativas individuais, como as liberdades,
faculdades, funções). Deste modo, cada direito tem que ser exercitado com
respeito ao seu espírito peculiar, sem desvio de finalidade ou de sua
inafastável função social. Não há, direito absoluto em nosso sistema jurídico,
devendo todo o exercício de direito respeitar os fins sociais e econômicos,
observando a boa-fé.
Para a caracterização do ato abusivo, tem-se que o elemento distintivo é
o motivo legítimo, que deve ser extraído das condições objetivas nas quais o
direito foi exercido, cotejando-as com as suas finalidades e com a missão
social que lhe é atribuída, com o padrão de comportamento dado pela boa-fé.
Entende-se pertinente à alusão aos institutos do abuso de direito, boa-fé
objetiva e responsabilidade civil nas relações familiares, face às situações das
mais comuns onde, muitas vezes dentro do campo afetivo-familiar não se
verifica, alhures, uma violação direta, grosseira do texto legal, ou seja, não há
um cometimento explicito ou prática de ato ilícito dentro do núcleo familiar, mas
sim abuso do direito por parte de seus integrantes, mas sim abuso de direito
com violação ao sentido material, axiológico das normas protetoras dos filhos,
4 Rsenvald, Nélson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil. Editora Saraiva. 2008
18
dos idosos, dos cônjuges, companheiros e até mesmo irmãos, ocasionando
danos de ordem material e moral passíveis de serem indenizados.
Sendo tal, conclui-se que o princípio da boa-fé objetiva vem se infiltrando
no direito das famílias. Ainda que tenha origem negocial, direciona-se à
superação de sua última fronteira: a das relações existenciais. O dever de
lealdade que se consubstancia na proibição de comportamento contraditório
lastreia-se no princípio da confiança, que tem por fundamento o afeto.
Com a ampliação de direitos trazidos pelo CC\02, pela nova proposta às
entidades familiares, e pela natural adversidade entre os componentes de cada
núcleo, vê-se a possibilidade de aplicação da teoria do abuso de direito
também neste campo.
Um primeiro exemplo pode ser visualizado no corriqueiro fato de as
crianças serem forçadas por seus genitores a vender balas, doces nas ruas,
enquanto estes “tomam conta”, escondidos, vez que a impossibilidade de
submeter os filhos a serviços próprios de sua idade e condição é incompatível
com o valor constitucional da dignidade da pessoa humana. Trata-se de
exploração da vulnerabilidade dos filhos menores, podendo assim ser
considerado abuso.
Na esfera das relações de parentalidade, encontramos ainda inúmeros
exemplos de aplicação da teoria do abuso de direito, e a conseqüente
aplicação das sanções daí advindas, com fulcro na violação à clausula geral
estampada no art.187 do CC, no âmbito do direito de família, podendo ser
ressaltada, dentre outras: a proibição imotivada dirigida aos filhos de visita ao
pai ou à mãe ou ainda aos avós; valer-se os genitores dos seus filhos como
meio de disputa pessoal entre eles; ou ainda a mudança de domicílio familiar
mononuclear com o exclusivo escopo de dificultar o direito de visitas.
Questão que têm gerado controvérsias relaciona-se ao comportamento
do pai que pretende romper o vinculo sócio-afetivo de filiação, passando a
negar a existência daquele simplesmente por se tratar de ação perpetua,
consoante dispõe o art.1601 do CC, vez que hoje, os laços de amor e afeto
devem sobrepor-se à verdade biológica, como reiteradamente têm decidido os
19
Tribunais pátrios, ou ao contrário, dos pais biológicos que após abandonarem
os filhos, pretendem reavê-los junto a família substituta.
Sendo assim, pondera-se que em cada uma dessas situações, a figura do
abuso de direito parece evidente, não apenas para impor àquele que o
desrespeita o dever de arcar com o ônus financeiro de sua conduta, como para
impedir a adoção de condutas que ofendam os valores e princípios
consagrados no âmbito do direito de família.
Jones Figueiredo traz interessante colocação sobre o estelionato do
afeto, como a mais severa forma abusiva de direitos, em afronta aos princípios
da boa-fé, da lealdade e da confiança, da assistência mútuas e do respeito
recíproco, e a todos os valores de ordem moral e jurídica que compreendem as
relações familiares. Acaba por concluir que comete abuso do direito quem não
exercita o seu direito de ser feliz sozinho e mantém uma união sob a falsa
premissa de existência de amor. No cotidiano e no direito, a não afetividade do
que deveria ser afetivo é o instrumento condutor de direitos na família.
1.2 Abuso de Direito nas Relações Familiares.
A publicização do direito civil, caracterizada pela crescente intervenção do
estado nas relações privadas e pela interpretação das normas de direito
privado sob um viés constitucional, é a tendência moderna. Esse novo direito
civil tem o desiderato de acrescentar elementos éticos, socializantes e
axiológicos ao direito privado, com a valorização do individuo. É o que a
doutrina moderna tem chamado de despatrimonialização do direito civil.
A teoria do abuso do direito não foge a essa tendência. Com efeito, tem o
escopo de impedir que os direitos subjetivos sejam exercidos de maneira
abusiva, contrariando o seu fim econômico e social, a boa-fé, os bons
costumes. Constitui-se num obstáculo aos atos emulativos, coibindo intenções
espúrias daqueles que se utilizam dos seus direitos com o único fim de
prejudicar terceiros.
O código civil de 2002, influenciado pela doutrina de Miguel Reale,
coordenador do anteprojeto, é impregnado com tais clausulas gerais. Para tal,
20
utiliza-se de técnica de linguagem peculiar, empregando-se signos que
garantem um sistema aberto, que evolui de acordo com os padrões culturais e
éticos da sociedade. Nesse novo sistema, os operadores do direito têm um
papel ativo na determinação do sentido das normas jurídicas, havendo uma
construção do direito que pode sofrer mutação de acordo com o momento
histórico e a comunidade em que é aplicado.
Com a adoção de clausulas gerais pelo CC de 2002, como a boa-fé
objetiva, o juiz não pode se olvidar, em sua decisão, da incidência das normas
que contem, impregnadas pelos valores da eticidade e socialidade. Isto é, não
se admite a aplicação de determinada norma isoldamente, senão a sua
incidência com base nos valores que foram introduzidos no código civil pelos
novos princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. Logo,
mesmo que exista uma norma que garanta determinado direito, o juiz não
poderá aplicá-la para dar guarida a condutas malévolas do seu titular, que
extrapolem a finalidade social, a boa-fé e os bons costumes. É esse o
fundamento da teoria do abuso de direito.
21
CAPÍTULO II
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE
FAMÍLIA
Verdadeira cláusula geral de proteção integral à pessoa humana, a
dignidade é o valor supremo de nosso ordenamento jurídico, conforme
mandamento constitucional (Constituição Federal, art. 1º, inciso III).
Nas relações familiares acentua-se a necessidade de tutela daquele
valor, já que a família deve ser havida como centro de preservação da pessoa,
da essência do ser humano, antes mesmo de ser tida como célula básica da
sociedade.
A preservação da dignidade opera-se especialmente por meio da
proteção aos direitos da personalidade, que têm como objeto os atributos
físicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais, compondo-se
de valores inatos, como a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade e a
honra (Constituição Federal, art. 5º).
Nos rompimentos matrimoniais são inúmeras as situações em que os
direitos da personalidade são violados, em infração aos deveres de respeito e
proteção oriundos do casamento, previstos no Código Civil de 2002, art. 1.566,
incisos III e V.
As agressões físicas, as ofensas morais, o atentado à vida do cônjuge,
inclusive por meio de contaminação de doença grave e letal, como a AIDS, o
abandono moral e material do consorte, são apenas alguns exemplos de
tantas outras práticas ofensivas e lesivas aos direitos da personalidade.
O cônjuge lesado, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da
pessoa humana, merece a devida reparação pelos danos sofridos.
Note-se, que o desamor, por si só, não gera o direito à indenização, já
que amar não é dever jurídico, inexistindo ato ilícito na falta de amor.
22
É indispensável o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade
civil - ato ilícito (violação a dever conjugal) e dano (moral ou material), ligados
pelo nexo causal -, para que caiba a reparação civil no rompimento do
casamento, sendo que nosso sistema jurídico torna indispensável o prévio ou
concomitante procedimento de separação judicial culposa, por ser a única
sede em que cabe a demonstração do descumprimento de dever conjugal
(Código Civil de 2002, art. 1.572, caput).
Na união estável aplicam-se os mesmos princípios, de modo que,
descumprido um dever oriundo da união estável, como a lealdade, a mútua
assistência ou o respeito, os danos acarretados ao consorte são plenamente
reparáveis e sua indenização pode ser pedida em cumulação com pedido de
reconhecimento e dissolução de união estável (Código Civil de 2002, art.
1.724).
Nas relações entre pais e filhos, especialmente no exercício dos deveres
referentes à guarda, sustento e educação, também se aplicam os princípios da
responsabilidade civil, de modo que o genitor que descumpre dever para com
os filhos e causa danos morais ou materiais à prole também pode ser
condenado ao pagamento da devida indenização.
O respaldo constitucional do tema em pauta apresenta-se não só na
cláusula geral de proteção à dignidade humana, bem como no art. 5º, caput,
inciso X e § 2º da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade dos
direitos da personalidade e o direito à indenização pelo dano moral e material
decorrente de sua violação, e no art. 226, § 8º da mesma Lei Maior, que prevê
o dever do Estado de assegurar assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações.
O Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Estaduais, em relevantes
julgados, já reconheceram o cabimento da aplicação dos princípios da
responsabilidade civil nas relações de família.
O Direito de Família, que regula as relações dos cônjuges, dos
companheiros e dos pais e filhos, não está imune à aplicação das regras e dos
princípios da responsabilidade civil.
23
Pensamento diverso, ao imaginar que coloca a família num plano
superior, na verdade, deixa de oferecer proteção aos membros de uma família,
impedindo-lhes a utilização do mais relevante instrumento jurídico, que
assegura condições existenciais da vida em sociedade: a reparação civil de
danos. Além disso, os deveres de família seriam transformados em meras
recomendações, sem as devidas conseqüências por sua infração, a favorecer
o seu inadimplemento.
Recorde-se, por fim, que os princípios da responsabilidade civil estão
dispostos na Parte Geral do Código Civil de 2002, especialmente no art. 186,
aplicando-se a todas as Partes Especiais deste diploma legal, dentre as quais
está o Livro do Direito de Família.
À medida que se alcança a exata compreensão do conceito "dignidade da
pessoa humana" e se lhe dá o devido desdobramento na definição dos
correspondentes "direitos da personalidade", logo se percebe o aumento das
hipóteses de ofensa a tais direitos, e se ampliam às oportunidades para a
existência do dano. E essa constatação é importante no direito que trata da
família, a menor célula social em que a pessoa convive, porque no seu seio
sempre se deu prevalência à instituição da família, ainda que com o sacrifício
eventual do interesse da pessoa.
O principal enunciado da Constituição hoje não enaltece a subordinação
da pessoa aos interesses da família, mas sim realça o valor da pessoa
humana que participa da família, os cônjuges, companheiros, pais, filhos,
parentes, ainda que isso possa afrouxar o laço familiar. Enquanto a legislação
do início do Século XX criava presunções absolutas sobre a paternidade e
impedia a busca do seu reconhecimento, ou de sua negação, para a proteção
da família, a tendência de hoje, para atender ao princípio da dignidade da
pessoa, no qual se inclui o direito de saber quem são os pais e quais são os
filhos, é a de admitir as ações que levam à verdade real, com o estreitamento
das hipóteses de decadência e flexibilização do princípio da coisa julgada.
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2.1 Responsabilidade Civil na União Estável e no
Casamento.
O casamento pode ser conceituado como sendo a união de pessoas de
sexos distintos reconhecida pelo Estado e regulamentada pela lei. O
casamento é reconhecido como entidade familiar, conforme art. 226, §§ 1º e
2º, da Constituição Federal de 1988, e é tratado ainda pelo novo Código Civil,
a partir do seu art. 1.511.
Torna-se imperioso verificar que o art. 1.566 do novo Código Civil, a
exemplo do art. 233 do Código Civil de 1916, prevê os deveres de ambos os
cônjuges no casamento.
O primeiro dever é o de fidelidade (art. 1.566, inc. I), que mantém relação
direta com a boa-fé objetiva, entendida como uma conduta leal que deve existir
entre as partes de um negócio jurídico, caso inclusive do casamento.
O segundo dever trata-se da mútua assistência (art. 1.566, inc. II), que
também decorre da boa-fé, sendo entendida não só como assistência
econômica, mas também assistência afetiva e moral.
Nesse sentido, Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk,
Outro efeito gerado pelo casamento é o da mútua
assistência, que consiste, essencialmente, em ajuda e
cuidados nos aspectos morais, espirituais, materiais e
econômicos. Tais deveres expressam-se em vários
momentos da vida familiar, como no cuidado do outro
quando enfermo, no conforto prestado nas adversidades
e vicissitudes da vida, compartilhado dores e alegrias.
Assim, é um dever de conteúdo ético, variável
historicamente conforme os costumes de uma sociedade
em dado tempo e determinado local.5
5 (Código civil comentado. Álvaro Villaça de Azevedo (Coord.). São Paulo: Atlas, 2003, v. XV, p. 209). A relação entre esse dever do casamento e a boa-fé aflora quando os autores enfatizam o seu valor ético.
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A relação entre esse dever do casamento e a boa-fé aflora quando os
autores enfatizam o seu valor ético.
Mas, sem dúvida, o dever que mais mantém relação com o dever de
lealdade é o de respeito e consideração mútuos (art. 1.566, inc. V).
A vida em comum, no domicílio conjugal, antigo dever de coabitação,
também constitui um dever decorrente do casamento (art. 1.566, inc. II), o que
inclui o débito conjugal, de acordo com a doutrina tradicional. Atualmente, o
conceito de coabitação tem sido analisado tendo em vista a realidade social,
de modo a admitir-se a coabitação fracionada, sem que haja quebra dos
deveres do matrimônio. Assim sendo, é possível que cônjuges mantenham-se
distantes por boa parte do tempo, sem que haja o rompimento do afeto, do
amor existente entre eles, vínculo mais forte a manter a união. Ainda quanto à
coabitação, diante do regime democrático que deve imperar nas relações
familiares, o art. 1.569 do novo Código Civil prevê que o domicílio conjugal
será escolhido por ambos os cônjuges.
Por fim, constitui dever decorrente do matrimônio o sustento, guarda e
educação dos filhos (art. 1.566, inc. IV). Essa previsão mantém relação direta
com a solidariedade social prevista na Constituição Federal (art. 3º, inc. I), que
também deve estar presente nas relações familiares, até mais do que em
qualquer outra relação. Vale lembrar que a família é a celula mater da
sociedade e, se a solidariedade não for atendida em relações dessa natureza,
o que dizer quanto ao restante das relações privadas?
De imediato percebe-se que a boa-fé objetiva deve estar presente na
fase casamentária, ou seja, durante o casamento. Há ainda um dever de
colaboração entre os cônjuges quanto à direção da sociedade conjugal, sem
distinção entre marido ou mulher, conforme art. 1.567 do novo Código Civil.
Em complemento, o art. 1.568 do mesmo Código prevê que cada cônjuge será
obrigado a concorrer, na proporção dos seus bens e dos seus rendimentos,
para o sustento da família e para a educação dos filhos, qualquer que seja o
regime matrimonial adotado entre eles. Trata-se de outro dispositivo que
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consagra o dever anexo de cooperação ou colaboração, relacionado com a
boa-fé objetiva.
A questão a ser por nós discutida refere-se à quebra de promessa de
casamento como fato gerador do dever de indenizar, inclusive por danos
morais.
A quebra dessa promessa ocorre, muitas vezes, quando se estabelece
um compromisso de noivado, de modo a fazer surgir o dever de indenizar nos
esponsais. A possibilidade de reparação nesse caso vem sendo tratada pela
doutrina, na qual há posicionamentos em ambos os sentidos.
Entre os que estão favoráveis à indenização, podemos citar Inácio de
Carvalho Neto, que lembra o fato do nosso
Código, ao contrário dos Códigos alemão, italiano,
espanhol, peruano e canônico, não regula sequer os
efeitos do descumprimento da promessa.
Mas, para esse autor
Isto não impede que se possa falar em obrigação de
indenizar nestes casos, com base na regra geral da
responsabilidade civil. Como afirma Yussef Cahali, optou-
se por deixar a responsabilidade civil pelo rompimento da
promessa sujeita à regra geral do ato ilícito.6
Assim sendo, seria possível a indenização de danos morais em
decorrência da quebra da promessa de casamento futuro por um dos noivos.
Ao contrário, Maria Berenice Dias entende que, em casos tais, seriam
indenizáveis somente os danos emergentes, os prejuízos diretamente
causados pela quebra do compromisso. Assim, não há que se falar em danos
morais ou mesmo em lucros cessantes. De acordo com os dizeres de Maria
Berenice Dias,
6 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2004, p. 401.
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Falando em dano moral e ressarcimento pela dor do fim
do sonho acabado, o término de um namoro também
poderia originar responsabilidade por dano moral. Porém,
nem a ruptura do noivado, em si, é fonte de
responsabilidade. O noivado recebia o nome de
esponsais e era tratado como uma promessa de
contratar, ou seja, a promessa do casamento, que
poderia ensejar indenização. Quando se dissolve o
noivado, com alguma freqüência é buscada a indenização
não só referente aos gastos feitos com os preparativos do
casamento, que se frustou, mas também aos danos
morais. Compete à parte demonstrar as circunstâncias
prejudiciais em face das providências porventura tomada
em vista da expectativa do casamento. Não se indenizam
lucros cessantes, mas tão-somente os prejuízos
diretamente causados pela quebra do compromisso, a
outro título que não o de considerar o casamento como
um negócio, uma forma de obter o lucro ou vantagem.
Esta é a postura que norteia a jurisprudência”.7
Entre os membros do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), há forte corrente doutrinária que entende não se poder falar em
responsabilidade civil por danos morais nas relações familiares.
Salienta-se que o casamento não é fonte de lucro, conforme aduz a
doutrinadora por último citada, portanto não há como ressarcir lucros
cessantes. Mas, ao contrário, acena pela possibilidade de reparação dos
danos morais nos casos que envolvem as relações de família, particularmente
no caso aqui estudado. A complexidade das relações pessoais recomenda a
análise caso a caso.
7 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., pág. 118.
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Especificamente quanto à quebra de promessa de casamento futuro, no
novo Código Civil, o dever de indenizar surge não com base no art. 186, que
trata do ato ilícito, mas com fundamento no art. 187, que disciplina o abuso de
direito. Esse o ponto de divergência entre posicionamento neste trabalho
sufragada e o da maioria da doutrina, que reconhece o dever de indenizar
nessas situações em decorrência do ato ilícito propriamente dito.
Na jurisprudência, encontram-se julgados que apontam para a
reparabilidade dos danos morais em casos tais (jurisprudência em anexo).
Foram encontradas também decisões que afastam totalmente a
possibilidade de reparação dos danos morais por quebra de noivado
(jurisprudência em anexo). Por fim, há ementas que afastam o dever de
indenizar em casos determinados, mas reconhecem a reparabilidade dos
danos morais por quebra de promessa de noivado (jurisprudência em anexo).
Na verdade, diante da casuística, é preciso conciliar todos esses
entendimentos jurisprudenciais para chegar a uma conclusão plausível dentro
do caso concreto a ser analisado.
Desta feita, afigura-se possível a reparação de danos morais se a não
celebração do casamento prometido causar lesão psicológica ao(à) noivo(a) ou
ao(à) namorado(a). De qualquer forma, também concordamos que a mera
quebra da promessa não gera, por si só, o dano moral. Não há de se confundir
o dano moral com os meros aborrecimentos que a pessoa sofre no seu dia-a-
dia.
Em alguns casos, contudo, os danos morais podem estar configurados,
principalmente naqueles em que a pessoa é enganada pela outra parte
envolvida, a qual desrespeita toda a confiança depositada sobre si. Cabe citar
o caso em que a noiva celibatária foi deflorada, enganada por aquele que ela
acreditava ser seu futuro marido. Deve-se lembrar que, para algumas pessoas,
a virgindade ainda é tabu e deve ser mantida até a noite de núpcias, o que
pode parecer um absurdo, mas não é, principalmente em cidades do interior
desse imenso Brasil.
Também, pode gerar dano moral a situação em que a noiva descobre
que o seu noivo que descumpriu a promessa é bissexual, sendo tal fato
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notório em pequena cidade do interior. Isso gera repercussões sobre a
honra da pessoa, de modo a caracterizar o dano imaterial. E o que dizer de
um caso em que o noivo transmite à noiva uma doença sexualmente
transmissível, sendo esse o motivo da ruptura? Sem dúvida, estará presente
o seu dever de indenizar.
Imagine-se uma outra situação: em uma tranqüila cidade do interior de
Minas Gerais, Mévio namora Ana há cerca de dez anos, típico namoro longo
de uma cidade do interior. Depois de muito tempo, Mévio resolve fazer a
promessa de casamento. As famílias fazem uma grande festa de noivado, em
que Mévio pede oficialmente a mão da namorada e marca o casamento para
um ano depois. Todos os preparativos são feitos: o pai da noiva paga todas as
despesas da festa e da celebração do casamento, os convites são distribuídos
para todos os amigos das famílias, os padrinhos são convocados, os presentes
são entregues. No dia e no local marcado para a celebração das núpcias, toda
a comunidade local comparece: autoridades, familiares, padrinhos, imprensa,
colunistas sociais. A igreja matriz da cidade está toda decorada. Na iminência
do casamento, no mesmo dia, o noivo manda um mensageiro com um bilhete
assinado dizendo que não irá mais casar, pois não ama a noiva, mas uma
outra mulher. Nessa situação, o noivo não terá dever de indenizar?
Não estará caracterizado o dano moral à noiva, além dos danos materiais
suportados por seu pai? Certamente que sim.
Além desses exemplos, muitos outros poderiam surgir. Por isso é que
recomenda-se a análise caso a caso, à luz da boa-fé objetiva, da eticidade. De
qualquer forma, salienta-se a ressalva quanto ao fundamento jurídico da
reparação moral em casos tais. Com todo o respeito, não acolhe-se o
entendimento pelo qual a reparação está motivada no art. 186 do atual Código
Civil, dispositivo que conceitua o ato ilícito. Isso porque não há de se falar em
lesão ou violação de direitos quando alguém não celebra o casamento
prometido, pois a promessa de casamento não vincula a sua celebração futura.
Desse modo, não há ato ilícito propriamente dito.
O dever de indenizar, em casos tais, decorre do abuso de direito, pelo
desrespeito à boa-fé objetiva ou, dependendo do caso, aos bons costumes.
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Desse modo, o dever de indenizar, nos moldes do art. 927, caput, do novo
Código Civil, tem por fundamento o art. 187 da codificação. Em nosso
entendimento, isso geraria uma responsabilidade pré-negocial casamentária
em decorrência do desrespeito aos deveres anexos na fase anterior ao
casamento. Aliás, se se pensar na corrente que aponta ser o casamento um
contrato, falaríamos que a quebra da promessa de noivado gera uma espécie
de responsabilidade pré-contratual.
Lembra-se que o abuso de direito é lícito pelo conteúdo e ilícito pelas
conseqüências, conforme já conceituava a doutrina. No caso em questão,
percebemos que a promessa de um casamento futuro é perfeitamente lícita.
Mas, se a parte promitente abusar desse direito, ao desrespeitar os deveres
que decorrem da boa-fé, presente estará o seu dever de indenizar.
Isso gera, sem dúvida, uma mudança de paradigma. Vale lembrar que a
regra quanto ao dever de indenizar o ato ilícito continua sendo a
responsabilização mediante culpa em sentido amplo, que engloba o dolo e a
culpa estrita.
Mas, como já visto, em caso de abuso de direito ou de quebra dos
deveres anexos, a responsabilidade não depende de culpa, pelo que consta
dos Enunciados n. 24 e n. 37 do Conselho da Justiça Federa, aprovados na I
Jornada de Direito Civil. É justamente isso que ocorre na quebra da promessa
de noivado ou de casamento futuro. Desse modo, entende-se que a boa-fé
objetiva dá um novo tratamento à matéria, pois a quebra de promessa de
casamento futuro dever ser encarada como uma quebra do dever de lealdade,
que é inerente a qualquer negócio jurídico celebrado.
Ao superar-se essa abordagem, passa-se à análise da relação entre a
boa-fé objetiva e a união estável.
Já a exclusividade, apesar de não constar expressamente no art. 1.723
do novo Código Civil, constitui para nós um dos requisitos para a união estável,
relacionada com a intenção de constituição de família – boa-fé subjetiva – e
decorrente dos seus deveres, constantes do art. 1.724 da atual codificação –
boa-fé objetiva.
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Quanto a essa exclusividade, pretende-se analisar a denominada união
estável plúrima ou múltipla, situação em que a pessoa mantém relações
amorosas, enquadradas no art. 1.723 do novo Código Civil, com várias
pessoas e ao mesmo tempo.
Imagine-se um caso prático, a fim de facilitar a visualização concreta do
que estamos propondo, à luz da boa-fé objetiva. Tício, residente na cidade de
Ribeirão Preto, interior de São Paulo, vive em união estável, nessa cidade,
com Maria Antonia, desde o ano de 2002. A união apresenta todos os
requisitos constantes na lei civil. Toda a sociedade local reconhece a
existência da entidade familiar, tratando os companheiros como se casado
fossem. Entretanto, Tício é viajante e, desde o ano de 2003, encontra-se com
Maira todas as segundas-feiras, na cidade de Franca, onde mantém um
escritório. A relação também se enquadra nos termos do art. 1.723 do Código
Civil. Tício e Maria Figueiredo têm um filho comum: João Henrique, de um ano
de idade. Tício mantém ainda uma união pública, notória, contínua com Maria
Augusta, na cidade de Batatais, para onde vai toda as quintas-feiras vender
seus produtos. Aliás, Maria Augusta é dona de um estabelecimento comercial
em que Tício consta como sócio. Ambos têm um negócio lucrativo naquela
cidade do interior paulista. O relacionamento amoroso dura desde o ano de
2004. Por fim, Tício tem um apartamento montado na cidade de São Paulo,
aonde vai ocasionalmente, de quinze em quinze dias, a fim de comprar
produtos para vender no interior paulista. Nesse apartamento, reside Maria
Carmem, com quem o Tício tem um relacionamento desde o final do ano de
2004. Essa sua convivente está grávida e espera um filho seu. No caso
hipotético, uma Maria não sabe a existência da outra como convivente de seu
companheiro, até que, um dia, o pior acontece e o mundo desaba.
Por mais incrível que possa parecer, a situação descrita pode ocorrer
na prática. A primeira dúvida que surge é: constituem todos os
relacionamentos união estável, nos termos do que consta do Código Civil e
da Constituição Federal? Três posicionamentos podem surgir quanto ao
caso em questão.
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Um primeiro entendimento poderá apontar que nenhum dos
relacionamentos constitui união estável. A encabeçar essa corrente está Maria
Helena Diniz, para quem a fidelidade ou lealdade constitui um dos requisitos
da união estável, sem o qual não há a referida entidade familiar, pois segundo
ela,
Tal fidelidade é exigida porque nossa cultura baseia-se no
princípio monogâmico. Se alguém mantiver relação
afetiva com duas amantes, vindo a casar-se com uma
delas, não poderá excluir a outra da partilha de bens
adquiridos, com sua contribuição, em razão de sociedade
de fato, e não de união estável, por ser esta inexistente.8
Entretanto, diante do desrespeito à boa-fé, as Marias poderão pleitear
que Tício indenize-as por danos materiais e morais, pela caracterização do
abuso de direito, por desrespeito à boa-fé objetiva, que também ser espera na
união estável. Esse primeiro entendimento pode ser afastado pela conclusão
de que a fidelidade ou o respeito mútuos não constitui elemento essencial para
a caracterização da união estável, mas apenas um dever dela decorrente,
constante do art. 1.724 do novo Código Civil.
Já para uma segunda corrente, deveriam ser aplicadas, para o caso em
questão, as regras previstas para o casamento putativo. Assim sendo, as
Marias que ignorassem a existência da primeira união constituída – com Maria
Antonia –, poderiam pleitear a aplicação analógica do que consta do já
transcrito art. 1.561 do atual Código Civil. Filia-se a esse entendimento
Euclides de Oliveira, segundo o qual,
O mesmo se diga das uniões desleais, isto é, de pessoa
que viva em união estável e mantenha uma outra
simultânea relação amorosa. Uma prejudica a outra,
8 Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. Direito de Família. 17.ed. São Paulo, v.5, 2002, p.321.
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descaracterizando a estabilidade da segunda união, caso
persista a primeira, ou implicando eventual dissolução
desta, não só pelas razões expostas, como pela quebra
dos deveres de mútuo respeito. Do que ficou exposto,
conclui-se que não é possível q simultaneidade de
casamento e união estável, ou de mais de uma união
estável. Mas cumpre lembrar a possibilidade de união
estável putativa, à semelhança do casamento putativo,
mesmo em casos de nulidade ou anulação da segunda
união, quando haja boa-fé por parte de um ou de ambos
os cônjuges, com reconhecimento de direitos (art. 221 do
CC/16; art. 1.561 do NCC). A Segunda, terceira ou
múltipla união de boa-fé pode ocorrer em hipótese de
desconhecimento, pelo companheiro inocente, da
existência de casamento ou de anterior ou paralela união
estável por parte do outro. Subsistirão, em tais condições,
os direitos assegurados por lei ao companheiro de boa-fé,
desde que a união por ele mantida se caracterize como
duradoura, contínua, pública e com o propósito de
constituição de família, enquanto não reconhecida ou
declarada a nulidade.9
Esse segundo entendimento também apresenta alguns problemas. O
primeiro é que a união estável não se iguala ao casamento, conclusão retirada
do próprio Texto Constitucional. Ora, como o art. 226, § 3º, da Lei Maior prevê
que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, tais
institutos não são iguais, porque institutos semelhantes não são convertidos
um no outro. Por certo, o conceito e os requisitos do casamento são diferentes
dos da união estável. O segundo problema reside na necessidade de provar o
início dos relacionamentos, a fim de ordenar as uniões paralelas no tempo e
apontar qual é a união estável e quais são as uniões putativas.
9 Euclides de Oliveira. União Estável. 6.ed. São Paulo, 2003, p.128.
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De qualquer forma, essa parece ser a posição mais justa dentro dos
limites do princípio da socialidade, com vistas a proteger aquele que, dotado de
boa-fé subjetiva, ignorava um vício a acometer a união. Assim sendo,
merecerá aplicação analógica o dispositivo que trata do casamento putativo
também para a união estável putativa. No caso descrito, como todas as Marias
ignoravam a situação, poderão pleitear a aplicação das regras decorrentes da
união estável, como o pagamento de alimentos no caso de dissolução. Sem
prejuízo disso, por ter o convivente agido com má-fé, as Marias poderão ainda
pleitear dele indenização por danos morais, se os mesmos estiverem
configurados, diante do desrespeito à boa-fé objetiva. A responsabilidade
objetiva de Tício tem fundamento o abuso de direito cometido, previsto no
mesmo art. 187 do novo Código Civil, bem como a quebra dos deveres anexos
decorrentes da boa-fé.
De qualquer forma, se uma Maria não ignorar a existência da união
plúrima do seu convivente, não terá a mesma direito à aplicação das regras da
união estável putativa, já que não ignorava o impedimento. Também não
poderá requerer indenização, pois não há que se falar em abuso de direito
quando ambas as partes agem de má-fé no negócio jurídico celebrado.
Após a análise dessa segunda corrente, repita-se, para nós a mais justa,
abordemos um terceiro entendimento, pelo qual todas as uniões constituem
entidade familiar, devendo ser reconhecido os direitos de todas as Marias,
independente de qualquer coisa. Essa corrente é encabeçada por Maria
Berenice Dias.
De qualquer forma, também há problemas nesse entendimento: primeiro,
por desprezar a fidelidade como fator essencial ou quase essencial à união
estável; depois, por desprezar os próprios requisitos da sua caracterização,
pois a união deve ser exclusiva. De qualquer modo, a visão dessa corrente
também tem um cunho social relevante pela relação com a boa-fé objetiva.
Para concluir, percebe-se que surgem vários problemas práticos
decorrentes da união estável plúrima. Em casos tais, a boa-fé objetiva pode
também ser útil para resolver a problemática decorrente dessa entidade
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familiar bastante freqüente na realidade. De qualquer modo, recomenda-se
prudência na análise casual das questões fáticas que a envolvem.
Imagine-se outro caso concreto, mais uma vez em pequena cidade do
interior de Minas Gerais, onde uma ex-mulher paga cerca de R$ 1.000,00 (mil
reais) por mês a título de alimentos ao ex-marido, que vive exclusivamente
com o montante que lhe é pago pela ex-esposa: não trabalha, bebe todos os
dias, é viciado em jogo, boêmio notório, violeiro cantador, e diz a todos que a
outra é quem lhe mantém. Tem duas amantes e vive fazendo escândalos nos
botecos da cidade. Nesse caso, não seria aplicado o art. 1.708, parágrafo
único, do atual Código Civil? Não cessaria o dever alimentar da credora?
Acreditamos que sim, desde que seja formulado pedido exoneratório e seja
construída a prova desse comportamento indigno.
Para a caracterização desse procedimento desrespeitoso, entrará em
cena a tese dos deveres anexos, a qual se relaciona com a boa-fé objetiva,
particularmente quanto ao dever de respeito, que também deve estar presente
após a dissolução da sociedade conjugal ou mesmo do casamento.
Desse modo, acreditamos que o art. 1.708, parágrafo único, está a
apresentar uma espécie de responsabilidade pós-negocial casamentária ou
pós-contratual – para aqueles que defendem a tese pela qual o casamento e a
união estável são contratos –, decorrente da boa-fé que também é exigida em
todas as fases do casamento, negócio jurídico por excelência.
É interessante deixar claro que, pelo art. 1.576 do novo Código Civil, a
separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca,
bem como ao regime de bens. Entretanto, a dissolução da sociedade conjugal
ou mesmo do casamento não põe fim aos outros deveres decorrentes do
matrimônio previstos no art. 1.566 do mesmo Código: o dever de mútua
assistência; o dever de sustento, guarda e educação dos filhos e o dever de
respeito e considerações mútuos. O dever de respeito e consideração também
é mantido com a dissolução da união estável. Tanto no casamento quanto na
união estável esse último dever não pode ser quebrado, sendo inerente à
eticidade que regulamenta o Direito Privado, sob pena de caracterização do
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comportamento indigno e aplicação do art. 1.708, parágrafo único, do atual
Código Civil.
Mas que fique claro: é preciso prudência do magistrado para
preenchimento da cláusula geral contida no comando legal em comento. Mero
exercício de um direito afetivo ou amoroso não gera a quebra da boa-fé. Como
sempre, recomendamos a análise caso a caso das relações familiares.
2.1.1 Indenização por serviços prestados.
O papel da jurisprudência nacional foi fundamental no reconhecimento da
união estável como uma das formas da família brasileira. Ante a ausência de
leis que cuidassem com maior afinco da proteção das relações concubinárias,
os tribunais nacionais realizaram função extremamente importante no início da
proteção de que hoje goza esta relação de fato. Até o advento da Lei 8.971/94,
havia doutrinadores nacionais que relutavam em achar possível a concessão
de alimentos entre os concubinos.
Como lembra Rodrigo da Cunha Pereira, no intuito de substituir a
obrigação alimentar que ainda não vinha sendo aceita pelos juristas, vieram
alguns tribunais a conceder uma indenização pelos serviços prestados pela
concubina, no lar do casal, durante a existência da união. Era vexatório à
concubina, depois de tantos anos dedicados ao lar e à família, dando todo o
carinho e apoio ao companheiro, submeter-se à humilhação de buscar uma
indenização por serviços prestados a ele, por ocasião da dissolução do
concubinato.
Contudo, foi essa a fórmula encontrada pelos tribunais pátrios para não
deixar a concubina, após o rompimento da união estável, completamente
desamparada e sem a possibilidade de começar nova vida, desprovida do
apoio do ex-companheiro.
Obviamente, tal indenização sofrida pelo companheiro também não
representava reparação em virtude de ato ilícito por ele praticado. Poder-se-ia
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até dizer que a mencionada indenização tinha a finalidade de compensar a
participação que a concubina teria no crescimento, sob todos os aspectos, do
casal e, mais precisamente, do ex-companheiro, que, ao final, era compelido a
cumprir tal obrigação. Assim, tinha-se a finalidade de tentar amenizar a
situação de penúria em que se encontrava a vida da concubina, que, após o
decorrer de tantos anos de dedicação e amor ao companheiro, bem como à
família dali originada, ficava desamparada, ao alvedrio da sorte, principalmente
por não se ter preocupado em formar patrimônio próprio para o seu sustento.
2.1.2 Os direitos e deveres entre os companheiros.
Descumprimento. Responsabilidade
A Lei 9.278/96, que regulamentou o § 3° do artigo 226 da Constituição
brasileira, trouxe os direitos e deveres recíprocos entre os concubinos. O
citado diploma legal, como vimos destacando, inovou no relacionamento
concubinário. Atualmente, os conviventes, na união estável, são obrigados a
observar regras semelhantes àquelas inerentes ao contrato matrimonial.
Antes da promulgação da Constituição de 1988, havia autores que
entendiam não existirem deveres impostos aos conviventes em sede de
concubinato, ante a perfeita liberdade que havia entre ambos.
Entretanto, nos dias de hoje, a situação é diversa. Autores brasileiros,
como Álvaro Villaça, Rui Geraldo Camargo Viana e Zeno Veloso, são
categóricos em afirmar que estes deveres impostos aos concubinos retratam a
situação atual em que os mesmos se encontram. Em razão da existência
desses deveres impostos aos conviventes, como poderíamos resolver os
casos de descumprimento?
Caso algum dos companheiros venha a descumprir um desses deveres,
pode o outro pleitear a dissolução da sociedade concubinária, devendo aquele
que for responsável pela desunião do casal responder por uma possível
prestação alimentícia. Isso não quer dizer que, havendo o descumprimento de
um desses deveres impostos no artigo 2° da Lei 9.278/96, por parte de um dos
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companheiros, automaticamente deve ele responder por uma conseqüente
indenização pelo suposto prejuízo causado ao outro.
Se o homem faltar com o respeito à sua mulher, levando ao rompimento
do casal, por exemplo, não quer dizer que este fato, por si só, venha
possibilitar indenização por parte do companheiro em favor da companheira. O
inadimplemento a dever, constante dos incisos do artigo 2° da Lei 9.278/96,
não deverá ensejar, imediatamente, responsabilidade civil daquele que o
descumpriu, em favor do outro que não contribuiu para esse fato.
Entretanto, isto não significa que devamos afastar a idéia de
responsabilidade civil entre os conviventes. Ante a prática de um ato ilícito de
um companheiro contra o outro, o autor do dano não poderá ficar imune ao
ressarcimento de um possível prejuízo causado ao seu companheiro, em
virtude deste ato. Mesmo que tal ação venha a pôr em risco a sociedade
concubinária, colocando em xeque a união estável existente entre o casal,
vindo até a ser dissolvida, a nosso ver, causando qualquer espécie de dano,
deve o seu autor ser responsabilizado por este prejuízo.
Aguiar Dias aduz que a doutrina e a jurisprudência negam a reparação de
dano pela simples ruptura do concubinato, mas há casos que, pela situação
em que a concubina se encontrava após a separação, mereceram uma
preocupação maior por parte do julgador.
O Professor Aguiar Dias, comentando um antigo julgado de Minas Gerais,
que não concedeu nenhum direito à concubina abandonada pelo concubino,
ficando completamente desamparada, mostra um certo descontentamento com
esta decisão. Por seus argumentos, ela mereceria alguma forma de
indenização, já que, após longos anos de casamento religioso, foi abandonada
pelo seu companheiro. Este último, pessoa abastada, deixou a companheira,
mulher ignorante, sem o seu sustento, juntamente com os filhos do casal.
Ainda na primeira metade do nosso século, o citado mestre já entendia
que, em determinados casos, a concubina poderia ser credora de indenização
por danos por ela sofridos em função de atos praticados pelo seu ex-
companheiro.
39
Sendo assim, cremos que o simples fato da ruptura não enseja reparação
de danos por parte de um dos companheiros em favor do outro. No entanto,
nada impede que, no momento da dissolução, tenha um dos companheiros
praticado um ato ilícito que venha a causar prejuízo moral ou material ao outro,
mesmo que este ato seja o motivo da ruptura da união. Se assim ocorrer, deve
este dano ser ressarcido.
Moura Bittencourt, ao analisar as dissoluções das uniões concubinárias
de longa duração, admite a possibilidade de reparação de dano moral, mas
desde que o ato ilícito seja praticado por um terceiro. Entende-se que tal
reparabilidade deve se originar de qualquer ato ilícito, seja de terceiro, seja
ainda praticado por qualquer dos dois concubinos.
Para dar sustentação fática para este pensamento, imaginemos duas
situações. Suponhamos que uma mulher que tenha vivido em concubinato com
determinado homem, sem motivo algum tenha sido bastante surrada por ele,
chegando a se separar em virtude desse espancamento. Esta surra ocorreu de
uma forma tal que lhe causou deformidade permanente em toda a sua face.
Mesmo tendo este fato sido o motivo da dissolução do casal, não poderia
ela receber indenização pelo dano moral sofrido?
Nesse mesmo sentido, imaginemos determinada mulher que, após tantos
anos de convívio com seu companheiro, venha a injuriá-lo de tal forma que
impossibilite a vida em conjunto, mormente em uma cidade pequena ou média,
onde quase todos os habitantes se conhecem. Será que este homem,
sofrendo imensamente com o que a sua companheira fez, não poderia pleitear
uma espécie de indenização pelo prejuízo moral por ele vivenciado?
Será que, somente pelo fato desta injúria ter sido o verdadeiro motivo da
dissolução da união estável, ele não poderia ver o seu provado dano moral
ressarcido?
Entende-se que nesses dois casos acima exemplificados, caracterizados
os danos vividos por eles, podem os mesmos vir a pleitear a indenização
devida. Os tribunais brasileiros já se têm manifestado a respeito da
responsabilidade civil entre conviventes, com posições divergentes.
40
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça entendeu não ser possível a
caracterização do ilícito civil de sedução com promessa de casamento, de que
fala o inciso III do art. 1.548 do Código Civil, em favor de mulher separada,
mãe de dois filhos, que manteve relacionamento sexual livre com o homem
com quem vivia. Quanto à contaminação pelo vírus da AIDS de um
companheiro pelo outro, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser
possível a indenização por dano moral e patrimonial para aquele que foi
contaminado pelo outro.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu não caber, em favor
da concubina, nem indenização por serviços prestados, muito menos por
danos morais praticados pelo concubino. No primeiro ponto, em razão de tais
serviços serem decorrentes do dever de mútua assistência, e no segundo, em
virtude da "inviabilização da relação afetiva" ser da ordem natural da vida.
Segundo este Tribunal, não se pode falar em indenização por danos
morais no momento da ruptura da vida em união estável. Contudo, visto desta
forma, chega-se à conclusão de que qualquer dano moral sofrido por um
companheiro praticado pelo outro, no momento da dissolução do concubinato,
não deve ser ressarcido.
Não se deve concordar com a generalidade decorrente dessa decisão do
Tribunal gaúcho, pois, assim sendo, estar-se-á deixando de lado o
mandamento constitucional de indenizar dano moral sofrido, insculpido no
inciso X do artigo 5° da Constituição brasileira. O dano moral, mesmo o
praticado por um companheiro contra o outro, ainda que este ato seja o
causador da ruptura da união estável, deve ser ressarcido.
Os tribunais nacionais ainda não firmaram posição definitiva e segura
quanto à possibilidade ou não de indenização por ato ilícito de companheiro,
durante a vigência da união estável. Há divergências, as quais os Magistrados,
no futuro, diante do caso concreto, saberão estudar, analisar, e tratar do modo
que a atualidade exige. Mas devemos fixar a idéia de que para o caso de
responsabilidade civil por ato delituoso de um companheiro são aplicáveis
todas as regras, fundamentos e princípios que regem a responsabilidade civil
geral. Isto se deve, a nosso ver, à necessidade de aplicar o princípio
41
fundamental da responsabilidade civil, de que todo e qualquer prejuízo deve
ser reparado. Desse modo, as indenizações advindas da prática de ato danoso
de um companheiro contra o outro não necessitam da criação de uma nova
modalidade de reparação civil, com legislação própria e regras diferenciadas.
Estes ressarcimentos devem ser tratados pelos próprios fundamentos da
responsabilidade civil em geral.
A união estável, como entidade familiar consagrada constitucionalmente,
possui, em nossos dias, um sistema capaz de trazer instrumentos jurídicos
suficientes para amparar os companheiros quando deles necessitarem.
As obrigações alimentares, antes compensadas pelas indenizações por
serviços prestados, requeridas pela companheira que, ao ficar sozinha, depois
de uma longa vida em comum, encontrava-se desamparada, hoje são
praticamente incontestáveis. No entanto, é necessário haver prova irrefutável
da existência da união duradoura, preenchidos os requisitos da
necessidade/possibilidade, ao lado da responsabilidade na ruptura da união.
A responsabilidade civil entre os conviventes deve seguir os mesmos
fundamentos de direito comum. O dano praticado por um dos conviventes
contra o outro não pode ficar sem o conseqüente ressarcimento. Se este dano,
seja ele de que espécie for, praticado por qualquer dos companheiros, não
puder ser indenizado por quem tenha lhe dado origem, cairá por terra o
fundamento principal da responsabilidade civil, qual seja, do ressarcimento do
dano sofrido. Eximir a indenização do dano moral praticado pelo homem contra
sua ex-companheira, apenas pela afirmação de que a "inviabilização de
relações humanas, notadamente de relações afetivas na vida comum, é da
ordem natural das coisas", significa deixar o causador do dano suficientemente
crente de que estas e outras ações contra a sua companheira ficariam sempre
impunes.
2.2 Responsabilidade Civil nas Relações Paterno-Filiais.
42
Ao tratar da família, os autores modernos sempre travaram o desafio de
demonstrar racionalmente quais os fundamentos da autoridade e da
dependência entre os seus componentes. É claro que este em direito de
família era (como sempre é) um princípio corrente; mas, por mais consensual
que fosse a idéia de autoridade marital e paterna, sempre houve a
necessidade de evidenciar os seus fundamentos. Qual efetivamente seria a
razão e o fundamento da existência perenizada de um poder familiar, a
significar uma autoridade dos pais sobre os filhos, garantida pelo Estado, e que
permite àqueles determinar a vida destes. O que é que, enfim, impulsiona o
Estado a conceder e garantir dito poder?
A argumentação original é, novamente, a que se aperfeiçoa na noção da
natureza.
Os filhos vêm ao mundo na dependência completa dos pais, e assim
permanecem enquanto não se tornam, eles mesmos, adultos ou emancipados.
A dependência natural é tão certa e inegável, que sequer pode ser recusada
pelos pais. Perfeitamente compreensível e aceitável.
Mas a questão que insiste em não calar, e que decorre desta singela
verdade versa sobre a dúvida de qual seria a origem da autoridade dos pais?
Ou, em outros termos, por que a dependência dos filhos equivale a uma
dominação por parte dos pais, a uma autoridade destes sobre aqueles, enfim?
Segundo Giselda Hironaka,
O poder familiar, justamente, não é um poder acidental,
involuntário. Ele é exercido pelos pais como dominação
sobre os filhos. Já que é uma dominação, talvez o poder
familiar não envolva nenhum componente afetivo. Ao
menos, nenhum componente positivamente afetivo, como
a generosidade com respeito aos filhos.
Ao contrário, talvez o seu sentido seja sempre, ou
prioritariamente, negativo, no sentido de um
aproveitamento ou ‘usufruto’ dos filhos, um exercício
desenvolvido – talvez – mais em benefício dos próprios
43
pais, do que para a alegria ou proveito dos filhos. Por que
isso? Porque, de ponta a ponta, na relação entre pais e
filhos simbolizada pelo pátrio poder, os filhos não têm
poder nenhum.
A idéia de pátrio poder, assim, pressupõe algo
semelhante à antiga concepção da subordinação da
mulher ao homem: ela é devida segundo a natureza. Ela
é devida porque a parte dominada na relação é mais
fraca, é mais débil... Numa palavra, é dependente da
outra.10
Discordando desse entendimento e com brilhantismo, sustenta Maria
Berenice Dias que
O poder familiar, sendo menos um poder e mais um
dever, converteu-se em múnus, e talvez se devesse falar
em função familiar ou em dever familiar. Não se trata de
uma autoridade,mas de um encargo imposto por leis aos
pais. O poder familiar é sempre trazido como exemplo da
noção de poder-função ou direito-dever, consagradora da
teoria funcionalista das normas de direito de família:
poder que é exercido pelos genitores, mas que serve ao
interesse do filho11.
Na família marcada pelo poder familiar, como compreender, assim, algum
fundamento natural ou racional para a responsabilidade dos pais diante dos
filhos?
Aos olhos do Estado, a relação entre pais e filhos é a de uma sociedade
causada por vontades completamente particulares, que não têm poder nem
legitimidade para transferir sua causalidade ao Estado, se este não o desejar.
10 Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta, Belo Horizonte. Del Rey 2005. 11 Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre. Livraria do Advogado.
44
Porque causam os filhos, os pais causam, conjuntamente, todos os gastos
envolvidos na sua manutenção e desenvolvimento.
Se assim é, por qual motivo o Estado ou outra entidade que não os
próprios pais, poderia ou deveria ser considerado co-responsável nessa
criação? Se – e somente se– considerarmos que por nenhum motivo, então,
de fato, a relação paterno-filial pode ser avaliada como uma relação de um
senhor com seus próprios bens. Apenas isso.
Assim entendida, contudo, a relação paterno-filial não envolve, é claro, o
poder paterno de decidir pela vida ou morte dos filhos (isto era coisa dos
déspotas antigos), mas envolve, sim, uma precedência na determinação
externa da vida dos filhos.
Quem deve decidir o destino e as preferências dos filhos, seria o caso de
se perguntar – o Estado ou os pais? Ou, ao menos, quem tem precedência
nessa decisão – o Estado ou os pais? Não importa qual seja a resposta que se
dê, se a opção for por um dos dois – o Estado ou os pais – se estará, com
isso, aceitando a idéia de que os filhos são coisa..
Pais e Estado – assim como toda a sociedade, afinal – não podem, em
momento nenhum, tratar a criança como coisa só pelo fato de ser ela sem
experiência ou sem atividade produtiva, sem maturidade espiritual ou sem
autonomia material. A criança, apesar de seu estado de extrema e concreta
dependência, é um ser humano como qualquer outro, é um ser desejante e
emotivo como qualquer outro, que sente dor diante da crueldade alheia e
revolta por não lhe ser concedida a liberdade que é capaz de administrar
sozinha. E é por ser dotada desse desejo e dessa necessidade que a criança,
enfim, é dotada de dignidade e assim deve ser respeitada. Não respeitar essas
necessidades e negar a relevância do desejo é tratar a criança como coisa, é
efetivamente ser violento com ela, o que afasta, em definitivo, qualquer relação
ética com a criança.
Se é o caso de pensar a responsabilidade na relação entre pais e filhos,
vale a pena pensá-la apenas pelo viés do direito ou é o caso de pensá-la a
partir especialmente da ética? É o caso de pensá-la em ambos os planos,
45
necessariamente, inclusive porque nenhum deles é válido sem o outro, na
consideração da responsabilidade.
Importante também é verificar que as considerações acerca da
responsabilidade na relação entre pais e filhos não devem se reduzir ao fato de
se averiguar quais são as obrigações que já existem, ou que decorrem desta
relação por sua própria condição e estrutura natural, nem de se averiguar quais
são os meios de compensação de danos na má gestão dessa autoridade
paterna, por vez patriarcal.
Sob esse viés multifacetado da relação paterno-filial, surge a seguinte
indagação: o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais?
A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade
ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na
construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da
idéia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão
baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família
quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar.
As relações de família, já que se dão no interior de uma sociedade,
tendem a atravessar constantemente essa tensão que ora distancia, ora
aproxima, as relações de poder e as relações de afeto. Consideremos que a
relação em família não precise ser uma relação de poder, ainda que haja quem
considere isso impossível. Mas se ela não é uma relação de poder, ou de
dominação, o que ela é ou pode ser? Somente uma relação afetiva.
Isso, para o que entendemos por família, faz sentido, mas a concorrência
entre afeto e interesses familiares não é tão evidente quanto deveria, o que
exige, uma atenção especial à condição dessas pequenas sociedades como
ligações mantidas nuclearmente pelo afeto.
Conceber as famílias como associações determinadas pelo afeto significa
necessariamente recusar que sejam determinadas por uma relação de
dominação ou poder.
Paralelamente, significa dar a devida atenção às necessidades
manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Poder-se-
ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por
46
sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos em vez de tristeza ou ódio
recíprocos, é uma vida coletiva em que se estabelece não só a autoridade
parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade paterno-filial.
2.2.1. Abandono Afetivo e Responsabilidade.
No momento atual, uma nova discussão vem à tona entre os operadores
do Direito. Discussão essa salutar, que proporciona valiosos posicionamentos
e renovações no campo do direito de família, de caráter tão transformador.
Assim, a discussão quanto ao Projeto de Lei 700/2007, de autoria do
Senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que caracteriza o abandono moral dos
filhos pelos pais como ilícito civil e penal. A proposição modifica o Estatuto da
Criança e do Adolescente ao acrescentar na lei a obrigação parental de
assistência moral que permita o acompanhamento da formação psicológica,
moral e social da criança. Em casos de negligência, o pai ou mãe pode ser
preso (a) e ainda pagar indenizações.
A tese do abandono moral, abandono afetivo ou abandono paterno-filial,
também denominada de teoria do desamor, tem sido discutida amplamente
pelas páginas da doutrina brasileira, tanto por autores que se dedicam à
responsabilidade civil, quanto entre os familiaristas.
Inicialmente, se analisa elementos que compõem a responsabilidade civil,
o instituto dessa responsabilidade e as peculiaridades quanto às regras que
regem o Direito de Família.
A Constituição Federal no artigo 227 dispõe sobre direitos da criança e do
adolescente, colocando dentre esses o direito à convivência familiar,
atribuindo-o como dever da família, da sociedade e do Estado. No mesmo
sentido discorre o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Atente-se para o fato de tratarem esses dispositivos de dever da família,
da sociedade e até mesmo do estado e não apenas de dever dos pais. Essa
ressalva é importante, pois, como abordado anteriormente, atualmente admite-
47
se diversas formas de entidades familiares, como, por exemplo, a formada por
irmãos. Desse modo, as obrigações disciplinadas nesses artigos também são
atribuídas a esses membros.
A convivência familiar assegurada é aquela espontânea, baseada no
afeto, salutar para os seus componentes, principalmente para as crianças. Ao
colocar a convivência familiar como dever da família, não desejou o legislador
impor uma relação que não existe. Não se pode aqui olvidar que a família
hodierna é aquela construída a partir da afetividade, sendo a convivência
familiar fundamental para a formação da criança.
O descumprimento desse dever de convivência familiar deve ser
analisado pela seara do direito de família, sendo o caso para perda do poder
familiar, uma vez que reste configurada a falta. Esse entendimento defende o
melhor interesse da criança, pois um pai ou uma mãe que deixa de conviver
com o filho não merece ter sobre ele o poder familiar. Não seria a indenização
pecuniária que o faria agir diferente.
A doutrina diverge quando a aplicabilidade ou não da responsabilidade
civil no direito de família. Cientes da divergência analisa-se a questão sob os
seguintes elementos: conduta, dano, nexo de causalidade e culpa .
Partindo da conduta, seja essa uma ação ou uma omissão, percebe-se
que no caso o que poderia ser configurado como tal era o descumprimento do
dever de convivência familiar e não a falta de afeto. Impende frisar, como já
asseverado anteriormente, que o próprio direito de família prevê punições
específicas para a inobservância dos deveres parentais, vez que se considera
presente a omissão no caso de desrespeito ao direito do filho à convivência
familiar, se o pai agiu voluntariamente e de forma injustificada.
Quanto ao dano, para ser indenizável ele precisaria ser certo e injusto. No
caso do abandono afetivo o dano seria o psicológico, não podendo ser dado
como certo e injusto. Injusto é o dano causado voluntariamente, que podia ser
evitado pelo agente. Nas relações familiares há condutas naturais dotadas de
sentimento que não dependem da vontade da pessoa. Não é questão de ser
justo ou não os pais amarem o filho, mas sim uma questão natural para a qual
ninguém pode ser compelido. Outrossim, o dano causado pelo abandono
48
afetivo jamais poderá ser configurado como certo, pois nada fará cessá-lo,
nem mesmo o fim de uma ação judicial que indenize o filho em pecúnia. Quiçá,
com o trâmite processual, o dano até aumente devido aos desgastes que uma
ação traz para os seus litigantes.
O elemento nexo de causalidade, por sua vez, seria difícil de ser
verificado. Como dar a certeza de que o abandono de um dos genitores foi a
causa de um abalo psicológico? Até que ponto pode se mesurar os danos
psíquicos e a real origem desse dano?
Destaque-se que o abalo emocional nunca é provocado por um fato
único, mas por uma cadeia de fatores unificados entre si. Não é uma
decorrência lógica e certa que o filho desprovido de afeto paternal sofrerá
necessariamente um dano. Ainda, deve-se chamar atenção para a reação do
ser humano, pois existem formas diferentes de interpretar e reagir diante da
mesma situação.
O abalo psicológico também pode ser desencadeado por fatores outros,
que não a ausência paterna, sendo proveniente do meio onde o indivíduo vive,
das demais pessoas, com quem mantém relacionamentos, sua índole, seu
jeito de ser, sua forma de amar.
Por fim, ter-se-ia ainda que constatar a culpa para configuração do dano
moral. Age com culpa quem poderia agir de maneira diversa, tendo em vista
um dever preexistente. Na subjetividade do que seja afeto, concluir-se-ia pela
impossibilidade de condenar alguém por não ter afeto por outrem, visto que
poderá ocorrer do agente ter a consciência plena que deu afeto e o ofendido
achar exatamente o inverso, ou achar que o afeto dado não foi o suficiente.
Alguns sustentam que não há lógica em culpar alguém por não amar, pois não
existe um dever geral de amar como um dever geral de cautela.
Interessante observar o que seria protegido com a responsabilização pelo
abandono afetivo. Pois indenizar significa tornar “sem dano”. Contudo, quando
o dano é moral, não há como "indenizar", o que pode existir é uma reparação.
Vale ainda questionar como se daria a mensuração da indenização
devida. De acordo com o artigo 944, caput, do Código Civil, a fixação da
indenização deve ser de acordo com a extensão do dano.
49
Ora, se o valor da reparação for fundado nas condições financeiras do
pai, então o caráter da indenização seria claramente punitivo. Se for fundado
na gravidade do dano, como mensurá-lo diante da própria dificuldade em
constatá-lo? A inviabilidade de quantificar um dano por abandono afetivo é
notória, sendo impossível ao menos estabelecer uma data para seu início e
para o seu término.
Por fim, levando-se em consideração a condição pessoal da vítima,
restaria configurada a indenização como um meio para melhorar a situação
financeira do autor. Estabelecer um quantum debeatur coerente com este tipo
de indenização seria uma atividade árdua e, provavelmente, subjetivamente
perigosa, gerando reparações pecuniárias de valores ínfimos e também
exorbitantes.
E o que falar das famílias de baixa renda? Será que não estar-se-ia
dando conta que essa Lei servirá para beneficiar ou para sanar os danos
psicológicos daqueles que possuem boas condições financeiras? Pois, como
será exigida uma indenização de quem nem mesmo possui recursos para sua
própria sobrevivência?
Ou ainda, como requer a reparação por parte do Estado, que mantém
milhares de crianças e adolescentes nas ruas ou em abrigos com péssimas
condições para o desenvolvimento físico e psicológico? A responsabilidade e o
dever do ente público de dar educação, saúde, condições de desenvolvimento,
ambiente sadio, que garantam o pleno desenvolvimento psicológico, será
buscada? Iremos adentrar no judiciário com ações de reparação por dano
afetivo, ou melhor, como preleciona o Projeto de Lei: “obrigação de assistência
moral que permita o acompanhamento da formação psicológica, moral e social
da criança”, contra as administrações públicas?
É preciso prestar atenção para não deixar nascer uma norma seletista,
que acabará por beneficiar poucos, dentre milhares de crianças que vivem em
completo abandono.
50
2.2.2. A Boa-fé Objetiva e o Reconhecimento dos Filhos.
Tema explosivo do atual Direito de Família que gera várias repercussões
práticas é o reconhecimento de filhos. A matéria está tratada pelo Código Civil
de 2002 (arts. 1.596 a 1.617), pela Lei n. 8.560/1992, pela Lei n. 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente) e também pela Constituição Federal de
1988, que igualou em direitos todos os filhos, havidos ou não durante o
casamento, em direitos patrimoniais e extrapatrimoniais (art. 227, § 6º).
Acreditamos que, no âmbito das relações privadas de cunho familiar, a
matéria reconhecimento de filhos é aquela que hoje gera um maior número de
questões controvertidas para o aplicador do Direito: a relativização da coisa
julgada em ações de investigação de paternidade; as presunções advindas do
art. 1.597 do atual Código Civil (pater is est); a certeza absoluta ou não do
exame de DNA, que revolucionou a matéria; a paternidade ou parentalidade
socioafetiva; as presunções advindas da negativa à realização do exame e os
limites de incidência da Súmula n. 301 do Superior Tribunal de Justiça.
Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça: “Em ação
investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao
exame de DNA induz presunção juris tantum de
paternidade.
Aqui se apresenta mais uma questão polêmica sobre o tema: a aplicação
da boa-fé objetiva para as questões que envolvem o reconhecimento de filhos.
No caso em questão, não pretendemos aplicar os arts. 113 e 422 do novo
Código Civil, pois não há um negócio jurídico constituído entre as partes
envolvidas, mas sim o art. 187 da mesma codificação a casos que se tornam
cada vez mais comuns no dia-a-dia.
Mais uma vez, caso prático será muito importante para captar a matéria
que estamos discutindo. Imaginemos, mais uma vez, que a história ocorra em
uma pacata cidade do interior do Estado de Minas Gerais. Tício é um jovem
51
empresário, solteiro e filho de uma rica família da cidade interiorana. Certo dia,
ele tem relação sexual com Maria José, o que aconteceu apenas uma noite.
Um mês após o ocorrido, Tício recebe a notícia de Maria José: ela está grávida
e o filho é seu. Tício desconfia, pois lembra que tomou todas as precauções
naquela noite. De qualquer modo, a dúvida incomoda-o. Mesmo assim, movido
pela boa-fé, o jovem acredita no que lhe foi confidenciado, mas mantém a
notícia escondida de toda a sociedade e de sua família. Justamente por
acreditar na história e por agir de boa-fé, Tício passa a sustentar o nascituro e
Maria José. Aluga um apartamento para eles residirem, paga-lhes todas as
despesas mensais. Mesmo assim, a situação atormenta o jovem empresário:
além da dúvida, ele sente angústia, depressão em decorrência de todo o
ocorrido. Mas prefere não contar nada à sua família. Oito meses depois, a
criança nasce. Tício vai visitá-la e, quando a conhece, a desconfiança
transforma-se em quase certeza: a criança em nada parece com ele. Assim
sendo, não registra a criança em seu nome. Tício procura um advogado e o
profissional recomenda que seja feito um exame extrajudicial de DNA em
laboratório idôneo. A mãe hesita no início, mas acaba submetendo-se à
perícia, junto com o filho. O exame constata, com 99.99% de certeza que Tício
não é o pai da criança.
O ódio o acomete e ele quer receber todos os alimentos que pagou à
criança desde a notícia dada por Maria José até o resultado do exame. Por
certo, não poderá pleitear os alimentos pagos, pois os mesmos são
irrepetíveis, não cabendo a actio in rem verso. Mas, sem dúvida, Maria agiu de
má-fé. Com certeza, ela sabia que Tício não era o pai de seu filho. Aliás, se
tinha dúvidas, não deveria ter informado o jovem empresário daquela forma.
Nesse caso, o desrespeito à boa-fé é flagrante. Podemos até defender a
aplicação máxima tu quoque, apontada pelo Direito Comparado como fórmula
relacionada com a boa-fé objetiva, ou seja, a fórmula tu quoque traduz, com
generalidade, o aflorar de um regra pela qual a pessoa que viole uma norma
jurídica poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma
norma lhe tivesse atribuído. Maria violou um direito relacionado com a
confiança e tentou tirar benefícios dessa violação.
52
Defende-se que a tu quoque está também amparada na vedação de que
a pessoa não faça contra o outro o que não faria contra si mesmo. Em
decorrência da boa-fé, a violação desse dever gera o abuso de direto, nos
moldes do art. 187 do novo Código Civil.
Para concluir, no caso descrito poderá Tício pleitear indenização por
danos morais de Maria Augusta.
Em outra situação, se Maria passar a pressionar Tício ou mesmo lhe
fazer ameaças, dizendo que o filho é seu, poderá o mesmo ingressar com
ação específica com vistas afastar a existência do vínculo de paternidade,
conforme vem reconhecendo a jurisprudência (anexo).
Aliás, a mesma jurisprudência já reconheceu a possibilidade de um
marido enganado pleitear danos morais da esposa, segundo nosso
entendimento, por flagrante desrespeito à boa-fé objetiva. O mesmo julgado
reconhece serem irrepetíveis os alimentos no caso em questão (anexo).
Como se pode perceber, a encerrar o tratamento da matéria, a
responsabilidade civil apresenta uma nova feição, um novo dimensionamento
nas relações de cunho familiar. Muitas vezes, esse novo tratamento surge do
desrespeito à boa-fé objetiva.
53
CAPÍTULO III
DANO MORAL
Segundo Maria Berenice Dias,
A responsabilidade decorrente das relações afetivas
deveria ter por base a repetida frase: “és responsável por
quem cativas”. É só isso que o amor deveria gerar: o
direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz”. No
entanto, não é isso que ocorre em muitos lares, onde a
promessa de amor eterno dá azo a brigas, desavenças e
exercício arbitrário por parte dos componentes do núcleo
familiar.
Há uma acentuada tendência de ampliar o instituto da
responsabilidade civil. O eixo desloca-se do elemento do
fato ilícito para cada vez mais, precocupar-se com a
reparação do dano injusto. O desdobramento dos direitos
da personalidade faz aumentar as hipóteses de ofensas a
tais direitos, ampliando-se as oportunidades para o
reconhecimento da existência de danos.
A tentativa é migrar a responsabilidade decorrente da
manifestação da vontade para o âmbito dos vínculos
afetivos, olvidando-se que o direito das famílias é o único
campo do direito privado cujo objeto não é a vontade, é o
afeto.12
É difícil vencer a controvérsia sobre a responsabilidade civil por ato
praticado no âmbito do direito das famílias, uma vez que a resposta deve levar
em linha de conta inúmeros fatores de ordem jurídica e até moral. Cabe ao juiz
ponderar os valores éticos em conflito, não podendo deixar de perceber que,
12 Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre. Livraria do Advogado.
54
na especialidade da relação fundada no amor, o desaparecimento da afeição
não pode ser, por si, causa de indenização. Na relação conjugal, o princípio da
liberdade juntamente com o da igualdade se sobrepõem ao vínculo da
solidariedade familiar, garantindo ausência de reparação por não haver
propriamente dano moral indenizável.
O princípio da boa-fé objetiva vem se infiltrando no direito das famílias.
Ainda que tenha origem negocial, direciona-se à superação de sua última
fronteira: a das relações existenciais. O dever de lealdade que se
consubstancia na proibição de comportamento contraditório, lastreia-se no
princípio da confiança, que tem como fundamento afeto.
Falando em dano moral e ressarcimento pela dor do fim do sonho
desfeito, pelo jeito o término do noivado também poderia gerar
responsabilidade por dano moral. Quando se dissolve o noivado, com
freqüência é buscada indenização, não só referente aos gastos feitos com os
preparativos do casamento que se frustrou, mas também por danos morais
pelo sonho acabado. A postura que norteia a jurisprudência é no sentido de
não reconhecer a responsabilidade civil pela ruptura unilateral e imotivada do
noivado, deixando de impor pagamento de indenização por dano moral como
sucedâneo da dor e do sofrimento.
Nessas demandas cabe tão-só buscar os danos materiais, competindo à
parte demonstrar as circunstancias prejudiciais em face das providencias
porventura tomadas em vista da expectativa de casamento. Não se indenizam
lucros cessantes, mas os prejuízos diretamente causados pela quebra do
compromisso, a outro título que não o de considerar o casamento como um
negócio, uma forma de obter lucro ou vantagem. Euclides de Oliveira sustenta
a possibilidade de indenização na hipótese de arrependimento injustificado e
rompimento danoso do noivado, como no caso em que um dos nubentes
desaparece às vésperas do casamento, assume novo relacionamento amoroso
ou, ainda pior e mais doloroso, abandona o outro nos pés do altar.
A tendência de nossos Tribunais ainda revela-se tímida no que concerne
à aplicação de ressarcimento por Danos Morais na esfera das relações
familiares, mormente no que tange as relações conjugais e as advindas da
55
união estável, relativamente às violações graves aos deveres inerentes aos
cônjuges ou companheiros, que reputem, outrossim, em graves lesões aos
direitos personalíssimos.
Todavia, é notório que o Dano Moral deve ser oriundo de uma conduta
que ocasione a vítima sofrimento profundo, dor moral no sentido mais amplo,
oriundo da prática de atos considerados inadmissíveis, cujo rol pode ser
inesgotável, pois na atualidade são inúmeras as situações que podem ensejar
o Dano Moral no âmbito do Direito de Família, e não somente na esfera das
relações conjugais, mas também no tocante estado de filiação, como exemplo,
nos casos de abandono material, intelectual e moral do filho, e ainda, na
negativa de reconhecimento da filiação.
Por certo, a caracterização do dano moral sob a ótica das relações
conjugais depende de uma conduta reprovável revestida de ilicitude, que
ocasione a um dos cônjuges, sofrimento profundo, assim considerada
verdadeira dor moral, ou seja, situações normalmente relacionadas a quebra
dos deveres conjugais, eis que a simples ruptura do liame conjugal, via
separação ou divórcio direto consensuais, sem causa culposa, não obstante,
ocasionar sofrimento as partes, não caracteriza o Dano Moral.
As situações que normalmente implicam na reparação dos Danos Morais
podem resultar conseqüências ainda mais graves, do que apenas o
rompimento do dever conjugal, principalmente pelo fato de gerar violação aos
direitos relativos à personalidade do ofendido, isto é, a vida, a honra, a
imagem, a liberdade, ao nome, além de outros, porquanto, o que está em
pauta não é apenas a violação ao direito personalíssimo, mas principalmente
ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.
A discriminação econômica que existe entre homens e mulheres é uma
das causas que mais reflete no âmbito das relações familiares, trazendo
conseqüências desastrosas, uma vez que muitos homens se valem desta
diferença sócio-econômica para constranger, humilhar e violentar física e
psicologicamente esposa ou companheira, utilizando o artifício econômico,
para mantê-las sob o mesmo teto, não obstante viverem uma relação
desgastada e sem amor.
56
É evidente que muitas mulheres vivendo situações análogas de
constrangimento e humilhação, permanecem convivendo com o homem que as
agride fisicamente ou psicologicamente, dada a precária situação econômica
que vivem, bem como o fato de não reunirem condições de sobreviverem sem
a ajuda financeira do marido ou companheiro que ostenta poder econômico.
Desta feita, é inequívoco que em matéria de Dano Moral, no campo do
Direito de Família, os advogados devem preambularmente buscar respaldo na
própria Constituição Federal, mas precisamente nos princípios que prestigiam
a dignidade da pessoa humana, bem como na norma que delega ao estado a
proteção da família, tendo em vista que esta é a base da sociedade, e como
tal, deve ser tratada.
Posto isto, constata-se que a tendência é considerar o elemento culpa
como fator de atribuição de sanção no âmbito do Direito das Obrigações, e não
como elemento que enseja a ruptura do casamento, pois na esfera do Direito
de Família pouco deve importar a existência ou não da culpa para decretação
da dissolução da sociedade conjugal, pois o que se deve levar em
consideração é a impossibilidade do restabelecimento conjugal e a vontade
das partes.
Ademais, a culpa terá papel fundamental como embasador de eventual
pedido de ressarcimento por Danos Morais ocasionados por um dos cônjuges,
em decorrência da violação de deveres conjugais que ocasionem lesão aos
direitos inerentes à personalidade dos cônjuges.
Em suma, neste século a concepção da família, sob todos os ângulos,
almeja novos rumos, frente aos princípios que norteiam nossa Constituição
Federal, tais como, da igualmente e da dignidade da pessoa humana,
porquanto, não se denota justo continuarmos vivendo sob o manto da
desigualdade entre homens e mulheres, ou ainda, agasalhados por normas
retrógradas que não representam a realidade social, quando temos a nosso
favor princípios constitucionais fundamentais que podem e devem pautar as
ações de caráter indenizatório, principalmente no campo do Direito de Família,
ainda que tenhamos que nos socorrer da Analogia, dos Princípios Gerais do
57
Direito, das Legislações e Jurisprudências Alienígenas, ou ainda, de Doutrinas
Nacionais ou Estrangeiras que tratam sobre o assunto com total propriedade.
58
59
60
CAPÍTULO IV
ESTUDO PSICOSSOCIAL APLICADO AO DIREITO
DE FAMÍLIA.
O Direito de Família, com o advento da Constituição Federal de 1988,
adquiriu pela sua própria constitucionalização e ante a sua maior abrangência,
abrigando novas entidades familiares, maiores atenções e exigências de uma
abordagem multidisciplinar.
Os novos direitos de família estão a exigir, em benefício de suas próprias
noções fundamentais e do efetivo exercício que eles reclamam, a atuação
interprofissional daqueles que direta ou indiretamente participam das questões
familiares, de forma preponderante no âmbito judicial.
Posta assim a imperatividade de uma abordagem multidisciplinar no
moderno Direito de Família, reconhecida a sua complexidade no trato de
temas conflituosos e a interdisciplinariedade dos ramos de ciência para o
estudo e solução dos casos, postos ao julgamento judicial, emerge em primeiro
lugar, por convocação urgente e pioneira, a figura do psicólogo clínico-jurídico
ou psicólogo jurídico.
Não há negar a extrema importância do auxílio e da intervenção desse
profissional, a consolidar mais das vezes, o caráter de obrigatoridade, no Juízo
de Família, a tanto que essa atuação tem sido institucionalizada na estrutura
judiciária mediante a instalação de serviços psicossociais forenses, como
serventias de quadros próprios, aparelhadas para as suas atribuições
específicas.
Fundamenta-se essa intervenção na realidade psicossocial dos
processos judiciais de família.
A prática tem revelado o quanto significativo se apresenta o desfecho
judicial sob a moldura da intervenção do psicólogo jurídico, que enriquece o
processo com a avaliação técnica do caso.
Esse contributo está a merecer, inclusive, a consolidação de uma base de
dados, banco de estudos de casos, onde depositados fiquem os laudos
61
periciais e as avaliações clínicas dos personagens em conflito ou das crianças,
terceiros diretamente interessados.
O âmbito de intervenção da psicologia jurídica em face do direito de
família, tem sido reconhecido, proclamado e expandido, eis que predominante
o caráter multidisciplinar das demandas perante o juízo de família, não mais
restringida a atuação do psicólogo apenas às situações de disputa de posse,
guarda e visitação de filhos.
O entrelace de questões jurídicas e psicológicas, solicita a intervenção
especializada, a fornecer instrumentos de avaliação de pesquisa do caso, para
a melhor solução do litígio, em todos os processos judiciais atinentes às
relações de família.
A importância de uma equipe técnica profissional e interprofissional nas
Varas de Família, diante da sua revelada magnitude, reclama, destarte,
tratamento próprio e adequado em termos da estrutura de serviços judiciários,
não devendo, ademais, descuidar a lei a respeito, que deve cogitar da
necessária intervenção dos profissionais da área psicossocial em tais
processos.
É certo, como antes afirmado, que a intervenção do psicológo jurídico não
mais se limita ao subsídio de informações que timbram aparelhar as definições
finais de guarda de filhos. Amplo espaço de atuação apresenta-se, a
demonstrar as intervenções imperativas, em todos as demandas relacionadas
ao Direito de Família.
É significativo, apontar, portanto, no propósito desse trabalho, dentre
muitas questões, as seguintes :
A busca e apreensão de filhos tem a sua aplicação como procedimento
inerente aos incidentes dos institutos da guarda judicial ou da visitação, e
resulta como medida de tutela de urgência diante das circunstâncias do caso
concreto., sem que necessariamente diga respeito às hipóteses em que a
criança buscada esteja em situação de risco ( físico ou psicológico ).
O cumprimento da medida tem se verificado, comumente, quando o filho
menor se acha em disputa de posse ou de guarda pelos pais em conflito
conjugal ou convivencial, não se levando em conta, todavia, as repercussões
62
negativas que o procedimento venha a produzir, originado que se apresente
por razões ditadas e unicamente vinculadas aos interesses mútuos de
retaliação entre os pais em desavença.
Empregada "sem maiores considerações pelas conseqüências de sua
aplicação sobre o psiquismo infantil", lembra, a propósito, Maria Antonieta
Pisano Motta, que a busca e apreensão do filho, sem justificativa razoável,
submete a criança a um risco psicológico sério por se constituir, muitas vezes,
em medida violenta, sempre agressiva em sua execução, porquanto gerada
em situação de violência e desentendimentos dos pais.
Adverte a psicóloga e psicanalista, ex-presidente do Instituto Brasileiro de
Estudos Interdisciplinares de Direito de Família, "dependendo do que a motiva
e da maneira como é conduzida a medida", poder constituir-se a busca num
abuso contra a criança, "quer seja com o significado de mau uso, utilização
excessiva ou transgressão que violenta e traumatiza". Acolhe Maria Antonieta,
nessa linha, o exemplo da medida de busca e apreensão, fundada na
finalidade de obtenção da guarda, "estratégia destinada a atender às
necessidades de genitor que não tem segurança quanto aos resultados de
uma ação ordinária de modificação de guarda e que se utiliza desse meio para
forçar o resultado desejado".
Evidencia-se nesse tipo de disputa de posse e guarda o manifesto risco
de dano psicológico à criança, a demonstrar uma severa necessidade, em
casos judiciais que tais, da intervenção do psicólogo jurídico, tudo a confirmar
a conveniência da medida, diante da própria natureza instrumental ou
provisória de que pode se revestir, impedindo, com efeito, a abusividade ou a
agressividade de sua aplicação.
Novas concepções para a abrangência das indenizações por dano moral,
causado por uma conduta lesiva de um cônjuge (ou convivente) ao outro,
levantadas pela doutrina e pela jurisprudência, reclamam a intervenção do
psicólogo, na compreensão e detecção do problema.
A abrangência e extensão do dano moral puro, consagrado em
pergaminho constitucional (art. 5º, incisos V e X), embora ainda limitadas em
sede do direito de família, podem ser alcançadas na consideração do ato
63
lesivo diretamente associado às conseqüências do sofrimento psicológico dele
resultante.
Exemplos fundamentais dizem respeito ao dano moral provocado por
injúrias, sevícias e agressões físicas praticadas pelo cônjuge ou convivente
contra o outro, caracterizadoras da insuportabilidade da vida em comum, ou
ainda pela infidelidade, quando a quebra desse dever pode gerar o dever de
indenizar, observadas as circunstâncias do caso. Nessa última hipótese, tenha-
se presente, o entendimento de o dever de "fidelidade recíproca" para os
cônjuges guardar similitude ao dever "respeito e consideração mútuos" exigido
aos conviventes.
A possibilidade de indenização entre os cônjuges por dano moral, em
face de ofensas capazes de afetação aos direitos de personalidade do outro,
ou mais precisamente por dano à honra, decorre da teoria da responsabilidade
civil em direito de família defendida em nosso país, com maestria, pela jurista
Regina Beatriz Tavares da Silva. Sua inovadora obra "Reparação Civil na
Separação e no Divórcio" (Editora Saraiva, 1999) demonstra a aplicabilidade
dos preceitos da responsabilidade civil no casamento (ou na própria união
estável) e em sua dissolução, diante do princípio de que, havendo ação lesiva,
praticada por um dos cônjuges (ou conviventes) contra o outro, com a
ocorrência de danos morais ou materiais, surge o direito do ofendido à
reparação, tal como ocorre nas demais relações familiares.
Assim, quando o casal tem o tecido afetivo rompido por razões inúmeras,
subjetivas, a verdade do litígio judicial não tem, a rigor, uma precisão absoluta.
Existem versões que se tornam aversões, porque o fato determinante dessa
ruptura está em função das versões que se apresentam, e muitas vezes não
se poderá saber se aquela causa que é apresentada como a que provocou a
separação será, a rigor, a sua própria conseqüência. E nessa sensação de
perda, os próprios cônjuges (ou conviventes) não sabem responder as causas
que os levaram a esse rompimento da sociedade conjugal (ou da união
estável). Talvez os filhos saibam responder melhor, mas não o farão, porque
as grandes dores são mudas, e o juiz se coloca numa situação difícil de saber
superar essa perplexidade, para definir se aquela ruptura do casamento (ou da
64
união estável) decorreu de situações pelas quais os próprios cônjuges (ou
conviventes) não contribuíram de forma deliberada.
É esse cenário de perdas e culpas, de danos e responsabilidades
indigitadas, o território de investigação do psicólogo jurídico, quando se busca
restabelecer o reequilíbrio moral e emocional dos contendores, ou mais
objetivamente precisar o direito do ofendido para uma restituição integral do
dano perpetrado, segundo o princípio da reparação plena ("restitutio in
integrum"), com o estabelecimento dos reflexos danos cometidos pelo ato
ilícito na relação conjugal ou de união estável.
Diversas questões podem ser tratadas na avaliação do conflito,
defrontada a realidade da ruptura da união com as suas conseqüências,
vingando o exemplo das perdas, como a de frustração de êxito profissional,
quando a mulher abandona o trabalho e a carreira em favor da sociedade
conjugal ou da convivência duradoura, no pressuposto dessa durabilidade
marcada por garantias determinantes de definitividade da afeição marital,
gerando, inclusive, danos psicológicos.
De outra banda, tem-se a figura do cônjuge manipulador, sempre
expedito a promover assédio moral, ao extremo de provocar completa
submissão do outro cônjuge, anulando ou bloqueando reações afirmativas de
individualidade, e comprometendo, destarte, a própria qualidade de
sobrevivência do outro, no "período pós-separação". As seqüelas dessa
dependência, a influência negativa de tal comportamento na realidade vivencial
do outro, são passíveis de configuração de ato ilícito, exortando o necessário
emprego da psicologia jurídica em abordagem do problema para o desate da
lide indenizatória em casos da espécie.
Também é certo, ainda em direito de família, a responsabilização civil
entre pais e filhos, quando aspectos singulares norteiam a relevância do tema
nas relações familiares. O abandono material dos pais em face dos filhos, a
partir da clássica falta de provimento alimentar, ausente justo impedimento, ou
a atitude do pai que se recusa ao reconhecimento voluntário do filho, quer por
deliberada omissão, quer por resistência ao processo investigatório da
65
paternidade, constituem, induvidosamente, situações que desafiam uma
aferição de dano moral, provocando o contributo do psicólogo jurídico.
É justamente o comprometimento da personalidade do ofendido incapaz,
visualizado pelo ato ilícito da falta de reconhecimento da paternidade, quando
afastada qualquer dúvida, ou quando do próprio desinteresse manifesto de
afasta-la, que gera o dano moral, ao ter negado o filho o direito à sua verdade
biológica, que serve de interesse maior à formação da personalidade. Haverá
de ser visto pelo psicológico jurídico "o ânimo e a potencialidade de agressão
do ofensor", e a extensão do dano sofrido, inclusive para efeito de sua
quantificação econômica, independentemente dos níveis de percepção da
ofensa pelo incapaz, certo que o interesse dominante é o do resguardo da
integridade moral da criança, tutelado por lei e pela dignidade humana.
Desse modo, as indicadas situações danosas para a incidência
indenizatória em direito de família, estão a exigir, cada vez mais, o trabalho da
psicologia jurídica, principalmente para estabelecer a identificação da causa
determinante ensejadora da reparação civil, definindo a etiologia do evento,
com a fixação da relação de causalidade.
Outra prática de intervenção tem, por certo, reconhecer um novo modelo
de responsabilidade parental que se apresenta no instituto da guarda
compartilhada.
Ele é defendido por atualizados estudiosos do Direito de Família, atentos
à valorização do efetivo convívio da criança com ambos os pais, assim
verificado pelo exercício comum da autoridade do poder familiar, praticada esta
de forma costumeira e não apenas episódica.
O precursor do instituto, Sérgio Gischkow Pereira (hoje Desembargador
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), ao defender a guarda
compartilhada em estudo publicado em 1986("Revista Ajuris nº 36"), não
deixou de enfatizar o novo modelo sob o enfoque psicológico e nesse passo
tem sido entendido que a mera regulamentação de visita obsta o
fortalecimento das relações afetivas que devem existir entre pais e filhos
(Revista Forense 228/95), uma vez que a sua restringência, em verdade,
66
contribui para o desfazimento gradual das referidas relações, preponderando
daí a conveniência do compartilhamento da guarda.
Nessa perspectiva, é fácil constatar a importância do psicólogo jurídico,
com intervenção capaz de realçar e privilegiar a oportunidade do instituto,
pontificando que a convivência conjunta (e não alternada ) com os pais faz-se
oportuna sobre o integral desenvolvimento da criança.
A efetividade desse instituto no moderno Direito de família, sob a primazia
do interesse do filho, dependerá, em muito, da contribuição a ser fornecida
pela Psicologia Jurídica em observação das deficiências ou limitações que a
guarda uniparental apresenta ao proveito de melhor formação de vida da
criança.
De igual importância tem lugar a intervenção profissional em apoio
psicológico aos filhos de casais em processo de separação da sociedade
conjugal ou da união estável.
No desenrolar dessas demandas, os filhos são, induvidosamente, os mais
vulneráveis e os que melhor precisam ser amparados, durante a litigiosidade
judicial dos pais.
Certo que são, em verdade, paradigmas essenciais das decisões
judiciárias em matéria familiar, os seus interesses devem ser protegidos dentro
do processo e fora dele.
Segue-se, daí, a relevância do atendimento psicológico, como medida
metajurídica do processo, na medida em que o litígio pendente produz, por
certo, sérias lesões aos interesses dos filhos, espectadores desprotegidos das
quizilas maternais/paternais.
É ponderável registrar que a noção fundamental de "interesse da
criança", constante do art. 3º da Convenção Internacional dos Direitos da
Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (26.01.1990), é
havida como consideração primordial em todas as decisões que lhe concerne,
inclusive pelos tribunais, o que leva à inarredável conclusão da imperativa
avaliação psicológica dos impactos que o processo litigioso de separação dos
pais tem em face dos filhos, a tanto que defende-se, ademais, a necessária
67
ouvida destes últimos em tais processos que, reconhecidamente, lhe
interessam.
A averiguação oficiosa de paternidade prevista na Lei nº 8.560, de 29 de
dezembro de 1992, sob procedimento plenamente cabível e oportuno nos
Juizados Informais de Família, cujo modelo pioneiro teve criação e
funcionamento no Poder Judiciário do Estado de Pernambuco (Resolução nº
150/2001, do TJPE, de nossa iniciativa), deve contar, para o êxito do
reconhecimento espontâneo de filho, com a intervenção do psicólogo jurídico.
Não é demais admitir que a atuação do psicólogo servirá para enaltecer a
importância da manifestação espontânea do suposto pai, quando este, sem
qualquer dúvida, vem a colocar-se consciente do papel afetivo que lhe cabe, e
da significação de sua qualidade de pai, para efeito do relacionamento com o
filho reconhecido.
Não é, em casos que tais, como sucede, igualmente, nos processos de
investigação judicial da paternidade, suficiente o reconhecimento espontâneo
com a somente conseqüência dos efeitos da admissão da paternidade, qual
seja a do lançamento do nome do genitor em registro de nascimento,
assegurada a paternidade em indicação, averiguada ou investigada. É ditame
lógico, próprio à dignidade da hipótese, que o reconhecimento do filho envolva
o compromisso de assunção plena da paternidade, com a prática dos deveres
materiais e afetivos inerentes à própria relação parental existente e admitida
como tal.
Nesse desiderato, a intervenção do psicólogo tem sua oportunidade
marcante, no efeito de não apenas viabilizar, com maior facilitação, o
reconhecimento espontâneo do filho, no procedimento da averiguação oficiosa
da paternidade, ou mesmo em sede de ação judicial investigatória, mas de
assegurar todas as condições do exercício de uma paternidade responsável,
após o ato de reconhecimento, voluntário ou declarado judicialmente.
Alinhadas essas intervenções, forçoso é reconhecer que uma moderna
visão jurídico-social do Direito de Família, ante as suas multifaçetadas
questões, exige o prestigiamento do setor técnico, através de uma necessária
68
atuação multidisciplinar, onde pontifica o psicólogo jurídico com a elaboração
de perícias psicológicas.
E mais do que isso, aponta-se para uma desenvoltura profissional
transcendente ao próprio momento do litígio, certo que o concurso do
psicólogo jurídico em área de mediação e de prevenção litigiosa revela-se, por
identidade de razões, mais urgente e oportuno.
Os profissionais da área psicossocial em Direito de Família estão
oportunizando uma visão jurídica mais avançada e reconstrutiva do próprio
Direito familiar, na medida em que desvendam a alma humana, objeto maior
do desate jurisdicional.
Em juízo de família, não resolvem-se apenas os litígios; resolvem-se
pessoas.
69
CONCLUSÃO
O Direito de Família tem princípios próprios que não podem receber
influências de outros princípios que são atinentes exclusivamente ou – no
mínimo – mais fortemente a outras ramificações do Direito. Esses princípios do
Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas
atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e
responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a
pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das
Obrigações.
Destarte, tudo quanto disser respeito às relações patrimoniais e aos
efeitos patrimoniais das relações existentes entre parentes e entre cônjuges só
podem ser analisadas e apreciadas à luz do que está posto no próprio Direito
de Família. Essa compreensão decorre da importância que tem a família, que
é alçada à elevada proteção constitucional como nenhuma outra entidade vem
a receber, dada a importância que tem a família na formação do próprio
Estado. Os seus valores são e devem receber proteção muito além da que o
Direito oferece a qualquer bem material.
Por todo o exposto, a crítica que se faz quanto às indenizações
reparadoras por afetividade, ou a teoria do desamor, restam no terreno da
averiguação do dano causado, do nexo de causalidade entre essa
ação/omissão e o efetivo dano, além da quantificação dessa possível
reparação.
As teorias das responsabilizações afetivas se apresentam relativamente
novas e, como tais, devem ser utilizadas com cautela, com fins de garantir um
real direito e não – meramente – fazer nascer um novo mercado.
O Direito de Família é especial e como tal deve ser visto como especial.
Operadores do Direito que trabalham nessa área sabem o quanto é uma
modalidade totalmente diferenciada, pois, sendo assim, merecem respeito e
atenção redobrada.
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Não cabe afastar por completo os novos avanços legislativos, doutrinários
ou jurisprudenciais, mas cabe trabalhar com ética e profissionalismo, quando
cada caso é um caso e cada relação se faz distinta da outra.
Na era da despatrimonialização das famílias deve-se ter absoluto cuidado
para não monetarizar o afeto, pois essa forma de julgar as relações familiares
é algo inadmissível em face do valor sentimental que caracteriza tais
relacionamentos.
Resta claro que existem casos particulares de dever de reparar um dano
imaterial, mas são casos especiais e raros. Devemos ter cuidado e atenção
para não se industrializar o dano moral e banalizar as indenizações
perseguidas.
As famílias atuais se formam pelos laços de amor, o que torna muito mais
saudável a reaproximação, a busca pelo afeto, a esperança por um contato, do
que uma conta bancária recheada. É preciso ter consciência de que o dinheiro
pode não cessar a dor, pode não fechar as mágoas e pode não enxugar as
lágrimas.
Não se pode ver as relações familiares sendo mercadorias de troca, com
cifrões estampados em cada uma delas.
É dever dos operadores do Direito discutirem e debaterem sobre os
novos e atuais temas do direito das famílias e, utilizá-los da melhor forma
possível e com muita, mas muita moderação.
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ANEXOS
JURISPRUDENCIA
“RESPONSABILIDADE CIVIL – ROMPIMENTO DE NOIVADO ÀS VÉSPERAS
DO CASAMENTO – FALTA DE MOTIVO JUSTO, GERANDO
RESPONSABILIDADE E INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO
– VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO MODERADAMENTE –
RECONVENÇÃO IMPROCEDENTE FACE À CULPA DO RÉU PELO
ROMPIMENTO – RECURSO DA APELANTE PROVIDO E DO APELADO
DESPROVIDO. O noivado não tem sentido de obrigatoriedade. Pode ser
rompido de modo unilateral até momento da celebração do casamento, mas a
ruptura imotivada gera responsabilidade civil, inclusive por dano moral, cujo
valor tem efeito compensatório e repressivo, por isto deve ser em quantia
capaz de representar justa indenização pelo dano sofrido.” (Tribunal de Justiça
do Paraná, Acórdão n. 4651, Apelação Cível, relator: des. Antonio Gomes da
Silva, comarca: Londrina, 3ª Vara Cível, órgão julgador: Quinta Câmara Cível,
data public.: 13/03/2000.)
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - FALSA IMPUTAÇÃO DE
CONDUTA DESONROSA, ENSEJADORA DO TÉRMINO DE DURADOURO
RELACIONAMENTO AMOROSO – CULPA CARACTERIZADA – DANO
MORAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO –
ARBITRAMENTO – PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR. I – Não coaduna
com o ordenamento jurídico pátrio a conduta daquele que, sendo pretendente
de uma determinada mulher, que, à toda evidência, não correspondia às suas
pretensões, põe-se a difamá-la, notadamente para com o seu então namorado
de longos anos, com o qual já falava em noivado, vindo a ensejar o
rompimento do namoro, com nefastas conseqüências de ordem emocional
para ela. II – Deve-se fixar o valor da compensação do dano moral com
cautela e prudência, atendendo às peculiaridades próprias ao caso concreto,
de modo que o valor arbitrado não seja elevado ao ponto de culminar aumento
74
patrimonial indevido ao lesado, nem demasiadamente inexpressivo, por
desservir ao seu fim pedagógico, advindo do ordenamento jurídico atinente à
espécie.” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0378853-0
Apelação Cível, 2002, comarca: Belo Horizonte/Siscon, órgão julg.: 1ª Câmara
Cível, relator: juiz Osmando Almeida, data julg.: 25/02/2003, decisão:
unânime.)
“CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – ALEGAÇÃO DE
DEFLORAMENTO E DE PROMESSA DE CASAMENTO – CONCUBINATO –
ROMPIMENTO – OFENSA À HONRA – NÃO CARACTERIZAÇÃO. O ônus da
prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito, de sorte
que, alegando a autora, mas não provando, que foi desvirginada pelo réu e
que este lhe fez promessa de casamento, em razão da qual teria deixado os
estudos e o trabalho, não há que se falar em ofensa à honra e, por
conseguinte, no dever de indenizar. O rompimento unilateral de concubinato
não constitui ato ilícito, ofensivo à honra do concubino abandonado, e, via de
conseqüência, não gera, por si só, direito à indenização por dano moral.”
(Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0369540-9, Apelação Cível,
2002, comarca: Guaxupé, órgão julg.: 3ª Câmara Cível, relator: juiz Maurício
Barros, data julg.: 11/12/2002, dados publ.: não publicada, decisão: unânime.)
“DANOS MORAIS – NOIVADO – PROMESSA DE CASAMENTO –
DESFAZIMENTO. É incabível dano moral contra o parceiro que desiste de
contrair casamento. Improcedência do recurso e condenação da recorrente
nos ônus de sucumbência, suspensa a exigibilidade em face da concessão a
assistência judiciária gratuita” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
Processo n. 71000485318, 2004, comarca: Passo Fundo, órgão julg.: 3ª
Turma Recursal Cível, relator: juíza: Maria José Schmitt Santanna).
“NOIVADO – ROMPIMENTO – DANO MORAL E MATERIAL –
DESCARACTERIZAÇÃO. – Somente se caracteriza a ocorrência do dano
moral indenizável em decorrência de rompimento de noivado, quando este se
verifica às vésperas da data do casamento. Não se configura a ocorrência de
75
danos materiais decorrentes de despesas contraídas em virtude da declaração
da data do casamento, quando, após o rompimento, os bens adquiridos
permaneceram de posse da parte autora. – Recurso não provido.” (Tribunal de
Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0382351-0, Apelação Cível, 2002,
comarca: Belo Horizonte/Siscon, órgão julg.: 2ª Câmara Cível, relator: juiz
Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, data julg.: 20/05/2003, dados publ.: não
publicada, decisão: unânime.)
“INDENIZAÇÃO – ROMPIMENTO DE NAMORO – PROMESSAS DE
CASAMENTO – DANO MORAL E MATERIAL – AUSÊNCIA DE PROVAS –
RESSARCIMENTO AFASTADO. Para que enseje a ruptura de namoro de
longa duração o dever de reparação, devem restar devidamente
demonstrados o dano material e o dano moral, além da estabilidade da
relação com a promessa de casamento, posto que o rompimento de
relacionamento de namoro, por si só, não é capaz de ensejar presunção de
tais danos.” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0410802-5,
Apelação Cível, 2003, comarca: Belo Horizonte/Siscon, órgão julg.: 7ª Câmara
Cível, relator: juiz D. Viçoso Rodrigues, data julg.: 17/03/2004, dados publ.:
não publicado, decisão: unânime).
“NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – AÇÃO PROPOSTA PELO SUPOSTO
PAI. Carência da ação argüida pelo ministério público e não acolhida por
decisão judicial, que considerou parte legitima o promovente do pedido, dado o
nítido cunho declaratório deste e o direito daquele em pretender comprovar a
existência de erro ou falsidade do registro, o que se enquadra nos termos do
art. 348 do código cível. Recurso desprovido.” (Tribunal de Justiça do Paraná,
Acórdão n. 14035, Agravo de Instrumento, relator: des. Silva Wolff, Comarca:
Mal. Cândido Rondó, Vara Cível da Infância, Juventude, Família e anexos,
órgão julgador: 3ª Câmara Cível, data publ 10/08/1998, decisão: unânime.) 1 “RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – MARIDO ENGANADO
– ALIMENTOS. RESTITUIÇÃO. A mulher não está obrigada a restituir ao
marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube,
76
era filha de outro homem. - A intervenção do Tribunal para rever o valor da
indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco, o
que não acontece no caso dos autos. Recurso não conhecido” [Superior
Tribunal de Justiça, Acórdão n. Resp n. 412684/SP (200200032640), Resp n.
463280, data julg.: 20/08/2002, órgão julgador: 4ª Turma, rel.: min. Ruy
Rosado de Aguiar, data publ.: 25/11/2002, veja: (PENSÃO ALIMENTÍCIA –
IRREPETIBILIDADE E INCOMPENSABILIDADE) STJ, REsp n. 25730-SP (RT
697/202).]
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS
MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a
prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art.
159 do Código de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.
2. Recurso Especial conhecido e provido.” (STJ, RESP 757.411/MG, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, votou vencido o Min. Barros Monteiro, que dele não
conhecia. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor
Rocha votaram com o Ministro Relator. Brasília, j. 29.11.2005)”
77
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TEPEDINO, Gustavo. A Parte Geral do novo Código Civil – Estudos na
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80
81
INDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL E O CC\02 10
1.1 – Abuso de Direito e Boa-Fé Objetiva 12
1.2 – Abuso de Direito nas Relações Familiares 15
CAPÍTULO II
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 21
2.1- Responsabilidade Civil na União Estável e no Casamento
24
2.1.1- Indenização por Serviços Prestados 36
2.1.2- Os direitos e deveres entre os companheiros. Descumprimento.
Responsabilidade. 39
2.2. – Responsabilidade Civil nas Relações Paterno-Filias 41
2.2.1- Abandono Afetivo e Responsabilidade 46
2.2.2- A boa-fé Objetiva e o Reconhecimentos dos Filhos
50
CAPÍTULO III
DANO MORAL 53
82
CAPÍTULO IV
ESTUDO PSICOSSOCIAL APLICADO AO DIREITO DE FAMÍLIA
60
CONCLUSÃO 69
ANEXOS 71
BIBLIOGRAFIA 74
ÍNDICE 78