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TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2017.0000707266
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes/apelados KAWASAKI TRADING DO BRASIL LTDA e KAWASAKI MOTORES DO BRASIL LTDA, é apelado/apelante AUTOSUL COMERCIAL LIMITADA.
ACORDAM, em 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Não conheceram do recurso de apelação da reconvenção, deram parcial provimento ao recurso da ré Kawasaki Trading do Brasil para excluí-la do decreto condenatório, deram parcial provimento com observação ao recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil e negaram provimento ao recurso da parte autora. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores REBELLO PINHO (Presidente sem voto), ROBERTO MAIA E ÁLVARO TORRES JÚNIOR.
São Paulo, 18 de setembro de 2017
MARIA SALETE CORRÊA DIAS
RELATORA
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 2/26
Voto nº 109
Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100
Apelante / Apelado: Kawasaki Trading do Brasil Ltda. / Kawasaki Motores do
Brasil Ltda. / Autosul Comercial Ltda.
Comarca: São Paulo 32ª Vara Cível do Foro Central
Juiz prolator: Fabio de Souza Pimenta
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES CONCESSÃO COMERCIAL LEI RENATO FERRARI Rescisão contratual por denúncia motivada - Autora/Concessionária que alega infração econômica por abuso de poder econômico e culpa das rés pelos prejuízos suportados pela rescisão contratual de duas agências distribuidoras, pleiteando aplicação integral das indenizações do artigo 24 da Lei nº 6.729/1979 (Lei Renato Ferrari) Concorrência desleal -
Não conhecimento de recurso de apelação específico à reconvenção pelo Princípio da Unirrecorribilidade da sentença - Ilegitimidade passiva da Corré/concessionária do grupo do fabricante, não configurada - Formação de grupo econômico entre o produtor e distribuidor que não implica em responsabilidade solidária das rés, pessoas jurídicas distintas Ausência de prova de prática de concorrência desleal entre as concessionárias Fato abertura de concessionária pela fabricante automotivo que não caracteriza por si só concorrência desleal Loja aberta em localização diversa do autor - Laudo pericial provou que não houve prática de preços diferenciados entre as concessionárias Improcedência da ação em face da corré Concessionária - Caracterização de descumprimento contratual pelo fabricante - Concessão de numerário de incentivo de marketing à outra concessionária (terceira dos autos) que contribuiu para o fechamento das empresas do autor - Exigência de estoque mínimo sem solução adequada em face das concessionárias - Caracterização de infração da Concedente/fabricante à Lei 6.729/79 - Reparação material adstrita aos termos da Lei Renato Ferrari Exclusão de outros valores indenizatórios pleiteados pela Concessionária - Não
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comprovação de outros prejuízos pela concedente Não configuração de dano moral Não conhecimento do recurso de apelação da reconvenção - Recurso da ré Kawasaki Trading do Brasil parcialmente provido para exclui-la do decreto condenatório Recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil parcialmente provido com observação Recurso da parte autora não provido.
A r. sentença de fls. 3239/3244, cujo relatório adoto,
julgou improcedente a ação reconvencional de Kawasaki Motores do Brasil Ltda
condenando o reconvinte ao pagamento à reconvinda de honorários advocatícios
fixados em 15% do valor da reconvenção, custas e despesas processuais e
parcialmente procedente a ação principal para condenar as requeridas ao
pagamento da quantia de R$ 833.416,26, devidamente corrigida monetariamente
desde a data do laudo pericial, acrescido de juros 1% a partir da citação. Ante a
sucumbência, condenou igualmente as partes ao pagamento das custas e
despesas processuais, devendo cada parte arcar com os honorários advocatícios
do seu respectivo patrono.
Embargos de declaração opostos por Autosul Comercial
Limitada às fls. 3249, rejeitados às fls. 3320.
Inconformada com a r. sentença, apela a corré Kawasaki
Trading do Brasil Ltda. (fls. 3255/3271) aduzindo, preliminarmente, 1) a ausência
de fundamentação da sentença em relação à solidariedade imposta para
pagamento da condenação; 2) a sua ilegitimidade passiva, “visto não ter sido o
causador do suposto dano”, sustentando a sua independência em relação à corré
Kawasaki Motores do Brasil, inexistindo grupo econômico. No mérito, sustentou,
em apertada síntese, que 1) a ação visa à discussão da relação contratual
existente entre a autora e corré Kawasaki Motores do Brasil, sendo totalmente
estranha ao contrato de concessão comercial; 2) a inexistência de danos por
culpa da apelante, tendo em vista que a suposta infração contratual teria sido
causada por conduta exclusiva da corré Kawasaki Motores do Brasil; 3) a
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inexistência de grupo econômico entre as rés, posto que são “empresas que tem
como controladores acionistas diferentes, objetos e administrações distintas entre
si”; 4) a inexistência de privilégios em seu favor, sendo que “a todo momento é
citada apenas uma concessionária diversa a lide, ou seja, a extinta
concessionária FPK”.
Também inconformada, a corré Kawasaki Motores do
Brasil interpôs recurso de apelação (fls. 3276/3330) aduzindo, em apertada
síntese, 1) a inexistência de infração contratual que causasse prejuízo à autora,
sendo equivocado supor que um benefício concedido a uma concessionária
situada na Capital prejudicaria estabelecimentos em outras localidades e que a
autora requereu a dissolução amigável do contrato; 2) a inexistência de grupo
econômico, não havendo “controle de uma sociedade sobre outra ou mesmo
exercerem elas as mesmas atividades e, que possuam os mesmos sócios ou que
haja confusão patrimonial e administrativa”; 3) que o acordo judicial celebrado
com a Concessionária FPK não corresponde a um incentivo de marketing e sim
uma “composição para por fim a uma demanda judicial”; 4) a ilegalidade da
condenação fixada na r. sentença, porquanto extrapolou o rol de penalidades
previstas no art. 24 da Lei nº 6.729/1979; 5) o descumprimento contratual por
parte da autora, em razão do abrupto encerramento das atividades, devendo ser
condenada ao pagamento de indenização em favor da Apelante.
A corré Kawasaki Motores do Brasil também interpôs
recurso de apelação nos autos da reconvenção (fls. 3306/3315), aduzindo, em
síntese: 1) argumentos da apelação de fls. 3276/330, no sentido de que nunca
teria existido ato seu de forma a prejudicar a autora; 2) que esta inclusive havia
proposto rescisão do contrato através de acordo; que a parte autora não poderia
ter encerrado subitamente suas demais empresas; 3) Que por isso teria incorrido
em infração ao disposto no § 2º do artigo 22 da Lei 6.729/79, ou seja, teria que
aguardar o prazo de 120 dias de manutenção das atividades das concessionárias
aplicável mesmo que haja discussão nos autos principais; 4) pleiteia pagamento
da indenização respectiva; 5) ilegalidade da sua condenação ao pagamento de
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honorários quando a reconvinda é revel.
Também inconformada, recorre a autora (fls. 3328/3335)
aduzindo, sumariamente, que: 1) a r. sentença deve ser reformada,
reconhecendo a obrigação de indenização decorrente da Lei Renato Ferrari,
devendo a indenização corresponder ao benefício dado a outros concessionários;
2) que “mesmo que se desconsiderado o benefício extraordinário concedido à
concorrente da rede (inciso IV, art. 24), ainda, assim, por corolário, a manutenção
de concessionária própria pelo Grupo Kawasaki configura concorrência desleal,
até porque excluiu da rede autorizada todas as vendas por ela realizadas, em
prejuízo direto imposto à autora que não teve acesso à parte daquele resultado”;
3) a culpabilidade da ré pelos encerramento das atividades da autora, pela
desigualdade de tratamento, com responsabilidade civil da mesma por dano
moral .
Recursos recebidos às fls. 3338.
Contrarrazões da autora às fls. 3341/3343, da Kawasaki
Motores do Brasil às fls. 3344/3355 e da Kawasaki Trading do Brasil Ltda. às fls.
3357/3362.
A C. 28ª Câmara de Direito Privado (fls. 3377/3380) não
conheceu os recursos, declarando sua incompetência, sendo os autos
redistribuídos para esta Seção.
É o relatório.
1 Da apelação da Reconvenção.
Inicialmente, a apelação de fls. 3306/3315, interposta
pela Kawasaki Motores do Brasil “nos autos da reconvenção” não merece
conhecimento.
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O artigo 318 do Código de Processo Civil de 1973
dispunha que: “Art. 318. Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a
reconvenção”, sendo cabível apenas um recurso de apelação em face da
sentença prolatada, observando o Princípio da Unirrecorribilidade. Neste sentido:
COMPRA E VENDA. Ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos.
Reconvenção. Sentença que julgou improcedente a ação principal e parcialmente
procedente a reconvenção.
- Autor reconvindo interpôs duas apelações em face da mesma sentença. Princípio da
unirrecorribilidade. Decisões judiciais são impugnadas por meio de um único recurso.
Ação principal e reconvenção foram julgadas em conjunto pela mesma sentença. Cabível a
interposição de apenas uma apelação, na qual a parte sucumbente poderia impugnar todas
as questões enfrentadas pela sentença recorrida. Segunda apelação interposta pelo autor
reconvindo não deve ser conhecida, em razão da preclusão consumativa.
- Apreciação da primeira apelação interposta. Apelante que não se desincumbiu do ônus de
comprovar o descumprimento de obrigações contratuais pelas apeladas, o que era o fato
constitutivo do seu direito, como determina o artigo 333, inciso I, do CPC/73. Ausência de
inadimplemento das apeladas. Juiz de origem agiu bem ao rejeitar a pretensão de rescisão
contratual e de reparação de perdas e danos. Considerado que não houve a rescisão do
contrato de compra e venda, verifica-se que é indevida a sustação dos cheques emitidos
para pagamentos das parcelas da aquisição do consultório médico. Condenação do apelante
ao pagamento, em favor das apeladas, da quantia equivalente à somatória dos cheques
sustados, a saber, R$ 9.000,00. Manutenção da r. sentença.
Segunda apelação não conhecida. Primeira apelação não provida. (Apelação nº
0199118-31.2012.8.26.0100. Relator Carlos Dias Motta. 1ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial. Julgado em 29/03/2017).
Ação de reintegração de posse e indenização por danos materiais - Reconvenção -
Protocolizadas duas apelações pelos réus-reconvintes contra a mesma decisão - Não
conhecido o segundo recurso - Sentença una - Preclusão consumativa - Permissão para
ocupação de imóvel - Caracterização de contrato de comodato Réus comodatários são
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meros detentores do imóvel - Comprovada a aquisição dos direitos sobre o imóvel pelos
autores Sentença mantida - Recurso conhecido que não fica provido. (Apelação nº
0001203-77.2011.8.26.0271. Relator Roberto Maia. 20ª Câmara de Direito Privado.
Julgado em 1º/02/2016).
A Kawasaki Motores interpôs também apelação na ação
principal, cujas questões são as mesmas arguidas na apelação da reconvenção.
Assim, devem ser objeto de um único recurso, caracterizando-se a preclusão
consumativa em face do recurso de apelação da reconvenção de fls. 3306/3315.
Passo a analisar os demais recursos de apelação.
Cuidam os autos de ação de indenização c/c
obrigação de fazer e não fazer, decorrente de contrato de distribuição de
veículos através de concessão comercial, ajuizada em 13/12/2012.
Narra a vestibular, que a autora detinha três
estabelecimentos para venda de produtos da ré Kawasaki Motores do Brasil,
sendo uma em São Paulo, uma em Campinas e outra em São José dos
Campos, sob o regime da Lei n
º 6.729/1979 (Lei Renato Ferrari).
Narra, ainda, que suas vendas foram diretamente
afetadas em razão do incentivo dado pelo produtor ao distribuidor FPK
Comércio de Veículos, no valor de R$ 650.000,00, ferindo a isonomia entre
as distribuidoras, o que ocasionou diversas notificações por parte da
Assokawa (Associação Nacional dos Concessionários da Kawasaki).
Após, sustenta que houve represália por parte da ré
Kawasaki Motores do Brasil, obrigando-a a manter seus estoques acima do
acordado, afetando o seu capital de giro. Além disso, em detrimento a
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lealdade concorrencial, a Kawasaki Motores do Brasil teria mantido
concessionária própria, a Kawasaki Trading do Brasil Ltda., cujo nome
fantasia é K-Dealer, a qual usufrui “benefícios ignorados por todos e que são
inexistentes aos demais distribuidores”.
Alega que a junção desses fatores, para estancar
corrosão de seu capital, a obrigou a encerrar motivadamente dois dos
contratos, relativos às duas lojas localizadas no interior do Estado, passando
a se concentrar somente na concessionária da Capital, conforme constou de
sua notificação datada de 15/5/2012, enviada à Kawasaki Motores do Brasil
Ltda. (fls. 69):
Por força de atitudes dessa concedente, em confronto com as
normas disciplinadoras da lei nº 6.729/79, notificamos Vossas
Senhorias no sentido de encerrar imediatamente as atividades
das concessionárias da marca KAWASAKI nas cidades de
São José dos Campos e Campinas. Justifica-se este
procedimento, uma vez que recentemente a rede de
concessionárias tomou conhecimento de contrato celebrado
entre essa concedente e a concessionária FPK Com. de
Veículos Ltda.
Aquela ação de marketing, no valor de R$ 650.000,00,
privilegiando exclusivamente determinada concessionária em
flagrante detrimento das demais, acarretou e acarreta
vultuosos prejuízos para nossa empresa, sem que a
KAWASAKI tenha tomado a iniciativa de mitigar os efeitos
daquela imprópria atitude. Ademais, essa concedente tem
imposto à rede estoque mínimo em desacordo com o contrato,
elevando sobremaneira a necessidade de capital de giro, sem
qualquer incremento nas vendas da marca. Ao contrário,
Vossas Senhorias, diante da queixa da rede de
concessionárias formulada pela ASSOKAWA a respeito do
“estoque mínimo”, trataram de informar que “iniciarão
processo de seleção para a contratação de novas
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concessionárias”. Veja-se, portanto, que novamente emerge o
descumprimento da lei (art. 6º, I), impondo condição que
busca constranger e até mesmo coagir os concessionários.
Desse modo, na forma do inciso III, art. 22 da Lei 6.729/79,
damos por resolvidos os contratos nas Cidades acima
indicadas, anotando que continuaremos prestando assistência
técnica àqueles veículos cobertos pela garantia...”.
A r. sentença reconheceu a existência de grupo
econômico entre as rés e que, pela perícia, pela análise de preços praticados
nos faturamentos das concessionárias da autora, da concessionária FPK e
da concessionária Dealer (da correquerida Kawasaqui Trading), dos quadros
de funcionários e dos respectivos custeios de despesas, a concessionária
pertencente ao grupo econômico das rés não tinha privilégios em detrimento
das demais.
Mas entendeu que o incentivo pago à concessionária
FPK - Fittipaldi em dezembro de 2.012, a título de incentivo de marketing e
publicidade, no valor de R$ 650.000,00, caracteriza favorecimento que
privilegia essa concessionária em detrimento das demais, o que enseja
desequilíbrio de concorrência, uma vez que causa diferença na divulgação
de atividades, produtos e serviços, colocando a beneficiada em vantagem
desproporcional, em prejuízo daquelas que não puderam contar com esse
aporte.
Reputou que, por isso, há indícios de que a ré teria
contribuído para fechamento das duas lojas da autora, o que caracterizaria
descumprimento contratual, incidindo nas penalidades previstas no artigo 24
da Lei Ferrari, no valor equivalente a R$ 833.416,26, “da qual R$ 53.772,96
diz respeito ao investimento efetuado nas duas concessionárias da autora
que encerraram as suas atividade, R$ 646.517,92 se refere às projeções de
faturamento, nos termos da referida Lei, para esses mesmos
estabelecimentos e R$ 133.125,38 pelos custos de capital de giro (fls.
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921/923)”. A sentença afastou “o pedido de ressarcimento da verba
concedida à concessionária FPK Fittipaldi, no importe de R$ 650.000,00
para cada das concessionárias da autora, pois esses valores não podem ser
contabilizados como prejuízos. Tais verbas foram pagas de maneira indevida
a outra concorrente, mas não eram valores que a autora tinha o direito
contratual de receber ou que deixou de faturar no curso de sua atividade”.
2 Do Recurso da Apelante Kawasaki Trading do
Brasil.
2.1 - De plano, afasto a preliminar de ilegitimidade
passiva da Kawasaki Trading do Brasil.
O autor requereu, em sua exordial, “o fechamento
definitivo da concessionária K-Dealer (uma das atividades da ré Kawasaki
Trading do Brasil Ltda.) por violação às normas legais, bem como pelo fato
de constituir concorrência desleal”.
Assim, se tal pedido fosse provido, a apelante
Kawasaki Trading do Brasil seria diretamente afetada, sendo, portanto, parte
legítima para figurar no polo passivo da ação.
Além disso, a sua participação no polo passivo
também permitiu o exercício de sua defesa em face da alegação de formação
de grupo econômico com a corré Kawasaki Motores do Brasil Ltda.,
caracterizado pela r. sentença: “No tocante à alegação de grupo econômico,
temos que tal está caracterizado nos autos entre as empresas requeridas.
Diversos são os fatores a indicar tal conclusão: as requeridas operam com o
nome comercial da montadora japonesa; são controlados pela mesma
empresa no Japão, conforme afirmação da própria correquerida às fls. 676;
possuem o mesmo endereço comercial, cuja locação e demais custos são
arcados somente pela correquerida Kawasaki Motores do Brasil Ltda.
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(919/920); bem como possuem sócios em comum em suas composições
societárias (fls. 928)”.
O laudo pericial (fls. 674/684) constatou que:
A colocação das Autoras procede. O imóvel é alugado
pela Kawasaki Motores do Brasil Ltda., sendo que parte
dele é sublocada para a Kawasaki Trading do Brasil Ltda.
(anexo 5).
Também foram apresentados comprovantes de despesas
com aluguel, água, luz, operadora NET (TV a cabo,
internet e telefone) do referido imóvel, todos enviados
para Kawasaki motores do Brasil Ltda. (anexo 6).
Destes comprovantes, têm-se os pagamentos de aluguel
apenas do contrato efetuado pela Kawasaki Motores do
Brasil Ltda. ao proprietário do imóvel. Não foram
apresentados comprovantes do pagamento da Kawasaki
trading do Brasil Ltda. à Kawasaki Motores do Brasil Ltda.
As contas de luz com vencimento entre janeiro e março
de 2011 eram nominais a Giesse Brasil Indústria e
Comércio de Fe (razão social incompleta no documento
base); de abril a junho de 2011, nominais a Kawasaki
Trading do Brasil Ltda. e, a partir desta data, em nome da
Kawasaki Motores do Brasil Ltda..
A conta de água com vencimento em abril de 2011 é
nominal a Kawasaki Trading do Brasil Ltda.; as de maio e
junho de 2011 não contem a identificação do cliente por
se tratar de segundas vias resumidas. A partir de julho de
2011 todas estão em nome da Kawasaki Motores do
Brasil Ltda.
Verifica-se, assim, que a caracterização de um grupo
econômico entre as rés foi devidamente motivada e fundamentada pela r.
sentença.
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Contudo, assiste razão à recorrente Kawasaki Trading
Ltda. quanto a improcedência da responsabilidade solidária que lhe foi
atribuída na r. sentença.
O fato de ter sido reconhecido a formação de grupo
econômico entre as rés, por si só, não permite a responsabilização da
distribuidora (Kawasaki Trading Ltda.) pelos atos praticados pelo produtor.
Neste sentido, transcrevo parte do voto do E.
Desembargador Araldo da Costa Telles:
Tocante ao mérito é preciso convir que, embora integrante
do mesmo grupo econômico, não responde o apelado pelos
atos praticados pela montadora em seus contratos de
concessão, não havendo como impingir-lhe, por conta de
suposta infração à respectiva lei de regência, sanções por
abuso de poder econômico. (Apelação nº
9204370-46.2004.8.26.0000. 15ª Câmara de Direito
Privado. Julgado em 18/01/2011).
Ademais, não se apurou nenhum fato de privilégio
desta, em detrimento das demais.
Salienta-se, ainda, que se constatou no laudo pericial
que, mesmo fazendo parte de um só grupo econômico, “como já dito
anteriormente, não há evidências da prática de preços diferenciados nos
faturamentos para a K-Dealer”.
Assim sendo não há caracterização de prática de
concorrência desleal em face dessa corré ou provas, de que a abertura
dessa concessionária ligada ao fabricante apresente nexo de causalidade
para o fechamento das duas concessionárias da parte autora do interior do
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Estado.
In casu, o estabelecimento da Kawasaki Trading Ltda.
foi aberto na comarca de São Paulo, enquanto as lojas fechadas situavam-se
em São José dos Campos e em Campinas.
2.2 - Destarte, dá-se parcial provimento ao recurso da
corré Kawasaki Trading Ltda. para excluir sua responsabilidade pelos atos
praticados pela Kawasaki Motores do Brasil e respectiva indenização imposta
a esta última.
3 Do Recurso da Apelante/concedente Kawasaki
Motores do Brasil Ltda.
Três foram os fundamentos da petição inicial que
teriam causado o fechamento das concessionárias da autora do interior do
Estado: 1) incentivo concedido à concessionária FPK; 2) represália do
fabricante que estaria exigindo estoque mínimo em desacordo com o
contrato; e 3) concorrência desleal entre as citadas concessionárias.
O laudo pericial contábil foi taxativo quanto a não
configuração de diferenças de preços entre o faturamento das
concessionárias, inclusive da FPK.
O incentivo de marketing em favor da concessionária
FPK foi feito em virtude de ação judicial (fls. 102/106) de 05/05/2011.
A respeito do incentivo fiscal concedido à concessionária
FPK, o laudo pericial concluiu (fls. 930) que:
Considerando os faturamentos efetuados pela Ré Kawasaki
Motores do Brasil Ltda. no período de 2009 a 2012 (Anexo 14),
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vemos que em 2009 a FPK foi disparada a concessionária com
maior volume de compras, caindo para a 4ª posição em 2010,
retomando a 2ª posição em 2011 e caindo para a 3ª posição em
2012.
Não é possível para a Perícia identificar o valor pago a título
de inventivo de marketing como sendo o único fator que
causou um incremento de vendas na FPK, assim como
também não há nos autos evidencias na prática de preços da
forma como questionada no quesito anterior.
A autora não realizou compras em 2009; foi a 2ª colocada em
volumes de compra na cidade de São Paulo em 2010, 3ª em
2011 e 7ª em 2012. Olhando somente por esses dados não há
como dizer que os prejuízos da Autora foram devido a estes
fatores. (destaquei)
Na resposta ao quesito nº 09 (fls. 930), da parte
autora, a perícia judicial respondeu que considerando os faturamentos entre
as concessionárias, a FPK foi a disparada concessionária com maior volume
de compras no período de 2009 a 2012, o que denota que o incentivo em
questão a favorece em detrimento às demais, assistindo razão, nessa parte
ao entendimento esposado pelo MM. Juiz de Primeiro Grau.
Embora não tenha havido necessariamente prática de
concorrência desleal, até porque efetuado acordo via judicial, tal incremento
na prática conferiu vantagem da concessionária em detrimento das demais.
No que concerne ao estoque mínimo, fundamentou a
parte autora sua denúncia contratual (fls. 69), em 15/05/2012, o fato de que o
fabricante estaria impondo estoque mínimo em desacordo com o contrato.
Assevera, ainda que por força disso, a Associação
Nacional dos Concessionários da Kawasaki havia notificado a Kawasaki
Motores a respeito dessa exigência.
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Vê-se que a partes, anteriormente estavam sob
tratativas de resolução contratual (fls.337/349), a qual não se concretizou.
Na contra notificação do fabricante, datada de 22 de
maio de 2012 (fls. 366/367), este refuta qualquer culpa para o fim das
concessionárias do interior, discorrendo que a “Carta da Assokawa” seria ato
deliberado da diretoria da Associação, representando minoria de
concessionárias, enfatizando que a resolução dessas filiais seria ato
unilateral da parte autora.
A referida Associação notificou a fabricante/ré quanto
a tal exigência (fls.138/140), em 27/04/2012.
Pelo seu termos, descreve-se que havia elevado nível
de estoque, restrição de crédito de instituições financeiras, o que fazia
minguar capital de giro das concessionárias, que essa descapitalização devia-
se principalmente à conduta da Kawasaki em forçar o faturamento de
produtos além do que prevê o contrato de concessão e da Lei 6.729/79; que
pelo artigo 10 da referida Lei, haveria condições para regulamentação da
produção quanto do estoque da rede; que o concessionário poderia limitar
seu estoque a 65% da média de vendas dos últimos seis meses por produto
diferenciado; que a fabricante estaria exigindo da rede a aquisição por
versão, cor e opcionais de cada produto, onerando o negócio, propondo
relação de produtos que o concessionário deveria enviar ao fabricante, caso
esteja com estoque acima do permitido pelo contrato e Lei.
Em contra notificação de 08/05/2012 (fls.141), não
concordou com a proposição asseverando que estaria tolhida em fabricar e
comercializar outros modelos, bem como da modernização de sua grade de
produção.
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Dispõe o art. 17 da Lei sob enfoque:
Art. 17. As relações objeto desta Lei serão também reguladas
por convenção que, mediante solicitação do produtor ou de
qualquer uma das entidades adiante indicadas, deverão ser
celebradas com força de lei, entre:
I - as categorias econômicas de produtores e distribuidores de
veículos automotores, cada uma representada pela respectiva
entidade civil ou, na falta desta, por outra entidade competente,
qualquer delas sempre de âmbito nacional, designadas
convenções das categorias econômicas;
II - cada produtor e a respectiva rede de distribuição, esta através
da entidade civil de âmbito nacional que a represente, designadas
convenções da marca.
§ 1º Qualquer dos signatários dos atos referidos neste artigo
poderá proceder ao seu registro no Cartório competente do
Distrito Federal e à sua publicação no Diário Oficial da União, a
fim de valerem contra terceiros em todo território nacional.
§ 2º Independentemente de convenções, a entidade
representativa da categoria econômica ou da rede de distribuição
da respectiva marca poderá diligenciar a solução de dúvidas e
controvérsias, no que tange às relações entre concedente e
concessionário.
Nota-se que o fabricante não logrou dar solução a
controvérsia, alegando se tratar de reclamação de mínima faixa de representação
da categoria. Contudo, seja como for, o assunto do estoque mínimo merecia
melhor resolução.
A questão do “estoque mínimo” deve ser interpretada à
luz da Lei Especial e do contrato estabelecido entre as partes, o qual
estabeleceu:
CLÁUSULA VIII
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A CONCESSIONÁRIA emitirá em formulário próprio ou através
de informática, os pedidos de compra dos produtos, conforme
critérios definidos no Aditivo Contratual:
1º. Deverá a CONCESSIONÁRIA manter um estoque de uma
unidade de cada modelo, condicionado a compra inicial na
abertura e no lançamento do produto, uma unidade de cada cor e
modelo dos produtos comercializados descritos na cláusula III.
2º - Deverá, ainda, a CONCESSIONÁRIA, manter um estoque de
peças originais KAWASAKI, compatível com o volume de venda
de motocicletas e de aplicação na prestação de serviços de
assistência técnica ou atendimento a varejo.
3º - Nenhuma indenização, compensação ou ressarcimento serão
devidos à CONCESSIONÁRIA em relação aos pediso que não
vierem a ser atendidos pela KAWASAKI.
A fim de esclarecer a divergência de entendimento sobre
o “estoque mínimo”, o laudo pericial esclareceu as teses apresentadas pelas
partes, a saber:
A primeira, que é defendida pela Autora, é a de que as versões
com ABS se tratam de um opcional e não de um modelo diferente
do modelo sem ABS, bastando ter uma das motos em seu show
room para atender o determinado em contrato.
A segunda é a interpretação da Ré Kawasaki Motores do Brasil
de que as versões ABS são modelos diferentes e, portanto,
devem fazer parte do show room da concessionária.
O contrato não esclarece se “modelo” se refere ao
modelo genérico (ex. Ninja 250 R), abrangendo todas as variações deste modelo
(ex. Ninja 250R Candy Lime Green; Black/Red; Edição Limitada) ou se cada item
configura um novo modelo que deve ser exposto individualmente.
De uma forma ou de outra, constata-se a obrigação da
concessionária adquirir os veículos para exposição em seu show room, o que,
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inevitavelmente, afeta seu capital de giro, na medida em que é obrigada a estocar
os produtos para exposição.
A perícia não logrou definir o que fosse estoque
mínimo de acordo com o contrato, apenas o descreveu, segundo a
compreensão da parte autora e segundo a da parte ré.
No entanto o estoque mínimo deve ser aferido pelo
pacto contratual e legal.
A Lei 6.729/1979, por seu turno, estabelece faculdade
tanto ao fabricante quanto ao concessionário quanto a limitação de estoque.
A respeito, preceitua:
Art. 10. O concedente poderá exigir do concessionário a
manutenção de estoque proporcional à rotatividade dos produtos
novos, objeto da concessão, e adequado à natureza dos clientes
do estabelecimento, respeitados os limites prescritos nos §§ 1º e
2º seguintes.
§ 1º É facultado ao concessionário limitar seu estoque:
a) de veículos automotores em geral a sessenta e cinco por cento
e de caminhões em particular a trinta por cento da atribuição
mensal das respectivas quotas anuais por produto diferenciado,
ressalvado o disposto na alínea b seguinte;
b) de tratores, a quatro por cento da quota anual de cada produto
diferenciado;
c) de implementos, a cinco por cento do valor das respectivas
vendas que houver efetuado nos últimos doze meses;
d) de componentes, o valor que não ultrapasse o preço pelo qual
adquiriu aqueles que vendeu a varejo nos últimos três meses.
§ 2º Para efeito dos limites previstos no parágrafo anterior, em
suas alíneas a e b , a cada seis meses será comparada a quota
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com a realidade do mercado do concessionário, segundo a
comercialização por este efetuada, reduzindo-se os referidos
limites na proporção de eventual diferença a menor das vendas
em relação às atribuições mensais, consoante os critérios
estipulados entre produtor e sua rede de distribuição.
Portanto, a Lei faculta ao concedente exigir do
concessionário manutenção de estoque proporcional à rotatividade dos produtos
novos, objeto da concessão, e adequado à natureza dos clientes do
estabelecimento.
Da conjugação dos termos do contrato com os da Lei,
nota-se que a exigência do fabricante apresenta-se severa, tanto, que houve
queixa da Associação, na medida em que a parte autora e as demais
concessionárias estariam obrigadas à integralidade de
exposição/manutenção na concessionária, de cada modelo de veículo com
suas respectivas variantes, as quais configurar-se-iam, por sua vez, modelos
específicos.
A exigência do fabricante, de manutenção nas
concessionárias, de todos os tipos de cada modelo, de cada veículo de sua
linha, ainda que para cumprimento “ipsis litteris” do ajuste contratual, acaba
por onerar o capital de giro da concessionária, obrigando-a a maior dispêndio
a esse título.
Observe-se, conforme consta dos documentos autos
que as partes tentaram engendrar composição, o que denota dificuldades da
parte autora.
Assim, embora a posição do fabricante quanto ao
estoque mínimo, o seja na conformidade do contrato, não proporciona, em
contrapartida, ao concessionário, a faculdade legal de outro limite de
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estoque, o que obriga a parte autora a compatibilizar maior capital de giro
entre seus três contratos (Capital e dois do interior), tornando-os mais
onerosos, o que causou inviabilidade de suas manutenções.
Por conseguinte, embora não tenha havido
caracterização de concorrência desleal, segundo os termos da Lei pertinente,
demonstra-se, seja na concessão de incentivo de marketing à concessionária
FPK, que caracteriza no final tratamento diferenciado, seja, na imposição de
exigência de estoque integral de acordo com cada modelo específico, esses
fatores deram causa à inviabilidade da continuidade da relação jurídica entre
as partes, procedendo a resolução dos contratos em questão, nos termos do
artigo 22, III, da Lei 6.729/79, o que fundamenta o pedido reparatório previsto
no artigo 24 da Lei 6.729/1979.
3.1 Da impugnação do Apelante/concedente (fls.
3295).
Quanto ao valor indenizatório, o artigo 24 da Lei
Renato Ferrari estabelece a penalidades impostas na rescisão do contrato
por prazo indeterminado, quando ocasionados pela montadora:
Art. 24. Se o concedente der causa à rescisão do contrato
de prazo indeterminado, deverá reparar o concessionário:
I - readquirindo-lhe o estoque de veículos automotores,
implementos e componentes novos, pelo preço de venda ao
consumidor, vigente na data da rescisão contratual;
II - efetuando-lhe a compra prevista no art. 23, inciso II;
III - pagando-lhe perdas e danos, à razão de quatro por
cento do faturamento projetado para um período
correspondente à soma de uma parte fixa de dezoito meses
e uma variável de três meses por quinqüênio de vigência da
concessão, devendo a projeção tomar por base o valor
corrigido monetariamente do faturamento de bens e
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serviços concernentes a concessão, que o concessionário
tiver realizado nos dois anos anteriores à rescisão;
IV - satisfazendo-lhe outras reparações que forem
eventualmente ajustadas entre o produtor e sua rede de
distribuição.
A r. sentença fixou a indenização no valor de R$
833.416,26, “da qual R$ 53.772,96 diz respeito ao investimento efetuado nas
duas concessionárias da autora que encerraram as suas atividade, R$
646.517,92 se refere às projeções de faturamento, nos termos da referida
Lei, para esses mesmos estabelecimentos e R$ 133.125,38 pelos custos de
capital de giro (fls. 921/923)”, conforme o valor apurado pelo laudo pericial.
Quanto às projeções de faturamento, o valor
indenizatório foi bem fixado, atentando-se ao disposto no artigo 24, inciso III.
No que diz respeito ao valor de R$ 53.772,96, o artigo
24, II, remete à indenização na forma do artigo 23, II da mesma Lei, a qual
determina:
II - comprar-lhe os equipamentos, máquinas, ferramental e
instalações à concessão, pelo preço de mercado correspondente
ao estado em que se encontrarem e cuja aquisição o concedente
determinara ou dela tivera ciência por escrito sem lhe fazer
oposição imediata e documentada, excluídos desta obrigação os
imóveis do concessionário.
Portanto, esse apurado a fls. 921 encontra respaldo no
valor do investimento na conformidade do artigo 24, II, da Lei 6.729/79.
Quanto ao valor apurado de R$ 133.125,38 (fls. 922 e
924) foi apurado na perícia: “indenização pelo custo adicional de capital de
giro gerado pela manutenção de estoque mínimo, conforme entendimento da
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autora, acima do exigido contratualmente”. Calculou-se na conformidade do
pedido da parte autora item “e” de fls. 14/15: “indenização pelo custo
extraordinário do capital de giro, pelo período de doze meses, para fazer
frente ao aumento do estoque mínimo (item “12” supra), tomando-se por
base a taxa média de juros informada pelo BACEN (cf. tabela com taxas de
operação de crédito DOC 49), à razão de 3,51%, representando R$
237.092,63 (duzentos e trinta e sete mil, noventa e dois reais e sessenta e
três centavos) pela diferença no valor do estoque exigido (R$ 1.064.880,00)
e o legal (R$ 501.982,00)”.
Entretanto, o artigo 24, I, da aludida Lei diz
expressamente:
I - readquirindo-lhe o estoque de veículos automotores,
implementos e componentes novos, pelo preço de venda ao
consumidor, vigente na data da rescisão contratual.
Ora esse pleito indenizatório pleiteado pela parte autora, na
inicial não se insere no conceito do artigo indenizatório em epígrafe, que cuida
objetivamente do valor correspondente ao estoque de veículos (ativo
circulante).
3.2 - Dessa forma, assiste razão nessa parte ao
recorrente/concedente, merecendo ser excluído tal valor indenizatório da
condenação por não comportar adequação à indenização prevista na lei
específica.
De se frisar, ainda, que não houve mostra na perícia
de efetivo dispêndio de prejuízo, a título de diferença do estoque exigido.
Cite-se, aliás, que por falta desse numerário é que houve o pedido de
resolução dos contratos. O Sr. Perito (fls.922/923), se limitou a calcular o
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valor de diferença de capital de giro, seguindo apenas entendimento da parte
Autora.
3.3 Do pleito da Apelante/concedente/reconvinte que
pretende aplicação à parte autora da multa prevista no artigo 22, III, § 2º c.c
art. 26 da Lei sob exame.
Preceitua o artigo 22, § 2º da Lei 6.729/79:
Em qualquer caso de resolução contratual, as partes disporão do
prazo necessário à extinção das suas relações e das operações
do concessionário, nunca inferior a cento e vinte dias, contados
da data da resolução.
E o artigo 26 proclama:
“Art . 26. Se o concessionário der causa à rescisão do contrato,
pagará ao concedente a indenização correspondente a cinco por
cento do valor total das mercadorias que dele tiver adquirido nos
últimos quatro meses de contrato”.
Ora, não comporta acolhimento a aplicação da
alegada multa em face da parte autora/concessionária conquanto o término
dos contratos decorreu por responsabilidade da Concedente. A aplicação da
referida multa a concessionária só teria causa se a mesma desse causa à
rescisão do contrato, o que não ocorre no presente, improcedendo a
reconvenção.
No entanto, fica a observação: se a parte
autora/concessionária der causa a algum prejuízo a concedente em virtude
de eventual não cumprimento do prazo necessário previsto no artigo 22, § 2º
da Lei 6.729/79, deverá esta última resolver seu prejuízo nas vias próprias.
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3.4 - Da Condenação sucumbencial da
Reconvenção.
Embora não acolhido o recurso da Lide
Reconvencional, mas uma vez mantida a decisão de improcedência da
reconvenção, o critério de fixação de sucumbência naquela lide não merece
modificação até porquanto a revelia da reconvinda limitou-se à peça de
contestação e houve regular instrução no processo inclusive quanto à
matéria da reconvenção, sendo devida a honorária tal qual fixada na
sentença recorrida.
4. Do Recurso da Apelante/Concessionária.
O autor recorreu do valor fixado na r. sentença
sustentando que “mister a cominação de todos os incisos do art. 24 a contemplar
a condenação, sob pena de subsistir desigual a posição das partes, pois a
indenização visa equilibrar uma situação que outrora se mostrou desalinhada,
tendo a recorrente experimentado o prejuízo pela perda do negócio e que
somente poderá ser reparado pelo provimento integral do pedido, sem exclusão
da verba prevista no inciso IV do art. 24, até porque está tarifada pelos valores
distribuídos a outros concessionários, como forma de equidade”.
O C. Superior Tribunal de Justiça, em caso análogo,
entendeu que: “Nos termos da Lei nº 6.729/79 (Lei Renato Ferrari), para a
resolução unilateral, a parte inocente que alegar descumprimento da lei, do
contrato ou de convenção deverá cercar-se de um amplo e contundente contexto
probatório para justificar a culpa da parte adversa, haja vista que as relações
reguladas pelo mencionado diploma envolvem valores expressivos, múltiplas
contratações, além de penalidades gradativas que devem ser obedecidas e
devidamente demonstradas” (STJ. REsp 1400779 / SP. Ministro Ricardo Villas
Boas Cueva. Terceira Turma. Julgado em 05/06/2014).
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Tenho que restou demonstrado que o incentivo à outra
concessionária e a exigência do estoque mínimo caracterizou desequilíbrio na
relação contratual entre a parte autora/concessionária e o fabricante/concedente,
o que deu causa ao término da relação jurídica das concessionárias da autora,
todavia, esse incentivo, no meu ver, em valor equivalente, não merece ser
indenizado à parte autora.
A r. sentença recorrida bem justificou o afastamento do
pedido indenizatório da quantia de R$ 650.000,00 para cada concessionária da
parte autora, pois tal(is) valor(eres) não são provenientes de direito contratual a
receber ou que se deixou de faturar no curso da atividade, não consistindo
prejuízo.
Além disso, não houve prova de efetivos outros prejuízos
que pudessem ser objeto de indenização na forma do inciso IV, do artigo 24 da
Lei 6.729/79.
4.1 - Por isso não merece acolhimento essa indenização
pleiteada.
4.2 - Quanto ao pleito indenizatório de dano moral, é
possível, encontra suporte jurídico no Direito Comum.
Entretanto, não houve demonstração que a causa de
fechamento das concessionárias da autora, em virtude das condutas da
fabricante/concedente deu causa a tal dano.
Embora essas sirvam de elementos de
descumprimento contratual, que inviabiliza a continuidade da relação jurídica,
com subsistência das reparações indenizatórias materiais, não serve por si
só de fundamento à configuração de dano de natureza moral.
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Ademais, não houve comprovação específica que esse
descumprimento contratual gerou alguma mácula à honra objetiva da
empresa autora.
Assim sendo, não procede tal pedido reparatório de
dano moral.
Diante do exposto, pelo meu voto, DEIXO DE
CONHECER o recurso de apelação da reconvenção interposto por Kawasaki
Motores do Brasil; DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da ré Kawasaki
Trading Ltda. para julgar improcedente a ação em relação à mesma; DOU
PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil para
excluir da condenação, o valor indenizatório de R$ 133.125,38 e, NEGO
PROVIMENTO ao recurso da Autora.
Pela sucumbência em face da parte ré Kawasaki
Trading Ltda., a parte autora pagará as custas e despesas que esta última
despendeu e honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00.
Em razão do acolhimento de parte do recurso da parte
ré Kawasaki Motores do Brasil, esta ficará responsável por 30% das custas e
despesas processuais da ação principal, fixando a honorária advocatícia do
patrono desta, a ser pago pela parte Autora em 10% sobre o valor de R$
133.125,38.
MARIA SALETE CORRÊA DIAS
RELATORA.