Post on 07-Jan-2016
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Tuberculose e adesão: um desafio constante
Helen Gonçalves – UFPEL
hdgs@uol.com.br
Objetivo
Mostrar como a não-adesão está relacionada ao contexto, ou seja, a situações de vida que as pessoas não querem que sejam modificadas ou questionadas
Dados Gerais – Brasil (MS)
50 milhões de casos (estimativa de prevalência)
80-130 mil casos novos/ano 6 mil óbitos/ano 9° causa de internações (DI) 7° em gastos com internações 4° causa de mortes (entre as DI)
8% dos pacientes tem AIDS
Em 1999 o tratamento supervisionado foi oficializado (DOTS)
• Supervisão da tomada de medicamento pelo menos 1 x/sem durante o 1° mês de tratamento.
• O tratamento será desenvolvido sob regime ambulatorial, supervisionado, com pelo menos 3 obs./sem da tomada dos med. nos primeiros 2 meses e 1 obs./sem até o final.
• A supervisão poderá ser realizada de forma direta na UBS, trabalho e residência.
Objetivo de detectar 90% dos casos infectados estimados e curar pelo menos 85% dos casos novos e manter uma taxa de abandono < 5%
Planos para controle (PNCT)
MS, 2003
PNCT - desenvolver estratégias para a descentralização e horizontalização das ações de prevenção, vigilância e controle
• Integração do controle com a atenção básica• Dificuldades de implantação nos municípios
• até 2004 - 52% com DOTS• 68% de cobertura populacional dos serviços de saúde com o DOTS 2° pior,
perdendo para a Nigéria (65%)
9° pior entre os 35 países analisados (OMS, 2005)
Taxa de cura no Brasil é de 81%
Tendências da TB no Brasil estão associadas às desigualdades sociais • Mais pobres, menos escolarizados, negros, homens
Dados Gerais
Inserir figura do MS
Não-adesão
• Inabilidade ou recusa p/ingerir os medicamentos prescritos• Forma mais severa ou TB MDR ou XDR (EUA, África e
Leste Europeu – 41 países)
• Disseminação (bacilífera 1 2)
• Óbito
• Um bom tratamento requer um bom entendimento dos facilitadores e das barreiras para a cura
Não-adesão
Em geral, ela tem sido atribuída:
• Tipo de organização do tratamento;
• Interpretação da doença e do mal-estar;
• Custo do tratamento;
• Conhecimento, atitudes e crenças referentes ao
tratamento;
• Efeitos adversos/colaterais;
• Características pessoais;
• Suporte da rede social.
Pelotas (RS)
Estudo qualitativo
Estudo quanti
Em Pelotas 1973 tratamento Centro de Saúde
Estudo epidemiológico para avaliar fatores de risco e incidência de tuberculose durante 1 ano e 6 meses (n=152)
Taxa de abandono de 20,4% (n=31)
Objetivo
Entender os motivos da não-adesão a um tratamento gratuito de uma doença grave
Composição do universo de pesquisa
A não-adesão no CS só era avaliada quando a coordenadora solicitava um relatório ou a assistente social notava falta do paciente
Revisão de prontuários de todos os pacientes inscritos e pertencentes ao estudo
Indicativos de não-adesão foram:
• Não retornar ao serviço após 15 dias da data marcada• Retorno é mensal
• Nome e endereço, e o primeiro contato foi feito no domicílio (HG)
Estudo qualitativo
• 35 homens e 15 mulheres = 50
• 38 informantes (20-40 anos) c/contato + prolongado (1 ano)
• 20 a 80 anos
• Tipo da doença: + TB Pulmonar
• Famílias: pais e filhos
• Renda familiar: 1-3 SM (R$120,00 a 360,00)
Estudo qualitativo
• Escolaridade: 1° grau incompleto
• Maioria conhece alguém ou ouviu falar algo sobre TB recentemente• Viés do doente
• CS: 4 médicos (3?) e 4 funcionárias divididos em 2 turnos
• Entrevistas semi-estruturadas, observações e conversas informais
• Domicílios em distintos bairros, em geral, nas zonas mais pobres• CS: turnos distintos• Gravação e apontamentos
• 19 dos 50 modificaram o tratamento: 14 homens e 5 mulheres
Percepção dos sinais/sintomas = doença TB
Aparência corporal emagrecimento Funções orgânicas respiração ofegante Emissões orgânicas incomuns escarro c/sangue
Funcionamento de um órgão pontada Sintomas físicos desagradáveis suor, tosse
Mudanças de comportamento isolamento
Estados emocionais exagerados angústia, medo
Em Pelotas
Caminho percorridoO que é anormal
Fraqueza, pontada, cor e cheiro do escarro, cansaço maior
Indivíduo e os familiares notam problema. Comumente os familiares são os que mais pressionam para uma consulta
Passado ± 2 meses procuram o primeiro serviço (hospital) para buscar um diagnóstico 15 a 30 dias para chegar ao CS
Antes de chegar ou mesmo indo ao médico – muitos usam medicamentos. Gripe forte, pneumonia e bronquite (doenças comuns,
sintomas semelhantes)
Diagnóstico CS tratamento
Indivíduo e Doença se fundem e se confundem
Abrangência da doença Uma das muitas formas de entender a doença é atribuir que a TB aparece
como conseqüência negativa dos atos
• Injustiça – trabalhador que se dedicou e se expôs a muitos riscos (insalubre), realizou tarefas braçais (exige força física), não pode estudar e faz o que os ricos não fazem (injustiça, desigualdade)
• Idéia de que a TB não só debilita fisicamente, mas provoca a perda da força/vigor físico ou moral para:
• Trabalho - variações climáticas - frio/umidade/calor; contato c/substâncias impuras; levantar peso, trabalhar doente; manutenção dos gastos
• Casa - atividades domésticas de limpeza; cuidado dos filhos
• Lazer - jogar bola, tomar mate, visitar amigos/parentes
Fraqueza Não só incapacita fisicamente, mas atinge a imagem ou papel
social já assumido e construído ao longo da vida• Seja pela explicação do acúmulo (excesso), do descaso ou da exigência
com o corpo
Provoca uma grande fraqueza física e moral TB• Recolocar-se por um período em outra posição, geralmente, mais frágil
Mudança da imagem corporal• Visível a todos • Começa a preocupação que vai além da saúde
Emagrecimento, desanimo e cansaço compõem a fraqueza
Fraqueza tem várias etiologias
Fraqueza
Alimentação desregrada Doença mal curada Comportamento do indivíduo (malandro ou trabalhador)
Câncer ou Aids – TB nem existe mais! Doenças hereditárias Impurezas da rua Estresse ou depressão/desgosto
Fraqueza e alimentação Forte associação com a alimentação (emagrecimento)
• Irregularidade – comer quando quer ou pode• Dieta não variada
Alimentos frios e fracos (salgados, refrigerante) não sustentam o corpo• Arroz, feijão, carne protegem, dão energia refeição completa
(quentes e fortes)• Comer na rua implica em ter pouco cuidado consigo ou pouco tempo
para si desgaste externo que se reflete na desordem interna
Uma fraqueza, uma anemia muito grande e ela não queria comer. Aí atacou os pulmões – era um princípio de tuberculose. Agora não deixo faltar leite em casa, nem para ela e nem para o guri. (marido, carroceiro – caso Cintia)
A fraqueza e o além Cintia, achava que poderia ter alguma doença ruim, como a Aids (desconfiou do
marido). Depois encontrou um amigo espírita, que recomendou uma dieta especial (tipos
de alimentos) para afastar o que haviam feito a ela (trabalho feito)
+
Dieta mais forte poderia combater as maldades do além. O corpo forte pode lutar contra os males espirituais, porque o alimento é um veículo para aquisição de saúde. Um corpo saudável é menos suscetível
TB, segundo o marido, é decorrente da fraqueza provocada pela anemia (má alimentação). Como leite condensado não dá para ele providenciar sempre – ele garante leite de vaca para ela e o filho
Leite condensado engorda! Combate a perda de peso. Gordura vista como saúde
Fraqueza, alimentação, maldade Fraqueza, anemia má alimentação, predisposição
p/doença receptáculo, aberto para vírus/bacilos, enfraquecido
A possibilidade de que o trabalho espírita tenha influído nunca foi descartada. A exigência alimentar foi cumprida por um tempo
• Além da má alimentação, trabalho espírita, há ainda outra explicação que convive sem conflitos
Freqüentava um local de lazer sempre lotado e com pouca ventilação• Pouca ventilação, possibilidade de contaminação via ar
ou contato físico
Esquema de tratamento Responsabilidade do outro
• Marido – Aids Mulheres fazem isso. Elas são vítimas. Maldade alheia
• Ex do marido faz um trabalho Fraqueza do marido (homem!) Fraqueza, anemia
• Pouco cuidado com a alimentação Papel feminino no lar Exposição ao vírus
• Bailão Não é mais para mulher casada TB
• Doença enviada, mas que se pega em contato com alguém doente, se o corpo fraco (anemia) + fácil pega.
• É uma somatória de fatores. Nem sempre respeitam a lógica biomédica
• Tratar com purificação espiritual, alimentação (leite), remédios quando até que os sintomas cessem e o corpo volte a ser como antes
• Não mostra para o marido e quando contou para o médico que não ingeria todos os dias, foi xingada e ficou braba
• Ficou grávida e não-aderiu completamente (medo aborto e desgosto com o médico)
Preocupação com a casa Preocupação com o trabalho/rua
Instabilidade familiar (emocional) Trabalho para sustento familiar
Busca de recursos e conhecimento
Como pode ser TB e onde peguei?
Ninguém pode saber!
Superar dificuldades corporais
Como vou fazer agora?
Nada deve mudar!
Narrativas de percepção da doença x físico e/ou emocional
Narrativas de percepção da força física e moral x doença
Medo de repassar a doença aos familiares
< Probabilidade de não-adesão
Menor preocupação direta com o contágio
> Probabilidade de não-adesão
Dimensões da fraquezaDesordem Notada pela aparência física
Emagrecimento, cansaço, desanimo fraqueza
Fraqueza má alimentação pobreza (marido carroceiro/frete)
Trabalho espírita Dieta alimentar e o maior cuidado com alimentação
Lazer em local impuro
Marido ex-namorada esposa praga de enfraquecimento/anemia e TB
Médico – remédio para anemia Diagnóstico de tuberculose
Tratamento de tuberculose
Manipulação dos medicamentos por não considerar a doença apenas um mal orgânico
Raiva do marido Tristeza Rompe com o lazer e tem medo de que descubram que está Tuberculosa
Física (doença) e Moral (comportamento)
O corpo fraco que não se sustenta
Destruição de uma parte afetada
Bichinho come por dentro – seca – corpo bichado – escarro - apodrecendo – inflamado – morte
Caderneta – controle por cruzes simbologia para controle
Vida/Morte
Saudável/Quase morto
Adoecer implica Ao longo da busca do que ocorre até a cura, alguns
conflitos e entendimentos pessoais surgem • a dimensão disso pode mudar o rumo ou acentuar aspectos
da vida diária dos adoecidos• demonstram os limites frágeis entre o eu e o outro via o corpo
O adoecer implica, entre outras coisas:• Reconhecimento de estar enfermo em seu grupo • Necessidade de se adequar ou driblar o período de tratamento
conforme suas crenças, sua história
• Grande limitador da cura completa entender como se pode ajudar muitas pessoas com muitas histórias e manejos de saúde
O que sabemos e fazemos?
Diferentes fontes de conhecimento que interagem ao longo da vida para diferentes situações
Sistema biomédico e leigo (cultural)• Com o tempo o corpo cobra
Predisposição para fatores de risco presentes no caso não são só leigas
Adaptações ou reorganizações de conhecimentos biomédicos em situações específicas ou contextuais
Situação conjugal, gênero e adesão
A classificação entre indivíduos doentes casados, separados ou solteiros foi importante para a análise quando os comportamentos e as narrativas foram comparadas
A situação conjugal atual, gênero e estar doente tem uma grande implicação no tratamento.
19 homens
Preocupações mais diluídas sobre a doença
• aderem menos às recomendações médicas
Não alteram seu modo/estilo de vida
• autônomos, livres, independentes (sexo/mulher, jogo, álcool, noite)• não esmorecer com dores corporais (coisa de mulher)• modificarem seus hábitos, durante os 6 meses (fumo e bebida)
Reclamam dos efeitos colaterais e quantidade nos 6 meses
• causa mais problema do que cura• Sintoma cessa a interrompem temporariamente o tratamento
Se sentem apenas responsáveis por si quando não têm filhos ou têm e não convivem com eles
11 não-adesão
Cura – com tratamento irregular Apoio da mãe ou irmãos foi fundamental
Homens solteiros ou separados
Alteram hábitos importantes do cotidiano (lazer, familiar ou trabalho)
Casadas Casados
Ênfase nos sintomas, sem sintoma – cura Solteiras Solteiros
Maior preocupação moral do que recuperação física
Casadas Solteiros e casados
Queixas dos efeitos colaterais dos medicamentos afetando a ingestão diária
Solteiras Solteiros
Buscam um evento específico para a TB Casadas e solteiras Casadas e solteiros
Buscam em pessoas próximas - responsabilidade do outro (a vida/trabalho ou amigos)
Casadas Casados
Escondem o diagnóstico - Família ou amigos Casadas e solteiras Casados
Manipulam os medicamentos afetando a adesão Solteiras Solteiros
O que fazer?
TB no Brasil – amplitude de diferenças
DOTS é uma solução com limites• Implantação• Treinamento• Busca ativa• ‘Controle’ regular
Médicos não serem tão especialistas• Os doentes não encaram desta forma• Uma TB não é apenas uma TB• 6 meses de tratamento não deveriam ser representados por seis
contatos
O que fazer? Não somente medicar (antigo!!!)
• Avaliar nos retornos as implicações da doença na vida cotidiana
• Diferenças entre homens e mulheres
• Casados e solteiros
• Desempregados e trabalhadores
Ouvir e conversar
• Como fazer isso na correria/sobrecarga? Com sobrecarga só emergência funciona
• Apoio familiar - requerer ao longo do processo terapêutico
• Conhecer a situação familiar é importante; fazer alianças
Equipe trabalhar afinada Educação médica Educação para saúde
Cartaz campanha
Lembrar
Obedecer à prescrição dos medicamentos é concretizar a doença, mas é também efetivar as limitações também físicas.
Ao manipular o tratamento os indivíduos engendram uma forma própria de lidar com estes aspectos (alguns apontados) e com as características mórbidas de que são portadores da forma como entendem ser melhor, mesmo que elas sejam contrárias a uma cura nos moldes do PNCT.
Obrigada