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UMA DISCUSSÃO SOBRE O COMPORTAMENTO DOS ALUNOS NAS AULAS
DE MATEMÁTICA
Elizabeth Aparecida Iwata Tanaka1
Doherty Andrade2
RESUMO
Neste trabalho apresentamos uma discussão sobre o contrato didático de
Brousseau e um caso de ruptura nas aulas de matemática. Para confirmar esta
observação recorremos aos questionários socioeconômicos respondidos pelos
alunos participantes da Prova Brasil 2009. Como forms de reverter esta ruptura
consideramos como alternativa um enfoque sugerido por Bourdieu por meio do
capital cultural. O contrato didático é um contrato construído implicitamente pelas
relações estabelecidas em sala de aula por alunos e o professor. Tal acordo,
como veremos, foi entendido por Guy Brousseau como sendo um Contrato
Didático. Para Bourdieu o capital cultural é a chave que explicita a diferença no
desempenho de estudantes com iguais condições econômicas.
PALAVRAS-CHAVE: CONTRATO DIDÁTICO; CAPITAL CULTURAL.
1. INTRODUÇÃO
Durante a aplicação da Prova Brasil, o INEP, órgão responsável pela
elaboração e análise dos resultados, aplica também aos alunos participantes um
questionário socioeconômico. Este questionário, dentre outras informações, busca
obter dados sobre a família dos alunos e seus hábitos de estudo.
Por meio dos dados disponibilizados pelo INEP e da avaliação Prova
Brasil 2009 percebemos, que referente à disciplina matemática os alunos de
1 Professora da Educação Básica do Quadro Próprio do Magistério do Paraná, participante do PDE 2010; e-mail: bethiwata@seed.pr.gov.br 2 Professor associado do DMA/UEM
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oitava série que realizaram a prova responderam algumas questões deste
questionário de modo muito peculiar. Selecionamos algumas destas questões:
43 – Você gosta de estudar Matemática? Sim
44 – Você faz o dever de casa de Matemática? Sim, quase sempre.
45 – O professor de Matemática corrige o dever de casa? Sim, quase
sempre.
46 – O professor de Matemática elogia ou dá os parabéns quando você tira
boas notas? Sim, quase sempre.
47 – O que você pretende fazer quando terminar a oitava série? Somente
continuar estudando.
Na tabela a seguir resumimos as informações e o percentual de respostas.
Perguntas-Respostas Frequência Percentual
Acumulada
Frequência
43-A 1.146.417 40,77 1.148.417
44-A 261.356 9,28 1.409.773
45-A 365.673 12,98 1.775.446
46-A 39.456 1,4 1.814.902
47-A 30.775 1,09 1.845.677
Dados obtidos da Prova Brasil – 2009 com alunos de 8ª. série
Como podemos observar 40,77% dos alunos que responderam a este
item gostam de estudar matemática. Mas apenas 9,28% declaram que fazem
sempre ou quase sempre os deveres de casa que o professor de matemática
solicita. Apenas 1,09% dos estudantes pretendem apenas continuar estudando
depois de terminado a oitava série. Por outro lado, os professores de matemática
reclamam da violência, da indisciplina e do pouco envolvimento de seus alunos
em sala de aula. Baseando-se nestas informações, percebemos que há, por
parte dos alunos, uma clara ruptura no contrato didático.
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Para o entendimento deste conceito, introduzido pelo didata francês Guy
Brousseau, vamos fazer uma breve discussão a respeito.
O contrato didático trata da relação existente entre professor e aluno
originada pelo funcionamento da educação escolar. Os conceitos contrato didático
e situações didáticas integram um “jogo” estabelecido na sala de aula, em que
professor e aluno(s) têm seus papeis bem definidos. O professor, mediador,
coloca-se na condição de ensinar, propondo situações nas quais o aluno será
desafiado a aprender; o aluno, jogador, terá de romper obstáculos e garantir seu
aprendizado – “vencer o jogo”.
As regras do jogo didático parecem claras, mas em alguns casos elas
estão tão enraizadas pelo sistema educacional que se tornam imperceptíveis aos
professores; fazem do contrato didático um componente imutável, de uma rigidez
desproporcionada. Muitos professores inexperientes se deixam levar por essas
regras enraizadas, dizem promover a aprendizagem dos seus alunos, mas
rompem os contratos pelas razões mais descabidas possíveis. Um exemplo disso
é o professor que diz proporcionar a aprendizagem dos seus alunos e não os
deixam desenvolver as atividades por inteiro, sozinhos; “dá a resposta de tudo”
porque tem um cronograma com prazo a cumprir – não pode esperar o tempo de
aprendizagem do aluno – ou porque para ver seu aluno ser bem sucedido facilita
as questões a ponto de praticamente resolvê-las.
Noutro viés aparecem contratos mais flexíveis proporcionados por
ambientes onde são testadas metodologias de ensino diferenciadas, conduzidas
por professores atentos, que valorizam o diálogo na sala de aula, que permitem
discussões ainda não vividas no ambiente escolar. Contratos desse tipo são
aqueles em que, por exemplo, os alunos resolvem os exercícios como
entenderam, o professor respeita as diferentes soluções e faz uma plenária para
que a turma decida qual solução é a mais adequada ao saber em questão.
Por meio dessa diferenciação de contratos, podemos identificar quais
regras são próprias de cada um, identificando também quais delas são
frequentemente rompidas e como isso acontece, a toda quebra de regras
implicitamente estabelecida chamamos de ruptura do contrato didático.
Em geral, o contrato didático fica explícito no momento das rupturas e é,
em decorrência disso, colocado à prova. Inicia-se assim uma
4
negociação/discussão de opiniões entre professor e alunos que alteram o contrato
vigente. Essa manifestação contribui, em certa medida, para que a relação
professor-aluno fique mais refinada ou ainda, a aprendizagem seja de fato
alcançada.
2. O CAPITAL CULTURAL
O homem não nasce membro de uma sociedade, mas torna-se membro
dela por meio da socialização, “definida como uma ampla e consistente
introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor
dela” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p.175).
Pela socialização a criança se integra ao grupo, em que nasceu,
absorvendo suas crenças, costumes, valores e atitudes. É durante o processo de
socialização que é formado o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu denominou
habitus como sendo,
sistemas de disposições inconscientes que constitui o produto de
interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico
dos determinismos objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e
das esperanças subjetivas, tendem a produzir prática e, por essa via,
carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas (BOURDIEU,
2007, p. 201-202).
Na teoria de Bourdieu, a educação, “perde o papel que lhe fora atribuído de
instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista
como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam
os privilégios sociais” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p. 3). Para esses
autores a Sociologia da Educação de Bourdieu consiste de que os alunos trazem
uma grande bagagem social e cultural incorporada, diferenciada e mais ou menos
rentável no mercado escolar.
Segundo Bourdieu (1998, p.42), "A parcela de "bons alunos" de uma
amostra de quinta série cresce em função da renda de suas famílias". O autor
comenta sobre Paul Clercter mostrado que, com mesma renda, a proporção de
bons alunos varia de modo significativo de acordo com o grau de instrução dos
pais e conclui “a ação do meio familiar sobre o êxito escolar é quase
exclusivamente cultural”. No entanto, para Bourdieu, o nível cultural global do
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grupo familiar apresenta maior influência no desempenho escolar da criança do
que o grau de instrução ou tipo de escolaridade dos pais.
Bourdieu utilizou o conceito de capital nas análises dedicadas à sociologia
da educação e da cultura e, conforme Nogueira e Catani (1998,p.7), renovou o
pensamento sociológico em relação às funções e o funcionamento social dos
sistemas de ensino nas sociedades, assim como as relações que mantêm os
diferentes grupos sociais com o saber e a escola.
A seguir comentaremos sobre tipos de capital na visão de Bourdieu.
Capital Social: Segundo Bourdieu (1998, p. 67), o que determina o volume de
capital social de um indivíduo é a rede de relações que ele mobiliza e o volume de
capital (econômico3, cultural ou simbólico4) que cada uma dessas redes possui.
Para o autor, o “capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que
estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de interconhecimentos e de inter-reconhecimento” (BOURDIEU
1998, p.67).
O capital econômico e o social funcionariam, na verdade, na maior parte
das vezes, apenas como meios auxiliares na acumulação do capital cultural
(NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p. 22).
Capital Cultural: Em seus estudos Bourdieu utilizou a noção de capital cultural
para entender as desigualdades de desempenho escolar observadas em crianças
originárias de diferentes classes sociais, buscando as vantagens que crianças de
diferentes classes ou frações de classe poderiam obter no mercado escolar em
relação à distribuição do capital cultural (BOURDIEU, 1998, p.73).
Segundo Bourdieu (1998, p.41) cada família transmite a seus filhos, de
forma mais indireta do que direta, certo capital cultural e um sistema de valores
3Bourdieu (1998, p. 105) entende os grupos ou classes mais ricas em capital econômico como
sendo os pequenos e médios comerciantes, artesões ou proprietários de terras. 4Capital simbólico é entendido por Bourdieu (2007, p.135) como prestígio, reputação, fama, etc.
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implícitos e interiores, que contribuem para definir atitudes diante do capital
cultural e à instituição escolar. De acordo com o autor o capital cultural pode
existir sob três estados: incorporado, objetivado e institucionalizado.
Para Bourdieu (1998, p.74-75) o capital cultural no estado incorporado
apresenta-se sob a forma de disposições duráveis do organismo e sua
acumulação exige incorporação que pressupõe um trabalho de inculcação e
assimilação e para se obter custa tempo, não pode ser transmitido
instantaneamente e morre com seu portador.
No estado objetivado o capital cultural se dá sob a forma de bens culturais
tais como, quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, etc. Enquanto que
o estado institucionalizado está ligado aos certificados, diplomas, títulos
escolares, etc.
As perguntas do questionário socioeconômicas apresentadas no inicio do
texto nos dão alguma indicação a respeito do capital cultural familiar dos alunos.
3. O CONTRATO DIDÁTICO
A ideia de contrato didático surgiu em meados dos anos 70, a partir das
observações de fracasso escolar estar mais presente no domínio da Matemática,
do que do fracasso que parece não acontecer com outras matérias (D’AMORE,
2007).
Poderíamos conjecturar e dizer que tal fracasso resulta: da própria
natureza matemática, por ser ela mais abstrata que outras ciências; das relações
entre professores de matemática – vistos na maioria das vezes como indecifráveis
– e alunos; das questões sociais, afetivas, biológicas, externas à sala de aula e
que não se ajustam às metodologias de ensino de matemática. Enfim, seja qual
for a origem desse insucesso, Brousseau nos propõe refletir sobre isso para que
consigamos amenizar senão liquidar as chances de regressão dessa disciplina.
Segundo D’Amore (2007), foi após Brousseau e Pères (em 1981)
observarem o caso do menino Gäel, que frequentava a segunda série mesmo
tendo mais de 8 anos, que algumas hipóteses surgiram para explicar o insucesso
do aprendizado em matemática, pois:
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• ao invés de exprimir conscientemente o próprio conhecimento, Gäel o
exprimia sempre e somente em termos que envolvia o professor;
• as competências do aluno nunca eram próprias dele mesmo, mas eram aquilo
que a professora lhes ensinara;
• as suas capacidades estratégicas nunca eram suas próprias capacidades,
mas o que e como a professora disse que devia ser feito (D’AMORE, 2007);
ou seja, Gäel tinha atitudes influenciadas pela sua professora, possivelmente
consequência de um ensino precário conduzido por ela. Isso nos permite intuir
que as tarefas designadas para a professora e para o aluno não ficavam bem
definidas. A professora induzia a uma aprendizagem forjada, em que suas
condutas e imposições se sobrepunham às manifestações cognitivas e até
mesmo afetivas do aluno; o aluno era meramente um reprodutor.
O que Brousseau teve em mente foi chamar a atenção para a posição do
professor e do aluno nas situações didáticas, às tarefas que cada um deveria
cumprir numa espécie de acordo, que pudesse amparar os envolvidos sem
comprometer a relação destes mesmos com o objeto do saber e com a
aprendizagem.
Esse acordo, ao qual nos referimos, foi denominado por Brousseau de
CONTRATO DIDÁTICO:
Numa situação de ensino preparada e realizada pelo professor, o aluno
em geral tem a tarefa de resolver o problema que lhe é apresentado, por
meio da interpretação das questões colocadas, das informações
fornecidas, das exigências impostas, que são a maneira de ensinar do
professor. Esses hábitos específicos do professor, esperados pelo aluno,
e os comportamentos deste, esperados pelo professor, constituem o
contrato didático. (BROUSSEAU, 2008, p. 9)
Para ele
[...] o professor, por exemplo, não pode dizer explicitamente, e de
antemão, o que o aluno terá de fazer diante de um problema, sem tirar-
lhe, ao fazê-lo, a possibilidade de manifestar ou adquirir o conhecimento
correspondente. O professor não se comprometer a “fazer o aluno
entender” um conhecimento e, muito menos, fazer com que este se
produza: ninguém sabe como “se faz” uma matemática nova e, menos
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ainda, como se pode “fazer com que seja feita” de maneira acertada. De
forma que a relação didática não pode formalmente gerar um contrato.
As cláusulas não podem ser escritas, as sanções em caso de quebra
não podem ser previstas etc. Contudo, a ilusão de que existe um
contrato é indispensável para que a relação aconteça e seja,
eventualmente, bem-sucedida. (BROUSSEAU, 2008, p. 73, 74)
Brousseau explica que o contrato didático é um fenômeno presente nas
situações didáticas, mas que pré-existe a essas situações (ASTOLFI et al, 2002;
BROUSSEAU, 2008), ou seja, as regras intrínsecas do contrato didático
ultrapassam as dimensões explícitas de uma negociação, não são partilhadas
entre professor e alunos assim como ocorre com os contratos pedagógicos.
Não é possível pactuar um contrato didático entre o professor e aquele
que é ensinado. [...] as cláusulas – nas quais interviria a especificidade
do saber a ser transmitido – não podem ser objeto de um acordo entre
os dois protagonistas, pois só a aventura da aquisição do saber permite
conhecer o sentido e as condições. Elas não são sequer explicitáveis.
Tampouco existem cláusulas de quebra, nem de sanções.
[...]
Porém, quando o professor fracassa ou encontra dificuldades, cada parte
tende a se comportar como se ambos estivessem unidos por um contrato
que acabasse de ser quebrado. Cada um supõe compromissos por parte
do outro – um, de explicar, o outro, de entender – e os dois tentam
encontrar as cláusulas e as sanções de quebra.
(BROUSSEAU, 2008, p. 75, 76)
Outro ponto que Brousseau destaca e que de certa forma impede que os
contratos didáticos sejam pré-fixados por um acordo explícito entre professor e
alunos é a diversidade das características dos saberes – cada saber tem suas
especificidades, exige um trabalho exclusivo – e o domínio que ambas as partes
tem que ter sobre o saber; o professor mais os seus alunos seriam obrigados a
modificar sempre os contratos, mas como os alunos poderiam opinar sobre aquilo
que ainda não aprenderam?
Além disso, a cada novo conhecimento os alunos substituem ou até
mesmo destroem os anteriores, por isso seria complexo determinar um contrato
9
didático sobre a natureza dos conhecimentos a serem adquiridos (BROUSSEAU,
2008, p. 76). E mais, como os alunos compreendem os saberes em tempos de
aprendizagem diferentes e por meio de pensamentos diferentes, a combinação:
características de saberes variados (versus) formas variadas de compreender os
saberes, seria muito engenhosa para algo que rapidamente seria rompido.
Portanto, o que devemos ter em mente é a suposição de contratos didáticos mais
“abertos”, passíveis de modificações que venham ocorrer em consequência da
multiplicidade dos saberes propostos.
Supomos ainda que uma das formas de forçar os contratos didáticos a
serem mais abertos estaria na diversificação das situações didáticas trabalhadas
na sala de aula. Poderemos ver mais adiante no estudo das teses e dissertações
que abordaram de alguma forma o conceito de contrato didático que ao propor
metodologias diferenciadas com situações novas, os contratos se alteram;
quando o contrato já é pensado mais abertamente, com a intenção de romper
alguns dogmas do ensino, as situações se desenvolvem com mais sucesso.
4. O PAPEL DO CONTRATO DIDÁTICO NUMA SITUAÇÃO DIDÁTICA
Uma situação didática é definida como sendo
o conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente
entre um aluno ou grupo de alunos, um certo milieu (contendo
eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (o
professor) para que esses alunos adquiram um saber constituído ou em
constituição. (BROUSSEAU, 1978 apud ALMOULOUD, 2007, p. 33)
Em outras palavras,
sem a presença de um professor, pode até ocorrer uma situação de
estudo, envolvendo somente alunos e o saber ou, ainda, sem a
valorização de um conteúdo, podemos ter uma reunião entre professor e
alunos, mas não o que estamos denominando de situação didática.
(PAIS, 2002, p. 66)
10
Segundo Almouloud (2007, p.89),
A noção de contrato didático permite distinguir a situação didática da
situação-problema: na primeira, manifesta-se o desejo de ensinar que
envolve, pelo menos, uma situação-problema e um contrato didático. A
significação do problema e do conceito para o aluno depende do contrato
didático estabelecido; é o que permitirá a negociação do sentido das
atividades em jogo. (ALMOULOUD, 2007, p.89)
Nesse caso, as situações didáticas constituem-se num conjunto de
circunstâncias que coloca em jogo a construção de conhecimentos pelos alunos.
Contudo, Brousseau revela que não é somente nas ocasiões das situações
didáticas que a construção de conhecimentos acontece. Ele apresenta outro
termo em que isso também ocorre: as situações a-didáticas.
O aluno aprende adaptando-se a um ambiente que é fator de
contradições, de dificuldades, de desequilíbrios, um pouco como a
sociedade humana. Esse saber, fruto da adaptação do estudante,
manifesta-se com as novas respostas que são a prova da aprendizagem
(...). [O aluno sabe que] (...) o problema foi escolhido para que adquira
um novo conhecimento, mas deve saber também que esse
conhecimento é inteiramente justificado pela lógica interna da situação e
que pode construir sem apelar para razões didáticas. (BROUSSEAU,
1986 apud D’AMORE, 2007, p.233)
D’Amore (2007) explica que uma situação a-didática é quando estão em
jogo os estudantes e o objeto do conhecimento, mas não o professor (nessa
ocasião particular). A situação sugere exigências e os alunos respondem a elas.
Não existem obrigações didáticas e, portanto, aquilo que se faz não está ligado a
estímulos por parte do professor. O estudante faz suas tentativas (sozinho ou em
grupo), verifica que elas não funcionam ou são ineficazes; que a prova deve ser
refeita várias vezes; interagindo com os elementos do ambiente, o estudante
modifica o seu sistema de conhecimentos por causa das adaptações que realiza
ao utilizar diferentes estratégias. São os casos em que, por exemplo, ao final de
uma atividade lúdica, deve-se efetuar algo pertinente à Matemática, para concluir
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a atividade (por exemplo, no caso de crianças pequenas, contagens para
estabelecer o vencedor, comparação de valores, comparação de medidas, ou
outra coisa). A demanda de efetuar aquela atividade matemática não foi proposta
pelo professor, não seria necessária do ponto de vista escolar (não há interação
com o saber a ensinar). Ao contrário, é uma necessidade motivada pela atividade.
Se tal atividade pertinente à Matemática não tem êxito desde o início e provoca
no estudante ou entre os estudantes uma discussão para chegar a um acordo
sobre as modalidades, então há produção de conhecimento, mas não por
demanda do professor, portanto não institucionalizado. Essa situação parece
inclusive ser a mais adequada à construção do conhecimento. (D’AMORE, 2007,
p. 233, 234)
Seja qual for o tipo de situação, didáticas ou a-didáticas, há que se
observar o contrato didático instaurado. Nas situações didáticas “o aluno sabe
que está aprendendo, que o professor está ensinando; o professor é consciente
do seu papel e de como a situação está se desenvolvendo” (D’AMORE, 2007, p.
235) – podemos dizer que nessas situações o contrato didático abrange a
totalidade da tríade professor-aluno-saber. Já nas situações a-didáticas, como foi
citado, o que se está em jogo são os estudantes e o objeto do conhecimento, mas
não o professor (nessa ocasião particular). Tal situação sugere exigências e os
alunos respondem a elas, mas não são exigências ligadas propriamente aos
estímulos produzidos por parte do professor (D’AMORE, 2007, p. 233, 234), o que
levaria a diminuir as tarefas deste mesmo na manifestação do contrato.
Devemos atentar para o fato de que em ambas situações existe um
contrato didático estabelecido – que tem por finalidade a aquisição de saberes
pelos alunos – e , portanto, são nessas situações que enxergamos a oportunidade
de que rupturas do contrato aconteçam para obter o êxito do processo ensino-
aprendizagem.
Indicamos assim, ao final desse artigo, um caminho para que rupturas
aconteçam para esse fim; antes, porém, comentaremos sobre o que seriam as
rupturas do contrato didático.
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5. RUPTURAS
Como já foi dito anteriormente o contrato didático preexiste à situação
didática e só se explicita no momento das suas rupturas. “Isto, não porque o
“docente” procurasse ocultar alguma coisa aos alunos, mas porque tanto ele
como estes estão ligados por esse contrato que os ultrapassa e que caracteriza a
situação de ensino” (ASTOLFI et al, 2002, p.69).
Isso quer dizer que, em geral, as rupturas não acontecem propositalmente
(pelas partes envolvidas no contrato), mas de uma reação independente gerada
por diversos motivos:
• Algumas rupturas são ocasionadas quando o aluno não demonstra interesse
pela resolução das atividades propostas pelo professor ou quando não há o
envolvimento necessário nas atividades. Neste caso a ruptura ocorre porque
mesmo que não se tenha dito ou escrito que o aluno deve se envolver e se
interessar no desenvolvimento das atividades propostas, o esperado é que
isto aconteça dentro de certos limites exigidos pela atividade didática.
Perceber tal ruptura assim como sua superação é imprescindível para dar
continuidade ao processo de ensino e isso requer que se busquem os
motivos que geraram esta situação de desinteresse (PAIS, 2002, p. 81);
• Outras rupturas acontecem porque os alunos tendem a buscar uma forma
mais conveniente (para eles) de solucionar os problemas ou são incapazes
de reconhecer que tipo de situação problema lhes foi colocada. Um exemplo
pode ser encontrado em (CHEVALLARD, 2005, p. 64).
• um exemplo de ruptura que é causada pelo professor, segundo (PAIS, 2002),
é quando ele apresenta uma postura pedagógica que não condiz com o seu
papel de orientador das situações de aprendizagem, como por exemplo:
A situação onde o professor “perde a paciência” e passa a aplicar
retaliações ao aluno que se comportou de forma inadequada caracteriza
uma ruptura do contrato didático, pois tal descontrole significa o
rompimento de uma ética pedagógica que não é normalmente explicitada
na formação do professor. Essa situação torna-se mais grave quando o
próprio saber é utilizado pelo professor para aplicar uma punição aos
13
alunos, enfatizando dificuldades epistemológicas fora do nível de
compreensão dos mesmos. (PAIS, 2002, p. 82).
Por outro lado, podemos citar os professores que arriscam romper o
contrato didático que está em jogo durante suas aulas e propõem
(intencionalmente) situações-problema cuja solução não está explícita ou
problemas que não tem solução – como o famoso problema “a idade do capitão”5,
citado por Brousseau – com a finalidade de que os alunos resolvam os problemas
sozinhos, mudem seus hábitos diante de situações inéditas e também adquiram
conhecimento de maneira autônoma.
Como veremos agora nas considerações feitas com base em trabalhos
acadêmicos, existem rupturas proporcionadas pelos professores
(propositalmente) que ao invés de levarem a um resultado insatisfatório,
caminham para o êxito da relação didática.
Segundo o estudo que realizamos, a constituição do contrato didático é o
resultado de uma relação envolvendo três elementos essenciais: professor, aluno,
saber. Essa relação, por sua vez, manifesta-se de alguma forma nas situações de
ensino: didáticas ou a-didáticas.
O contrato didático, dentro do sistema escolar, funcionaria como
“organizador de tarefas”, ou seja, no contrato ficariam definidas implicitamente
quais as obrigações/tarefas dos professores e quais as dos alunos, tendo em
vista a assimilação dos saberes. Por consequência disso uma redefinição de
regras é discutida; professor e alunos se vêem obrigados a reestruturar sua
conduta e nesse entremeio a forma de trabalho com os saberes é repensada.
Tudo isso nos faz concluir que algumas rupturas dos contratos didáticos
causam benefícios para a aprendizagem, pois os alunos são colocados diante de
situações que eles próprios devem resolver, tanto no momento da ruptura como
também na definição de novas regras. Os professores também são cobrados, já
5 Em um navio embarcam 26 ovelhas e 18 cabras e pergunta qual a idade do capitão. Os alunos, confortados pela prática repetitiva do contrato didático dão uma resposta a qualquer custo, como por exemplo, quando resolvem a questão da idade do capitão assim: 26+18= 44 (D’Amore, 2007, p. 105).
14
que ao romper algumas cláusulas do contrato, sua postura perante a turma e o
ensino deve ser modificada.
6. CONCLUSÃO
A escola é lócus propício ao desenvolvimento intelectual do aluno, que lhe
apresenta diferentes estratégias de motivação, ao saber sistematizado,
elaborado, considerando suas condições de existência, contato com outros alunos
para o aprimoramento de suas relações interpessoais que lhe permitem rever
atitudes e aprender novos comportamentos, terem novas ideias, assimiláveis no
espaço e tempo escolares. Como afirma (Saviani, 2003, p.8) “[...] o saber
metódico, sistemático, cientifico elaborado, passa a predominar sobre o saber
espontâneo, 'natural' assistemático, resultando daí que a especificidade da
educação passa a ser determinada pela forma escolar”.
Almeida acrescenta, defendendo que devemos estudar a emoção como
um aspecto tão importante quanto a própria inteligência por estar presente no ser
humano, sendo a emoção uma ponte que liga a vida orgânica à psíquica e
completa afirmando,
“A partir do momento em que a criança entra na
escola, o desenvolvimento infantil adquire um novo rumo. A criança
deixa a exclusividade do berço familiar para ingressar num novo
ambiente. A vida da criança passa a ser dirigida não somente pelo
meio familiar, mas também segundo as condições estabelecidas pela
escola. A criança passa, assim, a fazer parte de um novo meio, e para
que haja adaptação a ele é exigida submissão às suas
determinações.” (Almeida, 2007, p.13)
No âmbito da sala de aula esta adaptação é de fato a construção
individual do contrato didático, que culmina com a aceitação pelos alunos deste
contrato, que de acordo com Brousseau é a mão invisível que rege todas as
ações e relações de caráter didático entre professor e alunos.
A relação didática mantida entre o professor e seus alunos se estabelece
em espaços e em tempos delimitados, envolvendo subjetividades e trocas
interpessoais e nelas, o modo de se expressar, seja de forma verbal ou não
15
verbal interferem no equilíbrio entre a razão e a emoção, afetando a
racionalidade, desenvolvendo assim a personalidade. Como em um jogo, o
professor cobra cada vez mais aprendizagem à medida que avança em novos
conteúdos, ao que os alunos respondem ora com aceitação, ora com negociação
com o professor de uma modificação do contrato didático, ora com indiferença.
Cabe ao professor, munido da autoridade que lhe atribuída pelo contrato didático
administrar este conflito silencioso, respeitando as diferenças individuais, os
obstáculos esperados na aprendizagem dos novos conteúdos. Os alunos
esperam do seu professor a capacidade de mediar, de forma harmônica, este
conflito silencioso, guiando-os até o mínimo esperado em termos de
aprendizagem.
A integração entre as dimensões cognitiva e afetiva possibilitam o
aprimoramento dos sujeitos envolvidos e afetados no processo de ensino-
aprendizagem. Esse aprimoramento é refletido no desenvolvimento do
conhecimento, das concepções, no reconhecimento de crenças e possibilitam
alterações de suas escalas de valores. Conforme (Saviani, 2003, p.7) “Para saber
pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que
implica o trabalho educativo” na modalidade não material do trabalho produtivo na
educação.
O conhecimento teórico e a experiência do dia a dia do professor é que o
orientam na sua prática pedagógica, na observação atenta de seus alunos, na
escolha de estratégias para auxiliá-los na superação de suas dificuldades.
Segundo (Almeida, 2007, p.24) para Wallon, o homem é, ao mesmo tempo, um
ser biológico e um ser social. Não há como determinar qual fator é mais
importante ou preponderante no processo do desenvolvimento humano, uma vez
que são instâncias indissociáveis e complementares. Wallon (1968) foi um
incansável defensor da ideia de que a afetividade exerce papel fundamental no
processo de desenvolvimento do ser humano. É através da afetividade o
individuo constrói sua identidade e é ela quem possibilita os avanços no
desenvolvimento do sujeito, portanto importante nas relações interpessoais.
O aluno percebe o interesse e a preocupação do professor em propiciar
condições favoráveis à aquisição de novos conceitos quando o mesmo apresenta
16
material elaborado com antecedência, ou seja, planejado, com objetivo definido e
compartilha com seus alunos o que pretende naquela aula ou naquele assunto
específico, criando um compromisso mútuo, uma cumplicidade, propício à
aquisição, desenvolvimento e assimilação de conhecimentos matemáticos. Este
vínculo tende a se firmar, nas interações entre os próprios alunos e também com
o professor.
Mas, cabe ainda ao professor, saber administrar em sala de aula fatores
alheios à sua disciplina específica, nas palavras de Wallon, ao qual resume sua
trajetória científica, revelando que se preocupava com a articulação entre teoria e
prática e evidenciava a comunhão entre Psicologia e Pedagogia, entendendo que
os conceitos e princípios de cada uma destas áreas do conhecimento se
configuram como condição necessária para a compreensão dos problemas da
educação. (Almeida, 2007, p. 27) considerando o aluno que traz consigo
concepções delineadas pela sociedade e de sua família, bem como suas
deficiências na formação escolar e culturais.
Bourdieu afirma que o capital econômico não explica sozinho o
desempenho escolar dos estudantes. É, portanto, natural supor que falta ao
estudante uma bagagem de capital cultural familiar suficientemente boa que lhe
permita compreender a importância da escola na sua formação, conscientizando-
se assim da necessidade do cumprimento do contrato didático estabelecido com o
seu professor.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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