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Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e programadores
brasileiros de software livre.
Maurício Pires Augusto
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto COPPEAD de Administração
Mestre em Administração
Orientador: César Gonçalves Neto, Ph.D.
Rio de Janeiro, RJ – Brasil
2003
ii
Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e programadores brasileiros
de software livre.
Maurício Pires Augusto
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários
para obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
Prof. ________________________________________ - Orientador
César Gonçalves Neto, Ph.D.
Prof. ________________________________________
Donaldo de Souza Dias, D. Sc.
Prof. ________________________________________
Anne-Marie Maculan, Ph.D.
Rio de Janeiro, RJ – Brasil
2003
iii
FICHA CATALOGRÁFICA
Augusto, Maurício Pires.
Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e
programadores brasileiros de software livre / Maurício Pires Augusto.
Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003.
xii, 99 p.; il.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
COPPEAD, 2003. Orientador: César Gonçalves Neto.
1. Software Livre. 2. Código Aberto. 3. Tese (Mestr. UFRJ/
COPPEAD). 4. Gonçalves Neto, César. I. Título.
iv
DEDICATÓRIA
À Elaine, namorada, noiva e esposa, que participou de todas as etapas do curso de
mestrado, pelo amor, apoio e compreensão em todos os momentos.
Ao meu filho Gabriel, que ainda está para chegar, com quem espero compartilhar os
frutos deste esforço.
Aos meus pais, José e Rosa, e ao meu irmão Marcelo, pelos exemplos de dignidade e
obstinação.
v
AGRADECIMENTOS
Ao meu grande amigo Leonardo Chueri, por ter me mostrado a importância da ideologia
dentro da comunidade do software livre.
Ao meu orientador Prof. César Gonçalves Neto, pela paciência e contribuições nos
momentos certos.
vi
RESUMO
AUGUSTO, Maurício Pires. Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e
programadores brasileiros de software livre. Orientador: César Gonçalves Neto. Rio de
Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação (Mestrado em Administração).
O conceito do software livre é tão antigo quanto a própria história da
indústria de software. Entretanto, somente nos últimos anos houve um aumento no
interesse acadêmico e comercial sobre o assunto. O que caracteriza um software livre é
a possibilidade de se usar, modificar e redistribuir novas versões dos programas. Isto só
é possível se o código-fonte, aquele que pode ser lido pelas pessoas, estiver disponível.
Além disso, é baseado predominantemente em contribuições voluntárias sem um
suporte organizacional tradicional.
O presente estudo buscou entender quais são as motivações e orientações de
usuários e desenvolvedores brasileiros de software livre. Através dos dados obtidos pela
aplicação de um questionário on-line foi possível identificar que estes indivíduos
buscam principalmente aumentar o conhecimento em computação e, ainda, que existem
grupos distintos que valorizam em maior ou menor intensidade alguns aspectos como: o
ganho de reputação através de contribuições de código ou da ajuda a outros usuários, o
fato de que usar ou desenvolver o software livre representa uma diversão, a melhoria de
empregabilidade e o desenvolvimento em horas vagas. Ainda foram identificados
indivíduos que recebem alguma forma de pagamento ou têm a obrigação de usar ou
desenvolver os programas, além da expectativa de que seja possível vender produtos ou
serviços associados ao software livre.
vii
ABSTRACT
AUGUSTO, Maurício Pires. Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e
programadores brasileiros de software livre. Orientador: César Gonçalves Neto. Rio de
Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação (Mestrado em Administração).
Free software concept is as old as the history of software industry. However,
only in recent years the academy and commercial firms have demonstrated interest in
the subject. Free software is software that one can use, modify and redistribute and this
can only be done if source code is available. Besides, free software is based primarily on
individual voluntary contributions without a traditional organizational support.
The present study aims the understanding of motivations and orientations of
Brazilian users and developers of free software. A web-survey was developed and
results show that users and programmers want to increase their personal knowledge base
through participation on free software project but also that there are distinct groups with
different motivations like reputation gains, fun, increased job opportunities and using
non-work hours. Indeed, there are some individuals that actually receive some form of
payment or feel some obligation to use or develop these programs, besides the wish to
sell products or services related to free software.
viii
Lista de Figuras
Quadro 1: Licenças de distribuição de software livre .....................................................13
Quadro 2: Cronologia do software livre ..........................................................................16
Quadro 3: Modelos para análise de sistemas ...................................................................20
Quadro 4: Stakeholders e seus papéis..............................................................................30
Quadro 5: Motivações no desenvolvimento do software livre ........................................32
Quadro 6: Mecanismos de proteção da propriedade intelectual......................................37
ix
Lista de Gráficos
Gráfico 1: Idade da amostra e anos de utilização de software livre ................................54
Gráfico 2: Profissão da amostra.......................................................................................55
Gráfico 3: Função desempenhada por cada indivíduo .....................................................56
Gráfico 4: Local de utilização..........................................................................................56
Gráfico 5: Análise de correspondência entre idade, local, tempo, função e profissão ....57
Gráfico 6: Motivações de usuários e desenvolvedores ....................................................61
Gráfico 7: Scree Plot dos autovalores .............................................................................63
Gráfico 8: Dendrograma utilizando o método Ward .......................................................66
Gráfico 9: Funções discriminantes canônicas..................................................................69
x
Lista de Tabelas
Tabela 1: Estatísticas descritivas dos fatores motivacionais ...........................................59
Tabela 2: Autovalores da análise fatorial ........................................................................62
Tabela 3: Correlação entre os fatores e as variáveis motivaciona is ................................64
Tabela 4: Teste multivariado de significância .................................................................68
Tabela 5: Análise e teste das funções discriminantes ......................................................68
Tabela 6: Matriz de Estrutura ..........................................................................................69
Tabela 7: Média dos fatores em cada cluster...................................................................70
Tabela 8: Valor da função nos centróides........................................................................70
Tabela 9: Coeficientes da função discriminante canônica...............................................70
Tabela 10: Média das variáveis por cluster .....................................................................71
Tabela 11: Média dos fatores para os clusters 3 e 4. .......................................................72
Tabela 12: Média das variáveis dos clusters 3 e 4...........................................................73
Tabela 13: Dados demográficos dos clusters ..................................................................75
xi
Sumário
1 Introdução ................................................................................................................. 1
1.1 Objetivos ................................................................................................................3
1.2 Relevância do Estudo ............................................................................................3
1.3 Delimitações do Estudo .........................................................................................5
2 Revisão da Literatura ................................................................................................ 6
2.1 Código-fonte ..........................................................................................................6
2.2 Histórico ................................................................................................................6
2.2.1 Free Software Foundation..............................................................................7
2.2.2 Linux............................................................................................................10
2.2.3 Open Source Initiative .................................................................................11
2.2.4 Freeware e Shareware.................................................................................13
2.2.5 Outros softwares livres: Caso Lego Mindstorms .........................................14
2.2.6 Evolução do software livre ..........................................................................15
2.3 Modelo para análise do movimento.....................................................................17
2.3.1 Categoria Qualificação (O quê?) .................................................................20
2.3.2 Categoria Transformação (Como?) .............................................................23
2.3.3 Categoria Stakeholders (Quem?).................................................................25
2.3.4 Categoria Ambiente (Quando e onde?) .......................................................30
2.3.5 Categoria Visão de Mundo (Por quê?) ........................................................32
2.4 Participação brasileira na comunidade ................................................................44
2.4.1 Conectiva .....................................................................................................44
2.4.2 OpenOffice.org.br ........................................................................................45
2.4.3 Debian-br .....................................................................................................45
2.4.4 Kurumin .......................................................................................................46
2.4.5 CIPSGA .......................................................................................................47
2.4.6 Projeto Software Livre RS ...........................................................................47
3 Metodologia do Estudo ........................................................................................... 49
3.1 Tipo de Pesquisa ..................................................................................................49
3.2 Universo e a amostra ...........................................................................................49
3.3 Coleta de dados ....................................................................................................50
xii
3.4 Análise dos dados ................................................................................................52
3.5 Limitações............................................................................................................52
4 Resultados ............................................................................................................... 54
4.1 Análise descritiva dos respondentes ....................................................................54
4.2 Análise das variáveis motivacionais ....................................................................58
4.3 Identificação dos grupos ......................................................................................61
4.3.1 Análise fatorial.............................................................................................61
4.3.2 Análise de Clusters ......................................................................................65
4.3.3 Dados demográficos dos Clusters ...............................................................73
5 Conclusões .............................................................................................................. 76
5.1 Resultados aplicáveis ao software livre...............................................................77
5.2 Resultados aplicáveis à indústria do software .....................................................79
5.3 Resultados aplicáveis à área de inovação tecnológica.........................................79
5.4 Limitações e sugestões para estudos futuros .......................................................80
6 Referências Bibliográficas ...................................................................................... 82
7 Glossário ................................................................................................................. 88
8 Anexos .................................................................................................................... 98
1 Introdução
O software livre pode ser encarado como uma questão de princípios ideológicos,
onde se busca a liberdade em usar e modificar programas de computador, ou sobre uma
ótica estritamente tecnológica, onde é possível desenvolver programas de qualidade
superior a partir da disponibilidade do seu código-fonte. Todavia, não deve ser visto
como uma questão de preço. “Software livre não é software grátis” esclareceu Richard
Stallman (1996), um dos principais gurus do movimento. O que caracteriza um software
livre é, basicamente, a possibilidade de modificação e redistribuição dos programas, o
que somente é possível se o código-fonte – aquele que pode ser lido pelo homem –
estiver disponível. Assim sendo, com a posse do código-fonte, um desenvolvedor
poderá estudar os programas, adaptá-los às suas necessidades, adicionar melhorias, criar
e redistribuir novas versões.
O modelo de desenvolvimento do software livre traz algumas mudanças
fundamentais em relação ao modelo utilizado tradicionalmente pela indústria. Os
programas são escritos por uma comunidade de desenvolvedores que utiliza a Internet
como meio de comunicação. Normalmente, a participação nos projetos é voluntária e
não há contrapartida pecuniária pelo trabalho desenvolvido. Por fim, o código-fonte é
tornado público através de licenças específicas que garantem sua utilização,
modificação e posterior redistribuição sem encargo algum.
O modelo de desenvolvimento e distribuição do software livre, porém, não é
recente. Sua origem pode ser associada ao desenvolvimento dos primeiros
computadores e à comunidade de cientistas e engenheiros que os utilizavam. Grande
parte do que se entende por Ciência da Computação existe hoje em dia graças a
colaborações de softwares livres. A implementação dos protocolos de comunicação
TCP/IP desenvolvida pela Universidade de Berkeley foi usada como base e, por vezes,
fonte direta de diversas implementações escritas desde então e contribuiu de forma
decisiva para a rápida difusão da Internet. O servidor Apache, usado na publicação de
páginas Web, e o roteador de mensagens Sendmail são também exemplos de
contribuições do movimento. Porém, somente nos últimos anos e devido principalmente
ao sucesso do sistema operacional Linux, o tema teve maior exposição e vários artigos
foram escritos sobre o assunto.
2
Os primeiros textos publicados tentaram recuperar e retratar a gênese do
movimento, os principais personagens e suas contribuições. A maior parte da literatura
restante trata de discussões sobre a qualidade, confiabilidade e segurança dos softwares
livres e comparações entre estes e os seus equivalentes proprietários. Todavia, as
pesquisas científicas na área são poucas e normalmente baseadas em dados históricos de
cada projeto. Existem análises demográficas, da qualidade do software e alguns
levantamentos de quem é o desenvolvedor de software livre.
No Brasil, o software livre encontra-se bastante difundido em função da
interconectividade promovida pela Internet. Vários governos estaduais, sobretudo o do
Rio Grande do Sul, têm buscado os softwares livres como alternativa ao software
proprietário. O paranaense Marcelo Tosatti é atualmente responsável pela manutenção
da versão estável do Linux e já existem várias empresas que utilizam o software livre no
seu modelo de negócios, principalmente através da oferta de serviços.
Entretanto, até o momento, pouca ou nenhuma pesquisa foi feita sobre a
participação do desenvolvedor brasileiro, quem ele é e qual o seu grau de contribuição.
A fim de pousar uma luz sobre o movimento no país, este estudo exploratório pretende
traçar um perfil dos brasileiros que compõem o movimento e buscar quais são as
motivações que levam estas pessoas a doar seu tempo e sua produção intelectual para a
comunidade do software livre.
Os membros da comunidade do software livre tendem a desempenhar papéis
distintos, de acordo com suas habilidades e conhecimentos de programação. Os
desenvolvedores escrevem software para atender a uma necessidade particular. Os
usuários testam e provêm um feedback valioso. Outros usuários podem aprender a usar
o software e escrever documentação para ajudar novos usuários. Outros, ainda, podem
prover novos casos de uso que não foram antecipados pelos desenvolvedores.
Neste contexto, este trabalho pretende responder à seguinte pergunta: "Por que
estes indivíduos participam de projetos de software livre?" Para ajudar a respondê-la,
será apresentada uma revisão da literatura sobre o assunto e os resultados da aplicação
de uma pesquisa que busca levantar o perfil do usuário e desenvolvedor brasileiro de
software livre.
3
1.1 Objetivos
O objetivo deste trabalho é identificar os aspectos motivacionais que levam os
indivíduos a desenvolver e utilizar software livre. Para atingir este objetivo final foi
desenvolvido um questionário com base na literatura existente sobre o assunto.
Através da análise das respostas do questionário, espera-se retratar um perfil,
ainda que aproximado, dos participantes brasileiros de projetos de software livre, sejam
eles desenvolvedores ou usuários dos programas.
Para atingir o propósito final, é necessário que este trabalho seja capaz de
responder aos seguintes objetivos intermediários:
1. Mostrar a importância que o software livre tem apresentado dentro da
indústria de software em geral e o interesse que o tema tem despertado junto
à academia.
2. Apresentar os diversos papéis que podem ser desempenhados tanto por
empresas e organizações, quanto por indivíduos, no desenvolvimento e
adoção de softwares livres.
3. Definir se é possível identificar grupos distintos de usuários e
desenvolvedores quanto aos fatores motivacionais que os levam a utilizar o
software livre.
1.2 Relevância do Estudo
A grande expansão na utilização do software livre representa um motivo válido
para se estudar o movimento. Vários governos nacionais têm mostrado seu apoio à
adoção do software livre, sendo a China o exemplo mais expressivo. Empresas como a
IBM, Sun e Oracle estão investindo grandes quantias na adaptação de seus produtos a
plataformas livres, trazendo melhorias ao próprio software livre através da depuração do
código, além do aumento na base instalada de usuários. Outras empresas utilizam-no
como base em suas operações, como o site de vendas Amazon e a ferramenta de
pesquisa Google. O entusiasmo na adoção do software livre pode, então, ser
quantificado:
4
§ O servidor web Apache é utilizado em 62% de todos os sites ativos da Internet de
acordo com a pesquisa mensal da Netcraft1;
§ O Linux é utilizado em 27% dos servidores de rede e seu market share vem
crescendo nos últimos anos.
§ As estimativas mais conservadores dão conta de que o Sendmail é responsável por
mais da metade do tráfego de e-mails no mundo. Este número chega 80% em
algumas pesquisas.
Além de o fato de o software livre ser adquirido por pouco ou nenhum custo,
estes produtos não seriam grandes players em suas categorias se os usuários não
reconhecessem a qualidade, estabilidade e confiabilidade dos produtos, as vantagens
econômicas do compartilhamento de custos e riscos e as vantagens tecnológicas da
criação de plataformas e padrões abertos.
Neste sentido, torna-se, então, necessário estudar o movimento do software livre
para buscar respostas a algumas perguntas cruciais: como funciona o processo de
desenvolvimento que, em um primeiro momento, parece tão distinto do modelo
tradicional da indústria? Em que circunstâncias ele funciona? Como se fomenta e
sustenta este processo? Sendo baseado predominantemente em contribuições voluntárias
de programadores talentosos, sem um suporte organizacional tradicional, é preciso
entender o que motiva estas pessoas a participar dos projetos e quais recompensas são
esperadas. E, uma vez entendidas estas questões, ainda é necessário identificar como se
pode assegurar a continuidade do movimento e o sucesso de novos projetos.
Assim sendo, os projetos de software livre representam um campo de estudo
fértil em diversas áreas como colaboração, organização, comportamento, inovação,
criatividade, aprendizado, além do próprio processo de desenvolvimento de software.
Ao se pesquisar as motivações que levam usuários e programadores a participar dos
projetos, vários fatores podem ser encontrados como, por exemplo, buscar soluções para
seus problemas, aprimoramento do conhecimento técnico e fatores intrínsecos voltados
ao altruísmo ou a necessidade de reconhecimento pelos pares. Logo, além do interesse
científico, as lições aprendidas em um estudo sobre as motivações destes indivíduos
1 www.netcraft.com/survey
5
podem ser utilizadas na melhoria do processo de desenvolvimento de futuros projetos
tanto de software livre quanto proprietário. Este conhecimento pode, inclusive, ser
aplicado em outras disciplinas como a inovação tecnológica, comportamento
organizacional e gerenciamento estratégico, entre outras.
1.3 Delimitações do Estudo
Apesar de a comunidade do software livre ser global, interligada através da
Internet, o presente estudo está focado em programadores e usuários brasileiros.
Todavia, não há restrição sobre quais programas estes indivíduos estejam
desenvolvendo ou em quais projetos estejam inseridos.
Da mesma forma que é possível estudar os fatores motivacionais do indivíduos,
também é possível estudar por que empresas e organizações adotam softwares livres ou
usam-nos em seus modelos de negócio através do fornecimento de serviços ou produtos
complementares. Entretanto, o escopo deste estudo está limitado às motivações
econômicas, tecnológicas e sócio-psicológicas dos indivíduos.
Outros pontos que são usualmente alvos de artigos jornalísticos são as
discussões sobre a qualidade, confiabilidade e estabilidade de softwares livres e
comparações com seus correspondentes proprietários. Somente agora começam a surgir
algumas pesquisas sobre o assunto, mas no presente estudo apenas será abordado o
processo de desenvolvimento do software livre para que se entenda a participação de
cada indivíduo, sem a intenção de comparar este processo ou seus resultados com o
processo tradicional.
6
2 Revisão da Literatura
Na revisão da literatura sobre o assunto, primeiro buscou-se a definição do que é
o código-fonte de um software e sua importância para o desenvolvimento de novos
programas. Em seguida é abordado o histórico do movimento do software livre,
mostrando a Free Software Foundation com sua postura ideológica, o surgimento do
Linux e, por fim, a adoção do termo Open Source por grande parte da indústria e da
academia.
O modelo de Feller e Fitzgerald (2002) com suas cinco categorias -
Qualificação, Transformação, Stakeholders, Ambiente e Visão de Mundo - é, então,
apresentado a fim de se buscar o referencial teórico a ser utilizado na pesquisa.
2.1 Código-fonte
Todo software existe em duas formas: uma lida somente por computadores e
outra que pode ser lida pelas pessoas. A forma que o computador lê é a forma que é
executada por ele. Esta forma é chamada de código binário ou executável. A forma que
pode ser lida por humanos é chamada de código-fonte. É assim que os programas são
desenvolvidos e através de um compilador é que se gera o código binário ou executável
(CHASSEL, 2000).
É possível, através de engenharia reversa, obter o código-fonte de um programa
a partir do código binário, mas além de se tratar de um processo trabalhoso, o código-
fonte normalmente contém comentários que auxiliam seu entendimento e manutenção.
2.2 Histórico
Originalmente, todo software era livre. Qualquer programador tinha o direito
legal de copiar, estudar, modificar e redistribuir os programas gerados. Somente a partir
do final da década de 70 é que se tornou possível nos EUA possuir copyright de
programas de computador e obter a patente sobre algum algoritmo matemático existente
(CHASSEL, 2000).
No início da década de 80, a IBM fornecia aos seus clientes, mediante um
pequeno adicional na licença de uso, as microfichas com o código-fonte do CICS - um
gerenciador de transações que era tido como uma das jóias corporativas da empresa -
7
além de manuais com a documentação da lógica do programa. Esta política de liberação
do código-fonte serviu como catalisadora do surgimento de diversas pequenas empresas
que desenvolveram ferramentas de monitoramento, diagnóstico e até novos subsistemas
completos. Essas empresas não precisavam nem gostariam de roubar o código-fonte da
IBM; elas somente precisavam saber como os produtos da IBM funcionavam para poder
interagir com eles. (TOLLY, 1999)
2.2.1 Free Software Foundation
Segundo Stallman (1999), em 1971 ele começou a trabalhar no Laboratório de
Inteligência Artificial do MIT e tornou-se um membro de uma comunidade de hackers2
desenvolvedores de software que usualmente compartilhava o código-fonte dos
programas com outras universidades e empresas. Quando Stallman via alguém utilizar
um programa interessante ou não familiar, poderia solicitar o código-fonte para estudá-
lo, alterá-lo e até mesmo canibalizá-lo para criar um novo programa.
Esta comunidade começou a ser desfeita no início da década de 80 quando
vários programadores desligaram-se do Laboratório e, ao mesmo tempo, houve a troca
do computador que era utilizado por um outro cujo sistema operacional não era
fornecido com o código-fonte.
Antes deste fato, Stallman já havia se deparado com problemas quanto à
liberação do código-fonte de um programa. A impressora usada no Laboratório não
possuía certas funcionalidades que facilitariam o trabalho da equipe. A empresa
responsável, quando contatada, recusou-se a fornecer o código-fonte do gerenciador de
impressão.
Em 1984, Stallman desligou-se do MIT e iniciou o projeto GNU - um sistema
operacional completo, compatível com o Unix - composto, por exemplo, por
compiladores, interpretadores, editores de texto, ferramentas de envio e recepção de e-
mail, etc. Seu intuito era retomar a comunidade de hackers que colaboravam entre si. O
2 Entenda-se como hackers os membros da comunidade de programadores que se reuniam com o
intuito de estudar, entender e melhorar os códigos fontes, e não a forma pejorativa utilizada atualmente.
Para aqueles que tentam invadir sistemas de segurança computacionais provocando algum dano, a
comunidade hacker utiliza o termo crackers (BRETTHAUER, 2002).
8
próprio nome do projeto foi escolhido seguindo-se uma tradição hacker, sendo um
acrônimo recursivo para “GNU’s NOT UNIX”. No ano seguinte fundou a Free
Software Foundation, uma empresa sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento
de software livre, cuja função é basicamente obter recursos para permitir a continuidade
dos projetos.
O principal objetivo de Stallman com a criação do GNU era garantir que os
usuários teriam a liberdade de modificar os programas para atender suas necessidades e
que seriam livres para distribui-los da forma que lhes conviesse. Foi criado, então, um
termo legal de distribuição - batizado de Copyleft - que deveria evitar que o software
livre se tornasse proprietário.
Basicamente, o copyleft deve garantir que os usuários tenham as seguintes
liberdades: (FREE, 2001)
§ Liberdade de executar o programa, para qualquer fim (liberdade 0);
§ Liberdade de estudar o funcionamento do programa e adaptá-lo às suas necessidades
(liberdade 1). Ter acesso ao código-fonte é uma pré-condição para isto;
§ Liberdade de redistribuir cópias do software (liberdade 3);
§ Liberdade de melhorar o programa e tornar públicas essas melhorias, de forma que
toda a comunidade se beneficie (liberdade 4). Ter acesso ao código-fonte também é
uma pré-condição para esta liberdade.
A implementação do copyleft é feita através de uma licença de distribuição
chamada GNU General Public License ou simplesmente GNU GPL. A essência do
copyleft também é utilizada em outras circunstâncias como na distribuição de manuais,
porém em uma versão de licença mais simplificada.
O único dever que a licença torna explicitamente obrigatório é a distribuição do
software sob a mesma licença que se encontra no original. Uma vez que melhorias
sejam feitas ou que o software livre original seja corrigido, o usuário tem a obrigação de
liberar o novo código-fonte de forma que os outros usuários tenham os mesmos direitos
e liberdades de quando utilizavam o código antigo. (CHASSEL, 2000)
A filosofia do software livre visa, de forma simplificada, o respeito às liberdades
dos usuários. Nenhuma prática negocial específica é apoiada ou rejeitada, ou seja, o
discurso de Stallman não é anti-comercial. Ele sugere, inclusive, alguns modelos de
negócio baseados no software livre: venda de CDs com distribuições do software,
9
suporte ao usuário final, configuração de sistemas e desenvolvimento de novas
facilidades. (STALLMAN, 1999)
Sobre a direção de Stallman, a Free Software Foundation popularizou o uso do
termo software livre, com a distinção clássica do termo livre quando usado em
"liberdade de expressão" e não como "cerveja grátis" (do inglês, free as in "free
speech", not "free beer" ). Uma vez que não existe uma palavra em inglês que expresse
claramente a filosofia por detrás do software livre, Dalle e Jullien (2003) sugerem uma
nova nomenclatura: Libre software. Desta forma, a apropriação do adjetivo francês
eliminaria qualquer ambigüidade e serviria para definir todo software distribuído com o
código-fonte e cujo usuário tenha o direito de modificá-lo e redistribui-lo desde que
permaneça Libre.
O software livre pode ser distribuído com ou sem custo financeiro, porém o
conhecimento que permeia os programas, isto é, o código-fonte deve estar disponível a
fim de fomentar futuras inovações. O código-fonte é tido como uma forma de
conhecimento científico e, da mesma forma que cientistas publicam seus trabalhos para
apreciação dos pares, os desenvolvedores de software deveriam liberar o código-fonte a
fim de garantir um aprimoramento contínuo (DEMPSEY et al., 1999).
O método científico é baseado em um processo de descoberta e um processo de
justificação. Para que os resultados científicos sejam justificados, a pesquisa deve ser
replicável. E a replicação só é possível se a fonte estiver disponível: hipóteses,
condições de teste e os resultados. Enquanto os cientistas falam em replicação, os
programadores de software livre falam em depuração; quando os cientistas falam em
descoberta, os programadores falam em criação. Em última instância, o movimento do
software livre é uma extensão do método científico, pois o cerne da indústria de
computação é oriundo da ciência da computação. Porém, a ciência da computação só
possui uma forma dos pares replicarem os resultados: através do compartilhamento do
código-fonte. Para se demonstrar a validade de um programa, é necessário fornecer o
código para que se possa compilá-lo e executá-lo. A replicação torna os resultados
científicos e os programas mais robustos. Através do compartilhamento do código, os
programas são testados e depurados em uma variedade de contextos que isoladamente
um programador seria incapaz de gerar. (DIBONA et al, 1999)
10
O método científico facilita a descoberta e minimiza a duplicação de esforços,
pois os pares saberão se estiverem trabalhando em projetos similares. O progresso não
cessa quando um cientista pára de desenvolver um projeto. Se os resultados forem
necessários, outros cientistas irão dar continuidade à pesquisa. De forma análoga, o
modelo de desenvolvimento do software livre facilita a criatividade. Programadores que
trabalhem em projetos complementares podem trocar experiências e um projeto pode se
tornar inspiração para outros.
2.2.2 Linux
Em outubro de 1991, Linus Torvalds, estudante de graduação da Universidade
da Finlândia, lançou a versão 0.02 do kernel que daria origem ao Linux. Sua idéia
inicial era desenvolver um sistema operacional semelhante ao Minix para rodar em
computadores baseados na arquitetura Intel (na época um AT-386).
O anúncio do lançamento no newsgroup comp.os.minix convocava
programadores dispostos a ressuscitar a tradição hacker no sentido de desenvolver um
novo sistema operacional somente pelo prazer de vê-lo funcionar. Torvalds exibia
insatisfação em não poder desenvolver os drivers para seus dispositivos e não ter um
projeto onde sua participação significaria modificar o sistema operacional para atender
suas necessidades. (BRETTHAUER, 2002)
No início da década de 90, a Free Software Foundation já havia desenvolvido
quase a totalidade do projeto do sistema operacional GNU. Entretanto, o kernel do
sistema, responsável pelo gerenciamento de memória, arquivos e outros recursos, estava
atrasado. Se o projeto tivesse sua distribuição restrita seria considerado um fracasso,
apesar de 7/8 do total estarem completos, testados e já em uso. Ao invés de desenvolver
o sistema operacional por completo, Torvalds começou a integrar as ferramentas GNU
já existentes em seu próprio kernel (CHASSEL, 2002). A combinação do ambiente
GNU com o kernel Linux, que também adotou a licença de distribuição GPL, deu
origem ao que se conhece hoje em dia como o sistema operacional GNU/Linux, ou
somente Linux como forma abreviada. (TZOURIS, 2002)
Ao contrário de outros projetos desenvolvidos por um pequeno e seleto grupo de
programadores (GNU, BSD e Apache, por exemplo), o Linux teve uma quantidade
enorme de voluntários coordenados pelo próprio Torvalds que enviava suas
11
contribuições através da Internet. Este modelo de desenvolvimento veio a ser chamado
por Raymond (1999) de "Bazar" (em contraste ao modelo dominante da indústria de
software comparado a uma "Catedral"), onde a qualidade do software não é
conseqüência de padrões rígidos ou autocracia, mas é atingido em função da liberação
de uma nova versão dos programas a cada semana e da obtenção de um rápido feedback
sobre seu funcionamento. Este processo faz uma seleção natural das melhores
contribuições, o que garante a qualidade do produto final.
2.2.3 Open Source Initiative
A ambigüidade dos termos free software/free beer foi, ao longo dos anos, alvo
de várias críticas dentro e fora do movimento. A associação do software livre com a
hostilidade à propriedade intelectual tornou improvável a adoção dos programas por
gerentes de informática de empresas (RAYMOND, 1999). O software livre como um
pensamento político foi popularizado pela Free Software Foundation, mesmo com a
posição dos líderes ser claramente a de promover a liberdade dos usuários e de não
haver impedimento a práticas comercias (PERENS, 1999). Porém, a associação com
estereótipos negativos mantinha-se presente no mundo corporativo e na mídia.
Eric Raymond, um dos principais defensores da utilização do termo Open
Source, é tido como um antropólogo de movimento. Ele produziu diversos artigos
explicando o funcionamento do modelo de desenvolvimento do software livre e a
cultura que se formou ao seu redor. Um dos seus mais famosos textos, “A Catedral e o
Bazar”3, representa uma crônica da criação de um software livre através da contribuição
de diversos voluntários sem remuneração e foi responsável pela decisão dos diretores da
Netscape de liberar o código-fonte do seu navegador web. (PERENS, 1999)
No início de 1997, um grupo de líderes da comunidade, incluindo Eric
Raymond, Bruce Perens e Tim O’Reilly, resolveu atacar o problema de aceitação do
software livre através de uma campanha de marketing a fim de realçar as características
de confiabilidade, custo e redução do risco estratégico do negócio. A atitude destas
pessoas era motivada basicamente na frustração advinda da falta de reconhecimento do
potencial do software livre como fonte de inovações e como base do desenvolvimento
3 “The Cathedral and the Bazaar”, 1998. Disponível em http://www.tuxedo.org/~esr/writings/
cathedral-bazaar/cathedral-bazaar.html
12
de software comercial, mesmo havendo exemplos de adoção comercial do software livre
- Apache e Linux. A decisão inicial do grupo foi escolher um novo termo para definir o
modelo de desenvolvimento do software livre. Open Source (ou código-fonte aberto)
deveria evitar as conotações negativas que o termo free software carregava. (DEMPSEY
et al., 1999).
Finalmente em 1998, uma grande campanha de marketing foi lançada com o
intuito de reconstruir a reputação do movimento junto ao mundo corporativo. Diversas
estratégias de marketing foram utilizadas como re-brand, share of mind, focar as 500
maiores empresas da Fortune, evangelizar os tomadores de decisão (CEO, CTO e CIO)
e trabalhar com a imprensa especializada em negócios (RAYMOND, 1999).
Open Source tornou-se, então, uma certificação, um tipo especial de marca
registrada, e foi criada a Open Source Definition (baseada na licença de distribuição do
sistema operacional Debian GNU/Linux) com o intuito de esclarecer os requisitos
necessários para que um software seja tido como open source. Desta forma, a definição
permitiria que novos programas open source florescessem sem necessariamente trazer
empecilhos para a incorporação de outros códigos-fontes pelos programadores. A
definição cita explicitamente alguns exemplos de licença e tende a ser mais genérica do
que o copyleft (PERENS, 1999). Ou seja, a definição garante maiores liberdades no
licenciamento, permitindo uma maior promiscuidade ao se associar software livre com
software proprietário (DIBONA et al, 1999).
A diferença mais marcante entre a OSD e a licença GPL é que a segunda não
permite que modificações no código-fonte sejam mantidas somente para uso particular,
ou seja, qualquer modificação deve ser redistribuída sob a licença GPL. Assim sendo, o
autor do programa deverá receber melhorias e correções provenientes de qualquer
trabalho derivado desenvolvido por terceiros, incluindo empresas que alteram o
software para seu próprio uso.
Freqüentemente, o software livre é confundido de forma equivocada com o
conceito de domínio público. Entretanto, todo software livre é coberto por alguma
licença que define os direitos e deveres dos usuários. Um programa em domínio público
é aquele em que o autor deliberadamente se exime de qualquer direito de propriedade.
Neste caso, não se pode dizer que exista realmente alguma licença de distribuição.
Qualquer indivíduo pode tomar o programa como sua propriedade particular, retirar a
13
indicação da autoria, tratá-lo como sua produção intelectual e relicenciá-lo (PERENS,
1999).
O quadro a seguir resume as características das principais licenças existentes.
Licença
Pode ser agregada a software não-livre
Modificações podem ser mantidas privadas e não
retornadas ao autor
Pode ser licenciada novamente para
qualquer um
GPL ¨ ¨ ¨
LGPL ý ¨ ¨
OSD ý ý ¨
Domínio Público
ý ý ý
Quadro 1: Licenças de distribuição de software livre (Fonte: PERENS, 1999).
O ponto em comum entre as diversas licenças que atendem a definição Open
Source é a negação de quaisquer garantias sobre o produto. A intenção é proteger o
autor do software de qualquer obrigação ou passivo legal ligado aos programas. Uma
vez que os programas normalmente são distribuídos sem custo, é razoável fixar esta
ausência de garantias, pois o autor não obtém receitas com os programas a fim de
custear seguros ou honorários legais.
2.2.4 Freeware e Shareware
O software livre tem sido confundido com software “freeware” pois ambos os
tipos de programas podem ser baixados da Internet sem cobrança alguma. Além disso,
os usuários de freeware são livres para usá-lo da forma que quiserem, mas não é
possível modificá-lo para cobrir uma necessidade específica, pois o código-fonte
normalmente não está disponível. (KUAN, 2002)
É importante destacar que software livre é também diferente de software
“shareware” onde somente o código executável pode ser baixado também sem custo.
Em alguns casos, indivíduos escrevem programas e colocam-nos disponíveis na Internet
para que sejam utilizados por outros usuários. Junto com o programa é freqüente vermos
a solicitação de uma quantia qualquer que o usuário esteja disposto a pagar. (ex.,
McAfee Associates, em SHAPIRO & VARIAN, 1999, p. 90). Outra forma corrente de
usar o shareware é como tática de marketing. Empresas que produzem software
colocam versões de demonstração dos seus produtos disponíveis na Internet
14
gratuitamente, mas essas versões têm limitações em suas funcionalidades. Desta forma,
as empresas permitem aos usuários avaliar os programa antes de efetivamente comprá-
los.
A licença shareware permite a redistribuição dos programas, mas qualquer
indivíduo que continue usando uma cópia deveria pagar a licença correspondente. Na
prática, ninguém segue os termos da licença de distribuição e continua utilizando os
programas (CATEGORIES, 2002).
2.2.5 Outros softwares livres: Caso Lego Mindstorms
Um exemplo do poder dos hackers em influenciar a liberação do código-fonte de
produtos proprietários é o caso do kit de robótica Lego Mindstorms. O kit Mindstorms é
composto pelas tradicionais peças da empresa dinamarquesa Lego, além de sensores,
motores e um microcontrolador programável (o "tijolo" RCX) que é responsável pela
interação entre as peças. Esses componentes são combinados, então, para se construir
uma plataforma de robô. Apesar da Lego oferecer um ambiente visual de programação
junto com o pacote Mindstorms, muitos estudantes começaram a usar outras linguagens
de programação (C, Ada, Prolog) para comandar a peça RCX (O'HARA & KAY, 2002).
Logo após o lançamento do kit em 1998, a comunidade hacker imediatamente
iniciou a quebra do código do microcontrolador. Em algumas semanas, Anthony
Johnson, um programador de software livre, já havia desenvolvido alternativas para o
sistema operacional dos robôs. Segundo ele, o código do Lego RCX pode ser
considerado bom para usuários que não possuam conhecimentos em programação, mas
suas limitações são frustrantes para usuários experientes e sugere que o kit deva ser
usado como introdução às crianças do positive hacking: "mão-na-massa", profunda
auto-educação e exploração de qualquer tema que fascine uma pessoa (DELIO, 2000).
Como resultado da abertura do código-fonte, as vendas do kit aumentaram de
forma impressionante e houve a expansão das funcionalidades do produto para arranjos
nunca antes previstos. A posição oficial da Lego não é de encorajar nem desencorajar os
hackers, apesar de saber que o produto atingiu um público diferente do consumidor
típico da Lego. Ainda assim, a empresa continua provendo o kit de desenvolvimento
básico para aqueles que utilizam o produto como um simples hobby.
15
2.2.6 Evolução do software livre
A comunidade do software livre criou dois poderosos sistemas operacionais. O
mais popular é o Linux, que tem a maior taxa de crescimento dentro do mercado de
sistemas para servidores, sendo somente suplantado em fatia de mercado pelo Windows
NT. O FreeBSD, baseado no BSD da Universidade de Berkeley, é o segundo sistema
operacional livre mais usado e é reconhecido pela sua alta performance e segurança,
sendo o sistema que roda o portal do Yahoo! (FELLER & FITZGERALD, 2002).
O software livre, normalmente, é tido como de difícil utilização. Para facilitar o
manuseio pelo usuário final, foram desenvolvidas interfaces gráficas livres que
permitem o acesso às informações do computador de forma mais amigável. Os
exemplos mais significativos são o KDE e GNOME. Estes pacotes também possuem
suites para automação de escritórios, semelhantes ao Microsoft Office, conhecidos
como KOffice e GNOME Office, respectivamente.
Provavelmente, o software livre mais amplamente utilizado é o servidor web
Apache. De acordo com o site Netcraft, que executa pesquisas mensais, o Apache é
utilizado em mais de 60% dos web sites existentes e é reconhecido pela sua estabilidade.
A lista do Netcraft que contém os 50 sites com maior tempo de disponibilidade nos
últimos 90 dias mostra que somente 4 não estão rodando o Apache (e somente 6 não
utilizam um sistema operacional baseado no Linux/Unix).
Outras aplicações líderes em suas categorias são o Sendmail e o BIND. O
primeiro é um protocolo de transporte de e-mails e o segundo é utilizado nos servidores
DNS que traduzem os nomes de domínios em endereços IP e vice-versa.
Entre as linguagens de programação, as mais famosas são Perl - para
programação de CGI de páginas web - e o compilador GCC utilizado no
desenvolvimento de praticamente todas as ferramentas livres. Ainda é possível citar as
linguagens Python, TCL/TK e PHP, o navegador web Mozilla, o servidor de banco de
dados MySQL e o editor de textos Emacs, provavelmente a aplicação GNU mais
conhecida depois do GCC.
O quadro a seguir é um resumo da evolução do software livre.
16
Ano Eventos
Décadas de 50 e 60
Código-fonte distribuído sem restrições pela IBM, DEC e seção de algoritmos da ACM.
1969 Ken Thompson escreve a primeira versão do Unix. O código é distribuído livremente ao longo da década de 70.
1978 Donald Knuth publica o editor de texto TeX como um software livre
1979 Após a comercialização do Unix pela AT&T, a Universidade de Berkeley inicia o desenvolvimento da sua versão do UNIX (BSD). Eric Allmann, um estudante da universidade, desenvolve um programa para rotear mensagens entre computadores da ARPANET que iria evoluir para o Sendmail.
1983 Richard Stallman publica o manifesto GNU para liberalização do software e inicia a criação da Free Software Foundation.
1986 Larry Wall cria a linguagem Perl, usada no desenvolvimento de scripts CGI.
1987 O Minix, uma versão de Unix para PC, Mac, Amiga e Atari ST é lançada por Andrew Tanenbaum com o código-fonte disponível.
1990 Guido van Rossum desenvolve a linguagem de programação Python.
1991 Linus Torvalds publica a versão 0.02 do Linux no newsgroup do Minix.
1993 O FreeBSD 1.0 é lançado. Baseado no BSD Unix, possui as seguintes características: rede, memória virtual, multi-tasking. Ian Murdock cria outra distribuição de Linux, a Debian.
1994 Rasmus Lerdorf lança o PHP, uma linguagem de programação e scripts para web. Marc Ewing cria o Red Hat Linux. Bryan Sparks funda a Caldera.
1995 Apache Group cria o servidor web Apache, baseado no protoclo HTTPd 1.3 do National Center for Supercomputing Applications (NCSA). O Apache viria a dominar o mercado de servidores web.
1998 Netscape libera o código do seu navegador para Internet (Communicator) sob o nome Mozilla. Computer Associates, Corel, IBM, Informix, Interbase, Oracle, Sybase entre outros grandes da indústria de software anunciam planos para portar seus produtos no Linux. Sun anuncia seus planos de liberar o código da linguagem de programação Java 2.
1999 O número de usuários de Linux é estimado em 7,5 milhões.
2000 Novell e Real liberam versões de seus produtos para Linux. É criado o projeto OpenOffice.org para desenvolvimento de uma suite office livre baseada no StarOffice da Sun.
2002 UnitedLinux anuncia o lançamento do seu sistema operacional voltado para a certificação e unificação das distribuições do Linux existentes. O grupo é formado por alguns líderes da indústria: Conectiva, SCO Group, Suse e Turbolinux e tem o apoio da HP e IBM. Lançamento da versão 1.0 do OpenOffice.org, software voltado para a automação de escritórios.
Quadro 2: Cronologia do software livre (Fontes: HARS & OU, 2002;
UNITEDLINUX,2002; MELCHIOR & FERREIRA, 2002; BRETTHAUER, 2002)
17
2.3 Modelo para análise do movimento
Feller e Fitzgerald (2002) desenvolveram uma ferramenta analítica para facilitar
o estudo do fenômeno do software livre baseada nos modelos de Zachman e CATWOE,
aproveitando os pontos positivos que cada um tem em áreas complementares. Estes dois
modelos são originários da engenharia de software e do desenvolvimento de sistemas.
Zachman (apud FELLER & FITZGERALD, 1987) tomou como base elementos
da arquitetura e da engenharia de estruturas para desenvolver seu modelo. Sua
motivação inicial foi o crescimento expressivo da complexidade dos sistemas de
informação, o que também foi detectado mais recentemente nos projetos de software
livre. É importante notar que o modelo de Zachman foi criado para melhor definir os
componentes de um sistema e, desta forma, controlá-los de forma mais eficiente. O
intuito do autor não era definir, por si só, o processo de desenvolvimento do software,
ou seja, há a necessidade de adaptá-lo para se analisar a etapa de desenvolvimento do
projeto de um software livre.
O modelo de Zachman envolve as seis categorias descritas abaixo:
§ Descrição material: esta primeira categoria foca a estrutura do sistema, ou seja, "de
que a coisa é feita". Em sistemas de informação, esta descrição pode ter a forma de
um diagrama de entidades e relacionamentos;
§ Descrição funcional: tem como foco os aspectos de transformação do sistema, ou
seja, "como a coisa funciona". Em SI, pode ter a forma de um diagrama de fluxo de
dados;
§ Descrição dos locais: voltada ao fluxo dentro do sistema ou "onde existem
conexões". Os modelos de rede são exemplos desta descrição;
§ Descrição das pessoas: a quarta categoria define as responsabilidades, ou seja,
"quem está fazendo o quê". Exemplos são os diagramas organizacionais ou
organogramas;
§ Descrição temporal: pretende descrever a dinâmica do sistema ao longo do tempo,
ou seja, "quando os eventos ocorrem". Em SI, são utilizados os diagramas de
transição de estado, por exemplo;
§ Descrição do propósito: a última categoria tem como foco a motivação ou "por que
as escolhas são feitas". Planos de estratégia de negócio são exemplos desta
descrição.
18
As primeiras iniciativas para entendimento e controle dos sistemas de
informação tinham a tendência de considerar o desenvolvimento sob uma perspectiva
extremamente técnica, atacando a "crise do software" da década de 60, quando se
detectou gastos excessivos e baixa produtividade no desenvolvimento dos programas.
Um contraponto a esta visão técnica foi o surgimento de literatura voltada a
aspectos sociais como, por exemplo, o relacionamento com usuários, o aumento da
tecnocracia e as conseqüências do mau funcionamento de sistemas computacionais. Esta
vertente ficou conhecida como "soft", em contraste com a visão essencialmente técnica
("hard") verificada anteriormente.
Checkland (apud FELLER & FITZGERALD, 1981) documentou o Soft Systems
Method que, basicamente, visava uma mudança no paradigma do desenvolvimento de
sistemas. Ao invés de buscar a otimização de sistemas, o método adotava um paradigma
de aprendizado onde problemas pouco estruturados não têm uma solução única ou
ótima. É dada extrema importância às pessoas dentro do contexto organizacional e suas
interações. Assume-se que os objetivos do sistema são mais complexos do que uma
meta que deva ser alcançada e medida. Os analistas não estão preocupados com "o
problema", mas com a situação em que ocorre o problema - a situação problemática.
O autor propôs o modelo CATWOE como parte integrante do método SSM de
análise de sistemas. O nome é composto pelas iniciais das partes integrantes do modelo
- Clients, Actors, Transformation, Weltanschauung, Owner e Environment.
§ Clientes: podem ser internos ou externos ao sistema. Representam os beneficiários
das atividades do sistema;
§ Atores: são os agentes responsáveis por efetuar as atividades do sistema;
§ Transformação: é o cerne do sistema, ou seja, como os inputs são transformados em
outputs específicos;
§ Weltanschauung: é a visão de mundo ou determinadas posições assumidas que
permeiam o processo. O próprio analista tem sua visão de mundo e posicionamentos
éticos, políticos e sociais acabam por fazer parte da análise;
§ Dono: é o agente responsável, em última instância, pela continuidade de um sistema;
§ Ambiente: é o sistema maior da qual a atividade ou sistema em questão faz parte. O
ambiente impõe restrições à análise.
19
Feller e Fitzgerald (2002) derivaram, então, um modelo baseado nas obras de
Zachman e Checkland, buscando estudar especificamente o processo de
desenvolvimento do software livre. O modelo é composto por cinco categorias que
acabam por reagrupar os conceitos descritos por estes dois autores.
A primeira categoria, chamada Qualificação, tem como objetivo explicitar o que
define (ou qualifica) um sistema como sendo software livre e quais são suas
características. No caso específico do software livre, a segunda categoria explora como
o processo de desenvolvimento dos programas é organizado e realizado. Ou seja, como
os inputs - o esforço dos colaboradores e as organizações que os suportam - são
transformados nos outputs - versões estáveis dos programas. Esta categoria é chamada
de Transformação pelos autores. A terceira categoria do modelo é usada para analisar os
vários stakeholders (desenvolvedores, usuários, empresas e organizações) e os papéis
desempenhados no movimento, sejam como clientes, atores ou donos.
A fim de examinar os aspectos geográficos e temporais do desenvolvimento do
software livre, Feller e Fitzgerald definiram a categoria Ambiente. São abordados os
locais on-line e off-line onde há interação entre stakeholders e os eventos que ocorrem
durante o ciclo de vida dos programas.
Por fim, a Visão de mundo, baseada na categoria Propósito de Zachman e na
categoria Weltanschauung do modelo CATWOE, visa entender as motivações que
permeiam as contribuições, freqüentemente sem contrapartida, de talentosos
desenvolvedores. Existem várias visões que pretendem explicar o porquê desta
participação:
§ baseada em termos estritamente tecnológicos;
§ uma visão econômica, fundada em perspectivas futuras para a carreira;
§ uma visão social e política que deve ser analisada tanto no nível dos indivíduos
quanto das comunidades de que fazem parte.
O quadro a seguir resume as características dos modelos abordados,
relacionando cada uma de suas categorias.
20
Modelos
Categorias
Feller & Fitzgerald
Zachman
CATWOE
O quê ? Qualificação Material / Estrutural -
Como ? Transformação Funcional Transformação
Quem ? Stakeholders Pessoas Clientes, Atores e Donos
Onde e quando ? Ambiente Local e Tempo Ambiente
Por quê ? Visão de mundo Propósito Weltanschauung
Quadro 3: Modelos para análise de sistemas (Adaptado de Feller e Fitzgerald, 2002).
2.3.1 Categoria Qualificação (O quê?)
A categoria qualificação do modelo de Feller e Fitzgerald (2002) é caracterizada
por duas perguntas: o que faz com que um software seja considerado livre e quais tipos
de produtos/projetos tendem a ser livres.
Em um primeiro momento, o que define um software livre é a licença sob a qual
é distribuído. As diversas licenças têm em comum, além é claro de disponibilizar o
código-fonte, proteger o direito incondicional dos desenvolvedores de modificar e
redistribuir o código. Porém, a simplificação da definição do software livre como um
método de licenciamento e distribuição de programas sem levar em conta as liberdades
definidas por Stallman (1996) ou os critérios encontrados na Open Source Definition
(OPEN SOURCE INITIATIVE, 2002) tem como conseqüência a perpetuação da falsa
noção de que software livre é de domínio público. Softwares de demonstração e
sharewares que podem ser baixados sem custo da Internet e redistribuídos também
podem ser confundidos com software livre. Porém, não há a possibilidade de se adaptar
os programas às necessidades específicas do usuário pois o código-fonte não está
disponível.
Stallman (1998) reconhece que o termo Código Aberto (Open Source) é
geralmente utilizado pelas pessoas com o mesmo significado de Software Livre (Free
Software), porém para o autor o segundo define de forma mais acurada o movimento.
Segundo ele, Código Aberto define uma metodologia de desenvolvimento, enquanto o
Software Livre é um movimento social que defende questões éticas sobre a utilização e
desenvolvimento de software.
21
Segundo a versão 1.9 da Open Source Definition, os termos de distribuição de
um software código aberto devem estar em conformidade com todos os critérios a
seguir: (OPEN SOURCE INITIATIVE, 2002)
§ Livre redistribuição: a licença não pode restringir a venda ou redistribuição do
software. A licença não pode exigir a cobrança de royalty na venda do software
redistribuído.
§ Código-fonte: os programas devem vir com o código-fonte e a licença deve permitir
a distribuição do fonte e da forma binária. Quando algum produto não for
distribuído com o código-fonte, deve haver um meio claramente difundido de obtê-
lo de preferência através de download da Internet. O código-fonte deve ser a forma
de distribuição preferida. Códigos-fontes deliberadamente mal documentados não
são permitidos, bem como formas intermediárias do código (saída de um pre-
processador ou tradutor).
§ Trabalhos derivados: A licença deve permitir modificações e trabalhos derivados e
deve permitir que estes sejam distribuídos sob os mesmos termos da licença do
software original. Somente permitir que o código-fonte seja lido não é suficiente
para assegurar o processo de peer-review realmente independente e a rápida
evolução seletiva dos programas. Para que isto ocorra, as pessoas devem poder
experimentar e redistribuir suas modificações.
§ Integridade do código-fonte original: A licença pode restringir a distribuição de
modificações do código-fonte somente no caso deste ser distribuído com arquivos
patch4 para atualização do código original. Além disso, a licença deve
explicitamente permitir a distribuição de software desenvolvido a partir da versão
original. É possível que a licença exija que os trabalhos derivados tenham um nome
diferente ou versão diferente do software original.
4 Utiliza-se o termo patch para designar atualizações de software com correções de problemas
ou melhoria de funcionalidades. Os patches também podem incluir drivers para suportar um novo
hardware. (Fonte: www.drpatch.com)
22
§ Não discriminar pessoas ou grupos: A licença não deve permitir a discriminação de
qualquer pessoa ou grupo. A fim de maximizar o benefício do processo, a maior
diversidade de pessoas e grupos devem poder contribuir para projetos de código
aberto.
§ Não discriminar o objetivo de utilização: A licença não deve, por exemplo, restringir
a utilização comercial dos programas ou seu uso em pesquisas genéticas.
§ Licença de Distribuição: não deve haver licença adicional a um programa
redistribuído para que seu usuário tenha todos os direitos do software livre. A
função deste item é evitar que o software se torne fechado.
§ A licença não pode ter seu uso específico a um produto: Os direitos relativos a um
programa devem ser independentes do mesmo fazer parte de uma determinada
distribuição. Se o programa for retirado desta distribuição e fizer parte de outro
pacote, todos aqueles que receberem a nova distribuição deverão ter os mesmos
direitos previstos na versão original.
§ A licença não deve contaminar outro software: não deve haver restrições sobre
outros programas que fizerem parte de uma mesma distribuição. Por exemplo, a
licença não deve obrigar que todos os programas de uma distribuição sejam código
aberto. A licença GPL obriga que programas que sejam compilados com as
bibliotecas do pacote GNU e gerem um módulo independente sejam distribuídos sob
a licença GPL, mas não obriga que qualquer outro software que faça parte da
distribuição seja GPL. De forma semelhante, a IBM vende seu servidor de
aplicações proprietário WebSphere junto com o servidor web livre Apache.
No passado, a grande maioria dos softwares livres era composta por sistemas
operacionais e sistemas de rede, utilitários e ferramentas de desenvolvimento, ou seja,
basicamente os elementos necessários para criar e manter a infraestrutura do sistema
computacional. Performance e confiabilidade são fatores críticos para estes produtos e
os softwares livres normalmente são bem avaliados nestes quesitos pelo pessoal técnico
da área que não é suscetível a campanhas de marketing como o resto do mercado.
Vários produtos são também ligados à Internet e Web, o que reflete como a
implementação e evolução destas facilidades são similares à organização do movimento
do software livre.
23
Atualmente as empresas que adotaram o software livre em seu modelo de
negócio buscam trazê-lo para o mundo comercial, desenvolvendo ferramentas para os
usuários finais, voltadas para o entretenimento e produtividade.
2.3.2 Categoria Transformação (Como?)
Não existe um processo "ortodoxo" de desenvolvimento de software livre.
Distintos desenvolvedores e organizações utilizam métodos e ferramentas diferentes.
Entretanto, é possível identificar várias características em comum nos mais diversos
projetos de software livre.
Primeiro, o desenvolvimento paralelo que é caracterizado pela prática de um
indivíduo ou um pequeno grupo de desenvolvedores trabalhar em parte de um grande
sistema, enquanto outros indivíduos ou grupos trabalham em outros aspectos do mesmo
sistema. Especificamente, o desenvolvimento paralelo permite a colaboração eficiente
entre um grande número de desenvolvedores, pois estes se encontram trabalhando
simultaneamente ao invés de esperar uns pelos outros. Também é possível que estas
pessoas estejam desenvolvendo um mesmo componente do sistema de forma redundante
(FELLER & FITZGERALD, 2002).
Na verdade, o gerenciamento tradicional de projetos encara esta redundância
como um desperdício ou duplicação de esforços. As comunidades de desenvolvedores,
por outro lado, acreditam que as perdas por redundância têm seu contraponto no ganho
de qualidade advindo da competição entre várias soluções para um mesmo problema
(RAYMOND, 1999).
Em resumo, quando os programadores trabalham em paralelo em componentes
diferentes, há um ganho de velocidade no desenvolvimento. Quando se trata do mesmo
componente, temos um ganho de qualidade.
Outra característica dos projetos de software livre é o tamanho da comunidade
de desenvolvedores e sua distribuição global. Fielding (1999) levantou a origem dos
principais desenvolvedores do servidor web Apache: Canadá, Alemanha, Itália, EUA e
Inglaterra. De forma semelhante, uma análise demográfica dos desenvolvedores de
aplicativos para o Linux feita por Dempsey et al. (1999) mostrou uma intensa atividade
nos EUA, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Austrália, França, Itália, Canadá, Suécia,
Finlândia, Áustria e Rep. Checa.
24
Esta natureza globalizada das comunidades de software livre tende a acarretar
uma melhoria de qualidade tanto do produto, quanto do processo. Raymond (1999)
descreve que, na evolução do programa Fetchmail, algumas funcionalidades foram
adicionadas, pois eram relevantes em um contexto internacional, enquanto que para o
contexto americano seriam desnecessárias.
Estes dois primeiros pontos (desenvolvimento paralelo e a comunidade global)
caracterizam uma contradição ao que usualmente é conhecida como a Lei de Brooks
(1995) - "adicionar mão de obra a um projeto atrasado só faz com que ele fique mais
atrasado". O autor estudou o processo de desenvolvimento do sistema operacional IBM
/360 e evidências empíricas mostraram que simplesmente aumentar o número de
desenvolvedores não traz benefícios ao processo.
No caso do modelo de desenvolvimento do software livre, pode-se explicar a
não aderência à Lei de Brooks ao fato de vários membros da comunidade trabalharem
em tarefas extremamente específicas e não necessitarem obrigatoriamente de ter
conhecimento da totalidade do projeto. Assim sendo, os custos de comunicação, que são
a base da Lei de Brooks, tornam-se menores.
A terceira característica em comum dos projetos de software livre é a existência
de um processo verdadeiramente independente de peer-review. Em um ambiente de
desenvolvimento tradicional, o processo de revisão pode ser ofuscado pelo fato de todos
os participantes fazerem parte de uma mesma organização, podendo haver algum tipo
de proteção, com o conseqüente relaxamento na busca de erros e bugs. Por outro lado,
um ambiente organizacional competitivo tenderá a exacerbar qualquer aspecto negativo
no trabalho dos colegas. No software livre, entretanto, os desenvolvedores normalmente
nunca se encontram frente à frente e não há motivos para acreditar que o processo de
peer-review possa ser artificialmente deturpado (FELLER & FITZGERALD, 2002).
Este processo de revisão conjugado com o compartilhamento do conhecimento é tido
por alguns autores como semelhante ao modelo de pesquisa acadêmica (BEZROUKOV,
1999).
Outras características que diferenciam o modelo de desenvolvimento de software
livre do modelo proprietário são o feedback rápido e a estratégia de liberação de novas
versões. O primeiro é baseado nas ferramentas da Internet utilizadas (lista de discussão,
e-mail, etc.) e permite a rápida comunicação de problemas e requisitos do sistema entre
25
usuários e desenvolvedores. A estratégia de liberação freqüente de novas versões é
basicamente uma conseqüência do tamanho da comunidade, da rapidez da comunicação
e da distribuição de tarefas entre os membros do grupo (RAYMOND, 1999).
Por fim, outro ponto que caracteriza o processo é o fato dos desenvolvedores
também serem usuários dos produtos. Tarefas, como a elaboração de requisitos e testes
de funcionalidades, são desempenhadas pelas mesmas pessoas que criam os programas,
fazendo com que o produto final atenda a necessidades específicas dos usuários que
não estariam presentes em versões proprietárias (VON HIPPEL, 2002).
2.3.3 Categoria Stakeholders (Quem?)
O movimento do software livre apresenta, no mínimo, quatro grandes grupos de
stakeholders que podem ser definidos como: comunidades de desenvolvedores,
comunidade de usuários, empresas comerciais e organizações sem fins lucrativos. Esses
grupos não são mutuamente exclusivos, ou seja, usuários também são desenvolvedores
e também se pode argumentar que os desenvolvedores são usuários de ferramentas
livres. Assim sendo, podemos identificar três formas ou papéis distintos em que cada
grupo atua em determinado momento: clientes (ou beneficiários), atores (agentes de
mudança) e donos (tomadores de decisão).
2.3.3.1 Comunidades de desenvolvedores
Hertel et al. (2002) desenvolveram um estudo sobre a motivação dos
desenvolvedores do kernel do Linux e, como parte dos resultados, chegaram a um
levantamento demográfico dos participantes. O Linux Study, como ficou conhecido,
teve 142 questionários respondidos, sendo que 96% eram oriundos de programadores do
sexo masculino, com idades entre 20 e 39 anos (70% dos respondentes) e
proeminentemente originários dos EUA e Europa (45 e 40%, respectivamente).
Embora este estudo ainda necessite de validação através de novas pesquisas,
algumas tendências podem ser determinadas. A maioria dos participantes é novata na
comunidade, pois 78% estão envolvidos no desenvolvimento do sistema há menos de 2
anos e tende a ser especialista, participando de um ou, no máximo, dois subprojetos.
Com relação ao pagamento por suas contribuições, pode-se verificar que os
participantes tendem a ser profissionais da área. A maioria tem emprego de horário
26
integral (65% dos participantes) e participam do desenvolvimento do sistema durante o
trabalho, ao invés de fazê-lo em suas horas de lazer.
Em pesquisa complementar ao Linux Study, Dempsey et al. (1999) analisaram
dados históricos do UNC Metalab Linux Archives (um repositório de aplicativos para
Linux) e determinaram a distribuição geográfica dos desenvolvedores. Os resultados
foram semelhantes aos obtidos anteriormente, sendo 37% dos autores dos softwares
oriundos da Europa e outros 52% possuindo e-mail com sufixos normalmente utilizados
nos EUA (.com, .edu, .net e .org). Como os sufixos .com e .org também podem ser
usados na Europa, podemos dizer que os resultados das pesquisas são convergentes.
Outro ponto levantado na pesquisa dos arquivos da UNC Metalab refere-se a freqüência
em que contribuições eram enviadas. Mais de 90% dos desenvolvedores fizeram
somente uma ou duas adições ou alterações de arquivos e menos de 1% tiveram mais de
10 contribuições, ou seja, há uma tendência de especialização como já citada
anteriormente no Linux Study.
Apesar de encontrarmos poucas pesquisas demográficas, os resultados obtidos
mostram que os desenvolvedores de software livre tendem a ser profissionais da área e
especialistas. Como profissionais, estes indivíduos trazem as melhores práticas da
indústria para resolver os problemas do desenvolvimento do software livre. Como
especialistas, cada indivíduo possui uma paixão significativa pelo assunto para produzir
aplicações e componentes eficientes e elegantes (RAYMOND, 2001).
Os desenvolvedores, tanto individualmente quanto em comunidade,
desempenham papéis de clientes, autores e donos, embora nem sempre seja possível
distingui-los. Como clientes, os programadores usam (de forma quase religiosa)
ferramentas livres - compiladores, editores de texto, gerenciadores de versões - para dar
suporte ao próprio processo de desenvolvimento. Da mesma forma que ocorre em um
ambiente tradicional de desenvolvimento de sistemas, eles são também os principais
agentes de mudança, ou seja, representam o papel de atores.
Mockus et al. (2000) analisaram o papel dos desenvolvedores do servidor web
Apache e verificaram que é possível classificar a participação destes indivíduos como
reativa e proativa. No primeiro caso, temos os programadores fazendo alterações no
código a fim de reparar defeitos reportados por usuários ou identificados por eles
27
próprios. Como participantes proativos, os desenvolvedores fazem alterações de forma a
contribuir com novas funcionalidades.
Embora seja possível dizer que o autor do software livre ou seu atual
mantenedor seja o dono do programa, este papel não é tão absoluto ou exclusivo como
na indústria de software proprietário. Este papel, que pode ser desempenhado por um
indivíduo ou grupo, tem como principal objetivo controlar a evolução dos projetos de
software livre, buscando garantias legais para os nomes dos projetos e coordenando o
lançamento de versões "oficiais". Entretanto, estas pessoas não possuem o poder de
determinar o fim de um projeto, pois, devido às características da licença de distribuição
dos produtos, outro dono pode assumir o desenvolvimento do software desde que este
ainda seja útil para a comunidade (FELLER & FITZGERALD, 2002).
2.3.3.2 Comunidades de usuários
No mercado corporativo é comum vermos as empresas usando software livre em
seus sistemas back-end (particularmente na plataforma para a Internet) ao invés de
adotá-los como ferramentas para o usuário final. Isto se deve ao fato de os softwares
livres serem considerados superiores ao seus similares proprietários, sendo o Apache
(servidor web), BIND (servidor de domínio) e Sendmail (servidor de email) alguns
exemplos em suas categorias. Por outro lado, pode-se citar a falta de ferramentas livres
de automação de escritórios e a percepção (válida ou não) de que o software livre não
oferece um ambiente desktop para usuários não especialistas (FELLER &
FITZGERALD, 2002).
O mesmo ocorre no mercado voltado para o usuário doméstico de computadores.
Os indivíduos que usam software livre são tradicionalmente caracterizados como early-
adopters, ou seja, usuários que adotam tecnologia antes do resto do mercado. Esta
comunidade de usuários tende a se confundir com a comunidade de desenvolvedores,
pois aproveitam as possibilidades que o software livre oferece de adaptação e
customização, atividades estas, mais voltadas aos administradores de sistemas do que
para usuários finais (VON HIPPEL, 2002).
O primeiro papel que pode ser destacado para a comunidade de usuários é o de
cliente, sendo diretamente através do uso dos produtos (um administrador de rede
instalando um servidor web) ou indiretamente como no caso de um usuário consultando
o site da Amazon que roda sobre uma plataforma livre (FELLER & FITZGERALD,
28
2002). Lakhani e Von Hippel (2002) estudaram as ocorrências de usuários como atores
quando estes reportam bugs, sugerem novas funcionalidades, criam documentação e
suportam outros usuários, ou seja, quando desempenham atividades que acabam por
provocar alterações nos sistemas.
Finalmente, apesar de um usuário não deter a propriedade de um software livre,
ele goza todos os direitos e liberdades previstos na licença do programa: redistribuição,
modificação, etc.
2.3.3.3 Empresas comerciais
Software livre não significa software grátis (FREE, 1999). Os programas podem
ser distribuídos de graça ou com cobrança. O próprio Stallman quando saiu do MIT
começou a cobrar pelo GNU Emacs. Ao longo dos anos, alguns modelos de negócio
surgiram para comercializar os softwares livres ou, de alguma outra forma, se apropriar
das receitas derivadas dos produtos.
A IBM, por exemplo, monta distribuições e vende sistemas Linux completos. A
estratégia da empresa é vender o hardware necessário e fornecer o software (livre) a um
preço simbólico. Neste caso, o papel da empresa também é desenvolver drivers
específicos e otimizar os programas para a sua plataforma. Além disso, seus programas
proprietários como o servidor de mail Notes e o banco de dados DB2 são portados nesta
plataforma. Outra fonte de receita para a empresa é venda de suporte técnico e de
treinamento.
Do outro lado do espectro proprietário-livre temos a Red Hat, empresa que
vende distribuições do Linux. Neste modelo de negócio, o valor agregado ao produto
advém da capacidade de integração da empresa, testando e otimizando várias
configurações dos programas. Raymond (2001) argumenta que a indústria de software
representa, na verdade, uma oferta de serviços que vêm sendo operada como se fosse
uma indústria ou manufatura. Neste sentido, a Red Hat obtém grande parte de suas
receitas através de treinamento e suporte que possuem uma margem alta. A venda de
software (que apresenta uma margem pequena) é baseada na força da marca Red Hat.
Um usuário ou empresa que compra uma distribuição oficial da Red Hat, em detrimento
de qualquer outra distribuição, compra o conforto, segurança e suporte associado à
marca (FELLER & FITZGERALD, 2002). Software livre é basicamente um mercado
de commodities. Assim sendo, os usuários valorizam uma marca em que podem confiar
29
e que possa oferecer suporte a comunidade. Isto é, uma empresa deve ser capaz de se
diferenciar dos competidores, através do desenvolvimento de novos programas com a
divulgação do código para a comunidade. (DIBONA, 1999).
O modelo híbrido de organização existente entre as empresas e a comunidade de
programadores de software livre pode ser usado como explicação para a eficiência e
confiabilidade dos produtos. A função das empresas é basicamente complementar,
buscando oferecer serviços para o usuário final. As empresas contribuem com o
desenvolvimento de interfaces mais amigáveis e de drivers específicos, o que
normalmente não seria alvo da comunidade de desenvolvedores. (DALLE & JULLIEN,
2003).
Estas empresas geralmente desempenham os papéis de clientes e atores. Como
já visto anteriormente, quando as empresas adotam o software livre em suas atividades,
temos caracterizado o papel de cliente e quando promovem o desenvolvimento de novos
produtos e funcionalidades, as empresas aparecem como atores ou agentes de mudança.
O papel das empresas como donas de um software livre é mais sutil de ser observado,
da mesma forma que é difícil definir o verdadeiro proprietário. Apesar da Red Hat ter
pouca influência sobre o desenvolvimento do kernel do Linux, a empresa tem uma
tremenda influência sobre a percepção do público em geral sobre o que é um software
livre. Ou seja, a perpetuação do software livre pouco depende da existência de empresas
que o utilizem em seu modelo de negócios, embora sua adoção dependa do suporte
destas empresas (FELLER & FITZGERALD, 2002).
2.3.3.4 Organizações não comerciais
O que difere as organizações não comerciais das empresas vistas anteriormente é
a ideologia existente por detrás do movimento do software livre que determina uma
proteção passional dos direitos previstos nas licenças de distribuição. Estas
organizações (ou fundações) provêm a base legal para assegurar o desenvolvimento dos
projetos e têm a função de buscar os investimentos necessários para financiá-los.
De forma semelhante às empresas comerciais, as fundações são clientes usuais
de software livre e os maiores projetos (como o Apache, GNOME e Python) podem ser
identificados como os principais atores ou agentes de mudança, pois congregam os
vários programadores individuais envolvidos. Estas fundações também podem ser
consideradas como a melhor caracterização do papel de proprietários de software livre,
30
pois sendo oriundas da comunidade elas consolidam a autoridade dos diversos
indivíduos que a compõe.
A tabela a seguir oferece um resumo dos principais stakeholders e os papéis
desempenhados.
Papel
Grupo Como Clientes Como Atores Como Donos
Desenvolvedores Usam o software li-vre como suporte ao desenvolvimento
Principais implementa-dores de alterações nos sistemas
Dão o direcionamento inicial do sistema, mas normalmente não têm o poder de terminá-lo.
Usuários Usam os produtos de forma direta ou indireta.
Podem usar o software livre como uma caixa preta ou configurá-lo. Também podem ser agentes de mudança ao reportar bugs.
Devido às licenças, têm o mesmo direito de propriedade que o criador do software.
Empresas Têm adotado o software livre do forma entusiástica.
Atuam como imple-mentadores ou patro-nos das mudanças.
Têm controle sobre a marca da distribuição, mas não sobre o produto em si.
Organizações Usam os produtos da mesma forma que as empresas.
Organizam o esforço de desenvolvimento.
Possuem o controle sobre o direcionamento e futuro dos projetos.
Quadro 4: Stakeholders e seus papéis. As células em destaque representam o papel
principal de cada grupo (Fonte: Feller e Fitzgerald, 2002).
2.3.4 Categoria Ambiente (Quando e onde?)
Os aspectos geográficos e temporais do desenvolvimento do software livre são
representados na categoria Ambiente do modelo de análise de Feller e Fitzgerald
(2002).
Em função da capilaridade da Internet, o modelo do software livre é
caracterizado geograficamente por grupos distribuídos virtualmente no ciberespaço ao
invés de estar restringido por limites físicos. Este processo ocorre entre times
distribuídos em que os participantes encontram-se fisicamente em várias partes do globo
e se comunicam e colaboram entre si através da Internet. Esta interação entre os
stakeholders acontece tanto de forma on-line, quanto off-line.
31
A interação virtual on-line é baseada no uso de ferramentas da Internet como
newsgroups, troca de emails, listas de discussão e o repositório de programas CVS. A
web também serve como fonte de informações e suporte para as diversas atividades das
comunidades com a disponibilização de periódicos, livros e tutoriais.
As comunidades on-line tendem a se agrupar segundo interesses em comum,
enquanto as comunidades off-line são normalmente limitadas geograficamente. Estas
últimas têm formado grupos de usuários específicos de um projeto (Linux User Groups
e Apache User Groups, por exemplo) e encontram-se fisicamente em conferências e
convenções sobre software livre.
Os estudos demográficos já citados argumentam que, embora haja evidências da
amplitude internacional do movimento, não se pode afirmar que realmente tenhamos um
alcance global. Ou seja, o desenvolvimento de software livre tende a ser uma atividade
de países desenvolvidos e, mais especificamente, dos países ocidentais (FIELDING,
1999; DEMPSEY et al, 2002).
Sobre as características temporais do processo de desenvolvimento, Feller e
Fitzgerald (2002) destacam dois pontos que ainda não foram abordados: a evolução
rápida dos produtos e a utilização de ferramentas de comunicação síncronas e
assíncronas.
O modelo de desenvolvimento do software livre é caracterizado pelo
desenvolvimento em paralelo, feedback rápido e conseqüente evolução rápida dos
programas, uma vez que as melhorias incrementais são liberadas para o público com
freqüência ao contrário do modelo do software proprietário que lança versões com
grandes alterações em intervalos de tempo que chegam a anos. Comparada com a
inovação em hardware (que segue a Lei de Moore5), a evolução da indústria do software
pode ser considerada tímida. A inovação é lenta, sendo medida em décadas ao invés de
meses. Raymond (2001), entre outros, argumenta que a dinâmica do modelo "bazar"
provê a flexibilidade e capacidade de adaptação capaz de reverter esta disparidade.
Outra característica do processo é o favorecimento da comunicação assíncrona
(e-mail, listas de discussão, newsgroups, fóruns) em detrimento do uso de ferramentas
síncronas como chats e videoconferência. Uma explicação para este fato é a
5 A Lei de Moore diz que a capacidade de processamento do hardware dobra a cada 18 meses.
32
característica de permanência da comunicação assíncrona que torna o processo de
desenvolvimento auto-documentado. Além disso, as ferramentas assíncronas permitem
que os stakeholders resolvam as questões com tempo suficiente para reflexão.
2.3.5 Categoria Visão de Mundo (Por quê?)
Feller e Fitzgerald (2002) propõem uma estrutura para análise dos aspectos
motivacionais que considera três grandes áreas - tecnológica, econômica e sócio-
psicológica - que depois são subdivididas em níveis micro e macro, ou seja, a motivação
dos indivíduos e das organizações e comunidades, respectivamente.
O quadro abaixo ilustra esta estrutura, onde temos um resumo de cada um dos
seis fatores motivacionais resultantes.
Nível
Área Micro (indivíduos) Macro (organizações e comunidades)
Tecnológica
§ Atender necessidade específica. § Explorar a eficiência do peer-review. § Trabalhar com tecnologia de ponta.
§ Atacar a crise do software (particularmente a qualidade).
§ Dividir tarefas entediantes com os usuários.
§ Promover a inovação. § Garantir a transparência das aplicações.
Econômica
§ Ganhar benefícios futuros na carreira. § Melhorar técnica de programação. § Baixo custo de oportunidade ("nada a
perder").
§ Mudança do paradigma do software como manufatura para um modelo de serviços.
§ Reforçar a marca. § Explorar receitas indiretas (produtos
complementares e serviços). § Redução de custos - plataforma mais
barata do que as alternativas proprietárias.
Sócio-psicológica
§ Gratificação do ego. § Motivação intrínseca para programar. § Senso de pertencer à comunidade. § Altruísmo.
§ Movimentos sociais precisam de um inimigo - ex. Microsoft.
§ Ideologia: software deve ser livre. § Modelo de trabalho para o futuro.
Quadro 5: Motivações no desenvolvimento do software livre (Fonte: Feller e Fitzgerald,
2002).
2.3.5.1 Motivações tecnológicas dos indivíduos
Neste nível, as motivações técnicas para participar de um projeto de software
livre remetem ao que Raymond (1998) chamou de "coçar uma ferida pessoal". A grande
maioria dos projetos bem sucedidos foi iniciada por indivíduos que tinham uma
33
necessidade específica que não era atendida por produtos proprietários disponíveis.
Alguns exemplos são:
§ Linus Torvalds queria uma versão do Unix para rodar em um PC (Linux);
§ Eric Allman precisava de uma forma eficiente para distribuir e-mails para vários
endereços em Berkeley (Sendmail);
§ Larry Wall precisava gerar web pages de forma automática sem recorrer a
linguagem C (Perl);
§ Don Knuth precisava de um editor para textos técnicos (TeX).
Essas necessidades não atendidas, por si só, já eram suficientes para se iniciar
um projeto. Porém, as vantagens do peer-review, desenvolvimento colaborativo e outros
aspectos do modelo de desenvolvimento do software livre podem ser consideradas
como elementos motivadores para a disponibilização do código através de uma licença
compatível.
A oportunidade de trabalhar com ferramentas com tecnologia de ponta também
pode ser considerada uma motivação tecnológica para a participação em projetos de
software livre. Esta oportunidade é particularmente atrativa para desenvolvedores que
utilizam ambientes computacionais tradicionais, pois eles podem estar usando
ferramentas e tecnologias defasadas em virtude destas serem as únicas disponíveis ou
serem mandatórias em um determinado projeto (FELLER & FITZGERALD, 2002).
Lakhani et al. (2002) identificaram três grupos (dos quatro encontrados em sua
pesquisa sobre as motivações de desenvolvedores de software livre) que buscam um
aprimoramento de seus conhecimentos técnicos. Os indivíduos do grupo chamado
Profissionais (25% da amostra) fazem-no pela necessidade de aplicar estes
conhecimentos no trabalho, enquanto os Hobbistas (27%) usam-nos em atividades não
relacionadas com trabalho. O terceiro grupo relatou, além do fator técnico, que sua
participação representa uma diversão. Este grupo é formado basicamente por estudantes.
A Universidade de Maastricht na Holanda desenvolveu ao longo dos anos de
2001 e 2002 várias pesquisas com o intuito de buscar informações sobre o software
livre. O estudo sobre as motivações de desenvolvedores indicou que a atuação da
comunidade está mais ligada a um hobby do que a trabalho salariado. Ao se comparar os
34
motivos que levam os programadores a iniciar sua participação com aqueles que os
levam a continuar no projeto, verificou-se que inicialmente estes indivíduos visam
melhorar seus conhecimentos e trocar informações com outros desenvolvedores.
Quando se entra em um período de amadurecimento é que aparecem aspectos políticos
(ideológicos) e comerciais. Além de engenheiros de software e programadores, os
estudantes desempenham um papel significante na comunidade. Porém, a liderança dos
projetos e a avaliação da performance dos mesmos é normalmente delegada aos
profissionais (FLOSS, 2002).
Kuan (2002) baseou sua pesquisa em somente uma única explicação para o
movimento: os desenvolvedores escrevem o software para seu próprio uso. Ou seja,
segundo a autora, é uma decisão de fazer ou comprar.
Em virtude de o software livre ser escrito com a finalidade de satisfazer as
necessidades dos usuários, os produtos tendem a apresentar algumas características em
comum. A autora afirma que o software livre aparece em nichos tecnicamente
sofisticados, pois os desenvolvedores normalmente são profissionais da área de SI.
Quando existe software comercial que já satisfaça os requisitos do usuário, não há
interesse dos desenvolvedores em criar um produto similar. Por fim, uma característica
levantada é a alta qualidade do software produzido. Uma vez que os desenvolvedores
também são usuários, há especificações detalhadas disponíveis para a criação do
software e motivação para fazê-lo com qualidade.
Ao comparar o tempo decorrido para a resolução de problemas entre três pares
de softwares livres e comerciais similares, a autora encontrou evidências de que os
primeiros tendem a possuir qualidade igual ou superior aos últimos.
Von Hippel (1988; 2002) baseia sua pesquisa no desenvolvimento de estratégias
para identificar novas idéias e inovações de forma rápida e sistemática. O modelo
tradicional de inovação assume que os fabricantes normalmente são os direcionadores
do processo. O autor, porém, afirma que novos produtos e serviços plenamente
funcionais tendem a ser desenvolvidos por “lead-users”. Estes usuários deparam-se com
algumas necessidades não atendidas meses ou anos antes da grande maioria dos outros
usuários e desenvolvem suas próprias soluções, uma vez que as empresas não dispõem
de produtos customizados para eles.
35
As corporações interessadas em buscar inovações radicais devem ter a
capacidade de identificar os lead-users e aprender com o que foi desenvolvido por eles.
Von Hippel busca através de suas pesquisas mostrar que o locus da inovação está
passando gradativamente das empresas para os usuários e o software livre é um
exemplo. Além disto, as inovações por usuários e para usuários6 envolvem não
somente a melhoria do produto, mas também sua distribuição, atualização e suporte.
2.3.5.2 Motivações tecnológicas das organizações
Em um nível macro, uma das principais motivações das organizações é a busca
de soluções para a crise no desenvolvimento do software. É comum os projetos durarem
muito tempo para serem completos, com custos elevados e, por fim, não apresentarem
um funcionamento adequado.
Como visto anteriormente, o desenvolvimento de software livre tem como
característica uma evolução rápida, o que pode ser usado para tratar o primeiro item a
crise. Como grande parte do código dos softwares livres é oriundo de contribuições
voluntárias, o aspecto do custo tende a ser minimizado. Todavia, o custo real do
desenvolvimento de um software livre nunca foi estimado. Vários programadores
utilizam o horário de trabalho em suas organizações para desenvolver ferramentas
livres, mascarando o custo real dos produtos. Finalmente, a questão da qualidade é
indubitavelmente tratada pelo software livre, pois sua adoção é feita somente por
critérios técnicos, sendo escolhido os melhores produtos em cada categoria. A qualidade
dos produtos também pode ser creditada ao processo de peer-review feito por um grupo
grande de desenvolvedores talentosos.
Há um paralelo interessante entre o desenvolvimento de software em geral e a
evolução do automóvel e do telefone. Acreditava-se que a adoção destes últimos estava
limitada pela necessidade da intervenção de um técnico na utilização de cada produto.
No caso do telefone, para completar uma ligação era necessária a intervenção de uma
telefonista e no caso do automóvel, era assumido que as viagens só seriam possíveis
com motoristas treinados. Estes eram os grandes gargalos que limitavam a adoção
destas tecnologias. De forma similar, a falta de técnicos também é um limitador para a
6 User-to-user innovation no original.
36
indústria do software que pode ser minimizado pelo processo de desenvolvimento do
software livre. Tarefas com características pouco técnicas, como testes, criação de
documentação e a elaboração de requisitos, podem ser delegadas para a comunidade de
usuários, uma vez que são consideradas entediantes e ocupam o tempo de
desenvolvimento (FELLER & FITZGERALD, 2002).
Algumas empresas adotam o software livre por motivos técnicos como, por
exemplo, a Nasa que destaca a transparência oferecida pelo acesso ao código-fonte.
Desta forma, os sistemas podem ser exaustivamente testados e a segurança da operação
não fica dependente de uma “caixa preta”.
Algumas empresas, a Netscape sendo um exemplo, tentaram usar o modelo de
desenvolvimento do software livre, buscando novas formas de fomentar a inovação em
seus produtos, mas não obtiveram comprometimento da comunidade ao abrir o código
de seus programas. A falta de uma licença de distribuição clara e a dúvida causada nos
programadores sobre a futura utilização do seu código fez com que o desenvolvimento
do novo navegador da Netscape fosse muito atrasado (DALLE & JULLIEN, 2003).
2.3.5.3 Motivações econômicas dos indivíduos
Por que os programadores contribuem para o desenvolvimento de software livre
com informação que poderia se tornar proprietária? A explicação mais simples reside no
ganho de reputação que, porventura, pode se converter em algum avanço na carreira.
Atualmente existem várias empresas que provêm serviços aos usuários de software livre
- distribuição de pacotes, suporte, manutenção e customização. É comum estas empresas
oferecerem empregos à comunidade, criando assim uma expectativa entre os
desenvolvedores de que sua reputação possa ser expressa em termos monetários
(LERNER & TIROLE, 2000; DALLE & JULLIEN, 2003).
Existem programadores que, basicamente, desenvolvem aplicativos para seu
próprio uso. Ou sejam, podem ser considerados usuários inovadores que visam atender
suas necessidades (VON HIPPEL, 1988). Estes usuários pouco têm a ganhar mantendo
em segredo sua produção intelectual, pois não há valor de troca e o custo de desenvolver
tais inovações é relativamente baixo. Desta forma, antes que soluções similares sejam
desenvolvidas e distribuídas pela comunidade, estes usuários tornam sua contribuição
pública (HARHOFF et al., 2000; LAKHANI & VON HIPPEL, 2000)
37
Se outras pessoas ou entidades pudessem se apropriar da reputação e
recompensas vinculadas ao software livre, essas contribuições seriam muito menores
(em quantidade e qualidade). As licenças de distribuição existentes, mais
especificamente o copyleft, provêm o suporte legal para que isto não ocorra, uma vez
que é permitido ler, modificar e redistribuir o código, mas não permite que ele seja
usado de forma proprietária (DALLE & JULLIEN, 2003). Lakhani et al. (2002)
observaram que alguns indivíduos desenvolvem aplicativos livres porque a licença os
obriga.
O conhecimento é basicamente criado a partir do conhecimento previamente
existente, ou seja, só se atinge uma melhoria contínua se o conhecimento for
publicamente revelado. O valor social de criar e revelar uma nova descoberta é
significativamente maior do que o valor individual que se apropria ao manter este
conhecimento em segredo. Logo, a existência de mecanismos que reforcem e garantam
a autoria da nova descoberta é necessária para sua difusão. Os exemplos mais comuns
desses mecanismos são as patentes e a comunidade científica. As patentes garantem
legalmente e por determinado período de tempo o monopólio sobre uma descoberta. Já
dentro da comunidade científica, a reputação é reforçada aos cientistas que publiquem
primeiro os resultados de suas pesquisas. Historicamente, sendo o movimento do
software livre oriundo do meio acadêmico, o mecanismo de copyleft funciona como um
patente ao contrário, ou seja, ao invés de se conceder a propriedade, esta é negada
(DALLE & JULLIEN, 2003).
Patentes Comunidade Científica Software Livre
Incentivos Monopólio Reputação pelo reconhecimento dos pares
Reputação, visando a carreira
Garantias Legal Auto-regulação da comunidade Licenças, copyleft
Distribuição Bases de dados de patentes mantidas por instituições públicas
Publicações científicas, conferências
Internet (e-mail, listas de discussão, web sites)
Quadro 6: Mecanismos de proteção da propriedade intelectual (Fonte: DALLE &
JULLIEN, 2003)
Lancashire (2002) busca definir o movimento em termos estritamente
econômicos. Ele divide os softwares livres em quatro categorias, utilizando dois eixos
38
ortogonais. Na vertical encontra-se a complexidade do sistema, baseada no número de
linhas dos programas e suas funcionalidades. No eixo horizontal distribuem-se os
softwares quanto à participação de empresas comerciais no seu desenvolvimento.
Assim, definiu-se duas categorias: anti-proprietários e complementares.
O foco do estudo de Lancashire foram dois programas que se encontram no
quadrante anti-proprietário e de alta complexidade. O autor identificou a nacionalidade
dos desenvolvedores do Linux e do GNOME e comparou o número de desenvolvedores
com a população dos seus países de origem. Inicialmente, foi calculada a participação
per capita, sendo posteriormente refinada através do levantamento da população que
dispõe de acesso à Internet em casa e da respectiva parte da população composta
somente por desenvolvedores.
A conclusão do autor é de que, apesar de o movimento do software livre ter-se
iniciado nos EUA, atualmente a grande força produtiva encontra-se na Europa. O
pesquisador faz uma analogia entre o desenvolvimento de software livre com a
migração histórica, citando um Mayflower7 às avessas. Sua explicação para este fato
está no boom de empresas de tecnologia da informação nos EUA, que fez com que os
desenvolvedores alcançassem altos salários neste país, não havendo outra motivação
para juntar-se a projetos de software livre. A participação é caracterizada, então, como
um “custo fixo” que jovens programadores pagam para estabelecer uma reputação
dentro da indústria.
Outro resultado levantado pelo autor refere-se à comparação da participação dos
programadores com o índice de pirataria de software nos seus países de origem. Altos
níveis de pirataria tenderiam a reduzir o interesse no desenvolvimento de alternativas
abertas para produtos comerciais.
2.3.5.4 Motivações econômicas das organizações
Inicialmente, a idéia de que o software livre poderia ser economicamente viável
para as organizações comerciais parecia ser o aspecto mais problemático do movimento.
Apesar da noção de se obter receitas e lucros do software livre não ser facilmente aceita,
7 Nome do navio que trouxe imigrantes da Inglaterra para os EUA.
39
é indiscutível a existência de diversos modelos de negócio que podem ser usados pelas
organizações.
O argumento que tem sido mais utilizado é o de que a indústria de software está
atravessando uma mudança de paradigma do modelo baseado em commodity para um
voltado para a prestação de serviços. De forma irônica, esta mudança no modelo foi
iniciada principalmente pela Microsoft que tomou o controle da indústria que antes era
dominado pela IBM e outros vendedores de hardware e cujo foco era em equipamentos.
A Microsoft iniciou seu reposicionamento através de diversas iniciativas, incluindo a
disponibilização do código-fonte de alguns dos produtos para seus principais clientes.
Entretanto, a estratégia de posicionamento dos produtos .Net é mais significativa, onde
os clientes irão alugar os softwares da Microsoft ao invés de comprá-los.
Esta mudança de paradigma de um modelo de commodities para um modelo
baseado em serviços faz sentido sobre uma ótica econômica. Software, em geral, tem
um custo de reprodução que tende a zero, mas possui altos custos de manutenção e
serviços, isto é, grande parte do custo de desenvolvimento de um software (70 a 80%) é
incorrido na fase de manutenção. O modelo do software livre, então, é reconhecido
como uma alternativa, onde o produto é distribuído a um preço módico e as empresas
competem pela prestação de serviços. (FELLER & FITZGERALD, 2002)
O’Reilly (1998) apresenta vários modelos econômicos que se apoderam das
receitas indiretas do software livre. As empresas obtêm receitas, no mínimo, através de
três formas distintas: distribuindo pacotes, adicionando valor ao software através de
produtos proprietários ou de alguma forma relacionando seus produtos com o software
livre.
O primeiro modelo consiste em acondicionar pacotes de software livre de uma
forma user-friendly, simples de instalar. Assim, pode ser vendido sob uma marca
conhecida juntamente com livros, manuais, treinamento e suporte. O cliente, então, paga
pela mídia que contém o código aberto, o selo da empresa que garante que esta é a
versão mais recente e estável do software e o comprometimento de suporte ao produto.
Com a popularização destes pacotes, ocorre o aparecimento de um gap entre as
necessidades dos usuários finais e os desenvolvedores. A comunidade de usuários
demanda serviços adicionais e concorda em pagar por estes, o que gera novas
oportunidades de negócio.
40
Este modelo híbrido produz software proprietário que é vendido comercialmente
e, normalmente, não tem seu código distribuído para a comunidade de desenvolvedores
de software livre. O sistema de e-mail Sendmail é um exemplo de software livre que
possui versões comerciais voltadas para empresas que têm na troca de e-mails um fator
crítico, mas também possui uma versão distribuída livremente. (LJUNGBERG, 2000)
O terceiro modelo descrito por O’Reilly (1998) sugere que algumas empresas
não mantêm o foco no código aberto ou no desenvolvimento de aplicativos adicionais.
Seu objetivo é manter uma relação entre seus produtos e os softwares livres de forma a
atingir um mercado maior, aprimorar seu produto ou ganhar credibilidade. No primeiro
caso temos como exemplo a Oracle disponibilizando seu banco de dados para a
plataforma Linux. A Netscape abriu o código do seu navegador para a Internet com o
intuito de acelerar o desenvolvimento de futuras versões. Por fim, a IBM vende seu
servidor de aplicações web (WebSphere) com o servidor de conteúdo Apache. Este
último é líder de mercado no seu segmento e, com isso, a IBM pretende trazer
credibilidade para seu produto.
Ljungberg (2000) sugere que o movimento de software livre e as atividades
comerciais sejam simbióticas. Os desenvolvedores comerciais obtêm valor do produto
não-comercial e, ao mesmo tempo, aumentam o interesse pelo produto, retornando valor
para a comunidade de software livre.
2.3.5.5 Motivações sócio-psicológicas dos indivíduos
Existem vários fatores que podem ser classificados nesta categoria, incluindo a
gratificação do ego, motivações intrínsecas, senso de comunidade e altruísmo.
Lerner e Tirole (2000) identificaram a gratificação do ego como uma das formas
de explicar a motivação individual dos participantes de projetos de software livre. Os
programadores que trabalham em projetos tradicionais deparam-se usualmente com
longos períodos até que obtenham um feedback ou avaliação de seu trabalho. Assim
sendo, em projetos de software livre, os programadores podem verificar a rápida adoção
de seu código pela comunidade, além do reconhecimento que recebem ser oriundo de
pares respeitáveis e não de gerentes ou usuários de sua organização.
Hars e Ou (2001) discutiram o fator da motivação intrínseca baseado nas
necessidades dos indivíduos de realização e auto-estima que foram anteriormente
estudadas no trabalho de Maslow (1987). Visto por este lado, participar de um projeto
41
de software livre é tido como possuir um hobby que traz uma satisfação intrínseca. Esta
posição é corroborada em entrevistas com programadores que exibem seu desejo inato
de programar. O próprio Linus Torvalds cita a importância de se divertir como um dos
seus principais objetivos de vida e que o desenvolvimento do Linux representou uma
oportunidade significativa de diversão. Alguns programadores chegam a comentar que
estão dando o melhor de si e que em nenhum outro projeto estariam usando melhor seus
conhecimentos. Lakhani et al. (2002) também citam em seu estudo que um grupo
formado principalemte por estudantes é influenciado pela diversão além de buscar a
melhoria dos seus conhecimentos técnicos. Os autores também identificaram um grupo
(representando 19% dos participantes da pesquisa) que acredita fortemente que o
código-fonte deva ser aberto, ou seja, há um alinhamento com as motivações de cunho
ideológico defendidas por Stallman (1996; 2002).
A sensação de pertencer a uma comunidade também aparece como um dos
principais fatores motivacionais do desenvolvedor. Enquanto os indivíduos possam se
sentir impotentes diante de um monopólio, ao pertencer a uma comunidade global tem-
se a sensação de poder necessária para combatê-lo. Na pesquisa de Hars e Ou (2001)
mais da metade dos respondentes (52%) citaram a senso de comunidade como a razão
de sua participação em projetos de software livre.
O último fator motivacional que se aplica aos participantes é o altruísmo. Uma
vez formado o senso de comunidade, os indivíduos tenderão a sentir a necessidade de
ajudar os outros participantes. Também pode ser relacionado às necessidades de
Maslow (1987), no sentido de que o altruísmo traz satisfação e complementa certas
necessidades individuais. Raymond (2001) considera este fator como uma oferta de
presentes em um clima de abundância, uma variação da festa potlatch.
A comunidade desenvolvedora de software livre é freqüentemente associada a
uma economia de dons ou cultura de dádivas. Os fundamentos destas economias estão
na obrigação de retribuir um presente recebido. Uma transação envolve normalmente
uma obrigação tácita de retribuição do presente em algum momento futuro, sem que
haja exigência explícita. Em uma cultura como esta, o status social não é definido pelo
que se detém ou controla, mas por aquilo que é dado. Assim sendo, o ato de presentear é
uma forma de poder e controle. (LJUNGBERG, 2000)
42
"De origem indígena, a palavra potlatch significa dom na linguagem nootka. Os etnólogos americanos descobriram-na e descreveram-na largamente nos fins do século XIX, mas foi o antropólogo francês Marcel Mauss que desenvolveu um estudo completo em «Essai sur le don. Forme et raison de l´échange dans les sociétés archaïques». Identificada na vida social dos indígenas do noroeste do pacífico que forneceram seu modelo mais notável, a prática do potlatch foi encontrada em várias tribos indígenas sob formas variadas. O potlatch é uma cerimônia com caráter de festa, durante a qual um chefe oferece ostensivamente a um rival uma quantidade enorme de riquezas para o humilhar ou desafiar. Este último, para apagar a humilhação e contrapor o desafio, assume uma obrigação moral ao aceitar o dom. Assim, deve mais tarde organizar um novo potlatch, mais importante do que o primeiro, onde se mostrará mais generoso do que o anterior. Em outras palavras, deve dar sem usura". (POTLATCH, 2002)
Em uma economia de trocas (ou commodity), o status social é determinado por
aquilo que se detém. Já em uma economia do dom, o status é medido com base naquilo
que se dá aos outros indivíduos. A ajuda mútua e a troca de informações pela Internet
podem ser consideradas como um exemplo de economia do dom. Porém, existem alguns
diferenciais que devem ser levantados.
Normalmente, a informação disponibilizada não tem um destinatário específico
ou conhecido e, por vezes, é entregue a grupos ou comunidades inteiras. Outra diferença
reside em não existir a transferência da posse do presente, mesmo após sua entrega. Ou
seja, o desenvolvedor do software livre continua com a posse do produto após tê-lo
ofertado. Trata-se, então, de um recurso infinito. (LJUNGBERG, 2000)
Neste ponto, a pesquisa acadêmica tem grande semelhança com o
desenvolvimento de software livre. A única medida de sucesso é a reputação obtida
entre os pares. Aqueles cientistas com maior status não são aqueles que possuem maior
conhecimento, mas sim, aqueles que mais contribuíram para seu campo de estudo. Um
cientista que detém grande conhecimento, mas possui poucas contribuições é
freqüentemente menosprezado – sua carreira é vista como um desperdício de talento.
(PINCHOT, 1995)
No meio acadêmico, o sistema de peer-review define se as contribuições
individuais são suficientemente boas para serem aceitas pelo grupo. Peer-review é,
43
portanto, um mecanismo social que permite aos experts ou membros da uma
comunidade manter o controle sobre as inovações em uma área. (LJUNGBERG, 2000)
As comunidades de software livre adotam esta mesma norma, pois foram em
parte originadas por acadêmicos da ciência da computação. Assim sendo, o sistema de
peer-review ocorre desta forma: um programa é escrito e levado a apreciação. Uma vez
revisado e depurado, sendo sua qualidade atestada pelos pares, o software é entregue à
comunidade e seu autor recebe os créditos em sua reputação.
2.3.5.6 Motivações sócio-psicológicas das organizações
O movimento do software livre é freqüentemente visto sob uma ótica coletivista
e comunista. Bob Young, fundador da Red Hat, adaptou o manifesto comunista para
caracterizar o movimento: “de programadores de acordo com suas capacidades, para
usuários de acordo com suas necessidades”. (FELLER & FITZGERALD, 2002)
Os movimentos sociais normalmente precisam de um inimigo e a Microsoft tem
assumido o papel do anti-herói para a comunidade do software livre. A ideologia, neste
caso, é levada ao limite de se evitar o uso de produtos da Microsoft ou qualquer outro
software proprietário. Uma das premissas na criação da Free Software Foundation
reside na crença de que todo código-fonte deve estar disponível para qualquer um, como
pode ser visto nos termos da licença de distribuição do copyleft. Neste sentido, a FSF
tenta prover uma família completa de alternativas livres para pacotes comerciais,
mesmo depois do surgimento da Open Source Initiative que tentou desassociar o
movimento deste fundo ideológico.
Mais recentemente, o potencial do modelo de desenvolvimento do software livre
tem sido expandido para outras áreas. Cook (2001) argumenta que o modelo poderia ser
usado no desenvolvimento tradicional, distribuindo-se tarefas para todo o mundo
através da Internet, criando, assim, uma organização virtual de programadores.
Feller e Fitzgerald (2002) citam o exemplo do diretor do National Institute of
Health que deciciu ignorar os canais acadêmicos convencionais de peer-review e
publicar as pesquisas diretamente no website e, assim, torná-las disponíveis de forma
mais rápida para qualquer um que possa se beneficiar destas informações. A iniciativa
da Hewlett-Packard de criar o “Corporate Source” também pode ser referenciada ao
modelo do software livre. O CEO da empresa acredita que a empresa pode ser tornar
mais rentável distribuindo o conhecimento dos empregados internamente sem,
44
entretanto, comprometer a propriedade intelectual que poderia ser perdida caso a
informação fosse disseminada para fora da companhia.
2.4 Participação brasileira na comunidade
Nesta seção serão apresentados alguns projetos de software livre onde se pode
observar a participação de usuários e programadores brasileiros. Também é possível
ilustrar o papel da cada stakeholder: usuários, programadores, empresas e organizações.
2.4.1 Conectiva
O Conectiva Linux representa a versão brasileira do sistema operacional
GNU/Linux. Assim como outras empresas (Red Hat, Caldera, SuSE e TurboLinux, por
exemplo) que adotaram o modelo de negócio que consiste no fornecimento de
distribuições do programa, a Conectiva vende o sistema e outros pacotes que facilitam
sua operação por um preço módico e obtém suas receitas a partir de serviços agregados.
Atualmente, um funcionário da Conectiva, Marcelo Tossati, é o responsável pela
manutenção da versão estável (2.4) do kernel do Linux. Sua função é manter um fluxo
de inovações constante, mas sem modificar a estrutura básica do sistema.
A Conectiva foi fundada em 1995, tem sua matriz em Curitiba (PR), filiais nas
principais capitais do país e operações em vários países da América Latina. No ano de
2001 a receita da empresa totalizou R$ 8,5 milhões e o resultado foi negativo, embora o
montante não seja revelado. Segundo pesquisa da FGV8 somente 12% da base instalada
de servidores no Brasil rodava o sistema operacional Linux. A grande maioria utilizava
o sistema Windows da Microsoft. Nos microcomputadores desktop a diferença era ainda
mais evidente: 97% rodam Windows contra 2% de Linux e Unix juntos. A esta falta de
escala credita-se o resultado negativo da empresa, uma vez que não se cobra pela
licença de uso do software (RICO & ROSA, 2002). Globalmente, a fim de buscar o
ganho de escala necessários às operações, foi anunciado em 19 de novembro de 2002 o
lançamento do UnitedLinux, sistema operacional voltado para a certificação e
8 A pesquisa “Administração de Recursos de Informática” da FGV-EAESP indica o crescimento
do market share do Linux em servidores com 3% em 2000, 8% em 2001 e 12% em 2002. A 14ª edição da
pesquisa encontra-se disponível em http://www.fgvsp.br/academico/estudos/cia/pesquisa.
45
unificação das distribuições de Linux existentes. O grupo é formado por alguns líderes
da indústria: Conectiva, SCO Group, Suse e Turbolinux e tem o apoio da HP e IBM
(UNITEDLINUX, 2002).
2.4.2 OpenOffice.org.br
O OpenOffice.org é definido com um projeto de código aberto com a missão de
criar um pacote de ferramentas de automação de escritório que rode na maioria das
plataformas computacionais existentes (Windows e Linux, entre outras) através das
contribuições de uma comunidades de usuários e programadores. O pacote é compostos
por um processador de textos, uma planilha de cálculos, um editor HTML, um editor
vetorial e um editor de apresentações (OPENOFFICE.ORG, 2002).
A versão brasileira do OpenOffice.org é caracterizada como a "união de todos
projetos e subprojetos, vinculados direta ou indiretamente com a intenção de localizar e
auxiliar os usuários no Brasil". Entenda-se localizar como a tradução da interface dos
aplicativos. As seguintes tarefas são citadas como importantes para a comunidade
brasileira:
§ Localização do produto OpenOffice.org para o português do Brasil;
§ Produção de informações em português (home pages e documentação);
§ Compilação do pacote na versão mais recente;
§ Disponibilidade de mirrors para download das últimas versões do produto nas mais
diferentes plataformas;
§ Implementação e aperfeiçoamento de ferramentas lingüísticas para o Brasil
(dicionário e corretor ortográfico);
§ Publicidade para o OpenOffice.org no país.
2.4.3 Debian-br
O Debian é uma distribuição GNU/Linux que tem como característica principal
a universalidade, ou seja, o objetivo do projeto é produzir um sistema operacional de
caráter livre que possa ser usado em qualquer lugar do mundo por qualquer pessoa
(DEBIAN, 2003). O sistema é desenvolvido por mais de 500 voluntários ao redor do
mundo e conta com suporte a seis arquiteturas de hardware: Alpha, ARM, Intel x86,
Motorola 680x0, PowerPC e Sparc. Uma das caraterísticas mais distintas do Debian é o
46
programa APT, uma ferramenta utilizada na administração de pacotes, sendo seu
objetivo facilitar a instalação, remoção e atualização dos mesmos. Quando um usuário
inicia a instalação de um novo pacote, a ferramenta automaticamente instala e atualiza
os outros softwares necessários para seu correto funcionamento.
No Brasil, a principal função dos desenvolvedores é localizar o Debian, ou seja,
traduzir as interfaces dos programas e a documentação existente. Alguns exemplos dos
projetos brasileiros são: tradução das descrições de pacotes, das páginas web do Debian,
dos manuais de pacotes específicos da distribuição, da documentação e dos arquivos
utilizados no processo de instalação.
2.4.4 Kurumin
O Kurumin Linux é uma distribuição brasileira do sistema operacional baseada
no Knoppix (que, por sua vez, é baseada no Debian). Como principais características
destacam-se o tamanho pequeno da distribuição, pois são 185 Mb que cabem em um
mini-CD de 80mm, e a possibilidade de inicialização diretamente do CD-ROM, sem
que nenhuma informação seja gravada nos discos do computador.
O objetivo do sistema é ser uma distribuição para uso em desktops, fácil de usar
e instalar e que tenha suporte a modems e multimídia. A distribuição está traduzida para
o português do Brasil e inclui apenas um programa para cada tarefa, sem compiladores
nem servidores. Por isso, sendo o Kurumin uma das distribuições mais leves disponíveis
hoje em dia é possível instalá-lo até mesmo em micros antigos, permitindo rodá-lo de
forma aceitável em Pentium 100 com 32 MB.
Questionado se já não existem muitas distribuições do Linux, o autor afirmou
que o Kurumin pode ser encarado como uma distribuição especializada e cita algumas
aplicações:
"Imagine que você tenha um site e você resolve vender um CD com algumas
matérias do site e um conjunto de programas. Não seria interessante que este
CD também fosse bootável, para que pudesse ser usado também como um disco
de recuperação? (...) Existem inúmeras outras aplicações. Uma loja pode usá-
lo em kiosques para oferecer acesso à web [ou a] algum sistema de consulta de
preços e informações. (...) Com o Kurumin fica muito mais fácil e barato, pois o
sistema roda direto do CD, não pega vírus, não precisa ser reinstalado. Você
não precisa se preocupar com o que as crianças estão fazendo no Kiosque,
47
qualquer problema é só reiniciar. Uma loja que vende micros usados, daquele
tipo que vem sem sistema operacional e com três meses de garantia poderia
fornecer o CD do Kurumin junto com os micros para mostrar que eles estão
funcionando e permitir que o cliente possa usar o micro mesmo antes de ter
tempo de instalar o sistema operacional definitivo. " (MORIMOTO, 2002)
2.4.5 CIPSGA
O Comitê de Incentivo a Produção de Software GNU e Alternativo pode ser
considerado um representante das organizações que suportam o desenvolvimento do
software livre. Foi criado em 1999 por Djalma Valois, um profissional oriundo da
informática, que através de sua funções sindicais sempre esteve ligado à regulamentação
da profissão, à Lei de Informática e outras questões políticas.
O objetivo do comitê é disseminar as idéias, os conceitos e principalmente a
filosofia do software livre que, em uma linha semelhante a de Richard Stallman, se
"esforça em fazer a diferenciação entre a característica de um software ser gratuito e
aberto, e o direito à liberdade, solidariedade e companheirismo". O comitê tem como
principal enfoque a atuação junto a empresas públicas, mostrando através de palestras as
possibilidades do software livre, o que normalmente acarreta um acordo de cooperação
mútua entre o CIPSGA e as empresas. (CIPSGA, 2000)
2.4.6 Projeto Software Livre RS
Também na linha de organizações que apoiam e fomentam a utilização de
alternativas livres encontra-se o Projeto Software Livre RS. Trata-se de uma
organização não governamental que reúne diversas instituições públicas e privadas do
Estado do Rio Grande do Sul: poder público, universidades, empresários, grupos de
usuários, desenvolvedores e ONGs.
O principal objetivo do Projeto é "a promoção do uso e do desenvolvimento de
software livre como uma alternativa econômica e tecnológica. Estimulando o uso de
software livre, o projeto investe na produção e qualificação do conhecimento local a
partir de um novo paradigma de desenvolvimento sustentado e de uma nova postura,
que insere a questão tecnológica no contexto da construção de mundo com inclusão
social e igualdade de acesso aos avanços tecnológicos". (PROJETO, 2003)
48
Iniciado em 2000, o Projeto organiza anualmente o Fórum Internacional de
Software Livre na cidade de Porto Alegre e atualmente é um dos principais
articuladores da criação do Projeto Software Livre Brasil, cuja função será impulsionar
o software livre através da reunião de diferentes níveis de governo, entidades públicas e
privadas, empresas, universidades, programadores e usuários. Segundo Marcelo Branco,
um dos coordenadores do PSL RS, o Brasil gasta mais de US$ 1 bilhão por ano em
pagamento de royalties, montante que poderia ser destinado, por exemplo, à área social.
49
3 Metodologia do Estudo
3.1 Tipo de Pesquisa
O critério de classificação proposto por Vergara (1997), segundo o qual uma
pesquisa pode ser caracterizada quanto aos seus fins e quanto aos seus meios, foi
utilizado para definir a tipologia deste estudo.
Quanto aos fins, tem caráter descritivo, uma vez que pretende identificar quais
são as motivações que levam usuários e desenvolvedores a participarem de projetos de
software livre.
Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, telematizada e de
campo. Bibliográfica porque foi feita uma revisão da literatura existente sobre a
evolução do conceito do software livre, além de estudos já realizados sobre a motivação
de empresas, organizações e indivíduos. O objetivo da pesquisa bibliográfica foi
identificar variáveis e modelos a serem utilizados no estudo.
Como se trata de um assunto que somente agora começa a ganhar o foco da
academia e da mídia em geral, e está diretamente ligado à utilização de computadores,
muito material ainda não foi publicado, mas está disponível na Internet. Assim sendo,
também é possível caracterizar esta pesquisa como telematizada.
Por fim, este trabalho também pode ser classificado como um pesquisa de campo
por ter utilizado questionários com o objetivo de levantar as informações necessárias
para definir o perfil dos indivíduos.
3.2 Universo e a amostra
O universo da pesquisa foi definido como usuários-desenvolvedores de software
livre residentes no Brasil.
Segundo a classificação sugerida por Vergara (1997), a seleção dos sujeitos
pesquisados foi feita através de um processo de amostragem não probabilística por
acessibilidade que "seleciona elementos pela facilidade de acesso a eles".
Apesar das limitações deste tipo de amostragem no que se refere a
generalizações para o universo estudado, deve-se utilizá-lo principalmente em função
50
do custo envolvido na coleta de dados de uma população selecionada aleatoriamente ou
quando não se tem acesso a listas completas da população.
A amostra final foi composta por 102 respondentes que foram escolhidos através
de buscas nas listas de discussão do Conectiva Linux, do Debian-br, da versão brasileira
do OpenOffice.org, do Kurumin, além de usuários/desenvolvedores da UERJ, Unicamp
e ALERJ. No caso do Conectiva Linux, os endereços de e-mail dos respondentes foram
obtidos através do histórico da lista de discussão sobre segurança. Foram utilizados os
arquivos dos meses de maio, junho e julho de 2003 e somente foram escolhidos os
indivíduos que postaram mais de duas mensagens. Procedimento semelhante foi
utilizado para os usuários/desenvolvedores do Debian-br e do OpenOffice.org. No caso
do Kurumin, o arquivo de mensagens não estava classificado por mês, mas era possível
ordenar os usuários pela quantidade de mensagens trocadas. Nem todos os usuários
oferecem um endereço de e-mail para contato e, dentre os disponíveis, foram escolhidos
aqueles com mais de 10 mensagens enviadas. O restante da amostra foi selecionado por
sua facilidade de acesso.
3.3 Coleta de dados
A coleta de dados referentes a pesquisa de campo foi realizada através da
aplicação de questionários on-line, ou seja, preenchidos na própria web. Os
respondentes foram contatados através de um e-mail que continha um link para o
endereço eletrônico onde se encontrava o questionário on-line.
A aplicação de questionários vem se democratizando através do uso de pesquisas
na Internet. As habilidades necessárias para se produzir um questionário na web estão
amplamente difundidas e qualquer pessoa, além de empresas, universidades e
organizações governamentais, tem acesso a ferramentas que permitem a construções de
sites com pesquisas. Estas habilidades são diferentes daquelas necessárias à construção
de outros tipos de pesquisas, pois foca-se mais em tópicos de programação e design de
home pages do que na metodologia tradicional de pesquisas.
Gunn (2002) afirma que não existe outro método de coleta de dados de
questionários que ofereça tanto potencial por um custo tão pequeno. Outras vantagens
das pesquisas na Internet também são citadas: taxa de resposta rápida; facilidade de
processamento dos dados, pois pode ser feito o download das respostas diretamente para
51
planilhas, banco de dados ou pacotes estatísticos; capacidade de validação de erros no
preenchimento; possibilidade de ordenar as perguntas de forma aleatória; inclusão de
instruções pop-up para determinadas perguntas; tornar mais fácil o fluxo entre perguntas
do tipo "caso sua resposta seja não, vá para a pergunta X".
Zanutto (2001) ressalta, porém, que algumas questões devem ser avaliadas
cuidadosamente na utilização de questionários na Internet. Os questionários podem não
ter a mesma aparência em diferentes navegadores ou monitores. Assim sendo, os
respondentes podem ter visões diferentes de uma mesma pergunta ou podem estar
recebendo estímulos visuais diferentes. Estas pessoas também podem ter níveis distintos
de experiência com computadores, o que pode acarretar erros nas respostas ou, até
mesmo, que as perguntas não sejam respondidas. Por fim, existe a questão da
privacidade. Há informações que podem ser coletadas sobre os respondentes sem seu
conhecimento ou consentimento. É possível determinar, por exemplo, a data e hora em
que o questionário foi respondido, quanto tempo foi gasto em cada pergunta, qual o
browser utilizado e o endereço IP do computador do respondente. Embora os
participantes possam ter preocupações com sua privacidade, as informações coletadas
podem ser extremamente úteis ao pesquisador.
A autora também apresenta algumas instruções para o desenho de pesquisas na
Internet que incluem a utilização de uma carta de apresentação e a simplificação do
questionário, que no máximo deve levar 20 minutos para ser respondido. Além disso,
deve-se informar a previsão do tempo para conclusão do mesmo e garantir que a
primeira pergunta seja interessante, fácil de responder e intimamente relacionada com o
assunto da pesquisa.
O questionário foi colocado no web hosting gratuito Tripod/Lycos no endereço
http://members.lycos.co.uk/softlivre e pode ser visualizado no Anexo A. Para sua
confecção foram usadas as ferramentas livres PHP e o banco de dados MySQL.
O primeiro bloco do questionário foi composto pelos dados demográficos dos
respondentes e uma pergunta que buscou o posicionamento sobre qual termo caracteriza
melhor o movimento – Open Source Software ou Free Software.
No segundo bloco encontram-se perguntas com escalas de Likert de 5 pontos
(discordo plenamente até concordo plenamente) onde se buscou identificar quais fatores
levam estes indivíduos a usar e desenvolver softwares livres. Seguindo a estrutura
52
definida por Feller & Fitzgerald (2002), as perguntas foram formuladas com a intenção
de caracterizar as três grandes áreas motivacionais existentes na teoria. Um resumo é
mostrado a seguir:
§ Motivações tecnológicas: representadas pela perguntas 10, 12, 14, e 25;
§ Motivações econômicas: perguntas 17, 19, 22, 23, 24 e 26;
§ Motivações sócio-psicológicas: é o maior grupo, composto pelas perguntas 11, 13,
15, 16, 18, 20, 21 e 27.
3.4 Análise dos dados
Os dados coletados através do questionário foram importados para o pacote
estatístico SPSS, onde foram realizadas as análises. Foi criada uma página on-line onde
era possível acompanhar o andamento do preenchimento dos questionários e que listava
as respostas em um formato específico para importação do SPSS.
Em um primeiro momento foi realizada a análise descritiva dos dados
demográficos e uma análise de correspondência entre as variáveis demográficas, a fim
de se obter uma representação gráfica dos grupos existentes na amostra.
Em seguida, foi realizada a análise descritiva dos itens componentes das
variáveis motivacionais. Ao se usar uma escala de Likert para as perguntas sobre as
motivações dos respondentes, convencionou-se que as respostas “Discordo Plenamente”
seriam codificadas como 1, “Discordo um pouco” como 2, “Sou indiferente” como 3,
“Concordo um pouco” como 4 e, finalmente, “Concordo Plenamente” como 5.
O objetivo final da análise era buscar grupos pessoas que tivessem distintas
motivações, como é afirmado na teoria sobre os fatores que levam usuários e
desenvolvedores a adotarem softwares livres. Antes de efetuar a análise de clusters para
obter esses grupos, foi feita uma análise fatorial sobre as variáveis motivacionais para
se reduzir o número de itens de estudo e identificar as dimensões latentes das variáveis.
3.5 Limitações
As deficiências deste estudo estão relacionadas principalmente à etapa de coleta
de dados. Uma vez que a base amostral não foi probabilística, é possível dizer que ela
não representou por completo o universo de usuário e desenvolvedores de software
livre.
53
Apesar de ter sido testado em diversos navegadores, a aparência do questionário
dependia da configuração do modo de vídeo de cada respondente. Assim sendo, vídeos
com resolução baixa poderiam dificultar a leitura das perguntas. Além disso, o web
hosting, apesar de gratuito, colocava automaticamente um frame com propaganda no
lado direito do questionário quando a página era acessada pela primeira vez, o que
também dificultava sua leitura. Dependendo do navegador e do provedor do
respondente, este frame não era exibido.
A própria formulação do questionário pode ter produzido alguma distorção
quanto ao entendimento das questões, apesar da preocupação em se efetuar pré-testes.
Mesmo assim, não se pode garantir a ausência de erros de interpretação, embora tenha
se buscado minimizá-los.
54
4 Resultados
Este capítulo apresenta os resultados obtidos com a análise dos dados obtidos na
aplicação do questionário. Primeiro é apresentada a análise descritiva dos respondentes
e, posteriormente, a análise dos fatores motivacionais destas pessoas.
4.1 Análise descritiva dos respondentes
Foram enviados 164 e-mails informando o link para o questionário e convidando
as pessoas a respondê-lo. Deste total, houve erro no envio de seis e-mails, pois os
endereços estavam desativados. O número total de questionários respondidos foi igual a
102, o que representa uma taxa de retorno de 64,6%. Este valor não pode ser
considerado definitivo, pois não havia restrição ao preenchimento do questionário
(através de uma senha, por exemplo). Assim sendo, um respondente poderia repassar o
link com o questionário para algum conhecido, o que altera o cálculo da taxa de retorno.
A amostra é composta por 97% (N=99) de homens e 3% (N=3) de mulheres, o
que mostra o predomínio masculino na comunidade hacker. Quanto a idade dos
respondentes, temos 40% entre 16 e 25 anos e outros 40% entre 25 e 35 anos. Ainda
tivemos 2% com idade inferior a 16 anos e o restante (18%) acima dos 35 anos. Estas
informações podem ser visualizadas no gráfico a seguir. Para fins das análises
subseqüentes, os dois indivíduos com menos de 16 anos foram incorporados ao grupo
com idade entre 16 e 25 anos. Em relação ao tempo em que estas pessoas têm contato
com qualquer software livre, 15% responderam que usam ou desenvolvem há menos de
um ano, 34% entre um e três e a maioria (51%) há mais de 3 anos, o que é um indício de
que a adoção do software livre no Brasil não é recente.
Gráfico 1: Idade da amostra e anos de utilização de software livre
Idade da Amostra
2%
40%
40%
18% <16
16-25
25-35
>35
Anos de uso
15%
34%51%
T < 1
T 1-3
T > 3
55
Quanto à profissão dos respondentes, o questionário apresentou uma deficiência
para representar de forma eficiente todas as categorias. Foi verificado que quase 30%
dos indivíduos (N=30) responderam a opção “Outra”. Nestes casos, era obrigatório
informar qual seria a profissão e, de posse desta informação, foram codificadas três
novas categorias profissionais: funcionários de empresas de economia mista, autônomos
e empresários. O gráfico 2 exibe a distribuição destas categorias, onde pode ser vista a
predominância de funcionários da iniciativa privada, funcionários públicos e estudantes.
Gráfico 2: Profissão da amostra
A função que cada indivíduo desempenhava dentro da Comunidade do software
livre também possuía uma resposta “Outra” para aqueles que não se enquadrassem nas
categorias Interessado, Usuário, Programador/Analista ou Administador de sistemas.
Apesar de pouco utilizado, o campo livre para detalhamento da função “Outra” serviu
para que alguns indivíduos expressassem suas idéias. Algumas respostas que merecem
destaque foram “usuário, administrador, analista e muito interessado”, “Interessado,
usuário e futuro desenvolvedor”, “Evangelizador” e “amador (que faz algo por amor)”.
O grupo de Usuários apresentou o maior percentual entre os indivíduos (34%),
seguido pelos Administradores (30%) e Programadores (28%). Apenas 7% dos
respondentes incluíram-se na categoria Interessados. O gráfico a seguir resume estas
informações.
Profissão da amostra
Profissão
EmpresárioAutônomoMistaPrivadaPúblicoEstudante
Per
cent
ual
30
25
20
15
10
5
0
56
Gráfico 3: Função desempenhada por cada indivíduo
Quando ao local de utilização do software livre, a grande maioria dos indivíduos
(67%) respondeu que o utiliza tanto em casa quanto no trabalho. Apenas 21 indivíduos
(21%) utilizam os programas somente em casa e os 17 restantes (que correspondem a
17% da amostra) somente no trabalho.
Gráfico 4: Local de utilização
Funções desempenhadas
Função
AdmUsuPrgInt
Per
cent
ual
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Local de utilização
Onde
AmbTrabCasa
Per
cent
ual
70
60
50
40
30
20
10
0
57
Por fim, foi solicitado aos respondentes que escolhessem qual termo definiria
melhor o movimento. Para 56% da amostra, o termo Open Source Software é o mais
adequado, enquanto o restante (44%) considera o termo Free Software mais indicado
para definir o movimento.
Para tornar mais clara e fácil a análise dos dados dos participantes da pesquisa, a
técnica de análise de correspondência (também conhecida como análise de
homogeneidade) foi empregada sobre as variáveis demográficas. Este tipo de análise
facilita a redução de dimensões e permite o mapeamento perceptual. É importante
ressaltar que um modelo é extraído a partir da amostra selecionada e não vice-versa. Ou
seja, a análise de correspondência é uma técnica que deve ser utilizada em análises
descritivas ou exploratórias (STATISTICA, 2000).
Gráfico 5: Análise de correspondência entre idade, local, tempo, função e profissão
A distância entre os pontos de categorias distintas não possui significado
estatístico. Somente deve ser considerada para análise a distância dos pontos em relação
à origem. Foram consideradas os três primeiros fatores extraídos pela análise. Partindo
do quadrante inferior direito é possível determinar algumas características da amostra.
58
Aqueles que se definiram como usuários já utilizam o software livre há mais de
um ano (e menos de três) e fazem-no normalmente em casa. Por outro lado, aqueles que
se auto-intitularam interessados têm uma tendência a utilizar o software livre no
trabalho e há menos de um ano. Funcionários públicos ou aqueles que trabalham em
empresas de economia mista são os mais velhos (as duas categorias de maior idade – 26
a 35 e maiores de 35 anos -estão neste quadrante).
Administradores de sistemas utilizam o software livre tanto em casa quanto no
trabalho e são aqueles que o fazem há mais tempo (mais de três anos). Neste quadrante
também se encontram empresários e autônomos. Finalmente, no quadrante superior
direito frontal, temos os indivíduos mais novos (com idade entre 16 e 25 anos) que
ainda são estudantes e tendem a ser programadores.
4.2 Análise das variáveis motivacionais
A tabela 1 a seguir exibe o posicionamento dos usuários e desenvolvedores de
software livre em relação aos fatores motivacionais apresentados no questionário. As
estatísticas descritivas são listadas para cada uma das respostas possíveis: 1 – Discordo
plenamente, 2 – Discordo um pouco, 3 – Sou indiferente, 4 – Concordo um pouco e 5 –
Concordo plenamente.
1 (%)
2 (%)
3 (%)
4 (%)
5 (%) Média D.P.
P10 Confiabilidade, segurança e estabilidade 4 13 15 29 39 3,87 1,18
P11 Informação deve ser livre 10 7 12 22 49 3,94 1,33
P12 Possibilidade de adaptação 4 6 11 17 62 4,28 1,12
P13 Retribuição de ajuda 5 2 15 17 61 4,28 1,10
P14 Trabalhar com tecnologia de ponta 2 6 15 34 43 4,11 0,99
P15 Usar/desenvolver é diversão 4 5 16 21 54 4,18 1,11
P16 Ganhar reputação através de contribuições 10 3 30 23 34 3,69 1,25
P17 Melhorar a empregabilidade 6 5 25 28 36 3,83 1,15
P18 Contra o monopólio da Microsoft 5 2 14 12 67 4,35 1,10
P19 Receber pagamento para usar/desenvolver 43 9 22 8 18 2,48 1,53
P20 Ajudar, mesmo com sacrifício 3 8 16 36 37 3,97 1,06
59
1 (%)
2 (%)
3 (%)
4 (%)
5 (%)
Média D.P.
P21 Auto-realização, melhor de si 3 6 19 27 45 4,06 1,07
P22 Obrigação em usar/desenvolver 76 7 9 6 2 1,50 1,01
P23 Usar/desenvolver nas horas vagas 11 6 23 31 29 3,63 1,27
P24 Custo baixo comparado com benefícios 7 9 19 25 40 3,83 1,24
P25 Aumentar conhecimentos em computação 1 0 5 19 75 4,68 0,66
P26 Vender produtos ou serviços 18 1 28 22 31 3,48 1,41
P27 Orgulho em fazer parte da comunidade 4 0 19 8 69 4,39 1,05
Tabela 1: Estatísticas descritivas dos fatores motivacionais
Os fatores tecnológicos (perguntas 10, 12, 14 e 25) tiveram um padrão de
respostas semelhantes, onde a maioria dos usuários e desenvolvedores tende a concordar
com os benefícios pessoais da adoção do software livre9. O resultado mais expressivo
ficou com a pergunta 25, onde 94% dos respondentes concordam em alguma
intensidade que utilizar ou desenvolver software livre acarreta um aumento em seus
conhecimentos em computação. Estas respostas também tiveram o menor desvio padrão
(0,66). De forma semelhante, a maioria concorda que têm contato com uma tecnologia
de ponta e destaca a possibilidade de adaptar o software livre às suas necessidades. As
respostas à pergunta 10 mostram o posicionamento conflitante em relação a
confiabilidade, segurança e estabilidade dos softwares livres: 68% associam estes
quesitos de qualidade ao software livre, enquanto 17% não acreditam que ele seja
melhor do que os similares proprietários.
Os fatores econômicos foram representados pelas perguntas 17, 19, 22, 23, 24 e
26. Grande parte dos respondentes concorda que o custo de oportunidade em usar ou
desenvolver software livre é baixo quando comparado com os possíveis benefícios.
Também acredita-se (64% dos indivíduos) que é possível obter um emprego melhor
através da adoção do software livre.
9 O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado a todas as variáveis e os resultados obtidos
demostram que provavelmente são oriundas de uma distribuição normal (p<0,001 para todas com exceção
da P16 – p=0,001 – e da P26 – p=0,003).
60
Um resultado que parece contraditório é que 43% da amostra definitivamente
não recebe pagamento para usar ou desenvolver programas, enquanto 26% dos
respondentes afirmaram que recebem algum tipo de contrapartida monetária. Entretanto,
somente oito indivíduos (8% da amostra) indicaram que desenvolvem ou usam software
livre porque são obrigados. Uma explicação para este resultado é que pode ser
considerado socialmente incorreto ser obrigado a participar de projetos de software
livre. Ou ainda, mesmo que obrigado, o indivíduo tem satisfação ou outra motivação
intrínseca que compense este fato. Também é interessante notar que 53% dos usuários e
desenvolvedores pretendem vender produtos ou serviços relacionados ao software livre,
enquanto 28% da amostra é indiferente a este fato.
Os fatores sócio-psicológicos estão representados pelas perguntas 11, 13, 15, 16,
18, 20, 21 e 27. De forma similar às respostas dos fatores tecnológicos, os indivíduos
tiveram um padrão semelhante, com a maioria dos usuários e desenvolvedores tendendo
a concordar com as assertivas do questionário. Assim sendo, 49% da amostra acredita
que a informação deva ser livre e 67% consideram que a Microsoft detém um
monopólio e são absolutamente contra este fato.
A identificação com a comunidade é grande, sendo representada pelos 77% de
respondentes que sentem orgulho de sua participação. Outro ponto que reforça este fato
é o suporte a outros usuários em retribuição à ajuda que foi recebida anteriormente e
também a prestação de ajuda mesmo que isto represente um sacrifício (perguntas 13 e
20 respectivamente).
Usar ou desenvolver software livre também é considerado pelas pessoas uma
diversão e também é possível dizer que muitos estão dando o melhor de si (auto-
realização) quando participam dos projetos. A questão da reputação dentro da
comunidade também tende a ser importante para grande parte dos indivíduos, porém
30% do total é indiferente aos ganhos de reputação que podem ser auferidos pelas
contribuições de melhorias no código ou pela ajuda a outros usuários.
O gráfico a seguir resume a percepção dos pesquisados relação ao software livre
e os fatores que os motivam a desenvolver e utilizar os programas.
61
Gráfico 6: Motivações de usuários e desenvolvedores
4.3 Identificação dos grupos
De forma genérica, houve um alinhamento entre as respostas dos usuários e
desenvolvedores e os aspectos tecnológicos, econômicos e sócio-psicológicos
encontrados da teoria. É possível dizer que várias pessoas utilizam o software livre
porque têm a oportunidade de melhorar seus conhecimentos em computação e porque é
possível customizá-lo para que atenda alguma necessidade específica. O custo de
oportunidade é baixo, as horas vagas são utilizadas para aprender mais sobre o tema e
existe a expectativa de se obter melhores empregos. Há forte identificação com a
comunidade, refletindo-se na ajuda mútua ente usuários e desenvolvedores, e ainda é
possível se divertir. Porém, existem alguns indícios de que estas pessoas não formam
um grupo homogêneo e que motivações distintas possam estar associadas a
determinados grupos.
4.3.1 Análise fatorial
A fim de se reduzir o número de variáveis do estudo referentes às motivações foi
utilizada a técnica de análise fatorial. Ao final foram extraídas seis dimensões latentes e
a propriedade de seu emprego foi verificada através da Medida de Adequação da
Amostra (MSA de Kaiser-Meyer-Olkin) e de Esfericidade de Bartlett.
94
79
79
78
77
77
75
73
72
71
68
65
64
60
57
53
26
8
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Aumentar conhecimentos em computação
Contra o monopólio da Microsoft
Possibilidade de adaptação
Retribuição de ajuda
Orgulho em fazer parte da comunidade
Trabalhar com tecnologia de ponta
Usar/desenvolver é diversão
Ajudar, mesmo com sacrifício
Auto-realização, melhor de si
Informação deve ser livre
Confiabilidade, segurança e estabilidade
Custo baixo comparado com benefícios
Melhorar a empregabilidade
Usar/desenvolver nas horas vagas
Ganhar reputação através de contribuições
Vender produtos ou serviços
Receber pagamento para usar/desenvolver
Obrigação em usar/desenvolver
Concorda Indiferente Discorda
62
Valores de MSA entre 0,8 e 0,9 são considerados bons, enquanto valores
menores do que 0,5 são inaceitáveis (SAS, 1999). A aplicação da análise fatorial na
amostra resultou em um MSA igual a 0,789 que está bastante próximo do limite
desejável. O teste de Esfericidade de Bartlett foi significativo a p < 0,001, o que indica a
adequação do resultado obtido.
Componentes Autovalores % Variância Acumulado
1 5,4656 30,36 30,36
2 1,9430 10,79 41,16
3 1,3449 7,47 48,63
4 1,1926 6,63 55,26
5 1,1300 6,28 61,53
6 0,9414 5,23 66,76
7 0,8290 4,61 71,37
8 0,7812 4,34 75,71
9 0,6432 3,57 79,28
10 0,6136 3,41 82,69
11 0,5543 3,08 85,77
12 0,5456 3,03 88,80
13 0,4712 2,62 91,42
14 0,4143 2,30 93,72
15 0,3715 2,06 95,78
16 0,2913 1,62 97,40
17 0,2703 1,50 98,90
18 0,1972 1,10 100,00
Tabela 2: Autovalores da análise fatorial
Determinar o número de autovalores a extrair não é uma tarefa direta, uma vez
que esta decisão é bastante subjetiva. Os critérios mais utilizados são: a regra de
Kaiser-Guttman, o percentual de variância explicado e o teste do “cotovelo” (scree test).
A regra de Kaiser-Guttman diz que somente devem ser utilizados fatores cujos
autovalores apresentam valores maiores do que um, uma vez que o fator deve ter
variância no mínimo igual ao valor normalizado original da variável (1). Outra forma de
se determinar o número de fatores é fixar um limite de corte para o percentual de
variância comum. Um valor usualmente citado é 75%. Algumas vezes também é
utilizado o gráfico de autovalores versus os fatores para se ter uma visão do número
63
máximo de fatores a extrair. Esta curva tende a cair rapidamente nos primeiros
autovalores até que a taxa de declínio se torne praticamente constante. O ponto da curva
onde há um “cotovelo” indica o número máximo de fatores a extrair. Porém, em alguns
casos este gráfico não oferece uma boa indicação. (ACITS, 1997).
Vale lembrar que deve ser levado em conta a capacidade de interpretação dos
fatores quando da sua extração. Quanto mais fatores forem usados, menor será a
correlação residual. Todavia, a interpretação dos fatores pode ser tornar pouco trivial.
No presente estudo foi utilizada inicialmente regra de Kaiser-Guttman para definição do
número de fatores. Como o sexto fator está bem próximo de 1 e contribui com mais de
5% da variância total, também foi incluído nas análises subseqüentes.
Gráfico 7: Scree Plot dos autovalores
Após a extração dos seis fatores, foi aplicada a rotação ortogonal VARIMAX
para permitir uma melhor visualização dos mesmos. A tabela 3 apresenta as correlações
de fatores com as variáveis. Somente são exibidas cargas com valores absolutos maiores
do que 0,3. Com o resultado obtido, os novos fatores foram interpretados e nomeados da
seguinte forma:
(1) Este fator tem predominância de motivações tecnológicas, com cargas nos
itens “confiabilidade, segurança e estabilidade”, “possibilidade de
adaptação”, “trabalhar com tecnologia de ponta” e “aumentar conhecimentos
Scree Plot
Componente
181716151413121110987654321
Aut
oval
or
6
5
4
3
2
1
0
64
em computação”, além de “informação deve ser livre”. Ele foi nomeado
como Aprendizado.
1 2 3 4 5 6
P10 Confiabilidade, segurança e estabilidade 0,396 0,586
P11 Informação deve ser livre 0,691 0,333
P12 Possibilidade de adaptação 0,679
P13 Retribuição de ajuda 0,559 0,320
P14 Trabalhar com tecnologia de ponta 0,817
P15 Usar/desenvolver é diversão 0,453 0,660
P16 Ganhar reputação através de contribuições 0,742
P17 Melhorar a empregabilidade 0,733
P18 Contra o monopólio da Microsoft 0,690 0,447
P19 Receber pagamento para usar/desenvolver 0,721 0,409
P20 Ajudar, mesmo com sacrifício 0,867
P21 Auto-realização, melhor de si 0,370 0,542 0,334
P22 Obrigação em usar/desenvolver -0,434 -0,661
P23 Usar/desenvolver nas horas vagas 0,707
P24 Custo baixo comparado com benefícios 0,753
P25 Aumentar conhecimentos em computação 0,448 0,574
P26 Vender produtos ou serviços 0,795
P27 Orgulho em fazer parte da comunidade 0,602 0,382
Tabela 3: Correlação entre os fatores e as variáveis motivacionais
(2) O segundo fator é marcado por motivações psicológicas e econômicas, onde
se destacam “usar/desenvolver é diversão”, “auto-realização”, “em horas
vagas”, “baixo custo de oportunidade”, “orgulho em fazer parte da
comunidade” e uma carga negativa em “obrigação em usar/desenvolver”. Foi
nomeado como Hobby.
(3) Este fator está dividido entre motivações tecnológicas (Confiabilidade e
Aumentar conhecimentos) e psicológicas (Contra o monopólio, auto-
realização e orgulho em fazer parte da comunidade). Também há carga
negativa na “obrigação em usar/desenvolver”. O nome escolhido para este
fator foi Ideologia.
65
(4) O quarto fator possui motivações econômicas e psicológicas. É o único com
cargas positivas em “ganhar reputação” e “melhorar a empregabilidade”.
Ainda aparece a variável “contra o monopólio” e é interessante notar a carga
em “ informação deve ser livre”. Ele recebeu o nome de Reputação.
(5) O quinto fator possui altas cargas em motivações econômicas. É o único
onde aparece a variável “vender produtos ou serviços” e ainda contém os
itens “receber pagamento” e “auto-realização”. Ele foi nomeado como
Lucro.
(6) Por fim, o último fator é composto somente pelas variáveis “ajudar, mesmo
com sacrifício” e “receber pagamento”. Está relacionado com algum suporte
técnico ou ajuda profissional. Recebeu o nome de Suporte.
4.3.2 Análise de Clusters
Para determinação dos grupos de usuários e desenvolvedores foi utilizada a
Análise de Clusters através da função CLUSTER do pacote estatístico SPSS com o
método Ward. A escolha do número de clusters pode ser feita através da análise do
dendrograma obtido ao final da análise, conforme pode ser visto no gráfico 8.
O dendrograma (ou árvore) é a representação visual de uma análise hierárquica
de clusters onde se mostra como as observações foram sendo agrupadas ao longo do
processamento. No dendrograma gerado pelo SPSS, a distância inter-clusters é
recalculada para valores entre 0 e 25, preservando-se a razão original. A análise deste
gráfico levou à identificação de três grupos distintos de usuários e desenvolvedores de
software livre. O primeiro cluster é composto por 24 observações, o segundo por 54 e o
terceiro também contém 24 observações.
66
Gráfico 8: Dendrograma utilizando o método Ward
Distância entre clusters C A S O 0 5 10 15 20 25 Num +---------+---------+---------+---------+---------+ 71 òø 96 òú 48 òú 40 òôòòòòòòòø 25 ò÷ ó 18 òûòø ó 69 ò÷ ó ó 79 òø ùòø ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòø 97 òú ó ó ó ó 55 òôò÷ ó ó ó 95 ò÷ ó ó ó 52 òø ó ó ó 58 òú ùòòò÷ ó 64 òôòòòú ó 77 òú ó ó 81 òú ó ó 61 òú ó ó 89 ò÷ ó ó 98 òø ó ùòø 99 òú ó ó ó 47 òú ó ó ó 75 òôòø ó ó ó 68 ò÷ ùò÷ ó ó 10 òø ó ó ó 44 òôò÷ ó ó 4 òú ó ó 86 òú ó ó 6 ò÷ ó ó 88 òûòòòø ó ó 102 ò÷ ó ó ó 3 òûòø ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòò÷ ùòòòòòòòòòø 65 ò÷ ó ó ó ó 62 òø ùò÷ ó ó 82 òú ó ó ó 84 òôò÷ ó ó 45 ò÷ ó ó 16 òûòø ó ó 31 ò÷ ùòòòø ó ó 32 òòòú ó ó ó 53 òòò÷ ùòòòòòø ó ó 11 òûòòòø ó ó ó ó 30 ò÷ ùò÷ ó ó ó 51 òòòòò÷ ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòò÷ ó 70 òø ó ó 101 òôòòòòòø ó ó 7 òú ó ó ó 50 ò÷ ùòòòòò÷ ó 26 òø ó ó 28 òôòø ó ùòòòòòø 24 ò÷ ùòòò÷ ó ó 34 òø ó ó ó
67
Distância entre clusters C A S O 0 5 10 15 20 25 Num +---------+---------+---------+---------+---------+ 73 òôò÷ ó ó 2 òú ó ó 13 ò÷ ó ó 72 òø ó ó 78 òôòø ó ó 27 ò÷ ùòòòø ó ó 43 òòò÷ ó ó ó 63 òø ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòø ó ó 67 òôòòòòòú ó ó ó 54 ò÷ ó ó ó ó 9 òûòø ó ó ó ó 56 ò÷ ùòø ó ó ó ó 92 òòò÷ ùò÷ ó ó ó 74 òûòø ó ó ó ó 100 ò÷ ùò÷ ó ó ó 36 òø ó ùò÷ ó 83 òôò÷ ó ó 5 òú ó ó 46 ò÷ ó ó 17 òòòûòòòø ó ó 35 òòò÷ ùòòòø ó ó 19 òòòòòòò÷ ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòø ó ó 23 òòòòòòòòòòò÷ ó ó ó 91 òûòòòø ùòòòòò÷ ó 93 ò÷ ùòòòòòòòø ó ó 22 òòòòò÷ ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòò÷ ó 76 òòòòòòòòòòòòò÷ ó 20 òø ó 94 òôòòòø ó 14 ò÷ ùòòòø ó 29 òûòø ó ó ó 85 ò÷ ùò÷ ó ó 38 òø ó ó ó 57 òôò÷ ùòòòòòòòòòòòòòòòø ó 39 ò÷ ó ó ó 21 òûòòòòòø ó ó ó 33 ò÷ ó ó ó ó 15 òø ùò÷ ó ó 90 òôòø ó ó ó 66 ò÷ ùòòò÷ ùòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòòò÷ 37 òòò÷ ó 8 òø ó 49 òôòø ó 12 ò÷ ùòòòòòòòòòø ó 1 òòò÷ ó ó 60 òø ùòòòòòòòòòòò÷ 80 òú ó 42 òôòø ó 87 ò÷ ùòòòòòòòòò÷ 41 òûò÷ 59 ò÷
68
A fim de validar se os grupos são estatisticamente diferenciados, a significância
estatística das médias dos fatores dos clusters foi verificada através do teste F obtido
pela aplicação do procedimento GLM Multivariate do SPSS. Os testes de significância
multivariados de Pillai, Wilks, Hotelling e Roy indicaram a diferença entre as médias
dos fatores a um nível de significância p<0,001. Este resultado é esperado, pois a
análise de clusters busca exatamente colocar as observações em grupos distintos e
maximizar a distância entre os clusters, obtendo, assim, a solução de maior significância
possível (STATISTICA, 2000).
Teste Valor F gl Hipótese gl Erro Sig. de F
Pillai's Trace 1,66065 19,63171 18 285,00 0,000
Wilks' Lambda 0,08685 20,09266 18 263,53 0,000
Hotelling's Trace 3,83048 19,50707 18 275,00 0,000
Roy's Largest Root 1,67358 26,49847 6 95,00 0,000
Tabela 4: Teste multivariado de significância
A fim de se obter uma representação gráfica do clusters obtidos, foi utilizada a
Análise Discriminante para mais uma vez obter uma redução de dimensões. Através
desta técnica é possível obter uma função discriminante que indica, a partir dos
resultados do questionário, de qual grupo faz parte um indivíduo. A estatística Lambda
de Wilks pode ser usada para indicar a diferença entre as médias dos grupos. Valores
baixos desta estatística indicam que as médias dos grupos tendem a ser diferentes. Os
autovalores indicam a porção da variância explicada e a correlação canônica é a
correlação entre os fatores discriminantes e os níveis da variável dependente. Uma alta
correlação (valor próximo de um) indica que a função discrimina os grupos de forma
adequada.
Função Autovalor %
Variância %
Acum Correlação canônica
Lambda de Wilk’s
Chi-quadrado Sig.
1 1,664 59,9 59,9 0,790 0,178 166,730 0,000
2 1,113 40,1 100,0 0,726 0,473 72,170 0,000
Tabela 5: Análise e teste das funções discriminantes
O gráfico a seguir exibe como as observações ficaram distribuídas no espaço
definido pelas duas funções discriminantes.
69
Gráfico 9: Funções discriminantes canônicas
A matriz de estrutura exibe as correlações intra-grupos entre as variáveis
discriminantes e as funções canônicas discriminantes. Pode-se observar que os fatores
Reputação, Hobby e Aprendizado têm maior carga na função discriminante 1, enquanto
os fatores Ideologia, Lucro e Suporte possuem maior peso na função 2. Ou seja, pode-se
dizer que ao longo do eixo da função 1 temos a contraposição entre a busca de
conhecimento técnico e diversão e que o fator 2 caracteriza uma dicotomia entre
ideologia e obrigação.
Função Fator 1 2
Aprendizado -0,056 -0,043
Hobby 0,431 -0,033
Ideologia -0,185 -0,668
Reputação 0,455 0,082
Lucro -0,203 0,401
Suporte -0,157 0,234
Tabela 6: Matriz de Estrutura
Funções Canônicas
Função 2
6420-2-4
Fun
ção
14
2
0
-2
-4
-6
Cluster
3
2
1
70
As tabelas 7 e 8 exibem, respectivamente, a média dos seis fatores motivacionais
para cada cluster e o valor das funções discriminantes para o ponto que representa o
centróide dos clusters, ou seja, os valores discriminantes de cada grupo quando se aplica
a média das variáveis na equação discriminante. Na tabela 9 estão listadas as médias das
variáveis do questionário para cada cluster.
Cluster Fator 1 2 3
Aprendizado 0,149 -0,030 -0,083
Hobby -0,814 0,384 -0,050
Ideologia 0,634 0,170 -1,016
Reputação -0,903 0,340 0,137
Lucro 0,195 -0,388 0,677
Suporte 0,202 -0,276 0,420
Tabela 7: Média dos fatores em cada cluster
Função Cluster 1 2
1 -2,183 -0,568
2 0,966 -0,580
3 0,010 1,873
Tabela 8: Valor da função nos centróides
Função Fator 1 2
Aprendizado -0,148 -0,091
Hobby 0,993 -0,060
Ideologia -0,391 -1,121
Reputação 1,032 0,147
Lucro -0,480 0,750
Suporte -0,395 0,466
Tabela 9: Coeficientes da função discriminante canônica
Com o auxílio das tabelas 7 e 10, pode-se observar que o cluster 1 valoriza a
tecnologia. Os membros deste grupo acreditam que o software livre é mais confiável,
seguro e estável do que os equivalentes proprietários, valorizam a possibilidade de
adaptação e buscam um aumento dos conhecimentos em computação. Estes indivíduos
71
não encaram sua participação no desenvolvimento e utilização de software livre como
um hobby e não leva em consideração a reputação que pode ganhar com suas
contribuições. Existe a possibilidade de obter lucro, porém não é o grupo que mais
valoriza este fato. Foi classificado como Estudioso.
O cluster 2 se destaca pelo posicionamento em relação a liberdade de
informação, pelo divertimento na participação na comunidade e por usar ou desenvolver
nas horas vagas. É quem mais valoriza a reputação e, em contrapartida, não pretende
vender produtos ou serviços. É o grupo que apresenta mais características do espírito
hacker e os membros deste cluster receberam o nome de Hobbistas.
O terceiro cluster permanece neutro em relação à tecnologia e à diversão
(hobby). Sua posição também é neutra em relação a fatores ideológicos, enquanto se
destaca pela vontade de vender produtos e serviços e a obrigação quanto à participação.
Foi classificado como Profissional.
Cluster
1 2 3 Total
P10 Confiabilidade, segurança e estabilidade 4,33 3,93 3,29 3,87
P11 Informação deve ser livre 3,58 4,19 3,75 3,94
P12 Possibilidade de adaptação 4,42 4,26 4,21 4,28
P13 Retribuição de ajuda 4,25 4,26 4,38 4,28
P14 Trabalhar com tecnologia de ponta 4,13 4,15 4,00 4,11
P15 Usar/desenvolver é diversão 3,71 4,54 3,83 4,18
P16 Ganhar reputação através de contribuições 2,79 4,04 3,79 3,69
P17 Melhorar a empregabilidade 3,17 4,09 3,92 3,83
P18 Contra o monopólio da Microsoft 4,42 4,63 3,67 4,35
P19 Receber pagamento para usar/desenvolver 2,75 1,69 4,00 2,48
P20 Ajudar, mesmo com sacrifício 4,08 3,89 4,04 3,97
P21 Auto-realização, melhor de si 4,17 4,17 3,71 4,06
P22 Obrigação em usar/desenvolver 1,21 1,22 2,42 1,50
P23 Usar/desenvolver nas horas vagas 2,50 4,17 3,54 3,63
P24 Custo baixo comparado com benefícios 3,29 4,09 3,79 3,83
P25 Aumentar conhecimentos em computação 4,88 4,74 4,33 4,68
P26 Vender produtos ou serviços 3,54 3,28 3,88 3,48
P27 Orgulho em fazer parte da comunidade 3,96 4,65 4,25 4,39
Tabela 10: Média das variáveis por cluster
72
Como pode ser visto no dendrograma, os Profissionais são compostos por dois
sub-grupos que têm sua distância inter-clusters próxima do limite estabelecido. Uma
nova análise foi feita utilizando-se quatro clusters a fim de identificar este grupo.
Como se trata de uma análise hierárquica de clusters, as médias dos fatores para
os grupos 1 e 2 não foram alteradas. O terceiro cluster, entretanto, agora foi dividido em
dois, com as seguintes médias para os fatores:
Cluster Fator 3 4
Aprendizado -0,122 -0,004
Hobby 0,279 -0,707
Ideologia -0,389 -2,270
Reputação 0,414 -0,417
Lucro 1,340 -0,651
Suporte 0,649 -0,037
Tabela 11: Média dos fatores para os clusters 3 e 4.
O cluster 3 dá importância a reputação, busca vender produtos ou serviços e dar
suporte. Este realmente é o Profissional. O novo grupo tem uma forte carga negativa na
ideologia, não se diverte ou utiliza o software livre nas horas vagas e também não busca
reputação ou lucro. Tem a média mais alta na variável referente à obrigação e, por isso,
foi classificado como Obrigado.
Cluster
3 4 Total
P10 Confiabilidade, segurança e estabilidade 4,00 1,88 3,87
P11 Informação deve ser livre 3,81 3,63 3,94
P12 Possibilidade de adaptação 4,56 3,50 4,28
P13 Retribuição de ajuda 4,81 3,50 4,28
P14 Trabalhar com tecnologia de ponta 4,13 3,75 4,11
P15 Usar/desenvolver é diversão 4,31 2,88 4,18
P16 Ganhar reputação através de contribuições 4,25 2,88 3,69
P17 Melhorar a empregabilidade 4,50 2,75 3,83
P18 Contra o monopólio da Microsoft 4,25 2,50 4,35
P19 Receber pagamento para usar/desenvolver 4,69 2,63 2,48
P20 Ajudar, mesmo com sacrifício 4,50 3,13 3,97
P21 Auto-realização, melhor de si 4,38 2,38 4,06
73
Cluster
3 4 Total
P22 Obrigação em usar/desenvolver 1,94 3,38 1,50
P23 Usar/desenvolver nas horas vagas 3,88 2,88 3,63
P24 Custo baixo comparado com benefícios 4,06 3,25 3,83
P25 Aumentar conhecimentos em computação 4,50 4,00 4,68
P26 Vender produtos ou serviços 4,75 2,13 3,48
P27 Orgulho em fazer parte da comunidade 4,94 2,88 4,39
Tabela 12: Média das variáveis dos clusters 3 e 4
4.3.3 Dados demográficos dos Clusters
Os Estudiosos são em sua grande maioria jovens, estando os membros deste
grupo na faixa até 25 anos (42%) e entre 25 e 35 anos (50%). Há uma tendência a
pertencerem à iniciativa privada ou serem autônomos. Atrás dos Profissionais, é o
grupo onde há a maior incidência de programadores (42%) que vêm utilizando e
desenvolvendo software livre há mais de três anos. Utilizam o software livre tanto em
casa, quanto no trabalho, e não há uma distinção clara sobre qual termo define melhor o
movimento (Free software ou Open source software)
Comparando-se o grupo dos Hobbistas com os Estudiosos, verifica-se que a
maior concentração de hobbistas está na faixa de idade até os 25 anos (46%). Porém,
1/3 dos indivíduos deste grupo tem idade entre 25 e 35 anos e, ainda, 21% são mais
velhos, com idade acima dos 35 anos. Em relação ao histórico de utilização do software
livre, possuem distribuição semelhante aos Estudiosos, ou seja, metade do grupo
participa do movimento há mais de três anos. Este grupo é formado basicamente por
funcionários públicos, estudantes e trabalhadores da iniciativa privada. Quanto a função
desempenhada dentro da comunidade, temos principalmente usuários e administradores
de sistemas. Os programadores representam 19% do grupo. A maioria do grupo utiliza o
software livre em ambos os locais, mas 1/3 do grupo utiliza somente em casa. Por fim,
de forma semelhante ao primeiro grupo, não há uma orientação definida sobre qual
termo define de forma melhor o movimento.
O grupo dos Profissionais tem idade entre 25 e 35 anos, é composto por
autônomos, empresários e trabalhadores da iniciativa privada que tendem a
desempenhar os papéis de programadores e administradores de sistemas. É o grupo que
74
utiliza o software livre há mais tempo e o faz tanto em casa, quanto no trabalho. Porém,
como era esperado, nenhum indivíduo respondeu que utiliza o software livre somente
em casa. Neste grupo há um posicionamento claro em relação ao termo Open Source
Software de forma semelhante ao relatado na literatura. Ou seja, os indivíduos deste
grupo valorizam as características técnicas do software livre em detrimento da
orientação ideológica.
Por fim, o grupo dos Obrigados é formado basicamente por estudantes e,
consequentemente, tem a média mais baixa de idade. Consideram-se usuários ou
programadores e metade dos indivíduos utiliza o software livre somente no trabalho
(faculdade), enquanto o restante usa em ambos os locais. Como é um grupo pequeno
(menos de 10% da amostra) pode ser considerado outlier. De qualquer forma, estes
indivíduos provavelmente estavam buscando ajuda nos grupos de discussão e, por
conseguinte, foram incluídos no processo de seleção da amostra.
As tabelas a seguir representam o sumário destas informações.
Grupo (%) Grupo (%) Idade 1 2 3 4
Local 1 2 3 4
< 25 42 46 19 63 Casa 12 33 0 0
25-35 50 33 56 25 Trabalho 21 6 6 50
> 35 8 21 25 12 Ambos 67 61 94 50
Grupo (%) Grupo (%) Ocupação 1 2 3 4
Função 1 2 3 4
Estudante 12 24 6 50 Interessado 4 11 0 0
Func. Público 17 32 6 25 Programador 42 19 44 25
Inic. Privada 42 24 19 13 Usuário 29 37 19 63
Econ. Mista 0 9 6 0 Administrador 25 33 37 12
Autônomo 25 7 38 12
Empresário 4 4 25 0
75
Grupo (%) Grupo (%) Tempo 1 2 3 4
Orientação 1 2 3 4
T < 1 12 13 12 38 Open Source 54 50 75 63
T 1-3 38 37 19 38 Free Software 46 50 25 37
T > 3 50 50 69 25
Tabela 13: Dados demográficos dos clusters
76
5 Conclusões
Neste trabalho tentou-se mostrar a atenção que o tema tem recebido, tanto da
indústria quanto da academia, através de alguns números da adoção do software livre e
dos estudos que vêm sendo desenvolvidos.
Inicialmente foi feita uma revisão da literatura onde se buscou retratar o
movimento desde suas origens, a criação da Free Software Foundation com sua posição
ideológica, o aparecimento do sistema operacional Linux e a adoção do termo Open
Source por alguns setores. Através do modelo de Feller & Fitzgerald (2002), o software
livre foi caracterizado através das cinco dimensões: qualificação, transformação,
stakeholders, ambiente e visão de mundo. Esta última foi a base para o desenvolvimento
do questionário on-line que buscou levantar as motivações e orientações de usuários e
desenvolvedores de software livre no Brasil.
A amostra final foi composta por 102 participantes que foram escolhidos através
de buscas nas listas de discussão do Conectiva Linux, do Debian-br, da versão brasileira
do OpenOffice.org, do Kurumin, além de usuários/desenvolvedores da UERJ, Unicamp
e ALERJ.
Como parte dos resultados, pode-se verificar que a comunidade do software livre
é jovem e predominantemente masculina. De forma geral, os participantes estão
buscando aumentar seus conhecimentos técnicos e acreditam que o software livre pode
ser adaptado a fim de atender às suas necessidades. Também há um forte
direcionamento contra o monopólio da Microsoft.
A análise dos dados dos questionários mostrou que os usuários e
desenvolvedores de software livre podem ser divididos em três grandes grupos. Os
resultados obtidos são semelhantes aos divulgados por Lakhani et al. (2002).
O maior grupo é composto por indivíduos que tem orientação em linha com o
espírito hacker: acreditam que a informação deva ser livre, divertem-se usando o
software livre, acreditam que possam ganhar reputação através de contribuições no
código ou ajudando outros usuários e têm orgulho em fazer parte da comunidade. São
principalmente usuários e administradores, mas também há programadores.
Há um grupo, menor do que o anterior, que é composto por pessoas que
basicamente buscam melhorar seus conhecimentos em computação, trabalhar com
77
tecnologia de ponta e utilizam o software livre devido à possibilidade de adaptação às
suas necessidades. Este grupo não tem forte orientação ideológica e não utiliza ou
desenvolve o software livre nas horas vagas. São basicamente programadores.
O terceiro grande grupo é formado por profissionais que buscam no software
livre, além do conhecimento técnico, a oportunidade de vender produtos ou serviços. É
o grupo que apresenta maior faixa etária, com idade entre 25 e 35 anos, composto por
autônomos, empresários e trabalhadores da iniciativa privada que tendem a
desempenhar os papéis de programadores e administradores de sistemas. Utilizam o
software livre há mais tempo e o fazem tanto em casa, quanto no trabalho.
Por fim, a pesquisa encontrou um pequeno grupo de usuários, em sua maioria
estudantes, que são obrigados a usar o software livre e não estão ligados a aspectos
ideológicos ou técnicos. Como se trata de um grupo com poucos indivíduos, podem ser
considerados outliers.
A seguir, esses resultados são analisados no escopo específico do software livre
e quais são suas implicações para indústria do software e para as inovações em geral.
5.1 Resultados aplicáveis ao software livre
Os projetos de software livre são baseados predominantemente em contribuições
voluntárias sem um suporte organizacional tradicional e representam um campo fértil
para o aumento do conhecimento dos participantes. Várias são as características que
permitem e incentivam o aprendizado: o código produzido ser aberto, o próprio
processo de desenvolvimento e a comunicação entre os membros tornam as
comunidades do software livre um meio propício para o aprendizado por observação e
estimulam o “aprender fazendo” (YE & KISHIDA, 2003).
Porém, cada projeto apresenta graus de abertura diferentes em decorrência das
estruturas de controle adotadas que influenciam a participação de usuários e
desenvolvedores. Existem duas dimensões que permitem caracterizar o quão aberto é
um projeto: o produto e o processo. No primeiro caso, é possível encontrar projetos em
que somente a versão final do software é disponibilizada para os membros da
comunidade. Já em outros, todas as versões intermediárias são acessíveis. Quanto ao
processo decisório, existem projetos fechados onde a discussão sobre a evolução do
sistema é conduzida estritamente por um grupo central e, no outro extremo, há casos em
78
que o processo de tomada de decisão é conduzido abertamente. A fim de que se obtenha
uma participação voltada para o aprendizado, é necessário buscar a maior abertura em
ambas as dimensões. Todavia, os líderes dos projetos terão reduzido o seu controle
sobre o sistema.
Ye e Kishida (2003) também citam que o aprendizado é inicialmente
caracterizado pela procura de novas formas de fazer as coisas ou de soluções para
problemas existentes, ou ainda pela busca do aprofundamento de conhecimento em
determinado domínio através de tarefas práticas. Para se garantir a sustentabilidade dos
projetos é preciso que o interesse inicial passe para uma participação efetiva. E isto
ocorre através do reconhecimento da comunidade e de recompensas pelas contribuições.
Os líderes dos projetos devem, então, criar um ambiente que fomente o senso de
comunidade e encoraje os novos participantes.
O presente estudo mostrou em um escopo global que os participantes buscam,
sobretudo, aumentar seus conhecimentos em computação através do software livre.
Todavia, os grupos encontrados possuem algumas motivações distintas.
É interessante notar que o grupo denominado Estudioso não valoriza os ganhos
de reputação provenientes de suas contribuições e não apresenta uma grande tendência
em sentir orgulho em fazer parte da comunidade. Uma vez que há a pretensão de vender
produtos ou serviços relacionados ao software livre, é preciso entender que o
crescimento dentro da comunidade se dá através da reputação e que oportunidades
devem surgir para aqueles de maior renome.
Os Profissionais buscam também o aprofundamento de seus conhecimentos e o
movimento pode se beneficiar disto, uma vez que estes indivíduos podem assumir
tarefas que normalmente não seriam alvo da comunidade (a criação de drivers
específicos, por exemplo).
Por fim, vale ressaltar o grupo dos Obrigados. Seu aparecimento nos resultados
pode ser decorrente de problemas na fase de coleta de dados da pesquisa. A obrigação
na utilização do software livre pode ser associada ao fato do grupo ser constituído, em
sua maioria, por estudantes. Porém, algumas questões inquietantes que não foram
abordadas na literatura até o momento podem ser levantadas. Sendo o movimento
caracterizado pela participação voluntária, como tratar as pessoas que são obrigadas a
utilizar o software livre? Apesar deste grupo apresentar uma vontade de aumentar seus
79
conhecimentos em computação abaixo da média dos outros grupos, ainda há uma
tendência neste sentido. Como dito antes, é preciso buscar um interesse inicial para que
se passe a uma participação efetiva que garantirá a continuidade do movimento.
5.2 Resultados aplicáveis à indústria do software
Uma das facetas interessantes do estudo do software livre é a mudança do
paradigma do modelo baseado em manufatura para um baseado na oferta de serviços.
Vários são os exemplos na literatura de modelos de negócio que obtém receitas a partir
do software livre. Para citar uma forma, uma vez que o código-fonte está disponível, a
tarefa de desenvolver produtos complementares compatíveis fica facilitada, mesmo que
não haja a definição de padrões formais. O software livre pode, então, ser uma solução
para o problema da dependência de um fornecedor e do lock-in. Assim sendo, as
empresas devem avaliar a possibilidade de abrir o código de seus programas
proprietários, comparando as perdas de receitas de licenças com a possível melhoria de
qualidade e a evolução rápida dos programas.
O presente estudo mostrou através da identificação do grupo de Profissionais
que realmente existe espaço para as empresas venderem produtos ou serviços
relacionados ao software livre. Além disso, empresas interessadas em adotar o software
livre em seu modelo de negócio devem entender o que leva os indivíduos a usar e
desenvolver os programas para identificar as oportunidades de negócio.
5.3 Resultados aplicáveis à área de inovação tecnológica
O desenvolvimento de produtos é freqüentemente uma tarefa de difícil execução
pois a informação que se necessita (o que o cliente deseja) reside com o cliente e a
solução (como satisfazer as necessidades do cliente) encontra-se com o produtor. O
entendimento das necessidades do cliente normalmente é um processo custoso e
inexato. Com o crescente apelo pela customização dos produtos, entender e atender
determinado segmento do mercado pode ser algo inviável.
Neste sentido, algumas empresas estão adotando uma nova abordagem que, a
princípio, parece contraditória. Ao invés de tentar entender exatamente que produtos são
desejados pelos clientes, estas empresas oferecem ferramentas10 para que seus clientes
10 Os autores utilizam o termo “tool kit for customer innovation”.
80
projetem e desenvolvam seus próprios produtos, que podem conter pequenas
modificações ou serem grandes inovações (THOMKE & VON HIPPEL, 2002).
Os autores, porém, afirmam que as empresas devem repensar suas práticas de
negócios ao adotar uma abordagem como esta. Uma empresa que transforma clientes
em inovadores está externalizando um serviço que anteriormente era proprietário. No
longo prazo, a empresa pode perder uma parte do valor que tradicionalmente ela
detinha. Mas, se as condições forem propícias para o surgimento de tecnologia que
permita a inovação pelos usuários e se estes forem beneficiados pelo processo, os
autores afirmam que é inevitável que alguma empresa lance mão dessas ferramentas
para inovação e obtenha vantagens no curto prazo.
As indústrias baseadas na informação e, em especial, a indústria do software
possivelmente sofrerão os maiores impactos com esta abordagem e, no software livre,
verifica-se um caso extremo onde os usuários aparecem como inovadores. Com ele, um
usuário pode projetar, desenvolver, distribuir e dar suporte aos seus próprios programas.
O presente estudo, ao levantar as motivações e papéis desempenhados pelos usuários,
mostrou que existem indivíduos que têm necessidades não atendidas, buscam novas
facilidades e têm acesso a ferramentas que permitem a criação dos programas. Outros
usuários têm perfil diferente e estão dispostos a dar o suporte necessário ao
funcionamento dos programas. Da mesma forma, outras indústrias podem se deparar
com o mesmo cenário e as empresas devem estar preparadas para as mudanças
negociais decorrentes das inovações provenientes dos usuários.
5.4 Limitações e sugestões para estudos futuros
O presente estudo tem caráter exploratório e apresenta alguns indícios que
poderão ser investigados em maior profundidade em pesquisas futuras. As conclusões a
que chegou o estudo devem ser observadas com cautela, uma vez que se utilizou uma
amostra de conveniência. No entanto, algumas conclusões obtidas podem nortear
futuros estudos, dada a pequena quantidade de trabalhos realizados sobre o tema,
particularmente no Brasil.
O conceito do software livre é tão antigo quanto a própria história da indústria de
software. Entretanto, somente nos últimos anos houve um interesse acadêmico e
81
comercial sobre o assunto, principalmente devido ao desenvolvimento do sistema
operacional Linux e sua adoção por grandes players da indústria como IBM e Oracle.
De um lado, os defensores do software livre destacam a qualidade, segurança e
confiabilidade dos produtos, além da possibilidade de adaptá-lo às suas necessidades
devido à disponibilidade do código-fonte dos programas. Todavia, ao contrário desta
visão, os críticos citam esta característica como fonte de problemas de segurança e
confiabilidade.
A maioria dos textos existentes sobre o assunto é de cunho ideológico ou retrata
as origens do movimento, não representando pesquisa científica que busque investigar o
fenômeno do software livre em detalhes. Neste sentido, novos estudos podem abordar
vários aspectos: tecnológicos, psicológicos, econômicos.
Sob o ponto de vista tecnológico, o modelo de desenvolvimento do software
livre apresenta pouca atenção dada às etapas de especificação do projeto, o que pode ser
encarado como uma divergência dos modelos tradicionais de desenvolvimento de
sistemas. Os estudos nesta área devem mostrar como o desenvolvimento paralelo e
colaborativo pode melhorar o modelo tradicional de desenvolvimento. Além disso,
estudos sobre a estrutura de governança podem trazer insights aplicáveis a outras áreas
que não seja a de sistemas de informação.
Sob o ponto de vista psicológico, estudos mostram que a cultura das
comunidades de software livre tende a ser altamente individualista e baseada em
reputação, onde grupos distintos apresentam motivações distintas. Logo, novas
pesquisas nesta área deveriam investigar a dinâmica do processo de desenvolvimento
em detalhe, mostrando os conflitos que ocorrem dentro de cada projeto e como são
tratados.
Por fim, alguns estudos mostram que as empresas estão adotando o software
livre em seu modelo de negócio, seja através da venda de serviços ou produtos
complementares. Novas pesquisas poderiam buscar as vantagens e desvantagens de
organizações puramente "livres" e modelos híbridos.
82
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88
7 Glossário
Este glossário foi baseado no conteúdo do site www.wikipedia.org. O projeto
Wikipedia tem como objetivo a criação de uma enciclopédia multilingual livre. O
conteúdo é protegido pela licença GNU Free Documentation License (GFDL).
/360
Família de computadores da IBM lançada em abril de 1964 que compreendia
desde mini até supercomputadores. Até o início da década de 60, cada modelo de
computador era construído independentemente e, por vezes, as máquinas eram
customizadas para um cliente particular. Os computadores da família IBM-360
mudaram este cenário, pois possuíam o mesmo set de instruções, o que permitira a
atualização do hardware sem a troca do sistema operacional.
ACM
<Association for Computing Machinery> Fundada em 1947, atualmente a ACM
é o portal líder em literatura sobre computação. É uma sociedade que publica uma
variedade de revistas e periódicos na área da ciência da computação, além de promover
e patrocinar conferências.
Ada
<Do nome Ada Lovelace> Linguagem de programação, descendente do Pascal,
desenvolvida em 1979 pelo grupo de Jean Ichbiah na CII Honeywell.
Alpha
Arquitetura de microprocessadores criados pela DEC em 1988.
Amazon
Fundada em 1994 por Jeff Bezos, a Amazon.com foi a primeira grande empresa
a comercializar produtos através da Internet.
Amiga
Série de computadores domésticos lançada pela Commodore em 1985, popular
pelo seus jogos, processamento de vídeo e multimídia.
Apache
Servidor web para Unix, Windows NT e outras plataformas desenvolvido em
1995. Desde 1996 é o servidor web mais popular da Internet, sendo utilizado em mais
da metade dos provedores.
89
APT
<Advanced Packaging Tool> Pacote para gerenciamento do sistema criado pelo
projeto Debian. O APT simplifica o processo de instalação e remoção de programas em
sistemas Unix e derivados.
ARM
<Advanced RISC Machine> Série de microprocessadores de 32 bits usada em
sistemas embutidos.
ARPANET
<Advanced Research Projects Agency Network> Rede de computadores
fundada pela Agência de Defesa americana (DARPA) em 1968. Serviu como base para
as pesquisas em redes, bem como o backbone central durante o desenvolvimento da
Internet.
AT&T
<American Telephone and Telegraph, Inc.> Uma das maiores empresas
americanas de telecomunicações. Foi criada em 1885 e é reconhecida pela
desenvolvimento das primeiras versões do sistema operacional Unix e das linguagens de
programação C e C++.
Atari
Fabricante de jogos e computadores domésticos famosos durante as décadas de
70 and 80. A linha de computadores de 16 e 32 bits, em fevereiro de 1994, era composta
por Atari 520ST, 1040ST, Mega ST, STe, STacy, Mega STe, TT, e Falcon.
Bind
<Berkeley Internet Name Domain> Implementação do servidor DNS
desenvolvida e distribuída pela Universidade da Califórnia em Berkeley.
BSD
<Berkeley Software Distribution> Nome genérico de diversas versões do
sistema operacional Unix, inicialmente desenvolvida em 1977. Alguns descendentes do
sistema incluem Free/Open/NetBSD, BSD/OS e MacOS X.
C
Linguagem de programação desenvolvida em 1972 por Dennis Ritchie nos
Laboratórios Bell da AT&T.
90
CGI
<Common Gateway Interface> Padrão para execução de programas externos em
um servidor web HTTP. O padrão CGI especifica como os argumentos são passados
para o programa através de chamadas HTTP. Perl é um exemplo de linguagem utilizada
para desenvolvimento de scripts CGI.
CICS
<Customer Information Control System> Família de servidores de aplicação e
monitores de transação desenvolvida pela IBM. Dados da empresa indicam que o CICS
processa 30 bilhões de transações por dia com mais de 900 mil usuários concorrentes.
Copyleft
Termo de copyright criado pela Free Software Foundation (FSF) para indicar a
utilização da licença GPL
CVS
<Concurrent Versions System> Sistema de gerenciamento e controle de versões
de programas. O CVS registra todas as alterações feitas em um projeto e permite a
colaboração entre usuários distribuídos geograficamente. É licenciado através da GPL.
DB2
Sistema de gerenciamento de banco da dados da IBM. Concorre com a Oracle
pela liderança do mercado.
Debian
Organização sem fins lucrativos dedicada ao desenvolvimento dos sistemas
operacionais livres Debian GNU/Linux e Debian GNU/Hurd. Foi criada em agosto de
1993 por Ian Murdock. O nome é a contração de DEBra e IAN Murdock.
DEC
<Digital Equipment Corporation> Empresa pioneira da indústria americana de
computadores. Fundada em 1957 por Ken Olsen, foi adquirida pela Compaq que
posteriormente fundiu-se com a Hewlett-Packard (HP). Na década de 60 competia com
os computadores de grande porte da IBM em um patamar inferior de preço e
performance. É mais conhecida pela família de minicomputadores PDP.
DNS
<Domain Name System> É um serviço distribuído de banco de dados na Internet
utilizado na tradução do nome do domínio em endereços IP. O sistema traduz, por
91
exemplo, o endereço www.coppead.ufrj.br (mais conveniente para os indivíduos) para o
endereço IP 146.164.90.3 utilizado pelos computadores para roteamento das mensagens.
Foi desenvolvido originalmente por Paul Mockapetris em 1983 através da
especificações descritas na RFC 882.
Driver
Programa de computador desenvolvido para permitir que outros programas
(tipicamente o sistema operacional) interajam com um dispositivo físico (hardware),
como impressoras, adaptadores de vídeo, placas de rede e placas de som.
Emacs
<Editing MACroS ou Extensible MACro System> Um editor de textos livre
muito popular no Unix e em outros sistemas operacionais.
FreeBSD
Sistema operacional livre baseado na versão 4.4-lite do BSD da Universidade de
Berkeley. O FreeBSD roda em microcomputadores PC.
Freeware
Programa no formato executável distribuído gratuitamente na Internet. O termo
freeware era uma marca registrada por Andrew Fluegelman, mas não foi mantido após a
sua morte. Não deve ser confundido com free software (software distribuído com o
código-fonte) ou shareware (software distribuído gratuitamente mas que deve ser
registrado para se ter acesso a todas as funcionalidades).
FSF
<Free Software Foundation> Organização sem fins lucrativos fundada por
Richard Stallman em 1985 dedicada ao desenvolvimento e promoção do software livre.
GCC
<GNU Compiler Collection> Originalmente, a sigla designava o compilador da
linguagem C do projeto GNU (GNU C Compiler) desenvolvido em 1987 por Richard
Stallman, mas atualmente refere-se à coleção de várias linguagens de programação.
GFDL
<GNU Free Documentation License> Licença copyleft para distribuição de
documentação de software, referências e materiais institucionais criada pela Free
Software Foundation. Cada cópia do material, mesmo com modificações, deve ser
distribuída com a licença GFDL.
92
GNOME
<GNU Network Object Model Environment> Parte do projeto GNU responsável
pelo desenvolvimento de um ambiente desktop amigável. A versão atual está disponível
para os sistemas operacionais Linux, FreeBSD, IRIX and Solaris.
GNU
Projeto criado por Richard Stallman com o objetivo de criar um sistema
operacional livre completo. O anúncio público do projeto foi feito em 27 de setembro de
1983 no newsgroup net.unix-wizards.
Ferramenta de buscas na Internet. Foi fundada por Larry Page e Sergey Brin em
1998. Em 2002, foi considerada a ferramenta mais popular, efetuando mais de 80% de
todas as buscas na Internet através do seu site.
GPL
<General Public License> Licença de distribuição de software livre, usualmente
chamada de copyleft. Foi escrita por Richard Stallman em 1989 com o propósito de
distribuição dos programas do projeto GNU.
HP
<Hewlett-Packard> Fundada em 1939, a HP desenvolve e produz computadores,
sistemas de medição e comunicação.
HTML
<Hypertext Markup Language> Linguagem utilizada no desenvolvimento de
páginas web. Atualmente é o padrão da Internet mantido pelo World Wide Web
Consortium (W3C).
HTTP
<HyperText Transfer Protocol> É o principal método de comunicação de
informações pela Internet. A especificação é atualmente mantida pelo World Wide Web
Consortium (W3C). HTTP é um protocolo de comunicação entre clientes (normalmente
um navegador) e servidores web (IIS da Microsoft ou Apache, por exemplo).
IBM
<International Business Machines Corporation> A empresa adotou este nome
em 1924, mas sua origem pode ser traçada até a última década do século XIX. Em 2002,
possuía 316 mil empregados e receitas de US$ 81 bilhões. A IBM desenvolve e produz
93
computadores (de grande porte até notebooks) e programas, mas atualmente suas
receitas são provenientes principalmente de atividades de consultoria.
Intel
<INTegrated ELectronics> Fundada em 1968 por Gordon E. Moore e Robert
Noyce, a empresa é mais conhecida pelo desenvolvimento e produção de
microprocessadores e circuitos integrados.
IP
<Internet Protocol> Protocolo de comunicação utilizado na Internet.
Java
Linguagem de programação orientada a objeto desenvolvida em 1991 por James
Gosling e outros engenheiros na Sun Microsystems.
KDE
<K Desktop Environment> Ambiente desktop livre desenvolvido com o pacote
Qt para Unix da empresa Trolltech.
Kernel
Parte fundamental de um sistema operacional. O kernel é responsável pela
multiplexação segura do hardware de um computador.
LEGO
Empresa dinamarquesa famosa pela sua linha de produtos de blocos de plástico
para montagem. Fundada em 1934 por Ole Kirk Christiansen.
LGPL
<Lesser General Public License> Licença de distribuição de software criada pelo
projeto GNU para distribuição de bibliotecas livres com outros programas não-livres.
Linux
O termo Linux representa o kernel desenvolvido por Linus Torvalds em 1991,
mas é usualmente associado ao sistema operacional livre GNU/Linux que é composto
pelo kernel Linux e as bibliotecas e ferramentas do projeto GNU.
Macintosh
Família de computadores pessoais fabricados desde 1984 pela Apple Computer,
também é conhecida pelo apelido Mac.
94
Microsoft
Fundada em 1975 por Bill Gates e Paul Allen, é a maior empresa do mundo no
desenvolvimento de programas de computador.
Minix
Sistema operacional compatível com o Unix, desenvolvido por Andrew
Tanenbaum da Universidade de Vrije na Holanda, pois a licença da AT&T proibia a
venda do Unix para empresas comerciais. Inicialmente escrito para a plataforma IBM
PC, atualmente roda em computadores baseados no microprocessador Motorola 68000
(Atari ST e algumas versões do Macintosh) e SPARC (workstations Sun).
MIT
<Massachusetts Institute of Technology> Universidade americana localizada na
cidade de Cambridge, Massachusetts. Seus laboratórios de computação mais conhecidos
são o de Inteligência Artificial e de Ciência da Computação.
Motorola
Criada em 1928 sob o nome de Galvin Manufacturing Corporation, somente em
1947 a empresa adotou o nome de Motorola. Sua área de atuação inclui principalmente
semicondutores e dispositivos de comunicação (telefones celulares, sistemas de satélite
e modems). A Motorola foi o principal fornecedor dos microprocessadores usados no
Power Macintosh da Apple.
Mozilla
Pacote de software livre desenvolvido para várias plataformas que inclui um
navegador web e um cliente de e-mails.
MySQL
Servidor de banco de dados livre desenvolvido pela empresa sueca MySQL AB.
NCSA
<National Center for Supercomputing Applications> Centro de
supercomputação da National Science Foundation localizado na Universidade de
Illinois. Fundado em janeiro de 1986, seus principais projetos são Telnet, o navegador
Mosaic e o protocolo HTTP.
Notes
Servidor de e-mail desenvolvido pela divisão Lotus Software da IBM. O
servidor roda em várias plataformas, incluindo Windows NT, Windows 2000, Linux,
95
HP-UX, Sun Solaris, IBM iSeries, pSeries, e zSeries. O cliente roda em todas as versões
do Windows e MacOS 9.0 e X. A interface web funciona na maioria dos navegadores.
Oracle
Fundada em 1997, a Oracle Corporation é uma das maiores empresas produtoras
de sistemas de gerenciamento e ferramentas de desenvolvimento de banco de dados.
Patch
Forma usual de prover pequenas atualizações de programas de computador.
PC
<Personal Computer> Termo genérico utilizado para descrever
microcomputadores compatíveis com a especificação da IBM.
Pentium
Arquitetura de microprocessadores x86 da Intel lançada em 22 de março de
1993. É a sucessora da linha 486.
Perl
<Practical Extraction and Report Language ou Pathologically Eclectic Rubbish
Lister> Linguagem de programação criada em 1987 por Larry Wall. É utilizada para
desenvolvimento de scripts CGI.
PHP
<Personal Home Page Tools ou PHP Hypertext Preprocessor> Linguagem de
programação livre usada no desenvolvimento de páginas web com conteúdo dinâmico.
PowerPC
Arquitetura de computadores que utiliza microprocessadores RISC criada em
1991 pela aliança da Apple, IBM e Motorola.
Prolog
<PROgramming in LOGic> Linguagem de programação utilizada em aplicações
de inteligência artificial criada por Alain Colmerauer no início da década de 70.
Python
Linguagem de programação criada por Guido van Rossum. O nome foi baseado
na série de televisão Monty Python's Flying Circus. Python é freqüentemente
comparada a Tcl, Perl ou Java.
96
Qt
Ferramenta multiplataforma usada no desenvolvimento de interfaces gráficas.
Criada pela empresa norueguesa Trolltech, é utilizada no ambiente desktop KDE.
Red Hat
Criada em 1994 por Bob Young e Marc Ewing, a empresa tem uma das
distribuições Linux mais adotada.
SCO Group
Fundada em 1979 por Doug e Larry Michels com o nome de Santa Cruz
Operation, Inc, a empresa comercializava uma versão de sistema operacional
compatível com o Unix para microprocessadores Intel x86. Em 1995 a empresa adquiriu
da Novell o código-fonte do Unix da AT&T. Em 2001, foi adquirida pela Caldera e em
agosto de 2002 mudou seu nome para SCO Group. Nesta época, a empresa iniciou um
processo judicial de US$ 1 bilhão contra a IBM, alegando que esta havia utilizado parte
do código-fonte do Unix em atualizações do Linux.
Sendmail
Programa livre utilizado para roteamento e entrega de mensagens. Foi escrito
originalmente por Eric Allman no início da década de 80.
Shareware
O termo shareware foi inicialmente usado por Bob Wallace para descrever seu
processador de textos PC-Write nos meados da década de 80. O shareware é distribuído
sem os controles restritivos do software proprietário. Todavia, às vezes esses programas
são distribuídos com um pedido de contribuição ou algum pagamento é solicitado nos
termos da licença.
SPARC
<Scalable Processor ARChitecture> Arquitetura de microprocessadores RISC
desenvolvida em 1985 pela Sun Microsystems.
Sun
Sun Microsystems é uma empresa produtora de computadores, semicondutores e
softwares, baseada no Vale do Silício. Alguns produtos da empresa são o
microprocessador SPARC, os sistemas operacionais SunOS e Solaris, o sistema de
arquivos de rede NFS e a plataforma Java
97
SuSE
É uma das mais conhecidas distribuições Linux. É produzida na Alemanha e
possui um processo de instalação simples, suporte a várias marcas de notebooks e
winmodems (modems originalmente produzidos para o sistema operacional Windows).
TCL/TK
<Tool Command Language> Linguagem de programação desenvolvida por John
Ousterhout.
TCP
<Transmission Control Protocol> Protocolo de comunicação orientado a
conexão que provê uma camada de transporte confiável. Atualmente está documentado
pela norma IETF RFC 793. No modelo TCP/IP, o protocolo TCP representa a interface
entre a camada de rede e a camada de aplicação.
TeX
Processador de textos escrito por Donald Knuth. Bastante popular na academia,
o TeX é usado nas áreas de matemática, física e ciências da computação.
Turbolinux
Distribuição japonesa do Linux criada em 1992 e popular na Ásia. Em 2002, a
empresa juntou-se ao consórcio United Linux.
UNIX
Sistema operacional originalmente desenvolvido por um grupo de funcionários
dos Laboratórios Bell da AT&T, incluindo Ken Thompson, Dennis Ritchie e Douglas
McIlroy. O SCO Group é atualmente o proprietário do código-fonte do Unix.
Websphere
Servidor de aplicações desenvolvido pela IBM para operação e integração de
aplicações de e-business em múltiplas plataformas.
Windows
Nome genérico para os diversos sistemas operacionais da Microsoft. A primeira
versão foi lançada em 1985 e era apenas um ambiente gráfico que rodava sobre o
sistema operacional DOS.
Yahoo
Portal da Internet e diretório web fundado por David Filo e Jerry Yang em abril
de 1995.
98
8 Anexos
Anexo A: Questionário sobre Software Livre (versão on-line)
99