Post on 13-Feb-2019
Anailton Guimares Salgado
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Trilhando os caminhos da educao:
um olhar sobre a Universidade da Floresta - Acre
Anailton Guimares Salgado
Anailton Guimares Salgado
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO LINHA DE PESQUISA: ESTRATGIAS DE PENSAMENTO E PRODUO DE CONHECIMENTO
GRUPO DE ESTUDOS DA COMPLEXIDADE - GRECOM
Trilhando os caminhos da educao:
um olhar sobre a Universidade da Floresta Acre
Anailton Guimares Salgado
Natal/RN 2009
Anailton Guimares Salgado
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Anailton Guimares Salgado
Trilhando os caminhos da educao:
um olhar sobre a Universidade da Floresta Acre
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientadora: Prof Dr Wani Fernandes Pereira
Natal/RN
2009
Anailton Guimares Salgado
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Anailton Guimares Salgado
Trilhando os caminhos da educao: um olhar sobre a Universidade da Floresta Acre
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Wani Fernandes Pereira (Orientadora)
Universidade Federal do rio Grande do Norte - UFRN
Prof Dr. Cleidison de Jesus Rocha (Examinador)
Universidade Federal do Acre - UFAC
Prof Dr Maria da Conceio Xavier de Almeida (Examinadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Porf Dr Ana Lcia Assuno Arago (Suplente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Anailton Guimares Salgado
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Diviso de Servios Tcnicos
Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Salgado, Anailton Guimares.
Trilhando os caminhos da educao: um olhar sobre a Universidade da Floresta / Anailton Guimares
Salgado. Natal, RN, 2009.
150 f.
Orientadora: Wani Fernandes Pereira.
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Cincias Sociais
Aplicadas. Programa de Ps-Graduao Educao.
1. Universidade da Floresta (Acre) Dissertao. 2. Movimentos sociais Dissertao. 3. Complexidade
Dissertao. 4. Educao Dissertao. I. Pereira, Wani Fernandes. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Ttulo.
RN/UF/BCZM CDU 378.4(043.3)
Anailton Guimares Salgado
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Aos meus pais Salgado e Maria, que me deram a vida e a educao apoiando-me sempre nos rumos de minha caminhada em busca dos meus sonhos.
A vocs, todo meu amor!
minha filha Michelle, fonte de minha vida, que mesmo nos momentos distantes se fez presente pelo nosso amor e que hoje me d a alegria de estar ao meu lado, compreendendo-
me e me apoiando. A voc filha, todo meu amor!
Aos povos da floresta pela cumplicidade nos ensinamentos,
A ns, filhos da natureza!
Anailton Guimares Salgado
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AGRADECIMENTOS
A vida nos mostra vrios caminhos! Percorr-los, conhec-los significa enfrentar os desafios, fazer a escolha certa e caminhar com tenacidade. Certamente, nessa caminhada, somos surpreendidos por muitas coisas e uma delas descobrir o novo: novos conhecimentos, novas pessoas, novas aprendizagens, um novo lugar. Enfim, uma nova vida! Nesse novo caminho pude compreender que no estamos ss e que, ao compartilhar com o outro as coisas da vida, dividimos nossos sonhos, nossas experincias, nossas alegrias e tristezas, nossos amores e enfrentamos tudo com mais facilidade. No esprito de aprender, de compartilhar e de respeitar, que fao meus agradecimentos!
Manter viva a chama da f me impulsiona a vencer todos os obstculos e a seguir meu caminho com fora e otimismo. A ti, meu Deus, agradeo pelo dom da vida e pela f.
Os ensinamentos recebidos em casa, a dedicao, o jeito de amar e uma boa educao foram fundamentais para a minha formao. Aos meus pais, minha eterna gratido por me apoiarem e acreditarem em mim.
Ter recebido um presente de Deus na minha vida foi algo inesquecvel: minha filha Michelle! s a inspirao do meu viver e que sempre soube compreender e aceitar a distncia que nos separava, mas que ao mesmo tempo nos fortalecia pelo nosso amor. Obrigado, filha, pela pacincia, pela ajuda e por estar hoje ao meu lado. Te amo!
Crescer juntos e ter uma convivncia fraterna fortaleceram nossos laos e sentimentos. s minhas irms Socorro, Maria Lcia e ngela, pelos momentos de aprendizagens vividos, pelo respeito, considerao, incentivo e pelo nosso jeito de amar.
Um carinho, um gesto e algumas palavras de estmulo na hora certa nos deixam fortalecidos para simplesmente seguir. s minhas tias Silvya, Cleide, Nely, Auraniz e Nilda, pelo jeito de me sentir seguro e amado.
s vezes preciso tomar decises e com sabedoria seguir novas direes nos varadouros da vida. Conhecer Wani, t-la como minha orientadora neste percurso e compartilhar de suas experincias enriqueceram minhas aprendizagens. A voc Wani, meu obrigado especial.
A pluralidade de conhecimento enriquece nossa formao. Conhecer Ceia Almeida e partilhar de sua companhia nos alimenta de saberes. A voc Ceia, minha admirao e respeito. Um brinde vida!
As informaes acadmicas na conduo desse processo de formao qualificada foram muito importantes. coordenao do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRN e seus funcionrios, pelo apoio, amizade e respeito.
Anailton Guimares Salgado
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Encontrar algum especial como ganhar um presente da vida. Conhecer Ana Lcia Arago, partilhar de seus ensinamentos, dos bons momentos, enriqueceu minha formao. A voc Ana, todo meu carinho, gratido e reconhecimento. Obrigado por tudo!
Os investimentos tambm so contemplados por grandes contribuies. Ao CNPq, pela concesso da bolsa que fortaleceu o caminhar da pesquisa.
Contar com os verdadeiros amigos saber que no estamos ss! A voc Snia, toda minha gratido pelas conversas, pelo nimo, pelas informaes e por compartilhar desse momento importante de minha vida.
A qualificao na vida de um professor fundamental e importante. Meus agradecimentos ao Governo do Estado do Acre, atravs da Secretaria de Educao, por compreender a importncia dessa qualificao com a liberao de minhas atividades para a realizao do mestrado. UFAC e ao Campus Floresta, meus agradecimentos.
natural da amizade um abrao, um sorriso e at um empurro! Ao meu grande amigo Cleidson, pelo incentivo, pelos desabafos, por acreditar que tudo daria certo e pela cumplicidade no trabalho e na vida.
Uma boa amizade se reflete em vrios momentos da vida, segue caminhos muitas vezes inexplicveis, possibilitando encontros e reencontros. A vocs, Graa e Marcos, amigos do ontem e que se fazem presente no hoje... Obrigado!
Amparar algum significa ajud-lo e receb-lo nas horas precisas. Ao amigo Sena, por ter me recebido em sua casa na minha chegada a Natal e pelas conversas nas redes de sua varanda embaladas pela brisa do vento. A voc, minha gratido.
Nos momentos difceis da vida sempre encontramos algum que nos estende a mo. Ao amigo e deputado estadual Edvaldo Magalhes, pelo grande apoio nas horas precisas.
A vida nos proporciona momentos de grandes aprendizagens. Que bom quando partilhamos. Aos amigos irmos Ademrcia, Aldecy, Elane e Simplcio, meu carinho e minha gratido pelos diferentes momentos.
Quando sonhamos, no devemos desistir dos sonhos e sim lutar por eles. Ao amigo conterrneo e deputado federal Henrique Afonso, pela valiosa contribuio sobre as informaes da Universidade da Floresta. Um brinde s nossas conquistas.
O cheiro de incenso e as borboletas que polinizam o conhecimento indicavam a energia de um lugar especial. Ao GRECOM - Grupo de Estudos da Complexidade, pela partilha das experincias e da complexidade.
Anailton Guimares Salgado
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As novas e boas amizades fortalecem os laos da vida e com o tempo nos deixam saudades. Aos amigos de jornada que ousaram do mesmo sonho comigo: Ins, Bosco, Venncio, Samir, Cac, Renato, Analwik, Paula Vanina, Rose, Luciane, Iesu, Saymonton, Walmir, Carley, Hostina, Aline e Anete. s bolsistas Louize e Wiliane. Valeu por tudo.
O calor e as belezas de Pirangi- RN em meio simplicidade me brindam com um grande presente: uma nova famlia! amiga Ponira (mame) pela acolhida, por nossas conversas, enfim, por tudo. Ao irmo Mauricio, pela nossa amizade, pelos momentos de lazer acompanhados ao som do violo. Meu carinho especial a Yago e Yuri. Obrigado por fazerem parte da minha vida.
Uma boa conversa, um bom dilogo baseado na experincia nos ajuda a tomar decises. Aos amigos professores Jonas Filho e Aroldo, pelo incentivo num momento to importante e pelo valor de minha qualificao.
Aos amigos que tambm so frutos desta caminhada e que me ajudaram cada um sua maneira: Naput, Snia Meire, Mrcia Carvalho, Munira, Max e Dirceu.
Os bons profissionais so importantes em nossas conquistas. Aos professores do PPGEd-UFRN, pelo carinho e inspirao na arte de aprender mais. Obrigado a rika, Karenine e Pereira pelos momentos de aprendizagem.
Contar com os amigos fundamental quando precisamos. Meus agradecimentos ao amigo e professor Mauro Uchoa, pelas informaes do Campus Floresta e amiga Olvia Neta, pela pacincia e os importantes conhecimentos de informtica necessrios neste trabalho. Valeu!
Pelos varadouros da vida, amigos e histrias so construdos. Aos amigos da floresta, os seringueiros Antnio de Paula e Chico Ginu. Obrigado pelos ensinamentos.
Os verdadeiros amigos so simplesmente verdadeiros e nos querem bem. A voc Kilza, todo o meu afeto e minha amizade. Obrigado pela compreenso, pelas conversas, pelo apoio e por estar ao meu lado neste momento to importante de minha vida.
A tecnologia tambm nos possibilita novas aproximaes. A voc Margarida Knobbe, pela contribuio na reviso deste trabalho que nos permitiu novos dilogos. Muito obrigado!
E os momentos raros tambm fazem parte de nossa histria. Aos grandes intelectuais Edgar Morin e Edgar Carvalho, pelas ricas palavras e orientaes. Um brinde aos nossos encontros.
Natal e Pirangi! Lugares de muitas belezas que me proporcionaram importantes momentos de lazer e conhecimentos. Aos cardpios e praias sempre nas lembranas. Foi muito bom!
Anailton Guimares Salgado
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RESUMO
Acre! Um lugar mtico marcado por lutas e conquistas que traz em sua histria as belezas de suas riquezas naturais e diversidade cultural. Esse o cenrio em que se constitui este trabalho como resultado de estudos sobre a implantao de uma Universidade na regio do Alto Juru-Acre, denominada de Universidade da Floresta. Ela surge como processo de fortalecimento e expanso do Campus da Universidade Federal do Acre, no municpio de Cruzeiro do Sul. Embalado pelos movimentos sociais que mudaram os rumos de sua histria, incluindo a identidade acreana, o Acre resguarda aos seus filhos o direito de exigir conscincia ecolgica e desenvolvimento com a preservao da floresta e a sustentabilidade. Assim, os movimentos como empates, socioambientalismo e florestania impulsionaram o projeto de implantao da Universidade da Floresta, na qual o reconhecimento dos saberes das populaes tradicionais e o convvio dirio desses povos com a natureza representam um novo paradigma para o conceito de universidade. Tudo isso aponta para uma nova forma de pensar e sistematizar a educao. Para desenvolvimento das anlises sobre a implantao dessa Universidade, me fundamentei nos princpios referendados pela abordagem da complexidade por meio dos pensamentos de grandes sbios, entre os quais destaco Edgar Morin, Claude Lvi-Strauss e Conceio Almeida. Para o meu caminhar metodolgico, optei por trilhar caminhos denominados de varadouros, nos quais minha escrita se constri a partir do meu olhar, do meu sentir e de minhas conversas com a floresta. Dessa forma, apresento os princpios e estrutura interinstitucional da Universidade da Floresta, formada por trs grandes eixos: Centro de Formao e Tecnologias da Floresta CEFLORA, Instituto da Biodiversidade e Manejo Sustentvel dos Recursos Naturais IB e o Campus UFAC / Floresta. Essas trs unidades, com o objetivo de ter funcionalidade de modo integrado, compem o trip ensino, pesquisa e extenso da Universidade da Floresta. Por fim, diante da especificidade dessa Universidade e de suas propostas, afirmo a importncia de interao entre os saberes da tradio e os saberes da academia como forma de valorizar a cultura dos povos da floresta.
Palavras-chave: Universidade da Floresta. Movimentos sociais. Complexidade e Educao.
Anailton Guimares Salgado
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RESUMEN
!Acre! Un lugar mstico marcado por las luchas y conquistas que traen en su historia las bellezas de sus riquezas naturales y la diversidad cultural. Este es el escenario en que se constituye ese trabajo como resultado de estudios sobre la implantacin de una universidad en la regin del Alto Juru-Acre, denominada de Universidad de la Floresta. Esta surge como proceso de fortalecimiento y expansin del Campus de la Universidad Federal de Acre, en el municpio de Cruzeiro del Sul. Envuelto por los movimientos sociales que cambiaron los rumbos de su historia, incluyendo la identidad acreana, Acre resguarda a sus hijos el derecho de exigir conciencia ecolgica y desarrollo con la preservacin de la floresta y de la sustentabilidad. As, los movimientos como empates, socioambientalismo y florestana impulsionarn el proyecto de implantacin de la Universidad de la floresta, donde el reconocimiento de los saberes de las poblaciones tradicionales y el convvio dirio de eses pueblos con la naturaleza representa un nuevo paradigma para el concepto de universidad. Todo eso apunta para una nueva forma de pensar y sistematizar la educacin. Para el desarrollo del anlisis sobre la implantacin de esra universidad me fundament en los princpios referendados por el abordaje de la complejidad a travz de los pensamientos de grandes sbios, entre los cuales destaco Edgar Morin, Claude Lvi-Straus y Conceio Almeida. Para transitar metodolgicamente opt por trillar en caminos futiristas, donde mi escrita se construye a partir de mi punto de vista, de mi sentir y de mis conversaciones con la Floresta. De esta forma, presento los princpios y la estructura interinstitucional de la universidad de la Floresta, formada por tres grandes ejes: Centro de formacin y tecnologas de la Floresta CEFLORA, Instituto de la Biodiversidad y Manejo Sustentable de los recursos Naturales IB y el Campus UFAC / Floresta. Estas tres unidades devern funcionar de modo integrado componiendo el trip enseanza, pesquisa y extensin de la Universidad de la Floresta. Por fin, delante de la especificidad de esta universidad y de sus propuestas, afirmo la importancia de interactuar los saberes de la tradicin a los saberes de la academia como forma de valorizar lLa cultura de los pueblos de la floresta.
Palabras-claves: Universidad de la Floresta. Movimientos sociales. Complejidad y educacin.
Anailton Guimares Salgado
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Cruzeiro do Sul antiga (AC) ................................................................. 16
Figura 2 - Cruzeiro do Sul antiga s margens do rio Juru .................................. 17
Figura 3 - Procisso de Nossa Senhora da Glria ............................................... 18
Figura 4 - Enchente no Bairro da Lagoa, Cruzeiro do Sul (AC) ............................ 20
Figura 5 - Vista area de Cruzeiro do Sul (AC) .................................................... 23
Figura 6 - Antigo Campus da UFAC, Cruzeiro do Sul (AC) .................................. 24
Figura 7 - Borboletas no GRECOM-UFRN ........................................................... 26
Figura 8 - Espao do GRECOM-UFRN ................................................................ 27
Figura 9 - Casa de ribeirinho (AC) ........................................................................ 28
Figura 10 - Produtos da regio do Alto Juru (AC): farinha, peixe e guaran ...... 31
Figura 11 Representao da biodiversidade amaznica ................................... 33
Figura 12 - A florestania e a interao de conhecimento ..................................... 35
Figura 13 - Varadouro na floresta ......................................................................... 38
Figura 14 - Paisagem acreana ............................................................................. 43
Figura 15 - Seringueiro defumando o ltex .......................................................... 44
Figura 16 - Mapa geogrfico do estado do Acre .................................................. 47
Figura 17 - Populaes tradicionais em suas colocaes .................................... 48
Figura 18 - Povos indgenas no Acre ................................................................... 49
Figura 19 - Rio Juru ............................................................................................ 50
Figura 20 - Parque Nacional da Serra do Divisor ................................................. 51
Figura 21 - Reserva Extrativista do Alto Juru (AC) ............................................. 52
Figura 22 Balnerio do Igarap Preto, Cruzeiro do Sul (AC)............................. 52
Figura 23 - Praa do Centro Cultural, Cruzeiro do Sul (AC) ................................. 53
Figura 24 - Monumento ao coronel Gregrio Thaumaturgo de Azevedo ............. 54
Figura 25 - Bandeira de Cruzeiro do Sul (AC) ...................................................... 55
Figura 26 - Vista area de Cruzeiro do Sul (AC) .................................................. 56
file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513528file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513529file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513530file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513531file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513532file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513533file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513534file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513535file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513536file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513537file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513538file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513539file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513540file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513541file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513542file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513543file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513544file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513545file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513546file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513547file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513548file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513549file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513550file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513551file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513552file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513553
Anailton Guimares Salgado
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Figura 27 - Mutambas floradas ............................................................................. 57
Figura 28 Curupira ............................................................................................ 57
Figura 29 - Chico Mendes na criao do Sindicato em Xapur (AC) .................... 59
Figura 30 - Empates no Acre ................................................................................ 60
Figura 31 - II Encontro Nacional dos Seringueiros, Rio Branco (AC) ................... 63
Figura 32 - Extrativismo e manejo sustentvel ..................................................... 65
Figura 33 - Corte de borracha nos Centros de Florestania .................................. 68
Figura 34 - Escola indgena.................................................................................. 70
Figura 35 - Escola Estadual Craveiro Costa......................................................... 71
Figura 36 - Braso da UFAC ................................................................................ 74
Figura 37 - Setor de aulas do antigo Campus da UFAC, Cruzeiro do Sul ............ 75
Figura 38 - Campus Floresta, Cruzeiro do Sul (AC) ............................................. 79
Figura 39 - O saber do seringueiro ....................................................................... 86
Figura 40 Setor administrativo do Campus Floresta-UFAC............................. 100
Figura 41 - Setor de aulas do Campus Floresta-UFAC ...................................... 101
Figura 42 - A floresta e seus varadouros ........................................................... 105
Figura 43 - Cantina do Campus Floresta-UFAC ................................................. 113
Figura 44 Riquezas da floresta ........................................................................ 114
Figura 45 - Filhos da floresta .............................................................................. 116
Figura 46 O corte da seringa ........................................................................... 119
file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513554file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513555file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513556file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513557file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513558file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513559file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513560file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513561file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513562file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513563file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513564file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513565file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513566file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513567file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513568file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513569file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513570file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513571file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513572file:///C:\Users\Olivia%20Neta\Desktop\NIL\DISSERTAO%20ANAILTON%20GUIMARAES%20SALGADO.doc%23_Toc241513573
Anailton Guimares Salgado
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VARADOUROS
Tempos, momentos, movimentos ................................................................ Do ontem ao hoje.............................................................................................. Do Norte para o Sudeste.................................................................................. O retorno........................................................................................................... Do Norte para o Nordeste................................................................................. Momentos e movimentos..................................................................................
15 16 22 24 25 28
Varadouro I: O Estado do Acre: Alto Juru e Cruzeiro do Sul................... Navegando no Acre.......................................................................................... Nos caminhos do Alto Juru............................................................................. Sob a luz de Cruzeiro do Sul............................................................................
40 43 50 53
Varadouro II: Os movimentos sociais do Acre e os caminhos da Educao: dos Empates ao Socioambientalismo e da Florestania Universidade................................................................................................... Dos Empates ao Socioambientalismo.............................................................. Socioambientalismo e Florestania.................................................................... Da Florestania Universidade..........................................................................
58 60 65 70
Varadouro III: Universidade da Floresta....................................................... Universidade da Floresta: misso e estrutura institucional ............................. Centro de Formao e Tecnologias da Floresta CEFLORA......................... Instituto da Biodiversidade e Manejo Sustentvel dos Recursos Naturais IB....................................................................................................................... Campus da UFAC Floresta............................................................................
78 91 94
96 98
Varadouro IV: Nos caminhos da floresta......................................................
104
Conversas com a floresta..............................................................................
118
Referncias...................................................................................................... 138 Anexos
Anailton Guimares Salgado
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A vida na mata muito dura,
mas viver lutar. (...)
Essa luta dura apavora os medrosos,
mas provoca e anima os corajosos!
Raimundo Farias Ramos (Cabor, seringueiro)
Anailton Guimares Salgado
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Anailton Guimares Salgado
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Um dia me disseram que as nuvens no eram de algodo Um dia me disseram que os ventos s vezes erram a direo
E tudo ficou to claro, um intervalo na escurido Uma estrela de brilho raro, um disparo para um corao...
Somos quem podemos ser Sonhos que podemos ter...
Engenheiros do Hawai
Do ontem ao hoje
o era uma
vez um
sonho! Era a
realidade da vida simples de
uma cidade que se mostrava
pela natureza de seus
lugares e pelo jeito simples
de viver das pessoas. Assim
se definia Cruzeiro do Sul,
no Acre, minha terra natal!
Ali vivamos intensamente. Longe das facilidades e benefcios dos grandes
centros, buscvamos viver nossa maneira. Com as fortes lembranas que
marcam os bons momentos da vida, numa linguagem bem regional, prpria do
meu lugar, vou ao ontem sem me preocupar com a preciso das horas, dos dias,
dos anos. Quero apenas recordar, perceber e narrar o que penso ser relevante
desses momentos vividos para o meu hoje.
O amanhecer em Cruzeiro do Sul anunciava-se com o cantar do galo. Antes
mesmo do nascer do sol, ainda com um resto da escurido da noite, algumas
estrelas permaneciam no cu e, aos poucos, iam se recolhendo, despedindo-se
N
Figura 1 - Cruzeiro do Sul antiga (AC) Fonte: Retratos do Juru 2, 2006.
Anailton Guimares Salgado
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com o brilho que iluminara as ruas e caminhos que logo iam sendo percorridos
pelas pessoas que se dirigiam ao mercado pblico. Ali se formava a famosa
cobrinha1, onde os amigos, vizinhos, chefes de famlia, se posicionavam, se
cumprimentavam e num bom papo falavam de si, das novidades e da vida,
enquanto eram atendidos pelos magarefes2 na compra de uma boa carne. As
conversas se estendiam tambm na beira do rio onde os pescadores ofereciam,
em suas canoas, a melhor embiricica3 de peixe.
Complementando esse cenrio, as
badaladas do sino da igreja
ecoavam fortemente, chamando
seus fiis para a primeira missa do
dia. Os comerciantes se dirigiam
ao mercado pblico para abrir os
quartos4 nos quais eram vendidos
os variados tipos de produtos.
Logo na entrada do mercado,
viam-se as diversas banquinhas5 de po que, ao pblico, apresentavam as
variedades. O cheiro do caf exalando nos corredores indicava que as portas das
penses6 tambm abriam esperando por seus fregueses que, mais tarde,
voltariam para o almoo.
Tudo parecia muito simples! Nas noites, nos alegrvamos com as belas serestas7
nos pequenos clubes, e ouvamos muitas vezes as lindas canes romnticas
1 Grande fila sinuosa formada por pessoas que se posicionavam na espera de comprar carne ao amanhecer no mercado pblico da cidade. 2 Tipo de aougueiro que faz os cortes dos animais (boi e porco) abatidos. 3 Ala feita de casca ou cip que amarra os peixes pela boca. 4 Pequenos estabelecimentos construdos lado a lado dentro do mercado para a venda de produtos variados. 5 Pequena vitrine construda em madeira com uma parte de vidro para expor o produto venda. 6 Outro tipo de estabelecimento dentro do mercado onde se comercializa uma grande variedade de comidas. 7 Serenatas; pequenos bailes. 8 Lugares onde acontece o corte da seringa para a extrao da borracha.
2 Tipo de aougueiro que faz os cortes dos animais (boi e porco) abatidos. 3 Ala feita de casca ou cip que amarra os peixes pela boca. 4 Pequenos estabelecimentos construdos lado a lado dentro do mercado para a venda de produtos variados. 5 Pequena vitrine construda em madeira com uma parte de vidro para expor o produto venda. 6 Outro tipo de estabelecimento dentro do mercado onde se comercializa uma grande variedade de comidas. 7 Serenatas; pequenos bailes.
Figura 2 - Cruzeiro do Sul antiga s margens do rio Juru Fonte: http://altino.blogspot.com/2008/04/fotos-antigas-do-
acre.html
Anailton Guimares Salgado
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que os apaixonados cantavam nas serenatas durante as madrugadas, na
tentativa de conquistar o corao de suas amadas. A alegria aumentava mais
ainda quando se aproximava o ms de agosto e a comemorao do maior festejo
da cidade: o novenrio de Nossa Senhora da Glria! Todos se preparavam
ansiosamente! A cidade recebia seus filhos vindos dos seringais8, das fazendas,
dos ramais9, das pequenas vilas10, dos municpios prximos. Enfim, de diferentes
lugares, espalhando no ar um clima de animao. No comrcio, a agitao das
pessoas em busca de comprar um sapato novo e a dvida de escolher a cor ou o
tipo de fazenda11 para a confeco de uma roupa nova. O momento
proporcionava aos agricultores, seringueiros, pescadores, indgenas, entre outros,
um espao para exporem seus produtos venda, na tentativa de ganhar um
pouco mais de dinheiro.
Na ltima noite de novena, o dia da padroeira reunia uma multido! Ali todos, sem
distino, dividiam cada espao das ruas por onde seguia a procisso no ritmo
dos cantos entoados e das oraes proferidas pelos fiis homenageando Nossa
Senhora da Glria. Unidos
em coro, manifestavam
uma voz de f. Aps a
procisso e a santa missa,
o povo se divertia
degustando as comidas
tpicas nas barracas
montadas na praa,
ouvindo as msicas que
soavam de cada uma
delas, formando uma
confuso de sons. Outros
sentiam o frescor do vento
no balanar das
8 Lugares onde acontece o corte da seringa para a extrao da borracha. 9 Caminhos subsidirios de estradas de terra. Vias de acesso em rea rural onde residem colonos em casas construdas s margens dessas estradas ou vias. 10 Conjunto de pequenas casas semelhantes, dispostas de modo a formar rua ou praa. 11 Tipo de tecido para a confeco de roupas.
Figura 3 - Procisso de Nossa Senhora da Glria Fonte: www.czs.com.br
Anailton Guimares Salgado
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barquinhas12 e nos grandes giros da roda-gigante. As crianas corriam jogando
umas nas outras o puxa-encrenca13 num clima de diverso, enquanto os pais
tentavam arrematar a galinha-cheia14, o bolo de mandioca ou o jarro com flores
plsticas oferecidas no leilo. A voz do leiloeiro se tornava estridente, saindo da
boca de ferro15, indo ao longe, significando que a festa mantinha-se viva.
Tudo isso era muito prazeroso! Prazer que tambm se sentia em tomar banho nas
guas turvas do rio Juru16 que, em suas curvas, formavam lindas praias, onde
corramos em liberdade e ficvamos soltando papagaio17, refrescando-nos com o
sabor dos vipes18 vendidos pelo pequeno vendedor ambulante, cujos ps
descalos sentiam a quentura da areia branca e solta. Bom era juntar as moedas
e sentir-se realizado ao comprar o guaran Nauense ou Bar19 l no Flor de
Maio", um famoso bar da poca j no final da rua da Lagoa20. L s podia
frequentar gente grande, e sua clientela, digamos, um pouco ousada, aguava
nossa curiosidade de menino em relao s mulheres de ofcio contrrio
tradio das famlias da sociedade da poca.
Com o mesmo sabor de juntar moedas, imaginvamos o que acontecia por detrs
das janelas daquele bar e, no af da tenra idade, junto turma, ficvamos
debaixo do assoalho para curiar21 por entre as brechas22, o que j imaginvamos
acontecer. Os saltos das damas de duvidosa reputao rodopiavam no salo e
suas saias esvoaantes permitiam ver as cores que levavam nosso pensamento
para alm do proibido. Noutros espaos, os sussurros e gemidos nos conduziam
para alm dos nossos desejos.
12
Pequena barca ou espcie de canoa sustentada por quatro cordas presas a uma estrutura de madeira com objetivo de balanar num movimento de vai e vem. 13
Bombom envolvido em papel decorativo amarrado em uma fita elstica fina. usado preso ao dedo como uma espcie de anel com o objetivo de brincar jogando um no outro. 14
Galinha assada ao forno recheada de farofa e rodela de ovo cozido, decorada com azeitonas verdes espetadas em palitos de dente. colocada em pratos grandes de papelo e embalada em papel celofane. 15
Tipo de megafone. 16
Rio acreano que corta a cidade de Cruzeiro do Sul. 17
Espcie de pipa (brinquedo). 18
Espcie de refresco congelado em pequenos sacos plsticos; dindim; sacol (o nome varia dependendo da regio). 19
Marcas de refrigerantes da regio. 20
Nome de um bairro prximo ao rio Juru formado por palafitas onde residem muitas famlias, inclusive de pescadores. 21
Qualidade do curioso; olhar; ver; observar; desvendar. 22
Espaos alargados entre uma tbua e outra no assoalho de madeira.
Anailton Guimares Salgado
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Nos primeiros meses do ano, chegavam as enchentes: eram maravilhosas! Os
rios transbordavam com fora total e o encontro das guas do Ma23 com o Juru
formava um verdadeiro espetculo da natureza. Ali se via a gua barrenta ao lado
da gua preta sem se misturarem. Nesse perodo, a beleza da gua preta atraa
muita gente nas tardes de sol, que logo aps o almoo iam se banhar, passear de
canoa, pescar e brincar com as boias imensas feitas da cmara de ar dos pneus
de caminho. Todo o bairro da Lagoa composto por suas palafitas ficava
submerso. As ruas de terra ficavam debaixo dgua, formando ento ruas de
guas, onde o trfego de canoas e bateles24 era intenso.
Natureza viva! Viva como era a nossa interao simples, por vezes ingnua e
romntica, embalada por um ritmo de vida no qual predominava a tranquilidade.
Era assim que eu, ao lembrar os meus tempos de criana via meu lugar. No
tnhamos a agitao dos grandes centros, os avanos tecnolgicos que s mais
tarde foram chegando. Mas tnhamos nossas escolas que dividiam a
23 Rio acreano que desgua no rio Juru. 24 Espcie de barco aberto ou fechado, coberto por um toldo para proteger do sol ou da chuva.
Figura 4 - Enchente no Bairro da Lagoa, Cruzeiro do Sul (AC) Fonte: Retratos do Juru, 2005.
Anailton Guimares Salgado
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responsabilidade de uma boa educao e formao com os nossos pais, tendo
como objetivo garantir um futuro esperanoso.
Hoje, vejo que esse cenrio composto pela naturalidade de um lugar sossegado
apresentava dificuldades e deficincias na educao, na sade, na cultura, mas
existia a esperana de melhorias nas condies de vida. Aos poucos, essa
esperana foi movendo a vontade daqueles que buscavam seus objetivos de que
o desenvolvimento ali chegasse.
O rduo trabalho de famlias no campo e na lavoura, a falta de empregos para
muitos, a carncia das escolas em oferecer uma boa educao e a necessidade
de qualificar profissionais de diferentes reas tornaram-se motivaes para que
as pessoas se reunissem em torno de um objetivo para a chegada do progresso.
Nesse caminho, havia a conscincia de que a educao seria o melhor
investimento no s de cada um, mas de todos.
A vontade de crescer e o desejo de ampliar meus horizontes e conhecimentos me
motivaram a estudar, a me formar e ser um bom profissional. Para isso, seria
necessrio dar continuidade aos estudos, j que, na poca, nossas escolas
ofereciam o segundo grau como nvel mximo.
A ausncia do ensino superior em Cruzeiro do Sul levava muitos pais a
deslocarem seus filhos para alguns centros do pas, na expectativa de dar
continuidade aos estudos, pois todos desejavam v-los formados, munidos de um
diploma de terceiro grau, garantindo quem sabe, um bom trabalho e, com isso,
um futuro prspero.
No fugindo desse desejo, meus pais sempre se esforaram para que eu e
minhas irms tivssemos um bom aproveitamento nos estudos, assegurando
nossa permanncia nas melhores escolas da cidade. Lembro-me que em dias
chuvosos meu pai nos carregava nos braos pelos trajetos mais difceis das ruas
de terra que ficavam cobertas de lama, por no serem asfaltadas e nem
pavimentadas com tijolos, dificultando o acesso nesses tempos.
Anailton Guimares Salgado
22
Ainda no perodo chuvoso, o percurso at a escola se tornava uma aventura ao
nos depararmos com as grandes ladeiras, uma das caractersticas que integram a
paisagem de Cruzeiro do Sul-Acre. Entre elas se formavam atoleiros e, por isso,
colocvamos sacos plsticos nos ps, para proteger o kichute ou o conga, as
marcas de tnis mais usadas, evitando que ficassem sujos com a lama
escorregadia.
Todo esse esforo era o resultado para que no faltssemos s aulas! Lembro-
me de uma frase dita pelo meu pai: No tive a oportunidade de frequentar a
escola, pois tinha que trabalhar e ajudar no sustento da casa, portanto, fao o
impossvel para que vocs, meus filhos, possam ir escola, coisa que no fiz.
Meu sonho ver vocs formados!. Essas palavras se transformaram numa
misso e fomos luta, eu e minhas irms.
Por meio de contatos feitos com familiares que moravam no Rio de Janeiro, meus
pais conversaram comigo sobre a importncia de continuar os estudos e, pelo fato
de ainda no ter uma faculdade na cidade, decidiram que eu mudasse de lugar, o
que me deixou muito feliz e a pensar em minhas responsabilidades nesse novo
caminhar. No poderia decepcion-los, pois sentia que um grande investimento
estava sendo feito: o investimento no saber.
Do Norte para o Sudeste
Numa oportunidade, transferi-me para o Rio de Janeiro, que hoje percebo se
constituiu uma grande escola de vida. Iniciei alguns cursos, ingressei no mercado
de trabalho e adquiri certo amadurecimento para definir, realmente, o que eu
queria.
preciso novamente mudar de lugar. A fim de alar novos voos e na busca de
minha formao superior, escolhi a cidade de So Paulo como o lugar onde tudo
poderia dar certo. Com esse sentimento, ingressei na universidade, cursando
Pedagogia, j que fizera magistrio no segundo grau (nomenclatura da poca) e
tinha, de certa forma, a habilidade para ser um educador. A oportunidade de atuar
como profissional da educao veio logo a seguir. Paralelamente aos estudos,
comecei a trabalhar como secretrio em uma escola, passando a coordenador
Anailton Guimares Salgado
23
pedaggico quando se aproximava a concluso do curso. Logo depois da
formatura, passei a trabalhar tambm em outra escola como professor. Com
essas oportunidades aprendi a pr em prtica os conhecimentos tericos
recebidos na universidade.
De repente, um fato marcante! Nasce minha filha, um presente de Deus, que se
tornou uma das inspiraes do meu viver, trazendo-me mais responsabilidades,
mais vontade de vencer na vida e principalmente o prazer de ser pai. Senti ento
que dali em diante no poderia sequer parar no tempo por quaisquer
circunstncias que me fossem apresentadas. Precisava me manter motivado para
investir em mim mesmo
e, para isso, a grande
ferramenta seria buscar
cada vez mais novos
conhecimentos por meio
dos estudos para uma
formao mais slida.
Ausente da minha
simples cidade natal e
com a vivncia de outro
lugar, pude conhecer e
experimentar novas
formas de viver em
diversas oportunidades
que se foram construindo em minha vida. Enquanto isso, Cruzeiro do Sul tambm
buscava seu crescimento, mudanas e investimentos vislumbrando melhorias,
entre as quais a conquista da implantao do ensino superior em nossa cidade.
Figura 5 - Vista area de Cruzeiro do Sul (AC) Fonte: www.czs.com.br
Anailton Guimares Salgado
24
O retorno
Depois da concluso do curso de Pedagogia e de uma especializao em
Psicopedagogia, realizados em So Paulo, retornei para Cruzeiro do Sul com a
felicidade de perceber alguns progressos. Um deles foi a implantao de um
Campus Universitrio, atendendo no s ao municpio, mas toda a regio. Logo
em seguida, fui aprovado num concurso pblico realizado pela Universidade
Federal do Acre em
convnio com o Governo do
Estado. Fui admitido para
compor o quadro de
professores do Campus, no
curso de Pedagogia que
acabara de ser implantado.
A partir de ento, passei a
desenvolver minha vida
profissional trocando
experincias, aprendendo
sempre e atuando tambm
em outras funes. Nessa
poca, alm da
universidade, trabalhei
numa escola de Ensino Mdio, nas funes de diretor interino, coordenador
pedaggico e presidente do Conselho Escolar.
A universidade passou a ser um espao de novas conquistas, aprendizagens e
dilogos, ampliando a possibilidade de outros saberes, exigindo a necessidade de
qualificao do quadro docente, rompendo seus muros e ampliando o
atendimento s suas demandas.
As inquietaes permaneceram ao longo dos anos de trabalho. Surgiu ento a
oportunidade, j em um novo tempo, de complementar minha formao. Participei
da seleo a nvel de mestrado em educao na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Fui aprovado e minha vida adquiriu um novo rumo. Fez-se
Figura 6 - Antigo Campus da UFAC, Cruzeiro do Sul (AC) Fonte: Acervo de Anailton Guimares Salgado
Anailton Guimares Salgado
25
necessrio meu afastamento do Campus para a qualificao; no entanto,
reconheo que contribu e me dediquei integralmente na construo da histria do
Campus Universitrio para atender aos anseios da sociedade oferecendo um
ensino de qualidade.
Do Norte para o Nordeste
Da minha cidade natal, Cruzeiro do Sul-Acre, cheguei a um lugar chamado Natal
no ano de 2007. Neste meu novo tempo e espao me deparei com lindas
paisagens da cidade do sol em meio a dunas, praias, coqueiros que me envolvem
quando contemplo o verde do mar e ao sentir o vento forte sempre presente. Logo
imaginei que toda essa beleza seria fonte de inspirao no meu caminhar.
Trazia na minha mala uma experincia no s de vida, mas tambm de um
trabalho desenvolvido na rea educacional. As funes de secretrio escolar, de
coordenador pedaggico, de presidente do Conselho em uma escola de ensino
mdio e tambm de atuar em sua administrao, como j dito anteriormente,
fizeram-me conhecer e compreender com profundidade os problemas que ora
enfrentamos na educao em nosso pas. Aprendi que temos muito a fazer
quando assumimos nossas responsabilidades. O ingresso no ensino superior
tambm me proporcionou uma nova aprendizagem como professor e
administrador do Campus da Universidade Federal do Acre em minha cidade, e
principalmente a percepo das transformaes pelas quais vem passando a
educao superior em benefcio de um ensino de qualidade. Tudo isso me
motivou a dar continuidade em minha formao acadmica.
O reencontro com alguns conterrneos do Acre, como companheiros de estudo,
me deu mais segurana pelos desabafos e, ao mesmo tempo, manteve viva a
lembrana de nossa terra por meio das prosas. Fazer novas amizades foi
importante, pois com os amigos pude compartilhar muitos momentos e ter a
certeza de que no estamos ss quando temos ao lado algum que nos estima e
considera.
Com o incio do curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em
Educao na Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN comeou a
Anailton Guimares Salgado
26
minha terceira jornada de formao, de novas aprendizagens e conhecimentos.
Integrado na linha de pesquisa Estratgias de Pensamento e Produo de
Conhecimento, cheguei ao Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM) que,
a partir de ento, passou a ser o espao e a base de estudos de minha formao.
Ali conheci outras pessoas. O cheiro do incenso aceso significava, para mim, a
energia do lugar. Observei cada detalhe como uma criana curiosa que quer
saber das coisas. Li frases, avisos, pensamentos de tericos expostos nos
banners e quadros que decoram a sala; vi tambm as fotografias que expressam
e celebram um momento da vida. Me chamaram a ateno as inmeras
borboletas esculpidas de diferentes materiais, em diferentes formas e cores que
me pareciam dizer algo. Com a mesma curiosidade descobri, mais tarde, o
significado que a borboleta tem para o grupo. Ao ler o livro Ciclos e
Metamorfoses: uma experincia de reforma universitria, escrito por Conceio
Almeida e Margarida Knobbe, encontrei a histria do GRECOM e o sentido da
borboleta como uma grande
metfora da transformao da vida.
No seu percurso de vida, a borboleta
o resultado da transformao da
lagarta, que dentro da crislida
passa por um estgio intermedirio
de vida, religando elementos
capazes de gestar uma nova forma
da mesma vida, a borboleta.
(ALMEIDA; KNOBBE, 2003). Sim, a
borboleta o smbolo do GRECOM!
Vi ali um lugar diferente, composto de espaos mestios que de certa forma
parecem desafiar o paradigma cientfico clssico, por fazer o diferente. Aquele
espao iluminado pelo esprito de religar saberes seria, a partir de ento, tambm
o meu espao como pesquisador, amigo e aprendiz! Recordo-me, agora, das
palavras de Teresa Vergani, quando em sua primeira visita ao GRECOM, em
junho/2001, deixou registrado em testemunho as suas impresses desse grupo,
que posteriormente foi publicado como apresentao do livro Ciclos e
Figura 7 - Borboletas no GRECOM-UFRN
Fonte: Acervo de Anailton Guimares Salgado
Anailton Guimares Salgado
27
Metamorfoses: uma experincia de reforma universitria, de Almeida e Knobbe
(2003, p. 5-6):
Lugar, pois de muitos espaos. Lugar feito de rostos, onde cada rosto acendia um fogo e onde cada fogo se deixava habitar por uma fonte. Portanto, lugar de olhos, de incndios e de espumas.
(...)
Fluxo generoso da expanso fecundado pelo refluxo centrpeto da reflexo. Por momentos tudo vertiginosamente se esboroa, na impetuosidade do relmpago que destri a velha segurana das certezas. Depois, tudo lentamente comea a convergir e amadurece a permanente combusto/aurora que gera o casulo, o ninho, a casa.
Nesse incio, reencontrei a professora Dr Wani Fernandes Pereira, minha
orientadora e, com a convivncia, pude perceber sua ateno e que seus
ensinamentos e orientaes complementariam os rumos do meu trabalho. Tive
tambm o privilgio de conhecer a professora Dr Ceia Almeida, coordenadora
do GRECOM. Essa intelectual de renome internacional acolhe cada um que ali
chega com simpatia e, com determinao, desenvolve as aes do grupo
proporcionando aos mestrandos e doutorandos, de diversas reas e lugares, o
crescimento intelectual como pesquisadores envolvidos no fazer e no
compreender do pensamento complexo.
no GRECOM, na UFRN, que passei a construir e a compartilhar novas
experincias de vida e produo do conhecimento que vm alimentando minha
caminhada acadmica e a superar os momentos difceis vivenciados durante esse
percurso.
A partir de ento mostrarei os caminhos definidos para a organizao deste
trabalho num lugar bem distante, apresentando parte da histria do estado do
Acre, uma de suas regies e a cidade de Cruzeiro do Sul, para ento
conhecermos e compreendermos o contexto da implantao de uma universidade
Figura 8 - Espao do GRECOM-UFRN Fonte: Acervo de Anailton Guimares Salgado
Anailton Guimares Salgado
28
naquela regio para aqueles que se propem fazer diferente. Venha comigo,
compartilhe desse momento!
Momentos e Movimentos
Reconheo-me como um curumim apaixonado pela minha regio, pelo meu povo,
pela msica suave do bailar das guas serpenteando na terra, pelo balanar das
folhas das rvores da floresta, pelos cantos dos pssaros, pelo frescor e calor das
noites e das manhs, pelo brilho das estrelas, pela ingenuidade inteligente do
meu povo, por sua bravura e por seus temores.
A paixo se traduz neste trabalho como parte das inquietaes e reflexes que
fao: trata-se da riqueza de conhecimentos e saberes dos ribeirinhos
(seringueiros, indgenas, agricultores, mateiros e pescadores) da regio Norte e,
principalmente, do estado do Acre, especificamente de Cruzeiro do Sul, no Vale
do Juru-Acre.
Isso se reflete em uma preocupao que diz respeito ao processo de
desvalorizao e desagregao desses ricos conhecimentos consolidados e
Figura 9 - Casa de ribeirinho (AC) Fonte: http://www.ac.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1408&Itemid=112
Anailton Guimares Salgado
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disseminados ao longo dos anos, com base na experincia, na vida diria dessas
pessoas desbravadoras diante do sistema formal de educao e ensino, como
eixo central da sistematizao de conhecimentos, da cultura e da cincia.
Minha motivao tomou forma e se ampliou quando passei a ler e conhecer a
produo intelectual do GRECOM, por meio de dissertaes e teses como:
Literatura como escola de vida: a propsito das narrativas da tradio, de Carlos
Aldemir Faria da Silva; Alimento como metfora, metfora como alimento: a arte
de nutrir uma educao complexa, de Analwik Tatielle Pereira de Lima; Dilogos
com a Natureza: saberes e estratgias dos povos da floresta, de Elane Andrade
Correia Lima; Paisagens sonoras, tempos e autoformao, de Silmara Ldia
Marton, entre outras. Esse sempre tem sido um exerccio de produo coletiva de
conhecimento no GRECOM e nas obras dos tericos que fundamentam o grupo,
o que tem me instigado a aprofundar estudos e leituras que tratam da relao
entre conhecimento, cultura da tradio e cincia.
Ao ingressar no Mestrado tinha como objetivo desenvolver estudos sobre as
histrias e as narrativas dos ribeirinhos do Vale do Juru, tomando como
referncia aqueles que habitam no municpio de Cruzeiro do Sul. Como
contribuio e produto desse investimento cognitivo e afetivo, ao final, seria
elaborada uma cartilha desenhando uma cartografia desses saberes, sendo esta
transformada em material didtico a ser divulgado na rede escolar e para a
populao em geral, atravs de bibliotecas e de outros espaos congneres.
Mas ao longo das orientaes, dos meus posicionamentos no grupo, dos dilogos
com os colegas, o tema Universidade da Floresta sempre aflorava e ganhava
destaque nas minhas intervenes, pois era o lugar onde eu trabalhava, tornando-
a o foco principal. As histrias e narrativas dos ribeirinhos seriam inseridas no
contexto da Universidade da Floresta pois, em seu projeto poltico, os povos
tradicionais e seus saberes esto integrados. Aceitei o desafio, no hesitei em
redefinir a temtica da pesquisa, ao me descobrir parte da histria do ensino
superior na minha cidade, por dedicar anos de trabalho ao Campus da
Universidade Federal do Acre (UFAC) em Cruzeiro do Sul, hoje Campus Floresta,
e tambm por acompanhar de perto e por fazer parte de um projeto to ousado na
Anailton Guimares Salgado
30
implantao de uma nova universidade com um perfil diferente assumindo a
diversidade de saberes.
Minha postura diante de tal diversidade de saberes me conduziu a um
comportamento como o que Claude Lvi-Strauss sugere em Tristes Trpicos
(1995), quando assinala o desenraizamento de seu lugar para longe fsica e
afetivamente a fim de melhor apreender, compreender e refletir acerca desses
saberes da tradio.
Ao mesmo tempo em que se considera a si prprio humano, o etngrafo procura
a conhecer e apreciar o homem de um ponto de vista suficientemente elevado e
afastado para o considerar independentemente das contingncias particulares de
uma dada sociedade ou civilizao (LVI-STRAUSS, 1993, p. 49). Contudo,
haver momentos em que minha escrita partir do eu situado no objeto de estudo
e outros em que me afastarei dele, como um olhar de etngrafo que captura
outras vises para alm do que a sensibilidade capaz de capturar.
No processo de metamorfose, tal como o ciclo de vida, smbolo da complexidade
no GRECOM, identifico este estudo forma como esses conhecimentos so
construdos, organizados e sistematizados na vivncia, na experincia, no
trabalho, e que tal conhecimento , muitas vezes, negligenciado e classificado
como menor ou pouco confivel. No entanto, so agrupamentos de saberes que
envolvem grau de complexidade cognitiva no menor que a complexidade que se
pensa existir na mente de um cientista. Inquieta-me perceber que muitos desses
conhecimentos so apropriados, usados como referncia, citados na escola, na
indstria e no comrcio, com certo estranhamento ao seu produtor, no lhe dando
o valor e o reconhecimento. E, no entanto, eles existem, esto bem perto de ns,
fornecendo a farinha, a borracha, o peixe, o extrato de guaran, entre outros
produtos que agregam conhecimento.
Anailton Guimares Salgado
31
No se trata aqui de exaltar o conhecimento da tradio e de quem o dispe, nem
de rejeit-lo como supersticioso, mas reconhecer seu valor tal qual expressa
Almeida (2004, p.130): Todas as pocas tm seus sbios, mas nem todas as
pessoas que produziram conhecimentos relevantes nas diversas culturas tiveram
seus nomes divulgados, conhecidos. No entanto, esses saberes foram
construdos por essas pessoas e certamente sobre os mesmos temas estudados
por grandes sbios, mas com maneiras diferentes de conhecer. Muitos desses
conhecimentos se perdem no tempo e no anonimato porque no encontram
espaos e oportunidades de expresso. importante agreg-los aos outros
conhecimentos e, dessa forma quem sabe, que se busquem novos meios de
educao considerando os avanos da cincia em harmonia com as tradies
culturais.
Nesse mbito, relevante ressaltar a Declarao de Veneza, um importante
documento da nossa histria contempornea que resume os desafios do nosso
tempo. A Declarao foi elaborada ao final do colquio A Cincia Diante das
Fronteiras do Conhecimento, realizado em Veneza no perodo de 3 a 7 de maro
de 1986.
Animados por um esprito de abertura e de questionamento dos valores de nosso
tempo, diversos intelectuais discutiram e debateram a cincia face s adjacncias
do conhecimento e os novos rumos do terceiro milnio. Com base nas
proposies da Declarao, esses signatrios nos alertaram para o precipcio
existente entre uma nova viso do mundo que surge do estudo de sistemas
Figura 10 - Produtos da regio do Alto Juru (AC): farinha, peixe e guaran Fonte: http://www.ac.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1408&Itemid=112
Anailton Guimares Salgado
32
naturais e os valores que ainda prevalecem nas cincias sociais e humanas, na
filosofia e na vida da sociedade moderna, baseados num determinismo
mecanicista. Alm disso, expressaram que a maneira convencional de ensinar
cincia no permite que haja distino entre a cincia moderna e as vises do
mundo, que hoje j se encontram superadas. Por conseguinte, reforaram a
complementaridade entre Cincia e Tradio, a necessidade da pesquisa
transdisciplinar e a busca harmnica com as tradies culturais.
Assim, a Declarao prope o desafio de se construir um novo conhecimento
havendo uma aproximao do saber cientfico com o saber popular rompendo
espaos para novas sabedorias. De acordo com a segunda proposio do
referido documento:
O conhecimento cientfico, devido a seu prprio movimento interno chegou aos limites onde pode comear o dilogo com outras formas de conhecimento. Nesse sentido, reconhecendo as diferenas fundamentais entre a cincia e a tradio, constatamos no sua oposio, mas sua complementaridade. O encontro inesperado e enriquecedor entre a cincia e as diferentes tradies do mundo permite pensar no aparecimento de uma nova viso da humanidade, at mesmo num novo racionalismo, que poderia levar a uma nova perspectiva metafsica. (DECLARAO DE VENEZA, 1986).
Dessa forma, o intercmbio entre as cincias exatas, as cincias humanas, a arte
e a tradio passa a ser o grande desafio e o compromisso social dos
pesquisadores e outros profissionais, da a necessidade de se reconhecer a
urgncia de novos estudos, novas pesquisas, novos saberes e uma atitude
transdisciplinar, gestando um novo paradigma que provocar reflexes nas
diversas reas do saber cientfico.
Incorporando uma atitude transdisciplinar podemos identificar, por meio dos novos
saberes, a complexidade do pensar humano advindo de relaes mais prximas
com a natureza, sua observao, seu manuseio e transformao. Com essa
inteno, acredito ser importante pensar e propor estratgias que recrutem esse
conhecimento para as instituies educativas e para a populao em geral. Nesse
sentido, compartilho das consideraes de Edgard de Assis Carvalho (2001, p.
11):
Anailton Guimares Salgado
33
No h como deixar de reconhecer e os antroplogos, mais cedo ou mais tarde tero de faz-lo que a cincia do sculo XXI dever rejuntar saberes dispersos e caminhar para algo mais transversal e polivalente, retroalimentado pela dialogia natureza e cultura e pela imploso do campo minado da disciplinaridade e da simplificao.
Tomo aqui tal afirmao e passo a destacar a criao da Universidade da Floresta
como um espao que se prope a promover essa religao de saberes e a
valoriz-los como sendo parte da cultura da regio.
Tenho a compreenso que a produo de conhecimentos constitui-se em uma
preocupao dos homens e da cincia, principalmente nas explicaes sobre a
relao desses com a natureza e no que ela lhes ensina. Pensadores como Edgar
Morin (2006), Claude Lvi-Strauss (1993; 2006) Maria da Conceio de Almeida
(2005), entre outros, tm destacado o papel e as implicaes dessa relao,
principalmente nos aspectos pertinentes organizao de uma nova
universidade, de uma nova educao para o sculo XXI e a necessidade da
religao dos saberes.
Nessa direo, reconheo que a
criao da Universidade da Floresta,
em 2005, situada no Alto Juru/AC,
uma regio rica por seus recursos
naturais e ambientais, pode vir a
tornar-se uma universidade que tem
por base a diversidade de saberes.
A criao dessa universidade pode ser
concebida como um marco para o
desenvolvimento educacional, pois traz
na sua concepo a formao e a
qualificao de profissionais que
reconheam a importncia e o sentido
dos saberes produzidos pela
comunidade local, atravs de suas
atividades cotidianas tais como a Figura 11 Representao da biodiversidade amaznica
Fonte: Claro, 2007
Anailton Guimares Salgado
34
pesca, a extrao do ltex e a agricultura, como organizadoras de um
conhecimento cientfico. Por outro lado, a necessidade de uma formao
qualificada remete Instituio a responsabilidade de cumprir um papel
fundamental, essencialmente determinado pela escola, que a qualidade de uma
educao assegurada pela democratizao do direito da busca de novos
conhecimentos.
Esse espao privilegiado aponta para a produo de novas aprendizagens; um
lugar no qual a troca de experincias ocorrer entre indivduos das mais diversas
concepes que, em interao, explicitaro diferentes ideias como fonte de um
novo saber. Como assinala Lvi-Strauss (2006. p. 25):
essa exigncia de ordem constitui a base do pensamento que denominamos primitivo, mas unicamente pelo fato de que constitui a base de todo pensamento, pois sob o ngulo das propriedades comuns que chegamos mais facilmente s formas de pensamento que nos parecem muito estranhas.
Nesse contexto, destaco como foco a criao e implantao da Universidade da
Floresta, no Campus da Universidade Federal do Acre, na cidade de Cruzeiro do
Sul/AC que expressa em sua proposta inicial princpios que reconheo e que se
aproximam daqueles defendidos pelos tericos acima destacados e referendados
pela abordagem da complexidade.
A implantao da Universidade da Floresta foi embalada pelos movimentos
polticos e sociais locais (florestania e socioambientalismo acreano) e envolvida
pelos discursos de cidadania e de sustentabilidade. Tudo isso aponta para uma
nova forma de pensar e sistematizar a educao.
A ideia de florestania constituda a partir da compreenso da relao do homem
com a floresta e com a biodiversidade ali presente. O estado do Acre apresenta
uma particularidade: h mais de um sculo as comunidades ribeirinhas esto
construindo uma forma de sobrevivncia possvel na floresta, utilizando seus
recursos naturais sem destru-los. O termo florestania, advindo das lutas sociais
enfrentadas por Chico Mendes em defesa da floresta, foi cunhado por Antnio
Alves Leito Neto, mais conhecido como Toinho Alves, jornalista, escritor,
militante poltico e ativista na defesa da preservao da floresta e do
Anailton Guimares Salgado
35
desenvolvimento sustentvel, que tambm exerceu o cargo de diretor da
Biblioteca da Floresta Marina Silva, em Rio Branco, Acre.
A ideia de florestania foi adotada pelo governo de Jorge Viana (1999-2006) com o
slogan Governo da Floresta. Com isso, pretendia
reunir num s conceito todas as dimenses da sustentabilidade que a humanidade precisa. A florestania chama a ateno para o fato de que a humanidade no o centro, mas sim parte integrante e dependente da natureza, como j pregava duas dcadas atrs o visionrio Chico Mendes. A florestania busca restabelecer o pacto homem e ambiente natural, onde a humanidade chega a um novo arranjo de integrao com a natureza. (ACRE, 2003, p. 20).
O socioambientalismo acreano, assumido na militncia dos movimentos sociais e
de defesa ambiental do estado do Acre, destaca-se pelo estreitamento das
relaes entre as polticas oficiais estaduais com o movimento dos seringueiros e
demais trabalhadores do campo para promoverem um modo de vida mais digno,
a conquista de um espao respeitado por suas razes e tradies e ainda um meio
de valorizar a produo que lhes dariam uma melhor sobrevivncia na prpria
terra que, firme e cuidada, torna-se fonte de vida desses trabalhadores.
Essas ideias foram incorporadas pelo ento governador Jorge Viana (1999-2003)
que assumiu oficialmente um programa de desenvolvimento sustentvel como
eixo de sua poltica governamental, articulando a preservao ambiental com a
explorao econmica da floresta e a garantia de condies de vida s
populaes agroextrativistas.
A partir desses movimentos, a Universidade da Floresta foi criada sob uma nova
concepo de universidade, cujo diferencial destacado pelo deputado Henrique
Afonso em discurso proferido no Plenrio da Cmara dos Deputados, em 4 de
Figura 12 - A florestania e a interao de conhecimento Fonte: Frum, 2004
Anailton Guimares Salgado
36
dezembro de 2004, por ocasio da incluso do projeto da Universidade da
Floresta no plano de expanso do Ministrio da Educao:
o ensino e a pesquisa sero interiorizados, isto , sero feitos em diferentes municpios, tanto nas cidades como na floresta. E a principal diferena que acadmicos, seringueiros e indgenas esto participando desse projeto em p de igualdade. (LIMA, 2006, p. 29).
Outro diferencial da Universidade da Floresta apontado pela ex-ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, no ato de instalao do Grupo de Trabalho
Interministerial-GTI25, ao lembrar que a implantao do conceito de Universidade
da Floresta agregou diferentes atores sociais, o que fortaleceu e permitiu a
institucionalizao do projeto na forma como foi proposto pela sociedade civil.
Ainda, segundo Marina Silva (apud LIMA, 2006), a Universidade da Floresta
tornou-se inevitvel porque foi produzida pela sociedade civil e endossada pela
academia e pelo Estado.
Durante o processo de criao e implantao dessa universidade entre os anos
2003 e 2006, a participao de todos os envolvidos foi de fundamental
importncia, principalmente da sociedade civil. Mais de dez reunies foram
realizadas, alm do grande seminrio intitulado A Universidade do sculo XXI na
Floresta do Alto Juru e do III Encontro dos Povos da Floresta em Cruzeiro do
Sul-Acre. Nesses encontros e reunies, foram-se definindo os pressupostos e
subsdios do projeto, elaborados pelas equipes responsveis atravs de
documentos que citarei posteriormente. Como professor do Campus da UFAC e
tambm representante do mesmo, pude acompanhar e participar, juntamente com
outras instituies e lideranas convidadas, de vrios momentos desse rduo
trabalho e, juntos, pudemos dar nossas sugestes e manifestar nosso desejo de
construir o perfil de uma universidade que valorize a importncia dos saberes
tradicionais e que dela faam parte.
25
O GTI, institudo atravs da Portaria Interministerial n 132, de 17 de maio de 2005, pelos ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Tarso Genro (Educao) e Eduardo Campos (Cincia e Tecnologia), como frum consultivo e deliberativo para encaminhar aes relacionadas implantao do Projeto Universidade da Floresta, com o objetivo de criar mecanismos interinstitucionais capazes de promover a integrao de polticas governamentais para a conservao e uso sustentvel da biodiversidade, demandada em um novo conceito de Universidade.
Anailton Guimares Salgado
37
Esta dissertao objetiva, portanto, mostrar o processo de criao e implantao
da Universidade da Floresta na regio do Alto Juru-Acre, como um projeto de
expanso e fortalecimento da Universidade Federal do Acre, trazendo em seu
contexto os movimentos sociais como florestania e socioambientalismo acreano e
tambm a participao da sociedade civil nesse processo. Apresento ainda a
Universidade da Floresta como um novo espao para a participao das
populaes tradicionais, considerando seus saberes e promovendo a interface
entre cincia e tradio.
Todo esse contexto me motivou para as escolhas metodolgicas que so
apresentadas no decorrer desta dissertao, mediante sustentao terica em
pensadores do campo da complexidade j citados. Recorro, tambm,
bibliografia regional. Reitero que algumas teses e dissertaes produzidas no
Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM) serviram-me como fonte de
inspirao e suporte terico para esta escrita.
Alm das fontes bibliogrficas, outras fontes me subsidiaram, como as entrevistas
semiestruturadas com atores que participaram do processo de construo do
projeto da Universidade da Floresta. As entrevistas realizadas e sua
sistematizao so utilizadas muito mais como suporte ao argumento do que de
anlise de contedo, anlise proposicional do discurso, anlise compreensiva do
discurso ou qualquer outra. A maioria das entrevistas foi gravada; outras foram
realizadas atravs de correio eletrnico (e-mail), no havendo prejuzo do tema e
do contedo. Outras foram falas e concepes destacadas e citadas nos
documentos e materiais estudados, como as de Orlando Pilate, representante do
Ministrio da Educao; Francisco Barbosa de Melo, representante do Conselho
Nacional dos Seringueiros; Anselmo Forneck, representante do Ministrio do Meio
Ambiente e professor Jonas Filho, reitor da Universidade Federal do Acre.
As entrevistas foram realizadas com o professor Henrique Afonso Soares de
Lima, deputado federal pela bancada do PT- Acre; professor Dr. Cleidison de
Jesus Rocha, diretor do Centro Multidisciplinar do Campus Floresta em 2008;
professor Dr. Jonas Filho, reitor da Universidade Federal do Acre (2000-2008) e o
senhor Antnio de Paula, seringueiro.
Anailton Guimares Salgado
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A anlise documental da Universidade Federal do Acre e da Universidade da
Floresta nos permite acompanhar o processo de implantao e articulao com
conhecimentos e princpios definidores de sua poltica. Entre eles destacamos o
Programa de Interiorizao da Graduao: Um desafio, uma realidade (UFAC-
1989/1992); o documento final do seminrio A Universidade do Sculo XXI na
Floresta do Alto Juru Acre: subsdios e pressupostos para um novo projeto
(2003); Proposta da Universidade da Floresta do Alto Juru Acre (2003); Projeto
Executivo da Universidade da Floresta (2004); Proposta de implantao do Centro
de Formao e Tecnologias da Floresta - CEFLORA (2004); Proposta para o
Instituto da Biodiversidade - IB (2004); Projeto de criao do curso de licenciatura
em Cincias Biolgicas Campus de Cruzeiro do Sul (2007), entre outros.
Nesses documentos possvel destacar falas de diversos atores da comunidade
acadmica, de organizaes governamentais e no-governamentais e de
representantes da sociedade civil.
Para apresentar minhas reflexes, organizo
minha dissertao em quatro momentos
adotando a denominao de varadouros. A
palavra varadouro traz em seu significado um
caminho principal no meio do mato, uma
espcie de rua na floresta, que liga uma
colocao outra. Uma trilha. Assim, no
primeiro varadouro sistematizo as
informaes sobre O estado do Acre: Alto
Juru e Cruzeiro do Sul. Enfoco sua
histria, sua organizao poltica, econmica,
social e educacional, que tm servido para
expressarem a nova ideia de educao.
Essas informaes so necessrias, pois
apresentam uma regio pouco conhecida pelos brasileiros e que tem
caractersticas peculiares na cultura, no seu povo, no seu ambiente. Assim,
proporciono a voc vislumbrar uma importante regio que lutou para ser Brasil.
Figura 13 - Varadouro na floresta Fonte: Ramos, 2004
Anailton Guimares Salgado
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No segundo varadouro, Os movimentos sociais do Acre e os caminhos da
educao: dos Empates ao Socioambientalismo e da Florestania
Universidade, apresento alguns dados relativos a esses movimentos e aos
caminhos da Educao, com destaque para o socioambientalismo acreano e a
ideia de florestania como base para a implantao de polticas institucionais. Aqui,
desenho um breve panorama do contexto educacional e sua vinculao aos
movimentos sociais at a implantao da Universidade da Floresta.
No terceiro varadouro estudo, mais profundamente, a Universidade da Floresta,
sua criao, implantao e a organizao da estrutura administrativa e
pedaggica, destacando as trs instncias integrantes da Universidade da
Floresta: o Centro de Formao e Tecnologias da Floresta, o Instituto da
Biodiversidade e Manejo Sustentvel dos Recursos Naturais e o Campus
UFAC/Floresta.
Para o quarto e ltimo varadouro, Nos caminhos da Floresta, a inteno
analisar os princpios dessa educao e formao superior, nascidos e
desenvolvidos nos movimentos sociais, associados s ideias da complexidade,
destacando os princpios, os contextos e as articulaes necessrias para a
efetivao de ideias inovadoras em educao. Nesse varadouro, as ideias de
Edgar Morin, de Conceio Almeida, de Edgard Carvalho, entre outros, sero de
grande valor.
Em Conversas com a Floresta, procuro apontar alguns encaminhamentos e
algumas estratgias para o desenvolvimento de aes na Universidade da
Floresta que contemplem as possibilidades de superao ou minimizao das
dificuldades ora encontradas para a efetivao da proposta dessa universidade.
Anailton Guimares Salgado
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Anailton Guimares Salgado
41
Hino Acreano Letra: Francisco Mangabeira
Msica: Mozart Donizetti
Que este sol a brilhar soberano
Sobre as matas que o vem com amor Encha o peito de cada acreano De nobreza, constncia e valor. Invencveis e grandes na guerra,
Imitemos o exemplo sem par Do amplo rio que briga com a terra
Vence-a e entra brigando com o mar.
Fulge um astro na nossa bandeira Que foi tinto no sangue de heris,
Adoremos na estrela altaneira O mais belo e o melhor dos faris.
(...) Possumos um bem conquistado Nobremente de armas na mo.
Se o afrontarem, de cada soldado Surgir de repente um leo.
Liberdade o querido tesouro Que depois de lutar nos seduz: Tal rio que rola, o sol de ouro
Lana um manto sublime de luz. (...)
Anailton Guimares Salgado
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alar do Acre imediatamente me vem memria a beleza natural
daquele lugar. Mergulho no tempo, voo no espao e me envolvo nos
encantos daquela terra. Sinto-me um curumim seduzido pela floresta,
pelo canto dos pssaros, pela liberdade de seus movimentos, pelo assobio do
vento provocando o bailado das rvores e formando um tapete verde das folhas
cadas ao cho. Um sussurro emocionante!
Sinto-me forte com o cheiro da terra firme. Uma terra que tem vida e acolhe seus
filhos. Filhos da natureza! Sinto-me enfeitiado pelas guas turvas, barrentas e
pretas dos rios que, ao deslizarem em correntezas, beijam a terra em cada curva
pela qual passa, formando caminhos ondulares, sangrando por entre as matas.
Um verdadeiro espetculo das guas! Encontro-me transformado! A imerso no
cenrio de exuberncia natural e espetacular, sentindo o cheiro do verde molhado
de chuva, o perfume da mata, torna mais forte o meu encantamento. Mergulho em
pensamentos e recordaes! Lembro que tudo vida e morte tambm.
Pode at parecer um sonho, um delrio; mas no! Tudo isso real, sentir,
viver com a natureza. Esse lugar existe! To perto e to longe, depende do olhar
de quem o v! S sei que belo e fao parte desse lugar, dessa terra, dessa
natureza. Como diz o artista e amigo Alberan Moraes: eu sou de l da ponta do
Brasil, onde o vento faz a curva.
Essa terra de natureza encantada foi batizada por uma pequena palavra, mas que
se torna grande e forte por suas riquezas e suas razes: ACRE! Uma terra
especial, indgena, banhada por guas doces que serpenteiam sua superfcie,
alimentando a natureza sedenta e diversa.
Este nome, mtico, ACRE origina-se de Uwkuru, na lngua dos indgenas do
povo ipurin, que foi traduzido pelos exploradores da regio como AQUIRI e
significa rio dos jacars.
Como um acreano que se orgulha pelos encantos e magias desse lugar, pego na
sua mo, leitor, e o convido a dar um passeio na floresta densa e rica e, tambm,
para ser parte do ACRE; vamos conhecer um pouco de suas lutas, de sua histria
e de um povo em busca de uma ptria.
F
Anailton Guimares Salgado
43
Navegando no Acre
Exuberante em sua beleza natural, o ACRE, originalmente povoado pelos
indgenas que assumiram o pertencimento das terras acreanas, com o advento
econmico da borracha, do ltex, foi ocupado por peruanos, bolivianos e
nordestinos, que passam a explorar e colonizar essa terra. A histria de conquista
desse territrio se confunde com o Ciclo da Borracha, quando ocorreu um grande
movimento migratrio de nordestinos para a Amaznia. At a metade do sculo
XX, o Acre foi o principal fornecedor do ltex consumido nos pases ricos.
Essa ocupao no se deu pacificamente. Os indgenas bravamente resistiram,
mas diante das armas e das foras do homem branco, ficaram indefesos na
defesa do seu territrio. Da mesma forma foi a retomada e o reconhecimento das
terras acreanas como sendo parte do territrio brasileiro.
A Bolvia considerava o Acre como terra no descoberta, no explorada.
Despertado o interesse por essas terras, passou a exigir o reconhecimento de
Figura 14 - Paisagem acreana Fonte: www.czs.com.br
Anailton Guimares Salgado
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propriedade na segunda metade do sculo XIX, alegando acordos diplomticos
com o governo brasileiro. (ACRE,
2006).
Essa situao gerou desconforto e
iniciou um perodo de lutas e
revolues. J na virada do sculo
XIX, sob a liderana de Jos Plcido
de Castro poltico revolucionrio e
militar brasileiro nascido em So
Gabriel, estado do Rio Grande do Sul
brasileiros nordestinos (ou
brasileiros do Acre, como eram
chamados) enfrentaram o exrcito
boliviano, que pretendia passar o
controle do territrio do Acre para o
Anglo-Bolivian Syndicate de Nova
York, por meio de um contrato que
concedia no s o monoplio sobre a
produo e a exportao da borracha,
como tambm auferia os direitos fiscais mantendo ainda as tarefas de polcia
local (ACRE, 2006, p. 15).
Em 1901, com o apoio do governo do estado do Amazonas, Luiz Galvez
Rodrigues de Arias, espanhol que adotara o Brasil como ptria, proclamou o Acre
Estado Independente, acirrando os conflitos entre bolivianos, seringueiros e
seringalistas. O governo brasileiro demonstrou maior interesse pela regio e,
sabendo da situao de confrontos em que se encontrava o Acre, colocou nesse
cenrio Jos Maria da Silva Paranhos Jnior, o Baro do Rio Branco, ento
ministro das Relaes Exteriores do Brasil, para evitar mais lutas entre Brasil e
Bolvia. De forma diplomtica, o Baro do Rio Branco fomentou relaes de
amizade entre os dois pases, sem guerras, promovendo um acordo preliminar de
paz entre brasileiros e bolivianos, em 1903 (ACRE, 2006).
Figura 15 - Seringueiro defumando o ltex Fonte: www.czs.com.br
Anailton Guimares Salgado
45
Segundo Kamp (2002), comum achar que a conquista do Acre resultou de
compra feita pelo Baro do Rio Branco Bolvia, nascendo da o estado
brasileiro. No entanto, no foi isso o que aconteceu. A rea, de povoao
predominantemente brasileira, desenvolveu-se de duas formas distintas: havia a
parte relativa cidade de Rio Branco, que estava sob o controle da Bolvia, e a
parte referente hoje a Cruzeiro do Sul, que se encontrava em territrio peruano.
Dessa forma, foram necessrias duas difceis negociaes, empreendidas pelo
Baro do Rio Branco: a primeira visava obter da Bolvia concesses que
permitissem que 40% do territrio acreano passassem ao controle do Brasil; a
segunda, realizada aps diversos incidentes com o Peru, objetivava manter a
parte restante em territrio brasileiro.
Dessas negociaes, originou o Tratado de Petrpolis (1903) e o Tratado Brasil-
Peru (1909). A Bolvia tinha direitos efetivos sobre o Acre, conforme o Tratado de
Santo Ildefonso e, para resolver a situao, o Brasil assinou com a Bolvia o
Tratado de Petrpolis em 1903, sendo representado por uma comisso do mais
alto nvel, destacando-se figuras como o Baro do Rio Branco e Rui Barbosa.
Essas personalidades tiveram diferentes maneiras de negociao, mas
conseguiram canalizar o brilhantismo que partilhavam, vislumbrando o mesmo
fim, ou seja, colocar um termo definitivo nas pendncias territoriais com a Bolvia.
Mas a efetiva ocupao do estado dependeu da assinatura de um tratado com o
Peru, firmado apenas seis anos depois, em 1909, a fim de que houvesse maior
flexibilidade nas negociaes evitando assim novos conflitos. Com o Tratado de
Petrpolis, o Brasil incorporou 181.000 km2 de superfcie e com o Tratado Brasil-
Peru, passa para 403.000 km2 (ACRE, 2006).
A participao do escritor Euclides da Cunha entre os dois tratados foi de
fundamental importncia, uma vez que ele chegou regio acreana a servio do
governo brasileiro em 1905. Integrando a Comisso Peruano-Brasileira, explorou
como um dos comissrios o rio Purus com a misso de executar nova
demarcao dos acidentes geogrficos, enfrentando muitas dificuldades e
precariedades de transporte nessa misso. Nesse percurso, publicou artigos de
Anailton Guimares Salgado
46
grande repercusso sobre o trabalho escravo e os maus-tratos aos quais os
seringueiros eram submetidos na regio.
Na Constituio Brasileira de 1891 no havia nada que assegurasse o
pertencimento das terras acreanas ao Brasil. Foi necessrio que os polticos
brasileiros buscassem argumentos na Constituio dos Estados Unidos da
Amrica para transformar o Acre em territrio do Brasil. Isso aconteceu em 7 de
abril de 1904, atravs do Decreto Executivo 5.188, assinado pelo presidente
Rodrigues Alves, que passou a administrar diretamente o territrio do Acre26,
dividindo-o em trs departamentos administrativos: Alto Acre, Alto Purus e Alto
Juru, e nomeando os prefeitos.
Dessa forma, o Acre no seria um estado com autonomia, mas sim um territrio
administrado pelo presidente da Repblica. Todos os investimentos do governo
federal no Acre foram realizados sempre visando manter o controle da regio para
que possibilitasse valiosa fonte de recursos para os cofres do pas.
Segundo Souza (2002, p. 167),
o Acre s vai se tornar Estado quando comea a dar sinais de crise em sua economia maior, em 1962, quando o governo federal j demonstrava desinteresse por um Territrio que dava sinais de decadncia. Se o Acre tivesse se mantido enquanto um grande exportador de borracha, o governo federal dificilmente teria aceitado sua elevao categoria de Estado.
Atravs da Lei n 4.070, de 15 de junho de 1962, assinada pelo presidente Joo
Goulart, o Acre passou a estado. As excentricidades histricas conferem ao Acre
caractersticas muito peculiares, no menos valiosas que suas riquezas naturais.
O Acre o ponto mais ocidental do Brasil e a terra brasileira mais prxima do
oceano Pacfico. Est localizado na regio de cabeceira dos rios amaznicos,
prximo aos Andes, e sofre influncias climticas das cordilheiras. Por isso suas
florestas tm uma biodiversidade to grande. Alm de rica e diversificada, a
floresta tropical mida possui uma variada flora e cortada por rios, igaraps e
26
A administrao do Acre foi definida pelo Congresso Nacional, atravs do Decreto Legislativo de N 1.181 de 25 de fevereiro de 1904 que autoriza o presidente do Brasil, Rodrigues Alves, a assumir essa tarefa. Essa deciso derrota o interesse do estado do Amazonas e tira dos polticos acreanos o poder de administr-lo (SOUZA, 2002. p. 166).
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lagoas, que representam importante manancial de gua potvel. Dentre os
principais rios navegveis esto os rios Juru, Tarauac, Muru, Envira, Xapuri,
Purus, Iaco e Acre (ACRE, 2006).
A regio compreende 164.221 km2 e possui 90% de cobertura florestal, e com
uma das maiores biodiversidades do planeta. Conta com uma populao de
686.652 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica no ano de 2006, e uma densidade populacional de 4,18 hab/km2.
Geograficamente est situado num planalto com altitude mdia de 200m e se
localiza ao sudoeste da regio Norte, tendo como limites o estado do Amazonas
(nordeste), Rondnia (leste), Bolvia (sudeste) e Peru (sul e oeste) (BRASIL,
2009).