Post on 11-May-2019
Um cérebro deprimido? Alterações neuroimagiológicas na depressão
major
Daniel Martins (MD)1,2 & Diana Prata (PhD) 1,2
1 Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Av. Prof.
Egas Moniz, 1649-028 Lisboa, Portugal
2 Institute of Psychiatry, Psychology and Neuroscience, King’s College London, De Crespigny
Park, London SE5 8AF, UK
Introdução
A depressão major apresenta manifestações clínicas que refletem alterações nas
esferas da cognição, emoção e comportamento[1], acometendo limitações incapacitantes de
funcionamento a nível, pessoal, social e profissional[2]. Com uma prevalência ao longo da vida
de cerca de 8 -16% e tendencialmente crescente[1], a depressão é uma causa significativa de
morbimortalidade mundial[2]. Acresce o facto de apenas cerca de 50% dos pacientes com
depressão major responder ao tratamento standard com antidepressivos, com
aproximadamente 70% a não atingir sequer remissão sintomática completa[3]. Compreender
os mecanismos neurobiológicos envolvidos na génese da depressão é fundamental para
acelerar o desenvolvimento de novas estratégias de diagnóstico e tratamento mais eficazes[4].
Ao longo das últimas três décadas (ver Figura 1 para os últimos 35 anos), técnicas de
neuroimagiologia funcional, estrutural e molecular têm ajudado à compreensão da
patofisiologia da depressão[5]. Nomeadamente a utilização de técnicas de imagiologia de
ressonância magnética (MRI) tem permitido a identificação, durante a doença, de múltiplas
alterações na estrutura e da função do cérebro (tanto ao nível de áreas isoladas como no
funcionamento em rede) em regiões e redes relacionados com o controlo afetivo e cognitivo[5-
7]. Por seu turno, a utilização de técnicas de neuroimagiologia molecular, como por exemplo a
tomografia de emissão de positrões (PET) ou a tomografia computorizada de emissão de fotão
único (SPECT) tem permitido a visualização em tempo real e de forma não invasiva de
processos biológicos ao nível celular e molecular in vivo (detectando alterações regionais na
síntese, metabolismo e sinalização de neurotransmissores e reforçando a hipótese da
deficiência de sinalização monoaminérgica durante a depressão, nomeadamente da
serotonina) [5, 8]. Globalmente, a evidência acumulada até ao momento aponta para que vários
achados neuroimagiológicos nestes pacientes constituam biomarcadores da doença
potencialmente relevantes e com relevância clínica em vários domínios[5, 9]. Foram já
demonstradas correlações significativas entre vários destes achados (por exemplo, alterações
na espessura cortical do córtex frontal mediano ou do cingulado anterior caudal[10] ou
alterações da integridade da matéria branca do sistema cingulado anterior–límbico[11]) e a
gravidade de sintomas ou o grau/tipo de resposta a diversas estratégias terapêuticas, como os
inibidores selectivos da recaptação de serotonina[10] ou a terapia eletroconvulsiva[12]. Assim
sendo, para além da sua utilidade na compreensão dos mecanismos da doença, perspetiva-se
que, no campo clínico, a identificação de biomarcadores imagiológicos putativos possa
constituir, num futuro próximo, uma importante ferramenta de apoio à decisão clínica no
diagnóstico, prognóstico e previsão de resposta terapêutica nestes doentes[13, 14]. Neste
capitulo, os autores apresentam uma revisão seletiva de algumas das mais importantes
observações derivadas da aplicação de técnicas de neuroimagiologia ao estudo da estrutura,
função e neuroquímica do cérebro na depressão, destacando o importante papel deste ramo
para o melhoramento dos modelos etiológicos, diagnósticos e terapêuticos da doença.
Figura 1 – Evolução do número de publicações indexadas (Pubmed) relativas à
aplicação de técnicas de neuroimagiologia ao estudo da depressão major
Apresentaremos, de forma seccionada, uma revisão seletiva de algumas das mais
importantes observações derivadas da aplicação de técnicas de: 1) neuroimagiologia ao estudo
da estrutura (sMRI); 2) função (fMRI – nomeadamente, em descanso, i.e. “resting-state fMRI”) e
3) neuroquímica (PET, SPECT) do cérebro em pacientes com depressão, destacando o
importante papel deste ramo para o melhoramento dos modelos etiológicos, diagnósticos e
terapêuticos da doença.
1. Neuroimagiologia estrutural (sMRI)
O estudo de alterações morfológicas do cérebro de pacientes com depressão tem-se
debruçado sobre alterações da espessura cortical, volume de matéria cinzenta ou da
integridade da matéria branca. A análise de morfometria voxel-a-voxel (VBM) constitui uma
poderosa ferramenta de análise de aspetos volumétricos à escala global do cérebro[15]. Uma
das mais recentes meta-análises demonstrou evidência robusta da existência de uma
significativa redução do volume de matéria cinzenta no córtex cingulado anterior[16]. Esta
região tem sido associada a múltiplos processos afetivos e cognitivos, tais como processos de
tomada de decisão[17], empatia[18], monitorização de conflito[19], memória de trabalho[19] ou
atenção[20]. Considerando a sua implicação nestes domínios funcionais, alterações estruturais
do córtex cingulado anterior têm sido implicadas nos circuitos cerebrais da depressão[21],
permanecendo por esclarecer os mecanismos moleculares por detrás destas alterações, e o
seu envolvimento no modelo etiológico da doença.
Reforçando a última observação, um outro estudo longitudinal procurando identificar
biomarcadores morfométricos de resposta a terapêutica nos pacientes em primeiro episódio
depressivo, demonstrou que a presença de uma maior espessura cortical da mesma região (no
hemisfério direito) antes do tratamento está associada a uma mais rápida melhoria sintomática
durante o tratamento[22]. Por seu turno, outro estudo morfométrico reportou que uma maior
espessura do córtex frontal medial rostral está associada a uma menor severidade de sintomas
depressivos (avaliados através da aplicação da escala “Hamilton Depression Rating”)[23].
Consistentemente, esta é uma área cerebral implicada também em vários processos cognitivos
e de regulação afetiva, presumivelmente disfuncionais durante a depressão[24]. Vários estudos
longitudinais têm vindo a reportar a uma evolução morfológica de alterações estruturais
descritas durante o tratamento da doença, que parece correlacionar-se com a remissão de
sintomas[22]. A titulo de exemplo, um estudo prévio demonstrou que dentro de uma coorte de
pacientes submetidos a farmacoterapia, apenas os respondedores apresentaram evoluções
morfométricas positivas do volume hipocampal e da espessura cortical de áreas como o giro
temporal inferior, o córtex orbitofrontal ou do giro frontal rostral[22]. Atente-se, no entanto, que
um outro estudo demonstrou recuperação morfométrica do córtex orbitofrontal tanto em
respondedores como em não-respondedores[10]. Permanece, contudo, por esclarecer se este
é um efeito causal da terapêutica instituída ou um simples correlato da evolução sintomática,
dado que pacientes tratados não respondedores não parecem apresentar esta recuperação
estrutural. No entanto, note-se que estudos pré-clínicos têm vindo a demonstrar que a
administração de antidepressivos monoaminérgicos em modelos animais parece, de facto,
promover processos neurotróficos de neurogénese e remodelação sináptica, com aumento do
número e extensão de dendrites, aumento do número de células gliais e do volume de
neurópilo[25, 26]. Neste modelo conceptual, um efeito direto da terapêutica antidepressiva na
recuperação morfométrica é plausível e deverá ser considerado em estudos futuros, ainda mais
considerando o aparecimento recente da possibilidade de avaliação, in vivo, de marcadores de
densidade sináptica em humanos, com o aparecimento do traçador de PET [11C]UCB-J[27].
Em suma, a evidência acumulada tem demonstrado a existência de múltiplas alterações focais
da substância cinzenta em áreas plausivelmente implicadas nas manifestações clínicas da
doença, bem como a reversibilidade de várias das anomalias morfométricas observadas e sua
correlação com a evolução clínica dos sintomas ou resposta à terapêutica nestes pacientes.
Outros estudos de morfometria voxel-a-voxel têm vindo a identificar alterações
estruturais do tálamo, insula e hipocampo durante a depressão[28-32]. A insula apresenta
várias conexões com regiões frontais e com o córtex cingulado anterior e parece participar em
vários processos cognitivos e de dimensão socio-emocional[33]. O tálamo, por seu turno,
constitui uma área de convergência de múltiplas vias de conexão com o córtex cerebral,
nomeadamente vias provenientes de áreas límbicas relacionadas com o processamento afetivo
(por exemplo, a amígdala, mediadora da afetividade, especialmente a negativa, ou o estriado,
mediador da aprendizagem, motivação, saliência aberrante e da psicose)[34]. O hipocampo
encontra-se maioritariamente envolvido em funções mnésicas[35]. Disfunção destas áreas,
incluindo uma disrupção dos processos de controlo superior dos afetos negativos mediada por
disfunção talâmica, tem vindo a ser apontada como um potencial mecanismo na génese de
várias dimensões clínicas da depressão[36].
Em adição às múltiplas alterações da matéria cinzenta previamente descritas,
alterações da integridade da matéria branca têm vindo a ser descritas na depressão através da
aplicação de técnicas de imagiologa de tensor de difusão(DTI). Esta é uma técnica de
ressonância magnética que permite avaliar de forma não invasiva a orientação e integridade
das fibras axonais de matéria branca através da avaliação da difusão de moléculas de água
nos nestes tecidos[37]. Uma diminuição da integridade da matéria branca (tendo como proxy a
anisotropia fracional das moléculas de água) foi relatada na região pré-frontal[38] bem como no
fasciculo solitário direito, uma via ascendente de conexão do tronco cerebral com a
amígdala[39], sugerindo um défice de conectividade nestas áreas. Alterações da integridade da
matéria branca foram também reportadas para o corpo caloso, fasciculo fronto-occipital e
fasciculo longitudinal superior esquerdo em pacientes com depressão de características
melancólicas e atípicas[40]. Curiosamente, alterações em áreas regionais especificas parecem
correlacionar-se com a resposta ao tratamento com antidepressivos, verificando-se, a titulo de
exemplo, que pacientes com maior integridade no cingulado e menor na estria terminal
apresentam maior probabilidade de entrar em remissão[41]. Em suma, os estudos estruturais
na depressão têm vindo a identificar alterações quer da matéria cinzenta, quer da branca, em
áreas frontais e fronto-subcortais, alterações essas que poderão plausivelmente contribuir para
os défices executivos e de regulação afetiva e comportamental observados nestes
pacientes[11, 42]. Para além disso, várias destas alterações podem vir a ser útil clinicamente
como biomarcadores imagiológicos de severidade de doença, remissão sintomática ou ainda
previsão de resposta a tratamento – caso se venham a estabelecer elevados valores preditivos
positivo e negativo (que pressupõem uma sensibilidade e especificada altas, tendo em conta a
prevalência dos diagnósticos e prognósticos pretendidos).
2. Neuroimagiologia funcional
A aplicação de técnicas de ressonância magnética funcional ao estudo da função
cerebral permite a deteção de focos de atividade neuronal no cérebro assumindo que essa
atividade se reflete em diferenças subtis no consumo de oxigénio ao nível do tecido
neuronal[43]. A evidência proveniente da utilização desta técnica para a compreensão dos
neurocircuitos da depressão tem-se dividido em duas grandes categorias: os que procuraram
identificar alterações da atividade cerebral 1) em repouso ou 2) em momentos que implicam o
recrutamento de áreas especialmente envolvidas no processamento afetivo ou cognitivo no
decorrer de vários paradigmas psicológicos experimental possíveis. Atendendo ao seu maior
potencial translacional, bem como a mais fácil análise integrada dos diferentes estudos,
focaremos a nossa descrição nos estudos em repouso (“resting-state”) – a maior parte dos
quais avalia alterações da conectividade cerebral[44, 45]. Note-se, no entanto, a existência de
estudos de revisão sistemática e meta-análise relativos a vários estudos de paradigmas
experimentais, grande parte dos quais têm implicado alterações na atividade de circuitos
cortico-subcorticais em múltiplos paradigmas de reconhecimento e regulação emocional[21].
Técnicas usadas no estudo da conectividade cerebral na depressão permitiram
identificar alterações na integridade de redes cerebrais funcionais envolvendo, por exemplo, a
rede da saliência[46], a rede de modo padrão (default mode network)[47], a rede de controlo
cognitivo[48] e a rede afetiva[49]. A rede de saliência integra o córtex insular anterior e o córtex
cingulado anterior, teorizando-se o seu envolvimento no processo de computação de
correlação de estímulos internos e externos no sentido de produzir respostas apropriadas e
comportamentos diretivos[50]. Disfunção nesta rede poderá contribuir para o bias negativo na
interpretação dos estímulos internos e externos tipicamente observados nestes doentes[51,
52]. A rede de modo padrão envolve áreas como o córtex cingulado posterior, o prefrontal
medial como áreas fulcrais e ainda o precuneo e o cortex temporo-parietal[50]. Do ponto de
vista funcional, esta rede tem sido tipicamente associada ao processo psicológico de
introspeção, enquanto desvio de recursos atencionais do meio externo para o meio interno[53].
A maioria dos estudos tem demonstrado que a rede de modo padrão se encontra hiperativa
durante a depressão, tendo sido deste modo proposta como um correlato fisiológico dos
estados de ruminação nestes pacientes[51, 52]. A rede de controlo cognitivo integrando o
córtex prefrontal dorsolateral e o córtex cingulado anterior pregenual encontra-se
presumivelmente envolvida na modulação de processos atencionais e regulação de respostas
emocionais[50]. Alterações desta rede poderão explicar os défices de atenção e a anedonia
observada nestes pacientes[52]. A rede afetiva, envolvendo a amígdala e o cingulado
subgenual e pregenual tem sido implicada na regulação do apetite, libido e sono[50, 52]. A
hiperatividade desta rede, reportada durante a depressão, poderá explicar as alterações
vegetativas descritas nestes pacientes. Interessantemente, um estudo prévio procurando
avaliar, concomitantemente, a atividade das redes de modo padrão, de controlo cognitivo e
afetiva demonstrou que, não só todas elas apresentam um aumento de conectividade
intrínseco, mas também um aumento da conectividade individual de cada uma delas com o
prefrontal dorsal medial bilateral (também designada nexus dorsal)[54]. Alterações nesta área
poderão, assim, estar na base da alteração da atividade concomitante e sinergística destas
redes cerebrais e, consequentemente, de múltiplos fenótipos comportamentais da doença.
Um outro estudo procurando avaliar conectividade funcional inter-hemisferica
identificou uma redução da conectividade inter-hemisférica na sub-região anterior (córtex
frontal medial bilateral e cingulado anterior) da rede de modo padrão e do lobo cerebelar
posterior, estando esta redução inversamente relacionada com a severidade de sintomas[55].
Para além de fornecer informação potencialmente útil para o entendimento da fisiopatologia da
doença, outros estudos têm demonstrado o seu valor enquanto marcador de resposta
terapêutica[56]. Um estudo procurando avaliar a evolução longitudinal da conectividade
cerebral em pacientes com depressão após inicio de terapêutica antidepressiva com
escitalopram revelou um aumento da conectividade cerebral em repouso do córtex prefrontal
dorsomedial e no hipocampo bilateralmente[57], aumento esse que parece ser normalizado
pela administração de escitalopram; para além disso, alterações focais da conectividade em
baseline, como por exemplo a hipoconectividade do hipocampo, parecem ser reversíveis, ainda
que se desconheçam os mecanismos que subjazem a esta recuperação funcional[57], bem
como em que medida estas paralelizam a reversão de alterações morfométricas focais
previamente discutidas. Um outro estudo similar avaliando a resposta à duloxetina demonstrou
que, não só alterações da rede de modo padrão parecem reverter durante o período de
tratamento, como também uma menor conectividade funcional em repouso de uma das suas
componentes anteriores, o córtex orbitofrontal, parece predizer uma melhor resposta clínica ao
tratamento[58].
Globalmente, a evidência acumulada sugere que a depressão é uma perturbação
afetiva que acomete a conectividade entre múltiplas áreas cerebrais funcionalmente
relacionadas[59]. O significado fisiopatológico destas alterações da conectómica cerebral
permanece por demonstrar categoricamente, porém a plausibilidade da sua correlação com os
sintomas incluídos nesta síndrome clínica parece apoiar o seu potencial envolvimento na
génese da doença[52]. Tal como no caso dos marcadores estruturais, a evidência acumulada
até ao momento parece apontar para a potencial utilidade destes biomarcadores de
conectómica na monitorização e previsão da resposta ao tratamento nestes pacientes[56]. No
entanto, estudos clínicos destinados à determinação da sua utilidade clínica são necessários
antes que o seu potencial translacional possa ser totalmente apreciado.
3. Neuroimagiologia molecular
A tomografia de emissão de positrões (PET) ou a tomografia computorizada de
emissão de fotão único (SPECT) são abordagens imagiológicas de medicina nuclear que
fazem uso de radionuclídeos para avaliação de processos biológicos à escala molecular in vivo
(ainda que com uma resolução menor que a ressonância magnética em termos
anatómicos)[60]. Processos biológicos como o metabolismo da glicose e do oxigénio; síntese,
libertação, metabolização e sinalização de neurotransmissores[60]; e, mais recentemente,
atividade glial (neuroinflamação)[61], densidade sináptica[62] ou ainda modificação epigenética
da expressão génica[63] são fenómenos moleculares passíveis de serem abordados por estas
técnicas e têm sido aplicadas (à exceção dos recentes marcadores de densidade sináptica e
modulação epigenética) ao estudo dos mecanismos neurobiológicos da depressão.
A utilização de 18F-fluorodesoxiglicose (18F-FDG) PET, destinada a avaliação de
alterações regionais do metabolismo da glicose[64] – um proxy de função cerebral[65],
demonstrou que pacientes com depressão apresentam múltiplas alterações regionais do
metabolismo da glicose que, inclusive, parecem variar durante o curso terapêutico[66]. Uma
recente meta-análise dos estudos utilizando esta técnica revelou que os pacientes com
depressão apresentam uma diminuição do metabolismo cerebral regional da glicose no
caudado direito, no córtex cingulado, núcleo lentiforme esquerdo, putamen e extra-nuclear (BA
13), e ínsula bilateral, mas um aumento no tálamo direito, pulvinar, declive do lobo posterior, e
culmen do vermis esquedo[66]. A plausibilidade das áreas implicadas sugere a sua possível
implicação na fisiopatologia da doença, porém dever-se-á notar que alterações metabólicas
nestas regiões foram também relatadas noutras doenças mentais tais como a
esquizofrenia[67], autismo[68] e doença bipolar[69]. Estudos futuros e transversais ao
diagnóstico serão necessários para averiguar quais as disfunções regionais especificas da
depressão. Paralelamente, outros estudos têm recorrido a esta técnicas para a identificação de
biomarcadores de previsão de resposta terapêutica[70] . A titulo de exemplo, um estudo
recente observou que o metabolismo da glicose na ínsula posterior direita pré-tratamento se
encontra positivamente correlacionada com a gravidade clínica de sintomas, sendo que em
pacientes que completaram terapia psicodinâmica, uma melhoria sintomática foi associada a
uma redução pós-tratamento no metabolismo da glicose na ínsula direita[71]. Estes resultados
convergem com os resultados obtidos em avaliações estruturais e funcionais de ressonância
magnética e apoiam o envolvimento central da insula, uma região fundamental na regulação da
auto-monitorização e presumivelmente importante na etiologia e apresentação clínica da
doença. Adicionalmente, variações no metabolismo pré-tratamento no precuneus direito foram
significativamente associadas à eficácia da intervenção terapêutica efetuada, sendo que
pacientes com níveis de metabolismo mais elevados nesta região apresentaram maior
remissão sintomática pós-tratamento. Considerando esta observação, os autores sugerem que
avaliações metabólicas desta região poderão vir a ser utilizados para prever resposta a esta
intervenção terapêutica com alta especificidade.
Uma das hipóteses explicativas da depressão mais consensualmente aceite é a
hipótese do défice de transmissão monoaminérgica, em particular da serotonina[72]. Esta
teoria tem-se suportado maioritariamente: 1) na eficácia clínica de antidepressivos
monoaminérgicos na remissão de sintomas, numa percentagem significativa de doentes[73]; 2)
na identificação de múltiplas alterações da expressão de genes do sistema das monoaminas
em estudos de transcriptómica de cérebros post-mortem em pacientes com depressão
major[74]; 3) e na observação de fenótipos “depressão-like” em modelos pré-clínicos
envolvendo disrupção de genes do sistema da serotonina[75].
Explorando esta hipótese, vários estudos de PET e SPECT tem procurado identificar
alterações do metabolismo da serotonina no cérebro de pacientes com depressão[5].
Apresentamos pelo seu valor informativo no entendimento da fisiopatologia da disfunção
serotoninérgica durante a depressão um estudo prévio que verificou um aumento da ligação do
marcador 11C-WAY-100635 PET ao recetor da serotonina 5-HT1A (o que é compatível com
um aumento da sua biodisponibilidade) em várias regiões do cérebro de pacientes com
depressão, tais como o córtex cingulado anterior, a amígdala, o córtex prefrontal dorsolateral e
o hipocampo[76]. Adicionalmente, verificou-se que pacientes com maior remissão sintomática
em resposta a farmacoterapia com escitalopram (um inibidor da recaptação da serotonina)
apresentavam também maior disponibilidade do receptor de 5-HT1A nos núcleos da rafe
(responsáveis pela produção de serotonina para todo o cérebro)[76, 77]. O recetor 5-HT1A é
um autoreceptor inibitório de localização somatodendritica nos neurónios serotoninérgicos da
rafe, bem como em outros neurónios-alvo dispersos em várias regiões do cérebro. Os
resultados apresentados sugerem um interessante mecanismo através do qual uma sobre-
expressão deste autoreceptor inibitório poderá conduzir a uma diminuição das taxas basais de
libertação de serotonina[78]. As atuais teorias sobre a farmacodinâmica de antidepressivos
como o escitalopram propõem que o tratamento continuado, após várias semanas, leve ao
aumento dos níveis sinápticos de serotonina que se traduz, a longo prazo, numa
dessensitização deste recetor, o que por seu turno, culmina numa normalização da atividade
de disparo dos neurónios serotoninérgicos e remissão sintomática[78]. Esta hipótese é
compatível com a observação recente de uma diminuição da biodisponibilidade do mesmo
recetor num estudo de 11C-WAY-100635 PET envolvendo 19 pacientes submetidos a
tratamento crónico com um SSRI[79]. Na mesma linha, estudos avaliando a disponibilidade do
transportador da serotonina (SERT; responsável pela recaptação do neurotransmissor,
removendo-o da sinapse e inibido por fármacos como o escitalopram) reportaram um défice na
biodisponibilidade deste transportador no tálamo, mesencéfalo e estriado durante a depressão
[80, 81]. Curiosamente, este défice parece ser particularmente acentuado em pacientes com
ideação suicida, sugerindo que um aumento na recaptação da serotonina nestas regiões possa
estar na base da neuropatologia da depressão e das manifestações suicidas frequentemente
observadas em co-morbilidade[80]. Apoiando esta teoria, uma relação inversa parece existir
entre os níveis deste transportador no mesencéfalo e gravidade de sintomas depressivos
observados nestes pacientes[81]. Adicionalmente, pacientes deprimidos e com tendências
suicidárias parecem apresentar um aumento do ratio da biodisponibilidade deste transportador
entre o córtex pré-frontal e o mesencéfalo, sugerindo a potencial utilidade clínica deste índex
na previsão da emergência de manifestações suicidas durante a depressão major[82].
Globalmente, os resultados aqui apresentados parecem apoiar a importância da disfunção do
sistema serotoninérgico para a génese da depressão e suicidalidade, enfatizando o papel vital
do corpo estriado e dos circuitos córtico-basais na neuropatologia destas perturbações afetivas.
Contudo, alterações similares foram também relatadas noutras doenças neuropsiquiátricas, tais
como a esquizofrenia[83]. Identificar alterações neuroquímicas especificas da depressão
permanece, assim, porquanto, um desafio para o futuro. Permanece também como um tópico a
carecer esclarecimento, a interdependência entre as alterações neuroquímicas regionais e as
alterações focais da morfometria e função das várias áreas cerebrais previamente reportadas.
Note-se, a titulo de exemplo, que vários estudos pré-clínicos têm vindo a demonstrar o
envolvimento da sinalização serotoninérgica em múltiplos processos morfológicos do
neurodesenvolvimento, como seja o nascimento e extensão de dendrites, mobilidade do cone
de crescimento axonal, sinaptogénese e controlo de densidade dendrítica[84]. Nesta linha, uma
relação entre a disfunção serotoninérgica e as alterações da estrutura cerebral relatadas
durante a depressão major é plausível e deverá ser avaliada em estudos futuros de carácter
multimodal e integracionista.
Alterações de outros sistemas neuroquímicos durante a depressão major, como os
sistemas da dopamina e da acetilcolina, têm também elas sido descritas, consistentemente, em
estudos de PET/SPECT. Para uma revisão extensiva desta literatura convidamos o leitor à
consulta de 2 revisões subordinadas ao tema[85, 86].
Tendo em conta o crescente corpo de evidência sugerindo o possível contributo do eixo
inflamatório para a fisiopatologia da doença neuropsiquiátrica [87], um estudo recente procurou
identificar alterações da resposta neuroinflamatória no cérebro de pacientes com
depressão[88], fazendo uso da recente introdução do marcador de PET [¹¹C]PBR28, um
radiofármaco de ligação a proteína de translocação TSPO e um reconhecido marcador de
atividade glial inflamatória [89]. Surpreendentemente, nenhuma diferença pôde ser observada
[88] , sendo que, um aumento da resposta neuroinflamatória central durante a depressão
permanece por demonstrar. Estudos futuros, de maior dimensão amostral e incluindo pacientes
com formas mais severas da doença deverão ser realizados no sentido de explorar
convincentemente esta hipótese.
Direções futuras
Estudos futuros de carácter multimodal, combinando a aquisição de informação relativa
à estrutura, função e neuroquímica num mesmo sujeito, permitirão explorar a interdependência
das alterações reportadas e possibilitarão auxiliar na construção de um modelo fisiopatológico
integrado da doença[13]. Adicionalmente, em paralelo com os estudos acima mencionados,
que tencionam compreender causas e mecanismos subjacentes à depressão (e, que por
conseguinte, almejam especificidade na identificação de regiões cerebrais envolvidas na
génese da doença ou na sua remissão), existe hoje uma nova tendência de investigação com
uma visão mais pragmática e direcionada com vista a auxiliar os clínicos na sua prática
quotidiana através do fornecimento de algoritmos automáticos, aplicados às imagens cerebrais,
de apoio à decisão clínica no diagnóstico, prognóstico e decisão terapêutica. Este braço de
investigação lucra da aplicação de métodos recentes de análise estatística usando inteligência
artificial (machine learning) capazes de fazer classificação em termos de diagnóstico, evolução
da doença ou grau de resposta a tratamento[12, 90]. Vantagens técnicas deste método
congregam-se na possibilidade de: 1) uma análise multivariada que considera o cérebro como
um todo, aumentando o poder estatístico e a sensibilidade na deteção de alterações subtis ou
que só ocorrem em constelação, 2) na inexistência de restrições de hipóteses a priori quanto
às características neuroimagiológicas potencialmente relevantes, 3) e a possibilidade de
integrar diferentes modalidades neuroimagiológicas (por exemplo, estruturais, funcionais e
moleculares) ou até combiná-las com dados sintomatológicos e/ou genéticos[13]. Vantagens
clínicas emergentes destes biomarcadores são, por exemplo, a aceleração e custo-eficiência
do processo de diagnóstico e/ou a previsão da probabilidade de resposta a um tratamento
preconizado, numa perspetiva de medicina personalizada[91]. Uma vez identificados, e
confirmando-se a sua relevância clínica através da inspeção dos respetivos valores preditivos
negativo e positivo (i.e. especificidade e sensibilidade altas, tendo em conta a prevalência do
tipo de classificações), a introdução na prática clínica destes biomarcadores permitirá,
potencialmente melhorar a gestão da doença e dos recursos dos sistemas de saúde
(comparadas com os métodos não quantitativos usuais) em múltiplas doenças
neuropsiquiátricas - onde uma matriz mais quantitativa de decisão clínica é almejada há
décadas[92, 93].
Conclusão
A evidência acumulada até ao momento tem demonstrado alterações significativas
quer da estrutura quer da função do cérebro em pacientes com depressão, particularmente em
regiões envolvidas no controle afetivo e comportamental, sugerindo o seu envolvimento na
fisiopatologia da doença[5]. Inclusive, alterações da conectividade cerebral estrutural e
funcional têm vindo a ser identificadas, sugerindo o acometimento do funcionamento integrado
de múltiplas redes neuronais[5]. Alterações neuroquímicas do sistema da serotonina têm sido
observadas de forma consistente[5], desconhecendo-se, no entanto, ainda, qual a sua relação
direta com as alterações estruturais e funcionais relatadas. No campo translacional, é de notar
que várias destas alterações parecem predizer com alta sensibilidade aspetos clínicos da
doença, como seja a severidade de sintomas, a eficácia de resposta a múltiplas das
terapêuticas utilizadas no tratamento da depressão (desde a farmacoterapia à psicoterapia
dinâmica) ou ainda a emergência de comportamentos suicidas. No entanto, a potencial
utilidade de biomarcadores neuroimagiológicos para o diagnóstico, prognóstico e terapêutica
da doença está, ainda, por demonstrar, constituindo uma linha recente de investigação
translacional altamente promissora e de alto potencial custo-eficiência para os sistemas de
saúde.
Agradecimentos
O presente trabalho foi financiado pela Public Health Initiatives Programme (PT06), EEA Grants
Financial Mechanism 2009-2014. DP foi apoiada pela UK National Institute for Health Research
fellowship (NIHR, PDF-2010-03-047), pela Marie Curie Career Integration grant (FP7-PEOPLE-
2013-CIG-631952) e pela Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT) Investigator grant
(IF/00787/2014), e é co-fundadora da empresa de serviços de neuroimagiologia NeuroPsyAI,
Ltd. DM foi apoiado pela FCT (PD/BD/ 114098/2015), e pelo 13º prémio AstraZeneca-
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Referências
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