Post on 30-Mar-2021
unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
ldquoJUacuteLIO DE MESQUITA FILHOrdquo
Faculdade de Ciecircncias e Letras
Campus de Araraquara - SP
IAGO DAVID MATEUS
ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO QUE
SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM VOO
PANORAcircMICO (COM E) PELAS bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA
ARARAQUARA ndash SP
2019
IAGO DAVID MATEUS
ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO
QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM
VOcircO PANORAcircMICA (COM E) PELAS
bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA
Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho
Departamento Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de
Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica
e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa
Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico
Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Bolsa Capes - DS
ARARAQUARA ndash SP
2019
IAGO DAVID MATEUS
ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO
QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM
VOcircO PANORAcircMICO (COM E) PELAS
bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho
Departamento Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de
Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica
e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa
Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico
Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Bolsa Capes - DS
Data da defesaentrega 23042019
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Membro Titular Prof Dr Odair Luiz Nadin da Silva
Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Membro Titular Prof Dr Mateus Cruz Maciel Carvalho
Instituto Federal de Satildeo Paulo ndash Campus Salto
Local Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciecircncias e Letras
UNESP ndash Campus de Araraquara
AGRADECIMENTOS
Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou
indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho
Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar
algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de
antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria
Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia
de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs
mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas
realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio
Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash
Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela
concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que
pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao
CNPq
Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em
contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave
pesquisa
Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash
junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa
solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por
este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me
presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um
sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar
me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos
para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as
mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees
A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que
fizeram parte da pesquisa
Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson
Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de
Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a
quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e
acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e
Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli
que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-
graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia
entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros
A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica
Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva
Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou
eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e
afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis
pelos conselhos momentos de alegria desabafos
A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr
Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova
monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha
com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave
minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra
tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me
oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar
no qual desmaiar
Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante
aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-
conhecimento
E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as
quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia
Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me
fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a
Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja
menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)
devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui
tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os
ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo
[]
Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual
Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu
Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu
Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)
RESUMO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de
mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees
terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente
porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos
miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por
noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses
―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar
estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de
Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)
Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade
entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na
Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como
Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-
tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico
cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses
espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar
neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba
(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente
programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que
foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna
(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-
las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade
com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees
enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e
revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online
Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas
REacuteSUMEacute
Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet
de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des
contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons
Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles
linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui
concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure
maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue
JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave
leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de
Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de
ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous
basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches
dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle
de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-
culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans
les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre
consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les
modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80
dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne
nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes
momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen
dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents
photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les
histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions
encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront
deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba
ou lors de reacuteunions en ligne
Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo
ocidental
139
LISTA DE DESENHOS
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28
Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28
Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29
Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101
Foto 8 Lagarta com verrugas 102
Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-
onccedila
118
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara
FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras
TCT Teoria Comunicativa da Terminologia
TE Terminologia Etnograacutefica
TGT Teoria Geral da Terminologia
Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Sumaacuterio
1Introduccedilatildeo 14
2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas
autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18
22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de
liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua
relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24
24 Sobre os juruna 25
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30
26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31
3 Aporte teoacuterico 39
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo
empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por
dada comunidade 39
31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o
leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65
321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
67
3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74
3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o
enxerga 81
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94
4 Metodologia 105
5 Resultados e Discussatildeo 110
6 Consideraccedilotildees finais 135
Referecircncias 140
Bibliografia 147
Apecircndices 150
Apecircndice A 151
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas
durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para
contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos
objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos
saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como
borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar
A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as
lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo
geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam
em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de
maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo
dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos
autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees
ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de
seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o
que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs
Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo
que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por
nossa orientadora
Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no
levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados
formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes
na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato
Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os
quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos
para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da
Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas
brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os
conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia
Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este
conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem
15
sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-
indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)
discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas
juruna poderiam ser lematizadas
Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura
desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo
embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2
Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia
de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo
para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)
Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos
pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre
avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas
brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees
diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim
falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os
singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma
Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na
aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff
e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes
da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o
estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais
signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos
―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato
com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava
Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem
antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo
aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias
saussurianas apenas em partes
Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das
mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo
norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua
16
diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de
uma obra lexicograacutefica)
Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)
sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos
tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias
atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e
Lima (1996)
Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as
etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a
epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais
Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas
utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as
nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais
aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como
demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4
18
2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS
QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS
Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver
precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando
sua relevacircncia
Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de
justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e
documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as
indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os
insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros
Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo
muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo
passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada
inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como
mero fornecedor de informaccedilotildees
Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio
na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos
falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle
Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam
uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees
indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes
fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral
costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele
ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes
como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um
personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado
―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo
omitidas
Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando
Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das
19
variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou
classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como
se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)
Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que
Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos
desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo
escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados
a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por
preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista
desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo
(MOSCARDINI 2011 p 7)
Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que
se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees
pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos
cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas
linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais
por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-
indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de
Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e
obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter
negativamente ―diaboacutelico
Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com
relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico
―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses
se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o
referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma
―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o
―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade
Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que
Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi
exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem
do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na
psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria
do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em
gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave
marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se
como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se
deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a
20
partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua
sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um
passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel
ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem
primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam
muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se
atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)
Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute
patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito
anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica
de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento
segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam
nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de
antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como
uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel
―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu
problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente
atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior
Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute
comentavam que
A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a
reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais
satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila
nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal
nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade
(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)
Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e
infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem
o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de
uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em
aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998
p 18)
21
2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas
indiacutegenas brasileiras
De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios
como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na
subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo
desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na
deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os
idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com
respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores
(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos
palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas
Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a
descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso
no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de
campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas
alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal
projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo
Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos
lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de
Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que
contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo
metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo
aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos
Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)
Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes
Vaneti Mateus e Fargetti (2018)
A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma
documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo
semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os
resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a
consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas
Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens
22
juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que
foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel
Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de
cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as
informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)
Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e
comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para
aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora
concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos
cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves
encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre
os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de
partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados
por um ou mais radicais (BERTO 2013)
Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo
participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico
juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou
com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e
equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees
morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas
Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais
recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o
desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por
vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas
buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco
musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas
iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de
pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias
Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por
Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos
yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-
gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo
semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios
23
lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras
se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas
sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade
linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou
demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas
aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete
Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia
de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas
indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia
utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)
pretendia
[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees
possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os
lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de
determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017
p 5)
Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram
lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos
musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)
Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens
os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia
Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os
nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias
colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento
ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e
chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na
verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o
equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos
itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso
o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia
anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente
haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e
descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte
Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as
realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e
24
exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma
dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a
outras realizaccedilotildees possiacuteveis
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-
cientiacutefica para as comunidades estudadas
Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)
ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013
p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a
necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas
que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti
(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando
a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)
Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a
importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que
concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem
humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem
confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades
indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de
materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de
elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as
etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a
preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-
culturais dessas populaccedilotildees
Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o
estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire
relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate
de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos
objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos
pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico
das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas
realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser
documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado
25
inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido
aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica
pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca
de contato Como salienta Peixotto (2013)
Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm
51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo
Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato
Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e
atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais
novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o
Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de
27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas
representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti
Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro
Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng
(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)
tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A
aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o
uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando
do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque
(PEIXOTTO 2013 p 9-10)
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu
Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor
conheccedila tal povo
24 Sobre os juruna
Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60
hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no
Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem
ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca
26
de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena
Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda
Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a
liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e
manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam
eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que
A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []
encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no
extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados
por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou
escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa
migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos
indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros
Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e
Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX
devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio
Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando
entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave
foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma
regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu
Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna
tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano
depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a
fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para
a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os
juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute
aldeia fixando-se todos em Tubatuba []
A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas
moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da
antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)
Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna
tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute
27
fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom
alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais
Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-
fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e
dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (
e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e
) e cinco nasais ( e ))
Como afirma Berto (2013)
De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma
liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico
C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a
esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um
radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os
constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto
verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de
reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)
Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe
da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o
excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave
formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)
vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz
questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo
Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos
e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar
o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com
resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de
vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute
que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a
mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares
Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida
fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas
corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros
povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)
Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as
mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques
zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham
28
banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados
pelos membros femininos das aldeias
No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como
ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas
[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de
farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba
que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado
quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia
permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Foto 4 casa em construccedilatildeo
Fonte Mateus (2017)
29
Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como
comenta Peixotto (2013)
O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira
como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos
brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma
depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos
macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais
satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados
caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua
(PEIXOTTO 2013 p 22)
Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para
que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []
que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios
muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)
Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como
confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que
proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela
comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a
autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em
FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria
embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os
distinguia uma tatuagem
[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha
vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a
partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no
queixo (FARGETTI 2017 p 25)
Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -
continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo
quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de
assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas
30
Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e
tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um
dicionaacuterio da liacutengua juruna
Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa
orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar
os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores
envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos
terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa
em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna
sobre os ―insetos como comentado abaixo
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos
No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam
Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de
animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes
ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo
do conhecimento da biodiversidade do planeta
Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas
uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e
tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos
de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela
chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas
superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas
formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de
plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo
Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de
algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de
servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a
algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e
alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo
dos solos
Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar
natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de
31
insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000
espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como
tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como
um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao
homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas
a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves
escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com
formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas
que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes
Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros
pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de
gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem
disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de
outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou
somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)
2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico
Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia
terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a
globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-
tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados
internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas
de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade
(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que
[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na
Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas
quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em
alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)
Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo
uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as
referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades
leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que
passariam a adquirir novos valores especializados
32
Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o
leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki
(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos
embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista
descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na
verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem
descriccedilotildees realmente cientiacuteficas
Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear
qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como
―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades
miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste
texto)
Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que
[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o
conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos
fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel
analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias
(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico
morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash
por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza
na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute
relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos
nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)
Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave
cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira
Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO
2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do
universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees
puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos
praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os
resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura
material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para
geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um
ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas
variadas disciplinas de coleacutegios)
Nas palavras de Abbade (2006)
Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter
falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e
33
socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A
linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas
palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um
povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo
que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes
haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de
um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de
pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e
necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e
linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do
leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo
Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada
um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles
caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute
consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do
leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos
morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p
716)
Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas
―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico
que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem
sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos
lexicoacutegrafos deveria ser
[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico
[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a
consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras
adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio
natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto
de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma
abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da
comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []
O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o
conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em
unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que
nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a
outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber
que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus
usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de
vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se
aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos
dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)
Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos
(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos
cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees
crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute
mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo
mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade
―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco
34
natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim
denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem
desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que
ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a
indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um
ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma
mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma
valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de
parceiras afetivas
Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar
que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que
portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o
cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues
marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com
uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute
porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos
menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do
conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito
Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos
(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios
monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-
Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras
de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua
(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria
apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua
comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras
A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir
uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir
uma competecircncia gramatical oacutetima
Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua
vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar
adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem
quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que
elas regem
Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem
um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo
eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas
palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem
35
todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou
nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida
ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de
empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por
outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim
certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-
DEBOVE 1984 p 57-58)
Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como
comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes
de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as
variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto
opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive
vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas
Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que
natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos
(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)
Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais
pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade
juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou
um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se
poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de
opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a
questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da
lexicologia e da terminologia
Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos
etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles
natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs
ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute
de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada
espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento
ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode
ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse
sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas
especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute
distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando
antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])
36
Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite
dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em
que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua
Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes
de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um
conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo
cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de
nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo
realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio
Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna
De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como
vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem
se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante
do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e
indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em
juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para
responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer
que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a
comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos
De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de
borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por
toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada
terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas
De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o
leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees
culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos
com Biderman (1998) quando ela afirma que
[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes
dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse
universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o
leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da
linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)
Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as
seccedilotildees seguintes
37
Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as
borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que
pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do
Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais
desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como
―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)
poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue
Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e
ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar
somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras
listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente
potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson
(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave
perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-
converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares
equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador
traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e
semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse
uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da
versatildeo grega
Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as
limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma
anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema
em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes
(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no
sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos
limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar
mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como
borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo
haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo
adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute
apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee
diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo
38
Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs
como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que
para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem
Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que
justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados
39
3 APORTE TEOacuteRICO
Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas
abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos
citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela
comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder
criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos
de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os
idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)
Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas
aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos
mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas
de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na
―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na
Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico
ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade
Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas
dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto
Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo
anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e
os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos
Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue
figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)
tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades
grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio
real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os
temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam
ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para
existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de
figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa
sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e
40
ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem
varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto
de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois
que perde o marido
Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud
SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De
acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo
extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade
sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no
segundo e siacutembolos no terceiro
Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a
primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato
quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a
reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo
qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam
para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria
jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz
iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo
em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo
se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa
num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque
houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado
A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada
teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma
sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos
alunos
Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que
Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo
que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como
plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a
realidade
Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto
dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as
formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua
convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com
outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se
comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN
1998 p 73)
41
Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as
consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato
histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do
possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe
status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)
Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos
para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de
formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros
satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma
fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que
existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor
citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na
liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show
(ALVES 1990)
Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo
apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as
liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido
apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos
Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e
representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em
seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se
descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum
sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash
resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada
por um nuacutecleo social na medida em que
[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute
que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre
genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com
sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um
signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos
elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a
por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no
sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa
relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos
como dormir (MATEUS 2017 p 51)
42
Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo
cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo
Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo
universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto
retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias
(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja
os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o
mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos
ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS
COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam
de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma
abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo
muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)
No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias
espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para
agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em
seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos
deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU
2010 MATEUS 2017)
Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que
tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes
sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um
lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante
nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo
que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo
de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas
entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos
que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise
Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes
mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de
sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes
soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes
acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta
uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado
43
Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico
Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo
se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e
caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos
Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar
natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo
enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se
mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)
pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico
e metafiacutesico
[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento
material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto
―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como
um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que
dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash
quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana
(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito
como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de
compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A
harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma
harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um
caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais
similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que
privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de
tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)
Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a
verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais
estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas
sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e
que se oferece para ser decifrado e interpretado
Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um
fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a
origem desse mundo
Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de
todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente
multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por
exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)
44
Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a
palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo
tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas
Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem
ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma
dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a
multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade
(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)
O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a
―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das
constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma
―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta
(CHAUI 2002 p 82)
As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais
tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a
novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais
utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia
De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista
que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire
existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa
nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo
entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que
se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por
Saussure
Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que
faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou
ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue
desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos
demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por
exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o
loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim
que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa
que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que
45
[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em
quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que
nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas
lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz
racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada
medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora
uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de
quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de
quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as
coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre
justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta
se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)
De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e
delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece
apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior
quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas
vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na
qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque
agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo
como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que
natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso
Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente
diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A
anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero
Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute
caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que
aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de
nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees
morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas
satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas
os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como
estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo
como insetos mas sim como aracniacutedeos
Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela
comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor
linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos
afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O
que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo
46
em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma
importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista
que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo
relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo
sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois
primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um
conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um
animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem
conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de
significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o
mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais
possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica
[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico
quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se
verifica)
Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos
para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de
argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em
que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma
subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a
instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu
que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer
adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como
cachorro ao qual se opotildee distintivamente
Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas
pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos
compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute
problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo
analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica
normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam
elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que
chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal
Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos
periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas
47
Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de
Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e
Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo
linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a
existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si
perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar
isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica
que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e
encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma
posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos
parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas
Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a
novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os
dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para
(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando
rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo
Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das
outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto
natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam
figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo
assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como
―Joatildeo chegou mas Maria saiu)
Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de
construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual
semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta
oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar
desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como
―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute
sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela
escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel
abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que
seria [+dependente] e [-encaixada] na principal
E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade
satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas
48
subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de
ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-
o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma
principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que
natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum
complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das
completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que
eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz
(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]
uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido
ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo
querer
Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas
aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo
complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo
nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas
de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e
isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos
agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as
explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer
(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito
(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista
Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais
subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo
geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo
provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o
falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho
de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que
minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria
em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa
agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma
generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente
49
dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo
Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a
noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo
especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que
homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente
recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido
Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas
de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento
fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo
fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as
intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os
fazer decorar esses roacutetulos)
Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com
a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma
Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela
presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar
que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de
propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa
uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado
Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva
equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu
―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre
um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a
natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade
a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma
Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do
conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de
significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades
De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que
quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada
natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer
―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus
irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles
seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam
50
acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos
que eu possuo
Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status
ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-
330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal
Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute
sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a
afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o
fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que
Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear
constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as
supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa
(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo
dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos
distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute
pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto
linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva
explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo
sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser
inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional
acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer
dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p
328-330)
Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a
restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo
quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo
de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava
ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava
em Osasco
Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que
inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam
configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade
material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que
fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma
construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia
bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela
regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos
comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas
51
pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo
anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de
termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo
Como salienta Rey-Debove (1984)
[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees
constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito
da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta
sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra
uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos
linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das
palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da
dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente
aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma
palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente
combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo
construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais
traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe
concebida do mesmo modo
Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal
marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode
(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir
indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que
poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma
classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos
Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo
as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais
domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau
geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente
dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte
boa)
Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo
adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter
importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica
natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se
tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo
excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)
Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens
linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses
conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema
linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias
Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana
(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)
Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o
conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas
como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto
adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma
52
ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para
mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem
Pode-se dizer portanto que
A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das
classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para
estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a
dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais
para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p
141)
Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo
por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo
Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por
adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua
indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer
reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis
A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se
distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo
semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna
ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em
classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de
diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon
(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de
adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um
criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto
contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao
juruna
Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees
em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo
genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para
funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um
predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de
verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem
nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a
intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo
do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)
53
Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por
Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos
estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento
Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a
despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente
pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute
satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute
a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)
tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do
mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a
accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como
bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)
―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo
estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento
subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro
paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-
pessoais
Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo
entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma
que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar
nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que
ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e
WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se
adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas
formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira
hipoacutetese enquanto outros mais da segunda
Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria
possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o
pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a
ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito
mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o
Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que
determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades
culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o
54
povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas
morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem
Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que
[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo
haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a
cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como
devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-
cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual
fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)
3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica
De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois
uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de
forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras
Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi
comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)
Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos
costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam
sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da
mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por
exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees
dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da
mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em
virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs
Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar
sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos
Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio
leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel
que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de
opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico
ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que
conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e
descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados
Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na
medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em
55
virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado
com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de
elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de
elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar
durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos
gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)
No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees
relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais
deveriam constar num verbete Nas palavras da autora
[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua
concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo
isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -
agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de
conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os
dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo
lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)
estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata
dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o
elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa
gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso
seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash
meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum
possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)
Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se
rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e
que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)
Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo
normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas
para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa
integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de
unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos
constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)
Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)
postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos
linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e
os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda
leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute
porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico
56
passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de
referenciaccedilatildeo)
Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como
substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte
enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos
traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no
segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)
Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e
portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as
preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase
em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras
Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc
todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para
elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga
semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a
que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos
Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma
periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees
menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais
―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo
(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)
Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer
sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse
sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo
aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente
nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa
subseccedilatildeo agrave parte
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos
de definiccedilatildeo
De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua
sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os
57
sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que
pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)
Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala
em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a
entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse
traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por
distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica
em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a
perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final
no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no
original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente
Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total
equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia
em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas
religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser
―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e
metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois
extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira
delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo
―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria
equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois
ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na
liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como
ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou
bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor
beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que
propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque
isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas
as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao
nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena
Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure
(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade
psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um
significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria
58
Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que
postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos
se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo
extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao
significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material
empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como
demonstrado a seguir
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico
Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado
Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa
univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com
os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma
significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em
todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja
vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns
autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo
com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um
conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma
expressatildeo
Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a
relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a
que ela se refere acaba se questionando
59
- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa
maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que
nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a
mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples
porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos
contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou
pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha
em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar
que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais
poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no
periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o
peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em
arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas
ou salamys (ABBADE 2006 718-719)
Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos
mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa
(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia
como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma
Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e
Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia
(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa
por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os
itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos
seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou
pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta
(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a
polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre
si
Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de
explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes
chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas
A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem
relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra
lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do
leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo
verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas
como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica
e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que
ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos
60
e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado
campo de significaccedilatildeo)
Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)
compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se
escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto
chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de
possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)
seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se
concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva
de um lexema)
E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato
do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos
seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a
tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados
com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa
uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas
O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas
lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar
tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais
de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas
natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos
idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas
em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem
relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que
[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente
lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema
Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a
explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio
traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse
lema principal (MATEUS 2017 P 40)
Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e
especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros
individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se
dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter
(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter
61
(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos
lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)
como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada
formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a
microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado
internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave
definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical
imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento
ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo
que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos
com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio
estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10
veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as
borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo
Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde
o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau
certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete
―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a
euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um
direcionamento
Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada
informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar
muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro
se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem
transparente qual acepccedilatildeo eacute esta
Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser
aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo
redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o
usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua
liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um
grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja
liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a
informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste
segundo caso
62
Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues
tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se
utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos
Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados
definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a
definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira
seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de
modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias
informaccedilotildees sobre determinado item
Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional
(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo
(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido
(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)
particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)
Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas
difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos
Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas
uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que
vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a
opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu
vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em
terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de
definiccedilotildees terminoloacutegicas que
[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e
dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por
exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do
paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU
2009 p 57)
Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que
haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um
lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem
como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo
Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de
definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as
―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de
63
veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento
morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de
―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o
caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)
Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes
ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um
conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre
as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum
elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele
que natildeo estaacute casadolsquo)
Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a
definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos
como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes
como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a
numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como
aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com
outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material
possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu
limpolsquo)
Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem
do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais
histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do
lema)
Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute
ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam
ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)
[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave
complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para
diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como
simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []
diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve
dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos
significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia
hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo
extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte
miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio
proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se
quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica
64
deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal
chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)
Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior
pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de
Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais
do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica
Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter
de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de
―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante
do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as
informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda
nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte
efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo
Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo
objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente
a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que
para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de
girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como
angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol
normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo
traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como
um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa
talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar
na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)
Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem
existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas
(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem
a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba
definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e
de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de
termos linguiacutesticos como morfema paradigma)
65
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia
Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a
metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da
capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de
agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e
acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso
acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e
natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a
ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-
histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso
com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos
eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-
infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo
hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e
descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos
sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo
enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica
possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por
Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica
O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre
momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de
refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo
foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras
palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas
etnocecircntricas que precisam ser superadas
Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees
e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem
caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o
―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX
teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido
na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio
mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo
Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees
cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu
66
contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos
como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser
diferenccedila
Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos
trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores
quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem
ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar
despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o
mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma
pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo
estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de
investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na
descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas
―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o
mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que
aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras
Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves
descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma
comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas
das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e
Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como
apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista
um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de
um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre
elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro
Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois
haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que
focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer
deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo
muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus
(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para
as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a
comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos
cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que
67
maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou
ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela
nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser
―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes
compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que
plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento
Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e
metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em
profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no
sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em
relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os
informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o
―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de
algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista
na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo
Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram
pensados
3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da
pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo
das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada
Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer
que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em
torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de
especialidade de outro
Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas
dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida
como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise
criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva
de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do
conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia
68
(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas
eou digitais)
Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do
que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra
sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das
afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)
[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva
diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como
tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia
regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees
possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma
perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa
dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos
que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado
restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando
com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais
no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e
sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto
especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico
com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a
palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)
E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que
estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes
explicitando em qual deles nos alocamos
Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as
vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste
trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da
Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por
traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e
afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge
Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua
dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos
Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos
estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei
Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de
facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o
estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em
definiccedilotildees
69
Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que
seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira
diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes
(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos
transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e
elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia
ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de
variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos
quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum
Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com
destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos
satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua
profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no
sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na
relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos
Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada
―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster
Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em
qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado
ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das
ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem
a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de
outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo
participariam
Em outros termos
A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva
Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo
ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se
pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia
e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis
Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes
para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo
do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-
se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou
seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas
Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute
os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um
acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um
conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos
aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era
70
portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade
Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se
e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas
diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava
aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se
fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava
isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)
Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo
pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-
especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue
doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de
acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que
etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-
todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para
esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo
especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com
outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)
Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e
normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo
pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para
nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente
por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado
do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como
quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos
especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o
sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando
Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o
tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo
homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica
Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico
[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave
comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os
defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja
para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do
termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um
conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada
povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes
realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)
71
Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a
Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas
anteriormente
Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves
consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os
significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente
(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no
uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos
linguiacutesticos)
Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais
especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou
[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das
unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no
acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados
construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes
das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas
envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)
Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)
que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais
relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-
Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a
cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos
(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos
saberes
Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por
Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)
itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo
assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica
Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal
pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos
vaacuterios povos humanos
De qualquer modo vale ressaltar que
[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades
terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee
agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a
prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se
que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos
72
universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute
2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a
Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo
agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas
naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma
liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades
terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das
palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma
liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo
terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO
DE OLIVERIA 2011 p 311)
Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo
de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um
uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos
linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou
como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um
mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu
significado
Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na
medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo
apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam
parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que
ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro
eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o
explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo
consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a
Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo
De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)
apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas
minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos
de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo
terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna
especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a
autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja
em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre
um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja
indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI
2018)
73
Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em
Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois
Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a
autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-
cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora
questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em
―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade
entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas
nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo
profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis
outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a
pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas
―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela
denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria
Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo
alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da
Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia
constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua
geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos
em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em
propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees
culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute
sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)
Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de
borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria
Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo
conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos
Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se
baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes
ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees
culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as
nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam
contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras
Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende
render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs
que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-
se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por
meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de
especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura
material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e
natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados
alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)
74
endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e
praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade
3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas
Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees
tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que
nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes
denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por
linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo
de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo
de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove
insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu
(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o
meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e
atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e
sentido (ABREU 2010 p 27)
Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora
pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar
conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso
estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno
Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos
mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados
Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da
metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente
descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e
por que Afinal
[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades
em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os
caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o
pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)
Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de
domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na
interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos
constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como
75
―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute
grande
Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar
construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer
da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria
alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de
uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na
seccedilatildeo seguinte
323 A relevacircncia da etnoentomologia
Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de
minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em
consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como
etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e
utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da
Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e
praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas
com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey
(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo
especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)
―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais
ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)
Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode
recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas
comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de
nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)
os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia
bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como
cobras)
Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como
classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos
olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam
classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas
tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)
76
Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo
como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias
rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as
agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos
ou do que para noacutes seriam paacutessaros)
Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as
mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em
comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um
paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute
extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna
alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como
―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios
utilizam para isso
Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do
outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso
Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de
espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi
totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer
informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de
determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada
Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de
ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser
encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)
Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como
se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais
algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles
viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos
animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada
por nosso informante
Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute
levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo
que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por
uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)
De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a
classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum
niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados
77
na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos
e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o
desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo
tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila
ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a
diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades
―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos
passado
Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque
tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente
por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-
ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar
religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar
os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa
proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas
tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos
outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos
Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo
com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a
anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas
que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos
ursos que tanto idolatrava
Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma
verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que
tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e
natildeo podem ser ignoradas
Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-
muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que
lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos
antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e
uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se
aniquilem
Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da
variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse
78
dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria
relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-
indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem
consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque
uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de
outro povo esteja ―errada
Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as
virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que
eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e
repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos
danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria
Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam
ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de
pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja
―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a
fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo
novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso
Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco
conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu
estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a
sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o
cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em
preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na
pesquisa e nada mais do que aquilo
Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como
investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos
de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que
esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo
―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos
como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e
tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos
com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das
cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo
79
Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas
juruna relativos aos animais aqui averiguados
Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria
sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente
redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da
―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em
uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e
vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses
e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre
estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que
pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a
salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo
Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida
Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide
sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que
comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa
informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem
de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca
para complementar a renda
Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma
colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs
como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos
tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens
morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem
esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer
transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa
por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa
coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com
poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo
―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica
quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente
acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que
estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras
80
[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito
unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo
Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos
mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de
bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que
desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os
salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde
depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite
que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu
as nossas vidas
Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas
histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras
histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os
estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma
histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria
Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como
as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000
pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras
histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante
falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com
um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou
pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna
difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que
somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos
nossos)
Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo
como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como
―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na
contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo
estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente
criticada por Skliar (1999)
Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada
o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se
detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias
aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer
diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de
mais campos do conhecimento
Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que
Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do
Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo
quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que
havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam
infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem
histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem
histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma
transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que
outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje
(BERTO 2013 p 31)
81
Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das
nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos
quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes
humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por
Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar
tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de
Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono
como consta abaixo
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga
O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo
quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com
eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo
espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como
entes familiares)
Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas
seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os
homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo
que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes
Jaacute a segunda gira em torno de que
[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois
eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute
necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser
representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se
oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo
exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para
os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as
fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e
amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)
Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer
que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da
categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de
posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie
tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e
alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo
82
chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que
dentro de si estaacute contido
Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e
personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de
vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do
povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute
a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de
uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)
Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos
seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como
objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a
possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados
passariam a englobar um conjunto ativo)
Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado
miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o
estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses
concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e
HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens
natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu
(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e
deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes
era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo
Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da
carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto
repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi
Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas
este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia
mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a
realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas
agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que
ficaram com os deuses era pereciacutevel
Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu
sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo
efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como
83
aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso
tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e
seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e
graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela
curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de
males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade
Mostrando mais um paralelo
[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do
que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram
apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-
guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem
comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo
do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida
capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)
Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes
nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba
sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma
desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da
cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na
condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de
doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)
De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos
tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial
Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo
muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos
pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas
as liacutenguas conhecidas
De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com
os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho
com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de
felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as
oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta
ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou
uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal
teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o
Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o
84
auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a
morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma
nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas
de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a
questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos
artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido
No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos
yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a
humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos
cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na
superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com
lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo
Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou
posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de
madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco
(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei
obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho
eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que
―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que
tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite
Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado
dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros
atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto
os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser
apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa
artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que
aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com
a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis
Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um
alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de
imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo
tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja
percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a
ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute
85
levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai
flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o
Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com
os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica
dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees
de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na
realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito
Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa
parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que
diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa
famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se
em questotildees positivas
Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a
algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)
―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma
das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e
roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar
recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer
como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma
raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de
desastres
De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna
de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os
seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)
em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos
imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam
sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute
mesmo espacial
Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de
uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova
assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre
renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como
primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso
andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram
novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam
errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso
ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto
um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara
86
tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam
sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado
Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo
verdadeiros vatildeo virar bichos
O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu
certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava
As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma
festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas
as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos
poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os
animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar
por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e
gritos
Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o
ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando
errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes
de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um
desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada
por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia
Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna
que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele
mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse
grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele
acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o
povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna
for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete
derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os
juruna que estatildeo na Terra
Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a
Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas
(FARGETTI 2017 p41-43 )
De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o
universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de
morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo
que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas
satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos
espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)
Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por
comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo
de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu
que se vecirc e que vecirc o outro
Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam
ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a
floresta
Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em
etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam
surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente
87
abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de
acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da
cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo
humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo
falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava
ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento
de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para
um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o
sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-
juruna)
Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a
partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro
momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas
que sofreram
Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese
tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico
por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num
perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se
verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro
Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo
dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os
seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)
houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a
partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees
exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois
Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula
saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria
fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede
segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se
encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO
1996 p 125-126)
Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma
manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos
entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a
pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com
paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute
88
mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+
humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de
intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute
preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do
discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem
instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar
com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira
anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso
humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta
traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de
olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu
que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um
outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do
assunto que representa a terceira
Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos
os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais
(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que
os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais
(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-
se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou
aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da
cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue
como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da
carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas
garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como
organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas
ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)
Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo
comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode
receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor
Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria
aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo
espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu
um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o
―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira
pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor
89
toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)
de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este
chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem
para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo
espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso
ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece
Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a
consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o
animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se
sabe isso deles
Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos
afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou
seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de
costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de
agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo
simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila
multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e
vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do
agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos
acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)
seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente
Como salienta Picelli (2016)
[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em
seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se
enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista
Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal
(PICELLI 2016 p 56)
Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto
corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas
adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se
metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel
empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano
o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este
mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com
90
Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro
(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados
natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que
[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que
muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores
que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e
da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra
dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas
vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires
e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu
proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as
coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o
que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o
que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa
cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)
Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli
(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo
poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees
entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre
natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado
possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria
Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas
ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando
superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o
que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico
demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio
ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas
uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais
Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um
tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso
uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de
generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento
ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada
povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando
criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute
distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo
injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um
91
desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro
(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos
pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer
um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando
menos discriminatoacuterios
Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a
teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um
antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em
que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad
hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo
Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria
dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um
item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que
para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras
acepccedilotildees
De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a
ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-
[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se
preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave
antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de
outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees
causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das
observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser
analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica
Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua
Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista
trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea
Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao
menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama
de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo
pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees
sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas
animais e natildeo humanas
Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho
com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira
agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os
92
humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo
por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente
quando estes falavam antigamente
A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da
possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores
mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de
intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e
almas humanas
Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os
bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou
ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos
tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo
dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de
nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente
em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de
sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos
chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um
tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave
proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo
morrido haacute certo tempo
Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria
um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando
os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais
Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos
Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de
Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos
pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da
(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa
do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)
sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e
estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades
Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute
O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma
distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente
humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo
93
a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com
a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou
como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes
seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda
menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros
seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a
classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-
57)
Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de
Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o
pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele
[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo
e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada
pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os
participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como
poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores
[]
Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar
sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os
que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro
natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo
Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim
recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem
distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute
diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)
Ou seja na oacutetica da referida linguista
[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas
Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo
tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos
distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu
dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml
(FARGETTI 2017 p 280-281)
Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave
teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute
completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo
dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus
sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os
demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos
aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre
natureza e cultura
Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em
relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de
como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos
94
trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que
pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e
sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a
comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)
Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de
perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e
inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias
ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as
correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do
que dar respostas dogmaacuteticas
De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees
entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a
explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da
sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a
presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores
as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas
Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar
fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que
satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste
trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo
exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante
De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa
Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees
posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de
―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas
Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -
borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais
pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um
exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome
(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de
olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de
95
pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia
entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)
A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio
de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro
de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio
Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-
caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash
aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -
subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)
Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes
de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por
meio de coacutepula
Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao
menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam
sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos
1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas
alteraccedilotildees corporais
2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um
adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas
3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um
estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa
ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)
Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo
deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas
agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e
descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)
De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um
aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no
abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente
das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios
satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e
abdome (como todos os demais insetos)
Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras
de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos
96
um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide
(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome
com um aparelho sexual externo
Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco
criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos
a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a
morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de
clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao
corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero
pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo
noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o
corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo
(coberto de cerdas)
Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e
passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo
produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de
Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe
(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula
(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do
ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo
(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do
sugador maxilar conhecido como espirotromba
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas no blog Agromais
97
Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas
membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar
ou correr
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)
Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e
geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo
originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo
na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees
Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo
a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a
temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo
com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie
de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))
Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas
de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida
de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de
neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de
formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o
mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a
garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem
mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito
das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas
e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e
anais)
Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da
venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de
Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de
98
homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo
eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de
ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a
subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na
segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e
posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5
nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a
subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que
uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou
fundida com a A2
Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com
escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas
sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de
baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos
Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute
famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de
borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta
MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido
dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e
como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na
medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis
Ipsilon
Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa
tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada
segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos
segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8
(MARTINELLI 2018)
Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de
Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes
ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas
esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de
pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos
Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a
classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao
99
nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os
animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas
filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo
criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos
ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um
espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa
uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade
para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois
tamanhos)
Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura
que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral
(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica
dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte
mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais
formando bandas transversais como esquematizado abaixo
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
100
Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas
fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de
ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa
Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie
(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os
ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles
forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea
Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos
ganchos
Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e
as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar
generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees
taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a
depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso
(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute
numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que
esta eacute seguida pela supra-espiracular
Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta
Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)
No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees
Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto
pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de
Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda
101
presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de
Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um
conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez
se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas
e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas
inseridas numa elevaccedilatildeo
Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos
Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)
Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
102
Foto 8 Lagarta com verrugas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos
das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos
e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)
Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido
como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte
dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um
cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira
Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou
amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas
lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos
(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na
areia uacutemida
E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO
(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da
parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO
(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e
manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO
(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul
metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou
estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que
alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia
evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta
gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos
saturniacutedeos e noctuiacutedeos
103
A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com
corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as
posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas
lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que
lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o
Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas
marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam
de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa
posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos
amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas
posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na
mandioca na seringueira no mamoeiro)
A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como
Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por
insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com
pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas
Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo
possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes
(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta
(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina
(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em
pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda
brasileiro)
E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange
normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a
Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior
envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a
Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras
leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)
105
4 METODOLOGIA
Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente
elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano
inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo
Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na
elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais
nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de
natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)
Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava
levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos
Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto
maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com
um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias
performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas
Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente
para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os
dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da
ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no
escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna
Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem
alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com
motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu
povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim
contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da
resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender
questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos
de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu
povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma
vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem
apenas Portuguecircs
Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute
triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas
Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura
106
Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original
fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde
atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de
mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em
questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas
como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas
as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros
povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)
Como afirma Fargetti (2017)
Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou
monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um
sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso
ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e
conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender
sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este
diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha
cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar
na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou
encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num
decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)
Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem
a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na
seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um
―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante
especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo
apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir
da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo
pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento
conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs
interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de
dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)
Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar
espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica
atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))
que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de
acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas
fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas
107
com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em
recipientes de vidro para conservaccedilatildeo
Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez
que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos
animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para
renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois
sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute
a Terra (FARGETTI 2015 p 102)
Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na
companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com
o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam
Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia
Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos
em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais
exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie
filo)
Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no
projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso
consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute
comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse
fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais
guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de
determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que
efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em
relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua
Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e
como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses
(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado
acima) este estudo focou-se nas formas adultas
Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em
borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos
―insetos
108
Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a
jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para
facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna
Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que
posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome
em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica
sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade
entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas
este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora
tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute
comentado
Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As
perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees
de entrevista anteriores
Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam
ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o
animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash
quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que
havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas
Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego
como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna
classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica
atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual
(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se
tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de
classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso
Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro
recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes
a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia
mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito
que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de
acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando
no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando
natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas
109
Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a
certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que
poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque
De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total
temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de
entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns
viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na
aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e
tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas
estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual
realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de
histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as
ouviam
Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa
da seguinte maneira
1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento
bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos
2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento
bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos
3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou
praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da
aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na
beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que
foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A
maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias
juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente
produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas
de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa
orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs
mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna
4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento
digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens
de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas
110
5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo
(jaacute fora de Tuba-Tuba)
6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas
iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico
7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por
arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)
8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o
exame de defesa
9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas
essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na
captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados
obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees
anteriores
110
5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os
juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo
natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia
cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar
que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees
alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo
em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar
em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados
coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de
entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e
nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica
restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja
nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas
Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador
juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um
trabalho especiacutefico descrito abaixo
Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante
uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash
num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de
um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute
hoje
Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de
Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item
veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente
num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar
Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram
a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje
Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque
tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado
agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a
histoacuteria ele sabia mais Xipaya
111
Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)
tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas
performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho
Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para
ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado
que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e
apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser
em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto
quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado
Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio
Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
112
Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo
informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar
a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam
estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no
verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo
ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a
frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento
que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)
Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos
terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto
Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia
atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se
atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o
espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses
eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo
atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de
infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba
morrendo
Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas
que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem
vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece
representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do
coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas
nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de
origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que
possuiacuteam em seus locais de origem
Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc
alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as
tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de
apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a
viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de
jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado
fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado
113
Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)
acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto
para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele
precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu
adoecimento ou na sua morte
Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti
(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud
SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada
o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)
apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem
fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse
animal antes que ele abra a boca
Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia
Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos
humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma
metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade
averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos
foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes
cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns
humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os
descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com
outros seres
Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash
ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar
este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma
aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu
mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)
Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o
especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no
ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua
dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses
questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam
assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de
agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas
114
humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu
habitat natural
Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa
para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como
operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute
Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em
seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para
Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que
podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de
mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um
inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos
nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa
protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo
representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar
(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que
descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e
transformando suas roupas coloridas em asas
115
Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada
De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando
estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando
estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos
Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo
relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a
caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna
receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas
nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam
ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna
Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas
fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos
desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco
Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees
pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O
primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo
bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num
etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia
indiacutegena pesquisada
Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora
por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os
postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e
qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores
como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens
lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como
evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos
obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles
comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas
Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias
poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos
como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da
categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish
(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que
respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)
116
Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar
apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros
De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com
Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas
sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a
4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta
haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que
abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores
chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e
compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo
abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado
inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-
boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs
elementos)
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)
Fonte Berto (2013 p 91)
Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos
dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao
menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente
impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto
(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p
96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou
seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo
juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles
117
Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo
depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto
―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados
afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de
kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade
bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon
animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes
de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis
criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto
Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas
Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes
do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso
informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais
ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas
As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos
de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como
kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e
contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa
porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes
Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que
parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos
Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que
―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o
que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito
tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar
A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo
menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de
modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo
do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-
nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item
que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte
De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de
duacutevida uma das direccedilotildees
118
Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e
termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha
revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a
ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as
partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor
de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas
das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila
Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente
Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila
Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila
Ixibia bunda delelsquo Parte posterior
Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa
Itaba boca delelsquo Boca
119
Iatildetaba antena delelsquo Antena
Iwa matildeo delelsquo Pata
Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar
Ipewa asa delelsquo Asa
Itxab barriga delelsquo abdocircmen
Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees
metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e
num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes
desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base
Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais
informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para
todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas
entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um
pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula
anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose
Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se
denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir
do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies
Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que
metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime
Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das
―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do
mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando
momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos
representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias
diferentes
Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a
necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um
dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees
120
Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos
mais de uma vez
A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do
espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia
bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico
e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo
taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave
classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute
apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e
duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar
planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de
seiva)
Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo
especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais
que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees
diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de
animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem
distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais
aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis
cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso
na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a
chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de
―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-
ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios
gerais da liacutengua
A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo
lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico
geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa
dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu
Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com
os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir
distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente
tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a
mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que
121
quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa
ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum
kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um
diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia
sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se
esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem
disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total
certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de
Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como
borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo
similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos
abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)
representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro
Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja
Fonte Palo Jr (2017)
De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos
sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo
lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)
exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)
como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna
Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da
pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria
contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da
forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns
122
idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em
siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)
Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra
que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com
que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave
fauna- jaacute havia mencionado tal fato
Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre
as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo
segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma
de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a
forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua
antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor
marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas
como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)
Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que
para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar
doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-
tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela
tornam-se improacuteprias para consumo humano
Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua
para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por
isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os
termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse
necessidade de apenas uma entrada nasusu
Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na
esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea
especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo
se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)
possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as
menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que
quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de
sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do
ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo
providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido
bicho
E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo
papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim
123
de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila
para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia
Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou
anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como
entradas autocircnomas
Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como
mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas
ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um
tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais
Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar
voar muito
Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem
que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da
Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as
mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase
adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a
horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais
seres aqui averiguados
Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte
comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o
animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo
do dia ou se haacute matizes disso
Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como
as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que
sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar
alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um
contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes
ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu
passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu
e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu
De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do
ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra
kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)
124
que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez
que natildeo tecircm forccedila para isso
Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de
tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto
as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo
trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as
segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo
Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma
questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute
muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e
natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa
obra terminograacutefica)
Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo
terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)
satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto
de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave
capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o
ceacuteu
Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos
de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas
nasusu1 (do ceacuteu) nasusu
2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos
sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila
aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha
2 (da terra)
Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como
se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave
macroestrutura se organiza alfabeticamente
Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes
com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito
didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras
sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre
parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza
gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo
enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com
notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a
125
qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente
compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos
Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com
substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados
Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais
adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna
126
NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista
juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito
pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-
falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a
sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de
―borboletas
Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos
eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos
dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam
para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta
Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos
diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum
Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria
estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna
127
Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute
incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave
comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas
utilizam nasusu para todos esses animais
128
KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido
de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)
relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma
alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em
alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu
Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua
Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento
proacuteximo
Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em
suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de
onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono
conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja
punido
129
NASUSU1
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno
desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode
retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a
maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu
Fonte Mateus (2017)
Fonte Arewara Juruna (2017)
Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar
a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois
sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente
sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um
tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a
embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas
que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua
funccedilatildeo
130
Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)
131
NASUSU2
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e
originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas
floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de
modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando
ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa
Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho
intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha
do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo
voando no ar
Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas
na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas
natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas
yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores
132
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas
antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo
transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que
mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute
por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna
essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se
metamorfosear num beija-flor
133
Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira
em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos
iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas
nesta seccedilatildeo
Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa
orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer
simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson
(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo
por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim
denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba
culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas
Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados
alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista
para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o
mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item
(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse
como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele
como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a
nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas
sim seres distintos com certo grau de parentesco
De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que
pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes
fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e
idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente
ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)
Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui
estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar
entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser
retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores
nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem
apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI
(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como
demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa
134
orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome
formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo
Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo
hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado
acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe
para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma
nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma
categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira
em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma
definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse
possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui
estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe
Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa
ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional
(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada
e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou
famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna
Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas
proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o
modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como
uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem
muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees
fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode
distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia
Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa
orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas
De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as
hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa
orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de
iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares
digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar
a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet
Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui
utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y
135
6 Consideraccedilotildees finais
Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos
juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que
seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia
como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo
da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-
aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica
Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos
diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico
Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade
haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais
analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em
contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja
como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de
minha liacutengua materna
Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER
2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se
queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si
mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas
entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que
psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as
convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o
super ego
Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e
de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus
instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave
infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais
envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que
aceitar que elas existem anteriormente a ele
Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam
completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser
(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar
marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam
inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em
136
determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia
dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia
que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma
sociedade de classes (idem ibidem))
Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um
ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos
aos quais somos submetidos
Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas
produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam
submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria
(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois
foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras
internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata
para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance
(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)
Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras
internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam
sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria
espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa
porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema
artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas
antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas
Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para
metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um
ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees
recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que
sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo
realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma
Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute
justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com
nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao
tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena
brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um
analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los
137
anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a
menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria
muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de
compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas
nos referidos animais
Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer
investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto
de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma
banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la
de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam
natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele
ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim
relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash
se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo
Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o
talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a
individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas
precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma
―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao
texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no
nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece
com os poetas ―imortais que o precederam
Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute
haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda
concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e
reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente
existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por
outro orientado por este uacuteltimo
Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente
―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui
mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas
dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de
outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo
muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a
138
destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de
dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos
assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando
Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros
estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo
de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse
povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao
menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima
complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros
Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com
estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE
CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os
juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes
natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos
tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso
De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram
dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os
referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral
Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo
relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais
Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto
nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de
formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista
juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do
animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo
um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)
Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco
entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados
para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as
kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de
mariposaslsquo)
Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto
aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte
forma
139
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria
Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados
redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo
desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses
protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos
simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo
dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles
Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente
natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram
como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia
por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba
Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores
140
REFEREcircNCIAS
ABBADE C M de S Filologia e o estudo do leacutexico In Anais do XI Simpoacutesio Nacional e I Simpoacutesio
Internacional de Letras e Linguumliacutestica (XI SILEL) Universidade Federal de Uberlacircndia 2006 p 716-
721
ABREU A S Gramaacutetica miacutenima para o domiacutenio da liacutengua padratildeo Cotia Ateliecirc Editorial 2003
______ Linguiacutestica cognitiva uma visatildeo geral e aplicada Cotia Ateliecirc Editorial 2010 119 p
______ A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo Cotia Ateliecirc 2009
ABREU D B de O et als Classificaccedilatildeo etnobotacircnica por uma comunidade rural em um brejo de
altitude no nordeste do Brasil Biofar Volume 06 ndash Nuacutemero 01 ndash 2011 p 55-74
ADICHIE C N 2009 O perigo de Histoacuterias Uacutenicas Disponiacutevel em
ltchimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_storytranscriptlanguage=ptgt Acesso em 03 de
Fev 2018
ALMEIDA G M de B A Teoria Comunicativa da Terminologia e sua praacutetica Alfa Satildeo Paulo 50
(2) 85-101 2006
ALMEIDA LM RIBEIRO-COSTA CS MARINONI L Manual de Coleta Conservaccedilatildeo
Montagem e Identificaccedilatildeo de Insetos Ribeiratildeo Preto Holos 1998 78p
ALVES I M Neologismos A criaccedilatildeo lexical Satildeo Paulo Aacutetica 1990
APARELHO mastigador de insetos Blog Agromais Disponiacutevel em
lthttpagromaisblogspotcom2016entomologia-anatomia-externa-dos_30htmlm=1gt Acesso em
10 de Fev de 2018
BARBOSA L M de A O conceito de lexicultura e suas implicaccedilotildees para o ensino-aprendizagem de
portuguecircs liacutengua estrangeira Filol linguiacutest port n 10-11 p 31-41 20082009
BARCELOS NETO A Apapaatai Rituais de Maacutescaras no Alto Xingu Seacuterie Antropologia1 Satildeo
Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Fapesp 2008 328 p
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral II trad
Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BERTO F de F Nomes de aves em Juruna estudo lexicoloacutegico Monografia (conclusatildeo de curso)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2010
______ Kania ipewapewa estudo do leacutexico juruna sobre a avifauna Dissertaccedilatildeo (mestrado)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2013p 53-56
BERTRAND D Caminhos da semioacutetica literaacuteria Trad Grupo CASA Baruru SP EDUSC 2003
BIDERMAN M T C Glossaacuterio Alfa Satildeo Paulo vol 28 (supl) n 42 p 135-144 1984
______ O vocabulaacuterio fundamental no ensino do Portuguecircs como segunda liacutengua In SILVEIRA R
C P da Portuguecircs Liacutengua Estrangeira perspectivas Satildeo Paulo Cortez 1998 p 73-91
141
BLIKSTEIN I Kaspar Hauser ou a fabricaccedilatildeo da realidade Satildeo Paulo Cultrix 2003
BORGES I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba n ordm 9 (1982) p 105-123
BORROR D J amp DELONG D M Introduccedilatildeo ao estudo dos insetos Satildeo Paulo Editora Edgard
Buchter Ltda 1ordf Reimpressatildeo 1988
CABREacute MT La Terminologia Representacioacuten y comunicacioacuten Elementos para uma teoria de base
comunicativa y otros artiacuteculos Barcelona Institut Universitari de Linguiacutestica aplicada 1999
CAGLIARI L C (1981) Elementos de Foneacutetica do Portuguecircs Brasileiro Satildeo Paulo Paulistana
2007
______ Fonologia do Portuguecircs - Anaacutelise pela Geometria de Traccedilos Campinas ediccedilatildeo do autor
1997 p 7-67
CAcircMARA A L A oraccedilatildeo subordinada adjetiva na produccedilatildeo de sentidos no texto a perspectiva dos
livros didaacuteticos de liacutengua portuguesa do Ensino Meacutedio Filologia Linguiacutestica Portuguesa Satildeo Paulo
v 18 n 2 p 319-355 agodez 2016
CAMPOS M D SULear x NORTear representaccedilotildees e apropriaccedilotildees do espaccedilo entre emoccedilatildeo
empiria e ideologia Seacuterie documenta v 6 n8 Rio de Janeiro EICOSCaacutetedra UNESCO 1999
CAVALCANTE DE SOUZA J (Org)Os pensadores preacute-socraacuteticos Satildeo Paulo Editora Nova
Cultural 1996
CHAUI M Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da Filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles vol I 2a ed 10 a
reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002
CORBERA MORI A H Estudos das liacutenguas indiacutegenas no Brasil In DEL REacute A et al (Orgs)
Estudos linguiacutesticos contemporacircneos diferentes olhares Seacuterie Trilhas Linguiacutesticas ndash 23 Satildeo Paulo
Cultura Acadecircmica 2013 p 97-114
COSTA C IDE S amp SIMONKA C E Insetos imaturos metamorfoses e identificaccedilatildeo Holos
Editora Ribeiratildeo Preto 2006 249 p
COSTA NETO E M A Etnozoologia no Brasil um panorama biograacutefico Bioikos PUC-Campinas
14 (2) 2000 p 31-45
______ Estudos etnoentomoloacutegicos no estado da Bahia Brasil uma homenagem aos 50 anos do
campo de pesquisa Bioternas 17 (1) 2004 p 117-149
FARACO C A Estrangeirismos ndash guerras em torno da liacutengua Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2001
FARGETTI C M 1992 Anaacutelise fonoloacutegica da liacutengua Juruna Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Campinas
SP UNICAMP
______ FARGETTI Cristina M Verbos estativos em juruna In Seminaacuterio do GEL 2003 Satildeo Paulo
Estudos Linguumliacutesticos XXXII Satildeo Paulo USP 2002 Disponiacutevel em
lthttpwwwgelorgbrestudoslinguisticosvolumes32htmcomunicaci057htmgt Acesso em 28 de
novembro de 2014
______ 2007 Estudo Fonoloacutegico e Morfossintaacutetico da Liacutengua Juruna Muenchen Alemanha
Lincom Europa 320 p
142
______ Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas e questotildees de prosoacutedia In ______ (Org) Abordagens
sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas Curt Nimuendajuacute 2012 p 67- 82
______ Qual pode ser o alcance de uma metaacutefora Revista Brasileira de Linguiacutestica Antropoloacutegica
Volume 7 Nuacutemero 1 Julho de 2015 p 101-111
______ Fala de gente fala de bicho cantigas de ninar do povo juruna Satildeo Paulo Ediccedilotildees Sesc
2017a
______ Constelaccedilotildees juruna In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017b
______ Estuacutedios del leacutexico de lenguas indiacutegenas iquestTerminologiacutea In Manuel Gonzaacutelez
Gonzaacutelez Maria-Dolores Saacutenchez-Palomno Inecircs Veiga Mateos (Org) Terminoloxiacutea a necesidade
da colaboracioacuten 1 ed Madrid Vervuert 2018 v 1 p 343-368
FARGETTI C M MIRANDA T G Plurilinguismo a diversidade que natildeo eacute abordada nos livros
didaacuteticos Revista Letras Raras vol 5 Ano 5 ndeg 3 2016 p 79-88
FARGETTI C M RODRIGUES C L Termos para partes do corpo em Juruna e Xipaya um
estudo comparativo In SALES Germana Maria A FURTADO Marliacute Tereza (org) Linguagem e
Identidade Cultural 1ed Joatildeo Pessoa Ideacuteia 2009 p 237-246
FARGETTI C M VANETI L L Poliacuteticas linguiacutesticas na miacutedia Revista Letras Raras vol 5 Ano
5 ndeg 3 2016 p 9-24
FAUSTO C Donos Demais maestria e Domiacutenio na Amazocircnia MANA 14 (2) 329-366 2008
FERNANDES D C O campo lexical da cosmologia em dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara UNESP 2015
FERNANDES D MATEUS I D VANETI L L amp FARGETTI C M Pesquisas lexicais de
liacutenguas indiacutegenas propostas metodoloacutegicas In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa
no Brasil 1 ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 85-100
FIORIN J L O projeto semioloacutegico In FIORIN J L FLORES V do N amp BARBISAN L B
Saussure a invenccedilatildeo da linguumliacutestica Satildeo Paulo Contexto 2013 p 99-112
GALISSON R (1987) Acceacuteder agrave la culture partageacutee par llsquoentremise des mots agrave CCP Eacutetudes de
Linguistique Apliqueacutee 67 p 109-151
GAMBINI R O espelho iacutendio os jesuiacutetas e a destruiccedilatildeo da alma indiacutegena Rio de Janeiro Espaccedilo e
Tempo 1988
GAUDIN F La socioterminologie In Langages n157 ano 39 La terminologie nature et enjeux p
80-92 2005
GOLDMAN M Cosmopoliacutetica e Saberes Afroindiacutegenas Antinotepistemologias do respeito e Contra
Ontologias da Mistura Palestra ministrada na FCLAr ago 2017
GONCcedilALVES S C L SOUSA G C de amp CASSEB-GALVAtildeO V C As construccedilotildees
subordinadas substantivas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs
143
culto falado Vol II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp
2008 p 1021-1075
GUIMARAtildeES ROCHA E P O que eacute etnocentrismo Coleccedilatildeo Primeiros Passos Satildeo Paulo Editora
Brasiliense 1984
HESIacuteODO Os trabalhos e os dias Ediccedilatildeo traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas Alessandro Rolim de Moura
- Curitiba PR Segesta 2012 152 p
HJELMSLEV L Prolegocircmenos a uma teoria da linguagem Trad J Teixeira Coelho Netto 2 ed
Satildeo Paulo Perspectiva 2003
ISQUERDO A N Vocabulaacuterio do seringueiro campo leacutexico da seringa In OLIVEIRA Ana Maria
Pires Pinto de ISQUERDO Aparecida Negri (Orgs) As ciecircncias do leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2 ed Campo Grande MS Ed UFMS 2001 p91-100
JAKOBSON R Linguiacutestica e poeacutetica In Linguiacutestica e Comunicaccedilatildeo Satildeo Paulo Cultrix 1995 118-
162
KRIEGER M da G amp FINATTO M J B Introduccedilatildeo agrave Terminologia teoria e praacutetica Satildeo Paulo
Contexto 2004
LARA L F et als Lexicografia espantildeola In Medina Guerra A M (Org) Madrid Ariel 2003
LAKOFF G Women fire and dangerous things What categories reveal about the mindChicago
University ofChicago Press 1987
LARROSA J amp PEacuteREZ DE LARA N Imagens do outro Petroacutepolis Editora Vozes 1998
LIMA T S Para uma teoria etnograacutefica da distinccedilatildeo natureza e cultura na cosmologia juruna RBCS
Vol 14 no 40 junho99 p 43-52
MACIEL DE CARVALHO M C Anaacutelise metalexicograacutefica do dicionaacuterio da liacutengua Baniwa
In FARGETTI C M (Org) Abordagens sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas SP
Editora Curt Nimuendajuacute 2012 p 353-366
MARTINS S de C amp ZAVAGLIA C As cores da fauna e da flora um dicionaacuterio especial composto
por cromocircnimos ESTUDOS LINGUIacuteSTICOS Satildeo Paulo 42 (1) p 245-256 jan-abr 2013
MATEUS I D Entre concertos e desconcertos Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras em
(des)compasso com o campo lexical da muacutesica Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade
Estadual Paulista 2017
MINER H Ritos corporais entre os Nacirema In ROONEY AK amp VORE PL (Orgs) YOU AND
THE OTHERS - Readings in Introductor y Anthropology Cambridge Erlich 1976
MONDINI J N Yudja utaha a culinaacuteria juruna no Parque Indiacutegena Xingu ndash uma contribuiccedilatildeo ao
dicionaacuterio biliacutengue juruna-portuguecircs Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Araraquara Universidade Estadual
Paulista 2014
MOSCARDINI L E Recursos de textos de alunos e professores da escola juruna anaacutelise para uma
contribuiccedilatildeo ao ensino Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade Estadual Paulista 2011
144
MOSCARDINI L E amp FARGETTI C M O uso do dicionaacuterio nas abordagens de leitura e escrita
em portuguecircs na escola juruna In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa no Brasil 1
ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 143-151
MOTTA C da S Noccedilotildees gerais sobre insetos borboletas e mariposas (Lepidoacuteptera) Manaus INPA
1996
MOURA NEVES M H de Substantivos Adjetivos oraccedilotildees adjetivas Processos de predicaccedilatildeo e
referenciaccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jun 2018 Aulas ministradas
aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Gramaacutetica do Portuguecircs
MOURA NEVES M H de BRAGA M L ampDALL‟AGLIO-HATTNHER M M As construccedilotildees
hipotaacuteticas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs culto falado Vol
II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp 2008
MOURAtildeO JS NORDI N (2002) Principais criteacuterios utilizados por pescadores artesanais na
taxonomia Folk dos peixes do Estuaacuterio do Rio Mamanguape Paraiacuteba ndash Brasil Interciecircncia 27 (11) 1-
6
______ Comparaccedilotildees entre as taxonomias folk e cientiacutefica para peixes do estuaacuterio do Rio
Mamanguape Paraiacuteba-Brasil Interciencia vol 27 nuacutem 12 diciembre 2002b pp 664-668
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA C de A A Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar - jun 2018
Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA Cde A A Tradiccedilatildeo lexicograacutefica portuguesa Bluteau Morais e Vieira In Oliveira
A M P P de amp Isquerdo A N (Orgs) As Ciecircncias do Leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2ed Campo Grande UFMS 2001 p 153-170
______ Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees
sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar -
jun 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e
Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
NADIN O Breve panorama histoacuterico da Lexicografia Pedagoacutegica histoacuteria definiccedilatildeo e conceitos
Dicionaacuterios Pedagoacutegicos estruturas funccedilotildees e liacutenguas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp
Araraquara SP Mar a mai 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e alunos especiais
matriculados na disciplina ―Lexicografia Pedagoacutegica
OGDEN C K amp RICHARDS I A O significado de significado um estudo da influecircncia da
linguagem sobre o pensamento e sobre a ciecircncia do simbolismo Satildeo Paulo Zahar 1972
145
OLIVEIRA A E Os Iacutendios Juruna do Alto Xingu Satildeo Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia ndash
USP 1970
PALO JR H (Org e Edit) Borboletas do Brasil Satildeo Carlos Vento Verde Editora
PEIXOTTO M Os ldquodairdquo e a alteridade juruna (Monografia de Conclusatildeo de Curso em Ciecircncias
Sociais) Satildeo Carlos UFSCAR 2013
PEREIRA A H Terminologia do Direito do Consumidor Anaacutelise das motivaccedilotildees da variaccedilatildeo
terminoloacutegica Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa) Universidade Estadual
Paulista Juacutelio de Mesquita Filho Faculdade de Ciecircncias e Letras Araraquara 2018 108 f
PETIZA S et als Amazocircnia Rev Antropol (Online) 5 (3) Especial 708-732 2013
PICELLI P O perspectivismo de Viveiros de Castro proposta de uma nova antropologia Revista
Alteridade ndash Montes ClarosMG v 2 n 1 p53-63 maio2016
PIEDADE A T de C A Etnografia da Muacutesica segundo Anthony Seeger clareza epistemoloacutegica e
integraccedilatildeo das perspectivas musicoloacutegicas Cadernos de campo Satildeo Paulo n 17 2008 p 233-235
PIKE KL Language in relation to a unified theory of the structure of human behavior Hague
Mouton 1966
______ (1971) Phonemics a technique for reducing languages to writing Ann Arbor The
University of Michigan Press(1ordf ed 1947)
POLITO A M amp SILVA FILHO O L A Filosofia da Natureza dos preacute-socraacuteticos In Cad Bras
Ens Fiacutes v 30 n 2 p 323-361 ago 2013
PORTO-DAPENA D Manual de Teacutecnica Lexicograacutefica Madrid Arcolibros SI 2002
RAFAEL J A (ed) Insetos no Brasil diversidade e taxonomia Ribeiratildeo Preto Holos Editora 2012
REY-DEBOVE J Leacutexico e dicionaacuterio Trad de Cloacutevis Barleta de Morais Alfa Satildeo Paulo 28(supl)45-69 1984 ROSENFELD A O fenocircmeno teatral In ______ TextoContexto Satildeo Paulo Perspectiva 1969 p 19-41
SAacuteEZ O C Do perspectivismo ameriacutendio ao iacutendio real Campos 13(2)7-23 2011
SANDMAN A J Morfologia geral 2 ed Satildeo Paulo Contexto 1993
SANTAELLA L O que eacute semioacutetica 3 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1983
SAPIR E (2004) Language an introduction to the study of speech New York Harcourt Brace
SAPIR E MANDELBAUM D HYMES D (ed) (1985) Selected writings in language culture and
personality Berkeley University of California Press
SAUSSURE F de Curso de Linguiacutestica Geral Traduccedilatildeo de Antocircnio Chelini Joseacute Paulo Paes e
Izidoro Blikstein 34a ed Satildeo Paulo Cultrix 2012
146
SEKI L A Linguumliacutestica indiacutegena no brasil Delta vol 15 nordm especial 1999
______ Liacutenguas indiacutegenas do Brasil no limiar do seacuteculo xxi Revista Impulso v 1 nordm 27 Piracicaba
2000 p 233-256
SILVA D Anaacutelise do trabalho ―O leacutexico da liacutengua Terena proposta do dicionaacuterio infantilbiliacutengue
Terena-Portuguecircs Educaccedilatildeo escolar indiacutegena na Reserva Indiacutegena Cachoeirinha MirandaMS In
______ Estudo lexicograacutefico da liacutengua Terena proposta de um dicionaacuterio biliacutenguumle Terena-Portuguecircs
Araraquara Unesp (Tese de doutorado) 2013 p 29-45 Disponiacutevel em
lthttpswwwgooglecombrurlsa=tamprct=jampq=ampesrc=sampsource=webampcd=1ampcad=rjaampuact=8ampved
=0CB0QFjAAampurl=http3A2F2Facervodigitalunespbr2Fhandle2Funesp2F1681353Flo
cale3Dpt_BRampei=wq3YVIm4GYzfsATbkYGQAQampusg=AFQjCNGBSrPelXVvb3tSQNK6Y5S_D
Up0JQampsig2=p8NjA0-PfBruUomIw0A0-wgt Acesso em 18 dez 2014
SILVA M C P da Lexicografia biliacutenguumle uma verificaccedilatildeo dos substantivos mais frequumlentes em
dicionaacuterios biliacutenguumles francecircs-portuguecircs e portuguecircs-francecircs In LONGO B N de O amp SILVA B C
da (org) A construccedilatildeo de dicionaacuterios e de bases de conhecimento lexical Satildeo Paulo Cultura
Acadecircmica Editora 2006
SILVA O L da Das ciecircncias do leacutexico ao leacutexico nas ciecircncias uma proposta de dicionaacuterio
portuguecircs-espanhol de Economia Monetaacuteria Odair Luiz da Silva -- Araraquara [sn] 2008 334 f
SILVA R de S P T A importacircncia do estudo lexicultural no ensino meacutedio Anais do SIELP Volume
2 Nuacutemero 1 Uberlacircndia EDUFU 2012
SKLIAR C A invenccedilatildeo da alteridade ―deficiente a partir dos significados de normalidade In
Educaccedilatildeo amp Realidade 24 (1) jul-dez 1999 p15-32
STHER F W Immature insects vol II II Kendall amp Humt Dubique (USA) 1987 1620 p
TEMMERMAN R Towards new ways of Terminology description the socicognitive approach
AmsterdamPhiladelphia J Benjamins Pub Co 2000
VANETI L L Banco de dados com termos de parentesco Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara
Universidade Estadual Paulista 2017
VERNANT JP O universo os deuses os homens Trad Rosa Freire dlsquoAguiar Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2000 p 59-77
VICTOR E LEO Borboletas Satildeo Paulo Columbia 2008 1 viacutedeo digital on line mp4 (3min 19
seg) Disponiacutevel em
lthttpswwwbingcomvideossearchq=victor+e+leo+borboletasampview=detailampmid=7944F8E90A2
D6F5C5AEE7944F8E90A2D6F5C5AEEampFORM=VIRE gt Acesso em 02 Ago 2018
VILLALVA A amp SILVESTRE J P Introduccedilatildeo ao estudo do leacutexico descriccedilatildeo e anaacutelise do
Portuguecircs Rio de Janeiro Editora Vozes 2014
VILELA M Estruturas leacutexicas do portuguecircs Coimbra Livraria Almedina 1997
VIVEIROS DE CASTRO E Os pronomes cosmoloacutegicos e o perspectivismo ameriacutendio Mana
2(2)115-144 1996
VOIGT J K Iacutendios miacutedia e questotildees de representaccedilatildeo Revista Adveacuterbio 2015 v10 N 20 p 35-
44
147
XATARA C BEVILACQUA C R amp HUMBLEacute P R M (Orgs) Dicionaacuterios na teoria e na
praacutetica como e para quem satildeo feitos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2011
WEINRICH U LABOV W amp HERZOG MI Fundamentos empiacutericos para uma teoria da mudanccedila
linguumliacutestica Traduccedilatildeo BAGNO M Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2006 p 87-126
WELKER H A Dicionaacuterios uma pequena introduccedilatildeo agrave lexicografia 2 ed revista Brasiacutelia
Thesaurus 2004 p 106-248
WHORF B (1956) Language thought and reality selected writings of Benjamin Lee Whorf
Cambridge MIT
ZAVAGLIA C A homoniacutemia no Portuguecircs Tratamento semacircntico segundo a estrutura Qualia de
Pustejovsky com vistas a implementaccedilotildees computacionais Alfa Satildeo Paulo 47 (2) 77-99 2003
BIBLIOGRAFIA
ACAacuteCIO M S J A questatildeo da universalidade na distinccedilatildeo da classe de palavras nomes Ribanceira
ndash Revista do Curso de Letras da UEPA Beleacutem Vol 1 n 1Jul-Dez2013 p 6-22
AMORIM DS Fundamentos de sistemaacutetica filogeneacutetica Holos Editora Ribeiratildeo Preto 2002 136p
BARBOSA M A Para uma etno-terminologia recortes epistemoloacutegicos Ciecircncia e Cultura
nordm 58 (2) p 48-51 2006
BARROS D L P de Teoria semioacutetica do texto 5 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2011
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral
II trad Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BIDERMAN M T C Conceito linguiacutestico de palavra In Palavra Rio de Janeiro Grypho 1999
______ Aureacutelio Sinocircnimo de dicionaacuterio Alfa Satildeo Paulo 44 27-55 2000 BOSQUE I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba 9 1982 p 105-123
CABREacute M T Terminologia em foco uma entrevista comentada com Maria Teresa Cabreacute [Entrevista cedida a] SANTIAGO M S amp KRIEGER M da G Calidoscoacutepio Vol 11 n 3 p 328-
332 Unisinos setdez 2013
CORBERA MORI A A classe adjetivos em Aguaruna (Jiacutevaro) In PADILLA J A S amp DEacuteNIZ M
T Actas del XI Congreso Internacional de la Asociacioacuten de Linguumliacutestica y Filologiacutea de la Ameacuterica
Latina jul 1996 p 1771-1777
COSTA D S da Classes de palavras Flexatildeo Nominal Flexatildeo Verbal Faculdade de Ciecircncias e
Letras ndash Unesp Araraquara SP Mar a jun 2017 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e
alunos especiais matriculados na disciplina ―Morfologia do Portuguecircs
DlsquoOLNE CAMPOS M amp FAULHABER P Caminhos do sol e orientaccedilatildeo espacial em sociedades
indiacutegenas tropicais In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias etnograacuteficas
desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea cultural cosmo-
poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
148
GOacuteRGIAS Elogio agrave Helena Trad De Antocircnio Suaacuterez Abreu [s data]
FERRARI L Categorizaccedilatildeo In ______ Introduccedilatildeo agrave Linguiacutestica Cognitiva Satildeo Paulo Contexto
2011
ILHERING R V Dicionaacuterio dos animais do Brasil Rio de Janeiro DIFEL 2002 588 p
JORGE DE MELO D amp FAULHABER P Embate entre ciecircncia e religiatildeo a lua as religiotildees afro-
brasileiras e a missatildeo Apollo 11 In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
LAPLANTINE F Aprender antropologia Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2003
LENKO K PAPAVERO N Insetos no folclore 2 ed Satildeo Paulo Plecirciade FAPESP 1996
MACHADO ESTEVAM A Expressando conceitos de qualidade em Xavante adjetivos ou verbos
Revista Moara ndash Ediccedilatildeo 43 vol 2 ndash jul - dez 2015 Estudos Linguiacutesticos
MELO DE OLIVEIRA T Terminologia metaacutefora e outros fenocircmenos que desafiam o princiacutepio da
univocidade anaacutelise qualitativa de unidades terminoloacutegicas Cadernos do IL Porto Alegre nordm 42
junho de 2011 p 311-312 Disponiacutevel em lthttpwwwseerufrgsbrcadernosdoilgt Acesso em 07
Mai 2018
MOLINA GARCIacuteA La lexicografiacutea pedagoacutegica La lexicografiacutea biliacutengue En Fraseologiacutea biliacutengue
un enfoque lexicograacutefico-pedagoacutegico Granada Comares 2006 p 9-84
NADIN O L amp ZAVAGLIA C Temos a palavra In ______ (Orgs) Estudos do leacutexico em
contextos biliacutengues Campinas Mercado das Letras 2016 p 7-13
PERINI et al Sobre a classificaccedilatildeo das palavras In Delta Vol 14 Satildeo Paulo 1998 Disponiacutevel em
lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010244501998000300014gtAcesso em 03
de jun de 2017
SALVADOR E L A Greacutecia antiga Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jan-
jul 2013 Aulas ministradas aos graduandos do turno diurno matriculados na disciplina ―Literatura
Grega I
VIVEIROS DE CASTRO E Perspectivismo e multinaturalismo na Ameacuterica indiacutegena p 225-254 O
que nos faz pensar nordm 18 setembro de 2004
VOGLER C A jornada do escritor estruturas miacuteticas para escritores 2 ed Rio de Janeiro Nova
Fronteira 2006
WEINRICH H A verdade dos dicionaacuterios p 314-337 Trad e introd de Maacuterio Vilela Rio de
Janeiro Compainha das Letras 1979
WELKER H A Sobre o uso de dicionaacuterios por aprendizes de liacutenguas Panorama Geral da
Lexicografia Pedagoacutegica Brasiacutelia Thesaurus 2008 p 13-114
149
150
APEcircNDICES
151
Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna
Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo
juruna
1
kamaperuperu
2
Nasusu do ceacuteu
3
Nasusu do ceacuteu
152
4
Nasusu do ceacuteu
5
Nasusu do ceacuteu
6 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
153
6 b (asas
fechadas)
7
Nasusu do ceacuteu
8
Nasusu do ceacuteu
154
9
Nasusu do ceacuteu
10
Nasusu do ceacuteu
11
Nasusu do ceacuteu
155
12 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
12 b (asas
fechadas)
13 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
13 b (vista
lateral)
156
14
Nasusu do ceacuteu
15
Nasusu do ceacuteu
16 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
157
16 b (asas
abertas)
17 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
17 b (vista
lateral)
18 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
158
18 b (asas
abertas)
19
Nasusu do ceacuteu
20
Nasusu do ceacuteu
159
21
Nasusu do ceacuteu
22
Nasusu do ceacuteu
23
Nasusu do ceacuteu
160
24 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
24 b (asas
abertas)
25
Nasusu do ceacuteu
26
Nasusu do ceacuteu
161
27
yahaha da
Terra
28
Nasusu do ceacuteu
29 (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
162
29 (vista
lateral)
30
Nasusu do ceacuteu
31
yahaha da
Terra
163
32
Nasusu do ceacuteu
33
Nasusu do ceacuteu
34
Nasusu do ceacuteu
35 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
164
35 b (asa
aberta)
36 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
36 b (asa
aberta)
165
37
Nasusu do ceacuteu
38
Nasusu do ceacuteu
39
Nasusu do ceacuteu
40
Nasusu do ceacuteu
166
41
yahaha da
terra
42 a (vista
lateral)
Nasusu da
Terra
42 b (asa
aberta)
43
kamaperuperu
167
44 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
45 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
46 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu da
Terra
168
47 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
48 a
(Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
asa aberta
Nasusu do ceacuteu
48 b (Foto
de Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
vista
lateral
169
49 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
50 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
51
Nasusu do ceacuteu
170
52 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
533 (vista
lateral)
54
Nasusu do ceacuteu
171
55
Nasusu da
Terra
56
Nasusu do ceacuteu
57
Nasusu do ceacuteu
58
Nasusu do ceacuteu
172
59
Nasusu do ceacuteu
60
Nasusu do ceacuteu
61
Nasusu da
Terra
62
Nasusu do ceacuteu
63 (foto de
Cristina
Martins
Fargetti)
yahaha do ceacuteu
173
64
nasusu do ceacuteu
65
nasusu do ceacuteu
66
nasusu do ceacuteu
67
nasusu da
Terra
174
68
nasusu da
Terra
69
nasusu da
Terra
70
nasusu do ceacuteu
175
71
nasusu da
Terra
72
nasusu do ceacuteu
73
yahaha (o
informante
natildeo soube
dizer se era do
ceacuteu ou da
terra)
176
74 (foto de
Arewana
Juruna)
nasusu do ceacuteu
75
kamaperuperu
76
nasusu da
Terra
77
nasusu (o
informante
natildeo soube
dizer se era da
Terra ou do
ceacuteu)
177
78 a (visatildeo
da parte
exterior
da asa)
nasusu do ceacuteu
78 b (asas
abertas)
79
nasusu da
Terra
80
yahaha fraca
(da terra)
178
81
nasusu do ceacuteu
82
nasusu da
Terra
83
nasusu da
Terra
84
Nasusu do ceacuteu
179
85
nasusu do ceacuteu
86 a(asas
abertas)
kamaperuperu
86 b (asas
fechadas)
180
87
nasusu do ceacuteu
IAGO DAVID MATEUS
ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO
QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM
VOcircO PANORAcircMICA (COM E) PELAS
bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA
Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho
Departamento Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de
Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica
e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa
Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico
Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Bolsa Capes - DS
ARARAQUARA ndash SP
2019
IAGO DAVID MATEUS
ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO
QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM
VOcircO PANORAcircMICO (COM E) PELAS
bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho
Departamento Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de
Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica
e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa
Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico
Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Bolsa Capes - DS
Data da defesaentrega 23042019
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Membro Titular Prof Dr Odair Luiz Nadin da Silva
Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Membro Titular Prof Dr Mateus Cruz Maciel Carvalho
Instituto Federal de Satildeo Paulo ndash Campus Salto
Local Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciecircncias e Letras
UNESP ndash Campus de Araraquara
AGRADECIMENTOS
Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou
indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho
Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar
algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de
antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria
Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia
de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs
mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas
realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio
Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash
Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela
concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que
pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao
CNPq
Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em
contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave
pesquisa
Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash
junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa
solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por
este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me
presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um
sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar
me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos
para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as
mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees
A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que
fizeram parte da pesquisa
Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson
Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de
Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a
quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e
acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e
Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli
que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-
graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia
entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros
A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica
Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva
Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou
eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e
afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis
pelos conselhos momentos de alegria desabafos
A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr
Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova
monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha
com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave
minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra
tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me
oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar
no qual desmaiar
Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante
aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-
conhecimento
E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as
quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia
Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me
fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a
Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja
menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)
devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui
tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os
ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo
[]
Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual
Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu
Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu
Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)
RESUMO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de
mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees
terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente
porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos
miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por
noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses
―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar
estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de
Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)
Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade
entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na
Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como
Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-
tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico
cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses
espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar
neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba
(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente
programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que
foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna
(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-
las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade
com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees
enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e
revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online
Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas
REacuteSUMEacute
Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet
de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des
contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons
Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles
linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui
concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure
maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue
JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave
leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de
Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de
ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous
basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches
dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle
de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-
culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans
les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre
consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les
modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80
dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne
nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes
momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen
dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents
photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les
histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions
encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront
deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba
ou lors de reacuteunions en ligne
Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo
ocidental
139
LISTA DE DESENHOS
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28
Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28
Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29
Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101
Foto 8 Lagarta com verrugas 102
Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-
onccedila
118
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara
FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras
TCT Teoria Comunicativa da Terminologia
TE Terminologia Etnograacutefica
TGT Teoria Geral da Terminologia
Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Sumaacuterio
1Introduccedilatildeo 14
2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas
autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18
22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de
liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua
relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24
24 Sobre os juruna 25
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30
26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31
3 Aporte teoacuterico 39
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo
empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por
dada comunidade 39
31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o
leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65
321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
67
3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74
3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o
enxerga 81
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94
4 Metodologia 105
5 Resultados e Discussatildeo 110
6 Consideraccedilotildees finais 135
Referecircncias 140
Bibliografia 147
Apecircndices 150
Apecircndice A 151
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas
durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para
contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos
objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos
saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como
borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar
A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as
lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo
geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam
em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de
maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo
dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos
autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees
ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de
seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o
que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs
Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo
que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por
nossa orientadora
Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no
levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados
formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes
na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato
Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os
quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos
para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da
Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas
brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os
conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia
Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este
conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem
15
sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-
indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)
discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas
juruna poderiam ser lematizadas
Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura
desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo
embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2
Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia
de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo
para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)
Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos
pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre
avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas
brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees
diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim
falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os
singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma
Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na
aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff
e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes
da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o
estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais
signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos
―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato
com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava
Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem
antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo
aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias
saussurianas apenas em partes
Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das
mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo
norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua
16
diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de
uma obra lexicograacutefica)
Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)
sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos
tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias
atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e
Lima (1996)
Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as
etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a
epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais
Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas
utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as
nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais
aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como
demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4
18
2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS
QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS
Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver
precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando
sua relevacircncia
Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de
justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e
documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as
indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os
insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros
Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo
muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo
passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada
inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como
mero fornecedor de informaccedilotildees
Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio
na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos
falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle
Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam
uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees
indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes
fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral
costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele
ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes
como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um
personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado
―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo
omitidas
Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando
Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das
19
variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou
classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como
se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)
Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que
Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos
desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo
escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados
a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por
preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista
desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo
(MOSCARDINI 2011 p 7)
Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que
se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees
pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos
cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas
linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais
por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-
indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de
Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e
obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter
negativamente ―diaboacutelico
Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com
relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico
―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses
se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o
referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma
―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o
―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade
Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que
Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi
exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem
do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na
psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria
do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em
gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave
marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se
como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se
deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a
20
partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua
sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um
passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel
ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem
primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam
muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se
atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)
Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute
patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito
anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica
de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento
segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam
nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de
antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como
uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel
―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu
problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente
atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior
Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute
comentavam que
A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a
reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais
satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila
nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal
nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade
(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)
Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e
infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem
o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de
uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em
aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998
p 18)
21
2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas
indiacutegenas brasileiras
De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios
como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na
subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo
desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na
deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os
idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com
respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores
(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos
palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas
Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a
descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso
no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de
campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas
alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal
projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo
Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos
lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de
Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que
contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo
metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo
aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos
Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)
Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes
Vaneti Mateus e Fargetti (2018)
A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma
documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo
semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os
resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a
consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas
Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens
22
juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que
foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel
Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de
cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as
informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)
Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e
comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para
aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora
concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos
cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves
encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre
os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de
partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados
por um ou mais radicais (BERTO 2013)
Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo
participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico
juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou
com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e
equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees
morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas
Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais
recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o
desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por
vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas
buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco
musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas
iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de
pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias
Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por
Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos
yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-
gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo
semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios
23
lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras
se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas
sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade
linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou
demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas
aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete
Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia
de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas
indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia
utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)
pretendia
[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees
possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os
lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de
determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017
p 5)
Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram
lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos
musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)
Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens
os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia
Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os
nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias
colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento
ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e
chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na
verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o
equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos
itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso
o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia
anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente
haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e
descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte
Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as
realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e
24
exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma
dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a
outras realizaccedilotildees possiacuteveis
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-
cientiacutefica para as comunidades estudadas
Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)
ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013
p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a
necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas
que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti
(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando
a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)
Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a
importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que
concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem
humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem
confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades
indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de
materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de
elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as
etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a
preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-
culturais dessas populaccedilotildees
Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o
estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire
relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate
de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos
objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos
pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico
das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas
realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser
documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado
25
inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido
aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica
pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca
de contato Como salienta Peixotto (2013)
Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm
51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo
Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato
Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e
atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais
novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o
Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de
27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas
representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti
Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro
Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng
(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)
tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A
aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o
uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando
do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque
(PEIXOTTO 2013 p 9-10)
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu
Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor
conheccedila tal povo
24 Sobre os juruna
Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60
hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no
Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem
ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca
26
de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena
Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda
Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a
liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e
manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam
eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que
A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []
encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no
extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados
por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou
escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa
migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos
indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros
Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e
Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX
devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio
Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando
entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave
foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma
regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu
Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna
tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano
depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a
fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para
a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os
juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute
aldeia fixando-se todos em Tubatuba []
A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas
moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da
antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)
Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna
tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute
27
fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom
alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais
Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-
fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e
dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (
e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e
) e cinco nasais ( e ))
Como afirma Berto (2013)
De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma
liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico
C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a
esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um
radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os
constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto
verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de
reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)
Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe
da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o
excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave
formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)
vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz
questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo
Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos
e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar
o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com
resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de
vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute
que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a
mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares
Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida
fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas
corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros
povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)
Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as
mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques
zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham
28
banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados
pelos membros femininos das aldeias
No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como
ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas
[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de
farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba
que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado
quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia
permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Foto 4 casa em construccedilatildeo
Fonte Mateus (2017)
29
Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como
comenta Peixotto (2013)
O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira
como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos
brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma
depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos
macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais
satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados
caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua
(PEIXOTTO 2013 p 22)
Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para
que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []
que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios
muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)
Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como
confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que
proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela
comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a
autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em
FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria
embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os
distinguia uma tatuagem
[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha
vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a
partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no
queixo (FARGETTI 2017 p 25)
Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -
continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo
quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de
assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas
30
Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e
tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um
dicionaacuterio da liacutengua juruna
Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa
orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar
os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores
envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos
terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa
em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna
sobre os ―insetos como comentado abaixo
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos
No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam
Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de
animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes
ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo
do conhecimento da biodiversidade do planeta
Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas
uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e
tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos
de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela
chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas
superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas
formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de
plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo
Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de
algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de
servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a
algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e
alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo
dos solos
Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar
natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de
31
insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000
espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como
tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como
um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao
homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas
a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves
escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com
formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas
que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes
Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros
pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de
gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem
disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de
outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou
somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)
2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico
Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia
terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a
globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-
tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados
internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas
de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade
(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que
[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na
Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas
quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em
alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)
Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo
uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as
referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades
leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que
passariam a adquirir novos valores especializados
32
Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o
leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki
(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos
embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista
descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na
verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem
descriccedilotildees realmente cientiacuteficas
Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear
qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como
―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades
miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste
texto)
Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que
[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o
conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos
fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel
analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias
(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico
morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash
por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza
na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute
relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos
nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)
Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave
cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira
Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO
2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do
universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees
puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos
praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os
resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura
material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para
geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um
ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas
variadas disciplinas de coleacutegios)
Nas palavras de Abbade (2006)
Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter
falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e
33
socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A
linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas
palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um
povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo
que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes
haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de
um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de
pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e
necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e
linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do
leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo
Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada
um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles
caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute
consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do
leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos
morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p
716)
Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas
―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico
que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem
sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos
lexicoacutegrafos deveria ser
[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico
[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a
consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras
adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio
natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto
de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma
abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da
comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []
O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o
conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em
unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que
nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a
outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber
que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus
usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de
vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se
aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos
dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)
Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos
(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos
cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees
crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute
mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo
mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade
―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco
34
natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim
denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem
desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que
ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a
indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um
ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma
mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma
valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de
parceiras afetivas
Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar
que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que
portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o
cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues
marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com
uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute
porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos
menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do
conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito
Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos
(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios
monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-
Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras
de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua
(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria
apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua
comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras
A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir
uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir
uma competecircncia gramatical oacutetima
Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua
vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar
adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem
quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que
elas regem
Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem
um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo
eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas
palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem
35
todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou
nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida
ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de
empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por
outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim
certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-
DEBOVE 1984 p 57-58)
Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como
comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes
de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as
variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto
opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive
vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas
Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que
natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos
(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)
Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais
pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade
juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou
um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se
poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de
opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a
questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da
lexicologia e da terminologia
Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos
etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles
natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs
ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute
de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada
espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento
ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode
ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse
sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas
especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute
distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando
antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])
36
Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite
dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em
que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua
Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes
de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um
conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo
cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de
nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo
realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio
Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna
De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como
vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem
se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante
do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e
indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em
juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para
responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer
que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a
comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos
De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de
borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por
toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada
terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas
De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o
leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees
culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos
com Biderman (1998) quando ela afirma que
[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes
dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse
universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o
leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da
linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)
Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as
seccedilotildees seguintes
37
Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as
borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que
pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do
Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais
desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como
―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)
poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue
Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e
ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar
somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras
listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente
potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson
(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave
perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-
converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares
equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador
traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e
semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse
uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da
versatildeo grega
Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as
limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma
anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema
em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes
(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no
sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos
limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar
mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como
borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo
haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo
adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute
apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee
diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo
38
Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs
como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que
para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem
Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que
justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados
39
3 APORTE TEOacuteRICO
Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas
abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos
citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela
comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder
criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos
de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os
idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)
Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas
aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos
mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas
de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na
―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na
Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico
ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade
Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas
dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto
Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo
anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e
os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos
Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue
figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)
tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades
grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio
real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os
temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam
ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para
existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de
figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa
sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e
40
ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem
varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto
de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois
que perde o marido
Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud
SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De
acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo
extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade
sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no
segundo e siacutembolos no terceiro
Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a
primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato
quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a
reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo
qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam
para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria
jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz
iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo
em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo
se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa
num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque
houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado
A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada
teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma
sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos
alunos
Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que
Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo
que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como
plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a
realidade
Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto
dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as
formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua
convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com
outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se
comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN
1998 p 73)
41
Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as
consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato
histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do
possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe
status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)
Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos
para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de
formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros
satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma
fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que
existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor
citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na
liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show
(ALVES 1990)
Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo
apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as
liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido
apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos
Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e
representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em
seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se
descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum
sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash
resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada
por um nuacutecleo social na medida em que
[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute
que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre
genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com
sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um
signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos
elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a
por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no
sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa
relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos
como dormir (MATEUS 2017 p 51)
42
Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo
cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo
Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo
universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto
retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias
(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja
os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o
mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos
ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS
COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam
de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma
abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo
muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)
No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias
espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para
agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em
seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos
deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU
2010 MATEUS 2017)
Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que
tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes
sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um
lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante
nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo
que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo
de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas
entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos
que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise
Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes
mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de
sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes
soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes
acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta
uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado
43
Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico
Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo
se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e
caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos
Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar
natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo
enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se
mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)
pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico
e metafiacutesico
[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento
material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto
―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como
um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que
dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash
quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana
(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito
como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de
compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A
harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma
harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um
caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais
similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que
privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de
tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)
Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a
verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais
estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas
sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e
que se oferece para ser decifrado e interpretado
Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um
fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a
origem desse mundo
Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de
todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente
multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por
exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)
44
Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a
palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo
tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas
Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem
ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma
dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a
multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade
(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)
O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a
―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das
constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma
―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta
(CHAUI 2002 p 82)
As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais
tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a
novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais
utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia
De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista
que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire
existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa
nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo
entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que
se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por
Saussure
Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que
faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou
ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue
desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos
demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por
exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o
loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim
que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa
que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que
45
[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em
quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que
nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas
lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz
racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada
medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora
uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de
quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de
quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as
coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre
justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta
se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)
De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e
delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece
apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior
quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas
vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na
qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque
agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo
como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que
natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso
Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente
diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A
anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero
Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute
caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que
aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de
nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees
morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas
satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas
os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como
estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo
como insetos mas sim como aracniacutedeos
Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela
comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor
linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos
afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O
que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo
46
em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma
importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista
que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo
relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo
sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois
primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um
conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um
animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem
conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de
significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o
mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais
possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica
[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico
quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se
verifica)
Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos
para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de
argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em
que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma
subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a
instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu
que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer
adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como
cachorro ao qual se opotildee distintivamente
Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas
pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos
compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute
problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo
analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica
normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam
elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que
chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal
Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos
periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas
47
Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de
Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e
Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo
linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a
existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si
perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar
isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica
que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e
encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma
posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos
parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas
Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a
novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os
dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para
(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando
rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo
Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das
outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto
natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam
figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo
assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como
―Joatildeo chegou mas Maria saiu)
Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de
construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual
semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta
oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar
desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como
―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute
sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela
escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel
abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que
seria [+dependente] e [-encaixada] na principal
E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade
satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas
48
subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de
ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-
o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma
principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que
natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum
complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das
completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que
eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz
(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]
uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido
ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo
querer
Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas
aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo
complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo
nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas
de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e
isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos
agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as
explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer
(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito
(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista
Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais
subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo
geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo
provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o
falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho
de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que
minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria
em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa
agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma
generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente
49
dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo
Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a
noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo
especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que
homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente
recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido
Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas
de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento
fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo
fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as
intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os
fazer decorar esses roacutetulos)
Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com
a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma
Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela
presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar
que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de
propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa
uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado
Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva
equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu
―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre
um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a
natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade
a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma
Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do
conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de
significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades
De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que
quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada
natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer
―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus
irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles
seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam
50
acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos
que eu possuo
Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status
ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-
330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal
Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute
sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a
afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o
fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que
Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear
constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as
supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa
(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo
dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos
distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute
pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto
linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva
explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo
sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser
inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional
acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer
dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p
328-330)
Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a
restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo
quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo
de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava
ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava
em Osasco
Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que
inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam
configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade
material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que
fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma
construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia
bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela
regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos
comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas
51
pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo
anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de
termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo
Como salienta Rey-Debove (1984)
[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees
constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito
da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta
sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra
uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos
linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das
palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da
dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente
aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma
palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente
combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo
construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais
traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe
concebida do mesmo modo
Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal
marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode
(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir
indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que
poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma
classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos
Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo
as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais
domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau
geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente
dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte
boa)
Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo
adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter
importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica
natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se
tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo
excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)
Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens
linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses
conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema
linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias
Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana
(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)
Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o
conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas
como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto
adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma
52
ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para
mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem
Pode-se dizer portanto que
A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das
classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para
estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a
dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais
para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p
141)
Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo
por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo
Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por
adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua
indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer
reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis
A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se
distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo
semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna
ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em
classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de
diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon
(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de
adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um
criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto
contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao
juruna
Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees
em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo
genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para
funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um
predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de
verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem
nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a
intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo
do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)
53
Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por
Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos
estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento
Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a
despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente
pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute
satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute
a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)
tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do
mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a
accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como
bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)
―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo
estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento
subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro
paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-
pessoais
Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo
entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma
que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar
nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que
ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e
WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se
adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas
formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira
hipoacutetese enquanto outros mais da segunda
Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria
possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o
pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a
ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito
mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o
Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que
determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades
culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o
54
povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas
morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem
Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que
[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo
haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a
cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como
devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-
cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual
fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)
3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica
De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois
uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de
forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras
Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi
comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)
Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos
costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam
sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da
mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por
exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees
dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da
mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em
virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs
Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar
sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos
Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio
leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel
que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de
opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico
ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que
conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e
descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados
Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na
medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em
55
virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado
com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de
elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de
elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar
durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos
gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)
No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees
relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais
deveriam constar num verbete Nas palavras da autora
[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua
concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo
isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -
agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de
conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os
dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo
lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)
estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata
dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o
elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa
gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso
seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash
meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum
possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)
Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se
rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e
que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)
Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo
normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas
para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa
integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de
unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos
constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)
Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)
postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos
linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e
os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda
leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute
porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico
56
passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de
referenciaccedilatildeo)
Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como
substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte
enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos
traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no
segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)
Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e
portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as
preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase
em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras
Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc
todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para
elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga
semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a
que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos
Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma
periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees
menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais
―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo
(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)
Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer
sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse
sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo
aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente
nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa
subseccedilatildeo agrave parte
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos
de definiccedilatildeo
De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua
sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os
57
sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que
pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)
Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala
em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a
entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse
traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por
distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica
em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a
perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final
no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no
original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente
Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total
equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia
em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas
religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser
―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e
metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois
extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira
delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo
―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria
equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois
ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na
liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como
ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou
bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor
beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que
propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque
isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas
as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao
nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena
Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure
(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade
psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um
significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria
58
Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que
postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos
se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo
extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao
significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material
empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como
demonstrado a seguir
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico
Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado
Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa
univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com
os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma
significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em
todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja
vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns
autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo
com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um
conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma
expressatildeo
Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a
relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a
que ela se refere acaba se questionando
59
- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa
maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que
nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a
mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples
porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos
contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou
pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha
em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar
que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais
poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no
periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o
peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em
arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas
ou salamys (ABBADE 2006 718-719)
Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos
mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa
(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia
como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma
Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e
Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia
(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa
por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os
itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos
seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou
pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta
(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a
polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre
si
Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de
explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes
chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas
A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem
relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra
lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do
leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo
verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas
como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica
e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que
ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos
60
e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado
campo de significaccedilatildeo)
Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)
compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se
escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto
chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de
possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)
seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se
concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva
de um lexema)
E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato
do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos
seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a
tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados
com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa
uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas
O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas
lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar
tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais
de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas
natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos
idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas
em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem
relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que
[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente
lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema
Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a
explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio
traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse
lema principal (MATEUS 2017 P 40)
Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e
especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros
individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se
dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter
(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter
61
(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos
lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)
como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada
formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a
microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado
internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave
definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical
imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento
ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo
que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos
com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio
estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10
veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as
borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo
Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde
o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau
certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete
―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a
euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um
direcionamento
Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada
informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar
muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro
se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem
transparente qual acepccedilatildeo eacute esta
Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser
aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo
redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o
usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua
liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um
grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja
liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a
informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste
segundo caso
62
Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues
tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se
utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos
Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados
definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a
definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira
seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de
modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias
informaccedilotildees sobre determinado item
Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional
(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo
(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido
(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)
particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)
Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas
difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos
Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas
uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que
vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a
opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu
vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em
terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de
definiccedilotildees terminoloacutegicas que
[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e
dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por
exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do
paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU
2009 p 57)
Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que
haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um
lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem
como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo
Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de
definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as
―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de
63
veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento
morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de
―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o
caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)
Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes
ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um
conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre
as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum
elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele
que natildeo estaacute casadolsquo)
Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a
definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos
como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes
como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a
numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como
aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com
outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material
possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu
limpolsquo)
Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem
do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais
histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do
lema)
Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute
ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam
ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)
[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave
complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para
diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como
simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []
diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve
dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos
significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia
hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo
extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte
miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio
proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se
quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica
64
deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal
chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)
Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior
pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de
Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais
do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica
Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter
de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de
―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante
do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as
informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda
nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte
efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo
Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo
objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente
a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que
para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de
girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como
angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol
normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo
traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como
um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa
talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar
na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)
Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem
existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas
(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem
a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba
definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e
de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de
termos linguiacutesticos como morfema paradigma)
65
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia
Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a
metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da
capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de
agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e
acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso
acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e
natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a
ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-
histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso
com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos
eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-
infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo
hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e
descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos
sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo
enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica
possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por
Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica
O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre
momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de
refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo
foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras
palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas
etnocecircntricas que precisam ser superadas
Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees
e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem
caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o
―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX
teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido
na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio
mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo
Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees
cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu
66
contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos
como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser
diferenccedila
Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos
trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores
quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem
ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar
despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o
mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma
pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo
estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de
investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na
descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas
―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o
mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que
aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras
Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves
descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma
comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas
das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e
Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como
apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista
um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de
um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre
elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro
Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois
haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que
focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer
deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo
muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus
(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para
as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a
comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos
cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que
67
maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou
ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela
nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser
―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes
compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que
plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento
Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e
metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em
profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no
sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em
relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os
informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o
―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de
algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista
na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo
Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram
pensados
3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da
pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo
das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada
Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer
que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em
torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de
especialidade de outro
Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas
dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida
como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise
criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva
de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do
conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia
68
(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas
eou digitais)
Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do
que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra
sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das
afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)
[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva
diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como
tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia
regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees
possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma
perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa
dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos
que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado
restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando
com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais
no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e
sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto
especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico
com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a
palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)
E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que
estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes
explicitando em qual deles nos alocamos
Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as
vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste
trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da
Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por
traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e
afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge
Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua
dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos
Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos
estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei
Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de
facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o
estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em
definiccedilotildees
69
Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que
seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira
diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes
(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos
transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e
elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia
ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de
variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos
quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum
Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com
destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos
satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua
profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no
sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na
relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos
Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada
―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster
Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em
qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado
ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das
ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem
a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de
outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo
participariam
Em outros termos
A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva
Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo
ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se
pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia
e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis
Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes
para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo
do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-
se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou
seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas
Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute
os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um
acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um
conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos
aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era
70
portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade
Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se
e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas
diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava
aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se
fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava
isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)
Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo
pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-
especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue
doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de
acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que
etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-
todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para
esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo
especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com
outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)
Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e
normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo
pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para
nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente
por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado
do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como
quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos
especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o
sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando
Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o
tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo
homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica
Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico
[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave
comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os
defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja
para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do
termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um
conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada
povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes
realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)
71
Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a
Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas
anteriormente
Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves
consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os
significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente
(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no
uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos
linguiacutesticos)
Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais
especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou
[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das
unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no
acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados
construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes
das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas
envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)
Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)
que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais
relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-
Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a
cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos
(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos
saberes
Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por
Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)
itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo
assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica
Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal
pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos
vaacuterios povos humanos
De qualquer modo vale ressaltar que
[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades
terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee
agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a
prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se
que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos
72
universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute
2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a
Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo
agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas
naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma
liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades
terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das
palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma
liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo
terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO
DE OLIVERIA 2011 p 311)
Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo
de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um
uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos
linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou
como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um
mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu
significado
Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na
medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo
apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam
parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que
ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro
eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o
explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo
consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a
Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo
De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)
apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas
minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos
de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo
terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna
especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a
autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja
em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre
um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja
indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI
2018)
73
Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em
Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois
Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a
autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-
cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora
questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em
―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade
entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas
nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo
profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis
outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a
pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas
―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela
denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria
Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo
alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da
Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia
constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua
geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos
em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em
propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees
culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute
sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)
Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de
borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria
Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo
conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos
Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se
baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes
ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees
culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as
nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam
contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras
Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende
render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs
que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-
se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por
meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de
especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura
material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e
natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados
alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)
74
endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e
praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade
3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas
Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees
tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que
nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes
denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por
linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo
de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo
de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove
insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu
(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o
meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e
atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e
sentido (ABREU 2010 p 27)
Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora
pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar
conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso
estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno
Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos
mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados
Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da
metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente
descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e
por que Afinal
[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades
em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os
caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o
pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)
Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de
domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na
interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos
constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como
75
―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute
grande
Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar
construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer
da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria
alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de
uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na
seccedilatildeo seguinte
323 A relevacircncia da etnoentomologia
Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de
minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em
consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como
etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e
utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da
Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e
praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas
com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey
(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo
especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)
―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais
ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)
Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode
recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas
comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de
nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)
os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia
bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como
cobras)
Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como
classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos
olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam
classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas
tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)
76
Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo
como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias
rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as
agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos
ou do que para noacutes seriam paacutessaros)
Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as
mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em
comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um
paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute
extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna
alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como
―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios
utilizam para isso
Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do
outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso
Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de
espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi
totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer
informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de
determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada
Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de
ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser
encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)
Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como
se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais
algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles
viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos
animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada
por nosso informante
Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute
levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo
que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por
uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)
De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a
classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum
niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados
77
na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos
e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o
desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo
tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila
ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a
diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades
―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos
passado
Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque
tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente
por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-
ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar
religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar
os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa
proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas
tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos
outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos
Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo
com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a
anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas
que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos
ursos que tanto idolatrava
Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma
verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que
tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e
natildeo podem ser ignoradas
Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-
muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que
lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos
antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e
uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se
aniquilem
Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da
variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse
78
dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria
relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-
indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem
consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque
uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de
outro povo esteja ―errada
Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as
virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que
eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e
repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos
danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria
Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam
ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de
pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja
―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a
fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo
novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso
Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco
conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu
estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a
sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o
cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em
preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na
pesquisa e nada mais do que aquilo
Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como
investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos
de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que
esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo
―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos
como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e
tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos
com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das
cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo
79
Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas
juruna relativos aos animais aqui averiguados
Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria
sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente
redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da
―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em
uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e
vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses
e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre
estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que
pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a
salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo
Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida
Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide
sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que
comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa
informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem
de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca
para complementar a renda
Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma
colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs
como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos
tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens
morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem
esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer
transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa
por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa
coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com
poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo
―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica
quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente
acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que
estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras
80
[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito
unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo
Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos
mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de
bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que
desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os
salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde
depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite
que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu
as nossas vidas
Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas
histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras
histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os
estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma
histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria
Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como
as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000
pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras
histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante
falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com
um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou
pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna
difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que
somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos
nossos)
Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo
como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como
―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na
contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo
estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente
criticada por Skliar (1999)
Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada
o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se
detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias
aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer
diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de
mais campos do conhecimento
Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que
Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do
Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo
quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que
havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam
infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem
histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem
histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma
transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que
outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje
(BERTO 2013 p 31)
81
Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das
nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos
quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes
humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por
Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar
tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de
Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono
como consta abaixo
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga
O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo
quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com
eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo
espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como
entes familiares)
Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas
seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os
homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo
que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes
Jaacute a segunda gira em torno de que
[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois
eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute
necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser
representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se
oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo
exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para
os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as
fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e
amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)
Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer
que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da
categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de
posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie
tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e
alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo
82
chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que
dentro de si estaacute contido
Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e
personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de
vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do
povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute
a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de
uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)
Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos
seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como
objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a
possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados
passariam a englobar um conjunto ativo)
Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado
miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o
estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses
concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e
HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens
natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu
(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e
deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes
era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo
Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da
carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto
repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi
Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas
este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia
mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a
realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas
agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que
ficaram com os deuses era pereciacutevel
Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu
sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo
efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como
83
aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso
tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e
seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e
graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela
curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de
males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade
Mostrando mais um paralelo
[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do
que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram
apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-
guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem
comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo
do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida
capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)
Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes
nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba
sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma
desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da
cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na
condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de
doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)
De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos
tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial
Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo
muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos
pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas
as liacutenguas conhecidas
De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com
os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho
com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de
felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as
oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta
ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou
uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal
teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o
Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o
84
auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a
morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma
nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas
de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a
questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos
artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido
No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos
yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a
humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos
cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na
superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com
lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo
Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou
posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de
madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco
(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei
obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho
eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que
―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que
tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite
Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado
dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros
atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto
os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser
apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa
artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que
aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com
a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis
Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um
alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de
imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo
tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja
percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a
ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute
85
levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai
flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o
Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com
os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica
dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees
de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na
realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito
Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa
parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que
diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa
famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se
em questotildees positivas
Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a
algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)
―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma
das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e
roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar
recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer
como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma
raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de
desastres
De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna
de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os
seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)
em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos
imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam
sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute
mesmo espacial
Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de
uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova
assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre
renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como
primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso
andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram
novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam
errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso
ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto
um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara
86
tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam
sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado
Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo
verdadeiros vatildeo virar bichos
O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu
certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava
As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma
festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas
as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos
poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os
animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar
por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e
gritos
Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o
ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando
errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes
de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um
desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada
por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia
Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna
que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele
mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse
grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele
acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o
povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna
for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete
derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os
juruna que estatildeo na Terra
Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a
Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas
(FARGETTI 2017 p41-43 )
De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o
universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de
morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo
que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas
satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos
espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)
Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por
comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo
de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu
que se vecirc e que vecirc o outro
Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam
ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a
floresta
Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em
etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam
surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente
87
abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de
acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da
cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo
humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo
falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava
ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento
de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para
um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o
sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-
juruna)
Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a
partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro
momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas
que sofreram
Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese
tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico
por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num
perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se
verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro
Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo
dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os
seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)
houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a
partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees
exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois
Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula
saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria
fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede
segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se
encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO
1996 p 125-126)
Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma
manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos
entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a
pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com
paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute
88
mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+
humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de
intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute
preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do
discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem
instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar
com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira
anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso
humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta
traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de
olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu
que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um
outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do
assunto que representa a terceira
Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos
os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais
(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que
os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais
(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-
se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou
aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da
cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue
como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da
carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas
garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como
organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas
ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)
Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo
comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode
receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor
Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria
aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo
espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu
um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o
―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira
pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor
89
toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)
de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este
chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem
para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo
espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso
ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece
Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a
consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o
animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se
sabe isso deles
Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos
afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou
seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de
costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de
agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo
simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila
multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e
vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do
agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos
acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)
seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente
Como salienta Picelli (2016)
[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em
seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se
enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista
Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal
(PICELLI 2016 p 56)
Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto
corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas
adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se
metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel
empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano
o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este
mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com
90
Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro
(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados
natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que
[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que
muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores
que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e
da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra
dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas
vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires
e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu
proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as
coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o
que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o
que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa
cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)
Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli
(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo
poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees
entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre
natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado
possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria
Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas
ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando
superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o
que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico
demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio
ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas
uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais
Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um
tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso
uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de
generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento
ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada
povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando
criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute
distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo
injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um
91
desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro
(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos
pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer
um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando
menos discriminatoacuterios
Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a
teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um
antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em
que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad
hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo
Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria
dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um
item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que
para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras
acepccedilotildees
De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a
ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-
[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se
preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave
antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de
outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees
causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das
observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser
analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica
Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua
Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista
trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea
Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao
menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama
de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo
pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees
sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas
animais e natildeo humanas
Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho
com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira
agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os
92
humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo
por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente
quando estes falavam antigamente
A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da
possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores
mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de
intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e
almas humanas
Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os
bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou
ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos
tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo
dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de
nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente
em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de
sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos
chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um
tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave
proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo
morrido haacute certo tempo
Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria
um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando
os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais
Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos
Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de
Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos
pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da
(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa
do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)
sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e
estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades
Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute
O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma
distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente
humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo
93
a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com
a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou
como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes
seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda
menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros
seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a
classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-
57)
Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de
Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o
pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele
[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo
e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada
pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os
participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como
poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores
[]
Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar
sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os
que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro
natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo
Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim
recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem
distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute
diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)
Ou seja na oacutetica da referida linguista
[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas
Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo
tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos
distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu
dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml
(FARGETTI 2017 p 280-281)
Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave
teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute
completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo
dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus
sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os
demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos
aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre
natureza e cultura
Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em
relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de
como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos
94
trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que
pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e
sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a
comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)
Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de
perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e
inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias
ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as
correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do
que dar respostas dogmaacuteticas
De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees
entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a
explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da
sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a
presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores
as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas
Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar
fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que
satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste
trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo
exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante
De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa
Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees
posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de
―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas
Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -
borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais
pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um
exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome
(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de
olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de
95
pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia
entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)
A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio
de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro
de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio
Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-
caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash
aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -
subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)
Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes
de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por
meio de coacutepula
Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao
menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam
sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos
1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas
alteraccedilotildees corporais
2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um
adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas
3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um
estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa
ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)
Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo
deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas
agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e
descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)
De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um
aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no
abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente
das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios
satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e
abdome (como todos os demais insetos)
Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras
de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos
96
um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide
(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome
com um aparelho sexual externo
Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco
criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos
a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a
morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de
clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao
corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero
pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo
noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o
corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo
(coberto de cerdas)
Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e
passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo
produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de
Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe
(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula
(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do
ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo
(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do
sugador maxilar conhecido como espirotromba
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas no blog Agromais
97
Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas
membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar
ou correr
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)
Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e
geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo
originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo
na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees
Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo
a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a
temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo
com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie
de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))
Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas
de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida
de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de
neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de
formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o
mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a
garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem
mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito
das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas
e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e
anais)
Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da
venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de
Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de
98
homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo
eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de
ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a
subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na
segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e
posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5
nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a
subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que
uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou
fundida com a A2
Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com
escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas
sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de
baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos
Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute
famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de
borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta
MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido
dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e
como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na
medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis
Ipsilon
Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa
tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada
segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos
segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8
(MARTINELLI 2018)
Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de
Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes
ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas
esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de
pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos
Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a
classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao
99
nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os
animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas
filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo
criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos
ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um
espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa
uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade
para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois
tamanhos)
Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura
que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral
(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica
dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte
mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais
formando bandas transversais como esquematizado abaixo
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
100
Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas
fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de
ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa
Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie
(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os
ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles
forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea
Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos
ganchos
Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e
as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar
generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees
taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a
depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso
(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute
numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que
esta eacute seguida pela supra-espiracular
Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta
Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)
No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees
Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto
pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de
Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda
101
presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de
Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um
conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez
se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas
e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas
inseridas numa elevaccedilatildeo
Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos
Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)
Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
102
Foto 8 Lagarta com verrugas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos
das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos
e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)
Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido
como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte
dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um
cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira
Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou
amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas
lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos
(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na
areia uacutemida
E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO
(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da
parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO
(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e
manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO
(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul
metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou
estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que
alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia
evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta
gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos
saturniacutedeos e noctuiacutedeos
103
A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com
corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as
posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas
lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que
lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o
Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas
marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam
de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa
posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos
amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas
posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na
mandioca na seringueira no mamoeiro)
A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como
Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por
insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com
pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas
Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo
possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes
(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta
(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina
(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em
pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda
brasileiro)
E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange
normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a
Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior
envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a
Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras
leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)
105
4 METODOLOGIA
Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente
elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano
inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo
Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na
elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais
nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de
natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)
Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava
levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos
Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto
maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com
um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias
performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas
Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente
para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os
dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da
ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no
escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna
Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem
alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com
motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu
povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim
contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da
resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender
questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos
de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu
povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma
vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem
apenas Portuguecircs
Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute
triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas
Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura
106
Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original
fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde
atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de
mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em
questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas
como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas
as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros
povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)
Como afirma Fargetti (2017)
Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou
monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um
sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso
ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e
conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender
sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este
diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha
cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar
na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou
encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num
decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)
Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem
a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na
seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um
―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante
especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo
apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir
da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo
pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento
conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs
interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de
dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)
Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar
espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica
atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))
que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de
acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas
fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas
107
com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em
recipientes de vidro para conservaccedilatildeo
Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez
que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos
animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para
renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois
sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute
a Terra (FARGETTI 2015 p 102)
Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na
companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com
o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam
Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia
Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos
em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais
exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie
filo)
Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no
projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso
consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute
comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse
fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais
guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de
determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que
efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em
relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua
Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e
como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses
(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado
acima) este estudo focou-se nas formas adultas
Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em
borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos
―insetos
108
Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a
jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para
facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna
Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que
posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome
em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica
sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade
entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas
este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora
tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute
comentado
Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As
perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees
de entrevista anteriores
Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam
ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o
animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash
quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que
havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas
Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego
como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna
classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica
atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual
(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se
tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de
classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso
Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro
recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes
a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia
mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito
que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de
acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando
no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando
natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas
109
Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a
certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que
poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque
De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total
temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de
entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns
viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na
aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e
tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas
estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual
realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de
histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as
ouviam
Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa
da seguinte maneira
1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento
bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos
2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento
bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos
3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou
praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da
aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na
beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que
foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A
maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias
juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente
produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas
de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa
orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs
mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna
4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento
digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens
de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas
110
5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo
(jaacute fora de Tuba-Tuba)
6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas
iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico
7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por
arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)
8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o
exame de defesa
9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas
essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na
captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados
obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees
anteriores
110
5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os
juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo
natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia
cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar
que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees
alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo
em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar
em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados
coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de
entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e
nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica
restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja
nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas
Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador
juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um
trabalho especiacutefico descrito abaixo
Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante
uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash
num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de
um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute
hoje
Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de
Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item
veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente
num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar
Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram
a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje
Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque
tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado
agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a
histoacuteria ele sabia mais Xipaya
111
Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)
tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas
performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho
Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para
ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado
que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e
apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser
em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto
quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado
Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio
Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
112
Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo
informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar
a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam
estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no
verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo
ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a
frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento
que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)
Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos
terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto
Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia
atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se
atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o
espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses
eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo
atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de
infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba
morrendo
Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas
que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem
vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece
representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do
coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas
nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de
origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que
possuiacuteam em seus locais de origem
Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc
alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as
tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de
apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a
viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de
jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado
fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado
113
Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)
acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto
para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele
precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu
adoecimento ou na sua morte
Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti
(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud
SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada
o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)
apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem
fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse
animal antes que ele abra a boca
Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia
Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos
humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma
metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade
averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos
foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes
cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns
humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os
descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com
outros seres
Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash
ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar
este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma
aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu
mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)
Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o
especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no
ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua
dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses
questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam
assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de
agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas
114
humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu
habitat natural
Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa
para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como
operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute
Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em
seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para
Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que
podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de
mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um
inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos
nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa
protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo
representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar
(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que
descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e
transformando suas roupas coloridas em asas
115
Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada
De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando
estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando
estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos
Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo
relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a
caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna
receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas
nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam
ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna
Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas
fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos
desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco
Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees
pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O
primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo
bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num
etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia
indiacutegena pesquisada
Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora
por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os
postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e
qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores
como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens
lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como
evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos
obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles
comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas
Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias
poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos
como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da
categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish
(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que
respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)
116
Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar
apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros
De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com
Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas
sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a
4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta
haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que
abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores
chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e
compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo
abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado
inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-
boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs
elementos)
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)
Fonte Berto (2013 p 91)
Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos
dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao
menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente
impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto
(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p
96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou
seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo
juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles
117
Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo
depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto
―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados
afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de
kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade
bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon
animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes
de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis
criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto
Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas
Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes
do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso
informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais
ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas
As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos
de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como
kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e
contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa
porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes
Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que
parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos
Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que
―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o
que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito
tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar
A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo
menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de
modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo
do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-
nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item
que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte
De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de
duacutevida uma das direccedilotildees
118
Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e
termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha
revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a
ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as
partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor
de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas
das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila
Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente
Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila
Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila
Ixibia bunda delelsquo Parte posterior
Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa
Itaba boca delelsquo Boca
119
Iatildetaba antena delelsquo Antena
Iwa matildeo delelsquo Pata
Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar
Ipewa asa delelsquo Asa
Itxab barriga delelsquo abdocircmen
Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees
metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e
num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes
desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base
Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais
informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para
todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas
entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um
pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula
anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose
Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se
denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir
do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies
Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que
metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime
Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das
―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do
mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando
momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos
representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias
diferentes
Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a
necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um
dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees
120
Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos
mais de uma vez
A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do
espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia
bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico
e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo
taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave
classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute
apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e
duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar
planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de
seiva)
Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo
especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais
que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees
diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de
animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem
distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais
aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis
cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso
na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a
chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de
―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-
ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios
gerais da liacutengua
A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo
lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico
geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa
dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu
Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com
os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir
distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente
tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a
mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que
121
quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa
ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum
kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um
diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia
sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se
esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem
disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total
certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de
Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como
borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo
similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos
abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)
representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro
Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja
Fonte Palo Jr (2017)
De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos
sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo
lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)
exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)
como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna
Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da
pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria
contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da
forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns
122
idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em
siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)
Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra
que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com
que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave
fauna- jaacute havia mencionado tal fato
Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre
as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo
segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma
de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a
forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua
antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor
marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas
como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)
Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que
para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar
doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-
tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela
tornam-se improacuteprias para consumo humano
Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua
para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por
isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os
termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse
necessidade de apenas uma entrada nasusu
Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na
esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea
especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo
se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)
possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as
menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que
quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de
sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do
ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo
providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido
bicho
E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo
papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim
123
de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila
para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia
Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou
anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como
entradas autocircnomas
Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como
mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas
ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um
tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais
Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar
voar muito
Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem
que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da
Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as
mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase
adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a
horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais
seres aqui averiguados
Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte
comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o
animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo
do dia ou se haacute matizes disso
Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como
as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que
sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar
alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um
contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes
ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu
passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu
e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu
De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do
ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra
kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)
124
que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez
que natildeo tecircm forccedila para isso
Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de
tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto
as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo
trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as
segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo
Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma
questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute
muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e
natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa
obra terminograacutefica)
Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo
terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)
satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto
de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave
capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o
ceacuteu
Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos
de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas
nasusu1 (do ceacuteu) nasusu
2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos
sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila
aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha
2 (da terra)
Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como
se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave
macroestrutura se organiza alfabeticamente
Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes
com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito
didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras
sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre
parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza
gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo
enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com
notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a
125
qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente
compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos
Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com
substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados
Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais
adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna
126
NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista
juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito
pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-
falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a
sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de
―borboletas
Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos
eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos
dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam
para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta
Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos
diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum
Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria
estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna
127
Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute
incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave
comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas
utilizam nasusu para todos esses animais
128
KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido
de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)
relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma
alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em
alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu
Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua
Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento
proacuteximo
Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em
suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de
onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono
conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja
punido
129
NASUSU1
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno
desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode
retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a
maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu
Fonte Mateus (2017)
Fonte Arewara Juruna (2017)
Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar
a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois
sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente
sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um
tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a
embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas
que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua
funccedilatildeo
130
Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)
131
NASUSU2
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e
originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas
floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de
modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando
ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa
Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho
intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha
do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo
voando no ar
Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas
na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas
natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas
yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores
132
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas
antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo
transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que
mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute
por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna
essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se
metamorfosear num beija-flor
133
Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira
em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos
iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas
nesta seccedilatildeo
Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa
orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer
simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson
(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo
por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim
denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba
culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas
Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados
alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista
para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o
mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item
(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse
como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele
como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a
nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas
sim seres distintos com certo grau de parentesco
De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que
pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes
fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e
idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente
ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)
Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui
estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar
entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser
retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores
nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem
apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI
(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como
demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa
134
orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome
formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo
Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo
hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado
acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe
para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma
nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma
categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira
em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma
definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse
possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui
estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe
Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa
ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional
(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada
e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou
famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna
Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas
proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o
modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como
uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem
muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees
fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode
distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia
Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa
orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas
De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as
hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa
orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de
iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares
digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar
a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet
Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui
utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y
135
6 Consideraccedilotildees finais
Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos
juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que
seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia
como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo
da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-
aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica
Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos
diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico
Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade
haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais
analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em
contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja
como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de
minha liacutengua materna
Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER
2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se
queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si
mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas
entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que
psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as
convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o
super ego
Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e
de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus
instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave
infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais
envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que
aceitar que elas existem anteriormente a ele
Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam
completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser
(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar
marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam
inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em
136
determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia
dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia
que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma
sociedade de classes (idem ibidem))
Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um
ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos
aos quais somos submetidos
Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas
produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam
submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria
(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois
foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras
internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata
para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance
(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)
Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras
internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam
sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria
espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa
porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema
artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas
antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas
Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para
metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um
ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees
recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que
sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo
realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma
Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute
justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com
nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao
tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena
brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um
analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los
137
anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a
menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria
muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de
compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas
nos referidos animais
Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer
investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto
de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma
banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la
de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam
natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele
ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim
relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash
se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo
Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o
talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a
individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas
precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma
―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao
texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no
nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece
com os poetas ―imortais que o precederam
Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute
haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda
concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e
reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente
existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por
outro orientado por este uacuteltimo
Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente
―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui
mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas
dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de
outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo
muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a
138
destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de
dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos
assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando
Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros
estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo
de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse
povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao
menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima
complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros
Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com
estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE
CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os
juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes
natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos
tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso
De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram
dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os
referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral
Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo
relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais
Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto
nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de
formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista
juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do
animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo
um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)
Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco
entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados
para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as
kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de
mariposaslsquo)
Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto
aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte
forma
139
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria
Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados
redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo
desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses
protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos
simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo
dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles
Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente
natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram
como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia
por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba
Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores
140
REFEREcircNCIAS
ABBADE C M de S Filologia e o estudo do leacutexico In Anais do XI Simpoacutesio Nacional e I Simpoacutesio
Internacional de Letras e Linguumliacutestica (XI SILEL) Universidade Federal de Uberlacircndia 2006 p 716-
721
ABREU A S Gramaacutetica miacutenima para o domiacutenio da liacutengua padratildeo Cotia Ateliecirc Editorial 2003
______ Linguiacutestica cognitiva uma visatildeo geral e aplicada Cotia Ateliecirc Editorial 2010 119 p
______ A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo Cotia Ateliecirc 2009
ABREU D B de O et als Classificaccedilatildeo etnobotacircnica por uma comunidade rural em um brejo de
altitude no nordeste do Brasil Biofar Volume 06 ndash Nuacutemero 01 ndash 2011 p 55-74
ADICHIE C N 2009 O perigo de Histoacuterias Uacutenicas Disponiacutevel em
ltchimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_storytranscriptlanguage=ptgt Acesso em 03 de
Fev 2018
ALMEIDA G M de B A Teoria Comunicativa da Terminologia e sua praacutetica Alfa Satildeo Paulo 50
(2) 85-101 2006
ALMEIDA LM RIBEIRO-COSTA CS MARINONI L Manual de Coleta Conservaccedilatildeo
Montagem e Identificaccedilatildeo de Insetos Ribeiratildeo Preto Holos 1998 78p
ALVES I M Neologismos A criaccedilatildeo lexical Satildeo Paulo Aacutetica 1990
APARELHO mastigador de insetos Blog Agromais Disponiacutevel em
lthttpagromaisblogspotcom2016entomologia-anatomia-externa-dos_30htmlm=1gt Acesso em
10 de Fev de 2018
BARBOSA L M de A O conceito de lexicultura e suas implicaccedilotildees para o ensino-aprendizagem de
portuguecircs liacutengua estrangeira Filol linguiacutest port n 10-11 p 31-41 20082009
BARCELOS NETO A Apapaatai Rituais de Maacutescaras no Alto Xingu Seacuterie Antropologia1 Satildeo
Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Fapesp 2008 328 p
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral II trad
Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BERTO F de F Nomes de aves em Juruna estudo lexicoloacutegico Monografia (conclusatildeo de curso)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2010
______ Kania ipewapewa estudo do leacutexico juruna sobre a avifauna Dissertaccedilatildeo (mestrado)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2013p 53-56
BERTRAND D Caminhos da semioacutetica literaacuteria Trad Grupo CASA Baruru SP EDUSC 2003
BIDERMAN M T C Glossaacuterio Alfa Satildeo Paulo vol 28 (supl) n 42 p 135-144 1984
______ O vocabulaacuterio fundamental no ensino do Portuguecircs como segunda liacutengua In SILVEIRA R
C P da Portuguecircs Liacutengua Estrangeira perspectivas Satildeo Paulo Cortez 1998 p 73-91
141
BLIKSTEIN I Kaspar Hauser ou a fabricaccedilatildeo da realidade Satildeo Paulo Cultrix 2003
BORGES I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba n ordm 9 (1982) p 105-123
BORROR D J amp DELONG D M Introduccedilatildeo ao estudo dos insetos Satildeo Paulo Editora Edgard
Buchter Ltda 1ordf Reimpressatildeo 1988
CABREacute MT La Terminologia Representacioacuten y comunicacioacuten Elementos para uma teoria de base
comunicativa y otros artiacuteculos Barcelona Institut Universitari de Linguiacutestica aplicada 1999
CAGLIARI L C (1981) Elementos de Foneacutetica do Portuguecircs Brasileiro Satildeo Paulo Paulistana
2007
______ Fonologia do Portuguecircs - Anaacutelise pela Geometria de Traccedilos Campinas ediccedilatildeo do autor
1997 p 7-67
CAcircMARA A L A oraccedilatildeo subordinada adjetiva na produccedilatildeo de sentidos no texto a perspectiva dos
livros didaacuteticos de liacutengua portuguesa do Ensino Meacutedio Filologia Linguiacutestica Portuguesa Satildeo Paulo
v 18 n 2 p 319-355 agodez 2016
CAMPOS M D SULear x NORTear representaccedilotildees e apropriaccedilotildees do espaccedilo entre emoccedilatildeo
empiria e ideologia Seacuterie documenta v 6 n8 Rio de Janeiro EICOSCaacutetedra UNESCO 1999
CAVALCANTE DE SOUZA J (Org)Os pensadores preacute-socraacuteticos Satildeo Paulo Editora Nova
Cultural 1996
CHAUI M Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da Filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles vol I 2a ed 10 a
reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002
CORBERA MORI A H Estudos das liacutenguas indiacutegenas no Brasil In DEL REacute A et al (Orgs)
Estudos linguiacutesticos contemporacircneos diferentes olhares Seacuterie Trilhas Linguiacutesticas ndash 23 Satildeo Paulo
Cultura Acadecircmica 2013 p 97-114
COSTA C IDE S amp SIMONKA C E Insetos imaturos metamorfoses e identificaccedilatildeo Holos
Editora Ribeiratildeo Preto 2006 249 p
COSTA NETO E M A Etnozoologia no Brasil um panorama biograacutefico Bioikos PUC-Campinas
14 (2) 2000 p 31-45
______ Estudos etnoentomoloacutegicos no estado da Bahia Brasil uma homenagem aos 50 anos do
campo de pesquisa Bioternas 17 (1) 2004 p 117-149
FARACO C A Estrangeirismos ndash guerras em torno da liacutengua Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2001
FARGETTI C M 1992 Anaacutelise fonoloacutegica da liacutengua Juruna Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Campinas
SP UNICAMP
______ FARGETTI Cristina M Verbos estativos em juruna In Seminaacuterio do GEL 2003 Satildeo Paulo
Estudos Linguumliacutesticos XXXII Satildeo Paulo USP 2002 Disponiacutevel em
lthttpwwwgelorgbrestudoslinguisticosvolumes32htmcomunicaci057htmgt Acesso em 28 de
novembro de 2014
______ 2007 Estudo Fonoloacutegico e Morfossintaacutetico da Liacutengua Juruna Muenchen Alemanha
Lincom Europa 320 p
142
______ Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas e questotildees de prosoacutedia In ______ (Org) Abordagens
sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas Curt Nimuendajuacute 2012 p 67- 82
______ Qual pode ser o alcance de uma metaacutefora Revista Brasileira de Linguiacutestica Antropoloacutegica
Volume 7 Nuacutemero 1 Julho de 2015 p 101-111
______ Fala de gente fala de bicho cantigas de ninar do povo juruna Satildeo Paulo Ediccedilotildees Sesc
2017a
______ Constelaccedilotildees juruna In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017b
______ Estuacutedios del leacutexico de lenguas indiacutegenas iquestTerminologiacutea In Manuel Gonzaacutelez
Gonzaacutelez Maria-Dolores Saacutenchez-Palomno Inecircs Veiga Mateos (Org) Terminoloxiacutea a necesidade
da colaboracioacuten 1 ed Madrid Vervuert 2018 v 1 p 343-368
FARGETTI C M MIRANDA T G Plurilinguismo a diversidade que natildeo eacute abordada nos livros
didaacuteticos Revista Letras Raras vol 5 Ano 5 ndeg 3 2016 p 79-88
FARGETTI C M RODRIGUES C L Termos para partes do corpo em Juruna e Xipaya um
estudo comparativo In SALES Germana Maria A FURTADO Marliacute Tereza (org) Linguagem e
Identidade Cultural 1ed Joatildeo Pessoa Ideacuteia 2009 p 237-246
FARGETTI C M VANETI L L Poliacuteticas linguiacutesticas na miacutedia Revista Letras Raras vol 5 Ano
5 ndeg 3 2016 p 9-24
FAUSTO C Donos Demais maestria e Domiacutenio na Amazocircnia MANA 14 (2) 329-366 2008
FERNANDES D C O campo lexical da cosmologia em dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara UNESP 2015
FERNANDES D MATEUS I D VANETI L L amp FARGETTI C M Pesquisas lexicais de
liacutenguas indiacutegenas propostas metodoloacutegicas In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa
no Brasil 1 ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 85-100
FIORIN J L O projeto semioloacutegico In FIORIN J L FLORES V do N amp BARBISAN L B
Saussure a invenccedilatildeo da linguumliacutestica Satildeo Paulo Contexto 2013 p 99-112
GALISSON R (1987) Acceacuteder agrave la culture partageacutee par llsquoentremise des mots agrave CCP Eacutetudes de
Linguistique Apliqueacutee 67 p 109-151
GAMBINI R O espelho iacutendio os jesuiacutetas e a destruiccedilatildeo da alma indiacutegena Rio de Janeiro Espaccedilo e
Tempo 1988
GAUDIN F La socioterminologie In Langages n157 ano 39 La terminologie nature et enjeux p
80-92 2005
GOLDMAN M Cosmopoliacutetica e Saberes Afroindiacutegenas Antinotepistemologias do respeito e Contra
Ontologias da Mistura Palestra ministrada na FCLAr ago 2017
GONCcedilALVES S C L SOUSA G C de amp CASSEB-GALVAtildeO V C As construccedilotildees
subordinadas substantivas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs
143
culto falado Vol II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp
2008 p 1021-1075
GUIMARAtildeES ROCHA E P O que eacute etnocentrismo Coleccedilatildeo Primeiros Passos Satildeo Paulo Editora
Brasiliense 1984
HESIacuteODO Os trabalhos e os dias Ediccedilatildeo traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas Alessandro Rolim de Moura
- Curitiba PR Segesta 2012 152 p
HJELMSLEV L Prolegocircmenos a uma teoria da linguagem Trad J Teixeira Coelho Netto 2 ed
Satildeo Paulo Perspectiva 2003
ISQUERDO A N Vocabulaacuterio do seringueiro campo leacutexico da seringa In OLIVEIRA Ana Maria
Pires Pinto de ISQUERDO Aparecida Negri (Orgs) As ciecircncias do leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2 ed Campo Grande MS Ed UFMS 2001 p91-100
JAKOBSON R Linguiacutestica e poeacutetica In Linguiacutestica e Comunicaccedilatildeo Satildeo Paulo Cultrix 1995 118-
162
KRIEGER M da G amp FINATTO M J B Introduccedilatildeo agrave Terminologia teoria e praacutetica Satildeo Paulo
Contexto 2004
LARA L F et als Lexicografia espantildeola In Medina Guerra A M (Org) Madrid Ariel 2003
LAKOFF G Women fire and dangerous things What categories reveal about the mindChicago
University ofChicago Press 1987
LARROSA J amp PEacuteREZ DE LARA N Imagens do outro Petroacutepolis Editora Vozes 1998
LIMA T S Para uma teoria etnograacutefica da distinccedilatildeo natureza e cultura na cosmologia juruna RBCS
Vol 14 no 40 junho99 p 43-52
MACIEL DE CARVALHO M C Anaacutelise metalexicograacutefica do dicionaacuterio da liacutengua Baniwa
In FARGETTI C M (Org) Abordagens sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas SP
Editora Curt Nimuendajuacute 2012 p 353-366
MARTINS S de C amp ZAVAGLIA C As cores da fauna e da flora um dicionaacuterio especial composto
por cromocircnimos ESTUDOS LINGUIacuteSTICOS Satildeo Paulo 42 (1) p 245-256 jan-abr 2013
MATEUS I D Entre concertos e desconcertos Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras em
(des)compasso com o campo lexical da muacutesica Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade
Estadual Paulista 2017
MINER H Ritos corporais entre os Nacirema In ROONEY AK amp VORE PL (Orgs) YOU AND
THE OTHERS - Readings in Introductor y Anthropology Cambridge Erlich 1976
MONDINI J N Yudja utaha a culinaacuteria juruna no Parque Indiacutegena Xingu ndash uma contribuiccedilatildeo ao
dicionaacuterio biliacutengue juruna-portuguecircs Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Araraquara Universidade Estadual
Paulista 2014
MOSCARDINI L E Recursos de textos de alunos e professores da escola juruna anaacutelise para uma
contribuiccedilatildeo ao ensino Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade Estadual Paulista 2011
144
MOSCARDINI L E amp FARGETTI C M O uso do dicionaacuterio nas abordagens de leitura e escrita
em portuguecircs na escola juruna In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa no Brasil 1
ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 143-151
MOTTA C da S Noccedilotildees gerais sobre insetos borboletas e mariposas (Lepidoacuteptera) Manaus INPA
1996
MOURA NEVES M H de Substantivos Adjetivos oraccedilotildees adjetivas Processos de predicaccedilatildeo e
referenciaccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jun 2018 Aulas ministradas
aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Gramaacutetica do Portuguecircs
MOURA NEVES M H de BRAGA M L ampDALL‟AGLIO-HATTNHER M M As construccedilotildees
hipotaacuteticas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs culto falado Vol
II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp 2008
MOURAtildeO JS NORDI N (2002) Principais criteacuterios utilizados por pescadores artesanais na
taxonomia Folk dos peixes do Estuaacuterio do Rio Mamanguape Paraiacuteba ndash Brasil Interciecircncia 27 (11) 1-
6
______ Comparaccedilotildees entre as taxonomias folk e cientiacutefica para peixes do estuaacuterio do Rio
Mamanguape Paraiacuteba-Brasil Interciencia vol 27 nuacutem 12 diciembre 2002b pp 664-668
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA C de A A Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar - jun 2018
Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA Cde A A Tradiccedilatildeo lexicograacutefica portuguesa Bluteau Morais e Vieira In Oliveira
A M P P de amp Isquerdo A N (Orgs) As Ciecircncias do Leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2ed Campo Grande UFMS 2001 p 153-170
______ Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees
sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar -
jun 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e
Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
NADIN O Breve panorama histoacuterico da Lexicografia Pedagoacutegica histoacuteria definiccedilatildeo e conceitos
Dicionaacuterios Pedagoacutegicos estruturas funccedilotildees e liacutenguas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp
Araraquara SP Mar a mai 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e alunos especiais
matriculados na disciplina ―Lexicografia Pedagoacutegica
OGDEN C K amp RICHARDS I A O significado de significado um estudo da influecircncia da
linguagem sobre o pensamento e sobre a ciecircncia do simbolismo Satildeo Paulo Zahar 1972
145
OLIVEIRA A E Os Iacutendios Juruna do Alto Xingu Satildeo Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia ndash
USP 1970
PALO JR H (Org e Edit) Borboletas do Brasil Satildeo Carlos Vento Verde Editora
PEIXOTTO M Os ldquodairdquo e a alteridade juruna (Monografia de Conclusatildeo de Curso em Ciecircncias
Sociais) Satildeo Carlos UFSCAR 2013
PEREIRA A H Terminologia do Direito do Consumidor Anaacutelise das motivaccedilotildees da variaccedilatildeo
terminoloacutegica Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa) Universidade Estadual
Paulista Juacutelio de Mesquita Filho Faculdade de Ciecircncias e Letras Araraquara 2018 108 f
PETIZA S et als Amazocircnia Rev Antropol (Online) 5 (3) Especial 708-732 2013
PICELLI P O perspectivismo de Viveiros de Castro proposta de uma nova antropologia Revista
Alteridade ndash Montes ClarosMG v 2 n 1 p53-63 maio2016
PIEDADE A T de C A Etnografia da Muacutesica segundo Anthony Seeger clareza epistemoloacutegica e
integraccedilatildeo das perspectivas musicoloacutegicas Cadernos de campo Satildeo Paulo n 17 2008 p 233-235
PIKE KL Language in relation to a unified theory of the structure of human behavior Hague
Mouton 1966
______ (1971) Phonemics a technique for reducing languages to writing Ann Arbor The
University of Michigan Press(1ordf ed 1947)
POLITO A M amp SILVA FILHO O L A Filosofia da Natureza dos preacute-socraacuteticos In Cad Bras
Ens Fiacutes v 30 n 2 p 323-361 ago 2013
PORTO-DAPENA D Manual de Teacutecnica Lexicograacutefica Madrid Arcolibros SI 2002
RAFAEL J A (ed) Insetos no Brasil diversidade e taxonomia Ribeiratildeo Preto Holos Editora 2012
REY-DEBOVE J Leacutexico e dicionaacuterio Trad de Cloacutevis Barleta de Morais Alfa Satildeo Paulo 28(supl)45-69 1984 ROSENFELD A O fenocircmeno teatral In ______ TextoContexto Satildeo Paulo Perspectiva 1969 p 19-41
SAacuteEZ O C Do perspectivismo ameriacutendio ao iacutendio real Campos 13(2)7-23 2011
SANDMAN A J Morfologia geral 2 ed Satildeo Paulo Contexto 1993
SANTAELLA L O que eacute semioacutetica 3 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1983
SAPIR E (2004) Language an introduction to the study of speech New York Harcourt Brace
SAPIR E MANDELBAUM D HYMES D (ed) (1985) Selected writings in language culture and
personality Berkeley University of California Press
SAUSSURE F de Curso de Linguiacutestica Geral Traduccedilatildeo de Antocircnio Chelini Joseacute Paulo Paes e
Izidoro Blikstein 34a ed Satildeo Paulo Cultrix 2012
146
SEKI L A Linguumliacutestica indiacutegena no brasil Delta vol 15 nordm especial 1999
______ Liacutenguas indiacutegenas do Brasil no limiar do seacuteculo xxi Revista Impulso v 1 nordm 27 Piracicaba
2000 p 233-256
SILVA D Anaacutelise do trabalho ―O leacutexico da liacutengua Terena proposta do dicionaacuterio infantilbiliacutengue
Terena-Portuguecircs Educaccedilatildeo escolar indiacutegena na Reserva Indiacutegena Cachoeirinha MirandaMS In
______ Estudo lexicograacutefico da liacutengua Terena proposta de um dicionaacuterio biliacutenguumle Terena-Portuguecircs
Araraquara Unesp (Tese de doutorado) 2013 p 29-45 Disponiacutevel em
lthttpswwwgooglecombrurlsa=tamprct=jampq=ampesrc=sampsource=webampcd=1ampcad=rjaampuact=8ampved
=0CB0QFjAAampurl=http3A2F2Facervodigitalunespbr2Fhandle2Funesp2F1681353Flo
cale3Dpt_BRampei=wq3YVIm4GYzfsATbkYGQAQampusg=AFQjCNGBSrPelXVvb3tSQNK6Y5S_D
Up0JQampsig2=p8NjA0-PfBruUomIw0A0-wgt Acesso em 18 dez 2014
SILVA M C P da Lexicografia biliacutenguumle uma verificaccedilatildeo dos substantivos mais frequumlentes em
dicionaacuterios biliacutenguumles francecircs-portuguecircs e portuguecircs-francecircs In LONGO B N de O amp SILVA B C
da (org) A construccedilatildeo de dicionaacuterios e de bases de conhecimento lexical Satildeo Paulo Cultura
Acadecircmica Editora 2006
SILVA O L da Das ciecircncias do leacutexico ao leacutexico nas ciecircncias uma proposta de dicionaacuterio
portuguecircs-espanhol de Economia Monetaacuteria Odair Luiz da Silva -- Araraquara [sn] 2008 334 f
SILVA R de S P T A importacircncia do estudo lexicultural no ensino meacutedio Anais do SIELP Volume
2 Nuacutemero 1 Uberlacircndia EDUFU 2012
SKLIAR C A invenccedilatildeo da alteridade ―deficiente a partir dos significados de normalidade In
Educaccedilatildeo amp Realidade 24 (1) jul-dez 1999 p15-32
STHER F W Immature insects vol II II Kendall amp Humt Dubique (USA) 1987 1620 p
TEMMERMAN R Towards new ways of Terminology description the socicognitive approach
AmsterdamPhiladelphia J Benjamins Pub Co 2000
VANETI L L Banco de dados com termos de parentesco Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara
Universidade Estadual Paulista 2017
VERNANT JP O universo os deuses os homens Trad Rosa Freire dlsquoAguiar Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2000 p 59-77
VICTOR E LEO Borboletas Satildeo Paulo Columbia 2008 1 viacutedeo digital on line mp4 (3min 19
seg) Disponiacutevel em
lthttpswwwbingcomvideossearchq=victor+e+leo+borboletasampview=detailampmid=7944F8E90A2
D6F5C5AEE7944F8E90A2D6F5C5AEEampFORM=VIRE gt Acesso em 02 Ago 2018
VILLALVA A amp SILVESTRE J P Introduccedilatildeo ao estudo do leacutexico descriccedilatildeo e anaacutelise do
Portuguecircs Rio de Janeiro Editora Vozes 2014
VILELA M Estruturas leacutexicas do portuguecircs Coimbra Livraria Almedina 1997
VIVEIROS DE CASTRO E Os pronomes cosmoloacutegicos e o perspectivismo ameriacutendio Mana
2(2)115-144 1996
VOIGT J K Iacutendios miacutedia e questotildees de representaccedilatildeo Revista Adveacuterbio 2015 v10 N 20 p 35-
44
147
XATARA C BEVILACQUA C R amp HUMBLEacute P R M (Orgs) Dicionaacuterios na teoria e na
praacutetica como e para quem satildeo feitos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2011
WEINRICH U LABOV W amp HERZOG MI Fundamentos empiacutericos para uma teoria da mudanccedila
linguumliacutestica Traduccedilatildeo BAGNO M Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2006 p 87-126
WELKER H A Dicionaacuterios uma pequena introduccedilatildeo agrave lexicografia 2 ed revista Brasiacutelia
Thesaurus 2004 p 106-248
WHORF B (1956) Language thought and reality selected writings of Benjamin Lee Whorf
Cambridge MIT
ZAVAGLIA C A homoniacutemia no Portuguecircs Tratamento semacircntico segundo a estrutura Qualia de
Pustejovsky com vistas a implementaccedilotildees computacionais Alfa Satildeo Paulo 47 (2) 77-99 2003
BIBLIOGRAFIA
ACAacuteCIO M S J A questatildeo da universalidade na distinccedilatildeo da classe de palavras nomes Ribanceira
ndash Revista do Curso de Letras da UEPA Beleacutem Vol 1 n 1Jul-Dez2013 p 6-22
AMORIM DS Fundamentos de sistemaacutetica filogeneacutetica Holos Editora Ribeiratildeo Preto 2002 136p
BARBOSA M A Para uma etno-terminologia recortes epistemoloacutegicos Ciecircncia e Cultura
nordm 58 (2) p 48-51 2006
BARROS D L P de Teoria semioacutetica do texto 5 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2011
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral
II trad Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BIDERMAN M T C Conceito linguiacutestico de palavra In Palavra Rio de Janeiro Grypho 1999
______ Aureacutelio Sinocircnimo de dicionaacuterio Alfa Satildeo Paulo 44 27-55 2000 BOSQUE I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba 9 1982 p 105-123
CABREacute M T Terminologia em foco uma entrevista comentada com Maria Teresa Cabreacute [Entrevista cedida a] SANTIAGO M S amp KRIEGER M da G Calidoscoacutepio Vol 11 n 3 p 328-
332 Unisinos setdez 2013
CORBERA MORI A A classe adjetivos em Aguaruna (Jiacutevaro) In PADILLA J A S amp DEacuteNIZ M
T Actas del XI Congreso Internacional de la Asociacioacuten de Linguumliacutestica y Filologiacutea de la Ameacuterica
Latina jul 1996 p 1771-1777
COSTA D S da Classes de palavras Flexatildeo Nominal Flexatildeo Verbal Faculdade de Ciecircncias e
Letras ndash Unesp Araraquara SP Mar a jun 2017 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e
alunos especiais matriculados na disciplina ―Morfologia do Portuguecircs
DlsquoOLNE CAMPOS M amp FAULHABER P Caminhos do sol e orientaccedilatildeo espacial em sociedades
indiacutegenas tropicais In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias etnograacuteficas
desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea cultural cosmo-
poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
148
GOacuteRGIAS Elogio agrave Helena Trad De Antocircnio Suaacuterez Abreu [s data]
FERRARI L Categorizaccedilatildeo In ______ Introduccedilatildeo agrave Linguiacutestica Cognitiva Satildeo Paulo Contexto
2011
ILHERING R V Dicionaacuterio dos animais do Brasil Rio de Janeiro DIFEL 2002 588 p
JORGE DE MELO D amp FAULHABER P Embate entre ciecircncia e religiatildeo a lua as religiotildees afro-
brasileiras e a missatildeo Apollo 11 In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
LAPLANTINE F Aprender antropologia Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2003
LENKO K PAPAVERO N Insetos no folclore 2 ed Satildeo Paulo Plecirciade FAPESP 1996
MACHADO ESTEVAM A Expressando conceitos de qualidade em Xavante adjetivos ou verbos
Revista Moara ndash Ediccedilatildeo 43 vol 2 ndash jul - dez 2015 Estudos Linguiacutesticos
MELO DE OLIVEIRA T Terminologia metaacutefora e outros fenocircmenos que desafiam o princiacutepio da
univocidade anaacutelise qualitativa de unidades terminoloacutegicas Cadernos do IL Porto Alegre nordm 42
junho de 2011 p 311-312 Disponiacutevel em lthttpwwwseerufrgsbrcadernosdoilgt Acesso em 07
Mai 2018
MOLINA GARCIacuteA La lexicografiacutea pedagoacutegica La lexicografiacutea biliacutengue En Fraseologiacutea biliacutengue
un enfoque lexicograacutefico-pedagoacutegico Granada Comares 2006 p 9-84
NADIN O L amp ZAVAGLIA C Temos a palavra In ______ (Orgs) Estudos do leacutexico em
contextos biliacutengues Campinas Mercado das Letras 2016 p 7-13
PERINI et al Sobre a classificaccedilatildeo das palavras In Delta Vol 14 Satildeo Paulo 1998 Disponiacutevel em
lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010244501998000300014gtAcesso em 03
de jun de 2017
SALVADOR E L A Greacutecia antiga Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jan-
jul 2013 Aulas ministradas aos graduandos do turno diurno matriculados na disciplina ―Literatura
Grega I
VIVEIROS DE CASTRO E Perspectivismo e multinaturalismo na Ameacuterica indiacutegena p 225-254 O
que nos faz pensar nordm 18 setembro de 2004
VOGLER C A jornada do escritor estruturas miacuteticas para escritores 2 ed Rio de Janeiro Nova
Fronteira 2006
WEINRICH H A verdade dos dicionaacuterios p 314-337 Trad e introd de Maacuterio Vilela Rio de
Janeiro Compainha das Letras 1979
WELKER H A Sobre o uso de dicionaacuterios por aprendizes de liacutenguas Panorama Geral da
Lexicografia Pedagoacutegica Brasiacutelia Thesaurus 2008 p 13-114
149
150
APEcircNDICES
151
Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna
Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo
juruna
1
kamaperuperu
2
Nasusu do ceacuteu
3
Nasusu do ceacuteu
152
4
Nasusu do ceacuteu
5
Nasusu do ceacuteu
6 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
153
6 b (asas
fechadas)
7
Nasusu do ceacuteu
8
Nasusu do ceacuteu
154
9
Nasusu do ceacuteu
10
Nasusu do ceacuteu
11
Nasusu do ceacuteu
155
12 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
12 b (asas
fechadas)
13 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
13 b (vista
lateral)
156
14
Nasusu do ceacuteu
15
Nasusu do ceacuteu
16 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
157
16 b (asas
abertas)
17 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
17 b (vista
lateral)
18 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
158
18 b (asas
abertas)
19
Nasusu do ceacuteu
20
Nasusu do ceacuteu
159
21
Nasusu do ceacuteu
22
Nasusu do ceacuteu
23
Nasusu do ceacuteu
160
24 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
24 b (asas
abertas)
25
Nasusu do ceacuteu
26
Nasusu do ceacuteu
161
27
yahaha da
Terra
28
Nasusu do ceacuteu
29 (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
162
29 (vista
lateral)
30
Nasusu do ceacuteu
31
yahaha da
Terra
163
32
Nasusu do ceacuteu
33
Nasusu do ceacuteu
34
Nasusu do ceacuteu
35 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
164
35 b (asa
aberta)
36 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
36 b (asa
aberta)
165
37
Nasusu do ceacuteu
38
Nasusu do ceacuteu
39
Nasusu do ceacuteu
40
Nasusu do ceacuteu
166
41
yahaha da
terra
42 a (vista
lateral)
Nasusu da
Terra
42 b (asa
aberta)
43
kamaperuperu
167
44 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
45 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
46 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu da
Terra
168
47 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
48 a
(Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
asa aberta
Nasusu do ceacuteu
48 b (Foto
de Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
vista
lateral
169
49 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
50 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
51
Nasusu do ceacuteu
170
52 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
533 (vista
lateral)
54
Nasusu do ceacuteu
171
55
Nasusu da
Terra
56
Nasusu do ceacuteu
57
Nasusu do ceacuteu
58
Nasusu do ceacuteu
172
59
Nasusu do ceacuteu
60
Nasusu do ceacuteu
61
Nasusu da
Terra
62
Nasusu do ceacuteu
63 (foto de
Cristina
Martins
Fargetti)
yahaha do ceacuteu
173
64
nasusu do ceacuteu
65
nasusu do ceacuteu
66
nasusu do ceacuteu
67
nasusu da
Terra
174
68
nasusu da
Terra
69
nasusu da
Terra
70
nasusu do ceacuteu
175
71
nasusu da
Terra
72
nasusu do ceacuteu
73
yahaha (o
informante
natildeo soube
dizer se era do
ceacuteu ou da
terra)
176
74 (foto de
Arewana
Juruna)
nasusu do ceacuteu
75
kamaperuperu
76
nasusu da
Terra
77
nasusu (o
informante
natildeo soube
dizer se era da
Terra ou do
ceacuteu)
177
78 a (visatildeo
da parte
exterior
da asa)
nasusu do ceacuteu
78 b (asas
abertas)
79
nasusu da
Terra
80
yahaha fraca
(da terra)
178
81
nasusu do ceacuteu
82
nasusu da
Terra
83
nasusu da
Terra
84
Nasusu do ceacuteu
179
85
nasusu do ceacuteu
86 a(asas
abertas)
kamaperuperu
86 b (asas
fechadas)
180
87
nasusu do ceacuteu
IAGO DAVID MATEUS
ENTRE O CEacuteU E A TERRA HAacute MAIS COISAS DO
QUE SONHA NOSSA VAtilde PERSPECTIVA UM
VOcircO PANORAcircMICO (COM E) PELAS
bdquoBORBOLETAS‟ JURUNA Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Conselho
Departamento Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Faculdade de
Ciecircncias e Letras ndash UnespAraraquara como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Linguiacutestica
e Liacutengua Portuguesa Exemplar apresentado para exame de defesa
Linha de pesquisa Estudos do Leacutexico
Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Bolsa Capes - DS
Data da defesaentrega 23042019
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientadora Profa Dra Cristina Martins Fargetti
Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Membro Titular Prof Dr Odair Luiz Nadin da Silva
Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Membro Titular Prof Dr Mateus Cruz Maciel Carvalho
Instituto Federal de Satildeo Paulo ndash Campus Salto
Local Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciecircncias e Letras
UNESP ndash Campus de Araraquara
AGRADECIMENTOS
Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou
indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho
Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar
algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de
antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria
Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia
de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs
mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas
realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio
Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash
Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela
concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que
pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao
CNPq
Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em
contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave
pesquisa
Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash
junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa
solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por
este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me
presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um
sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar
me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos
para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as
mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees
A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que
fizeram parte da pesquisa
Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson
Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de
Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a
quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e
acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e
Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli
que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-
graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia
entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros
A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica
Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva
Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou
eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e
afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis
pelos conselhos momentos de alegria desabafos
A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr
Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova
monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha
com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave
minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra
tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me
oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar
no qual desmaiar
Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante
aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-
conhecimento
E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as
quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia
Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me
fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a
Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja
menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)
devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui
tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os
ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo
[]
Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual
Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu
Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu
Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)
RESUMO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de
mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees
terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente
porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos
miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por
noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses
―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar
estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de
Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)
Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade
entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na
Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como
Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-
tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico
cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses
espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar
neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba
(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente
programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que
foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna
(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-
las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade
com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees
enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e
revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online
Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas
REacuteSUMEacute
Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet
de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des
contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons
Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles
linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui
concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure
maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue
JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave
leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de
Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de
ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous
basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches
dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle
de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-
culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans
les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre
consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les
modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80
dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne
nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes
momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen
dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents
photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les
histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions
encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront
deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba
ou lors de reacuteunions en ligne
Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo
ocidental
139
LISTA DE DESENHOS
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28
Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28
Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29
Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101
Foto 8 Lagarta com verrugas 102
Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-
onccedila
118
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara
FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras
TCT Teoria Comunicativa da Terminologia
TE Terminologia Etnograacutefica
TGT Teoria Geral da Terminologia
Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Sumaacuterio
1Introduccedilatildeo 14
2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas
autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18
22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de
liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua
relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24
24 Sobre os juruna 25
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30
26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31
3 Aporte teoacuterico 39
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo
empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por
dada comunidade 39
31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o
leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65
321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
67
3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74
3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o
enxerga 81
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94
4 Metodologia 105
5 Resultados e Discussatildeo 110
6 Consideraccedilotildees finais 135
Referecircncias 140
Bibliografia 147
Apecircndices 150
Apecircndice A 151
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas
durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para
contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos
objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos
saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como
borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar
A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as
lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo
geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam
em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de
maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo
dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos
autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees
ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de
seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o
que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs
Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo
que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por
nossa orientadora
Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no
levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados
formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes
na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato
Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os
quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos
para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da
Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas
brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os
conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia
Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este
conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem
15
sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-
indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)
discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas
juruna poderiam ser lematizadas
Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura
desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo
embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2
Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia
de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo
para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)
Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos
pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre
avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas
brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees
diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim
falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os
singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma
Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na
aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff
e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes
da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o
estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais
signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos
―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato
com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava
Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem
antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo
aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias
saussurianas apenas em partes
Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das
mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo
norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua
16
diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de
uma obra lexicograacutefica)
Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)
sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos
tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias
atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e
Lima (1996)
Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as
etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a
epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais
Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas
utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as
nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais
aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como
demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4
18
2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS
QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS
Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver
precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando
sua relevacircncia
Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de
justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e
documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as
indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os
insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros
Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo
muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo
passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada
inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como
mero fornecedor de informaccedilotildees
Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio
na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos
falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle
Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam
uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees
indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes
fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral
costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele
ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes
como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um
personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado
―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo
omitidas
Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando
Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das
19
variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou
classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como
se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)
Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que
Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos
desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo
escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados
a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por
preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista
desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo
(MOSCARDINI 2011 p 7)
Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que
se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees
pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos
cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas
linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais
por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-
indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de
Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e
obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter
negativamente ―diaboacutelico
Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com
relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico
―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses
se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o
referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma
―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o
―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade
Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que
Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi
exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem
do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na
psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria
do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em
gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave
marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se
como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se
deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a
20
partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua
sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um
passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel
ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem
primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam
muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se
atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)
Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute
patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito
anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica
de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento
segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam
nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de
antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como
uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel
―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu
problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente
atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior
Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute
comentavam que
A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a
reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais
satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila
nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal
nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade
(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)
Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e
infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem
o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de
uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em
aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998
p 18)
21
2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas
indiacutegenas brasileiras
De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios
como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na
subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo
desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na
deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os
idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com
respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores
(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos
palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas
Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a
descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso
no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de
campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas
alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal
projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo
Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos
lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de
Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que
contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo
metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo
aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos
Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)
Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes
Vaneti Mateus e Fargetti (2018)
A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma
documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo
semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os
resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a
consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas
Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens
22
juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que
foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel
Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de
cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as
informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)
Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e
comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para
aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora
concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos
cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves
encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre
os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de
partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados
por um ou mais radicais (BERTO 2013)
Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo
participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico
juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou
com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e
equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees
morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas
Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais
recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o
desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por
vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas
buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco
musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas
iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de
pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias
Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por
Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos
yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-
gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo
semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios
23
lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras
se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas
sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade
linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou
demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas
aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete
Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia
de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas
indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia
utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)
pretendia
[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees
possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os
lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de
determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017
p 5)
Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram
lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos
musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)
Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens
os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia
Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os
nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias
colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento
ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e
chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na
verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o
equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos
itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso
o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia
anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente
haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e
descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte
Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as
realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e
24
exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma
dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a
outras realizaccedilotildees possiacuteveis
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-
cientiacutefica para as comunidades estudadas
Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)
ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013
p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a
necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas
que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti
(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando
a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)
Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a
importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que
concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem
humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem
confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades
indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de
materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de
elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as
etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a
preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-
culturais dessas populaccedilotildees
Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o
estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire
relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate
de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos
objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos
pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico
das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas
realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser
documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado
25
inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido
aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica
pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca
de contato Como salienta Peixotto (2013)
Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm
51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo
Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato
Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e
atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais
novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o
Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de
27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas
representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti
Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro
Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng
(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)
tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A
aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o
uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando
do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque
(PEIXOTTO 2013 p 9-10)
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu
Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor
conheccedila tal povo
24 Sobre os juruna
Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60
hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no
Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem
ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca
26
de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena
Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda
Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a
liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e
manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam
eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que
A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []
encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no
extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados
por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou
escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa
migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos
indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros
Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e
Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX
devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio
Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando
entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave
foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma
regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu
Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna
tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano
depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a
fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para
a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os
juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute
aldeia fixando-se todos em Tubatuba []
A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas
moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da
antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)
Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna
tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute
27
fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom
alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais
Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-
fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e
dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (
e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e
) e cinco nasais ( e ))
Como afirma Berto (2013)
De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma
liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico
C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a
esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um
radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os
constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto
verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de
reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)
Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe
da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o
excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave
formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)
vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz
questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo
Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos
e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar
o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com
resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de
vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute
que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a
mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares
Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida
fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas
corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros
povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)
Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as
mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques
zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham
28
banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados
pelos membros femininos das aldeias
No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como
ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas
[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de
farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba
que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado
quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia
permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Foto 4 casa em construccedilatildeo
Fonte Mateus (2017)
29
Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como
comenta Peixotto (2013)
O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira
como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos
brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma
depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos
macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais
satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados
caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua
(PEIXOTTO 2013 p 22)
Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para
que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []
que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios
muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)
Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como
confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que
proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela
comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a
autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em
FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria
embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os
distinguia uma tatuagem
[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha
vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a
partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no
queixo (FARGETTI 2017 p 25)
Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -
continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo
quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de
assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas
30
Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e
tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um
dicionaacuterio da liacutengua juruna
Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa
orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar
os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores
envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos
terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa
em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna
sobre os ―insetos como comentado abaixo
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos
No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam
Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de
animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes
ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo
do conhecimento da biodiversidade do planeta
Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas
uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e
tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos
de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela
chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas
superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas
formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de
plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo
Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de
algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de
servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a
algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e
alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo
dos solos
Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar
natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de
31
insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000
espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como
tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como
um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao
homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas
a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves
escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com
formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas
que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes
Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros
pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de
gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem
disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de
outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou
somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)
2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico
Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia
terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a
globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-
tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados
internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas
de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade
(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que
[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na
Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas
quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em
alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)
Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo
uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as
referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades
leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que
passariam a adquirir novos valores especializados
32
Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o
leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki
(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos
embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista
descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na
verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem
descriccedilotildees realmente cientiacuteficas
Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear
qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como
―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades
miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste
texto)
Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que
[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o
conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos
fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel
analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias
(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico
morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash
por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza
na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute
relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos
nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)
Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave
cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira
Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO
2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do
universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees
puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos
praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os
resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura
material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para
geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um
ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas
variadas disciplinas de coleacutegios)
Nas palavras de Abbade (2006)
Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter
falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e
33
socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A
linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas
palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um
povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo
que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes
haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de
um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de
pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e
necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e
linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do
leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo
Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada
um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles
caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute
consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do
leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos
morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p
716)
Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas
―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico
que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem
sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos
lexicoacutegrafos deveria ser
[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico
[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a
consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras
adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio
natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto
de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma
abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da
comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []
O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o
conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em
unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que
nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a
outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber
que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus
usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de
vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se
aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos
dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)
Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos
(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos
cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees
crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute
mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo
mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade
―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco
34
natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim
denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem
desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que
ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a
indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um
ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma
mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma
valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de
parceiras afetivas
Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar
que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que
portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o
cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues
marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com
uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute
porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos
menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do
conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito
Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos
(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios
monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-
Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras
de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua
(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria
apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua
comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras
A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir
uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir
uma competecircncia gramatical oacutetima
Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua
vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar
adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem
quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que
elas regem
Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem
um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo
eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas
palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem
35
todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou
nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida
ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de
empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por
outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim
certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-
DEBOVE 1984 p 57-58)
Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como
comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes
de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as
variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto
opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive
vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas
Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que
natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos
(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)
Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais
pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade
juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou
um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se
poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de
opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a
questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da
lexicologia e da terminologia
Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos
etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles
natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs
ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute
de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada
espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento
ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode
ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse
sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas
especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute
distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando
antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])
36
Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite
dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em
que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua
Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes
de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um
conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo
cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de
nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo
realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio
Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna
De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como
vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem
se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante
do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e
indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em
juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para
responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer
que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a
comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos
De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de
borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por
toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada
terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas
De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o
leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees
culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos
com Biderman (1998) quando ela afirma que
[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes
dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse
universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o
leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da
linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)
Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as
seccedilotildees seguintes
37
Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as
borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que
pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do
Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais
desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como
―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)
poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue
Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e
ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar
somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras
listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente
potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson
(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave
perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-
converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares
equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador
traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e
semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse
uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da
versatildeo grega
Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as
limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma
anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema
em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes
(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no
sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos
limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar
mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como
borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo
haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo
adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute
apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee
diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo
38
Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs
como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que
para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem
Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que
justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados
39
3 APORTE TEOacuteRICO
Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas
abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos
citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela
comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder
criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos
de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os
idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)
Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas
aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos
mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas
de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na
―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na
Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico
ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade
Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas
dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto
Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo
anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e
os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos
Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue
figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)
tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades
grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio
real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os
temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam
ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para
existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de
figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa
sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e
40
ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem
varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto
de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois
que perde o marido
Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud
SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De
acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo
extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade
sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no
segundo e siacutembolos no terceiro
Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a
primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato
quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a
reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo
qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam
para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria
jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz
iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo
em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo
se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa
num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque
houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado
A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada
teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma
sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos
alunos
Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que
Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo
que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como
plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a
realidade
Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto
dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as
formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua
convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com
outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se
comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN
1998 p 73)
41
Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as
consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato
histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do
possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe
status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)
Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos
para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de
formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros
satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma
fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que
existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor
citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na
liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show
(ALVES 1990)
Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo
apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as
liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido
apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos
Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e
representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em
seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se
descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum
sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash
resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada
por um nuacutecleo social na medida em que
[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute
que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre
genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com
sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um
signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos
elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a
por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no
sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa
relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos
como dormir (MATEUS 2017 p 51)
42
Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo
cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo
Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo
universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto
retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias
(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja
os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o
mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos
ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS
COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam
de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma
abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo
muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)
No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias
espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para
agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em
seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos
deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU
2010 MATEUS 2017)
Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que
tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes
sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um
lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante
nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo
que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo
de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas
entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos
que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise
Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes
mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de
sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes
soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes
acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta
uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado
43
Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico
Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo
se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e
caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos
Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar
natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo
enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se
mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)
pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico
e metafiacutesico
[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento
material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto
―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como
um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que
dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash
quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana
(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito
como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de
compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A
harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma
harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um
caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais
similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que
privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de
tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)
Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a
verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais
estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas
sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e
que se oferece para ser decifrado e interpretado
Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um
fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a
origem desse mundo
Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de
todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente
multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por
exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)
44
Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a
palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo
tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas
Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem
ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma
dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a
multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade
(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)
O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a
―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das
constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma
―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta
(CHAUI 2002 p 82)
As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais
tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a
novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais
utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia
De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista
que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire
existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa
nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo
entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que
se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por
Saussure
Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que
faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou
ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue
desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos
demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por
exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o
loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim
que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa
que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que
45
[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em
quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que
nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas
lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz
racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada
medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora
uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de
quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de
quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as
coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre
justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta
se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)
De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e
delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece
apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior
quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas
vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na
qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque
agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo
como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que
natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso
Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente
diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A
anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero
Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute
caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que
aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de
nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees
morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas
satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas
os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como
estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo
como insetos mas sim como aracniacutedeos
Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela
comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor
linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos
afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O
que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo
46
em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma
importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista
que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo
relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo
sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois
primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um
conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um
animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem
conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de
significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o
mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais
possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica
[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico
quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se
verifica)
Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos
para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de
argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em
que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma
subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a
instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu
que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer
adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como
cachorro ao qual se opotildee distintivamente
Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas
pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos
compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute
problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo
analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica
normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam
elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que
chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal
Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos
periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas
47
Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de
Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e
Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo
linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a
existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si
perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar
isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica
que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e
encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma
posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos
parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas
Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a
novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os
dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para
(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando
rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo
Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das
outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto
natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam
figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo
assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como
―Joatildeo chegou mas Maria saiu)
Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de
construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual
semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta
oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar
desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como
―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute
sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela
escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel
abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que
seria [+dependente] e [-encaixada] na principal
E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade
satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas
48
subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de
ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-
o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma
principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que
natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum
complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das
completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que
eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz
(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]
uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido
ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo
querer
Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas
aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo
complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo
nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas
de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e
isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos
agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as
explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer
(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito
(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista
Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais
subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo
geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo
provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o
falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho
de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que
minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria
em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa
agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma
generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente
49
dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo
Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a
noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo
especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que
homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente
recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido
Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas
de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento
fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo
fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as
intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os
fazer decorar esses roacutetulos)
Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com
a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma
Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela
presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar
que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de
propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa
uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado
Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva
equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu
―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre
um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a
natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade
a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma
Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do
conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de
significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades
De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que
quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada
natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer
―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus
irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles
seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam
50
acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos
que eu possuo
Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status
ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-
330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal
Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute
sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a
afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o
fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que
Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear
constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as
supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa
(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo
dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos
distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute
pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto
linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva
explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo
sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser
inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional
acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer
dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p
328-330)
Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a
restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo
quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo
de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava
ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava
em Osasco
Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que
inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam
configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade
material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que
fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma
construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia
bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela
regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos
comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas
51
pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo
anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de
termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo
Como salienta Rey-Debove (1984)
[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees
constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito
da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta
sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra
uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos
linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das
palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da
dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente
aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma
palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente
combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo
construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais
traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe
concebida do mesmo modo
Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal
marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode
(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir
indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que
poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma
classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos
Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo
as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais
domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau
geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente
dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte
boa)
Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo
adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter
importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica
natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se
tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo
excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)
Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens
linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses
conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema
linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias
Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana
(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)
Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o
conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas
como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto
adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma
52
ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para
mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem
Pode-se dizer portanto que
A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das
classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para
estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a
dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais
para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p
141)
Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo
por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo
Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por
adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua
indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer
reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis
A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se
distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo
semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna
ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em
classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de
diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon
(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de
adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um
criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto
contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao
juruna
Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees
em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo
genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para
funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um
predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de
verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem
nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a
intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo
do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)
53
Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por
Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos
estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento
Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a
despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente
pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute
satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute
a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)
tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do
mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a
accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como
bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)
―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo
estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento
subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro
paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-
pessoais
Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo
entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma
que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar
nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que
ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e
WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se
adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas
formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira
hipoacutetese enquanto outros mais da segunda
Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria
possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o
pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a
ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito
mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o
Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que
determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades
culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o
54
povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas
morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem
Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que
[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo
haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a
cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como
devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-
cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual
fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)
3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica
De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois
uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de
forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras
Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi
comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)
Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos
costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam
sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da
mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por
exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees
dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da
mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em
virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs
Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar
sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos
Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio
leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel
que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de
opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico
ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que
conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e
descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados
Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na
medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em
55
virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado
com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de
elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de
elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar
durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos
gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)
No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees
relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais
deveriam constar num verbete Nas palavras da autora
[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua
concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo
isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -
agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de
conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os
dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo
lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)
estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata
dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o
elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa
gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso
seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash
meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum
possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)
Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se
rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e
que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)
Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo
normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas
para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa
integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de
unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos
constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)
Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)
postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos
linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e
os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda
leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute
porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico
56
passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de
referenciaccedilatildeo)
Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como
substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte
enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos
traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no
segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)
Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e
portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as
preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase
em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras
Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc
todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para
elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga
semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a
que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos
Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma
periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees
menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais
―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo
(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)
Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer
sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse
sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo
aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente
nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa
subseccedilatildeo agrave parte
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos
de definiccedilatildeo
De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua
sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os
57
sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que
pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)
Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala
em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a
entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse
traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por
distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica
em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a
perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final
no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no
original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente
Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total
equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia
em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas
religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser
―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e
metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois
extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira
delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo
―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria
equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois
ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na
liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como
ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou
bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor
beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que
propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque
isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas
as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao
nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena
Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure
(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade
psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um
significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria
58
Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que
postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos
se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo
extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao
significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material
empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como
demonstrado a seguir
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico
Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado
Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa
univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com
os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma
significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em
todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja
vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns
autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo
com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um
conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma
expressatildeo
Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a
relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a
que ela se refere acaba se questionando
59
- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa
maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que
nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a
mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples
porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos
contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou
pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha
em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar
que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais
poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no
periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o
peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em
arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas
ou salamys (ABBADE 2006 718-719)
Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos
mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa
(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia
como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma
Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e
Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia
(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa
por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os
itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos
seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou
pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta
(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a
polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre
si
Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de
explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes
chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas
A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem
relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra
lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do
leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo
verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas
como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica
e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que
ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos
60
e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado
campo de significaccedilatildeo)
Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)
compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se
escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto
chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de
possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)
seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se
concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva
de um lexema)
E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato
do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos
seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a
tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados
com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa
uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas
O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas
lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar
tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais
de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas
natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos
idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas
em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem
relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que
[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente
lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema
Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a
explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio
traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse
lema principal (MATEUS 2017 P 40)
Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e
especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros
individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se
dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter
(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter
61
(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos
lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)
como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada
formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a
microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado
internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave
definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical
imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento
ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo
que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos
com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio
estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10
veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as
borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo
Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde
o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau
certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete
―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a
euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um
direcionamento
Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada
informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar
muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro
se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem
transparente qual acepccedilatildeo eacute esta
Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser
aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo
redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o
usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua
liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um
grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja
liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a
informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste
segundo caso
62
Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues
tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se
utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos
Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados
definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a
definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira
seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de
modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias
informaccedilotildees sobre determinado item
Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional
(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo
(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido
(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)
particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)
Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas
difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos
Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas
uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que
vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a
opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu
vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em
terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de
definiccedilotildees terminoloacutegicas que
[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e
dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por
exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do
paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU
2009 p 57)
Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que
haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um
lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem
como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo
Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de
definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as
―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de
63
veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento
morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de
―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o
caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)
Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes
ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um
conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre
as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum
elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele
que natildeo estaacute casadolsquo)
Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a
definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos
como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes
como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a
numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como
aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com
outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material
possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu
limpolsquo)
Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem
do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais
histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do
lema)
Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute
ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam
ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)
[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave
complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para
diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como
simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []
diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve
dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos
significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia
hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo
extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte
miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio
proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se
quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica
64
deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal
chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)
Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior
pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de
Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais
do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica
Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter
de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de
―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante
do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as
informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda
nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte
efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo
Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo
objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente
a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que
para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de
girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como
angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol
normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo
traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como
um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa
talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar
na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)
Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem
existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas
(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem
a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba
definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e
de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de
termos linguiacutesticos como morfema paradigma)
65
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia
Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a
metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da
capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de
agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e
acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso
acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e
natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a
ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-
histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso
com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos
eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-
infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo
hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e
descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos
sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo
enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica
possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por
Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica
O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre
momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de
refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo
foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras
palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas
etnocecircntricas que precisam ser superadas
Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees
e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem
caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o
―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX
teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido
na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio
mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo
Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees
cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu
66
contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos
como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser
diferenccedila
Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos
trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores
quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem
ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar
despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o
mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma
pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo
estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de
investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na
descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas
―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o
mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que
aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras
Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves
descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma
comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas
das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e
Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como
apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista
um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de
um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre
elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro
Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois
haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que
focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer
deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo
muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus
(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para
as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a
comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos
cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que
67
maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou
ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela
nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser
―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes
compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que
plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento
Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e
metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em
profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no
sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em
relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os
informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o
―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de
algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista
na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo
Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram
pensados
3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da
pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo
das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada
Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer
que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em
torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de
especialidade de outro
Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas
dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida
como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise
criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva
de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do
conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia
68
(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas
eou digitais)
Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do
que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra
sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das
afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)
[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva
diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como
tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia
regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees
possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma
perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa
dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos
que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado
restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando
com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais
no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e
sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto
especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico
com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a
palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)
E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que
estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes
explicitando em qual deles nos alocamos
Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as
vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste
trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da
Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por
traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e
afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge
Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua
dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos
Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos
estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei
Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de
facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o
estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em
definiccedilotildees
69
Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que
seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira
diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes
(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos
transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e
elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia
ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de
variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos
quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum
Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com
destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos
satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua
profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no
sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na
relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos
Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada
―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster
Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em
qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado
ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das
ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem
a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de
outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo
participariam
Em outros termos
A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva
Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo
ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se
pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia
e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis
Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes
para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo
do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-
se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou
seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas
Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute
os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um
acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um
conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos
aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era
70
portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade
Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se
e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas
diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava
aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se
fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava
isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)
Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo
pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-
especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue
doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de
acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que
etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-
todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para
esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo
especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com
outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)
Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e
normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo
pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para
nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente
por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado
do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como
quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos
especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o
sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando
Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o
tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo
homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica
Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico
[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave
comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os
defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja
para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do
termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um
conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada
povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes
realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)
71
Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a
Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas
anteriormente
Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves
consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os
significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente
(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no
uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos
linguiacutesticos)
Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais
especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou
[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das
unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no
acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados
construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes
das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas
envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)
Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)
que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais
relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-
Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a
cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos
(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos
saberes
Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por
Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)
itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo
assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica
Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal
pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos
vaacuterios povos humanos
De qualquer modo vale ressaltar que
[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades
terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee
agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a
prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se
que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos
72
universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute
2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a
Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo
agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas
naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma
liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades
terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das
palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma
liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo
terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO
DE OLIVERIA 2011 p 311)
Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo
de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um
uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos
linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou
como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um
mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu
significado
Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na
medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo
apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam
parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que
ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro
eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o
explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo
consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a
Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo
De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)
apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas
minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos
de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo
terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna
especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a
autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja
em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre
um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja
indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI
2018)
73
Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em
Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois
Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a
autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-
cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora
questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em
―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade
entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas
nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo
profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis
outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a
pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas
―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela
denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria
Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo
alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da
Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia
constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua
geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos
em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em
propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees
culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute
sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)
Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de
borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria
Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo
conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos
Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se
baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes
ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees
culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as
nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam
contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras
Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende
render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs
que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-
se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por
meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de
especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura
material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e
natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados
alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)
74
endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e
praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade
3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas
Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees
tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que
nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes
denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por
linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo
de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo
de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove
insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu
(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o
meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e
atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e
sentido (ABREU 2010 p 27)
Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora
pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar
conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso
estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno
Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos
mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados
Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da
metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente
descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e
por que Afinal
[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades
em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os
caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o
pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)
Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de
domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na
interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos
constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como
75
―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute
grande
Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar
construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer
da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria
alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de
uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na
seccedilatildeo seguinte
323 A relevacircncia da etnoentomologia
Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de
minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em
consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como
etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e
utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da
Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e
praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas
com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey
(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo
especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)
―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais
ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)
Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode
recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas
comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de
nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)
os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia
bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como
cobras)
Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como
classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos
olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam
classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas
tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)
76
Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo
como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias
rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as
agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos
ou do que para noacutes seriam paacutessaros)
Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as
mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em
comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um
paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute
extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna
alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como
―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios
utilizam para isso
Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do
outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso
Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de
espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi
totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer
informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de
determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada
Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de
ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser
encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)
Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como
se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais
algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles
viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos
animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada
por nosso informante
Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute
levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo
que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por
uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)
De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a
classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum
niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados
77
na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos
e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o
desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo
tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila
ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a
diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades
―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos
passado
Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque
tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente
por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-
ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar
religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar
os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa
proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas
tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos
outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos
Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo
com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a
anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas
que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos
ursos que tanto idolatrava
Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma
verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que
tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e
natildeo podem ser ignoradas
Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-
muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que
lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos
antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e
uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se
aniquilem
Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da
variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse
78
dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria
relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-
indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem
consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque
uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de
outro povo esteja ―errada
Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as
virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que
eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e
repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos
danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria
Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam
ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de
pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja
―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a
fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo
novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso
Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco
conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu
estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a
sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o
cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em
preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na
pesquisa e nada mais do que aquilo
Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como
investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos
de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que
esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo
―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos
como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e
tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos
com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das
cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo
79
Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas
juruna relativos aos animais aqui averiguados
Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria
sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente
redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da
―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em
uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e
vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses
e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre
estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que
pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a
salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo
Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida
Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide
sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que
comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa
informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem
de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca
para complementar a renda
Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma
colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs
como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos
tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens
morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem
esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer
transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa
por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa
coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com
poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo
―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica
quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente
acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que
estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras
80
[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito
unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo
Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos
mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de
bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que
desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os
salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde
depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite
que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu
as nossas vidas
Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas
histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras
histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os
estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma
histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria
Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como
as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000
pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras
histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante
falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com
um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou
pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna
difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que
somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos
nossos)
Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo
como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como
―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na
contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo
estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente
criticada por Skliar (1999)
Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada
o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se
detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias
aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer
diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de
mais campos do conhecimento
Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que
Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do
Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo
quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que
havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam
infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem
histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem
histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma
transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que
outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje
(BERTO 2013 p 31)
81
Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das
nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos
quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes
humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por
Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar
tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de
Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono
como consta abaixo
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga
O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo
quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com
eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo
espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como
entes familiares)
Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas
seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os
homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo
que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes
Jaacute a segunda gira em torno de que
[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois
eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute
necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser
representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se
oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo
exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para
os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as
fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e
amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)
Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer
que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da
categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de
posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie
tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e
alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo
82
chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que
dentro de si estaacute contido
Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e
personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de
vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do
povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute
a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de
uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)
Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos
seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como
objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a
possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados
passariam a englobar um conjunto ativo)
Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado
miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o
estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses
concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e
HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens
natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu
(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e
deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes
era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo
Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da
carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto
repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi
Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas
este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia
mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a
realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas
agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que
ficaram com os deuses era pereciacutevel
Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu
sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo
efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como
83
aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso
tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e
seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e
graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela
curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de
males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade
Mostrando mais um paralelo
[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do
que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram
apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-
guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem
comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo
do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida
capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)
Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes
nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba
sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma
desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da
cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na
condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de
doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)
De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos
tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial
Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo
muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos
pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas
as liacutenguas conhecidas
De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com
os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho
com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de
felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as
oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta
ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou
uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal
teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o
Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o
84
auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a
morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma
nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas
de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a
questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos
artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido
No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos
yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a
humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos
cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na
superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com
lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo
Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou
posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de
madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco
(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei
obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho
eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que
―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que
tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite
Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado
dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros
atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto
os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser
apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa
artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que
aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com
a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis
Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um
alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de
imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo
tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja
percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a
ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute
85
levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai
flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o
Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com
os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica
dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees
de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na
realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito
Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa
parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que
diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa
famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se
em questotildees positivas
Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a
algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)
―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma
das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e
roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar
recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer
como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma
raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de
desastres
De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna
de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os
seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)
em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos
imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam
sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute
mesmo espacial
Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de
uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova
assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre
renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como
primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso
andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram
novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam
errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso
ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto
um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara
86
tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam
sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado
Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo
verdadeiros vatildeo virar bichos
O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu
certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava
As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma
festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas
as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos
poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os
animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar
por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e
gritos
Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o
ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando
errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes
de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um
desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada
por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia
Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna
que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele
mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse
grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele
acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o
povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna
for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete
derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os
juruna que estatildeo na Terra
Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a
Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas
(FARGETTI 2017 p41-43 )
De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o
universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de
morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo
que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas
satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos
espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)
Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por
comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo
de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu
que se vecirc e que vecirc o outro
Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam
ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a
floresta
Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em
etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam
surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente
87
abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de
acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da
cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo
humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo
falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava
ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento
de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para
um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o
sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-
juruna)
Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a
partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro
momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas
que sofreram
Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese
tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico
por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num
perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se
verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro
Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo
dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os
seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)
houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a
partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees
exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois
Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula
saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria
fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede
segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se
encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO
1996 p 125-126)
Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma
manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos
entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a
pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com
paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute
88
mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+
humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de
intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute
preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do
discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem
instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar
com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira
anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso
humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta
traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de
olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu
que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um
outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do
assunto que representa a terceira
Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos
os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais
(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que
os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais
(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-
se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou
aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da
cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue
como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da
carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas
garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como
organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas
ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)
Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo
comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode
receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor
Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria
aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo
espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu
um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o
―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira
pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor
89
toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)
de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este
chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem
para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo
espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso
ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece
Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a
consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o
animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se
sabe isso deles
Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos
afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou
seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de
costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de
agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo
simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila
multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e
vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do
agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos
acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)
seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente
Como salienta Picelli (2016)
[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em
seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se
enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista
Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal
(PICELLI 2016 p 56)
Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto
corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas
adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se
metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel
empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano
o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este
mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com
90
Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro
(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados
natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que
[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que
muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores
que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e
da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra
dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas
vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires
e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu
proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as
coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o
que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o
que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa
cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)
Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli
(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo
poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees
entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre
natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado
possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria
Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas
ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando
superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o
que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico
demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio
ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas
uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais
Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um
tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso
uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de
generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento
ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada
povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando
criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute
distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo
injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um
91
desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro
(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos
pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer
um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando
menos discriminatoacuterios
Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a
teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um
antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em
que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad
hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo
Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria
dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um
item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que
para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras
acepccedilotildees
De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a
ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-
[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se
preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave
antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de
outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees
causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das
observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser
analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica
Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua
Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista
trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea
Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao
menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama
de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo
pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees
sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas
animais e natildeo humanas
Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho
com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira
agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os
92
humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo
por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente
quando estes falavam antigamente
A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da
possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores
mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de
intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e
almas humanas
Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os
bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou
ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos
tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo
dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de
nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente
em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de
sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos
chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um
tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave
proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo
morrido haacute certo tempo
Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria
um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando
os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais
Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos
Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de
Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos
pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da
(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa
do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)
sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e
estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades
Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute
O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma
distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente
humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo
93
a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com
a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou
como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes
seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda
menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros
seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a
classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-
57)
Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de
Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o
pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele
[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo
e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada
pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os
participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como
poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores
[]
Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar
sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os
que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro
natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo
Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim
recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem
distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute
diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)
Ou seja na oacutetica da referida linguista
[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas
Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo
tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos
distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu
dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml
(FARGETTI 2017 p 280-281)
Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave
teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute
completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo
dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus
sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os
demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos
aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre
natureza e cultura
Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em
relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de
como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos
94
trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que
pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e
sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a
comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)
Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de
perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e
inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias
ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as
correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do
que dar respostas dogmaacuteticas
De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees
entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a
explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da
sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a
presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores
as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas
Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar
fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que
satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste
trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo
exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante
De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa
Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees
posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de
―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas
Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -
borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais
pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um
exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome
(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de
olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de
95
pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia
entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)
A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio
de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro
de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio
Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-
caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash
aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -
subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)
Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes
de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por
meio de coacutepula
Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao
menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam
sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos
1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas
alteraccedilotildees corporais
2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um
adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas
3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um
estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa
ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)
Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo
deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas
agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e
descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)
De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um
aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no
abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente
das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios
satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e
abdome (como todos os demais insetos)
Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras
de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos
96
um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide
(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome
com um aparelho sexual externo
Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco
criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos
a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a
morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de
clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao
corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero
pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo
noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o
corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo
(coberto de cerdas)
Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e
passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo
produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de
Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe
(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula
(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do
ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo
(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do
sugador maxilar conhecido como espirotromba
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas no blog Agromais
97
Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas
membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar
ou correr
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)
Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e
geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo
originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo
na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees
Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo
a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a
temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo
com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie
de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))
Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas
de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida
de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de
neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de
formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o
mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a
garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem
mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito
das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas
e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e
anais)
Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da
venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de
Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de
98
homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo
eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de
ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a
subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na
segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e
posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5
nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a
subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que
uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou
fundida com a A2
Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com
escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas
sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de
baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos
Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute
famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de
borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta
MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido
dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e
como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na
medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis
Ipsilon
Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa
tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada
segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos
segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8
(MARTINELLI 2018)
Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de
Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes
ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas
esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de
pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos
Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a
classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao
99
nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os
animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas
filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo
criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos
ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um
espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa
uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade
para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois
tamanhos)
Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura
que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral
(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica
dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte
mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais
formando bandas transversais como esquematizado abaixo
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
100
Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas
fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de
ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa
Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie
(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os
ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles
forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea
Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos
ganchos
Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e
as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar
generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees
taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a
depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso
(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute
numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que
esta eacute seguida pela supra-espiracular
Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta
Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)
No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees
Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto
pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de
Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda
101
presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de
Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um
conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez
se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas
e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas
inseridas numa elevaccedilatildeo
Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos
Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)
Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
102
Foto 8 Lagarta com verrugas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos
das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos
e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)
Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido
como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte
dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um
cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira
Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou
amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas
lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos
(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na
areia uacutemida
E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO
(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da
parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO
(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e
manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO
(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul
metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou
estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que
alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia
evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta
gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos
saturniacutedeos e noctuiacutedeos
103
A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com
corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as
posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas
lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que
lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o
Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas
marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam
de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa
posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos
amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas
posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na
mandioca na seringueira no mamoeiro)
A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como
Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por
insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com
pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas
Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo
possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes
(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta
(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina
(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em
pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda
brasileiro)
E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange
normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a
Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior
envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a
Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras
leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)
105
4 METODOLOGIA
Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente
elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano
inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo
Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na
elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais
nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de
natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)
Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava
levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos
Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto
maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com
um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias
performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas
Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente
para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os
dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da
ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no
escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna
Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem
alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com
motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu
povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim
contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da
resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender
questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos
de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu
povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma
vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem
apenas Portuguecircs
Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute
triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas
Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura
106
Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original
fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde
atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de
mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em
questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas
como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas
as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros
povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)
Como afirma Fargetti (2017)
Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou
monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um
sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso
ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e
conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender
sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este
diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha
cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar
na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou
encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num
decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)
Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem
a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na
seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um
―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante
especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo
apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir
da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo
pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento
conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs
interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de
dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)
Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar
espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica
atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))
que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de
acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas
fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas
107
com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em
recipientes de vidro para conservaccedilatildeo
Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez
que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos
animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para
renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois
sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute
a Terra (FARGETTI 2015 p 102)
Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na
companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com
o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam
Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia
Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos
em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais
exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie
filo)
Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no
projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso
consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute
comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse
fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais
guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de
determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que
efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em
relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua
Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e
como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses
(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado
acima) este estudo focou-se nas formas adultas
Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em
borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos
―insetos
108
Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a
jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para
facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna
Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que
posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome
em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica
sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade
entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas
este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora
tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute
comentado
Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As
perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees
de entrevista anteriores
Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam
ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o
animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash
quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que
havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas
Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego
como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna
classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica
atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual
(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se
tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de
classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso
Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro
recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes
a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia
mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito
que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de
acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando
no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando
natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas
109
Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a
certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que
poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque
De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total
temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de
entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns
viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na
aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e
tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas
estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual
realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de
histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as
ouviam
Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa
da seguinte maneira
1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento
bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos
2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento
bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos
3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou
praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da
aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na
beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que
foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A
maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias
juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente
produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas
de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa
orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs
mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna
4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento
digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens
de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas
110
5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo
(jaacute fora de Tuba-Tuba)
6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas
iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico
7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por
arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)
8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o
exame de defesa
9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas
essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na
captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados
obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees
anteriores
110
5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os
juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo
natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia
cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar
que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees
alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo
em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar
em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados
coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de
entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e
nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica
restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja
nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas
Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador
juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um
trabalho especiacutefico descrito abaixo
Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante
uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash
num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de
um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute
hoje
Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de
Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item
veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente
num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar
Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram
a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje
Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque
tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado
agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a
histoacuteria ele sabia mais Xipaya
111
Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)
tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas
performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho
Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para
ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado
que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e
apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser
em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto
quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado
Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio
Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
112
Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo
informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar
a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam
estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no
verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo
ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a
frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento
que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)
Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos
terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto
Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia
atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se
atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o
espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses
eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo
atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de
infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba
morrendo
Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas
que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem
vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece
representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do
coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas
nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de
origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que
possuiacuteam em seus locais de origem
Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc
alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as
tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de
apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a
viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de
jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado
fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado
113
Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)
acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto
para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele
precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu
adoecimento ou na sua morte
Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti
(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud
SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada
o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)
apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem
fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse
animal antes que ele abra a boca
Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia
Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos
humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma
metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade
averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos
foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes
cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns
humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os
descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com
outros seres
Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash
ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar
este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma
aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu
mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)
Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o
especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no
ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua
dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses
questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam
assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de
agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas
114
humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu
habitat natural
Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa
para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como
operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute
Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em
seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para
Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que
podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de
mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um
inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos
nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa
protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo
representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar
(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que
descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e
transformando suas roupas coloridas em asas
115
Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada
De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando
estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando
estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos
Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo
relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a
caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna
receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas
nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam
ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna
Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas
fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos
desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco
Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees
pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O
primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo
bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num
etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia
indiacutegena pesquisada
Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora
por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os
postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e
qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores
como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens
lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como
evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos
obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles
comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas
Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias
poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos
como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da
categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish
(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que
respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)
116
Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar
apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros
De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com
Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas
sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a
4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta
haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que
abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores
chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e
compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo
abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado
inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-
boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs
elementos)
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)
Fonte Berto (2013 p 91)
Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos
dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao
menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente
impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto
(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p
96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou
seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo
juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles
117
Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo
depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto
―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados
afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de
kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade
bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon
animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes
de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis
criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto
Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas
Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes
do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso
informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais
ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas
As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos
de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como
kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e
contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa
porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes
Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que
parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos
Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que
―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o
que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito
tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar
A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo
menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de
modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo
do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-
nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item
que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte
De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de
duacutevida uma das direccedilotildees
118
Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e
termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha
revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a
ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as
partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor
de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas
das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila
Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente
Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila
Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila
Ixibia bunda delelsquo Parte posterior
Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa
Itaba boca delelsquo Boca
119
Iatildetaba antena delelsquo Antena
Iwa matildeo delelsquo Pata
Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar
Ipewa asa delelsquo Asa
Itxab barriga delelsquo abdocircmen
Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees
metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e
num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes
desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base
Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais
informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para
todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas
entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um
pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula
anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose
Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se
denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir
do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies
Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que
metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime
Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das
―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do
mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando
momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos
representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias
diferentes
Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a
necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um
dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees
120
Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos
mais de uma vez
A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do
espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia
bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico
e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo
taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave
classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute
apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e
duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar
planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de
seiva)
Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo
especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais
que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees
diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de
animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem
distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais
aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis
cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso
na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a
chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de
―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-
ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios
gerais da liacutengua
A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo
lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico
geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa
dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu
Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com
os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir
distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente
tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a
mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que
121
quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa
ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum
kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um
diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia
sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se
esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem
disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total
certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de
Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como
borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo
similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos
abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)
representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro
Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja
Fonte Palo Jr (2017)
De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos
sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo
lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)
exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)
como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna
Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da
pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria
contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da
forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns
122
idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em
siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)
Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra
que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com
que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave
fauna- jaacute havia mencionado tal fato
Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre
as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo
segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma
de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a
forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua
antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor
marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas
como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)
Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que
para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar
doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-
tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela
tornam-se improacuteprias para consumo humano
Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua
para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por
isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os
termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse
necessidade de apenas uma entrada nasusu
Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na
esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea
especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo
se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)
possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as
menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que
quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de
sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do
ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo
providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido
bicho
E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo
papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim
123
de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila
para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia
Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou
anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como
entradas autocircnomas
Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como
mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas
ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um
tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais
Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar
voar muito
Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem
que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da
Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as
mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase
adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a
horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais
seres aqui averiguados
Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte
comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o
animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo
do dia ou se haacute matizes disso
Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como
as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que
sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar
alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um
contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes
ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu
passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu
e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu
De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do
ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra
kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)
124
que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez
que natildeo tecircm forccedila para isso
Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de
tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto
as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo
trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as
segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo
Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma
questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute
muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e
natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa
obra terminograacutefica)
Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo
terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)
satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto
de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave
capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o
ceacuteu
Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos
de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas
nasusu1 (do ceacuteu) nasusu
2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos
sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila
aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha
2 (da terra)
Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como
se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave
macroestrutura se organiza alfabeticamente
Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes
com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito
didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras
sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre
parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza
gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo
enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com
notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a
125
qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente
compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos
Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com
substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados
Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais
adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna
126
NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista
juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito
pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-
falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a
sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de
―borboletas
Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos
eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos
dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam
para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta
Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos
diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum
Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria
estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna
127
Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute
incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave
comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas
utilizam nasusu para todos esses animais
128
KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido
de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)
relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma
alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em
alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu
Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua
Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento
proacuteximo
Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em
suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de
onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono
conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja
punido
129
NASUSU1
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno
desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode
retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a
maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu
Fonte Mateus (2017)
Fonte Arewara Juruna (2017)
Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar
a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois
sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente
sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um
tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a
embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas
que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua
funccedilatildeo
130
Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)
131
NASUSU2
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e
originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas
floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de
modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando
ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa
Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho
intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha
do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo
voando no ar
Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas
na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas
natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas
yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores
132
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas
antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo
transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que
mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute
por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna
essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se
metamorfosear num beija-flor
133
Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira
em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos
iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas
nesta seccedilatildeo
Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa
orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer
simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson
(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo
por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim
denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba
culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas
Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados
alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista
para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o
mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item
(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse
como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele
como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a
nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas
sim seres distintos com certo grau de parentesco
De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que
pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes
fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e
idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente
ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)
Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui
estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar
entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser
retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores
nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem
apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI
(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como
demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa
134
orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome
formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo
Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo
hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado
acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe
para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma
nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma
categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira
em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma
definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse
possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui
estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe
Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa
ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional
(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada
e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou
famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna
Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas
proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o
modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como
uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem
muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees
fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode
distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia
Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa
orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas
De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as
hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa
orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de
iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares
digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar
a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet
Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui
utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y
135
6 Consideraccedilotildees finais
Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos
juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que
seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia
como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo
da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-
aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica
Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos
diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico
Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade
haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais
analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em
contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja
como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de
minha liacutengua materna
Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER
2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se
queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si
mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas
entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que
psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as
convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o
super ego
Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e
de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus
instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave
infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais
envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que
aceitar que elas existem anteriormente a ele
Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam
completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser
(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar
marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam
inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em
136
determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia
dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia
que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma
sociedade de classes (idem ibidem))
Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um
ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos
aos quais somos submetidos
Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas
produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam
submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria
(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois
foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras
internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata
para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance
(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)
Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras
internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam
sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria
espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa
porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema
artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas
antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas
Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para
metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um
ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees
recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que
sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo
realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma
Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute
justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com
nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao
tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena
brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um
analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los
137
anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a
menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria
muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de
compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas
nos referidos animais
Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer
investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto
de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma
banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la
de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam
natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele
ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim
relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash
se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo
Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o
talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a
individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas
precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma
―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao
texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no
nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece
com os poetas ―imortais que o precederam
Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute
haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda
concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e
reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente
existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por
outro orientado por este uacuteltimo
Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente
―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui
mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas
dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de
outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo
muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a
138
destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de
dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos
assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando
Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros
estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo
de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse
povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao
menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima
complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros
Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com
estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE
CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os
juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes
natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos
tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso
De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram
dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os
referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral
Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo
relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais
Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto
nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de
formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista
juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do
animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo
um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)
Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco
entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados
para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as
kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de
mariposaslsquo)
Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto
aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte
forma
139
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria
Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados
redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo
desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses
protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos
simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo
dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles
Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente
natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram
como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia
por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba
Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores
140
REFEREcircNCIAS
ABBADE C M de S Filologia e o estudo do leacutexico In Anais do XI Simpoacutesio Nacional e I Simpoacutesio
Internacional de Letras e Linguumliacutestica (XI SILEL) Universidade Federal de Uberlacircndia 2006 p 716-
721
ABREU A S Gramaacutetica miacutenima para o domiacutenio da liacutengua padratildeo Cotia Ateliecirc Editorial 2003
______ Linguiacutestica cognitiva uma visatildeo geral e aplicada Cotia Ateliecirc Editorial 2010 119 p
______ A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo Cotia Ateliecirc 2009
ABREU D B de O et als Classificaccedilatildeo etnobotacircnica por uma comunidade rural em um brejo de
altitude no nordeste do Brasil Biofar Volume 06 ndash Nuacutemero 01 ndash 2011 p 55-74
ADICHIE C N 2009 O perigo de Histoacuterias Uacutenicas Disponiacutevel em
ltchimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_storytranscriptlanguage=ptgt Acesso em 03 de
Fev 2018
ALMEIDA G M de B A Teoria Comunicativa da Terminologia e sua praacutetica Alfa Satildeo Paulo 50
(2) 85-101 2006
ALMEIDA LM RIBEIRO-COSTA CS MARINONI L Manual de Coleta Conservaccedilatildeo
Montagem e Identificaccedilatildeo de Insetos Ribeiratildeo Preto Holos 1998 78p
ALVES I M Neologismos A criaccedilatildeo lexical Satildeo Paulo Aacutetica 1990
APARELHO mastigador de insetos Blog Agromais Disponiacutevel em
lthttpagromaisblogspotcom2016entomologia-anatomia-externa-dos_30htmlm=1gt Acesso em
10 de Fev de 2018
BARBOSA L M de A O conceito de lexicultura e suas implicaccedilotildees para o ensino-aprendizagem de
portuguecircs liacutengua estrangeira Filol linguiacutest port n 10-11 p 31-41 20082009
BARCELOS NETO A Apapaatai Rituais de Maacutescaras no Alto Xingu Seacuterie Antropologia1 Satildeo
Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Fapesp 2008 328 p
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral II trad
Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BERTO F de F Nomes de aves em Juruna estudo lexicoloacutegico Monografia (conclusatildeo de curso)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2010
______ Kania ipewapewa estudo do leacutexico juruna sobre a avifauna Dissertaccedilatildeo (mestrado)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2013p 53-56
BERTRAND D Caminhos da semioacutetica literaacuteria Trad Grupo CASA Baruru SP EDUSC 2003
BIDERMAN M T C Glossaacuterio Alfa Satildeo Paulo vol 28 (supl) n 42 p 135-144 1984
______ O vocabulaacuterio fundamental no ensino do Portuguecircs como segunda liacutengua In SILVEIRA R
C P da Portuguecircs Liacutengua Estrangeira perspectivas Satildeo Paulo Cortez 1998 p 73-91
141
BLIKSTEIN I Kaspar Hauser ou a fabricaccedilatildeo da realidade Satildeo Paulo Cultrix 2003
BORGES I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba n ordm 9 (1982) p 105-123
BORROR D J amp DELONG D M Introduccedilatildeo ao estudo dos insetos Satildeo Paulo Editora Edgard
Buchter Ltda 1ordf Reimpressatildeo 1988
CABREacute MT La Terminologia Representacioacuten y comunicacioacuten Elementos para uma teoria de base
comunicativa y otros artiacuteculos Barcelona Institut Universitari de Linguiacutestica aplicada 1999
CAGLIARI L C (1981) Elementos de Foneacutetica do Portuguecircs Brasileiro Satildeo Paulo Paulistana
2007
______ Fonologia do Portuguecircs - Anaacutelise pela Geometria de Traccedilos Campinas ediccedilatildeo do autor
1997 p 7-67
CAcircMARA A L A oraccedilatildeo subordinada adjetiva na produccedilatildeo de sentidos no texto a perspectiva dos
livros didaacuteticos de liacutengua portuguesa do Ensino Meacutedio Filologia Linguiacutestica Portuguesa Satildeo Paulo
v 18 n 2 p 319-355 agodez 2016
CAMPOS M D SULear x NORTear representaccedilotildees e apropriaccedilotildees do espaccedilo entre emoccedilatildeo
empiria e ideologia Seacuterie documenta v 6 n8 Rio de Janeiro EICOSCaacutetedra UNESCO 1999
CAVALCANTE DE SOUZA J (Org)Os pensadores preacute-socraacuteticos Satildeo Paulo Editora Nova
Cultural 1996
CHAUI M Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da Filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles vol I 2a ed 10 a
reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002
CORBERA MORI A H Estudos das liacutenguas indiacutegenas no Brasil In DEL REacute A et al (Orgs)
Estudos linguiacutesticos contemporacircneos diferentes olhares Seacuterie Trilhas Linguiacutesticas ndash 23 Satildeo Paulo
Cultura Acadecircmica 2013 p 97-114
COSTA C IDE S amp SIMONKA C E Insetos imaturos metamorfoses e identificaccedilatildeo Holos
Editora Ribeiratildeo Preto 2006 249 p
COSTA NETO E M A Etnozoologia no Brasil um panorama biograacutefico Bioikos PUC-Campinas
14 (2) 2000 p 31-45
______ Estudos etnoentomoloacutegicos no estado da Bahia Brasil uma homenagem aos 50 anos do
campo de pesquisa Bioternas 17 (1) 2004 p 117-149
FARACO C A Estrangeirismos ndash guerras em torno da liacutengua Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2001
FARGETTI C M 1992 Anaacutelise fonoloacutegica da liacutengua Juruna Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Campinas
SP UNICAMP
______ FARGETTI Cristina M Verbos estativos em juruna In Seminaacuterio do GEL 2003 Satildeo Paulo
Estudos Linguumliacutesticos XXXII Satildeo Paulo USP 2002 Disponiacutevel em
lthttpwwwgelorgbrestudoslinguisticosvolumes32htmcomunicaci057htmgt Acesso em 28 de
novembro de 2014
______ 2007 Estudo Fonoloacutegico e Morfossintaacutetico da Liacutengua Juruna Muenchen Alemanha
Lincom Europa 320 p
142
______ Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas e questotildees de prosoacutedia In ______ (Org) Abordagens
sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas Curt Nimuendajuacute 2012 p 67- 82
______ Qual pode ser o alcance de uma metaacutefora Revista Brasileira de Linguiacutestica Antropoloacutegica
Volume 7 Nuacutemero 1 Julho de 2015 p 101-111
______ Fala de gente fala de bicho cantigas de ninar do povo juruna Satildeo Paulo Ediccedilotildees Sesc
2017a
______ Constelaccedilotildees juruna In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017b
______ Estuacutedios del leacutexico de lenguas indiacutegenas iquestTerminologiacutea In Manuel Gonzaacutelez
Gonzaacutelez Maria-Dolores Saacutenchez-Palomno Inecircs Veiga Mateos (Org) Terminoloxiacutea a necesidade
da colaboracioacuten 1 ed Madrid Vervuert 2018 v 1 p 343-368
FARGETTI C M MIRANDA T G Plurilinguismo a diversidade que natildeo eacute abordada nos livros
didaacuteticos Revista Letras Raras vol 5 Ano 5 ndeg 3 2016 p 79-88
FARGETTI C M RODRIGUES C L Termos para partes do corpo em Juruna e Xipaya um
estudo comparativo In SALES Germana Maria A FURTADO Marliacute Tereza (org) Linguagem e
Identidade Cultural 1ed Joatildeo Pessoa Ideacuteia 2009 p 237-246
FARGETTI C M VANETI L L Poliacuteticas linguiacutesticas na miacutedia Revista Letras Raras vol 5 Ano
5 ndeg 3 2016 p 9-24
FAUSTO C Donos Demais maestria e Domiacutenio na Amazocircnia MANA 14 (2) 329-366 2008
FERNANDES D C O campo lexical da cosmologia em dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara UNESP 2015
FERNANDES D MATEUS I D VANETI L L amp FARGETTI C M Pesquisas lexicais de
liacutenguas indiacutegenas propostas metodoloacutegicas In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa
no Brasil 1 ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 85-100
FIORIN J L O projeto semioloacutegico In FIORIN J L FLORES V do N amp BARBISAN L B
Saussure a invenccedilatildeo da linguumliacutestica Satildeo Paulo Contexto 2013 p 99-112
GALISSON R (1987) Acceacuteder agrave la culture partageacutee par llsquoentremise des mots agrave CCP Eacutetudes de
Linguistique Apliqueacutee 67 p 109-151
GAMBINI R O espelho iacutendio os jesuiacutetas e a destruiccedilatildeo da alma indiacutegena Rio de Janeiro Espaccedilo e
Tempo 1988
GAUDIN F La socioterminologie In Langages n157 ano 39 La terminologie nature et enjeux p
80-92 2005
GOLDMAN M Cosmopoliacutetica e Saberes Afroindiacutegenas Antinotepistemologias do respeito e Contra
Ontologias da Mistura Palestra ministrada na FCLAr ago 2017
GONCcedilALVES S C L SOUSA G C de amp CASSEB-GALVAtildeO V C As construccedilotildees
subordinadas substantivas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs
143
culto falado Vol II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp
2008 p 1021-1075
GUIMARAtildeES ROCHA E P O que eacute etnocentrismo Coleccedilatildeo Primeiros Passos Satildeo Paulo Editora
Brasiliense 1984
HESIacuteODO Os trabalhos e os dias Ediccedilatildeo traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas Alessandro Rolim de Moura
- Curitiba PR Segesta 2012 152 p
HJELMSLEV L Prolegocircmenos a uma teoria da linguagem Trad J Teixeira Coelho Netto 2 ed
Satildeo Paulo Perspectiva 2003
ISQUERDO A N Vocabulaacuterio do seringueiro campo leacutexico da seringa In OLIVEIRA Ana Maria
Pires Pinto de ISQUERDO Aparecida Negri (Orgs) As ciecircncias do leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2 ed Campo Grande MS Ed UFMS 2001 p91-100
JAKOBSON R Linguiacutestica e poeacutetica In Linguiacutestica e Comunicaccedilatildeo Satildeo Paulo Cultrix 1995 118-
162
KRIEGER M da G amp FINATTO M J B Introduccedilatildeo agrave Terminologia teoria e praacutetica Satildeo Paulo
Contexto 2004
LARA L F et als Lexicografia espantildeola In Medina Guerra A M (Org) Madrid Ariel 2003
LAKOFF G Women fire and dangerous things What categories reveal about the mindChicago
University ofChicago Press 1987
LARROSA J amp PEacuteREZ DE LARA N Imagens do outro Petroacutepolis Editora Vozes 1998
LIMA T S Para uma teoria etnograacutefica da distinccedilatildeo natureza e cultura na cosmologia juruna RBCS
Vol 14 no 40 junho99 p 43-52
MACIEL DE CARVALHO M C Anaacutelise metalexicograacutefica do dicionaacuterio da liacutengua Baniwa
In FARGETTI C M (Org) Abordagens sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas SP
Editora Curt Nimuendajuacute 2012 p 353-366
MARTINS S de C amp ZAVAGLIA C As cores da fauna e da flora um dicionaacuterio especial composto
por cromocircnimos ESTUDOS LINGUIacuteSTICOS Satildeo Paulo 42 (1) p 245-256 jan-abr 2013
MATEUS I D Entre concertos e desconcertos Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras em
(des)compasso com o campo lexical da muacutesica Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade
Estadual Paulista 2017
MINER H Ritos corporais entre os Nacirema In ROONEY AK amp VORE PL (Orgs) YOU AND
THE OTHERS - Readings in Introductor y Anthropology Cambridge Erlich 1976
MONDINI J N Yudja utaha a culinaacuteria juruna no Parque Indiacutegena Xingu ndash uma contribuiccedilatildeo ao
dicionaacuterio biliacutengue juruna-portuguecircs Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Araraquara Universidade Estadual
Paulista 2014
MOSCARDINI L E Recursos de textos de alunos e professores da escola juruna anaacutelise para uma
contribuiccedilatildeo ao ensino Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade Estadual Paulista 2011
144
MOSCARDINI L E amp FARGETTI C M O uso do dicionaacuterio nas abordagens de leitura e escrita
em portuguecircs na escola juruna In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa no Brasil 1
ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 143-151
MOTTA C da S Noccedilotildees gerais sobre insetos borboletas e mariposas (Lepidoacuteptera) Manaus INPA
1996
MOURA NEVES M H de Substantivos Adjetivos oraccedilotildees adjetivas Processos de predicaccedilatildeo e
referenciaccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jun 2018 Aulas ministradas
aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Gramaacutetica do Portuguecircs
MOURA NEVES M H de BRAGA M L ampDALL‟AGLIO-HATTNHER M M As construccedilotildees
hipotaacuteticas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs culto falado Vol
II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp 2008
MOURAtildeO JS NORDI N (2002) Principais criteacuterios utilizados por pescadores artesanais na
taxonomia Folk dos peixes do Estuaacuterio do Rio Mamanguape Paraiacuteba ndash Brasil Interciecircncia 27 (11) 1-
6
______ Comparaccedilotildees entre as taxonomias folk e cientiacutefica para peixes do estuaacuterio do Rio
Mamanguape Paraiacuteba-Brasil Interciencia vol 27 nuacutem 12 diciembre 2002b pp 664-668
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA C de A A Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar - jun 2018
Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA Cde A A Tradiccedilatildeo lexicograacutefica portuguesa Bluteau Morais e Vieira In Oliveira
A M P P de amp Isquerdo A N (Orgs) As Ciecircncias do Leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2ed Campo Grande UFMS 2001 p 153-170
______ Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees
sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar -
jun 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e
Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
NADIN O Breve panorama histoacuterico da Lexicografia Pedagoacutegica histoacuteria definiccedilatildeo e conceitos
Dicionaacuterios Pedagoacutegicos estruturas funccedilotildees e liacutenguas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp
Araraquara SP Mar a mai 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e alunos especiais
matriculados na disciplina ―Lexicografia Pedagoacutegica
OGDEN C K amp RICHARDS I A O significado de significado um estudo da influecircncia da
linguagem sobre o pensamento e sobre a ciecircncia do simbolismo Satildeo Paulo Zahar 1972
145
OLIVEIRA A E Os Iacutendios Juruna do Alto Xingu Satildeo Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia ndash
USP 1970
PALO JR H (Org e Edit) Borboletas do Brasil Satildeo Carlos Vento Verde Editora
PEIXOTTO M Os ldquodairdquo e a alteridade juruna (Monografia de Conclusatildeo de Curso em Ciecircncias
Sociais) Satildeo Carlos UFSCAR 2013
PEREIRA A H Terminologia do Direito do Consumidor Anaacutelise das motivaccedilotildees da variaccedilatildeo
terminoloacutegica Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa) Universidade Estadual
Paulista Juacutelio de Mesquita Filho Faculdade de Ciecircncias e Letras Araraquara 2018 108 f
PETIZA S et als Amazocircnia Rev Antropol (Online) 5 (3) Especial 708-732 2013
PICELLI P O perspectivismo de Viveiros de Castro proposta de uma nova antropologia Revista
Alteridade ndash Montes ClarosMG v 2 n 1 p53-63 maio2016
PIEDADE A T de C A Etnografia da Muacutesica segundo Anthony Seeger clareza epistemoloacutegica e
integraccedilatildeo das perspectivas musicoloacutegicas Cadernos de campo Satildeo Paulo n 17 2008 p 233-235
PIKE KL Language in relation to a unified theory of the structure of human behavior Hague
Mouton 1966
______ (1971) Phonemics a technique for reducing languages to writing Ann Arbor The
University of Michigan Press(1ordf ed 1947)
POLITO A M amp SILVA FILHO O L A Filosofia da Natureza dos preacute-socraacuteticos In Cad Bras
Ens Fiacutes v 30 n 2 p 323-361 ago 2013
PORTO-DAPENA D Manual de Teacutecnica Lexicograacutefica Madrid Arcolibros SI 2002
RAFAEL J A (ed) Insetos no Brasil diversidade e taxonomia Ribeiratildeo Preto Holos Editora 2012
REY-DEBOVE J Leacutexico e dicionaacuterio Trad de Cloacutevis Barleta de Morais Alfa Satildeo Paulo 28(supl)45-69 1984 ROSENFELD A O fenocircmeno teatral In ______ TextoContexto Satildeo Paulo Perspectiva 1969 p 19-41
SAacuteEZ O C Do perspectivismo ameriacutendio ao iacutendio real Campos 13(2)7-23 2011
SANDMAN A J Morfologia geral 2 ed Satildeo Paulo Contexto 1993
SANTAELLA L O que eacute semioacutetica 3 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1983
SAPIR E (2004) Language an introduction to the study of speech New York Harcourt Brace
SAPIR E MANDELBAUM D HYMES D (ed) (1985) Selected writings in language culture and
personality Berkeley University of California Press
SAUSSURE F de Curso de Linguiacutestica Geral Traduccedilatildeo de Antocircnio Chelini Joseacute Paulo Paes e
Izidoro Blikstein 34a ed Satildeo Paulo Cultrix 2012
146
SEKI L A Linguumliacutestica indiacutegena no brasil Delta vol 15 nordm especial 1999
______ Liacutenguas indiacutegenas do Brasil no limiar do seacuteculo xxi Revista Impulso v 1 nordm 27 Piracicaba
2000 p 233-256
SILVA D Anaacutelise do trabalho ―O leacutexico da liacutengua Terena proposta do dicionaacuterio infantilbiliacutengue
Terena-Portuguecircs Educaccedilatildeo escolar indiacutegena na Reserva Indiacutegena Cachoeirinha MirandaMS In
______ Estudo lexicograacutefico da liacutengua Terena proposta de um dicionaacuterio biliacutenguumle Terena-Portuguecircs
Araraquara Unesp (Tese de doutorado) 2013 p 29-45 Disponiacutevel em
lthttpswwwgooglecombrurlsa=tamprct=jampq=ampesrc=sampsource=webampcd=1ampcad=rjaampuact=8ampved
=0CB0QFjAAampurl=http3A2F2Facervodigitalunespbr2Fhandle2Funesp2F1681353Flo
cale3Dpt_BRampei=wq3YVIm4GYzfsATbkYGQAQampusg=AFQjCNGBSrPelXVvb3tSQNK6Y5S_D
Up0JQampsig2=p8NjA0-PfBruUomIw0A0-wgt Acesso em 18 dez 2014
SILVA M C P da Lexicografia biliacutenguumle uma verificaccedilatildeo dos substantivos mais frequumlentes em
dicionaacuterios biliacutenguumles francecircs-portuguecircs e portuguecircs-francecircs In LONGO B N de O amp SILVA B C
da (org) A construccedilatildeo de dicionaacuterios e de bases de conhecimento lexical Satildeo Paulo Cultura
Acadecircmica Editora 2006
SILVA O L da Das ciecircncias do leacutexico ao leacutexico nas ciecircncias uma proposta de dicionaacuterio
portuguecircs-espanhol de Economia Monetaacuteria Odair Luiz da Silva -- Araraquara [sn] 2008 334 f
SILVA R de S P T A importacircncia do estudo lexicultural no ensino meacutedio Anais do SIELP Volume
2 Nuacutemero 1 Uberlacircndia EDUFU 2012
SKLIAR C A invenccedilatildeo da alteridade ―deficiente a partir dos significados de normalidade In
Educaccedilatildeo amp Realidade 24 (1) jul-dez 1999 p15-32
STHER F W Immature insects vol II II Kendall amp Humt Dubique (USA) 1987 1620 p
TEMMERMAN R Towards new ways of Terminology description the socicognitive approach
AmsterdamPhiladelphia J Benjamins Pub Co 2000
VANETI L L Banco de dados com termos de parentesco Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara
Universidade Estadual Paulista 2017
VERNANT JP O universo os deuses os homens Trad Rosa Freire dlsquoAguiar Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2000 p 59-77
VICTOR E LEO Borboletas Satildeo Paulo Columbia 2008 1 viacutedeo digital on line mp4 (3min 19
seg) Disponiacutevel em
lthttpswwwbingcomvideossearchq=victor+e+leo+borboletasampview=detailampmid=7944F8E90A2
D6F5C5AEE7944F8E90A2D6F5C5AEEampFORM=VIRE gt Acesso em 02 Ago 2018
VILLALVA A amp SILVESTRE J P Introduccedilatildeo ao estudo do leacutexico descriccedilatildeo e anaacutelise do
Portuguecircs Rio de Janeiro Editora Vozes 2014
VILELA M Estruturas leacutexicas do portuguecircs Coimbra Livraria Almedina 1997
VIVEIROS DE CASTRO E Os pronomes cosmoloacutegicos e o perspectivismo ameriacutendio Mana
2(2)115-144 1996
VOIGT J K Iacutendios miacutedia e questotildees de representaccedilatildeo Revista Adveacuterbio 2015 v10 N 20 p 35-
44
147
XATARA C BEVILACQUA C R amp HUMBLEacute P R M (Orgs) Dicionaacuterios na teoria e na
praacutetica como e para quem satildeo feitos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2011
WEINRICH U LABOV W amp HERZOG MI Fundamentos empiacutericos para uma teoria da mudanccedila
linguumliacutestica Traduccedilatildeo BAGNO M Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2006 p 87-126
WELKER H A Dicionaacuterios uma pequena introduccedilatildeo agrave lexicografia 2 ed revista Brasiacutelia
Thesaurus 2004 p 106-248
WHORF B (1956) Language thought and reality selected writings of Benjamin Lee Whorf
Cambridge MIT
ZAVAGLIA C A homoniacutemia no Portuguecircs Tratamento semacircntico segundo a estrutura Qualia de
Pustejovsky com vistas a implementaccedilotildees computacionais Alfa Satildeo Paulo 47 (2) 77-99 2003
BIBLIOGRAFIA
ACAacuteCIO M S J A questatildeo da universalidade na distinccedilatildeo da classe de palavras nomes Ribanceira
ndash Revista do Curso de Letras da UEPA Beleacutem Vol 1 n 1Jul-Dez2013 p 6-22
AMORIM DS Fundamentos de sistemaacutetica filogeneacutetica Holos Editora Ribeiratildeo Preto 2002 136p
BARBOSA M A Para uma etno-terminologia recortes epistemoloacutegicos Ciecircncia e Cultura
nordm 58 (2) p 48-51 2006
BARROS D L P de Teoria semioacutetica do texto 5 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2011
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral
II trad Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BIDERMAN M T C Conceito linguiacutestico de palavra In Palavra Rio de Janeiro Grypho 1999
______ Aureacutelio Sinocircnimo de dicionaacuterio Alfa Satildeo Paulo 44 27-55 2000 BOSQUE I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba 9 1982 p 105-123
CABREacute M T Terminologia em foco uma entrevista comentada com Maria Teresa Cabreacute [Entrevista cedida a] SANTIAGO M S amp KRIEGER M da G Calidoscoacutepio Vol 11 n 3 p 328-
332 Unisinos setdez 2013
CORBERA MORI A A classe adjetivos em Aguaruna (Jiacutevaro) In PADILLA J A S amp DEacuteNIZ M
T Actas del XI Congreso Internacional de la Asociacioacuten de Linguumliacutestica y Filologiacutea de la Ameacuterica
Latina jul 1996 p 1771-1777
COSTA D S da Classes de palavras Flexatildeo Nominal Flexatildeo Verbal Faculdade de Ciecircncias e
Letras ndash Unesp Araraquara SP Mar a jun 2017 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e
alunos especiais matriculados na disciplina ―Morfologia do Portuguecircs
DlsquoOLNE CAMPOS M amp FAULHABER P Caminhos do sol e orientaccedilatildeo espacial em sociedades
indiacutegenas tropicais In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias etnograacuteficas
desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea cultural cosmo-
poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
148
GOacuteRGIAS Elogio agrave Helena Trad De Antocircnio Suaacuterez Abreu [s data]
FERRARI L Categorizaccedilatildeo In ______ Introduccedilatildeo agrave Linguiacutestica Cognitiva Satildeo Paulo Contexto
2011
ILHERING R V Dicionaacuterio dos animais do Brasil Rio de Janeiro DIFEL 2002 588 p
JORGE DE MELO D amp FAULHABER P Embate entre ciecircncia e religiatildeo a lua as religiotildees afro-
brasileiras e a missatildeo Apollo 11 In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
LAPLANTINE F Aprender antropologia Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2003
LENKO K PAPAVERO N Insetos no folclore 2 ed Satildeo Paulo Plecirciade FAPESP 1996
MACHADO ESTEVAM A Expressando conceitos de qualidade em Xavante adjetivos ou verbos
Revista Moara ndash Ediccedilatildeo 43 vol 2 ndash jul - dez 2015 Estudos Linguiacutesticos
MELO DE OLIVEIRA T Terminologia metaacutefora e outros fenocircmenos que desafiam o princiacutepio da
univocidade anaacutelise qualitativa de unidades terminoloacutegicas Cadernos do IL Porto Alegre nordm 42
junho de 2011 p 311-312 Disponiacutevel em lthttpwwwseerufrgsbrcadernosdoilgt Acesso em 07
Mai 2018
MOLINA GARCIacuteA La lexicografiacutea pedagoacutegica La lexicografiacutea biliacutengue En Fraseologiacutea biliacutengue
un enfoque lexicograacutefico-pedagoacutegico Granada Comares 2006 p 9-84
NADIN O L amp ZAVAGLIA C Temos a palavra In ______ (Orgs) Estudos do leacutexico em
contextos biliacutengues Campinas Mercado das Letras 2016 p 7-13
PERINI et al Sobre a classificaccedilatildeo das palavras In Delta Vol 14 Satildeo Paulo 1998 Disponiacutevel em
lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010244501998000300014gtAcesso em 03
de jun de 2017
SALVADOR E L A Greacutecia antiga Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jan-
jul 2013 Aulas ministradas aos graduandos do turno diurno matriculados na disciplina ―Literatura
Grega I
VIVEIROS DE CASTRO E Perspectivismo e multinaturalismo na Ameacuterica indiacutegena p 225-254 O
que nos faz pensar nordm 18 setembro de 2004
VOGLER C A jornada do escritor estruturas miacuteticas para escritores 2 ed Rio de Janeiro Nova
Fronteira 2006
WEINRICH H A verdade dos dicionaacuterios p 314-337 Trad e introd de Maacuterio Vilela Rio de
Janeiro Compainha das Letras 1979
WELKER H A Sobre o uso de dicionaacuterios por aprendizes de liacutenguas Panorama Geral da
Lexicografia Pedagoacutegica Brasiacutelia Thesaurus 2008 p 13-114
149
150
APEcircNDICES
151
Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna
Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo
juruna
1
kamaperuperu
2
Nasusu do ceacuteu
3
Nasusu do ceacuteu
152
4
Nasusu do ceacuteu
5
Nasusu do ceacuteu
6 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
153
6 b (asas
fechadas)
7
Nasusu do ceacuteu
8
Nasusu do ceacuteu
154
9
Nasusu do ceacuteu
10
Nasusu do ceacuteu
11
Nasusu do ceacuteu
155
12 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
12 b (asas
fechadas)
13 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
13 b (vista
lateral)
156
14
Nasusu do ceacuteu
15
Nasusu do ceacuteu
16 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
157
16 b (asas
abertas)
17 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
17 b (vista
lateral)
18 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
158
18 b (asas
abertas)
19
Nasusu do ceacuteu
20
Nasusu do ceacuteu
159
21
Nasusu do ceacuteu
22
Nasusu do ceacuteu
23
Nasusu do ceacuteu
160
24 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
24 b (asas
abertas)
25
Nasusu do ceacuteu
26
Nasusu do ceacuteu
161
27
yahaha da
Terra
28
Nasusu do ceacuteu
29 (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
162
29 (vista
lateral)
30
Nasusu do ceacuteu
31
yahaha da
Terra
163
32
Nasusu do ceacuteu
33
Nasusu do ceacuteu
34
Nasusu do ceacuteu
35 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
164
35 b (asa
aberta)
36 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
36 b (asa
aberta)
165
37
Nasusu do ceacuteu
38
Nasusu do ceacuteu
39
Nasusu do ceacuteu
40
Nasusu do ceacuteu
166
41
yahaha da
terra
42 a (vista
lateral)
Nasusu da
Terra
42 b (asa
aberta)
43
kamaperuperu
167
44 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
45 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
46 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu da
Terra
168
47 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
48 a
(Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
asa aberta
Nasusu do ceacuteu
48 b (Foto
de Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
vista
lateral
169
49 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
50 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
51
Nasusu do ceacuteu
170
52 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
533 (vista
lateral)
54
Nasusu do ceacuteu
171
55
Nasusu da
Terra
56
Nasusu do ceacuteu
57
Nasusu do ceacuteu
58
Nasusu do ceacuteu
172
59
Nasusu do ceacuteu
60
Nasusu do ceacuteu
61
Nasusu da
Terra
62
Nasusu do ceacuteu
63 (foto de
Cristina
Martins
Fargetti)
yahaha do ceacuteu
173
64
nasusu do ceacuteu
65
nasusu do ceacuteu
66
nasusu do ceacuteu
67
nasusu da
Terra
174
68
nasusu da
Terra
69
nasusu da
Terra
70
nasusu do ceacuteu
175
71
nasusu da
Terra
72
nasusu do ceacuteu
73
yahaha (o
informante
natildeo soube
dizer se era do
ceacuteu ou da
terra)
176
74 (foto de
Arewana
Juruna)
nasusu do ceacuteu
75
kamaperuperu
76
nasusu da
Terra
77
nasusu (o
informante
natildeo soube
dizer se era da
Terra ou do
ceacuteu)
177
78 a (visatildeo
da parte
exterior
da asa)
nasusu do ceacuteu
78 b (asas
abertas)
79
nasusu da
Terra
80
yahaha fraca
(da terra)
178
81
nasusu do ceacuteu
82
nasusu da
Terra
83
nasusu da
Terra
84
Nasusu do ceacuteu
179
85
nasusu do ceacuteu
86 a(asas
abertas)
kamaperuperu
86 b (asas
fechadas)
180
87
nasusu do ceacuteu
AGRADECIMENTOS
Natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis relembrar todos aqueles que contribuiacuteram direta ou
indiretamente para a produccedilatildeo deste trabalho
Portanto estou convicto de que muito provavelmente me esquecerei de explicitar
algum nome e por isso peccedilo que aqueles que porventura natildeo forem aqui nomeados de
antematildeo me desculpem pela falha de memoacuteria
Dito isso abro esta parte preacute-textual agradecendo ao amor carinho afeto e paciecircncia
de Tatiana de Oliveira Mateus Maria Helena Gonccedilalves e Liliana Oliani Rotondo as trecircs
mulheres que na Terra assumiram o papel de figuras maternas e ao mesmo tempo paternas
realizando as castraccedilotildees e puniccedilotildees quando era necessaacuterio
Aleacutem disso cabe dizer que o presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenaccedilatildeo de Apoio e Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash Brasil (CAPES) ndash
Coacutedigo de Financiamento 001 Portanto gostaria tambeacutem de agradecer agrave CAPES e ao
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Unesp FlcAr pela
concessatildeo da bolsa por todo auxiacutelio durante a pesquisa bem como pela verba para que
pudesse ir a campo em meados de 2017 ndash auxiacutelio pelo qual tambeacutem devo agradecimento ao
CNPq
Meu muito obrigado tambeacutem a todos os docentes do PPGLLP com os quais entrei em
contato durante esses dois uacuteltimos anos pelos ensinamentos e direcionamentos com relaccedilatildeo agrave
pesquisa
Agradeccedilo obviamente a toda comunidade juruna de Tubatuba por ter me recebido ndash
junto com os outros membros da equipe- mesmo ainda em luto de maneira tatildeo calorosa
solidaacuteria e soliacutecita em especial a Yaba Juruna Txapina Juruna e Tarinu Juruna sendo que por
este uacuteltimo ndash a quem por falta de outro item lexical chamo de ―informante mas que me
presenteou com algo muito maior do que informaccedilotildees com seu tempo e amizade- tenho um
sentimento de estima e de gratidatildeo tatildeo grandes quanto agrave sua dedicaccedilatildeo e paciecircncia em tentar
me explicar seus conhecimentos e em repetir as mesmas respostas ou os mesmo conteuacutedos
para um pesquisador de primeira viagem (em todos os sentidos) que vivia repetindo as
mesmas perguntas para confirmar suas impressotildees
A Mitatilde Xipaya e agraves crianccedilas juruna pelo auxiacutelio na busca e captura dos insetos que
fizeram parte da pesquisa
Aos bioacutelogos e entomoacutelogos com os quais entrei em contato em especial a Peterson
Lasaro Lopes Liacutevia Gruli Ana Braga ao Prof Dr Fernando B Noll (do departamento de
Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a
quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e
acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e
Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli
que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-
graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia
entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros
A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica
Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva
Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou
eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e
afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis
pelos conselhos momentos de alegria desabafos
A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr
Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova
monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha
com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave
minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra
tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me
oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar
no qual desmaiar
Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante
aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-
conhecimento
E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as
quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia
Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me
fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a
Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja
menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)
devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui
tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os
ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo
[]
Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual
Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu
Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu
Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)
RESUMO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de
mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees
terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente
porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos
miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por
noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses
―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar
estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de
Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)
Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade
entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na
Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como
Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-
tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico
cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses
espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar
neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba
(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente
programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que
foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna
(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-
las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade
com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees
enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e
revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online
Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas
REacuteSUMEacute
Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet
de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des
contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons
Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles
linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui
concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure
maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue
JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave
leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de
Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de
ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous
basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches
dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle
de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-
culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans
les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre
consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les
modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80
dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne
nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes
momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen
dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents
photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les
histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions
encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront
deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba
ou lors de reacuteunions en ligne
Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo
ocidental
139
LISTA DE DESENHOS
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28
Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28
Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29
Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101
Foto 8 Lagarta com verrugas 102
Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-
onccedila
118
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara
FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras
TCT Teoria Comunicativa da Terminologia
TE Terminologia Etnograacutefica
TGT Teoria Geral da Terminologia
Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Sumaacuterio
1Introduccedilatildeo 14
2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas
autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18
22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de
liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua
relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24
24 Sobre os juruna 25
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30
26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31
3 Aporte teoacuterico 39
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo
empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por
dada comunidade 39
31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o
leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65
321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
67
3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74
3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o
enxerga 81
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94
4 Metodologia 105
5 Resultados e Discussatildeo 110
6 Consideraccedilotildees finais 135
Referecircncias 140
Bibliografia 147
Apecircndices 150
Apecircndice A 151
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas
durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para
contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos
objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos
saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como
borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar
A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as
lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo
geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam
em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de
maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo
dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos
autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees
ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de
seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o
que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs
Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo
que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por
nossa orientadora
Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no
levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados
formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes
na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato
Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os
quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos
para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da
Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas
brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os
conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia
Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este
conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem
15
sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-
indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)
discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas
juruna poderiam ser lematizadas
Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura
desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo
embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2
Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia
de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo
para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)
Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos
pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre
avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas
brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees
diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim
falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os
singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma
Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na
aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff
e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes
da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o
estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais
signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos
―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato
com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava
Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem
antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo
aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias
saussurianas apenas em partes
Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das
mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo
norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua
16
diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de
uma obra lexicograacutefica)
Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)
sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos
tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias
atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e
Lima (1996)
Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as
etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a
epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais
Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas
utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as
nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais
aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como
demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4
18
2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS
QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS
Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver
precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando
sua relevacircncia
Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de
justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e
documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as
indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os
insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros
Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo
muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo
passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada
inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como
mero fornecedor de informaccedilotildees
Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio
na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos
falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle
Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam
uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees
indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes
fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral
costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele
ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes
como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um
personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado
―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo
omitidas
Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando
Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das
19
variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou
classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como
se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)
Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que
Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos
desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo
escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados
a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por
preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista
desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo
(MOSCARDINI 2011 p 7)
Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que
se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees
pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos
cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas
linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais
por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-
indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de
Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e
obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter
negativamente ―diaboacutelico
Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com
relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico
―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses
se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o
referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma
―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o
―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade
Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que
Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi
exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem
do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na
psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria
do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em
gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave
marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se
como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se
deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a
20
partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua
sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um
passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel
ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem
primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam
muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se
atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)
Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute
patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito
anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica
de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento
segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam
nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de
antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como
uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel
―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu
problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente
atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior
Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute
comentavam que
A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a
reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais
satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila
nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal
nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade
(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)
Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e
infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem
o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de
uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em
aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998
p 18)
21
2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas
indiacutegenas brasileiras
De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios
como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na
subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo
desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na
deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os
idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com
respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores
(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos
palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas
Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a
descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso
no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de
campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas
alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal
projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo
Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos
lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de
Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que
contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo
metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo
aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos
Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)
Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes
Vaneti Mateus e Fargetti (2018)
A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma
documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo
semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os
resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a
consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas
Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens
22
juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que
foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel
Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de
cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as
informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)
Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e
comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para
aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora
concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos
cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves
encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre
os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de
partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados
por um ou mais radicais (BERTO 2013)
Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo
participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico
juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou
com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e
equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees
morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas
Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais
recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o
desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por
vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas
buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco
musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas
iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de
pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias
Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por
Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos
yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-
gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo
semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios
23
lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras
se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas
sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade
linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou
demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas
aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete
Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia
de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas
indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia
utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)
pretendia
[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees
possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os
lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de
determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017
p 5)
Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram
lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos
musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)
Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens
os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia
Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os
nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias
colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento
ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e
chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na
verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o
equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos
itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso
o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia
anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente
haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e
descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte
Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as
realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e
24
exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma
dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a
outras realizaccedilotildees possiacuteveis
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-
cientiacutefica para as comunidades estudadas
Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)
ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013
p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a
necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas
que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti
(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando
a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)
Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a
importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que
concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem
humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem
confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades
indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de
materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de
elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as
etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a
preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-
culturais dessas populaccedilotildees
Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o
estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire
relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate
de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos
objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos
pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico
das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas
realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser
documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado
25
inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido
aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica
pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca
de contato Como salienta Peixotto (2013)
Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm
51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo
Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato
Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e
atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais
novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o
Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de
27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas
representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti
Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro
Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng
(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)
tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A
aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o
uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando
do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque
(PEIXOTTO 2013 p 9-10)
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu
Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor
conheccedila tal povo
24 Sobre os juruna
Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60
hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no
Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem
ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca
26
de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena
Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda
Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a
liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e
manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam
eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que
A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []
encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no
extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados
por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou
escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa
migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos
indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros
Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e
Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX
devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio
Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando
entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave
foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma
regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu
Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna
tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano
depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a
fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para
a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os
juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute
aldeia fixando-se todos em Tubatuba []
A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas
moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da
antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)
Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna
tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute
27
fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom
alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais
Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-
fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e
dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (
e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e
) e cinco nasais ( e ))
Como afirma Berto (2013)
De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma
liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico
C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a
esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um
radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os
constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto
verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de
reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)
Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe
da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o
excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave
formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)
vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz
questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo
Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos
e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar
o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com
resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de
vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute
que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a
mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares
Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida
fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas
corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros
povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)
Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as
mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques
zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham
28
banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados
pelos membros femininos das aldeias
No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como
ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas
[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de
farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba
que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado
quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia
permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Foto 4 casa em construccedilatildeo
Fonte Mateus (2017)
29
Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como
comenta Peixotto (2013)
O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira
como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos
brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma
depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos
macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais
satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados
caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua
(PEIXOTTO 2013 p 22)
Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para
que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []
que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios
muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)
Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como
confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que
proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela
comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a
autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em
FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria
embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os
distinguia uma tatuagem
[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha
vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a
partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no
queixo (FARGETTI 2017 p 25)
Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -
continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo
quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de
assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas
30
Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e
tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um
dicionaacuterio da liacutengua juruna
Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa
orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar
os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores
envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos
terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa
em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna
sobre os ―insetos como comentado abaixo
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos
No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam
Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de
animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes
ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo
do conhecimento da biodiversidade do planeta
Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas
uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e
tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos
de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela
chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas
superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas
formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de
plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo
Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de
algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de
servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a
algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e
alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo
dos solos
Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar
natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de
31
insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000
espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como
tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como
um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao
homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas
a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves
escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com
formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas
que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes
Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros
pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de
gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem
disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de
outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou
somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)
2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico
Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia
terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a
globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-
tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados
internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas
de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade
(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que
[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na
Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas
quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em
alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)
Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo
uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as
referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades
leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que
passariam a adquirir novos valores especializados
32
Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o
leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki
(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos
embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista
descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na
verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem
descriccedilotildees realmente cientiacuteficas
Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear
qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como
―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades
miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste
texto)
Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que
[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o
conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos
fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel
analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias
(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico
morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash
por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza
na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute
relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos
nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)
Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave
cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira
Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO
2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do
universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees
puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos
praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os
resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura
material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para
geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um
ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas
variadas disciplinas de coleacutegios)
Nas palavras de Abbade (2006)
Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter
falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e
33
socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A
linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas
palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um
povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo
que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes
haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de
um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de
pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e
necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e
linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do
leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo
Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada
um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles
caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute
consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do
leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos
morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p
716)
Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas
―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico
que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem
sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos
lexicoacutegrafos deveria ser
[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico
[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a
consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras
adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio
natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto
de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma
abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da
comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []
O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o
conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em
unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que
nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a
outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber
que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus
usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de
vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se
aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos
dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)
Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos
(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos
cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees
crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute
mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo
mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade
―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco
34
natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim
denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem
desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que
ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a
indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um
ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma
mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma
valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de
parceiras afetivas
Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar
que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que
portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o
cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues
marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com
uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute
porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos
menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do
conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito
Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos
(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios
monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-
Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras
de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua
(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria
apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua
comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras
A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir
uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir
uma competecircncia gramatical oacutetima
Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua
vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar
adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem
quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que
elas regem
Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem
um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo
eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas
palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem
35
todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou
nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida
ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de
empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por
outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim
certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-
DEBOVE 1984 p 57-58)
Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como
comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes
de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as
variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto
opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive
vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas
Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que
natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos
(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)
Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais
pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade
juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou
um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se
poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de
opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a
questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da
lexicologia e da terminologia
Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos
etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles
natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs
ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute
de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada
espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento
ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode
ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse
sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas
especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute
distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando
antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])
36
Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite
dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em
que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua
Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes
de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um
conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo
cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de
nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo
realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio
Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna
De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como
vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem
se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante
do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e
indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em
juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para
responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer
que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a
comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos
De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de
borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por
toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada
terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas
De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o
leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees
culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos
com Biderman (1998) quando ela afirma que
[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes
dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse
universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o
leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da
linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)
Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as
seccedilotildees seguintes
37
Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as
borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que
pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do
Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais
desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como
―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)
poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue
Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e
ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar
somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras
listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente
potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson
(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave
perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-
converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares
equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador
traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e
semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse
uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da
versatildeo grega
Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as
limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma
anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema
em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes
(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no
sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos
limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar
mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como
borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo
haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo
adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute
apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee
diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo
38
Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs
como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que
para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem
Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que
justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados
39
3 APORTE TEOacuteRICO
Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas
abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos
citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela
comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder
criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos
de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os
idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)
Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas
aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos
mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas
de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na
―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na
Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico
ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade
Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas
dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto
Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo
anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e
os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos
Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue
figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)
tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades
grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio
real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os
temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam
ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para
existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de
figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa
sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e
40
ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem
varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto
de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois
que perde o marido
Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud
SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De
acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo
extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade
sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no
segundo e siacutembolos no terceiro
Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a
primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato
quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a
reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo
qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam
para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria
jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz
iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo
em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo
se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa
num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque
houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado
A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada
teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma
sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos
alunos
Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que
Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo
que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como
plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a
realidade
Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto
dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as
formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua
convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com
outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se
comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN
1998 p 73)
41
Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as
consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato
histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do
possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe
status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)
Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos
para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de
formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros
satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma
fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que
existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor
citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na
liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show
(ALVES 1990)
Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo
apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as
liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido
apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos
Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e
representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em
seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se
descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum
sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash
resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada
por um nuacutecleo social na medida em que
[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute
que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre
genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com
sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um
signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos
elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a
por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no
sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa
relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos
como dormir (MATEUS 2017 p 51)
42
Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo
cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo
Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo
universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto
retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias
(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja
os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o
mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos
ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS
COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam
de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma
abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo
muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)
No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias
espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para
agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em
seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos
deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU
2010 MATEUS 2017)
Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que
tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes
sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um
lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante
nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo
que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo
de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas
entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos
que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise
Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes
mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de
sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes
soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes
acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta
uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado
43
Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico
Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo
se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e
caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos
Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar
natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo
enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se
mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)
pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico
e metafiacutesico
[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento
material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto
―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como
um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que
dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash
quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana
(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito
como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de
compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A
harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma
harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um
caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais
similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que
privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de
tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)
Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a
verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais
estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas
sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e
que se oferece para ser decifrado e interpretado
Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um
fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a
origem desse mundo
Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de
todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente
multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por
exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)
44
Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a
palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo
tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas
Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem
ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma
dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a
multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade
(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)
O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a
―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das
constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma
―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta
(CHAUI 2002 p 82)
As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais
tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a
novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais
utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia
De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista
que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire
existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa
nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo
entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que
se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por
Saussure
Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que
faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou
ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue
desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos
demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por
exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o
loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim
que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa
que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que
45
[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em
quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que
nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas
lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz
racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada
medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora
uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de
quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de
quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as
coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre
justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta
se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)
De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e
delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece
apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior
quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas
vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na
qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque
agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo
como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que
natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso
Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente
diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A
anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero
Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute
caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que
aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de
nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees
morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas
satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas
os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como
estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo
como insetos mas sim como aracniacutedeos
Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela
comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor
linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos
afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O
que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo
46
em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma
importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista
que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo
relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo
sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois
primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um
conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um
animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem
conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de
significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o
mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais
possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica
[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico
quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se
verifica)
Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos
para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de
argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em
que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma
subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a
instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu
que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer
adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como
cachorro ao qual se opotildee distintivamente
Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas
pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos
compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute
problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo
analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica
normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam
elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que
chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal
Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos
periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas
47
Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de
Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e
Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo
linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a
existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si
perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar
isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica
que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e
encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma
posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos
parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas
Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a
novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os
dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para
(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando
rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo
Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das
outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto
natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam
figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo
assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como
―Joatildeo chegou mas Maria saiu)
Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de
construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual
semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta
oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar
desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como
―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute
sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela
escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel
abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que
seria [+dependente] e [-encaixada] na principal
E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade
satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas
48
subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de
ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-
o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma
principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que
natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum
complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das
completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que
eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz
(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]
uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido
ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo
querer
Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas
aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo
complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo
nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas
de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e
isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos
agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as
explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer
(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito
(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista
Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais
subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo
geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo
provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o
falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho
de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que
minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria
em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa
agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma
generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente
49
dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo
Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a
noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo
especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que
homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente
recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido
Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas
de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento
fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo
fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as
intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os
fazer decorar esses roacutetulos)
Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com
a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma
Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela
presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar
que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de
propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa
uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado
Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva
equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu
―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre
um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a
natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade
a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma
Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do
conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de
significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades
De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que
quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada
natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer
―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus
irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles
seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam
50
acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos
que eu possuo
Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status
ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-
330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal
Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute
sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a
afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o
fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que
Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear
constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as
supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa
(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo
dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos
distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute
pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto
linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva
explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo
sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser
inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional
acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer
dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p
328-330)
Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a
restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo
quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo
de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava
ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava
em Osasco
Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que
inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam
configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade
material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que
fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma
construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia
bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela
regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos
comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas
51
pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo
anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de
termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo
Como salienta Rey-Debove (1984)
[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees
constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito
da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta
sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra
uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos
linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das
palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da
dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente
aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma
palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente
combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo
construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais
traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe
concebida do mesmo modo
Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal
marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode
(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir
indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que
poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma
classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos
Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo
as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais
domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau
geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente
dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte
boa)
Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo
adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter
importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica
natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se
tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo
excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)
Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens
linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses
conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema
linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias
Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana
(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)
Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o
conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas
como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto
adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma
52
ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para
mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem
Pode-se dizer portanto que
A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das
classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para
estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a
dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais
para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p
141)
Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo
por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo
Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por
adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua
indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer
reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis
A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se
distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo
semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna
ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em
classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de
diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon
(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de
adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um
criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto
contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao
juruna
Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees
em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo
genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para
funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um
predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de
verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem
nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a
intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo
do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)
53
Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por
Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos
estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento
Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a
despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente
pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute
satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute
a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)
tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do
mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a
accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como
bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)
―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo
estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento
subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro
paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-
pessoais
Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo
entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma
que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar
nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que
ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e
WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se
adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas
formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira
hipoacutetese enquanto outros mais da segunda
Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria
possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o
pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a
ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito
mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o
Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que
determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades
culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o
54
povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas
morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem
Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que
[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo
haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a
cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como
devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-
cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual
fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)
3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica
De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois
uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de
forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras
Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi
comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)
Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos
costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam
sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da
mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por
exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees
dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da
mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em
virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs
Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar
sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos
Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio
leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel
que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de
opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico
ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que
conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e
descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados
Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na
medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em
55
virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado
com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de
elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de
elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar
durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos
gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)
No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees
relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais
deveriam constar num verbete Nas palavras da autora
[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua
concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo
isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -
agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de
conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os
dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo
lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)
estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata
dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o
elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa
gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso
seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash
meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum
possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)
Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se
rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e
que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)
Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo
normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas
para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa
integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de
unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos
constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)
Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)
postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos
linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e
os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda
leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute
porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico
56
passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de
referenciaccedilatildeo)
Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como
substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte
enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos
traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no
segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)
Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e
portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as
preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase
em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras
Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc
todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para
elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga
semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a
que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos
Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma
periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees
menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais
―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo
(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)
Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer
sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse
sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo
aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente
nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa
subseccedilatildeo agrave parte
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos
de definiccedilatildeo
De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua
sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os
57
sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que
pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)
Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala
em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a
entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse
traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por
distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica
em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a
perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final
no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no
original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente
Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total
equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia
em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas
religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser
―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e
metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois
extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira
delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo
―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria
equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois
ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na
liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como
ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou
bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor
beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que
propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque
isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas
as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao
nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena
Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure
(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade
psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um
significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria
58
Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que
postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos
se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo
extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao
significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material
empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como
demonstrado a seguir
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico
Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado
Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa
univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com
os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma
significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em
todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja
vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns
autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo
com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um
conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma
expressatildeo
Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a
relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a
que ela se refere acaba se questionando
59
- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa
maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que
nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a
mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples
porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos
contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou
pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha
em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar
que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais
poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no
periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o
peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em
arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas
ou salamys (ABBADE 2006 718-719)
Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos
mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa
(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia
como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma
Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e
Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia
(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa
por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os
itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos
seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou
pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta
(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a
polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre
si
Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de
explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes
chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas
A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem
relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra
lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do
leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo
verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas
como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica
e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que
ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos
60
e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado
campo de significaccedilatildeo)
Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)
compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se
escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto
chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de
possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)
seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se
concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva
de um lexema)
E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato
do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos
seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a
tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados
com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa
uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas
O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas
lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar
tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais
de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas
natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos
idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas
em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem
relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que
[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente
lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema
Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a
explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio
traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse
lema principal (MATEUS 2017 P 40)
Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e
especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros
individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se
dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter
(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter
61
(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos
lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)
como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada
formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a
microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado
internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave
definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical
imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento
ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo
que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos
com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio
estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10
veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as
borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo
Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde
o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau
certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete
―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a
euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um
direcionamento
Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada
informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar
muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro
se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem
transparente qual acepccedilatildeo eacute esta
Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser
aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo
redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o
usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua
liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um
grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja
liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a
informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste
segundo caso
62
Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues
tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se
utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos
Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados
definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a
definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira
seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de
modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias
informaccedilotildees sobre determinado item
Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional
(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo
(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido
(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)
particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)
Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas
difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos
Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas
uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que
vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a
opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu
vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em
terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de
definiccedilotildees terminoloacutegicas que
[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e
dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por
exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do
paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU
2009 p 57)
Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que
haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um
lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem
como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo
Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de
definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as
―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de
63
veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento
morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de
―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o
caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)
Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes
ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um
conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre
as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum
elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele
que natildeo estaacute casadolsquo)
Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a
definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos
como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes
como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a
numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como
aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com
outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material
possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu
limpolsquo)
Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem
do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais
histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do
lema)
Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute
ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam
ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)
[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave
complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para
diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como
simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []
diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve
dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos
significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia
hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo
extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte
miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio
proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se
quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica
64
deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal
chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)
Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior
pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de
Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais
do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica
Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter
de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de
―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante
do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as
informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda
nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte
efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo
Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo
objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente
a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que
para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de
girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como
angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol
normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo
traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como
um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa
talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar
na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)
Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem
existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas
(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem
a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba
definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e
de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de
termos linguiacutesticos como morfema paradigma)
65
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia
Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a
metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da
capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de
agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e
acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso
acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e
natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a
ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-
histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso
com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos
eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-
infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo
hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e
descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos
sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo
enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica
possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por
Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica
O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre
momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de
refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo
foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras
palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas
etnocecircntricas que precisam ser superadas
Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees
e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem
caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o
―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX
teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido
na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio
mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo
Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees
cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu
66
contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos
como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser
diferenccedila
Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos
trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores
quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem
ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar
despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o
mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma
pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo
estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de
investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na
descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas
―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o
mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que
aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras
Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves
descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma
comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas
das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e
Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como
apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista
um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de
um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre
elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro
Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois
haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que
focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer
deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo
muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus
(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para
as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a
comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos
cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que
67
maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou
ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela
nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser
―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes
compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que
plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento
Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e
metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em
profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no
sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em
relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os
informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o
―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de
algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista
na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo
Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram
pensados
3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da
pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo
das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada
Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer
que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em
torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de
especialidade de outro
Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas
dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida
como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise
criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva
de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do
conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia
68
(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas
eou digitais)
Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do
que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra
sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das
afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)
[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva
diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como
tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia
regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees
possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma
perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa
dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos
que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado
restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando
com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais
no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e
sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto
especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico
com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a
palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)
E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que
estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes
explicitando em qual deles nos alocamos
Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as
vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste
trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da
Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por
traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e
afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge
Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua
dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos
Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos
estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei
Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de
facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o
estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em
definiccedilotildees
69
Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que
seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira
diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes
(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos
transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e
elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia
ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de
variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos
quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum
Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com
destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos
satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua
profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no
sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na
relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos
Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada
―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster
Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em
qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado
ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das
ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem
a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de
outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo
participariam
Em outros termos
A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva
Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo
ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se
pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia
e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis
Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes
para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo
do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-
se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou
seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas
Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute
os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um
acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um
conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos
aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era
70
portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade
Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se
e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas
diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava
aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se
fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava
isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)
Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo
pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-
especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue
doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de
acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que
etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-
todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para
esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo
especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com
outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)
Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e
normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo
pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para
nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente
por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado
do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como
quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos
especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o
sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando
Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o
tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo
homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica
Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico
[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave
comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os
defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja
para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do
termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um
conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada
povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes
realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)
71
Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a
Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas
anteriormente
Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves
consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os
significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente
(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no
uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos
linguiacutesticos)
Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais
especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou
[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das
unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no
acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados
construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes
das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas
envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)
Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)
que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais
relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-
Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a
cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos
(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos
saberes
Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por
Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)
itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo
assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica
Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal
pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos
vaacuterios povos humanos
De qualquer modo vale ressaltar que
[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades
terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee
agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a
prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se
que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos
72
universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute
2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a
Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo
agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas
naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma
liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades
terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das
palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma
liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo
terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO
DE OLIVERIA 2011 p 311)
Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo
de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um
uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos
linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou
como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um
mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu
significado
Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na
medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo
apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam
parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que
ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro
eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o
explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo
consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a
Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo
De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)
apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas
minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos
de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo
terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna
especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a
autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja
em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre
um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja
indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI
2018)
73
Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em
Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois
Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a
autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-
cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora
questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em
―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade
entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas
nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo
profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis
outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a
pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas
―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela
denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria
Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo
alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da
Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia
constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua
geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos
em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em
propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees
culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute
sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)
Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de
borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria
Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo
conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos
Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se
baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes
ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees
culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as
nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam
contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras
Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende
render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs
que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-
se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por
meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de
especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura
material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e
natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados
alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)
74
endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e
praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade
3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas
Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees
tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que
nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes
denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por
linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo
de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo
de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove
insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu
(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o
meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e
atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e
sentido (ABREU 2010 p 27)
Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora
pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar
conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso
estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno
Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos
mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados
Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da
metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente
descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e
por que Afinal
[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades
em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os
caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o
pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)
Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de
domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na
interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos
constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como
75
―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute
grande
Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar
construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer
da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria
alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de
uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na
seccedilatildeo seguinte
323 A relevacircncia da etnoentomologia
Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de
minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em
consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como
etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e
utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da
Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e
praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas
com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey
(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo
especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)
―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais
ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)
Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode
recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas
comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de
nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)
os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia
bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como
cobras)
Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como
classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos
olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam
classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas
tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)
76
Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo
como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias
rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as
agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos
ou do que para noacutes seriam paacutessaros)
Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as
mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em
comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um
paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute
extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna
alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como
―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios
utilizam para isso
Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do
outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso
Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de
espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi
totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer
informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de
determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada
Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de
ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser
encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)
Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como
se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais
algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles
viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos
animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada
por nosso informante
Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute
levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo
que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por
uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)
De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a
classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum
niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados
77
na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos
e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o
desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo
tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila
ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a
diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades
―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos
passado
Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque
tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente
por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-
ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar
religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar
os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa
proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas
tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos
outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos
Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo
com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a
anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas
que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos
ursos que tanto idolatrava
Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma
verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que
tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e
natildeo podem ser ignoradas
Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-
muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que
lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos
antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e
uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se
aniquilem
Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da
variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse
78
dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria
relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-
indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem
consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque
uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de
outro povo esteja ―errada
Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as
virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que
eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e
repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos
danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria
Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam
ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de
pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja
―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a
fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo
novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso
Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco
conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu
estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a
sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o
cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em
preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na
pesquisa e nada mais do que aquilo
Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como
investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos
de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que
esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo
―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos
como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e
tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos
com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das
cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo
79
Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas
juruna relativos aos animais aqui averiguados
Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria
sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente
redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da
―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em
uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e
vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses
e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre
estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que
pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a
salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo
Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida
Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide
sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que
comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa
informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem
de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca
para complementar a renda
Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma
colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs
como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos
tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens
morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem
esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer
transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa
por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa
coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com
poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo
―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica
quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente
acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que
estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras
80
[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito
unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo
Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos
mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de
bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que
desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os
salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde
depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite
que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu
as nossas vidas
Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas
histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras
histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os
estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma
histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria
Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como
as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000
pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras
histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante
falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com
um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou
pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna
difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que
somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos
nossos)
Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo
como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como
―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na
contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo
estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente
criticada por Skliar (1999)
Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada
o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se
detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias
aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer
diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de
mais campos do conhecimento
Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que
Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do
Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo
quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que
havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam
infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem
histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem
histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma
transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que
outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje
(BERTO 2013 p 31)
81
Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das
nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos
quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes
humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por
Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar
tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de
Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono
como consta abaixo
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga
O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo
quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com
eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo
espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como
entes familiares)
Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas
seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os
homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo
que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes
Jaacute a segunda gira em torno de que
[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois
eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute
necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser
representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se
oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo
exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para
os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as
fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e
amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)
Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer
que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da
categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de
posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie
tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e
alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo
82
chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que
dentro de si estaacute contido
Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e
personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de
vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do
povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute
a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de
uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)
Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos
seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como
objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a
possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados
passariam a englobar um conjunto ativo)
Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado
miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o
estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses
concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e
HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens
natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu
(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e
deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes
era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo
Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da
carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto
repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi
Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas
este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia
mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a
realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas
agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que
ficaram com os deuses era pereciacutevel
Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu
sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo
efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como
83
aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso
tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e
seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e
graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela
curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de
males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade
Mostrando mais um paralelo
[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do
que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram
apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-
guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem
comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo
do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida
capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)
Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes
nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba
sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma
desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da
cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na
condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de
doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)
De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos
tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial
Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo
muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos
pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas
as liacutenguas conhecidas
De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com
os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho
com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de
felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as
oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta
ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou
uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal
teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o
Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o
84
auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a
morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma
nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas
de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a
questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos
artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido
No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos
yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a
humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos
cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na
superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com
lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo
Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou
posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de
madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco
(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei
obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho
eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que
―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que
tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite
Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado
dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros
atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto
os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser
apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa
artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que
aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com
a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis
Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um
alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de
imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo
tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja
percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a
ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute
85
levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai
flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o
Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com
os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica
dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees
de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na
realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito
Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa
parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que
diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa
famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se
em questotildees positivas
Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a
algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)
―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma
das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e
roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar
recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer
como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma
raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de
desastres
De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna
de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os
seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)
em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos
imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam
sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute
mesmo espacial
Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de
uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova
assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre
renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como
primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso
andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram
novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam
errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso
ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto
um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara
86
tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam
sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado
Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo
verdadeiros vatildeo virar bichos
O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu
certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava
As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma
festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas
as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos
poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os
animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar
por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e
gritos
Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o
ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando
errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes
de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um
desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada
por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia
Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna
que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele
mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse
grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele
acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o
povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna
for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete
derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os
juruna que estatildeo na Terra
Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a
Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas
(FARGETTI 2017 p41-43 )
De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o
universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de
morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo
que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas
satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos
espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)
Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por
comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo
de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu
que se vecirc e que vecirc o outro
Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam
ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a
floresta
Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em
etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam
surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente
87
abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de
acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da
cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo
humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo
falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava
ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento
de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para
um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o
sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-
juruna)
Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a
partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro
momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas
que sofreram
Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese
tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico
por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num
perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se
verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro
Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo
dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os
seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)
houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a
partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees
exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois
Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula
saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria
fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede
segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se
encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO
1996 p 125-126)
Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma
manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos
entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a
pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com
paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute
88
mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+
humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de
intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute
preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do
discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem
instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar
com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira
anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso
humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta
traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de
olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu
que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um
outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do
assunto que representa a terceira
Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos
os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais
(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que
os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais
(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-
se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou
aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da
cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue
como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da
carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas
garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como
organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas
ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)
Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo
comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode
receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor
Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria
aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo
espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu
um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o
―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira
pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor
89
toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)
de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este
chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem
para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo
espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso
ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece
Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a
consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o
animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se
sabe isso deles
Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos
afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou
seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de
costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de
agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo
simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila
multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e
vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do
agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos
acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)
seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente
Como salienta Picelli (2016)
[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em
seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se
enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista
Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal
(PICELLI 2016 p 56)
Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto
corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas
adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se
metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel
empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano
o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este
mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com
90
Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro
(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados
natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que
[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que
muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores
que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e
da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra
dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas
vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires
e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu
proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as
coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o
que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o
que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa
cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)
Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli
(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo
poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees
entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre
natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado
possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria
Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas
ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando
superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o
que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico
demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio
ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas
uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais
Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um
tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso
uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de
generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento
ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada
povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando
criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute
distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo
injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um
91
desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro
(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos
pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer
um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando
menos discriminatoacuterios
Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a
teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um
antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em
que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad
hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo
Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria
dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um
item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que
para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras
acepccedilotildees
De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a
ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-
[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se
preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave
antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de
outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees
causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das
observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser
analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica
Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua
Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista
trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea
Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao
menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama
de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo
pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees
sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas
animais e natildeo humanas
Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho
com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira
agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os
92
humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo
por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente
quando estes falavam antigamente
A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da
possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores
mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de
intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e
almas humanas
Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os
bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou
ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos
tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo
dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de
nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente
em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de
sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos
chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um
tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave
proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo
morrido haacute certo tempo
Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria
um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando
os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais
Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos
Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de
Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos
pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da
(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa
do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)
sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e
estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades
Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute
O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma
distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente
humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo
93
a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com
a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou
como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes
seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda
menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros
seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a
classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-
57)
Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de
Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o
pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele
[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo
e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada
pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os
participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como
poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores
[]
Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar
sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os
que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro
natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo
Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim
recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem
distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute
diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)
Ou seja na oacutetica da referida linguista
[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas
Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo
tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos
distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu
dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml
(FARGETTI 2017 p 280-281)
Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave
teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute
completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo
dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus
sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os
demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos
aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre
natureza e cultura
Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em
relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de
como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos
94
trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que
pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e
sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a
comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)
Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de
perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e
inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias
ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as
correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do
que dar respostas dogmaacuteticas
De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees
entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a
explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da
sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a
presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores
as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas
Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar
fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que
satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste
trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo
exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante
De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa
Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees
posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de
―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas
Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -
borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais
pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um
exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome
(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de
olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de
95
pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia
entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)
A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio
de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro
de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio
Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-
caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash
aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -
subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)
Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes
de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por
meio de coacutepula
Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao
menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam
sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos
1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas
alteraccedilotildees corporais
2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um
adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas
3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um
estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa
ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)
Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo
deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas
agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e
descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)
De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um
aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no
abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente
das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios
satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e
abdome (como todos os demais insetos)
Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras
de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos
96
um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide
(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome
com um aparelho sexual externo
Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco
criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos
a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a
morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de
clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao
corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero
pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo
noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o
corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo
(coberto de cerdas)
Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e
passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo
produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de
Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe
(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula
(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do
ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo
(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do
sugador maxilar conhecido como espirotromba
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas no blog Agromais
97
Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas
membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar
ou correr
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)
Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e
geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo
originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo
na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees
Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo
a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a
temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo
com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie
de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))
Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas
de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida
de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de
neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de
formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o
mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a
garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem
mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito
das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas
e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e
anais)
Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da
venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de
Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de
98
homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo
eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de
ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a
subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na
segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e
posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5
nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a
subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que
uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou
fundida com a A2
Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com
escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas
sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de
baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos
Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute
famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de
borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta
MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido
dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e
como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na
medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis
Ipsilon
Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa
tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada
segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos
segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8
(MARTINELLI 2018)
Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de
Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes
ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas
esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de
pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos
Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a
classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao
99
nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os
animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas
filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo
criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos
ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um
espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa
uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade
para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois
tamanhos)
Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura
que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral
(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica
dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte
mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais
formando bandas transversais como esquematizado abaixo
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
100
Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas
fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de
ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa
Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie
(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os
ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles
forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea
Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos
ganchos
Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e
as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar
generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees
taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a
depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso
(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute
numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que
esta eacute seguida pela supra-espiracular
Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta
Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)
No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees
Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto
pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de
Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda
101
presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de
Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um
conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez
se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas
e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas
inseridas numa elevaccedilatildeo
Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos
Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)
Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
102
Foto 8 Lagarta com verrugas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos
das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos
e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)
Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido
como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte
dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um
cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira
Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou
amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas
lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos
(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na
areia uacutemida
E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO
(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da
parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO
(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e
manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO
(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul
metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou
estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que
alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia
evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta
gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos
saturniacutedeos e noctuiacutedeos
103
A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com
corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as
posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas
lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que
lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o
Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas
marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam
de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa
posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos
amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas
posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na
mandioca na seringueira no mamoeiro)
A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como
Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por
insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com
pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas
Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo
possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes
(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta
(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina
(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em
pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda
brasileiro)
E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange
normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a
Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior
envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a
Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras
leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)
105
4 METODOLOGIA
Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente
elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano
inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo
Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na
elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais
nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de
natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)
Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava
levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos
Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto
maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com
um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias
performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas
Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente
para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os
dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da
ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no
escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna
Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem
alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com
motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu
povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim
contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da
resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender
questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos
de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu
povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma
vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem
apenas Portuguecircs
Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute
triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas
Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura
106
Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original
fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde
atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de
mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em
questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas
como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas
as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros
povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)
Como afirma Fargetti (2017)
Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou
monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um
sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso
ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e
conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender
sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este
diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha
cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar
na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou
encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num
decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)
Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem
a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na
seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um
―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante
especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo
apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir
da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo
pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento
conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs
interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de
dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)
Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar
espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica
atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))
que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de
acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas
fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas
107
com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em
recipientes de vidro para conservaccedilatildeo
Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez
que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos
animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para
renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois
sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute
a Terra (FARGETTI 2015 p 102)
Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na
companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com
o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam
Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia
Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos
em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais
exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie
filo)
Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no
projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso
consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute
comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse
fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais
guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de
determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que
efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em
relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua
Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e
como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses
(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado
acima) este estudo focou-se nas formas adultas
Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em
borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos
―insetos
108
Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a
jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para
facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna
Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que
posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome
em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica
sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade
entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas
este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora
tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute
comentado
Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As
perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees
de entrevista anteriores
Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam
ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o
animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash
quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que
havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas
Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego
como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna
classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica
atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual
(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se
tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de
classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso
Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro
recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes
a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia
mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito
que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de
acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando
no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando
natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas
109
Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a
certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que
poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque
De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total
temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de
entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns
viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na
aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e
tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas
estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual
realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de
histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as
ouviam
Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa
da seguinte maneira
1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento
bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos
2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento
bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos
3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou
praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da
aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na
beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que
foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A
maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias
juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente
produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas
de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa
orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs
mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna
4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento
digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens
de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas
110
5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo
(jaacute fora de Tuba-Tuba)
6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas
iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico
7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por
arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)
8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o
exame de defesa
9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas
essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na
captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados
obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees
anteriores
110
5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os
juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo
natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia
cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar
que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees
alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo
em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar
em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados
coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de
entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e
nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica
restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja
nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas
Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador
juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um
trabalho especiacutefico descrito abaixo
Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante
uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash
num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de
um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute
hoje
Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de
Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item
veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente
num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar
Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram
a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje
Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque
tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado
agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a
histoacuteria ele sabia mais Xipaya
111
Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)
tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas
performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho
Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para
ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado
que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e
apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser
em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto
quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado
Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio
Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
112
Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo
informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar
a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam
estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no
verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo
ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a
frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento
que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)
Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos
terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto
Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia
atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se
atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o
espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses
eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo
atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de
infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba
morrendo
Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas
que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem
vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece
representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do
coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas
nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de
origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que
possuiacuteam em seus locais de origem
Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc
alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as
tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de
apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a
viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de
jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado
fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado
113
Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)
acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto
para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele
precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu
adoecimento ou na sua morte
Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti
(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud
SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada
o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)
apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem
fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse
animal antes que ele abra a boca
Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia
Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos
humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma
metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade
averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos
foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes
cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns
humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os
descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com
outros seres
Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash
ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar
este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma
aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu
mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)
Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o
especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no
ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua
dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses
questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam
assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de
agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas
114
humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu
habitat natural
Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa
para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como
operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute
Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em
seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para
Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que
podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de
mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um
inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos
nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa
protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo
representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar
(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que
descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e
transformando suas roupas coloridas em asas
115
Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada
De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando
estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando
estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos
Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo
relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a
caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna
receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas
nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam
ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna
Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas
fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos
desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco
Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees
pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O
primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo
bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num
etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia
indiacutegena pesquisada
Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora
por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os
postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e
qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores
como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens
lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como
evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos
obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles
comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas
Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias
poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos
como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da
categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish
(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que
respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)
116
Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar
apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros
De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com
Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas
sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a
4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta
haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que
abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores
chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e
compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo
abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado
inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-
boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs
elementos)
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)
Fonte Berto (2013 p 91)
Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos
dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao
menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente
impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto
(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p
96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou
seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo
juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles
117
Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo
depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto
―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados
afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de
kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade
bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon
animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes
de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis
criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto
Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas
Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes
do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso
informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais
ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas
As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos
de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como
kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e
contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa
porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes
Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que
parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos
Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que
―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o
que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito
tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar
A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo
menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de
modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo
do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-
nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item
que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte
De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de
duacutevida uma das direccedilotildees
118
Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e
termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha
revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a
ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as
partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor
de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas
das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila
Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente
Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila
Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila
Ixibia bunda delelsquo Parte posterior
Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa
Itaba boca delelsquo Boca
119
Iatildetaba antena delelsquo Antena
Iwa matildeo delelsquo Pata
Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar
Ipewa asa delelsquo Asa
Itxab barriga delelsquo abdocircmen
Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees
metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e
num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes
desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base
Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais
informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para
todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas
entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um
pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula
anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose
Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se
denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir
do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies
Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que
metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime
Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das
―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do
mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando
momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos
representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias
diferentes
Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a
necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um
dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees
120
Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos
mais de uma vez
A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do
espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia
bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico
e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo
taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave
classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute
apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e
duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar
planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de
seiva)
Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo
especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais
que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees
diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de
animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem
distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais
aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis
cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso
na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a
chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de
―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-
ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios
gerais da liacutengua
A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo
lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico
geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa
dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu
Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com
os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir
distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente
tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a
mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que
121
quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa
ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum
kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um
diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia
sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se
esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem
disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total
certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de
Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como
borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo
similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos
abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)
representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro
Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja
Fonte Palo Jr (2017)
De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos
sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo
lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)
exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)
como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna
Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da
pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria
contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da
forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns
122
idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em
siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)
Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra
que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com
que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave
fauna- jaacute havia mencionado tal fato
Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre
as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo
segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma
de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a
forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua
antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor
marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas
como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)
Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que
para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar
doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-
tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela
tornam-se improacuteprias para consumo humano
Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua
para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por
isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os
termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse
necessidade de apenas uma entrada nasusu
Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na
esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea
especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo
se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)
possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as
menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que
quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de
sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do
ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo
providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido
bicho
E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo
papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim
123
de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila
para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia
Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou
anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como
entradas autocircnomas
Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como
mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas
ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um
tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais
Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar
voar muito
Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem
que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da
Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as
mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase
adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a
horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais
seres aqui averiguados
Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte
comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o
animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo
do dia ou se haacute matizes disso
Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como
as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que
sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar
alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um
contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes
ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu
passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu
e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu
De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do
ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra
kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)
124
que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez
que natildeo tecircm forccedila para isso
Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de
tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto
as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo
trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as
segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo
Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma
questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute
muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e
natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa
obra terminograacutefica)
Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo
terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)
satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto
de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave
capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o
ceacuteu
Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos
de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas
nasusu1 (do ceacuteu) nasusu
2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos
sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila
aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha
2 (da terra)
Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como
se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave
macroestrutura se organiza alfabeticamente
Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes
com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito
didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras
sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre
parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza
gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo
enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com
notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a
125
qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente
compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos
Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com
substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados
Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais
adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna
126
NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista
juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito
pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-
falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a
sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de
―borboletas
Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos
eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos
dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam
para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta
Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos
diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum
Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria
estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna
127
Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute
incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave
comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas
utilizam nasusu para todos esses animais
128
KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido
de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)
relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma
alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em
alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu
Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua
Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento
proacuteximo
Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em
suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de
onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono
conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja
punido
129
NASUSU1
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno
desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode
retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a
maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu
Fonte Mateus (2017)
Fonte Arewara Juruna (2017)
Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar
a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois
sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente
sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um
tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a
embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas
que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua
funccedilatildeo
130
Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)
131
NASUSU2
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e
originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas
floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de
modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando
ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa
Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho
intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha
do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo
voando no ar
Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas
na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas
natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas
yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores
132
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas
antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo
transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que
mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute
por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna
essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se
metamorfosear num beija-flor
133
Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira
em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos
iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas
nesta seccedilatildeo
Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa
orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer
simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson
(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo
por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim
denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba
culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas
Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados
alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista
para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o
mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item
(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse
como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele
como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a
nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas
sim seres distintos com certo grau de parentesco
De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que
pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes
fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e
idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente
ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)
Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui
estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar
entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser
retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores
nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem
apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI
(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como
demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa
134
orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome
formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo
Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo
hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado
acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe
para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma
nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma
categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira
em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma
definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse
possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui
estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe
Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa
ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional
(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada
e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou
famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna
Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas
proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o
modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como
uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem
muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees
fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode
distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia
Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa
orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas
De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as
hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa
orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de
iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares
digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar
a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet
Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui
utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y
135
6 Consideraccedilotildees finais
Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos
juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que
seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia
como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo
da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-
aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica
Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos
diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico
Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade
haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais
analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em
contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja
como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de
minha liacutengua materna
Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER
2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se
queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si
mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas
entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que
psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as
convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o
super ego
Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e
de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus
instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave
infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais
envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que
aceitar que elas existem anteriormente a ele
Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam
completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser
(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar
marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam
inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em
136
determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia
dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia
que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma
sociedade de classes (idem ibidem))
Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um
ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos
aos quais somos submetidos
Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas
produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam
submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria
(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois
foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras
internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata
para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance
(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)
Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras
internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam
sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria
espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa
porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema
artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas
antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas
Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para
metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um
ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees
recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que
sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo
realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma
Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute
justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com
nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao
tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena
brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um
analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los
137
anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a
menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria
muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de
compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas
nos referidos animais
Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer
investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto
de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma
banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la
de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam
natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele
ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim
relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash
se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo
Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o
talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a
individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas
precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma
―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao
texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no
nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece
com os poetas ―imortais que o precederam
Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute
haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda
concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e
reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente
existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por
outro orientado por este uacuteltimo
Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente
―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui
mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas
dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de
outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo
muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a
138
destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de
dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos
assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando
Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros
estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo
de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse
povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao
menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima
complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros
Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com
estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE
CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os
juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes
natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos
tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso
De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram
dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os
referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral
Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo
relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais
Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto
nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de
formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista
juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do
animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo
um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)
Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco
entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados
para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as
kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de
mariposaslsquo)
Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto
aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte
forma
139
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria
Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados
redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo
desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses
protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos
simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo
dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles
Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente
natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram
como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia
por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba
Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores
140
REFEREcircNCIAS
ABBADE C M de S Filologia e o estudo do leacutexico In Anais do XI Simpoacutesio Nacional e I Simpoacutesio
Internacional de Letras e Linguumliacutestica (XI SILEL) Universidade Federal de Uberlacircndia 2006 p 716-
721
ABREU A S Gramaacutetica miacutenima para o domiacutenio da liacutengua padratildeo Cotia Ateliecirc Editorial 2003
______ Linguiacutestica cognitiva uma visatildeo geral e aplicada Cotia Ateliecirc Editorial 2010 119 p
______ A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo Cotia Ateliecirc 2009
ABREU D B de O et als Classificaccedilatildeo etnobotacircnica por uma comunidade rural em um brejo de
altitude no nordeste do Brasil Biofar Volume 06 ndash Nuacutemero 01 ndash 2011 p 55-74
ADICHIE C N 2009 O perigo de Histoacuterias Uacutenicas Disponiacutevel em
ltchimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_storytranscriptlanguage=ptgt Acesso em 03 de
Fev 2018
ALMEIDA G M de B A Teoria Comunicativa da Terminologia e sua praacutetica Alfa Satildeo Paulo 50
(2) 85-101 2006
ALMEIDA LM RIBEIRO-COSTA CS MARINONI L Manual de Coleta Conservaccedilatildeo
Montagem e Identificaccedilatildeo de Insetos Ribeiratildeo Preto Holos 1998 78p
ALVES I M Neologismos A criaccedilatildeo lexical Satildeo Paulo Aacutetica 1990
APARELHO mastigador de insetos Blog Agromais Disponiacutevel em
lthttpagromaisblogspotcom2016entomologia-anatomia-externa-dos_30htmlm=1gt Acesso em
10 de Fev de 2018
BARBOSA L M de A O conceito de lexicultura e suas implicaccedilotildees para o ensino-aprendizagem de
portuguecircs liacutengua estrangeira Filol linguiacutest port n 10-11 p 31-41 20082009
BARCELOS NETO A Apapaatai Rituais de Maacutescaras no Alto Xingu Seacuterie Antropologia1 Satildeo
Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Fapesp 2008 328 p
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral II trad
Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BERTO F de F Nomes de aves em Juruna estudo lexicoloacutegico Monografia (conclusatildeo de curso)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2010
______ Kania ipewapewa estudo do leacutexico juruna sobre a avifauna Dissertaccedilatildeo (mestrado)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2013p 53-56
BERTRAND D Caminhos da semioacutetica literaacuteria Trad Grupo CASA Baruru SP EDUSC 2003
BIDERMAN M T C Glossaacuterio Alfa Satildeo Paulo vol 28 (supl) n 42 p 135-144 1984
______ O vocabulaacuterio fundamental no ensino do Portuguecircs como segunda liacutengua In SILVEIRA R
C P da Portuguecircs Liacutengua Estrangeira perspectivas Satildeo Paulo Cortez 1998 p 73-91
141
BLIKSTEIN I Kaspar Hauser ou a fabricaccedilatildeo da realidade Satildeo Paulo Cultrix 2003
BORGES I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba n ordm 9 (1982) p 105-123
BORROR D J amp DELONG D M Introduccedilatildeo ao estudo dos insetos Satildeo Paulo Editora Edgard
Buchter Ltda 1ordf Reimpressatildeo 1988
CABREacute MT La Terminologia Representacioacuten y comunicacioacuten Elementos para uma teoria de base
comunicativa y otros artiacuteculos Barcelona Institut Universitari de Linguiacutestica aplicada 1999
CAGLIARI L C (1981) Elementos de Foneacutetica do Portuguecircs Brasileiro Satildeo Paulo Paulistana
2007
______ Fonologia do Portuguecircs - Anaacutelise pela Geometria de Traccedilos Campinas ediccedilatildeo do autor
1997 p 7-67
CAcircMARA A L A oraccedilatildeo subordinada adjetiva na produccedilatildeo de sentidos no texto a perspectiva dos
livros didaacuteticos de liacutengua portuguesa do Ensino Meacutedio Filologia Linguiacutestica Portuguesa Satildeo Paulo
v 18 n 2 p 319-355 agodez 2016
CAMPOS M D SULear x NORTear representaccedilotildees e apropriaccedilotildees do espaccedilo entre emoccedilatildeo
empiria e ideologia Seacuterie documenta v 6 n8 Rio de Janeiro EICOSCaacutetedra UNESCO 1999
CAVALCANTE DE SOUZA J (Org)Os pensadores preacute-socraacuteticos Satildeo Paulo Editora Nova
Cultural 1996
CHAUI M Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da Filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles vol I 2a ed 10 a
reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002
CORBERA MORI A H Estudos das liacutenguas indiacutegenas no Brasil In DEL REacute A et al (Orgs)
Estudos linguiacutesticos contemporacircneos diferentes olhares Seacuterie Trilhas Linguiacutesticas ndash 23 Satildeo Paulo
Cultura Acadecircmica 2013 p 97-114
COSTA C IDE S amp SIMONKA C E Insetos imaturos metamorfoses e identificaccedilatildeo Holos
Editora Ribeiratildeo Preto 2006 249 p
COSTA NETO E M A Etnozoologia no Brasil um panorama biograacutefico Bioikos PUC-Campinas
14 (2) 2000 p 31-45
______ Estudos etnoentomoloacutegicos no estado da Bahia Brasil uma homenagem aos 50 anos do
campo de pesquisa Bioternas 17 (1) 2004 p 117-149
FARACO C A Estrangeirismos ndash guerras em torno da liacutengua Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2001
FARGETTI C M 1992 Anaacutelise fonoloacutegica da liacutengua Juruna Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Campinas
SP UNICAMP
______ FARGETTI Cristina M Verbos estativos em juruna In Seminaacuterio do GEL 2003 Satildeo Paulo
Estudos Linguumliacutesticos XXXII Satildeo Paulo USP 2002 Disponiacutevel em
lthttpwwwgelorgbrestudoslinguisticosvolumes32htmcomunicaci057htmgt Acesso em 28 de
novembro de 2014
______ 2007 Estudo Fonoloacutegico e Morfossintaacutetico da Liacutengua Juruna Muenchen Alemanha
Lincom Europa 320 p
142
______ Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas e questotildees de prosoacutedia In ______ (Org) Abordagens
sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas Curt Nimuendajuacute 2012 p 67- 82
______ Qual pode ser o alcance de uma metaacutefora Revista Brasileira de Linguiacutestica Antropoloacutegica
Volume 7 Nuacutemero 1 Julho de 2015 p 101-111
______ Fala de gente fala de bicho cantigas de ninar do povo juruna Satildeo Paulo Ediccedilotildees Sesc
2017a
______ Constelaccedilotildees juruna In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017b
______ Estuacutedios del leacutexico de lenguas indiacutegenas iquestTerminologiacutea In Manuel Gonzaacutelez
Gonzaacutelez Maria-Dolores Saacutenchez-Palomno Inecircs Veiga Mateos (Org) Terminoloxiacutea a necesidade
da colaboracioacuten 1 ed Madrid Vervuert 2018 v 1 p 343-368
FARGETTI C M MIRANDA T G Plurilinguismo a diversidade que natildeo eacute abordada nos livros
didaacuteticos Revista Letras Raras vol 5 Ano 5 ndeg 3 2016 p 79-88
FARGETTI C M RODRIGUES C L Termos para partes do corpo em Juruna e Xipaya um
estudo comparativo In SALES Germana Maria A FURTADO Marliacute Tereza (org) Linguagem e
Identidade Cultural 1ed Joatildeo Pessoa Ideacuteia 2009 p 237-246
FARGETTI C M VANETI L L Poliacuteticas linguiacutesticas na miacutedia Revista Letras Raras vol 5 Ano
5 ndeg 3 2016 p 9-24
FAUSTO C Donos Demais maestria e Domiacutenio na Amazocircnia MANA 14 (2) 329-366 2008
FERNANDES D C O campo lexical da cosmologia em dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara UNESP 2015
FERNANDES D MATEUS I D VANETI L L amp FARGETTI C M Pesquisas lexicais de
liacutenguas indiacutegenas propostas metodoloacutegicas In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa
no Brasil 1 ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 85-100
FIORIN J L O projeto semioloacutegico In FIORIN J L FLORES V do N amp BARBISAN L B
Saussure a invenccedilatildeo da linguumliacutestica Satildeo Paulo Contexto 2013 p 99-112
GALISSON R (1987) Acceacuteder agrave la culture partageacutee par llsquoentremise des mots agrave CCP Eacutetudes de
Linguistique Apliqueacutee 67 p 109-151
GAMBINI R O espelho iacutendio os jesuiacutetas e a destruiccedilatildeo da alma indiacutegena Rio de Janeiro Espaccedilo e
Tempo 1988
GAUDIN F La socioterminologie In Langages n157 ano 39 La terminologie nature et enjeux p
80-92 2005
GOLDMAN M Cosmopoliacutetica e Saberes Afroindiacutegenas Antinotepistemologias do respeito e Contra
Ontologias da Mistura Palestra ministrada na FCLAr ago 2017
GONCcedilALVES S C L SOUSA G C de amp CASSEB-GALVAtildeO V C As construccedilotildees
subordinadas substantivas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs
143
culto falado Vol II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp
2008 p 1021-1075
GUIMARAtildeES ROCHA E P O que eacute etnocentrismo Coleccedilatildeo Primeiros Passos Satildeo Paulo Editora
Brasiliense 1984
HESIacuteODO Os trabalhos e os dias Ediccedilatildeo traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas Alessandro Rolim de Moura
- Curitiba PR Segesta 2012 152 p
HJELMSLEV L Prolegocircmenos a uma teoria da linguagem Trad J Teixeira Coelho Netto 2 ed
Satildeo Paulo Perspectiva 2003
ISQUERDO A N Vocabulaacuterio do seringueiro campo leacutexico da seringa In OLIVEIRA Ana Maria
Pires Pinto de ISQUERDO Aparecida Negri (Orgs) As ciecircncias do leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2 ed Campo Grande MS Ed UFMS 2001 p91-100
JAKOBSON R Linguiacutestica e poeacutetica In Linguiacutestica e Comunicaccedilatildeo Satildeo Paulo Cultrix 1995 118-
162
KRIEGER M da G amp FINATTO M J B Introduccedilatildeo agrave Terminologia teoria e praacutetica Satildeo Paulo
Contexto 2004
LARA L F et als Lexicografia espantildeola In Medina Guerra A M (Org) Madrid Ariel 2003
LAKOFF G Women fire and dangerous things What categories reveal about the mindChicago
University ofChicago Press 1987
LARROSA J amp PEacuteREZ DE LARA N Imagens do outro Petroacutepolis Editora Vozes 1998
LIMA T S Para uma teoria etnograacutefica da distinccedilatildeo natureza e cultura na cosmologia juruna RBCS
Vol 14 no 40 junho99 p 43-52
MACIEL DE CARVALHO M C Anaacutelise metalexicograacutefica do dicionaacuterio da liacutengua Baniwa
In FARGETTI C M (Org) Abordagens sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas SP
Editora Curt Nimuendajuacute 2012 p 353-366
MARTINS S de C amp ZAVAGLIA C As cores da fauna e da flora um dicionaacuterio especial composto
por cromocircnimos ESTUDOS LINGUIacuteSTICOS Satildeo Paulo 42 (1) p 245-256 jan-abr 2013
MATEUS I D Entre concertos e desconcertos Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras em
(des)compasso com o campo lexical da muacutesica Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade
Estadual Paulista 2017
MINER H Ritos corporais entre os Nacirema In ROONEY AK amp VORE PL (Orgs) YOU AND
THE OTHERS - Readings in Introductor y Anthropology Cambridge Erlich 1976
MONDINI J N Yudja utaha a culinaacuteria juruna no Parque Indiacutegena Xingu ndash uma contribuiccedilatildeo ao
dicionaacuterio biliacutengue juruna-portuguecircs Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Araraquara Universidade Estadual
Paulista 2014
MOSCARDINI L E Recursos de textos de alunos e professores da escola juruna anaacutelise para uma
contribuiccedilatildeo ao ensino Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade Estadual Paulista 2011
144
MOSCARDINI L E amp FARGETTI C M O uso do dicionaacuterio nas abordagens de leitura e escrita
em portuguecircs na escola juruna In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa no Brasil 1
ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 143-151
MOTTA C da S Noccedilotildees gerais sobre insetos borboletas e mariposas (Lepidoacuteptera) Manaus INPA
1996
MOURA NEVES M H de Substantivos Adjetivos oraccedilotildees adjetivas Processos de predicaccedilatildeo e
referenciaccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jun 2018 Aulas ministradas
aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Gramaacutetica do Portuguecircs
MOURA NEVES M H de BRAGA M L ampDALL‟AGLIO-HATTNHER M M As construccedilotildees
hipotaacuteticas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs culto falado Vol
II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp 2008
MOURAtildeO JS NORDI N (2002) Principais criteacuterios utilizados por pescadores artesanais na
taxonomia Folk dos peixes do Estuaacuterio do Rio Mamanguape Paraiacuteba ndash Brasil Interciecircncia 27 (11) 1-
6
______ Comparaccedilotildees entre as taxonomias folk e cientiacutefica para peixes do estuaacuterio do Rio
Mamanguape Paraiacuteba-Brasil Interciencia vol 27 nuacutem 12 diciembre 2002b pp 664-668
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA C de A A Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar - jun 2018
Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA Cde A A Tradiccedilatildeo lexicograacutefica portuguesa Bluteau Morais e Vieira In Oliveira
A M P P de amp Isquerdo A N (Orgs) As Ciecircncias do Leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2ed Campo Grande UFMS 2001 p 153-170
______ Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees
sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar -
jun 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e
Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
NADIN O Breve panorama histoacuterico da Lexicografia Pedagoacutegica histoacuteria definiccedilatildeo e conceitos
Dicionaacuterios Pedagoacutegicos estruturas funccedilotildees e liacutenguas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp
Araraquara SP Mar a mai 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e alunos especiais
matriculados na disciplina ―Lexicografia Pedagoacutegica
OGDEN C K amp RICHARDS I A O significado de significado um estudo da influecircncia da
linguagem sobre o pensamento e sobre a ciecircncia do simbolismo Satildeo Paulo Zahar 1972
145
OLIVEIRA A E Os Iacutendios Juruna do Alto Xingu Satildeo Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia ndash
USP 1970
PALO JR H (Org e Edit) Borboletas do Brasil Satildeo Carlos Vento Verde Editora
PEIXOTTO M Os ldquodairdquo e a alteridade juruna (Monografia de Conclusatildeo de Curso em Ciecircncias
Sociais) Satildeo Carlos UFSCAR 2013
PEREIRA A H Terminologia do Direito do Consumidor Anaacutelise das motivaccedilotildees da variaccedilatildeo
terminoloacutegica Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa) Universidade Estadual
Paulista Juacutelio de Mesquita Filho Faculdade de Ciecircncias e Letras Araraquara 2018 108 f
PETIZA S et als Amazocircnia Rev Antropol (Online) 5 (3) Especial 708-732 2013
PICELLI P O perspectivismo de Viveiros de Castro proposta de uma nova antropologia Revista
Alteridade ndash Montes ClarosMG v 2 n 1 p53-63 maio2016
PIEDADE A T de C A Etnografia da Muacutesica segundo Anthony Seeger clareza epistemoloacutegica e
integraccedilatildeo das perspectivas musicoloacutegicas Cadernos de campo Satildeo Paulo n 17 2008 p 233-235
PIKE KL Language in relation to a unified theory of the structure of human behavior Hague
Mouton 1966
______ (1971) Phonemics a technique for reducing languages to writing Ann Arbor The
University of Michigan Press(1ordf ed 1947)
POLITO A M amp SILVA FILHO O L A Filosofia da Natureza dos preacute-socraacuteticos In Cad Bras
Ens Fiacutes v 30 n 2 p 323-361 ago 2013
PORTO-DAPENA D Manual de Teacutecnica Lexicograacutefica Madrid Arcolibros SI 2002
RAFAEL J A (ed) Insetos no Brasil diversidade e taxonomia Ribeiratildeo Preto Holos Editora 2012
REY-DEBOVE J Leacutexico e dicionaacuterio Trad de Cloacutevis Barleta de Morais Alfa Satildeo Paulo 28(supl)45-69 1984 ROSENFELD A O fenocircmeno teatral In ______ TextoContexto Satildeo Paulo Perspectiva 1969 p 19-41
SAacuteEZ O C Do perspectivismo ameriacutendio ao iacutendio real Campos 13(2)7-23 2011
SANDMAN A J Morfologia geral 2 ed Satildeo Paulo Contexto 1993
SANTAELLA L O que eacute semioacutetica 3 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1983
SAPIR E (2004) Language an introduction to the study of speech New York Harcourt Brace
SAPIR E MANDELBAUM D HYMES D (ed) (1985) Selected writings in language culture and
personality Berkeley University of California Press
SAUSSURE F de Curso de Linguiacutestica Geral Traduccedilatildeo de Antocircnio Chelini Joseacute Paulo Paes e
Izidoro Blikstein 34a ed Satildeo Paulo Cultrix 2012
146
SEKI L A Linguumliacutestica indiacutegena no brasil Delta vol 15 nordm especial 1999
______ Liacutenguas indiacutegenas do Brasil no limiar do seacuteculo xxi Revista Impulso v 1 nordm 27 Piracicaba
2000 p 233-256
SILVA D Anaacutelise do trabalho ―O leacutexico da liacutengua Terena proposta do dicionaacuterio infantilbiliacutengue
Terena-Portuguecircs Educaccedilatildeo escolar indiacutegena na Reserva Indiacutegena Cachoeirinha MirandaMS In
______ Estudo lexicograacutefico da liacutengua Terena proposta de um dicionaacuterio biliacutenguumle Terena-Portuguecircs
Araraquara Unesp (Tese de doutorado) 2013 p 29-45 Disponiacutevel em
lthttpswwwgooglecombrurlsa=tamprct=jampq=ampesrc=sampsource=webampcd=1ampcad=rjaampuact=8ampved
=0CB0QFjAAampurl=http3A2F2Facervodigitalunespbr2Fhandle2Funesp2F1681353Flo
cale3Dpt_BRampei=wq3YVIm4GYzfsATbkYGQAQampusg=AFQjCNGBSrPelXVvb3tSQNK6Y5S_D
Up0JQampsig2=p8NjA0-PfBruUomIw0A0-wgt Acesso em 18 dez 2014
SILVA M C P da Lexicografia biliacutenguumle uma verificaccedilatildeo dos substantivos mais frequumlentes em
dicionaacuterios biliacutenguumles francecircs-portuguecircs e portuguecircs-francecircs In LONGO B N de O amp SILVA B C
da (org) A construccedilatildeo de dicionaacuterios e de bases de conhecimento lexical Satildeo Paulo Cultura
Acadecircmica Editora 2006
SILVA O L da Das ciecircncias do leacutexico ao leacutexico nas ciecircncias uma proposta de dicionaacuterio
portuguecircs-espanhol de Economia Monetaacuteria Odair Luiz da Silva -- Araraquara [sn] 2008 334 f
SILVA R de S P T A importacircncia do estudo lexicultural no ensino meacutedio Anais do SIELP Volume
2 Nuacutemero 1 Uberlacircndia EDUFU 2012
SKLIAR C A invenccedilatildeo da alteridade ―deficiente a partir dos significados de normalidade In
Educaccedilatildeo amp Realidade 24 (1) jul-dez 1999 p15-32
STHER F W Immature insects vol II II Kendall amp Humt Dubique (USA) 1987 1620 p
TEMMERMAN R Towards new ways of Terminology description the socicognitive approach
AmsterdamPhiladelphia J Benjamins Pub Co 2000
VANETI L L Banco de dados com termos de parentesco Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara
Universidade Estadual Paulista 2017
VERNANT JP O universo os deuses os homens Trad Rosa Freire dlsquoAguiar Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2000 p 59-77
VICTOR E LEO Borboletas Satildeo Paulo Columbia 2008 1 viacutedeo digital on line mp4 (3min 19
seg) Disponiacutevel em
lthttpswwwbingcomvideossearchq=victor+e+leo+borboletasampview=detailampmid=7944F8E90A2
D6F5C5AEE7944F8E90A2D6F5C5AEEampFORM=VIRE gt Acesso em 02 Ago 2018
VILLALVA A amp SILVESTRE J P Introduccedilatildeo ao estudo do leacutexico descriccedilatildeo e anaacutelise do
Portuguecircs Rio de Janeiro Editora Vozes 2014
VILELA M Estruturas leacutexicas do portuguecircs Coimbra Livraria Almedina 1997
VIVEIROS DE CASTRO E Os pronomes cosmoloacutegicos e o perspectivismo ameriacutendio Mana
2(2)115-144 1996
VOIGT J K Iacutendios miacutedia e questotildees de representaccedilatildeo Revista Adveacuterbio 2015 v10 N 20 p 35-
44
147
XATARA C BEVILACQUA C R amp HUMBLEacute P R M (Orgs) Dicionaacuterios na teoria e na
praacutetica como e para quem satildeo feitos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2011
WEINRICH U LABOV W amp HERZOG MI Fundamentos empiacutericos para uma teoria da mudanccedila
linguumliacutestica Traduccedilatildeo BAGNO M Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2006 p 87-126
WELKER H A Dicionaacuterios uma pequena introduccedilatildeo agrave lexicografia 2 ed revista Brasiacutelia
Thesaurus 2004 p 106-248
WHORF B (1956) Language thought and reality selected writings of Benjamin Lee Whorf
Cambridge MIT
ZAVAGLIA C A homoniacutemia no Portuguecircs Tratamento semacircntico segundo a estrutura Qualia de
Pustejovsky com vistas a implementaccedilotildees computacionais Alfa Satildeo Paulo 47 (2) 77-99 2003
BIBLIOGRAFIA
ACAacuteCIO M S J A questatildeo da universalidade na distinccedilatildeo da classe de palavras nomes Ribanceira
ndash Revista do Curso de Letras da UEPA Beleacutem Vol 1 n 1Jul-Dez2013 p 6-22
AMORIM DS Fundamentos de sistemaacutetica filogeneacutetica Holos Editora Ribeiratildeo Preto 2002 136p
BARBOSA M A Para uma etno-terminologia recortes epistemoloacutegicos Ciecircncia e Cultura
nordm 58 (2) p 48-51 2006
BARROS D L P de Teoria semioacutetica do texto 5 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2011
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral
II trad Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BIDERMAN M T C Conceito linguiacutestico de palavra In Palavra Rio de Janeiro Grypho 1999
______ Aureacutelio Sinocircnimo de dicionaacuterio Alfa Satildeo Paulo 44 27-55 2000 BOSQUE I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba 9 1982 p 105-123
CABREacute M T Terminologia em foco uma entrevista comentada com Maria Teresa Cabreacute [Entrevista cedida a] SANTIAGO M S amp KRIEGER M da G Calidoscoacutepio Vol 11 n 3 p 328-
332 Unisinos setdez 2013
CORBERA MORI A A classe adjetivos em Aguaruna (Jiacutevaro) In PADILLA J A S amp DEacuteNIZ M
T Actas del XI Congreso Internacional de la Asociacioacuten de Linguumliacutestica y Filologiacutea de la Ameacuterica
Latina jul 1996 p 1771-1777
COSTA D S da Classes de palavras Flexatildeo Nominal Flexatildeo Verbal Faculdade de Ciecircncias e
Letras ndash Unesp Araraquara SP Mar a jun 2017 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e
alunos especiais matriculados na disciplina ―Morfologia do Portuguecircs
DlsquoOLNE CAMPOS M amp FAULHABER P Caminhos do sol e orientaccedilatildeo espacial em sociedades
indiacutegenas tropicais In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias etnograacuteficas
desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea cultural cosmo-
poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
148
GOacuteRGIAS Elogio agrave Helena Trad De Antocircnio Suaacuterez Abreu [s data]
FERRARI L Categorizaccedilatildeo In ______ Introduccedilatildeo agrave Linguiacutestica Cognitiva Satildeo Paulo Contexto
2011
ILHERING R V Dicionaacuterio dos animais do Brasil Rio de Janeiro DIFEL 2002 588 p
JORGE DE MELO D amp FAULHABER P Embate entre ciecircncia e religiatildeo a lua as religiotildees afro-
brasileiras e a missatildeo Apollo 11 In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
LAPLANTINE F Aprender antropologia Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2003
LENKO K PAPAVERO N Insetos no folclore 2 ed Satildeo Paulo Plecirciade FAPESP 1996
MACHADO ESTEVAM A Expressando conceitos de qualidade em Xavante adjetivos ou verbos
Revista Moara ndash Ediccedilatildeo 43 vol 2 ndash jul - dez 2015 Estudos Linguiacutesticos
MELO DE OLIVEIRA T Terminologia metaacutefora e outros fenocircmenos que desafiam o princiacutepio da
univocidade anaacutelise qualitativa de unidades terminoloacutegicas Cadernos do IL Porto Alegre nordm 42
junho de 2011 p 311-312 Disponiacutevel em lthttpwwwseerufrgsbrcadernosdoilgt Acesso em 07
Mai 2018
MOLINA GARCIacuteA La lexicografiacutea pedagoacutegica La lexicografiacutea biliacutengue En Fraseologiacutea biliacutengue
un enfoque lexicograacutefico-pedagoacutegico Granada Comares 2006 p 9-84
NADIN O L amp ZAVAGLIA C Temos a palavra In ______ (Orgs) Estudos do leacutexico em
contextos biliacutengues Campinas Mercado das Letras 2016 p 7-13
PERINI et al Sobre a classificaccedilatildeo das palavras In Delta Vol 14 Satildeo Paulo 1998 Disponiacutevel em
lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010244501998000300014gtAcesso em 03
de jun de 2017
SALVADOR E L A Greacutecia antiga Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jan-
jul 2013 Aulas ministradas aos graduandos do turno diurno matriculados na disciplina ―Literatura
Grega I
VIVEIROS DE CASTRO E Perspectivismo e multinaturalismo na Ameacuterica indiacutegena p 225-254 O
que nos faz pensar nordm 18 setembro de 2004
VOGLER C A jornada do escritor estruturas miacuteticas para escritores 2 ed Rio de Janeiro Nova
Fronteira 2006
WEINRICH H A verdade dos dicionaacuterios p 314-337 Trad e introd de Maacuterio Vilela Rio de
Janeiro Compainha das Letras 1979
WELKER H A Sobre o uso de dicionaacuterios por aprendizes de liacutenguas Panorama Geral da
Lexicografia Pedagoacutegica Brasiacutelia Thesaurus 2008 p 13-114
149
150
APEcircNDICES
151
Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna
Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo
juruna
1
kamaperuperu
2
Nasusu do ceacuteu
3
Nasusu do ceacuteu
152
4
Nasusu do ceacuteu
5
Nasusu do ceacuteu
6 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
153
6 b (asas
fechadas)
7
Nasusu do ceacuteu
8
Nasusu do ceacuteu
154
9
Nasusu do ceacuteu
10
Nasusu do ceacuteu
11
Nasusu do ceacuteu
155
12 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
12 b (asas
fechadas)
13 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
13 b (vista
lateral)
156
14
Nasusu do ceacuteu
15
Nasusu do ceacuteu
16 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
157
16 b (asas
abertas)
17 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
17 b (vista
lateral)
18 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
158
18 b (asas
abertas)
19
Nasusu do ceacuteu
20
Nasusu do ceacuteu
159
21
Nasusu do ceacuteu
22
Nasusu do ceacuteu
23
Nasusu do ceacuteu
160
24 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
24 b (asas
abertas)
25
Nasusu do ceacuteu
26
Nasusu do ceacuteu
161
27
yahaha da
Terra
28
Nasusu do ceacuteu
29 (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
162
29 (vista
lateral)
30
Nasusu do ceacuteu
31
yahaha da
Terra
163
32
Nasusu do ceacuteu
33
Nasusu do ceacuteu
34
Nasusu do ceacuteu
35 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
164
35 b (asa
aberta)
36 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
36 b (asa
aberta)
165
37
Nasusu do ceacuteu
38
Nasusu do ceacuteu
39
Nasusu do ceacuteu
40
Nasusu do ceacuteu
166
41
yahaha da
terra
42 a (vista
lateral)
Nasusu da
Terra
42 b (asa
aberta)
43
kamaperuperu
167
44 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
45 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
46 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu da
Terra
168
47 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
48 a
(Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
asa aberta
Nasusu do ceacuteu
48 b (Foto
de Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
vista
lateral
169
49 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
50 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
51
Nasusu do ceacuteu
170
52 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
533 (vista
lateral)
54
Nasusu do ceacuteu
171
55
Nasusu da
Terra
56
Nasusu do ceacuteu
57
Nasusu do ceacuteu
58
Nasusu do ceacuteu
172
59
Nasusu do ceacuteu
60
Nasusu do ceacuteu
61
Nasusu da
Terra
62
Nasusu do ceacuteu
63 (foto de
Cristina
Martins
Fargetti)
yahaha do ceacuteu
173
64
nasusu do ceacuteu
65
nasusu do ceacuteu
66
nasusu do ceacuteu
67
nasusu da
Terra
174
68
nasusu da
Terra
69
nasusu da
Terra
70
nasusu do ceacuteu
175
71
nasusu da
Terra
72
nasusu do ceacuteu
73
yahaha (o
informante
natildeo soube
dizer se era do
ceacuteu ou da
terra)
176
74 (foto de
Arewana
Juruna)
nasusu do ceacuteu
75
kamaperuperu
76
nasusu da
Terra
77
nasusu (o
informante
natildeo soube
dizer se era da
Terra ou do
ceacuteu)
177
78 a (visatildeo
da parte
exterior
da asa)
nasusu do ceacuteu
78 b (asas
abertas)
79
nasusu da
Terra
80
yahaha fraca
(da terra)
178
81
nasusu do ceacuteu
82
nasusu da
Terra
83
nasusu da
Terra
84
Nasusu do ceacuteu
179
85
nasusu do ceacuteu
86 a(asas
abertas)
kamaperuperu
86 b (asas
fechadas)
180
87
nasusu do ceacuteu
Zoologia e Botacircnica do IBILCE de Sacirco Joseacute do Rio Preto) ao Prof Dr Nelson Papavero (a
quem aliaacutes devo agradecer por ter me dado muitas recomendaccedilotildees sobre a coleta e
acondicionamento de insetos) agrave Profa Dra Vera C Silva (do departamento de Morfologia e
Fisiologia Animal da Unesp de Jaboticabal) e tambeacutem agrave Profa Dra Nilza Maria Martinelli
que permitiu acompanhar uma de suas aulas ndash o que dada inclusive a ajuda dos demais poacutes-
graduandos me rendeu grande aprendizado sobretudo no que se refere ndash para nossa ciecircncia
entomoloacutegica- agraves partes identificadoras de lepidoacutepteros
A meus queridos amigos (dos quais destaco Daniele Urt Jeacutessica Albuquerque Jeacutessica
Domingues Rafaela Nascimento Bruno de Lucas Silva Larissa e Letiacutecia Bueno da Silva
Carlos Henrique Rodrigues e Paulo Ricardo Pacheco ndash sendo que a estes dois uacuteltimos sou
eternamente grato por terem me estendido a matildeo me acolhido e me dado muito carinho e
afeto quando eu me sentia abandonado) por terem tentado me fazer rir nos momentos difiacuteceis
pelos conselhos momentos de alegria desabafos
A meus companheiros na odisseia de aprender grego antigo sobretudo o Prof Dr
Marco Aureacutelio Rodrigues (tambeacutem por mim chamado de ―orientador de uma nova
monografia nas horas vagas) Andreacute de Deus Berger e Ana Huang minha querida ex-vizinha
com quem ainda vou dominar o mundo A esta uacuteltima agradeccedilo ainda por ter retornado agrave
minha vida e me possibilitar um ouvido e tambeacutem compor em coro uma reclamaccedilatildeo contra
tudo e contra todos estar ao meu lado nos momentos em que mais precisei de apoio e me
oferecer o estranhamente muito agradaacutevel chatildeo de sua casa quando eu precisava de um lugar
no qual desmaiar
Agraves minhas psicoacutelogas por tentarem manter minha loucura num niacutevel minimante
aceitaacutevel e por me conduzirem na estrada tatildeo espinhosa e por vezes dolorosa do auto-
conhecimento
E por uacuteltimo mas natildeo menos importante agradeccedilo agraves duas pesquisadores com as
quais pude conviver por um periacuteodo de estadia no Xingu Agrave primeira delas Liacutegia Egiacutedia
Moscardini agradeccedilo pelos conselhos acadecircmicos e tambeacutem pelas piadas cretinas que me
fizeram rir inclusive quando eu estava em estado convalescente em campo Jaacute agrave segunda a
Profa Dra Cristina Martins Fargetti (que deixo propositadamente por uacuteltimo natildeo porque seja
menos importante mais justamente em virtude de sua relevacircncia em minha vida acadecircmica)
devo gratidatildeo pelo cuidado carinho que recebi durante a viagem (haja vista que por ela fui
tratado como um filho) e tambeacutem pela paciecircncia conselhos atenccedilatildeo dedicaccedilatildeo e por todos os
ensinamentos recebidos ao longo de quatro anos sob sua orientaccedilatildeo
[]
Natildeo sei dizer o que mudou Mas nada estaacute igual
Numa noite estranha a gente se estranha e fica mal Vocecirc tenta provar que tudo em noacutes morreu
Borboletas sempre voltam E o seu jardim sou eu
Sempre voltam E o seu jardim sou eu (Victor e Leo 2008)
RESUMO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees que foram realizadas em nosso projeto de
mestrado ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para contribuiccedilotildees
terminograacuteficas Tal projeto se mostra interdisciplinar por duas razotildees Primeiramente
porque apresenta os objetivos de compreender documentar e descrever os papeis linguiacutesticos
miacutetico-culturais e os demais saberes e praacuteticas dos iacutendios juruna em relaccedilatildeo aos animais por
noacutes conhecidos como ―borboletas para discutir qual a melhor forma de inserir esses
―insetos na microestrutura de um dicionaacuterio biliacutengue JurunaPortuguecircs Em segundo lugar
estaacute o fato de nossos dados coletados sugerirem questotildees e reflexotildees criacuteticas ao referencial de
Teorias de outras aacutereas como o perspectivismo cunhado por Viveiros de Castro (1996)
Acresce que para comprovar que nosso objeto de estudo configura uma aacuterea de especialidade
entre os referidos indiacutegenas brasileiros e cumprir nossos demais objetivos nos embasamos na
Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) em investigaccedilotildees da Etnoentomologia como
Costa Neto (2004) e tambeacutem na teoria conceptual da metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002)-
tencionando atraveacutes deste uacuteltimo referencial analisar se ndash dentro do universo linguiacutestico
cultural juruna- as construccedilotildees linguiacutesticas desse povo sobre borboletaslsquo ou nas quais esses
espeacutecimes aparecem podem ser consideradas metafoacutericas Pretendemos tambeacutem abordar
neste debate quais as modificaccedilotildees sofridas em campo durante nossa ida agrave aldeia Tuba-Tuba
(proacutexima agrave BR-80 MT) pela metodologia de coleta de dados que haviacuteamos previamente
programado pois natildeo nos foi permitido por exemplo realizar abates das borboletas que
foram momentaneamente capturadas em seu habitat natural com auxiacutelio dos proacuteprios juruna
(de maneira manual ou por meio de um puccedilaacute) para que as fotografaacutessemos para depois libertaacute-
las Todos os registros fotograacuteficos foram identificados por um especialista da comunidade
com os termos e histoacuterias miacuteticas em juruna Cabe mencionar ainda que as definiccedilotildees
enciclopeacutedico-terminograacuteficas aqui apresentadas satildeo protoacuteticos que seratildeo debatidas e
revisadas com os falantes nativos juruna em uma segunda ida a campo ou em reuniotildees online
Palavras-chave leacutexico liacutengua juruna borboletas
REacuteSUMEacute
Ce texte est llsquoun des reacutesultats des recherches que nous avons meneacutees au sein de notre projet
de master ―Eacutetude ethnographique et terminologique des papillons juruna pour des
contributions terminographiques Un tel projet savegravere interdisciplinaire pour deux raisons
Premiegraverement parce quil expose les objectifs de comprendre documenter et deacutecrire des rocircles
linguistiques mythicoculturels et les autres savoirs et pratiques des indigegravenes juruna en ce qui
concerne les animaux que nous appelons de ―papillons pour eacutechanger sur la meilleure
maniegravere dinscrire ces ―insectes dans la microstructure dlsquoun dictionnaire bilingue
JurunaPortugais En second lieu puisque les donneacutees geacuteneacuterant des questions et reacuteflexions agrave
leacutegard du reacutefeacuterentiel de theacuteories dlsquoautres domaines tels que le perspectivisme de Viveiros de
Castro (1996)De plus pour deacutemontrer que notre objet dlsquoeacutetude est un domaine de speacutecialiteacute de
ces indigegravenes breacutesiliens et afin dlsquoaccomplir les autres objectifs de cette eacutetude nous nous
basons sur la Terminologie Ethnographique de Fargetti (2018) sur des recherches
dlsquoEthnoentomologie - tels ceux de Costa Neto (2004) aindsi que sur la theacuteorie conceptuelle
de la meacutetaphore de Lakoff et Johnson (2002) - pour analiser si dans llsquounivers linguistique-
culturel juruna les constructions linguistiques de ce peuple agrave propos des ―papillons ou dans
les constructions linguistiques dans lesquelles ces animaux apparaissent peuvent ecirctre
consideacutereacutees meacutetaphoriquesNous avons aussi llsquointention dlsquoaborder dans ce deacutebat les
modifications subies sur le terrain durant notre voyage agrave Tuba-tuba (pregraves de la voie BR-80
dans llsquoEacutetat du Mato Grosso) dans la meacutethodologie que nous avions programmeacutee car il ne
nous a pas eacuteteacute possible de reacutealiser par exemple les abattages des papillons captureacutes
momentaneacutement dans leur habitat naturel avec llsquoaide des juruna (manuellement ou au moyen
dun ―puccedilaacute) pour les photographier et ensuite les libeacuterer Tous les documents
photographiques ont eacuteteacute identifieacutes par un speacutecialiste de la communauteacute avec les termes et les
histoires mythiques en juruna De plus il convient encore de mentionner que les deacutefinitions
encyclopeacutediques et terminolographiques montreacutees ici sont des prototyques qui seront
deacutebattues et reacuteviseacutees avec les locuteurs natifs Juruna dans un deuxiegraveme voyage agrave Tuba-tuba
ou lors de reacuteunions en ligne
Mots-cleacutes lexique langue juruna papillons
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico 58
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos de um lepidoacuteptero imaturo 99
Figura 4 Vistas lateral e dorsal de uma lagarta 100
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal 116
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruma para ―borboletas e classificaccedilatildeo
ocidental
139
LISTA DE DESENHOS
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros 96
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero 97
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos 101
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado 111
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio 111
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu 114
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu 118
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu 25
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba 26
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna 28
Foto 4 Casa em construccedilatildeo 28
Foto 5 Aldeia Tuba-tuba 29
Foto 6 Vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular 101
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas 101
Foto 8 Lagarta com verrugas 102
Foto 9 Borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja 121
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-
onccedila
118
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FCLAr Faculdade de Ciecircncias e Letras de Araraquara
FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
Linbra Grupo de Estudos de Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras
TCT Teoria Comunicativa da Terminologia
TE Terminologia Etnograacutefica
TGT Teoria Geral da Terminologia
Unesp Universidade Estadual Paulista ―Juacutelio de Mesquita Filho
Sumaacuterio
1Introduccedilatildeo 14
2 A relevacircncia do estudo de saberes indiacutegenas brasileiros quanto agraves liacutenguas
autoacutectones e a conhecimentos tradicionais divididos em campos especiacuteficos 18
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros 18
22 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de
liacutenguas indiacutegenas brasileiras 21
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua
relevacircncia soacutecio-cientiacutefica para as comunidades estudadas 24
24 Sobre os juruna 25
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos 30
26 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico 31
3 Aporte teoacuterico 39
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo
empiacuterico ―anterior agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por
dada comunidade 39
31 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ―limites entre leacutexico e gramaacutetica 54
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o
leacutexico tipos de definiccedilatildeo 56
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia 65
321 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
67
3 2 2 ―Falando sobre metaacuteforas 74
3 2 3 A relevacircncia da Etnoentomologia 75
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o
enxerga 81
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas 94
4 Metodologia 105
5 Resultados e Discussatildeo 110
6 Consideraccedilotildees finais 135
Referecircncias 140
Bibliografia 147
Apecircndices 150
Apecircndice A 151
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Este texto eacute um dos resultados das investigaccedilotildees e consideraccedilotildees desenvolvidas
durante dois anos no projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico das borboletas juruna para
contribuiccedilotildees terminograacuteficas (realizado de fevereiro de 2017 a maio de 2019) cujos
objetivos principais abarcaram natildeo soacute a compreensatildeo como tambeacutem a posterior descriccedilatildeo dos
saberes e praacuteticas juruna relativos aos animais conhecidos por noacutes natildeo-iacutendios como
borboletaslsquo Ou seja aqui se apresentam algumas conclusotildees a que pudemos chegar
A escolha do objeto de estudo deveu-se primeiramente ao anseio de tentar sanar as
lacunas no estudo realmente cientiacutefico de elementos relativos agrave cultura indiacutegena de modo
geral (e agrave juruna de modo mais especiacutefico) e de fatores de ordem soacutecio-histoacuterica que colocam
em risco a divulgaccedilatildeo de saberes e praacuteticas de populaccedilotildees que olham para o mundo de
maneira distinta da nossa sociedade ocidental natildeo-indiacutegena Entre esses fatores estaacute a reduccedilatildeo
dos habitantes de comunidades tradicionais seja por genociacutedio seja por aglutinaccedilatildeo dos
autoacutectones agrave comunidade circundante aos quilombos aldeias assentamentos e construccedilotildees
ribeirinhas e consequente diminuiccedilatildeo dos que ainda falam fluentemente a liacutengua originaacuteria de
seu povo tendo em vista que muitos acabam abandonando-a em prol da liacutengua majoritaacuteria o
que se reflete em nosso territoacuterio infelizmente no uso exclusivo do portuguecircs
Pretendeu-se tambeacutem contribuir com a montagem de um banco de dados mais amplo
que poderaacute ser uacutetil ao Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-Portuguecircs que vem sendo elaborado por
nossa orientadora
Em outras palavras por um lado os objetivos gerais desta dissertaccedilatildeo compotildeem-se no
levantamento e anaacutelise etnograacutefica dos insetos lepidoacutepteros com antenas de variados
formatos entre eles as claviformes (popularmente conhecidos como ―borboletas) presentes
na aldeia juruna Tuba-Tuba (localizada no Parque Indiacutegena Xingu no estado do Mato
Grosso) Nosso intuito eacute apresentar mais uma contribuiccedilatildeo aos trabalhos da aacuterea ndash com os
quais pretendemos dialogar - por meio da compreensatildeo da importacircncia cultural desses insetos
para os indiacutegenas em questatildeo e do desenvolvimento de investigaccedilotildees no campo da
Terminologia que preencham as lacunas de pesquisas do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas
brasileiras que natildeo apresentam embasamento teoacuterico adequado e que natildeo dialogam com os
conhecimentos de nossa sociedade conhecidos como ―Etnoentomologia
Por outro lado de modo mais especiacutefico pretende-se apresentar para este
conhecimento tradicional juruna caminhos de aplicaccedilatildeo terminograacutefica observando tambeacutem
15
sua classificaccedilatildeo proacutepria a fim de compreender pontos de contato com a classificaccedilatildeo natildeo-
indiacutegena e por fim dialogar com a pesquisa de nossa orientadora ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu (dentro da qual nosso projeto se insere)
discutindo terminograficamente a maneira pela qual as denominaccedilotildees para as ―borboletas
juruna poderiam ser lematizadas
Para terminar estas consideraccedilotildees introdutoacuterias passemos a discorrer sobre a estrutura
desta dissertaccedilatildeo Abaixo satildeo listadas as motivaccedilotildees e justificativas da pesquisa cujo
embasamento teoacuterico eacute apresentado na seccedilatildeo 2
Na seccedilatildeo 1 justificamos a escolha do escopo do trabalho explicitando a importacircncia
de se estudar o leacutexico das liacutenguas humanas naturais inclusive terminologicamente (sobretudo
para aquelas que se encontram em situaccedilatildeo de vulnerabilidade ou em risco de extinccedilatildeo)
Tambeacutem apresentamos justificativas para o estudo e documentaccedilatildeo dos espeacutecimes conhecidos
pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual como ―insetos Nesta mesma seccedilatildeo discorremos sobre
avanccedilos e contribuiccedilotildees que o Grupo LINBRA (Grupo de Estudo das liacutenguas Indiacutegenas
brasileiras) do qual fazemos parte vecircm dando na aacuterea ndash na contramatildeo de listas e anotaccedilotildees
diversificadas inconsistentes e errocircneas do leacutexico de idiomas indiacutegenas autoacutectones Por fim
falamos ainda do povo juruna no que concerne agrave sua localizaccedilatildeo atual a costumes que os
singularizam frente a outros povos indiacutegenas e a seu idioma
Na segunda seccedilatildeo trazemos os aportes principais deste estudo que satildeo pesquisas na
aacuterea da Entomologia (e na ―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff
e Johnson (2002) e a Terminologia Etnograacutefica Tambeacutem abordamos a problemaacutetica por traacutes
da nomeaccedilatildeo (tangenciando a relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura) bem como a relaccedilatildeo entre o
estabelecimento de signos linguiacutesticos e os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais
signos afirmando que a relaccedilatildeo entre os significantes linguiacutesticos e seus elementos
―empiacutericos nomeados eacute complexa pois ao mesmo tempo em que fomos entrando em contato
com os entes da ―realidade onde habitamos e os nomeando tal nomeaccedilatildeo ndash como jaacute alertava
Saussure (2012) ndash natildeo eacute apenas um roacutetulo Eacute de nossa opiniatildeo que os entes em si existem
antes de serem nomeados numa dada liacutengua mas seus nomes soacute fazem sentido em oposiccedilatildeo
aos dados nessa mesma liacutengua a outros entes Nesse sentido concordamos com as ideias
saussurianas apenas em partes
Para chegarmos ateacute a Terminologia Etnograacutefica fazemos um traccedilado histoacuterico das
mudanccedilas pelas quais passou a Terminologia e apresentamos conceitos baacutesicos que seratildeo
norteadores das anaacutelises e tambeacutem da proposiccedilatildeo dos verbetes (como homoniacutemia e sua
16
diferenccedila em relaccedilatildeo agrave polissemia entrada equivalentes partes e estruturas constituintes de
uma obra lexicograacutefica)
Ainda na seccedilatildeo de Aporte teoacuterico discorremos sobre as asserccedilotildees de Campos (2001)
sobre certas nomeaccedilotildees inadequadas aos saberes de povos minoritaacuterios e conhecimentos
tradicionais e folk Um uacuteltimo assunto tratado satildeo as interfaces de nosso estudo com teorias
atuais da aacuterea das Ciecircncias Sociais como o perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) e
Lima (1996)
Jaacute a Metodologia de Trabalho eacute descrita na seccedilatildeo 3 (onde constam obviamente as
etapas da pesquisa) antes da discussatildeo dos resultados (parte na qual tambeacutem justificamos a
epiacutegrafe que pode parecer estranha a alguns leitores) e das consideraccedilotildees finais
Cabe salientar por fim que os dados coletados demonstram que as caracteriacutesticas
utilizadas pelos juruna para a classificaccedilatildeo dos animais estudados natildeo satildeo as mesmas que as
nossas e o que noacutes denominamos como ―borboleta representa para eles trecircs animais
aparentados poreacutem com importacircncia cultural e periculosidade distintas ndash como
demonstramos mais detalhadamente na seccedilatildeo 4
18
2 A RELEVAcircNCIA DO ESTUDO DE SABERES INDIacuteGENAS BRASILEIROS
QUANTO AgraveS LIacuteNGUAS AUTOacuteCTONES E A CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
DIVIDIDOS EM CAMPOS ESPECIacuteFICOS
Nesta seccedilatildeo apresentamos como questotildees iniciais problemas que a nosso ver
precisariam ser superados e que justificam a escolha do tema de nossa pesquisa explicitando
sua relevacircncia
Em outros termos o movimento inicial desta seccedilatildeo gira em torno da tentativa de
justificar a escolha do escopo do trabalho trazendo razotildees e justificativas para o estudo e
documentaccedilatildeo do leacutexico das liacutenguas humanas (de liacutenguas de populaccedilotildees minoritaacuterias como as
indiacutegenas) da Terminologia e ressaltando tambeacutem a importacircncia de averiguaccedilotildees de como os
insetos satildeo percebidos e utilizados pelas diferentes sociedades
21 Problemas em estudos sobre iacutendios brasileiros
Iniciamos retomando as palavras de Seki (1999 2000) para quem ateacute pouco tempo
muitas averiguaccedilotildees sobre o leacutexico e demais elementos culturais de indiacutegenas brasileiros natildeo
passavam de simples listas de palavras ou averiguaccedilotildees com notaccedilatildeo diversificada
inconsistente e ateacute mesmo errocircnea e infelizmente consideravam o povo em estudo como
mero fornecedor de informaccedilotildees
Tudo isso contribuiacutea de acordo com a autora para um apagamento da figura do iacutendio
na histoacuteria e cultura brasileira apagamento este que se sustentava inclusive por discursos
falaciosos de que o Brasil seria natildeo majoritariamente lusoacutefono mas sim monoliacutenguumle
Nesse mesmo sentido Voigt (2015) Minardi (2012) e Neves e Silva (2013) apontam
uma falta de mateacuterias e reportagens que abordem a cultura e a histoacuteria das populaccedilotildees
indiacutegenas seus problemas de sauacutede e os conflitos por terras contra empreiteiras e grandes
fazendeiros Ou seja os autores muito acertadamente denunciam que na miacutedia em geral
costuma haver apenas discursos que silenciam o iacutendio enquanto sujeito empiacuterico jaacute que ele
ou natildeo tem voz nem para apresentar suas necessidades (que satildeo apresentadas por porta-vozes
como a FUNAI a Igreja ou o Governo) ou acaba sendo reduzido agrave uacutenica imagem de um
personagem geneacuterico (caracterizado injustificadamente como ―violento ―retroacutegrado
―antropoacutefago) enquanto todas as muacuteltiplas sociedades indiacutegenas brasileiras acabam sendo
omitidas
Aleacutem disso haacute um apagamento tambeacutem nos materiais didaacuteticos pois ndash retomando
Fargetti e Miranda (2016) - a maioria dos livros do paiacutes ou tratam apenas superficialmente das
19
variedades do portuguecircs ndash ignorando as centenas de liacutenguas indiacutegenas faladas no Brasil - ou
classificam errocircnea e reducionalmente as liacutenguas indiacutegenas simplesmente como ―tupis como
se elas natildeo compusessem nenhum outro tronco linguiacutestico (aleacutem do Tupi)
Ainda nesse mesmo sentido Moscardini (2011) lembra que
Os indiacutegenas no Brasil foram oprimidos durante seacuteculos de contato e muitas tribos
desapareceram ou melhor foram dizimadas Essa opressatildeo perpassa a educaccedilatildeo
escolar com um massacre desde a eacutepoca da colonizaccedilatildeo ateacute quando eram obrigados
a estudar na cidade se deslocando para muito longe da aldeia e ainda passando por
preconceitos e conflitos culturais uma vez que o meio social etnocentrista
desaprendeu a considerar a relevacircncia dos iacutendios em sua proacutepria constituiccedilatildeo
(MOSCARDINI 2011 p 7)
Jaacute Fargetti e Vaneti (2016) alertam tambeacutem para a postura lamentaacutevel das miacutedias que
se por um lado divulgam amplamente preconceitos linguiacutesticos pautadas em opiniotildees
pessoais de gramaacuteticos normativos sem nenhuma formaccedilatildeo em estudos linguiacutesticos
cientiacuteficos por outro deixam de transmitir notiacutecias sobre projetos de lei e poliacuteticas
linguiacutesticas sobre os idiomas indiacutegenas locais Poucas vezes foram divulgadas em telejornais
por exemplo as vaacuterias tentativas de integrar de maneira forccedilosa o iacutendio agrave sociedade natildeo-
indiacutegena por meio de medidas como o Diretoacuterio dos Iacutendios instituiacutedo pelo Marquecircs de
Pombal em 1755 que proibia o ensino biliacutengue entre as liacutenguas indiacutegenas e o portuguecircs e
obrigava o uso exclusivamente do portuguecircs atribuindo agrave Liacutengua Geral um caraacuteter
negativamente ―diaboacutelico
Aleacutem disso Guimaratildees Rocha (1984) atesta que julgamentos evolucionistas com
relaccedilatildeo ao indiacutegena natildeo satildeo de hoje pois do ―selvagem ―primitivo ―preacute-histoacuterico
―antropoacutefago e ―inferior do periacuteodo do ―Descobrimento do Brasil (quando os portugueses
se consideraram ―num estaacutegio mais adiantado) o iacutendio brasileiro teria de acordo com o
referido autor mais tarde sido nomeado como a ―crianccedila ―o inocente ―infantil uma
―alma virgem que precisaria ser protegida pelo catolicismo e jaacute na Independecircncia o
―corajoso ―altivo ―cheio de amor agrave liberdade
Em relaccedilatildeo a esse periacuteodo jesuiacutetico Gambini (1988) confirma que
Os jesuiacutetas acreditavam que no Brasil encontrariam seres sub-humanos e foi
exatamente para transformaacute-los em algo melhor que vieram para caacute [] a imagem
do homem primitivo eacute tatildeo velha quanto a humanidade profundamente gravada na
psique atraveacutes de eras seja como essecircncia do que somos ou como terriacutevel memoacuteria
do ponto de partida Do ponto de vista estreito e distorcido de uma civilizaccedilatildeo em
gradual evoluccedilatildeo a condiccedilatildeo primordial do hominida num movimento contraacuterio agrave
marcha da Histoacuteria foi sendo progressivamente empurrada para traacutes ateacute fixar-se
como horrenda imagem de pecado original o abominaacutevel ponto zero ao qual natildeo se
deve retornar jamais Civilizaccedilatildeo seria entatildeo uma linha reta em evoluccedilatildeo perene a
20
partir desse ponto sempre adiante e para cima A humanidade civilizada natildeo cultua
sua origem ancestral e sim tenta o melhor que pode esquecer a vergonha de um
passado tatildeo baixo O proacuteprio desenvolvimento da consciecircncia e desse formidaacutevel
ego que tanto orgulho nos causa eacute uma vitoacuteria sobre a inconsciecircncia do homem
primitivo ndash e os que demoram a crescer ou perdem o trem da Histoacuteria poderiam
muito bem desaparecer do mapa ou havendo boa-vontade ser ajudados a se
atualizarem (GAMBINI 1988 p121-122)
Tal dificuldade humana em aceitar o diferente e ter que consideraacute-lo ―menor ou ateacute
patologizaacute-lo para creditar a proacutepria condiccedilatildeo vista como ―normal (mas que- como dito
anteriormente ndash natildeo passa de uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterico-ideoloacutegica) jaacute foi alvo de criacutetica
de vaacuterios outros autores Entre eles poderiacuteamos citar Skliar (1999) veiculador do pensamento
segundo o qual os sistemas dominantes ateacute para manter seu poder jaacute estipulariam
nomenclaturas para designar quem neles natildeo se encaixa pressupondo (e tambeacutem criando) de
antematildeo excluiacutedos que passam a ser taxados natildeo apenas como ―outros mas tambeacutem como
uma ―alteridade deficiente (SKLIAR 1999) em relaccedilatildeo a esse sistema que seria ―saudaacutevel
―normal e por isso deveria ser mantido ndash o que configura num niacutevel abstrato um eu
problemaacutetico que natildeo se sustenta por si mesmo e que precisa se definir diferencialmente
atraveacutes de um outro que lhe seria ―inferior
Nessa esteira de criticar posicionamentos como este Larrosa e Peacuterez de Lara (1998) jaacute
comentavam que
A identidade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a
reforccedila ainda mais torna-a se possiacutevel ainda mais arrogante mais segura e mais
satisfeita de si mesma A partir desse ponto de vista o louco confirma e reforccedila
nossa razatildeo a crianccedila nossa maturidade o selvagem nossa civilizaccedilatildeo o marginal
nossa integraccedilatildeo o estrangeiro nosso paiacutes e o deficiente a nossa normalidade
(LARROSA e PEacuteREZ 1998 p 8)
Ora nessas taxaccedilotildees excludentes e preconceituosas vemos concretizados e
infelizmente utilizados de modo natildeo muito positivo a questatildeo de valor linguiacutestico e tambeacutem
o caraacuteter criacional das linguagens humanas pois ndash nestes casos - ―[] a alteridade resulta de
uma produccedilatildeo histoacuterica e linguumliacutestica da invenccedilatildeo desses Outros que natildeo somos em
aparecircncia noacutes mesmos Poreacutem que utilizamos para poder ser noacutes mesmos (SKLIAR 1998
p 18)
21
2 2 Caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos novos quanto ao estudo do leacutexico de liacutenguas
indiacutegenas brasileiras
De qualquer modo apesar dos vaacuterios desrespeitos impingidos a grupos minoritaacuterios
como os iacutendios e problemas com algumas pesquisas mais antigas que foram descritos na
subseccedilatildeo anterior Seki (2000) afirma que nos estudos linguiacutesticos atuais o tema teria saiacutedo
desse quadro inicial de escassez e falta de qualidade na medida em que teria ocorrido na
deacutecada de 80 um fenocircmeno de aumento no nuacutemero de linguistas que passaram a estudar os
idiomas dessas populaccedilotildees culminando num aumento dos trabalhos cientiacuteficos e com
respaldo teoacuterico-metodoloacutegico adequado e nas vaacuterias instituiccedilotildees no paiacutes com pesquisadores
(brasileiros e estrangeiros) dedicados a essa aacuterea desenvolvendo pesquisas e congressos
palestras e simpoacutesios sobre populaccedilotildees indiacutegenas
Um desses pesquisadores eacute Fargetti que desde 1989 tem se debruccedilado sobre a
descriccedilatildeo cientiacutefica da liacutengua juruna do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso
no Xingu Ela responde por diversos projetos como por exemplo ―Uma proposta de obra
lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do Xingu por meio do qual se propocircs realizar estudo de
campos temaacuteticos restritos por questotildees metodoloacutegicas e de infraestrutura a aves plantas
alimentaccedilatildeo parentesco e cultura material Esta pesquisa sobre as borboletas se insere em tal
projeto tendo dele recebido apoio financeiro para viagem a campo
Obviamente aleacutem de possuir relevacircncia para estudos histoacuterico-comparativos
lexicograacuteficos e para a Linguiacutestica Geral inserida no Grupo LINBRA (Grupo de Pesquisas de
Liacutenguas Indiacutegenas Brasileiras-CNPq) a pesquisa de Fargetti jaacute teve resultados anteriores que
contribuem para a discussatildeo sobre os estudos do leacutexico de liacutenguas indiacutegenas ora fazendo
metalexicografia ora analisando aspecto do leacutexico de uma liacutengua especiacutefica ora propondo
aplicaccedilatildeo lexicograacuteficaterminograacutefica e tambeacutem apontando caminhos metodoloacutegicos novos
Entre tais resultados podemos citar Berto (2010 2013) Mondini (2014) Silva (2013)
Moscardini e Fargetti (2018) Fernandes (2016) Vaneti (2017) Mateus (2017) e Fernandes
Vaneti Mateus e Fargetti (2018)
A primeira destes autores realizou de maneira monograacutefica natildeo apenas uma
documentaccedilatildeo como tambeacutem anaacutelise e discussatildeo de itens lexicais referentes ao campo
semacircntico das ―aves Primeiramente ela recoletou nomes de aves em juruna para checar os
resultados que haviam sido anteriormente obtidos por Fargetti (em 2007) A fim de evitar a
consulta a poucos informantes e a utilizaccedilatildeo de materiais com ilustraccedilotildees muito pequenas
Berto (2013) afirma ter realizado uma nova coleta (em 2008 e 2009) junto a vaacuterios homens
22
juruna com o auxiacutelio do conteuacutedo do projeto ―Brasil 500 aves disponiacutevel em CD-ROM que
foi acessado por meio de um notebook levado a campo e alimentado por um gerador a diesel
Segundo ela ―por meio do programa foram apresentadas aos informantes as ilustraccedilotildees de
cada ave a descriccedilatildeo de seu haacutebitat haacutebitos etc (selecionando-se principalmente as
informaccedilotildees solicitadas pelo falante) e sua vocalizaccedilatildeo (BERTO 2010 p 8)
Posteriormente os dados obtidos em suas duas idas a campo foram sistematizados e
comparados de maneira a analisar os processos morfoloacutegicos envolvidos nos nomes para
aves na liacutengua indiacutegena em questatildeo Por meio de tais procedimentos a referida autora
concluiu que para a aacuterea do leacutexico pesquisada haacute uma inter-relaccedilatildeo de conhecimentos
cosmoloacutegicos juruna com outros referentes a questotildees ecoloacutegicas e morfoloacutegicas das aves
encontradas na regiatildeo (como tamanho coloraccedilatildeo habitat natural e alimentaccedilatildeo) e que dentre
os recursos para a formaccedilatildeo dos nomes para aves em juruna estatildeo a reduplicaccedilatildeo de
partiacuteculas o uso de um ―simbolismo sonoro em onomatopeacuteias e de itens lexicais formados
por um ou mais radicais (BERTO 2013)
Jaacute Mondini (2014) utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e de observaccedilatildeo
participante realizou um estudo que possibilitou a organizaccedilatildeo de um vocabulaacuterio do leacutexico
juruna focalizando o campo semacircntico da culinaacuteria de tal povo vocabulaacuterio este que contou
com 72 verbetes que natildeo se limitaram a uma mera lista de palavras reduzida a entradas e
equivalentes mas que contemplavam remissotildees transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees
morfoloacutegicas culturais e enciclopeacutedicas e ateacute mesmo ilustraccedilotildees das entradas
Fernandes Vaneti Mateus e Fargetti (2018) por sua vez tratam de um dos mais
recentes caminhos abertos pelo Grupo de pesquisadores acima citado a saber o
desenvolvimento de um banco de dados lexical que abrangeraacute os resultados da coleta feita por
vaacuterios pesquisadores num nuacutemero consideraacutevel de obras do leacutexico de idiomas indiacutegenas
buscando contemplar temas como frutas comestiacuteveis cultura material termos de parentesco
musicais e cosmoloacutegicos Os autores tambeacutem expotildeem a metodologia empregada em suas
iniciaccedilotildees cientiacuteficas departamentais realizadas junto ao Grupo Linbra na FclAr Trata-se de
pesquisas que resultaram entre outras coisas em monografias
Dentro destes resultados podemos alocar o estudo metalexicograacutefico desenvolvido por
Fernandes (2015) que analisa como dois dicionaacuterios biliacutengues de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
(Uma proposta de dicionaacuterio para a liacutengua ka‟apoacuter de CALDAS (2009) e A liacutengua dos
yuhupdeh introduccedilatildeo etnolinguiacutestica dicionaacuterio yuhup-portuguecircs e glossaacuterio semacircntico-
gramatical de SILVA amp SILVA (2012)) registram itens lexicais referentes ao campo
semacircntico da cosmologia averiguando se satildeo especificados pelos dicionaristas os criteacuterios
23
lexicograacuteficos decisotildees metodoloacutegicas quanto agrave macro e microestrutura utilizadas nas obras
se eacute possiacutevel verificar a presenccedila de transcriccedilotildees foneacuteticas informaccedilotildees morfoloacutegicas
sintaacuteticas e culturais ou seja se as definiccedilotildees das entradas satildeo adequadas agrave realidade
linguiacutestico-cultural dos povos indiacutegenas abordados se elas satildeo suficientemente claras ou
demandariam a presenccedila de ilustraccedilotildees e se estas ilustraccedilotildees ndash nas raras vezes em que estas
aparecem ndash realmente contribuem para que o consulente compreenda o verbete
Outro resultado das investigaccedilotildees do Grupo Linbra pode ser verificado na monografia
de Mateus (2017) que se constitui de uma anaacutelise metalexicograacutefica de dicionaacuterios de idiomas
indiacutegenas brasileiros dividida em seis partes e trecircs apecircndices que ilustram a metodologia
utilizada e o tratamento dos dados No entanto diferindo de Fernandes (2015) Mateus (2017)
pretendia
[] averiguar natildeo soacute se (e de que maneira) neles estatildeo presentes as realizaccedilotildees
possiacuteveis da muacutesica dos povos indiacutegenas tematizados mas tambeacutem se os
lexicoacutegrafos conseguiram chegar a abstraccedilotildees alcanccedilando os significados de
determinada realizaccedilatildeo no sistema musical do povo em estudo (MATEUS 2017
p 5)
Para tanto o autor valeu-se de um corpus com 32 propostas lexicograacuteficas que foram
lidas em sua totalidade a fim de encontrar natildeo termos cosmoloacutegicos mas sim elementos
musicais nos verbetes (nas entradas frases-exemplo nas imagens eou nas remissivas)
Quando tais elementos eram encontrados recortavam-se integralmente e na forma de imagens
os verbetes nos quais eles estavam inseridos com o auxiacutelio do editor de imagens Macromedia
Fireworks 8 Posteriormente as informaccedilotildees das imagens (arquivadas em pastas com os
nomes de suas liacutenguas de origem) foram digitadas numa planilha do Excel dividida em vaacuterias
colunas e apenas um link para elas foi adicionado nas tabelas Por meio de tal procedimento
ele chegou a coletar em torno de 2000 verbetes potencialmente concernentes agrave muacutesica e
chegou agrave conclusatildeo de que a maioria das obras natildeo pode ser denominada dicionaacuterio sendo na
verdade uma ―lista de palavras que apresenta tatildeo somente a entrada em liacutengua indiacutegena e o
equivalente em portuguecircs ndash estrutura esta que dificultava muito a apreensatildeo do sentido dos
itens lexicais e que justifica o caraacuteter de potencialidade comentado linhas acima Aleacutem disso
o pesquisador pocircde observar que de modo geral em poucas dessas obras haacute bibliografia
anexos apecircndices e explicaccedilatildeo das abreviaturas utilizadas Em outras palavras infelizmente
haacute predominantemente uma escassez de informaccedilotildees (em relaccedilatildeo a notas sobre a cultura e
descriccedilotildees linguiacutesticas) bem como uma ausecircncia de ilustraccedilotildees das entradas Desta sorte
Mateus (2017) afirma que grande parte do corpus analisado natildeo aborda em profundidade as
realizaccedilotildees possiacuteveis da muacutesica do povo indiacutegena tematizado nas obras lexicograacuteficas e
24
exatamente por isso natildeo consegue chegar a abstraccedilotildees como qual seria o significado de uma
dada realizaccedilatildeo especiacutefica no sistema musical desse mesmo povo e como esta se oporia a
outras realizaccedilotildees possiacuteveis
23 Desafios que ainda persistem no estudo da aacuterea do leacutexico e sua relevacircncia soacutecio-
cientiacutefica para as comunidades estudadas
Apesar dos avanccedilos das atuais pesquisas cientiacuteficas (como as citadas anteriormente)
ainda haacute questotildees a serem debatidas e ateacute sanadas pois de acordo com Corbera Mori (2013
p 98-99) muitas liacutenguas indiacutegenas do Brasil estatildeo em situaccedilotildees vulneraacuteveis o que reafirma a
necessidade de estudo Para vaacuterias comunidades eacute alarmante o nuacutemero reduzido de indiacutegenas
que ainda falam fluentemente sua proacutepria liacutengua Para se ter uma ideacuteia ―os Yawalapiti
(Arawak) conformam uma sociedade de 222 pessoas das quais somente 5 continuam falando
a liacutengua materna [] (CORBERA MORI 2013 p 98-99)
Por esses motivos tanto Corbera Mori (2013) quanto Seki (1999 2000) reiteram a
importacircncia e relevacircncia de se estudar liacutenguas indiacutegenas brasileiras principalmente no que
concerne a dois aspectos o ―cientiacutefico da melhor compreensatildeo da natureza da linguagem
humana e de adaptaccedilotildees em certos modelos linguiacutesticos que se mostrarem limitados ao serem
confrontados com idiomas indiacutegenas e tambeacutem o ―social em respostas agraves comunidades
indiacutegenas envolvidas nas pesquisas por meio de medidas praacuteticas (como ―elaboraccedilatildeo de
materiais didaacuteticos para as escolas indiacutegenas a codificaccedilatildeo das liacutenguas em termos de
elaboraccedilatildeo de gramaacuteticas dicionaacuterios coletacircneas de textos diversos incluindo as
etnohistoacuterias (CORBERA MORI 2013 p 105-107)) que contribuam natildeo apenas para a
preservaccedilatildeo como tambeacutem em alguns casos para a revitalizaccedilatildeo de elementos linguiacutestico-
culturais dessas populaccedilotildees
Ademais como atestam Seki (1999 2000) Corbera Mori (2013) e Berto (2010) o
estudo bem como a documentaccedilatildeo cientiacutefica de liacutenguas indiacutegenas brasileiras adquire
relevacircncia na medida em que pode contribuir com o conhecimento linguiacutestico com o debate
de teorias e com uma melhor compreensatildeo da linguagem humana E esse eacute justamente um dos
objetivos que nortearam nossa pesquisa como expomos em seguida Na esteira dos
pensamentos trazidos nos uacuteltimos paraacutegrafos o projeto ―Estudo etnograacutefico e terminoloacutegico
das borboletas juruna para contribuiccedilotildees terminograacuteficas aleacutem de dialogar com pesquisas
realizadas sobre liacutenguas brasileiras pode permitir que a liacutengua juruna continue a ser
documentada (em dicionaacuterios livros didaacuteticos gravaccedilotildees) e descrita o que eacute valorizado
25
inclusive por seus proacuteprios falantes haja vista que a populaccedilatildeo juruna- embora tenha tido
aumento nos uacuteltimos anos (FARGETTI (2015))- eacute reduzida e corre risco de perda linguiacutestica
pela possibilidade de substituiccedilatildeo paulatina pelo portuguecircs que no Xingu eacute a liacutengua franca
de contato Como salienta Peixotto (2013)
Criado em 14 de Abril de 1961 pelo Decreto nordm 50455 e regulamentado pelo de nordm
51084 de 31 de Julho de 1961 sancionados pelo presidente Jacircnio Quadros o entatildeo
Parque Nacional do Xingu (doravante PIX) situado no nordeste do estado do Mato
Grosso possuiacutea uma aacuterea de 22000 kmsup2 e contava com dois Postos de assistecircncia e
atraccedilatildeo de grupos indiacutegenas o Posto Leonardo Villas Boas (em homenagem ao mais
novo dos irmatildeos Villas Boas falecido em 1961 devido a problemas cardiacuteacos) e o
Posto Diauarum Hoje o Parque Indiacutegena do Xingu conta com uma aacuterea de mais de
27000 kmsup2 e abriga etnias que compreendem grande variedade de liacutenguas
representantes de trecircs troncos linguiacutesticos e outras famiacutelias isoladas Aweti
Kamaiuraacute (tupi-guaraniacute) Mehinako Waura Yawalapiti (aruak) Kalapalo Kuikuro
Matipu Nahukwaacute (carib) e Trumai (liacutengua isolada) Aleacutem desses povos Ikpeng
(carib) Kaiabi Juruna (tupi) Panaraacute Suyaacute Tapayuna e Txukahamatildee (macro-jecirc)
tambeacutem habitam ou jaacute habitaram (Panaraacute Tapayuna e Txukahamatildee) o parque A
aacuterea mais ao norte do parque sempre esteve sob influecircncia dos Suyaacute mas desde o
uacuteltimo quarto do seacuteculo XIX recebeu os juruna povo canoeiro que vem migrando
do baixo curso do rio ateacute que em 1948 se estabeleceu definitivamente no parque
(PEIXOTTO 2013 p 9-10)
Foto 1 Vista da beira do Rio Xingu
Fonte fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes referindo-se ao povo juruna eacute necessaacuterio trazer asserccedilotildees para que o leitor
conheccedila tal povo
24 Sobre os juruna
Para iniciar cabe dizer que embora fossem em torno de 48 pessoas na deacutecada de 60
hoje segundo Fargetti (2015 2017) aleacutem dos habitantes do territoacuterio original do povo no
Paraacute (que infelizmente em sua maioria perderam sua liacutengua indiacutegena mas que vem
ultimamente tentando recuperaacute-la com os descendentes mato-grossenses) os juruna satildeo cerca
26
de 500 pessoas que vivem no Parque indiacutegena do Xingu (Mato Grosso) entre o Posto Indiacutegena
Diauarum e a BR-80 nas aldeias Maitxiri Tubatuba Paqsamba Pequizal Pakayaacute Parureda
Mupadaacute e nos PIs Diauarum e Piaraccedilu Eles falam (sobretudo os habitantes do Mato Grosso) a
liacutengua tonal juruna do tronco tupi famiacutelia juruna (composta pelos idiomas juruna xipaia e
manitswa sendo que este uacuteltimo infelizmente natildeo tem mais falantes) e o local onde habitam
eacute um misto de cerrado e floresta amazocircnica
Foto 2 Vista da Aldeia Tuba-tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Aliaacutes no que toca a este assunto cabe ressaltar que
A localizaccedilatildeo do povo juruna nem sempre foi o Xingu No seacuteculo XVII []
encontrava-se em uma ilha entre o Pacajaacute (Portel) e o Parnaiacuteba (Xingu) [] no
extremo norte do atual estado do Paraacute A partir de entatildeo os juruna foram contatados
por missionaacuterios e por expediccedilotildees de resgate que tentaram catequizaacute-los ou
escravizaacute-los em consequecircncia passaram a migrar em direccedilatildeo ao sul Durante essa
migraccedilatildeo feita em etapas subindo o rio Xingu eles tiveram conflitos com grupos
indiacutegenas que habitavam a regiatildeo como os kayapoacute suyaacute trumai entre outros
Steinen menciona que em 1884 grupos juruna se encontravam no meacutedio Xingu e
Coudreau indica essa mesma localizaccedilatildeo em 1896 No comeccedilo do seacuteculo XX
devido ao avanccedilo de seringueiros na regiatildeo eles recuaram mais a montante do rio
Xingu estabelecendo-se nas proximidades da cachoeira Von Martius Quando
entraram em contato com os irmatildeos Villas Bocircas em 1949 encontravam-se junto agrave
foz do rio Manitsawaacute e desde entatildeo permaneceram nas proximidades dessa mesma
regiatildeo em aacuterea vizinha aos atuais postos indiacutegenas (PIs) Diauarum e Piaraccedilu
Em 1966 quando visitados pela antropoacuteloga Adeacutelia Engraacutecia de Oliveria os juruna
tinham sua populaccedilatildeo distribuiacutedas em duas aldeias a de Bibina e a de Daacutea Um ano
depois estavam concentrados somente na primeira Segundo relato de um juruna a
fundaccedilatildeo da aldeia Tubatuba data de 1982 quando se mudaram do Manitsawaacute para
a atual localizaccedilatildeo no rio Xingu Havia nessa eacutepoca a aldeia Sauacuteva mas em 1988 os
juruna concordaram sobre a conveniecircncia poliacutetica da reuniatildeo do grupo em uma soacute
aldeia fixando-se todos em Tubatuba []
A aldeia Tubatuba ainda existe mas como entreposto local da escola e de poucas
moradias pois desde 2008 os juruna passaram a habitar em um terreno atraacutes da
antiga aldeia a sua nova aldeia Maitxiri [] (FARGETTI 2017 p 27-29)
Pode-se ressaltar tambeacutem que de acordo com Fargetti (2007 2012) a liacutengua juruna
tem acento deduziacutevel a partir do tom (sendo que este uacuteltimo ndash tal qual a duraccedilatildeo vocaacutelica- eacute
27
fonologicamente contrastivo) jaacute que ndash como ela salienta - seraacute tocircnica a primeira siacutelaba de tom
alto da esquerda para a direita ou a uacuteltima caso todos os tons sejam iguais
Essa mesma liacutengua indiacutegena apresenta - ainda de acordo com a mesma linguista-
fonemicamente dezoito consoantes (doze obstruintes - divididas entre duas glotais ( e ) e
dez supraglotais ( e ) ndash e seis sonorantes (
e )) e quinze vogais (cinco breves ( e ) cinco longas ( e
) e cinco nasais ( e ))
Como afirma Berto (2013)
De acordo com a anaacutelise apresentada por Fargetti (2001) a liacutengua juruna eacute uma
liacutengua tonal possuindo dois tons fonoloacutegicos (um alto e um baixo) padratildeo silaacutebico
C(V) e processo de espraiamento da nasalidade que ocorre da direita para a
esquerda em que o ―domiacutenio da nasalidade eacute um constituinte morfoloacutegico um
radical ou um afixo e natildeo a palavra (FARGETTI 2001 p105) Em Juruna os
constituintes da sentenccedila seguem preferencialmente a ordem sujeito objeto
verbo (SOV) e tanto verbos quanto nomes apresentam processos interessantes de
reduplicaccedilatildeo (BERTO 2013 p 10)
Natildeo eacute nosso objetivo nesse texto fazer descriccedilotildees esmiuccediladas sobre a morfossintaxe
da liacutengua juruna ateacute porque ndash para detalhes sobre o assunto ndash o leitor pode consultar o
excelente texto de Fargetti (2001) Diante disso quanto agrave estrutura da liacutengua (no que tange agrave
formaccedilatildeo de palavras agraves classes de palavras e a colocaccedilatildeo dos itens lexicais em frases)
vamos nos limitar agrave citaccedilatildeo de Berto (2003) trazida anteriormente ateacute porque ela traz
questotildees que seratildeo uacuteteis ao nosso texto como demosntramos mais abaixo
Aleacutem disso consoante Fargetti (2015 2017) tal povo possui cantigas de ninar mitos
e outros costumes proacuteprios Entre essas caracteriacutesticas que os singularizam poderiacuteamos citar
o fato de que em ocasiotildees festivas os homens colam pequenas penas em seu corpo com
resina de aacutervore Nestas ocasiotildees eles enfeitam-se com um chumaccedilo de algodatildeo pintado de
vermelho no meio de cabeccedila (como alusatildeo a uma fruta da eacutepoca em que eles viviam no Paraacute
que representava o Sol) dividindo o cabelo ao meio e colando penas de marreco com a
mesma resina na linha divisoacuteria dos fios capilares
Outros elementos caracteriacutesticos seriam ndash segundo a mesma autora- o caxiriacute (bebida
fermentada feita agrave base de mandioca ou de batata-doce mascada pelas mulheres) e as pinturas
corporais em formatos que lembram labirintos notas musicais ou volutas (diferente de outros
povos que tecircm pinturas corporais em formatos retos)
Ainda a esse respeito pode-se dizer por fim amparando-se em Fargetti (2015) que as
mulheres juruna satildeo exiacutemias ceramistas produzindo belas panelas e tigelas com apliques
zoomoacuterficos (lembrando as patas a cabeccedila e os rabos de animais) e que os homens entalham
28
banquinhos tradicionais tambeacutem zoomoacuterficos (de onccedila tamanduaacute e tracajaacute) que satildeo pintados
pelos membros femininos das aldeias
No que se refere aos estilos de construccedilatildeo das moradias desse povo haacute - como
ilustram as imagens a seguir - em Maitxiri casas
[] com cobertura de sapeacute e paredes de troncos de aacutervores mas tambeacutem haacute casas de
farinha com cobertura de telha de amianto Isso tambeacutem eacute observado em Tubatuba
que aleacutem dessas tambeacutem tem casas de palafita feitas pelo governo do estado
quando da construccedilatildeo da escola de alvenaria Essas natildeo satildeo usadas como moradia
permanente apenas como hospedagem (FARGETTI 2017 p 29)
Foto 3 Telhado tradicional de casa juruna
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Foto 4 casa em construccedilatildeo
Fonte Mateus (2017)
29
Foto 5 Aldeia Tuba-Tuba
Fonte Fotografia feita em campo por Mateus (2017)
Uma outra questatildeo relevante gira em torno da denominaccedilatildeo do povo em estudo Como
comenta Peixotto (2013)
O etnocircnimo mais conhecido dos vaacuterios povos indiacutegenas natildeo eacute em geral a maneira
como seus membros se referem a si mesmos mas sim o nome dado a eles pelos
brancos ou por outros povos muitas vezes inimigos que os chamavam de forma
depreciativa como eacute o caso dos caiapoacutes Kayapoacute significa homens semelhantes aos
macacos em grande medida devido a certos rituais que este grupo realiza nos quais
satildeo utilizadas maacutescaras de macaco pelos homens A autodenominaccedilatildeo dos chamados
caiapoacute eacute mebecircngocirckre que significa literalmente homens do poccedilo daacutegua
(PEIXOTTO 2013 p 22)
Tambeacutem lembra Fargetti (2017a) que ―muitas sociedades indiacutegenas tecircm lutado para
que sejam conhecidas pela sua autodenominaccedilatildeo como eacute o caso dos panaraacute e dos ikpeng []
que consideram os nomes dados por outros grupos indiacutegenas e adotados pelos natildeo-iacutendios
muito pejorativos (FARGETTI 2017a p 25)
Contudo essa natildeo eacute a situaccedilatildeo dos indiacutegenas por noacutes estudados uma vez que ndash como
confirma Fargetti (2015 2017a) - entre eles circula natildeo apenas o etnocircnimo jurunalsquo (que
proveacutem do nheengatu e eacute empregado por outros povos autoacutectones do Xingu e pela
comunidade natildeo-indiacutegena de modo geral significando ―boca preta) como tambeacutem a
autodenominaccedilatildeo yudjaacutelsquo (que de acordo com Tarinu Juruna significa segundo consta em
FARGETTI (2007 2017) donos do riolsquo) sendo que ao item lexical juruna natildeo estaria
embutido nenhum preconceito haja vista que ele faz referecircncia a uma marca que os
distinguia uma tatuagem
[] que esse povo usava ateacute aproximadamente 1840 Ela consistia de uma linha
vertical de dois a quatro centiacutemetros de largura que descia do centro do rosto a
partir da raiz dos cabelos passando pelo nariz contornando a boca e terminando no
queixo (FARGETTI 2017 p 25)
Eacute por isso que - seguindo uma decisatildeo explicitada por de Fargetti (2017a) -
continuamos neste texto utilizando juruna e natildeo yudjaacute para nos referirmos tanto ao povo
quanto agrave liacutengua que fala dada a inexistecircncia de caraacuteter pejorativo e uma tradiccedilatildeo antiga de
assim nomeaacute-los tanto entre antropoacutelogos quanto entre linguistas
30
Mas a par dessas questotildees jaacute divulgadas e conhecidas da populaccedilatildeo natildeo-iacutendia e
tambeacutem dos livros biliacutengues que a comunidade em questatildeo jaacute possui ainda natildeo existe um
dicionaacuterio da liacutengua juruna
Como jaacute foi mencionado anteriormente ele estaacute sendo elaborado por nossa
orientadora mas este eacute um trabalho lento porque - tal qual se exporaacute a seguir ndash para capturar
os vaacuterios ramos de especialidades de conhecimento juruna eacute preciso de muitos pesquisadores
envolvidos com diferentes especialistas de modo a chegar inicialmente em estudos
terminoloacutegicos que culminem em contribuiccedilotildees terminograacuteficas (verbetes e a obra completa
em si) Nossa contribuiccedilatildeo em si fica por conta de um primeiro contato do universo juruna
sobre os ―insetos como comentado abaixo
25 Justificativas para o estudo e a documentaccedilatildeo de insetos
No que se refere agrave importacircncia de se estudar e documentar insetos como atestam
Borror e DeLong (1988) Motta (1996) e Rafael (2012) eles compotildeem o maior grupo de
animais da Terra sendo que inclusive soacute no Brasil haveria provavelmente muitos espeacutecimes
ainda natildeo catalogados o que equivale a dizer que os estudar pode contribuir para a ampliaccedilatildeo
do conhecimento da biodiversidade do planeta
Aleacutem disso esses mesmos autores ainda reforccedilam que esses animais tecircm natildeo apenas
uma importacircncia econocircmica como tambeacutem ecoloacutegica pois acabam influenciando positiva e
tambeacutem negativamente No que se refere agraves suas influecircncias negativas pode-se citar os fatos
de muitos serem vetores e transmissores de doenccedilas como dengue elefantiacutease febre amarela
chagas inclusive na pecuaacuteria (haja vista que muitas moscas botam ovos nas camadas cutacircneas
superficiais de mamiacuteferos e de aves ocasionando feridas e agraves vezes a morte) e de muitas
formas imaturas acabarem convertendo-se em pragas sobretudo por se alimentarem de
plantas ocasionando sua devastaccedilatildeo
Jaacute quanto a questotildees positivas seria possiacutevel citar para fazer eco agraves investigaccedilotildees de
algumas pesquisas etnoentomoloacutegicas (como COSTA NETO 2000 2004) os fatos de
servirem de alimento mateacuterias-primas para adornos fabricaccedilatildeo de medicamentos e rituais a
algumas populaccedilotildees aleacutem de fornecerem mel desempenharem grande papel na polinizaccedilatildeo e
alguns deles enquanto larvas auxiliarem na decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e renovaccedilatildeo
dos solos
Acresce que de modo mais especiacutefico no que concerne a lepidoacutepteros vale ressaltar
natildeo apenas uma importacircncia numeacuterica haja vista que ―[] essa eacute a segunda maior ordem de
31
insetos (inferior apenas agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000
espeacutecies conhecidas e descritas de borboletas e mariposas (MOTTA 1996 p 10) como
tambeacutem a mesma relevacircncia ecoloacutegica e econocircmica do grupo no qual estatildeo inseridos como
um todo na medida em que podem causar ndash como atesta Motta (1996)- certos prejuiacutezos ao
homem como a desfolhagem de plantas o ataque agrave cera de colmeacuteias e a roupas pelas lagartas
a irritaccedilatildeo nos olhos na pele e ateacute uma conjuntivite em razatildeo a uma reaccedilatildeo aleacutergica agraves
escamas dos indiviacuteduos adultos uma vermelhidatildeo local passageira ou lesotildees mais graves com
formaccedilotildees de vesiacuteculas naacuteuseas febre e ateacute hemorragias quando do contato com as cerdas
que estatildeo ligadas a glacircndulas hipodeacutermicas produtoras de substacircncias urticantes
Por outro lado natildeo se pode negar tambeacutem as influecircncias positivas dos lepidoacutepteros
pois sua nectarivoria (processo de succcedilatildeo de neacutectar de flores que resulta no carregamento de
gratildeos de poacutelen de uma flor para outra) eacute responsaacutevel pela polinizaccedilatildeo de plantas e aleacutem
disso podem ser parasitados servir como alimento ou suporte alimentar de outros insetos e de
outros animais (ateacute mesmo para o homem) produzir seda e serem utilizados inteiros ou
somente as escamas em artesanatos (como quadros bandejas e cinzeiros)
2 6 Relevacircncia de estudos sobre leacutexico
Falando agora sobre os estudos terminoloacutegicos e a produccedilatildeo de obras de referecircncia
terminograacuteficas cabe retomar as asserccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) para quem a
globalizaccedilatildeo teria culminado em consideraacuteveis e crescentes avanccedilos nas aacutereas cientiacutefico-
tecnoloacutegicas como a Informaacutetica bem como em possibilidades de abertura a mercados
internacionais colocando-nos a todo o momento ndash mesmo que indiretamente atraveacutes das telas
de aparelhos eletrocircnicos - em contato com discursos das mais variadas aacutereas de especialidade
(tais como o Turismo a Medicina o Direito) de modo que
[] Natildeo podemos mais dizer que natildeo eacute de nosso interesse os termos usados na
Economia por exemplo pois diariamente recebemos inuacutemeras informaccedilotildees nas
quais pululam palavras como inflaccedilatildeo deacuteficit PIB cotaccedilatildeo Bolsas que fecham em
alta ou baixa (MURAKAWA e NADIN 2013 p 8)
Nesse panorama a Terminologia viria ainda segundo os mesmos autores adquirindo
uma relevacircncia e consolidaccedilatildeo cada vez mais crescente e evidente na medida em que as
referidas transformaccedilotildees sociais implicariam na criaccedilatildeo de novos conceitos novas unidades
leacutexicas para os designar e tambeacutem no alargamento semacircntico de itens jaacute existentes que
passariam a adquirir novos valores especializados
32
Para finalizar resta comentar sobre o que justificaria se estudar cientificamente o
leacutexico Como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) na esteira das consideraccedilotildees de Seki
(1999 2000) e de Fargetti (2015) de certo modo a aacuterea do leacutexico ainda carece de trabalhos
embasados em um nuacutemero consideraacutevel de dicionaacuterios e maiores que uma simples lista
descontextualizada de palavras (do tipo entrada e equivalente ou entrada e sinocircnimo) que na
verdade natildeo passa de recortes iacutenfimos da realidade lexical da liacutengua em questatildeo sem
descriccedilotildees realmente cientiacuteficas
Acrescenta-se a isso a reinante confusatildeo terminoloacutegica que leva as editoras a nomear
qualquer tipo de obra que verse sobre o leacutexico (e aqui inseridas muitas dessas listas) como
―Dicionaacuterio sem levar em conta as especificidades dos objetos de estudos e unidades
miacutenimas das Ciecircncias do Leacutexico (que satildeo melhor detalhadas na seccedilatildeo de Aporte Teoacuterico deste
texto)
Uma outra questatildeo relevante versa sobre o fato de que
[] as pesquisas que partem do estudo do leacutexico bioloacutegico permitem o
conhecimento dos processos de criaccedilatildeo de palavras a partir de aspectos
fonoloacutegicos gramaticais e lexicais jaacute existentes na liacutengua Assim eacute possiacutevel
analisar alguns recursos fonoloacutegicos ndash como a utilizaccedilatildeo de onomatopeias
(simbolismo sonoro imitativo) no processo de formaccedilatildeo do leacutexico
morfoloacutegicos utilizaccedilatildeo de afixos reduplicaccedilatildeo entre outros e morfossintaacuteticos ndash
por meio da discussatildeo sobre os compostos Por se tratar de pesquisa que se realiza
na interface existente entre liacutengua e cultura o aspecto semacircntico tambeacutem eacute
relevante uma vez que permite estudar as relaccedilotildees de sentido presentes nos
nomes que compotildeem o leacutexico bioloacutegico (BERTO 2013 p 1)
Aleacutem disso o leacutexico pode ser uma grande ferramenta ou via de acesso para se chegar agrave
cultura de um povo natildeo apenas no que se refere ao aprendizado de uma liacutengua estrangeira
Vaacuterios autores (ABBADE (2006) BARBOSA (2008) GALISSON (1987) ISQUERDO
2001 SILVA R (2012)) coadunam com essa opiniatildeo de que a documentaccedilatildeo cientiacutefica do
universo lexical tem o potencial de registrar para a posteridade natildeo apenas questotildees
puramente linguiacutesticas mas tambeacutem o olhar para o mundo os valores conhecimentos
praacuteticas sociais padrotildees eacuteticos de conduta e crenccedilas de uma sociedade bem como os
resultados dos processos de contato com outros grupos e tambeacutem com inovaccedilotildees na cultura
material ritual e mesmo linguiacutestica Tais questotildees aliaacutes seriam transmitidas de geraccedilatildeo para
geraccedilatildeo de modo um tanto quanto natural aquisional normalmente sem a necessidade de um
ensino formal (como ocorre por exemplo com questotildees aprendidas por um estudo nas
variadas disciplinas de coleacutegios)
Nas palavras de Abbade (2006)
Assim como Rousseau diz que ―natildeo se sabe de onde eacute o homem antes de ele ter
falado (ROUSSEAU 2003) pode-se concluir que o homem soacute existe histoacuterico e
33
socialmente quando houver linguagem para expressar essa histoacuteria social A
linguagem faz parte da sua histoacuteria Essa linguagem eacute expressa por palavras e essas
palavras iratildeo constituir o sistema lexical de uma liacutengua e consequumlentemente de um
povo Assim estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute estudar tambeacutem a histoacuteria do povo
que a fala Estudar o leacutexico de uma liacutengua eacute enveredar pela histoacuteria costumes
haacutebitos e estrutura de um povo partindo-se de suas lexias Eacute mergulhar na vida de
um povo em um determinado periacuteodo da histoacuteria atraveacutes do seu leacutexico Apesar de
pouco estudado ateacute entatildeo o estudo lexical das liacutenguas eacute deveras importante e
necessaacuterio para desvendar os inuacutemeros segredos da nossa histoacuteria social e
linguumliacutestica segredos estes que podem ser desvendados pelo estudo e anaacutelise do
leacutexico existente nessas liacutenguas em momentos especiacuteficos da histoacuteria de cada povo
Liacutengua histoacuteria e cultura caminham sempre de matildeos dadas e para conhecermos cada
um desses aspectos faz-se necessaacuterio mergulhar nos outros pois nenhum deles
caminha sozinho e independente Portanto o estudo da liacutengua de um povo eacute
consequumlentemente um mergulho na histoacuteria e cultura deste povo No estudo do
leacutexico de uma liacutengua vaacuterios conhecimentos se relacionam foneacutetico-fonoloacutegicos
morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos discursivos (ABBADE 2006 p
716)
Aliaacutes eacute por acreditar que por vezes itens lexicais natildeo apenas refletem mas
―denunciam questotildees culturais da comunidade linguiacutestica responsaacutevel por utilizar tal leacutexico
que Galisson (1987) vai postular a existecircncia de uma lexicultura que infelizmente nem
sempre aparece em obras lexicograacuteficas Para ele o foco dos pesquisadores e mesmo dos
lexicoacutegrafos deveria ser
[] um averiguar dos aspectos culturais contidos no sob e disseminados pelo leacutexico
[] A partir dessa composiccedilatildeo o conceito de lexicultura privilegia a
consubstancialidade do leacutexico e da cultura e designa o valor que as palavras
adquirem pelo uso que se faz delas [] ao inveacutes de isolar a cultura do seu meio
natural o autor propotildee sua preservaccedilatildeo no interior da sua proacutepria dinacircmica O ponto
de partida seraacute o discurso do cotidiano e por conseguinte a proposta eacute de uma
abordagem discursiva que integra associa entatildeo separa os componentes da
comunicaccedilatildeo no interior de um processo de abertura e de complementaridade []
O leacutexico passa a ser assim abordado como um locus privilegiado natildeo apenas para o
conhecimento mas para o reconhecimento de significados culturais presentes em
unidades lexicais culturalmente compartilhadas entre locutores nativos mas que
nem sempre se mostram transparentes para falantes de outras liacutenguas pertencentes a
outras culturas [] No nosso entendimento esse instrumento ajuda-nos a perceber
que a liacutengua natildeo pode ser vista como uma estrutura que independe dos seus
usuaacuterios Ela confunde-se com a cultura daqueles que a utilizam Sob esse ponto de
vista as palavras funcionam como receptores de conteuacutedos culturais que nelas se
aderem e a elas agregam outra dimensatildeo para aleacutem daquelas apresentadas nos
dicionaacuterios (BARBOSA 2008 p 33-39)
Em outras palavras segundo o mesmo autor os signos e expressotildees linguiacutesticos
(alguns em construccedilotildees metafoacutericas usos mais conotativos locuccedilotildees mais ou menos
cristalizadas e de idiomatismos) seriam em menor ou maior grau carregados de supersticcedilotildees
crenccedilas ideologias e ateacute de preconceitos Quando algueacutem diz por exemplo algo como ―Ele eacute
mais burro que uma porta uma verdadeira anta estabelece natildeo apenas uma comparaccedilatildeo
mas carrega os itens burro e anta (e de certo modo porta) de um sentido de ―imbecilidade
―falta de tato para ouvir e lidar com o outro Nesse mesmo sentido chamar algueacutem de porco
34
natildeo eacute apenas uma comparaccedilatildeo com o animal como tambeacutem definiccedilatildeo do sujeito assim
denominado como sujolsquo sem asseio e miacutenimas condiccedilotildees de higienelsquo ndash o que tambeacutem
desvela uma valorizaccedilatildeo social por praacuteticas de limpeza pessoal de modo anaacutelogo ao que
ocorre quando se usa o xingamento galinha Embora para ambos os sexos isso se refira a
indiviacuteduos com haacutebitos de promiscuidade (vista negativamente em nossa sociedade) para um
ente biologicamente masculino a carga cultural natildeo eacute tatildeo negativa quanto seria para uma
mulher haja vista que preconceituosamente em alguns grupos de nossa sociedade existe uma
valorizaccedilatildeo e um estiacutemulo para que o homem heacutetero tenha um nuacutemero consideraacutevel de
parceiras afetivas
Mas jaacute que se aludiu a preconceitos encontrados em itens lexicais vale aqui comentar
que embora realmente isso represente uma porccedilatildeo dos conhecimentos do leacutexico que
portanto deveria adentrar numa obra lexicograacutefica do portuguecircs deve-se tambeacutem ter o
cuidado de adicionar para o caso de um dicionaacuterio biliacutengue e mesmo para monoliacutengues
marcas de uso concisas e transparentes para que um estrangeiro que entrasse em contato com
uma acepccedilatildeo como essa visse claramente seu valor discriminatoacuterio eou chulo pejorativo ateacute
porque em muitos casos descrever como familiar (que deveria corresponder apenas a usos
menos monitorados em situaccedilotildees de menor formalidade como as que ocorrem no nuacutecleo do
conviacutevio familiar) uma questatildeo que eacute na verdade discriminatoacuteria soacute dissemina o preconceito
Na verdade isso vale natildeo soacute para estrangeiros como tambeacutem para falantes nativos
(daiacute nossa afirmaccedilatildeo da necessidade de marcas de uso inclusive para dicionaacuterios
monoliacutengues) porque dado o caraacuteter de renovaccedilatildeo do leacutexico como muito bem lembra Rey-
Debove (1984) natildeo se pode conhecer todas as palavras e nem todos os sentidos das palavras
de nenhuma liacutengua e ―natildeo conhecemos jamais todas as palavras nem de nossa proacutepria liacutengua
(idem ibidem p 57) Na visatildeo da referida autora do leacutexico total de uma liacutengua existiria
apenas uma parcela que seria o leacutexico comum utilizado por todos os usuaacuterios dessa liacutengua
comum a todas as variedades linguiacutesticas Em suas palavras
A maioria dos usuaacuterios duma liacutengua dominam a gramaacutetica isto eacute sabem distinguir
uma frase correta duma frase incorreta e um gramaacutetico profissional pode atingir
uma competecircncia gramatical oacutetima
Mas os usuaacuterios natildeo dominam jamais o leacutexico encontram em todo o decorrer de sua
vida palavras desconhecidas e nenhum lexicoacutelogo ou lexicoacutegrafo pode esperar
adquirir uma competecircncia lexical oacutetima Deve-se isso evidentemente agrave ordem
quantitativa as regras da gramaacutetica satildeo em nuacutemero restrito mas natildeo as palavras que
elas regem
Aleacutem disso eacute o leacutexico que na liacutengua muda mais depressa [] Cada um de noacutes tem
um vocabulaacuterio componente lexical do nosso idioleto o vocabulaacuterio dum indiviacuteduo
eacute uacutenico tanto pela quantidade de palavras conhecidas como pela natureza dessas
palavras Eacute difiacutecil recensear as palavras dum vocabulaacuterio Por um lado porque nem
35
todas as palavras conhecidas pela pessoa satildeo empregadas efetivamente na fala ou
nos textos observados e por outro lado porque uma palavra pode ser conhecida
ativamente ou passivamente o vocabulaacuterio ativo eacute o que se tem o costume de
empregar o vocabulaacuterio passivo eacute o que compreendemos quando empregado por
outras pessoas mas que noacutes mesmos natildeo temos o costume de empregar (assim
certas palavras grosseiras muito conhecidas para tomar um caso tiacutepico) (REY-
DEBOVE 1984 p 57-58)
Ademais como todas as liacutenguas humanas satildeo providas de variedades como
comprovam trabalhos como os de Weirich Labov e Herzog (2006) a carga cultural por traacutes
de determinado item pode natildeo ser compartilhada por toda a comunidade e nem por todas as
variedades linguiacutesticas da liacutengua em cujo leacutexico aquele item se encontra mas um tanto quanto
opaca de modo que o conhecimento tradicional imbuiacutedo por traacutes desse item leacutexico inclusive
vira agraves vezes um termo um conhecimento especiacutefico e comuns apenas a alguns especialistas
Algo muito semelhante ocorre com o conteuacutedo por traacutes dos jargotildees e tambeacutem das giacuterias que
natildeo se universalizam para o todo do sistema linguiacutestico ficando restritas a alguns grupos
(sendo portanto opacas para os falantes mais velhos e fora do grupo que as utiliza)
Nessa mesma esteira a carga cultural por traacutes das borboletas ndash como comentado mais
pormenorizadamente nas seccedilotildees seguintes - natildeo eacute compartilhada por toda a comunidade
juruna mas um tanto quanto opaca sobretudo para os mais jovens de modo que isso virou
um termo um conhecimento especiacutefico Talvez o leitor se pergunte entatildeo em que medida se
poderia afirmar que isso realmente eacute uma questatildeo juruna A resposta que se refere ao grau de
opacidade de determinada carga cultural para os falantes de uma mesma liacutengua toca a
questatildeo da existecircncia de variaccedilatildeo e tambeacutem da distinccedilatildeo entre os objetos de estudo da
lexicologia e da terminologia
Para exemplificar de um outro modo vale dizer que a despeito dos conceitos
etnoentomoloacutegicos serem conhecimentos caracteriacutesticos da nossa ciecircncia bioloacutegica atual eles
natildeo satildeo compartilhados por toda a comunidade ocidental pois qualquer falante de portuguecircs
ao visualizar um dos animais que satildeo objeto de nosso estudo provavelmente os denominaraacute
de ―borboleta mas poucos de noacutes dominamos os nomes taxonocircmicos especiacuteficos de cada
espeacutecie e famiacutelia sendo essas portanto questotildees de uma aacuterea especiacutefica do conhecimento
ficando restritos aos especialistas em tais saberes Aleacutem disso numa mesma comunidade pode
ter muitos micro-nuacutecleos culturais que tecircm marcas identificadoras distintas entre si Nesse
sentido a palatalizaccedilatildeo do [] diante de [] natildeo eacute uma produccedilatildeo comum a todo o Brasil mas
especiacutefica de algumas variedades como paulistas e sergipanas (sendo que entre estas duas haacute
distinccedilotildees do contexto motivador pois no primeiro caso a consoante se palataliza quando
antecede a referida vogal ([]) enquanto no segundo quando a sucede [])
36
Ou seja o fato de tal fenocircmeno foneacutetico natildeo ser comum ao sistema geral natildeo permite
dizer que ele natildeo seja em nenhum niacutevel caracteriacutestico de produccedilotildees brasileiras na medida em
que ele eacute produtivo em certas variedades da liacutengua
Um outro exemplo possiacutevel eacute a carga cultural (os saberes ritos e crendices) por traacutes
de fita-de-nosso-Senhor-do-Bonfim ou fita-de-nossa-senhora Embora natildeo seja um
conhecimento compartilhado em todo o territoacuterio nacional (sobretudo nas populaccedilotildees natildeo
cristatildes e que natildeo se inserem no sincretismo de religiotildees de matriz africana) uma parcela de
nossa populaccedilatildeo amarra tais fitas no corpo dando trecircs noacutes sob a esperanccedila de ter um desejo
realizado pela entidade divina metaforizada no acessoacuterio
Ainda eacute possiacutevel exemplificar tal questatildeo com uma frase das mais banais em juruna
De acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal) uma pergunta como Watildebi ane (Como
vocecirc estaacutelsquo ―Tudo bem com vocecirc) pode gerar uma resposta positiva que para um homem
se verbaliza como Huba watildebi na (Sim estou bemlsquo) mas como He watildebi na para um falante
do sexo feminino Em outras palavras tais fatos seguem os postulados da mesma autora e
indicam que haacute distinccedilotildees entre o que se chama de fala de homemlsquo e fala de mulherlsquo em
juruna na medida em que eles natildeo utilizam por exemplo o mesmo elemento lexical para
responder afirmativamente a uma indagaccedilatildeo Contudo isso natildeo significa que se possa dizer
que em juruna huba natildeo possa ser vertido para o equivalente ―sim embora natildeo seja toda a
comundidade que o utilize mas sim apenas os indiviacuteduos biologicamente masculinos
De modo anaacutelogo o conhecimento juruna acerca do que noacutes chamamos de
borboletaslsquo abarca a parte de carga mais lexicoloacutegica por assim dizer compartilhada por
toda a comunidade (que denomina esses animais exclusivamente de nasusu) e a especializada
terminoloacutegica detida por um pequeno nuacutemero de especialistas
De qualquer maneira pelo exposto uma das uacuteltimas justificativas de se estudar o
leacutexico gira em torno do fato de que por meio dele eacute possiacutevel tambeacutem escavar questotildees
culturais discursivo-sociais e extra-linguiacutesticas de modo geral Nesse sentido concordamos
com Biderman (1998) quando ela afirma que
[hellip] a referecircncia agrave realidade extralinguumliacutestica nos discursos humanos faz-se atraveacutes
dos signos linguumliacutesticos ou unidades lexicais que designam os elementos desse
universo segundo o recorte feito pela liacutengua e pela cultura correlatas Assim o
leacutexico eacute o lugar da estocagem da significaccedilatildeo e dos conteuacutedos significantes da
linguagem humana (BIDERMAN 1998 p 73)
Mas na referida citaccedilatildeo tocamos na questatildeo de nomeaccedilatildeo e isso jaacute eacute assunto para as
seccedilotildees seguintes
37
Em suma a pesquisa que estaacute sendo realizada com escopo especiacutefico sobre as
borboletaslsquo justifica-se natildeo apenas por seu ineditismo mas tambeacutem pela contribuiccedilatildeo que
pode gerar ao projeto maior ―Uma proposta de obra lexicograacutefica para os jurunayudjaacute do
Xingu em virtude de pretender posteriormente discutir baseando-se nos papeacuteis culturais
desempenhados pelos animais interpretados por esses indiacutegenas brasileiros como
―borboletas de que maneira esses insetos (para usar uma classificaccedilatildeo de nossa biologia)
poderiam constar como verbetes num dicionaacuterio biliacutengue
Vale ressaltar que embora os verbetes aqui apresentados sejam uma proposta inicial e
ainda estarem em elaboraccedilatildeo natildeo sendo algo definitivo tentamos ao maacuteximo natildeo apresentar
somente entradas em juruna e equivalentes em portuguecircs porque isso redundaria em meras
listas de palavras que natildeo contemplariam os conhecimentos do povo e infelizmente
potencializariam ao maacuteximo a referida perda de cacircmbiolsquo linguiacutestico de que trata Jakobson
(1995) retomando Karcevski Tal perda seria na oacutetica de Jakobson (1995) algo anaacutelogo agrave
perda que ocorreria caso se convertessem sucessivamente vaacuterias moedas jaacute que-por exemplo-
converter uma mesma quantia de euros para reais e logo em seguida para doacutelares
equivaleria a uma perda monetaacuteria Semelhante a isso ainda segundo o mesmo pensador
traduccedilotildees sucessivas de um mesmo texto resultariam possivelmente em perdas culturais e
semacircnticas sobretudo se uma mesma obra fosse traduzida do russo para o grego e houvesse
uma traduccedilatildeo que sem se lanccedilar ao original russo traduzisse para o francecircs o texto direto da
versatildeo grega
Em vez de tal procedimento limitado (as meras listas) buscamos -salvaguardadas as
limitaccedilotildees de um primeiro contato com a comunidade em questatildeo- realizar realmente uma
anaacutelise dos dados coletados no sentido hjelmsleviano do termo pois natildeo soacute dividimos o tema
em partes mas tentamos encontrar relaccedilotildees de dependecircncia interna entre tais partes
(HJELMSLEV 2003) Obviamente natildeo estamos afirmando ter chegado de modo cabal no
sistema de classificaccedilatildeo juruna quanto aos animais mas ndash de qualquer modo ndash natildeo nos
limitamos a apresentar nomenclaturas para o tema estudado Em vez disso tentamos alcanccedilar
mesmo que minimamente o valor que cada um dos animais por noacutes nomeados como
borboletaslsquo possui para os juruna o que os opotildee fazendo-os se distinguir entre si Ora natildeo
haveria por que simplesmente apresentar nomes equivalentes sem nenhuma informaccedilatildeo
adicional pois ndash se assim o fizeacutessemos ndash estariacuteamos considerando que a liacutengua juruna eacute
apenas um conjunto diferente de etiquetas para a mesma realidade ndash o que se opotildee
diametralmente ao que afirma Saussure (2012) como comentaremos abaixo
38
Nesse sentido nossa busca eacute por uma descriccedilatildeo metalinguiacutestica que utilize o portuguecircs
como meio para discorrer sobre os valores dos elementos lexicais juruna equivalentes ao que
para noacutes satildeo insetos Mas isso jaacute eacute assunto para ser aprofundado nas seccedilotildees que seguem
Justificada assim a relevacircncia de nossa pesquisa apresentamos a seguir as teorias que
justificaram nossas escolhas e posturas metodoloacutegicas bem como as anaacutelises dos dados
39
3 APORTE TEOacuteRICO
Nesta seccedilatildeo apresentamos questotildees teoacutericas que nortearam nossas anaacutelises descritas
abaixo e tambeacutem as teorias que sustentam nossa metodologia Dentre tais aspectos podemos
citar os processos de nomeaccedilatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo de categorias pela
comunidade autoacutectone a relaccedilatildeo entre liacutengua e o referente no mundo ―concreto o poder
criacional das liacutenguas humanas naturais elementos caracteriacutesticos de uma obra lexical tipos
de definiccedilatildeo distinccedilatildeo entre homoniacutemia e polissemia a sinoniacutemia sempre imperfeita entre os
idiomas teorias sociais sobre alteridade (como um eu se enxerga e enxerga um outro)
Como os objetivos desta pesquisa pressupunham o diaacutelogo e interface entre algumas
aacutereas do saber a abordagem teoacuterica tambeacutem foi interdisciplinar e embasou-se em pilares dos
mais diversos campos de conhecimento Embora outras teorias tambeacutem tenham sido usadas
de modo mais evidente nos pautamos nos aportes da aacuterea da Entomologia (e na
―Etnoentomologia) na Teoria Conceptual da Metaacutefora de Lakoff e Johnson (2002) e na
Terminologia Etnograacutefica (doravante TE) de Fargetti (2018)
31 A relaccedilatildeo entre signo e referente entre a experiecircncia com um mundo empiacuterico
ldquoanteriorrdquo agrave liacutengua e o mundo construiacutedo pelo idioma falado por dada comunidade
Nesta subseccedilatildeo para falar sobre variaccedilatildeo seratildeo feitas discussotildees em muitas aacutereas
dentre elas a sintaxe portuguesa mais especificamente o periacuteodo composto
Antes de qualquer coisa eacute necessaacuterio retornar ao uacuteltimo assunto tratado na seccedilatildeo
anterior a questatildeo da nomeaccedilatildeo e a relaccedilatildeo entre o estabelecimento de signos linguiacutesticos e
os referentes na realidade extralinguiacutestica de tais signos
Aliaacutes com relaccedilatildeo aos estiacutemulos do mundo extralinguiacutestico Bertrand (2003) distingue
figuras de temas Segundo o autor as primeiras (como bule caveira dragatildeo)
tautologicamente figurariam nos enunciados representando algo e sendo entidades
grandezas do mundo natural com uma existecircncia tatildeo concreta e sensorial num dado domiacutenio
real ou imaginaacuterio que possibilita sua visatildeo seu toque sua experimentaccedilatildeo sua audiccedilatildeo Jaacute os
temas ndash ainda de acordo com Bertrand (2003) - como alegria tristeza satisfaccedilatildeo seriam
ideias valores abstratos do mundo soacutecio-cultural que dependem de nossa inteligecircncia para
existir E eles soacute existem porque podem se concretizar serem representados por meio de
figuras Exemplificando pode-se dizer que preto e branco seriam figuras que na nossa
sociedade remeteriam respectivamente a luto e paz da mesma forma que para noacutes caveira e
40
ossos enquanto figuras remetem ao tema da morte Claro que o valor das figuras tambeacutem
varia em cada grupo social O jaacute mencionado branco na Iacutendia por exemplo simboliza o luto
de uma viuacuteva e por isso eacute a cor da vestimenta com a qual ela deve passar a se vestir depois
que perde o marido
Ainda nessa esteira de pensamento cabe aqui trazer as concepccedilotildees de Pierce (apud
SANTAELLA 1983) acerca de sua teoria da percepccedilatildeo e da concepccedilatildeo da experiecircncia De
acordo com ele haveria trecircs etapas fenomenoloacutegicas para a percepccedilatildeo do mundo
extralinguiacutestico Ela se daria em sua oacutetica em primeiridade segundidade e terceiridade
sendo que cada uma delas produziria signos distintos iacutecones no primeiro caso iacutendices no
segundo e siacutembolos no terceiro
Em outras palavras na visatildeo do referido autor a primeiridade versa sobre a
primeiriacutessima impressatildeo que temos sobre um estiacutemulo advindo de um contato imediato
quando um determinado elemento invade a minha presenccedila no mundo sem que eu chegue a
reagir a isso Esse movimento produziria iacutecones (qualissignos) signos que na verdade satildeo
qualidades (a cor branca num primeiro contato eacute parecida com ela mesma) que natildeo apontam
para nada a eles externo - o que jaacute equivaleria a uma reaccedilatildeo Assim que essa reaccedilatildeo ocorreria
jaacute estariacuteamos ndash de acordo com Peirce (apud Santaella 1983)- numa segundidade que produz
iacutendices ou sinsignos que tecircm uma relaccedilatildeo intriacutenseca com o que representam como fumaccedilalsquo
em relaccedilatildeo a fogo Esse segundo tipo de signo ainda de acordo com as ideias peircianas natildeo
se contentaria em ser ele mesmo mas ndash em vez disso ndash tem razatildeo de apontar para outra coisa
num raciociacutenio quase implicativo se haacute fumaccedila haacute fogo se haacute questionamento eacute porque
houve ou estaacute havendo o miacutenimo de aprendizado
A terceiridade por fim geraria siacutembolos proacuteximos aos signos saussurianos que nada
teriam de intriacutenseco e necessaacuterio com o que representam Nesse sentido o barulho de uma
sala eacute um iacutendice de sala cheia podendo ser um siacutembolo de ansiedade e ou felicidade dos
alunos
Sobre tal assunto Biderman (1998) argumenta que
Desde os primoacuterdios de nossa histoacuteria tivemos a necessidade de nomear o mundo
que nos circunda Nomear significa dar nomes a tudo que estaacute a nossa volta como
plantas animais instrumentos de trabalho entre tantas outras coisas que compotildeem a
realidade
Evidentemente esse homem histoacuterico natildeo tinha consciecircncia de tal labor Entretanto
dada a necessidade de sua sobrevivecircncia criavam-se os instrumentos de trabalho as
formas de alimentaccedilatildeo e de vestimenta bem como tudo que se fazia necessaacuterio agrave sua
convivecircncia em grupo Os grupos por sua vez estabeleciam relaccedilotildees sociais com
outros grupos o que proporcionava a necessidade de criar novas palavras para se
comunicar e certamente palavras tambeacutem com valor especializado (BIDERMAN
1998 p 73)
41
Ainda quanto a inovaccedilotildees e elementos novos em uma dada cultura eacute vaacutelido retomar as
consideraccedilotildees de Murakawa e Nadin (2013) e salientar que ―ao receber um nome o fato
histoacuterico o novo produto ou uma descoberta cientiacutefica cruza as barreiras do imaginaacuterio do
possiacutevel do hipoteacutetico e torna-se um fato real e social Denominar algo eacute portanto dar-lhe
status de real [] (MURAKAWA e NADIN 2013 p 7)
Ou seja quando necessaacuterio qualquer liacutengua humana natural dispotildee de mecanismos
para adicionar um novo item ao seu leacutexico seja por meio de seus processos proacuteprios de
formaccedilatildeo de palavra seja por meio de empreacutestimos seja por estrangeirismos Os primeiros
satildeo definidos por Alves (1990) como elementos decorrentes do evento durante o qual uma
fala A usa e integra- com adaptaccedilatildeo total ou parcial- uma ou mais unidades ou um traccedilo que
existia antes numa fala B e que A natildeo possuiacutea) Jaacute os segundos satildeo vistos pelo uacuteltimo autor
citado como empreacutestimos lexicais natildeo totalmente adaptados natildeo integrados totalmente na
liacutengua revelando-se estrangeiros nos fonemas na flexatildeo ou ateacute na grafia como show
(ALVES 1990)
Aliaacutes vale ressaltar que esse olhar do homem para sua realidade empiacuterica resultou natildeo
apenas numa nomeaccedilatildeo haja vista que concordamos com os postulados de Saussure de que as
liacutenguas natildeo satildeo meras etiquetas o que equivale a dizer que a nomeaccedilatildeo passa a fazer sentido
apenas quando se insere num sistema linguiacutestico e se opotildee distintivamente a outros elementos
Em outras palavras no que concerne agrave maneira pela qual o mundo eacute recortado e
representado pelo homem nos opomos diametralmente ao que Blikstein (2003) escreve em
seu livro Kaspar Hauser e a fabricaccedilatildeo da realidade (BLIKSTEIN 2003) no qual se
descreve um rapaz que conseguiria designar a realidade mesmo sem conhecer nenhum
sistema linguiacutestico Ora isso ndash em nossa oacutetica e na esteira das afirmaccedilotildees saussurianas ndash
resultaria em uma mera etiquetagem que natildeo teria nenhum valor e nem seria compartilhada
por um nuacutecleo social na medida em que
[] as liacutenguas natildeo satildeo nomenclaturas etiquetas para nomear algo preacute-existente jaacute
que natildeo existem elementos anteriores a um sistema linguumliacutestico Para o mestre
genebrino qualquer entidade linguumliacutestica define-se diferencialmente de acordo com
sua funccedilatildeo no interior do sistema por isso na liacutengua soacute haacute diferenccedilas O valor de um
signo proveacutem da diferenccedila com outros signos (FIORIN 2013) Cada um dos
elementos linguumliacutesticos tem seu valor na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com os demais O ―a
por exemplo segundo Fiorin (2013 p 104) eacute uma preposiccedilatildeo quando se opotildee no
sistema do portuguecircs a ―em e a ―de mas eacute uma vogal temaacutetica quando executa
relaccedilatildeo opositiva em cantar com o ―e de verbos como beber e com o i de verbos
como dormir (MATEUS 2017 p 51)
42
Em nossa oacutetica esse olhar humano para o mundo acarreta primeiramente um processo
cognitivo denominado como categorizaccedilatildeo
Aliaacutes como expotildee Abreu (2010) os resultados do processo de categorizaccedilatildeo natildeo satildeo
universais pois mudam dependendo da cultura social e do momento histoacuterico Portanto
retomando uma dicotomia gerativa poderiacuteamos dizer que todos os povos formam categorias
(um princiacutepio universal) embora cada um deles categorize o mundo agrave sua maneira (ou seja
os paracircmetros para isso satildeo diferentes) na medida em que a maneira pela qual recortamos o
mundo ao nosso redor e o analisamos classificatoriamente depende e muito de nossos oacuteculos
ideoloacutegicos histoacutericos e culturais Como afirma Abreu (2010) a categoria ANIMAIS
COMESTIacuteVEIS por exemplo natildeo eacute a mesma em todos os paiacuteses Os franceses se alimentam
de cavalos e ratildes os brasileiros natildeo e os indianos para os quais comer carne de vaca eacute uma
abominaccedilatildeo (o que culmina no fato da categoria em questatildeo natildeo ser para eles nem mesmo
muito operacional limitando-se quando muito a frangos) muito menos (ABREU 2010)
No decorrer dos tempos fomos por exemplo percebendo semelhanccedilas entre as vaacuterias
espeacutecies de plantas de catildees de insetos e nomeando categorias classes e sub-classes para
agrupaacute-los formando os conceitos de PLANTA CAtildeO INSETO Essas classes foram em
seguida armazenadas em nossa memoacuteria de longo prazo e satildeo acessadas assim que nos
deparamos com algum de seus elementos para que possamos atribuir sentido a eles (ABREU
2010 MATEUS 2017)
Mas no que se refere a este complexo processo eacute preciso de saiacuteda deixar claro que
tanto os animais satildeo e natildeo satildeo anteriores aos nomes que eles recebem pelas diferentes
sociedades quanto agraves classes de palavra satildeo e natildeo satildeo criadas pelos gramaacuteticos Ora por um
lado as palavras natildeo estatildeo num ―caos total no leacutexico Prova disso eacute que nenhum falante
nativo colocaria uma conjunccedilatildeo no lugar em que se espera um adjetivo ou vice-versa mesmo
que natildeo conheccedila os nomes dessas classes em decorrecircncia de natildeo ter passado por um processo
de alfabetizaccedilatildeo e ou escolarizaccedilatildeo Ou seja o que os analistas fazem eacute analisar semelhanccedilas
entre os comportamentos dos itens lexicais e nomear essas categorias de elementos proacuteximos
que satildeo preacute-existentes agrave anaacutelise
Portanto de certo modo as classes de palavras existem dentro das liacutenguas antes
mesmo de serem nomeadas pelos analistas e os animais estatildeo no mundo mesmo antes de
sofrerem uma nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo mas ao mesmo tempo e por outro lado esses nomes
soacute fazem sentido quando dentro de sistemas linguiacutesticos especiacuteficos e as liacutenguas muitas vezes
acabam sendo oacuteculos para olhar para a realidade empiacuterica e uma nomeaccedilatildeo tambeacutem acarreta
uma (de) limitaccedilatildeo o estabelecimento de ateacute que medida chega aquele ente nomeado
43
Nesse sentido as ideias saussurianas relacionadas agraves do filoacutesofo preacute-socraacutetico
Heraacuteclito talvez contribuam para aclarar o que estamos afirmando Para este uacuteltimo o mundo
se deleitaria em ocultar sua real natureza (sua phyacutesis enquanto origem e enquanto dimensatildeo e
caracteriacutesticas do universo fiacutesico ―real) mas poderia ser desvelado por meio do loacutegos
Valendo-se do discurso escrito tal filoacutesofo originaacuterio da cidade de Eacutefeso vai versar
natildeo apenas sobre princiacutepios originaacuterios universais que tambeacutem estariam presentes na razatildeo
enquanto questatildeo inteligiacutevel como desenvolveraacute tambeacutem as noccedilotildees de conhecimento que se
mostra como verdade (e assim epistecircmico) em detrimento de uma simples opiniatildeo (doacutexa)
pautada nos sentidos Assim ele teria sido um dos precursores do pensamento epistemoloacutegico
e metafiacutesico
[] ao procurar plasmar a noccedilatildeo metafiacutesica de loacutegos por meio de um elemento
material o fogo Essa concepccedilatildeo deve ser entendida tanto literal quanto
―analogicamente uma vez que o fogoloacutegos heraclitiano fora concebido tanto como
um elemento fundamental gerador de todas as coisas naturais ndash em um sentido que
dava continuidade ao pensamento naturalista inaugurado pelos filoacutesofos jocircnicos ndash
quanto como a instanciaccedilatildeo da inteligibilidade da proacutepria natureza A alma humana
(ou mais precisamente sua faculdade racional) tendo sido concebida por Heraacuteclito
como afim ou semelhante ao fogo seria naturalmente dotada do poder de
compreender o universo em virtude de sua potencial homogeneidade muacutetua [] A
harmonia do mundo como concebida pelos Pitagoacutericos era em certo sentido uma
harmonia estaacutetica pois as relaccedilotildees matemaacuteticas que a sustentavam tinham um
caraacuteter eterno excluiacutedo ao tempo Em niacutetido contraste com isso e mais
similarmente aos primeiros jocircnicos Heraacuteclito concebia uma harmonia dinacircmica que
privilegiava o papel e a ubiquidade da mudanccedila e da transformaccedilatildeo pelo jogo de
tensotildees opostas (POLITO e SILVA FILHO 2013 p 340)
Aliaacutes para o filoacutesofo de Eacutefeso ―conhecer eacute decifrar e interpretar signos e [] a
verdade eacute a aleacutetheia ou o que se desoculta por meio de sinais (CHAUI 2002 p 80) sinais
estes enviados pelo pensamento e pela palavra (loacutegos) natildeo da figura pessoal de Heraacuteclito mas
sim de uma linguagem racional universal de um divino que estaria na natureza e no humano e
que se oferece para ser decifrado e interpretado
Acresce que o mundo para ele seria uma unidade racional coacutesmica sob a eacutegide de um
fogo primordial (a proacutepria razatildeo ou seja o loacutegos ele mesmo) que comporia a natureza e a
origem desse mundo
Explicando por outros termos haveria na oacutetica de Heraacuteclito uma natureza por traacutes de
todas as coisas que se gosta de ocultar sua unidade fundamental que subjaz agrave aparente
multiplicidade e que se realiza por meio da harmonia de tensotildees que se opotildeem (o mel por
exemplo teria em sua oacutetica doccedilura e tambeacutem amargor)
44
Aliaacutes eacute digno de menccedilatildeo que conforme consta no Dicionaacuterio Grego- Portuguecircs a
palavra ―harmonia vem do verbo grego ἁπμόζο cujos significados colocar juntolsquo
tensionarlsquo ajustarlsquo adaptar uma coisa a outralsquo jaacute refletem essas ideias heraclitianas
Ou seja as oposiccedilotildees que se mostram (aparentes) natildeo apenas sugerem como tambeacutem
ocultam a unidade profunda que ele denomina loacutegos Nessa perspectiva natildeo existiria uma
dicotomia entre um Um e um Muacuteltiplo Na verdade ―o Um penetra o Muacuteltiplo e a
multiplicidade eacute apenas uma forma da unidade ou melhor a proacutepria unidade
(CAVALCANTE DE SOUZA 1996 p 31)
O loacutegos seria assim a unidade de um fluxo de um processo contiacutenuo sendo a
―realidade um rio de aacuteguas sempre novas o sistema unitaacuterio e unificador por traacutes das
constantes mudanccedilas trocas substanciais tensotildees oposiccedilotildees e transformaccedilotildees uma
―harmonia oculta que garante a tensatildeo intriacutenseca agraves coisas e aquilo mesmo que as sustenta
(CHAUI 2002 p 82)
As liacutenguas humanas naturais como demonstram os estudos linguiacutesticos atuais
tambeacutem seguem o mesmo caminho jaacute que os povos vatildeo relacionando-se entre si aderindo a
novos elementos culturais deixando de usar palavras para elementos que natildeo tecircm mais
utilidade praacutetica nas atividades do dia-a-dia
De qualquer modo para o referido filoacutesofo os contraacuterios satildeo inseparaacuteveis (haja vista
que um nasce do outro e viraacute a se tornar o outro) Assim um dado elemento X soacute adquire
existecircncia em virtude do seu oposto e de fato natildeo haveria a noccedilatildeo de justiccedila sem a de ofensa
nem fome sem saciedade e muito menos cansaccedilo sem repouso E nesta questatildeo de oposiccedilatildeo
entre signos vemos um ponto de contato ou uma das possiacuteveis raiacutezes da noccedilatildeo de opostos que
se harmonizam num sistema uno que subjaz ao conceito de valor que seria postulado por
Saussure
Ademais um dos significados do item lexical grego λόγορ eacute contalsquo medidalsquo- o que
faz alusatildeo ao fato de que o loacutegos (a palavralsquo) o nome que identifica determinado dado ou
ente num sistema linguiacutestico jaacute eacute em si uma delimitaccedilatildeo que soacute tem valor dentro desse langue
desse sistema regulador dos variados e muacuteltiplos usos (parole) na relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo aos
demais itens lexicais aos quais ele se opotildee Desse vieacutes linguiacutestico um computador por
exemplo soacute eacute ente depois de receber do fogo primordial do sistema linguiacutestico do portuguecircs o
loacutegos computadorlsquo porque assim passa a natildeo ser a mera sucatalsquo inuacutetil que se tornaraacute assim
que for usado por muito tempo ele eacute um computadorlsquo porque ainda natildeo eacute uma outra coisa
que pode e viraacute a ser um dia Por traacutes dessas questotildees estaacute o fato de que
45
[] o fogo primordial se distribui quantitativamente em todas as coisas em
quantidades perfeitamente determinadas [] e delimita todas as coisas para que
nelas natildeo haja excesso nem falta A phyacutesis eacute loacutegos porque mede e modera as coisas
lhes daacute um ser determinado e conforme a necessidade de cada uma delas ele as faz
racionais proporcionais umas agraves outras harmoniosas em suas oposiccedilotildees [] A cada
medida que se apaga uma outra se acende eternamente Quando a aacutegua se evapora
uma medida de uacutemido se evapora uma medida de uacutemido se apaga e uma medida de
quente se acende quando a aacutegua evaporada se condensa em nuvens uma medida de
quente se apaga e uma medida de uacutemido se acende E assim sempre e com todas as
coisas [] Porque a medida eacute a moderaccedilatildeo dos contraacuterios [] A natureza sempre
justa e moderadora nunca leva ao excesso ou agrave carecircncia nela os contraacuterios em luta
se compensam uns aos outros (CHAUI 2002 p 84)
De qualquer modo como dissemos anteriormente as anaacutelises nomeaccedilotildees e
delimitaccedilotildees natildeo se realizam somente na aacuterea linguiacutestica haja vista que o ser humano parece
apresentar certa aversatildeo ao que natildeo consegue controlar e por isso tende a ―reduzir a maior
quantidade possiacutevel de elementos em tipos grupos mais controlaacuteveis chegando muitas
vezes ao estabelecimento de caixinhas moldes que nem sempre datildeo conta da realidade na
qual estatildeo dispostos os seres do mundo sensiacutevel Isso se estende tambeacutem para a liacutengua porque
agraves vezes os gramaacuteticos (sobre os normativos preocupados em como a liacutengua deveria ser e natildeo
como ela realmente eacute) acabam agrupando itens linguiacutesticos distintos numa mesma classe que
natildeo corresponde realmente aos fatos concretos da liacutengua em uso
Sobre tais incorreccedilotildees de classificaccedilatildeo Sandmann (1993 p 31) muito acertadamente
diz que ―[] levadas por fatores superficiais as pessoas tinham a baleia em conta de peixe A
anaacutelise de teacutecnicos mudou esta concepccedilatildeo e a baleia foi classificada como mamiacutefero
Analogamente a isso muitas pessoas classificam aranhas como ―insetos porque haacute
caracteriacutesticas compartilhadas entre ambos como o fato de terem patas articuladas (o que
aliaacutes os aloca dentro do filo dos artroacutepodes) Contudo para os zooacutelogos especialistas de
nossa sociedade aranhas satildeo mais proacuteximas de carrapatos e escorpiotildees quanto a questotildees
morfoloacutegico-anatocircmicas como a quantidade de pares de patas por exemplo Enquanto elas
satildeo octoacutepodes (tais quais os escorpiotildees e carrapatos) dotadas de 4 pares de patas sem antenas
os insetos tecircm 3 pares de patas (hexaacutepodes) e muitos satildeo providos de antenas Fatores como
estes fazem com que as aranhas sejam classificadas pela nossa ciecircncia bioloacutegica atual natildeo
como insetos mas sim como aracniacutedeos
Contudo toda essa questatildeo entre liacutengua e nomeaccedilatildeo das categorias realizadas pela
comunidade autoacutectone natildeo torna incoerente nossa concordacircncia com a questatildeo do valor
linguiacutestico (SAUSSURE 2012) comentada anteriormente na medida em que natildeo estamos
afirmando que elas viriam como meros roacutetulos para questotildees existentes no mundo concreto O
que estamos afirmando eacute que no decorrer dos seacuteculos fomos olhando para os entes do mundo
46
em que habitamos relacionando-os e dividindo-os em grupos de semelhantes E eacute de suma
importacircncia essa noccedilatildeo de relaccedilatildeo para confirmar o que estamos tentando explicar haja vista
que da mesma forma que o estabelecimento desses conjuntos cognitivamente seria algo
relacional entre ao menos trecircs espeacutecimes (embora uma coruja uma galinha e um elefante natildeo
sejam exatamente iguais se opondo num niacutevel mais especiacutefico haacute semelhanccedilas entre os dois
primeiros como a presenccedila de penas e o caraacuteter oviacuteparo que permitiram alocaacute-los em um
conjunto que se opotildee a um outro formado neste caso hipoteacutetico apenas pelo elefante ndash um
animal viviacuteparo e com pelos e natildeo penas) os nomes desses conjuntos por designarem
conceitos satildeo signos (no sentido saussuriano do termo) providos de um significante e de
significado ligados por uma relaccedilatildeo de motivaccedilatildeo natildeo necessaacuteria para natildeo dizer ndash como faz o
mestre genebrino- totalmente imotivados (ateacute porque embora alguns nomes de animais
possam ser onomatopaicos eles natildeo satildeo universais e se houvesse algo na sequecircncia focircnica
[lsquo] que per si fosse relativo ao significado de animal mamiacutefero paquideacutermico
quadruacutepede e provido de trombalsquo ele seria o mesmo para todos os idiomas ndash e natildeo eacute o que se
verifica)
Aleacutem disso cremos que essa noccedilatildeo de valor tambeacutem pode ser estendida dos signos
para as outras entidades da liacutengua (sejam tipos de oraccedilotildees de classes de palavras tipos de
argumentos e de complementos semacircnticos e sintaacuteticos papeacuteis discursivos) na medida em
que em portuguecircs uma hipotaxe natildeo eacute uma parataxe que tambeacutem se opotildee a uma
subordinaccedilatildeo da mesma forma que o falante ndash como aponta Benveniste (1989)- que assume a
instacircncia de emissor inserindo-se num eu quando fala ou escreve cria e distingue-se de um tu
que eacute seu interlocutor e de um ele (o assunto tratado) e que uma entidade verbal como comer
adquire esse status porque no sistema do portuguecircs natildeo eacute um elemento mais nominal como
cachorro ao qual se opotildee distintivamente
Obviamente o leitor percebeu que essas nomenclaturas natildeo equivalem agraves utilizadas
pelas Gramaacuteticas Tradicionais para os mecanismos de junccedilatildeo de oraccedilotildees em periacuteodos
compostos em Portuguecircs Sabe-se que normativamente haveria coordenadas (jaacute
problematizadas anteriormente neste texto) e subordinadas Contudo essa biparticcedilatildeo natildeo
analisaria suficientemente a complexidade linguiacutestica para comeccedilar porque a Gramaacutetica
normativa acaba incorrendo em incoerecircncia quando diz por exemplo que adveacuterbios seriam
elementos acessoacuterios a uma oraccedilatildeo simples mas ndash por outro lado- aloca as adverbiais no que
chama de ―subordinadas que seriam ―dependentes de uma oraccedilatildeo principal
Aleacutem disso uma visatildeo tradicional acaba por juntar num uacutenico ―balaio de gatos
periacuteodos portugueses cujas oraccedilotildees tecircm integraccedilotildees distintas
47
Utilizando-se de um vieacutes funcionalista estudos cientiacuteficos da linguagem como os de
Rodrigues (em comunicaccedilatildeo pessoal) Moura Neves Braga e DalllsquoAglio-Hattnher (2008) e
Gonccedilalves Sousa e Casseb-Galvatildeo (2008) consideram ser possiacutevel postular um modelo natildeo
linear de anaacutelise (que versa sobre niacuteveis e hierarquias entre as oraccedilotildees) propondo a
existecircncia em portuguecircs de um continuum de oraccedilotildees menos integradas entre si
perpassando um estaacutegio intermediaacuterio ateacute um em que haveria mais integraccedilatildeo Para afirmar
isso os referidos linguistas baseiam-se em dois criteacuterios dependecircncia (vinculaccedilatildeo semacircntica
que restringe a possibilidade de cada uma das oraccedilotildees envolvidas figurar isoladamente) e
encaixamento (se uma oraccedilatildeo estaacute ou natildeo dentro da outra nela se encaixando ocupando uma
posiccedilatildeo de complemento sintaacutetico-argumental) que acabam gerando trecircs conjuntos
parataacuteticas hipotaacuteticas e subordinadas
Mas a despeito do que talvez se possa pensar esse ponto de vista natildeo se restringe a
novas denominaccedilotildees mas sim em realmente tentar analisar os fatos linguiacutesticos sendo que os
dois primeiros satildeo formados de elementos gregos taacuteksis (τάξιρ) significa colocaccedilatildeolsquo para
(παρά) eacute uma preposiccedilatildeo ou preveacuterbio grego equivalente a ao lado delsquo (sobretudo quando
rege complementos no dativo) e hypoacute (ὑπό) normalmente equivalente a sob embaixolsquo
Nesse sentido o fenocircmeno de parataxe abarcaria oraccedilotildees que estariam umas ao lado das
outras porque nenhuma exerceria nenhum papel sintaacutetico na outra ([-encaixadas]) Portanto
natildeo haveria diferenccedila de niacutevel entre elas nenhuma estaria abaixo da outra por isso poderiam
figurar como construccedilotildees em periacuteodos simples isolados umas em relaccedilatildeo agraves outras (sendo
assim [-dependentes]) Eacute esse o caso das convencionalmente chamadas coordenadas (como
―Joatildeo chegou mas Maria saiu)
Por outro lado hipotaxe - ainda seguindo esta oacutetica- seria um fenocircmeno englobador de
construccedilotildees nas quais existe uma diferenccedila de niacutevel pois haveria uma matriz da qual
semanticamente depende outra oraccedilatildeo (portanto [+dependente] dessa principal) mas esta
oraccedilatildeo que figura abaixo natildeo exerce nenhum papel sintaacutetico na que estaacute acima Exemplar
desse conjunto seriam as tradicionalmente denominadas adverbiais Num exemplo como
―Estaria feliz se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida haacute a matriz [Estaria feliz] jaacute
sintaticamente completa (com sujeito recuperaacutevel pela desinecircncia verbal e tambeacutem pela
escolha e flexatildeo do pronome ―possessivo meu e predicativo do sujeito) e dela num niacutevel
abaixo dependeria a hipotaxe condicional [se vocecirc natildeo fizesse parte da minha vida] ndash que
seria [+dependente] e [-encaixada] na principal
E eacute exatamente neste ponto que a Gramaacutetica Normativa junta coisas que na realidade
satildeo distintas pois as claacuteusulas adverbiais se distinguem das funcionalmente denominadas
48
subordinadas porque embora haja hierarquia entre os niacuteveis das oraccedilotildees componentes de
ambas as subordinadas representariam ndash de um ponto de vista linguiacutestico e natildeo normativista-
o grau maacuteximo de integraccedilatildeo jaacute que corresponderiam a periacuteodos em que haacute no miacutenimo uma
principal embaixo da qual figura ao menos uma outra oraccedilatildeo [+dependente] (uma vez que
natildeo poderia compor um periacuteodo simples isolada da matriz) e ndash por exercer papel de algum
complemento- [+encaixada] em relaccedilatildeo a que estaacute acima Eacute esse o caso prototiacutepico das
completivas (tambeacutem chamadas de substantivas) Ora em periacuteodos como ―Ela natildeo quer que
eu faccedila malcriaccedilotildees haacute natildeo somente um niacutevel primeiro no qual poderia se alocar a matriz
(no caso [Ela natildeo quer]) mas tambeacutem um inferior no qual estaacute [que eu faccedila malcriaccedilotildees]
uma oraccedilatildeo subordinada que distribucionalmente ocupa uma posiccedilatildeo que poderia ter sido
ocupada por um substantivo (por isso substantiva) e que funciona como objeto direto do verbo
querer
Falta abordar as adjetivas e sobre elas eacute necessaacuterio dizer que as explicativas
aproximam-se mais do que estamos denominando de hipotaxes uma vez que natildeo
complementam sintaticamente a matriz ([-encaixadas]) mas estariam abaixo de um nuacutecleo
nominal do qual dependeriam semanticamente Contudo as restritivas seriam mais proacuteximas
de subordinadas pois embora natildeo sejam uma requisiccedilatildeo do nome ao qual se relacionam (e
isso seria uma diferenccedila com relaccedilatildeo agraves completivas) sua retirada geraria periacuteodos
agramaticais o que prova que estatildeo mais integradas ao nome a que se referem que as
explicativas Os exemplos abaixo talvez aclarem o que estamos tentando dizer
(1) Joatildeo que eacute advogado trabalha muito
(2) O homem que veio dirigindo o carro eacute um oacutetimo motorista
Vecirc-se que (2) traz oraccedilotildees muitos mais dependentes integradas (e portanto mais
subordinadas) entre si do que (1) na medida em que a retirada de [que eacute advogado] natildeo
geraria agramaticalidade (a adjetiva traz uma informaccedilatildeo adicional por motivaccedilatildeo
provavelmente pragmaacutetico-interacional que natildeo afeta o fato descrito pelo verbo tanto que o
falante poderia ter dito ―Joatildeo trabalha muito mas provavelmente considerou que o trabalho
de Joatildeo natildeo era conhecido de seu interlocutor mas pelo menos a pessoa dele era mesmo que
minimamente) mas ndash diferente disso - a retirada de [que veio dirigindo o carro] implicaria
em algo agramatical como O homem eacute um oacutetimo motorista Claro que essa
agramaticalidade natildeo existiria caso a interpretaccedilatildeo pretendida pelo emissor fosse a de uma
generalizaccedilatildeo (ateacute preconceituosa) de que indiviacuteduos do sexo masculino sabidamente
49
dirigem bemlsquo ou mesmo que os humanos sabem (ou ao menos podem aprender a) dirigirlsquo
Mas natildeo eacute este o sentido mobilizado em (2) jaacute que no periacuteodo em questatildeo o pronome gera a
noccedilatildeo de que se trata de um homem especiacutefico e sem a adjetiva essa expectativa de definiccedilatildeo
especiacutefica poderia ser quebrada e o ouvinte desse enunciado poderia perguntar ―Que
homem excetuando-se obviamente situaccedilotildees nas quais a referecircncia fosse claramente
recuperaacutevel na situaccedilatildeo discursiva ou no texto produzido
Ainda sobre esse tema de acordo com Cacircmara (2016) as tradicionalmente chamadas
de restritivas (literalmente restringem diminuem semanticamente a extensatildeo de seu elemento
fundamental identificando um elemento entre outros possiacuteveis) enquanto as explicativas natildeo
fazem isso mas acrescentariam questotildees pragmaacuteticas e argumentalmente relevantes para as
intenccedilotildees do discurso do emissor ndash e isso deveria ser passado para os alunos (e natildeo apenas os
fazer decorar esses roacutetulos)
Aliaacutes eacute preciso salientar primeiro que as adjetivas natildeo se relacionam diretamente com
a principal mas sim a um nuacutecleo nominal que normalmente estaacute na principal tal qual afirma
Moura Neves (2018) Acresce que diferenciar esses dois sub-tipos simplesmente pela
presenccedila ou ausecircncia de viacutergula eacute limitador demais pois na escrita a viacutergula vem para marcar
que a restriccedilatildeo do substantivo foi barrada assim como o acreacutescimo de informaccedilatildeo de
propriedade que o adjetivo daria ao substantivo e normalmente essa mesma viacutergula representa
uma pausa na produccedilatildeo oral do enunciado
Em outras palavras como confirma Moura Neves (2018) a oraccedilatildeo restritiva
equivaleria a um adjetivo em um de seus sentidos prototiacutepicos na medida em que seu
―objetivo eacute levar o leitor por meio da formulaccedilatildeo adequada do referente a identificaacute-lo dentre
um conjunto infinito de referentes possiacuteveis (CAcircMARA 2016 p 330) Em livro bonito a
natildeo separaccedilatildeo do sintagma por viacutergulas explicita que ocorre a atribuiccedilatildeo de uma propriedade
a livro e que restringe o conjunto livros a somente os que satildeo bonitoslsquo pois ndash como confirma
Moura Neves (2018) - um adjetivo diminui a extensatildeo a quantidade de elementos do
conjunto do substantivo que modifica mas aumenta sua intensatildeo trazendo mais carga de
significados mais traccedilos caracteriacutesticos mais propriedades
De maneira um pouco distinta a viacutergula de uma oraccedilatildeo adjetiva explicativa como que
quebraria o sintagma explicitando que a restriccedilatildeo do conjunto dos substantivos foi barrada
natildeo ocorreu ou seja a extensatildeo desse conjunto continua a mesma Eacute por isso que ao dizer
―Meus dois irmatildeos que haviam acordado satildeo ruivos atribuo a mesma extensatildeo a ―meus
irmatildeos ruivos e a ―meus irmatildeos que acordaram pois tenho apenas dois irmatildeos e todos eles
seriam ruivos e todos teriam acordado Mas dizer algo como ―Meus trecircs irmatildeos que haviam
50
acordado satildeo ruivos a extensatildeo dos irmatildeos que acordaram eacute menor que a do total de irmatildeos
que eu possuo
Como atesta Cacircmara (2016) a adjetiva explicativa eacute ―[] pronunciada com status
ilocucionaacuterio e contorno entoacional independentes do sintagma nominal (idem ibidem 328-
330) e por isso comporia um ato ilocucionaacuterio independente do da principal
Num exemplo como ―Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor que eacute
sempre inesgotaacutevel a adjetiva explicativa acaba convertendo-se em argumento para a
afirmaccedilatildeo [Em comum com as supermatildees [tenho] apenas o amor] pois natildeo se questiona o
fato do amor ser inesgotaacutevel natildeo eacute esse o escopo da questatildeo na medida em que
Observa-se que a ilocuccedilatildeo interrogativa atinge apenas o conteuacutedo do ato nuclear
constituiacutedo pela oraccedilatildeo principal (tenho apenas o amor em comum com as
supermatildees) enquanto a oraccedilatildeo subordinada adjetiva conteacutem ilocuccedilatildeo declarativa
(natildeo se questiona o fato de o amor ser sempre inesgotaacutevel) o que comprova que satildeo
dois atos com diferentes ilocuccedilotildees Outro argumento que comprova que satildeo atos
distintos eacute dado por Cacircmara (2015) em que se defende que a adjetiva explicativa eacute
pronunciada com tessitura mais baixa e velocidade mais raacutepida que o contexto
linguiacutestico em que se insere Sendo formulada pragmaticamente a adjetiva
explicativa recebe a funccedilatildeo retoacuterica de aposiccedilatildeo de atribuir informaccedilatildeo de fundo
sobre o nuacutecleo nominal No exemplo atribui-se ao amor a qualidade de ser
inesgotaacutevel Isso significa que a adjetiva explicativa traz informaccedilatildeo adicional
acessoacuteria com relaccedilatildeo agraves outras informaccedilotildees da sentenccedila Mas isso tambeacutem quer
dizer que conteacutem uma funccedilatildeo argumentativa fundamental (CAcircMARA 2016 p
328-330)
Vale mencionar por fim que em adjetivas com elementos no singular natildeo ocorreria a
restriccedilatildeo de um conjunto sobre o outro pois o foco natildeo seria tanto uma questatildeo
quantitativa como no plural (explicitado nos paraacutegrafos anteriores) mas sim uma questatildeo
de significado A restritiva passa a ser uma especificaccedilatildeo ―O sobrado onde eu morava
ficava em Osasco natildeo se refere a qualquer soldado mas ao especiacutefico em que eu morava
em Osasco
Por outro lado natildeo se pode esquecer o poder criacional da linguagem haja vista que
inclusive certas construccedilotildees que fazem sentido dentro de um sistema linguiacutestico acabam
configurando uma realidade distinta da opiniatildeo construiacuteda por uma aacuterea acerca da realidade
material Exemplos disso satildeo por exemplo as construccedilotildees pocircr do sol e nascer do sol que
fazem total sentido na langue do portuguecircs mas que na verdade satildeo o resultado de uma
construccedilatildeo metaacutefora a qual subjaz um olhar teocecircntrico na medida em que nossa ciecircncia
bioloacutegica ocidental atual acredita ser a Terra que gira em torno do sol (visto como estrela
regente) e natildeo o contraacuterio Seguem pelo mesmo caminho produccedilotildees como ―Eu peso 30 kilos
comuns agrave liacutengua portuguesa no niacutevel lexicoloacutegico de sistema mas que natildeo satildeo corroboradas
51
pela Fiacutesica contemporacircnea aacuterea de especialidade na qual os trinta quilogramas do exemplo
anterior se refereriam agrave massa do indiviacuteduo pois neste setor peso tem o sentido especiacutefico de
termo de forccedila resultante da massa multiplicada pela aceleraccedilatildeo da gravidade do planetalsquo
Como salienta Rey-Debove (1984)
[] Enfim a palavra lexical [] constitui o instrumento pelo qual as civilizaccedilotildees
constroacuteem para si uma visatildeo do mundo como diz Hegel a palavra soacute o conceito
da qual recebe seu estatuto de indiviacuteduo no universo mental essa palavra acrescenta
sua realidade proacutepria ao conceito ao mesmo tempo o conceito encontra na palavra
uma fixaccedilatildeo e limites Certamente tudo eacute diziacutevel se se admite com a maioria dos
linguumlistas a hipoacutetese segundo a qual natildeo existe pensamento independente das
palavras que o exprimem e o estruturam o indiziacutevel depende apenas da
dificuldade de dizer (de linguagem psicoloacutegica etc) Mas o diziacutevel notadamente
aquilo que designamos pela primeira vez nem sempre se pode exprimir por uma
palavra uacutenica eacute necessaacuterio um grande nuacutemero de palavras diversamente
combinadas [] Ora eacute o substantivo comum que nos permite organizar o mundo
construindo classes (de objetos de fatos de pessoas etc) isto eacute escolher quais
traccedilos comuns nos fazem encaraacute-las da mesma maneira para opocirc-las a outra classe
concebida do mesmo modo
Pode-se notar a tiacutetulo de exemplo que o francecircs natildeo tem palavra para animal
marinho e que as palavras mammifegravere (mamiacutefero) poisson (peixe) arthropode
(artroacutepode) etc constituem classes no interior das quais soacute se poderaacute distinguir
indiviacuteduos marinhos terrestres etc O que aconteceu foi que o caraacuteter marinho que
poderia parecer importante natildeo foi considerado como suficiente para construir uma
classe um conjunto de coerecircncia satisfatoacuteria oponiacutevel a outros conjuntos
Inversamente certas classes suficientemente homogecircneas satildeo subdivididas segundo
as necessidades da experiecircncia humana Na maioria das liacutenguas os animais
domeacutesticos tecircm mais de dois nomes por espeacutecie (toew taureau vache veau
geacutenisse boi touro vaca bezerro vitela) enquanto que os outros tecircm geralmente
dois ou um soacute (grenouille tecirctard rhinoceacuteross boa etc ratilde girino rinoceronte
boa)
Nota-se que em francecircs as duas denominaccedilotildees miacutenimas retidas satildeo as da oposiccedilatildeo
adulto-filhote e natildeo as de macho-fecircmea Nenhum desses fatos de leacutexico deixa de ter
importacircncia e ateacute frequumlentemente estes se encontram no noacute duma crise ideoloacutegica
natildeo devem os franceses admitir que quando se diz os homens satildeo mortais trata-se
tambeacutem das mulheres mas que em as mulheres satildeo mortais os machos estatildeo
excluiacutedos (REY-DEBOVE 1984 p 53-54)
Em resumo cremos que tanto o estabelecimento de conjuntos de animais ou de itens
linguiacutesticos (classes de palavras) eacute algo relacional opositivo como os nomes desses
conjuntos soacute fazem sentido quando estatildeo se opondo a outros nomes de conjuntos no sistema
linguiacutestico da comunidade que recortou essas categorias
Sob essa perspectiva natildeo haveria autonomia nem em relaccedilatildeo agrave linguagem humana
(porque cada liacutengua eacute relacionada aos seus falantes agrave sua cultura e a um momento histoacuterico)
Aliaacutes um dos princiacutepios trazidos por estudos cognitivistas atuais postula que o
conhecimento de uma liacutengua emerge do seu uso Ela aliaacutes eacute concebida pelos cognitivistas
como um sistema adaptativo complexo porque conteacutem agentes internos eacute aberta e auto
adaptativa As mudanccedilas linguiacutesticas atravessariam segundo essa visatildeo o continuum de uma
52
ordem estabelecida para um estado intermediaacuterio de caos (prompts de comando para
mudanccedilas) e um seguinte de instauraccedilatildeo de uma nova ordem
Pode-se dizer portanto que
A linguiacutestica descritiva e tipoloacutegica tem mostrado no que diz respeito agrave questatildeo das
classes de palavras a importacircncia dos criteacuterios internos que cada liacutengua oferece para
estabelecer uma categorizaccedilatildeo dos itens de seu leacutexico em partes do discurso e a
dificuldade (para natildeo dizer a impossibilidade) de se identificar criteacuterios universais
para definir certas categorias como a do adjetivo (Machado Estevam 2015 p
141)
Eacute exatamente neste vieacutes que seguem as consideraccedilotildees de Fargetti (2003) que seratildeo
por noacutes seguidas nas propostas de verbetes apresentadas nas seccedilotildees seguintes No artigo
Verbos estativos em Juruna ela afirma que os conceitos no portuguecircs expressos por
adjetivos satildeo verbos estativos em juruna pois segundo ela eles podem nessa liacutengua
indiacutegena brasileira do tronco tupi falada pelo povo juruna do Mato Grosso no Xingu sofrer
reduplicaccedilatildeo mudando do modo realis para irrealis
A autora cita a afirmaccedilatildeo de Schachter (1985) e a similar de Dixon (1992) que para se
distinguir as classes de palavras deve-se levar em conta criteacuterios gramaticais e natildeo
semacircnticos exemplificando com os termos bonito e sua traduccedilatildeo aproximada em juruna
ikiaha Embora ambos expressem propriedades de nomes pode-se pensar segundo ela em
classes diferentes para eles porque haacute sutilizas semacircnticas entre uma liacutengua e outra aleacutem de
diferenccedilas gramaticais A autora natildeo concorda entretanto com a generalizaccedilatildeo de Dixon
(1992) de que seria possiacutevel em quase todas as liacutenguas postular uma classe de palavras de
adjetivos distinta de nomes e verbos primeiro porque na opiniatildeo dela ele teria utilizado um
criteacuterio semacircntico (―propriedade de nomes) para o que chama de adjetivos ndash sendo portanto
contraditoacuterio em relaccedilatildeo agrave sua afirmaccedilatildeo inicial ndash e depois porque isso natildeo se aplica ao
juruna
Ela acrescenta argumentos para sua afirmaccedilatildeo inicial entre eles a ordem das oraccedilotildees
em juruna igual para os estativos e demais verbos (Nome-Verbo) e distante da construccedilatildeo
genitiva Genitivo-Nome e os fatos desses estativos que natildeo requerem modificaccedilotildees para
funcionar como predicado poderem ser um atributo modificador de um nome ou um
predicativo acrescido (ou natildeo) nesse uacuteltimo caso da marca de aspecto (caracteriacutestica de
verbos) e receber a marca de dativo (tal qual um nome) apenas quando jaacute estiverem
nominalizados Aleacutem disso eacute possiacutevel que eles sofram reduplicaccedilatildeo cuja funccedilatildeo eacute marcar a
intensidade por sufixaccedilatildeo culminando na mudanccedila do modo realis (sufixo -u) ndash designativo
do que estaacute relativamente longe ndash para algo que estaacute perto no irrealis (sufixo -a)
53
Por fim conclui reiterando que a generalizaccedilatildeo da classe de adjetivos proposta por
Dixon (1992) natildeo se aplica ao juruna liacutengua em que os elementos em estudo satildeo verbos
estativos e satildeo intransitivos ndash uma vez que apresentam somente o sujeito como argumento
Esses elementos contudo natildeo tecircm o mesmo comportamento em Portuguecircs jaacute que a
despeito de no nosso idioma tanto adjetivos quanto verbos aparecerem prototipicamente
pospostos a um substantivo os adjetivos dispensam nominalizaccedilatildeo porque obviamente jaacute
satildeo nomes natildeo sofrem reduplicaccedilatildeo como em juruna (apesar de poder haver casos em que haacute
a repeticcedilatildeo da palavra como por exemplo O dia foi lindo lindo para indicar ecircnfase)
tampouco mudam pela accedilatildeo de sufixos do modo realis para irrealis como em juruna Aleacutem do
mais natildeo recebem afixos de tempo modo ou aspecto (TAM) no sentido da ideacuteia de como a
accedilatildeo se constitui e muito menos de pessoa Daiacute a agramaticalidade de expressotildees como
bonitava feiou gordar e por isso a necessidade de nas palavras de Abreu (2003)
―acircncoras temporais como os verbos ―ser estar parecer e andar que mesmo natildeo tendo
estrutura argumental veiculam tambeacutem a ideacuteia de aspecto e agraves vezes um julgamento
subjetivo do enunciador Ademais as parassiacutenteses como em+gordo+ar formam um outro
paradigma (derivaccedilatildeo) de natureza verbal que aiacute sim pode receber TAM e os afixos nuacutemero-
pessoais
Ou seja no uacuteltimo ponto comentado tangenciamos as discussotildees acerca da relaccedilatildeo
entre liacutengua e cultura E neste iacutenterim concordamos com Fargetti (2017a) quando ela afirma
que essa relaccedilatildeo eacute complexa demais para ser universalizada sendo que natildeo se poderia afirmar
nem que a liacutengua sempre ―determina a cultura (como sugeririam os adeptos da hipoacutetese que
ficou conhecida como Sapir-Whorf mencionada em trabalhos como SAPIR (1985 2004) e
WHORF (1956)) como se ela fosse um modelo de forma de pensamento ao qual a cultura se
adequaria nem que questotildees culturais sempre e necessariamente resultariam em determinadas
formas linguiacutesticas Em outros termos alguns povos ficariam mais proacuteximos da primeira
hipoacutetese enquanto outros mais da segunda
Para ser mais expliacutecito para determinadas culturas segunda a referida linguista seria
possiacutevel dizer que eacute vaacutelida a hipoacutetese de Sapir-Whorf (segundo a qual a liacutengua determinaria o
pensamento assim aprender um novo idioma poderia reprogramar o ceacuterebro do indiviacuteduo a
ponto de fazecirc-lo mudar a forma como ele pensa) Mas para outros povos existiria algo muito
mais proacuteximo agrave liacutengua como ―ferramenta da cultura Pelo menos isso eacute o que defende o
Prof Dr Daniel Everett para os Pirahatilde pois segundo ele seria a cultura pirahatilde que
determinaria a liacutengua desse povo A liacutengua pirahatilde recobriria e daria conta de necessidades
culturais e estaria sobre o que ele denomina de princiacutepio da imediatez da experiecircncia jaacute que o
54
povo indiacutegena brasileiro em questatildeo veria apenas o aqui e o agora natildeo teria formas
morfoloacutegicas para passado nem mitos de origem
Nessa mesma esteira de pensamento segue Berto (2010) quando afirma que
[] a hipoacutetese Sapir-Whorf tem que ser analisada com ressalvas uma vez que natildeo
haacute como se comprovar a hipoacutetese de que existe uma pressatildeo da liacutengua sobre a
cogniccedilatildeo humana como defendido pelo determinismo linguiacutestico assim como
devem ser analisadas com ressalvas teorias que ignorem o condicionamento soacutecio-
cultural da liacutengua Na relaccedilatildeo entre liacutengua e cultura natildeo haacute como se determinar qual
fator predetermina o outro (BERTO 2010 p 18)
3 1 1 Inovaccedilotildees do leacutexico e ldquolimitesrdquo entre leacutexico e gramaacutetica
De qualquer modo quanto a essa nomeaccedilatildeo eacute necessaacuterio comentar que os dois
uacuteltimos processos formadores de neologias citados paraacutegrafos acima natildeo descaracterizam de
forma alguma a liacutengua que os recebe e os aglutina e nem tomam o lugar de outras palavras
Pensar ao contraacuterio eacute ignorar o caraacuteter mutaacutevel e variacionista dos idiomas humanos que jaacute foi
comprovado por pesquisas sociolinguiacutesticas (como WEIRICH LABOV amp HERZOG 2006)
Como atestam os linguistas que discorrem em Faraco (2001) empreacutestimos e estrangeirismos
costumam ser adaptados aos padrotildees fonoloacutegicos da liacutengua de chegada e se realizam
sintaticamente tambeacutem de acordo com a ordem estabelecida para cada classe de palavras da
mesma liacutengua O verbo ―escanear disposto numa frase como Eu escaneei o livro por
exemplo proveacutem do inglecircs to scan (buscarlsquo) e no portuguecircs sofreu algumas alteraccedilotildees
dentre elas a adjunccedilatildeo do sufixo formador de verbos de primeira conjugaccedilatildeo ndashar e da
mudanccedila de uma para trecircs siacutelabas sendo que agrave primeira se adicionou um e epenteacutetico em
virtude de que a estrutura com ataque preenchido e nuacutecleo vazio inexiste em portuguecircs
Tambeacutem eacute possiacutevel notar pela frase exemplificada que o item em questatildeo passou a se realizar
sintagmaticamente na posiccedilatildeo que cabe a verbos
Aleacutem disso natildeo se pode esquecer ainda da caracteriacutestica de variabilidade do proacuteprio
leacutexico compreendido aqui natildeo como um todo homogecircneo (―puro ―elevado e ―imutaacutevel
que deve ser ―defendido das corrupccedilotildees de usos populares) ndash o que seria um conjunto de
opiniotildees preconceituosas e sem respaldo cientiacutefico mas sim como um dia-sistema diacrocircnico
ou para fazer ecos agraves opiniotildees de Silva M (2006) um conjunto dinacircmico e aberto que
conforme as mudanccedilasvariaccedilotildees naturais do idioma em questatildeo admite novos elementos e
descarta outros que se tornam arcaiacutesmos desusados ou pouco usados
Vale ressaltar tambeacutem que embora existam limites entre leacutexico e gramaacutetica (na
medida em que como postula Vilela (1997) o primeiro eacute aberto e pode ser renovado em
55
virtude dos neologismos e da exclusatildeo de arcaiacutesmos e da segunda compor um sistema fechado
com estruturas e regras que natildeo variam) num vieacutes diacrocircnico pode ocorrer a lexicalizaccedilatildeo de
elementos gramaticais (como o uso de verbos suporte) bem como a gramaticalizaccedilatildeo de
elementos lexicais (mediante eacute uma preposiccedilatildeo que historicamente vem do verbo mediar
durante originalmente significava que duralsquo e exceto e salvo satildeo hoje instrumentos
gramaticais que vieram de particiacutepios irregulares lexicais)
No que se refere a esses limites (e imbricaccedilotildees) Rey-Debove traz argumentaccedilotildees
relevantes e uacuteteis a esta pesquisa na medida em que ela reflete se questotildees gramaticais
deveriam constar num verbete Nas palavras da autora
[] natildeo se vecircem no dicionaacuterio indicaccedilotildees sobre o gecircnero das palavras sua
concordacircncia e lugar na frase verbetes como preposiccedilatildeo adveacuterbio etc quando tudo
isso constitui objeto das gramaacuteticas Em qual dos dois livros procurar o sufixo -
agem a forma verbal coubesse A imprecisatildeo da situaccedilatildeo reflete-se nas variaccedilotildees de
conteuacutedo que se manifestam duma obra a outra entre as gramaacuteticas e entre os
dicionaacuterios uma gramaacutetica como le Bon Usage de Grevisse invade a descriccedilatildeo
lexical e uma obra como o Dictionnaire du franccedilais contemporain (Larousse)
estende-se largamente sobre a descriccedilatildeo gramatical Poderia parecer que se trata
dum mesmo objeto encarado de dois pontos de vista diferentes do conjunto para o
elemento na gramaacutetica e do elemento para o conjunto no dicionaacuterio Assim numa
gramaacutetica o capiacutetulo do possessivo enumera as formas meu teu seu nosso vosso
seu ao passo que em cada forma distribuiacuteda no conjunto alfabeacutetico do dicionaacuterio mdash
meu nosso seu (sing) seu (pl) teu vossomdash explicita-se que se trata dum
possessivo (REY-DEBOVE 1984 p 46)
Por outro lado eacute a mesma autora que em seguida lembra que ―Mas percebe-se
rapidamente que as palavras repertoriadas numa gramaacutetica satildeo uma iacutenfima parte do leacutexico e
que nem todas as regras da gramaacutetica satildeo explicitadas no dicionaacuterio (idem ibidem p 46)
Para ela enquanto definiccedilatildeo Gramaacutetica abarcaria as regras (no sentido gerativo e natildeo
normativista da palavra) sintaacuteticas morfoloacutegicas fonoloacutegicas morfofonoloacutegicas foneacuteticas
para combinar unidades menores que a frase em sintagmas efetivos sendo que ―[] essa
integraccedilatildeo permite produzir um nuacutemero incalculaacutevel de signos com um nuacutemero restrito de
unidades os morfemas (unidades significativas miacutenimas) constroem palavras que entram nos
constituintes de frase (grupo nominalgrupo verbal) (idem ibidem p 47)
Sobre esse tema aliaacutes autores como Moura Neves (2018) e Rey-Debove (1984)
postulam a existecircncia de um contiacutenuo entre o valor lexical e o gramatical dos elementos
linguiacutesticos pois o verbo e os substantivos satildeo os elementos mais lexicais (independentes) e
os menos gramaticais De fantasma para navio fantasma o mesmo elemento sofre uma queda
leacutexica perde um pouco sua individualidade e de sua independecircncia semacircntico-sintaacutetica (ateacute
porque passa a gravitar em torno de outro elemento) sofre um desbotamento semacircntico
56
passando a assumir mais propriedades gramaticais de ligaccedilatildeo e menos lexicais (de
referenciaccedilatildeo)
Em outros termos a despeito de adjetivos tambeacutem terem traccedilos natildeo possuem ndash como
substantivos- referecircncias e certas derivaccedilotildees improacuteprias como um item passar de esporte
enquanto substantivo para carro esporte enquanto adjetivo a despeito da manutenccedilatildeo dos
traccedilos caracteriacutesticos implicam necessariamente na perda de referecircncia (pois passo no
segundo caso a falar de um carro e natildeo mais de um esporte)
Obviamente haacute graus para isso e os componentes lexicais mais gramaticais (e
portanto menos independentes e menos lexicais) seriam- na oacutetica da referida linguista - as
preposiccedilotildees e conjunccedilotildees (cujo sentido eacute mais dependente da construccedilatildeo locuccedilatildeoperiacutefrase
em que estatildeo inseridas) embora umas sejam mais lexicais que outras
Os itens visto (―Visto eu saber disso fiz como acordado) e exceto (―Exceto vocecirc
todos saiacuteram) estariam para ela na transiccedilatildeo de verbo (de particiacutepios irregulares) para
elementos conectivos mas natildeo satildeo conectivos prototiacutepicos porque ainda guardam uma carga
semacircntica muito forte (de verificaccedilatildeo pela visatildeo e de exceccedilatildeo) e natildeo regem os elementos a
que se ligam como uma preposiccedilatildeo faria interferindo ateacute mesmo na forma desses elementos
Se por um lado a adjunccedilatildeo de de ou sem agrave primeira pessoa do singular para formar uma
periacutefrase obrigaria o uso da forma mim (haja vista que ―de eu ou ―sem eu sejam questotildees
menos habituais praticamente agramaticais e portanto marcadas em oposiccedilatildeo agraves habituais
―sem mim e ―de mim) por outro o uso de visto ou exceto natildeo gera a mesma conversatildeo
(―Todos fizeram a tarefa exceto eu ―visto eu ser menor natildeo pude ser detido)
Tais discussotildees satildeo relevantes na medida em que o objetivo deste texto eacute discorrer
sobre como aspectos culturais podem entrar numa terminografia biliacutengue especiacutefica Nesse
sentido tambeacutem nos eacute cara a questatildeo se a microestrutura dos verbetes deve abarcar ou natildeo
aspectos ―mais gramaticais da liacutengua juruna ndash o que tentamos responder mais explicitamente
nas proacuteximas seccedilotildees Mas aqui jaacute tocamos em conceitos que precisam ser tratados numa
subseccedilatildeo agrave parte
312 Explicitando alguns conceitos sinoniacutemia significante e significado
homoniacutemia e polissemia tipos de lexias partes estruturais de obras sobre o leacutexico tipos
de definiccedilatildeo
De qualquer modo outra questatildeo relevante quanto ao leacutexico gira em torno de sua
sinoniacutemia sempre imperfeita seja numa diferenccedila objetiva ou de intensidade entre os
57
sinocircnimos (homiciacutedio e balear satildeo mais teacutecnicos e mais eruditos que crime e dar um tiro que
pertence mais ao leacutexico geral e miseraacutevel tem um valor emotivo maior que pobre)
Se essas nuanccedilas jaacute existem entre os sinocircnimos de uma mesma liacutengua quando se fala
em unidades de liacutenguas diferentes essa questatildeo sofre uma ampliaccedilatildeo consideraacutevel Ora a
entrada peau tem em francecircs o sema de revestimento de vegetais ou de frutoslsquo mas esse
traccedilo inexiste no semema (conjunto de semas) de seu equivalente portuguecircs pele Eacute por
distinccedilotildees como essa que Jakobson (1995) retomando Karcevski compara a perda linguiacutestica
em traduccedilotildees sucessivas (por exemplo do inglecircs para o russo e do russo para o grego) com a
perda que ocorreria caso se convertesse sucessivamente vaacuterias moedas pois o resultado final
no caso hipoteacutetico em grego talvez deixasse de abarcar questotildees que estavam contidas no
original inglecircs talvez por influecircncia da qualidade da traduccedilatildeo russa utilizada previamente
Para Welker (2004) haveria para liacutenguas distintas um continuum entre a total
equivalecircncia de termos muito especiacuteficos e quase que uma completa ausecircncia de equivalecircncia
em certas ―atividades e festividades vestuaacuterio utensiacutelios fatos histoacutericos comidas e bebidas
religiatildeo educaccedilatildeo e aacutereas especializadas (idem ibidem p 195) que soacute poderiam ser
―traduzidas para a liacutengua de chegada por meio de construccedilotildees sintagmaacuteticas e
metalinguiacutesticas sem que houvesse a possibilidade de um uacutenico item leacutexico Entre esses dois
extremos o autor estipula relaccedilotildees de divergecircncia convergecircncia e multivergecirccia A primeira
delas abarcaria casos em que um uacutenico lexema polissecircmico na liacutengua fonte acaba sendo
―traduzido para uma L2 por meio de vaacuterios lexemas sendo que cada um deles seria
equivalente a cada um desses semas da L1 Jaacute a segunda relaccedilatildeo seria a dos casos em que dois
ou mais lexemas da liacutengua de entrada acabam convergindo para um uacutenico polissecircmico na
liacutengua de saiacuteda E por fim a terceira marcaria uma combinaccedilatildeo das duas anteriores como
ocorre com o elemento flor que pode ter em inglecircs como equivalentes flower blossom ou
bloom sendo que bloom tem como equivalentes portugueses flor florescecircncia frescor
beleza Portanto natildeo faria muito sentido ndash para nossa investigaccedilatildeo especiacutefica- que
propuseacutessemos verbetes apenas com equivalentes portugueses para entradas em juruna porque
isso seria cair na ―perda de cacircmbio de que trata Jakobson (1995) ou fechar os olhos a todas
as questotildees culturais por traacutes desse leacutexico e seria tambeacutem pouco enciclopeacutedico em relaccedilatildeo ao
nosso intuito de divulgaccedilatildeo dos conhecimentos de tal povo indiacutegena
Aliaacutes no que se refere a signos e significaccedilotildees cabe salientar que para Saussure
(2012) o signo uniria natildeo uma coisa a um nome mas em vez disso seria uma entidade
psicolinguiacutestica de dupla face um significante (imagem acuacutestica) unido em sua opiniatildeo a um
significado (conceito) por uma relaccedilatildeo arbitraacuteria
58
Vecirc-se aqui um paralelo com o triacircngulo semioacutetico de Ogden e Richards (1972) que
postula uma relaccedilatildeo reciacuteproca e reversiacutevel entre significante e significado sendo que ambos
se ligariam por uma linha cheia mas a outra ponta da figura o referente (objeto no mundo
extralinguiacutestico) se liga ao significado por meio de uma linha cheia mas se liga ao
significante por uma relaccedilatildeo que natildeo eacute direta (em razatildeo do nome evocar natildeo a coisa material
empiacuterica mas a ideia que se tem dela) e por isso marcada por uma linha tracejada como
demonstrado a seguir
Figura 1 Triacircngulo semioacutetico
Para cada signo nestes dois uacuteltimos vieses haveria um significante e um significado
Mas nossas consideraccedilotildees anteriores jaacute demonstram que natildeo concordamos com essa
univocidade Como atestam Murakawa (2018) e Muntildeoz Nuntildeez (1999) alguns estudos ndash com
os quais concordamos- afirmam que um mesmo signo pode ter vaacuterias funccedilotildees e uma mesma
significaccedilatildeo pode compor o semema de mais de um signo natildeo havendo coincidecircncia em
todos os pontos do signo e da significaccedilatildeo pois ambos natildeo se recobrem mutuamente haja
vista a existecircncia de fenocircmenos como a polissemia e a homoniacutemia Ou seja para alguns
autores natildeo haveria uma relaccedilatildeo bi-uniacutevoca entre significante e significado pois de acordo
com eles (com os quais aliaacutes concordamos) para cada expressatildeo poderia haver mais de um
conteuacutedo e um determinado conteuacutedo secircmico poderia ser veiculado por mais de uma
expressatildeo
Eacute nesse caminho que segue Abbade (2006) quando ao comentar a distinccedilatildeo e a
relaccedilatildeo entre o conteuacutedo linguumliacutestico e a realidade extralinguumliacutestica entre palavra e a coisa a
que ela se refere acaba se questionando
59
- Como se designa aacutervore em alematildeo E a resposta seria simplesmente baum Dessa
maneira o leacutexico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que
nomeiam coisas Mas nem sempre existe uma uacutenica palavra para cada coisa e se a
mesma pergunta fosse feita para a liacutengua romena a resposta natildeo seria tatildeo simples
porque copac eacute o geneacuterico mas uma aacutervore frutiacutefera chama-se pom Em certos
contextos eacute necessaacuterio usar o termo arbore porque natildeo existe copac genealogica ou
pom genealogica apenas arbore genealogica Na estruturaccedilatildeo do leacutexico de cozinha
em campos lexicais observa-se isso muito bem uma vez que poderiacuteamos perguntar
que lexia utilizamos para indicar o peso dos alimentos soacutelidos Nos dias atuais
poder-se-ia responder com uma uacutenica lexia O quilograma ou apenas quilo Mas no
periacuteodo quinhentista natildeo teriacuteamos apenas uma lexia para tal resposta pois para o
peso dos alimentos soacutelidos utilizava-se o arraacutetel mas as carnes eram pesadas em
arrobas e os poacutes em alqueires E ainda poderiacuteamos pesar esses alimentos em omccedilas
ou salamys (ABBADE 2006 718-719)
Nessa oacutetica faria sentido pensar em dois conceitos que satildeo em certa medida proacuteximos
mas que tecircm suas especificidades homoniacutemia e polissemia Como afirmam Murakawa
(2018) Welker (2004) entre os criteacuterios para distingui-los estariam natildeo soacute a etimologia
como tambeacutem a semacircntica a classe de palavras e a forma
Baseando-se nas asserccedilotildees de Mateus (2017) Maciel de Carvalho (2012) Martins e
Zavaglia (2013) Villalva e Silvestre (2014) Xatara Bevilacqua e Humbleacute (2011) e Zavaglia
(2003) pode-se afirmar que as distinccedilotildees entre elementos homoniacutemicos e polissecircmicos passa
por vaacuterios criteacuterios coincidecircncia formal semacircntica etimologia classe de palavras na qual os
itens em questatildeo podem ser alocados Explicitando um pouco melhor enquanto homocircnimos
seriam itens lexicais distintos (mais de um componente no leacutexico) com origens e ou
pertencentes a classes morfoloacutegicas diferentes com alguma igualdade na realizaccedilatildeo concreta
(seja na escrita ou na sua produccedilatildeo oral) mas sem nenhum traccedilo secircmico compartilhado a
polissemia se restringiria a uma uacutenica entrada no leacutexico com sentidos que se relacionam entre
si
Essa diferenccedila se mostrou relevante porque ndash como se demonstraraacute na seccedilatildeo de
explicitaccedilatildeo dos dados ndash alguns dos nomes juruna para os conjuntos dos animais que noacutes
chamamos de borboletaslsquo tecircm a mesma expressatildeo formal mas significaccedilotildees muito distintas
A distinccedilatildeo entre esses dois elementos embora nem sempre seja faacutecil eacute tambeacutem
relevante na medida em que como afirma Porto-Dapena (2002) o autor de uma obra
lexicograacutefica entre outras coisas teraacute que necessariamente se preocupar com a porccedilatildeo do
leacutexico (se geral se especial (para dicionaacuterios de partes especiacuteficas da liacutengua como conjugaccedilatildeo
verbal expressotildees de baixo calatildeo) se especializado) e quais entradas seratildeo selecionadas
como essas entradas seratildeo lematizadas e como seratildeo organizadas (se por ordem semasioloacutegica
e alfabeacutetica de modo que o consulente consiga encontrar o conteuacutedo de um significado que
ele conhece enquanto expressatildeo mas cujo conteuacutedo natildeo lhe eacute caro ou por campos semacircnticos
60
e de modo onomasioloacutegico ndash o que possibilitaria encontrar significantes para um determinado
campo de significaccedilatildeo)
Aliaacutes cabe ressaltar que a lematizaccedilatildeo tal qual a define Biderman (1984)
compreende o processo pelo qual de todas as realizaccedilotildees morfoflexionais de uma entrada se
escolhe uma uacutenica como destaque como representante paradigmaacutetica de todo esse conjunto
chamada de lema palavra-entrada ou entrada E todo esse paradigma virtual de
possibilidades (que funcionaria como um compartimento para variaccedilotildees flexionais e secircmicas)
seria denominado de lexema Quando uma dentre essas vaacuterias opccedilotildees se realizaria se
concretizaria empiricamente em sintagmas estariacuteamos diante de lexias (concretizaccedilatildeo efetiva
de um lexema)
E isso eacute relevante sobretudo por dois motivos O primeiro deles gira em torno do fato
do autor de uma obra sobre o leacutexico precisar decidir se elementos polissecircmicos e homocircnimos
seratildeo reduzidos em um uacutenico ou em vaacuterios verbetes Como atesta Porto-Dapena (2002) a
tradiccedilatildeo de liacutenguas neo-latinas tem separado homocircnimos em verbetes distintos identificados
com nuacutemeros sobrescritos e alocado os muacuteltiplos sentidos de um item polissecircmico numa
uacutenica entrada sendo que cada acepccedilatildeo costuma ser numerada e ter frases-exemplo distintas
O segundo dos motivos se refere agrave questatildeo de que tais obras natildeo abarcam apenas
lexias simples (caso sejam formadas por um uacutenica sequecircncia graacutefica) podendo abarcar
tambeacutem as compostas (itens como guarda-roupa e bem-te-vi que se formam por meio de mais
de uma sequecircncia graacutefica geralmente com hiacutefen) ou complexas (mais de uma unidade mas
natildeo separadas por hiacutefen) aleacutem dos fraseologismo (frases feitas ditados locuccedilotildees modismos
idiotismos proveacuterbios refrotildees) ndash o que leva agrave necessidade de se pensar se elas seratildeo tratadas
em verbetes distintos ou como sub-entradas ao lema principal com o qual estabelecem
relaccedilotildees morfoloacutegicas Cabe ressaltar que
[] segundo Welker (2002 p 93) sub-entrada eacute ―[] item lexical ndash geralmente
lexema composto ou complexo ndash que eacute tratado dentro do mesmo verbete do lema
Eacute utilizada por exemplo quando o dicionarista adiciona no mesmo verbete a
explicitaccedilatildeo de relaccedilotildees morfoloacutegicas ou mais especificamente se um dicionaacuterio
traz cesta-baacutesica dentro do lema cesta trata-se geralmente de uma sub-entrada a esse
lema principal (MATEUS 2017 P 40)
Embora alguns teoacutericos vejam o ―dicionaacuterio como um gecircnero textual uacutenico e
especiacutefico outros o veem como um conglomerado como suporte para vaacuterios gecircneros
individuais (como introduccedilatildeo verbetes) Por isso de acordo com Nadin (2018) costuma-se
dividir estruturalmente tais obras em uma hiperestrutura que abrange um front matter
(introduccedilotildees e listas explicativas de abreviaturas antes dos lemas) e um back matter
61
(informaccedilotildees como bibliografia apecircndices tabelas com conjugaccedilotildees que estatildeo pospostas aos
lemas em si) entre as quais haacute a macro (definida por WELKER (2004) SILVA M (2006)
como estrutura vertical que indica a maneira pela qual a porccedilatildeo do leacutexico selecionada
formando uma word list ou nomenclatura estaacute organizada lematizada e ordenada) e a
microestrutura (estrutura horizontal referente agrave maneira pela qual um verbete eacute organizado
internamente se haacute apenas a definiccedilatildeo e ou equivalentes ou se haacute informaccedilotildees adicionais agrave
definiccedilatildeo dos verbetes como transcriccedilatildeo foneacutetica etimologia acentuaccedilatildeo classe gramatical
imagens ou explicitaccedilatildeo de questotildees sintaacuteticas se constam siacutembolos de ordenamento
ilustraccedilotildees se haacute tratamento para sinoniacutemia antoniacutemia hiperoniacutemia eou hiponiacutemia) sendo
que a macroestrutura agraves vezes pode ser interrompida por elementos como caixas de textos
com informaccedilotildees culturais que compotildeem o que se chama de middle structure ou pela medio
estrutura de remissivas ou informaccedilotildees cruzadas (com instruccedilotildees como como ―ver tabela 10
veja caderno) Eacute essa divisatildeo que estaraacute em nossa mente na proposta dos verbetes sobre as
borboletaslsquo juruna expostos na uacuteltima seccedilatildeo
Aliaacutes para discorrer agora sobre os elementos caracteriacutesticos de uma obra que aborde
o leacutexico para aleacutem da condensaccedilatildeo todas as obras sobre leacutexico tecircm em maior ou menor grau
certa redundacircncia formas que exercem funccedilotildees (jaacute que uma forma como sf num verbete
―euforia sf euforia tecircm a funccedilatildeo de organizar o verbete dizendo que isto eacute uma referecircncia a
euforia e que o que for anterior agrave abreviatura pertence a esta classe de palavras) e um
direcionamento
Quanto ao uacuteltimo elemento pode-se dizer que ele versa sobre o fato de que cada
informaccedilatildeo microestrutural estaacute relacionada direcionada orientada a algo e isso deve estar
muito claro Em verbetes polissecircmicos que contenham sinocircnimos e exemplos deve estar claro
se eles se referem ao lema geral ou a uma acepccedilatildeo especiacutefica sendo neste caso tambeacutem
transparente qual acepccedilatildeo eacute esta
Jaacute o primeiro dos elementos comentados anteriormente tambeacutem deveria ser
aproveitado didaticamente de modo a produzir obras que natildeo fossem prolixas de tatildeo
redundantes mas que tambeacutem natildeo considerassem como compartilhadas informaccedilotildees que o
usuaacuterio natildeo possui Eacute oacutebvio para um falante de espanhol que a maioria das palavras de sua
liacutengua terminadas em ndasha satildeo femininas Marcar isso por meio de sf portanto esconde um
grau de redundacircncia Mas isso natildeo seria tatildeo redundante para um aprendiz de espanhol cuja
liacutengua materna natildeo distinguisse morfologicamente masculino de feminino e eacute por isso que a
informaccedilatildeo de gecircnero para substantivos eacute muito mais relevante (e menos redundante) neste
segundo caso
62
Vale comentar tambeacutem que como atesta Nadin (2018) enquanto obras monoliacutengues
tenham definiccedilotildees metalexicograacuteficas para definir as entradas as biliacutengues normalmente se
utilizam de equivalentes e as semibiliacutengues mesclam ambos os elementos
Com relaccedilatildeo a esse assunto cabe dizer que ao comentar sobre enunciados
definitoacuterios Krieger e Finatto (2004) postulam a existecircncia de alguns sub-tipos a saber a
definiccedilatildeo terminoloacutegica a lexicograacutefica a loacutegica e a explicativa ou enciclopeacutedica A primeira
seria a restrita a termos teacutecnico-cientiacuteficos Jaacute a segunda seria a responsaacutevel pelas palavras de
modo geral Na terceira haveria a proposiccedilatildeo de um valor de verdade e na uacuteltima vaacuterias
informaccedilotildees sobre determinado item
Vale ressaltar que como expotildeem os referidos linguistas a definiccedilatildeo tradicional
(tambeacutem chamada de loacutegica) remonta a Aristoacuteteles e agraves categorias de gecircnero proacuteximo
(―porccedilatildeo da definiccedilatildeo que expressa a categoria ou classe geral a que pertence o ente definido
(KRIEGER e FINATTO 2004 P 93) e diferenccedila especiacutefica (―[] eacute a indicaccedilatildeo da(s)
particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relaccedilatildeo aos outros de uma mesma classe)
Um liquidificador por exemplo estaria dentro do gecircnero proacuteximo dos eletrodomeacutesticos mas
difere de uma geladeira na funccedilatildeo de liquidificar alimentos
Aleacutem dessas Abreu (2009) fala das expressivas e das etimoloacutegicas Enquanto estas
uacuteltimas seriam embasadas na origem dos itens lexicais (como definir aacutetomo como aquilo que
vem de a+tomo equivalendo a o que natildeo se pode definirlsquo) as primeiras seriam relativas a
opiniotildees subjetivas (como por exemplo definir chuva como um estado que espelha meu
vazio interior e minha melancolialsquo) proacuteximas ao que Pierce denomina como siacutembolos em
terceiridade O autor ainda nomeia como normativas o que Krieger e Finatto chamam de
definiccedilotildees terminoloacutegicas que
[] indicam o sentido que se quer dar a uma palavra em um determinado discurso e
dependem de um acordo feito com o auditoacuterio Um meacutedico poderaacute dizer por
exemplo - Para efeito legal de transplante de oacutergatildeos vamos considerar a morte do
paciente como desaparecimento completo da atividade eleacutetrica cerebral (ABREU
2009 p 57)
Ainda nesse intuito de estabelecer tipologias de definiccedilotildees Borges (1982) alerta que
haacute sobretudo dois criteacuterios nos quais um autor pode se basear para fazer definiccedilotildees por um
lado a natureza da metalinguagem empregada e por outro a natureza do que eacute definido bem
como qual informaccedilatildeo eacute veiculada na definiccedilatildeo
Dentro do primeiro criteacuterio ele distingue as parafraacutesticas tambeacutem chamadas de
definiccedilotildees propriamente ditas das metalinguiacutesticas Entre as segundas satildeo alocadas as
―definiccedilotildees de itens mais gramaticais como conjunccedilotildees e artigos que na verdade em vez de
63
veicularem significados natildeo passam de explicaccedilotildees especificaccedilotildees do comportamento
morfo-sintaacutetico da classe aleacutem daquelas em que se utilizam foacutermulas como ―se diz de
―referente ou pertencente a ―aplica-se a e das que na verdade satildeo exemplos (eacute este o
caso de uma definiccedilatildeo de quadrado como bdquoum quadrado tem quatro lados e quatro acircngulos)
Jaacute entre as primeiras estariam as hiperoniacutemicas (as aristoteacutelicas comentadas anteriormentes
ou ainda aquelas em que metonimicamente se define a entrada como ―uma das partes de um
conjunto x) as sinoniacutemicas antoniacutemicas (dentre as quais ocorre uma biparticcedilatildeo interna entre
as negativas que representam conceitos como ―carecircncia ―defeito ou ―ausecircncia de algum
elemento e as estabelecidas em conjuntos de contraacuterios como definir solteiro como aquele
que natildeo estaacute casadolsquo)
Ainda no grupo das parafraacutesticas tambeacutem existiriam ndash segundo Borges (1982)- a
definiccedilatildeo serial (estabelecedora de uma escala na qual se distribui o lema sejam elas ciclos
como manhatilde-tarde-noite segunda-terccedila-quarta cadeias como chefe-empregado ou redes
como os termos de parentesco) a mesoniacutemica (na qual se define uma entrada colocando-a
numa posiccedilatildeo intermediaacuteria ou exclusiva entre duas outras coisas como definir casado como
aquele que natildeo estaacute nem casado e nem comprometido de nenhuma outra forma amorosa com
outrem) ou ostensiva (quando se define a entrada fazendo alusatildeo a algum elemento material
possuidor de uma propriedade que lhe eacute caracteriacutestica como ocorre em azul eacute a cor do ceacuteu
limpolsquo)
Jaacute no segundo grupo o autor aloca as enciclopeacutedicas (com muitas informaccedilotildees aleacutem
do sistema da liacutengua com aportes do mundo extra-linguiacutestico referentes a aspectos culturais
histoacutericos geograacuteficos das entradas que natildeo se restringiriam agrave significaccedilatildeo lexicograacutefica do
lema)
Nesta questatildeo ele salienta que nem sempre eacute faacutecil dizer ateacute que ponto uma definiccedilatildeo eacute
ou natildeo ―excessivamente enciclopeacutedica (no sentido de ter informaccedilotildees demais que sobrariam
ao consulente tornando-se um empecilho agrave busca desejada)
[] se a suposta brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica se opotildee por razotildees praacuteticas agrave
complexidade da definiccedilatildeo enciclopeacutedica natildeo teriacuteamos nenhuma base teoacuterica para
diferenciaacute-las o que nos levaraacute a considerar as definiccedilotildees lexicograacuteficas como
simples definiccedilotildees enciclopeacutedicas abreviadas arbitrariamente Eacute impossiacutevel []
diferenciar o que um dicionaacuterio deveria dizer da palavra cavalo [] do que deve
dizer uma enciclopeacutedia sobre o objeto cavalo Ainda que as descriccedilotildees dos
significados das unidades leacutexicas devam utilizar conceitos semacircnticos (sinoniacutemia
hiperoniacutemia inversatildeo etc) e natildeo propriamente descriccedilotildees do mundo
extralinguiacutestico na praacutetica estes conceitos natildeo equivalem [] a mais que uma parte
miacutenima da informaccedilatildeo que se proporciona [] Se disseacutessemos que o dicionaacuterio
proporcionaraacute uma definiccedilatildeo natildeo-enciclopeacutedica da palavra cavalo [] ou seja se
quiseacutessemos que a informaccedilatildeo reportada fosse estritamente lexicograacutefica
64
deveriacuteamos limitar-nos [] a uma definiccedilatildeo tatildeo vazia como esta ―Cavalo animal
chamado ―cavalo (BORGES 1982 p 114)
Aqui vale ressaltar que concordamos com a opiniatildeo veiculada na citaccedilatildeo anterior
pois como jaacute se expocircs anteriormente sobretudo quando fizemos eco agraves consideraccedilotildees de
Galisson (1987) existem itens lexicais mais e menos carregados quanto a questotildees culturais
do povo que fala a liacutengua que estaacute sendo recortada na obra lexicograacutefica
Ademais a referida ―brevidade da definiccedilatildeo lexicograacutefica relaciona-se com o caraacuteter
de condensaccedilatildeo que eacute (em maior e menor grau) caracteriacutestico de obras chamadas de
―dicionaacuterios haja vista que por exemplo num verbete como ―umbigo sm cicatriz resultante
do corte efetuado no nascimento do cordatildeo umbilical estatildeo condensadas e codificadas as
informaccedilotildees de que o lema umbigo estaacute em portuguecircs tem nesse idioma trecircs siacutelabas eacute ainda
nessa liacutengua um substantivo masculino cujo significado eacute cicatriz resultante do corte
efetuado no nascimento do cordatildeo umbilicallsquo
Assim o ―excesso ou ―falta de carga cultural num verbete vai ser definido pelo
objetivo a que a obra se destina segundo quem a idealizou e agrave duacutevida que motiva o consulente
a folheaacute-la sendo nesse sentido mesmo que minimamente relacional na medida em que
para um estudante de biologia que necessita realizar um trabalho da aacuterea uma definiccedilatildeo de
girassol como ―tipo de flor seraacute muito pobre ao passo que definir a mesma planta como
angiosperma ornamental de sementes oleaginosas cujas flores se voltam para o Sol
normalmente localizada em tais e tais regiotildees com florescecircncia em tais e tais eacutepocas do anolsquo
traz informaccedilotildees extralinguiacutesticas (e terminoloacutegicas especiacuteficas) demais para algueacutem como
um estrangeiro que queria apenas saber o referente e para o qual uma imagem ilustrativa
talvez fosse mais uacutetil Isso tambeacutem eacute uma das questotildees com as quais tivemos que nos deparar
na elaboraccedilatildeo da proposta inicial dos verbetes (que pode ser vista nas paacuteginas subsequentes)
Fechado esse parecircntese cabe voltar agraves asserccedilotildees de Borges (1982) para quem
existiriam ainda nesse segundo grupo de definiccedilotildees propriamente ditas as explicativas
(usadas em termos como correr afaacuten e sencillo que ―[] delimitam os conceitos ou refletem
a essecircncia de uma determinada categoria que o falante pode conhecer ainda que natildeo saiba
definir (BORGES 1982 p 116)) e as construtivas (responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de um termo e
de um conceito a partir de um significado complexo como ocorre na alteraccedilatildeo ou criaccedilatildeo de
termos linguiacutesticos como morfema paradigma)
65
32 Embamentos teoacutericos de nossa metodologia
Para voltarmos agrave discussatildeo inicial e jaacute introduzir opiniotildees teoacutericas que justificaram a
metodologia por noacutes adotada em campo eacute vaacutelido mencionar o caraacuteter inquestionaacutevel da
capacidade humana de relacionar elementos por meio de analogias de semelhanccedilas e de
agrupar esses itens semelhantes numa categoria que eacute adicionada agrave memoacuteria de longo prazo e
acaba virando um conceito Contudo como jaacute haviacuteamos afirmado em Mateus (2017) isso
acabou desembocando numa tendecircncia de tentar dividir o mundo em categorias estanques e
natildeo-relacionadas (espeacutecies de gavetas completamente independentes entre si) que passaram a
ser vistas como ―corretas e ―imutaacuteveis - embora estas tenham sido construiacutedas soacutecio-
histoacuterico-ideologicamente e natildeo deem conta da total complexidade dos fatos naturais isso
com relaccedilatildeo a diversas variaccedilotildees (linguiacutesticas de gecircnero de fisionomia dos corpos humanos
eou eacutetnicas) O que natildeo se encaixa nessas categorias por ser diferente - ou seja um ―outro-
infelizmente passa a ser tido como ―estranho ―problemaacutetico ―incorreto e a gerar medo
hostilidade aversatildeo Muitas vezes ao entrarmos em contato com um povo distinto do nosso e
descrevecirc-lo seguimos essa tendecircncia tomando nosso grupo como centro e pensamos
sentimos e avaliamos o outro povo como ―engraccedilado ―ininteligiacutevel ―anormal ―absurdo
enquanto para noacutes a nossa proacutepria forma de ver o mundo seria ―a mais adequada ―a uacutenica
possiacutevel a ―normal ou ndash o que eacute pior- a ―superior ndash uma postura lamentaacutevel definida por
Guimaratildees Rocha (1984) como etnocecircntrica
O referido antropoacutelogo aliaacutes discorre (em seu livro ―O que eacute etnocentrismordquo) sobre
momentos e visotildees de ―cultura pelos quais a Antropologia haveria passado na tentativa de
refletir cientificamente sobre as diferenccedilas entre os humanos e sobre como o etnocentrismo
foi ao longo do tempo superado ao menos dentro de pesquisas antropoloacutegicas Em outras
palavras mesmo investigaccedilotildees que se querem ―cientiacuteficas agraves vezes assumem posturas
etnocecircntricas que precisam ser superadas
Segundo esse mesmo autor entre os seacuteculos XV XVI e XVII as grandes Navegaccedilotildees
e o decorrente estabelecimento de metroacutepoles europeias e de colocircnias americanas abrem
caminho para que o ―velho continente europeu (o ―eu) fique perplexo ao encontrar com o
―novo continente (um ―outro diferente em muitos aspectos desse ―eu) Jaacute no seacuteculo XIX
teria ainda na oacutetica de Guimaratildees Rocha (1984) predominado um ―etnocentrismo traduzido
na sociedade do ―eu como o estaacutegio mais adiantado e a sociedade do ―outro como o estaacutegio
mais atrasado (ROCHA 1984 p 26) tambeacutem chamado de evolucionismo
Diferente disso o que Guimaratildees Rocha (1984) propotildee sobretudo para investigaccedilotildees
cientiacuteficas eacute que um determinado ato do povo em estudo seja relativizado entendido por seu
66
contexto e que a diferenccedila em vez de ser transformada em hierarquia (qualificada por polos
como bem X mal superior X inferior) seja vista como uma riqueza justamente por ser
diferenccedila
Ainda nessa mesma esteira de maior relativizaccedilatildeo ndash para usar um dos termos
trabalhados por Guimaratildees Rocha (1984) - Campos (2001) recomenda que os pesquisadores
quando em trabalho de campo assumam uma postura trans e interdisciplinar e transformem
ciclicamente o que lhe era ―familiar em ―estranho e o que era ―estranho em ―familiar
despindo-se ao maacuteximo possiacutevel de suas proacuteprias lentes culturais a fim de tentar enxergar o
mundo da maneira pela qual o povo pesquisado o recorta Dizendo de outro modo para uma
pesquisa eacute preciso que os saberes praacuteticas e costumes naturais para o informantegrupo
estudado sejam ―estranhados pelo pesquisador no sentido de despertar curiosidade de
investigaccedilatildeo mas este natildeo deve distorcecirc-los (a ponto dos informantes natildeo se reconhecerem na
descriccedilatildeo realizada) e nem os avaliar pejorativamente como ―loucos ―masoquistas
―abominaacuteveis Muito pelo contraacuterio deve considerar natural que haja formas de enxergar o
mundo distintas da sua afinal as vaacuterias comunidades humanas satildeo diferentes entre si o que
aliaacutes natildeo as torna piores e nem melhores umas em relaccedilatildeo agraves outras
Campos (2001) faz ainda uma criacutetica agrave denominaccedilatildeo de etno-x dada por exemplo agraves
descriccedilotildees dos muacuteltiplos conhecimentos afro-indiacutegenas Segundo ele isso configuraria uma
comparaccedilatildeo ndash mesmo que natildeo intencional - com o referencial teoacuterico-metodoloacutegico de aacutereas
das ciecircncias da sociedade ocidental ―tradicional (como Astronomia Botacircnica e
Musicologia) seguida de um julgamento injustificado do conhecimento afro-indiacutegena como
apenas ―aceitaacutevel ―inferior e ateacute mesmo ―menos cientiacutefico ateacute porque embora natildeo exista
um isomorfismo total entre as praacuteticas saberes teacutecnicas e ferramentas de um meacutedico e as de
um xamatilde por exemplo natildeo existe de acordo com Campos (2001) hierarquia horizontal entre
elas pois as do segundo natildeo satildeo de modo algum ―inferiores agraves do primeiro
Mas infelizmente essas natildeo satildeo as uacutenicas apariccedilotildees do etnocentrismo na ciecircncia pois
haacute pesquisas que etnocentricamente buscam a si mesmas no outro na medida em que
focalizam previamente o saber do outro ―recortando-se de iniacutecio muito do que se quer
deliberadamente encontrar (CAMPOS 2001 p 48) A tiacutetulo de exemplo de tais teacutecnicas natildeo
muito interessantes podemos citar ndash retomando nossas consideraccedilotildees feitas em Mateus
(2017)- algumas investigaccedilotildees linguiacutesticas que se limitam a tentar encontrar equivalentes para
as expressotildees portuguesas ―lua nova ―lua cheia (mesmo que essas fases natildeo existam para a
comunidade em estudo) em vez de tentar entender como essa comunidade percebe elementos
cosmoloacutegicos como a lua como (e se) a divide em fases quais estrelas enxerga de que
67
maneira as liga e se esses astros tecircm alguma relaccedilatildeo com mitos eou danccedilas festividades ou
ainda investigaccedilotildees reduzidas a simples listas de palavras com a nomenclatura dada pela
nossa medicina ocidental a remeacutedios e a doenccedilas de uma determinada regiatildeo que devem ser
―traduzidas pelos informantes em vez de tentar averiguar como esses informantes
compreendem as doenccedilas a que satildeo acometidos quais explicaccedilotildees datildeo para elas com que
plantas instrumentos cerimocircnias as tratam quem satildeo os responsaacuteveis pelo tratamento
Lamentavelmente para retomar uma dicotomia de Pike (1966 1971) teacutecnicas e
metodologias como estas natildeo abordam o eacutetico (todas as realizaccedilotildees possiacuteveis) em
profundidade e natildeo atingem o ecircmico (as abstraccedilotildees o que determinada realizaccedilatildeo significa no
sistema daquele povo qual a relaccedilatildeo (de oposiccedilatildeo ou variaccedilatildeo) uma dada realizaccedilatildeo tem em
relaccedilatildeo a outras) muito em razatildeo de poderem gerar vocaacutebulos ―maquiados que os
informantes natildeo utilizam efetivamente em seu dia a dia (decalques) ou ainda fazer com que o
―outro passe a ser preconceituosamente visto como ―deficiente provido de uma ―lacuna de
algo que seria ―necessaacuterio caso algum desses elementos de nossa liacutenguacultura natildeo exista
na liacutenguacultura em investigaccedilatildeo
Assim tais teacutecnicas limitadas foram evitadas em campo e outros procedimentos foram
pensados
3 2 1 As Ciecircncias do Leacutexico onde alocar a Terminologia Entnograacutefica de
Fargetti (2018)
Feitas as ressalvas da subseccedilatildeo anterior vale retornar agraves outras aacutereas teoacutericas da
pesquisa iniciando pela TE e para tanto discorramos primeiramente sobre o grande campo
das ciecircncias do Leacutexico no qual ela pode ser alocada
Baseando-se nas asserccedilotildees de Krieger e Finatto (2004 e Welker (2004)) pode-se dizer
que no que concerne agraves ciecircncias do leacutexico haveria duas primeiras dicotomias que giram em
torno das oposiccedilotildees Estudo Teoacuterico e Praacutetica de um lado e sistema geral da liacutengua e aacuterea de
especialidade de outro
Nesse sentido segundo os referidos autores a face teoacuterica das averiguaccedilotildees cientiacuteficas
dos componentes gerais e natildeo-especializados do leacutexico de determinada liacutengua (conhecida
como Lexicologia) teria como contraponto praacutetico a Lexicografia (confecccedilatildeo ou anaacutelise
criacutetica de obras lexicograacuteficas) da maneira anaacuteloga ao fato de a Terminologia (parte reflexiva
de investigaccedilatildeo teoacuterica sobre os componentes lexicais especializados de aacutereas especiacuteficas do
conhecimento) ter sua concretizaccedilatildeo praacutetica nos produtos de estudos da Terminografia
68
(dicionaacuterios teacutecnicos enquanto produtos empiacutericos vocabulaacuterios enquanto obras impressas
eou digitais)
Vale ressaltar que usamos anteriormente ―obras lexicograacuteficas porque ndash a despeito do
que se pensa no senso comum (no qual se usa dicionaacuterio para nomear toda e qualquer obra
sobre leacutexico)- nem todas as obras lexicograacuteficas satildeo ―dicionaacuterios pois ndash na esteira das
afirmaccedilotildees de Barbosa (2001 apud MATEUS 2017)
[] um ―dicionaacuterio estaria no niacutevel do sistema trabalhando (sob uma perspectiva
diacrocircnica diatoacutepica diafaacutesica e diastraacutetica) natildeo soacute com o leacutexico disponiacutevel como
tambeacutem com o virtual tendo uma unidade com significado abrangente e frequecircncia
regular (o lexema) apresentando assim ao menos teoricamente todas as acepccedilotildees
possiacuteveis de um mesmo verbete Jaacute um ―vocabulaacuterio apresentaria (sob uma
perspectiva sincrocircnica e sinfaacutesica) todas as acepccedilotildees de um verbete inserido numa
dada aacuterea de especialidade trabalhando portanto no niacutevel da norma com conjuntos
que se manifestam nessa aacuterea de especialidade com uma unidade com significado
restrito embora com alta frequecircncia (o vocaacutebulo ou termo) E por fim trabalhando
com conjuntos presentes em um uacutenico texto especiacutefico um ―glossaacuterio estaria mais
no niacutevel da fala por adotar uma perspectiva sincrocircnica sintoacutepica sinstraacutetica e
sinfaacutesica e apresentar uma uacutenica acepccedilatildeo do verbete (inserido dentro de um contexto
especiacutefico) uma vez que trabalha o leacutexico de uma obra ou de um texto especiacutefico
com uma unidade com significado tambeacutem especiacutefico e uma uacutenica apariccedilatildeo (a
palavra ou glossa) (MATEUS 2017 p 32)
E jaacute que estamos discorrendo sobre leacutexico passamos a discorrer sobre a Ciecircncia que
estuda os itens leacutexicos enquanto termos de aacutereas de especialidade sob diferentes recortes
explicitando em qual deles nos alocamos
Embora natildeo seja o intuito desta seccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo exaustiva de todas as
vertentes da aacuterea da Terminologia (ateacute porque isso seria inviaacutevel e excederia o escopo deste
trabalho e para uma visatildeo panoracircmica mais abrangente das correntes histoacutericas da
Terminologia o leitor pode ver Silva O (2008)) pretendemos explicitar as concepccedilotildees por
traacutes da Terminologia Etnograacutefica elaborada por nossa orientadora com que conceitos e
afirmaccedilotildees de outras teorias ela se relaciona ou diverge
Para tanto fazemos uma retomada das consideraccedilotildees de Pereira (2018) que em sua
dissertaccedilatildeo de mestrado aborda as muacuteltiplas correntes da Terminologia ao longo dos seacuteculos
Ela inicia suas explanaccedilotildees discorrendo sobre a Escola Russa representada pelos
estudos na entatildeo Uniatildeo Sovieacutetica encabeccedilados e iniciados por Dimitrii Lotte e Serguei
Chapliguin de sistematizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de conceitos teacutecnico-cientiacuteficos (em prol de
facilitar a comunicaccedilatildeo entre os mais variados teacutecnicos e especialistas) bem como o
estabelecimento de princiacutepios norteadores da seleccedilatildeo de termos a serem adicionados em
definiccedilotildees
69
Apesar de nesse sentido haver certa proximidade com os postulados de Wuumlster (que
seratildeo comentados a seguir) haacute ndash ao mesmo tempo- um notoacuterio afastamento pois de maneira
diferente da TGT os estudiosos dessa Escola concebiam os termos como integrantes
(inseridos dentro) da liacutengua que estariam portanto sob a eacutegide dos mesmos processos
transformacionais pelos quais ela passaria chegando a reconhecer ateacute mesmo sinocircnimos e
elementos polissecircmicos O proacuteprio Lotte como afirma Pereira (2018) ndash ainda defenderia
ideias que desabrochariam na Teoria Comunicativa da Terminologia como a possibilidade de
variaccedilatildeo nos termos sua atuaccedilatildeo em contextos distintos e os processos de banalizaccedilatildeo pelos
quais eles seriam inseridos agrave liacutengua comum
Uma segunda Escola mencionada pela mesma pesquisadora eacute a Checoslovaca com
destaque para a Teoria da Terminologia de Lubomir Drozd para a qual os objetos de estudos
satildeo concebidos como questotildees exteriores agrave liacutengua geral concernentes a alguma liacutengua
profissional especializada (vista quase que semelhante a um estilo ou a algo artificial no
sentido de formalizado trabalhado natildeo natural) cujos significados emergiriam apenas na
relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo com outros elementos
Seguindo suas exposiccedilotildees Pereira (2018) traz ainda questotildees relativas agrave chamada
―Escola Austriacuteaca e agrave Teoria Geral da Terminologia do engenheiro eletrocircnico Wuumlster
Com um intuito prescritivo de normalizaccedilatildeo (fazer com que qualquer pessoa em
qualquer regiatildeo do globo soubesse o que eacute determinado termo apoacutes seu sentido especializado
ser estabelecido) a TGT surge da necessidade de se descrever os termos especiacuteficos das
ciecircncias e assim em sua oacutetica o termo teria um equivalente uacutenico natildeo sendo admitidos nem
a sinoniacutemia nem a homoniacutemia polissemia para termos pois estes seriam independentes de
outros elementos e estariam agrave margem de fenocircmenos atuantes na liacutengua geral jaacute dela natildeo
participariam
Em outros termos
A TGT caracteriza-se portanto por ser uma proposta teoacuterica de ordem prescritiva
Entre suas caracteriacutesticas principais destaca-se a monorreferencialidade do termo
ou seja cada termo designa um uacutenico conceito e vice-versa Para o autor natildeo se
pode admitir em Terminologia qualquer ambiguumlidade Fenocircmenos como a sinoniacutemia
e a polissemia satildeo inaceitaacuteveis
Os defensores da TGT acreditam tambeacutem que um dos aspectos mais relevantes
para os estudos terminoloacutegicos eacute o conceito O trabalho terminoloacutegico parte entatildeo
do conceito para a designaccedilatildeo isto eacute trabalho de ordem onomasioloacutegico Acredita-
se ainda que a Terminologia enquanto disciplina eacute autocircnoma e auto-suficiente ou
seja com fundamentos proacuteprios natildeo dependendo de outras disciplinas
Assim a TGT entende a Terminologia como uma disciplina autocircnoma cujo objeto eacute
os termos teacutecnico-cientiacuteficos Estes satildeo entendidos como unidades especiacuteficas de um
acircmbito de especialidade e satildeo definidos como unidades semioacuteticas compostas de um
conceito e de uma denominaccedilatildeo Trata-se do princiacutepio da univocidade um dos
aspectos mais relevantes para a TGT [] O princiacutepio fundamental do termo era
70
portanto o da invariacircncia conceitual da monossemia e da monorreferencialidade
Um termo podia nomear apenas um conceito Para cada conceito dado estabelecia-se
e se padronizava um dado termo natildeo se permitindo variaccedilotildees Estas caracteriacutesticas
diferenciavam explicitamente termo de palavra pois enquanto a palavra estava
aberta a todo tipo de influecircncia (social histoacuterica ideoloacutegica etc) o termo se
fechava para os defensores da TGT em um domiacutenio do conhecimento e se tornava
isento de tais influecircncias (SILVA 2008 p 67-69)
Exemplificando essas questotildees com palavras de nossa orientadora (em comunicaccedilatildeo
pessoal) pode-se dizer que enquanto sangue no uso comum (niacutevel do sistema natildeo-
especializado) teria muitas possibilidades semacircnticas de uso (faltou sangue dar o sangue
doar sangue) para uma obra Terminograacutefica da aacuterea da Hematologia haveria ndash ainda de
acordo com a TGT (para a qual como atesta Silva (2008) os termos natildeo seriam mais que
etiquetas ou roacutetulos de denominaccedilatildeo agrave parte das variabilidades de sentido do leacutexico geral)-
todos os muacuteltiplos sentidos do uso comum cederiam lugar ao uacutenico sentido especiacutefico para
esta aacuterea na medida em que ―[] supotildee-se que um termo somente pertence a um campo
especializado e que cada especialidade tem seus proacuteprios termos que natildeo compartilha com
outra especialidade (CABREacute 1999 p 115)
Ainda dentro da TGT eacute necessaacuterio explicitar tambeacutem a distinccedilatildeo entre normalizar e
normatizar O primeiro dos elementos refere-se de acordo com Fargetti (em comunicaccedilatildeo
pessoal) ao processo de tornar normal algo que nos era ―estranho no sentido de trazer para
nossa cultura um dado conhecimento de outro povo que ateacute entatildeo ignoraacutevamos normalmente
por um neologismo empreacutestimo Jaacute o segundo seguindo a mesma pesquisadora eacute o resultado
do processo por meio do qual uma descriccedilatildeo de um termo vira norma prescriccedilatildeo como
quando numa situaccedilatildeo hipoteacutetica em que haacute muita variaccedilatildeo entre as definiccedilotildees dos
especialistas do que seria cardiopatia haacute uma reuniatildeo para decidir e postular qual seraacute o
sentido desse termo dentre os que estatildeo circulando
Embora sejam inegaacuteveis as contribuiccedilotildees de tal Teoria para os estudos da aacuterea com o
tempo ela se mostrou limitada justamente por conceber o saber cientiacutefico como algo
homogecircneo estaacutevel e universal dividido entre Terminologias (Biologia Fiacutesica Quiacutemica
Astronomia) universais estanques e natildeo-relacionadas entre si Tal fator problemaacutetico
[] daacute agrave teoria uma postura reducionista frente aos fenocircmenos inerentes agrave
comunicaccedilatildeo especializada Entende-se por postura reducionista o fato de os
defensores da TGT reduzirem o termo agrave condiccedilatildeo puramente denominativa ou seja
para eles os aspectos sintaacuteticos comunicativos e a variaccedilatildeo formal e conceitual do
termo natildeo satildeo relevantes pois o termo eacute um roacutetulo que serve para identificar um
conceito previamente existente Desse modo fenocircmenos como a percepccedilatildeo que cada
povo possui da realidade contextos socioculturais aacutereas geograacuteficas e as diferentes
realidades natildeo interfeririam nos conceitos (SILVA 2008 p 69)
71
Mas para aleacutem dessas visotildees tradicionais o panorama atual tem levado a
Terminologia para outros rumos que tencionam superar as limitaccedilotildees comentadas
anteriormente
Um deles como expotildee ainda a mesma autora comentada anteriormente fazendo eco agraves
consideraccedilotildees de Gaudin (2005) eacute o da Socioterminologia que se preocupa como os
significados e conceptualizaccedilotildees subjacentes aos termos em como eles circulam socialmente
(quais os sinocircnimos os semas os homocircnimos as condiccedilotildees de circulaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo no
uso especializado ou na banalizaccedilatildeo destes elementos que satildeo considerados elementos
linguiacutesticos)
Outra vertente atual eacute a Etnoterminologia que centra seu escopo em esferas culturais
especiacuteficas e nos discursos nelas produzidos estudando por exemplo a literatura ou
[] a norma relativa ao estatuto semacircntico sintaacutetico e funcional do conjunto das
unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literaacuterios no
acircmbito da cultura brasileira Essas unidades tecircm sememas muito especializados
construiacutedos com semas especiacuteficos do universo de discurso em causa provenientes
das narrativas cristalizados tornando-se verdadeiros siacutembolos dos temas
envolvidos (BARBOSA 2007 p434 apud PEREIRA 2018 p 28)
Podem-se citar ainda a Teoria Sociocognitiva da Terminologia de Temmerman (2000)
que se apoacuteia nas consideraccedilotildees de Lakoff (1987) sobre metaacuteforas e metoniacutemias e demais
relaccedilotildees cognitivas que estariam presentes nos termos e a Terminologia Cultural de Diki-
Kidiri (2007) que ―[] afasta-se do modelo proposto pela TGT justamente por focalizar a
cultura o que eacute considerado empecilho agrave univocidade e agrave exatidatildeo referencial dos termos
(PEREIRA 2018 p 29) pretendendo entender como uma sociedade se apropria de novos
saberes
Ademais outra Teoria de extrema relevacircncia foi a cunhada pelo grupo liderado por
Cabreacute que afirma serem os termos tambeacutem palavras (da liacutengua comum natildeo-especializada)
itens lexicais com distintas funccedilotildees embora nem todas as palavras sejam termos trazendo
assim a Terminologia para dentro da Linguiacutestica
Mas mesmo a criadora da TCT acreditava na existecircncia de ―uma ciecircncia universal
pois falava em uma Hematologia uma Biologia e natildeo em saberes muacuteltiplos a depender dos
vaacuterios povos humanos
De qualquer modo vale ressaltar que
[] Um dos pontos importantes da TCT eacute a ecircnfase na anaacutelise das unidades
terminoloacutegicas em seu uso real Trata-se de uma abordagem descritiva que se opotildee
agrave anaacutelise wuumlsteriana visto que esta partia de uma idealizaccedilatildeo dos conceitos para a
prescriccedilatildeo de termos Nesse tipo de anaacutelise descritiva conforme Cabreacute observa-se
que ―os dados terminoloacutegicos () satildeo menos sistemaacuteticos menos uniacutevocos e menos
72
universais que os observados por Wuumlster em seu corpus normalizado (CABREacute
2006) Na TCT existe uma valorizaccedilatildeo do componente linguiacutestico uma vez que a
Terminologia eacute integrada ao estudo do leacutexico As unidades terminoloacutegicas satildeo
agora consideradas como signos linguiacutesticos e como pertencentes agraves linguas
naturais Dessa forma as unidades terminoloacutegicas fazem parte da gramaacutetica de uma
liacutengua e tecircm assim propriedades de unidades linguiacutesticas Aleacutem disso as unidades
terminoloacutegicas natildeo satildeo concebidas como unidades essencialmente distintas das
palavras elas satildeo tratadas como valores especializados das unidades lexicais de uma
liacutengua ou seja uma unidade lexical natildeo eacute em si nem terminoloacutegica nem natildeo
terminoloacutegica ela pode adquirir valor terminoloacutegico (CABREacute 2006 apudMELO
DE OLIVERIA 2011 p 311)
Ou seja como expotildee Almeida (2006) natildeo existiria na oacutetica da TCT pelo menos natildeo
de saiacuteda uma oposiccedilatildeo entre termo e palavra (ateacute porque ambos estariam sob a eacutegide de um
uacutenico sistema linguiacutestico o portuguecircs no nosso caso) mas ndash em vez disso - haveria signos
linguiacutesticos que ndash a depender da situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo- se realizariam como termos ou
como palavras sendo que os primeiros estariam sob a eacutegide de um contexto temaacutetico de um
mapa conceitual especiacutefico dentro do qual ocupariam um lugar preciso que determinaria seu
significado
Aleacutem disso para a TCT os termos ndash em virtude de seu caraacuteter de poliedricidade (na
medida em que abrangem questotildees denominativas cognitivas e funcionais)- teriam natildeo
apenas uma funccedilatildeo representativa como tambeacutem comunicativa na medida em que fariam
parte de uma linguagem real de caracteriacutesticas pragmaacuteticas relacionadas a uma atividade que
ndash como postula Cabreacute (1999)- em vez de ser uniacutevoca estaacutetica apartada da liacutengua real in vitro
eacute viva mutaacutevel (in vivo) Em certa medida nosso posicionamento se aproxima com o
explicitado nesse paraacutegrafo Uma das poucas distinccedilotildees se refere ao fato de que natildeo
consideramos que haja uma uacutenica Biologia Universal e nem que nossos saberes sejam a
Ciecircncia mas sim que haja vaacuterias ―ciecircncias a depender do povo em estudo
De todo o modo feitas essas consideraccedilotildees pode-se entender porque Fargetti (2018)
apoacutes muitos anos de reflexatildeo sobre metodologias adequadas para o estudo de liacutenguas
minoritaacuterias como liacutenguas indiacutegenas denominou os estudos por ela encabeccedilados e propostos
de ―Terminologia Etnograacutefica Dentro do sintagma que nomeia tais estudos o substantivo
terminologia justifica-se pelo fato das pesquisas abordaram campos de saber juruna
especiacuteficos e o adjetivo etnograacutefica adveacutem dos passos para tentar se entender o outro Para a
autora em pesquisas da aacuterea seriam necessaacuterias a gravaccedilatildeo do conhecimento tradicional (seja
em aacuteudio ou viacutedeo) e posterior transcriccedilatildeo num verdadeiro diaacutelogo entre especialistas entre
um linguista e algueacutem da comunidade em questatildeo conhecedor do tema em estudo e que seja
indicado e autorizado pela proacutepria comunidade a comentar sobre esse assunto (FARGETTI
2018)
73
Aliaacutes cabe ressaltar que na oacutetica da referida linguista seria possiacutevel falar em
Terminologias para o estudo do leacutexico das liacutenguas indiacutegenas brasileiras pois
Apesar de reconhecer esse caraacuteter um tanto holiacutestico dos conhecimentos indiacutegenas a
autora natildeo concorda com o posicionamento de que esses saberes sejam ―natildeo-
cientiacuteficos e completamente indivisiacuteveis primeiro porque nossa orientadora
questiona a existecircncia de uma Ciecircncia Universal (em vez disso ela fala em
―ciecircncias) e segundo porque em sua opiniatildeo haveria liacutenguas de especificidade
entre esses saberes indiacutegenas (tatildeo relevantes quanto os nossos) pois haacute pessoas
nessas comunidades que satildeo especialistas em plantas medicinais outros satildeo
profundos conhecedores dos mitos e danccedilas outros das aves plantas comestiacuteveis
outros da muacutesica e assim sucessivamente E eacute exatamente por isso que a
pesquisadora considera que o estudo de acircmbitos temaacuteticos especiacuteficos dessas
―ciecircncias indiacutegenas torna possiacutevel se pensar numa subaacuterea da Terminologia por ela
denominada ―Terminologia Etnograacutefica [] Mas diferente da posiccedilatildeo da Teoria
Geral da Terminologia de Wuumlster que postula a monossemicidade do termo
alocando-o assim fora das liacutenguas naturais Fargetti (2015) [] aproxima-se mais da
Teoria Comunicativa da Terminologia de Cabret no que concerne agrave ―polissemia
constitutiva do termo segundo a qual os termos seriam sim integrantes da liacutengua
geral embora possam adquirir um sentido distinto das palavras quando inseridos
em dado contexto especiacutefico [] Para estudos sobre o leacutexico que culminem em
propostas lexicograacuteficas a TE natildeo veraacute outra possibilidade senatildeo descriccedilotildees
culturais detalhadas das entradas ateacute porque entre liacutenguas diferentes natildeo haacute
sinocircnimos perfeitos [] (MATEUS 2017 p 27-28)
Nesta esteira de pensamento pode-se afirmar que os saberes juruna acerca de
borboletaslsquo correspondem a uma aacuterea de especialidade (cuja descriccedilatildeo portanto seria
Terminoloacutegica) uma vez que a proacutepria comunidade indicou um velho que era profundo
conhecedor sobre o assunto dizendo que isso natildeo era dominado por todos
Cabe ressaltar por fim que os trabalhos do Grupo do qual fazemos parte natildeo se
baseiam em corpus preacute-estabelecidos porque infelizmente muitas vezes os estudos existentes
ou satildeo inconsistentes ou simples listas de palavras Nesses casos ao tentar averiguar questotildees
culturais por traacutes de elementos leacutexicos tambeacutem acabamos montando corpus natildeo soacute para as
nossas pesquisas mas ansiando que os dados coletados por cada pesquisa individual possam
contribuir e se converter em corpora para pesquisas futuras
Um uacuteltimo ponto a salientar eacute que o estudo terminoloacutegico aqui apresentado pretende
render contribuiccedilotildees de natureza terminograacutefica para o Dicionaacuterio biliacutengue Juruna-portuguecircs
que estaacute em elaboraccedilatildeo Utilizando-se das sub-categorias propostas por Welker (2004) pode-
se dizer que tal obra pretende abranger o leacutexico sincrocircnico atual da liacutengua juruna mas por
meio de contribuiccedilotildees de pesquisadores diversos que estudem as variadas aacutereas de
especialidade do povo em questatildeo (elementos musicais cosmoloacutegicos alimentares cultura
material aves reacutepteis mamiacuteferos etc) Assim seraacute uma produccedilatildeo com finalidade descritiva e
natildeo-normativa dividida em campos semacircnticos cujos lemas estaratildeo organizados
alfabeticamente em cada campo com uma direccedilatildeo monoescopal (lemas apenas em juruna)
74
endereccedilada sobretudo aos falantes de portuguecircs de modo a auxiliar no contato com saberes e
praacuteticas juruna acerca dos mais variados campos de especialidade
3 2 2 ldquoFalandordquo sobre metaacuteforas
Justificados assim os posicionamentos do Grupo Linbra frente agraves concepccedilotildees
tradicionais da Terminologia passamos a discorrer sobre Teoria conceptual da metaacutefora (que
nos seraacute uacutetil na tentativa de explicaccedilatildeo de uma das histoacuterias juruna sobre o que noacutes
denominamos como borboletaslsquo) Pode-se dizer que tal teoria tambeacutem eacute utilizada por
linguistas brasileiros como Abreu (2010) segundo o qual a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo
de caracteriacutesticas de domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo em cuja base estaacute um processo
de blending (tambeacutem chamado de mesclagem ou integraccedilatildeo conceptual) que promove
insights originados da aproximaccedilatildeo entre coisas e eventos feita por nossa mente Para Abreu
(2010) toda representaccedilatildeo indica uma integraccedilatildeo perceptual entre o que eacute representado e o
meio de representaccedilatildeo Eacute isso que ocorre ―quando ouvimos os sons de uma palavra e
atribuiacutemos a ela um sentido pois estamos fazendo uma integraccedilatildeo conceptual entre som e
sentido (ABREU 2010 p 27)
Quando algueacutem diz por exemplo que ―Meu curso estaacute um inferno haacute uma metaacutefora
pois temos dois domiacutenios (o curso e o inferno) Neste caso o que se pretendeu foi integrar
conceptualmente caracteriacutesticas de um em outro para enfatizar que naquela eacutepoca o curso
estava muito cansativo fastidioso um verdadeiro tormento tal qual se acredita ser o inferno
Cabe lembrar que elementos do frame de inferno como local subterracircneolsquo moradia dos
mortos corrompidoslsquo local quente e com fogolsquo satildeo desabilitados
Utilizando esquemas como esse pretendemos problematizar a questatildeo da existecircncia da
metaacutefora e como ela eacute compreendida na cultura juruna Ou seja pretendiacuteamos inicialmente
descobrir se haveria na oacutetica dos juruna algo de metafoacuterico nas histoacuterias sobre borboletas e
por que Afinal
[] as metaacuteforas satildeo elementos culturais que fazem sentido dentro das sociedades
em que ocorrem e natildeo deveriam ser impostas por outsiders que somos noacutes os
caraiacutebas dizendo que partem do pensamento da outra cultura Partem mesmo Ou o
pensamento do outro nunca foi metafoacuterico (FARGETTI 2015a p 103)
Segundo Abreu (2010 p 41) a metaacutefora seria uma transposiccedilatildeo de caracteriacutesticas de
domiacutenio de origem para um domiacutenio alvo subjazendo a um processo de blending e que na
interaccedilatildeo com o mundo (ao andar se movimentar por ele e perceber nele elementos
constantes) receberiacuteamos uma seacuterie de metaacuteforas chamadas de metaacuteforas primaacuterias como
75
―afeiccedilatildeo eacute quente ―felicidade positivo eacute para cima ―dificuldade satildeo pesos e ―importante eacute
grande
Tencionaacutevamos utilizar tais questotildees teoacutericas sobre metaacuteforas para analisar
construccedilotildees linguiacutesticas juruna nas quais as borboletas aparecessem Contudo com o decorrer
da pesquisa e em razatildeo de natildeo termos conseguido coletar tais construccedilotildees o uso desta teoria
alterou-se para a anaacutelise das histoacuterias miacuteticas acerca das borboletaslsquo sobretudo no fato de
uma delas ter de descerlsquo agrave Terra para realizar um trabalho de coleta como especificado na
seccedilatildeo seguinte
323 A relevacircncia da etnoentomologia
Cabe tambeacutem explicar a relevacircncia do primeiro dos pilares de sustentaccedilatildeo teoacuterica de
minha pesquisa Tendo tal intuito em mente pode-se dizer que ndash embora ainda levando em
consideraccedilatildeo as bem fundamentadas criacuteticas de Campos (2001) ao que ele denomina como
etno-X- o que se chama de ―Etnoentomologia (―estudo de como os insetos satildeo percebidos e
utilizados pelas populaccedilotildees humanas (COSTA NETO 2004 p 119)) eacute uma sub-aacuterea da
Etnozoologia definida por Costa Neto (2000 p 30-32) como averiguaccedilatildeo dos saberes e
praacuteticas zooloacutegicos de um povo especiacutefico dos modos de interaccedilatildeo de populaccedilotildees humanas
com a fauna sendo que a proacutepria Etnozoologia por sua vez seria de acordo com Posey
(1987 p 17) uma das aacutereas dos estudos ―dos saberes e praacuteticas zooloacutegicos de um povo
especiacutefico englobados na Etnobiologia (que de acordo com MOURAtildeO e NORDI (2002)
―[] estuda o modo como determinadas sociedades humanas ditas comunidades tradicionais
ou locais classificam identificam e nomeiam o seu mundo natural)
Sua relevacircncia para minha pesquisa deveu-se agraves noccedilotildees de que cada povo pode
recortar o mundo agrave sua maneira sendo que o item lexical ―inseto pode ser utilizado pelas
comunidades em estudos para designar animais de taacutexons diferentes da categoria Insecta de
nossa Biologia Ou seja como atestam Petiza et als (2013) e Mouratildeo da Silva e Nordi (2002)
os diferentes povos podem perceber e agrupar como ―insetos animais que nossa ciecircncia
bioloacutegica classifica como moluscos ou aracniacutedeos (e outros animais peccedilonhentos como
cobras)
Nesse sentido tambeacutem pretendeu-se estabelecer interfaces com a aacuterea conhecida como
classificaccedilatildeo folk que se refere agraves maneiras pelas quais os diversos agrupamentos humanos
olham cognitivamente para a natureza e sob quais princiacutepios reconhecem e agrupam
classificam os seres vivos baseando-se natildeo soacute em semelhanccedilas e distinccedilotildees morfoloacutegicas mas
tambeacutem em fatores de ordem cultural e econocircmico-ecoloacutegica (ABREU ET ALS 2011)
76
Assim pretendo responder quais animais os juruna percebem como borboletaslsquo
como as utilizam no seu dia-a-dia (se servem como alimento eou faacutermaco se haacute histoacuterias
rituais muacutesicas eou performances musicais a elas relacionados) e em que categoria eles as
agrupam (se as alocam no mesmo grupo de outros animais que noacutes denominamos de ―insetos
ou do que para noacutes seriam paacutessaros)
Ora natildeo podemos pressupor que os juruna classifiquem os animais de acordo com as
mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica atual pois ndash de acordo com Fargetti (em
comunicaccedilatildeo pessoal)- pode haver povos que por exemplo classificam o morcego como um
paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero em virtude do traccedilo [presenccedila de asa] Portanto eacute
extremamente relevante que tentemos entender em qual (quais) classe (s) de animais os juruna
alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se tais animais satildeo por eles vistos como
―insetos e se a classe insetos tem valor no sistema de classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios
utilizam para isso
Ou seja como propotildee Campos (2001) natildeo podemos focalizar previamente o saber do
outro recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar e por isso
Natildeo utilizamos como recomenda Fleck (2007) para as idas a campo uma lista de
espeacutecies esperadas Isso porque o conhecimento de nossa biodiversidade natildeo foi
totalmente registrado e o trabalho com os povos tradicionais pode trazer
informaccedilotildees desconhecidas pelos bioacutelogos como por exemplo a ocorrecircncia de
determinada espeacutecie naquela regiatildeo ou uma espeacutecie ainda natildeo catalogada
Portanto elaborar uma lista com base nos guias de campo ou mapas de
ocorrecircncia disponiacuteveis natildeo daria uma estimativa real das espeacutecies que poderiam ser
encontradas durante o levantamento [] com os Juruna (BERTO 2013 p 21)
Tendo isso em mente apoacutes as exposiccedilotildees das fotos das borboletas encontradas (como
se expotildee na seccedilatildeo de Metodologia) perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se haacute mais
algum animal aparentado aos que tinham sido registrados questionando por exemplo se eles
viam o que noacutes chamamos de ―libeacutelulas como animais aparentados ou como subtipos dos
animais que noacutes interpretamos como ―borboletas Mas essa hipoacutetese foi descartada e negada
por nosso informante
Por outro lado natildeo tentamos testar conjecturas como esta formulando perguntas que jaacute
levassem a certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo
que pode natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque produzido por
uma metodologia errocircnea (FARGETTI 2018)
De qualquer modo na esteira de Campos (2001) meu intuito era comparar a
classificaccedilatildeo juruna com a realizada pela nossa biologia atual (mas sem estabelecer nenhum
niacutevel de hierarquia entre ambas) ateacute porque tencionava me aproximar dos meacutetodos buscados
77
na Antropologia por Maacutercio Goldman (2017) em suas tentativas de estudar saberes africanos
e indiacutegenas a fim de estabelecer conexotildees com um desconhecimento fundamental (o
desconhecimento do pesquisador acerca do saber do outro)- natildeo desqualificado ndash ao mesmo
tempo- os povos em estudo contrapondo-se a teorias que ou tratavam o outro com indiferenccedila
ou com um lamentaacutevel evolucionismo etnocecircntrico ao pressupor ser possiacutevel lidar com a
diferenccedila apenas com toleracircncialsquo ou que postulavam existir sociedades de realidades
―inadequadas e outras de ―realidades incorretas ―deformadas ou pelas quais ―jaacute teriacuteamos
passado
Nesse sentido em vez da toleracircncia Goldman (2017) propotildee o respeito ateacute porque
tolerar eacute o mesmo que dizer que estaacute ―errado mas mesmo assim eacute aceitaacutevel Eacute justamente
por isso que Campos (2001) vai se opor agraves poliacuteticas de tolerar qualquer conhecimento natildeo-
ocidental taxando-o como ―etno-x (como se exporaacute na seccedilatildeo abaixo) Em vez de ―tolerar
religiotildees diferentes do catolicismo que para noacutes eacute dominante seria muito relevante respeitar
os saberes e praacuteticas religiosos de outros povos inclusive os afro-indiacutegenas Contudo essa
proacutepria palavra como o phaacutermakon grego pode tambeacutem ter o sentido natildeo soacute de remeacutedio mas
tambeacutem de veneno e por isso o respeito como uma oposiccedilatildeo como algo que se exige dos
outros tambeacutem natildeo eacute muito positivo se natildeo for uma obrigaccedilatildeo que temos com noacutes mesmos
Ateacute porque haacute certos limites que natildeo devem ser ultrapassados pelo menos de acordo
com Goldman (2017) Para ilustrar sua opiniatildeo ele chega a citar durante uma palestra a
anedota de Herzog de um americano que amava tanto os ursos que queria viver com eles mas
que por passar esse limite entre os humanos e animais acaba ironicamente morto por um dos
ursos que tanto idolatrava
Ou seja o posicionamento do professor pareceu ser contraacuterio tanto a uma
verticalizaccedilatildeo (que criaria ―superiores e ―inferiores) quanto a uma horizontalizaccedilatildeo (que
tentaria criar ―iguais) pois diferenccedilas para ele satildeo apenas diferenccedilas mas elas existem e
natildeo podem ser ignoradas
Assim em vez de ―explicar os saberes afro-indiacutegenas seria ndash na oacutetica do autor-
muito mais uacutetil e cientiacutefico tentar traduzi-los de forma respeitosa por meio de uma teoria que
lide com diferenccedilas colocando-as em relevo sem eclipsaacute-las sem que os discursos dos
antropoacutelogos e dos povos estudados se fundam em algo uacutenico (pois criar uma ordem nova e
uacutenica maior implica na dissoluccedilatildeo das especificidades) mas tambeacutem sem que eles se
aniquilem
Segundo Goldman (2017) Deleuze jaacute falava numa necessaacuteria minoraccedilatildeo subtraccedilatildeo da
variaacutevel dominante de um tema para que ganhassem forccedila as virtualidades que esse
78
dominante reprimia Assim para questotildees e pesquisas que tratassem de afro-indiacutegenas seria
relevante ndash na oacutetica do mesmo pesquisador- encontrar uma forma de ouvir o que esse afro-
indiacutegena tem a dizer sem o peso histoacuterico-ideoloacutegico da variaacutevel majoritaacuteria do branco sem
consideraacute-la como a uacutenica possiacutevellsquo e muito menos como a uacutenica verdadeiralsquo ateacute porque
uma nova possibilidade de pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de
outro povo esteja ―errada
Ou seja o que importariam de acordo com o mesmo palestrante seriam as
virtualidades dos encontros sem que uma ordem coacutesmica seja destruiacuteda procurando o que
eles (os afro-indiacutegenas) poderiam ter produzido (sem as influecircncias ndash por vezes danosas e
repressoras- do branco) e ainda podem produzir Num movimento de atualizar cacircnticos
danccedilas que estatildeo contidos atualizar virtualidades reprimidas ao longo da Histoacuteria
Em resumo como salienta muito bem Goldman (2017) as diferenccedilas natildeo deveriam
ser vistas como um impedimento de relaccedilatildeo (ateacute porque uma nova possibilidade de
pensamento natildeo significa necessariamente que uma anterior ou de outro povo esteja
―errada) mas haacute que se ter um respeito para reconhecer as diferenccedilas e natildeo ultrapassar a
fronteira do outro a menos que ndash como disse humoradamente o palestrante fazendo
novamente eco agrave anedota de Herzog ndash se queira ser devorado por um urso
Mais que isso para aleacutem desse respeito o pesquisador que trabalha com liacutenguas pouco
conhecidas com comunidades tradicionais e ou minoritaacuterias deve ter em mente que seu
estudo pode ser uma das poucas histoacuterias sobre o povo em questatildeo que chegaratildeo ateacute a
sociedade da qual esse pesquisador faz parte ou pior que isso pode ser a uacutenica histoacuteria E o
cuidado aqui eacute natildeo permitir que essa histoacuteria se transforme num estereoacutetipo e nem em
preconcepccedilotildees infundadas como se a comunidade estudada fosse somente o que eacute descrito na
pesquisa e nada mais do que aquilo
Como aponta o artigo de Miner (1976) que ndash ao humoradamente apresentar como
investigador hipoteacutetico teria nos descrito- ironiza os resultados evidentemente etnocecircntricos
de certos estudos que se dizem ―antropoloacutegicos muito provavelmente natildeo gostariacuteamos que
esse (pseudo) antropoacutelogo fictiacutecio ao nos estudar dissesse que nossos conhecimentos satildeo
―exoacuteticos e ―puramente maacutegicos e mitoloacutegicos e nem que ele descrevesse nossos meacutedicos
como ―feiticeiros e nossos haacutebitos de higiene e beleza como a escovaccedilatildeo dental e
tratamentos capilares por exemplo como ―rituais masoquistas nos quais se introduz objetos
com cerdas de porco na boca para o primeiro caso ou ―ritual feminino lunar de inserccedilatildeo das
cabeccedilas em fornos ou em pranchas quentes para simples objetivo de tortura para o segundo
79
Por essas questotildees natildeo poderiacuteamos adotar essas descriccedilotildees para os saberes e praacuteticas
juruna relativos aos animais aqui averiguados
Ora imaginemos que a descriccedilatildeo relatada dois paraacutegrafos acima fosse a uacutenica histoacuteria
sobre noacutes que uma crianccedila de outro paiacutes distante tivesse a nosso respeito Isso infelizmente
redundaria numa histoacuteria uacutenica ndash termo cunhado pela escritora nigeriana de romances (ou da
―contadora de histoacuterias ndash como ela gosta de se chamar) Chimamanda Ngozi Adichie Em
uma palestra proferida em 2009 a autora comenta sobre como somos impressionaacuteveis e
vulneraacuteveis a uma histoacuteria Segundo ela quando era crianccedila lia livros americanos e ingleses
e por isso acabou acreditando no iniacutecio que um livro deveria trazer personagens sempre
estrangeiros Demorou muito ateacute que ela descobrisse livros africanos e percebesse que
pessoas como ela tambeacutem poderiam constar em produccedilotildees literaacuterias Ou seja tal descoberta a
salvou de ter o que ela chama de ―histoacuteria uacutenica acerca do que os livros satildeo
Mas ela teria passado por muitos outros eventos como esse ao longo de sua vida
Segundo o que ela mesma nos conta quando pequena tinha um empregado chamado Fide
sobre o qual sabia apenas provir de uma famiacutelia muito pobre que quase natildeo tinha o que
comer Essa era a histoacuteria uacutenica que ela tinha sobre o empregado e foi por ter somente essa
informaccedilatildeo que ela se impressionou muito quando foi visitaacute-lo um dia e descobriu que aleacutem
de pobre a famiacutelia dele era muito criativa e trabalhadora pois fazia lindos cestos de raacutefia seca
para complementar a renda
Anos mais tarde Adichie teria feito intercacircmbio nos EUA e se deparado com uma
colega de quarto que natildeo sabia que a Nigeacuteria (de onde Chimamanda provinha) tinha o inglecircs
como liacutengua oficial pois tinha uma histoacuteria uacutenica de Aacutefrica como se todos os africanos
tivessem uma vida traacutegica vivessem em lindas paisagens com belos animais selvagens
morressem de pobreza e AIDS fossem incapazes de falar por si mesmos e estivessem
esperando serem salvos por meigos estrangeiros brancos Ou seja o que a autora quer
transmitir eacute que ao se mostrar uma coisa um animal um povo como uma e exclusiva coisa
por infindaacuteveis vezes se acaba criando uma imagem deformada e limitada do que seria essa
coisa ndash e essa se torna sua histoacuteria definitiva Tal praacutetica em sua oacutetica tem relaccedilatildeo com
poder com a estrutura de poder do mundo ou mais especificamente com o substantivo
―nkali que pode ser traduzido como ―ser maior que o outro Quem conta uma histoacuteria uacutenica
quem pode contaacute-la (quem adquire o poder de contaacute-la) onde e quando o faz normalmente
acaba reiterando a loacutegica do status quo e quer se tornar ou manter-se maior do que o outro que
estaacute presente em sua histoacuteria Em suas palavras
80
[] eu tive uma infacircncia muito feliz cheia de riso e amor numa famiacutelia muito
unida Mas tambeacutem tive avoacutes que morreram em campos de refugiados O meu primo
Polle morreu porque natildeo teve assistecircncia meacutedica adequada Um dos meus amigos
mais proacuteximos Okoloma morreu num desastre de aviatildeo porque os camiotildees de
bombeiros natildeo tinham aacutegua Cresci sobre governos militares repressivos que
desvalorizam o ensino ao ponto de por vezes os meus pais natildeo receberam os
salaacuterios Por isso quando crianccedila vi a geleia desaparecer da mesa do cafeacute da manhatilde
depois desapareceu a margarina depois o patildeo ficou muito caro depois foi o leite
que teve de ser racionado E acima de tudo um medo poliacutetico normalizado invadiu
as nossas vidas
Todas estas histoacuterias fazem de mim quem eu sou Mas insistir apenas nestas
histoacuterias negativas eacute minimizar a minha experiecircncia e esquecer tantas outras
histoacuterias que me formaram A histoacuteria uacutenica cria estereoacutetipos E o problema com os
estereoacutetipos natildeo eacute eles serem mentira eacute serem incompletos Fazem com que uma
histoacuteria se torne na uacutenica histoacuteria
Claro que Aacutefrica eacute um continente cheio de cataacutestrofes Haacute as que satildeo imensas como
as horripilantes violaccedilotildees no Congo Haacute as deprimentes como o fato de 5000
pessoas se candidatarem a uma uacutenica vaga de emprego na Nigeacuteria Mas haacute outras
histoacuterias que natildeo satildeo cataacutestrofes E eacute muito importante eacute igualmente importante
falar sobre elas Sempre senti que eacute impossiacutevel relacionar-me adequadamente com
um lugar ou uma pessoa sem me relacionar com todas as histoacuterias desse lugar ou
pessoa A consequecircncia da histoacuteria uacutenica eacute isto rouba a dignidade agraves pessoas Torna
difiacutecil o reconhecimento da nossa humanidade partilhada Realccedila aquilo em que
somos diferentes em vez daquilo que somos semelhantes (ADICHIE 2009 grifos
nossos)
Ou seja eacute isso que fazem histoacuterias uacutenicas elas limitam Descrever um outro povo
como ―ultrapassado ―miacutestico eacute limitaacute-lo descrever uma variedade linguiacutestica como
―inferior ―errada eacute limitar a natureza multifacetada e mutaacutevel das liacutenguas humanas e vai na
contramatildeo do que propotildee Adichie (2009) pois com essa postura exclui-se tudo o que natildeo
estaria dentro do ―avanccedilado do ―correto na mesma esteira da alteridade deficiente
criticada por Skliar (1999)
Portanto tendo consciecircncia do poder e da responsabilidade discursiva que nos eacute dada
o objetivo deste nosso texto natildeo eacute descrever metalinguisticamente sobre os juruna como se
detivesse a ―uacutenica e ―verdadeira histoacuteria que eles contam sobre borboletaslsquo As histoacuterias
aqui trazidas estatildeo entre as vaacuterias dessa cultura e esperamos que este texto possa estabelecer
diaacutelogos com textos posteriores que tragam outras histoacuterias e outros saberes juruna acerca de
mais campos do conhecimento
Aliaacutes a respeito do ―ter histoacuteria Berto (2013) afirma que
Figueiredo (2010 p 108) sugere a respeito dos Aweti povo de liacutengua tupi do
Alto Xingu ―Seres natildeo humanos como explicava-me o velho Aweti satildeo
quase todos ex-humanos Este homem costumava apontar para qualquer coisa que
havia agrave nossa volta perguntando ndash para meu desespero jaacute que as opccedilotildees pareciam
infinitas ndash que histoacuteria afinal eu desejava escutar Mosca ndash eacute gente Tem
histoacuteria Batente da porta ndash eacute gente Tem histoacuteria Lagarto ndash eacute gente Tem
histoacuterialsquo Seres com histoacuterialsquo satildeo aqueles que passaram por uma
transformaccedilatildeo que foram alterados a partir de coisas que fizeram a outros ou que
outros fizeram a eles para que assumissem a forma pela qual os conhecemos hoje
(BERTO 2013 p 31)
81
Aliaacutes foi dito por nosso informante que um dos animais pesquisados (uma das
nasusu) vem do ceacuteu e laacute seria gentelsquo Tal afirmaccedilatildeo levou-nos a questionar os modos pelos
quais os juruna constroem sua alteridade em relaccedilatildeo agraves descontinuidades bioloacutegicas existentes
humanas e natildeo-humanas ndash o que toca numa teoria recente o perspectivismo proposto por
Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) Embora natildeo seja nosso intuito esmiuccedilar e esgotar
tal questatildeo cabe trazer antes de discutir tal teoria as consideraccedilotildees de Peixotto (2013) e de
Fausto (2008) acerca do que algumas sociedades indiacutegenas denominam como espiacuteritos dono
como consta abaixo
3 2 4 Como um eu se constroacutei a partir de um Outro e como o enxerga
O ponto de toque com essas teorias por dizer ―sociais foi que chamou nossa atenccedilatildeo
quando em campo o fato de que os juruna natildeo costumavam se alimentar dos frangos que com
eles conviviam na aldeia e nem tinham uma relaccedilatildeo tatildeo afetuosa com os catildees do mesmo
espaccedilo social (como noacutes temos tratando-os como bichos de estimaccedilatildeo ou ateacute mesmo como
entes familiares)
Berto (2013) utiliza-se de duas questotildees para explicar tal situaccedilatildeo A primeira delas
seria a que para muitos indiacutegenas segundo o que ela diz natildeo haveria uma natureza da qual os
homens poderiam dispor mas sim uma humanidade natildeo como espeacutecie mas como condiccedilatildeo
que poderia de acordo com Viveiros de Castro (1996) ser assumida por vaacuterios entes
Jaacute a segunda gira em torno de que
[] em diversas cosmologias amazocircnicas natildeo se pode ser dono dos animais pois
eles jaacute tecircm dono Assim na relaccedilatildeo com os animais principalmente na caccedila eacute
necessaacuterio negociar ―com um espiacuterito o Senhor dos Animais ou com um ser
representando a figura prototiacutepica da espeacutecie (DESCOLA 2002 p 106) a quem se
oferece almas humanas tabaco ou relaccedilotildees de parentesco Portanto a domesticaccedilatildeo
exclusiva do domiacutenio desses espiacuteritos soacute poderia ocorrer caso fosse transferida para
os homens transformando completamente a forma como satildeo concebidas as
fronteiras entre os mundos humanos e natildeo-humanos entre os animais de caccedila e
amansados e a natureza e a cultura (BERTO 2013 p 55)
Para explicar primeiramente essa segunda motivaccedilatildeo proposta pela autora vale dizer
que Fausto (2008) retoma os itens lexicais de diversas liacutenguas indiacutegenas brasileiras acerca da
categoria dono (para os juruna de acordo com LIMA (2005) iwaa) que aleacutem dos sentidos de
posse e de representar e conter em si uma relaccedilatildeo de adoccedilatildeo um coletivo uma espeacutecie
tambeacutem abrange ndash de acordo com ele- as questotildees semacircnticas de aquele que cuida e
alimentalsquo (aproximando-se neste caso a pais) que deteacutem o conhecimentolsquo mestre rituallsquo
82
chefe da comunidadelsquo aquele que faz existirlsquo que conteacutemlsquo e eacute dono de algo (adotado) que
dentro de si estaacute contido
Dessa monta o dono de acordo com o autor seria uma pluralidade representada e
personificada num singular como um corpo que se faz uno por meio da contenccedilatildeo em si de
vaacuterios membros (braccedilos tronco cabeccedila pernas) Quando um chefe poliacutetico fala em nome do
povo ―[] mais do que um representante (ie algueacutem que estaacute no lugar de) o chefe-mestre eacute
a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem eacute a forma de apresentaccedilatildeo de
uma singularidade para outros (FAUSTO 2008 p 334)
Nesse sentido o espiacuterito dono de um coletivo de animais como o dono dos porcos
seria a parte ativa o jaguar proprietaacuterio de si que metaforicamente come seus adotados como
objetos propriedades potenciais para os ter dentro de si proacuteprio o que lhes anima e lhes daacute a
possibilidade de agir magnificando-os (jaacute que de uma singularidade passiva esses adotados
passariam a englobar um conjunto ativo)
Acresce que ainda de acordo com Fausto (2008) para muitos indiacutegenas o estado
miacutetico inicial eacute de continuidade comunicacional o que a nosso ver lembra um pouco o
estado inicial polimorfo de comunhatildeo e natildeo distinccedilatildeo entre humanos animais e deuses
concebida pelos gregos antigos na hera de ouro (comentada por VERNANT 2000 e
HESIacuteODO 2012) eacutepoca em que homens e deuses ainda viviam em harmonia e os homens
natildeo precisavam trabalhar e nem adoeciam Ateacute que quando Zeus se torna o rei do ceacuteu
(destronando seu pai Cronos que comia os proacuteprios filhos) fica designado que homens e
deuses precisavam se separar e cada um assumiria suas funccedilotildees Assim Prometeu que antes
era o titatilde de maior confianccedila de Zeus fica encarregado de atuar em tal separaccedilatildeo
Ele tenta enganar o senhor do raio ao sacrificar um boi e pegar as melhores partes da
carne do animal e escondecirc-las sob o estocircmago e o couro fazendo-as adquirir um aspecto
repulsivo Jaacute a gordura que aparentava ser saborosa apenas escondia os ossos do boi
Assim divididas as duas porccedilotildees satildeo entatildeo oferecidas ao maior deus do Olimpo mas
este desconfia da armadilha Apesar disso Zeus ainda escolhe a carne com melhor aparecircncia
mas com pior gosto Sua escolha ndash aparentemente equivocada ndash condena os humanos a
realizar sacrifiacutecios a comer a carne do animal sacrificado ao trabalho ao cansaccedilo a doenccedilas
agrave velhice e agrave morte pois eles comiam a carne de um inocente que ao contraacuterio dos ossos que
ficaram com os deuses era pereciacutevel
Aleacutem disso Zeus retirou o trigo e o fogo dos agora mortais No entanto Prometeu
sobe ao Olimpo rouba o fogo e o traz ateacute a Terra numa feacutecula seca Tal atitude natildeo foi tatildeo
efetiva quanto possa parecer a priori jaacute que este elemento na Terra natildeo era perpeacutetuo como
83
aquele que aquecia os deuses Como castigo o titatilde eacute ainda acorrentado ao monte Caacuteucaso
tem seu fiacutegado devorado por uma aacuteguia eternamente (pois o oacutergatildeo sempre se regenerava) e
seu irmatildeo Epimeteu recebe Pandora como ―presente dos deuses uma mulher bela e
graciosa mas que tambeacutem possuiacutea palavras mentirosas e que acaba instigada pela
curiosidade enviada por Zeus abrindo a caixa que continha uma quantidade consideraacutevel de
males e desgraccedilas dispersando-as pela humanidade
Mostrando mais um paralelo
[] Muitos dos mitos etioloacutegicos indiacutegenas narram menos uma origem-gecircnese do
que o modo pelo qual atributos que iratildeo caracterizar a sociabilidade humana foram
apropriados de animais O fogo culinaacuterio eacute o exemplo mais famoso nos mitos tupi-
guarani o roubo do fogo que pertencia ao urubu faz com que os humanos se tornem
comedores de carne cozida em oposiccedilatildeo agrave necrofagia nos mitos jecirc o roubo do fogo
do jaguar conduz agrave distinccedilatildeo entre a alimentaccedilatildeo crua (canibal) e aquela cozida
capaz de produzir a identidade entre parentes (Fausto 2008 p 337-338)
Ou seja embora Fausto (2008) centre suas atenccedilotildees em narrativas indiacutegenas para noacutes
nos mitos de vaacuterios povos (natildeo soacute das sociedades indiacutegenas) essa continuidade inicial acaba
sendo rompida por uma ruptura em virtude de um roubo ou de um erro de uma
desobediecircncia Para os cristatildeos tal erro foi o provar da maccedilatilde e a queda de Eva agrave tentaccedilatildeo da
cobra que teria culminado na expulsatildeo do Paraiacuteso do primeiro casal de humanos na
condenaccedilatildeo agrave efemeridade da existecircncia humana que se tornou pereciacutevel dada agrave accedilatildeo de
doenccedilas que passaram a existir e de dor (impingida agrave mulher ateacute mesmo na hora de dar agrave luz)
De maneira um tanto quanto semelhante de acordo com Barcelos Neto (2008) nos
tempos primevos anteriores ao surgimento da humanidade apenas o xamatilde primordial
Kwamutotilde e indiviacuteduos dos yerupoho ―povo antigo habitavam a Terra Hoje os yerupoho satildeo
muito diferentes entre si variando entre seres antropomorfos e zooantropomorfos danccedilarinos
pintores e muacutesicos inteligentes e valentes ou medrosos mas com a habilidade de falar todas
as liacutenguas conhecidas
De qualquer modo ainda segundo o que relata Barcelos Neto (2008) de acordo com
os conhecimentos wauja certo dia Kwamutotilde teria invadido o territoacuterio de Onccedila um yerupoho
com corpo em sua maior parte humano e extremidades (nariz unhas dentes e ateacute olhos) de
felino e para evitar retaliaccedilotildees teria concebido filhas a partir do tronco de uma aacutervore e as
oferecido como mulheres ao yerupoho que teria engravidado uma delas Atanakumalu morta
ainda gestante pela proacutepria sogra-Onccedila Sabendo do que havia ocorrido Kwamutotilde enviou
uma formiga para tentar resgatar o feto ateacute onde o corpo de sua filha fora jogada O animal
teria entrado no uacutetero de Atanakumalu e retirado vivos dois gecircmeos primeiramente Kamo (o
Sol) e depois Kejo (a Lua) Depois de crescerem rapidamente escondidos num cesto com o
84
auxiacutelio e os cuidados de sua tia os Gecircmeos foram ao encontro do avocirc Kamo nunca aceitou a
morte da matildee e passou a odiar os yerupoho (entre eles o proacuteprio pai) e a desejar criar uma
nova ordem Para tanto criou a humanidade utilizando-se de arcos de madeiras e de flechas
de taquara A seguir distinguiu os vaacuterios povos que compunham suas criaccedilotildees quanto a
questotildees hieraacuterquicas e idiomaacuteticas e propocircs que cada povo escolhesse apenas um dos
artefatos tecnoloacutegicos por ele oferecido
No entanto segue Barcelos Neto (2008) levando-se em consideraccedilatildeo que o corpo dos
yerupoho configura-se de feiticcedilo puro sendo portanto potencialmente patogecircnico a
humanos inicialmente natildeo restou alternativa aos homens senatildeo habitar nas profundezas dos
cupinzeiros sem fogo e nem mesmo quaisquer teacutecnicas agriacutecolas ateacute porque nesta eacutepoca na
superfiacutecie a noite e a escuridatildeo reinavam soberanas e somente os olhos parecidos com
lanternas dos yerupoho possibilitavam o sentido da visatildeo
Todo esse quadro foi modificado por trecircs accedilotildees fundamentais de Kamo que tirou
posses dos yerupoho e as deu agraves suas criaccedilotildees humanas Primeiro ele roubou as flautas de
madeira e o princiacutepio de cultivo (as vaacuterias possibilidades agriacutecolas) do povo Porco
(Autopoho) e depois roubou as possibilidades e segredos de fazer fogo da testa do Urubu-Rei
obrigando os yerupoho a passar a comer comida crua Em seguida descobriu que os yerupoho
eram incapazes de viver sob a luz do sol Entatildeo utilizando uma maacutescara vermelha (que
―virou o sol) ele se projetou no ceacuteu sendo posteriormente seguido por sua irmatilde que
tambeacutem mascarada transformou-se na lua enquanto astro ndash criando o ciclo dia-noite
Para fugir da luz solar os yerupoho passaram a viver- de acordo com o autor citado
dois paraacutegrafos acima- numa condiccedilatildeo um tanto quanto oculta alguns fugiram outros
atiraram-se nas profundezas das aacuteguas e outros prepararam roupas na forma de animais Tanto
os que vestiram ―roupas de animais quanto os que foram atingidos pelo sol passaram a ser
apapaatai indo de um estado antropomorfo para uma condiccedilatildeo animalesca monstruosa
artefatual de fenocircmenos naturais ou uma mescla entre mais de uma das anteriores sendo que
aqueles experimentam (pelas ―roupas) transformaccedilotildees temporaacuterias e estes (pelo contato com
a luz) sofreram transformaccedilotildees permanentes irreversiacuteveis
Aleacutem disso segundo o que nos conta o autor do livro caso algum wauja veja um
alimento e natildeo tenha o desejo alimentar (ou agraves vezes uma pulsatildeo sexual) satisfeito de
imediato pode cair num estado de alma denominado Mesmo que esse estado natildeo
tenha valor moral nem possa ser provocado de maneira intencional e normalmente nem seja
percebido a priori ele acaba fazendo com que uma parte da alma da pessoa acometida passe a
ser mais saliente aos apapaatai Eles entatildeo podem roubar uma parte da alma daquele que estaacute
85
levaacute-la para passear Mas com o contato com os corpos patogecircnico dos apapaatai
flechinhas de feiticcedilo adentram no corpo do humano adoecendo-o
Aleacutem disso o doente comeccedila a sonhar com os passeios que parte de sua alma faz com
os apapaatai e nestes sonhos passar a ver esses seres-espiacuteritos lhe oferecendo o que na oacutetica
dele eacute comida mas que na verdade eacute mais um fator gerador de doenccedila pois desde as accedilotildees
de Kamo os ainda yerupoho foram obrigados a comer carne crua Ou seja o que se oferece na
realidade eacute carne crua pus ou sangue que induz o doente quando desperto ao vocircmito
Uma uacuteltima informaccedilatildeo ressaltada por Barcelos Neto (2008) eacute que embora possa
parecer o contraacuterio a accedilatildeo dos apapaatai natildeo se daacute por pura maldade tendo em vista que
diferente das accedilotildees de feiticeiros que pretendem apenas levar agrave perdiccedilatildeo de uma pessoa
famiacutelia e agraves vezes de toda a aldeia os raptos realizados pelos apapaatai podem converter-se
em questotildees positivas
Tanto eacute verdade que para tentar restabelecer o doente a famiacutelia normalmente o leva a
algum xamatilde visionaacuterio que aponta a (s) identidade (s) do (s) apapaatai que estaacute (atildeo)
―passeando com o indiviacuteduo Feito isso eacute possiacutevel familiarizar o (s) seres envolvidos Uma
das maneiras para isso eacute realizar um ritual em que indiviacuteduos da comunidade usam maacutescaras e
roupas para representar a presenccedila dos apapaatai na aldeia que depois de danccedilar e cantar
recebem comidas como mingau Jaacute que eles passam a comer alimentos dos indiacutegenas (comer
como) acabam adquirindo um caraacuteter familiar e natildeo apenas restituem o pedaccedilo de alma
raptado do doente como o protegem contra novos ataques de outros apapaatai bem como de
desastres
De maneira um tanto quanto anaacuteloga Fargetti (2017a) nos relata que na oacutetica juruna
de um estado inicial de comunhatildeo da divindade inicial teria havido uma dupla puniccedilatildeo os
seres que ela chama de bicho-gente teriam sido transformados por Selalsquoatilde (o primeiro deus)
em simples animais porque natildeo eram ―humanos de verdade em razatildeo de cometerem atos
imorais em puacuteblico e de falarem de maneira agramatical e o fato de que alguns juruna teriam
sido acusados de estuprar a neta dessa mesma divindade teria culminado numa separaccedilatildeo ateacute
mesmo espacial
Selalsquoatilde foi o criador de todos os seres que nasceram dele como as ramas nascem de
uma batata Diferente dos humanos ele eacute imortal fisicamente sempre se renova
assim como sua esposa por isso eacute comparado a um tubeacuterculo cujas ramas sempre
renascem [] Era filho de um pai onccedila Kumatildehari com uma matildee humana Como
primeiro humano nascido de uma mulher ele natildeo quis ficar sozinho Por isso
andou bastante fazendo pegadas no chatildeo nas quais soprou e de onde se ergueram
novos humanos e bichos-gente com caracteriacutesticas humanas mas que falavam
errado Demorou muito e ele transformou os bichos-gente em bichos mas isso
ocorreu aos poucos Os bichos-gente antes de sua transformaccedilatildeo tinham aspecto
um tanto diferente o macaco por exemplo natildeo tinha rabo nem pelos e sua cara
86
tinha outro aspecto Contudo apesar de fisicamente se parecerem humanos faziam
sexo em puacuteblico comiam coisas que um humano natildeo comia e falavam errado
Selalsquoatilde entatildeo teria dito ―Essas pessoas natildeo satildeo nossos parentes Natildeo satildeo
verdadeiros vatildeo virar bichos
O macaco teria sido o primeiro a ser transformado em bicho depois que dormiu
certa noite Ele acordou com rabo e pelos e depois natildeo falou mais apenas gritava
As araras ficaram sabendo das intenccedilotildees de Selalsquoatilde por isso resolveram fazer uma
festa de despedida no que foram seguidas pelas ariranhas Na festa das araras todas
as aves estavam presentes e com exceccedilatildeo das que seguiram Selalsquoatilde foram aos
poucos se transformando em bichos [] Jaacute na festa das ariranhas estiveram todos os
animais da aacutegua e da mata Logo apoacutes sua transformaccedilatildeo os bichos puderam falar
por alguns dias ainda mas isso foi acabando restando a eles apenas grunhidos e
gritos
Depois das festas da arara e da ariranha uma parte virou bicho e outra foi para o
ceacuteu acompanhando Selalsquoatilde e sua famiacutelia partiram como bichos-gente falando
errado Nem todos os juruna foram apenas uma parte deles aleacutem de representantes
de outros povos indiacutegenas Isso aconteceu porque um grupo juruna teve um
desentendimento com Selalsquoatilde tornando-se inimigo dele uma neta sua fora estuprada
por um juruna que havia se cansado de dar-lhe alimentos quando ela lhe pedia
Selalsquoatilde ficou com raiva e decidiu partir levando consigo uma parte do povo juruna
que natildeo estava envolvida no caso Os responsaacuteveis pela maldade foram atraacutes dele
mas ele os rejeitou Portanto os que ficaram na Terra seriam descendentes desse
grupo Contudo Selalsquoatilde continuou a proteger os juruna que satildeo afinal seu povo Ele
acende de tempos em tempos uma estrela no ceacuteu para ver se na Terra ainda existe o
povo juruna Se ele natildeo encontrar ningueacutem da etnia vivo se nenhum espiacuterito juruna
for para o ceacuteu chegaraacute agrave conclusatildeo de que o povo desapareceu e com isso promete
derrubar o ceacuteu o que significa o fim do mundo Isso comprova que ele perdoou os
juruna que estatildeo na Terra
Caso os bichos-gente que estatildeo com Selalsquoatilde em sua aldeia no ceacuteu desccedilam para a
Terra seratildeo transformados em bichos perdendo as caracteriacutesticas humanas
(FARGETTI 2017 p41-43 )
De qualquer modo para retornar agraves asserccedilotildees de Fausto (2008) vale ressaltar que o
universo apoacutes essas cisotildees teria se tornado um local de muitos domiacutenios natildeo soacute no sentido de
morada terrestre e celestial ou ―infernal mas tambeacutem na possibilidade surgida de que tudo
que existe tem ou pode ter um dono na medida em que ―[] objetos satildeo fabricados crianccedilas
satildeo engendradas capacidades satildeo adquiridas animais satildeo capturados inimigos satildeo mortos
espiacuteritos satildeo familiarizados coletivos humanos satildeo conquistados (FAUSTO 2008 p 341)
Para abordar agora o primeiro dos motivos do natildeo-amansamento de animais por
comunidades indiacutegenas levantado por Berto (2013) cabe salientar que aleacutem de uma questatildeo
de humanidade esse tema tangencia como os povos veem o outro e quais os limites para o eu
que se vecirc e que vecirc o outro
Nesse sentido Peixoto (2008) afirma que os juruna ateacute por seu etnocircnimo ressaltam
ser a praia o rio ou sua beira seu lugar em oposiccedilatildeo aos demais iacutendios para os quais caberia a
floresta
Aliaacutes a humanidade enquanto categoria de acordo com os juruna teria surgido em
etapas sucessivas pois segundo o que relata Peixotto (2008) das pegadas de Selalsquoatilde teriam
surgido os juruna das pegadas desses tal deus teria soprado os demais iacutendios (inicialmente
87
abi) e das pegadas desses outros iacutendios (natildeo juruna) os natildeo-iacutendios ou karaiacute Ou seja ainda de
acordo com o mesmo autor descrito anteriormente num momento inicial haveria na oacutetica da
cosmologia desse povo indiacutegena brasileiro um noacutes juruna e um eles referente a iacutendios natildeo tatildeo
humanamente prototiacutepicos pois natildeo navegavam (ou ao menos natildeo o faziam tatildeo bem) natildeo
falavam juruna e natildeo fabricavam caxiriacute (caracteriacutesticas entatildeo definidoras do que significava
ser juruna) Mas com o surgimento dos natildeo-iacutendios teria se criado para os juruna o surgimento
de uma alteridade outra que relacionalmente teria os levado a reanalisar a categoria abi para
um niacutevel no qual se inseririam eles mesmos e os agora abi imama (outros iacutendios) sendo que o
sistema teria passado para dois grandes grupos os iacutendios (abi) e os natildeo-iacutendios (juruna e natildeo-
juruna)
Com relaccedilatildeo agrave alteridade natildeo poderiacuteamos nos esquecer de uma teoria que se fundou a
partir de dados coletados nas aldeias juruna sob o nome de Perspectivismo Num primeiro
momento vamos apresentar os argumentos dos autores que a defendem e a seguir as criacuteticas
que sofreram
Para tanto cabe dizer que Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) ao menos em tese
tentariam superar a dicotomia natureza X cultura proposta pelo estruturalismo antropoloacutegico
por meio do postulado de que diferente de noacutes alguns povos indiacutegenas creriam num
perspectivismo propondo que na oacutetica dessas comunidades tradicionais seria possiacutevel se
verificar a existecircncia de uma capacidade de olhar de ter um corpo para ver o outro
Nesse sentido de acordo com o que afirmam os referidos antropoacutelogos seria opiniatildeo
dos indiacutegenas amazocircnicos (denominados pelos autores de ameriacutendios) que dentre todos os
seres vivos (sejam eles animais ou humanos de acordo com as sociedades natildeo-indiacutegenas)
houvesse os dotados de almalsquo no sentido de terem consciecircncia de si mesmos de outros e a
partir disso poderem ser genteslsquo serem sujeitos acionais apreendendo as impressotildees
exteriores que lhes chegam por perspectivas distintas pois
Enquanto nossa cosmologia construcionista pode ser resumida na foacutermula
saussureana o ponto de vista cria o objeto mdash o sujeito sendo a condiccedilatildeo originaacuteria
fixa de onde emana o ponto de vista mdash o perspectivismo ameriacutendio procede
segundo o princiacutepio de que o ponto de vista cria o sujeito seraacute sujeito quem se
encontrar ativado ou ―agenciado pelo ponto de vista (VIVEIROS DE CASTRO
1996 p 125-126)
Em outros termos como lembra Picelli (2016) cada espeacutecie teria como forma
manifesta um invoacutelucro que esconde esse caraacuteter de pessoalidade na medida em que aos
entes com o traccedilo [+animado] para os professores defensores de tal teoria eacute como se a
pessoalidade fosse um princiacutepio uma condiccedilatildeo universal que se realizaria de acordo com
paracircmetros especiacuteficos materializados em diversas roupas ateacute certo ponto trocaacuteveis e ateacute
88
mutaacuteveis Eacute o proacuteprio Viveiros de Castro (1996) quem na verdade explica o caraacuteter [+
humano] enquanto condiccedilatildeo no sentido em que ele emprega pessoa gentelsquo dotada de
intencionalidade por meio de uma metaacutefora dizendo que ele seria como um pronome que eacute
preenchido por quem fala na situaccedilatildeo de uso A instacircncia abstrata primeira pessoa do
discurso quem falalsquo soacute se concretiza quando algueacutem faz uso do seu poder de linguagem
instaurando um interlocutor um tu e produzindo discursos Para se colocar e se comunicar
com o mundo um dado ente deve fazer uso da enunciaccedilatildeo e assumir um eu De maneira
anaacuteloga o ―gente verdadeira proposto pelo perspectivismo natildeo se oporia a um ―falso
humano Na verdade o ―humano verdadeiro seria de acordo com essa teoria que tenta
traduzir o pensamento ameriacutendiolsquo uma instacircncia prototiacutepica e abstrata uma possibilidade de
olhar por assim dizer que eacute assumido e concretizado perspectivamente por quem age O eu
que fala eacute uma realizaccedilatildeo do ―eu verdadeiro porque enquanto estaacute olhando ele natildeo eacute um
outro natildeo eacute um tu eacute uma primeira pessoa que se diferencia de uma segunda e tambeacutem do
assunto que representa a terceira
Tipicamente os humanos em condiccedilotildees normais vecircem os humanos como humanos
os animais como animais e os espiacuteritos (se os vecircem) como espiacuteritos jaacute os animais
(predadores) e os espiacuteritos vecircem os humanos como animais (de presa) ao passo que
os animais (de presa) vecircem os humanos como espiacuteritos ou como animais
(predadores) Em troca os animais e espiacuteritos se vecircem como humanos apreendem-
se como (ou se tornam) antropomorfos quando estatildeo em suas proacuteprias casas ou
aldeias e experimentam seus proacuteprios haacutebitos e caracteriacutesticas sob a espeacutecie da
cultura mdash vecircem seu alimento como alimento humano (os jaguares vecircem o sangue
como cauim os mortos vecircem os grilos como peixes os urubus vecircem os vermes da
carne podre como peixe assado etc) seus atributos corporais (pelagem plumas
garras bicos etc) como adornos ou instrumentos culturais seu sistema social como
organizado do mesmo modo que as instituiccedilotildees humanas (com chefes xamatildes festas
ritos etc) (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 117)
Vemos aqui uma tentativa de analogia com o duplo direcionamento do mecanismo
comunicacional abordado por Benveniste pois de acordo com este uacuteltimo autor o eu que faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados e cria um interlocutor como segunda pessoa pode
receber um enunciado-resposta desse interlocutor que ao responder vira um eu locutor
Nessa esteira de pensamento de acordo com os postulados perspectivistas existiria
aleacutem desse ―eu humano um conceito de sobrenatureza em seres que natildeo satildeo vivos ou satildeo
espiacuteritos seres que seriam ndash para o perspectivismo- uma outra pessoa em relaccedilatildeo a esse ―eu
um ―tu Haveria tambeacutem a possibilidade de em potencialidade ocorrer um diaacutelogo entre o
―eu humano e um ―tu espiacuterito ou humano morto Contudo quando um ―tu (espiacuterito) ndash faz
uso da enunciaccedilatildeo para produzir enunciados chamando por um humano assume uma primeira
pessoa do discurso (como um ―eu natildeo humano) Ora sabe-se que quando um interlocutor
89
toma a palavra ele se torna locutor Contudo para que o interlocutor (que a priori eacute humano)
de um espiacuterito ou de um morto (a segunda pessoa o ―tu do morto) possa responder a este
chamamento para haver diaacutelogo eacute necessaacuterio que o humano (no sentido que esse item tem
para a nossa sociedade mesmo enquanto classe e natildeo enquanto condiccedilatildeo) chamado pelo
espiacuterito se torne uma primeira pessoa natildeo humana um eu espiacuterito ou um eu morto Por isso
ou ele morre ou isso ocorre a algum parente ou entatildeo adoece
Lima (1999) afirma ainda que o que poderia distinguir a classe dos humanos eacute a
consciecircncia dessas perspectivas distintas pois de acordo com ela um juruna saberia que o
animal se vecirc como humano mas um animal ou um espiacuterito natildeo teria conhecimento de que se
sabe isso deles
Cabe salientar que esse invoacutelucro de cada espeacutecie seria provido de um feixe de afetos
afecccedilotildees ou capacidades que vatildeo muito aleacutem de caracteriacutesticas anatocircmico-morfoloacutegicas ou
seja o que os autores chamam de corpo (distinto para cada espeacutecie) seria um conjunto de
costumes (haacutebitos e caracteriacutesticas de locomoccedilatildeo haacutebitos alimentares caracteriacutestica de
agrupamento social ou ser solitaacuterio forma de comunicaccedilatildeo com seus semelhantes) e natildeo
simplesmente uma estrutura fiacutesica Teriacuteamos portanto uma diferenccedila em relaccedilatildeo agrave crenccedila
multiculturalista ou ao relativismo multicultural de nossa sociedade em uma uacutenica natureza e
vaacuterias culturas (um uacutenico mundo exterior visto de maneira distinta a depender do
agrupamento social) pois segundo esse vieacutes de pensamento os indiacutegenas sulamericanos
acreditariam num multinaturalismo pois uma uacutenica cultura (a pessoalidade descrita acima)
seria responsaacutevel por vaacuterias naturezas em razatildeo de cada espeacutecie ter um corpo diferente
Como salienta Picelli (2016)
[] Estes seres comumente chamado de ―gentes por Viveiros passam a estar em
seus proacuteprios mundos usando maneiras proacuteprias de se relacionarem e de se
enxergarem Os corpos adquirem portanto a propriedade dos pontos de vista
Constituem-se entatildeo como lugar onde a ―alteridade eacute apreendida como tal
(PICELLI 2016 p 56)
Por um lado tudo isso pode fazer pensar numa relaccedilatildeo da noccedilatildeo de roupa enquanto
corpo com as maacutescaras utilizadas pelos atores no teatro claacutessico (e mesmo as vestimentas
adornos maquiagem e toda a caracterizaccedilatildeo das peccedilas atuais) no sentido de que ao se
metamorfosear em uma dada personagem o ator esconde sua identidade subjetiva seu papel
empiacuterico na sociedade suas visotildees e concepccedilotildees de mundo jaacute que no teatro natildeo brechtiniano
o Hamlet representado em cena natildeo corresponde ao ator X que o interpreta embora este
mesmo ator esteja executando uma funccedilatildeo de sua humanidade pois ndash de acordo com
90
Rosenfeld (1969) ndash o drama fala do que eacute humano Mas eacute o proacuteprio Viveiros de Castro
(1996) quem esclarece que ao menos de acordo com o que ele diz os indiacutegenas estudados
natildeo pensam que essas perspectivas seriam representaccedilotildees mas creem em vez disso que
[] todos os seres vecircem (―representam) o mundo da mesma maneira mdash o que
muda eacute o mundo que eles vecircem Os animais impotildeem as mesmas categorias e valores
que os humanos sobre o real seus mundos como o nosso giram em torno da caccedila e
da pesca da cozinha e das bebidas fermentadas das primas cruzadas e da guerra
dos ritos de iniciaccedilatildeo dos xamatildes chefes espiacuteritoshellip Se a Lua as cobras e as onccedilas
vecircem os humanos como tapires ou pecaris eacute porque como noacutes elas comem tapires
e pecaris comida proacutepria de gente Soacute poderia ser assim pois sendo gente em seu
proacuteprio departamento os natildeo-humanos vecircem as coisas como ―a gente vecirc Mas as
coisas que eles vecircem satildeo outras o que para noacutes eacute sangue para o jaguar eacute cauim o
que para as almas dos mortos eacute um cadaacutever podre para noacutes eacute mandioca pubando o
que vemos como um barreiro lamacento para as antas eacute uma grande casa
cerimonialhellip (VIVEIROS DE CASTRO 1996 p 127)
Nesse sentido um ponto positivo dessa teoria como lembram Saacuteez (2011) e Picelli
(2016) eacute o de que os pesquisadores natildeo-indiacutegenas ao estudar tais comunidades natildeo
poderiam pressupor suas categorias para analisar os dados haja vista que haveria distinccedilotildees
entre seus modos de ver a relaccedilatildeo dos homens e dos outros seres no mundo e na relaccedilatildeo entre
natureza e cultura frente agraves concepccedilotildees desses povos estudados aos quais eacute dado
possibilidade de elaboraccedilatildeo teoacuterica proacutepria
Por outro lado satildeo esses mesmos dois autores os responsaacuteveis por trazerem criacuteticas
ateacute muito duras aos postulados aqui comentados como o fato de eles dizerem estar tentando
superar o binocircmio natureza X cultura mas partirem dele e se apoiarem nele para cunhar o
que denominam de mulnaturalismo ameriacutendio Saacuteez (2011) aliaacutes em seu artigo eacute enfaacutetico
demais ao chegar a sugerir pelo tiacutetulo um tanto quanto irocircnico Do perspectivismo ameriacutendio
ao iacutendio real que a teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1999) seria apenas
uma elucubraccedilatildeo sem respaldo nos iacutendios brasileiros reais
Aleacutem disso os dois autores mencionados dois paraacutegrafos acima concordam que eacute um
tanto perigoso tentar reduzir as especificidades dos vaacuterios povos indiacutegenas num pretenso
uacutenico pensamento que a eles seria comum O problema parece ser um excesso de
generalizaccedilatildeo do perspectivismo que postula a existecircncia de uma espeacutecie de ―pensamento
ameriacutendio que natildeo aborda ndash pelo menos natildeo satisfatoriamente- as especificidades de cada
povo indiacutegena desse aglomerado de ―ameriacutendios Eles tambeacutem concordam retomando
criacuteticos anteriores do perspectivismo que o fato de tentar afirmar que esse modo de pensar eacute
distinto do da sociedade majoritaacuteria seria um desserviccedilo para povos que jaacute foram tatildeo
injustificadamente chamados de ―esquisitos ―estranhos Tambeacutem seria para eles um
91
desserviccedilo nas descriccedilotildees pretensamente etnograacuteficaslsquo de Lima (1999) e Viveiros de Castro
(1996) ―[] o uso de um vocabulaacuterio de alto teor exotizante falar em cosmologias mitos
pensamento selvagem predaccedilatildeo generalizada animismo e ndash pior ainda ndash canibalismo eacute fazer
um fraco favor a povos que carregaram por seacuteculos esses conceitos estigmatizantes ou quando
menos discriminatoacuterios
Embora tragam verdades talvez eles tenham sidos duros demais na forma de criticar a
teoria primeiro porque eacute realmente um problema e um certo paradoxo o trabalho de um
antropoacutelogo de tentar natildeo perder as especificidades das povos indiacutegenas ao mesmo tempo em
que ndash sobretudo para os estruturalistas- tenta alcanccedilar generalizaccedilotildees fugindo de anaacutelises ad
hoc como tal questatildeo varia loucamentelsquo
Em segundo lugar o uso de itens leacutexicos tambeacutem eacute um problema com o qual a maioria
dos autores de textos acadecircmicos entra em contato pois - -agraves vezes ndash esse autor emprega um
item no sentido que ele tem como termo de sua aacuterea de especialidade sem se dar conta de que
para o sistema geral da liacutengua ele eacute negativamente carregado demais ou pode ter outras
acepccedilotildees
De todo modo concordamos com uma outra questatildeo levantada por Picelli (2016) a
ausecircncia ndash por parte dos defensores do perspectivismo-
[] de elaboraccedilatildeo metodoloacutegica sobre o fazer etnograacutefico Viveiros de Castro natildeo se
preocupa em construir a consequecircncia de sua teoria ou seja abre matildeo de se filiar agrave
antropologia claacutessica na formulaccedilatildeo de uma teoria estritamente etnograacutefica Dito de
outra maneira o autor natildeo reflete sobre as consequecircncias que suas afirmaccedilotildees
causariam por exemplo nos processos de trabalho de campo e escrita das
observaccedilotildees Natildeo elabora portanto um conjunto de procedimentos que devem ser
analisados para que a teoria funcione na observaccedilatildeo empiacuterica
Nesse sentido Fargetti (2018) com as etapas de pesquisa postuladas por sua
Terminologia Etnograacutefica (explicitadas anteriormente neste texto) mesmo sendo linguista
trouxe contribuiccedilotildees muito relevantes agrave aacuterea
Aliaacutes a proacutepria autora tambeacutem traz indagaccedilotildees frente a essa teoria ao afirmar que ao
menos para as ilustraccedilotildees que ela coletou sobre as cantigas de ninar juruna o que ela chama
de ―bichos gente (os bichos que em tempos antigos falavam um juruna agramatical natildeo
pertencente a nenhuma variedade efetiva e cometiam atos imorais como manter relaccedilotildees
sexuais em puacuteblico) foram retratados com caracteriacutesticas ndash inclusive as fiacutesicas- apenas
animais e natildeo humanas
Em contraposiccedilatildeo a Lima (1999) que afirma que o porco-Xamatilde pode falar em sonho
com o pajeacute Fargetti (2017a) afirma que na verdade este porco soacute fala ndash e de maneira
agramatical quando o faz- se for possuiacutedo pelo espiacuterito-dono dos porcos Afirma ainda que os
92
humanos se distinguiriam sim dos espiacuteritos e dos animais desde tempos miacuteticos ateacute mesmo
por questotildees linguiacutestica haja vista as construccedilotildees agramaticais exclusivas dos bichos-gente
quando estes falavam antigamente
A referida linguista (FARGETTI 2017) tambeacutem postula que a existecircncia da
possibilidade para os juruna da metamorfose de humanos em animais (sobretudo caccediladores
mal-sucedidos ou em situaccedilotildees de eclipse solar) e de animais em humanos em casos de
intenccedilotildees enganosas e de ndash quando estatildeo sob influecircncia dos seus donos- raptos de corpos e
almas humanas
Acresce que os dados da referida pesquisadora apontariam para o fato de que os
bichos-gente soacute se enxergavam como humanos no passado pois tinham alguns atributos + ou
ndash humanos Mas de acordo com a mesma autora desde que passaram a ser apenas bichos
tambeacutem teriam passado a se ver e serem vistos apenas desta maneira tendo inclusive medo
dos humanos por eles vistos ndash segundo Fargetti (2017a)- como humanos Aliaacutes eacute digno de
nota que ela levanta a possibilidade de que Lima tenha dados como ―bicho acha que eacute gente
em razatildeo de alguns falantes juruna fazerem construccedilotildees no portuguecircs usando a estrutura de
sua liacutengua indiacutegena materna na qual natildeo existe a distinccedilatildeo morfoloacutegica que fazemos dos
chamados presente e preteacuterito Assim esse ―acha que eacute na verdade pode se referir a um
tempo muito anterior a um tempo miacutetico da mesma forma que um informante teria dito agrave
proacutepria Fargetti algo como ―meu primo conhece muitos muacutesicas mesmo este primo tendo
morrido haacute certo tempo
Um outro ponto comentado eacute a afirmaccedilatildeo de Lima (1999) de que a humanidade seria
um agrupamento que iria dos juruna como polo mais humanamente prototiacutepico perpassando
os intermediaacuterios (que seriam mais humanos que animais) povos da floresta (aos quais
Fargetti (2017a) insere os dai) e os brancos
Vale ressaltar tambeacutem que outra questatildeo contestada eacute o postulado de Viveiros de
Castro (1996) de que os etnocircnimos indiacutegenas seriam espeacutecies de pronomes ao menos
pragmanticamente Segundo Fargetti na verdade eles seriam nomes e embora a palavra da
(pessoal grupolsquo) que tem o sema ―pessoa decirc origem ao pronome pessoal de terceira pessoa
do plural abiumldai a palavra que significa gentelsquo (dubiaacute) teria na oacutetica de Fargetti (2017)
sido primeiramente utilizada pelos bichos-gente para nomear os humanos como humanos e
estes depois passaram a utilizadas para as mesmas finalidades
Seguindo seus pensamentos uma das conclusotildees a que ela chega eacute
O que os dados etnograacuteficos de que disponho parecem apontar eacute que haacute uma
distinccedilatildeo primaacuteria entre humano e natildeo-humano dada pela linguagem eacute realmente
humano quem fala juruna como um juruna falaria e eacute chamado dubiaacute por oposiccedilatildeo
93
a kania (bicho) A partir daiacute haacute vaacuterios graus niacuteveis de humanidade de acordo com
a linguagem satildeo mais humanos os que tecircm liacutenguas parecidas com os juruna ou
como no caso dos brancos os que descendem dos juruna menos humanos que estes
seriam os que falam liacutenguas distintas e no passado bichos-gente seriam ainda
menos humanos por falarem ―errado Atualmente plantas animais e monstros
seriam totalmente natildeo-humanos No entanto pode-se questionar qual seria a
classificaccedilatildeo dos espiacuteritos-dono dos animais e das plantas(FARGETTI 2017 p 56-
57)
Outra conclusatildeo digna de nota eacute um contra-argumento ao diaacutelogo que Viveiros de
Castro (1996) estabelece com Benveniste ao afirmar que para os juruna a cultura seria o
pronome sujeito eu e a cultura seria a natildeo-pessoa ele
[] na verdade a cultura parece ter o escopo de primeira pessoa do plural exclusivo
e natildeo como quer o autor a primeira pessoa do singular ―eu A natureza eacute indicada
pelo pronome de terceira pessoa ―ele por ser sempre o assunto de que os
participantes do discurso falam Contudo se a natureza eacute sempre diferente como
poderia haver diaacutelogo que pressupotildee uma mesma referenciaccedilatildeo entre os locutores
[]
Assim penso que a natureza eacute igual para os de mesma cultura que podem dialogar
sem mal-entendidos nem problemas de comunicaccedilatildeo Mas ela eacute diferente entre os
que satildeo de culturas distintas e se natildeo se conhece o sentido de natureza para o outro
natildeo eacute possiacutevel conversar com ele mesmo conhecendo sua liacutengua como coacutedigo
Aquele que natildeo eacute de mesma cultura vecirc o mundo de maneira diferente de mim
recortando-o com seus oacuteculos culturais a tal ponto de compreendecirc-lo de formas bem
distintas Desse modo diferente de Viveiros de Castro considero que a cultura eacute
diferente e que a natureza eacute diferente tambeacutem (FARGETTI 2017 p 57)
Ou seja na oacutetica da referida linguista
[] a relaccedilatildeo entre cultura e natureza eacute culturas diferentes naturezas distintas
Bichos-gente e humanos foram diferentes natildeo tendo a mesma cultura pois natildeo
tinham a mesma liacutengua e a natureza para eles natildeo era igual pois seus corpos
distintos se relacionavam de maneira diversa com o mundo [] todos tecircm seu
dono seu isamiuml mas soacute humanos tecircm almas individuais aleacutem de seu isamiuml
(FARGETTI 2017 p 280-281)
Vale ressaltar que nosso intuito natildeo eacute nem dar status de ―verdade inquestionaacutevel agrave
teoria proposta por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) e nem dizer que ela estaacute
completamente ―errada primeiro porque isso demandaria um tempo consideraacutevel de estudo
dos juruna (muito maior que os dois anos desse mestrado) para compreender totalmente seus
sistemas de classificaccedilatildeo de animais em sua totalidade como eles se enxergam e enxergam os
demais seres e como eles pensam que esses seres se enxergam embora obviamente nos
aproximemos mais das opiniotildees de Fargetti (2017) sobretudo no que concerne agrave relaccedilatildeo entre
natureza e cultura
Aleacutem disso a visatildeo que de acordo com as opiniotildees juruna esses animais tecircm em
relaccedilatildeo aos humanos e em relaccedilatildeo a si mesmos (como eles se vecircem e se o vecircem a partir de
como os juruna concebem o mundo) natildeo eram o alvo de nossa pesquisa pois pretendiacuteamos
94
trazer como os juruna viam os animais que noacutes chamamos de borboleta O olhar que
pretendiacuteamos averiguar portanto natildeo era o dos animais frente ao mundo na oacutetica juruna e
sim a perspectiva dos juruna acerca desses entes o que tais entes representam para a
comunidade em questatildeo (e natildeo o contraacuterio pelo menos natildeo nos nossos planos iniciais)
Mesmo assim nosso intuito eacute tentar estabelecer diaacutelogos por meio do levantamento de
perguntas suscitadas pelos dados ateacute porque mais do que trazer respostas dogmaacuteticas e
inquestionaacuteveis o posicionamento cientiacutefico seja ele matriz de qualquer uma das vaacuterias
ciecircncias humanas eacute ndash em nossa perspectiva ndash mais levantar perguntas que impulsionem as
correntes das pesquisas futuras (a partir das aacuteguas jaacute passadas por investigaccedilotildees anteriores) do
que dar respostas dogmaacuteticas
De qualquer forma feitas essas ressalvas e com o intuito de explicitar as distinccedilotildees
entre os criteacuterios e as categorias de classificaccedilatildeo de nossa sociedade e os dos juruna passo a
explicitar alguns criteacuterios (sobretudo de morfologia corporal como nervura da asa forma da
sutura epicraniana nas formas imaturas haacutebito noturno ou diurno de voo o tipo de antena a
presenccedila (ou natildeo) de ocelos os processos de uniatildeo entre as asas anteriores com as posteriores
as peccedilas bucais as pernas e o abdome) de nossa ciecircncia bioloacutegica
3 2 5 Os criteacuterios da nossa entomologia para classificar borboletas
Natildeo eacute meu intuito chegar a uma especificaccedilatildeo minuciosa de cada exemplar
fotografado na aldeia Tuba- Tuba e nem mesmo apresentar todas as chaves dicotocircmicas que
satildeo utilizadas numa classificaccedilatildeo taxonocircmica porque isso excederia o escopo deste
trabalhoAteacute porque como o leitor poderaacute verificar na seccedilatildeo de exposiccedilatildeo dos dados natildeo satildeo
exatamente os mesmos criteacuterios utilizados pelos juruna e nem a classificaccedilatildeo eacute semelhante
De qualquer modo a intenccedilatildeo da descriccedilatildeo que segue eacute apresentar os saberes de nossa
Entomologia para poder comparaacute-los com os saberes juruna (apresentados nas seccedilotildees
posteriores deste texto) sem estabelecer graus de hierarquia (de ―superioridade e nem de
―inferioridade) entre eles mas mostrando apenas as diferenccedilas
Para tanto eacute necessaacuterio dizer que ndash como atestam Motta (1996) e Martinelli (2018) -
borboletaslsquo e mariposaslsquo satildeo por entomoacutelogos agrupadas na classe dos insetos animais
pertencentes ao filo dos artroacutepodes (jaacute que tecircm patas articuladas) cujo corpo ndash provido de um
exoesqueleto com uma cutiacutecula quitinosa- eacute dividido em 3 partes cabeccedila toacuterax e abdome
(local onde se localiza o aparelho sexual externo) Na primeira destas partes haacute um par de
olhos compostos e de antenas bem como o aparelho bucal Jaacute no toacuterax aleacutem dos 3 pares de
95
pernas (que tornam o animal hexaacutepode) pode ou natildeo haver asas (cujo nuacutemero de pares varia
entre 0 (para aacutepteros) 1 (para diacutepteros) e 2 para tetraacutepteros)
A respiraccedilatildeo destes animais seria realizada ndash de acordo com Motta (1996)- por meio
de traqueacuteias e a circulaccedilatildeo atraveacutes de lacunas e de um coraccedilatildeo que bombeia um liacutequido claro
de cor verde ou amarela rico mais em alimento que em oxigecircnio
Seu sistema nervoso ventral ndash ainda seguindo a mesma autora citada anteriormente-
caracteriza-se por trecircs gacircnglios (cerebral toraacutecico e abdominal) Jaacute seu aparelho digestivo ndash
aleacutem da cavidade bucal do ceco gaacutestrico dos tuacutebulos de Malpighi e da abertura anal -
subdivide-se em trecircs intestinos (anterior meacutedio e posterior)
Aleacutem desse fato eacute relevante que esta classe de animais ndash que se desenvolvem atraveacutes
de metamorfoses - comporte oviacuteparos com reproduccedilatildeo sexuada cruzada e fecundaccedilatildeo por
meio de coacutepula
Como afirma Motta (1996) em virtude do exoesqueleto riacutegido todo inseto tem ndash ao
menos na visatildeo de um entomoacutelogo- que trocar de pele para crescer Assim todos acabam
sofrendo alguma metamorfose que pode ser de 3 tipos
1-) Ametabolia do ovo passa-se ao jovem e depois ao adulto sem ou com pouquiacutessimas
alteraccedilotildees corporais
2-) Hemimetabolia do ovo o inseto se desenvolve ateacute uma ninfa e posteriormente a um
adulto com genitaacutelia e normalmente provido de asas
3-) Holometabolia do ovo o inseto antes de ser completamente adulto passa para um
estaacutegio de larva ou de lagarta (como no caso das borboletas) e posteriormente para uma pupa
ou crisaacutelida (que pode estar dentro de um casulo)
Mas eacute possiacutevel ser um pouco mais especiacutefico na classificaccedilatildeo do objeto de estudo
deste trabalho afirmando que ele se aloca na segunda maior ordem de insetos (inferior apenas
agrave ordem Coleoptera dos besouros) pois abrange cerca de 150000 espeacutecies conhecidas e
descritas de borboletas e mariposas ndash que formam os Lepidoacuteptera (MOTTA 1996)
De acordo com Martinelli (2018) as lagartas (formas imaturas providas de um
aparelho bucal mastigador um par de antenas trecircs pares de olhos simples e falsas pernas no
abdome com ganchinhos nas bases que as seguram nos substratos) diferem quase totalmente
das formas adultas na medida em que as uacutenicas caracteriacutesticas comuns entre os dois estaacutegios
satildeo a presenccedila de trecircs pares de pernas no toacuterax e ter o corpo dividido em cabeccedila toacuterax e
abdome (como todos os demais insetos)
Acresce que a referida docente ainda afirma serem essas formas adultas possuidoras
de dois pares de asas membranosas cobertas de escamas um par de grandes olhos compostos
96
um par de antenas um aparelho bucal sugador caracterizado pela espiritromba ou probloacutescide
(tubo enrolado em espiral que funciona analogamente a uma liacutengua-de-sogra) e um abdome
com um aparelho sexual externo
Aliaacutes a distinccedilatildeo entre borboletas e mariposas pode ser feita por meio de cinco
criteacuterios a saber o periacuteodo de atividade desses insetos o tipo de antenas nos animais adultos
a posiccedilatildeo das asas quando o inseto em questatildeo estaacute em repouso a coloraccedilatildeo e por fim a
morfologia corporal Enquanto borboletas tecircm voo diurno antenas clavadas (em forma de
clava mais grossa nas extremidades) asas que permanecem levantadas verticalmente ao
corpo cores claras vistosas e agraves vezes metaacutelicas e um corpo delgado (fino) com nuacutemero
pequeno de escamas parecidas com pelos (as chamadas ―cerdas) mariposas tecircm voo
noturno antenas de vaacuterios tipos (menos clavadas) asas que ficam horizontalmente sobre o
corpo quando os animais estatildeo em repouso cores escuras e um corpo cheio (gordo) e peludo
(coberto de cerdas)
Aleacutem disso o aparelho bucal de tais insetos eacute apenas mastigador nas fases imaturas e
passa nas adultas a ser sugador e provido de oito partes (como ilustrado na imagem abaixo
produzida durante uma aula que acompanhei como ouvinte na disciplina Morfologia de
Insetos da Unesp ndash Jabotical sob a responsabilidade de Nilza Maria Martinelli) epifaringe
(cuja funccedilatildeo eacute gustativa) labro (usado na movimentaccedilatildeo e retenccedilatildeo de alimentos) mandiacutebula
(usada para perfuraccedilatildeo trituraccedilatildeo corte e defesa) hipofaringe (para degustaccedilatildeo e tateio do
ambiente) maxila (usada para auxiliar a mandiacutebula e para tatear e degustar o ambiente) palpo
(apecircndice sensorial segmentado) laacutebio (com funccedilatildeo taacutetil e de retenccedilatildeo de alimentos) e do
sugador maxilar conhecido como espirotromba
Desenho 1 Partes e funccedilotildees do aparelho bucal de lepidoacutepteros
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas no blog Agromais
97
Vale dizer tambeacutem que os lepidoacutepteros ndashpara a Entomologia- possuem asas
membranosas de estrutura fina e desenvolvida com patas ambulatoacuterias adaptadas para andar
ou correr
Desenho 2 Partes de uma pata de lepidoacuteptero
Fonte desenho feito por Iago David Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988 p 10)
Aleacutem disso os indiviacuteduos adultos desta ordem satildeo providos de asas membranosas e
geralmente cobertas de escamas que inexistem parcialmente para alguns grupos e satildeo
originaacuterias de ceacutelulas evaginadas e achatadas formando estrias responsaacuteveis por uma difraccedilatildeo
na luz que incide sobre as asas dando a elas as mais variadas coloraccedilotildees
Daiacute a importacircncia de se coletar o espeacutecime da forma mais cuidados possiacutevel de modo
a evitar danos nas escamas (cujas funccedilotildees satildeo melhorar a dinacircmica dos voos controlar a
temperatura corporal proteger por camuflagem (quando o indiviacuteduo se modifica de acordo
com o ambiente) e mimetismo (como quando um imitador desprotegido lembra uma espeacutecie
de sabor desagradaacutevel a um predador de modo a garantir sua sobrevivecircncia))
Ainda seguindo Motta (1996) e Martinelli (2018) cabe falar das partes morfoloacutegicas
de tais animais Pode-se dizer que o corpo deles eacute formado de cabeccedila (arredondada provida
de antenas ocelos olhos fronte clipial espiritromba (utilizada na alimentaccedilatildeo coleta de
neacutectar) e palpo labial com o primeiro segmento antenal agraves vezes desenvolvido a ponto de
formar um capuz de olhos compostos) toacuterax (com trecircs segmentos num soacute bloco sendo o
mesotoacuterax o maior deles) patas (nas quais se deve observar a forma dos esporotildees nas tiacutebias a
garra dos tarsos presenccedila ou ausecircncia de espinhos e o fato de que natildeo satildeo tetraacutepodes nem
mesmo os exemplares com o primeiro par de patas reduzido ou atrofiado porque a despeito
das aparecircncias esse primeiro par de patas existe em todos) asas (membranosas com escamas
e nervuras longitudinais e transversais abrangendo as costais subcostais radiais cubianas e
anais)
Com relaccedilatildeo ao uacuteltimo assunto comentado anteriormente vale ressaltar o fato da
venaccedilatildeo ter uma importacircncia taxonocircmica ateacute na distinccedilatildeo de sub-espeacutecies Aliaacutes na oacutetica de
Martinelli (2018) haacute dois tipos possiacuteveis de nervuras Na primeira delas chamada de
98
homoneura (mesmo nuacutemero de ramificaccedilotildees nas asas anteriores e nas posteriores) a venaccedilatildeo
eacute semelhante tanto nas asas anteriores quanto nas posteriores com o mesmo nuacutemero de
ramificaccedilotildees da nervura radial (R) em ambas as asas (5 ramificaccedilotildees ocasionalmente 6) a
subcostal simples ou com duas ramificaccedilotildees a medial com trecircs e mais trecircs anais (A) Jaacute na
segunda (heteroneura) a distribuiccedilatildeo das nervuras (venaccedilatildeo) eacute distinta nas asas anteriores e
posteriores sendo que a das primeiras eacute reduzida e as radiais (R) natildeo satildeo ramificadas sendo 5
nas anteriores (ocasionalmente menos) e nas posteriores a R1 (primeira radial) se funde com a
subcostal aleacutem de que a porccedilatildeo basal da mediana eacute atrofiada em muitos casos de modo que
uma grande ceacutelula eacute formada (a ceacutelula Discal) e ndashcom relaccedilatildeo agraves anais ndash a A1 eacute atrofiada ou
fundida com a A2
Aleacutem disso o abdome desses insetos eacute ciliacutendrico e alongado com 10 urocircmetros com
escamas e com cercos com genitaacutelia no 9ordm urocircmetro para machos e no 7ordm ou 8ordm nas fecircmeas
sendo que no primeiro urocircmetro (ou metatoacuterax) haacute oacutergatildeos timpacircnicos que produzem sons de
baixa frequecircncia inaudiacuteveis para humanos
Mas a par essas questotildees como eacute possiacutevel ndash na oacutetica bioloacutegica- reconhecer ateacute
famiacutelias gecircneros e espeacutecies pela identificaccedilatildeo morfoloacutegica das formas imaturas de
borboletaslsquo e lagartaslsquo passo a discorrer sobre este assunto afirmando que (como atesta
MARTINELLI 2018) em suas cabeccedilas haacute uma sutura epicraniana em forma de Y invertido
dividindo a caacutepsula cefaacutelica em dois Se houver uma sutura adfrontal (que obviamente e
como o proacuteprio nome diz separa os lados da fronte) ela pode distinguir dois gecircneros na
medida em que caso natildeo atingir o veacutertice seraacute um Spodopdra e caso atingir um Agrotis
Ipsilon
Jaacute o toacuterax das partes imaturas tem trecircs segmentos diferentes o prototoacuterax com placa
tergal esclerotizada e com espiraacuteculos e toacuterax com um par de pernas verdadeiras em cada
segmento O abdome de tais insetos por sua vez teria dez segmentos e falsas pernas nos
segmentos 3 4 5 6 e no uacuteltimo e espiraacuteculos ovais ou circulares nos segmentos de 1 a 8
(MARTINELLI 2018)
Essas falsas pernaslsquo (ou colchetes) satildeo ndash para a professora-doutora da Unesp de
Jaboticabal jaacute mencionada anteriormente- questotildees caracteriacutesticas morfoloacutegicas importantes
ateacute porque diferenciam lepidoacutepteros de menoacutepteros (nos quais satildeo ausentes) e satildeo estruturas
esclerotizadas (fortemente enrijecidas) arranjadas em fileiras ou ciacuterculos (espeacutecies de
pequenos solas) adaptadas para que o animal possa se aderir aos diferentes substratos
Aliaacutes haacute ndash de acordo com Martinelli (2018)- uma foacutermula somatoacuteria para a
classificaccedilatildeo desses colchetes O primeiro criteacuterio a ser verificado eacute a seacuterie que se refere ao
99
nuacutemero de fileiras de ganchos Com relaccedilatildeo a esse primeiro criteacuterio satildeo unisseriais os
animais providos de colchetes numa soacute fila bisseriais aqueles nos quais haacute colchetes em duas
filas concecircntricas e multisseriais os que tecircm trecircs ou mais fileiras concecircntricas O segundo
criteacuterio eacute ordinal referindo-se ao nuacutemero de fileiras em funccedilatildeo de variaccedilatildeo do tamanho dos
ganchos Caso todos eles se apresentem aproximadamente do mesmo tamanho teremos um
espeacutecime uniordinal Mas caso o espeacutecime em averiguaccedilatildeo tenha ganchos arranjados numa
uacutenica fileira alternada de dois ou trecircs comprimentos seraacute biordinal Uma uacuteltima possibilidade
para este criteacuterio eacute o multiordinal (em casos de indiviacuteduos com ganchos de mais de dois
tamanhos)
Haacute ainda outras possibilidades quanto agrave disposiccedilatildeo de ganchos (ilustradas na figura
que segue) Se eles forem ausentes numa porccedilatildeo do ciacuterculo teremos uma penelipse lateral
(ciacuterculo de colchetes incompleto fechado na parte lateral ou quando a estrutura do ciacuterculo fica
dentro da linha mediana) ou uma penelipse mesal (ciacuterculo incompleto fechado na parte
mediana ou quando a abertura do ciacuterculo fica para fora)
Figura 2 Ilustraccedilatildeo das margens de um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
Eacute tambeacutem possiacutevel que haja ausecircncia de ganchos nas partes laterais e mesais
formando bandas transversais como esquematizado abaixo
Figura 3 Ilustraccedilatildeo de banda transversal de ganchos em um lepidoacuteptero imaturo
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria a partir da aula de Martinelli (2018)
100
Mas se inexistirem ganchos nas partes anteriores e posteriores formando-se duas
fileiras teremos uma banda longitudinal tambeacutem chamada de pseudociacuterculo Se a seacuterie de
ganchos estiver na parte lateral teremos uma laterosseacuterie ou uma banda longitudinal externa
Se ao contraacuterio a seacuterie de colchetes for encontrada na parte interna teremos uma mesosseacuterie
(banda longitudinal interna) Para este uacuteltimo caso haacute ainda duas subespecificaccedilotildees Caso os
ganchos da mesosseacuterie sejam do mesmo tamanho teremos uma seacuterie homoidea Mas se eles
forem maiores que os laterais a seacuterie seraacute chamada de heteroidea
Vecirc-se dessa forma que haacute uma quantidade relevante de classificaccedilotildees quanto aos
ganchos
Outros temas relevantes satildeo a presenccedila de processos cuticulares externos em lagartas e
as faixas em que ocorrem pois ambas satildeo questotildees morfoloacutegicas que podem determinar
generalizaccedilotildees em famiacutelias e sub-espeacutecies e ateacute possibilitar identificaccedilotildees e classificaccedilotildees
taxonocircmicas especiacuteficas Quanto agraves faixas elas recebem nomes relativamente claros a
depender de sua localizaccedilatildeo Numa visatildeo lateral uma lagarta tem quatro faixas a do dorso
(dorsal) a que estaacute abaixo do dorso (sub-dorsal) uma acima dos espiraacuteculos e outra abaixo Jaacute
numa visatildeo dorsal haacute a parte central (dorsal) abaixo da qual se situa a sub-dorsal sendo que
esta eacute seguida pela supra-espiracular
Figura 4 Vistas lateral e dorsal das faixas de uma lagarta
Fonte modificada de Borror e Delong (1988 p 331)
No que se refere por fim aos processos cuticulares externos haacute cinco especificaccedilotildees
Como comenta Martinelli (2018) uma pinaacutecula eacute uma aacuterea esclerotizada provida de curto
pelo sempre engrossada no ponto de iniacutecio da cerda (presente por exemplo em lagartas de
Spodoptera) Jaacute uma calaza (presente em Pierdae ou Helicoverpar zea) representa uma cerda
101
presa a um tubeacuterculo mais ou menos saliente Jaacute um escolo (presente em formas imaturas de
Saturnidae e Nymphalidae) se assemelha a uma pequena aacutervore de natal e se constituiu de um
conjunto de conspiacutecuos processos armados de cerdas espinhosas Uma verruga por sua vez
se distingue de uma verriacutecula pois enquanto esta eacute um tufo denso de cerdas eretas ordenadas
e paralelas dirigidas para cima aquela equivale a um tufo de finas cerdas desordenadas
inseridas numa elevaccedilatildeo
Podemos ilustrar resumidamente o que foi dito anteriormente pelas imagens a seguir
Desenho 3 Tipos de possiacuteveis processos cuticulares externos
Fonte desenho feito por Iago Ddavid Mateus em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (2018) a partir de informaccedilotildees
colhidas em Borror e Delong (1988) Costa Ide e Simonka (2006) e Sther (1987)
Foto 6 vista microscoacutepica de lagarta com processo cuticular pinacular
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica de Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Foto 7 Lagarta com verriacuteculas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
102
Foto 8 Lagarta com verrugas
Fonte capturada por Iago David Mateus durante a aula praacutetica Martinelli (2018) no laboratoacuterio da Unesp de Jaboticabal
Contudo ainda satildeo possiacuteveis sub-especificaccedilotildees Como apenas alguns dos exemplos
das famiacutelias entre as borboletas autores como Motta (1996) citam os papilioniacutedeos pieriacutedeos
e os ninfaliacutedeos (de cores variadas)
Os primeiros satildeo insetos como o Protesilaus protesilaus (popularmente conhecido
como veleiro argonauta ou vidro-do-ar) cujas lagartas tecircm escondida numa cavidade na parte
dorsal do toacuterax uma estrutura chamada de osmeteacuterio que eacute expelida para fora exalando um
cheiro forte e ruim toda vez que o espeacutecime eacute perturbado de alguma maneira
Jaacute os pieriacutedeos (como Anteos menippe e Ascia monuste) satildeo brancos laranjas ou
amarelos marcados de preto e tecircm um corpo adulto entre meacutedio e pequeno Enquanto suas
lagartas se alimentam de hortaliccedilas e de leguminosas os adultos migram em bandos
(panaacutepanaacute) e a fim de sugar sais minerais com aacutegua pousam nas beiras de rios igarapeacutes e na
areia uacutemida
E por fim para os ninfaliacutedeos Motta (1996) cita quatro subfamiacutelias BRASSOLIacuteNEO
(como o Caligo sp ou borboleta-coruja assim chamada em razatildeo das manchas ocelares da
parte inferior das asas parecem com os olhos da referida ave de rapina) HELICONIacuteNEO
(como Agraulis sp ou praga-do-maracujaacute que quando adulto eacute alaranjado com riscos e
manchas pretas na parte superior das asas e prateado na parte inferior destas) MORFIacuteNEO
(como Morpho menelaus popularmente chamado de azul-seda em razatildeo do dorso azul
metaacutelico de suas asas) e NINFALIacuteNEO (como Hamadryas feronia borboleta carijoacute ou
estaladeira que produzem um ruiacutedo seco ao voar Colobura dirce ou borboleta- zebra que
alimenta-se da imbauacuteba e cujas asas tecircm um desenho listrado em sua face central e Junonia
evarete com porte meacutedio asas com manchas ocelares e que tem como hospedeira a planta
gervatildeo) Jaacute para as mariposas Motta (1996) cita 4 famiacutelias esfingiacutedeos cossiacutedeos
saturniacutedeos e noctuiacutedeos
103
A primeira destas famiacutelias engloba ndash para a autora- animais grandes e pequenos com
corpo robusto asas anteriores forte em forma de triacircngulo longas e estreitas frente as
posteriores que embora tambeacutem triangulares satildeo sempre menores que as anteriores Suas
lagartas quando incomodadas ficam com a parte anterior do corpo relativamente ereta o que
lembra uma esfinge egiacutepcia ndash daiacute o nome da famiacutelia Entre seus exemplares estatildeo o
Protambulyx strigilis strigilis (que se hospedam em cajueiros taperebaacutes e cajaranas e tecircm asas
marrom claro com ponto (e riscos) escuros e alaranjados) Pachylia ficus (que se alimentam
de figueiras e tecircm cor marrom escura com um ponto branco na parte inferior de cada asa
posterior) Cocytius duponchel (hospedam-se na graviola e satildeo esverdeadas com traccedilos
amarronzadas nas asas anteriores e traccedilos amarelados marrons e uma aacuterea transparente nas
posteriores) e Erinnyis ello ello (de cor acinzentada satildeo lagartas que se hospedam na
mandioca na seringueira no mamoeiro)
A segunda ainda de acordo com a mesma pesquisadora abarca os cossiacutedeos como
Xyleutes sp (cujas lagartas se alimentas de laranjeiras e de leguminosas) eacute composta por
insetos de tamanho meacutedio a grande corpo robusto e normalmente de cor parda escura com
pequenas manchas brancas com estrias e manchas pretas
Os saturniacutedeos por sua vez como natildeo se alimentam quando adultos acabam por natildeo
possuir espiritromba Muitas de suas lagartas possuem cerdas com substacircncias uticantes
(como Hylesia sp) ou letal (como Lonomia sp) Como exemplos satildeo citados por Motta
(1996) a Eacles imperiales (de cor amarela com manchas marrons) e Rotchschildia erycina
(que na fase adulta recebe o nome popular de espelho mas que para se transformar em
pupa tece em volta de si um casulo de seda sendo por isso chamada de bicho-de-seda
brasileiro)
E os noctuiacutedeos por fim satildeo a maior famiacutelia de lepidoacutepteros que abrange
normalmente animais de coloraccedilatildeo sombria (bem poucos tecircm coloraccedilatildeo mais viva) como a
Thysania agrippina (cujo nome vulgar eacute imperador por seu o lepidoacuteptero com a maior
envergadura do mundo e ter coloraccedilatildeo cinza-prateado com traccedilos de zig-zag escuros) e a
Ascalapha odorata (vulgarmente conhecida como bruxa que se alimenta do ingaacute e de outras
leguminosas e tem coloraccedilotildees escuras do marrom ao preto)
105
4 METODOLOGIA
Nesta seccedilatildeo explicitamos e justificamos os meacutetodos que haviacuteamos previamente
elaborado para poder por em praacutetica os planos iniciais do projeto e das causas desse plano
inicial ter se alterado quando da nossa ida a campo
Para iniciaacute-la afirmamos que a primeira das etapas da pesquisa fixou-se na leitura e na
elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos de bibliografia referente agraves aacutereas com as quais
nossas investigaccedilotildees estabeleciam interfaces eou das quais retiraacutevamos contribuiccedilotildees de
natureza teoacuterica (referenciadas anteriormente na seccedilatildeo de aporte teoacuterico)
Uma etapa posterior foi a de apresentar os objetivos iniciais e a bibliografia que estava
levantada ateacute o momento em eventos acadecircmico-cientiacuteficos
Aleacutem disso tambeacutem pudemos com verba da Capes e CNPq disponibilizada ao Projeto
maior de nossa orientadora ir a campo em meados de 2017 para realizaccedilatildeo de entrevistas com
um informante designado pela proacutepria comunidade tentando coletar e registrar histoacuterias
performances artiacutestico-culturais tiacutepicas envolvendo borboletas
Aliaacutes cabe ressaltar que como o financiamento para a viagem foi dado primeiramente
para auxiliar na elaboraccedilatildeo do Vocabulaacuterio da Cultura Material Juruna aleacutem de coletar os
dados para este mestrado tambeacutem auxiliei no registro por meio de fotografias de itens da
ceracircmica cultura material juruna que viriam a compor ilustraccedilotildees na referida obra e no
escaneamento de livros sobre a roccedila e a pintura corporal juruna
Quando da nossa visita na aldeia estavam habitando alguns juruna do Paraacute e tambeacutem
alguns jovens Xipaya ambos para aprender com a comunidade a liacutengua juruna mas com
motivaccedilotildees diferentes para esse aprendizado Aqueles para recuperar a liacutengua original de seu
povo e estes para aprender uma liacutengua irmatilde daquela de sua comunidade podendo assim
contribuir com a revitalizaccedilatildeo do Xipaya Aliaacutes em um dos dias foi-nos relatado muito da
resistecircncia indiacutegena agraves injusticcedilas do Governo de entatildeo e das lutas indiacutegenas para defender
questotildees culturais e seu territoacuterio de outros povos e dos desmatamentos e opressotildees advindos
de ruralistas Um dos jovens fez durante uma reuniatildeo um relato emocionante de como seu
povo xipaya teve de abdicar da proacutepria liacutengua para tentar permanecer em seu territoacuterio uma
vez que foram escravizados e eram no passado constantemente ameaccedilados caso natildeo falassem
apenas Portuguecircs
Embora haja felizmente tentativas de retomada pelos xipaya de sua cultura liacutengua eacute
triste perceber que tanto o povo juruna quanto o xipaya acabaram sofrendo enormes perdas
Afinal para lutar por seu territoacuterio geograacutefico estes acabaram perdendo sua liacutengua cultura
106
Jaacute os juruna as mantiveram mas para isso tiveram que abrir matildeo de seu territoacuterio original
fugir do Paraacute e ir rumo ao sul lutando inclusive com outros iacutendios ateacute se instalarem onde
atualmente se encontram De qualquer modo como o fim primeiro da referida pesquisa de
mestrado era o de alcanccedilar os verdadeiros significados e conhecimentos da comunidade em
questatildeo em vez de procedimentos etnocecircntricos como buscar por classes e categorias nossas
como se nossos recortes fossem questotildees universais que ―deveriam estar presentes em todas
as comunidades e sem os quais haveria ―lacunas ―faltas nos conhecimentos desses outros
povos tentamos a todo o custo adotar o relativismo (GUIMARAtildeES ROCHA 1984)
Como afirma Fargetti (2017)
Podem ciecircncias dialogar Sim e natildeo Agraves vezes o que se tem eacute diaacutelogo (ou
monoacutelogo) entre cego e surdo O que um diz o outro natildeo ouve e o que um
sinaliza o outro natildeo vecirc Mas ambos chegam a conclusotildees de seu diaacutelogo Isso
ocorre quando se pressupotildee demais quando se infere sem comprovaccedilatildeo e
conhecimento Entatildeo para dialogar eacute preciso tentar entender o outro compreender
sua linguagem mesmo que para isso seja necessaacuterio um bom inteacuterprete Este
diaacutelogo pode levar a um conhecimento diferente mas se eu uso o recorte da minha
cultura com todos os seus pressupostos se eu uso os seus ―oacuteculos e tento ―achar
na cultura do outro as constelaccedilotildees que minha sociedade delimita o que vou
encontrar Talvez uma imagem borrada daquilo que esperava encontrar num
decalque apenas (FARGETTI 2017b p 2)
Assim opondo-se agraves teacutecnicas e metodologias limitadas e questionaacuteveis que restringem
a priori os saberes dos informantes agraves nossas categorias e pensamentos (como as citadas na
seccedilatildeo anterior) autores como Campos (2001 p 54-55) e Fargetti (2018) propotildeem um
―diaacutelogo de campo (entre o pesquisador especialista em sua aacuterea de formaccedilatildeo e o informante
especialista em determinados saberes e praacuteticas de seu povo) no qual o pesquisador natildeo
apenas respeite os referenciais do ―outro como tente tambeacutem ―entender os conceitos a partir
da proacutepria cosmologia e cosmogonia ndash ou seja dos referenciais e categorias - do grupo
pesquisado natildeo por meio de perguntas como ―vocecirc tem X (sendo X um elemento
conhecido do ―eu) mas sim por meio de questotildees como ―O que eacute isso Como vocecircs
interpretam isso- o que culminaria em algo proacuteximo de uma ―metodologia geradora de
dados (POSEY 1986 p 23-24 apud CAMPOS 2001 p 55)
Tendo tais questotildees em mente fomos a campo ansiando inicialmente coletar
espeacutecimes dos animais presentes na aldeia seguindo os meacutetodos da nossa ciecircncia bioloacutegica
atual (contidos em manuais e estudos como os de Almeida (1998) e Borror e Delong (1988))
que postulam a necessidade de coletar os insetos adultos e alfinetaacute-los em pranchas antes de
acondicionaacute-los em caixas com bicarbonato de soacutedio e naftalina e coletar as fases imaturas
fervecirc-las e colocaacute-las (devidamente identificadas com seus nomes taxonocircmicos e etiquetadas
107
com descriccedilotildees do local onde foram encontradas data da coleta vegetaccedilatildeo e horaacuterio) em
recipientes de vidro para conservaccedilatildeo
Contudo esse plano inicial teve que na aldeia ser repensado e reformulado uma vez
que uma questatildeo cultural levou a uma interdiccedilatildeo da comunidade juruna quanto ao abate dos
animais a saber a extrema importacircncia de uma dessas ―borboletas na captura de cipoacute para
renovar a embira da aacutervore que segundo os juruna sustenta o ceacuteu ao lado das cabeccedilas de dois
sapos posicionados em duas das arestas opostas do grande quadrilaacutetero que na oacutetica juruna eacute
a Terra (FARGETTI 2015 p 102)
Tal restriccedilatildeo me levou a buscar essas ―borboletas em seu habitat natural na
companhia de jurunas de um dos jovens Xipaya que momentacircnea e manualmente (eou com
o auxiacutelio de um puccedilaacute) as capturavam para registro fotograacutefico e em seguida as libertavam
Para esse registro tambeacutem pude contar algumas vezes com o auxiacutelio de Liacutegia Egiacutedia
Moscardini colega no trabalho de campo Ao total foram realizadas vaacuterias seccedilotildees de fotos
em datas distintas de modo que haacute a possibilidade de terem sido fotografados dois ou mais
exemplares do mesmo ―inseto (pensado nas nossas categorias de famiacutelia ordem espeacutecie
filo)
Acresce que natildeo nos utilizamos de guias de insetos (como haviacuteamos proposto no
projeto inicial) primeiro porque natildeo foi possiacutevel levaacute-los na viagem devido ao peso
consideraacutevel na bagagem e tambeacutem porque levando-se em consideraccedilatildeo que como jaacute
comentado a biodiversidade entomoloacutegica natildeo eacute de todo conhecida talvez seu uso pudesse
fazer com que fechaacutessemos os olhos para informaccedilotildees que natildeo estivessem contidas em tais
guias ou pudesse ainda fazer com que o indiacutegena ao ser questionado sobre o nome de
determinado animal contido nas ilustraccedilotildees das referidas obras criasse decalques que
efetivamente natildeo existem em seu sistema linguiacutestico apenas para parecer natildeo-deficitaacuterio em
relaccedilatildeo ao que o guia diz que ele ―deveria ter em sua liacutengua
Vale ressaltar que como nenhum dos juruna procedia agrave procura de formas imaturas e
como nas histoacuterias miacuteticas elas pareceram natildeo ter relevacircncia na distinccedilatildeo de subclasses
(diferentemente do que ocorre para a nossa taxonomia entomoloacutegica como comentado
acima) este estudo focou-se nas formas adultas
Concomitantemente a essa busca houve tambeacutem entrevistas com o especialista em
borboletas da comunidade juruna buscando colher histoacuterias tradicionais dos referidos
―insetos
108
Depois de capturadas cada uma das imagens foi convertida (da extensatildeo haw para a
jpg a fim de facilitar a leitura nos softwares computacionais disponiacuteveis) e numerada para
facilitar a identificaccedilatildeo da nomeaccedilatildeo juruna
Posteriormente cada uma delas foi numerada e adicionada numa pasta digital que
posteriomente foi apresentada ao especialista da comunidade a quem se perguntava o nome
em juruna para o animal que lhe era apresentado e tambeacutem se havia alguma histoacuteria miacutetica
sobre ele aleacutem de qual seriam para ele relaccedilotildees de ―parentesco a relaccedilatildeo de proximidade
entre os animais encontrados Para ficar claro como a proacutepria comunidade indicou apenas
este juruna como ―conhecedor de borboletas ele foi nosso uacutenico informante embora
tenhamos contado com a colaboraccedilatildeo de outros iacutendios inclusive crianccedilas como jaacute
comentado
Como forma de natildeo enviesar os resultados natildeo havia um roteiro pressuposto As
perguntas que faziacuteamos partiam da anaacutelise dos dados coletados e tambeacutem da anaacutelise da seccedilotildees
de entrevista anteriores
Eacute necessaacuterio salientar tambeacutem que as imagens foram numeradas e as que se referiam
ao mesmo animal recebiam uma subcategorizaccedilatildeo alfabeacutetica (sobretudo ocasiotildees nas quais o
animal batia as asas e dificultava seu registro ou quando a parte interna de suas asas era ndash
quanto agrave coloraccedilatildeo - muito distinta da externa) Por exemplo uma anotaccedilatildeo 8f significava que
havia seis fotos do exemplar identificado inicialmente como 8 e que aquela era a uacuteltima delas
Vale ressaltar por fim que como haacute povos que por exemplo classificam o morcego
como um paacutessaro e natildeo como um mamiacutefero natildeo podiacuteamos pressupor que os juruna
classificassem os animais de acordo com as mesmas categorias de nossa ciecircncia bioloacutegica
atual Em outros termos era extremamente relevante que tentaacutessemos entender em qual
(quais) classe (s) de animais os juruna alocam o que noacutes denominamos como ―borboletas (se
tais animais eram por eles vistos como ―insetos e se a classe insetos tinha valor no sistema de
classificaccedilatildeo juruna) e quais criteacuterios utilizam para isso
Como propotildee Campos (2001) natildeo poderiacuteamos focalizar previamente o saber do outro
recortando deliberadamente e de saiacuteda o que queremos encontrar Tendo isso em mente apoacutes
a referida coleta de dados tambeacutem perguntamos agrave comunidade indiacutegena estudada se havia
mais algum animal aparentado aos que estavam registrados ateacute aquele momento Foi-nos dito
que as ―libeacutelulas (que aliaacutes segundo o especialista tinham um espiacuterito muito forte capaz de
acarretar doenccedilas em humanos e agraves vezes faziam festas em grupo quando apareciam danccedilando
no ar) tinham certo parentesco mas que eram animais distintos dos que estaacutevamos falando
natildeo sendo subtipos dos animais que noacutes interpretamos como ―borboletas
109
Claro que natildeo tentamos testar conjecturas formulando perguntas que jaacute levassem a
certas respostas pois tal medida estaria ―forccedilando a realidade a uma classificaccedilatildeo que
poderia natildeo existir para o indiacutegena o que geraria uma espeacutecie de decalque
De qualquer modo cabe salientar que no que concerne ao nosso corpus ao total
temos as imagens dos animais estudados e realizamos com o especialista cinco seccedilotildees de
entrevistas que foram gravadas em formato mp3 Aleacutem delas tambeacutem coletamos alguns
viacutedeos dos quais destacamos um em que um jovem juruna narra suas motivaccedilotildees em estar na
aldeia um em que duas garotas juruna falam sobre as dificuldades de sua aldeia no Paraacute e
tambeacutem de todas as repercussotildees negativas na caccedila e pesca que a construccedilatildeo de hidreleacutetricas
estava causando e por fim a gravaccedilatildeo de uma atividade na escola da aldeia durante a qual
realizaram-se algumas atividades com os juruna dentre as quais citamos a contaccedilatildeo de
histoacuterias por um dos saacutebios a crianccedilas e a ilustraccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos que as
ouviam
Para finalizar esta seccedilatildeo podemos sintetizar esquematicamente as etapas da pesquisa
da seguinte maneira
1-) 1ordm Semestre de 2017 Acompanhamento de disciplinas leitura e levantamento
bibliograacutefico com posterior elaboraccedilatildeo de fichamentos resenhas e resumos
2-) 2ordm Semestre de 2017 apresentaccedilatildeo dos resultados iniciais de levantamento
bibliograacutefico em eventos acadecircmico- cientiacuteficos
3-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho) Ida a campo a viagem no total durou
praticamente um mecircs jaacute que o grupo ficou oito dias em tracircnsito para chegar e para voltar da
aldeia e permaneceu 15 dias em Tuba- Tuba onde coletamos as borboletas sobretudo na
beira do Rio Xingu entre a manhatilde e a tarde (das 8h agraves 14 h) realizamos oito entrevistas que
foram gravadas em aacuteudio mas natildeo transcritas e tambeacutem coletamos 17 viacutedeos (em mp4) A
maioria desses viacutedeos relatava a dinacircmica na qual o saacutebio da comunidade contava histoacuterias
juruna para as crianccedilas Cabe salientar ainda que natildeo tiacutenhamos questionaacuterios previamente
produzidos para serem aplicados nas entrevistas mas que as perguntas iam sendo elaboradas
de acordo com o que iacuteamos coletando e de acordo com as reflexotildees e debates com nossa
orientadora em campo A quase totalidade desses aacuteudios das entrevistas estaacute em portuguecircs
mas durante uma delas o especialista conta o mito das nasusu do ceacuteu em juruna
4-) 2ordm Semestre de 2017 (Junho-Julho)Tratamento sistematizaccedilatildeo e arquivamento
digital ainda em campo dos dados coletados Dentre esse dados estatildeo cerca de 400 imagens
de seres que noacutes natildeo-iacutendios chamamos de borboletas
110
5-) Agosto- Dezembro de 2017 Anaacutelise dos dados e escrita do esboccedilo da dissertaccedilatildeo
(jaacute fora de Tuba-Tuba)
6-) 1ordm Semestre de 2018 Reuniotildees com nossa orientadora para discutir as escritas
iniciaisacompanhamento de disciplinas sobre leacutexico
7-) 2ordm Semestre de 2018 Elaboraccedilatildeo do relatoacuterio de qualificaccedilatildeo que passou por
arguiccedilatildeo (em novembro de 2018)
8-) Novembro de 2018- Abril de 2019 Elaboraccedilatildeo da versatildeo da dissertaccedilatildeo para o
exame de defesa
9-) Abril-maio de 2019Defesa e elaboraccedilatildeo de versatildeo definitva da dissertaccedilatildeoFindas
essas discussotildees acerca das justificativas para nossos procedimentos metodoloacutegicos na
captura dos lepidoacutepteros da aldeia passamos a seguir natildeo apenas a expor os resultados
obtidos como tambeacutem a analisaacute-los mediante o embasamento teoacuterico comentado nas seccedilotildees
anteriores
110
5 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
Por meio da metodologia explicitada na seccedilatildeo anterior foi possiacutevel perceber que os
juruna natildeo utilizam nem lagartas e nem espeacutecimes adultos de borboletaslsquo em sua alimentaccedilatildeo
natildeo porque natildeo tenham valor nutricional em potencial mas sobretudo dada a importacircncia
cultural e aos perigos potenciais relativos agrave morte de um desses espeacutecimes Vale comentar
que de acordo com Fargetti e Maciel de Carvalho (em comunicaccedilatildeo pessoal) restriccedilotildees
alimentares como essa satildeo comuns para povos indiacutegenas ateacute mesmo em eacutepocas de resguardo
em razatildeo de luto jaacute que para alguns povos autoacutectones o espiacuterito do morto pode re-encarnar
em animais que portanto natildeo devem ser comidos por seus parentes Ao que os dados
coletados indicam nenhum deles tambeacutem eacute usado em questotildees de entomoterapia e nem de
entomomedicina pois natildeo me foi relatado nenhum uso deles em nenhum tipo de remeacutedio e
nem de preparo para restabelecer um estado saudaacutevel Parece que sua importacircncia fica
restrita a questotildees cosmoloacutegicas e miacuteticas embora de acordo com o informante natildeo haja
nenhuma festa especiacutefica na qual as borboletas sejam reverenciadas e nem lembradas
Aliaacutes nossa epiacutegrafe se justifica em razatildeo de distanciamento inicial entre o criador
juruna e ao fato de uma dessas borboletaslsquo constantemente retornar agrave Terra para realizar um
trabalho especiacutefico descrito abaixo
Mas antes de falar especificamente sobre as borboletaslsquo cabe ressaltar que durante
uma mostra de desenhos nosso informante contou agraves crianccedilas a histoacuteria de um veado que ndash
num tempo distante- danccedilava cantando ou tocando flauta com certa frequecircncia em torno de
um rio Por ouvi-lo os juruna acabaram aprendendo essa muacutesica por eles reproduzida ateacute
hoje
Tal narrativa eacute relevante na medida em que diferente do que afirma Viveiros de
Castro (1996) o velho em nenhum momento disse que o veado se via como gentelsquo Esse item
veio para o qualificar depois que narrou o fato de que ele falava e cantava provavelmente
num sentido de ―parecia com gente por cantar e falar
Acresce que certo dia um dos juruna teria flechado dois desses animais que passaram
a assumir somente a forma animalesca que tecircm hoje
Eacute preciso dizer tambeacutem que o saacutebio enfatizou que esse animal era gentelsquo porque
tambeacutem podia falar mas falava pouco juruna (e se o fazia falava juruna errado
agramaticalmente confirmando os postulados de FARGETTI (2017) jaacute que segundo a
histoacuteria ele sabia mais Xipaya
111
Assim apesar desse potencial de agentividade (danccedilar cantar e ateacute mesmo falar)
tambeacutem foi frisado que ele natildeo era ―gente verdadeiro e que o juruna que o via fazer suas
performances narrava o evento agrave sua esposa dizendo ―Eu vi um bicho
Isso eacute confirmado com os desenhos feitos pelas crianccedilas e professores juruna para
ilustrar a histoacuteria contada pois neles se verifica a distinccedilatildeo entre o juruna humano e o veado
que eacute representado de duas formas em peacute e um tanto antropomorfo num primeiro momento e
apoacutes a transformaccedilatildeo completamente animalesco E mesmo nesse primeiro momento o ser
em questatildeo ndash apesar de ereto e de ser provido de matildeos pernas e outras questotildees um tanto
quanto humanas tem traccedilos animais como garras chifres e excesso de pelos
Desenho 4 Ilustraccedilatildeo de um juruna (humano prototiacutepico) indo flechar o veado
Fonte desenho feito por Tamakayu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Desenho 5 O veado que cantava e danccedilava ao redor do rio
Fonte desenho feito por crianccedilas Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
112
Sobre a mesma histoacuteria ainda eacute relevante trazer duas questotildees A primeira o mesmo
informante afirmou que ―Todo bicho fala antigamente E essa declaraccedilatildeo parece confirmar
a hipoacutetese levantada por Fargetti (2017) de que quando os juruna dizem que os animais falam
estatildeo refletindo no portuguecircs a questatildeo de que em sua liacutengua natildeo haacute distinccedilatildeo morfoloacutegica no
verbo entre presente e passado A despeito disso pode-se saber que o evento narrado natildeo
ocorre no presente da enunciaccedilatildeo justamente pelo adveacuterbio ―antigamente que finaliza a
frase Ou seja isso ocorria ou ocorreu antigamente mas aspectualmente representa um evento
que natildeo ocorre mais (cuja iteraccedilatildeo se existe fica no passado)
Jaacute a segunda versa sobre o fato de que apesar de todos os animais e ateacute humanos
terem seu dono (nesse uacuteltimo caso chamado pelos juruna de ―nosso criador sendo portanto
Selalsquoatilde) hoje os bichos na Terra por si soacute natildeo falam mas apenas datildeo sinais Como jaacute havia
atestado Fargetti (2017) foi dito pelo saacutebio da comunidade indiacutegena em questatildeo que se
atualmente um bicho grita ou faz uso da liacutengua juruna para se comunicar na verdade eacute o
espiacuterito dono dele que entrou no corpo e estaacute falando pelo animal Normalmente esses
eventos ocorrem quando em situaccedilatildeo de caccedila ou mesmo de assassinato a viacutetima tem seu corpo
atravessado pelo dono de sua espeacutecie E isso na quase totalidade dos casos eacute sinal de
infortuacutenio para o agressor ou para algum membro de sua famiacutelia que ou adoece ou acaba
morrendo
Ora vemos portanto que diferentemente de opiniotildees preconceituosas e injustificadas
que classificam os iacutendios como ―violentos a agressatildeo injustificada natildeo eacute nenhum pouco bem
vista por essa comunidade indiacutegena brasileira ateacute porque a nosso ver matar um ente parece
representar para essa sociedade num niacutevel profundo uma tentativa de retirar o agredido do
coletivo (dono) do qual ele faz parte quase como as mulheres e crianccedilas das poacutelis derrotadas
nas guerras na civilizaccedilatildeo grega antiga eram retiradas do coletivo de sua Cidade-Estado de
origem e passavam a ser escravos dos vencedores em detrimento do status social que
possuiacuteam em seus locais de origem
Em outros termos relembrando as declaraccedilotildees de Berto (2013) acerca do porquecirc
alguns animais natildeo satildeo domesticados por muitos iacutendios cremos ser possiacutevel pensar que as
tentativas de fazer mal a outrem satildeo interpretadas pelo dono originaacuterio como uma tentativa de
apropriaccedilatildeo por parte do agressor que como uma espeacutecie de novo dono tenta expropriar a
viacutetima do coletivo do qual ela faz parte ndash o que ativaria ainda em nossa oacutetica o caraacuteter de
jaguaricidade do dono primeiro (de que fala FAUSTO 2008) que para proteger seu adotado
fala por meio do invoacutelucro material de seu adotado
113
Ainda nesse vieacutes parece fazer sentido a afirmaccedilatildeo de Viveiros de Castro (1996)
acerca dos requisitos para haver comunicaccedilatildeo entre um morto ou espiacuterito e um natildeo morto
para que o ouvinte humano possa responder ao chamamento do dono do ser agredido ele
precisa se colocar na mesma sobrenatureza daquele que fala ndash o que culmina em seu
adoecimento ou na sua morte
Acresce que como o sinal emitido pelo bicho falante indica ndash tal qual afirma Fargetti
(2017)- necessariamente perigo (sendo algo um tanto quanto proacuteximo ao que Peirce (apud
SANTAELLA 1983) chamaria de sinal pois se um ser que natildeo deveria emitir fala articulada
o faz haacute algo de errado e ateacute mesmo perigoso) os juruna ainda como postula Fargetti (2017)
apenas quando em situaccedilatildeo de risco ao se deparar com animais dos quais natildeo conseguem
fugir (sendo que a natildeo-violecircncia parece ser sempre a primeira escolha) tentam matar esse
animal antes que ele abra a boca
Falando agora especificamente sobre nosso objeto de estudo a recente ida agrave aldeia
Tuba Tuba mostrou que uma das borboletaslsquo vivem no ceacuteu como um ente com atributos
humanos e tem que descer para trabalhar na Terra Talvez isto tenha relaccedilatildeo com uma
metaacutefora primaacuteria do tipo Positivo estaacute em cima haja vista que de acordo com a comunidade
averiguada existe ndash como conta Fargetti (2017)- um mito segundo o qual seres humanos
foram separados por Selaatilde (o deus primordial juruna) dos antigos bichos-gente porque estes
cometiam atos imorais em puacuteblico e tinham uma fala agramatical Aleacutem disso alguns
humanos tambeacutem foram acusados de estuprar sua neta o que teria feito o Deus renegar os
descendentes desses delinquentes relegando-os agrave Terra enquanto partiu para o ceacuteu com
outros seres
Hoje estes humanos foram perdoados e configuram os juruna atuais que seriam ndash
ainda como conta a mesma autora- observados pela mesma divindade que ameaccedilou derrubar
este uacuteltimo ceacuteu caso eles fossem extintos um ceacuteu que aleacutem de sapos eacute sustentado por uma
aacutervore cujos cipoacutes satildeo renovados por trabalhadores que satildeo relativamente humanoides no ceacuteu
mas que tecircm as roupas modificadas em asa quando descem agrave Terra (FARGETTI 2015)
Levantando questionamentos ao perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) o
especialista juruna disse que esses animais denominados de nasusu somente quando estatildeo no
ceacuteu falam mas tecircm uma liacutengua proacutepria distinta da liacutengua juruna e tambeacutem diferente da liacutengua
dos urubus (seres tambeacutem habitantes desse espaccedilo sobre as instacircncias terrenas) Esses
questionamentos se devem ao fato de que o informante natildeo disse que os animais se viam
assim mas que eles eram em sua oacutetica trabalhadores e portanto providos de um caraacuteter de
agentividade que vai aleacutem de uma transmissatildeo- por figura de linguagem- de caracteriacutesticas
114
humanas a um ser que seria inanimado mas que mesmo assim natildeo falavam juruna em seu
habitat natural
Aliaacutes a proacutepria ecircnfase de que a asa eacute a roupa deleslsquo pode querer significar que a asa
para esses animais seria como uma espeacutecie de uniformes que natildeo apenas os identifica como
operaacuterios como possibilita que eles realizem seu trabalho de carregamento de cipoacute
Acresce que como podemos ver na imagem que segue nem mesmo quando estatildeo em
seu domiacutenio originaacuterio tais seres satildeo completamente humanos Da mesma forma que para
Abreu (2010) um anjo representa um blending entre um paacutessaro e um homem os seres que
podem ser visualizados na ilustraccedilatildeo abaixo satildeo o resultado cognitivo de uma espeacutecie de
mesclagem entre as formas prototiacutepicas de um humano e do que noacutes denominamos como um
inseto lepidoacuteptero Do primeiro os entes abaixo tecircm a postura ereta a presenccedila de olhos
nariz boca matildeos e pernas Jaacute dos segundos haacute a presenccedila de antenas e tambeacutem de uma certa
protusatildeo (mais ou menos evidente) da boca muito proacutexima a uma espiritromba
Desenho 6 Ilustraccedilatildeo de duas nasusu no ceacuteu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Ou seja retomando Lakoff e Johson (2002) a descida dessas borboletaslsquo
representaria talvez uma queda no sentido de perda do valor positivo originaacuterio do lugar
(superior) em que se encontram Para descer para a Terra esses entes tambeacutem teriam que
descer agrave qualidade de completamente animais metamorfoseando-se em borboletas e
transformando suas roupas coloridas em asas
115
Mas esta interpretaccedilatildeo de tal queda eacute apenas uma hipoacutetese ainda natildeo confirmada
De qualquer modo a menos que haja influecircncia de algum dono esses seres quando
estatildeo trabalhando natildeo falam porque se encontram em corpos de animais mas mesmo quando
estatildeo no ceacuteu e o fazem natildeo falam o juruna e natildeo tecircm corpo totalmente humanos
Nesse sentido talvez a declaraccedilatildeo de que elas seriam ―gente no ceacuteu seja algo
relacional de maneira anaacuteloga ao que Peixotto (2008) propotildee quando afirma que em relaccedilatildeo a
caraiacutebas todos os iacutendios seriam abi mas em relaccedilatildeo a outros iacutendios somente os juruna
receberiam essa classificaccedilatildeo O que estamos levantando eacute a possibilidade de que essas
nasusu sejam [-bicho] que os bichos que hoje natildeo satildeo dotados de nenhuma fala mas sejam
ao mesmo tempo natildeo tatildeo humanaslsquo quanto os juruna
Claro que nosso intuito aqui natildeo eacute descrever e identificar todas as borboletas
fotografadas de acordo com as categorias de nossa sociedade natildeo-indiacutegena a partir dos
desenvolvimentos contemporacircneos do sistema proposto no seacuteculo XVIII pelo botacircnico sueco
Karl von Linneacute mais conhecido por Lineu que corresponde a especificaccedilotildees das divisotildees
pressupostas reino filo classe ordem famiacutelia gecircnero e espeacutecie ndashe isso por dois motivos O
primeiro se refere ao fato de que este trabalho pretende ser sumariamente linguiacutestico e natildeo
bioloacutegico e o segundo diz respeito ao fato de que tal metodologia redundaria num
etnocentrismo de apenas dar nomes da nossa ciecircncia aos animais encontrados na aldeia
indiacutegena pesquisada
Por isso pesquisamos trabalhos sobre a nomeaccedilatildeo e classificaccedilatildeo da fauna e da flora
por sociedades indiacutegenas americanas e no tocante a esse tema Berto (2013) cita os
postulados de Berlin et al (1973) para os quais haveria taacutexons universais entre todo e
qualquer povo ramificados em niacuteveis e hierarquias (portanto natildeo lineares) Tais autores
como conta Berto (2013) afirmariam ser possiacutevel uma determinada sociedade natildeo ter itens
lexicais para nomear todas as suas categorias sobretudo para taacutexons reconhecidos como
evidentes por todos os membros da comunidade de modo que representariam conhecimentos
obviamente compartilhados e assim seria redundante nomeaacute-los explicitamente Eles
comporiam assim o que os autores denominam de ―categorias encobertas
Aleacutem disso os mesmos autores dizem tambeacutem que os nomes para essas categorias
poderiam ser lexemas primaacuterios ou secundaacuterios sendo que os primeiros ou satildeo primitivos
como oak (carvalholsquo) pine (pinheirolsquo) e rabbit (coelholsquo) ou formados a partir do nome da
categoria que estaacute acima (e que portanto os conteacutem) como pipevine (videiralsquo) e catfish
(bagrelsquo em alusatildeo comparativa dos barbilhotildees com os bigodes do gato) que
respectivamente satildeo tipos de trepadeiras (vines) e de peixes (fishes)
116
Como se discutiraacute na seccedilatildeo de apresentaccedilatildeo dos dados em juruna pudemos verificar
apenas itens linguiacutesticos primaacuterios para denominar insetos lepidoacutepteros
De qualquer modo vale ressaltar ainda que Berlin et al (1973) ainda de acordo com
Berto (2013) propotildeem a existecircncia de ateacute cinco niacuteveis de categorizaccedilatildeo entre as diversas
sociedades humanas para animais e plantas que satildeo por tais pesquisadores numerados de 0 a
4 De um iniciador uacutenico (niacutevel 0 normalmente natildeo nomeado) como ―animal ou ―planta
haveria possiacuteveis bifurcaccedilotildees sub-ordenadas de formas de vida (categoria de niacutevel 1 que
abrangeria itens como ave aacutervore peixe cobra inseto) abrangentes de niacuteveis inferiores
chamados de gecircneros (assim chamados por serem mais ou menos generalizados e
compartilhados por todo o povo muitas vezes sendo o niacutevel terminal de classificaccedilatildeo
abrangentes de unidades como catildeo gato abelha raposa) Esse segundo niacutevel seria ordenado
inferiormente por espeacutecies (geralmente denominadas por lexemas secundaacuterios como sapo-
boi) que podem ou natildeo se ramificar em espeacutecies (normalmente nomeadas por trecircs
elementos)
Figura 5 O sistema folk de classificaccedilatildeo universal proposto por Berlin et als (1973)
Fonte Berto (2013 p 91)
Contudo apoacutes meditar sobre o assunto decidimos tambeacutem natildeo tentar alocar nossos
dados em tal esqueleto primeiro porque isso implicaria saber como se estrutura todo ou ao
menos grande parte do sistema de classificaccedilatildeo de animais juruna ndash algo a que eacute praticamente
impensaacutevel se chegar em dois anos de estudo e segundo porque concordamos com Berto
(2013) quando ela afirma acreditar ser ―[] o modelo estabelecido por Berlin et al (1973 p
96) [] problemaacutetico por impor uma rigidez taxonocircmica a aparatos culturais distintos Ou
seja usar esse sistema talvez redundasse em erroneamente tentar ―enfiar a classificaccedilatildeo
juruna numa categorizaccedilatildeo em niacuteveis que natildeo eacute a deles
117
Aliaacutes a proacutepria Berto (2013) acaba incorrendo numa certa incoerecircncia quando mesmo
depois de considerar o esquema descrito na imagem acima como um tanto quanto
―problemaacutetico e natildeo tatildeo universalizaacutevel assim utiliza-o como analisador de seus dados
afirmando natildeo soacute que existiria para os juruna um iniciador uacutenico para animallsquo sob o nome de
kania e que as Aveslsquo seriam uma classe encoberta vista como uma descontinuidade
bioloacutegica em relaccedilatildeo a outras mas que natildeo eacute nomeada como tambeacutem que haveria um taacutexon
animal aladolsquo nomeado como kania ipewapewa no qual se inseririam todos os seres capazes
de voar como morcegos insetos e aves sendo que esses trecircs se distinguiriam por meio de seis
criteacuterios presenccedila ou ausecircncia de asa osso dente pena bico e possibilidade de emitir canto
Poreacutem os dados coletados por nossa ida agrave aldeia apontam para direccedilotildees distintas
Durante uma das entrevistas na qual tentava descobrir quais os nomes juruna para as partes
do corpo de borboletaslsquo apontando para uma imagem que ele mesmo havia feito nosso
informante Tarinu Juruna afirmou que embora kania seja um item geral para animais
ipewapewa eacute utilizado apenas para animais com asa e penas
As informaccedilotildees colhidas parecem apontar para uma descontinuidade entre os bichos
de chatildeo (chamados pelo informante de bichos grande de caccedila tambeacutem denominados como
kania) e o que noacutes denominamos como paacutessaros (que voam) Ainda de acordo com ele e
contrariamente ao que expotildee Berto (2013) natildeo haveria um uacutenico termo para tudo que voa
porque animais como galinhas borboletas aves e morcegos seriam em sua oacutetica diferentes
Esmiuccedilar quais satildeo essas diferenccedilas excede o escopo desta dissertaccedilatildeo mas cabe dizer que
parece existir para os juruna uma categoria proacutexima ao que noacutes chamamos de ―insetos
Tal afirmaccedilatildeo se deve ao fato de que ao ser questionado o informante disse que
―borboleta grilo mosca eacute diferente de galinha eacute diferente de morcego Entatildeo perguntei o
que seria uma mosca uma borboleta partindo de uma ligaccedilatildeo que ele parecia ter feito
tentando averiguar se conseguia encontrar uma categoria superior na qual pudesse os alocar
A essa pergunta obtive como resposta a palavra portuguesa inseto e isso pode indicar pelo
menos dois caminhos ou essa classe existe em juruna mas natildeo eacute nessa liacutengua nomeada de
modo que para me explicar (o que para um juruna seria oacutebvio) o falante teve que lanccedilar matildeo
do item em portuguecircs ou na verdade o falante considerou mais faacutecil explicar para um natildeo-
nativo natildeo necessariamente uma categoria mas apenas uma semelhanccedila por meio de um item
que ele sabia existir para a comunidade natildeo-indiacutegena da qual eu faccedilo parte
De qualquer modo mais estudos se fariam necessaacuterios para apontar sem sombra de
duacutevida uma das direccedilotildees
118
Mesmo assim cabe ressaltar que Fargetti (2001) jaacute corroborava que partes do corpo e
termos de parentesco em juruna satildeo inalienavelmente possuiacuteveis Embora a autora tenha
revisto seu posicionamento em Fargetti e Rodrigues (2009) tambeacutem pude perceber durante a
ida a campo que como jaacute afirmara Berto (2013) a maioria dos nomes em juruna para as
partes do corpo das ―borboletas satildeo inalienaacuteveis com o cliacutetico i- denominador do possuidor
de 3ordf pessoa do singular Aleacutem disso a maioria deles demonstra identidade com as mesmas
das partes do corpo humano como ilustra a figura e a tabela abaixo
Desenho 7 Ilustraccedilatildeo das partes do corpo de um kamaperuperu
Fonte desenho feito por Tarinu Juruna em sulfite com laacutepis colorido em folha A4 (Junho2017)
Tabela 1 partes do corpo de um kamaperuperu conhecido como olho-de-onccedila
Item lexical juruna Significaccedilatildeo Equivalente
Apiuml isea Olho da onccedila do cachorrolsquo Olho de onccedila
Iatildetaba cabeccedila delelsquo Cabeccedila
Ixibia bunda delelsquo Parte posterior
Ibiumldaha coxa delelsquo Coxa
Itaba boca delelsquo Boca
119
Iatildetaba antena delelsquo Antena
Iwa matildeo delelsquo Pata
Iatildetxaxixi) palpo delelsquo Palpo maxilar
Ipewa asa delelsquo Asa
Itxab barriga delelsquo abdocircmen
Assim partimos do texto de Fargetti (2015) no qual a autora explora relaccedilotildees
metafoacutericas entre as partes de plantas aacutervores com o corpo de seres humanos para os juruna e
num primeiro momento levantamos a hipoacutetese de que os itens lexicais nomeadores das partes
desses ―insetos seriam na verdade metaacuteforas que teriam o corpo humano como base
Tal hipoacutetese contudo apoacutes debates com nossa orientadora e com a coleta de mais
informaccedilotildees se mostrou errocircnea uma vez que na verdade esses nomes satildeo os mesmos para
todos os animais de tal forma que natildeo podem ser considerados como metafoacutericos apenas
entre o domiacutenio da classe dos humanos e o domiacutenio dos animais estudados Explicando um
pouco melhor a situaccedilatildeo encontrada eacute similar ao caso da nomeaccedilatildeo portuguesa da glacircndula
anexa ao tubo digestivo responsaacutevel por secretar bile e transformar glicogecircnio em glicose
Tanto para homens quanto bovinos suiacutenos e demais animais essa mesma glacircndula se
denomina ―fiacutegado Portanto o ―fiacutegado de boi natildeo seria por exemplo uma metaacutefora a partir
do fiacutegado do homem porque esse elemento eacute utilizado tambeacutem em outras espeacutecies
Aleacutem disso trata-se de uma analogia direta que eacute muito mais metoniacutemica que
metafoacuterica na medida em que satildeo partes do todo que eacute o espeacutecime
Vale ressaltar que pude coletar mais de 400 imagens aleacutem de histoacuterias tradicionais das
―borboletas que seratildeo apresentadas a seguir Contudo eacute necessaacuterio dizer que muitas satildeo do
mesmo espeacutecime uma vez que o fato de eles se movimentarem muito quando
momentaneamente imobilizados dificultava uma boa resoluccedilatildeo Ou seja essas 400 fotos
representam na realidade as imagens de cerca de 80 espeacutecimes observados em dias
diferentes
Acresce que natildeo tivemos auxiacutelio de fotoacutegrafos profissionais em campo e houve a
necessidade de utilizar cacircmeras semi-profissionais e de aparelhos celulares o que era mais um
dificultador na coleta de imagens com boas resoluccedilotildees
120
Assim para garantir uma melhor visualizaccedilatildeo de um mesmo espeacutecime o fotografamos
mais de uma vez
A despeito disso nem todas as imagens possibilitam a visualizaccedilatildeo das nervuras do
espeacutecime de modo que algumas dificultam a identificaccedilatildeo quanto agrave nossa taxonomia
bioloacutegica Mas isso acaba natildeo sendo realmente um problema porque meu estudo eacute linguiacutestico
e natildeo entomoloacutegico natildeo pretendendo portanto chegar a um niacutevel de sub-especificaccedilatildeo
taxonocircmica (de acordo com a nossa visatildeo quanto aos saberes de nossa biologia) e sim agrave
classificaccedilatildeo juruna Ateacute porque enquanto o primeiro se pauta em questotildees morfoloacutegicas (jaacute
apresentadas nas seccedilotildees anteriores) o segundo fica a cargo do tamanho do animal potecircncia e
duraccedilatildeo de voo altura a que o espeacutecime consegue chegar voando (se consegue ultrapassar
planos) papeacuteis culturais (de trabalhadores na manutenccedilatildeo do ceacuteu ou meros colhedores de
seiva)
Mesmo assim foi possiacutevel verificar que de modo geral os falantes juruna natildeo
especialistas na aacuterea tendem a usar um uacutenico item lexical para identificar todos os animais
que noacutes classificamos como borboletas Contudo o especialista apresenta 3 denominaccedilotildees
diferentes (que ndash como comentarei a seguir na verdade correspondem a cinco conjuntos de
animais) nasusu (item usado para as do ceacuteu e tambeacutem para as da Terra) yahaha (tambeacutem
distinguidas na mesma dicotomia) e kamaperuperu para o que ele denomina de animais
aparentados mas distintos uma vez que apresentam segundo ele tamanhos funccedilotildees e papeacuteis
cosmoloacutegicos diferentes Tal situaccedilatildeo mostra-se de certo modo similar ao nosso proacuteprio caso
na medida em que os usuaacuterios do leacutexico geral do portuguecircs e natildeo especialistas tendem a
chamar todos os insetos lepidoacutepteros providos de antenas e asas com escamas de
―borboletas ao passo que entomoacutelogos utilizam termos especiacuteficos para denominar as sub-
ordens e famiacutelias sendo que muitos deles estatildeo em latim e satildeo desconhecidos dos usuaacuterios
gerais da liacutengua
A despeito disso como pretendemos fazer verbetes terminograacuteficos e natildeo
lexicograacuteficos (por versarem sobre uma aacuterea de conhecimento especiacutefico e natildeo sobre o leacutexico
geral da liacutengua) satildeo essas trecircs denominaccedilotildees do especialista juruna que apareceratildeo em nossa
dissertaccedilatildeo e natildeo apenas a geral nasusu
Aliaacutes o fato da comunidade evitar maltratar borboletas tem relaccedilatildeo ndash para mim- com
os perigos que adveacutem desses atos e com o fato dos natildeo-especialistas parecerem natildeo conseguir
distinguir kamaperuperus de nasusus e yahahas Matar uma nasusu significa potencialmente
tirar um dos trabalhadores que auxiliam para se evitar a queda do ceacuteu contribuindo com a
mesma E para aleacutem disso existe ainda um kamaperuperu denominado olho de onccedila que
121
quando maltratado conversa com a onccedila para que esta puna seu agressor Mas tal conversa
ocorre na liacutengua da onccedila (distinta da liacutengua falada pelas nasusu do ceacuteu) e como nenhum
kamaperuperu jamais foi humano natildeo eacute o bicho que estaacute verbalizando Trata-se de um
diaacutelogo entre o espiacuterito-dono da onccedila e o espiacuterito-dono desse kamaperuperu como jaacute havia
sugerido Fargetti em comunicaccedilatildeo pessoal Nesse sentido permanece um tanto obscuro se
esse animal seria parente mais proacuteximo da onccedila do que dos demais aqui estudados Aleacutem
disso como natildeo conseguimos fotografar nenhum em campo natildeo eacute possiacutevel afirmar com total
certeza se esses seres correspondem aos espeacutecimes chamados por nossos entomoacutelogos de
Caligo beltratildeo (Famiacutelia Nymphalidae tribo brassolinea) e popularmente conhecidos como
borboleta olho de corujalsquo ateacute porque haacute outros seres que tambeacutem possuem configuraccedilatildeo
similar das escamas de asa (muitos do gecircnero Caligo inclusive) Soacute para se ter ideia as fotos
abaixo (retiradas respectivamente das paacuteginas 1434 776 3 1429 de PALO JR 2017)
representam um Caligo arisbe fulgens um Opoptera symep e um Caligo illioneus pampeiro
Foto 9 borboletas popularmente conhecidas como olho-de-coruja
Fonte Palo Jr (2017)
De qualquer forma confirmando as proposiccedilotildees de Berto (2013) sobre os estudos
sobre o leacutexico bioloacutegico poderem contribuir para mostrar processos de formaccedilatildeo e renovaccedilatildeo
lexical das liacutenguas investigadas vecirc-se que os trecircs itens (nasusu kamaperuperu e yahaha)
exemplificam um processo de reduplicaccedilatildeo que jaacute havia sido descrito por Fargetti (2007)
como produtivo para a formaccedilatildeo de nomes na liacutengua juruna
Na verdade como salienta Fargetti (em comunicaccedilatildeo pessoal sobre consideraccedilotildees da
pesquisadora Maria Bernardete Abaurre) embora natildeo seja um motivador universal (o que iria
contra os postulados da arbitrariedade do signo saussuriano) o fato dessa iconicidade da
forma linguiacutestica com a questatildeo anatocircmica desses espeacutecimes terem duas asas acaba em alguns
122
idiomas se materializando em itens lexicais com repeticcedilatildeo de fonemas que se duplicam em
siacutelabas distintas (бабочка em russo farfalla em italiano papillon em francecircs)
Cabe ressaltar ainda que se acredita que uma das chamadas yahaha habitante da Terra
que soacute sai agrave noite acabe agraves vezes se metamorfoseando em beija-flor dada a velocidade com
que bate suas asas acabar sendo comparada agrave da referida ave Berto (2013) ndash ao estudar a ave
fauna- jaacute havia mencionado tal fato
Um dos temas que mais se destacam nas histoacuterias que os Juruna contam sobre
as aves envolve a capacidade de metamorfose desses animais Os awatilde fantasmaslsquo
segundo Lima (1995 p 130) e Oliveira (1970 p 258) podem aparecer sob a forma
de mutum ou a juriti aberi urahiumlhiuml (Leptotila verreauxi Bonaparte 1855) eacute a
forma como os mortos com saudade de seus parentes se apresentam quando sua
antiga casa (LIMA 1995 p 225) Algumas espeacutecies como os beija-flores de cor
marrom (yakurixi aves da famiacutelia Trochilidae Vigors 1825) satildeo consideradas
como formas metamorfoseadas de mariposas ou borboletas (BERTO 2013 p 26)
Acresce que outro desses insetos que noacutes denominamos como ―borboleta mas que
para o especialista juruna eacute um segundo subtipo de kamaperuperu pode se maltratado causar
doenccedilas e ateacute mesmo a morte de seu agressor e uma outra ndash na oacutetica do especialista juruna-
tem uma baba descrita como venenosa de modo que a comida eou aacutegua tocadas por ela
tornam-se improacuteprias para consumo humano
Em outras palavras levanto a hipoacutetese de que num niacutevel geral de sistema da liacutengua
para falantes natildeo especialistas (lexicoloacutegico portanto) haja apenas o item lexical nasusu Por
isso uma postura aliada agrave Teoria Geral da Terminologia (que como jaacute foi dito considera os
termos como apartados das palavras) numa aplicaccedilatildeo lexicograacutefica talvez houvesse
necessidade de apenas uma entrada nasusu
Apesar disso me alio agrave Terminologia Etnograacutefica de Fargetti (2018) para a qual ndash na
esteira de Cabreacute- termos natildeo satildeo apartados das palavras gerais da liacutengua Acresce que a aacuterea
especiacutefica de conhecimento teacutecnico - que nosso estudo terminoloacutegico pretende alcanccedilar- natildeo
se comporta da mesma forma haja vista que os animais (nasusu yahaha e kamaperuperu)
possuem tamanhos distintos (sendo as kamaperuperu as maiores e as yahaha e as nasusu as
menores normalmente estas satildeo maiores que aquelas embora exista uma tendecircncia de que
quanto menor a nasusu maior a probabilidade de ela ser do ceacuteu em virtude do menor peso de
sua asa e consequente maior potecircncia de voo) espiacuteritos-dono diferentes e apenas as nasusu do
ceacuteu jaacute foram gente (e ainda o satildeo quando retornam ao ceacuteu situaccedilatildeo durante a qual satildeo
providas de uma liacutengua proacutepria e distinta do juruna) Todas as demais sempre teriam sido
bicho
E levando-se em consideraccedilatildeo que as nasusu do ceacuteu e as da Terra natildeo tecircm o mesmo
papel e nem a mesma importacircncia cosmoloacutegica (as primeiras satildeo colhetoras de embira a fim
123
de manter a embira que segura o ceacuteu e as segundas animais distintos desprovidos de forccedila
para alcanccedilar o ceacuteu e apenas se alimentam das flores) haveria entre elas uma homoniacutemia
Pensamos natildeo se tratar de uma simples polissemia porque pelo que se expressou
anteriormente trata-se de dois animais distintos que portanto precisariam constar como
entradas autocircnomas
Aleacutem disso parece haver dois subtipos de yahaha (traduzidas pelo informante como
mariposas) as do ceacuteu (com apenas uma antena) e as da Terra (com duas antenas) Mas
ambas saem apenas agrave noite sempre foram bichos e nunca falaram Desta sorte permanece um
tanto obscuro o porquecirc dessa nomeaccedilatildeo do ceacuteu se elas sempre foram animais
Talvez ser do ceacuteu queira dizer que elas conseguem permanecer muito tempo no ar
voar muito
Um contra-argumento para esta hipoacutetese eacute que isso praticamente a faria forte Se bem
que talvez ela natildeo seja forte a ponto de alcanccedilar o ceacuteu mas seja mais forte que as yahaha da
Terra (se estas conseguirem voar menos) Diferente de nossa entomologia atual (que afirma as
mariposas poacutes fase imatura natildeo se alimentam ateacute porque alguns nem tecircm boca na sua fase
adulta que eacute curtiacutessima e se restringe a botar ovos sendo que em alguns casos fica limitada a
horas) os juruna afirmam que as duas yahaha se alimentam tambeacutem de seiva como os demais
seres aqui averiguados
Ou seja ainda natildeo estatildeo totalmente claros os significados por traacutes do ―ser forte
comentado pelo informante se eacute apenas referente agrave potecircncia de voo se eacute aplicado para o
animal que consegue chegar ateacute o ceacuteu para o que voa por muito tempo voa soacute num periacuteodo
do dia ou se haacute matizes disso
Nesse sentido haacute animais que satildeo fracos porque voam pouco e jaacute pousam logo (como
as nasusu daqui) eou os que satildeo fracos porque natildeo conseguem chegar ateacute o ceacuteu mesmo que
sejam fortes a ponto de voar Kamaperuperus por exemplo tecircm asas muito grandes para voar
alto demais Como jaacute mencionado pode ser tambeacutem que o criteacuterio de forccedila possa indicar um
contiacutenuo relacional (satildeo fortes ou fracas umas em relaccedilatildeo agraves outras ou seja podem ser fortes
ou fracas a depender da pergunta) as prototipicamente fortes seriam as nasusu do ceacuteu
passando passando pelas daqui yahaha fortes (talvez por isso ele chame de do ceacuteu) as nasusu
e as yahaha fracas (da terra) e por uacuteltimo as kamaperuperu
De qualquer modo os dados apontam que ser forte eacute uma caracteriacutestica das nasusu do
ceacuteu (o protoacutetipo de forccedila) em oposiccedilatildeo a todos os demais animais estudados (nasusu da Terra
kamaperuperu (a olho de onccedila ou a outra que natildeo tem um nome especiacutefico) e as yahaha)
124
que em relaccedilatildeo agraves primeiras satildeo (mais) fracos ndash natildeo conseguem alcanccedilar o ceacuteu uma vez
que natildeo tecircm forccedila para isso
Haacute ainda outras distinccedilotildees Aleacutem da questatildeo jaacute mencionada das diferenccedilas de
tamanho somente as yahaha saem (voam) agrave noite e embora tanto as kamaperuperu quanto
as nasusu voem durante o dia as primeiras satildeo daqui natildeo chegam ao ceacuteu (portanto natildeo satildeo
trabalhadoras) normalmente ficam no mato (porque este seria seu habitat natural) e jaacute as
segundas embora voem agraves vezes ateacute o mato normalmente na beira ou na aldeia mesmo
Tal qual para o caso das nasusu creio que entre as duas yahaha tambeacutem haja uma
questatildeo de homoniacutemia porque haacute muitas distinccedilotildees entre os dois conjuntos de modo que eacute
muito mais plausiacutevel acreditar que se trata de um mesmo nome para dois conjuntos distintos e
natildeo um uacutenico conjunto com duas sub-especificaccedilotildees (o que levaria a uma sub-entrada numa
obra terminograacutefica)
Uma diferenccedila entre elas eacute que as yahaha do ceacuteu (providas de uma antena) natildeo satildeo
terrenas Descem do ceacuteu para sugar as flores apenas agrave noite As da Terra (com duas antenas)
satildeo fracas durante o dia porque soacute conseguem voar agrave noite Mas elas natildeo satildeo fortes a ponto
de alcanccedilar o ceacuteu como as outras Ou seja o criteacuterio de forccedila parece se referir natildeo soacute agrave
capacidade de voo do animal como tambeacutem agrave capacidade dele por meio deste voo atingir o
ceacuteu
Em resumo os dados coletados apontam para a existecircncia de cinco grandes conjuntos
de animais que deveriam ndash como tal- constar como lemaacuterio em cinco entradas distintas
nasusu1 (do ceacuteu) nasusu
2 (da terra) kamaperuperu (que abrange dois animais especiacuteficos
sendo que seria muito relevante se toda a questatildeo acerca da periculosidade do olho de onccedila
aparecesse num quadro cultural no meio do verbete) yahaha1 (do ceacuteu) e yahaha
2 (da terra)
Esses conjuntos acabaram resultando na nossa proposta inicial de verbetes que como
se vecirc abaixo tentou ser o mais condensado e menos redundante possiacutevel e quanto agrave
macroestrutura se organiza alfabeticamente
Quanto agrave microestrutura os termos aqui abordados foram transformados em verbetes
com entrada e classe de palavras em juruna (o nome dessas classes aliaacutes por um quesito
didaacutetico foi descondensado e natildeo abreviado em razatildeo de que a maioria dos usuaacuterios de obras
sobre leacutexico conhecer a classe nome como substantivos) mecanismo de formaccedilatildeo entre
parecircntesis (jaacute que retomando as discussotildees de REY-DEBOVE (1984) questotildees de natureza
gramatical satildeo relevantes sobretudo quando o intuito eacute de divulgaccedilatildeo da L1) e descriccedilatildeo
enciclopeacutedica Tal macroestrutura eacute interrompida natildeo apenas por uma middle structure com
notas culturais sobre os animais do lema principal (e aqui tentamos ao maacuteximo deixar claro a
125
qual lema a nota se refere) e uma medio estructura de remissivas para que o consulente
compare o habitat natural e as demais distinccedilotildees dos homocircnimos
Cabe frisar ainda que tentamos encabeccedilar os verbetes da mesma forma com
substantivos que nomeassem hiperocircnimos natildeo muito distantes dos espeacutecimes aqui tratados
Nesse sentido ―ser e ―entes nos pareceram gecircneros proacuteximos muito distantes sendo mais
adequado ―animal- categoria que pelo que os dados sugerem- existe em juruna
126
NOTA os cinco seres descritos a seguir natildeo satildeo enxergados pelo especialista
juruna como sub-tipos de um uacutenico animal Mesmo assim com um intuito
pedagoacutegico propomos o tiacutetulo Borboletas porque senatildeo um consulente luso-
falante teria dificuldades em entrar no dicionaacuterio e em segundo lugar porque a
sociedade juruna foi questionada sobre o que os brancos denominavam de
―borboletas
Acresce que esse eacute o nome do campo semacircntico em portuguecircs Natildeo nos
eacute possiacutevel propor outro campo semacircntico senatildeo ―borboletas porque nossos
dados natildeo nos permitem afirmar quais satildeo as (sobre)categorias que abarcariam
para os juruna os trecircs animais nem se existe ou natildeo uma categoria Insecta
Aleacutem disso natildeo teriacuteamos como propor trecircs campos semacircnticos
diferentes porque esses animais satildeo aparentados portanto haacute semas em comum
Mas mesmo com esse parentesco natildeo foi possiacutevel responder qual a categoria
estaacute acima deles ou se existe alguma para os juruna
127
Um uacuteltima argumento que inviabiliza dizer que esta decisatildeo eacute
incoerente adveacutem do fato de natildeo estarmos forccedilando uma classificaccedilatildeo exoacutegena agrave
comunidade na medida em que os os proacuteprios nativos juruna natildeo-especialistas
utilizam nasusu para todos esses animais
128
KAMAPERUPERU nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal terrestre provido
de asa consideravelmente grande - o que o faz ter uma potecircncia de voo (diurno)
relativamente baixa de modo que ele natildeo consegue chegar ateacute o ceacuteu costuma
alternar pouco tempo no ar com consequente descanso logo pousando em
alguma superfiacutecie Seu habitat natural eacute a mata
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural de acordo com os juruna existem dois tipos de kamaperuperu
Um deles tem uma baba venenosa que estraga qualquer alimento ou aacutegua
Avistar qualquer um dos dois no mato normalmente eacute sinal de adoecimento
proacuteximo
Apiuml isea nome composto kamaperuperu assim denominado por ter em
suas asas um desenho circular que para os juruna lembra um olho de
onccedila Nota cultural Caso esse animal seja maltratado seu espiacuterito dono
conversa com o espiacuterito dono das onccedilas pedindo que o agressor seja
punido
129
NASUSU1
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal alado de haacutebito diurno
desprovido de bicos e de penas cujo habitat natural eacute o ceacuteu Eacute forte jaacute que pode
retornar a seu habitat de origem e ficar longos periacuteodos voando Parece que a
maioria se refere agraves que se encontram pousadas na beira do rio Xingu
Fonte Mateus (2017)
Fonte Arewara Juruna (2017)
Nota cultural para os juruna este animal tem sumaacuteria importacircncia para se evitar
a queda do ceacuteu De acordo com esse povo indiacutegena o ceacuteu eacute sustentado por dois
sapos gigantescos e por uma aacutervore Essas nasusu ano apoacutes ano e ciclicamente
sempre nos mesmos periacuteodos desceriam do ceacuteu (onde tecircm caracteriacutesticas um
tanto antropomorfas) e retornariam agrave Terra para coletar cipoacute a fim de renovar a
embira de tal aacutervore Na passagem a roupa desse ser se metamorfosearia nas asas
que possibilitaram que esse bdquotrabalhador‟ (como eacute chamado) pudesse executar sua
funccedilatildeo
130
Fonte desenho por Tarinu Juruna (2017)
131
NASUSU2
nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador habitante e
originaacuterio do solo terrestre De haacutebito diurno suga seiva e neacutectar de plantas
floridas Sua potecircncia de vocirco eacute fraca em relaccedilatildeo agraves nasusu do ceacuteu (ver nasusu1) de
modo que ele natildeo consegue ficar tanto tempo quanto elas voando
ininterruptamente Parece que elas habitam a mata densa
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA1 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) Mariposa
Animal alado e notiacutevago provido de uma uacutenica antena cuja asa tem tamanho
intermediaacuterio Seu habitat original eacute o ceacuteu (por isso chamado tambeacutem de yahaha
do ceacuteu (ver yahaha2)) visto como ldquoforterdquo por poder ficar consideraacutevel tempo
voando no ar
Nota cultural embora para os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena mariposas
na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentem ateacute por muitas
natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval os juruna acreditam que essas
yahaha descem agrave Terra apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores
132
Fonte Mateus (2017)
YAHAHA2 nome (formado por reduplicaccedilatildeo) animal voador terrestre com duas
antenas cuja asa e potecircncia de voo satildeo intermediaacuterias natildeo conseguindo
transpassar o ceacuteu De haacutebito notiacutevago movimenta-se na mata apenas agrave noite
Fonte Mateus (2017)
Nota cultural embora os especialistas da sociedade natildeo-indiacutegena acreditem que
mariposas na fase adulta (que dura pouquiacutessimo tempo) natildeo se alimentam ateacute
por muitas natildeo terem bocas depois que saem do estaacutegio larval para os juruna
essas yahaha se movimentem apenas agrave noite para se alimentar de neacutectar e seiva de
flores Esse povo tambeacutem acredita que uma dessas yahaha possa se
metamorfosear num beija-flor
133
Um uacuteltimo ponto a ser ressaltado antes de encerrarmos estas descriccedilotildees analiacuteticas gira
em torno de explicar e explicitar as implicaccedilotildees terminograacuteficas nas propostas de esboccedilos
iniciais de verbetes a que chegamos graccedilas a todas as informaccedilotildees terminoloacutegicas descritas
nesta seccedilatildeo
Jaacute que o objetivo inicial do dicionaacuterio que estaacute sendo confeccionado por nossa
orientadora eacute auxiliar na divulgaccedilatildeo dos saberes desse povo natildeo caberia aqui trazer
simplesmente equivalentes borboletalsquo porque isso redundaria como jaacute dizia Jakobson
(1995) na perda de cacircmbio de todos esses saberes que na esteira de Galisson (1987) estatildeo
por traacutes dos itens lexicais juruna pois esse povo natildeo enxerga todos os entes por noacutes assim
denominados como integrantes de um mesmo grupo de animais Tal fato aliaacutes acaba
culminando na necessidade de descriccedilotildees um tanto quanto enciclopeacutedicas das entradas
Embora em cada campo semacircntico projete-se que os verbetes sejam organizados
alfabeticamente a proacutepria natureza onomasioloacutegica da hiperestrutura inicialmente prevista
para a obra descarta essa possibilidade ateacute porque isso resultaria em verbetes distintos com o
mesmo equivalente borboletalsquo sendo que na verdade faria mais sentido que esse item
(borboleta) correspondesse ao campo semacircntico para que o falante nativo do portuguecircs tivesse
como adentrar na pesquisa e averiguar quais os conhecimentos juruna por traacutes do que ele
como natildeo-iacutendio denomina dessa forma Claro que tambeacutem seria de extrema necessidade a
nota de que os animais descritos neste campo semacircntico natildeo satildeo subtipos uns dos outros mas
sim seres distintos com certo grau de parentesco
De qualquer modo urgia que cada verbete recebesse a nomenclatura da classe em que
pertencia em juruna Sobre tal assunto Fargetti (2001) propotildee uma dicotomia classes
fechadas (cliacuteticos pronomes afixos conjunccedilotildees interjeiccedilotildees e partiacuteculas de nuacutemero fixo e
idecircnticas para todos os falantes da liacutengua) e as abertas (nomes verbos e adveacuterbios idealmente
ilimitadas cujo inventaacuterio pode variar para cada falante)
Como os itens leacutexicos utilizados pelos juruna para denominar os animais aqui
estudados variam entre o especialista e a comunidade de modo geral eles natildeo poderiam estar
entre as classes fechadas Claramente eles tambeacutem natildeo satildeo adveacuterbios porque natildeo podem ser
retirados das frases em que aparecem e natildeo aparentam ser adjuntos mas sim predicadores
nucleares Embora as entrevistas ainda precisem ser mais vezes revistas os dados parecem
apontar para nuacutecleos nominais natildeo estativos em virtude de poderem (como FARGETTI
(2001) postula entre as possibilidades dos nomes) ser modificados por itens como
demonstrativos Um outro indicativo de que se tratam de nomes satildeo as afirmaccedilotildees de nossa
134
orientadora de que o item nasusu como a nomenclatura de muitos animais eacute um nome
formado por reduplicaccedilatildeo a partir de um processo sufixal da base asu assoprarlsquo
Acresce que natildeo seria possiacutevel utilizar descriccedilotildees terminograacuteficas iniciadas pelo
hiperocircnimo ―inseto por dois motivos O primeiro deles se refere ao fato de como comentado
acima ainda natildeo ter sido possiacutevel averiguar com total certeza se essa classe realmente existe
para os juruna natildeo nomeadamente ou se eles apenas agraves vezes se utilizam de uma
nomenclatura dos falantes de portuguecircs para explicar esses animais por meio de uma
categoria que eles sabem existir para noacutes Jaacute o segundo (como consequecircncia do primeiro) gira
em torno da questatildeo de que para retomar Borges (1982) e Krieger e Finatto (2004) uma
definiccedilatildeo tradicional aristoteacutelica demandaria natildeo soacute esse gecircnero proacuteximo (no caso esse
possiacutevel insetos) como tambeacutem as diferenccedilas especiacuteficas que diferenciariam os animais aqui
estudados de todos os demais que tambeacutem estariam inseridos nessa mesma classe
Aleacutem disso as imagens ilustrativas das entradas natildeo receberatildeo os nomes da nossa
ciecircncia bioloacutegica atual porque as restriccedilotildees da comunidade agrave coleta da tradicional
(mencionadas na Metodologia) praticamente impossibilitaram a identificaccedilatildeo pormenorizada
e aleacutem disso os criteacuterios juruna podem resultar na alocaccedilatildeo de entes de mesma famiacutelia ou
famiacutelia diferentes da nossa ciecircncia bioloacutegica atual no mesmo grupo juruna
Cabe salientar tambeacutem que as nomeaccedilotildees do ceacuteu e da terra natildeo invalidam nossas
proposiccedilotildees de fenocircmenos de homoniacutemia porque tais expressotildees foram provavelmente o
modo pelo qual o informante encontrou de explicar esclarecer natildeo apenas a origem como
uma das distinccedilotildees dos animais para o falante de portuguecircs que o entrevistava Tambeacutem
muito provavelmente para ele elas seriam tatildeo desnecessaacuterias quanto o satildeo as especificaccedilotildees
fruta e da camisa para manga do ponto de vista de um falante nativo de portuguecircs que pode
distinguir esses dois homocircnimos simplesmente pelo contexto de ocorrecircncia
Acresce que as abonaccedilotildees e frases exemplos ainda precisam ser debatidas com nossa
orientadora e antes disso as gravaccedilotildees precisam ser revisadas e novamente transcritas
De qualquer modo essas primeiras propostas de definiccedilotildees terminoloacutegicas e as
hipoacuteteses de identificaccedilatildeo que as norteiam ainda seratildeo debatidas natildeo apenas com nossa
orientadora como tambeacutem com a proacutepria comunidade juruna seja pela vinda agrave cidade de
iacutendios escolhidos pela proacutepria comunidade seja por reuniotildees online (por meio de softwares
digitais) com os informantes na aldeia uma vez que provavelmente natildeo seraacute possiacutevel retornar
a campo neste ano e os indiacutegenas em questatildeo tecircm acesso agrave internet
Antes de passarmos agraves conclusotildees vale dizer ainda que a ordem alfabeacutetica aqui
utilizada foi a mesma proposta por Mondini (2014) com o k antecedendo o n e o y
135
6 Consideraccedilotildees finais
Eacute necessaacuterio salientar que de modo algum pretendi nesse texto ser porta-voz dos
juruna e nem afirmar que nele transmito toda a ―uacutenica verdade inquestionaacutevel acerca do que
seria o conhecimento desse povo sobre os animais que nossa sociedade natildeo-indiacutegena nomeia
como borboletaslsquo Ora jaacute estaria impossibilitado de tal generalizaccedilatildeo reducionista em razatildeo
da proacutepria noccedilatildeo de ciecircncias como algo um tanto quanto polieacutedrico e muacuteltiplo e a natildeo-
aceitaccedilatildeo pelo grupo Linbra do qual faccedilo parte dos nossos pontos de vista como a ―uacutenica
Ciecircncia Universal sendo que em vez disso haveria muitos conhecimentos e praacuteticas dos
diversos povos (uns tatildeo valiosos e vaacutelidos quanto os outros) acerca do que eacute empiacuterico
Assim qualquer incoerecircncia ou inconsistecircncia eacute de minha completa responsabilidade
haja vista que ndash embora tenha tentado natildeo ―contaminar os dados com meus oacuteculos culturais
analisei-os e interpretei-os utilizando como ferramentas as teorias com as quais eu entrei em
contato configurando-me num eu tentando entender um outro ainda sendo um euOu seja
como qualquer sujeito natildeo estou completamente livre de ideologias e nem da influecircncia de
minha liacutengua materna
Como demonstram muito acertadamente as pesquisas de Freud (apud KUPFER
2000) Marx (apud Gregolin (2016)) e de Saussurre (2012) - qualquer homem mesmo que se
queira todo-poderoso se sinta (ou queira ser) um ente uno e completamente dono de si
mesmo na verdade vive constantemente em guerra (seja quando suas vontades internas
entram em conflito com o social seja por suas proacuteprias pulsotildees divergentes) jaacute que
psiquicamente ele eacute um ego cindido que media os atritos entre os desejos de seu id e as
convenccedilotildees e regras sociais internalizadas numa instacircncia psiacutequica vigilante e punidora o
super ego
Aleacutem disso como atesta Gregolin (2016) esse mesmo homem encontra-se inserido (e
de certo modo submetido) agrave superestrutura (convenccedilotildees culturais ritualiacutesticas tabus
instituiccedilotildees produtoras e veiculadoras de ideologias organizaccedilatildeo da estrutura poliacutetica) e agrave
infraestrutura (modo de produccedilatildeo dominante relaccedilotildees de produccedilatildeo e grupos sociais
envolvidos) de seu contexto social pois mesmo que queira e tente reagir a elas tem que
aceitar que elas existem anteriormente a ele
Desta sorte seus pensamentos opiniotildees e mesmo suas verbalizaccedilotildees natildeo seriam
completamente opiniotildees puramente pessoais na medida em que ndash tal qual afirmaria Althusser
(segundo o que nos diz Gregolin (2016)) ndash nos discursos efetivos poderiam se verificar
marcas histoacutericas de lutas sociais e esses mesmos discursos soacute fariam sentido porque estariam
inseridos numa formaccedilatildeo ideoloacutegica que abarcaria o que pode (e deve ser dito) em
136
determinada eacutepoca as impressotildees construiacutedas soacutecio-historicamente a partir de uma ideologia
dominante (―a relaccedilatildeo imaginaacuteria do homem com as suas condiccedilotildees materiais de existecircncia
que ao se transformar em praacuteticas reproduz as relaccedilotildees de produccedilatildeo vigentes em uma
sociedade de classes (idem ibidem))
Neste ponto eacute necessaacuterio deixar claro que o intuito desses dizeres natildeo eacute verbalizar um
ponto de vista determinista acerca da condiccedilatildeo humana mas trazer luz a condicionamentos
aos quais somos submetidos
Nesse sentido vale comentar ainda que ndash de acordo com Saussure (2012) - nossas
produccedilotildees linguiacutesticas - para ele particulares concretas e instaacuteveis (parole) - estariam
submetidas a um sistema linguiacutestico abstrato e coletivo de regras estaacuteveis que as ordenaria
(langue) Essa eacute a primeira das famosas dicotomias do referido mestre genebrino que depois
foi re-significada no que pesquisas gerativo-chomskyanas chamam de competecircncia (regras
internalizadas conhecimento linguiacutestico impliacutecito dos falantes e a capacidade humana inata
para linguagem que eacute ativada quando haacute um input social) X desempenho ou performance
(como esse conhecimento vai ser efetivamente colocado em praacutetica)
Ou seja existiria- para esta oacutetica- uma gramaacutetica (no sentido gerativo das regras
internalizadas do proacuteprio idioma para a construccedilatildeo de enunciados que gramaticalmente faccedilam
sentido) que o falante tem que seguir Nenhum falante nativo de portuguecircs por exemplo diria
espontaneamente e numa situaccedilatildeo natildeo-afaacutesica algo como ―Meninos foram os para casa
porque esta natildeo eacute a ordem sintaacutetica tiacutepica de nossa liacutengua haja vista que em nosso sistema
artigos habitualmente antecedem substantivos e as preposiccedilotildees sucedem os verbos mas
antecedem os objetos indiretos a que estatildeo relacionadas
Ora estou plenamente consciente de que o movimento de usar itens lexicais para
metalexicograficamente definir e explicar termos juruna acaba sendo em certa medida um
ponto de vista entre outros possiacuteveis uma (de) limitaccedilatildeo natildeo soacute porque as informaccedilotildees
recorridas nas propostas de verbetes encontram-se condensadas como tambeacutem porque o que
sobe a um sintagma se opotildee necessariamente aos elementos que permaneceram natildeo
realizados in absentia no eixo das opccedilotildees de escolha que configura cada paradigma
Por outro lado natildeo creio que essas questotildees invalidem meu trabalho pois o intuito eacute
justamente estabelecer um recorte que natildeo se restrinja a ser uma parcela natildeo relacionada com
nada mas ndash em vez disso ndash contribua com outras investigaccedilotildees que lancem outros olhares ao
tema aqui abordado para entender melhor os saberes do mencionado povo indiacutegena
brasileiro Ora os estudos de por exemplo dois pesquisadores que estudem sapos um
analisando seu ciclo de vida bioloacutegico outro dissecando os espeacutecimes para avaliaacute-los
137
anatomicamente natildeo tem que necessariamente serem opositivos e negarem-se mutuamente (a
menos que os dados de um apontem para conclusotildees distintas agraves que o outro chegou) Seria
muito mais uacutetil que os resultados de ambos se complementassem a fim de uma tentativa de
compreensatildeo da maior quantidade possiacutevel de complexidades e especificidades envolvidas
nos referidos animais
Jaacute afirmava Seeger (de acordo com o que diz PIEDADE (2008)) que qualquer
investigaccedilatildeo depende do recorte teoacuterico metodoloacutegico adotado Para exemplificar seu ponto
de vista o autor em diversas palestras acaba se utilizando de uma metaacutefora utilizando uma
banana De acordo com ele mesmo para se estudar a referida fruta seria possiacutevel recortaacute-la
de vaacuterias formas em fatias transversalmente em metades e que os resultados dependeriam
natildeo apenas do corte realizado como do olhar do pesquisador para o que estaacute agrave sua frente Ele
ainda salienta que todos esses olhares seriam uma uacutenica perspectiva mas mesmo assim
relevantes jaacute que os resultados especiacuteficos e individuais de cada recorte poderiam contribuir ndash
se houvesse diaacutelogo- para o entendimento da banana como um todo
Nesse sentido concordo com as declaraccedilotildees de Eliot (1989) Em ―A tradiccedilatildeo e o
talento individualrdquo esse autor se mostra em oposiccedilatildeo agrave tendecircncia de valorizar a
individualidade do poeta desprendida de aspectos semelhantes agraves obras dos artistas
precedentes jaacute que para ele o presente re-significa o passado fazendo de toda literatura uma
―presenccedila simultacircnea Ou seja seria a combinaccedilatildeo do passado com o presente que daacute ao
texto uma dinacircmica temporal (ou por vezes atemporal) Isso significa que um bom poeta (no
nosso caso um pesquisador competente) eacute reconhecido pela relaccedilatildeo com que ele estabelece
com os poetas ―imortais que o precederam
Jaacute em ―A funccedilatildeo da criacutetica Eliot (1989) comenta algumas de suas concepccedilotildees que jaacute
haviam sido transmitidas anteriormente em alguns de seus trabalhos e com as quais ele ainda
concordava Entre elas estaria a ideacuteia de que o aparecimento de uma nova obra altera e
reajusta as relaccedilotildees e proporccedilotildees da ordem ideal formada pelas obras anteriormente
existentes Assim segundo ele se por um lado o presente modifica o passado eacute tambeacutem por
outro orientado por este uacuteltimo
Portanto natildeo anseio destruir investigaccedilotildees anteriores (como se elas fossem totalmente
―irrelevantes ou ―inadequadas) e nem critico a pessoa de nenhum dos autores aqui
mencionados para impor algo completamente novo e ―adequado mas pretendo com elas
dialogar ansiando inclusive que meus dados levem a indagaccedilotildees e descriccedilotildees futuras de
outros pesquisadores haja vista que em nossa oacutetica as investigaccedilotildees cientiacuteficas natildeo satildeo
muros que se constroem sobre escombros de construccedilotildees anteriores e nem somente apoacutes a
138
destruiccedilatildeo de alicerces previamente estabelecidos mas sim partem de perguntas e natildeo de
dogmas inquestionaacuteveis sendo um muro eternamente em construccedilatildeo por cada um dos tijolos
assentados por cada uma das pesquisas individualmente falando
Enfim espero que este trabalho esteja dentre essas contribuiccedilotildees e que muitos outros
estudos sobre os juruna advenham a fim de que noacutes possamos ir na contra-corrente da criaccedilatildeo
de uma uacutenica imagem ou para citar novamente Adichie (2009) uma histoacuteria uacutenica desse
povo e possamos com esses outros estudos com essas outras histoacuterias compreender ao
menos minimamente a maior quantidade possiacutevel dos diversos acircngulos dessa riquiacutessima
complexidade de saberes e praacuteticas detidos por tais iacutendios brasileiros
Nesse sentido a principal contribuiccedilatildeo deste trabalho foi ndash aleacutem de dialogar com
estudos anteriores e levantar questionamentos a algumas teorias (como as de VIVEIROS DE
CASTRO (1996) e LIMA(1996))- possibilitar um primeiro contato com a forma com que os
juruna categorizam e simbolizam os espeacutecimes por noacutes alocados na categoria ―insetos Aliaacutes
natildeo foi possiacutevel concluir se essa categoria existe ou natildeo para eles Espero que ao menos
tenha dado um primeiro passo para estudos futuros sobre isso
De qualquer modo as entrevistas e demais procedimentos realizados possibilitaram
dados que apontam para o fato de que o simbolismo geral por traacutes das ―borboletas eacute entre os
referidos indiacutegenas brasileiros distinto daquele da sociedade natildeo-indiacutegena de modo geral
Para aleacutem do fato de que os aspectos de ser delicadalsquo ser fugidialsquo parecer natildeo ser tatildeo
relevante frente inclusive aos aspectos potencialmente perigosos desses animais
Acresce que os criteacuterios de sub-classificaccedilatildeo tambeacutem natildeo satildeo equivalentes Enquanto
nossa biologia fixa o olhar para as nervuras da asa tipos de antenas e outras questotildees de
formas imaturas os aspectos relevantes para distinccedilatildeo na perspectiva de um especialista
juruna natildeo passam pelas lagartas ficando entre tamanho potencial de vocirco a origem do
animal (que implica na dicotomia do ceacuteu X da terra) e sua importacircncia cultural (se eacute ou natildeo
um ―trabalhador e carregador de embira ou apenas um sugador de seiva)
Aliaacutes o que noacutes categorizamos como um uacutenico ser os juruna identificam como cinco
entes distintos com proximidade parental Eacute interessante notar que nos itens lexicais usados
para nomear esses espeacutecimes haacute processos de reduplicaccedilatildeo Para eles haveria as nasusu as
kamaperuperu e as yahaha (mais ou menos comparaacuteveis ao que noacutes denominamos de
mariposaslsquo)
Em outros termos poderiacuteamos resumir o que foi dito nos paraacutegrafos anteriores quanto
aos criteeacuterios de classificaccedilatildeo juruna e os de nossa sociedade para ―borboletas da seguinte
forma
139
Figura 6 Criteacuterios de distinccedilatildeo juruna para ldquoborboletasrdquo e classificaccedilatildeo ocidental
Fonte elaboraccedilatildeo proacutepria
Uma uacuteltima questatildeo a apontar eacute que os protoacutetipos de verbetes aqui apresentados
redundam em mais uma contribuiccedilatildeo futura deste trabalho ao dicionaacuterio que vem sendo
desenvolvido por Fargetti Mas uma das etapas que ainda restam desta pesquisa eacute como esses
protoacutetipos seratildeo revisados pela comunidade juruna na medida em que natildeo podemos
simplesmente adicionaacute-los agrave obra lexicograacutefica final como verbetes sem o aval e confirmaccedilatildeo
dos nativos falantes juruna e do especialista indicado por eles
Nessa esteira a revisatildeo dos verbetes se mostra como um desafio pois provavelmente
natildeo haveraacute verba nem tempo disponiacutevel para uma outra ida a campo de modo que sobram
como alternativas trazer informantes indiacutegenas para a cidade ou fazer chamadas com a aldeia
por telefone e tambeacutem por viacutedeo por meio de softwares digitais na medida em que Tuba
Tuba tem acesso agrave internet e a escola da comunidade eacute provida inclusive de computadores
140
REFEREcircNCIAS
ABBADE C M de S Filologia e o estudo do leacutexico In Anais do XI Simpoacutesio Nacional e I Simpoacutesio
Internacional de Letras e Linguumliacutestica (XI SILEL) Universidade Federal de Uberlacircndia 2006 p 716-
721
ABREU A S Gramaacutetica miacutenima para o domiacutenio da liacutengua padratildeo Cotia Ateliecirc Editorial 2003
______ Linguiacutestica cognitiva uma visatildeo geral e aplicada Cotia Ateliecirc Editorial 2010 119 p
______ A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo Cotia Ateliecirc 2009
ABREU D B de O et als Classificaccedilatildeo etnobotacircnica por uma comunidade rural em um brejo de
altitude no nordeste do Brasil Biofar Volume 06 ndash Nuacutemero 01 ndash 2011 p 55-74
ADICHIE C N 2009 O perigo de Histoacuterias Uacutenicas Disponiacutevel em
ltchimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_storytranscriptlanguage=ptgt Acesso em 03 de
Fev 2018
ALMEIDA G M de B A Teoria Comunicativa da Terminologia e sua praacutetica Alfa Satildeo Paulo 50
(2) 85-101 2006
ALMEIDA LM RIBEIRO-COSTA CS MARINONI L Manual de Coleta Conservaccedilatildeo
Montagem e Identificaccedilatildeo de Insetos Ribeiratildeo Preto Holos 1998 78p
ALVES I M Neologismos A criaccedilatildeo lexical Satildeo Paulo Aacutetica 1990
APARELHO mastigador de insetos Blog Agromais Disponiacutevel em
lthttpagromaisblogspotcom2016entomologia-anatomia-externa-dos_30htmlm=1gt Acesso em
10 de Fev de 2018
BARBOSA L M de A O conceito de lexicultura e suas implicaccedilotildees para o ensino-aprendizagem de
portuguecircs liacutengua estrangeira Filol linguiacutest port n 10-11 p 31-41 20082009
BARCELOS NETO A Apapaatai Rituais de Maacutescaras no Alto Xingu Seacuterie Antropologia1 Satildeo
Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Fapesp 2008 328 p
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral II trad
Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BERTO F de F Nomes de aves em Juruna estudo lexicoloacutegico Monografia (conclusatildeo de curso)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2010
______ Kania ipewapewa estudo do leacutexico juruna sobre a avifauna Dissertaccedilatildeo (mestrado)
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2013p 53-56
BERTRAND D Caminhos da semioacutetica literaacuteria Trad Grupo CASA Baruru SP EDUSC 2003
BIDERMAN M T C Glossaacuterio Alfa Satildeo Paulo vol 28 (supl) n 42 p 135-144 1984
______ O vocabulaacuterio fundamental no ensino do Portuguecircs como segunda liacutengua In SILVEIRA R
C P da Portuguecircs Liacutengua Estrangeira perspectivas Satildeo Paulo Cortez 1998 p 73-91
141
BLIKSTEIN I Kaspar Hauser ou a fabricaccedilatildeo da realidade Satildeo Paulo Cultrix 2003
BORGES I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba n ordm 9 (1982) p 105-123
BORROR D J amp DELONG D M Introduccedilatildeo ao estudo dos insetos Satildeo Paulo Editora Edgard
Buchter Ltda 1ordf Reimpressatildeo 1988
CABREacute MT La Terminologia Representacioacuten y comunicacioacuten Elementos para uma teoria de base
comunicativa y otros artiacuteculos Barcelona Institut Universitari de Linguiacutestica aplicada 1999
CAGLIARI L C (1981) Elementos de Foneacutetica do Portuguecircs Brasileiro Satildeo Paulo Paulistana
2007
______ Fonologia do Portuguecircs - Anaacutelise pela Geometria de Traccedilos Campinas ediccedilatildeo do autor
1997 p 7-67
CAcircMARA A L A oraccedilatildeo subordinada adjetiva na produccedilatildeo de sentidos no texto a perspectiva dos
livros didaacuteticos de liacutengua portuguesa do Ensino Meacutedio Filologia Linguiacutestica Portuguesa Satildeo Paulo
v 18 n 2 p 319-355 agodez 2016
CAMPOS M D SULear x NORTear representaccedilotildees e apropriaccedilotildees do espaccedilo entre emoccedilatildeo
empiria e ideologia Seacuterie documenta v 6 n8 Rio de Janeiro EICOSCaacutetedra UNESCO 1999
CAVALCANTE DE SOUZA J (Org)Os pensadores preacute-socraacuteticos Satildeo Paulo Editora Nova
Cultural 1996
CHAUI M Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da Filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles vol I 2a ed 10 a
reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002
CORBERA MORI A H Estudos das liacutenguas indiacutegenas no Brasil In DEL REacute A et al (Orgs)
Estudos linguiacutesticos contemporacircneos diferentes olhares Seacuterie Trilhas Linguiacutesticas ndash 23 Satildeo Paulo
Cultura Acadecircmica 2013 p 97-114
COSTA C IDE S amp SIMONKA C E Insetos imaturos metamorfoses e identificaccedilatildeo Holos
Editora Ribeiratildeo Preto 2006 249 p
COSTA NETO E M A Etnozoologia no Brasil um panorama biograacutefico Bioikos PUC-Campinas
14 (2) 2000 p 31-45
______ Estudos etnoentomoloacutegicos no estado da Bahia Brasil uma homenagem aos 50 anos do
campo de pesquisa Bioternas 17 (1) 2004 p 117-149
FARACO C A Estrangeirismos ndash guerras em torno da liacutengua Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2001
FARGETTI C M 1992 Anaacutelise fonoloacutegica da liacutengua Juruna Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Campinas
SP UNICAMP
______ FARGETTI Cristina M Verbos estativos em juruna In Seminaacuterio do GEL 2003 Satildeo Paulo
Estudos Linguumliacutesticos XXXII Satildeo Paulo USP 2002 Disponiacutevel em
lthttpwwwgelorgbrestudoslinguisticosvolumes32htmcomunicaci057htmgt Acesso em 28 de
novembro de 2014
______ 2007 Estudo Fonoloacutegico e Morfossintaacutetico da Liacutengua Juruna Muenchen Alemanha
Lincom Europa 320 p
142
______ Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas e questotildees de prosoacutedia In ______ (Org) Abordagens
sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas Curt Nimuendajuacute 2012 p 67- 82
______ Qual pode ser o alcance de uma metaacutefora Revista Brasileira de Linguiacutestica Antropoloacutegica
Volume 7 Nuacutemero 1 Julho de 2015 p 101-111
______ Fala de gente fala de bicho cantigas de ninar do povo juruna Satildeo Paulo Ediccedilotildees Sesc
2017a
______ Constelaccedilotildees juruna In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017b
______ Estuacutedios del leacutexico de lenguas indiacutegenas iquestTerminologiacutea In Manuel Gonzaacutelez
Gonzaacutelez Maria-Dolores Saacutenchez-Palomno Inecircs Veiga Mateos (Org) Terminoloxiacutea a necesidade
da colaboracioacuten 1 ed Madrid Vervuert 2018 v 1 p 343-368
FARGETTI C M MIRANDA T G Plurilinguismo a diversidade que natildeo eacute abordada nos livros
didaacuteticos Revista Letras Raras vol 5 Ano 5 ndeg 3 2016 p 79-88
FARGETTI C M RODRIGUES C L Termos para partes do corpo em Juruna e Xipaya um
estudo comparativo In SALES Germana Maria A FURTADO Marliacute Tereza (org) Linguagem e
Identidade Cultural 1ed Joatildeo Pessoa Ideacuteia 2009 p 237-246
FARGETTI C M VANETI L L Poliacuteticas linguiacutesticas na miacutedia Revista Letras Raras vol 5 Ano
5 ndeg 3 2016 p 9-24
FAUSTO C Donos Demais maestria e Domiacutenio na Amazocircnia MANA 14 (2) 329-366 2008
FERNANDES D C O campo lexical da cosmologia em dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras
Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara UNESP 2015
FERNANDES D MATEUS I D VANETI L L amp FARGETTI C M Pesquisas lexicais de
liacutenguas indiacutegenas propostas metodoloacutegicas In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa
no Brasil 1 ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 85-100
FIORIN J L O projeto semioloacutegico In FIORIN J L FLORES V do N amp BARBISAN L B
Saussure a invenccedilatildeo da linguumliacutestica Satildeo Paulo Contexto 2013 p 99-112
GALISSON R (1987) Acceacuteder agrave la culture partageacutee par llsquoentremise des mots agrave CCP Eacutetudes de
Linguistique Apliqueacutee 67 p 109-151
GAMBINI R O espelho iacutendio os jesuiacutetas e a destruiccedilatildeo da alma indiacutegena Rio de Janeiro Espaccedilo e
Tempo 1988
GAUDIN F La socioterminologie In Langages n157 ano 39 La terminologie nature et enjeux p
80-92 2005
GOLDMAN M Cosmopoliacutetica e Saberes Afroindiacutegenas Antinotepistemologias do respeito e Contra
Ontologias da Mistura Palestra ministrada na FCLAr ago 2017
GONCcedilALVES S C L SOUSA G C de amp CASSEB-GALVAtildeO V C As construccedilotildees
subordinadas substantivas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs
143
culto falado Vol II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp
2008 p 1021-1075
GUIMARAtildeES ROCHA E P O que eacute etnocentrismo Coleccedilatildeo Primeiros Passos Satildeo Paulo Editora
Brasiliense 1984
HESIacuteODO Os trabalhos e os dias Ediccedilatildeo traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas Alessandro Rolim de Moura
- Curitiba PR Segesta 2012 152 p
HJELMSLEV L Prolegocircmenos a uma teoria da linguagem Trad J Teixeira Coelho Netto 2 ed
Satildeo Paulo Perspectiva 2003
ISQUERDO A N Vocabulaacuterio do seringueiro campo leacutexico da seringa In OLIVEIRA Ana Maria
Pires Pinto de ISQUERDO Aparecida Negri (Orgs) As ciecircncias do leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2 ed Campo Grande MS Ed UFMS 2001 p91-100
JAKOBSON R Linguiacutestica e poeacutetica In Linguiacutestica e Comunicaccedilatildeo Satildeo Paulo Cultrix 1995 118-
162
KRIEGER M da G amp FINATTO M J B Introduccedilatildeo agrave Terminologia teoria e praacutetica Satildeo Paulo
Contexto 2004
LARA L F et als Lexicografia espantildeola In Medina Guerra A M (Org) Madrid Ariel 2003
LAKOFF G Women fire and dangerous things What categories reveal about the mindChicago
University ofChicago Press 1987
LARROSA J amp PEacuteREZ DE LARA N Imagens do outro Petroacutepolis Editora Vozes 1998
LIMA T S Para uma teoria etnograacutefica da distinccedilatildeo natureza e cultura na cosmologia juruna RBCS
Vol 14 no 40 junho99 p 43-52
MACIEL DE CARVALHO M C Anaacutelise metalexicograacutefica do dicionaacuterio da liacutengua Baniwa
In FARGETTI C M (Org) Abordagens sobre o leacutexico em liacutenguas indiacutegenas Campinas SP
Editora Curt Nimuendajuacute 2012 p 353-366
MARTINS S de C amp ZAVAGLIA C As cores da fauna e da flora um dicionaacuterio especial composto
por cromocircnimos ESTUDOS LINGUIacuteSTICOS Satildeo Paulo 42 (1) p 245-256 jan-abr 2013
MATEUS I D Entre concertos e desconcertos Dicionaacuterios de liacutenguas indiacutegenas brasileiras em
(des)compasso com o campo lexical da muacutesica Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade
Estadual Paulista 2017
MINER H Ritos corporais entre os Nacirema In ROONEY AK amp VORE PL (Orgs) YOU AND
THE OTHERS - Readings in Introductor y Anthropology Cambridge Erlich 1976
MONDINI J N Yudja utaha a culinaacuteria juruna no Parque Indiacutegena Xingu ndash uma contribuiccedilatildeo ao
dicionaacuterio biliacutengue juruna-portuguecircs Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Araraquara Universidade Estadual
Paulista 2014
MOSCARDINI L E Recursos de textos de alunos e professores da escola juruna anaacutelise para uma
contribuiccedilatildeo ao ensino Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara Universidade Estadual Paulista 2011
144
MOSCARDINI L E amp FARGETTI C M O uso do dicionaacuterio nas abordagens de leitura e escrita
em portuguecircs na escola juruna In Cristina Martins Fargetti (Org) Leacutexico em pesquisa no Brasil 1
ed Araraquara Letraria 2018 v 1 p 143-151
MOTTA C da S Noccedilotildees gerais sobre insetos borboletas e mariposas (Lepidoacuteptera) Manaus INPA
1996
MOURA NEVES M H de Substantivos Adjetivos oraccedilotildees adjetivas Processos de predicaccedilatildeo e
referenciaccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jun 2018 Aulas ministradas
aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Gramaacutetica do Portuguecircs
MOURA NEVES M H de BRAGA M L ampDALL‟AGLIO-HATTNHER M M As construccedilotildees
hipotaacuteticas In ILARI R amp MOURA NEVES M H de Gramaacutetica do portuguecircs culto falado Vol
II Classes de palavras e processos de construccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp 2008
MOURAtildeO JS NORDI N (2002) Principais criteacuterios utilizados por pescadores artesanais na
taxonomia Folk dos peixes do Estuaacuterio do Rio Mamanguape Paraiacuteba ndash Brasil Interciecircncia 27 (11) 1-
6
______ Comparaccedilotildees entre as taxonomias folk e cientiacutefica para peixes do estuaacuterio do Rio
Mamanguape Paraiacuteba-Brasil Interciencia vol 27 nuacutem 12 diciembre 2002b pp 664-668
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA C de A A Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar - jun 2018
Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
MUNtildeOZ NUNtildeEZ Mordf D La polesemia leacutexica Caacutediz Universidad de Caacutediz ndash Servicio de
Publicaciones 1999
MURAKAWA Cde A A Tradiccedilatildeo lexicograacutefica portuguesa Bluteau Morais e Vieira In Oliveira
A M P P de amp Isquerdo A N (Orgs) As Ciecircncias do Leacutexico lexicologia lexicografia
terminologia 2ed Campo Grande UFMS 2001 p 153-170
______ Signo linguiacutestico homoniacutemia e polissemia delimitando unidades lexicais consideraccedilotildees
sobre as definiccedilotildees lexicograacuteficas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP mar -
jun 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos matriculados na disciplina ―Lexicografia e
Lexicologia
MURAKAWA C de A A amp NADIN O L (Orgs) Terminologia uma ciecircncia interdisciplinar
Seacuterie trilhas linguiacutestica vol 22 Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2013
NADIN O Breve panorama histoacuterico da Lexicografia Pedagoacutegica histoacuteria definiccedilatildeo e conceitos
Dicionaacuterios Pedagoacutegicos estruturas funccedilotildees e liacutenguas Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp
Araraquara SP Mar a mai 2018 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e alunos especiais
matriculados na disciplina ―Lexicografia Pedagoacutegica
OGDEN C K amp RICHARDS I A O significado de significado um estudo da influecircncia da
linguagem sobre o pensamento e sobre a ciecircncia do simbolismo Satildeo Paulo Zahar 1972
145
OLIVEIRA A E Os Iacutendios Juruna do Alto Xingu Satildeo Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia ndash
USP 1970
PALO JR H (Org e Edit) Borboletas do Brasil Satildeo Carlos Vento Verde Editora
PEIXOTTO M Os ldquodairdquo e a alteridade juruna (Monografia de Conclusatildeo de Curso em Ciecircncias
Sociais) Satildeo Carlos UFSCAR 2013
PEREIRA A H Terminologia do Direito do Consumidor Anaacutelise das motivaccedilotildees da variaccedilatildeo
terminoloacutegica Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa) Universidade Estadual
Paulista Juacutelio de Mesquita Filho Faculdade de Ciecircncias e Letras Araraquara 2018 108 f
PETIZA S et als Amazocircnia Rev Antropol (Online) 5 (3) Especial 708-732 2013
PICELLI P O perspectivismo de Viveiros de Castro proposta de uma nova antropologia Revista
Alteridade ndash Montes ClarosMG v 2 n 1 p53-63 maio2016
PIEDADE A T de C A Etnografia da Muacutesica segundo Anthony Seeger clareza epistemoloacutegica e
integraccedilatildeo das perspectivas musicoloacutegicas Cadernos de campo Satildeo Paulo n 17 2008 p 233-235
PIKE KL Language in relation to a unified theory of the structure of human behavior Hague
Mouton 1966
______ (1971) Phonemics a technique for reducing languages to writing Ann Arbor The
University of Michigan Press(1ordf ed 1947)
POLITO A M amp SILVA FILHO O L A Filosofia da Natureza dos preacute-socraacuteticos In Cad Bras
Ens Fiacutes v 30 n 2 p 323-361 ago 2013
PORTO-DAPENA D Manual de Teacutecnica Lexicograacutefica Madrid Arcolibros SI 2002
RAFAEL J A (ed) Insetos no Brasil diversidade e taxonomia Ribeiratildeo Preto Holos Editora 2012
REY-DEBOVE J Leacutexico e dicionaacuterio Trad de Cloacutevis Barleta de Morais Alfa Satildeo Paulo 28(supl)45-69 1984 ROSENFELD A O fenocircmeno teatral In ______ TextoContexto Satildeo Paulo Perspectiva 1969 p 19-41
SAacuteEZ O C Do perspectivismo ameriacutendio ao iacutendio real Campos 13(2)7-23 2011
SANDMAN A J Morfologia geral 2 ed Satildeo Paulo Contexto 1993
SANTAELLA L O que eacute semioacutetica 3 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1983
SAPIR E (2004) Language an introduction to the study of speech New York Harcourt Brace
SAPIR E MANDELBAUM D HYMES D (ed) (1985) Selected writings in language culture and
personality Berkeley University of California Press
SAUSSURE F de Curso de Linguiacutestica Geral Traduccedilatildeo de Antocircnio Chelini Joseacute Paulo Paes e
Izidoro Blikstein 34a ed Satildeo Paulo Cultrix 2012
146
SEKI L A Linguumliacutestica indiacutegena no brasil Delta vol 15 nordm especial 1999
______ Liacutenguas indiacutegenas do Brasil no limiar do seacuteculo xxi Revista Impulso v 1 nordm 27 Piracicaba
2000 p 233-256
SILVA D Anaacutelise do trabalho ―O leacutexico da liacutengua Terena proposta do dicionaacuterio infantilbiliacutengue
Terena-Portuguecircs Educaccedilatildeo escolar indiacutegena na Reserva Indiacutegena Cachoeirinha MirandaMS In
______ Estudo lexicograacutefico da liacutengua Terena proposta de um dicionaacuterio biliacutenguumle Terena-Portuguecircs
Araraquara Unesp (Tese de doutorado) 2013 p 29-45 Disponiacutevel em
lthttpswwwgooglecombrurlsa=tamprct=jampq=ampesrc=sampsource=webampcd=1ampcad=rjaampuact=8ampved
=0CB0QFjAAampurl=http3A2F2Facervodigitalunespbr2Fhandle2Funesp2F1681353Flo
cale3Dpt_BRampei=wq3YVIm4GYzfsATbkYGQAQampusg=AFQjCNGBSrPelXVvb3tSQNK6Y5S_D
Up0JQampsig2=p8NjA0-PfBruUomIw0A0-wgt Acesso em 18 dez 2014
SILVA M C P da Lexicografia biliacutenguumle uma verificaccedilatildeo dos substantivos mais frequumlentes em
dicionaacuterios biliacutenguumles francecircs-portuguecircs e portuguecircs-francecircs In LONGO B N de O amp SILVA B C
da (org) A construccedilatildeo de dicionaacuterios e de bases de conhecimento lexical Satildeo Paulo Cultura
Acadecircmica Editora 2006
SILVA O L da Das ciecircncias do leacutexico ao leacutexico nas ciecircncias uma proposta de dicionaacuterio
portuguecircs-espanhol de Economia Monetaacuteria Odair Luiz da Silva -- Araraquara [sn] 2008 334 f
SILVA R de S P T A importacircncia do estudo lexicultural no ensino meacutedio Anais do SIELP Volume
2 Nuacutemero 1 Uberlacircndia EDUFU 2012
SKLIAR C A invenccedilatildeo da alteridade ―deficiente a partir dos significados de normalidade In
Educaccedilatildeo amp Realidade 24 (1) jul-dez 1999 p15-32
STHER F W Immature insects vol II II Kendall amp Humt Dubique (USA) 1987 1620 p
TEMMERMAN R Towards new ways of Terminology description the socicognitive approach
AmsterdamPhiladelphia J Benjamins Pub Co 2000
VANETI L L Banco de dados com termos de parentesco Monografia de Graduaccedilatildeo Araraquara
Universidade Estadual Paulista 2017
VERNANT JP O universo os deuses os homens Trad Rosa Freire dlsquoAguiar Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2000 p 59-77
VICTOR E LEO Borboletas Satildeo Paulo Columbia 2008 1 viacutedeo digital on line mp4 (3min 19
seg) Disponiacutevel em
lthttpswwwbingcomvideossearchq=victor+e+leo+borboletasampview=detailampmid=7944F8E90A2
D6F5C5AEE7944F8E90A2D6F5C5AEEampFORM=VIRE gt Acesso em 02 Ago 2018
VILLALVA A amp SILVESTRE J P Introduccedilatildeo ao estudo do leacutexico descriccedilatildeo e anaacutelise do
Portuguecircs Rio de Janeiro Editora Vozes 2014
VILELA M Estruturas leacutexicas do portuguecircs Coimbra Livraria Almedina 1997
VIVEIROS DE CASTRO E Os pronomes cosmoloacutegicos e o perspectivismo ameriacutendio Mana
2(2)115-144 1996
VOIGT J K Iacutendios miacutedia e questotildees de representaccedilatildeo Revista Adveacuterbio 2015 v10 N 20 p 35-
44
147
XATARA C BEVILACQUA C R amp HUMBLEacute P R M (Orgs) Dicionaacuterios na teoria e na
praacutetica como e para quem satildeo feitos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2011
WEINRICH U LABOV W amp HERZOG MI Fundamentos empiacutericos para uma teoria da mudanccedila
linguumliacutestica Traduccedilatildeo BAGNO M Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2006 p 87-126
WELKER H A Dicionaacuterios uma pequena introduccedilatildeo agrave lexicografia 2 ed revista Brasiacutelia
Thesaurus 2004 p 106-248
WHORF B (1956) Language thought and reality selected writings of Benjamin Lee Whorf
Cambridge MIT
ZAVAGLIA C A homoniacutemia no Portuguecircs Tratamento semacircntico segundo a estrutura Qualia de
Pustejovsky com vistas a implementaccedilotildees computacionais Alfa Satildeo Paulo 47 (2) 77-99 2003
BIBLIOGRAFIA
ACAacuteCIO M S J A questatildeo da universalidade na distinccedilatildeo da classe de palavras nomes Ribanceira
ndash Revista do Curso de Letras da UEPA Beleacutem Vol 1 n 1Jul-Dez2013 p 6-22
AMORIM DS Fundamentos de sistemaacutetica filogeneacutetica Holos Editora Ribeiratildeo Preto 2002 136p
BARBOSA M A Para uma etno-terminologia recortes epistemoloacutegicos Ciecircncia e Cultura
nordm 58 (2) p 48-51 2006
BARROS D L P de Teoria semioacutetica do texto 5 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2011
BENVENISTE E A linguagem e a experiecircncia humana In Problemas de Linguiacutestica Geral
II trad Eduardo Guimaratildees Campinas Pontes 1989 P 68-90
BIDERMAN M T C Conceito linguiacutestico de palavra In Palavra Rio de Janeiro Grypho 1999
______ Aureacutelio Sinocircnimo de dicionaacuterio Alfa Satildeo Paulo 44 27-55 2000 BOSQUE I Sobre la teoriacutea de la definicioacuten lexicograacutefica Verba 9 1982 p 105-123
CABREacute M T Terminologia em foco uma entrevista comentada com Maria Teresa Cabreacute [Entrevista cedida a] SANTIAGO M S amp KRIEGER M da G Calidoscoacutepio Vol 11 n 3 p 328-
332 Unisinos setdez 2013
CORBERA MORI A A classe adjetivos em Aguaruna (Jiacutevaro) In PADILLA J A S amp DEacuteNIZ M
T Actas del XI Congreso Internacional de la Asociacioacuten de Linguumliacutestica y Filologiacutea de la Ameacuterica
Latina jul 1996 p 1771-1777
COSTA D S da Classes de palavras Flexatildeo Nominal Flexatildeo Verbal Faculdade de Ciecircncias e
Letras ndash Unesp Araraquara SP Mar a jun 2017 Aulas ministradas aos poacutes-graduandos ouvintes e
alunos especiais matriculados na disciplina ―Morfologia do Portuguecircs
DlsquoOLNE CAMPOS M amp FAULHABER P Caminhos do sol e orientaccedilatildeo espacial em sociedades
indiacutegenas tropicais In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias etnograacuteficas
desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea cultural cosmo-
poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
148
GOacuteRGIAS Elogio agrave Helena Trad De Antocircnio Suaacuterez Abreu [s data]
FERRARI L Categorizaccedilatildeo In ______ Introduccedilatildeo agrave Linguiacutestica Cognitiva Satildeo Paulo Contexto
2011
ILHERING R V Dicionaacuterio dos animais do Brasil Rio de Janeiro DIFEL 2002 588 p
JORGE DE MELO D amp FAULHABER P Embate entre ciecircncia e religiatildeo a lua as religiotildees afro-
brasileiras e a missatildeo Apollo 11 In XII RAM Reunioacuten de Antropologiacutea del Mercosur experiencias
etnograacuteficas desafiacuteos y acciones para eacutel siglo 21 GT Nordm 64 (Relaciones cielo-tierra astronomiacutea
cultural cosmo-poliacuteticas y patrimonio) Dezembro de 2017
LAPLANTINE F Aprender antropologia Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2003
LENKO K PAPAVERO N Insetos no folclore 2 ed Satildeo Paulo Plecirciade FAPESP 1996
MACHADO ESTEVAM A Expressando conceitos de qualidade em Xavante adjetivos ou verbos
Revista Moara ndash Ediccedilatildeo 43 vol 2 ndash jul - dez 2015 Estudos Linguiacutesticos
MELO DE OLIVEIRA T Terminologia metaacutefora e outros fenocircmenos que desafiam o princiacutepio da
univocidade anaacutelise qualitativa de unidades terminoloacutegicas Cadernos do IL Porto Alegre nordm 42
junho de 2011 p 311-312 Disponiacutevel em lthttpwwwseerufrgsbrcadernosdoilgt Acesso em 07
Mai 2018
MOLINA GARCIacuteA La lexicografiacutea pedagoacutegica La lexicografiacutea biliacutengue En Fraseologiacutea biliacutengue
un enfoque lexicograacutefico-pedagoacutegico Granada Comares 2006 p 9-84
NADIN O L amp ZAVAGLIA C Temos a palavra In ______ (Orgs) Estudos do leacutexico em
contextos biliacutengues Campinas Mercado das Letras 2016 p 7-13
PERINI et al Sobre a classificaccedilatildeo das palavras In Delta Vol 14 Satildeo Paulo 1998 Disponiacutevel em
lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010244501998000300014gtAcesso em 03
de jun de 2017
SALVADOR E L A Greacutecia antiga Faculdade de Ciecircncias e Letras ndash Unesp Araraquara SP jan-
jul 2013 Aulas ministradas aos graduandos do turno diurno matriculados na disciplina ―Literatura
Grega I
VIVEIROS DE CASTRO E Perspectivismo e multinaturalismo na Ameacuterica indiacutegena p 225-254 O
que nos faz pensar nordm 18 setembro de 2004
VOGLER C A jornada do escritor estruturas miacuteticas para escritores 2 ed Rio de Janeiro Nova
Fronteira 2006
WEINRICH H A verdade dos dicionaacuterios p 314-337 Trad e introd de Maacuterio Vilela Rio de
Janeiro Compainha das Letras 1979
WELKER H A Sobre o uso de dicionaacuterios por aprendizes de liacutenguas Panorama Geral da
Lexicografia Pedagoacutegica Brasiacutelia Thesaurus 2008 p 13-114
149
150
APEcircNDICES
151
Apecircndice A - Lista com os animais fotografados e suas identificaccedilotildees juruna
Nuacutemero Foto Classificaccedilatildeo
juruna
1
kamaperuperu
2
Nasusu do ceacuteu
3
Nasusu do ceacuteu
152
4
Nasusu do ceacuteu
5
Nasusu do ceacuteu
6 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
153
6 b (asas
fechadas)
7
Nasusu do ceacuteu
8
Nasusu do ceacuteu
154
9
Nasusu do ceacuteu
10
Nasusu do ceacuteu
11
Nasusu do ceacuteu
155
12 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
12 b (asas
fechadas)
13 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
13 b (vista
lateral)
156
14
Nasusu do ceacuteu
15
Nasusu do ceacuteu
16 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
157
16 b (asas
abertas)
17 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
17 b (vista
lateral)
18 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
158
18 b (asas
abertas)
19
Nasusu do ceacuteu
20
Nasusu do ceacuteu
159
21
Nasusu do ceacuteu
22
Nasusu do ceacuteu
23
Nasusu do ceacuteu
160
24 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
24 b (asas
abertas)
25
Nasusu do ceacuteu
26
Nasusu do ceacuteu
161
27
yahaha da
Terra
28
Nasusu do ceacuteu
29 (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
162
29 (vista
lateral)
30
Nasusu do ceacuteu
31
yahaha da
Terra
163
32
Nasusu do ceacuteu
33
Nasusu do ceacuteu
34
Nasusu do ceacuteu
35 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
164
35 b (asa
aberta)
36 a (vista
lateral)
Nasusu do ceacuteu
36 b (asa
aberta)
165
37
Nasusu do ceacuteu
38
Nasusu do ceacuteu
39
Nasusu do ceacuteu
40
Nasusu do ceacuteu
166
41
yahaha da
terra
42 a (vista
lateral)
Nasusu da
Terra
42 b (asa
aberta)
43
kamaperuperu
167
44 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
45 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
46 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu da
Terra
168
47 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
48 a
(Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
asa aberta
Nasusu do ceacuteu
48 b (Foto
de Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
vista
lateral
169
49 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
50 (Foto de
Liacutegia
Egiacutedia
Moscardini
Nasusu do ceacuteu
51
Nasusu do ceacuteu
170
52 a (asas
abertas)
Nasusu do ceacuteu
533 (vista
lateral)
54
Nasusu do ceacuteu
171
55
Nasusu da
Terra
56
Nasusu do ceacuteu
57
Nasusu do ceacuteu
58
Nasusu do ceacuteu
172
59
Nasusu do ceacuteu
60
Nasusu do ceacuteu
61
Nasusu da
Terra
62
Nasusu do ceacuteu
63 (foto de
Cristina
Martins
Fargetti)
yahaha do ceacuteu
173
64
nasusu do ceacuteu
65
nasusu do ceacuteu
66
nasusu do ceacuteu
67
nasusu da
Terra
174
68
nasusu da
Terra
69
nasusu da
Terra
70
nasusu do ceacuteu
175
71
nasusu da
Terra
72
nasusu do ceacuteu
73
yahaha (o
informante
natildeo soube
dizer se era do
ceacuteu ou da
terra)
176
74 (foto de
Arewana
Juruna)
nasusu do ceacuteu
75
kamaperuperu
76
nasusu da
Terra
77
nasusu (o
informante
natildeo soube
dizer se era da
Terra ou do
ceacuteu)
177
78 a (visatildeo
da parte
exterior
da asa)
nasusu do ceacuteu
78 b (asas
abertas)
79
nasusu da
Terra
80
yahaha fraca
(da terra)
178
81
nasusu do ceacuteu
82
nasusu da
Terra
83
nasusu da
Terra
84
Nasusu do ceacuteu
179
85
nasusu do ceacuteu
86 a(asas
abertas)
kamaperuperu
86 b (asas
fechadas)
180
87
nasusu do ceacuteu