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TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2, TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO 0:
UMA VITÓRIA INCONTESTÁVEL?1
Marta Vieira da Cruz*
Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) nº 781/2013, P. n.º 916/13, de 20
de Novembro2
Anotação
I. Aquecimento.
O acórdão decidiu pela inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas
constantes dos n.os 1 e 2 do art. 8.º, conjugadas com as normas dos arts. 4.º e 5.º, todas da
Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6/9,
por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do art. 20.º da
Constituição da República Portuguesa (CRP), em articulação com o princípio da
proporcionalidade, e por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4
do art. 268.º da CRP.
Esta é a última decisão proferida na apreciação jurídico-constitucional de uma solução que
se tem revelado controversa. Com efeito, o decreto n.º 128/XII da Assembleia da República,
que cria o TAD, havia já sido sujeito a fiscalização preventiva da constitucionalidade, tendo-
se posto em causa, precisamente, a conformidade de algumas normas com o princípio da
igualdade, com o direito de acesso aos tribunais e o com princípio da tutela jurisdicional
efetiva. Dessa apreciação resultou o Acórdão (Ac.) n.º 230/2013 que decidiu pela
inconstitucionalidade dos preceitos colocados em crise.
A questão essencial é saber se é admissível a criação de um tribunal arbitral sem que esteja
garantido um regime de recursos das suas decisões para os tribunais estaduais, e qual a
abrangência que deverá ter esse regime de recursos.
Ao dispor sobre normas e atos administrativos, a “justiça desportiva” é também
administrativa.
1 Advertimos, desde já, o leitor de que o texto foi redigido em Fevereiro de 2014 e destinava-se a ser publicado no n.º 103 dos Cadernos de Justiça Administrativa, o que, por razões que desconhecemos, não chegou a suceder. Conhece agora a luz do dia, através do convite dirigido para que o mesmo fosse disponibilizado no Portal do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Desportivo disponibilizado pelo Comité Olímpico de Portugal. (*) Advogada e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A Autora agradece os comentários e sugestões pelo Professor Doutor José Manuel Meirim na revisão da presente anotação. 2 Publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 243, de 16 de dezembro de 2013. Ainda disponível, na íntegra, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
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Consagrar uma jurisdição plena ao TAD significa retirar da jurisdição dos tribunais
administrativos o controlo da legalidade sobre aquelas normas e atos. Resta saber, e é sobre
isso que versa a anotação, em que “quatro linhas”, entende o legislador, por um lado, e o
Tribunal Constitucional (TC), por outro, se joga a cognoscibilidade dos tribunais arbitrais
necessários de litígios em matéria administrativa.
II. Descrição do estado do recinto antes do jogo.
Faça-se uma súmula dos principais vetores jurídicos da “justiça desportiva” para que se
compreenda o contexto em que surge a Lei que cria o TAD. A preferência por instâncias de
jurisdição privativa resulta, desde logo, da influência vinda das instâncias desportivas
internacionais. No plano do futebol profissional, a UEFA (a nível europeu) e a FIFA (a nível
mundial) determinam grosso modo que as associações filiadas devem incluir nos seus
estatutos e regulamentos a proibição de recurso aos tribunais comuns e a obrigatoriedade
de recurso a tribunais arbitrais.
Por seu turno, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º
5/2007, de 16/1, refere no seu art. 18.º que, não obstante a regra ser a do recurso aos
tribunais administrativos para resolução de diferendos advindos de atos e omissões dos
órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, “os litígios relativos a questões
estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação,
dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição
estatutária ou regulamentar das associações desportivas” (n.º 5).
Também na Lei Antidopagem no Desporto (aprovada pela Lei n.º 38/2012, de 28/8),
encontramos indícios da tendência para a jurisdição privada no âmbito dos litígios
desportivos. Dispõe o art. 53.º que “a decisão de aplicação de coima, assim como o valor
fixado para a mesma, são passíveis de impugnação para o Tribunal Arbitral do Desporto”,
sendo igualmente recorríveis, nos mesmos termos, “as decisões dos órgãos disciplinares
federativos ou da Autoridade Antidopagem de Portugal” (3).
Importa assentar, pois, que o legislador pretende afastar a jurisdição dos tribunais comuns,
entregando-a aos tribunais administrativos (em virtude dos poderes públicos atribuídos a
algumas organizações desportivas) ou às próprias instâncias privadas, quer seja através de
conselhos de disciplina e justiça, quer seja através da obrigatoriedade de recurso à
arbitragem. Ora, foi perante este quadro, muito sumariamente exposto, que o Estado decidiu
intervir, abrindo caminho à criação de um TAD, que, como se afirma na exposição de motivos
da proposta de lei n.º 84/XII, se justifica “pela necessidade de o desporto possuir um
(3) Salvo, neste caso, quando se trate de violações cometidas por praticante desportivo de nível internacional
ou em eventos internacionais, que são recorríveis para o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne (art. 60.º,
n.os 1 e 3). Em norma transitória – n.º 3 do art. 77.º – dispõe-se que “até à criação e funcionamento do Tribunal
Arbitral do Desporto, a impugnação das decisões de aplicação de coima ou de sanção disciplinar é feita para
o tribunal administrativo competente”.
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mecanismo alternativo de resolução de litígios que se coadune com as suas especificidades
de justiça célere e especializada” (4).
O TAD foi pois idealizado, como alternativa ao sistema vigente, para apreciar litígios
submetidos, por lei, a arbitragem necessária (5) e litígios submetidos, pelas partes, a
arbitragem voluntária (6).
A Lei que cria o TAD não é a primeira iniciativa do legislador em atribuir a árbitros o poder
de decidir litígios em matéria administrativa, obrigatoriamente, em primeira instância. A Lei
n.º 168/99, de 18/9, na parte em que regula o processo de expropriação por utilidade pública,
estabelece no art. 38.º que “na falta de acordo sobre o valor da indemnização, é este fixado
por arbitragem, com recurso para os tribunais comuns”. Já a Lei n.º 62/2011, de 12/12,
sujeita a arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de
propriedade industrial relacionados com medicamentos, cujo objeto da ação implica a
apreciação de um ato administrativo de aprovação do medicamento por parte do
INFARMED, autoridade pública que regula o setor farmacêutico em Portugal (7).
A discussão em torno da admissibilidade, em geral, da arbitragem necessária está, pois, na
ordem do dia (8). Discute-se se é admissível que certo tipo de litígios seja entregue a uma
jurisdição privada e se é admissível que a decisão proferida no âmbito dessa jurisdição não
seja nunca apreciada ou colocada em causa nos tribunais estaduais.
Mas, ao contrário das demais arbitragens necessárias vigentes, em que é salvaguardada a
recorribilidade para um tribunal estadual, o decreto inicial da Assembleia da República sobre
o TAD não contemplava qualquer recurso ordinário para tribunais estaduais para passar,
num segundo momento, na Lei n.º 74/2013, a prever um recurso excecional para o Supremo
Tribunal Administrativo (STA). Ora, se muitas têm sido as críticas ao legislador por retirar a
(4) O processo legislativo, aparte a mencionada proposta de lei, contou ainda com o projeto de lei n.º 236/XII/1.ª,
da autoria do Partido Socialista, que radicava a criação do TAD nesses mesmos pressupostos.
(5) Emergentes de atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no
âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina, bem
como para conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações
desportivas ou pela Autoridade Antidopagem de Portugal em matéria de violação das normas antidopagem
(arts. 4.º e 5.º).
(6) Tendo como objeto os litígios que, sendo suscetíveis de decisão arbitral nos termos da lei da arbitragem
voluntária, não estejam abrangidos pela arbitragem necessária e se relacionem direta ou indiretamente com a
prática do desporto, incluindo os litígios emergentes de contratos de trabalho desportivo (art. 6.º).
(7) Ainda no âmbito da arbitragem necessária, é importante referir também o DL n.º 259/2009, de 25/9, que
regulamenta a arbitragem obrigatória e a arbitragem necessária, bem como a arbitragem sobre serviços
mínimos durante a greve, e a Lei n.º 23/96, de 26/7, que no art. 15.º refere a sujeição dos litígios a arbitragem
necessária. Fora do campo da arbitragem necessária, mas ainda dentro do campo da arbitragem em matéria
administrativa, merece destaque o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, que confere competência aos tribunais
arbitrais para apreciação de atos de natureza tributária.
(8) A título de exemplo, referimo-nos à Lei n.º 62/2011, a que já fizemos referência, e aos vários pareceres que
sobre a mesma têm sido elaborados. Vide PAULO OTERO, Parecer, 1 de junho de 2012, (polic.), DÁRIO MOURA
VICENTE, “O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (Lei n.º 62/2011)”, Revista da
Ordem dos Advogados – ROA, 2012 (ano 72), n.º 4, e GOMES CANOTILHO, Parecer, 15 de março de 2012
(polic.).
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primeira apreciação de certos litígios da jurisdição administrativa, adivinhava-se que a
apreciação do Tribunal Constitucional a esta lei não poderia ser pacífica. Os jogadores
sabiam, ou não podiam ignorar, portanto, que iam entrar em terreno perigoso.
III. O Tribunal Constitucional ganha vantagem.
Ao suscitar a fiscalização preventiva do decreto n.º 128/XII, o Presidente da República coloca
em causa a irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões proferidas pelo TAD
no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária, questionando se essa solução viola o
princípio da igualdade, o direito de acesso aos tribunais e o direito de acesso a uma tutela
jurisdicional efetiva (9).
Em suma, o Tribunal Constitucional, neste primeiro acórdão sobre a matéria sub judice,
assenta a decisão na prévia discussão, essencialmente, de três tópicos: (i) o direito de
acesso aos tribunais é garantido pelo acesso a tribunais arbitrais? (ii) será admissível que a
resolução de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas fique sujeita,
necessária e exclusivamente, a mecanismos de jurisdição arbitral? (iii) será admissível, à luz
do princípio da necessidade, que a prossecução dos objetivos da lei, para além da
submissão imediata dos litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo a um
tribunal arbitral, justifique também a própria exclusão do recurso para um tribunal estadual?
No que se refere à questão (i), o Ac. n.º 230/2013 começa por analisar o art. 20.º, n.º 1, da
CRP, em conjugação com o art. 209.º, n.os 1 e 2, no sentido de saber se na previsão do
artigo se incluem os tribunais arbitrais (10), numa primeira linha, e, dentro destes, os tribunais
arbitrais necessários (11), “visto que estes implicam que os litigantes fiquem impedidos de
recorrer diretamente aos tribunais ordinários que seriam competentes, podendo, por isso,
pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais, mas também o princípio da
igualdade”. O Tribunal relaciona a questão com a possibilidade de recurso para os tribunais
estaduais, deixando antever, portanto, que, no caso da arbitragem necessária, o direito de
acesso aos tribunais só estará assegurado se não estiver vedado o acesso aos tribunais
estaduais (12). No caso da arbitragem voluntária, porém, por estar em causa a renúncia
expressa das partes à jurisdição estadual, o direito de acesso aos tribunais não sai beliscado
(9) Recorde-se que, nesta primeira versão, não estava previsto qualquer recurso das decisões arbitrais para os
tribunais comuns, consagrando-se apenas o recurso para o Tribunal Constitucional, a impugnação das
decisões nos termos da Lei da Arbitragem Voluntária e o recurso para uma câmara interna de recurso de
algumas decisões.
(10) Vide, a este propósito, o Ac. do TC n.º 230/86 publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 210, de
12/9/1986.
(11) Sobre o tema, e especificamente acerca do Tribunal Arbitral do Desporto, vide RUI MEDEIROS, Arbitragem
Necessária e Constituição, 4/11/2013, disponível em http://www.servulo.com/pub_artigos.phpm.
(12) O Tribunal admite, porém, que “o direito de acesso aos tribunais seja assegurado apenas em via de recurso,
permitindo-se que num momento inicial o litígio possa ser resolvido por intervenção de outros poderes, caso
em que se poderá falar numa reserva relativa de jurisdição ou reserva de tribunal”, expressão que, aliás, viria
a merecer a discordância do Conselheiro Pedro Machete de acordo com o seu voto de vencido.
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(13). Acaba por concluir que a irrecorribilidade das decisões viola o direito de acesso aos
tribunais.
Quanto à questão enunciada em (ii), o Tribunal vem pronunciar-se sobre a admissibilidade
de submeter a tribunal arbitral litígios cujo objeto é um ato administrativo, adiantando que
“Não é aceitável, num primeiro relance, que o Estado delegue poderes de autoridade numa
entidade privada (...) e simultaneamente renuncie também a qualquer controlo jurisdicional
de mérito, através de tribunais estaduais, quanto às decisões administrativas que sejam
praticadas no quadro jurídico dessa delegação de competências. Em tese geral, a exigência
de previsão de um meio de recurso para um tribunal estadual, no quadro da arbitragem
necessária, torna-se mais evidente, no plano jurídico-constitucional, quando não estão em
causa meras relações de direito privado, nem meras relações jurídicas administrativas em
que as partes se encontrem em situação de paridade, mas antes relações jurídicas que
decorrem do exercício de poderes de autoridade”. Isto significa que, na opinião do Tribunal
Constitucional, é perfeitamente admissível submeter a um tribunal arbitral um litígio
respeitante à legalidade de ato administrativo, sendo, contudo, necessário que dessa
decisão se assegure, no plano legislativo, a possibilidade de recurso para os tribunais
estaduais.
Relativamente à questão (iii), os juízes do Palácio Ratton entenderam ser “questionável, à
luz do princípio da necessidade (...) que a prossecução desse objetivo, para além da
submissão imediata dos litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo a um
tribunal arbitral, justifique também a própria exclusão do recurso para um tribunal estadual,
tendo em consideração que a justiça desportiva contempla tradicionalmente o caso julgado
desportivo (...)”, referindo ainda que “a solução mostra-se também excessiva e desrazoável
quando é certo que o interesse de celeridade, uniformidade e eficiência que se pretende
assegurar tem a desvantajosa consequência de limitar o direito de acesso aos tribunais
estaduais (...)”. O Tribunal considera que, sendo o recurso para o Tribunal Constitucional
restrito a questões de constitucionalidade e tendo a impugnação da decisão arbitral efeitos
limitados, não está devidamente assegurado o direito de acesso aos tribunais.
Em suma, o Tribunal, no Ac. n.º 230/2013, pronuncia-se pela inconstitucionalidade material,
em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, da norma constante da 2.ª parte
do n.º 1 do art. 8.º, conjugada com as normas dos arts. 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto
n.º 128/XII, por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no n.º 1 do art. 20.º
da CRP e por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4 do art.
268.º da CRP. Deixa de fora, porém, a apreciação da violação do princípio da igualdade,
arguida pelo requerente (14).
(13) Referindo o seguinte: “o Tribunal Constitucional tem extraído do expresso reconhecimento constitucional
da possibilidade de existirem tribunais arbitrais o entendimento de que, não só os cidadãos podem, no exercício
da sua autonomia de vontade, constituir tribunais arbitrais para resolução de determinados litígios, como o
próprio legislador pode criá-los para o julgamento de determinada categoria de litígios, impondo aos cidadãos
neles implicados o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos”.
(14) Vale a pena consultar, neste acórdão, as declarações de voto do Juiz Conselheiro Pedro Machete e da
Juiz Conselheira Maria João Antunes. Enquanto o primeiro, ao acompanhar a decisão, esclarece que, em sua
opinião, nos casos de arbitragem voluntária não tem de estar garantido o acesso aos tribunais estaduais em
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IV. O essencial do que se encontrava em disputa no segundo golo do Tribunal
Constitucional.
O Parlamento veio a reformular os n.os 1 e 2 do art. 8.º do Anexo da Lei n.º 74/2013,
publicando-a, sem contudo introduzir um mecanismo de recurso ordinário para os tribunais
estaduais.
A estratégia assumida para a segunda parte da partida consistiu essencialmente no
seguinte: para além do recurso para a câmara de recurso do TAD, para o Tribunal
Constitucional e a normal ação de impugnação ou anulação da decisão arbitral, tentou o
Parlamento inverter o resultado introduzindo a possibilidade de interpor recurso de revista
para o STA (15).
De novo o Presidente da República questiona o Tribunal Constitucional acerca da
constitucionalidade das alterações introduzidas, ou melhor, se as alterações introduzidas
seriam suficientes para expurgar a inconstitucionalidade de que padecia o anterior decreto.
Em concreto, é colocada aos juízes a questão de saber se “o recurso das decisões do
Tribunal Arbitral do Desporto para os tribunais do Estado com a excecionalidade do previsto
no quadro da arbitragem necessária se mostra conforme com o direito de acesso aos
tribunais e com o princípio da tutela jurisdicional efetiva” (16).
O recurso de revista para o STA tem caráter excecional. De acordo com o art. 150.º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a revista será admitida quando
“esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social,
se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente
necessária para uma melhor aplicação do direito”, sendo certo que nos termos do n.º 2
daquele artigo “a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou
processual” (17).
Assim, decorria do novo paradigma legal sujeito a apreciação do Tribunal Constitucional que
não seria possibilitado ao particular o acesso ao tribunal estadual, a não ser em casos
excecionais, quando se trate de uma decisão relativa a infrações disciplinares ou a sua
pretensão possua a exigida relevância jurídica ou social.
sede de recurso, já a segunda entende que o direito de acesso aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional
efetiva não são afetados pela existência de uma instância de recurso que se situe ainda dentro dos tribunais
arbitrais.
(15) Foram também alterados outros artigos que não haviam sido objeto da decisão de inconstitucionalidade
(concretamente, os arts. 28.º, 31.º e 41.º) e que tinham essencialmente que ver com as questões de estrutura
do Tribunal, nomeação de árbitros e com as providências cautelares que, pese embora não tenham sido
fundamento para a declaração de inconstitucionalidade, teriam contribuído, pelo menos em alguma medida,
para a apreensão dos juízes a todo o diploma.
(16) Para o Presidente da República, em face da jurisprudência fixada no Ac. do TC n.º 230/2013, «a norma em
apreciação, quer pelas limitações impostas aos recursos para a câmara de recurso, quer pela excecionalidade
do recurso de revista, suscita fundadas dúvidas sobre a abrangência da recorribilidade das decisões arbitrais,
em particular no que respeita à exigência de um “mecanismo de reexame perante um órgão judicial do Estado”,
o que pode comprometer a sua conformidade com os aludidos direitos e princípios constitucionais».
(17) Para o qual remete o art. 8.º, n.º 2, da Lei que aprova o TAD.
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V. Most Valuable Player – O argumento da violação do direito de acesso aos tribunais
por violação do princípio da proporcionalidade.
O Tribunal Constitucional funda a sua decisão de inconstitucionalidade, essencialmente em
três argumentos, ligados ao direito de acesso aos tribunais previsto no art. 20.º, n.º 1, da
CRP, a saber: (i) as limitações impostas quanto às decisões recorríveis e a excecionalidade
dos requisitos de admissão do recurso de revista; (ii) os limitados poderes de cognição do
tribunal de revista; (iii) a insuficiência, à luz do princípio da proporcionalidade, da introdução
deste tipo de recurso. Foquemos a nossa atenção neste último argumento, que é, quanto a
nós, o mais relevante dos três e, por isso, o nosso Most Valuable Player.
A questão da irrecorribilidade das decisões arbitrais, tal como enunciada pelo Tribunal por
ocasião da prolação do Acórdão n.º 230/2013, colocava-se nos seguintes termos: o direito
de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado, implica a necessidade de
assegurar uma instância de recurso das decisões arbitrais para os tribunais estaduais?
Diremos que face a esta reformulação, sobre a qual incide este acórdão, a questão coloca-
se de outra perspetiva: o recurso de revista para o STA é suficiente para que seja
assegurado o direito de acesso aos tribunais?
Se atentarmos bem, face à redação da Lei, o particular que se veja perante um litígio
desportivo que caiba no âmbito dos arts. 4.º e 5.º da Lei do TAD, para além de ter
obrigatoriamente de recorrer a um tribunal arbitral (18), com custos ainda indeterminados,
apenas poderá recorrer para a câmara de recurso, para o STA ou para o Tribunal
Constitucional. No entanto, o âmbito destes três recursos é, de per si, muito restrito.
Vejamos: o recurso para a câmara de recurso apenas é admissível perante decisões arbitrais
que sancionem infrações disciplinares, ou quando haja oposição de julgados; o recurso para
o STA apenas é admissível quando estejam preenchidos os requisitos previstos no art. 150.º
do CPTA; o recurso para o Tribunal Constitucional apenas é admitido quando esteja em
causa a aplicação de alguma norma ou alguma interpretação da mesma que se julgue ser
inconstitucional. Fica, portanto, de fora, tout court, a possibilidade de qualquer tipo de
recurso de todas as decisões não referentes a infrações disciplinares que estejam em
oposição com outra decisão anterior, não sejam relevantes do ponto de vista jurídico ou
social ou não levantem questões de constitucionalidade – e estes critérios não são sequer
cumulativos. Como será fácil de ver, o universo de decisões recorríveis –
independentemente para que instância – é, desde logo, muito restrito. Ademais, a grande
maioria dos litígios submetidos à apreciação do TAD, verificar-se-á, apenas poderão estar
sujeitos a uma única instância – a dos árbitros.
Acresce que a revista para o Supremo apenas é admissível após decisão da câmara de
recurso, o que significa que para se poder aceder à pequena brecha concedida pelo
legislador no acesso aos tribunais estaduais terá de estar em causa uma das situações do
art. 8.º, n.º 1, que seja relevante do ponto de vista jurídico ou social. Por outras palavras,
para poder competir, o particular tem de jogar sempre os play off.
(18) Em que, desde logo, se vê limitado na escolha do árbitro, uma vez que o mesmo tem de ser nomeado de
uma lista predefinida de árbitros, conforme se prevê naquela Lei.
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Ora, isto significa que, em concreto, o particular terá de ser “bafejado pela sorte” de a sua
questão ser, ao mesmo tempo, do seu interesse e do interesse da comunidade jurídica para
poder aceder à jurisdição administrativa. Conforme refere a este propósito o acórdão em
apreço, “assim, se no âmbito do contencioso administrativo se pode justificar a previsão de
um recurso com pendor objetivo, por se tratar de um segundo grau de recurso jurisdicional,
já no âmbito da jurisdição arbitral do TAD a previsão de um (único) recurso aos tribunais do
Estado, que não visa, à partida, a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares, viola o direito fundamental de acesso aos tribunais, pois este visa tutelar, entre
o mais, posições jurídicas subjetivas, a título individual, as quais não podem ser deixadas
sem proteção por não serem social ou juridicamente relevantes”.
Sublinhe-se que ainda que ao particular saia a sorte grande neste jogo, os casos de
admissão do recurso de revista pelo STA são muito diminutos. Conforme afirmam MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, “atenta a excecionalidade deste recurso, o STA não
tem vindo a admitir a revista, por entender não estarem em causa questões de importância
fundamental, em relação à esmagadora maioria dos recursos que lhe têm sido dirigidos”,
dando exemplos concretos de tal situação (19), o que é, aliás, do conhecimento comum.
Assim, pese embora já não se possa considerar, face à reformulação da lei, que haja uma
jurisdição plena do TAD, a verdade é que as alterações introduzidas também não permitem
afirmar que haja uma jurisdição relativa.
Com efeito, as condições materiais cumulativas de admissibilidade das restrições a direitos
fundamentais (como é o direito de acesso aos tribunais) são as seguintes: a admissão
expressa e/ou imposta pela própria Constituição da restrição em causa (20); a necessidade
de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido; a adequação,
necessidade e eficácia da restrição para salvaguarda desse outro direito ou interesse; a não
intromissão no conteúdo essencial do preceito restringido.
É a aplicação destes critérios de aferição da medida da restrição imposta (maxime do
princípio da proporcionalidade) que permite desequilibrar os pratos da balança a favor ou a
desfavor da constitucionalidade de uma norma. Conforme habilmente refere JORGE MIRANDA
(21), ao dar tratamento ao princípio da proporcionalidade, “A ideia de proporcionalidade é
conatural às relações entre as pessoas: a reacção deve ser proporcional à acção. E é, por
conseguinte, conatural ao Direito: o Direito é proporção”.
Ao analisar a proporcionalidade da atuação do legislador face aos parâmetros preconizados
na Constituição há que atender a dois momentos: por um lado, aferir de que forma essa
norma restringe direitos, liberdades e garantias (22); por outro, enquanto princípio norteador
(19) Cf. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2010, 3.ª ed., revista, pp.
995 e segs.
(20) Embora seja também admissível a existência de restrições implícitas. Cf., neste sentido, JORGE REIS
NOVAIS, As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra
Editora, 2003.
(21) Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra Editora, 2008, 4.ª ed., p. 279.
(22) JORGE MIRANDA oferece vários exemplos de manifestação do princípio da proporcionalidade em Manual de
Direito Constitucional, cit., p. 282.
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da atuação do Tribunal Constitucional, ao julgar da inconstitucionalidade de determinada
norma, por observância de um equilíbrio razoável entre os interesses em causa (23).
Admitindo que a criação, pelo legislador, de tribunais arbitrais necessários é
constitucionalmente conforme (24), por via do art. 209.º, n.º 2, da Constituição, resta analisar
se é justificável negar a possibilidade de recurso.
Os interesses em causa, preponderantes para o legislador, são a celeridade e a eficiência
processual aliadas às especificidades da justiça desportiva. Admitindo que a interpretação
do art. 20.º, n.º 1, da Constituição implica, pelo menos em parte, que o direito de acesso aos
tribunais apenas é cabalmente garantido caso haja intervenção de tribunal estadual, ainda
que por via de recurso, esse interesse manifestado pelo legislador justificaria a restrição do
direito de acesso aos tribunais, num primeiro momento, em toda a linha, e, num segundo
momento, com a introdução de um recurso excecional para um tribunal estadual.
Ora, o princípio da proporcionalidade, como bem sabemos, decompõe-se em três vertentes:
a da idoneidade ou adequação (25), a da necessidade (26) e a da racionalidade ou
proporcionalidade stricto sensu (27). Estas três vertentes, em conjunto, permitem aferir da
funcionalidade teleológica da norma (28), neste caso, das normas que dispõem sobre a
recorribilidade das decisões arbitrais no âmbito deste Tribunal.
Em primeiro lugar, cumpre referir que os tribunais arbitrais não fazem parte do sistema
jurisdicional português. Com efeito, apesar de serem muitas as semelhanças que aproximam
os tribunais arbitrais aos tribunais judiciais, e apesar de desempenharem uma função
jurisdicional, a verdade é que, pelas suas características intrínsecas, não podem,
obviamente, ser considerados “Tribunais do Estado”. Isto porque, desde logo, os tribunais
arbitrais não representam o Estado, nem qualquer órgão de soberania, nem têm, em regra,
caráter permanente ou duradouro. Por outro lado, o estatuto do árbitro e a constituição do
tribunal arbitral obedecem a regras e princípios diferentes dos que são aplicáveis aos
tribunais judiciais. De semelhante têm, porém, que ambos emanam decisões que têm a
mesma força executiva e a mesma força vinculativa entre ou para as partes. Neste sentido,
os tribunais arbitrais, face à Constituição, têm a mesma força vinculativa dos tribunais
estaduais. Conforme apontam JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS (29), «esta subordinação dos
tribunais arbitrais ao regime dos tribunais judiciais resulta em uma verdadeira assimilação
material entre os tribunais arbitrais e os tribunais judiciais, num verdadeiro “exercício privado
da função jurisdicional”».
(23) JORGE MIRANDA refere que o respeito pelo princípio da proporcionalidade assume maior relevância na
função legislativa do Estado, citando o Ac. do TC n.º 187/2001, para o qual remetemos (cf. Manual de Direito
Constitucional, cit., pp. 283 e 284).
(24) Veja-se, neste sentido, RUI MEDEIROS, Arbitragem Necessária e Constituição, loc. cit., pp. 13 e segs.
(25) Significando a existência de um meio adequado à prossecução do fim a que a norma se destina.
(26) Esta vertente traduz-se na exigência de que o meio adotado seja, entre os demais que poderiam ter sido
escolhidos, aquele que melhor satisfaz, em concreto, a realização do fim.
(27) O subprincípio da racionalidade significa que a opção tomada com vista à realização do fim não fique além
ou aquém do que importa para alcançar o resultado devido.
(28) Cf. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, cit., p. 285.
(29) Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2010, 3.ª ed., p. 117.
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Parece correto afirmar, porém, que dentro do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela
jurisdicional efetiva se pode encontrar o direito de poder reagir contra uma decisão judicial
(30). Por essa razão, em nossa opinião, não é legítimo, ao legislador, mesmo quanto aos
tribunais do Estado, restringir em absoluto este direito, nesta vertente.
Por maioria de razão, não poderá fazê-lo ao impor um tribunal privado. E essa restrição
traduzir-se-á pela diminuição tal das possibilidades de reagir contra uma decisão perante
outra instância ao ponto de serem menos os casos em que pode reagir do que aqueles em
que não pode.
Independentemente da questão de haver recurso para um tribunal estadual, a questão é:
será que a lei que aprova o TAD, neste caso, sequer garante um real direito ao recurso?
Como vimos, mesmo as possibilidades de recurso para a câmara de recurso interna do TAD
são muito diminutas, pelo que, logo por aqui, se poderiam ter levantado questões de
constitucionalidade (31). Mas o Tribunal, neste acórdão, foi mais longe e expendeu o seu
entendimento de que o recurso terá de ser garantido, mas para tribunais do Estado (o que,
aliás, já havia feito no Ac. n.º 230/2013).
Quando se trata de arbitragem imposta por lei, não tratamos do domínio clássico da
arbitragem. Se é certo que na origem dos tribunais arbitrais necessários está um ato
publicístico (32), não deixa de ser verdade também que, após a sua criação, o Estado
abandona totalmente o seu controlo, pelo menos imediato. No fundo, trata-se de um contrato
privado que é celebrado pelo Estado em nome de todos os cidadãos. A arbitragem
necessária implica uma renúncia do Estado em apreciar em primeira instância certo tipo de
questões, mas terá de ser o Estado, em última análise, a garantir o respeito pela Constituição
e pelo bloco de legalidade. E para tal, a impugnação ou anulação da decisão arbitral revela-
se insuficiente, bem como, pelas razões apontadas, o recurso excecional para o STA e para
o Tribunal Constitucional.
Mais; o legislador, ao atribuir a uma jurisdição privada a apreciação de litígios referentes a
atos ou regulamentos administrativos (emitidos por entidades que prosseguem poderes
públicos), sem que haja recurso ordinário para tribunais comuns (33), poderá colocar em
(30) Tal afirmação não é, contudo, pacífica – vide GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República
Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 418, e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição
Portuguesa Anotada, cit., pp. 200 a 202.
(31) Por esta via, julgamos ter ficado aquém o voto de vencida da Conselheira Maria João Antunes no Ac. n.º
230/2013, que refere que o direito de acesso aos tribunais não é garantido apenas pelos tribunais estaduais
olvidando a dimensão de possibilidade de recurso mesmo dentro da instância arbitral que se revela débil.
(32) Cfr. o voto de vencida da Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros a este acórdão que entende ser
suficiente o recurso de revista para o STA para assegurar o cumprimento do direito de acesso aos tribunais.
Também o voto de vencida da Conselheira Maria João Antunes ao Ac. n.º 230/2013 refere que “o TAD não é
um tribunal estadual, mas porque surge em virtude de um ato legislativo e não como resultado de um negócio
jurídico privado de direito privado, é irrecusável o seu caráter tipicamente publicístico (...) e a marca da criação
estadual” pelo que seria admissível a não previsão de recurso das suas decisões. Permitam-nos apenas a nota
de que esta argumentação levaria ao entendimento de que, por resultar de um negócio jurídico privado, de
direito privado, a arbitragem voluntária deveria sempre admitir recurso...
(33) A questão da arbitragem administrativa e recorribilidade das decisões proferidas foi tratada recentemente
por PEDRO COSTA GONÇALVES em “Administração Pública e Arbitragem – em especial, o princípio legal da
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causa o princípio da separação de poderes. Afinal, como é possível assegurar, perante um
tribunal arbitral necessário assim configurado, que está garantida a elementar separação
entre função administrativa e função jurisdicional?
Não vamos tão longe quanto afirmar que a existência de arbitragem necessária (seja ela
qual for e de que maneira for), ainda para mais em matéria administrativa, é, ela própria,
inconstitucional. Porém, parece legítima a apreensão que suscita a entrega de uma função
que exprime a soberania de um Estado nas mãos de privados, ficando este com a função
de apreciar apenas as questões mais “importantes” por via do recurso de constitucionalidade
ou de revista.
Também não procedem, quanto a nós, argumentos ligados às inúmeras especificidades do
direito desportivo, fundamento de tantas exceções legais consagradas um pouco por todos
os ramos do direito, como, por exemplo, no direito laboral e fiscal (34), e que justificariam
esta restrição ao direito de acesso aos tribunais. Pese embora se reconheça a proliferação
de um sistema de leis e normas muito próprias pertencentes ao universo do direito
desportivo, tal não pode justificar que a justiça, para esses casos, passe a ser totalmente
privada. Este tipo de situações deve fundamentar a criação, pelo Estado, de tribunais
especializados (como acontece já, em Portugal, por exemplo, com o Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão ou com o Tribunal de competência especializada
para propriedade intelectual) e até com a imposição de tribunais arbitrais necessários em
primeira instância, mas não para vedar totalmente o acesso aos tribunais estaduais (35).
VI. Período de compensação.
Por todas as razões enunciadas, entende-se que andou bem o Tribunal Constitucional ao
declarar inconstitucionais as normas que, prevendo o recurso da decisão arbitral para o
tribunal estadual, o faziam de forma demasiadamente restritiva. A arbitragem necessária é
a manifestação de uma intenção do legislador em retirar da esfera do Estado a apreciação
de determinado tipo de litígios, pelo menos em primeira instância. Por esta razão, a sua
criação terá de ser, naturalmente, cautelosa. Diga-se, porém, que os argumentos
expendidos pelo Tribunal Constitucional não obstam à entrada em campo do TAD nem
sequer impossibilitam a adoção de arbitragem necessária para resolução dos litígios em
matéria desportiva. Todavia, terá de ser configurado, se essa for a intenção do legislador,
um sistema de recursos que não comprometa, por um lado, os objetivos traçados e que
estão intimamente ligados ao universo peculiar da lex sportiva, mas que, por outro lado, não
irrecorribilidade de sentenças arbitrais”, Estudos em Homenagem a António Barbosa de Melo, Almedina, 2013,
pp. 777 a 801.
(34) E que, não raras vezes, acabam por espelhar o tratamento mais favorável – e por isso discriminatório –
que se pretende fundamentar com a especificidade do universo jurídico ligado ao desporto e aos desportistas.
(35) Em sentido contrário, RUI MEDEIROS, Arbitragem Necessária e Constituição, loc. cit., pp. 28 e segs., refere
que as características próprias da lex sportiva justificavam uma “relativização do papel da jurisdição estadual”
e que a sujeição da lei que aprova o TAD, na sua redação original, ao crivo do Tribunal Constitucional em sede
de fiscalização preventiva da constitucionalidade bastaria para que se considere assegurado o respeito pelo
bloco de constitucionalidade, ainda que tal solução passasse pela irrecorribilidade das decisões.
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conflitue com o direito de acesso aos tribunais, na sua vertente de garantia efetiva de
recorribilidade das decisões. O treinador, isto é, o legislador vai ter de mudar a sua estratégia
mais uma vez, meter dois avançados, surpreender o adversário, jogar com guarda-redes
avançado, atacar pelos flancos, para não sofrer mais nenhum golo. Arriscamo-nos mesmo
a dizer que, caso sofra outro golo, o TAD será, aí sim, definitivamente derrotado sem apelo
nem agravo, e muito menos revista.