Post on 11-Jul-2015
Amor & Afectos
XXI Cursos Internacionais de Verão de Cascais
Direcção: Professor José Tengarrinha
Centro Cultural de CascaisCascais, Portugal
23 a 28 de Junho de 2014
Amor & Diversidade UM, DOIS & A MULTIDÃO:
Ofélia Queiroz e seus múltiplos amores com Fernando Pessoa &
Companhia
Prof. Doutor Vincenzo Di Nicola
Centro Cultural de CascaisCascais, Portugal
28 de Junho de 2014 – 17.00h
Amor & Diversidade UM, DOIS & A MULTIDÃO:
Ofélia Queiroz e seus múltiplos amores com Fernando Pessoa &
Companhia
Professor Doutor Vincenzo Di NicolaUniversidade de Montreal
Agradecimentos
• ICES – Instituto de Cultura e de Estudos Sociais
• Prof. José Tengarrinha, ICES
• Dra. Ana Gomes, SPTF – Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar
• Dra. Maria de Lurdes Bettencourt, ICES
• Centro Cultural de Cascais, Carla Pato e Filipa Aguiar
Photo : Arsinée Donoyan
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Costurar três coisas ...
Biografia e crítica literária — Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz
Psicologia do amor e terapia relacional
Filosofia do evento
Nos duo turba sumus.
—Ovid, Metamorphoses
Nos dois formamos uma multidão.
—Oviedo, Metamorfoses
—José Saramago O Ano da Morte de Ricardo Reis
(citando Camões)
Onde a terra se acaba
e o mar começa.
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Fernando Pessoa
Nasceu em Lisboa 13 de Junho de 1888
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa
• Em 29 de Novembro de 1935 foi internado no Hospital São Luis dos Franceses com diagnóstico de cólico hépatico
• Morreu no dia seguinte, ás 20.30 da noite 30 de Novembro de 1935
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa&Ofélia Queiroz
Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz
Fernando Pessoa1888-1935
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Ofélia Queiroz (ou Ophélia Queirós)
Nasceu 14 de Junho de 1900 em Lisboa
Faleceu em 1991
Suas cartas para Fernando foram publicadas em 1996
Duas fases do namoro:
• 1 de Maio a 29 de Novembro de 1920
• 11 de Setembro de 1929 a 11 de Janeiro de 1921
Sympósio – Casa Fernando Pessoa – 2012
No encontro entre Pessoa e a psiquiatria, a psiquiatria tem mais a aprender de Pessoa do que a psiquiatria pode nos ensinar sobre Pessoa.
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
“A somática da saudade”de: Um Estranho Na Família
Hoje sou a saudade imperialDo que já na distância de mim vi ...Eu próprio sou aquilo que perdi ...
—Fernando Pessoa Passos da Cruz. VI
“After Fernando” Depois do Fernando
Escrito em Setembro de 2004 para um concurso de escrever um romance em 3 dias. Publicado em 2012.
• Um “sonho ficcional” sobre a vida de Ophélia Queiroz depois da morte do poeta Fernando Pessoa em 1935 quando ele estava com 47 anos e ela com 35
• Ela sobreviveu por mais de 50 anos, falecendo em 1991
• Sabemos que na vida ela se casou, mas para simplificar minha conta, eu imagino ela muito velha, vivendo sozinha com as suas memórias do Fernando
O desejo distribuído
Nos dois formamos uma multidão.
—Oviedo, Metamorfoses
“After Fernando” Depois do Fernando
• Quando um jovem estrangeiro aparece na sua porta em Lisboa, Ophélia o leva a uma jornada de um “dia perfeito”, que ela estava tricotando na sua “sala de memórias” com os poemas e as cartas do quarteto heteronómico de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
“After Fernando” Depois do Fernando
Tarde Norte – Sintra Alberto Caeiro Verão
Anoitecer Oeste – Brasil Ricardo Reis Outono
Madrugada Sul – Africa do Sul Fernando Pessoa Inverno
Amanhecer Leste – Suez Álvaro de Campos Primavera
A mãe de Fernando falava com ele em francês desde a infância
Perdeu o pai com 5 anos
A mãe casou-se de novo
Mudaram de país, de lingua e de cultura enquanto Fernando era criança de 7 anos
Voltou a Lisboa um jovem de 17 anos
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Fernando Pessoa —
“Um mutante cultural” (Um Estranho na Família, 1998; Sympósio na Casa Fernando Pessoa, 2012)
Um ser limiar, vivendo “na soleira” entre mundos, línguas, sentimentos e identidades
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Um Estranho na FamíliaCultura, Famílias e Terapia
—Fernando Pessoa/Bernardo Soares O Livro do Desassossego
Lembro-me de repente de quando era criança, e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela então não raiava para mim, mas para a vida, porque então eu (não sendo consciente) era a vida. Via a manhã e tinha alegria; hoje vejo a manhã, e tenho alegria, e fico triste. A criança ficou mas emudeceu.
—Fernando Pessoa/Bernardo Soares O Livro do Desassossego
Sim, outrora eu era ja daqui; hoje, a cada
paisagem, nova para mim que seja,
regresso estrangeiro, hóspede e peregrino
da sua presentação, forasteiro do que
vejo e ouço, velho de mim.
—Victor Turner, The Ritual Process (1969)
Os atributos da liminaridade ou das personae liminares (pessoas que estão num limiar, na soleira) são necessariamente ambíguos, uma vez que essa condição e essas pessoas escapam ou escorregam da rede de classificações que normalmente localiza estados e posições intermediária entre as posições designadas e organizadoras pela lei, costumes, convenções e cerimônias. Como tal, seus atributos ambíguos e indeterminados são expressos por uma rica variedade de símbolos nas muitas sociedades que ritualizam as transições sociais e culturais.
Sem a metáfora da memória e história, nós
não podemos imaginar … o que é ser uma
outra pessoa. A metáfora é o agente
recíproco, a força universalizadora que torna
possível imaginar o coração do estranho.
— Cynthia Ozick
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
• Sobre um trilho, tentamos de ser indivíduos, diferenciando-nos de nossos pais e famílias e das regras e conformidades da sociedade
• Sobre um outro trilho, perseguimos o amor, tentando de nos completar e cumprir-nos nas relações com outros
Dois Trilhos paralelos
Sobre um trilho, tentamos de ser indivíduos, diferenciando-nos de nossos pais e famílias e das regras e conformidades da sociedade …
O self, o eu – dois temas
1. “O eu dividido”
2. “O desejo distribuido”
O trilho individual
O Eu dividido
Je est un autre.
Eu é um outro.
—Arthur Rimbaud, poeta
O self, o eu – dois temas …
1.“O eu dividido”
• RD Laing, The Divided Self (1960)
• Diferenciação, indivíduação X integração – Carl Jung, Guy Corneau
O Eu dividido
O Eu dividido
Nascemos três vezes na nossa vida:
nascemos de nossas mães,
nascemos de nossos pais,
e finalmente nascemos de nosso ser mais profundo.
—Guy Corneau, Pais ausentes, filhos perdidos
O self, o eu – dois temas …
2. “O desejo distribuído”
• Bernardo Soares – “Cada um de nos é dois …”
• Sigmund Freud – “Tem seis pessoas na cama …”
O Desejo distribuído
O desejo distribuído
Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se tornam íntimas e estão ligadas, é extremamente raro que as quatro possam estar em acordo.
—Fernando Pessoa/Bernardo Soares O Livro do Desassossego
O desejo distribuído
Tem seis pessoas na cama de cada casal.
—Sigmund Freud
Sobre um outro trilho, perseguimos o amor, tentando de nos completar e cumprir-nos nas relações com outros …
O Self-em-relação, o self relacional
Como nos preparamos para entrar nas relações com outros?
1. A escolha do parceiro – diferenciação da família de origem
2. A capacidade relacional – nivel de adaptação
O Trilho relacional
• Seguimos esses trilhos, às vezes em paralelo, às vezes em conflito, divergentes e alienados, mas para os felizes da vida, esses trilhos vêm juntos para criar vidas cheias, cumpridas e produtivas
Dois trilhos paralelos
• Para isto acontecer, em vez da visão romântica em que dois sejam um cumprimentando ao outro, um deve se cumprir-se a si mesmo para tornar-se dois
• Isto é o amor: A cena de dois
• E daí, desse encontro, algo mais surge – não só dois indivíduos, mas uma relação e mais – o múltiplo: a família, a comunidade e a sociedade
Amor: A cena de dois
—Tony Kushner
A menor unidade humana indivisível
são duas pessoas, não uma;
uma é uma ficção.
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
A matemática da psicologia humana enfim é essa:
• Somos um ou somos muitos
• Portanto um é uma ficção, pois um se divide em dois
• Porém esse dois cria uma relação, fora de si, além da soma de dois, e cria um terceiro e mais – muitos, ou o múltiplo
Psicologia relacional
Turku, Finlândia Photo : V Di Nicola
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
1914 – cem anos atrás …
• Mario de Sá Carneiro chega a Lisboa de Paris
• 8 de Março – o dia triunfal …
• surge Alberto Caiero e em seguinte, rapidamente – Alvaro de Campos e Ricardo Reis e Fernando Pessoa mesmo, voltando por assim dizer, para afirmar e confirmar a sua existência contra a sua não-existência como Alberto Caeiro
• 30 poemas de uma vez!
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
—Ignazio Silone
Nos damos a cada pessoa
o direito de contar sua história
à sua propria maneira.
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Extremamente curioso o que diz sobre o seu desdobramento em várias personagens – e o sentir-se mais elas, às vezes do que Você próprio.
—Mário de Sá CarneiroCartas a Fernando Pessoa. Lisboa, Edições Ática, 1958, Vol. 1, p. 183
Podemos imaginar o dia triunfal na vida de Fernando Pessoa – 8 de Março de 1914 –
aquela noite quando Alberto Caiero surgiu numa explosão de criatividade e criação
Esta foi uma ruptura – um evento que mudou a vida dele
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Toda a obra de Pessoa é a busca de identidade perdida.
—Octavio Paz El Desconocido de Si Mesmo – Fernando Pessoa. Madrid, Alianza Editorial, 1983.
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Mário de Sá Carneiro
Carneiro
Ca(rn)eiro
Alberto Caeiro
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nosSe ver e ouvir são ver e ouvir?
O essenical é saber ver, Saber ver sem estar a pensar,Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vêNem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender – Alberto Caiero
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Quem esta ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
Do todos os filósofos e de todos os poetas.
– Alberto Caiero
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Philosophy has yet to become worthy of Pessoa.—Alain Badiou Handbook of Inaesthetics
A filosofia ainda não é digna de Pessoa. Ainda não esta em grau de entender Pessoa.
A poesia de Fernando Pessoa abre janelas … casas … mundos inteiros
E como o evento, ela não pode ser prevista ou entendida pelos elementos que a constitui
Quem faz um poema abre uma janela.
—Mario Quintana
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Três aspectos do evento (segundo Alain Badiou)
Viver uma experiência Nomear esta experiência “evento” Ter fidelidade ao evento
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
É precisamente a fidelidade
ao evento que cria um sujeito
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
A fidelidade de Pessoa à sua arte criou dele um sujeito
Tanto que o evento da sua vida criou múltiplos sujeitos – uma verdadeira multidão – dentro de si
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Imagina a reação da Ofélia em saber que o evento da vida do seu namorado e o que ele valoriza mais que tudo na vida não seja ela, nem a família, nem seu trabalho, mas a sua vocação de poeta
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Ofélia com Fernando Pessoa & Companhia
Ophélinha: – 1.3.1920. Fernando Pessoa
Meu amorzinho, meu Bébé querido: … Ai, meu amor, meu Bébé, minha bonequinha, quem te tivesse aqui! Muitos, muitos, muitos, muitos beijos do teu, sempre teu, Fernando
19.3.1920, às 9 de manhã. Meu querido amorzinho: …Adeus, meu anjinho bébé. Cobre-te de beijos cheios de saudade o teu, sempre, sempre teu, Fernando
Ofélia com Fernando Pessoa & Companhia
19/3/1920, Meu Bébé pequinino (a atualmente muito mau): … Fernando
Meu Bébé, meu Bébézinho querido: … Muitos, muitos beijos do teu, sempre teu, mas muito abandonado e desolado 20(?)/3/1920. Fernando
Meu Bébé pequeno e rabino: … Um beijo só durando todo o tempo que ainda o mundo tem que durar, do teu sempre, sempre e muito teu Fernando (Nininho).
Lisboa, 27 de Novembro de 1920
Fernando
Há já quatro dias que não me aparece ao menos se digna escrever-me. Sempre a mesma forma de proceder.
Vejo que não faço nada de si, porque compreendo perfeitamente que é para me aborrecer que assim procede, que me terá mesmo chamado parva algumas vezes.
Como Fernando não tem motivos para acabar, procede então da forma que procede. Pois bem eu assim não estou resolvida a continuar.
Não sou o seu ideal, compreendo-o claramente, unicamente o que lastimo é que só quase ao fim de um ano o Sr. o tenha compreendido. Porque se gostasse de mim não procedia como procede, pois que não teria coragem.
Os feitios contrafzem-se. O essencial é gostar-se.
Está a sua vontade feita. Desejo-lhe felicidades
Ofélia
Ophelinha:
Quanto a mim …
O amor passou. Mas conservo-lhe uma afeição inalteravel, e não esquecerei nunca – nunca, creia – nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeninha, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossam uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh’as attribuisse.
Não sei o que quer que lhe devolva – cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de um passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que p progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.
Peço que não faça como o gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora a vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil.
Que isto de “outras affeições” e de “outros caminhos” é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem e não perdoam.
Não é necessario que comprehenda isto. Basta que me convserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.
Fernando 29/XI/1920
Ofélia com Fernando Pessoa & Companhia
Pequinina:
Estas palavras são de um individuo, que, aparte ser P pessoa, se chama preliminaramente
Fernando 14/9/1929
Ofélia com Fernando Pessoa & Companhia
Ora a minha Vespa, que alias será vespa mas não minha …
A minha (?) pequena Vespa gosta realmente de mim? …
Vespa que não é minha …
Queria ir, ao mesmo tempo, á India e a Pombal. Curiosa mistura, não é verdade? Em todo o caso é só parte da viagem.
Recorda-se desta geographia, Vespa vespissima?
Fernando 24/9/1929
Exma. Senhora D. Ophelia Queiroz:
Um abjecto e miseravel individuo chamado Fernando Pessoa, meu particular e querido amigo, encarregou-me de communicar a V. Ex.a – considerando que estado mental d’elle o impede de communicar qualquer coisa, mesmo a uma ervilha secca (exemplo da obediencia e da disciplina) – que V. Ex.a está prohibida de:
(1) Pesar menos grammas,
(2) comer pouco,
(3) não dormir nada,
(4) ter febre,
(5) pensar no individuo em questão.
…
Cumprimenta V. Ex.a
Alvaro de Camposeng. naval
25/9/1929 ABEL
Ex.mo Senhor Engenheiro Álvaro de Campos
Permite–me que discorde por completo com a primeira parte da sua carta, porque, nem posso consentir que Va Exa trate o Ex.mo Sr. Fernando Pessoa, pessoa que muito prezo, por abjecto e miserável indivíduo nem compreendo que, sendo seu particular e querido amigo o possa tratar tão desprimorosamente.
Como vê estamos sempre em completa desarmonia, nem podia deixar de ser, pedindo-lhe por especial fineza, que não volte a escrever-me.
Quanto às observações que me faz, como foram ditadas pelo Sr. Fernando Pessoa, farei quanto em mim caiba por lhe ser agradável.
Agradeço o conselho que me dá, mas já que me puxa pela lingua, deixe-me dizer-lhe que quem eu de boa vontade há muito tempo teria, não deitado na pia, mas debaixo dum comboio, era Va Exa.
Esperando não o tornar a ler, subscreve-se com respeito a
25-9-929
Ofélia Queiroz
9.10.1929
Terrivel Bébé:
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e tambem gosto de si, que é meiguinha tambem. E é bonbon, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e nèao das vespas, e tudo está certo, e o Bébé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguem gosta de mim, e tambem porque é que havia de gostar, e isso mesmo …
… e porque é que a Ophelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um individuo com ventas de contador de gaz e expressão geral de não estar alli mas na pia da casa ao lado, exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é da nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bébé fôsse uma boneca minha, e eu fazia como uma crença, despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossivel ser escripto por um ente humano, mas é escripto por mim
Fernando
Ilusão e realidade, homem e mulher
Diálogo do discípulo e a mestre:
Vincenzo: Mas o poder é uma ilusão, professora ...
Mara Selvini Palazzoli: O poder pode ser uma ilusão mas a luta pelo poder é uma realidade.
Fernando Pessoa1888-1935
—José Saramago O Ano da Morte de Ricardo Reis
(invertendo Camões)
Aqui o mar acaba
e a terra principia.
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Saramago queria enterrar Ricardo Reis e o último livro de poesia incompleta dele. Ele queria enterrar Fernando Pessoa e a sua obra.
Eu quero dar ainda mais vida a todos os raios que ainda surgem daquele “baú cheio de gente” – como Antonio Tabucchi disse – sem fim que é Fernando Pessoa & Companhia
Aqui o mar acaba e a terra principia. —José Saramago
“Here, where the sea ends and the earth awaits.” (… a terra espera)
Pessoa. Psiquiatria. Filosofia
Agradecimentos
• ICES – Instituto de Cultura e de Estudos Sociais
• Prof. José Tengarrinha, ICES
• Dra. Ana Gomes, SPTF – Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar
• Dra. Maria de Lurdes Bettencourt, ICES
• Centro Cultural de Cascais, Carla Pato e Filipa Aguiar
Photo : Arsinée Donoyan
Referências BibliográficasBadiou, Alain. Handbook of Inaesthetics (trans. Alberto Toscano). Stanford, CA: Stanford University Press, 2005.
Badiou, Alain. “Manifesto of affirmationism.” lacanian ink, volume 24/25, Spring 2005.
Balso, Judith. Pessoa, Le Passeur Métaphysique. Paris, Éditions du Seuil, 2006. Tradução por Drew Burk: Pessoa, The Metaphysical Courrier. New York & Dresden, Atropos Press, 2011.
Bréchon, Robert. Étrange Étranger: Une Biographie de Fernando Pessoa. Paris, Christian Bourgois. 1996.
Di Nicola, Vincenzo. Um Estrahna na Família: Cultura, Famílias e Terapia. Tradução por Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre, Artes Médicas, 1998.
Di Nicola, Vincenzo. “After Fernando.” The Unsecured Present: 3-Day Novels & Pomes for Pilgrims. New York & Dresden, Atropos Press, 2012.
Referências BibliográficasMonteiro, George (Ed.). The Man Who Never Was: Essays on Fernando Pessoa. Providence, RI, Gávea-Brown Publications, 1981.
Nogueira, Manuela e Maria de Conceição Azevedo. Cartas de Amor de Ofélia a Fernando Pessoa. Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.
Paz, Octavio. El Desconocido de Si Mesmo – Fernando Pessoa. Madrid, Alianza Editorial, 1983.
Pessoa, Fernando. Cartas de Amor. Introdução e seleção de Walmir Ayala. Rio de Janeiro, Ediouro Publicações.
Sa Carneiro, Mario de. Cartas a Fernando Pessoa. Lisboa, Edições Ática, 1958.
Saraiva, Mário. O Caso Clínico de Fernando Pessoa. Post-fácio do Prof. Doutor Luís Duarte Santos. Lisboa, Edições Referendo.
Tabucchi, Antonio. Un Baule Pieno di Gente: Scritti su Fernando Pessoa. Milano, Feltrinelli, 1990.
Turku, Finlândia Photo : V Di Nicola