Post on 20-Nov-2018
UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Direito
Éderson Cristiano Aragão dos Santos
DIREITO PENAL DO INIMIGO
evolução ou retrocesso?
LINS – SP 2015
ÉDERSON CRISTIANO ARAGÃO DOS SANTOS
DIREITO PENAL DO INIMIGO – EVOLUÇÃO OU RETROCESSO?
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para a Obtenção do Título de Bacharel em Direito sob orientação do Professor Me. Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
LINS – SP 2015
Santos, Éderson Cristiano Aragão dos Direito penal do inimigo: evolução ou retrocesso? / Éderson Cristiano Aragão dos Santos. – – Lins, 2015. 81p. il. 31cm.
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium – UNISALESIANO, Lins-SP, para graduação em Direito, 2015.
Orientador: Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira;
1. Direito Penal. 2. Direitos Humanos. 3. Direito Penal do Inimigo. I Título.
CDU 34
S234d
ÉDERSON CRISTIANO ARAGÃO DOS SANTOS
DIREITO PENAL DO INIMIGO – EVOLUÇÃO OU RETROCESSO?
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Data de aprovação: ___/___/____
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Prof. Orientador: Me. Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira Titulação: Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru/SP
Assinatura: _________________________________
Prof. Me. Osvaldo Moura Júnior Titulação:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
Assinatura: _________________________________
Prof. Me. Raphael Hernandes Parra Filho Titulação:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
Assinatura: _________________________________
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus, por ter me capacitado e mesmo com
minhas falhas foi fiel, por amor de seu filho Jesus Cristo e pela Sua infinita
misericórdia, dando-me oportunidade de ser paciente, perseverante e
especialmente por ter acreditado em mim (por intermédio de minha família),
dando-me confiança e coragem para enfrentar as dificuldades e força para
alcançar o alvo e que Deus jamais me deixe esquecer um dos grandes
objetivos de ter escolhido fazer outra faculdade, que é o de poder ajudar o
próximo com o meu conhecimento adquirido e que tudo seja para Tua Honra e
Glória.
“Uma visão sem ação não passa de um sonho.
Ação sem visão é só um passatempo.
Mas uma visão com ação pode mudar o mundo”.
Joel Barker
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS por tudo o que Ele tem feito, fez e o irá fazer por mim. Pelo
Teu amor que me capacita e habilita para todo trabalho... “Para aprender a
sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência; para obter o
ensino do bom proceder, a justiça, o juízo; para dar aos simples prudência e
aos jovens, conhecimento e bom siso; ouça o sábio e cresça em prudência; e o
instruído adquira habilidade... Porque o Senhor da a sabedoria e da sua boca
vem à inteligência e o entendimento”. (Provérbios 1: 1-5; 2:6)
Agradeço também a toda a FAMÍLIA (em especial a minha Esposa, filho
e meu pai) e AMIGOS, sou realmente grato pela paciência extraordinária e pela
bondade demonstrada mais nessa etapa da minha vida.
Desejo também agradecer aos MESTRES e ORIENTADORES, em
especial ao professor Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira, com participação
fundamental nos resultados obtidos.
Agradeço a todos que direta ou indiretamente me apoiou e
contribuiu para o desenvolvimento deste trabalho.
“Se me perguntares o segredo do sucesso, não sabereis responder, porém o
segredo do fracasso é achar que posso agradar todo mundo”. (John Kennedy)
“Sonhos determinam o que você quer. Ação determina o que você conquista”.
(Aldo Novak)
“Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa
explicação” (Mário Quintana)
“Tudo posso naquele que me fortalece”. (Filipenses 4:13)
DEUS os abençoe ricamente!
RESUMO
A presente pesquisa busca investigar o instituto denominado “Direito Penal do Inimigo”. Para isso, serve-se o presente estudo da análise inicial a respeito do Direito Penal e sua aplicação no mundo fático e de direito e, também, algumas considerações importantes acerca dos Direitos Humanos. Aborda questões estudadas a respeito da apenação de condutas humanas em sociedade, para que com isso se possa chegar a um fio condutor da teoria proposta por Gunther Jakobs, a respeito do Direito Penal do Inimigo. Segundo essa teoria o inimigo é o cometedor de crime não apenas contra um cidadão comum, no dia-a-dia da vida em sociedade, mas aquele que o comete contra o Estado. Para tanto, analisam-se princípios norteadores do Direito Penal e aspectos históricos do Direito Penal, assim como as garantias e direitos fundamentais do cidadão previstos na Constituição Federal.
Palavras Chave: Direito Penal, Direitos Humanos, Direito Penal do Inimigo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 8
CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO, FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL .............................................................................................................. 11
1 BREVE EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL ................................................... 11
1.1 Fases da vingança penal ............................................................................ 11
1.2 Período humanitário – os reformadores ...................................................... 14
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO PENAL NO BRASIL ...................... 15
2.1 Reformas contemporâneas ......................................................................... 18
3 FUNDAMENTOS DO DIREITO PENAL ......................................................... 19
3.1 Considerações introdutórias ....................................................................... 19
3.2 Correntes do pensamento positivista .......................................................... 20
3.2.1 Escola clássica ........................................................................................ 21
3.2.2 Escola positiva ......................................................................................... 22
3.2.3 Escolas mistas e tendências contemporâneas ........................................ 24
3.2.4 Escola técnico-jurídica ............................................................................. 25
3.2.5 Crise do pensamento positivista .............................................................. 26
4 PRINCIPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL .................. 26
4.1 Considerações introdutórias ....................................................................... 26
4.2 Princípio da legalidade ................................................................................ 27
4.3 Princípio da intervenção mínima ................................................................. 28
4.4 Princípio de culpabilidade ........................................................................... 28
4.5 Princípio da proporcionalidade .................................................................... 30
4.6 Princípio da presunção da inocência .......................................................... 31
CAPÍTULO II – DIREITOS HUMANOS ............................................................. 34
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................... 34
1.1 Antecedentes históricos da proteção aos direitos humanos ....................... 36
2 FUNDAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS ................................................ 41
3 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS...................................................... 42
3.1 Direitos humanos e direitos fundamentais .................................................. 44
3.2 Direitos fundamentais e suas dimensões ................................................... 46
3.2.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão ........................................... 47
3.2.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão .......................................... 48
3.2.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão ............................................ 49
4 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ........................... 51
CAPÍTULO III - DIREITO PENAL DO INIMIGO ................................................ 53
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................... 53
1.1 Alguns fundamentos filosóficos ................................................................... 55
1.2 A expansão penal – Direito Penal simbólico e punitivismo ......................... 55
1.3 Garantismo penal versus Direito Penal do Inimigo ..................................... 59
2 DIREITO PENAL DO CIDADÃO X DIREITO PENAL DO INIMIGO ............... 61
3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO ........ 63
3.2 A punição de atos preparatórios e os tipos de mera conduta ..................... 65
3.3 Os tipos de perigo abstrato ......................................................................... 66
3.4 Previsão de penas abstratas mais altas ..................................................... 66
3.5 A relativização ou exclusão das garantias penais e processuais ................ 67
4 A DOUTRINA QUE DEFENDE E CRITICA O DIREITO PENAL DO
INIMIGO ............................................................................................................ 68
5 ANÁLISE HISTÓRICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL ....... 71
6 APLICAÇÕES PRÁTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL . 72
6.1 Regime disciplinar diferenciado .................................................................. 72
6.2 Lei dos Crimes Hediondos .......................................................................... 75
6.3 Lei de drogas .............................................................................................. 77
6.4 Lei do abate de aeronaves.......................................................................... 79
6.5 Lei do Crime Organizado ............................................................................ 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 82
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 85
INTRODUÇÃO
Sem dúvida alguma a questão da existência do direito na sociedade,
como forma de controle organizado do povo, é uma condição sem a qual não
haveria possibilidade de convivência de forma harmônica. Esse controle
jurídico está e sempre esteve intrinsecamente ligado à questão dos princípios
morais e éticos e também relacionado às propriedades e bens materiais em
geral. E ao bem maior que é a vida.
A questão da criminalização de atos considerados faltosos pela
sociedade é uma das formas de combater os desvios, dos mais variados feitos,
como o roubo, o assassinato, o furto, dentre outros.
Nesse sentido, as condutas humanas que geram repulsa social são
sancionadas de diversas formas, por meio da imposição de penas pecuniárias,
restrições de direitos, obrigações de fazer, restrições à liberdade, dentre outras.
O Direito Penal, por ser regido, também, pelo princípio da intervenção mínima,
tutela apenas uma parte das condutas ocorridas no mundo dos fatos. Somente
as condutas humanas que sejam mais reprováveis e as que geram maior
repulsa social deveriam ser criminalizadas.
O Direito Penal é medida extrema de manutenção da ordem e de
pacificação social, sendo reflexo da moral de um povo.
O Direito Penal foi se expandido, e novos delitos foram surgindo. Com o
passar do tempo as penas também se tornaram, aparentemente, mais leves,
aparecendo alternativas que não a restrição da liberdade. Surgiram duas
situações: de um lado, admitir as penas não privativas de liberdade para as
infrações nas quais têm-se flexibilizado os pressupostos de atribuição de
responsabilidade e, de outro lado, exigir onde se impõem penas de prisão, e
especialmente, penas de larga duração, que se mantenha todo o rigor dos
pressupostos clássicos de imputação de responsabilidade.
Com a evolução da sociedade, as formas e meios de se praticar os
delitos também evoluíram e vivemos a era das organizações criminosas.
Sendo assim, aumenta-se o sentimento de insegurança social, exigindo-
se do Direito Penal uma maior intervenção.
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Com o aumento do crime organizado, encurralando os cidadãos de bem,
em suas próprias residências, e ainda, imersos em uma crise de valores,
impedindo-o de encontrar o quê e a quem seguir, o Direito Penal do Inimigo
ganha força, sendo incorporado em várias legislações com o fim de punir
determinados tipos de criminosos no intuito de diminuir a prática desses delitos.
Dessa forma, o estudo que ora se apresenta tem o condão de analisar
do ponto de vista jurídico doutrinário as concepções acerca do instituto do
Direito Penal do Inimigo, o qual deve ser amparado pela Constituição Federal,
respeitados os ditames legais acerca da dignidade da pessoa humana.
O Direito Penal do Inimigo é uma manifestação moderna do Direito
Penal do Autor, que nada mais é que ser julgado pelo que ele é e não pelo o
que ele fez. Diferente do Direito Penal brasileiro que pune alguém em vista do
fato praticado, ele condena a simples manifestação de pensamento ou
cogitação do crime, ou seja, pune alguém em função de quem ele é.
Direito Penal do Inimigo é uma teoria, que vem se disseminando pelo
mundo e conquistando adeptos, embora tenha surgido na Alemanha. É
defendida por Gunther Jakobs desde 1985 e ganhou adeptos na Europa, em
especial na Espanha e Portugal, além da América do Sul.
Jakobs defende nesta teoria a necessidade de separar os delinquentes
em duas categorias ou grupos: a dos que ainda podem se recuperar e a dos
que se tornaram inimigos do Estado.
O Direito Penal do Inimigo é visto por muitos como uma ótima resposta
para crimes graves, de extremo perigo que envolve grande número de
pessoas, principalmente por quem já esteve sob ameaças de um criminoso no
nível de Inimigo do Estado. Porém, outros muitos, acreditam que por mais que
sofra com a violência, a sociedade não está preparada para julgar com a
precisão necessária para reprimir de forma tão severa pessoas que, apesar de
perigosas, possuem seus direitos fundamentais assegurados como qualquer
outra.
Devido à relevância das questões penais, foi escolhido este tema para o
desenvolvimento da pesquisa, cujo objetivo principal é analisar como a
aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo pode combater a criminalidade e as
possíveis divergências com os Direitos Humanos, dando ênfase às possíveis
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vantagens e desvantagens da aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo no
Brasil e o possível conflito com os direitos e garantias fundamentais.
Diante dos levantamentos desenvolvidos, surgiram as seguintes
questões: O Direito Penal do Inimigo é evolução ou retrocesso frente os
Direitos Humanos? Em um Estado Democrático de Direito existe a
aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo?
Para comprovação desse pressuposto, foi desenvolvido o método de
pesquisa por revisão bibliográfica da literatura referente a este tema,
acompanhando as legislações vigentes.
Este trabalho está dividido em três capítulos: o capitulo I trata da
evolução, fundamentos e princípios do Direito Penal; o capitulo II trata dos
Direitos Humanos e o capitulo III trata do Direito Penal do Inimigo.
Por fim, serão apresentadas as considerações finais.
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CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO, FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL
1 BREVE EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL
A história da humanidade está vinculada ao Direito Penal, pois desde o
princípio o crime vem acontecendo. Era necessário um ordenamento coercitivo
que garantisse a paz e a tranquilidade para a convivência harmoniosa nas
sociedades, ou seja, a história do Direito Penal surgiu com o próprio homem,
mesmo sem uma sistematização de princípios penais nos tempos primitivos.
A história do Direito Penal abrange a análise do direito repressivo de
outros períodos da civilização. No entendimento de Bitencourt:
É inquestionável a importância dos estudos da história do Direito Penal, permitindo e facilitando um melhor conhecimento do Direito vigente. [...] a conotação que o Direito Penal assume, em determinado momento, somente será bem entendida quando tiver como referência seus antecedentes históricos (2012, p.60).
1.1 Fases da vingança penal
A vingança penal se divide em fases, no entanto, com caráter didático;
não é possível delimitar com exatidão a partir de que momento cada uma das
fases passou a vigorar. Nas palavras de Bitencourt, “não se trata de uma
progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadores de
cada um de seus estágios” (2012, p.60).
Tem-se adotado tríplice divisão, qual seja: vingança privada, vingança
divina e vingança pública que, “todas elas sempre profundamente marcadas
por forte sentimento religioso/ espiritual” (BITENCOURT, 2012, p.60).
No mesmo sentido, Mirabete e Fabrini (2010, p.15) lecionam:
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Várias foram as fases de evolução da vingança penal, etapas essas que não se sucederam sistematicamente, com épocas de transição e adoção de princípios diversos, normalmente envolvidos em sentido religioso. Para facilitar a exposição, pode-se aceitar a divisão estabelecida por Noronha, que distingue as fases da vingança privada, vingança divina e vingança pública.
Na fase da vingança divina, os grupos sociais eram envolvidos em
ambientes mágico e religioso, assolados por pestes, secas e, ainda, desastres
naturais, que para eles, eram como castigos das forças divinas, e para
minimizarem a ira dos deuses, criaram proibições que, quando não cumpridas,
acarretavam castigo.
Desta forma, nas sociedades primitivas a fúria da natureza significava
manifestações divinas revoltadas com a prática de delitos e que exigiam
reparação.
Era o Direito Penal regrado pelos sacerdotes com fundamento
teocrático; o Direito se confundia com a religião. O crime era visto como um
pecado, atingindo um deus. A pena era um castigo divino para a purificação e
salvação da alma infratora. As penas eram cruéis e severas.
Em conformidade com os ensinamentos de Mirabete e Fabrini, acerca
da fase da vingança divina:
deve-se à influência decisiva da religião na vida dos povos antigos. O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis de desumanas, visando especialmente à intimidação (2010, p.16).
As legislações típicas dessa fase são o Código de Manu e o Código de
Hamurábi, que foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China
(Livros das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e os Hebreus (Pentateuco).
Para conter a ira dos deuses, criaram-se proibições (religiosas, sociais e
políticas) conhecidas por „tabus‟, que, não obedecidas, acarretavam castigos,
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que invariavelmente envolviam a própria vida do transgressor ou oferecimento
de objetos valiosos ao respectivo deus.
Em suma, a pena, em seus primórdios, representava simplesmente a
reação sofrida pela coletividade, totalmente desproporcional, sem se preocupar
com algum conteúdo de justiça.
A vingança privada foi uma evolução da vingança divina, “que poderia
envolver desde o indivíduo isoladamente até o seu grupo social, com
sangrentas batalhas, causando, muitas vezes a eliminação de grupos”
(BITENCOURT, 2012, p. 61).
Quando ocorria um crime a reação a ele era imediata, pela própria
vítima, seus familiares ou sua tribo. Normalmente essa reação não era
proporcional à agressão. Quando o transgressor era membro da tribo, este
poderia ser banido e ficar à disposição de outras tribos, que poderiam até
matá-lo. No entanto, quando a violação era praticada por elemento que não
pertencia à tribo ocorria à chamada “vingança de sangue”, que era
“considerada como obrigação religiosa e sagrada, [...]” (MIRABETE; FABRINI
2010, p. 16).
Como as lutas entre famílias e tribos eram acirradas, acarretou o
enfraquecimento das mesmas, com isso, surgiu a “Lei de Talião”, como regras
para evitar a extinção delas, “determinando a reação proporcional ao mal
praticado: olho por olho, dente por dente” (BITENCOURT, 2012, p. 61).
Esse foi o maior exemplo de busca de um tratamento equilibrado entre
infrator e vítima, de certa forma, uma tentativa de humanizar a sanção criminal.
Com o passar do tempo, a “Lei de Talião” evoluiu e surgiu a
possibilidade de o agressor satisfazer a ofensa com indenização em moeda ou
animais e utensílios, chamada de composição, como um “sistema através do
qual o infrator comprava a sua liberdade, livrando-se do castigo”
(BITENCOURT, 2012, p. 61).
Em outras palavras, a composição se tornou forma alternativa de sanção
quando a morte do transgressor era desaconselhável, pois a reparação do
dano causado pelo delito era mais interessante ao ofendido e ao ofensor.
A composição constitui um dos antecedentes da moderna reparação do
Direito Civil e das penas pecuniárias do Direito Penal.
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Com a melhor organização social, o Estado assumiu o poder-dever de
manter a ordem e a segurança social, surgindo a vingança pública, que no
início, manteve correlação entre poder divino e poder político.
O período foi marcado pelas penas cruéis, cujo objetivo era a segurança
do príncipe ou soberano. Ainda, sob influência religiosa, o Estado justificava a
proteção e segurança do monarca, pois este governava em nome do deus. Na
Grécia, por exemplo, governava-se em nome de Zeus, sendo o monarca seu
intérprete e mandatário. Posteriormente, o caráter religioso foi sendo
abandonado, mudando a responsabilidade, que antes era de todo o grupo,
passou a ser individual, ou seja, do autor do fato, com contribuição na
humanização dos costumes penais. As penas passaram a ter o intuito de
intimidar para que os crimes fossem prevenidos e reprimidos.
Essa concepção, do caráter religioso foi superada com a contribuição de
Aristóteles, antecipando a necessidade do livre-arbítrio, como embrião da idéia
de culpabilidade, primeiramente no campo filosófico para depois ser conduzido
para o jurídico; e Platão com as leis para antecipar “a finalidade da pena como
meio de defesa social, que deveria intimidar pelo rigorismo, advertindo os
indivíduos para não delinquir” (BITENCOURT, 2012, p. 61).
Os processos eram sigilosos. O réu não sabia qual era a acusação feita
contra ele. O entendimento era de que o acusado não precisava de defesa
caso fosse inocente e, se fosse culpado, não teria esse direito.
Finalmente, “em nenhuma dessas fases de vingança houve a liberação
total do caráter místico ou religioso da sanção penal, tampouco se conheceu a
responsabilidade penal individual, que somente a partir das conquistas do
Iluminismo passou a integrar os mandamentos mais caros do Direito Penal”
(BITENCOURT, 2012, p. 62).
1.2 Período humanitário – os reformadores
Em meados do século XVIII, na Europa, as leis vigentes tinham
características excessivamente cruéis, com torturas e pena de morte. Com
isso, alguns pensadores se reuniram em torno de idéias com fundamento na
razão e humanidade. Na segunda metade do século XVIII os filósofos, juristas
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e moralistas começavam a combater abertamente essas concepções, com
objetivo de defender as liberdades do indivíduo e os princípios da dignidade do
homem.
As correntes iluministas e humanitárias representadas por Voltaire,
Montesquieu e Rousseau, fizeram uma severa crítica aos excessos imperantes
na legislação penal, pois buscavam a defesa da liberdade, igualdade e justiça.
A pena deve ser proporcional ao crime, levando em consideração seu grau de
maldade e, principalmente, produzir eficácia sobre os homens e, ao mesmo
tempo, ser menos cruel para eles.
“Esse movimento de idéias, definido como Iluminismo, atingiu seu
apogeu na Revolução Francesa, com considerável influência em uma série de
pessoas com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo”
(BITENCOURT, 2012, p. 68).
O Iluminismo foi uma concepção filosófica, caracterizada pela ampliação
do domínio da razão a todas as áreas do conhecimento humano.
Ainda nas palavras de Bitencourt: “O Iluminismo representou uma
tomada de posição cultural e espiritual de parte significativa da sociedade da
época, que tinha como objetivo a difusão do uso da razão na orientação do
progresso da vida em todos os seus aspectos” (2012, p. 68).
No campo político criminal, fizeram parte desse movimento, dentre
outros, Cesare de Beccaria, John Howard e Jeremias Bentham.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO PENAL NO BRASIL
Nos primórdios da civilização brasileira, adotava-se a vingança privada,
como visto anteriormente, sem nenhum padrão quanto às reações penais. No
entanto, as formas punitivas existentes predominantes eram as sanções
corporais, porém, sem tortura, ou seja, “havia apenas regras consuetudinárias
(tabus), comuns ao mínimo convívio social, transmitidas verbalmente e quase
sempre dominadas pelo misticismo” (BITENCOURT, 2012, p. 73).
16
De maneira didática a história do Direito Penal brasileiro pode ser
dividida em três grandes fases: o Período Colonial; o Código Criminal do
Império e; o Período Republicano.
No período colonial, com o descobrimento do Brasil, em 1500, passou a
vigorar o Direito Português, com as Ordenações Afonsinas, consideradas como
primeiro código europeu completo, que traziam características do Direito
Canônico e Romano e foi dividido em cinco livros.
Em 1521, as Ordenações Afonsinas foram substituídas pelas
Ordenações Manuelinas, no entanto, não chegaram a ser eficazes, visto que,
existiam muitas leis e decretos reais para solucionar os conflitos da nova
colônia e, também, eram conferidos poderes juntamente com as cartas de
doação, onde cada donatário tinha um critério próprio ao Direito a ser aplicado,
como consequência, o regime jurídico do Brasil Colônia era catastrófico. Este
código foi uma tentativa de modernizar as Ordenações Afonsinas.
Em 1603, entraram em vigor as Ordenações Filipinas que foram criadas
por um espanhol, Dom Felipe II da Espanha, que herdara o trono Português de
seu primo, Rei Dom Sebastião, devido ao seu falecimento e como não tinha
filhos.
As Ordenações Filipinas vigoraram até 1816, no governo de Dom João
IV quando a coroa voltou a ser de Portugal. Em seguida, Dom João IV criou a
figura do Governador Geral para administrar as capitanias que,
consequentemente, extinguiram as capitanias hereditárias.
Nesse período não se adotava o princípio da legalidade. O julgador
escolhia a sanção a ser aplicada, muita das vezes de forma cruel e,
principalmente a pena capital.
No mesmo entendimento, Bitencourt relata que a legislação penal da
época “orientava-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização,
com severas punições. Além do predomínio da pena de morte, utilizava outras
sanções cruéis, como açoite, amputação de membros, [...] etc.” (2012, p. 74).
A lei penal aplicável no Brasil nesse período estava nos 143 títulos do
Livro V das Ordenações Filipinas.
Com base na justiça e equidade a Constituição de 1824 determinou a
criação do denominado de Código Criminal do Império. Bernardo Pereira de
Vasconcelos e José Clemente Pereira apresentaram, em 1827, seus projetos
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para o Código Criminal, ambos de excelente qualidade. No entanto, o escolhido
foi o de Bernardo, por abarcar amplamente as necessidades mais importantes
da época.
Em 1830, o imperador D. Pedro I sancionou o Código Criminal que foi o
primeiro código autônomo da América Latina.
É importante destacar que o Código Criminal do Império “surgiu como
um dos mais bem elaborados, influenciando grandemente o Código Penal
espanhol de 1848 e o Código Penal português de 1852, por sua clareza,
precisão, concisão e apuro técnico” (BITENCOURT, 2012, p. 74).
Observou-se um grande avanço quanto à humanização das penas.
Destacam-se alguns incisos do artigo 179 da Constituição de 1824 que
orientaram a criação do Código Criminal do Império.
Art. 179 ... XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja. XXI. As Cadeias serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus conforme suas circunstancias, e natureza dos seus crimes.
Com isso, verificou substancial mudança no foco, pois ao tempo das
ordenações os cidadãos eram atemorizados e com a edição do Código
Criminal do Império ocorreu o inicio de uma busca para humanização do Direito
Penal.
Com a chegada da República no Brasil, período republicano, foi
necessário elaborar um novo projeto do Código Penal. Porém, como foi feito de
maneira apressada, foi considerado o pior Código Penal da história do Brasil.
Perderam-se importantes avanços conquistados com o Código Criminal do
Império e, para tentar corrigir “os equívocos e deficiências do Código
Republicano acabaram transformando-o em verdadeira colcha de retalhos, [...]
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que se concentraram na conhecida Consolidação das leis Penais de Vicente
Piragibe, promulgada em 1932” (BITENCOURT, 2012, p. 75).
Neste período (1890 – 1932), surgiram muitos projetos que pretendiam
substitui-los, no entanto, não tiveram êxito. Somente em 1937, durante o
Estado Novo, Alcântara Machado apresentou um projeto de código criminal
brasileiro que foi sancionado por decreto de 1940, como Código Penal, que
passou a vigorar desde 1942 até os dias atuais, porém, com algumas reformas.
2.1 Reformas contemporâneas
Várias formas as leis que modificaram o Código Penal vigente;
destacando-se a Lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977, que atualizou as
sanções penais, e a Lei n. 7.209 de 11 de julho de 1984, que estabeleceu nova
parte geral.
Anteriormente a essas reformas, Nélson Hungria criou um projeto, em
1963, que pretendia substituir o Código Penal, que foi revisado e promulgado
pelo Decreto-lei n. 1.004, de 21 de outubro de 1969, retificado pela Lei n.
6.016/73. Conhecido como Código Penal de 1969, teve sua vigência adiada
várias vezes, tornando-se a mais longa vacatio legis conhecida. Foi revogado
pela Lei n. 6.578/78.
A Lei n. 7.209/1984 reformulou toda a Parte Geral do Código Penal de
1940 e quanto a estrutura, foi dividida em partes: Parte geral e Parte Especial.
A parte geral é subdivida em oito títulos e estabelece as regras gerais sobre
crimes, pena, extinção da punibilidade, ação penal aplicação da lei penal etc. A
parte especial é subdividida em onze títulos e descreve as condutas criminosas
e comina a elas sua espécie de pena.
Outro aspecto importante da reforma de 1984 foi a humanização das
penas e adoção de penas alternativas à prisão (introduziu novamente o
sistema dias-multa). Portanto, com todo esse avanço, por falta de vontade da
classe politica do país, resultados não são perceptíveis, pois faltam
investimentos em infraestrutura do sistema penitenciário tornando “inviável a
utilização da melhor politica criminal – penas alternativas -, de há muito
consagrada nos países europeus” (BITENCOURT, 2012, p. 75).
19
Tem uma das melhores alternativas quanto à pena privativa de
liberdade, no entanto, a falta de estrutura do sistema não oferece condições
para que sejam eficazes e eficientes.
Diante disso, aumenta-se a violência e, consequentemente, a sociedade
exige uma maior intervenção do Direito. O Direito Penal deixa de ser a ultima
ratio, mas sofre maximização. Como exemplo o que ocorreu no Brasil durante
alguns anos da década de 90, onde a experiência vivida foi:
[...] pautada por uma política criminal do terror, característica do Direito Penal simbólico, patrocinada pelo liberal Congresso Nacional, sob o império da democrática Constituição de 1988, com a criação de crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), criminalidade organizada (Lei n. 9.034/95) [...] (BITENCOURT, 2012, p. 75).
Essa tendência foi reduzida somente com a Lei dos Juizados Especiais
Criminais (Lei n. 9.099/95), que recepcionou a transação penal e criou a
suspensão condicional do processo.
3 FUNDAMENTOS DO DIREITO PENAL
3.1 Considerações introdutórias
Além da História do Direito Penal, também é muito importante o
processo de desenvolvimento de atribuições e princípios para aplicação e
interpretação das normas penais, ou seja, da criação da dogmática jurídico-
penal.
Nesse sentido, a dogmática jurídico-penal tem uma importante função no
Estado de Direito, a de garantir os direitos fundamentais do indivíduo impondo
controle e limites ao poder do Estado.
Devido às mudanças politicas, sociais, culturais e econômicas das
sociedades não houve evolução linear dos princípios e normas penais.
20
3.2 Correntes do pensamento positivista
No campo da filosofia, o positivismo é uma corrente que se propõe a
experimentos reais para comprovar uma teoria e deixar de lado as
especulações metafisicas ou teológicas. Inicialmente, se utilizou do método
científico indutivo como verdadeira fonte do saber humano.
No século XIX apareceram diversas correntes de pensamento
estruturadas de forma sistemática, conforme determinados princípios
fundamentais.
A principal característica desse período é a rejeição do caráter científico
das valorações jurídicas do delito e a substituição destas pelo método da
sociologia, da antropologia, biologia, dentre outros, sendo possível, dessa
forma, o desenvolvimento da Criminologia como ciência autônoma dedicada ao
estudo do delito. No entanto, essa visão criminológica do estudo do delito não
foi compartilhada por todos os penalistas dessa época. Com isso, surgiu o
positivismo jurídico, para reagir a esse caráter científico (positivismo científico),
que reivindicou para si o estudo do delito realizado por perspectiva
exclusivamente jurídica.
O positivismo, enquanto cientificismo [convicção] convenceu-se de que a certeza que dominava as ciências físico-experimentais – método positivo – absorveria e resolveria todas as questões que a sociedade apresentasse ordenadamente (BITENCOURT, 2012, p. 81).
Sendo assim, a missão da nascente dogmática penal seria formada na
interpretação e sistematização do Direito positivo através do método indutivo,
que nas palavras de Silva Sánchez, “trata-se de deduzir da lei a solução
aplicável ao caso mediante a „construção jurídica‟, isto é, através da abstração
progressiva dos conceitos específicos aos mais gerais” (apud BITENCOURT,
2012, p. 81).
Essas diferentes correntes denominam-se Escolas Penais, que
abrangeram várias concepções para a explicação do delito e justificação da
pena.
21
3.2.1 Escola clássica
Bitencourt leciona que não houve uma Escola Clássica com um corpo de
doutrina comum, relacionado ao direito de punir e aos problemas expostos pelo
fenômeno delitivo. Consequentemente, foi difícil para os juristas dessa
corrente, apresentar conteúdo homogêneo, relacionado ao direito de punir e
aos problemas fundamentais apresentados pelo crime e pela sanção penal.
“Na verdade, a denominação Escola Clássica não surgiu [..] da identidade de
uma linha de pensamento comum entre os adeptos do positivismo jurídico,
mas, foi dada, com conotação pejorativa [...]” (2012, p. 82).
Nasceu com as idéias fundamentais do Iluminismo, com contribuição de
vários autores que foi denominado de Escola Clássica, pelos juristas que
negaram o positivismo científico, mas hoje serve para reunir os doutrinadores
dessa época.
Os dois maiores expoentes desta escola foram Beccaria, que foi o
precursor do Direito Penal liberal; e Carrara, como criador da dogmática penal.
As idéias iniciais formuladas por Beccaria marcaram o início do Direito
Penal moderno, da Escola Clássica de Criminologia, e ainda, da Escola
Clássica de Direito Penal.
As diretrizes na obra de Beccaria, Dos Delitos e das Penas (1764),
“serviram de fundamento básico para a nova doutrina, que representou a
humanização das Ciências Penais”; que defendeu o indivíduo contra o arbítrio
do Estado (BITENCOURT, 2012, p. 82).
De acordo com Bitencourt, a Escola Clássica teve duas teorias, com
fundamentos diferentes:
[...] de um lado, o jusnaturalismo, de Grócio, com sua idéia de um Direito natural, superior e resultante da própria natureza humana, imutável e eterno; de outro lado, o contratualismo, de Rosseau, sistematizado por Fichte, e sua concepção de que o Estado, e por extensão a ordem jurídica, resulta de um grande e livre acordo entre os homens, que cedem parte dos seus direitos no interesse da ordem e segurança comuns (2012, p. 82).
22
Dessa forma, as duas teorias eram opostas, no entanto, se
harmonizavam no principal: proteção e restauração da dignidade humana e o
direito do cidadão perante o Estado, que foi a inspiração do surgimento da
Escola Clássica.
De acordo com Horta (2005), a Escola Clássica se distingue, também,
através de dois grandes períodos: a) teórico-filosófico, com um sistema
baseado na legalidade, onde o Estado puniria os delinquentes, mas também,
se submeteria às limitações da lei; b) ético-jurídico, induzido por duas forças, a
física (movimento corporal que produzirá o resultado) e a moral (vontade de
praticar um delito).
Nas palavras de Mirabete e Fabbrini (2010, p.20):
Para a Escola Clássica, o método que deve ser utilizado no Direito Penal é o dedutivo ou lógico-abstrato (já que se trata de uma ciência jurídica), e não experimental, próprio das ciências naturais. Quanto à pena, é tida como tutela jurídica, ou seja, como proteção aos bens jurídicos tutelados penalmente. A sanção não pode ser arbitrária; regula-se pelo dano sofrido, inclusive, e, embora, retributiva, tem também finalidade de defesa social.
Sendo assim, foram os juristas clássicos que começaram a idealizar a
formação do exame que analisa o crime, diferenciando seus vários
componentes.
Esse processo foi o ponto de partida para a construção doutrinária da
Teoria Geral do Delito, com destaque para a vontade culpável. Eles, os autores
clássicos, limitavam o Direito Penal entre os extremos de culpabilidade e pena
retributiva (BITENCOURT, 2012).
3.2.2 Escola positiva
A Escola Positiva teve como precursor Augusto Comte. As ciências
sociais contraíram posição como a biologia e a sociologia. O crime passou a
23
ser pesquisado sob o ângulo da sociologia, e também, o criminoso através das
investigações biopsicológicas (HORTA, 2005).
A Escola Positiva surgiu em uma época onde o pensamento positivista
no campo da Filosofia, pelas teorias evolucionistas de Darwin e Lamarck e das
idéias de John Stuart Mill e Spencer, eram predominantes.
No mesmo sentido, Bitencourt (2012, p. 86) diz que: “A Escola Positiva
surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais”,
com isso determinou uma nova orientação nos estudos criminológicos.
Ainda, ao contrário da Escola Clássica, a Escola Positiva, priorizou os
interesses sociais em relação aos individuais. De modo que, a ressocialização
do delinquente passa a um segundo plano.
O fundamento do direito de punir assume uma posição secundária, e o problema da responsabilidade perde importância, sendo indiferente a liberdade de ação e de decisão no cometimento do fato punível. Admitindo o delito e o delinquente como patologias sociais, dispensava a necessidade de a responsabilidade penal fundar-se em conceitos morais. Bitencourt (2012, p. 86)
Na Escola Positiva se identificam três fases e predomina um
determinado aspecto distinto entre elas, sendo:
a) fase antropológica: representada por Cesare Lombroso, como
fundador da Escola Positiva Biológica, parte da idéia básica da existência de
um criminoso nato. Ao longo dos seus estudos foi ampliando sucessivamente a
sua teoria de criminoso;
b) fase sociológica, que teve como expoente máximo Enrico Ferri, que
sustentou a teoria de que o livre-arbítrio não existe, considerando que a pena
não se determina pela capacidade de autonomia da pessoa, mas pelo fato de
ser um membro da sociedade, ou seja, “passava-se da responsabilidade moral
para a responsabilidade social” (BITENCOURT, 2012, p. 88);
c) fase jurídica: teve como expoente Rafael Garofalo, que conseguiu
sistematizar a Escola Positiva, estabelecendo alguns princípios básicos, dentre
eles: “a) a periculosidade como fundamento da responsabilidade do
delinquente; b) a prevenção especial como fim da pena [...]; c) fundamentou o
24
direito de punir sobre a teoria da Defesa Social [...]; d) formulou uma definição
sociológica do crime natural” (BITENCOURT, 2012, p. 88).
Mirabete e Fabrini resumem os princípios básicos da Escola Positiva da
seguinte forma:
1. O crime é fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores, exigindo o estudo pelo método experimental. 2. A responsabilidade penal é responsabilidade social, por viver o criminoso em sociedade, e tem por base a sua periculosidade. 3. A pena é medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à sua neutralização. 4. O criminoso é sempre, psicologicamente, um anormal, de forma temporária ou permanente (2012, p. 22).
3.2.3 Escolas mistas e tendências contemporâneas
“A Escola Clássica e a Escola Positiva foram as duas únicas escolas que
possuíam posições extremas e filosoficamente bem definidas. Posteriormente,
surgiram outras correntes que procuravam uma conciliação dos postulados das
duas predecessoras” (BITENCOURT, 2012, p. 89).
As escolas mistas surgiram com a busca de harmonização dos
princípios da Escola Clássica e dos aspectos técnicos-jurídicos da Escola
Positiva, como a Terceira Escola (Alimena, Carnevale, Impalomeni) e a Escola
Moderna Alemã.
Foi a Escola Moderna Alemã que influenciou e colocou em pratica essa
harmonização, como a elaboração de leis, criando-se o instituto das medidas
de segurança, o livramento condicional, o sursis etc.
Essas novas correntes representou um avanço aos estudos das ciências
penais, mantendo prudência, como recomenda a boa doutrina e o início de
novas idéias.
Hoje, os penalistas começam a se preocupar com a pessoa do
condenado, tendo uma perspectiva mais humana, formando, assim, a doutrina
da Nova Defesa Social. Onde, “[...] a sociedade é defendida à medida que se
proporciona a adaptação do condenado ao convívio social” (MIRABETE;
FABRINI, 2010, p. 22).
25
3.2.4 Escola técnico-jurídica
Os positivistas pretendiam utilizar no Direito Penal o método positivo das ciências naturais, isto é, realizar os estudos jurídicos-penais através da observação e verificação da realidade, além de sustentarem que a pessoa do delinquente deveria ser posta no centro da ciência pena, pois, [...], o juiz julga o réu e não o crime (BITENCOURT, 2012, p. 92).
Os positivistas misturavam os campos do Direito Penal, da Política
Criminal e da Criminologia. Na verdade, tinha muita preocupação com os
aspectos antropológicos e sociológicos do crime, em prejuízo do jurídico.
Ainda, segundo Bitencourt (2012), para reagir a essa mistura
metodológico criado pela Escola Positiva, surgiu o chamado tecnicismo
jurídico-penal.
Para Horta (2005), o principal objetivo dessa escola é desenvolver a
idéia que a ciência penal é independente, com objeto e métodos próprios, não
se misturando com outras ciências, como a antropologia, sociologia, filosofia,
estatística e outras. Seu primeiro expoente é Arturo Rocco, que propôs uma
reorganização onde o estudo do Direito Criminal se reduziria apenas ao Direito
Positivo vigente.
Bitencourt (2012) ensina que essa orientação se caracteriza mais como
uma renovação metodológica do que propriamente uma escola, que procurou
restaurar o critério jurídico da ciência do Direito Penal, apontando o verdadeiro
objeto do Direito Penal, que seria o crime, como fenômeno jurídico.
As principais características dessa Escola, conforme Bitencourt leciona,
são:
a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo individual e social; b) a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; c) a medida de segurança – preventiva – deve ser aplicável aos inimputáveis; d) responsabilidade moral (vontade livre); e método técnico-jurídico; e f) recusa o emprego da filosofia no campo penal (2012, p. 92).
26
3.2.5 Crise do pensamento positivista
Após essa breve explanação das diferentes correntes do positivismo,
constata-se os motivos de sua decadência. Visto que, o positivismo objetivou
aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação utilizados
nas disciplinas experimentais (física, biologia, antropologia etc.).
Com isso se verificou que era uma metodologia, de certa forma, de difícil
aplicação à norma jurídica. Consequentemente, propuseram que “a
consideração do delito fosse substituída por uma sociologia ou antropologia do
delinquente” e, com isso, surgiu a Criminologia, como forma independente da
dogmática jurídica (BITENCOURT, 2012, 94).
Com efeito, ocorreu uma grande polêmica em torno dessas duas
vertentes. No caso, a criminologia era voltada para explicar o delito como
fenômeno social, biológico e psicológico, porém, não resolveria questões
jurídicas, onde a dogmática jurídica resolveria, pois teria como objetivo
somente o direito positivo, no entanto, não era capaz de compreender o delito
como realidade social
Desta forma, atualmente, entende-se que Ciência do Direito Penal
abrange as duas vertentes, onde “os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuração da Política Criminal mais adequada
para a persecução de crimes” (BITENCOURT, 2012, 94).
4 PRINCIPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL
4.1 Considerações introdutórias
Os princípios formam a base do sistema, como normas estruturantes
que explicitam valores necessários para a convivência social do Estado de
Direito, diante disso, são o fundamento de validade de várias outras normas do
sistema.
Com a evolução do Direito Penal, principalmente, com idéias de
igualdade e liberdade, deu a este, caráter formal menos cruel do que no
27
período primitivo, onde impôs limites ao Estado à intervenção relacionada às
liberdades individuais. Dessa forma, “muitos desses princípios limitadores
passaram a integrar os Códigos Penais dos países democráticos e, afinal,
receberam assento constitucional, como garantia máxima de respeito aos
direitos fundamentais do cidadão”. (BITENCOURT, 2012, p. 40).
Esses princípios limitadores, também, são conhecidos como princípios
reguladores do controle penal; princípios constitucionais fundamentais de
garantia do cidadão; ou princípios fundamentais de Direito Penal de um Estado
Social e Democrático de Direito.
Na sequência, serão destacados alguns princípios limitadores.
4.2 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade pode ser dividido em três vertentes: a primeira,
mais conhecida como reserva legal, que somente a lei pode definir um tipo
penal; outra diz que a lei deve ser clara em especificar todos os elementos do
crime e; por última, está na anterioridade da lei penal, pois a lei deve ser
anterior à conduta que tipifica um fato criminoso, como manifestação da
segurança jurídica.
É importante destacar umas das vertentes, qual seja, a taxatividade
“informa que a norma penal incriminadora deve conter todos os elementos da
figura típica, de forma inequívoca, prescrevendo todos os requisitos da conduta
humana que enseja o crime, de modo a torná-la inconfundível” (ANTUNES,
2013, p. 29).
Diante disso, para que o princípio da legalidade seja colocado em
prática, o legislador deve evitar expressões vagas, equívocas ou ambíguas.
Nesse sentido, Claus Roxin afirma que:
uma lei indeterminada ou imprecisa e, por isso mesmo, pouco clara não pode proteger o cidadão da arbitrariedade, porque não implica uma autolimitação do ius puniendi estatal, ao qual se possa recorrer [e também] permite ao juiz realizar a interpretação que quiser, invadindo, dessa forma, a esfera do legislativo (apud BITENCOURT, 2012, p. 42).
28
A doutrina não é uníssona quanto à origem deste principio, onde uns
apontam como idéias do Iluminismo, outros se referem à Carta Magna Inglesa
de 1215, e outros, ainda, como do direito romano.
No entanto, é unânime, como conhecemos atualmente, de forma mais
técnica para o Direito Penal a partir da obra de Marques de Beccaria, com a
obra “Dos Delitos e das Penas” e o jurista alemão Ludwig Anselm Von
Feuerbach em 1813 criou a fórmula utilizada na América Latina conhecida
como nullum crimen e nulla poena, sine previa lege.
Bitencourt sintetiza o principio da legalidade da seguinte forma: “nenhum
fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada
sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime
e cominando-lhe a sanção correspondente” (2012, p. 41).
4.3 Princípio da intervenção mínima
O princípio da intervenção mínima é, também, chamado de ultima ratio e
recomenda que o Direito Penal deve atuar somente quando os outros ramos do
Direito não conseguiram resolver os conflitos existentes, e principalmente, na
proteção de bens jurídicos importantes para a sociedade, por exemplo, os
direitos e garantias fundamentais, ou seja, “quando os demais ramos do Direito
revelaram-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do
individuo e da própria sociedade” (BITENCOURT, 2012, p.44).
Tem como fundamento histórico na Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, onde o artigo 8º prescreve que a lei deve
estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias para a reprimenda do
delito (ANTUNES, 2013).
4.4 Princípio de culpabilidade
Historicamente, a responsabilidade pelo crime sempre foi objetiva, isto é,
pela simples produção do resultado. No entanto, pelo princípio da culpabilidade
essa concepção foi mudando, onde começou a alegar a responsabilidade
subjetiva no Direito Penal.
29
Dessa forma, foi com o princípio da culpabilidade que ocorreu a
mudança desse paradigma, onde analisa a ocorrência ou não de um juízo de
reprovação, ou seja, analisa os elementos subjetivos do crime, a intenção do
agente.
No mesmo sentido, Flávio Augusto Antunes relata que:
Na culpabilidade se investiga a conduta do agente, se ela é dolosa ou culposa, pois se trata na verdade de se descobrir se o agente teve a intenção deliberada de cometer o crime, de forma livre e consciente, ou se agiu de forma imprudente ou negligente, ou mesmo com imperícia (ANTUNES, 2013, p. 29).
Com isso, a culpabilidade não afeta somente o delinquente, mas sim,
toda sociedade. Dessa forma, a culpabilidade não tem uma concepção
individualizada, afetando somente o individuo, autor do delito, mas sim,
relacionada aos demais membros da sociedade. Assim como prescreve Muñoz
Conde:
não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui, para poder ser imputada a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. Assim, em última instância, será a correlação de forças sociais existentes em um determinado momento que irá determinar os limites do culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade (apud BITENCOURT, 2012, p. 51).
Dessa forma, observa-se que no Direito Penal aplica-se um triplo sentido
ao conceito de culpabilidade: num primeiro sentido, como fundamento da pena,
que significa atribuir um juízo de valor, responsabilizando o delinquente pela
prática de um fato típico e antijurídico e, como consequência a aplicação da
pena. Tendo como requisitos a capacidade de culpabilidade, consciência da
ilicitude e exigibilidade da conduta, “que constituem os elementos positivos
específicos do conceito dogmático de culpabilidade, e que deverão ser
necessariamente valorados para, dependendo do caso, afirmar ou negar a
culpabilidade pela pratica do delito” (BITENCOURT, 2012, p.52).
30
Em outro sentido, a culpabilidade como elemento da determinação ou
medição da pena, funciona como um limite da pena, de acordo com a
gravidade do delito, devendo ser proporcional a gravidade deste, em
consonância com critérios de politica criminal e com a finalidade da pena. E por
último sentido, a culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade
objetiva, por essa concepção não é permitido responsabilizar o agente de
maneira objetiva, sendo necessário que este tenha agido, ao menos, com dolo
ou culpa.
Importante salientar que, com isso, derivam importantes consequências
materiais:
a) inadmissibilidade da responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) somente cabe atribuir responsabilidade penal pela prática de um fato típico e antijurídico, sobre o qual recai o juízo de culpabilidade, de modo que a responsabilidade é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena (BITENCOURT, 2012, p.52).
Dessa forma, não resta menor dúvida que o princípio de culpabilidade
representa uma norma garantista inserido no processo de valoração de
responsabilidade penal.
No entanto, esta concepção de culpabilidade vem sendo fragmentada
pelas teorias funcionalistas e sua progressiva radicalização, iniciada por Roxin
e atualmente, se tornando mais evidente através do pensamento de Jakobs. O
assunto será tratado, mais especificamente, no capitulo posterior.
A culpabilidade tem previsão na Constituição Federal de 1988, no artigo
5º, LVII, como uma norma garantista que prevê “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Esse princípio, também, é conhecido como presunção de inocência ou
não culpabilidade, com fundamento na dignidade da pessoa humana, que
exige a responsabilidade subjetiva da pessoa, responsabilizando-a pelo delito
somente no final do processo.
4.5 Princípio da proporcionalidade
31
É considerado um dos mais importantes princípios. Consiste no dever do
Estado em dar a devida proteção para o individuo e também garantir que este,
em suas intervenções, não cometa abusos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, exigia a
observação da proporcionalidade entre a gravidade do crime praticado e a
sanção que será aplicada. Na Constituição Federal brasileira, que apesar de
não estar explicitamente prevista, no entanto, está prevista de forma implícita
em vários dispositivos, tais como: “exigência da individualização da pena (art.
5º, XLVI), proibição de determinadas modalidades de sanções penais (art. 5º,
XLVII), admissão de maior rigor para infrações mais graves (art. 5º, XLII, XLIII e
XLIV)” (BITENCOURT, 2012, p.53).
Com isso, a proporcionalidade é utilizada através da idéia retirada do
“Estado Democrático de Direito”, que busca a justiça e a segurança para a
sociedade. Desta forma, a proporcionalidade não é uma simples interpretação
das normas, mas também “[...] garantia legitimadora/ limitadora de todo o
ordenamento jurídico infraconstitucional” (BITENCOURT, 2012, p.54).
A respeito da violação ou não do princípio da proporcionalidade analisa-
se a necessidade e adequação da atitude legislativa a ser tomada, ou seja, em
uma relação “custo-benefício” para o cidadão e o ordenamento jurídico.
4.6 Princípio da presunção da inocência
É necessário a apresentação do princípio da presunção de inocência
pois remete especificamente às necessidades básicas dos direitos humanos.
Assim como determinado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
onde a presunção de inocência atua dentro do processo, exigindo a prova de
culpabilidade pela acusação, ou seja, todos os homens são inocentes até que
se tenha comprovada a sua culpa, dessa forma, não incumbe ao acusado fazer
provas de sua inocência.
Dessa forma, inteligência das declarações a respeito da dignidade e
liberdade do ser humano, é no sentido de que não se pode culpar ninguém
sem antes ter sido julgado em sentença condenatória irrecorrível. Haverá
sempre a presunção de inocência, e não o contrário pela culpabilidade.
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Adotado em todos os países democráticos. Dessa feita é que ensinam Távora
e Alencar (2009, p.44):
Antes deste marco, somos presumivelmente inocentes, cabendo à acusação o ônus probatório desta demonstração, além do que o cerceamento cautelar da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais e de estrita necessidade. Neste diapasão, a regra é a liberdade e o encarceramento, antes de transitar em julgado a sentença condenatória, deve figurar como medida de estrita exceção.
Entende-se com isso que o estado de inocência é sempre a regra e a
culpabilidade é a exceção, não podendo ninguém ser culpado ou pré-julgado
antes de ter sido julgado.
Nesse sentido a Constituição Federal de 1988 determina no seu artigo
5º.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Ainda, segundo Mirabete:
[...] existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura a ação penal, que é um ataque à inocência do acusado e, se não a destrói, a põe em incerteza até a prolação da sentença definitiva. Não se impede, assim, que de maneira mais ou menos intensa, seja reforçada a presunção de culpabilidade com os elementos probatórios colhidos nos autos de modo a justificar medidas coercitivas contra o acusado. Dessa forma, ao contrário do que já tem se afirmado, não foram revogados pela norma constitucional citada os dispositivos legais que permitem a prisão provisória, decorrentes de flagrante, pronúncia, sentença condenatória recorrível e decreto de custódia preventiva, ou outros atos coercitivos (busca e apreensão, sequestro, exame de insanidade mental etc.) (2005, p.45).
Dessa feita, como observado, a presunção de inocência se traduz em
norma de comportamento do Estado frente ao indivíduo, para que não seja
33
antecipada qualquer medida punitiva ou que lhe importe reconhecimento de
culpabilidade antes da sentença final condenatória, conforme artigo 5º, VLII da
Constituição Federal segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
De outro modo, embora garantia individual, não é principio absoluto,
sendo balanceado com outros princípios igualmente relevantes para o sistema,
como os que tratam do direito de propriedade, da segurança pública, da ordem
econômica justa, dentre outros. Dentro dessa relativização, onde comporta
minimizar frente a outras normas constitucionais, objetivando o combate ao
crime organizado, dessa forma, considera-se como razoável o reconhecimento
do Direito Penal do Inimigo.
Por esse sistema penal, busca-se prevenir que o criminoso em potencial pratique o crime, adiantando-se a política criminal de repressão para os atos preparatórios. Por prever normas mais duras e de certa forma, em algumas passagens, rompendo-se com o sistema tradicional da presunção de inocência, mitigando-a, como ocorre nas situações de crimes envolvendo, por exemplo, organizações criminosas, tráfico de drogas e armas, há nesse aparente conflito a necessidade de se harmonizarem referidos sistemas, para que um não se sobreponha ao outro (ANTUNES, 2012, p. 115).
34
CAPÍTULO II – DIREITOS HUMANOS
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Quando se fala em direitos humanos é comum deparar com as
expressões “direitos fundamentais”, “direitos humanos” e “direitos do homem”.
Está certo dizer que os direitos humanos são os direitos fundamentais, só que
no modo mais frequente de classificação quando se fala em direitos
fundamentais dá-se ênfase na previsão desses direitos na ordem jurídica
nacional, ou seja, os direitos previstos na constituição e nas leis que integram a
ordem jurídica do Estado. Dessa forma, direitos fundamentais são direitos
previstos numa ordem nacional, já os direitos humanos, quando esse conceito
é pensado em sentido estrito, dizem respeito à ordem internacional. Quando
fala-se em direito do homem, essa terminologia é utilizada com maior
frequência para se referir a introspectiva jusnaturalista, qual seja, é o direito
natural, é uma concepção onde os direitos humanos fazem parte da natureza
humana, ou seja, são o direitos que nascem, inerentes, em outras palavras,
não precisam estar previstos nem na ordem nacional, nem da ordem
internacional para existir e, existem como características da condição humana,
nascemos com esses diretos.
Na efervescência dos estudos evolucionários do século XVIII, revolução
francesa, revolução americana, prevalecia à convicção de uma visão de mundo
jusnaturalista, que alicerçava uma ação de direitos da pessoa humana, a partir
do entendimento de que esses direitos faziam parte da nossa natureza e não
das ordens jurídicas que posteriormente poderiam ser constituídas. A evolução
do direito internacional dos direitos humanos vai caminhar para o
desenvolvimento de uma visão jurídica que vai influenciar, também, na ordem
jurídica nacional, denominada de positivismo. Posteriormente, surge o pós-
positivismo, momento atual, levando em consideração a importância do
positivismo, porém, não é mais determinante a existência ou não do direito.
35
Ao longo da história, os direitos humanos experimentaram importantes
transformações em relação a sua consagração, titularidade e extensão. Os
direitos humanos nasceram como teorias filosóficas, idéias segundo as quais, a
liberdade e a igualdade dos homens não são um fato, mas um ideal a ser
perseguido, um desejo. Naquela época, os direitos eram universais, mas não
eram eficazes, na medida em que ficavam na esfera das propostas. Em
seguida, passaram os mesmos para o terreno das leis. Isso se deu com as
Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos e da Revolução
Francesa. Nessa fase, os direitos humanos deixaram de ser a expressão de
uma nobre exigência e passaram a integrar um ordenamento jurídico
específico. Viraram lei. Deixaram de ser um direito pensado e foram sendo
realizados. Porém, exigíveis apenas para os países que os reconheceram
expressamente.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é a última etapa
evolutiva dos direitos humanos no tocante a sua afirmação. Com ela, se deu,
ao mesmo tempo, a consagração de forma universal e normativa. Hoje
podemos dizer que os direitos humanos foram globalizados. A consequência
prática desta alegação é que a própria autoridade soberana dos Estados
nacionais resulta relativizada e flexibilizada em favor da universalização dos
direitos humanos. A Constituição atual do Brasil acolhe expressamente esta
concepção. Isso implica, basicamente, duas consequências: primeira, que para
proteger direitos humanos violados são admitidas intervenções no plano
nacional e a responsabilização internacional do país atingido; segunda, que a
pessoa individualmente considerada adquire a condição de sujeito de direito na
esfera internacional.
Além dos impactos provocados na ordem jurídica dos países, a
Declaração Universal proporcionou também a consagração de um
entendimento mais avançado de direitos humanos. Esses, passaram a ser
concebidos como universais e indivisíveis.
Universais porque não mais aplicáveis a pessoas de um ou outro
Estado, mas atribuídos à todos os homens, indistintamente e sem a exigência
de qualquer outro requisito. Indivisíveis porque a garantia de uns é a condição
para o respeito de outros e vice-versa. A Constituição de 1988, como
salientado, cristalizou o respeito aos direitos humanos como paradigma
36
propugnado para a ordem internacional. Além disso, no mesmo título dos
Direitos e Garantias Fundamentais, consagrou amplamente os direitos sociais
que serão apresentados nos capítulos seguintes deste trabalho.
1.1 Antecedentes históricos da proteção aos direitos humanos
A proteção dos direitos humanos que vigora atualmente, com sistema
internacional, como as cortes constitucionais em diferentes países, decidindo
os casos após apreciação das diferentes instancia, com os tratados
internacionais, com os sistemas regionais e o sistema global. É resultado de
uma longa trajetória da humanidade “e é produto de diversas origens, que
podem ser localizadas em diferentes civilizações e que se apoiam nos mais
variados fundamentos” (PORTELA, 2015, p. 807).
O ser humano, historicamente, tem construído uma maneira jurídica de
se proteger. Desde a antiguidade isso já existia, desde antes de Cristo já teve
alguns instrumentos, o mais citado é o código de Hamurabi, pois estabeleceu
algumas normas de reconhecimento da propriedade, da vida, coisa desse tipo.
Depois a doutrina judaico-cristã de uma maneira geral. Primeiro na doutrina
judaica com algumas diretrizes de respeito ao outro, como o proposito de “não
matarás”, toda essa perspectiva de respeito a propriedade, “não roubarás”,
todo esse valor ético de reconhecimento de direitos das pessoas como normas
a serem seguidas.
[...] parte importante dos povos da Antiguidade já definia normas relativas à proteção de valores vistos como essenciais para a vida humana. O Código de Hamurabi (1690 a. C), por exemplo, consagrava a todos os indivíduos direitos como a vida, a propriedade e a honra. O povo judeu, referencia importante para a formação do mundo ocidental, definia nos Dez Mandamentos normas relativas a proteção da vida (“Não matarás”), ao direito de propriedade (“Não roubarás”), à proteção da família (“Não cometerás adultério”) e da honra (“Não darás falso testemunho”) (PORTELA, 2015, p. 807).
37
O cristianismo teve papel fundamental por deixar de pensar isso restrito
a uma comunidade e pensar universalmente, para toda a humanidade. No
discurso cristão não se caracteriza como discurso especifico de um povo ou
seja qual for, é um discurso universal. Essa premissa cristã, vai influenciar
muito a evolução histórica dos direitos humanos. A ideia de reconhecimento do
outro, universalmente, independentemente da cultura daquele sujeito. Outro
traço marcante, influenciado pelo cristianismo, é a preocupação com os grupos
minoritários. A intenção de Jesus era informar o dever universal de
solidariedade com aqueles que eram excluídos, a prostituta, o cobrador de
imposto e assim sucessivamente. Essa é uma tendência que será,
posteriormente, incorporada no direito internacional dos direitos humanos em
que tem as proteções especificas das minorias.
Por conseguinte, o primeiro marco, pelo qual, os direitos humanos são
pensados hoje, no que diz respeito a relação do individuo com o Estado, é a
Magna Carta de 1215, outorgada pelo Rei João Sem Terra da Inglaterra.
Caracterizou-se como uma primeira tentativa de ruptura com o absolutismo ou
mitigação das intervenções excessivas que o Estado fazia naquela época, ou
seja, a Magna Carta “limitava os poderes do monarca inglês frente aos
membros da nobreza que, em contrapartida, adquiriam certos direitos, como a
liberdade de locomoção, o livre acesso à justiça e certa proteção na área
tributária” (PORTELA, 2015, p. 807).
Dessa forma, a Magna Carta estabelece alguns limites de tributação de
mercadorias e o direito de só ser condenado depois de ser submetido a juízo,
ou seja, são limites iniciais, que começam a demonstrar a necessidade de que
o Estado não tem poder absoluto. Tem uma importância histórica por ser um
dos primeiros documentos a estabelecer limites ao arbítrio do Estado. Não
existe direitos humanos sem limites ao poder do Estado.
A perspectiva universal se consolidou no Iluminismo. O iluminismo é um
momento histórico em que o ser humano se reconhece como ser racional
universalmente, independentemente da cultura. E que esse ser racional, deve
ser protegido. Além disso, corresponde a um contexto histórico em que o ser
humano acredita na sua razão. Tem convicção de que a racionalidade será
instrumento da sua realização digna, da sua possibilidade de que vai se tornar
quem quiser ser. A partir dessa convicção, na racionalidade, o ser humano se
38
percebe e passa a entender como apto a definir as normas jurídicas da sua
proteção, que sejam, também, universais. Então, a partir daí, o Iluminismo
desencadeia contexto em que o ser humano se vê capaz de pensar as normas
que vão nortear a sua vida em sociedade.
Na época em que prevalecia o Absolutismo, o Iluminismo, [...], veio a enfatizar a necessidade de valorização da pessoa diante de poderes pretensamente ilimitados. O ideário iluminista marcou inicialmente a Independência Americana, em 1776, e alguns dos principais documentos relacionados a esse fato histórico, como a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virginia (Declaração de Virgínia), de 1775, e a COnsitituição dos EUA, de 1787 (PORTELA, 2015, p. 808).
Na Revolução Francesa, também marcada pela ideia iluminista,
começou a ter essa noção de universalidade muito consolidada na maneira de
organizar juridicamente a sociedade como fonte irradiadora dessas normas
jurídicas de proteção que consagrou inúmeros direitos da pessoa em
documentos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, e as Constituições de 1791 e de 1793, “que reconheceram
expressamente a liberdade e a igualdade inerentes ao ser humano, bem como
a necessidade de limitar dos poderes estatais, de modo a que estes não
interferissem na esfera de liberdade dos indivíduos” (PORTELA, 2015, p. 808).
A revolução francesa que é caracterizada pela defesa de três valores
fundamentais: liberdade, igualdade e fraternidade.
Nesse panorama, verifica que a luta pelos direitos humanos, ainda, se
mantinha estritamente a cada Estado, particularmente. Com a evolução da luta
pelos direitos humanos desses Estados, destacam-se três precedentes
históricos da internacionalização de proteção da pessoa humana: o Direito
Humanitário; a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.
O direito humanitário é um ramo especifico do internacional dos direitos
humanos, ou seja, trata da proteção jurídica da pessoa humana, em um
contexto especifico, em conflitos bélicos, possível a menção, aos direitos de
proteção da pessoa humana no contexto de conflitos bélicos internacionais.
Essa noção é importante entender no modo pelo qual o direito humanitário se
configurou como um precedente histórico da internacionalização dos direitos
39
humanos. No inicio do século XX, na Europa, teve a I Guerra Mundial, que
determinou uma série de situações drásticas de violência e sofrimento
envolvendo muitas pessoas. Os países que estavam envolvidos nesse conflito
bélico, começavam a perceber a necessidade de estabelecer alguns limites no
que diz respeito a situações de guerra e chegaram a alguns acordos em
relação a isso, no sentido, por exemplo, de que no conflito marítimo o naufrago
deve ser resgatado, um prisioneiro desarmado não deve ser executado, no
sentido de que certas áreas em que se estejam tendo atendimento medico não
devem ser atacados. Dessa forma, temos a emergência da Cruz Vermelha, que
surge com as chamadas Convenções de Genebra, que há um
comprometimento do Estado de respeitar a atuação daquela e apoiar e certos
limites no que diz respeito a integração bélica, para não admitir certas
desumanidades, se é que se pode falar isso, num contexto de guerra.
A Liga das nações se caracteriza com um esforço mais ambicioso,
sendo um antecedente fracassado da ONU, no entanto, teve importância por
ser a primeira organização internacional envolvendo Estados no objetivo
comum de preservar a paz. Fracassada porque se o objetivo era a preservação
da paz, não foi o que ocorreu, pois houve a II Guerra Mundial.
Organização Internacional do Trabalho (OIT), como próposito maior de
fomentar na ordem internacional não só com direito ao trabalho, mas em
especial no direito as condições dignas de trabalho. E acaba sendo uma
preocupação de condições dignas de trabalho e de vida, porque as condições
do trabalho repercutem nas demais condições sociais. E a OIT
progressivamente assume um papel importante na ordem internacional, na
promoção dos direitos sociais, em especial na promoção dos direitos
trabalhistas. A internacionalização, propriamente dita, se deu como resposta a
II Guerra Mundial, na verdade, foi após esta, que gerou a internacionalização
dos direitos humanos.
Nesse contexto, se configurou o repudio internacional as atrocidades do
holocausto, como barbárie em nome da lei (possiblidade de em um
determinado contexto jurídico-politico que tenha leis que admitam praticas
evidentemente imorais) como o massacre de uma raça. Quando a sociedade
internacional percebe essa possiblidade de uma lei que fomenta a barbárie, de
uma lei que admite a imoralidade completa, o pós II Guerra, a resposta da
40
sociedade internacional a essa evidencia, exige a reaproximação entre direito e
moral, ou seja, a injustiça extrema não é direito, a norma jurídica,
necessariamente, deve estar vinculada aos valores que realizam ou os valores
morais com força normativa. Essa reaproximação, entre moral e direito, vai
desencadear um reconhecimento de que o direito, enquanto fenômeno jurídico
e social, não é um fim em si mesmo, ele só se justifica se estiver a serviço de
outra coisa. O direito não é uma finalidade para a sociedade, ele é um meio
para que a sociedade realize algo. Dessa forma, vão procurar por algo que seja
um fim em si mesmo, para ser alicerce do direito, algo que não possa ser
instrumentalizado. O entendimento de Kant que passa a alicerçar o direito é de
que o ser humano é um fim em si mesmo, e o direito só se justifica se a serviço
da dignidade da pessoa humana. É a partir desse movimento, de negação de
um direito de que se justifica a partir de si mesmo, a negação de que a validade
da norma jurídica se dá na relação que as normas estabelecem entre si, que o
direito se transforma radicalmente pra se colocar a serviço da dignidade da
pessoa humana.
Após a II Guerra Mundial, os direitos humanos adquirem o caráter de prioridade da sociedade internacional, mormente a partir da criação da ONU (1945) e da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que reitera o reconhecimento de que todos os seres humanos, sem distinção de qualquer espécie, são essencialmente livres e iguais. (PORTELA, 2015, p. 809).
É nesse contexto, de transformações radicais da organização do mundo,
que a II Guerra Mundial, ainda é um trauma não superado, e as consequências
desse trauma são tamanhas que a sociedade internacional rompe com o
paradigma vigente e estabelece uma nova maneira de interpretar o direito,
exige que tudo esteja a serviço da dignidade da pessoa humana, por que só o
ser humano é um fim em si mesmo, com isso, encontra consenso jurídico e
politico para criação de uma organização que articule os diferentes interesses
das sociedades internacional com o objetivo comum em torno da promoção da
paz e dos direitos humanos, a criação da Organização das Nações Unidas
(ONU) em 1945. A criação da ONU é uma ruptura paradigmática que
estabeleceu, então, condições para que sua assembleia geral, aprovasse a
41
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948. Com a DUDH
tem-se efetivamente a internacionalização dos direitos humanos. Dessa forma,
inaugurou, segundo a doutrina majoritária, a proteção jurídica incondicional da
pessoa humana, sendo consequência direta da resposta da sociedade
internacional no pós II Guerra Mundial.
2 FUNDAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS
As principais teorias que fundamentam os direitos humanos são a
jusnaturalista, a positivista e a moralista. A jusnaturalista fundamentam tais
direitos como uma ordem superior, universal, imutável e inderrogável. A
positivista alicerça tais direitos quando estejam expressamente previstos na
norma positiva. A moralista fundamenta os direitos humanos “na convicção
social acerca da necessidade da proteção de determinado valor” (PORTELA,
2015, p. 802).
Ao que se refere aos diretos humanos, muitas divergências existentes
na seara jurídica e social ainda colidem. Tome-se como forma de sintetizar o
trabalho, a menção mais simplista de direitos humanos que ensina Marum
(2005, p.87), dizendo que estes são “[...] direitos que não dependem da
nacionalização do sujeito, nem da sua raça, da sua condição econômica e
social ou de quaisquer outras circunstâncias, sendo inerentes à sua própria de
ser humano”.
De outra forma, todos os seres humanos são portadores desse direito,
independentemente de suas condições qualquer que sejam as circunstancias.
Pois esses direitos foram conquistados em muitos casos a força num processo
histórico longo, pelo qual a humanidade passou e se submeteu a condições
extremas.
Dessa forma, tem-se como uma das iniciais desses direitos, a carta
fundadora das Nações Unidas, prolatada em 1945 em San Francisco, Estados
Unidos da América, onde constava a maior novidade e avanço no tocante aos
direitos humanos. O que para a época era muito inovador.
Assim constava da carta em seu preambulo, o seguinte:
42
Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimento indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas [...] (ALMEIDA; PERRONEMOISÉS, 2002, p.13).
Então, o fundamento dos direitos humanos, está na dignidade da pessoa
humana. A importância que a pessoa humana alcançou no direito
contemporâneo enquanto fundamento dos direitos humanos e de todo o direito
e de toda a possibilidade do estado exercer coerção, ou seja, só se restringe
liberdade humana em nome da liberdade humana. Dignidade da pessoa
humana pode ser interpretada como liberdade, quanto realidade, marcada por
aspectos públicos e privados, pelo desafio de construir e seguir normas
próprias, então, um povo se realiza com dignidade quando ele pensa as suas
normas e vive de acordo com elas, uma pessoa do mesmo jeito.
Na atualidade, encontra-se também difundida a visão de que os direitos humanos se fundam no reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da espécie humana, entendidos como iguais em sua essência, não obstante qualquer peculiaridade física, mental ou intelectual ou qualquer outro aspecto de sua existência (PORTELA, 2015, p. 802).
Com isso, a defesa dos direitos humanos, ganhou força e partiu-se para
uma era de positivação de direitos, como se verá no item a arguir com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
3 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS
Os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente
conhecida, surgiram como produto da união de varias fontes, desde tradições
43
primitivas nas diversas civilizações, até a junção dos pensamentos
jusfilosóficos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural.
Não é possível existirem direitos fundamentais sem que exista certo grau de
liberdade em um país. Apegando-se nessa explicação é que Schäfer
(2005,p.14) afirma que o Estado ao estar em um nível avançado de evolução
deve criar órgãos de controle e gestão que possam vincular o poder executivo
ao jurídico.
Assim, conhecida classificação doutrinária dos direitos fundamentais utiliza a evolução histórica enquanto elemento essencial à própria caracterização e individualização dos direitos fundamentais, considerando a progressiva afirmação da respectiva juridicidade [...]. Esta espécie de direito é obra da civilização jurídica e pressupõe a existência de uma forma política – o Estado – que „ordene a sociedade e assegure as suas condições de validade e de exercício, consoante as exigências dos tempos‟, partindo-se do modelo inicial (consenso sobre a limitação do poder) até o modelo atual (pluralismo democrático com efetiva interligação responsável entre Estado e cidadão) (SCHÄFER, 2005, p.14).
Há entendimentos de que os direitos fundamentais estão alicerçados em
três dimensões de forma a classificá-los. Nesse sentido é que Ingo W. Sarlet
(2003) menciona a existência dessas três dimensões existentes no direito
fundamental como forma de positivá-lo.
Para o autor os direitos de primeira dimensão são os relacionados à
liberdade e participação política livre da sociedade. Já como direitos de
segunda geração existem os direitos econômicos e direitos sociais e culturais.
Enquanto que os de terceira dimensão seriam os direitos de solidariedade e
fraternidade.
Nesse sentido, pode-se afirmar a existência das três dimensões dos
direitos fundamentais, confirmada também por Schäfer (2005), ao dizer os
direitos de primeira, segunda e terceira dimensões. Afirma ainda que existem
três elementos essenciais para a validade de existência dessas dimensões,
sendo a primeira a relação do Estado como os cidadãos. Em segundo lugar,
deve haver uma concepção política do Estado e ainda deve haver direitos no
Estado, ou seja, direitos de cunho coletivos e difusos além de individuais.
44
Segundo o entendimento de Sarlet (2003), os direitos de primeira
dimensão foram dominantes em meados do século dezenove, e diziam respeito
aos direitos de liberdade civis e também políticos, que ainda era crescente à
época.
Os direitos e liberdades individuais não tinham espaço garantido, pois a
monarquia imperava, e o surgimento desses direitos fundamentais, aliados ao
nascimento de um direito público, que visa a garantia de direitos coletivos, é
marcadamente a evolução da sociedade ocidental moderna constitucionalista.
Em se tratando dos direitos de segunda geração, está-se diante de
direitos, cuja pretensão e objetivos é a criação de garantias coletivas, e justiça
social, trazendo à tona os princípios de direito como os da igualdade e da
dignidade humana (BONAVIDES, 2002).
Os direitos de cunho sociais, almejados pelos povos de muitas nações
ao longo da história, são hoje uma realidade viva, no entanto, muito há o que
se fazer nesse sentido. As pessoas ao buscarem os direitos de terceira
geração esperavam ver cumpridas em suas vidas os anseios altruístas de bem
estar, vida sem misérias, e realmente de direitos políticos, sociais e culturais a
todos. Acontece que não foi isso que aconteceu, pois ao longo da história a
ganancia pelo capitalismo desenfreada, fez com que países inteiros se
dobrassem ao consumismo exacerbado.
Fazendo com que se esgotassem fontes naturais e também aumentasse
a desigualdade entre ricos e pobres, alargando ainda mais as distancias entre
as nações e povos e pessoas de um mesmo país.
3.1 Direitos humanos e direitos fundamentais
É recomendável breve explanação das diferenças entre os direitos
humanos e os fundamentais. Alguns doutrinadores compreendem os dois
temas como sinônimos, no entanto, a corrente majoritária entende que há
diferenças entre os institutos, as quais será explicitadas no decorrer do
presente capítulo.
45
Doutrinadores da corrente de defesa jusnaturalista, afirmam que os
direitos humanos derivam em sua essência da própria qualidade da pessoa
humana. Todavia, pode-se afirmar que esse entendimento restrinja o seu
significado, uma vez que acaba excluindo alguns direitos concernentes à
evolução do ser humano, como a social, política etc. Pela qual passou a
história humana.
Dessa forma, ao se conceituar “direitos humanos”, percebe-se que não
tem origem espontânea, mas sim, estabeleceu-se ao longo de muitos anos de
história humana. Foram necessários diversos acontecimentos e modificações
na vida social e política da sociedade. Assim, os atuais reconhecimentos
dispensados aos direitos humanos de que se tem notícia, demandam de uma
história de muitos massacres e tragédias, assim como lutas de muitos em
defesa dos seus direitos e de suas famílias.
De sorte que os direitos fundamentais não são criados ao acaso, esses
solidificam por meio da positivação do direito humano, ou seja, seria preciso
haver legislações protegendo certos direitos dos seres humanos para que
pudesse haver a criação e proteção dos direitos fundamentais.
Notadamente nos dias atuais, o termo a que se refere aos direitos
humanos está sendo muito utilizado para representar a série de direitos a que
os seres humanos estão submetidos internacionalmente, de outro modo o
termo direitos fundamentais é utilizado em questões locais, instalado em
ordenamentos jurídicos nacionais insculpidos nas suas constituições.
Dessa maneira é possível dizer que os direitos humanos evoluíram
muito no seu intento de buscar a proteção do ser humano em tese de
amplitude internacional e não ficam para trás os fundamentais que estão
insculpidos em diversos ordenamentos jurídicos positivos de diversos países.
No entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, direitos fundamentais são:
[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte
46
que revelam um inequívoca caráter supranacional ( 2005, p.45).
Dessa feita, poder-se-ia utilizar-se da expressão direitos humanos, no
sentido de mencionar o nascimento desses direitos ou ainda quando
começaram a ser reconhecidos. Já para mencionar o surgimento dos direitos
fundamentais é quando estes surgiram na positivação dos direitos.
3.2 Direitos fundamentais e suas dimensões
Observando um pouco mais a fundo o instituto dos direitos humanos, os
estudos levam a entender que houve um lento e progressivo processo de
afirmação desses direitos na história humana, esse processo de entrada dos
direitos no mundo do direito positivo se deu de forma gradativa.
Percebe-se com o decorrer da análise do instituto dos direitos
fundamentais, que este variam muito de acordo com o Estado onde estão
sendo positivados. Ainda, que esses direitos, não são os mesmos em todos os
tempos históricos, uma vez que houve gradativa e progressiva evolução
desses direitos.
Dessa feita, é possível entender que os direitos fundamentais seriam
uma forma de herdeiros dos direitos humanos, desenvolvidos durante muitos
anos no decorrer da história humana.
Os direitos fundamentais no Brasil, passaram por diversas modificações
ao longo da história recente nacional e ultrapassou barreiras como as diversas
Constituições Federais, inclusive rompendo algumas barreiras especificas
como a ditadura militar, momento em que houve grande repressão desses
direitos.
Com isso, a evolução desses direitos não diz respeito apenas a seu
conteúdo, mas também à sua titularidade, fazendo com que seja eficaz e
efetivo no ordenamento jurídico.
Assim sendo todos os acontecimentos nessa seara tiveram como efeito
as denominações concedidas pelos doutrinadores, que assim, determinaram a
47
chamar esses direitos fundamentais como sendo de três gerações, os quais
serão tratados nos próximos tópicos.
3.2.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão
Ao longo da história é possível notar que o poder econômico e social
sempre estiveram nas mãos de poucas pessoas, da monarquia. Ao longo dos
anos a nova classe social chamada de burguesia, que detinha poder
econômico mas não poder social, sentiu-se irrelevante diante do poder Estatal,
que os privava das facilidades concedidas ao Clero.
Não contentes com os acontecimentos a classe burguesa da época
tentava mostrar-se por meio de ideais inovadores considerados iluministas,
principalmente ao que se referia à liberdade das pessoas e também ao que diz
respeito às propriedades, limitando dessa forma de certo modo o poder do
Estado diante da vida privada, essa intervenção burguesa no cotidiano estatal,
claramente interrompeu as metas tanto econômicas quanto políticas do Estado.
Nesse momento da história iniciaram-se discussões acerca dos ditos
direitos de cunho próprio de cada indivíduo, tomando bases de grande
expressão no que diz respeito primordialmente os direitos que dizem respeito à
liberdade e a vida assim como à igualdade e propriedade nos ditames da lei.
Com isso, surgiram não só liberdades de cunho civil como por exemplo a
liberdade de imprensa, mas também as liberdades tratadas como de cunho
políticas, que seriam, por exemplo, o direito ao voto universal.
Dessa forma, é razoável entender-se haver a existência de uma sinuosa
separação entre sociedade e Estado. Assim, em resumo, é possível dizer que
os chamados direitos fundamentais de primeira dimensão vieram à tona para
limitar o Estado em suas auspiciosas autuações de contra à sociedade.
Lembo, afirma ao dizer:
São os direitos elaborados (visualizados) pelo pensamento liberal e procuram obstar a ação do Estado contra as pessoas. Essa geração de direitos busca preservar a vida, a integridade
48
física, a liberdade, a dignidade, a intimidade e a inviolabilidade do domicilio (2007, p. 15).
No mesmo sentido, esses direitos surgem para contrapor aos mandos e
desmandos do Estado que agia unilateralmente sem consulta ao povo, esses
direitos serviriam como direito à defesa em demasiada atuação estatal que
estivesse em desacordo com os preceitos humanos e legais.
Com isso, esses direitos poderiam ser traduzidos, em termos atuais
perante a Constituição Federal, como sendo os direitos à vida, liberdade e
igualdade esculpidos no artigo 5º. No mais, direitos tidos como nascidos por
meio desses direitos fundamentais, por exemplo os direitos de manifestar-se
livremente contidos em nossa Constituição Federal, como por exemplo os
contidos no artigo 5 inciso IV, ainda os direitos de associar-se contido no
mesmo artigo inciso, XVII e também os direitos ao voto contido no artigo 14 da
Carta Magna.
Diante desse entendimento, percebe-se que a independência de forma
negativa perante ao Estado é que caracteriza esses direitos de primeira
dimensão. Sim, porque a forma positiva é a forma legal de estatização, e esses
direitos vieram em contraponto ao direito positivo até então correto emanado
do Estado, no intuito de criar uma saída democrática para os problemas de
falta de liberdade.
Com o passar dos tempos esse modelo de direitos fundamentais de
primeira dimensão, já não se mostrava tão efetivo surgindo daí os direitos
fundamentais de segunda dimensão.
3.2.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão
É de conhecimento histórico que em meados do século XVIII os direitos
fundamentais de primeira dimensão se apresentaram fortemente frente ao
poder estatal. De forma a defender os direitos políticos e civis. Ao chegar o
momento do impacto da industrialização e com ocorrência de diversos tipos de
problemas sociais graves, não mais bastava a conquista de outrora dos direitos
49
de primeira dimensão. Buscava-se então uma forte intervenção da sociedade
em prol da justiça social.
Já em meados do século XX, surge então uma nova estrutura de ordem
social que baseava-se em direitos de liberdade social e não apenas em bases
individualistas ocorridas na dimensão anterior. O que no entendimento de
Sarlet (2010) deveria incluir-se nesses as liberdades sociais.
Com a firmação de direitos sociais e a busca pela sua positivação, assim
como direitos a cultura e ao poder econômico no século XX, instaura-se então,
a fase tida como do bem-estar social, nova para a época. A partir de então o
Estado teria o dever de satisfazer de alguma forma por meio de políticas
públicas, melhorias esperadas pela sociedade (BONAVIDES, 2004).
Passe-se a partir de então, a exigir do Estado uma atuação mais forte
junto à sociedade de modo que garanta haver a intervenção do Estado na vida
privada, dessa forma a demonstrar o seu positivismo.
Mesmo diante de um cunho “positivo” ao invés do “negativo” obtido por
meio dos direitos fundamentais de primeira dimensão, vale lembrar, assim
como os conhecidos direitos de primeira geração, fundamentais, não é
diferente com os sociais que buscam atingir ao indivíduo.
Em nossa Carta Magna de 1988 aplicou-se em um capitulo exclusivo o
assentamento dos direitos tidos como sociais, assim no artigo sexto da CF
estão denominados os direitos como saúde e moradia.
Dessa maneira, o direito essencial à saúde e educação, por exemplo,
estão presentes já não é de hoje em nossa sociedade, existindo esses direitos
e necessitando da prestação positiva Estatal desde o século vinte.
3.2.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão
Tendo em vista os feitos e acontecimentos havidos após a Revolução
Francesa que pregava como liberdades humanas a igualdade e fraternidade, é
sabido que neste momento de estudo dos direitos fundamentais em sua
terceira dimensão há enorme ocorrência de sentimento de irmandade o que
satisfaz o ser humano enquanto único individuo que busca seu lugar ao mundo
e alimenta seu ego como titular de direitos. Sente-se assim útil à sociedade e
50
busca nesse momento a defesa de direitos do todo e não mais de seu cunho
individual, neste momento há uma busca pela defesa dos direitos do povo
enquanto tido como nação.
É em suma uma maneira de estreitar as relações e minimizar a distância
entre as pessoas não havendo de certo modo barreiras físicas ou econômicas.
Nada mais é do que um modo de enxergar as dificuldades entre países em
desenvolvimento e os desenvolvidos.
Assim é que se podem mencionar como exemplos, os direitos advindos
dessa terceira dimensão de direitos fundamentais, como por exemplo, os
direitos que temos ao desenvolvimento sustentável financeiro, ambiental e
humano, obviamente não fica de fora o direito à paz entre as nações e povos
dos mais diversos e longínquos, também o direito de defesa ao patrimônio
histórico da humanidade e de propriedade privada, pois todos podem adquirir
seu patrimônio e tê-lo protegido pelo direito positivo para que ninguém possa
interferir. Há também o direito de expressão, comunicação de diversos modos,
direito a falar e criticar em um modo democrático.
Diante do exposto é que ensina sobre isso a doutrina de Sarlet que,
segundo preleciona Ingo Wolfgang Sarlet, quanto a positivação desses direitos:
a maior parte desses direitos fundamentais da terceira dimensão ainda não encontraram seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, por outro lado, em fase de consagração no âmbito do direito internacional, do que dá conta de um grande número de tratados e outros documentos transnacionais nesta seara” (2007, p. 117).
Apressadamente, pode-se dizer que essa fase dos direitos fundamentais
busca nada mais, senão o desenvolvimento enfrentando-se qualquer barreira
para sua real efetivação. “Pode-se afirmar que essa geração reconhece seus
direitos fundados no princípio da solidariedade” (BONAVIDES, 2005, p. 561).
51
4 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Como se sabe a história da humanidade foi marcada por absurdos
humanitários. Onde imperava o poder e o reinado. Não havia lugar para
manifestações nem para liberdade de expressão, assim como não havia lugar
para que se falasse em direitos humanos. Uma das poucas coisas que vigiam
na antiguidade era o direito a propriedade e mesmo assim era muito relativo. A
partir de revoluções de burgueses contra o poder imperativo do Estado, houve
um abrandamento por parte do Estado permitindo a entrada de mais
manifestações acerca dos direitos humanos. Mas o momento mais correto que
se pode afirmar ter havido a entrada dos direitos humanos com fidelidade é a
partir do século vinte. Mais especificamente com a criação da Organização das
Nações Unidas.
A Declaração é o ponto de partida da construção do atual sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Nesse sentido, suas normas são percebidas como o parâmetro mínimo de proteção da dignidade humana, a ser observado por todos os povos do mundo e efetivado por indivíduos e entidades publicas e privadas, internacionais e nacionais (PORTELA, 2015, p. 837).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos considera todos os
direitos humanos em sua unidade, pois os direitos humanos econômicos,
sociais e culturais não são de maneira alguma de segunda classe. Mais do que
isso, o direito à educação ou à alimentação é considerado um pré-requisito
para a percepção dos direitos políticos. A declaração formalmente reconheceu
esses dois tipos de direitos, onde os civis e políticos estão mais atrelados, as
liberdades individuais e os econômicos, sociais e culturais, estão mais
atrelados ao ideal de igualdade social, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos firmou uma concepção de direitos humanos que entende que não dá
para priorizar um desse tipos de direitos. Por conseguinte, não se podem
separar dos direitos humanos, ou seja, não tem como realizar a liberdade dos
indivíduos em um contexto que não prioriza a igualdade social e não tem como
ter igualdade social se esses indivíduos não forem livres. Essa é uma
empreitada que se faz em reciprocidade.
52
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada por
unanimidade e sem qualquer reserva ou questionamento. Consolida a
afirmação de uma ética universal, consagra um consenso sobre valores de
cunho universal a serem seguidos pelos Estados. Essa declaração não possui
reserva, ou seja, ela foi aprovada por unanimidade e sem reserva. Consagra
um consenso sobre valores, é importante essa carga valorativa da declaração
universal, ela é um conjunto de normas que expressa valores e é justamente
nesse sentido que ela é um dos instrumentos de ruptura com o positivismo de
reaproximação entre o direito e moral.
A declaração exalta, principalmente, a dignidade da pessoa humana
como preceito básico para todas as comunidades internacionais.
A Declaração é baseada em princípios que orientam a aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos como um todo, como o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; o fato de que o desrespeito pelos direitos do homem resultou em atos bárbaros; o entendimento de que a proteção da liberdade e do bem-estar do ser humano adquiram o caráter de prioridade na ordem internacional; e o compromisso dos Estados e das Nações Unidas em promover a aplicação dos direitos humanos (PORTELA, 2015, p. 837).
Essa declaração, estabelece como já dito, uma série de questões a
serem cumpridas pela sociedade, isso porque não é apenas o poder público o
detentor desse desenvolvimento de políticas relacionadas ao ser humano, mas
todos estão ou devem estar engajados nesse sentido.
As disposições da carta de direitos humanos, foram introduzidas no
Brasil por meio da Constituição Federal de 1988 ao inserir direitos
fundamentais como inalienáveis e vedados a qualquer intervenção estatal,
justamente na parte de direitos e garantias fundamentais do ser humano.
53
CAPÍTULO III - DIREITO PENAL DO INIMIGO
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Todo direito se encontra vinculado à autorização para o emprego da
coação, onde esta é mais intensa no Direito Penal. Consequentemente,
argumenta-se que qualquer pena é dirigida a um inimigo. Sendo assim, as
relações entre as pessoas é mediante um contrato, que se entende que a
pratica do delito infringe este, de maneira que o delinquente não participa dos
seus benefícios, estando fora da relação jurídica como o cidadão comum.
Afirma Rosseau “que qualquer malfeitor que ataque o direito social deixa de ser
membro do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como
demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor” (apud JAKOBS; MELIÁ,
2005, p. 25, 26).
A discussão a respeito do Direito Penal alemão no ano 1985, levou
Günther Jakobs a notar e criticar o desenvolvimento de um “Direito Penal
parcial que se instalava no ordenamento e que assim se denominou como
Direito Penal do Inimigo” (MORAES, 2011.p.190).
O Direito Penal do Inimigo começou a ser defendido, com esta
denominação, por Gunther Jakobs, renomado doutrinador alemão em meados
de 1985, porém, sua tese não obteve grande destaque, mas se iniciava a
discussão do tema.
Na Conferência do Milênio em Berlim no ano de 1999, com muito mais
publicidade, Jakobs transformou suas anteriores críticas em defesa, trazendo
então para todos, o conceito definitivo de Direito Penal do Inimigo. Desse
modo, o que se notou foi que, em um primeiro momento, em 1985, a crítica se
sustentava por ser a aplicação do Direito Penal do Inimigo mais amplo para o
sistema jurídico Penal, e já em 1999 se destacou por ser, segundo Jakobs, a
aplicação somente para reprimir e combater delitos de grande risco.
54
Com os constantes atentados terroristas, especialmente nos Estados
Unidos, é que se acirrou o verdadeiro debate em relação ao tema.
Jakobs defende nesta teoria a necessidade de separar os delinquentes
em duas categorias, quais sejam: a dos que ainda podem se recuperar e a dos
que se tornaram inimigos do Estado. Em seus estudos, fez questão em separar
o que ele denominou de inimigos dos cidadãos, chegando até mesmo a dizer
que eles se quer poderiam ser considerados como pessoa. Defendeu que o
Direito Penal do cidadão não poderia se misturar com o do inimigo, porém, a
ocorrência dos dois no mesmo ordenamento pode ser legítima .
Para sustentar sua tese, Jakobs distingue o que seria o Direito Penal do
Inimigo do Direito Penal do cidadão, onde o último seria um Direito Penal
garantista com aplicação de princípios fundamentais, o que não seria
observado no primeiro, de forma que os que forem tratados como inimigos não
teriam a submissão do mesmo Direito Penal garantista, mas sim de um com
mais rigor. Em 2003, Jakobs publica o trabalho denominado de “Derecho Penal
Del Cuidadano y Derecho Penal Del Enemigo” deixando evidente seu
posicionamento que era da aplicação do Direito Penal do Inimigo somente em
casos excepcionais, para a aplicação da teoria em casos relacionados ao
terrorismo levando em conta os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova
York.
Atualmente o Direito Penal do Inimigo pode ser considerado como a
terceira velocidade do Direito Penal, de forma que segundo Silva Sánchez o
Direito Penal sofre um processo de expansão, onde podem-se notar três
velocidades.
A primeira se sustenta como sendo aquela considerada como tradicional
onde se visa à proteção das pessoas e tem como principal característica a
pena privativa de liberdade; já a segunda não há mais a aplicação das penas
privativas de liberdades por serem substituídas pelas restritivas de Direito e a
multa; e por último a terceira velocidade que seria uma junção das duas
anteriores, de forma que esta visa à privação de liberdade com restrições de
algumas garantias.
Jakobs se baseou em grandes filósofos como Jean Jacques Rousseau,
Thomas Hobbes, Johann Gottlieb Fichte e Emmanuel Kant para amadurecer e
validar sua teoria.
55
1.1 Alguns fundamentos filosóficos
A Teoria do Direito Penal do Inimigo têm fundamento filosófico em
Rousseau, onde considera-se inimigo aquele que infringir o contrato social,
deixando de ser membro do Estado e entra em guerra com ele, devendo
morrer como inimigo; em Fichte, que sustenta que quem abandona o contrato
do cidadão, perde todos os direitos concedidos por esse; em Hobbes, que
defende que nos casos de alta traição contra o Estado, deve o indivíduo ser
julgado como inimigo; e em Kant, segundo o qual aquele que ameaça
constantemente a sociedade e o Estado, e não aceita o “estado comunitário-
legal”, deve ser tratado como inimigo.
Para Rosseau e Fichte, todo delinquente é, de per si, um inimigo; para Hobbes, ao menos o réu de alta traição assim o é. Kant, quem fez uso do modelo contratual como idéia reguladora na fundamentação e na limitação do poder do Estado, situa o problema na passagem do estado de natureza (fictício) ao estado estatal (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 28).
Por essa concepção, há uma separação radical entre o cidadão e o
inimigo que é extremamente abstrata, ou seja, de difícil mensuração. No
entanto, inicialmente, o ordenamento jurídico deve manter o criminoso dentro
do Direito, por duas razões: o delinquente pode se ressocializar, com isso
manter seu status de cidadão. Por outra razão, o delinquente tem o dever de
reparar o dano causado, onde não seria possível se fosse tratado como
inimigo, retirando-o do convívio social.
Hobbes e Kant conhecem um Direito Penal do cidadão, contra pessoas
que não delinquem de maneira reiterada por princípio e um Direito Penal do
Inimigo contra quem delinque por princípio.
1.2 A expansão penal – Direito Penal simbólico e punitivismo
Este termo é utilizado por Silva Sánchez que resume as principais
características da política criminal praticada na atualidade. Essa expansão se
compreende pela maximização da tutela penal, com um aumento considerável
56
dos tipos penais. Dessa forma, o Direito Penal do Inimigo é uma espécie. Neste
sentido Meliá leciona que, com efeito:
[...] pode ser adequado que o fenômeno mais destacado na evolução atual das legislações penais do mundo ocidental está no surgimento de múltiplas figuras novas, inclusive, às vezes, do surgimento de setores inteiros de regulação, acompanhada de uma atividade de reforma de tipos penais já existentes, realizada a um ritmo muito superior ao de épocas anteriores. (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 56).
As atuais tendências expansionistas do Direito Penal são por meio de
politicas criminais simbólicas e punitivistas, sob a perspectiva da sociedade de
riscos em que se vive.
Nesse sentido, Moraes (2011, p. 331):
A sociedade moderna é caracterizada pelo individualismo de massas, pela mudança do sistema de organização e de comunicação, assim como pela globalização, traços preponderantemente responsáveis pela formatação da “sociedade de riscos”, onde a sensação de insegurança coletiva convive com novos bens jurídicos alçados à tutela do Direito (como os interesses difusos), desencadeando a descodificação do Direito, a hipertrofia e irracionalidade legislativa.
A consequência principal desses riscos é o aumento da insegurança da
população. Portanto, exige-se do Estado respostas frente aos perigos pelos
quais os cidadãos estão expostos constantemente. Dessa forma, diante das
cobranças da sociedade, potencializados pela mídia de massa com espetáculo
criminalístico e a “reação populista dos políticos traduz-se em politicas
criminais punitivistas e puramente simbólicas”, como respostas ao clamor
popular, sem efetividade solucionadora dos problemas da criminalidade.
(FERREIRA, 2014, p. 166).
Com isso, essa expansão punitiva é uma reunião entre os interesses da
classe jurídica, politica e da mídia, como a única solução possível para o
57
aumento da criminalidade e, ainda, como a solução para as complexas
relações da sociedade. Conforme ensina Andrade (2003, p. 26), in verbis:
A expansão punitiva – maximização do espaço da pena – é apresentada em espetacular orquestração jurídica, politica e midiática, com o mesmo absolutismo com que a globalização neoliberal se apresenta, a saber, como caminho único, seja como pretensa solução para o combate à maximização da criminalidade e obtenção de segurança; seja como solução para uma infinidade de problemas complexos e heterogêneos entre si [...] de tal modo que se pode propriamente falar de um fundamentalismo punitivo, por analogia a outros de nosso tempo como religioso, o econômico e politico.
Para Meliá (JAKOBS; MELIÁ, 2003), a expansão do Direito Penal se
resume em dois fenômenos, quais sejam: “Direito Penal simbólico” e o
“ressurgir do punitivismo”.
É importante destacar que, atualmente, tem-se a idéia de que para ser
feito justiça, tem que existir um sistema penal, com um resultado concreto e
mensurável.
Apesar do termo “simbólico”, não deve-se confundir com os fenômenos
de neocriminalização que os críticos, afirmam que possuem efeitos,
simplesmente, simbólicos, onde não há punição. Neste sentido, “quem
relaciona o ordenamento penal com elementos simbólicos pode criar a suspeita
de que não considera a dureza muito real e nada simbólica das vivências de
quem se vê submetido à persecução penal, detido, processado, acusado,
condenado, encarcerado” (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 58).
Com isso, se verifica que os fenômenos de caráter simbólico tem uma
estreita relação com o Direito Penal. Desta forma, Meliá discorre que “é
incorreto o discurso do Direito Penal simbólico como fenômeno estranho ao
Direito Penal” (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 58).
Quando o conceito de Direito Penal simbólico é utilizado para fazer uma
crítica, diz respeito a determinados agentes políticos que visam dar uma
impressão tranquilizadora a sociedade, ou seja, criação de normas claramente
destinadas a não serem aplicadas.
58
Fica claro que esses dois fenômenos, Direito Penal simbólico e
punitivismo, não estão sujeitos de ser separados nitidamente, pois estão
intrinsecamente ligados. Pois, conforme Meliá leciona:
Assim, por exemplo, quando se introduz uma legislação radicalmente punitivista em matéria de drogas, isso tem uma imediata incidência nas estatísticas da persecução criminal (isto é, não se trata de normas meramente simbólicas, de acordo com o entendimento habitual) e, apesar disso, é evidente que um elemento essencial da motivação do legislador, na hora de aprovar essa legislação, está nos efeitos «simbólicos», obtidos mediante sua mera promulgação. E ao contrário, também parece que, normas que em princípios poderiam ser catalogadas de «meramente simbólicas», possam ensejar um processo penal «real» (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 64).
Em outros termos, o Direito Penal simbólico é aquele que tem reputação
de ser excessivamente rigoroso e por esse motivo acaba sendo ineficaz na
prática, por trazer meros símbolos de rigor excessivo que, efetivamente, caem
no vazio, diante de sua não aplicação efetiva, justamente pelo fato de ser tão
rigoroso. Essas leis de cunho simbólico trazem uma forte carga moral e
emocional que acaba por revelar a intenção latente das Instituições de modo
que, com a ajuda do sensacionalismo midiático, em manipular a opinião
pública, ou seja, implantar perante a sociedade uma falsa idéia de segurança.
Esta é a origem da legislação penal de exceção, onde se fere se
flexibilizam os direitos e garantias fundamentais, justificada pelo olhar do senso
comum, devido à atuação das organizações criminosas, objetivando a proteção
da sociedade. Legislação penal de exceção em virtude da existência de uma
reivindicação da opinião publica frente ao caso concreto, sem realmente buscar
a solução para o problema, ou seja, meramente simbólica (FERREIRA, 2014).
Destaca-se, também, com efeito, no senso comum, a dicotomia entre os
homens de bem, que vivem de acordo com os valores aprendidos e os homens
maus, que não vivem de acordo com os ditames impostos e em crescente
expansão. Essa distinção remete desde a história primitiva da civilização, que é
representada pelo maniqueísmo. Com isso a função primordial do sistema
penal seria o controle das condutas do homem mau, ou seja, a criminalidade
59
visando garantir a proteção do homem bom. Nesse sentido, Andrade (2003, p.
20), leciona:
Existe uma representação simbólica profunda, que acompanha a historia da civilização e do controle social, e que subjaz a estruturas e organizações culturais do nosso tempo (como belicismo, capitalismo, patriarcalismo, racismo) e através delas se materializa, potencializando, com seu tecido bélico, especificas bipolaridades: esta representação é o maniqueísmo, uma visão de mundo e de sociedade dividida entre o bem e o mal, [..].
A explicação desse senso comum se fundamenta no livre-arbítrio ou na
liberdade de vontade. Dessa forma, tudo se origina no sujeito, pela qual, se sua
bondade ou maldade são determinantes de sua conduta. Com isso, as
instituições, as estruturas e a sociedade em geral se isentam de culpa. Como
consequência os sujeitos rotulados como criminosos podem ser duplamente
culpados: seja por dificultarem a construção de sua própria cidadania, onde se
deduz que poderia escolher o bem, pelo seu livre-arbítrio; ou dificultando o
exercício pleno da liberdade alheia. Então, “[...] quanto mais se anuncia o
aumento e o alarma [brado] da criminalidade, mais se anuncia o aumento da
culpabilização punitiva: o mercado da culpa e da responsabilidade individual e,
portanto, do Direito e do sistema penal [...] é inesgotável”, onde uma sociedade
construída dessa forma, com essa divisão, entre o bem e o mau, “será
perpetuamente seletiva, tão inalcançável para o mundo do mal quanto de
questionável conteúdo para o acessível do mundo bem” (ANDRADE, 2003, p.
21).
Dessa forma, da união do punitivismo, como idéia de expansão da pena
como único instrumento de controle da criminalidade e a combinação com o
Direito Penal simbólico, por meio da tipificação penal como mecanismo de
criação de identidade social surge o Direito Penal do Inimigo (JAKOBS; MELIÁ,
2005).
1.3 Garantismo penal versus Direito Penal do Inimigo
60
A doutrina do garantismo penal foi iniciada pela escola clássica com um
forte pensamento penal liberal e é utilizada até os dias atuais, onde, dessa
forma, um dos grandes expoentes é o juris-filósofo italiano Luigi Ferrajoli, que
apresenta um modelo de aplicação da lei penal adjetiva, objetivando a
ampliação da liberdade do homem em razão do aumento da restrição do poder
estatal. É uma solução para a histórica divergência entre liberdade do homem e
poder estatal. Meio termo entre diminuir o poder punitivo do Estado e aumentar
a liberdade do cidadão, como resposta ao exagerado poder punitivo conferido
ao Estado, ou seja, equilibrio entre o abolicionismo penal (defesa da liberdade
selvagem do homem por meio da restrição do poder estatal) e o Estado Liberal
(que age com excesso no direito de punir).
Nesse sentido, Zaffaroni diz:
O Direito Penal de garantias é inerente ao Estado de direito porque as garantias processuais penais e as garantias penais não são mais do que o resultado da experiência de contenção acumulada secularmente e constituem a essência da capsula que encerra o Estado de policia, ou seja, são o próprio Estado de direito (2014, p. 173).
No pensamento de Ferrajoli, o garantismo penal, inicialmente, se
apresenta “como doutrina filosófica-política utilitarista de justificação do ramo
jurídico-penal a partir de um ponto axiológico externo, consistente na tutela dos
direitos fundamentais de todos [..]”, ou seja, garantismo penal é o instrumento
aceitável na luta para redução da violência na sociedade. Em consequência,
também, aplica-se “como uma teoria jurídico-normativa das garantias penais e
processuais, fundando um modelo de Direito Penal mínimo, voltado para a
tutela dos direitos fundamentais” (FERREIRA, 2014, p. 157).
A teoria normativa do garantismo penal consiste, em sua essência, em
um esquema facilitador de identificação do desvio penal na busca de garantir o
máximo grau de limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra
abusos desse poder. Basicamente, esse esquema, é formado por dois
elementos: um relacionado ao tipo penal positivado e o outro relativo ao
processo penal, buscando a comprovação do delito praticado, os quais
“correspondem a singulares conjuntos de garantias penais – as garantias
61
processuais e as garantias processuais – do sistema punitivo que
fundamentam”, dessa forma, preservam-se ao máximo a liberdade individual e
os direitos fundamentais, principalmente contra abusos na persecução penal
(FERREIRA, 2014, p. 158).
Diametralmente oposto, não é o ocorre com o Direito Penal do Inimigo
que segundo Jakobs (JAKOBS; MELIÁ, 2005), se caracteriza por três
elementos: amplo adiantamento da punibilidade; penas previstas são
desproporcionalmente altas e; determinadas garantias processuais são
relativizadas ou suprimidas, que serão estudadas mais a frente.
Muñoz Conde designa Direito Penal do Inimigo como Direito Penal
bélico, principalmente após o 11 de setembro de 2011, considera que:
originou um “incremento da violência e de luta contra o terrorismo” de tal modo que “está a modificar a imagem de Direito Penal de Estado de Direito, como um Direito respeitoso das garantias e dos direitos fundamentais do cidadão, transformando-a em uma imagem de um Direito Penal bélico, [...] em que as garantias praticamente desaparecem para converter-se exclusivamente em um instrumento que procura toda a segurança cognitiva, por cima de qualquer outro valor ou direito fundamental” (apud VALENTE, 2010, p. 21).
2 DIREITO PENAL DO CIDADÃO X DIREITO PENAL DO INIMIGO
Ao definir o que seria um e o que seria outro Jakobs utilizou das teorias
de Rosseau, Fichte, Hobbes e Kant. Para os filósofos Rosseau e Fichte ,
basicamente, todos aqueles que delinquirem não poderiam ser tratados como
cidadãos, porém Jakobs, absteve dessa definição por dois motivos por ele
elencados, sendo o primeiro a ressocialização do delinquente, e para isso se
torna necessário manter o status de pessoa; e o outro seria o de reparação.
Já para Hobbes e Kant, somente poderão ser tratados como Inimigos
aqueles que, por sua vontade, trair o contrato social (Hobbes) ou não se
sujeitar a constituição cidadã (Kant). Jakobs se aproximou mais da definição de
Kant em sua definição, pois para ele o Inimigo não estaria totalmente excluído
62
de todos os Direitos, caso que acontece na concepção de Hobbes em relação
aos grandes traidores. Assim Jakobs utilizaria como base jus filosófica as
teorias de Hobbes e Kant, tendo em vista que de Hobbes ele tem o conceito de
que o Inimigo é aquele que trai a constituição do estado, e a de Kant extraiu
que o Inimigo é aquele que fere a manutenção da ordem social.
Jakobs, assim como Hobbes e Kant, defende a existência de duas
tendências opostas do Direito Penal, que embora estejam no mesmo plano
jurídico, se contrapõem: Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo.
Ao primeiro, com a tarefa de garantir a vigência da norma como expressão de
uma determinada sociedade, enquanto que ao segundo cumpre a missão de
eliminar perigos.
Desse modo, só é considerada pessoa (Direito Penal do Cidadão)
aquele que oferece “uma garantia cognitiva suficiente e um comportamento
pessoal, tendo como consequência a idéia de que toda normatividade
necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real ” (JAKOBS; MELIÁ,
2005, p. 45).
Distintamente, tem-se como inimigo aquela pessoa que não oferece
garantias cognitivas de que irá ser fiel a norma, com isso, por não aceitarem as
regras do Estado de Direito, não podem gozar dos benefícios que ele oferece
aos cidadãos legítimos. Sendo assim, não faz jus ao procedimento penal legal,
e sim a um procedimento de guerra.
Tem-se como exemplo de inimigos: criminosos econômicos, terroristas,
delinquentes organizados, autores de delitos sexuais, entre outros.
Para Jakobs “não se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito
Penal, mas de descrever dois pólos de um só contexto jurídico-penal”
(JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 21).
Em outras palavras, o Direito Penal do Inimigo visa à separação do
cidadão de bem e do inimigo, onde àquele é disponibilizado o Direito Penal do
cidadão, que é determinado através de um instrumento de controle social, por
meios de penas restritivas de direitos, dando a ele o direito de reintegração. O
segundo, já é tratado como inimigo, pois, não consegue se adequar à vida em
sociedade, configurando-se como transgressor contumaz da norma, cabendo-
lhe a coação como a única forma de combate ao seu comportamento
inadequado, e ainda, devido a sua periculosidade.
63
Dessa forma, Moraes (2011, p. 167) define:
Criminosos econômicos, terroristas, delinquentes organizados, autores de delitos sexuais e de outras infrações penais perigosas são os indivíduos potencialmente tratados como „Inimigos‟, aqueles que se afastam de modo permanente do Direito e não oferecem garantias cognitivas de que vão continuar fies à norma.
Portanto, para Jakobs, todos aqueles que não se submeterem a um
estado de cidadania não podem participar dos benefícios do conceito de
pessoa, sendo a eles aplicados o mesmo Direito Penal e processual Penal,
mas sim, com o próprio define, um Direito de guerra.
Por fim, Jakobs muito bem sintetiza essas duas tendências se utilizando
da função da pena onde “no Direito Penal do cidadão é a contradição, e no
Direito Penal do Inimigo é a eliminação de um perigo” (JAKOBS; MELIÁ, 2005,
p. 49).
3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO
O Direito Penal do Inimigo se caracteriza, principalmente pelo seu
modelo de politica criminal, onde Jakobs o caracteriza da seguinte forma: a)
ampla antecipação de punibilidade; b) falta de diminuição da pena proporcional
ao referido adiantamento; c) mudança da legislação penal para uma legislação
para confrontar à delinquência (MORAES, 2011.p.88).
No mesmo sentido, também, do pensamento de Jakobs, Meliá sintetiza
as características em três elementos básicos, da seguinte forma:
em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva [...]. Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias
64
processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. (JAKOBS; MELIÁ, 2005.p. 55)
Dessa forma, no ordenamento jurídico atual, de acordo com Moraes
(2011) é fácil identificar essas características, que se destaca: a antecipação
da tutela penal, a desproporcionalidade das penas e a relativização das
garantias penais e processuais.
3.1 A antecipação da tutela penal – adiantamento da punibilidade
A tutela penal antecipada ocorre em relação à tentativa e aos crimes de
perigo (concreto e abstrato), onde o Estado intervém no exato momento
antecedente à lesão, porém, somente quando se puder estabelecer relação de
proporcionalidade entre a aplicação da pena (lesão do direito à liberdade do
sujeito ativo do crime) e o perigo (probabilidade de lesão do bem jurídico
tutelado pela norma penal causado pela conduta incriminada).
Nas palavras de Roberto Lyra “a lei regulará a intervenção pré-delitual
com minúcia e prudência” (apud MORAES, 2011, p. 199).
A antecipação da tutela penal se caracteriza pela ampliação da
intervenção penal do Estado, devido, sua falta de planejamento do sistema
punitivo. Subdivide-se em: punição de atos preparatórios; os tipos de mera
conduta e os tipos de perigo abstrato (MORAES, 2011).
A idéia é afastar o Inimigo do bem jurídico tutelado, é combater o perigo,
assim se trata não da punição em si da conduta, mas sim, o afastamento do
delinquente para assegurar que não seja se quer começada a execução do ato,
ou ainda para assegurar a persecução penal, de forma que caso haja indícios
de início de execução e este não provado poderá o agente ser punido somente
pelos seus atos preparatórios.
É possível também citar a criminalização de condutas que favorecem
uma organização criminosa e alimentam sua subsistência e conservação.
Destaca-se neste tópico, que com o adiantamento da punibilidade o que se
quer é a punição dos atos preparatórios e dos delitos de mera conduta.
65
3.2 A punição de atos preparatórios e os tipos de mera conduta
Tratando-se do adiantamento da punibilidade, há bastante divergência e
polêmica doutrinária. A punição de mera conduta é de ordem preventiva, onde
nas palavras de Manoel Pedro Pimentel: “A idoneidade dessa conduta basta
para torná-la objeto de reprovação, por parte do legislador, em face da
presunção de dano ou de perigo, sendo indiferente que chegue ou não a
produzir qualquer resultado” (apud MORAES, 2011, p. 199).
Para Bianchini destaca-se a importância da antecipação de tutela penal
utilizando a criminalização de atos preparatórios, que “só se justifica quando se
estiver diante de bens de categoria muito elevada e, ainda assim, desde que a
descrição realizada na conduta típica seja inequívoca”, que, segundo o mesmo
autor, objetiva prevenir ações certamente “lesivas ou perigosas, mediante a
punição dos atos idôneos para comissão de outros crimes“ (apud MORAES,
2011, p.201).
Dessa forma, Greco (2011) define atos preparatórios como a seleção de
meios aptos a chegar ao resultado por ele pretendido e delitos de mera
conduta como sendo o simples comportamento previsto no tipo não sendo
exigido qualquer resultado.
Logo se deduz que a punição dos atos preparatórios e a tipificação dos
delitos de mera conduta são de ordem preventiva. Ao analisar o ordenamento
brasileiro é ampla a existência de tipos que punem apenas atos preparatórios,
como nos casos de quadrilha ou bando, associação para o tráfico, a posse de
instrumentos destinados usualmente à prática de furto, dentre outros exemplos.
Em outros termos, os tipos de mera conduta tipificam a simples ação ou
omissão para a consumação do crime.
Tem-se como exemplos de infrações de mera conduta na legislação
brasileira: abandono de função pública, ato obsceno, crimes falimentares,
desobediência, violação de domicilio, etc.. No caso de punição de atos
preparatórios destaca-se o artigo 291 do Código Penal, com tipificação de
apetrechos para falsificação de moeda; e a posse de objeto que possa servir à
prática de crime patrimonial (art. 25 da Lei das Contravenções).
66
3.3 Os tipos de perigo abstrato
Entende-se que o perigo abstrato é aquele presumido, que nas palavras
de Bitencourt (2012, p. 238), “o perigo não precisaria ser provado, pois seria
suficiente a simples prática da ação que se pressupõe perigosa”.
Defende-se a tipificação penal de crimes de perigo abstrato,
principalmente, pelos avanços da modernidade, que no entendimento de
Gomes e Bianhini “para que todo o planeta não corra riscos (ou não espere que
aconteçam catástrofes anunciadas), inclusive os inerentes ao processo de
globalização, o correto seria valer-se intensamente do Direito Penal (com toda
sua carga simbólica)” (apud MORAES, 2011, p. 203).
3.4 Previsão de penas abstratas mais altas
Segundo Gracia Martí (2007) é possível conceituar esta característica
como a desproporcionalidade da pena. Havendo a punição dos atos
preparatórios com o mesmo rigor de que se o fato fosse consumado, o que no
sistema brasileiro só há punição se não houver ao menos o começo de
execução (forma tentada). Para a teoria, a punição poderia ocorrer desde os
atos preparatórios, a qual seria punida da mesma forma, sem nenhuma
redução de pena, se o fato tivesse se consumado.
Com a não preocupação de Jakobs com a culpabilidade do indivíduo, se
percebe que se busca então a punição com base em um Direito Penal do autor
e não o do fato, como é o tradicional Direito Penal. Com o advento da Lei dos
Crimes Hediondos passa a ser um exemplo da aplicação do Direito Penal do
Inimigo, de forma que, o aumento de punição para alguns crimes, é
exatamente o que Jakobs quer com sua Teoria.
Como exemplo de penas abstratas mais altas têm-se o crime de evasão
mediante violência (art. 352 do Código Penal), em que a pena é a mesma para
evadir-se ou tentar evadir-se mediante violência.
67
3.5 A relativização ou exclusão das garantias penais e processuais
A relativização de garantias penais e processuais vem se fortalecendo,
objetivando o enfretamento por exemplo do crime organizado e, ainda, ajudar o
Estado em sua avaliação quanto às políticas criminais. Dessa maneira tem-se
que as características do Direito Penal do Inimigo como por exemplo o inimigo
não pode ser punido com pena, mas sim, com medida de segurança e ainda
que não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante
sua periculosidade, ou as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente
o passado (o que ele fez), mas sim, o futuro (o que ele representa de perigo
futuro), ou ainda não é um Direito Penal retrospectivo, mas sim, prospectivo.
Sendo ainda imperioso afirmar que o inimigo não é um sujeito de direito, sim,
objeto de coação e que o cidadão, mesmo depois de delinquir, continua com o
“status” de pessoa, conquanto que o inimigo perde esse “status” (importante só
sua periculosidade).
Esta é a característica em que surgem mais críticas, isso por se tratar de
um assunto mais delicado no mundo penal, tanto que ao analisar a
Constituição Federal de 1988 é vasto o número de garantias elencadas, como
o princípio da legalidade, a Presunção de Inocência, Devido Processo Legal,
dentre outros que na concepção de Jakobs sofre uma diminuição em sua
aplicação aos Inimigos (GRACIA MARTÍ, 2007).
Segundo Meliá (2009) é possível apresentar como crítica, no sentido de
que, com o Direito processual do Inimigo não se quer provar a ocorrência da
conduta delituosa, mas sim que tal indivíduo é um inimigo da sociedade, não se
tornando assim efetiva como o Direito Penal clássico.
O jurista espanhol Juan Damian Moreno afirma que já exista na
Espanha um processo que poderia ser denominado como Direito Processual
Penal do Inimigo, que possui como características a existência de uma fase
preliminar com a interferência de órgãos investigadores especiais a
possibilidade de recorrer a meios de investigação muito mais incisivos, como
agente encoberto, entre outros e a existência de um regime muito mais flexível
no que se refere a facilitar decisões como prisão preventiva,
incomunicabilidade do acusado (apud Moraes, 2011, p. 143).
68
Ao analisar algumas leis esparsas no Brasil, pode se notar a existência
desse processo Penal do Inimigo apontado pelo espanhol, tendo como
exemplo a Lei nº 9034/95 a qual trata sobre o crime organizado o qual em seu
artigo 2º permite à ação controlada (flagrante prorrogado), a interceptação
telefônica e a infiltração para o fim de investigação, também como, em seu
artigo 3º, a não concessão da liberdade provisória aos que tenha efetiva
participação na organização criminosa, dentre outras peculiaridades (GOMES,
2014).
4 A DOUTRINA QUE DEFENDE E CRITICA O DIREITO PENAL DO INIMIGO
A aplicação de um Direito Penal do Inimigo tem sido justificada como medida
necessária para o combate a certos tipos de crimes, que por sua gravidade,
propagou-se a certeza de que não encontram respostas eficazes na repressão
por medidas normais.
Quem defende o Direito Penal do Inimigo é o próprio criador Gunther
Jakobs, como acima ficou relatado, declarando que deve haver três pilares;
antecipação da punição do inimigo; desproporcionalidade das penas e
relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; criação de leis
severas direcionadas à clientela (terroristas, delinquentes organizados,
traficantes, criminosos econômicos, dentre outros) dessa específica engenharia
de controle social (JAKOBS; MELIÁ, 2005).
Segundo Jakobs relata deve existir dois tipos de direito: o primeiro
voltado ao cidadão e o segundo voltado para o inimigo.
O primeiro continuaria a ter o “status” de cidadão e, uma vez que
cometesse um delito, teria o direito ao julgamento dentro do ordenamento
jurídico estabelecido e a voltar a ajustar-se à sociedade, com isso, dá-se
oportunidade de restabelecer a validade dessa norma de maneira coercitiva.
Nessa hipótese, o Estado não observa o sujeito como inimigo, mas sim apenas
como autor de um delito habitual, ainda que cometendo um ato ilícito perante a
sociedade sustenta seu papel de cidadão dentro do Direito.
69
Já o segundo seriam chamados de inimigos do Estado e seriam
adversários, representantes do mal, cabendo a estes um tratamento rígido e
diferenciado, ou seja, são autores de atos ilícitos, como delitos sexuais, ou pela
ocupação profissional, assim como criminalidade econômica, tráfico de drogas,
bem como a participação de uma organização criminosa, como por exemplo,
terrorismo. Neste caso, o sujeito se separou do direito, não produzindo uma
garantia cognitiva primordial para que ocorra o tratamento como se fosse um
cidadão comum, e desta forma deve ser tratado como inimigo, assim sendo,
perderia o direito às garantias legais, não sendo capazes de adaptar-se às
regras da sociedade, ficando sob a tutela do Estado, ou seja, perder-se-ia o
status de cidadão.
Zaffaroni não admite essa distinção, entre cidadão e inimigo, visto que,
“é intolerável a categoria jurídica de inimigo ou estranho no direito ordinário
(penal ou qualquer outro ramo) de um Estado constitucional de direito”. Nesse
mesmo sentido, para o mesmo autor, o inimigo “só é compatível com um modo
de Estado absoluto”. Só se admite em caso de guerra e, mesmo assim, não é
tido como inimigo, pois, deve ser respeitado as limitações impostas pelo direito
internacional dos direitos humanos (ZAFFARONI, 2014, p.12).
O Estado absolutista, para exercer seu poder punitivo, inventa uma necessidade justificadora quando ela existe e a nega quando existe. Nessa última pressuposição, a particular e nebulosa defesa da sociedade é mais importante do qua as vidas das pessoas que fazem parte dela (ZAFFARONI, 2014, p.85).
Para Jakobs, tudo se reduz na consideração de pessoa ou não pessoa,
de forma que para ele o inimigo não é uma pessoa, visto que o indivíduo não
se manteve num Estado Democrático de Direito, não podendo participar dos
benefícios dado ao conceito de pessoa. Uma questão ainda a ser considerada,
seria a diferença entre pessoa e indivíduo. O primeiro diz respeito à ordem, são
inteligentes, conduzindo-se pelas suas realizações e insatisfações, interesses e
etc. Já o indivíduo se encontra envolvido com a sociedade, tendo direitos e
obrigações como também proporcionando o mantimento da ordem.
70
É aplicado o devido processo legal a todo o sujeito que cometer um ato
ilícito, que em decorrência deste será dada uma sanção. Para o Estado, ao
inimigo não será aplicada à pena e sim uma medida de segurança - esta tem o
fim de combater o perigo.
Para caracterizar o inimigo, analisa-se a periculosidade deste, fazendo
uma comparação ao cidadão, analisa – se o ato ilícito, e verifica-se se o autor
do delito ainda possui condições de oferecer as garantias de um cidadão
comum, agindo com lealdade à norma jurídica. Já para o inimigo não se
oferece esta garantia, devendo ser condenado por sua periculosidade e não
conforme sua culpabilidade. Por fim o autor sustenta a idéia da separação do
Direito Penal do cidadão e o Direito Penal do Inimigo, o qual visa a resguardar
a legitimidade do Estado de Direito voltado ao cidadão. Sustenta, ainda, que o
Estado tem o direito de buscar a segurança diante dos inimigos, bem como os
cidadãos têm também o direito de exigir do Estado à referida segurança.
Para os defensores, seria irracional ao operador jurídico punir o
criminoso comum (cidadão) da mesma maneira que o inimigo, pois tratam-se
de sujeitos de natureza distinta. Enquanto o Cidadão, apesar de ter cometido
um crime, se mantem fiel ao Direito, o Inimigo afastou-se tanto da norma, que
não oferece garantias que voltará a comporta-se de acordo com o Direito.
A aplicação do Direito Penal do Inimigo seria destinada ao Inimigo,
sendo retirado dele os Direitos inerentes ao devido processo legal, mantendo-
se, de outra forma, as garantias jurídicas ao criminoso normal.
Com isso, introduz-se uma contradição permanente entre a doutrina que
admite e legitima e a doutrina que critica a aplicação do Direito Penal do
Inimigo e os princípios constitucionais do Estado de direito, no entanto, é claro
que aquele é incompatível com o Estado Democrático de Direito, bem como
defende ações contrárias aos Direitos Humanos. Dessa forma, trata-se de
Direito de exceção, que retira do sujeito garantias jurídicas já sedimentadas
nos ordenamentos jurídicos ocidentais.
Nesse sentido, por se tratar de sistema investigativo e repressivo que
sacrifica Direitos Fundamentais, sua existência é incompatível com a
Constituição Federal brasileira, devendo ser repelida qualquer ação ou ato
normativo que compartilhe do núcleo do Direito Penal do Inimigo.
71
5 ANÁLISE HISTÓRICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL
Há muitos anos não existia nenhuma lei que regulamentasse as relações
sociais, em que cada um agia conforme suas vontades e entendimentos.
Quando se processou a colonização, surge através dos indígenas a idéia de
Direito Penal que estava ligada ao direito costumeiro. Através disso começa-se
por considerar que é com as leis e os costumes da colonização do Brasil, que
se inicia a sua história jurídica.
No período colonial, o crime não era punido com penas, mas sim era
confundido com pecados e com ofensa moral, em que eram punidas
severamente as pessoas que benziam, os feiticeiros, ateus e toda a população
daquele período.
Com a proclamação da independência foi sancionado o Código Criminal
do Império em 1830. Em 1° de Janeiro de 1942 entrou em vigor Código Penal
que é a legislação fundamental e em consequência disso surge o Direito Penal
brasileiro. Recentemente, ressalta-se o atentado terrorista ocorrido em 11 de
setembro de 2001, após o acontecido adveio uma medida como solução, um
novo Direito Penal, que seria o Direito Penal do Inimigo. Dessa forma,
podemos dizer que todos aqueles que desobedecessem a uma norma do
Estado, ou colocassem em risco a ordem e norma jurídica, como, por exemplo,
práticas terroristas seriam aplicadas normas penais, removendo os direitos
fundamentais.
Assim, o inimigo do Estado deveria ser condenado rapidamente, sem
qualquer contraditório, ampla defesa, devido processo legal, ou qualquer outro
preceito, ou seja, o preceito constitucional que reza o artigo 5º, inciso LV, da
Constituição Federal, seria retirado para aqueles que colocassem em risco à
norma jurídica e ou à ordem estatal.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
72
Essa corrente é liderada pelo alemão Gunther Jakobs, o qual afirma que
os inimigos não merecem quaisquer garantias fundamentais, visto que, não são
seres humanos, e assim, não são regidos pela Constituição. Ressaltando: o
Direto Penal do inimigo vem do Direito Penal do Terror, ocorrido na Idade
Média que é aquele composto por tribunais que julgavam aqueles que eram
considerados uma ameaça à sociedade. Os condenados eram presos e
submetidos há um processo inquisitivo, nem ao menos tendo o direito de saber
quem os denunciava (JAKOBS; MELIÁ).
E mais recentemente como Direito Penal do autor, vivido na II Guerra
Mundial em que milhares de pessoas, nessa época, foram torturadas,
queimadas vivas por acusações que, em sua maioria, eram injustas e sem
qualquer comprovação probatória. Atualmente, pode-se destacar que em 2003,
entrou em vigor a Lei nº 10.792, sendo uma forma de infiltração do instituto do
Direito Penal do Inimigo, o chamado regime disciplinar diferenciado que nada
mais é do que o instituto caracterizador, visto que, primeiramente se alterou a
forma de interrogatório, para posteriormente tratarem do inimigo.
6 APLICAÇÕES PRÁTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL
6.1 Regime disciplinar diferenciado
Há muito tempo o sistema penitenciário brasileiro demonstrava sinais de
que não supria mais as necessidades e requisitos reclamados pela Lei de
Execução Criminal. Presídios superlotados, sem funcionários suficientes e
preparados, além de mal remunerados, a falta de infraestrutura colaboram para
o surgimento das organizações criminosas e do crescimento de seu poder
dentro dos presídios. Portanto, a falência do sistema penitenciário brasileiro era
claramente percebido a toda sociedade brasileira, assim como a existência das
organizações criminosas, e seu poder frente o Estado, imagem esta veiculada
exaustivamente nos meios de comunicação.
Diante disso, foi criado o Regime Disciplinar Diferenciado, através da
Resolução nº26, de 04/05/2001, da Secretaria de Administração Penitenciário
do Estado de São Paulo apenas, pelo então secretário Nagashi Furukawa.
73
Motivado pela organização de facções criminosas, atuantes em presídios,
principalmente nos Estados de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ).
Posteriormente, com a introdução da Lei nº 10.792/2003, que alterou a
Lei de Execuções Penais e introduziu o Regime Disciplinar Diferenciado em
busca de dificultar as ações organizadas e supostamente lideradas por internos
dos presídios, tais como o Comando Vermelho (CV), No Rio de Janeiro, e o
Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.
Diante disso, faz-se à aplicação expressiva do Direito Penal do Inimigo,
visto que abrigam presos, mesmo que provisoriamente, como suspeitos de
envolvimento, como também com participação em organizações criminosas,
quadrilhas ou bandos.
Dessa forma, o artigo 52, §§ 1º e § 2º, da Lei n° 10.792/2003 expressa
os aspectos da teoria do Direito Penal do Inimigo:
Artigo 52: A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitas o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo de sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: § 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar os presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem altos riscos para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. § 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou condenando sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos (BRASIL, LEI 10.792/2003. ART. 52).
Com isso, verifica-se uma circunstância em que se pune não pelo ato
ilícito cometido, sendo a regra do ordenamento jurídico brasileiro, e sim se
inteira na punição do autor pela sua periculosidade, assim demonstra na
característica marcante do Direito Penal do Inimigo.
Pode-se fazer referência ao autor Noberto Bobbio, no qual diz
resumidamente que: “O problema atual não é mais fundamentar os direitos do
homem, é sim protegê-los, ou melhor, não se trata de um problema de cunho
filosófico, mas sim jurídico, em sentido amplo político” (apud LENZA, 2010,
p.118)
74
Nesse sentido, é possível depreender dessas idéias que não pode ser
aceitável em um Estado Democrático de Direito, preceitos contrários às normas
fundamentais, aplicados na Constituição Federal brasileira, principalmente no
que diz respeito à defesa do homem, assim sendo, o Direito Penal do Inimigo
não pode e não é resguardo na norma jurídica brasileira. O Direito Penal do
Inimigo trata de uma ofensa ao princípio da ampla defesa, no qual constitui que
não se pode constranger ninguém a produzir provas contra si mesmo, em que
sua violação pode ser considerada um retrocesso no campo dos direitos
fundamentais.
Para o professor Luiz Flavio Gomes: “Ninguém contesta que o estado
deve intervir para evitar danos para o patrimônio e vidas das pessoas, contudo,
dentro de um estado democrático de direito até mesmo o direito deve ter
limites”. Portanto, mesmo que o Direito Penal do Inimigo não encontre amparo
na Constituição Federal brasileira, verifica-se que com a nova lei em vigor o
Direito Penal do Inimigo encontra-se presente ainda que implicitamente
(GOMES, 2009)
Com o fim de inibir os crimes de maior gravidade, os legisladores
brasileiros criaram leis, que se forem analisadas na ótica de Jakobs, trazem
resquícios do Direito Penal do Inimigo. Autores como Ribeiro (2011) tratam a
Lei de crimes hediondos como principal exemplo brasileiro do movimento da
Lei e da ordem, não estando de todo errado, de forma que tal medida de
repressão se assemelha com o Direito Penal do Inimigo, podendo até se dizer
que o Direito Penal Máximo seria um gênero e o movimento da Lei e da ordem
e Direito Penal do Inimigo seriam espécies.
Porém, de outra forma é o entendimento de outros doutrinadores, que
fazem o seguinte questionamento: como lidar com esses criminosos que
tornam em risco o próprio sistema penitenciário e, consequentemente a
sociedade, visto que, de certa forma, continuam liderando a respectiva facção
criminosa de dentro do sistema penitenciário? Guilherme de Souza Nucci
responde:
[...] não há direito absoluto, [...], razão pela qual a harmonia entre direitos e garantias é fundamental. Se o preso deveria estar inserido em um regime fechado ajustado à lei, o que não é regra, mas exceção, a sociedade também tem direito à segurança publica. Por
75
isso, o RDD tornou-se uma alternativa viável para conter o avanço da criminalidade incontrolada, constituindo meio adequado para o momento vivido pela sociedade brasileira. Em lugar de combater, idealmente, o regime disciplinar diferenciado, pensamos ser mais ajustado defender, por todas as formas possíveis, o fiel cumprimento às leis penais e de execução penal [...] (apud MARIONUCCI; COIMBRA, 2005, p. 5).
Nessa mesma linha de entendimento, o Regime Disciplinar Diferenciado
é um mal necessário, onde há mais de 20 anos não há planejamento a médio e
longo prazo, deixando, dessa forma, o sistema penitenciário esquecido, para
exemplificar, na década de 80, estudantes de Direito já mencionavam
organizações como a Serpente Negra, da penitenciária de São Paulo,
conforme leciona Fernando Capez:
O Poder Público quedou-se inerte. Nunca se fez nada. Tal omissão promoveu o surgimento de diversas organizações criminosas, que, aliás, proliferam justamente pela ausência de uma política para o sistema penitenciário. Surgem em decorrência da falta de presídios de segurança máxima alocados em regiões distantes e da ausência de isolamento dos grandes líderes das facções (apud MARIONUCCI; COIMBRA, 2005, p. 8).
Porém, o enfoque que deve se dar no momento é em relação à teoria de
Jakobs nas principais legislações esparsas do ordenamento jurídico penal
brasileiro, sendo a Lei de Crimes hediondos (Lei nº 8.078/90), Crime
Organizado (Lei nº 9.034/95), Lei de drogas (Lei nº 11.343/06), onde as duas
primeiras não criam novos tipos penais somente regulamenta um tratamento
diferente aos que se enquadram as definições expostas. Diferentemente da Lei
de drogas que traz tipos novos, mas também um tratamento diferenciado para
os que cometerem as condutas descritas nos tipos.
6.2 Lei dos Crimes Hediondos
O legislador, devido a consideráveis aumentos da criminalidade e falta
de punibilidade, elencou algumas condutas que possam ser consideradas
como mais ameaçadoras a sociedade.
76
Dessa forma é possível verificar na própria lei, que traz em seu primeiro
artigo o seguinte:
Art. 1º. São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1o, 2o e 3o); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o). (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) VII- B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 20.8.1998) Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994).
Certamente que a idéia do legislador em punir com mais rigor aqueles
que cometerem os crimes supracitados, tem influência da teoria de Jakobs,
tendo em vista que a concepção da teoria seria exatamente essa, ou seja,
aumentar a pena de delitos que aqueles que cometem são considerados como
“Inimigos”, com já dito anteriormente (LENZA, 2010)
Por mais, a lei ainda restringe garantias processuais, como a proibição
de anistia, graça e indulto, aumenta o prazo para progressão de regime e a
possibilidade do réu não poder apelar da sentença em liberdade. Destarte, se
nota totalmente presente o Direito Penal do Inimigo na Lei de Crimes
Hediondos.
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No entanto, na prática, não é isso o que acontece, pois, previsão
parecida foi revogada no Código de Processo Penal (art. 594), que dizia:
art. 594 o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre solto (Revogado pela Lei nº 11.719, de
2008).
Assim, em relação ao condenado que não seja primário e não tenha
bons antecedentes, dois ônus a ele se impõem por força de lei: a prisão
automática decorrente da sentença condenatória (salvo se se livrar solto ou
prestar fiança, sendo esta cabível) e a impossibilidade de recorrer se não for
recolhido à prisão.
Por conseguinte, com interpretação literal do artigo (594, CPP),
afrontaria a Constituição Federal em pelo menos duas oportunidades: a
presunção de inocência e a ampla defesa.
6.3 Lei de drogas
Nessa lei houve tipificação para novos fatos e colocação de um
procedimento especial para tais condutas.
Assim o art. 33 da lei diz:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
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III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. § 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de Direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
A característica mais presente do Direito Penal do Inimigo é a
antecipação da punibilidade, de forma que, com o número de condutas
elencadas no artigo 33 podem ser classificadas algumas como de perigo
abstrato ou de mera conduta, como nos casos de expor a venda ou produzir.
Há possibilidade de associação para fim de tráfico, porém, há diferença
entre está e um fortuito concurso de pessoas para prática de tráfico, sendo
então, necessário à habitualidade para que se configure a associação.
Agora, em relação à diminuição de garantias processuais, assim como
na Lei de Crimes Hediondos, a Lei de Drogas é rica, podendo citar como
exemplo, a inafiançabilidade, a vedação de sursis, proibição à concessão de
graça, indulto e anistia, proibição de conversão em pena alternativa e o
aumento do prazo para a concessão de liberdade condicional.
Importante destacar que no caso de proibição de conversão em pena
alternativa o entendimento jurisprudencial tem mudado, conforme segue:
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS.SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVASDE DIREITOS. POSSIBILIDADE, EM TESE. RESOLUÇÃO N.º 05/2012, DO SENADO FEDERAL. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n.º 97.256/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da proibição da conversão da pena privativa
79
deliberdade em restritivas de direitos, o que resultou na edição daResolução n.º 05/2012, do Senado Federal, na qual foi suspensa aexecução da parte final do art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/2006.2. Habeas corpus parcialmente concedido, nos termos explicitados no voto. (STJ - HC: 229501 RJ 2011/0310908-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 08/05/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2012).
EMENTA Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Delito praticado sob a égide da Lei nº 11.343/06. Substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Possibilidade. Aplicação do art. 44 do Código Penal. Substituição admissível. Precedente do Pleno. 1. O Tribunal Pleno desta Suprema Corte, em 1º/9/10, ao analisar o HC nº 97.256/RS, Relator o Ministro Ayres Britto, por maioria de votos, declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade dos arts. 33, § 4º, e 44, caput, da Lei nº 11.343/06, na parte em que vedavam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo crime de tráfico de entorpecentes. 2. Ordem concedida. (STF - HC: 102055 MG , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 01/02/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-058 DIVULG 28-03-2011 PUBLIC 29-03-2011 EMENT VOL-02491-01 PP-00130)
Em um aspecto geral, apesar de mudanças na jurisprudência, a atual Lei
de Drogas está em certa harmonia com a teoria de Jakobs, pois ao se
comparar com sua respectiva Lei anterior de nº 6368/76, houve o aumento de
praticamente de todas as penas dos tipos previstos, além da diminuição das
garantias processuais penais (GOMES, 2009).
6.4 Lei do abate de aeronaves
A pena mais severa existente no ordenamento brasileiro está totalmente
fora do Código Penal, ou das Leis já acima mencionadas, está sim na Lei que
regulamenta o espaço aéreo brasileiro – Código Brasileiro da Aeronáutica - o
qual em seu art 303, § 2º regulamenta a hipótese de abate da aeronave caso
esta for classificada como hostil.
Sendo assim transcreve-se o art. 303, §2° da Lei 7565 de 19 de
dezembro de 1986, o qual traz a redação a seguir.
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Art 303 § 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada (Parágrafo acrescentado conforme determinado na Lei nº 9.614, de 5.3.1998, DOU 6.3.1998).
Como é de se imaginar, o abatimento de uma aeronave em pleno voo é
a decretação da pena de morte, mesmo que indiretamente, para seus
tripulantes, tendo em vista que, as chances de sobrevivência são mínimas.
Assim, pode se verificar a presença de todas as características
elencadas anteriormente, qual seja o adiantamento de punibilidade, de forma
que o abate da aeronave que for considerada como hostil e não responder a
ordem de pouso gerará pena de morte aos seus tripulantes, que a considerar
que a pena máxima imposta nas Leis penais é de 30 anos, está então
configurada o aumento desproporcional da pena e é claro que devido todas
essa circunstâncias não há nem se quer resquícios de alguma garantia penal
ou processual penal para os tripulantes.
6.5 Lei do Crime Organizado
Como exposto no artigo 1º da lei, ela visa regulamentar meios de provas
e procedimentos investigatórios para aqueles que participam de quadrilha ou
bando ou associações criminosas de qualquer tipo. Como pode se observar no
primeiro artigo da referida lei.
Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001).
A lei, neste caso, deixou evidências que se trata de uma espécie de
Direito Penal do autor, levando em conta que ao excepcionar os meios de
provas e procedimentos investigatórios para somente aqueles que participarem
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de organizações criminosas, assim se nota um critério subjetivo do autor, ou
seja, o que ele é e não o que fez.
Analisando as formas previstas de produção de prova e os
procedimentos de investigação se notará que há uma mitigação em garantias
processuais.
A ação controlada, a quebra de sigilo, captação e interceptação
ambiental, a infiltração, são todas situações que em casos normais à própria
Constituição Federal de 1988 proíbe como no artigo 5º X que assegura o
Direito de inviolabilidade da intimidade e vida privada.
De tal modo que pode se perceber que o legislador, com o fim de abolir
com as organizações criminosas, relativizou até mesmo garantias
constitucionais, quando diz, relativizou, é porque ainda que se tenha autorizado
a quebra de sigilo sempre será necessária à autorização do juiz competente
(LENZA, 2010.p.118)
Nucci (2009) também sustenta que a captação e interceptação
ambiental é outra garantia que foi relativizada pela Lei 9.034/95, de forma que
se não for realizada em ambiente particular pode ser considerada lícita sem a
autorização judicial.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com a pesquisa realizada, verifica-se considerável evolução
do Direito Penal, que nos primórdios, era extremamente cruel. Com a evolução
da sociedade, este, teve um grande avanço, relacionado ao processo de
humanização das penas. Visto que, passou-se pelas fases da vingança penal
e, posteriormente com ideias na razão e humanidade, iniciou um processo em
buscar a defesa do indivíduo, chegando ao que é atualmente, na dignidade da
pessoa humana, através, principalmente, da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, como valor fundamental nos Estados Democráticos de Direito.
Dessa forma, nesses Estados, prevalece a doutrina do garantismo penal.
Para se chegar a esse entendimento, não foi de um dia para o outro, o
ser humano, historicamente, tem construído (porque essa evolução nunca
acaba) uma maneira jurídica de se proteger. Na antiguidade isso já existia,
desde antes de Cristo já teve alguns instrumentos, o mais citado é o código de
Hamurabi, pois estabeleceu algumas normas de reconhecimento da
propriedade, da vida, coisas desse tipo. Depois a doutrina judaico-cristã de
uma maneira geral, que teve papel fundamental, passando a defender os
direitos humanos universalmente, independentemente da cultura do sujeito.
Verificou-se, também, que apesar dessa evolução, as sociedades
passaram por várias situações limites, dentre elas, a I Guerra Mundial, fazendo
com que a sociedade internacional se unisse com o objetivo de buscar a paz.
No entanto, não deu certo, pois, ocorreu a II Guerra Mundial, dessa feita, gerou
a internacionalização dos direitos humanos, devido ao repudio internacional
frente às atrocidades do holocausto. Nesse contexto, a sociedade internacional
se articulou novamente e, criou a ONU e posteriormente foi aprovada a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dessa forma, inaugurou a
proteção jurídica incondicional da pessoa humana.
No entanto, nas últimas décadas produziu-se uma notória transformação
regressiva no campo da chamada politica criminal ou, mais precisamente, da
politica penal, pois do debate entre politicas abolicionistas e reducionistas
passou-se, quase sem solução de continuidade, ao debate da expansão do
poder punitivo, visto que, com a evolução histórica do Direito Penal, uma das
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maiores lutas foi reduzir o poder punitivo do Estado. Nele, o tema do inimigo da
sociedade ganhou o primeiro plano de discussão.
Com isso, introduz-se uma contradição permanente entre a doutrina
jurídico-penal que admite e legitima o Direito Penal do Inimigo e os princípios
constitucionais do Estado de Direito. Onde o Direito Penal do Inimigo só é
compatível com o Estado absoluto.
A teoria do Direito Penal do Inimigo encontra fundamento na
incorporação do punitivismo: idéia de que o aumento de pena é a solução para
conter a criminalidade, bem como no Direito Penal Simbólico, para o qual a
tipificação penal atua como mecanismo para a criação de uma identidade
social.
Em linhas gerais, tem-se que o Direito Penal do Inimigo trata-se de uma
teoria afeta a um Direito Penal excepcional, que fere princípios básicos
contidos no ordenamento jurídico de um Estado Democrático.
A aplicação de um Direito Penal do Inimigo tem sido justificada como
medida necessária para o combate a certos tipos de crimes, que por sua
gravidade, propagou-se a certeza de que não encontram respostas eficazes na
repressão por medidas normais.
Dessa forma, seria irracional ao operador jurídico punir o criminoso
comum – Cidadão – da mesma maneira que o inimigo, pois trata-se de sujeitos
de natureza distinta. Enquanto o Cidadão, apesar de ter cometido um crime, se
mantem fiel ao Direito, o Inimigo afastou-se tanto da norma, que não oferece
garantias que voltará a comporta-se de acordo com o Direito.
No que pese as acaloradas discussões sobre a aplicação do Direito
Penal do Inimigo, conclui-se que este é incompatível com o Estado
Democrático de Direito, bem como defende ações contrárias aos Direitos
Humanos. Trata-se de Direito de exceção, que retira do sujeito garantias
jurídicas já sedimentadas nos ordenamentos jurídicos ocidentais.
Em síntese, sobrevoou-se a história do poder punitivo e do Direito Penal,
uma breve explanação acerca dos Direitos Humanos e terminou-se nos
aspectos práticos da utilização do Direito Penal do Inimigo no Brasil, dessa
forma, formulou-se algumas reflexões, que se pôde concluir que o Direito Penal
do Inimigo é um retrocesso, principalmente, no que diz respeito aos direitos
humanos. No entanto, não implica encerrar o tema porque, excede em muito a
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critica de uma proposta isolada e remete a um colossal problema politico que
acompanha todo o Direito Penal dos últimos séculos, ou seja, desde que o
Direito Penal se converteu decididamente no Direito Penal do Estado
constitucional de direito.
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