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ributaçãoributaçãoE M R E V I S T A Ano 17 N° 58 T
ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional
Jan–Mar 11 Distribuição Dirigida
ADUANAfator de soberania nacional
Entrevistas
Fausto Coutinho - A RFB e a Aduana Páginas 6 a 13
Marcos Valadão - A RFB e o Comércio Exterior Páginas 14 a 20
Vito Tanzi - Tributação e Crise Econômica Páginas 34 a 37
Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifisconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.
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s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL
ENTREVISTAFausto Vieira Coutinho
ENTREVISTAMarcos Aurélio Pereira Valadão
ARTIGOA Guerra ComercialFoch Simão Jr.
ARTIGOA Aduana e o Combate a Lavagem de Dinheiro em Operações de Comércio InternacionalGerson José Morgado de Castro
ENTREVISTAVito Tanzi
ARTIGOIntrodução do Operador Econômico Autorizado no Sistema Aduaneiro BrasileiroAntonio Cesar Bueno Ferreira e Jorge Alberto Teixeira
ARTIGOA Fiscalização nas Zonas de Processamento da Exportação (ZPE) da Aduana Brasileira: novas obrigações tributárias acessóriasAlbino Carlos Martins Vieira
ARTIGOValoração Aduaneira e Legitimidade das TransaçõesFoch Simão Jr.
ARTIGOCentro Regional Conjunto de Capacitação Aduaneira em Brasília: Aperfeiçoando e Fortalecendo as Administrações AduaneirasPatricia Prisco Paraiso Barreto de Andrade
QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOTribunal Regional Federal da Terceira Região modifica seu posicionamento a respeito da aplicabilidade do art. 12, § 11, da IN 243, de 2002
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DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL (DEN)Presidente
Pedro Delarue Tolentino Filho
1º Vice-Presidente
Lupércio Machado Montenegro
2º Vice-Presidente
Sergio Aurélio Velozo Diniz
Secretário-Geral
Claudio Marcio Oliveira Damasceno
Diretor-Secretário
Mauricio Gomes Zamboni
Diretor de Finanças
Gilberto Magalhães De Carvalho
Diretor-Adjunto de Finanças
Agnaldo Neri
Diretora de Administração
Ivone Marques Monte
Diretor-Adjunto de Administração
Eduardo Tanaka
Diretor de Assuntos Jurídicos
Sebastião Braz da Cunha Dos Reis
1º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos
Wagner Teixeira Vaz
2º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos
Luiz Henrique Behrens Franca
Diretor de Defesa Profissional
Gelson Myskovsky Santos
1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissional
Maria Cândida Capozzoli de Carvalho
2º Diretor-Adjunto de Defesa Profissional
Dagoberto da Silva Lemos
Diretor de Estudos Técnicos
Luiz Antonio Benedito
Diretora-Adjunta de Estudos Técnicos
Elizabeth de Jesus Maria
Diretor de Comunicação Social
Kurt Theodor Krause
1ª Diretora-Adjunta de Comunicação Social
Cristina Barreto Taveira
2º Diretor-Adjunto de Comunicação Social
Rafael Pillar Junior
Diretora de Assuntos de Aposentadoria,
Proventos e Pensões
Clotilde Guimarães
Diretora-Adjunta de Assuntos de
Aposentadoria, Proventos e Pensões
Aparecida Bernadete Donadon Faria
Diretor do Plano de Saúde
Carlos Antonio Lucena
Diretor-Adjunto do Plano de Saúde
Jesus Luiz Brandão
Diretor de Assuntos Parlamentares
João Da Silva dos Santos
Diretor-Adjunto de Assuntos Parlamentares
Geraldo Marcio Secundino
Diretor de Relações Intersindicais
Carlos Eduardo Barcellos Dieguez
Diretor-Adjunto de Relações Intersindicais
Luiz Gonçalves Bomtempo
Diretor de Relações Internacionais
João Cunha da Silva
Diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social
Maria Amália Polotto Alves
Diretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social
Rogério Said Calil
Diretor de Políticas Sociais e Assuntos Especiais
José Devanir De Oliveira
Diretores-Suplentes
Eduardo Artur Neves Moreira
Kleber Cabral
Conselho Fiscal
Membros Titulares
Ricardo Skaf Abdala
Jose Benedito de Meira
Maria Antonieta Figueiredo Rodrigues
Membros Suplentes
Iran Carlos Toneli Lima
Norberto Antunes Sampaio
José Yassuo Hashimoto
Tributação em Revista é uma publicação do Sin-
dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
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Conselho EditorialLupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Ro-berto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito.
Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.
Revisão Ana Carolina Pinheiro da Silva
EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.
Projeto GráficoErika Yoda
Fotolito e ImpressãoKaco Gráfica
CapaNúcleo Cinco
Diagramação Washington Ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF
Tiragem desta edição3.200 mil exemplares
Produção EditorialPublicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br , link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:estudostecnicos@sindifisconacional.org.br
Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255
Colaboração:Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).
ributaçãoT E M R E V I S T A
TRIBUTAÇÃO em revista 5
e DITORIAL
O sentido dicionarizado do termo Aduana, cujo pri-
meiro verbete de referência sinonímica é “alfândega”, geral-
mente diz respeito à cobrança de taxas por uma repartição
pública pela entrada e saída de mercadorias de um estado
ou país. Segundo o comando expresso no artigo 237 da
Constituição Federal, “A fiscalização e o controle sobre o
comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazen-
dários nacionais, são exercidos pelo Ministério da Fazen-
da”. Cabe, assim, à Receita Federal do Brasil promover o
controle e a fiscalização dos fluxos internacionais de bens
e mercadorias.
Este comando, necessariamente conciso, mandato, con-
tudo, não encerra em si todo o significado e extensão da
atividade aduaneira. Mais do que uma atividade do Estado,
de competência constitucional, ela envolve enorme respon-
sabilidade econômica e social.
O controle de fluxos comerciais estende-se para além da
fiscalização tributária e alcança os efeitos que eles exercem
sobre a sociedade. A correta formulação e implementação
de políticas aduaneiras contribui para que a política comer-
cial do País seja bem sucedida e sua inserção no comércio
internacional se transforme em fator de desenvolvimento
econômico.
Mas não para aí a missão aduaneira. Como bem o res-
salta o artigo “ A Guerra Comercial” de Foch Simão Jr, ela é
de “defesa da terra”. Sua localização em pontos estratégicos
de entrada no território nacional, torna-a um símbolo da
própria soberania da Nação. A diminuição da importância
arrecadatória dos tributos aduaneiros, fenômeno mundial,
possibilitou que a arrecadação assumisse uma função extra-
fiscal, de ordem regulatória. As Aduanas passaram a exercer,
então, funções não menos importantes do que a arrecada-
ção tributária. Aduanas modernas são órgãos de proteção
dos interesses nacionais, de defesa da economia, das rique-
zas e da sociedade.
Neste sentido, o combate ao tráfico, à pirataria e ao
contrabando, presentes no cotidiano do Auditor-Fiscal que
atua em áreas aduaneiras, é elemento decisivo na promoção
da segurança e na defesa dos interesses nacionais. É toda a
sociedade que se beneficia quando estas ações protegem:
a indústria nacional, atribuindo ao nosso produto maior
competitividade, coibindo o dumping e o subfaturamento;
o patrimônio cultural, impedindo o tráfico do acervo cultu-
ral e de sítios arqueológicos; a fauna e a flora, combatendo
a biopirataria e o tráfico ilegal de animais e plantas; a saúde,
evitando a entrada de medicamentos falsos e promovendo
o controle de licenciamentos; o trabalho nacional, naqueles
setores de importância estratégica e/ou de grande potencial
competitivo internacional.
Ora, para que esta missão seja cumprida é mister que os
serviços aduaneiros sejam priorizados e a Aduana seja do-
tada dos recursos necessários para tanto. Lamentavelmente,
não tem sido este o enfoque. Nossa estrutura alfandegária
carece de: equipamentos modernos; maior quantitativo de
pessoal frequentemente submetido a ações de capacitação;
normas e procedimentos administrativos mais rigorosos e
abrangentes; melhoria da cooperação internacional etc.,
Neste número, Tributação em Revista chama a atenção
para a relevância da Aduana Brasileira na promoção da
soberania nacional. As entrevistas e os temas dos artigos
- lavagem de dinheiro, guerra comercial, procedimentos
operacionais na linha azul e fiscalização em Zonas de Pro-
cessamento de Exportações trazem à reflexão alguns aspec-
tos da questão aduaneira. Antes de pretender esgotar um
assunto de tão grande relevância e abrangência, ao mesmo
tempo em que prestamos uma homenagem ao valoroso tra-
balho exercido por Auditores-Fiscais aduaneiros, convida-
mos nossos leitores à reflexão sobre o tema, na esperança
de que políticas a serem implementadas nesta área possam
restituir à Aduana seu papel histórico e prepará-las para de-
sempenhar com eficácia o moderno papel que lhe reserva
a sociedade.
6 TRIBUTAÇÃO em revista
O Auditor-Fiscal Fausto Vieira Coutinho, economista de formação, exerce com mérito a Subsecretaria de Aduana e Relações Internacionais da Receita Federal do Brasil, pois adquiriu ampla experiência na área aduaneira e de comércio
internacional em sua atuação profissional na RFB. Nesta entrevista ele fala a TRIBUTA-ÇÃO EM REVISTA sobre os planos e diretrizes da RFB para a área aduaneira, cooperação internacional, agilização de processos aduaneiros, combate à interposição fraudulenta, segurança do exercício profissional, capacitação de recursos humanos e precariedade das instalações físicas em áreas de fronteira.
e ntrevista
Fausto Vieira Coutinho
“Várias diretrizes para a RFB para 2011 têm grande relevância para a área aduaneira. Dentre elas, a implementação de uma política permanente de
adequação dos quadros funcionais.”
TRIBUTAÇÃO em revista 7
Tributação em Revista – Indique os resultados
recentes mais significativos em termos de desem-
penho e de fiscalização aduaneira. Como o Sr.
relacionaria a questão da capacitação do Audi-
tor-Fiscal com estes resultados. Há espaço para,
melhorando e tornando mais freqüente as inicia-
tivas de capacitação, também obter melhorias
nestes resultados?
Fausto Vieira Coutinho – No ano de 2010, a fiscaliza-
ção aduaneira apresentou um desempenho melhor que
em anos anteriores em vários aspectos. Nossos prin-
cipais indicadores apontam, por exemplo, para uma
melhora no número de fiscalizações pós-despacho
realizadas (aumento de 7% em relação a 2009) e na
produtividade da fiscalização aduaneira. Além disso,
houve um crescimento de 13% em relação a 2009 nos
valores lançados por Auditor-Fiscal, o grau de eficácia
atingiu o patamar de 87% em 2010 e o tempo mé-
dio para conclusão de uma fiscalização foi reduzido.
Isso significa que obtivemos resultados positivos nessa
área. No despacho aduaneiro também temos indica-
dores positivos, sendo que o tempo médio dos des-
pachos de importação e exportação foi reduzido em
aproximadamente 16 % em 2010, em ambos os ca-
sos. Esses resultados estão alinhados com nossos ob-
jetivos estratégicos e demonstram que nossa Aduana
está executando o controle aduaneiro com segurança
e agilidade e, com isso, contribuindo para o fortaleci-
mento do comércio exterior brasileiro. Com relação
à questão da capacitação, não tenho a menor dúvida
de que uma melhor qualificação dos servidores tem
relação direta com os resultados positivos alcançados
no nosso trabalho. A esse respeito, quero lembrar que
a Organização Mundial de Aduanas, a OMA, escolheu,
para comemorar o dia internacional das aduanas, o
tema “Conhecimento, um catalisador para a excelência
aduaneira”. Nessa mesma linha, o Secretário da RFB,
Auditor-Fiscal Carlos Alberto Freitas Barreto, em nota
divulgada a todos os servidores da RFB, reconheceu
tal fato e destacou que um dos elementos-chave para
alcançar essa excelência é o desenvolvimento e capa-
citação de seus servidores. Em 2010, foram realizados
diversos treinamentos nacionais, dos quais destaco os
treinamentos para utilização do Contágil na área adu-
aneira, especificamente para melhorar nossa eficiência
em gestão de risco, seleção e programação e fiscaliza-
ção aduaneira, além de treinamentos para utilização
de ferramentas de gestão de risco no Siscomex Carga.
Assim, entendo que há não apenas espaço, mas uma
necessidade de a Administração investir cada vez mais
na capacitação de seus servidores. Por fim, quero ain-
da destacar que conseguimos trazer para o Brasil um
Centro Regional de Treinamento da OMA, o qual tem
como escopo principal o fortalecimento de capacida-
des, a chamada “capacity building”, ou seja, a dissemi-
nação do conhecimento – não apenas de capacitação
– aos servidores que atuam na área aduaneira. É nessa
linha que iremos lançar ainda neste mês de março o
curso de práticas aduaneiras internacionais.
TR – A Aduana Brasileira completou no último
dia 28 de Janeiro 203 anos de existência, conta-
dos desde a abertura dos portos por D. João VI.
O ano de 2011 inicia-se com uma nova adminis-
tração na Receita Federal do Brasil. Em linhas
“Houve um crescimento
de 13% em relação a 2009
nos valores lançados por
Auditor-Fiscal, o grau de
eficácia atingiu o patamar
de 87% em 2010 e o tempo
médio para conclusão
de uma fiscalização foi
reduzido.”
8 TRIBUTAÇÃO em revista
gerais, quais são as novas diretrizes e os planos
para a modernização da Aduana Brasileira?
FC – O Secretário da RFB recentemente apresentou
em linhas gerais as diretrizes da Casa para o ano de
2011. Várias delas têm grande relevância para a área
aduaneira, como a implementação de uma política
permanente de adequação dos quadros funcionais,
a intensificação da aplicação de medidas que con-
tribuam para a defesa comercial, o aperfeiçoamento
dos mecanismos de gestão de risco visando garantir a
agilidade e a segurança do comércio exterior, a inten-
sificação do uso da tecnologia na seleção, programa-
ção, acompanhamento e fiscalização de contribuintes
e o fortalecimento do uso da inteligência fiscal e de
técnicas modernas de fiscalização nas atividades de
vigilância e repressão, no combate ao contrabando
e descaminho. É seguindo essa linha que a Aduana
Brasileira deu início a diversos projetos com o objeti-
vo de se modernizar, preparando-se para enfrentar os
desafios que se apresentam no Século XXI. Aproveito
esta oportunidade para dar um destaque especial a al-
guns deles. Em primeiro lugar, chamo a atenção para
os projetos voltados ao aprimoramento da fiscaliza-
ção aduaneira. O mais importante deles é a criação de
um Centro Nacional de Gestão de Risco Aduaneiro.
Essa iniciativa é fundamental para a modernização da
nossa Aduana, além de seguir as recomendações do
Marco Normativo SAFE da OMA, o qual se baseia na
aplicação de quatro elementos básicos: a Transmissão
Antecipada de Informações, o Gerenciamento de Ris-
cos, a Inspeção não Invasiva e o Operador Econômico
Autorizado, para aprimorar o trabalho da fiscaliza-
ção aduaneira. Nosso objetivo neste caso é aprimo-
rar nossas ferramentas e técnicas de gestão de risco e
assim fortalecer a fiscalização aduaneira no combate
às fraudes do comércio exterior e à burla às medidas
de defesa comercial. Em complementação, estamos
construindo o Sistema de Seleção por Aprendizado de
Máquina, o SISAM, que irá aprimorar e modernizar
sobremaneira a nossa Seleção Parametrizada do Sisco-
mex. Da mesma forma, queremos concluir o projeto
de implementação do Siscomex Carga, nos módulos
Aéreo e Terrestre, além de aprimorar o módulo marí-
timo, que já está em produção. Para complementar, é
necessária a adoção de um novo modelo de Operador
Econômico Autorizado, ou OEA, em substituição ao
Linha Azul. O Centro Nacional certamente nos per-
mitirá maior eficiência, eficácia e efetividade na ve-
rificação das operações consideradas de maior risco,
sem comprometer a agilidade que o comércio exterior
tanto necessita, além de possibilitar um uso mais ra-
cional de nossa força de trabalho. Outra iniciativa que
merece destaque especial é o aprimoramento das ati-
vidades de vigilância e repressão, principalmente nas
zonas de fronteira terrestre, no combate ao contraban-
do, descaminho e tráfico de drogas. Nosso objetivo
é o desenvolvimento de projetos que intensifiquem o
emprego de inteligência fiscal e de técnicas moder-
nas de fiscalização. Alguns dos projetos vinculados a
essa iniciativa são o desenvolvimento do Sistema de
Apoio às Atividades de Retenção e Apreensão (SAA-
RA), a criação dos Centros de Cães de Faro na RFB, a
Aquisição de Armamentos Institucionais e a utilização
de modernos equipamentos no apoio à fiscalização,
tais como Leitores Automáticos de Placas (LAP), VANS
Scanners e Equipamentos de Radiocomunicação. As-
“O mais importante projeto
voltado ao aprimoramento
da fiscalização aduaneira
é a criação de um Centro
Nacional de Gestão de Risco
Aduaneiro. Essa iniciativa
é fundamental para a
modernização da nossa
Aduana.”
TRIBUTAÇÃO em revista 9
sim, resumidamente, podemos concluir que as prin-
cipais diretrizes são: intensificar a fiscalização adua-
neira no combate às fraudes do comércio exterior, à
burla às medidas de defesa comercial, ao contrabando,
descaminho e tráfico de drogas.
TR – Quais são as áreas prioritárias (zonas pri-
márias: Portos, Aeroportos e Pontos de fronteira
alfandegados, fronteiras terrestres; zonas secun-
dárias: portos secos, fiscalização aduaneira) para
a implementação destas novas políticas?
FC – Conforme podemos observar dos meus comen-
tários na pergunta anterior, as diretrizes fixadas são
abrangentes e permeiam todas as atividades aduanei-
ras. Assim, entendo que não há área ou áreas priori-
tárias para implementar as medidas propostas. Como
eu mencionei anteriormente, a criação do Centro Na-
cional de Gestão de Risco irá abranger todas as ativi-
dades da fiscalização aduaneira, pois terá reflexos na
zona primária, tanto no pré-despacho como no curso
do despacho, e, ainda, alcançará os Portos Secos. Da
mesma forma, haverá reflexos na zona secundária, nas
fiscalizações pós-despacho e no monitoramento dos
OEA. Por outro lado, o fortalecimento e aprimoramen-
to das atividades de vigilância e repressão necessitam
ações tanto nas zonas de fronteira como nos Portos e
Aeroportos, assim como nos grandes centros consu-
midores. Dessa forma, as diretrizes da RFB para o ano
de 2011 na área aduaneira trarão reflexos no nosso
quadro funcional, na fiscalização aduaneira de zona
primária e secundária, passando pelo aperfeiçoamento
dos mecanismos de gestão de risco visando garantir a
agilidade e a segurança do comércio exterior e o forta-
lecimento das atividades de vigilância e repressão, no
combate aos ilícitos aduaneiros.
TR – Uma forma de tornar o controle aduaneiro
mais efetivo é interligando nossos sistemas com
os de outros países. Fale sobre a inserção bra-
sileira neste contexto, os avanços registrados e
planos futuros em cooperação aduaneira inter-
nacional.
FC – A economia brasileira tem-se internacionalizado
intensamente nas últimas duas décadas, aumentando
o volume de importações e exportações em todas as
modalidades, seja carga aérea, terrestre e especial-
mente via portos. O comércio hoje tende a ser global
mesmo para consumidores e comerciantes de pequeno
e médio porte. Assim, a inserção internacional é ine-
vitável. Uma aduana moderna tem que estar prepara-
da para isto. Neste sentido, a troca de experiências é
fundamental, no jargão do meio é utilizada a expres-
são inglesa “best practices”, ou melhores práticas em
português, ou seja, as experiências de outras aduanas
que são comprovadamente eficientes e eficazes e que
possam ser adaptadas à nossa realidade devem ser
utilizadas por nós. Vários dos projetos citados ante-
riormente têm como fundamento as melhores práticas
internacionais. Além disto, a troca de informações é
essencial no combate às fraudes aduaneiras. Um dos
principais meios de se obter informações é por meio
dos denominados Acordos de Assistência Mútua Ad-
ministrativa em Matéria Aduaneira, que possibilitam
a troca de informações e cooperação mútua. Por outro
lado, nós também temos melhores práticas que são uti-
lizadas por outros países. Em relação a acordos desta
natureza, o Brasil firmou cerca de nove tratados multi-
“A troca de informações
é essencial no combate às
fraudes aduaneiras. Os
Acordos de Assistência
Mútua Administrativa em
Matéria Aduaneira são um
dos principais instrumentos
neste sentido.”
10 TRIBUTAÇÃO em revista
laterais ou bilaterais envolvendo 27 países (incluindo
os EUA), mais sete acordos bilaterais em tramitação
no Congresso e tem negociado intensamente com nos-
sos principais parceiros comerciais com os quais ainda
não temos tratados com este objetivo, como é o caso
do Japão e da China. Apenas para citar um exemplo,
o acordo com o Japão está em fase final, próximo ao
seu encaminhamento para assinatura. O tema de coo-
peração internacional é de fundamental importância e
nossas ações são orientadas com este objetivo. Assim,
estamos seguindo no sentido de alavancar parcerias in-
ternacionais, fortalecendo o combate aos ilícitos adu-
aneiros, o que direta e indiretamente contribui para
melhorar a fluidez do comércio exterior e o ambiente
de negócios do País.
TR – Especificamente, no segundo semestre do
ano passado a RFB iniciou uma consulta pública
visando à criação do Programa Aduaneiro de Se-
gurança, Controle e Simplificação – PASS, como o
programa brasileiro de Operador Econômico Au-
torizado (OEA) da OMA. Em que aspectos o PASS
agilizaria os procedimentos aduaneiros? Como
a implantação deste programa afetaria a vida
profissional do Auditor-Fiscal que atua em áreas
aduaneiras?
FC – O Programa Aduaneiro de Segurança, Controle e
Simplificação (PASS) foi concebido tendo como funda-
mento a recomendação de implementação, pela Adua-
na, do conceito de OEA, constante do Pilar II do Marco
Normativo SAFE da OMA, mencionado anteriormen-
te. A medida permitirá que seja dada maior agilidade
ao fluxo comercial das empresas consideradas idôneas
em suas operações de comércio exterior, reduzindo a
seleção para os canais amarelo e vermelho operações
consideradas de baixo risco. Essas ações fazem com
que a Aduana seja mais ágil em relação às operações
regulares, beneficiando o comércio legítimo.Do ponto
de vista do controle aduaneiro, sendo associada aos
projetos de fortalecimento da fiscalização aduaneira
e de aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão de
risco, por mim comentadas anteriormente, a propos-
ta permitirá à RFB maior otimização na alocação dos
escassos recursos, uma vez que possibilitará concen-
trar seus esforços na fiscalização das operações consi-
deradas de maior risco. Há expectativa de resultados
mais efetivos na atuação decorrentes de uma parame-
trização feita em bases mais inteligentes, mesmo tendo
em conta um universo de menor seleção. Do ponto de
vista do trabalho diário, em verdade o que se espera
é a percepção, pelo servidor, de um aumento dos re-
sultados advindos de seu trabalho, decorrente de um
grau de acerto maior a partir de uma carga menor de
declarações selecionadas, uma vez que o Auditor-Fis-
cal que atua na área aduaneira terá à sua disposição
mecanismos mais eficazes para atuar no combate às
fraudes do comércio exterior e à burla às medidas de
defesa comercial.
TR – A atuação aduaneira vai muito além da sim-
ples arrecadação de tributos. Uma das funções
que se tem evidenciado nos últimos tempos, de-
vido ao crescimento dos fluxos de comércio in-
ternacional, é o combate à interposição fraudu-
lenta, artifício por meio do qual se insere no país
dinheiro ilícito. Estes crimes estão relacionados
a complexos esquemas de sonegação fiscal de tri-
butos internos. Como a RFB tem se preparado e
coordenado as atividades das áreas aduaneira e
de tributos internos para enfrentar este desafio?
FC – O combate à interposição fraudulenta tem sido
objeto de diversas ações da fiscalização aduaneira ao
longo dos últimos anos e, de fato, a coordenação da
atuação da fiscalização aduaneira com a fiscalização de
tributos internos pode aprimorar a eficácia das ações
promovidas pelas duas áreas.
Nesse sentido, é importante destacar que está sendo
implementado um projeto de atuação conjunta da
Subsecretaria de Fiscalização (Sufis) com a Subsecre-
taria de Aduana e Relações Internacionais (Suari) e
TRIBUTAÇÃO em revista 11
suas respectivas projeções, visando a atuação conjunta
no que se refere a procedimentos fiscais de interesse
mútuo, ou seja, aqueles executados sobre sujeitos pas-
sivos que, em face dos indícios apurados, ensejam a
instauração de procedimentos fiscais aduaneiros e de
tributos internos. O projeto prevê a criação de um flu-
xo específico para o intercâmbio de informações du-
rante a fase de seleção e programação e durante a fase
de execução da ação fiscal, bem como sobre as regras
de execução dos procedimentos fiscais em conjunto.
Um dos principais focos desse projeto é o combate
mais eficaz à interposição fraudulenta.
TR – Muitas áreas alfandegadas são bastante sen-
síveis em termos de segurança, deixando os Au-
ditores-Fiscais que ali atuam à mercê da atuação
de indivíduos e grupos organizados criminosos.
Quais instrumentos a RFB disponibiliza para a
segurança do exercício profissional de seus ser-
vidores e como pretende incrementar a sua pro-
teção?
FC – É cediço que a cadeia logística do comércio in-
ternacional é vulnerável à exploração por grupos cri-
minosos que enxergam nela uma grande possibilidade
de expansão de suas atividades. Além disso, temos que
reconhecer que nós exercemos uma profissão de risco,
não apenas na área aduaneira, mas em toda a RFB. Por
outro lado, é dever da instituição dar a seus servido-
res o maior grau de segurança possível. Neste cenário
adverso, a RFB necessita dotar o seu corpo funcional
com poderes executivos, ferramentas e informações
apropriadas para combater o crime organizado com
mais eficácia, dando atenção especial à segurança de
seus servidores. Nesse ponto, destaco que pela pri-
meira vez na história da RFB, a nossa instituição está
entregando armamento institucional a seus servidores
e os capacitando no seu uso, por meio de uma doutri-
na séria e profissional. Além disso, estamos buscando
uma maior integração com as outras instituições de
Estado que atuam no combate ao crime organizado,
desenvolvendo importantes ações, podendo ser citada,
como exemplo, a assinatura de convênio de coopera-
ção técnica com a Polícia Federal que permite, além
da realização de operações conjuntas, o desenvolvi-
mento de projetos institucionais comuns voltados para
as áreas de recursos humanos, inteligência, tecnologia
da informação, entre outros. Além disso, destaco ain-
da a participação nos comitês de gestão integrada de
fronteiras, o que permite aprimoramento na troca de
informações, integração no planejamento e na coor-
denação nas ações, com efetivo aumento da segurança
de todos os envolvidos. No que diz respeito especifi-
camente às áreas alfandegadas, algumas medidas me-
recem destaque. No final do ano passado, por meio de
uma alteração da base legal do conceito de alfande-
gamento, buscou-se fortalecer a segurança nas áreas
alfandegadas, dando melhores estruturas e condições
de trabalho aos servidores que atuam nesses locais. É
o caso da nova Portaria de alfandegamento, publica-
da em dezembro do ano passado. A Portaria RFB no
2.438, de 21/12/10, estabeleceu vários requisitos téc-
nicos e operacionais para o alfandegamento de locais
e recintos. Esses requisitos irão trazer maior segurança
ao exercício da atividade fiscal. Como exemplo posso
citar a exigência de disponibilização e manutenção de
instrumentos e aparelhos de inspeção não invasiva de
“A RFB necessita dotar
o seu corpo funcional
com poderes executivos,
ferramentas e informações
apropriadas para combater
o crime organizado com
mais eficácia, dando atenção
especial à segurança de seus
servidores.”
12 TRIBUTAÇÃO em revista
cargas e veículos e de sistemas para utilização pela fis-
calização aduaneira, tais como a vigilância eletrônica
do recinto, o registro e controle de acesso de pessoas e
veículos e das operações realizadas com mercadorias.
TR – O setor aduaneiro ressente-se da falta de
recursos humanos e de ações de capacitação para
cumprir suficientemente sua missão maior de
proteção da sociedade. Quais são as perspectivas
de curto prazo para solucionar estas questões?
FC – Exercer o controle aduaneiro das operações de
comércio exterior e, assim, garantir a defesa dos in-
teresses do Estado e da sociedade, é uma missão que
requer atuação eficiente e eficaz. Neste sentido, a
busca pelo desenvolvimento e implementação de um
conjunto integrado de políticas e procedimentos que
possam garantir o cumprimento dessa missão com
segurança e fluidez tem sido o nosso grande desafio,
como já salientei em vários pontos desta entrevista.
Com relação especificamente à falta de recursos hu-
manos, tenho a dizer que o novo estudo de lotação
desenvolvido na RFB concluiu pela necessidade de
aumento do número de servidores com exercício na
Aduana. Tal estudo deverá nortear a política de lota-
ção da instituição daqui para frente e isso significará
um aumento real de servidores trabalhando nas uni-
dades aduaneiras. Ademais, a RFB está em negocia-
ção com o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão no intuito de aprovar a contratação de Agentes
Técnicos Administrativos, os ATA, como medida com-
plementar dessas iniciativas. Por fim, com relação à
capacitação, conforme eu já comentei, temos agora um
Centro Regional de Treinamento da OMA, com o qual
pretendemos reverter o quadro atual, atuando no ma-
peamento das lacunas existentes na área aduaneira e
preenchendo-as com treinamentos os mais abrangen-
tes possíveis, como por exemplo, por meio do uso de
ensino à distância, como será o caso do mencionado
lançamento neste mês de março do curso de práticas
aduaneiras internacionais.
TR – A diretoria do Sindifisco Nacional visitou
recentemente algumas áreas de fronteira e cons-
tatou o estado de abandono e de precariedade das
instalações físicas de algumas delas, especial-
mente as da 2ª Região Fiscal. Há alguma previsão
de soluções emergenciais para este problema? E a
longo e médio prazo, quais são os planos da RFB
a respeito?
FC – A garantia de fronteiras seguras é uma das mais
antigas responsabilidades do Estado. Notadamente em
um mundo globalizado este aspecto ganha especial
relevância. Nesse sentido está a importância de uma
Aduana forte e estruturada nas zonas de fronteira. O
Governo Federal, aí incluída a RFB, está ciente des-
sa deficiência. A própria Presidente Dilma, após a sua
posse e em vários momentos, se posicionou no sentido
de que devemos fortalecer nossas fronteiras terrestres.
A solução para essa questão passa pela integração dos
esforços das diversas instituições do Estado que exer-
cem suas atribuições nessas regiões. Por parte da RFB,
além dos projetos que eu já citei anteriormente, como
o novo plano de lotação e o uso da inteligência fis-
cal e de técnicas modernas de fiscalização nas zonas
de fronteira, quero ressaltar que ainda existem outras
iniciativas com o objetivo de estimular a permanência
dos servidores aduaneiros nas fronteiras. Desta forma,
“A nossa instituição está
entregando armamento
institucional a seus
servidores e os capacitando
no seu uso, por meio
de uma doutrina séria e
profissional.”
TRIBUTAÇÃO em revista 13
importantes projetos como a criação de indenização
de fronteira, o estabelecimento de projetos-padrão de
infraestrutura nas unidades de fronteira e a construção
de residências funcionais deverão ser conduzidos em
parceria com as demais instituições que também estão
presentes nas zonas de fronteira.
TR – Por fim, na área de manualização de proce-
dimentos, quais medidas deveriam ser tomadas a
fim de assegurar o cumprimento efetivo da mis-
são da Aduana, garantindo a segurança fiscal?
FC – A necessidade de consolidação e aprimoramen-
to organizado da legislação aduaneira já havia sido
constatada em diversas ocasiões, mas nunca havia sido
objeto de planejamento estruturado visando à sua
concretização. Tem sido observado que a realização
do trabalho normativo sem planejamento e com al-
terações pontuais constantes traz como conseqüência
a ploriferação de normas em todas as áreas de inte-
resse da Administração Aduaneira, o que gera, como
principais reflexos negativos diretos, a diminuição do
cumprimento voluntário das normas por parte dos
operadores de comércio exterior e o desconhecimento
da legislação pelos servidores da RFB. A falta de siste-
matização também traz a possibilidade de descompas-
so com as demais normas e procedimentos aduanei-
ros vigentes. Para resolver esse problema, a Suari está
estruturando um projeto de consolidação e aprimo-
ramento de normas que permitirá a consolidação das
mais de 300 Instruções Normativas que tratam de ma-
téria aduaneira em vigor para algo próximo de 50 atos.
Propõe-se também a elaboração de um cronograma de
trabalho que considere as prioridades estabelecidas, o
trabalho conjunto com as unidades descentralizadas
e a construção de um fluxo de procedimentos asso-
ciado ao trâmite normativo, de forma a possibilitar a
agilização do processo de análise, desde a elaboração
inicial da minuta de norma até sua assinatura pelo Se-
cretário. Ademais, um trabalho normativo estrutura-
do, feito com base no levantamento das necessidades
e sugestões apresentadas pelas unidades locais e dos
questionamentos e dúvidas relativas à aplicação dos
procedimentos ou à interpretação das normas vigen-
tes permitirá o aprimoramento da legislação aduanei-
ra como um todo e, sem dúvidas, contribuirá para o
exercício de nossa missão de exercer a administração
tributária e o controle aduaneiro, com justiça fiscal e
respeito ao cidadão, em benefício da sociedade.
14 TRIBUTAÇÃO em revista
O Auditor-Fiscal da Receita Federal, Marcos Aurélio Pereira Valadão, exerce atu-almente a função de coordenador-geral de Relações Internacionais (CORIN) da Receita Federal do Brasil. Com vasto conhecimento teórico e prático, especia-
lizou-se em direito tributário e tributação internacional. Valadão concedeu a entrevista a seguir para Tributação em Revista abordando assuntos como: os desafios recentes da área internacional da RFB, as atuais diretrizes da RFB na área internacional, a necessidade de constante atualização do Auditor-Fiscal que atua na área aduaneira, a atenção da RFB às relações comerciais do Brasil com países do Mercosul, os benefícios da cooperação internacional na área aduaneira e os instrumentos colocados em prática pela RFB para combater práticas desleais no comércio internacional.
e ntrevista
Marcos Aurélio Pereira Valadão
“Com a internacionalização da economia brasileira, a demanda aumentou bastante
nas áreas tributária e aduaneira.”
TRIBUTAÇÃO em revista 15
TR – A expansão do comércio internacional tem
chamado a RFB a desempenhar uma função mais
ativa na área externa. A criação da Corin - Coorde-
nação-Geral de Relações Internacionais, em subs-
tituição à Assessoria de Assuntos Internacionais
– Asain é uma resposta interna aos desafios que
se apresentam. Gostaríamos que o Sr. indicasse
os principais desafios recentes, interna e externa-
mente à RFB, tanto no relacionamento com outros
órgãos de governo como na cooperação interna-
cional, destacando o papel que o Auditor-Fiscal,
atuando na área de aduana e comércio exterior,
exercerá neste contexto.
MV – A Asain (Assessoria de Assuntos Internacionais)
era até 2008 uma assessoria, mas mesmo nesta época
já contava com uma estrutura com divisões, ou seja, já
tinha funções operacionais, portanto, não era mais uma
assessoria “típica”, que viria a se tornar a Coordenação-
-Geral de Relações Internacionais (Corin). A mudança
estrutural aconteceu um pouco antes. Anteriormente, a
Asain contava com quatro ou cinco funcionários e cui-
dava apenas das negociações de tratados internacionais
tributários e troca de informações em matéria tributária
– I.R., com um pequeno número de pedidos e também
das questões tributárias dos acordos de natureza comer-
cial. Com a internacionalização da economia brasileira,
a demanda na área aumentou bastante nas áreas tribu-
tária e aduaneira, ocorrendo a expansão de acordos de
cooperação administrativa em matéria aduaneira (troca
de informações e cooperação técnica). A cooperação
técnica ocorre tanto na busca da cooperação quanto na
ajuda a outros países. Também a área comercial, i.e., a
área das relações de comércio (bens, serviços e direitos)
e de investimento internacional, que têm repercussões
tributárias, passaram a ser cada vez mais demandadas.
É esta área da Corin que auxilia o Ministério do De-
senvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)
e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) no Trade
Policy Review brasileiro, e em demandas comerciais in-
ternacionais na OMC, onde os aspectos tributários são
muito relevantes. Este aspecto é importante, conside-
rando a inserção cada vez maior do Brasil no comér-
cio internacional e também das demandas que o Brasil
apresenta contra outros países, como os EUA (aço, al-
godão, etc). Todo este contexto demandou a criação da
estrutura da Corin como hoje se encontra.
Além disso, existem as negociações internacionais no
âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM),
mais precisamente no Comitê Técnico Nº 2 - Assuntos
Aduaneiros, que trata de áreas relacionadas à adminis-
tração e aos controles aduaneiros do Estados Partes do
MERCOSUL, tais como: legislação aduaneira, infor-
mática aduaneira, valoração aduaneira, procedimentos
aduaneiros, controles e operatória em fronteira e pre-
venção e luta contra ilícitos aduaneiros. A coordenação
das negociações no âmbito do CT-2 está a cargo da Co-
rin, por meio de uma de suas divisões (Dasad). Assim, a
Corin conta com quatro divisões: A Dirin, que cuida da
negociação dos tratados de cooperação aduaneira e das
relações institucionais; a Dasad, que cuida da troca de
informações em matéria aduaneira, negociação de acor-
do fronteiriços e a representação junto ao Mercosul; a
Datin, a divisão mais tradicional que cuida das negocia-
ções de tratados tributários – dupla tributação e troca
de informações, e da própria troca de informações em
relação ao imposto de renda; e a Dacoi, que cuida dos
assuntos comercias internacionais em suas repercussões
tributárias, sendo que a Corin também coordena as ações
“A cooperação técnica
ocorre tanto na busca da
cooperação quanto na ajuda
a outros países. A área
comercial e de investimento
internacional passaram a ser
cada vez mais demandas.”
16 TRIBUTAÇÃO em revista
de nossos adidos aduaneiros e tributários, que têm uma
relação direta com a administração tributária e com as
aduanas dos países onde estão atuando. Neste contexto,
o Auditor-Fiscal que atua na área aduaneira e comércio
exterior é da maior relevância, pois o reflexo das ações
anteriormente enumeradas é parte cotidiana do seu
trabalho, tanto na implementação como nas demandas
que partem dos setores de ponta, especialmente a troca
de informações, em relação às informações que são so-
licitadas aos outros países e aquelas que somos instados
a fornecer. Outro aspecto é o das negociações em si,
tanto dos acordos de cooperação aduaneira, quanto no
âmbito do Mercosul, e com os outros países vizinhos
não membros do Mercosul. Há diversas situações que
devem ser equacionadas, e mesmo tendo outros minis-
térios como condutor das negociações, especialmente
o MRE, o papel da RFB, na pessoa do Auditor-Fiscal, é
central, em virtude da precedência da atuação da RFB
nas operações comerciais internacionais, no controle
aduaneiro de nossas fronteiras e nos pontos de entrada
e saída do País, a teor do art. 37, inciso XVIII da Consti-
tuição. No que diz respeito especificamente aos desafios
internos e externos, eu diria que em relação aos desafios
internos eles já estariam em parte superados, em que
pese um espaço para aperfeiçoamentos que são neces-
sários, restando, talvez um melhor entendimento do
papel da Corin, no sentido de que poderia ser melhor
utilizada a atual estrutura para a troca de informações,
tanto em matéria do imposto de renda quando em ma-
téria aduaneira. No que diz respeito aos desafios exter-
nos, está a ampliação da rede de tratados de cooperação
aduaneira e de troca de informações tributárias, pois
isto implica um aumento da eficiência da fiscalização
nesses setores. No que diz respeito à cooperação stric-
to sensu, creio que os patamares existentes são muito
bons. O relacionamento com outros órgãos internos (do
País) é feito de maneira harmoniosa e construtiva, o que
não significa que não ocorram debates. Isto também se
aplica ao relacionamento com os outros países e com
as organizações internacionais, especialmente a Orga-
nização Mundial de Aduanas (OMA), onde a RFB tem
uma participação histórica efetiva e tem uma presença
cada vez mais marcante. Podemos citar como exemplo
a criação do centro regional de treinamento da OMA
no Brasil em 2009, em conjunto com a ESAF, mais pre-
cisamente denominado Centro Regional Conjunto de
Capacitação Aduaneira. Neste sentido, registro também
a participação da RFB em outros Fóruns e organismos
internacionais, nos quais ela se faz ouvir e ser respei-
tada, o que é consequência da melhoria da imagem do
Brasil no exterior de maneira geral. Um exemplo disto
é o Centro Interamericano de Administrações Tributá-
rias (CIAT), cujo Diretor-Geral é um Auditor-Fiscal da
RFB. A participação mais efetiva nos diversos fóruns se
alinha com o papel que o Brasil vem assumindo no ce-
nário internacional.
TR – Já no contexto de uma nova administração
da RFB a partir deste ano, quais são as diretrizes
e planos para a atuação institucional em comércio
exterior?
MV – Creio que esta pergunta tem dois escopos. Um é
a aduana em si, e creio que na entrevista do Sr. Subse-
cretário de Aduanas e Relações Internacionais este as-
pecto já tenha sido explorado. Porém, com relação ao
escopo da Corin, um adendo talvez se faça necessário
em relação às diretrizes que dizem respeito à contínua
expansão das negociações de cooperação aduaneira, a
“O Auditor-Fiscal que
atua na área aduaneira e
comércio exterior é da maior
relevância, pois o reflexo
das ações anteriormente
enumeradas é parte
cotidiana do seu trabalho.”
TRIBUTAÇÃO em revista 17
qual inclui troca de informações em matéria aduanei-
ra, especialmente com os parceiros comerciais impor-
tantes do Brasil, com os quais ainda não temos esses
acordos. Faz parte desse escopo a continuidade das ne-
gociações do Mercosul, no âmbito do CT-2, de forma a
evoluir consistentemente, dinamizar a implementação
das ACIs (áreas de controle integrado) e aprimorar as
já implantadas, continuando as negociações em relação
às atividades transfronteiriças que envolvem questões
nacionalmente relevantes como rodovias e ferrovias in-
ternacionais que darão acesso à costa do pacífico.
TR – Os Auditores-Fiscais, assim como outras car-
reiras típicas de Estado, necessitam de uma cons-
tante atualização de conhecimentos e práticas
para atender adequadamente aos desafios que os
desenvolvimentos sociais, políticos e econômicos
recentes lhes apresentam. Indique como o Centro
Regional de Capacitação da Organização Mundial
das Aduanas, e outras ações de mesma natureza
podem contribuir neste sentido.
MV – Há diversas iniciativas de capacitação como: as
visitas técnicas, treinamentos oferecidos pelas outras
aduanas e aqueles no âmbito da OMA. Neste sentido,
a criação do Centro Regional Conjunto de Capacita-
ção Aduaneira RFB/ESAF/OMA no Brasil (CRC-Brasil),
a partir de um memorando de entendimento entre a
ESAF a RFB e a OMA, e estabelecido oficialmente em
dezembro de 2009, cumprirá o importante papel de
desenvolver a capacidade dos agentes aduaneiros para
promover o aperfeiçoamento e fortalecimento das Ad-
ministrações Aduaneiras dos países das Américas e do
Caribe. O Brasil, como país sede, tem maior facilidade
para atender aos cursos a serem programados. Ressalta-
-se que o CRC-Brasil tem como meta trabalhar forte-
mente com aprendizagem em ambiente virtual (AVA),
ofertando cursos e-learning – o que facilita o acesso
de todos. O CRC-Brasil tem realizado diversas ativida-
des e tem se associado a outros centros de excelência
(por exemplo, a parceria com o CEDDET–Espanha e
a FGV) para diversificar os treinamentos, na busca de
seus objetivos. No que diz respeito às ações desenvol-
vidas especificamente pela Corin, no âmbito dos acor-
dos de cooperação administrativa em matéria aduaneira
e das ações de cooperação técnica, firmadas por meio
de memorandos (MOU), temos acordos já negociados
com: Estados Unidos, França, Holanda, Israel, Rússia,
Países Baixos, Reino Unido e COMUCAM, que engloba
os principais países da América Latina, Portugal e Es-
panha. Estão pendentes de aprovação pelo Congresso
Nacional, os acordos com África do Sul (2007), Angola
(2008), Índia (2007), Noruega (2009), República Tche-
ca (2009), Turquia, Moçambique e Japão (2010), este
último ainda pendente de assinatura. E estão em nego-
ciação: China, Canadá, Polônia, Geórgia, Ucrânia, Bul-
gária, Itália e Coréia do Sul. Esses acordos possibilitam
a troca de experiências de forma que possamos imple-
mentar práticas já comprovadamente eficazes utilizadas
em outros países. Isto também implica a capacitação
dos colegas aduaneiros da RFB, com treinamentos nes-
tes países, bem como a visita de aduaneiros de outros
países ao Brasil. Tais trocas foram e estão sendo muito
importantes em alguns projetos como o Operador Eco-
nômico Autorizado (OEA), os centros de cães de faro,
o centro nacional de análise de risco (targeting center).
E decorrente de ações no âmbito do IBAS também foi
“No que diz respeito aos
desafios externos, está
a ampliação da rede de
tratados de cooperação
aduaneira e de troca de
informações tributárias, pois
isto implica um aumento
da eficiência da fiscalização
nesses setores.”
18 TRIBUTAÇÃO em revista
aberta a possibilidade de trabalhar com a aduana da
África do Sul para absorver conhecimento em relação
à sua experiência com a Copa do Mundo de 2010, que
nos será útil na nossa Copa de 2014.
TR – Temos fronteiras terrestres com quase todos
os países do América do Sul, com fluxos comer-
ciais diferenciados que requerem uma atenção
especial. Que pontos específicos das relações co-
merciais do Brasil com países do Mercosul reque-
rem maior atenção da RFB? Destaque o papel do
Auditor-Fiscal neste contexto.
MV – O Brasil tem fronteiras terrestres com todos os pa-
íses do Mercosul. Os Estados Partes do Mercosul repre-
sentam um dos principais mercados de destino das ex-
portações brasileiras, com participação de 11,2 % sobre
o total das vendas nacionais para o exterior, em 2010.
Dessa participação, cerca de 93% foram de produtos
industrializados, manufaturados ou semimanufatura-
dos, frente a apenas 7% de produtos básicos. Tendo em
vista a importância do Bloco Econômico como parceiro
comercial do Brasil, a atenção da RFB e o trabalho dos
Auditores-fiscais devem estar focados na agilidade e na
harmonização dos procedimentos aduaneiros adotados
nos pontos de fronteira terrestre.
Visando alcançar tais objetivos, os Estados Partes do
MERCOSUL, a partir do protocolo de Recife, acordaram
implementar, em determinadas fronteiras terrestres, as
Áreas de Controle Integrado (ACI), locais onde todos
os organismos intervenientes de ambos os países (RFB,
ANTT, ANVISA, DPF e MAPA no caso brasileiro) exer-
cem seus controles de despacho aduaneiro de forma
única e integrada. Ressalte-se que pelo lado brasileiro,
os Auditores-Fiscais, no âmbito de sua competência,
têm precedência sobre os demais setores administrati-
vos, conforme o art. 37, inciso XVIII, da Constituição
Federal. Por outro lado, a extensa linha de fronteira
terrestre que separa fisicamente o Brasil desses países
dificulta o controle aduaneiro, tornando fundamental a
eficiência do trabalho dos Auditores-Fiscais, com foco
nas áreas de repressão e vigilância, no combate ao trá-
fico de drogas e ao contrabando e descaminho, espe-
cialmente de armamentos e produtos falsificados. Em
suma, o grande desafio para a RFB, e para a Aduana em
particular, é ser uma instituição que fiscalize com efici-
ência os ilícitos tributários e aduaneiros, sem prejudicar
o fluxo do comércio legítimo.
TR – Muito tem sido destacado quanto aos benefí-
cios de uma cooperação com as empresas no sen-
tido de agilizar e aprimorar os procedimentos em
portos, aeroportos e áreas de fronteiras terrestres,
sem a perda das prerrogativas do estado brasileiro
na fiscalização. Gostaríamos que o Sr. destacasse
e comentasse os principais benefícios nesta área.
MV – Há um aspecto a destacar em que há uma coope-
ração intrínseca. São os chamados operadores econômi-
cos autorizados (OEA), um sistema que agiliza os pro-
cedimentos para as empresas que seguem determinados
critérios de transparência e cumprimento da legislação
aduaneira e tributária. Nesse caso o ganho em eficiência
e agilidade está acompanhado da segurança no proces-
so, com benefícios mútuos.
TR - A cooperação tributária e aduaneira do Brasil
com outros países emergentes também é um ponto
“Há uma intensa cooperação
entre os países emergentes
(caso do IBAS, que congrega
o Brasil, a África do Sul e
a Índia) a qual tem dado
resultados específicos,
como a criação de um
centro trilateral de troca de
informações.”
TRIBUTAÇÃO em revista 19
relevante nas nossas relações comerciais. Estraté-
gias mais uniformes entre os países trariam bene-
fícios mútuos em termos de eficiências nas ações
de fiscalização. O que há de novo nesta área?
MV – Este ponto é muito importante no que tange às
atividades da Corin. Já foi mencionado que estamos nos
esforçando para expandir a rede de acordos de coope-
ração aduaneira com os principais parceiros comerciais
brasileiros. Porém, isto não se restringe a esses acordos.
Há uma intensa cooperação entre os países emergentes
(caso do IBAS, que congrega o Brasil, a África do Sul e
a Índia) a qual tem dado resultados específicos, como a
criação de um centro trilateral de troca de informações
que agilizará muito as trocas de informações aduaneiras
entre os três países. O movimento neste sentido tam-
bém ocorre com países em menor grau de desenvolvi-
mento, e neste caso há especial interesse em visitas de
cooperação técnica que estes países fazem, bem como
capacitação técnica promovida por eles próprios, como
é o caso de Moçambique, e mais recentemente Angola.
Essas ações todas trazem benefícios em termos de me-
lhoria na eficiência nas ações de fiscalização. Informação
é uma ferramenta fundamental nesses casos. O combate
às fraudes em operações de comércio internacional é
fundamental e é parte importante do trabalho da RFB.
Tais tratados servem de mecanismos de controle des-
sas transações no combate à evasão fiscal internacional
na área aduaneira. No que diz respeito à cooperação
tributária, no sentido dos chamados tributos internos,
e especificamente o imposto de renda, devemos consi-
derar que os nossos 29 tratados de dupla tributação em
vigor têm cláusula de troca de informações, observando
que se pode utilizar também os tratados de cooperação
judicial (MLAT) em determinadas situações, tanto em
matéria aduaneira como tributária. Além disso, o Brasil
aderiu ao Fórum Global sobre Transparência e Troca de
Informações Tributárias em 2009, passando a integrar
seus órgãos de decisão e de revisão. Com a importância
do Brasil hoje no G20, o país não poderia deixar de
participar de um órgão como o Fórum Global, já que
o próprio G20 apontou a falta de transparência como
uma das causas da crise econômica recente. O Fórum é
um órgão da OCDE e suas posições seguiam as orienta-
ções da OCDE. Em 2009 ele passou a ter um orçamen-
to próprio e a tomar suas decisões com a participação
de todos os membros em pé de igualdade, sendo eles
membros ou não da OCDE. É bom destacar que mesmo
antes de entrar no fórum o Brasil já atendia os padrões
internacionais de transparência, tanto que após a ade-
são o país passou a integrar a “lista branca” da OCDE
de países que seguem os princípios internacionais de
transparência. Na verdade, se tivermos uma convenção
para evitar a dupla tributação da renda e a evasão fiscal
com o artigo 26 do Modelo OCDE e ONU (“Troca de
Informações”) em funcionamento, ele vai ter a mesma
função de um tratado especifico. O tratado para tro-
ca de informações só vai trazer normas procedimentais
mais detalhadas, embora o núcleo seja o mesmo. Nos
casos em que for mais complicado ter uma convenção
contra bitributação, sendo possível ter um tratado de
troca informações, é bom que tenhamos este último,
principalmente quando existirem fluxos comerciais re-
levantes entre os dois países, como no caso de Brasil e
Estados Unidos. A RFB tem demandado e temos sido
demandados em relação à troca de informações, tanto
na área aduaneira como na tributária, com resultados
expressivos.
“As cogitações de retirar
a aduana do controle da
RFB, que volta e meia se
ouve, seria um retrocesso.
Os países que não
adotam este modelo têm
reconhecidamente perda de
eficiência.”
20 TRIBUTAÇÃO em revista
Deve ser observado que a OMA e acordos com o Mer-
cosul levam a ter procedimentos aduaneiros mais pa-
recidos, tendendo a uma uniformização, o que eviden-
temente aumenta a eficiência. Os tratados de troca de
informação tributários ou aduaneiros, ainda que em
menor grau, também tem este efeito, especialmente no
que diz respeito a procedimentos de fiscalização de ilí-
citos aduaneiros.
TR – O fato de termos a aduana integrada aos cha-
mados tributos internos é eficiente?
MV – Sim. Penso que é eficiente tanto para a fiscaliza-
ção e controle dos tributos internos, como para a fis-
calização e controle das atividades aduaneiras. A fusão
das duas áreas no Brasil, que resultou na estrutura que
conhecemos atualmente, deu-se quando da criação da
SRF hoje RFB, em 1968, embora as atividades já antes
estivessem sob a responsabilidade do Ministério da Fa-
zenda, na Direção Geral da Fazenda Nacional, consti-
tuída pelos Departamentos de Rendas Internas, Rendas
Aduaneiras e Imposto de Renda. Essa integração induz
um ganho de eficiência, que passa pela unificação da
base de dados dos contribuintes e vai até o conheci-
mento organizacional, prevenção de conflitos e ação si-
nérgica do pessoal da instituição, os Auditores-Fiscais.
Daí que as cogitações de retirar a aduana do controle
da RFB, que volta e meia se ouve, seria um retrocesso.
Os países que não adotam este modelo têm reconhe-
cidamente perda de eficiência, às vezes até porque o
foco da aduana é centrado em outros aspectos, como
a segurança (caso dos EUA), mas esse trade off pode
sair caro. No sentido do aumento da eficiência, tem-se
notícia de países que estão promovendo a junção das
duas áreas como o Reino Unido, por meio do HM Re-
venue & Customs – HMRC, resultante da fusão, em 18
de abril de 2005, do Inland Revenue and HM Customs
and Excise Departments. Em outros países europeus o
controle de tributos indiretos é feito pela mesma admi-
nistração aduaneira e tributária. Mas a questão não se
restringe a tributos indiretos. O contribuinte que co-
mete fraude aduaneira pode estar também cometendo
fraude em preços de transferência, caso típico em ope-
rações de exportação (subfaturamento). Contudo, as
trocas de informações são conduzidas sob o amparo de
tratados específicos das respectivas áreas, pelo menos
por enquanto.
TR – A Aduana tem sido um fator de defesa da
soberania nacional. Importações consideradas
desleais prejudicam a indústria nacional. Alguns
instrumentos, como a verificação das regras de
origem, podem ser utilizados para combater estas
práticas desleais. Faça um apanhado geral sobre
o tema.
MV – A aduana é, de fato, um importante fator de defesa
da soberania nacional. Na verdade, no que diz respeito
ao comércio exterior, é a aduana que está na linha de
frente. Qualquer tipo de fraude aduaneira, como fraude
de valor, burla as regras de origem, seja diretamente
seja através da chamada “circumvention” (utilização de
um terceiro país não sujeito às regras de origem, para
burlar o controle), tem uma atuação direta da aduana,
embora o MDIC tenha também uma participação no
que diz respeito à questão das regras de origem. O ar-
cabouço legal utilizado pela RFB no combate a essas
fraudes envolve não só a legislação interna, consolidada
no Regulamento Aduaneiro, mas também tratados adu-
aneiros e comerciais, como por exemplo, o acordo do
GATT/OMC, no qual está prevista a valoração aduanei-
ra e o acordo do Mercosul, e sua regulamentação, a qual
prevê normas de verificação de origem. Para melhorar a
eficiência na implementação deste arcabouço é necessá-
rio evoluir e aprimorar as técnicas, com medidas como:
a criação do Centro Nacional de Avaliação de Risco e
a utilização de modernas ferramentas de informática e
mão-de-obra especializada. Assim, a fiscalização ante-
cipa-se à ação do fraudador, agindo de maneira mais
eficiente e eficaz, executando o controle aduaneiro com
mais segurança e agilidade, contribuindo para o fortale-
cimento do comércio exterior brasileiro.
TRIBUTAÇÃO em revista 21
a RTIGO
A Guerra Comercial
país refletida no Balaço de Pagamentos. O Balanço de Pa-
gamentos de um país apresenta, na forma de um plano
de contas, as relações de troca com o resto do mundo du-
rante um determinado período. Sinteticamente o Balanço
de Pagamentos é composto principalmente pelo montante
de Transações Correntes e pela Conta de Movimento de
Capitais. O item das Transações Correntes por sua vez é
composto pelos subgrupos Balança Comercial, Balança de
Serviços e das Rendas Recebidas e Enviadas ao Exterior,
além das Transferências Unilaterais Correntes. Basicamen-
te, quando se fala em “guerra comercial” compreende o
equilíbrio da conta do Balanço de Comercial onde se re-
gistram os valores das importações e exportações entre os
países. Quando um país importa mais do que exporta, ele
não recebe este excedente de bens e serviços gratuitamen-
te, ao contrário, ele abre mão de seus ativos em retribui-
1- Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
Foch Simão Jr.1
1 – Introdução
Na avaliação de Welber Barral ex-Secretário de Comér-
cio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior, a falta de acordo em torno da questão
cambial por parte dos países do G20 reunidos na Coréia
do Sul pode levar a uma “guerra comercial”, com aumento
de protecionismo em desrespeito a regras da OMC. Esta
opinião foi também manifestada pelo ex-Secretário da
Receita Federal, Otacílio Dantas Cartaxo, por ocasião da
inauguração da Delegacia Especial de Maiores Contribuin-
tes em São Paulo.
A “guerra comercial” envolve primordialmente a utili-
zação de mecanismos de confronto econômico fortemente
focados nos subsídios comerciais e nas barreiras alfande-
gárias. O resultado deste tipo de confronto repercute em
médio prazo na capacidade de transação econômica do
22 TRIBUTAÇÃO em revista
ção. Inicialmente estes ativos são materializados em mo-
eda local, mas os investidores rapidamente utilizam este
dinheiro para adquirir empresas e papéis governamentais,
gerando obrigações futuras, transformando o país, em
curto período, em exportador natural de ativos.
O desequilíbrio na Balança de Pagamentos acaba por
demandar poupança externa, que se manifesta em défi-
cit em conta corrente, que termina por exigir o aumento
dos juros pagos aos capitais compensatórios. Esta escalada
dos juros aumentará a dívida do governo, evidenciando o
excesso de investimento privado em relação à poupança.
A escassez de poupança privada interna aumenta a per-
cepção de riscos dos credores externos, indicando que os
seus recursos estão financiando parcelas expressivas de
enormes déficits públicos. Em vista deste cenário de insta-
bilidade econômica, estes investidores, para continuarem
a cobrir os déficits, acabam exigindo remuneração mais
elevada para os seus capitais. Dada a alta relação entre as
taxas de juros e a evolução do PIB, razão dívida líquida/
PIB, há o aumento da demanda por superávit primário a
fim de se estabilizar esta relação, prevenindo o descontrole
do endividamento público o que fatalmente desencadearia
uma crise de credibilidade. Os superávits primários, por
sua vez, requerem uma política fiscal mais austera, redu-
zindo ainda mais a escassa poupança privada interna pelo
aumento da tributação e pela estagnação do investimento
nacional, deprimindo a poupança como um todo, com
reflexos negativos no investimento interno e nas exporta-
ções, nesta última por causa da redução dos valores agre-
gados. Isto, como se percebe, aumenta o déficit da Balança
de Pagamentos tornando crônico o processo iterativo de
endividamento público, onde o déficit comercial aumenta
o déficit público, criando um fluxo evasivo de ativos.
2 – Defesa Comercial
Do ponto de vista do comércio global, as condições
internacionais de custos e de demanda poderiam levar os
países que comerciam entre si a alcançarem integralmente
os benefícios proporcionados pelo comércio multilateral
totalmente livre. Mas, a realidade que se apresenta é bem
diferente, as pressões internas de certos setores econômi-
cos nos países desenvolvidos os levam a adoção de práti-
cas, muitas vezes sutis, de protecionismo com a aplicação
de barreiras não tarifárias, o emprego de subsídios e outros
mecanismos de embaraço às exportações provenientes dos
países em desenvolvimento e por outro lado, no tocante às
suas exportações, estimulam a prática de dumping, sub-
valoração e outros recursos predatórios às economias dos
demais países.
A atuação de um governo na defesa comercial do país
e os limites de sua aplicação é pautada pela legislação in-
ternacional, em particular, nos acordos multilaterais e bi-
laterais recepcionados pela legislação interna. Por defesa
comercial entendem-se medidas que podem ser impostas
pelo país importador quando verificadas determinadas
condições descritas em acordos internacionais, onde qual-
quer prática estranha às normas acordadas pode e deve
ser combatida precavendo o dano à indústria doméstica e
à cadeia de produção do país. No tocante ao controle dos
fluxos do comércio internacional, a instituição precedente
na defesa dos interesses nacionais e do bem estar dos seus
cidadãos é o Sistema Aduaneiro, composto pelas Alfânde-
gas e Inspetorias.
Observa-se, portanto, que no âmago da questão “guer-
ra comercial“ encontra-se o controle aduaneiro que por
sua característica histórica é por si só uma barreira institu-
cional às atividades de trocas comerciais. A função das Ins-
tituições Aduaneiras é a de assegurar que todos os bens,
objeto de comércio internacional, circulem pelas frontei-
ras do país em consonância com os mandamentos legais
vigentes e em condições econômicas compatíveis com a
do mercado interno, preservando a sua capacidade eco-
nômica e a segurança dos seus cidadãos através da execu-
ção do controle físico e documental eficaz e eficiente, que
não interfira substancialmente nos custos logísticos das
transações. Compreende esse controle, visando a defesa
econômica da nação, os procedimento de inspeção pré-
-embarque, auditoria dos fluxos de importação em zona
primária, valoração aduaneira, auditoria de zonas secun-
dárias, operações de busca e repressão e outros recursos
TRIBUTAÇÃO em revista 23
dispostos pela legislação à competência da Aduana.
Desta forma, seria de maior importância para a nação a
formulação de uma estratégia de defesa comercial de lon-
go prazo, empregando os serviços de controle aduaneiro
de forma ativa. A visão de “coletoria tributária” que hoje
domina a administração da Receita Federal não se coadu-
na com a missão precípua das Alfândegas. Na historiogra-
fia nacional as Alfândegas foram instrumentos de defesa
da terra desde as expedições guarda-costas de Cristóvão
Jacques no combate à pirataria até o emprego da divisão
dos Guardas da Alfândega na aguerrida luta em campos
paraguaios. A disposição do governo de empregar de for-
ma eficiente a instituição aduaneira em defesa da nação
deve levar em conta a estrutura funcional hoje minguada,
mas, de alta competência e elevada instrução. Nesta pers-
pectiva de política pública há estratégias primorosas que
permitem ao Brasil preservar o seu parque manufatureiro
e manter o bem estar dos seus cidadãos.
A cabeça de ponte do sistema de defesa comercial te-
ria como base a ação dos agentes aduaneiros colocados
nos principais pontos de exportação de mercadorias para
o Brasil, com a determinação de vistoria sobre certas mer-
cadorias sensíveis ao nosso interesse econômico e alvos de
práticas comerciais predatórias, envolvendo a qualidade
(classificação NCM), quantidade e o valor das mercadorias
(valor aduaneiro, sub-faturamento, dumping), utilizando-
-se da oportunidade de lançar mão do instrumento de-
rivado do Acordo do GATT, Acordo Geral sobre Pautas
Aduaneiras e Comércio ou Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio, na rodada do Uruguai, conhecido como INS-
PEÇÃO PRÉ-EMBARQUE. Note que o procedimento
proposto pelo acordo do GATT/ OMC permite, quando
da ação aduaneira, detectar fraudes financeiras cometidas
através do comércio de bens como a lavagem de dinheiro,
além de agilizar o desembaraço aduaneiro nas Alfândegas
no território nacional através de informações antecipadas
por parte do exportador. Isto se traduz em ganho econô-
mico para o país, redução do tempo de desembaraço e
segurança das transações transnacionais.
Esta nova estratégia de controle aduaneiro só pode
ser implementada com uma profunda reestruturação da
instituição Aduana, de forma a criar uma cultura proativa
contando com a colaboração da sociedade. A autoridade
nunca deve partir do princípio universal da suspeita na
sua atuação profissional. A ação aduaneira, ao nosso ver,
deve possuir as seguintes vertentes:
1) busca de informações;
2) processamento de informações e de cadastros;
3) auditoria de procedimentos;
4) inspeção de cargas e documentos;
5) vigilância e patrulha ostensiva de portos, aero-
portos e pontos de fronteira;
6) poder de polícia judiciária, reduzindo o tempo do
trâmite coercitivo;
7) operações de busca e apreensão;
8) programa permanente de educação e orientação
dos cidadãos;
9) controle sobre circulação e a admissão de bens e
direitos de propriedade intelectual.
A questão da coleta de informações é vital para o suces-
so do trabalho aduaneiro. O caráter voluntário da ação do
contribuinte, procurando prestar com antecedência todo
o tipo de informação sobre a transação comercial, subsi-
dia o caráter investigativo da Aduana de apurar a exati-
dão e complementar o processo de instrução da transação,
tornando-a compatível com a legislação vigente no país.
Deve-se notar, neste particular, o emprego de adidos adu-
aneiros como: consultores, certificadores e inspetores que
contribuirá para que não haja a interrupção no fluxo de
deslocamento do comércio exterior, em virtude do rápido
acionamento de seus serviços em caso de dúvida sobre
uma transação comercial ou sobre a carga que lhe é fruto.
No que tange à coerção legal ao descaminho, con-
trabando, tráfico de drogas ilícitas e de armas, evasão de
divisas, controle sobre a evasão de patrimônio nacional,
etc., a missão da Aduana envolve o lado eminentemente
policial judiciário. Em quase todas as Aduanas dos países
desenvolvidos estas instituições possuem a prerrogativa de
24 TRIBUTAÇÃO em revista
polícia judiciária, contando com guarda armada para exe-
cutar missões de repressão e apreensão. Curiosamente, o
Brasil até 1964 possuía a Guarda Aduaneira para este fim,
sendo extinta pelo governo militar. Não há como reprimir
e controlar os ilícitos aduaneiros sem uma estrutura de
polícia judiciária compatível, contando com aparelhos e
instrumentos necessários à ação da coerção legal. De ou-
tra forma, como podemos verificar diariamente nas ruas
do país, estaremos vivendo uma ficção institucional que
presta um desserviço à nação e trabalha predatoriamente
com o suor, sangue e lágrimas do brasileiro arrancados
compulsoriamente através do artifício da tributação. Este
arremedo de Aduana, que hoje vige impotente, é permis-
sivo e pernicioso; permissivo porque dá cada vez mais
oportunidade ao crime organizado a capitalizar-se através
do contrabando e descaminho, pernicioso porque drena
da economia do país as suas riquezas através da insidiosa
evasão de riquezas da terra.
3 – Conclusão
A soberania do Estado é manifestada na forma de gover-
no que tem sob a sua responsabilidade os mais diversos en-
cargos, espelhando os anseios e o caráter da sociedade dos
seus cidadãos. O grau de comprometimento de uma socieda-
de com o Pacto Social firmado não é necessariamente aquele
que, designado pela Carta Magna, propaga-se pelas cantile-
nas públicas, mas, sim aquele que extraído da experiência
vivida por seus cidadãos revela a realidade da sua lida diária.
Se a sociedade não se organiza para atribuir e controlar as
funções a serem desempenhadas por um governo que a re-
presenta, não pode esperar que este exerça com competência
as suas funções básicas de alocar e distribuir recursos, e mo-
derar as relações sociais. Enfim, as características de um Es-
tado expressas pelo desempenho de suas instituições revelam
o verdadeiro caráter dos seus cidadãos e o governo que estes
elegem reflete os seus mais profundos anseios.
TRIBUTAÇÃO em revista 25
a RTIGO
A Aduana e o Combate a Lavagem de Dinheiro em Operações de Comércio Internacional1
Gerson José Morgado de Castro2
dinheiro para, tanto quanto possível, esconder a origem
ilícita de seus ganhos.
Mas, sem dúvida, foi a partir do chamado fenômeno
da globalização que esta atividade criminosa ganhou a
dimensão que apresenta nos dias atuais, com o incre-
mento da atividade bancária transnacional e o aumento
da informatização nesse setor, o aumento e liberalização
dos fluxos internacionais de capitais e mercadorias e o
enfraquecimento do Estado, decorrente de políticas de
redução de gastos públicos e de redução da participa-
ção estatal na economia dos países, adotadas principal-
mente a partir do final da década de 80.
A abordagem aqui proposta para o tema parte de
uma reflexão sobre as preocupações do Grupo de Ação
Financeira Internacional – GAFI/FATF, em seu rela-
1 – Introdução
O fenômeno conhecido vulgarmente como lavagem
de dinheiro surgiu em tempos imemoriais, havendo no-
tícias de sua prática na China, 4.000 anos atrás, quando
mercadores se utilizavam de métodos semelhantes aos
atuais para proteger seu patrimônio dos governantes,
fugindo à tributação3. Suas técnicas evoluíram ao lon-
go da história, passando pela Idade Média e seu uso
por prestamistas e mercadores que buscavam fugir às
punições da Igreja pela prática de usura, pelo uso de
“paraísos” pelos piratas do século XVII e em especial
durante os anos 20 e 30 do século passado, nos Esta-
dos Unidos, quando os “gangsters”, após a prisão de Al
Capone, passaram a utilizar-se de métodos mais sofis-
ticados e internacionalizar a atividade de lavagem de
1. Artigo originalmente apresentado como tese ao CONAF 2010 – Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil.
2. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, bacharel em Ciências Contábeis e Direito, mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES.
3. Seagrave, S., Lords of the Rim: The Invisible Empire of the Overseas Chinese, Putnam Publishing Group, 1995, apud Jaime Jamarillo-Vallejo, Lavado de activos: temas de política pública.
26 TRIBUTAÇÃO em revista
tório intitulado “Trade based money laundering”, no
qual buscou-se analisar a utilização de operações de
comércio internacional como meio para a lavagem de
dinheiro. Aponta o GAFI que ainda não é dada a de-
vida importância às tipologias envolvendo o comércio
internacional voltadas àquela prática criminosa, razão
pela qual é essencial a conscientização e o treinamento
constantes destinados a dotar os Auditores-Fiscais da
Receita Federal do Brasil dos conhecimentos e instru-
mentos legais necessários ao seu combate.
Pretende-se demonstrar a ameaça representada por
esse crime ao território e à economia nacional, pelo volu-
me de recursos movimentados e pela origem dos recursos
“lavados”, umbilicalmente ligados ao crime organizado.
Além disso, busca-se apresentar, de forma simplificada,
as principais tipologias ligadas ao fluxo internacional de
mercadorias e indicadores da ocorrência desse crime, for-
necendo ao leitor um contato inicial com essas técnicas,
a fim de possibilitar sua identificação no quotidiano das
unidades aduaneiras e servir de subsídio para o aprofun-
damento no estudo desse tema, ainda pouco explorado
pela literatura nacional.
Como consequência, ficará demonstrada a importân-
cia de uma fiscalização alerta e ciente da utilização de ope-
rações de comércio internacional como técnica de lavagem
de dinheiro, tanto para a prevenção e o combate direto e
imediato a essa atividade, quanto como meio de obtenção
de informações sobre a atuação de quadrilhas especializa-
das, permitindo a atuação conjunta com os demais órgãos
responsáveis pela repressão a esse crime.
2 - A Lavagem de Dinheiro
2.1 - Breves Considerações Sobre Essa Atividade Cri-
minosa
A chamada lavagem de dinheiro consiste num proces-
so composto por etapas, destinado a introduzir na econo-
mia formal recursos obtidos em atividades criminosas e
dar-lhes aparência de legalidade, objetivando impedir ou
dificultar a vinculação entre os recursos e os crimes pelos
quais foram obtidos. Em breve definição, podemos dizer
que:
‘Lavagem’ de dinheiro é o processo pelo qual se bus-ca introduzir na economia bens, direitos ou valores originados na prática de crimes, ocultando ou dissi-mulando sua origem delituosa4.
O termo utilizado usualmente se refere à prática dos
gangsters norte-americanos, que utilizavam lavanderias
para a atividade de “legalização” dos recursos obtidos ili-
citamente, embora só tenha sido usado, pela primeira vez,
pela imprensa daquele país, na década de 70, por ocasião
do escândalo denominado Watergate.
Diversas expressões são utilizadas para intitular tal ati-
vidade criminosa ao redor do mundo, mas a mais popular
é, sem dúvida, a aqui utilizada. Todavia, necessário se faz
constatar que o tipo legal utilizado no Brasil não adotou
integralmente tal denominação, referindo-se a “crimes de
‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”.
2.2 – Fontes Normativas da Prevenção e Combate à
Lavagem de Dinheiro
Embora a legislação pioneira remonte a 1978 (na Itá-
lia) e normas no sentido de criminalizar essa atividade
tenham sido publicadas na Alemanha em 1981, na In-
glaterra em 1982, nos EUA em 1986 e na França em
1987, o principal incentivo ao combate a essa prática foi,
no plano internacional, a Convenção de Viena de 1988,
celebrada no âmbito da Organização das Nações Unidas,
inicialmente objetivando o combate ao tráfico ilícito de
drogas. O Brasil foi signatário desse ato, ratificado pelo
Decreto Legislativo n.º 162, de 14 de junho de 1991 e
promulgado pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de
1991, mas a conduta só foi tipificada por meio da Lei n.º
9.613/98.
Referida lei introduziu no ordenamento jurídico na-
cional diversas figuras penais, visando punir as condutas
tendentes à integração à economia do produto de deter-
4. Gerson José Morgado de Castro. O combate à lavagem de dinheiro, p. 14.
TRIBUTAÇÃO em revista 27
minados crimes antecedentes, considerados mais graves
pelo legislador, ocultando-lhe ou dissimulando-lhe a ori-
gem criminosa.
Optou a lei brasileira por eleger tais crimes antece-
dentes em rol taxativo, indo além da mera criminaliza-
ção da “lavagem” dos ganhos provenientes somente do
tráfico de drogas, mas adotando postura mais tímida que
outras legislações mais avançadas, que optam por não
“engessar” o combate à “lavagem”, punindo a legitima-
ção do produto de todo e qualquer crime, ou de “crimes
graves”, assim entendidos os que apresentem punição a
partir de determinado nível.
A esse respeito, tramita atualmente pela Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei n.° 6577/2009, que entre ou-
tras modificações à Lei n.° 9.613/98, pretende alterar a
redação da cabeça de seu Art. 1.°, para abranger as con-
dutas de lavagem de dinheiro proveniente de qualquer
infração penal. Tal modificação representa um significa-
tivo avanço, em especial no que se refere à repressão da
lavagem de dinheiro ligada à sonegação fiscal, hoje não
abrangida entre os crimes antecedentes5, embora, com
frequência, os crimes fiscais estejam associados a outros
que já figuram na atual lista, como a evasão de divisas e
os crimes praticados por organizações criminosas, aca-
bando por dar origem à punição por lavagem de dinhei-
ro.
A lei brasileira traz, em sua redação atual, um tipo
penal básico, descrito no caput do Art. 1.º, três tipos as-
semelhados (Art. 1.º, § 1.º, incisos I a III) e dois tipos
equiparados (Art. 1.º, § 2.º, incisos I e II)6. Entre eles,
interessa de forma especial à presente abordagem (mas
não exclusivamente) aquele instituído pelo inciso III do
§ 1.º de seu Art. 1.°, que se refere à conduta de importar
ou exportar bens com valores não correspondentes aos
verdadeiros, para ocultar ou dissimular a utilização de
bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos
crimes antecedentes previstos pelos incisos da cabeça
daquele artigo.
As tipologias que serão abordadas mais adiante se re-
ferem, em sua maioria, à prática desse tipo penal. Toda-
via, como será possível perceber ao final, o uso de ativi-
dades de comércio internacional na atividade de lavagem
de dinheiro não se restringe a esse tipo penal, transitando
pelas demais modalidades instituídas pelo legislador.
2.3 - Características da Lavagem de Dinheiro
Entre as características que normalmente marcam essa
atividade e fazem das operações de comércio internacional
terreno fértil para sua prática, a primeira delas é sua di-
mensão internacional, ou transnacionalização das condu-
tas7, decorrente, de forma direta, de sua vinculação com o
crime organizado, que extrapola os limites dos territórios
em que originalmente se estabeleceram as organizações,
para atuar em todo o globo8.
Tal característica representa uma vantagem adicional
aos “lavadores” e, na mesma proporção, um obstáculo a
mais para as autoridades na tarefa de detecção e perse-
cução das atividades criminosas dessa natureza. O fato
de transitarem os recursos objeto da lavagem através de
diversas fronteiras provoca dificuldades relativas à coope-
ração judicial internacional e à troca de informações entre
as autoridades, falta de harmonização entre os diversos
ordenamentos jurídicos e permite ao criminoso a busca
de localidades cujos controles sejam menos rigorosos, fa-
cilitando sua ocultação.
Outra característica digna de nota é o enorme volu-
me de recursos movimentados pela atividade. No geral,
os crimes antecedentes a que se dedicam tais grupos, em
especial o tráfico de drogas, apresentam, além da enorme
danosidade social, margens de lucro inatingíveis na ativi-
5. Todavia, deve-se devotar a necessária atenção a eventuais efeitos negativos deste alargamento do escopo de aplicação da norma penal aqui tratada, pelo risco de banali-zação de sua utilização, especialmente em relação a crimes de baixo ou nenhum potencial ofensivo, sob pena de desvirtuar-se a sua aplicação, voltada à efetiva proteção da ordem econômica e dedicada especialmente às atividades de grupos criminosos organizados e a crimes praticados por detentores de grande poder econômico e/ou político.
6. Adota-se aqui a denominação utilizada por Rodolfo Tigre Maia, Lavagem de dinheiro, p. 56 a 102.
7. Raúl Cervini, Lei de lavagem de capitais, p. 62 e 63.
8. Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 28, Peter Lilley, Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais, p. 17-18.
28 TRIBUTAÇÃO em revista
dade legal9, proporcionando a seus perpetradores um acú-
mulo de capital que lhes obriga à prática de movimentos
massivos de recursos e lhes permite também a obtenção
de um poder que rivaliza, quando não supera, o poder
dos Estados nos quais as organizações se encontram es-
tabelecidas, representando fonte perene de recursos que
lhes permitem por vezes exercer controle sobre porções
dos territórios nacionais.
De tal característica decorre outra, apontada por Raúl
Cervini, que vem a ser a dimensão dos danos causados
pela atividade, que extrapola a esfera individual, alcançan-
do ou se projetando sobre toda a economia nacional, po-
dendo, inclusive, chegar a quebrar a confiança no sistema
econômico10.
2.4 – Dimensão da Atividade no Mundo e no Brasil
Michel Camdessus, em discurso proferido no Encon-
tro da Plenária do GAFI, realizado em Paris, em 1998, es-
timou o volume de dinheiro “lavado” anualmente entre
2% e 5% do PIB mundial11. Já Moisés Naím afirma que
estimativas mais recentes fixam o fluxo de “lavagem” de
dinheiro próximo a 10% do PIB global12.
Para auxiliar a compreensão de tais números, deve-se
consignar que a estimativa mais otimista (aplicando-se o
percentual de 2% sobre o PIB mundial de 2009, da ordem
de US$ 57,937 trilhões) supera o PIB mexicano daquele
ano, ao passo que a estimativa mais pessimista representa
um volume de capital ilícito circulando ao redor do mun-
do mais de três vezes superior a toda a riqueza produzida
no Brasil naquele ano, ou algo em torno de 40% (quarenta
por cento) do PIB norte-americano no mesmo período13.
Em estudo concluído no ano de 2006, demonstrou-se
que o volume de dinheiro sujo colocado em circulação
ao redor do mundo pela atividade de lavagem de dinhei-
ro chegaria, na hipótese mais pessimista (que considera o
percentual de 10%) a configurar a terceira maior riqueza
do mundo, atrás apenas do Produto Interno Bruto dos Es-
tados Unidos e do Japão e, na hipótese mais otimista, seria
a décima economia mundial, superando o PIB brasileiro à
época14. Tais projeções revelavam que o capital acumulado
em dez anos pelas organizações criminosas superava o PIB
norte-americano15.
2.5 – As Ameaças Representadas pela Lavagem de
Dinheiro à Economia e a Soberania Nacionais
Tal volume de recursos circulando pelo globo nas
mãos de organizações criminosas já representa, por si só,
uma ameaça às soberanias e de forma especial às econo-
mias nacionais. O resultado já foi visto em diversos países
e mesmo no Brasil, sob a forma de controle de territó-
rios por tais grupos e, atualmente, apresenta sua face mais
cruel na guerra travada no México entre o Estado e nar-
cotraficantes, que passaram a afrontar as autoridades de
forma pública e direta, com intenções abertas de subjugar
o poder estatal aos seus interesses.
Segundo Raúl Cervini, a atividade de lavagem de di-
nheiro tem impacto direto sobre as políticas econômicas
públicas, seu planejamento e controle, produzindo desde
fenômenos de hiper-reação dos mercados financeiros, tais
como oscilações nas taxas de câmbio e juros, à contami-
nação da livre concorrência, condicionamento da liquidez
do setor bancário, atingindo mesmo a independência eco-
nômica de alterar políticas macroeconômicas16.
Estudos do Fundo Monetário Internacional apontam
que a lavagem de dinheiro pode levar a erros na formula-
ção de políticas econômicas, devido a falhas contidas nas
informações estatísticas, em virtude do fluxo de capitais
ilícitos praticado de forma clandestina, modificações na
9. Ver, a respeito, Jean Ziegler, A Suíça lava mais branco, págs. 25 e 26.
10. op. cit., p. 61 e 62.
11. Money Laundering: the Importance of International Countermeasures.
12. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global, p. 20.
13. Valores informados pelo Fundo Monetário Internacional, Word economic outlook database, april 2010.
14. Gerson José Morgado de Castro, op. cit., p. 29.
15. op. cit., p. 32.
16. Lei de lavagem de capitais, p. 59 e 60.
TRIBUTAÇÃO em revista 29
demanda por moeda sem uma relação direta com mudan-
ças nas variáveis econômicas correspondentes, volatilida-
de do câmbio e das taxas de juros devido às transferências
imprevistas de recursos através das fronteiras, realizadas
pelos “lavadores”, contaminação da estrutura dos ativos e
passivos das instituições financeiras, distorções nos preços
de bens e serviços, bem como a perda de credibilidade
de atividades legais por sua contaminação pelas atividades
criminosas17.
Dessa forma, constata-se que a atividade de lavagem de
dinheiro atinge a soberania nacional, na medida em que
as políticas econômicas vêem-se prejudicadas pela atua-
ção de grupos criminosos transnacionais, que, com a rea-
lização de movimentos internacionais de bens e recursos,
sem fundamento econômico e no mais das vezes de for-
ma clandestina, influenciam as variáveis econômicas sem
que se encontrem as devidas motivações nas estatísticas
oficiais disponíveis para a tomada de decisões no âmbito
econômico. O comprometimento de tais políticas públi-
cas leva, inexoravelmente, a prejuízos na persecução da
redução das desigualdades regionais e sociais e na busca
do pleno emprego, em virtude, também, do menor cres-
cimento econômico gerado pela atividade de lavagem de
dinheiro e as distorções por ela geradas nas variáveis eco-
nômicas do país.
Aponta-se ainda, como efeitos negativos da crimina-
lidade econômica, os chamados efeitos “ressaca” e “espi-
ral”18: numa realidade econômica de forte concorrência,
o primeiro ator econômico a praticar atividade delituosa
acaba pressionando os demais a praticar novos delitos
(efeito ressaca) e cada participante se converte também
no centro de uma nova ressaca (efeito espiral), conta-
giando continuamente a atividade econômica de um
país. Colaboram com tal realidade a consciência da enor-
me quantidade de delitos econômicos, os lucros por eles
gerados, a leveza da legislação penal e da jurisprudência
contra essa classe de criminosos e uma imagem benevo-
lente da sociedade em relação aos criminosos de “colari-
nho branco”.
3 – As Tipologias Ligadas ao Comércio Internacional
Com o crescente controle das operações bancárias e o
aperfeiçoamento dos controles e instrumentos jurídicos
disponíveis para o combate à lavagem de dinheiro no sis-
tema financeiro, é natural que as organizações criminosas
busquem novos canais para movimentar recursos entre
as fronteiras nacionais e dar-lhes uma aparência de lega-
lidade. O próprio GAFI reconhece que a importância das
operações de comércio internacional praticadas com esse
objetivo tem sido subestimada pelas autoridades respon-
sáveis pela repressão dessa conduta19.
Entre os fatores de atratividade de tais operações para
a lavagem de dinheiro, aponta-se a limitação de recursos
das autoridades alfandegárias de diversos países para de-
tectar as operações fraudulentas e de programas de trocas
de informações entre as autoridades dos países envolvi-
dos na operação comercial.
O incremento do fluxo de mercadorias e o aumen-
to no fornecimento de serviços internacionais propiciou
um novo horizonte para essa atividade, escondendo
operações fraudulentas destinadas exclusivamente a dar
aparência de legalidade a riquezas criminosas, que se
confundem com os milhões de outras operações normais
de comércio internacional e outras tantas destinadas a
realizar a evasão fiscal, de divisas, contrabando, desca-
minho, etc.
As técnicas descritas nos relatórios de tipologias são
as mesmas que, há décadas, são utilizadas para a movi-
mentação internacional de divisas com fraude aos con-
troles oficiais.
A primeira técnica - sobrefaturamento ou subfatura-
mento - permite manipular o envio de recursos para fora
do país ou seu recebimento de outros países, tão somente
pela alteração dos preços da transação, efetuando a lava-
gem dos valores pelo “lucro” obtido na transação no país
exportador (sobrefaturamento) ou importador (subfatu-
ramento). A um só tempo, obtém-se a transferência de
recursos criminosos de um país para outro e a lavagem
de dinheiro sob a forma de falso lucro.
17. Raúl Cervini, op. cit., p. 104 e 105.
18. Bajo Fernández apud Callegari, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos, p. 25.
19. Trade based money laundering, passim.
30 TRIBUTAÇÃO em revista
A segunda técnica - múltiplo faturamento – consiste na
emissão de mais de uma fatura para a mesma operação de
comércio internacional, justificando múltiplos pagamen-
tos para o mesmo embarque de mercadorias. Normalmen-
te envolve distintas instituições financeiras para a remessa
dos diversos pagamentos, de modo a não levantar suspeitas.
Apresenta, em relação à primeira técnica, a vantagem de per-
mitir a remessa dos recursos sem a necessidade de recorrer
à fraude nos valores declarados às autoridades aduaneiras.
Já a fraude quanto às quantidades embarcadas também
vai permitir a transferência internacional de recursos, de
forma similar à manipulação de preços, permitindo-se a
transferência de valores ao país exportador pelo embarque
de mercadorias em quantidade inferior ao declarado ou tal
transferência ao país importador pelo embarque de quan-
tidade superior.
Por fim, a falsa descrição dos bens ou serviços, que
permite a transferência de valores pelo embarque de bens
de valores muito maiores ou menores que os descritos nos
documentos. A título de exemplo, desejando transferir
recursos ao exterior, o “lavador” de dinheiro realiza a im-
portação de barras de chumbo, folheadas a ouro, descre-
vendo na documentação pertinente que se trata de barras
de ouro.
Deve-se atentar que não somente as modalidades li-
gadas à alteração de valores ou qualidade dos bens im-
portados ou exportados servem ao “lavador”. Por vezes,
a preocupação é simplesmente a introdução do bem no
território, por seu valor real de aquisição, apenas como
forma de reincorporar ao patrimônio do criminoso, recur-
sos enviados ilicitamente ao exterior.
Assim, deve-se observar que o criminoso, não raras
vezes, envia seus recursos obtidos ilicitamente ao exterior
por meios alternativos de remessa e lá adquire, em nome
de “laranjas” ou de empresas de fachada bens, que serão
posteriormente enviados ao País para aqui serem utiliza-
dos, sob o manto de aparente legalidade. Especial atenção
deve ser dada à introdução de bens no País sob a forma
de arrendamento, em admissão temporária para utiliza-
ção econômica, já que, nessa modalidade, o criminoso
pode utilizar-se do bem no País e ainda remeter divisas
ao exterior, pagando a si mesmo, sob a forma de suposto
pagamento de contraprestação do arrendamento, criando
ainda uma despesa dedutível no Brasil20.
Nesses casos, o Auditor-Fiscal deve ter especial aten-
ção quanto à formação societária das empresas arrenda-
doras, buscando encontrar, quando possível, vínculos
entre o arrendador e o arrendatário, tais como procura-
dores em comum, bem como atentar quanto à sua loca-
lização geográfica, tradição no mercado internacional de
arrendamentos e portfolio de clientes.
Acrescente-se, ainda, a realização de exportações fictí-
cias, de serviços ou bens, relatada pelo GAFISUD21 como
prática comum em nossa região. Nesse caso, a operação
de comércio internacional é realizada exclusivamente em
bases documentais, não ocorrendo a efetiva prestação de
serviços ou o movimento físico de bens através das fron-
teiras nacionais, ocorrendo tão somente o movimento de
capitais desejado pelo “lavador”.
Tais tipologias, usualmente, são praticadas com a utili-
zação de interpostas pessoas, como forma de dissimular os
reais exportadores e importadores, servindo ainda à blin-
dagem patrimonial e tributária dos reais operadores.
Reveste-se também de especial relevância no trabalho
de repressão aos ilícitos aduaneiros, com influência direta
no combate à lavagem de dinheiro, a questão do contra-
bando de moeda e outros ativos, financeiros ou não, atra-
vés das fronteiras nacionais22. A confirmação de tal reali-
dade pode ser vista, no caso brasileiro, pela preocupação
do legislador em coibir tal prática, cominando a pena de
perdimento à moeda que entrar ou sair do País sem a de-
vida declaração às autoridades aduaneiras23.
20. Tal tipologia era utiliza por Paulo César Farias, que se utilizava no Brasil de aeronaves arrendadas junto à empresa Miami Leasing, localizada nos Estados Unidos e controlada por próprio P.C. Farias.
21. Tipologias regionais GAFISUD - 2005.
22. Cita-se que, em 1992, dois contêineres foram apreendidos no Panamá, contendo US$ 7 milhões em dinheiro (p. 26) e que um traficante colombiano preso no Brasil teria relatado a autoridades brasileiras, em 1999, a existência de armazéns abarrotados de dólares em diversas cidades colombianas, conf. Rogério Pacheco Jordão, Crime (quase) perfeito: corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil, p. 26.
23. Lei n.º 9065/95, art. 65.
TRIBUTAÇÃO em revista 31
Essa modalidade não se resume ao transporte por “mu-
las” ou camuflado entre cargas internacionais, sendo uti-
lizados serviços de correio ou de remessas expressas e de
encomendas para proceder à movimentação internacional
dos recursos. Nesse passo, cabe indicar que essa técnica
pode ser utilizada para a introdução clandestina no País
de outros instrumentos financeiros, como títulos e ações
ao portador (nos países em que tais instrumentos são ad-
mitidos), cheques administrativos ou cheques de viagem,
smart cards e instrumentos não financeiros, como jóias,
obras de arte, antiguidades, pedras preciosas, ouro etc.
Ciente de que tais tipologias são usualmente utilizadas
para a prática de outras fraudes, não necessariamente liga-
das à prática da lavagem de dinheiro, apresentou o GAFI
alguns indicadores para sua detecção (“red flags”), usu-
almente utilizados pelas administrações aduaneiras que
colaboraram para a elaboração do estudo que serviu de
ponto de partida para esta reflexão24, os quais, em aperta-
da síntese, são:
uma significativa diferença entre a descrição dos
bens no conhecimento de carga e na fatura comer-
cial;
divergência entre a descrição dos bens em qual-
quer documento e o efetivamente apurado em
conferência física das mercadorias;
significativa diferença entre os valores declarados
na operação e os usualmente praticados no mer-
cado;
incompatibilidade entre o volume transacionado
em determinada operação e os volumes de negó-
cios usuais das empresas envolvidas;
operações envolvendo mercadorias de alto risco
sob o ponto de vista da atividade de lavagem de
dinheiro (bens de alto valor agregado, tais como
produtos eletrônicos de consumo, que podem
apresentar altas margens de lucro nas operações
de comércio internacional, além de dificuldades
para a aferição do correto valor aduaneiro);
mercadorias não usualmente comercializadas pe-
las empresas envolvidas na operação de importa-
ção ou exportação;
operações que não aparentam ter sentido do pon-
to de vista logístico e econômico, como a utiliza-
ção de contêineres de tamanho incompatível com
o volume, natureza e valor das mercadorias;
mercadorias embarcadas ou exportadas a partir de
países de alto risco sob o ponto de vista da ativi-
dade de lavagem de dinheiro (v.g., aqueles consi-
derados como “paraísos fiscais”);
utilização de logística não usual na operação,
como a passagem da mercadoria por diversos pa-
íses sem aparente razão do ponto de vista econô-
mico;
condições e métodos de pagamento que aparen-
tem um risco não usual para o tipo de transação,
como importações financiadas pelo exportador
sem garantias ou pagamentos adiantados de im-
portações, sem um sólido histórico de operações
anteriores entre as empresas;
operações que envolvem pagamentos a terceiros
sem aparente conexão com o negócio realizado;
operações realizadas com frequentes alterações e
postergações nas condições de pagamento;
operações envolvendo empresas que aparentam
serem “fantasmas” ou “de fachada”, por suas ca-
racterísticas, localização, composição societária,
estrutura financeira, etc, utilizadas como inter-
postas pessoas.
4 - O Papel da Fiscalização Aduaneira na Prevenção
e Combate a Lavagem de Dinheiro em Operações de
Comércio Internacional.
Ante o quadro exposto, é fácil perceber a im-
portância da fiscalização aduaneira para a prevenção e o
combate a tal atividade criminosa. No primeiro aspecto,
24. Entre elas a Secretaria da Receita Federal do Brasil.
32 TRIBUTAÇÃO em revista
constata-se que a legislação avançou nos últimos anos, a
partir da edição da Portaria MF n.º 350/2002, que deter-
minou o estabelecimento de diretrizes de controle dos flu-
xos cambiais e da estrutura financeira das empresas que
pratiquem atividades ligadas ao comércio internacional,
buscando evitar a utilização de empresas sem real capaci-
dade econômica.
Nessa esteira, foram editadas as Instruções Normativas
SRF n.º 228/2002, que estabeleceu procedimentos para a
verificação da origem dos recursos aplicados em opera-
ções de comércio exterior e combate à interposição frau-
dulenta de pessoas e n.º 206/2002, que em seus artigos 65
a 69 (mantidos em vigor pela IN-SRF n.º 680/2006) prevê
os requisitos e condições para a instauração de procedi-
mento especial de controle aduaneiro no curso do despa-
cho de mercadorias importadas ou a exportar, no caso de
suspeitas de ocorrência de infração punível com a pena de
perdimento.
Não obstante o avanço, tais procedimentos focam, pre-
ferencialmente, o combate às fraudes aduaneiras, não se
prestando, diretamente, ao combate à lavagem de dinhei-
ro, embora de suas conclusões seja possível extrair impor-
tantes informações para tal objetivo.
Outro instrumento de controle e prevenção à la-
vagem de dinheiro encontra-se na prévia habilitação do
operador de comércio internacional, que se apresenta
como verdadeira implementação, no campo da fiscaliza-
ção aduaneira, da política “conheça seu cliente”, aplicada
pelas instituições bancárias na prevenção dessa modalida-
de de crime. Nessa fase, é desejável aplicar-se uma adequa-
da ênfase à análise da composição societária e à forma de
constituição do capital da sociedade que pretende realizar
tais operações, em especial quanto a grupos empresariais
controlados por pessoas físicas residentes ou empresas se-
diadas no exterior (em especial em “paraísos fiscais”), por
meio de “procuradores profissionais” residentes no Brasil,
e a existência no quadro social de sociedades do tipo hol-
dings, factorings, administradoras de imóveis ou outras
atividades de risco sob o ponto de vista da lavagem de
dinheiro.
No âmbito do combate às operações de lavagem
de dinheiro, a atuação aduaneira apresenta ainda impor-
tantes deficiências, seja pela dificuldade própria dessa ati-
vidade, seja pela carência de recursos e treinamento, seja
pelo foco dado à fiscalização dos despachos aduaneiros,
que obrigam o Auditor-Fiscal, por dever de ofício e sob
pena de responsabilidade funcional e penal, a agir de for-
ma imediata e individualizada sobre cada despacho no
qual se apresentem situações que, a par de configurarem
infrações aduaneiras, podem se referir à prática de quadri-
lhas organizadas que atuem na lavagem de dinheiro.
Em relação a essa última questão, ganha relevân-
cia o PLS n.° 150/2006, atualmente aguardando tramita-
ção junto à Câmara Federal, que pretende reestruturar o
combate ao crime organizado e prevê a realização de ação
administrativa controlada. Tal instituto é de especial im-
portância para a atividade de fiscalização aduaneira, já que
garante ao Auditor-Fiscal que se depare com fortes indí-
cios de utilização de operação comercial fraudulenta para
a lavagem de recursos originados em infrações penais, a
possibilidade de postergar a ação fiscal, como forma de
recolher maiores elementos de prova, sem advertir pre-
viamente à organização criminosa que está sob o foco da
fiscalização aduaneira, permitindo monitorar o fluxo das
atividades fraudulentas e permitir encontrar os reais res-
ponsáveis pelas operações realizadas, sem o risco de perda
de informações e destruição de documentos por parte dos
investigados.
5 – Conclusão
Conforme se demonstrou, a prática da lavagem de di-
nheiro representa grave ameaça às soberanias nacionais,
seja pelo exercício de um poder paralelo por grupos cri-
minosos que controlam parcelas de território, seja pelos
desequilíbrios que o fluxo de dinheiro “sujo” pode causar
às economias nacionais.
O combate a tal forma de criminalidade focou, inicial-
mente, o controle das instituições bancárias, por serem
o meio mais comum para a movimentação e tentativa de
ocultação da origem dos recursos, razão pela qual aqueles
TRIBUTAÇÃO em revista 33
que se dedicam à lavagem de dinheiro buscam, continua-
mente, alternativas ao sistema financeiro, entre as quais o
uso de operações de comércio internacional para a remes-
sa de divisas e para a ocultação da origem e introdução dos
recursos na economia formal.
Diante desse quadro, a atuação das aduanas é impres-
cindível à garantia da segurança do território e da econo-
mia nacional, na medida em que a identificação das opera-
ções que objetivam atingir tal intento possibilita, a um só
tempo, garantir a higidez da economia nacional e a segu-
rança do território, pelo estrangulamento dos fluxos finan-
ceiros dos grupos criminosos organizados transnacionais.
O papel do Auditor-Fiscal da Receita Federal do
Brasil nesse contexto, como autoridade aduaneira, ga-
nha especial destaque, na medida em que atua não só
no controle individual dos despachos aduaneiros, mas
também como agente de inteligência fiscal, obtendo,
compilando e compartilhando informações que pos-
sam levar à identificação de operações de comércio
internacional que objetivem a transferência, oculta-
ção e introdução de recursos criminosos, permitindo,
por meio da atuação conjunta dos órgãos responsáveis
pela repressão desse crime, desarticular organizações
especializadas nesse tipo de ações.
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REFERÊNCIAS
34 TRIBUTAÇÃO em revista
Em recente visita ao Brasil para conferir palestra no Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, o conhecido economista italiano Vito Tanzi, especialista em tributação, concedeu a entrevista abaixo à TRIBUTAÇÃO
EM REVISTA. Vito Tanzi, acadêmico e pesquisador respeitado em todo o mundo, dou-tor pela Universidade de Harvard, autor de diversos livros e artigos, consultor do Banco Mundial e Diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, tornou-se célebre ao analisar a defasagem temporal entre o fato gerador e a arrecadação do tributo, observan-do o efeito da inflação sobre esta última, fato este que se incorporou à teoria econômica e ficou conhecido como “efeito Tanzi”.
e ntrevista
Vito Tanzi
“Há muito menos incidência tributária nas operações internacionais. Mas a tributação internacional está se
tornando cada vez mais importante com o passar do tempo.”
TRIBUTAÇÃO em revista 35
Tributação em Revista –O Brasil tem uma das piores
distribuições de renda do mundo (10ª pior segundo o
Índice de Gini levantado pelo PNUD) e uma elevada
carga tributária (34,2% segundo cálculos do Sindi-
fisco). Em situações como esta, especialmente em se
tratando de países emergentes, como o Sr. vê o papel
da política tributária? Ela poderia contribuir para
amenizar o peso da carga tributária e as disparida-
des de renda?
Vito Tanzi - Dois ou três breves comentários. O primeiro
é que a tributação não costuma ir muito longe em termos
de distribuição de renda porque é muito difícil tributar as
pessoas muito ricas. Muito frequentemente o seu rendi-
mento está associado ao capital e este capital tem grande
mobilidade. Se o tributarmos pesadamente, os seus pro-
prietários levam-no para fora do país. E, na verdade, este é
um dos problemas na América Latina. A tributação da ren-
da pessoal tem se mostrado relativamente ineficiente em
gerar muita arrecadação. Mas neste contexto, quero dizer
a coisa mais óbvia é utilizar principalmente os impostos
sobre a renda pessoal para que eles sejam mais progres-
sivos do que eles realmente são, tornando-os muito mais
produtivos do que eles têm sido. Na América Latina os
impostos sobre a renda não geram muita receita e não são
realmente muito progressivos. Um uso maior do imposto
sobre a renda pessoal seria muito benéfico em termos de
distribuição de renda. O segundo comentário é que, em
relação à receita arrecadada, deve ser feito um grande es-
forço para usar este dinheiro de forma eficiente com vistas
à redistribuição de renda para os pobres. Isto significa me-
lhorar a qualidade dos serviços públicos, evitando o des-
perdício de dinheiro. O ponto principal é que os impostos
podem ser usados mais facilmente para reduzir a renda
dos ricos do que para aumentar a renda dos pobres. Esta é
uma observação importante a fazer. Há muito por fazer em
termos da qualidade e incidência dos gastos públicos para
aumentar a renda dos mais pobres. A redução da renda
dos ricos tem muito mais a ver com a progressividade do
imposto sobre a renda pessoal.
TR - Após a crise econômica de 2008-09, quais são
os aspectos tributários mais relevantes nas relações
econômicas internacionais? Como o Sr. vê a evolução
do fluxo internacional de capitais, de mercadorias e
de fatores de produção e qual o papel que os tributos
exerceriam neste desenvolvimento?
VT - Não há dúvida de que o fluxo de dinheiro contribuiu
para a crise. Olhe para o que está acontecendo na Irlanda
agora. Bancos irlandeses tomaram muitos empréstimos no
exterior. Eles, então, emprestaram para investimentos em
habitação e, em seguida, os preços dos imóveis entraram
em colapso. Estão agora enfrentando grandes problemas.
Por outro lado, grande parte do fluxo internacional de fa-
tores de produção tem sido incentivado por baixos impos-
tos. Nos EUA, por exemplo, os fundos de investimento
são tributados com taxas muito pequenas. Provavelmente,
a maioria dos administradores de fundos de investimento
paga menos impostos do que os taxistas que os transpor-
tam. Deve haver um ajuste neste tipo de incentivo que
tem sido dado às pessoas que têm altos rendimentos deri-
vados do capital financeiro. Elas têm interesse em reduzir
a incidência de tributos em nível internacional. O papel
dos paraísos fiscais deve ser reduzido. Os paraísos fiscais
desempenharam, provavelmente, um papel muito grande
na crise porque as pessoas podiam depositar seu dinhei-
ro nesses paraísos fiscais pagando menores impostos. E,
então, a partir daí, elas faziam seus investimentos em vá-
rios países. Assim, a luta contra a maior incidência tribu-
tária em nível internacional não atrai interesse de quase
ninguém, não chama muito a atenção nem gera muitas
estatísticas. Há muito menos incidência tributária nas ope-
rações internacionais. Mas a tributação internacional está
se tornando cada vez mais importante com o passar do
tempo.
TR - Num contexto pós-crise não correríamos o risco
de um crescimento do protecionismo com preceden-
tes apenas na crise de 1929 que poderia levar a um
bloqueio do comércio internacional? Qual o papel
das barreiras tributárias e não tributárias neste con-
36 TRIBUTAÇÃO em revista
texto? Há hoje um razoável nível de ordenamento via
regras internacionais, como as definidas pela OMC.
Contudo, não haveria o risco de os países entrarem
em desespero e romperem com esta situação?
VT - Este é claramente um grande problema. Há alguns
textos sobre este assunto de economistas que escreveram
sobre a grande depressão dos anos 30. Eles dizem que não
haveria uma recessão que poderia levar a uma depressão e
então a uma grande depressão, e que o que ocorreu foi es-
sencialmente um movimento protecionista; que os países
começaram a fechar suas economias estabelecendo barrei-
ras à importação e assim por diante. Isto, talvez, tenha
detido o início da nossa crise econômica. Têm aparecido
estatísticas razoavelmente confortáveis a respeito. Li uma
reportagem afirmando que uma instituição de pesquisas
estava levantando as medidas protecionistas introduzidas
por diferentes países e a última contagem era de que ha-
via quatrocentas medidas protecionistas que vêm sendo
implementadas por diversos países nos últimos dois anos.
É preocupante o fato de que alguns países tenham promo-
vido empregos em seu próprio território proibindo impor-
tações, incentivando o consumo de sua produção interna,
dando subsídio às atividades domésticas, etc. Isto é algo
preocupante e que eu espero estudar com mais atenção.
TR - Uma primeira evidência neste sentido seria à
barreira de mobilidade de mão-de-obra na Europa.
Ela não poderia estender-se também ao comércio?
VT - Não. Isso seria um desastre. Eu acho que seria um
grande problema porque fecharia ainda mais as economias
com menos comércio exterior, com menos exportações,
trazendo menos eficiência para todo o sistema. Isto pode-
ria realmente fazer com que a atual crise se torne muito
pior do que tem sido.
TR - A política neo-keynesiana de déficits públicos
crescentes, especialmente para o combate aos efeitos
da crise econômica de 2008-09, já chegou ao seu li-
mite? Os governos têm gastado além do seu limite?
Que implicações esta política anticíclica teria sobre
a carga tributária? Estamos condenados a um cres-
cente nível de tributação?
VT - Esta é uma questão com a qual eu comecei a lidar
recentemente. Participei da Conferência Anual sobre Pes-
quisa da Comissão Européia, em Bruxelas, e também par-
ticipei de uma conferência similar no FMI. Minha opinião
é que a economia Keynesiana, as despesas Keynesianas,
funcionam bem quando as condições iniciais são boas. Se
um país que não tem elevada dívida pública, não têm ele-
vados déficits fiscais, entrar em recessão, então o governo
pode gastar e também pode reduzir impostos sem maiores
consequências. Mas se o país já tem um déficit fiscal subs-
tancial e uma dívida pública elevada, então esta possibi-
lidade torna-se menos viável porque quando o governo
começa a realizar despesas e aumenta o déficit fiscal, ele
assusta o mercado. Os investidores começam a se preocu-
par com a sustentabilidade da política do governo e fazem
menos investimentos. Então, não se ganha muito com essa
política. Quem mora nos Estados Unidos abre seu jornal
todos os dias e lê que as pessoas estão assustadas com o
déficit fiscal, com a dívida pública e com o futuro. Então,
nessas condições, as pessoas não investem. Esperam para
ver o que vai acontecer. E isto é exatamente o que está
acontecendo. Esta é a razão pela qual não há muito inves-
timento nos EUA e grandes hiatos no nível de emprego.
É por isso que temos que pensar cuidadosamente sobre o
que fazer no futuro. Aumentar o nível de tributação para
corrigir o déficit é tecnicamente possível em alguns paí-
ses. Se os EUA aumentarem impostos, poderiam resolver
o problema do déficit orçamentário da noite para o dia.
Mas não é provável que os políticos americanos permitam
que isto aconteça. Portanto, é muito difícil antever como
os EUA sairão desta grande confusão fiscal, com um déficit
em 10% do PIB e uma dívida pública que em poucos anos
poderá atingir cem por cento. É realmente um grande pro-
blema.
TR - Os EUA têm inundado o mundo com dólares. O
Brasil vive uma situação inédita em sua história eco-
nômica, batendo recordes de acúmulo de reservas in-
TRIBUTAÇÃO em revista 37
ternacionais. Esta não seria uma forma de exportar
a sua crise (americana) para os países periféricos?
VT - Os EUA criaram, desde a década de 1990, essa tradi-
ção de que a solução dos seus problemas econômicos sem-
pre tem que vir de fora. E eles tentaram fazer isso agora
com esta expansão dos dólares promovida pelo FED (Banco
Central dos EUA). E, bem, isso claramente criou um grande
problema para todos os países. E para o Brasil este é um
grande problema porque as pessoas têm muita liquidez e
estão procurando por um bom investimento. E se alguém
puder investir no Brasil, em bônus brasileiros, ganha 10%.
Então, esta é claramente uma boa oportunidade para in-
vestidores internacionais. Mas ao mesmo tempo, isso cria
alguns problemas para o Brasil, porque na medida em que o
dinheiro vem para o Brasil, começa a contribuir para a infla-
ção e outros problemas. Então este é claramente um proble-
ma que os EUA, em parte, estão criando. Quero dizer, eles
desempenham um papel mais importante do que China e
outros. A China é certamente parte do problema quando os
chineses mexem na sua taxa de câmbio. Mas não podemos
culpar apenas os chineses. A política americana tem muita
responsabilidade neste assunto.
TR - Como o Sr. vê o futuro do Euro? A unificação
da moeda européia tirou a autonomia dos países eu-
ropeus de fazerem política monetária. Ambos, Euro
e União Européia, têm futuro? A racionalidade eco-
nômica (aumento de impostos, corte de gastos, etc.)
conseguirá se impor e controlar algumas áreas instá-
veis economicamente como Grécia, Portugal, Irlan-
da?
VT - O problema original é que eles fizeram a união mo-
netária, mas deixaram muita flexibilidade na área fiscal
para os países, individualmente. Assim, países como Gré-
cia, Portugal e a Irlanda, em certa medida, como parte da
união, e usando a mesma taxa de câmbio, beneficiam-se,
dentre outros fatores, com uma queda na taxa de juros.
Mas, ao mesmo tempo não seguram os seus gastos. A polí-
tica fiscal tornou-se muito flexível. A Grécia tem uma dívi-
da elevada, e todos eles têm um elevado déficit fiscal. Esta
é a situação atual. O elevado déficit fiscal começa a criar
problemas para eles. Quais são as alternativas? A alterna-
tiva número um é Papai Noel, que seriam os alemães. Eles
vêm e financiam as dívidas destes países. Mas isso não vai
acontecer. Então, eles têm que se voltar para a política in-
terna. Os gregos têm que aprender que não podem correr
na mesma velocidade dos alemães, esperando que os ale-
mães os subsidiem. Eles não podem ter baixos impostos
para os ricos, enquanto que os alemães pagam impostos
muito mais elevados. Assim, a crise trará alguns ajustes
necessários para alguns destes países. Eles aprendem com
a realidade.
38 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
Introdução do Operador Econômico Autorizado no Sistema Aduaneiro Brasileiro1
Antonio Cesar Bueno Ferreira2
Jorge Alberto Teixeira3
pliance aduaneiro, o combate à lavagem de dinheiro na
constituição de sociedades empresárias e a segurança da
cadeia logística como condições e requisitos para ade-
são ao regime. Em razão da limitação imposta na dele-
gação legislativa para a Secretaria da Receita Federal do
Brasil (RFB), o alcance da Nova Linha Azul limitou-se a
importadores e exportadores.
Este trabalho foi implementado antes de o Conselho
da OMA, em 2005, adotar normas destinadas a asse-
gurar e a incrementar o fluxo crescente do comércio
internacional, e antes de a União Européia aprovar o
novo conceito de Operador Econômico Autorizado, em
2005, e colocar em vigor o seu respectivo programa a
partir de 2008.
A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº
497/2010, em seu item 43, reconhece que o Despacho
Aduaneiro Expresso - Linha Azul, segue a orientação
1 – Introdução
Seguindo uma tendência mundial de agilização do
fluxo das operações de comércio exterior, o governo
brasileiro pretende instituir um programa brasileiro de
Operador Econômico Autorizado (OEA), denominado
Programa Aduaneiro de Segurança, Controle e Simpli-
ficação – PASS, tendo por base a estrutura normativa
da Organização Mundial das Aduanas (OMA) relativa
aos padrões de segurança da cadeia logística, tendo
sido renomeado para Operador Econômico Qualificado
(OEQ), em decorrência do Código Aduaneiro do Mer-
cosul (CAM), instituído pela Decisão nº 27/10 do Con-
selho do Mercado Comum do Mercosul.
Registre-se que já em 2004 a chamada, “Nova Linha
Azul”, instituída pela IN SRF nº 476/2004, introduziu
no sistema aduaneiro brasileiro a auditoria de controles
internos, a gestão da taxa de regularidade fiscal, o com-
1. Artigo originalmente apresentado como tese ao CONAF 2010 – Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil
2. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
3. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
TRIBUTAÇÃO em revista 39
internacional de Operadores Econômicos Autorizados,
como segue:
43. Fundamentalmente, o Linha Azul é um pro-cedimento simplificado que propicia às empresas habilitadas um menor percentual de seleção para os canais de verificação amarelo e vermelho e con-ferência aduaneira das declarações selecionadas realizada prioritariamente, inclusive com com-promisso de tempo máximo para essa conferência estipulado. Esse procedimento segue a orientação internacional de Operadores Econômicos Au-torizados - OEA, ou seja, de credenciamento de operadores legítimos e confiáveis para operar no comércio exterior com menores entraves burocrá-ticos.
Nesse contexto, buscamos analisar as condições ne-
cessárias à implantação do referido programa, tendo por
base as regras estabelecidas no regime da Nova Linha
Azul, de que trata a IN SRF nº 476/2004, já reconheci-
das por empresas e institutos de auditora independente
no Brasil e no Exterior como normas de excelência na
qualificação de seus usuários.
Constatamos, inicialmente, a necessidade de se ins-
tituir o programa OEA no Brasil através de lei, instru-
mento jurídico adequado ao fim colimado. Antevemos
a necessidade de utilização de grande quantidade de
mão de obra fiscal, onerando sobremaneira o já com-
prometido efetivo de Auditores-Fiscais alocados na
aduana em benefício de um reduzido número de ope-
radores. Destacamos a necessidade de participação de
auditoria externa nos procedimentos de certificação e
verificação da regularidade das empresas autorizadas,
e enfatizamos o impacto nos recursos humanos e ma-
teriais da Aduana e a necessidade de custeamento do
programa pelos próprios operadores beneficiários.
2 – A Legalidade
Cumpre registrar que o programa de Operador Eco-
nômico Autorizado no Brasil, bem como a gestão do re-
ferido instituto, deve ser introduzido por lei em sentido
estrito, em observância à dispositivos constitucionais
assim como aos dispositivos contidos no acordo estabe-
lecido no âmbito do Mercosul. Senão, vejamos.
O inciso III do artigo 273 do atual Regimento Inter-
no da RFB estabelece que ao seu Secretário incumbe a
expedição de atos administrativos de caráter normativo
sobre assuntos de competência da RFB.
Os artigos 578 a 579 e 595 do Decreto nº 6.759/2009,
atual Regulamento Aduaneiro, tratam da simplificação do
despacho aduaneiro de importação e de exportação que,
em decorrência da matriz legal no artigo 52, caput, do
Decreto-Lei nº 37/1966, delegam tal competência a RFB.
Denota-se que a delegação de competência para a
RFB é para expedir atos que tratem da simplificação do
despacho aduaneiro de importação ou de exportação
alcançando apenas e tão somente importadores e/ou ex-
portadores que podem figurar como titulares dos des-
pachos aduaneiros. Esta delegação legislativa alcança
um único e específico procedimento fiscal: o despacho
aduaneiro.
Por conseguinte, os demais procedimentos fiscais
aduaneiros não são alcançados por esta delegação le-
gislativa, assim como a mesma não autoriza a RFB a
expedir certificações de qualquer espécie ou nível para
os operadores da cadeia logística no Brasil.
O item 1 do artigo 22 do Anexo da Diretriz do MER-
COSUL/CCM nº 32, de 2008, estabelece que as Admi-
nistrações Aduaneiras poderão estabelecer medidas de
facilitação para operadores que cumpram com requisi-
tos exigidos na legislação aduaneira. Entretanto, a de-
legação é para estabelecer medidas de facilitação e não
para efetuar certificação que implica em reconhecimen-
to de um fato ou direito. Desta forma, os requisitos
para ser um operador serão definidos na legislação de
cada Estado membro, em consonância com o seu siste-
ma jurídico.
Já o Código Aduaneiro do Mercosul aprovado pela
Decisão CMC/MERCOSUL nº 27/2010, de 02/08/2010,
em seu artigo 15 criou o instituto do “Operador Econô-
mico Qualificado”, no âmbito do Mercosul, como segue:
40 TRIBUTAÇÃO em revista
Artigo 15 - Operador econômico qualificado A Administração Aduaneira poderá instituir pro-cedimentos simplificados de controle aduaneiro e outras facilidades para as pessoas vinculadas que cumpram os requisitos para ser consideradas como operadores econômicos qualificados, nos termos estabelecidos nas normas regulamentares.
Verifica-se que os gestores do Mercosul não insti-
tuíram normas comuns para todas as Administrações
Aduaneiras tratando da certificação de operador eco-
nômico qualificado ou autorizado. Cada Estado mem-
bro fixará suas normas, nos termos da sua legislação
interna até a aprovação de um acordo sobre a matéria
no âmbito do Mercosul.
Em ambas as decisões a delegação de competência é
para a Administração Aduaneira instituir procedimen-
tos simplificados de controle aduaneiro e outras faci-
lidades para pessoas que cumpram requisitos exigidos
na legislação aduaneira ou estabelecidos em normas
regulamentares. Entretanto, não há delegação de com-
petência para a própria Administração Aduaneira fixar
normas para certificação de operador econômico auto-
rizado ou qualificado.
A instituição da certificação de uma pessoa física ou
jurídica com o título de operador econômico autoriza-
do ou qualificado implica a criação de um novo institu-
to na administração tributária brasileira, a intervenção
e regulamentação do exercício de uma atividade econô-
mica e a criação de uma titulação ou estatuto que dá ao
seu possuidor um tratamento diferenciado em relação
à administração aduaneira, alcançando outros procedi-
mentos fiscais além do despacho aduaneiro, inclusive
instituindo um sistema de parceria público-privado.
A certificação de operador econômico autorizado ou
qualificado implica em reconhecimento de um benefí-
cio administrativo que só pode ser instituído por lei,
salvo nas hipóteses de delegação legislativa específica.
Essa matéria é reservada a lei ordinária, conforme o dis-
posto no inciso II, do artigo 5º, no artigo 37 e na alínea
“b”, do inciso II, do § 1º do art. 61 da Constituição
Federal de 1988.
Desta forma, entendemos, s.m.j., que a introdução
e gestão do instituto do OEA ou OEQ no sistema adua-
neiro nacional necessita de lei prévia regulamentando a
matéria por força dos dispositivos constitucionais e do
acordo estabelecido no âmbito do Mercosul.
3 – Da Inserção do Operador Econômico Autori-
zado Para Melhorar a Atuação da Aduana e Melho-
ria dos Serviços Aduaneiros
Diante da implantação do programa de opera-
dor econômico autorizado na União Européia, do C-
-TPAT(Customs-Trade Partnership Against Terrorism)
nos Estados Unidos da América e da Estrutura Norma-
tiva da OMA para a Segurança e a Facilitação do Co-
mércio Internacional, não há como o Estado brasileiro
não implantar o seu programa de operador econômico
autorizado, devendo o País adotar os procedimentos
necessários à sua inclusão nessa tendência mundial de
agilização do fluxo comercial entre as nações.
Resta salientar que a falta de um acordo no âmbito
do Mercosul estabelecendo normas comuns a todos os
Estados membros contendo as condições, requisitos,
obrigações e vantagens para concessão do estatuto ou
certificação de OEA ou OEQ não inviabiliza a sua im-
plantação imediata no Brasil.
A Estrutura Normativa da OMA estabelece condi-
ções e obrigações para a Aduana e o OEA, entre as quais
se destacam a prova de conformidade com as obrigações
aduaneiras; sistema satisfatório de gestão dos registros
comerciais; viabilidade financeira; consulta, cooperação
e comunicação; troca de informação, acesso e confia-
bilidade; segurança da carga; segurança dos meios de
transporte; segurança das instalações; segurança dos
parceiros comerciais; avaliação, análise e aperfeiçoa-
mento, entre outras.
Para viabilizar a adesão ao programa, poderão ser
oferecidas várias vantagens aos OEA como: 1) medidas
destinadas a acelerar a liberação da carga, redução da
duração do trânsito e diminuição dos custos de armaze-
TRIBUTAÇÃO em revista 41
nagem; 2) permissão ao OEA de acesso as informações
de seu interesse, nos termos do artigo 198 da Lei nº
5.172/1966 - CTN; 3) medidas especiais em períodos
de interrupção do comércio ou elevado nível de ameaça
e 4) exame prioritário para participação em todos os
novos programas de processamento da carga.
Não obstante, na instituição de um programa de
OEA no Brasil seria de boa prática de gestão tributária
manter os fundamentos que foram introduzidos com a
Nova Linha Azul. Entendemos que esses fundamentos
deveriam nortear a conduta dos agentes da cadeia lo-
gística, especialmente à taxa de regularidade fiscal ele-
vada, o compliance aduaneiro alto, a auditoria de con-
trole interno nas atividades relacionadas ao comércio
exterior, registros e escrituração contábil confiáveis, au-
ditoria externa das demonstrações financeiras e contá-
beis, garantia de acesso direto e irrestrito da fiscalização
da RFB aos sistemas informatizado de contabilidade, de
estoques e de comércio exterior, combate à lavagem de
dinheiro e alto nível de governança corporativa.
Em relação a estes fundamentos detectamos o seu
reconhecimento pelo mercado como, por exemplo:
1º) O “roteiro e relatório de auditoria sobre controles
internos para habilitação à Linha Azul” (IN SRF nº
476/2004), foi objeto do Comunicado Técnico do Ins-
tituto dos Auditores Independentes do Brasil - IBRA-
CON nº 02/2007. Tivemos o reconhecimento de uma
norma de auditoria elaborada pela RFB como integran-
te das normas de auditoria do País e do universo de
trabalho dos auditores independentes;
2º) O artigo “Programa Linha Azul foi discutido em
Bruxelas” publicado no “Tax View” nº 20, de ju-
nho/2008 da Ernst Young, a respeito de “compliance
aduaneiro”.
Conforme dispõe a minuta da IN do PASS, são pas-
síveis de certificação no programa o importador ou
exportador brasileiros, o depositário, o operador por-
tuário, o transportador, o despachante aduaneiro, os
operadores de unitização e desunitização de cargas e
outros integrantes da cadeia logística no fluxo do co-
mércio exterior.
Para solicitar sua certificação, o operador deverá,
antes de apresentar a sua solicitação à RFB, efetuar uma
auto-avaliação, avaliando a sua conformidade com os
critérios e requisitos a serem estabelecidos pela Receita
Federal do Brasil, devendo estar apto a responder de
forma positiva às questões consideradas imprescindí-
veis à certificação do interessado.
Apresentada a solicitação, compete à Aduana proce-
der à sua análise e verificação de conformidade com a
legislação e certificar o operador, caso esteja conforme,
além de efetuar a revisão, manutenção e monitoramento
do OEA, nessa qualidade.
É importante frisar que a minuta não especifica
quais os procedimentos devem ser adotados pela Adu-
ana para esse desiderato, limitando-se a mencionar que
o operador deverá custear as despesas necessárias às
atividades de certificação, tais como auditorias e dili-
gências efetuadas pelos servidores da RFB.
Como se vê, tais atividades são típicas do Auditor-
-Fiscal da Receita Federal do Brasil, que deverá proce-
der às auditorias e diligências necessárias à certificação
do operador econômico no PASS, para que a Adminis-
tração Aduaneira lhe conceda o direito a usufruir trata-
mento procedimental diferenciado em suas operações
vinculadas ao comércio exterior.
Não obstante, entendemos que a segurança dos pro-
cedimentos de certificação não pode se sustentar apenas
em duas vertentes: Aduana <-> empresa. A autorização
a ser outorgada pela RFB ao operador econômico terá
um grande peso na sua condição perante o mercado,
na medida em que este receberá uma espécie de salvo
conduto frente os órgãos intervenientes nas operações
de comércio exterior, eis que estará capacitado a obter
a chancela de operador seguro na cadeia logística do
comércio internacional.
Nessa esteira, a exemplo de outras instituições
(CVM e Bovespa, em relação a balanços, demonstrações
financeiras e governança corporativa), entendemos ser
necessário incluir no processo de certificação do OEA a
42 TRIBUTAÇÃO em revista
exigência da participação de auditoria externa, contra-
tada pela própria interessada, que também deverá assu-
mir a responsabilidade pela validação das declarações
prestadas pela sociedade empresária (contribuinte), as-
sim como da sua taxa de regularidade fiscal, dos seus
níveis de compliance aduaneiro e de governança cor-
porativa, comprometendo-se conjuntamente com esta
perante a Administração Aduaneira.
Essa forma tripartite de controle objetiva dar maior
transparência ao processo de certificação, conferindo à
RFB e aos próprios Auditores-Fiscais a necessária se-
gurança nessa atribuição de certificação do OEA e sua
manutenção no sistema.
A exemplo da Linha Azul, a certificação como OEA
será comparada com a obtenção de uma certificação ISO,
conforme exposto no já citado artigo “Programa Linha
Azul” da Ernst Young, publicado no “Tax View”, in verbis:
Para o sócio, o selo Linha Azul será comparável, em um futuro próximo, à obtenção do ISO no quesito busca constante pela qualidade. “É um ca-minho sem volta. E, certamente, as empresas vão divulgar amplamente a obtenção do Linha Azul como um diferencial”, completa.
Da mesma forma a assegurar a qualidade da certifi-
cação, as atividades de revisão, de manutenção e de mo-
nitoramento do OEA também devem estar submetidas
aos procedimentos de auditoria periódicos, em espe-
cial, de controles internos e de compliance aduaneiro,
com a devida participação de auditoria externa contra-
tada pela própria interessada, em sistema de rodízios de
auditores (das empresas de auditoria e de auditores).
As condições necessárias para obtenção da certifica-
ção do OEA devem ser mantidas durante todo o perío-
do em que a empresa estiver operando nessa qualidade,
pelo que a transparência de suas operações deve sempre
ser passível de verificação.
Deveras, os benefícios de agilização e facilitação da
atuação do OEA na cadeia logística não podem obstar
que, a qualquer tempo, a RFB proceda às diligências
que entender necessárias para verificação da confor-
midade de sua atuação com a condição apresentada na
solicitação da certificação. Ou seja, a auditoria externa
não pode elidir a Administração Aduaneira de execu-
tar ações fiscais e diligências que entender necessárias,
através da atuação de seus Auditores-Fiscais.
4 – Do Custeamento da Gestão do OEA
É cediço que todas as despesas necessárias às ativi-
dades de certificação, tais como auditorias, diligências
efetuadas pelos servidores da RFB deveriam ser custe-
adas pelo próprio operador, por exemplo, por meio de
ressarcimento ao Fundo Especial de Desenvolvimento e
Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUN-
DAF (art. 6º do Decreto-Lei nº 1.437, de 1975).
Entretanto, é preciso estabelecer que o ressarcimen-
to ao FUNDAF seja suficiente para custear, não só as
despesas necessárias às atividades de certificação (audi-
torias e diligências efetuadas pelos servidores da RFB),
mas também, e principalmente, o necessário incremen-
to do efetivo fiscal para fazer frente a essas atividades
específicas, além do investimento em capacitação, in-
dispensável à execução dessas atribuições.
Com efeito, como já visto, ficará ao encargo da RFB,
não só as atribuições de análise, verificação de confor-
midade da solicitação e conseqüente certificação, como
também a revisão, a manutenção e o monitoramento do
OEA, assim como o reconhecimento mútuo da qualida-
de de OEA, quando aplicável.
E, é óbvio que o exercício desses controles, de for-
ma segura e efetiva, demandará expressiva qualificação
da mão-de-obra fiscal e de apoio, inclusive com treina-
mentos constantes no Brasil e no exterior.
A subtração de parte do efetivo atual das suas atri-
buições na Aduana brasileira para essas atividades po-
deriam ser compensadas com uma substancial melhora
na taxa de regularidade aduaneira, quer em relação às
obrigações principais quer em relação às obrigações
acessórias, no nível de compliance aduaneiro, no nível
de governança corporativa, ocasionando um incremen-
to na qualidade da gestão da Administração Aduaneira.
TRIBUTAÇÃO em revista 43
Não se pode olvidar que os benefícios administrati-
vos advindos da condição de OEA, com a melhora no
fluxo das mercadorias importadas ou a exportar, impli-
cariam em significativa redução de custos operacionais,
sendo absolutamente razoável que sua condição privi-
legiada em relação a outros operadores econômicos que
também atuam no comércio internacional seja por eles,
custeada de forma integral.
5 – Conclusão
É indiscutível a necessidade de o Brasil ampliar o
Regime de Despacho Aduaneiro Expresso - Linha Azul,
instituindo um programa de operador econômico au-
torizado, visto que este tipo de programa vem sendo
adotado pelas principais nações, com as quais mantém
intensas relações comerciais. Na busca de incremen-
to do comércio internacional, o Brasil precisa se inserir
nas novas tendências de políticas voltadas à agilização e
segurança do fluxo comercial no mundo do século XXI.
Não obstante, as vantagens oferecidas para adesão
ao programa devem estar amparadas em compromissos
de regularidade fiscal, compliance aduaneiro, segurança
da cadeia logística, transparência, auditoria de contro-
les internos, solvência financeira, governança corpora-
tiva, entre outros, de forma que a certificação não possa
alcançar contribuintes inidôneos ou com condutas po-
tencialmente lesivas aos interesses da coisa pública e da
economia nacional.
De igual forma esta certificação não pode alcançar
empresas com sócios em paraísos fiscais ou em países
ou dependências que não tributem a renda ou que a
tributem à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou,
ainda, cuja legislação interna não permita acesso a in-
formações relativas à composição societária de pessoas
jurídicas ou à sua titularidade. Também, não pode al-
cançar empresas com sócios sediados em regimes fiscais
privilegiados de que trata o artigo 2º da Instrução Nor-
mativa RFB nº 1037, de 2010, ou que são constituídos
ou regidos segundo a legislação destes.
É indiscutível que a certificação não pode alcançar
intervenientes na cadeia logística, incluídos seus sócios
e executivos, que estão sendo investigados sob inqué-
rito policial ou foram denunciados ou condenados, em
qualquer grau, pelos crimes de descaminho ou contra-
bando, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de cri-
me organizado ou organização criminosa, de que trata a
Convenção de Palermo.
A Receita Federal estará anuindo com a qualidade
de operador seguro à empresa certificada no PASS, ou
seja, empresa parceira da Aduana. É preciso eliminar
qualquer possibilidade de um operador certificado estar
envolvido ou se envolver, direta ou indiretamente, com
fraudes, narcotráfico, financiamento ou favorecimento
ao terrorismo, lavagem de dinheiro, crime organizado,
qualquer forma de contrabando ou descaminho e ou-
tras condutas criminosas.
Ademais, qualquer norma legal no âmbito do co-
mércio internacional deve seguir as recomendações
estabelecidas pelo GAFI (Grupo Internacional de Ação
Financeira), na matéria de prevenção de repressão à la-
vagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Nesse contexto, é preciso sempre ter em vista a presen-
ça do Auditor-Fiscal como agente essencial na idealização,
preparação, e desenvolvimento do processo, bem como na
fiscalização e controle das empresas certificadas no PASS.
Vale lembrar que nenhum sistema informatizado ou certi-
ficação substitui o trabalho do AFRFB.
E o custeamento da gestão do programa de OEA (pela
instalação e manutenção do sistema, com investimento em
tecnologia, incremento da mão-de-obra fiscal, etc.) deve
ser suportado, integralmente, pelos operadores econômi-
cos autorizados, exclusivos beneficiários do programa.
A parceria deve estar calcada não apenas em um re-
querimento com respostas a um ou mais questionários,
mas em um conjunto de compromissos assumidos, pe-
los dirigentes das empresas e de seus sócios, associados
à real atuação da Aduana na verificação do cumprimen-
to das normas estabelecidas, através do trabalho efetivo
dos seus Auditores-Fiscais e obediências aos ditames
constitucionais.
44 TRIBUTAÇÃO em revista
REFERÊNCIAS
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Recomen-dações da CVM sobre governança Corporativa. Rio de Janeiro, 2002.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA COR-PORATIVA. Código das Melhores Práticas de Gover-nança Corporativa. 4. ed. São Paulo: IBGC, 2009.
INSTITUTO DOS AUDITORES INDEPENDENTES DO BRASIL. Comunicado Técnico IBRACON Nº. 02/2007. Despacho Aduaneiro Expresso (Linha Azul).
RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Menos burocracia, mais eficiência no comércio exterior - Despacho Adu-aneiro Expresso: agilidade e ganhos financeiros para empresas importadoras e exportadoras. [S.l]: Deloitte
Touche Tohmatsu, 2009. Disponível em: www.deloitte.com.br. Acesso em: 16 fev. 2011.
SOX: Entendendo a Lei Sarbanes-Oxley: um caminho para a informação transparente. Tradução Vania Maria da Costa Borgerth. São Paulo: Cenggape Learnig, 2008.
ERNST & YOUNG. Tax View, Reino Unido, n. 20, jun. 2008. Disponível em: <http://www.ey.com.br/BR/pt/Home>. Acesso em: 16 jan. 2011.
JÚNIOR, J.P.B.; MORO, S.F. et al. (org.). Lavagem de Dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas es-pecializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2007.
TRIBUTAÇÃO em revista 45
a RTIGO
A Fiscalização nas Zonas de Processamento da Exportação (ZPE) da Aduana Brasileira: novas
obrigações tributárias acessórias1
Albino Carlos Martins Vieira2
alta qualidade e expandir o mercado de trabalho formal.
Assim, considerada a experiência internacional, a ado-
ção das ZPE para as regiões menos desenvolvidas do nosso
País pode representar uma alavancagem das potencialida-
des econômicas dessas áreas.
No entanto, tal expansão econômica não pode ser al-
cançada à custa do aumento dos riscos fiscais ou mesmo
da perda dos controles aduaneiros e fiscais desenvolvidos
ao longo de tantos anos pela Receita Federal, sob pena de
se colocar a arrecadação tributária federal em risco com a
disseminação de fraudes fiscais.
Tudo isso reforça a importância do estudo da matéria
pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, em
face de seu papel perante a sociedade brasileira de alertar
1 – Introdução
A Constituição Federal de 1988 atribui ao Estado bra-
sileiro o desafio de expandir o bem-estar de todos, com
uma existência digna, sob os ditames da justiça social.
Para tanto, o constituinte prescreveu que a Ordem Econô-
mica deve observar, entre outros, os princípios da redução
das desigualdades regionais e da busca do pleno emprego.
Alguns países, com intento de enfrentar tal desafio,
adotaram a instalação de zonas de processamento de ex-
portação (ZPE) em seus territórios, para atrair novos inves-
timentos industriais nacionais, estrangeiros ou associados
(joint-ventures3); expandir o comércio internacional, com
a diversificação da pauta das exportações, bem como in-
troduzir novas tecnologias de produção e de produtos de
1. Artigo originalmente apresentado como tese ao CONAF 2010 – Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil
2. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil em exercício na DRF-Recife. Graduado em Engenharia Eletrônica (1992), Administração de Empresas (1996) e Direito (2002) pela Universidade Federal de Pernambuco. Cursando a Especialização em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco.
3. Joint-Venture é uma associação entre empresas (ou outras organizações) não concorrentes, com o fim de partilharem o risco de negócio, os investimentos, as responsabili-dades e os lucros associados a determinado projeto, comumente relacionado ao desenvolvimento tecnológico. As joint ventures podem resultar em criação de nova persona-lidade jurídica (corporate joint ventures) ou não (non corporate joint ventures). No Brasil, as corporate joint ventures são denominadas de sociedade de propósito específico.
46 TRIBUTAÇÃO em revista
os riscos, vantagens e desvantagens envolvidas nesse novo
momento de expansão econômica e de investimentos es-
trangeiros.
2 – Zona de Processamento de Exportação (ZPE)
2.1 – Conceito e Classificação
A ZPE é um tipo de zona de livre comércio, geralmen-
te instalada em países em desenvolvimento, com o fim de
promover as exportações. Para conseguirem seu intento, as
políticas governamentais asseguram incentivos fiscais, cam-
biais e administrativos. Pode ser também denominada de
zona de desenvolvimento econômico ou zona econômica
especial.
No Brasil, de acordo com os regramentos existentes,
adota-se o conceito de ZPE de pequena área4, correspon-
dendo a áreas delimitadas, nas quais empresas produtoras
de bens industrializados destinados à exportação recebem
incentivos tributários e administrativos. Deve-se ressaltar
que a ZPE não se confunde com a Zona Franca de Manaus5,
nem com as estações aduaneiras interiores (portos secos).
2.2 – Quadro das ZPE no Brasil
Após a malsucedida tentativa de implantação das ZPE
no final dos anos oitenta6, o Brasil reformou as medidas
legais para instalação desses polos de industrialização em
regiões menos desenvolvidas, com foco no mercado ex-
terno, atualizando os benefícios fiscais, administrativos
e cambiais.
Ao contrário do que ocorreu no Brasil, em dezenas de
países, mediante o programa de criação de ZPE, verificou-se
a instalação de novos parques industriais em áreas especí-
ficas, com a expansão da atividade econômica e dos fluxos
comerciais internacionais, bem como a ampliação do mer-
cado formal de trabalho e maior difusão tecnológica.
Com a aprovação da Lei nº 11.508/2007, foi conferido
novo fundamento legal para as ZPE, com a definição dos
intervenientes e dos requisitos exigíveis das empresas ali
instalados. A regulamentação da Lei ocorreu com o Decre-
to nº 6.634/2008 e com o Decreto nº 6.819/2009.
Desde a edição da Lei até 1º de julho de 2010, o Presi-
dente da República já autorizara a instalação de dez novas
ZPE no território nacional7, assim distribuídas:
4. “Small Area EPZ”. Por outro lado, no exemplo chinês, há as “Wide Area EPZ” (ZPE de extensa área) que ocupam até trinta e três mil quilômetros quadrados, contendo ci-dades inteiras, com população residente e estruturas da administração pública, autoridades legislativas e judiciárias. (HAYWOOD, Robert. Pre-feasibility Study of an Export Processing Zone in Vanuatu, 2003).
5. Área específica na cidade de Manaus (na Amazônia Ocidental), que atua como área de livre comércio, de importação e exportação, com o objetivo de fomentar o desen-volvimento comercial, industrial e agropecuário da região.
6. Possibilidade de instalação de ZPE, criada pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, regulamentado pelo Decreto nº 846, de 25 de junho de 1993. No entanto, por pressões do empresariado nacional, o governo desistiu de estimular a instalação das zonas de exportação.
7. Resolução CZPE nº 01, de 26 de maio de 2010. “Art. 4º As ZPEs deverão ser criadas em áreas localizadas em regiões menos desenvolvidas. Parágrafo único. Para efeitos da política das ZPEs, serão consideradas regiões menos desenvolvidas: I - todos os municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste, bem como os municípios dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo pertencentes à área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE; II - os municípios das regiões Sul e Sudeste localizados em microrregião pertencente aos Grupos 4 - Sub-Região de Baixa Renda, 3 - Sub-Região Estagnada ou 2 - Sub-Região Dinâmica, conforme tipologia estabelecida pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR, constante do Anexo II do Decreto No- 6.047, de 22 de fevereiro de 2007; III - os municípios das regiões Sul e Sudeste, exceto as capitais dos Estados dessas duas regiões, quando a participação do valor adicionado bruto da indústria do município no valor adicionado bruto total do município for inferior à participação do valor adicionado bruto da indústria brasileira no valor adicionado bruto do País, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.
Nome da zpe Local Área (hectares) Data do decreto
ZPE DE SUAPE JABOATÃO DOS GUARARAPES / PE 198,84 27/01/2010ZPE DE MACAÍBA MACAÍBA / RN 125,70 27/01/2010ZPE DO SERTÃO ASSÚ / RN 1.019,98 10/06/2010ZPE DE PECÉM SÃO GONÇALO DO AMARANTE / CE 4.271,41 16/06/2010
ZPE DE ARACRUZ ARACRUZ / ES 162,35 30/06/2010ZPE DE BATAGUASSU BATAGUASSU / MS 200,00 30/06/2010
ZPE DE BOA VISTA BOA VISTA / RR 166,74 30/06/2010ZPE DE FERNANDÓPOLIS FERNANDÓPOLIS / SP 121,00 30/06/2010
ZPE DE PARNAÍBA PARNAÍBA / PI 313,57 30/06/2010ZPE DO ACRE SENADOR GUIOMARD / AC 130,12 30/06/2010
TRIBUTAÇÃO em revista 47
2.3 – Modelo de Funcionamento das ZPE
O funcionamento das ZPE está baseado em um mode-
lo de gestão de negócios com três tipos de participantes,
pelo qual cada um detém atribuições e responsabilidades
específicas. O referido modelo pode ser representado des-
ta forma:
limitar a área de atuação da RFB, no desempenho de
suas atribuições legais.
Já a empresa instalada na ZPE, destinatária do regi-
me especial deferido pela Lei, deverá portar-se de acor-
do com os regramentos estabelecidos pelo CZPE, com
as regras de funcionamento da ZPE onde se situa e com
os regramentos fixados pelos órgãos reguladores do co-
mércio exterior10.
Feito esse breve resumo das atribuições de cada par-
ticipante, é importante verificar algumas informações
complementares sobre eles:
2.3.1 – Conselho Nacional das Zonas de Processa-
mento de Exportação (CZPE)
O Conselho Nacional das Zonas de Processamento
de Exportação (CZPE), criado pelo art. 3º do Decreto-
-Lei nº 2.452/1988 e mantido pela Lei nº 11.508/2007,
é órgão colegiado da estrutura básica do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDIC).
O Conselho é integrado por seis ministros de Esta-
do11 e, para bem exercer suas funções, dispõe de uma
Secretaria Executiva, que fornece apoio administrativo
e técnico, dirigida pelo Secretário Executivo, indicado
pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior.
Esse órgão tem um amplo rol de atribuições, com
destaque para: a) analisar as propostas de criação das
zonas de processamento, com parecer para a decisão do
Presidente da República (mediante Decreto); b) aprovar
os projetos industriais correspondentes, observadas as
diretrizes estabelecidas; c) traçar a orientação superior
da política das ZPE.
A RFB, a despeito de sua importância para o funcio-
Conselho Nacional das Zonas de Processamento
de Exportação - CZPE
ZPE A
(Administra-
dora)
ZPE B
(Administra-
dora)
ZPE C
(Administradora)
E M P
1
E M P
2
E M P
X
E M P
Y
E M P
T
E M P
Z
E M P
U
Conforme diagrama acima, a instalação e o funcio-
namento das ZPE estão sujeitos às resoluções do Con-
selho Nacional das Zonas de Processamento de Expor-
tação (CZPE)8, em especial, à análise da proposta de
criação das ZPE9 e da proposta de instalação de novas
empresas nas zonas de processamento.
No seu âmbito espacial, a Administradora da ZPE
atua de modo a manter o funcionamento das instala-
ções e a qualidade do atendimento às empresas ali ins-
taladas, além de assegurar o pleno exercício das prer-
rogativas dos órgãos oficiais de fiscalização tributária
ou de outra natureza administrativa. As atribuições e
responsabilidades da Administradora, conforme a Re-
solução CZPE nº 5/2009, são de natureza operacional-
-executiva, excluído o poder normativo, sem reduzir ou
8. Art. 2º do Decreto nº 6.634/2008.
9. O parecer será submetido à apreciação do Presidente da República (art. 2º, I, do Decreto nº 6.634/2008).
10. No comércio exterior, há diversos órgãos intervenientes: RFB - fiscalização aduaneira e a dos tributos internos e previdenciários; Agência Nacional de Vigilância Sanitária – controle sanitário; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – vigilância agropecuária e Polícia Federal – entrada e saída de pessoas.
11. São integrantes do CZPE: Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, na qualidade de Presidente; pelos Ministros de Estado da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Integração Nacional; do Meio Ambiente; e pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.
48 TRIBUTAÇÃO em revista
namento das ZPE, não tem participação no referido ór-
gão consultivo, formado apenas no âmbito ministerial.
Tal ausência pode resultar em riscos maiores à indústria
nacional, por faltar uma apreciação mais detalhada dos
riscos tributários das medidas adotadas. A Receita Fe-
deral deveria ter oportunidade de pronunciar-se pre-
viamente sobre os aspectos negativos e riscos da área
pretendida.
2.3.2 – Administradora da ZPE
A Administradora da ZPE é uma pessoa jurídica,
com capital público, privado ou misto, criada com o
objetivo específico de implantar e administrar a ZPE.
Por isso, a Administradora tem de realizar as obras de
implementação da infraestrutura básica (vias de aces-
so, meios de comunicação e demais serviços básicos),
incluindo os equipamentos e estruturas de vigilância
e segurança, controle e administração aduaneira, para
a prestação de serviços às empresas instaladas e para
assegurar o pleno exercício das atribuições das autori-
dades aduaneiras.
Destaque-se que, de acordo com a legislação exis-
tente, ocorre hipótese de credenciamento da Adminis-
tradora da ZPE, similar ao que ocorre em relação à ar-
recadação das receitas federais pelos bancos. Assim, a
escolha da Administradora não é precedida de licitação
pública para a seleção da empresa responsável.
A Administradora, entre outras atribuições12, atua
como fiel depositária das mercadorias sob controle adu-
aneiro na ZPE, facultada sempre a conferência docu-
mental e física dos bens pela fiscalização aduaneira. A
Administradora fará jus a remuneração pelos serviços
prestados às empresas instaladas em sua área.
Em função da gestão sobre a área da ZPE, a empresa
interessada em se instalar deverá apresentar ao CZPE a
manifestação da Administradora sobre a aceitação do
empreendimento13.
As obrigações tributárias acessórias atribuídas à Ad-
ministradora serão detalhadas adiante.
2.3.3 – Empresa Instalada na ZPE
A ZPE, segundo a concepção adotada pela legislação
brasileira, é destinada à instalação de empreendimentos
industriais14. Logo, as empresas exclusivamente presta-
doras de serviço ou comerciais não são admitidas nas
ZPE.
A instalação de empresa na zona de processamento
dependerá de apresentação de projeto, com o parecer
da Administradora e sujeito à aprovação do CZPE. Se
aprovado o projeto de instalação, a empresa deverá ser
constituída pelos interessados, no prazo de noventa
dias, nos termos estabelecidos pelo Conselho.
A legislação também estabelece os seguintes requisi-
tos para a empresa instalada na ZPE:
Deverá auferir, por ano-calendário, receita bruta de-
corrente de exportação para o exterior de, no mínimo,
oitenta por cento de sua receita bruta total de venda
de bens e serviços. Assim, poderão ser destinados ao
comércio com o mercado interno até o limite de vinte
por cento da receita bruta da empresa.
Não poderá constituir filial ou participar de outra
pessoa jurídica fora da ZPE, ainda que para usufruir
incentivos na legislação tributária.
Não poderá submeter à aprovação do Conselho um
projeto que represente a simples transferência de planta
industrial já existente para a ZPE, a fim de impedir a
desindustrialização das demais áreas do País.
Não poderá produzir armas, explosivos, material ra-
dioativo e outros mencionados em regulamento, salvo
se poderá excluir a produção de outros bens.
12. São atribuições e responsabilidades previstas na Resolução CZPE nº 05/2009 (art. 2º), entre outras: Supervisionar e garantir a qualidade dos serviços de infra-estrutura básica; manter a limpeza das áreas comuns da ZPE, assim como das vias de acesso; administrar os lotes da ZPE; observar as normas relativas à preservação do meio ambien-te, instruindo as empresas a fazerem o mesmo; atuar como depositária das mercadorias sob controle aduaneiro que receber na área da ZPE, até a entrega definitiva à empresa ali instalada; atuar em conjunto com as empresas e agências governamentais para a promoção das oportunidades econômicas da ZPE.
13. Decreto nº 6.814/2009. Art. 5º, § 1º.
14. Lei nº 11.508/2007. “Art. 1º. (...) Parágrafo único. As ZPE caracterizam-se como áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro.” (grifos nossos). “Art. 8º O ato que autorizar a instalação de empresa em ZPE relacionará os produtos a serem fabricados de acordo com a sua classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM e assegurará o tratamento instituído por esta Lei pelo prazo de até 20 (vinte) anos.” (grifos nossos)
TRIBUTAÇÃO em revista 49
3 – Incentivos Federais Para as Empresas Instala-
das nas ZPE
A Lei nº 11.508/2007 relacionou os benefícios fis-
cais a serem deferidos às empresas instaladas nas ZPE.
Foi nítida a preocupação do legislador de não estabele-
cer um sistema totalmente díspar (muito vantajoso) em
relação ao vigente para as empresas do setor de expor-
tações já instaladas no território nacional.
De acordo com o art. 6º-A da Lei nº 11.508/2007,
com as alterações promovidas pela Lei nº 11.532/200815,
o regime tributário favorecido das empresas instaladas
nas ZPE engloba a suspensão da exigência de vários
impostos e contribuições federais: a) Imposto de Im-
portação (II); b) Imposto sobre Produtos Industriali-
zados (IPI); c) Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins); d) Contribuição Social para
o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Im-
portador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior
(Cofins-Importação); e) Contribuição para o PIS/Pasep;
f) Contribuição para o PIS/Pasep-Importação; e g) Adi-
cional de Frete para Renovação da Marinha Mercante
(AFRMM).
A preocupação de evitar transferências de empresas
de diversas partes do País para as zonas de processa-
mento em busca de um regime mais vantajoso inspirou
o legislador a vedar o CZPE16 de admitir a instalação de
projetos industriais que representassem a simples trans-
ferência de plantas industriais já instaladas no País.
Os vetos presidenciais opostos a dispositivos de
matéria tributária na redação original do projeto de lei
convertido na Lei nº 11.508/2007 pretenderam dimi-
nuir os desequilíbrios em favor das ZPE17.
A Lei também autoriza a cumulação de tais bene-
fícios fiscais com outros expressamente relacionados18,
e facilidades de licenciamento das importações19, sem
prejuízo dos benefícios fiscais e outros incentivos que
possam ser concedidos pelos estados e municípios in-
teressados.
4 – Fiscalização Pela RFB das Empresas Instala-
das nas ZPE
A Lei nº 11.508/2007 modificou o tratamento tri-
butário, cambial e administrativo exigível das ZPE, de-
ferindo, como já detalhado, vários benefícios fiscais em
relação aos tributos federais.
Como forma de controle dos benefícios propugna-
dos, e para evitar a sonegação ou os desvios não auto-
rizados, a norma previu a necessidade de regulamentar
a fiscalização, o despacho e o controle aduaneiro de
mercadorias em ZPE20. O decreto regulamentar – Dec. nº
6.814/200921 – delegou poderes à RFB para disciplinar os
aspectos vinculados à tributação dos fatos desenvolvidos
na ZPE.
Por meio da IN RFB nº 952/2009, a Receita Federal
exerceu sua prerrogativa, fixando várias formas de con-
trole fiscal (obrigações tributárias acessórias) para os fatos
15. Lei resultante da conversão da Medida Provisória nº 418/2008.
16. “Art. 3º Fica mantido o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação -CZPE, criado pelo art. 3o do Decreto-Lei no 2.452, de 29 de julho de 1988, com competência para: (Redação dada pela Lei nº 11.732, de 2008): (...); II - aprovar os projetos industriais correspondentes, observado o disposto no § 5o do art. 2º desta Lei;” (Redação dada pela Lei nº 11.732, de 2008)
17. Vetos presidenciais aos art. 10 e 11 da versão final do projeto de lei foram necessários, segundo parecer do Ministério da Fazenda, para evitar a concessão de vantagens exageradas às empresas instaladas nas ZPE. O justo receio de um processo de transferência das indústrias do território nacional para o interior de ZPE está presente em várias disposições da Lei. Ademais, alguns benefícios preceituados destoariam do princípio da tributação em bases universais, permitindo que recursos tributários fossem meramente transferidos da União para país diverso (país de destino das remessas).
18. Benefícios passíveis de cumulação com os definidos para as ZPE: a) Os previstos para as áreas da SUDAM, SUDENE e dos Programas de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste; b) previstos no art. 9º da MP nº 2.159-70 de 2001 (Promoção Comercial no Exterior); c) previstos na Lei nº 8.248 de 1991 (Lei da Informática e Automação); d) previstos nos Arts. 17 a 26 da Lei nº 11.196 de 2005 (Programa de Inclusão Digital).
19. O artigo 12 da Lei 11.508/2007 estabelece que as importações e exportações de empresa autorizada a operar em ZPE têm dispensa de licença ou de autorização de órgãos federais, com exceção dos controles de ordem sanitária, de interesse da segurança nacional e de proteção do meio ambiente.
20. Art. 20 da Lei nº 11.508/2007.
21. Vide art. 13 do Decreto nº 6814/2009.
50 TRIBUTAÇÃO em revista
geradores ocorridos no âmbito da ZPE, a seguir estudadas:
a) Extensão da zona primária à ZPE:
O art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 11.508/200722 es-
tende à área da zona de processamento o regime de zona
primária previsto no Regulamento Aduaneiro23, ainda que
situada em espaço completamente distinto das áreas de-
marcadas pela autoridade aduaneira em portos, aeropor-
tos e pontos de fronteira alfandegados.
Em função de a indústria nacional poder ser fortemen-
te afetada pelo direcionamento autorizado de certo per-
centual das vendas de empresas instaladas em ZPE para
o mercado interno ou mesmo na concorrência pelos mer-
cados internacionais, o controle aduaneiro nos limites da
ZPE foi valorizado.
Dessa forma, a inclusão da ZPE como área da zona pri-
mária pretendeu tornar mais eficiente e eficaz o controle
sobre os bens, pessoas e animais, diferentemente do tra-
tamento dispensado a outros recintos alfandegados (p. ex;
portos secos).
b) Prévio alfandegamento da área da ZPE (verifica-
ção de atendimento aos requisitos definidos pela le-
gislação):
A legislação exige o mesmo requisito geral previsto às
demais áreas habilitadas a movimentar, armazenar e inter-
cambiar mercadorias importadas ou destinadas à exporta-
ção, o alfandegamento da área.
Nesse sentido, há previsão estabelecida no art. 2º, § 1º,
do Decreto nº 6.814/2009 para a delimitação e fechamen-
to de toda a área da ZPE, com o fim de garantir o controle
fiscal das operações regulares com o mercado exterior. Por
isso, a norma exige o estabelecimento de um sistema de vi-
gilância e segurança, bem como a criação de infraestrutura
de instalações e de equipamentos adequados aos controle
aduaneiro. Similar às outras hipóteses de alfandegamento,
a Administradora da ZPE disponibilizará um conjunto de
áreas destinadas ao exercício das atividades de controle
aduaneiro24.
No ato de alfandegamento da área, a autoridade tri-
butária declara, em processo administrativo específico,
que a Administradora da ZPE cumpriu todos os requisitos
estabelecidos para proporcionar um bom padrão de aten-
dimento e de segurança e vigilância às empresas a serem
instaladas, à RFB e aos demais órgãos intervenientes no
controle do despacho aduaneiro. O ato declaratório abran-
gerá toda a área da ZPE, independentemente da efetiva
ocupação dos espaços pelos estabelecimentos industriais
a serem instalados.
c) Emissão de Relação de Transferência de Merca-
dorias (RTM):
A legislação cria este novo documento fiscal, a ser emi-
tido pela Administradora da ZPE, para acompanhar toda
a movimentação de bens, a qualquer título, entre a Admi-
nistradora (fiel depositária) e a empresa instalada na ZPE.
Como todo o fluxo de bens dirigido ou oriundo da em-
presa deverá transitar pelo depósito da Administradora da
ZPE, esse documento consistirá em um controle adicional
da movimentação efetivada e servirá para confronto com
as informações constantes nas declarações de importação,
de exportação e notas fiscais eletrônicas correlatas.
d) Sistema informatizado da Administradora da
ZPE para controle de entrada, armazenamento, trans-
ferência entre empresas e saída de bens no período:
O sistema informatizado deve ser capaz de individua-
lizar as operações de cada empresa instalada na ZPE e da
22. Repetindo o tratamento deferido pelo Decreto-lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, em prol de facilitação do despacho aduaneiro de importação e de exportação.
23. Decreto nº 6.759/2009.
24. De acordo com o art. 6º, § 1º, VI, da IN RFB nº 952/2009, deverão ser disponibilizadas as seguintes áreas de depósito individualizadas para bens: a) aguardando despacho aduaneiro; b) a serem submetidos a conferência aduaneira; c) aguardando entrega a empresa instalada na ZPE, embarque ao exterior ou saída para o mercado interno,conforme o caso; d) retidos para devolução ao exterior ou destinação; e e) retidos por determinação da RFB ou de órgão ou agência da administração pública federal.
TRIBUTAÇÃO em revista 51
própria administradora, de modo a discernir precisamente
as informações econômicas e fiscais das operações realiza-
das: aquisição no mercado interno, importações de insu-
mos e bens, exportações de produtos e vendas autorizadas
no mercado interno.
Essa exigência é uma importante obrigação tributária
acessória prevista na Instrução Normativa da RFB, para o
controle da movimentação das mercadorias no âmbito da
ZPE.
e) Utilização obrigatória de nota fiscal eletrônica
pela empresa instalada na ZPE:
O tratamento tributário da ZPE prescreve a obriga-
toriedade de utilização da nota fiscal eletrônica (NF-e)25
nas entradas de bens importados, bem como em todas as
saídas dos bens ali industrializados, independentemente
do tipo de atividade desempenhada pela empresa (regra
específica).
Tal sistemática proporciona à RFB, de forma rápida, se-
gura e ágil, as informações sobre todas as notas fiscais emi-
tidas no período por meio da Internet. De acordo com as
regras da NF-e, as notas fiscais não emitidas previamente
pelo sistema, ressalvados os casos de contingência26, não
terão valor fiscal.
Como todas as informações das notas fiscais eletrôni-
cas ficam previamente disponíveis às administrações tri-
butárias federal e estaduais27, é possível melhorar a seleção
dos contribuintes com indícios de infrações e realizar au-
ditorias fiscais com mais qualidade e rapidez, permitindo
o aumento da eficiência da atividade fiscalizadora.
f) Sistema informatizado da empresa instalada na
ZPE para controle de entrada, estoque e saída de bens:
Apesar de o sistema da empresa instalada referir-se a
um controle de movimentação de bens, ele deverá estar
também integrado aos demais controles corporativos e fis-
cais, de modo a quantificar corretamente os valores dos
estoques e dos insumos utilizados na produção (sistema
de custo integrado e coordenado com o restante da escri-
turação).
O sistema deverá também registrar todos os dados de
entradas (importações e aquisições no mercado interno) e
saídas (exportações e vendas no mercado interno) de bens.
A legislação ainda obriga ao registro das informações das
notas fiscais eletrônicas emitidas (NF-e), de modo a evi-
tar defasagem de informações entre os dados constantes
no sistema informatizado e os registros contábeis e fiscais
anotados.
Dentro desse contexto, a RFB depara-se com o desa-
fio de estender seus mecanismos de controle aduaneiros
e fiscais a esse novo tipo de empreendimento industrial
exportador, sem perder os níveis de acompanhamento
desenvolvidos ao longo de tantos anos, com essas novas
ferramentas criadas (obrigações tributárias acessórias).
5 – Conclusão
A ZPE é um instrumento mundialmente utilizado para
estimular o desempenho do setor exportador de países
com deficiências estruturais em seus mercados produtores
ou dificuldades de competitividade nos mercados interna-
cionais mais restritivos.
Superado o marco legal anterior com a Lei nº
11.508/2007, parece que o governo federal volta a incenti-
var a instalação de ZPE em várias regiões menos desenvol-
vidas do território nacional, regulamentando os diversos
aspectos correlatos, a fim de obter ganhos significativos
25. A empresa gerará um arquivo eletrônico que contém as informações fiscais da operação comercial, o qual deverá ser assinado digitalmente, de maneira a garantir a inte-gridade dos dados e a autoria do emissor. Este arquivo eletrônico, que corresponderá à Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), será então transmitido pela Internet para a Secretaria da Fazenda de jurisdição do contribuinte, que fará uma pré-validação do arquivo e devolverá um protocolo de recebimento (autorização de uso), sem o qual não poderá haver o trânsito da mercadoria.
26. Caracteriza-se uma contingência no sistema NF-e, quando em decorrência de problemas técnicos não for possível transmitir a NF-e para a unidade federada do emi-tente, ou obter resposta à solicitação de Autorização de Uso da NF-e. Nessa hipótese, o contribuinte deverá gerar novo arquivo, conforme definido em Ato Cotepe, e adotar uma das seguintes alternativas: I – transmitir a NF-e para o Sistema de Contingência do Ambiente Nacional (SCAN); ou II - imprimir o Danfe em formulário de segurança e transmitir a NF-e, em contingência, conforme definido na legislação vigente.
27. Para tanto, é desnecessário apresentar intimação à empresa para a coleta de documentos e informações.
52 TRIBUTAÇÃO em revista
para o País, a exemplo das experiências internacionais.
A nova regulamentação das ZPE prevê modernas fer-
ramentas de controle aduaneiro e fiscal para acompanhar
o desempenho e a movimentação das empresas nelas ins-
taladas, como definidas pela Secretaria da Receita Federal
do Brasil.
MANDANI, Dorsati. A Review of the Role and Impact of Export Processing Zones. [S.l.: s.n.], 1999.
REFERÊNCIAS
HAYWOOD, Robert. Pre-feasibility Study of an Export Processing Zone in Vanuatu. [S.l.: s.n.], 2003.
Todavia, o sucesso de tais medidas dependerá, funda-
mentalmente, de um corpo técnico bem preparado e trei-
nado para lidar com os desafios apresentados pelos novos
métodos de produção globalizados e exigirá a integração
das ações estratégicas desenvolvidas, incluindo os contro-
les fiscais adotados.
TRIBUTAÇÃO em revista 53
a RTIGO
Valoração Aduaneira e Legitimidade das Transações
Foch Simão Jr.1
da Organização Mundial do Comércio, OMC, conhe-
cido formalmente como AVA, Acordo para Aplicação
do Artigo VII do Acordo Geral de Tarifas e Comér-
cio 1994 (GATT), substituiu o código de valoração do
GATT em consequência das negociações multilaterais
de comércio havidas na rodada do Uruguai, que deu
origem à Organização Mundial do Comércio.
O código de valoração do GATT foi criado origi-
nalmente em 1979 durante o circuito de negociações
de Tókio sobre comércio multilateral com o objetivo
de assegurar que o efeito de concessões tarifárias não
fosse derrogado pelas barreiras não tarifárias, consti-
tuídas em parte pelos regimes arbitrários de valora-
ção aduaneira que prevaleciam a esse tempo. Esta-
beleceu-se, então, um sistema de valoração aduaneiro
que considera em primeiro plano o valor de transação
dos bens importados, objetivamente definido, como o
1 - Introdução
A função das Instituições Aduaneiras é a de assegu-
rar que todos os bens, objeto de comércio internacio-
nal, circulem pelas fronteiras do país em consonância
com os mandamentos legais vigentes e em condições
econômicas compatíveis com a do mercado interno,
preservando a sua capacidade econômica e a seguran-
ça dos seus cidadãos, através da execução do controle
físico e documental eficaz e eficiente, que não interfira
substancialmente nos custos logísticos das transações.
Compreende esse controle, visando a defesa econômi-
ca da nação, o procedimento de valoração aduaneira.
A valoração aduaneira é o método pelo qual as al-
fândegas avaliam os bens importados. Esta metodo-
logia é utilizada principalmente com a finalidade de
aplicar tributos ad valorem a partir da determinação
da base de cálculo aduaneira. O Acordo de Valoração
1. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
54 TRIBUTAÇÃO em revista
preço pago realmente ou pagável para os bens quan-
do vendido para a exportação ao país de importação,
preço este que é acrescido de determinados ajustes
considerados na especificidade da transação. Nos
casos onde o valor aduaneiro não puder ser determi-
nado na base do valor de transação, determinar-se-á
utilizando-se de um dos seguintes métodos: o valor de
transação de bens idênticos; o valor de transação de
bens similares; o método dedutivo do valor; o método
do valor computado; o método iterativo flexibilizado.
Tais métodos de valoração devem ser adotados estrita-
mente na ordem hierárquica.
Inicialmente há que se considerar que, nos termos
do Artigo 17 do AVA, aprovado pelo Decreto Legis-
lativo nº 30, de 1994 e promulgado pelo Decreto nº
1.355, de 30 de dezembro de 1994, nenhuma disposi-
ção do Acordo poderá ser interpretada como restrição
ou questionamento dos direitos que têm as adminis-
trações aduaneiras de se assegurarem da veracidade ou
exatidão de qualquer afirmação, documento ou decla-
ração apresentado para fins de valoração aduaneira.
Uma vez apresentadas as Declarações de Importa-
ção relativas aos bens importados pelo contribuinte a
Administração Aduaneira, em face dos motivos para
duvidar da veracidade ou exatidão das informações
ou dos documentos apresentados para justificar essas
declarações, pode selecioná-las para a programação
de procedimento fiscal com a consequente pesquisa
interna para a análise dos valores dos bens importa-
dos conforme a Classificação Fiscal da Nomenclatura
Comum do Mercosul, NCM, com a finalidade de apu-
rar a possível redução de base de cálculo das tarifas
aduaneiras ad valorem nas importações realizadas.
Para tanto, a Administração Aduaneira deve emitir o
competente Termo de Início de Fiscalização solicitan-
do do importador o fornecimento de explicação adi-
cional àquelas manifestadas na Declaração de Impor-
tação, bem assim como a exibição de documentos ou
outras provas de que os valores dos bens declarados
nas importações representaram o montante efetiva-
mente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas
nos termos do AVA, ajustado em conformidade com as
disposições do Art. 8.
2 – Proposta de Alteração Normativa
Quando a Administração analisa o método de valo-
ração aplicado, valor da transação (Art. 1º, do AVA), o
seu objetivo é saber se ao preço legítimo há a interve-
niência de algum dos fatores de ressalva descritos no
inciso 1 do Art. 1º do AVA e se a ele foram adicionados
os valores que o Art. 8º do AVA exige, ou se foram
excluídos aqueles que ele qualifica como excludentes.
Ressalte-se aqui que para a análise do valor aduaneiro
segundo os pressupostos do AVA, qualquer suspeita de
ilícito aduaneiro deve ser afastada. O que se discute é
a subvaloração em uma transação de comércio exte-
rior lídima, amparada por documentação hábil e fi-
dedigna, condizente com as práticas comerciais, onde
as prescrições do Art. 1º do AVA possam ser motivo
de questionamento. Outrossim, havendo suspeita de
fraude, subfaturamento, qualquer perspectiva do AVA
deve ser afastada, tratando-se o caso conforme o exa-
rado no Art. 86 do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro
de 2009.
Embora as determinações normativas do AVA pare-
çam juridicamente bem estruturadas em termos teóri-
cos, na prática a sua implementação inicial revelou-se
complexa e de difícil operação por parte das autorida-
des aduaneiras dos países em desenvolvimento. Aten-
dendo a estas demandas, em 1995, tendo em vista os
problemas levantados sobre a aplicabilidade do AVA,
na Reunião Ministerial de Marrakesh da OMC foram
acordados os termos e os respectivos textos relativos
à valoração aduaneira que deu às Aduanas o poder de
inverter o ônus da prova, Decisão I do documento G/
VAL/1 do Comitê de Valoração Aduaneira, levada a
efeito em 27 de abril de 1995 pela Organização Mun-
dial de Comércio. Este ato nada mais foi que um ato
contínuo ao Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio com base no Art. 17 do AVA, recepcionado
TRIBUTAÇÃO em revista 55
pela legislação brasileira.
Apesar da inovação normativa exarada na Reunião
Ministerial de Marrakesh, em face da peculiaridade do
sistema jurídico brasileiro de tradição de direito posi-
tivo, a questão de enquadrar uma transação de comér-
cio exterior como passível de análise na perspectiva do
AVA fica um tanto quanto vaga. O próprio AVA não é
assertivo quanto a esta questão, apenas enuncia pre-
ceitos que deveriam ser complementados pela legis-
lação nacional. Um aspecto fundamental da valoração
aduaneira é o corolário da neutralidade, que represen-
ta o fator de compatibilidade com a realidade comer-
cial, porquanto a técnica de valoração deve adequar-
-se a todos os princípios do comércio internacional,
garantindo o cumprimento da liberdade comercial, do
exercício de autonomia privada e da legalidade dos
atos. Para tanto, o significado de “valor de transação”,
quando considerado no contexto do AVA, sugere que
o valor aduaneiro se destina a captar o valor real das
mercadorias no momento da importação em todos
os seus aspectos; comercial e legal. Isso incluiria não
apenas o preço que poderá abarcar pagamentos espe-
cíficos para o fornecedor, mas também qualquer tipo
de pagamentos ou subsídio financeiro que possam ser
quantificados, de modo a capturar o valor econômico
real dos bens e a sua normalidade comercial. A im-
portância deste ponto de vista é inestimável, como
demonstra o caso dos produtos que ostentam uma
marca notória, marca registrada, que possuem valo-
res superiores aos mesmos produtos sem marca, face
ao custo dos direitos de autoria ou propriedade geral-
mente incluídos como royalties. A relevância da apu-
ração da legalidade da transação comercial recai sobre
os mesmos produtos no caso de uma transação com a
suspeita de contrafação. Embora o valor de transação
possa ser considerado normal, a legalidade do ato não
o seria, assim a transação não poderia ser considerada
normal.
Ademais, deve-se considerar que as partes contra-
tantes no Comércio Internacional têm nacionalidades
diversas e domicílios em países distintos, uma vez que
a mercadoria ou o serviço objeto da obrigação é en-
tregue ou prestado além das fronteiras e os lugares da
celebração e execução das obrigações contratadas po-
dem ser diversos. Enquanto o direito interno regula
todos os aspectos abrangentes à formação e às con-
sequências do negócio jurídico, os termos acordados
em uma transação internacional têm a sua vinculação
a um ou mais sistemas jurídicos estrangeiros, além de
outros dados como o domicílio, a nacionalidade, a lo-
calização da sede, centro de principais atividades e até
a própria conceituação legal. Portanto, não há nexo
plausível em considerar normal uma transação de co-
mércio exterior destituída de contratos de compra e
venda e outros documentos que lhe dê estabilidade
jurídica no âmbito transnacional.
Desta forma, deveria constar do arcabouço nor-
mativo nacional a consideração de que uma transação
comercial transnacional passível da aplicação de dis-
posições do Acordo sobre a Implementação do Artigo
VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT
1994 só poderia ser aceita, nos termos estritamente
legais, se o valor de transação for o preço efetivamen-
te pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda
para exportação para o país de importação, ajustado
de Acordo com as disposições do Art. 8º, e adotado
como valor aduaneiro nas seguintes condições:
Toda mercadoria submetida a despacho de im-portação está sujeita ao controle do corres-pondente valor aduaneiro nos termos Acor-do de Valoração Aduaneira, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30, de 1994, e promul-gado pelo Decreto nº 1.355, de 1994:
I- Desde que haja evidência comprovada de uma venda de mercadorias do país de exportação para o Brasil. Esta evidência deve ser corroborada por contratos comerciais, fatura comercial, ordem de compra e outros documentos usualmente utiliza-dos nas transações de comercio exterior.
II- Desde que a transação seja realizada no cur-so ordinário do comércio internacional em con-dições de livre concorrência, sem a omissão de qualquer interveniente na produção e logística,
56 TRIBUTAÇÃO em revista
desde a etapa de fabricação, transporte e comer-cialização da mercadoria, não envolvendo nesse processo nenhuma espécie de prática comercial, deduções ou descontos que não os normalmen-te utilizados no comércio internacional (Medida Provisória no 2.158-35, de 2001).
Em sintonia com o exarado pelo Artigo 17 do AVA,
deveria constar da mesma forma do sistema norma-
tivo nacional as disposições que estabelecem o valor
de critério, aquele obtido pelas fontes de informação
oficializadas na forma da Lei e não contrárias ao pres-
crito no Acordo.
Portanto, considerar-se-ia as fontes de informação
para análise do valor aduaneiro de mercadorias idên-
ticas e similares, valor critério, àquelas obtidas na se-
guinte ordem:
I - O Sistema de Informação de Comércio Exte-rior da Receita Federal do Brasil (Siscomex), des-de que as informações nele contidas atendam as condições de análise comparativa de caracterís-ticas físicas, funcionais e comerciais. Admitindo para aplicação deste artigo a mesma descrição funcional ou técnica, incluindo, nos bens ma-nufaturados, as codificações de fábrica; a mesma qualidade, entendendo como tal os detalhes fun-cionais e técnicos de operação ou de utilização, incluindo acessórios e demais apetrechos funcio-nais; o mesmo patamar de reputação comercial, entendendo como tal semelhante grau de concor-rência exercido no mercado brasileiro.
II – Os Catálogos de preço do fabricante, EW (“Ex--Work”), posto fábrica para exportação, forneci-dos, por qualquer meio de informação, pelo fabri-cante das mercadorias objeto da valoração ou suas similares; de mercadorias vendidas para exporta-ção para o mesmo país de importação e exportadas ao mesmo tempo ou em tempo aproximado.
III – As edições em publicações ou páginas da Internet dos valores das mercadorias objeto da valoração ou suas similares, vendidas para ex-portação para o mesmo país de importação e exportadas ao mesmo tempo ou em tempo apro-ximado ao da importação em análise.
§ 1º Na hipótese em que o importador possua informações sobre o valor aduaneiro de merca-dorias idênticas às importadas e que a adminis-tração aduaneira não disponha daquelas informa-ções, de forma imediata no local de importação, o importador, a seu critério, poderá informar a
autoridade aduaneira sobre tais importações, de-talhando os valores de transação e as condições em que ocorreram, mediante preenchimento de anexo descritivo, de modo a possibilitar a deter-minação do valor aduaneiro.
§ 2º O valor aduaneiro determinado na forma do § 1º deste artigo será submetido à avaliação da autoridade aduaneira, a qual poderá rechaçá--lo mediante comunicação escrita justificando os motivos da recusa.
§ 3º A aplicação do método de valoração de mer-cadorias idênticas levará em conta sua respectiva utilidade e função merceológica, assim entendida como um estudo que leva em conta a análise das características técnicas e comerciais, bem como a obsolescência de uma determinada mercadoria.
§ 4º Para fins do disposto no § 3º serão observados, na ordem descrita, os seguintes processos:
I - Estudo merceológico emitido ou aceito pela Coordenação Geral do Controle Aduaneiro CO-ANA;
II - Laudo técnico emitido por peritos credencia-dos pela Receita Federal do Brasil; e
III - Estudo técnico efetuado por Universidade, Faculdades e Institutos de pesquisa especializa-dos, relativos às características técnicas e comer-ciais, inclusive a obsolescência da mercadoria em questão.
Note que os catálogos e as edições em publicações
ou páginas da Internet tornam-se referências legais
para corroborar alguma importação que se descu-
bra, mesmo que única, ou corroborar a afirmação do
produtor de que o valor praticado de venda é o valor
cotado no catálogo. Neste item procura-se dar subsí-
dios ao Auditor-Fiscal para identificar o fabricante ou
produtor da mercadoria e questioná-lo ou obter dele
informação de transações idênticas às analisadas. Ser-
ve também este item para embasar a inversão do ônus
da prova já que a metodologia acima proposta seria
oficializada como fonte de informação.
Quanto à questão documental, como não é exaus-
tiva a determinação dos documentos legais para fins
de comprovação do valor aduaneiro declarado, propõe
TRIBUTAÇÃO em revista 57
constar do controle normativo a obrigatoriedade do
importador apresentar ainda, segundo as circunstân-
cias da correspondente operação comercial, e quando
exigido pela fiscalização aduaneira, documentos jus-
tificativos e informações adicionais àqueles exigidos,
em caráter geral, para instrução da DI. Desse modo
sugerimos a inclusão no texto normativo os seguintes
parágrafos em complemento ao Art 82 do Decreto nº
6.759, de 5 de fevereiro de 2009:
§ 1º As informações a que se refere o inciso II deste artigo incluem, entre outras, a identificação das pessoas envolvidas na transação, seus papéis de atuação na operação, a correspondência co-mercial e a descrição completa do processo de negociação e de determinação do preço das mer-cadorias face às circunstâncias econômicas do mercado internacional.
§ 2º. A comprovação do valor de transação deve-rá ser efetuada através dos seguintes documentos (Art. 17 e parágrafo 6 do anexo III do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT 1994 e Art. 553, inciso IV do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009):
a) fatura comercial em conformidade com as nor-mas vigentes no país de exportação e atendendo o exarado no Art. 557 do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009;b) contrato ou Acordo de compra e venda;c) ordem de compra;d) contrato de câmbio e respectivo SWIFTe) carta de crédito;f) demais documentos exigidos pela autoridade fiscal.
§ 3º. Caso não exista na operação de comércio exterior em análise algum dos documentos men-cionados no § segundo, o importador deverá preencher um termo de declarações informando as causas da não apresentação dos documentos exigidos, datando-o e firmando-o.
As práticas comerciais condizentes, primado do
AVA, pressupõem a existência entre as partes de do-
cumentações compromissárias com o condão de ins-
tituir as condições arbitrais específicas vinculadas às
transações comerciais oriundas do comércio interna-
cional, garantindo o cumprimento rigoroso e firme
dos termos da transação. Estas condições são ma-
terializadas em ordens de compras, faturas pró-for-
mas, contratos-tipos e outros documentos correlatos
enviados por correio eletrônico, fax e outros meios
céleres de comunicação, garantem os compromissos
acordados entre as partes e asseguram o direito de
terceiros como no caso do transporte internacional,
serviços intermediários de armazenagem e movimen-
tação de carga, outros serviços consubstanciados em
contratos bancários, corretagem, agenciamento, dis-
tribuição, seguros, e outras especificidades estabele-
cidas em documentação própria cujo objetivo final se
constitui na operacionalização eficaz do contrato de
compra e venda mercantil compatível com a necessi-
dade de rapidez e confiabilidade demandadas pelas
práticas do comércio exterior.
3 – Conclusão
Os acordos internacionais, principalmente os trata-
dos no âmbito do comércio carregam sempre um viés
de favorecimento às nações hegemônicas. Os termos
acordados no âmbito do GATT e posteriormente nas
rodadas da OMC carregam da mesma forma esta gené-
tica predatória, facilitando, com certa permissividade,
a livre circulação no comércio transnacional dos bens
manufaturados com alto valor agregado em detrimen-
to dos bens primários e dos insumos agrícolas. Dentro
desta perspectiva de facilitação do comércio estabe-
leceram-se os termos do AVA, Acordo sobre a Imple-
mentação do Artigo VII do GATT, com pressupostos
de afastar qualquer proteção ao parque manufatureiro
nacional que se baseasse na comparação de preços com
produtos idênticos ou similares produzidos no país,
uma vez que, em tese, as nações com maior produção
industrial seriam mais eficientes neste quesito. Outras
considerações para o texto do Acordo foram as quei-
xas encaminhadas por exportadores europeus e norte-
-americanos que se consideravam prejudicados por
práticas abusivas, sobretudo na forma de demandas de
informações não razoáveis por partes das autoridades
58 TRIBUTAÇÃO em revista
REFERÊNCIAS
SATAPAHY, C. Customs Valuation in India. 3. ed. Mum-bai: Shoroff Publishers & Distr. Ltda, 2000.
TORRES, Heleno Taveira. Pluritributação Internacional Sobre as Rendas de Empresas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
aduaneiras, que resultavam em atrasos nos embarques
e, consequentemente, em custos adicionais.
Com a pressão dos países em desenvolvimento por
ferramentas mais eficientes na detecção do planeja-
mento tributário aduaneiro dentro das perspectivas
do AVA, estabeleceu-se em Marrakech, Marrocos, em
1995, Decisão I do documento G/VAL/1 do Comitê de
Valoração Aduaneira, um instrumento de inversão do
ônus da prova que possibilitou às autoridades adu-
aneiras uma maior oportunidade de investigação das
transações suspeitas. A partir desse episódio, alguns
países como a Índia, dignificando a sua soberania e
protegendo o seu setor produtivo, contemplaram a le-
gislação interna com instrumentos normativos com-
plementares ao Acordo, possibilitando um controle
mais eficaz do valor declarado dos bens importados
visando à preservação econômica do país. Neste sen-
tido as proposições contidas neste trabalho vêm ao
encontro dos anseios de vários setores produtivos do
Brasil que são constantemente atacados predatoria-
mente por ações comerciais estrangeiras através da
prática de dumping, planejamento tributário abusivo
e subvaloração, ameaçando o nosso futuro como nação
desenvolvida.
TRIBUTAÇÃO em revista 59
a RTIGO
Centro Regional Conjunto de Capacitação Aduaneira em Brasília: Aperfeiçoando e Fortalecendo as
Administrações AduaneirasPatricia Prisco Paraiso Barreto de Andrade1
paldo à filosofia de serviço profissional baseado no conhe-
cimento; criação de CRC autossustentáveis, que se tornem
referência em capacitação aduaneira; criação de sinergia e
fomento a integração regional; compartilhar melhores prá-
ticas e, ainda, promoção de troca de experiências.
Em consonância com as missões principais estabele-
cidas pela OMA para os Centros Regionais de Capacita-
ção, o CRC em Brasília - Brasil tem os seguintes objetivos:
desenvolver programa de capacitação de acordo com as
necessidades nacionais e regionais de fortalecimento de
capacidades, com as políticas de capacitação do Ministério
da Fazenda do Brasil e com a política de regionalização
de fortalecimento de capacidades estabelecido pela OMA;
gerir grupo de especialistas para atendimento de demanda
de capacitação da região; organizar a logística e demais
serviços para a realização de programa de capacitação di-
Inaugurado em abril de 2010, o Centro Regional Con-
junto de Capacitação Aduaneira – CRC em Brasília – Bra-
sil, foi estabelecido oficialmente em dezembro de 2009,
por meio da assinatura de um Memorando de Entendi-
mento (acordo internacional simplificado) entre a Secreta-
ria da Receita Federal do Brasil (RFB), a Escola de Admi-
nistração Fazendária (Esaf) e a Organização Mundial das
Aduanas (OMA).
A OMA é a única organização intergovernamental com
foco exclusivo em matérias aduaneiras. Atualmente possui
177 membros e o Brasil está inserido na Região das Amé-
ricas e do Caribe, que possui 31 membros. A OMA estabe-
leceu uma política regional para o tema fortalecimento de
capacidades, e os Centros Regionais de Capacitação (CRC)
são peças chaves na implementação das estratégias regio-
nais de: apoio às iniciativas regionais de capacitação e res-
1. Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil, ex- Gerente do Centro Regional Conjunto de Capacitação Aduaneira RFB/ESAF/OMA no Brasil
60 TRIBUTAÇÃO em revista
rigido à Aduana brasileira e aos países membros da região;
e implantar, manter e administrar o Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA) para oferta de cursos e-learning.
O CRC Brasília - Brasil tem a missão de desenvolver
pessoas para promover o aperfeiçoamento e o fortaleci-
mento das Administrações Aduaneiras das Américas e do
Caribe com a visão de ser referência regional e internacio-
nal em geração e disseminação de conhecimento na área
aduaneira. Carrega como valores: Integridade; Compro-
misso; Responsabilidade e Profissionalismo.
O Centro tem como principais desafios ajustar as de-
mandas da Aduana Brasileira aos assuntos regionais; de-
senvolver treinamentos com conteúdos adaptados; fomen-
tar a cooperação das Administrações Aduaneiras da região
das Américas e do Caribe, no que se refere à capacitação;
desenvolver e manter um grupo de especialistas regionais;
e tornar o CRC em Brasília - Brasil um Centro de excelên-
cia em geração e disseminação do conhecimento na área
aduaneira.
Em participação a XXV Reunião do Conselho de Di-
retores-Gerais de Aduanas da Comunidade de Países de
Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Maputo – Mo-
çambique, em outubro de 2010, a Aduana brasileira as-
sumiu o compromisso de prover os membros da CPLP de
capacitação na área aduaneira, por meio do Centro Regio-
nal Conjunto de Capacitação Aduaneira RFB/ESAF/OMA
no Brasil (CRC em Brasília – Brasil). Importante ressaltar
que esta iniciativa conta com total apoio da Secretaria-Ge-
ral da OMA. Neste sentido, desde o 2º semestre de 2010,
aduaneiros da CPLP participam de eventos realizados pelo
Centro.
Em 2010, além do Seminário Internacional sobre Adu-
ana e Empresas – Cooperação para melhoria do Desempe-
nho do Comércio Exterior, que inaugurou o Centro, reali-
zaram Seminário Regional sobre o Sistema Harmonizado
e Workshop Regional sobre Valoração Aduaneira (que já
contou com participantes da CPLP).
Para 2011, em consonância com a tendência mundial
de disseminação do conhecimento de forma democrática,
aliando didática e tecnologia, o Centro tem como principal
objetivo disponibilizar a plataforma de cursos e-learning
da OMA, com cursos traduzidos para o português. Esses
cursos versam sobre temas de relevância para o exercício
das atividades aduaneiras, tais como: Valoração Aduanei-
ra, Sistema Harmonizado e Controle Aduaneiro.
Mas não oferecerem somente cursos já produzidos
pela OMA. Prova disso é que está previsto para abril deste
ano a oferta do curso e-learning de Práticas Aduaneiras In-
ternacionais. O conteúdo deste curso é resultado de adap-
tação de material disponibilizado por meio de cooperação
internacional entre Esaf e instituições da Espanha.
Realizarão, também neste semestre, um Seminário Re-
gional sobre Planejamento Estratégico na Área Aduaneira,
contando com a expertise de especialistas da OMA e do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Este
evento demonstra de forma inequívoca que o Centro está
totalmente alinhado com os objetivos estratégicos da RFB,
e que ele existe para prover capacitação à Aduana brasilei-
ra e às Aduanas da região, buscando a implementação de
normas internacionais adaptadas às expectativas dos seus
governos.
Ainda em 2011, lançarão a Especialização em Comér-
cio Exterior e Gestão Aduaneira, em aprendizagem flexí-
vel (módulos presenciais e a distância). Esta especialização
tem como objetivo principal prover a Administração Adu-
aneira da RFB de novas capacidades aos atuais gestores e
potenciais gestores aduaneiros, de forma a contribuir para
elevar a Aduana brasileira a um novo patamar de excelên-
cia, com resultados profundamente positivos para a eco-
nomia e a sociedade do Brasil.
Outros eventos de capacitação, para o período de ju-
nho de 2011 até junho de 2012, estão ainda em fase de
aprovação entre as partes envolvidas, e serão discutidos
em reunião de Planejamento Estratégico da OMA para a
Região das Américas e do Caribe, prevista para abril deste
ano.
Em breve será lançado o site do CRC em Brasília - Bra-
sil, contendo informações gerais sobre o Centro, calendá-
rio de eventos, biblioteca virtual com os principais docu-
mentos da OMA traduzidos para o português, fóruns de
discussão e hospedagem on-line na Esaf.
TRIBUTAÇÃO em revista 61
Tribunal Regional Federal da Terceira Região modifica seu posicionamento a respeito da aplicabilidade do
art. 12, § 11, da IN 243, de 2002.
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
Natureza: Mandados de Segurança
Órgão julgador: Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Nº do Processo: ApC 0034048-52.2007.4.03.6100/SP; e ApC 0017381-30.2003.4.03.6100/SP
Relatores: Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken; e Juiz Federal Convocado Rubens Calixto
Matéria: Tributária- Preço de Transferência entre pessoas jurídicas coligadas
Apelantes: Delphi Diesel Systems do Brasil Ltda.; e Schneider Eletric Brasil Ltda
Apelado: União (Fazenda Nacional)
Datas das Decisões: 19/08/2010; 10/02/2011
Publicações: 14/09/2010; 22/02/2011
Texto da Decisão: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Desembargador Federal Márcio Moraes e da certidão de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tri-bunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
62 TRIBUTAÇÃO em revista
O Tribunal Regional Federal da Terceira Região decidiu,
pela primeira vez em agosto de 2010, que a Receita Fede-
ral do Brasil – RFB – teria ofendido o Princípio da Reserva
Legal, quando da elaboração do art. 12, § 11, da Instrução
Normativa 243, de 2002, o qual tratou de regulamentar a
metodologia de cálculo do preço parâmetro para fins de
ajuste do preço de transferência previsto no art. 18 da Lei
9.430, de 1996.
Explica-se. O preço de transferência está ligado à trans-
ferência de bens, produtos e serviços entre empresas bra-
sileiras coligadas às estrangeiras com a finalidade de sua
importação ao Brasil para produção dos respectivos bens,
cujos gastos poderiam ser utilizados para redução tributária
no Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas – IRPJ – e da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Assim,
a previsão legal nada mais é que uma tentativa de o Estado
evitar a evasão fiscal com a remessa ao exterior dos lucros
auferidos por empresas multinacionais para haver um reco-
lhimento tributário menor sob a máscara de importação de
insumos e serviços necessários para a produção dos bens.
Para tanto, houve a edição da Lei mencionada, a qual
considerou serem dedutíveis na determinação do lucro real
e da base de cálculo da CSLL, os custos, despesas e encargos
relativos a bens, serviços e direitos constantes em documen-
tos de importação ou aquisição das mencionadas empresas
coligadas por intermédio de métodos descritos nos incisos
seguintes do artigo.
A RFB, por sua vez, elaborou a Instrução Normativa,
objeto do Mandado de Segurança, para regulamentar esses
fatores dedutíveis, indicando a possibilidade de serem efe-
tuados por um dos métodos ali descritos, sendo um deles
o Preço de Revenda menos Lucro – PRL –, definido como
a média aritmética ponderada dos preços de revenda dos
bens, serviços ou direitos, diminuídos, no caso do processo
em questão, do valor agregado no País e a margem de lucro
de 60%, pela metodologia expressa nos incisos do parágrafo
11 do art. 12 da Instrução Normativa.
Dadas essas informações, em Apelação ao primeiro
Mandado de Segurança sob exame, a saber, ApC 0034048-
52.2007.4.03.6100/SP, o Tribunal, por maioria dos votos,
declarou que a RFB teria se excedido ao regulamentar o
dispositivo supracitado, apontando cálculos que resultaram
em aumento de tributo, pois não possui atribuição para tan-
to e agir dessa sorte significa clara desobediência ao Princí-
pio da Estrita Legalidade.
Esse Princípio consiste em dizer que determinadas ma-
térias hão de ser feitas sob determinada forma legal. Por
exemplo, a majoração do IR deve ocorrer por meio de Lei
Ordinária e não por uma Resolução.
Porém, submetida pela segunda vez a mesma matéria
à análise do Tribunal por meio da apelação ApC 0017381-
30.2003.4.03.6100/SP, o seu posicionamento mudou. Em
10 de fevereiro do ano corrente houve o reconhecimento,
por unanimidade, de que a RFB apenas regulamentou a Lei
9.430, de 1996, sem inovar o sistema jurídico, ou seja, sem
resultar em majoração de tributo ao contribuinte por meio
da Instrução Normativa em comento.
Muito embora essa adequada instrução tenha resultado
em pagamento do tributo maior que o esperado pelo con-
tribuinte, não significa ter excedido os limites legais estabe-
lecidos. Ao contrário, a RFB possui competência para inter-
pretar e aplicar leis tributárias, aduaneiras, previdenciárias
e correlatas, podendo, para tanto, elaborar atos e instruções
normativas para garantir a eficácia das leis, conforme dis-
põe o art. 7º, III, do Decreto 3.782, de 2001, sucedido por
outros até o atual art. 14, III, do Decreto 7.386, de 2010.
Ora, o artigo contestado pelo contribuinte somente de-
terminou os critérios para aplicação do método do PRL, fri-
sa-se, ao levar em conta os quesitos mencionados no decor-
rer deste para, a partir do resultado do custo total do bem
produzido, obter-se a dedução para fins de recolhimento do
IRPJ e da CSLL.
Dessa feita, constata-se que a RFB atuou nos limites le-
gais, como bem assim o Tribunal Regional da Terceira Re-
gião entendeu nesse processo, apesar de não se tratar de de-
cisão final e é provável que a questão seja levada ao Superior
Tribunal de Justiça para se pronunciar a respeito.
Áryna Rangel
Advogada – Assessora de Diretoria do Departamento
de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional