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TRATADO DE DIREITO PRIVADO
PARTE ESPECIAL
TOMO XLIV
Direito das Obrigações: Expedição. Contrato Jagência. Representação de empresa. Fiança. Mandato de
credito. Constituição de renda. Promessa de dívida. Reconhecimento de dívida. Comunidade. Edição.
Representação teatral, musical e de cinema.
Empreitada.
CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
§ 4.756.Conceito de contrato de expedição. 1. Precisões. 2. Conceito do contrato de expedição.. 3, Interexpedição
e subexpedição.
§ 4.757.Natureza do contrato de expedição. 1. Expedição, mandato e comissão. 2. Comercialidade do contrato de
expedição. 3. Apagamento da figura do expedidor. 4. Remetentes coletivos. 5. Figuras parecidas
§ 4.758.Pressupostos do contrato de expedição. 1. Pressupostos subjetivos. 2. Pressupostos objetivos. 3. Objeto
que se há de transportar. 4. Direito espacialmente incidente
cAPITULO 11
EFICÁCIA E EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
§ 4.759.Deveres do expedidor. 1. Dever de expedir. 2. Contrato do expedidor consigo mesmo. 3. Dever de
segurar. ~. Despesas . 5. Responsabilidade do expedidor. 6. Faltas do transportador e do interexpedidor. 7.
Responsabilidade do expedidor perante a transportador e o interexpedidor. 8. Deveres do remetente.
9.Direito de retenção
§ 4.760.Eficácia do contrato de expedição e eficácia do contrato de transporte. 1. Entre expedidor e cliente. 2.
Eficácia contratual entre o expedidor e o transportador. 2. Responsabilidade extracontratual entre transportador e
cliente do expedidor. .. § 4.761.Extinção do contrato de expedição. 1. Princípios gerais. 2. Denúncia. 3. Falência e outros concursos de
credores . 4. Prazo resolutivo e condição resolutiva
TITULO XXX VII
CONTRATO DE AGENCIA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA t)O CONT~ATO DE AGÊNCIA
§ 4,762.Conceito de agência e do contrato de agência. 1. Conceito. 2.Agentes em sentido diferente do contrato de
agência.
§ 4.763.Natureza do contrato de agência. 1. Contrato de agência e agentes. 2. Independência. 3. Localização. 4.
Duração da atividade para alguém.
§ 4.764.Espécies de agência. 1. Importância do exame das espécies. 2. Agente de seguros. 8. Agentes de
navegação. 4. Agente bancário. 5. Agente agrícola e pecuário. 6. Agentes de bilhetes. 7. Agência de patentes de
invenção. 8. Agente teatral e outros agentes. 9. Subagência
§ 4.765.Comercialidade e não-comercialidade ~ atividade do agente. 1.Precisões. 2. Espécies. 8. Perda da
qualidade de comerciante. 4. Determinação do contrate
§ 4.766.Contrato do agência e figuras afine. 1. A) Agente, figurante de contrato de agência, B) representante e C)
agente de empresa. 2. Filial, sucursal e agência, e figurantes de contrato de agência. 3. Mandate, locação e
agência. 4. Agência e mediação. 5. Contrate de agência e agência de negócios. 6. Correspondentes e contrato de
agência. 7. Agência internacional para a energia atômica. 8. Precisões finais
§ 4.767.Pressupostos do contrato do agência. 1. Capacidade. 2. Objete e tempo
CAPITULO II
EFICÁCIA DO CONTRATO DE AGÊNCIA
§ 4.768.Momento da ir-radiação de efeitos. 1. Vinculação. 2. Momento da retribuição. 8. Negócio jurídico dos
agentes com a empresa agenciada
§ 4.769. Deveres do agente. 1. Dever de ater-se à vinculação estrita. 2.Dever de informação. 3. Dever de
não-concorrência. 4. Atos dirigidos ao agente e atos do agente fora do agenciamento.
§ 4.770.Deveres do agenciado. 1. Dever principal. 2. Dever de prestar informes, amostras e quaisquer dados ou
meios indispensáveis à atividade do agente. 3. Retribuição
§ 4.771.Direitos irradiados do contrato de agência. 1. Direito de exclusividade. 2. Pré-eliminação da
exclusividade
CAPITULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE AGÊNCIA
4.772.
4.778. Causas de extinção. 1. Generalidades. 2. Questões de competência para as ações
Análise das espécies. 1. Prazo e condição resolutiva. 2. Denúncia cheia e denúncia vazia. 3. Resolução e resilição
do contrato de agência. 4. Morte do agente e morte do agenciado. 5. Dever de avise
TITULO XXXVIII
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.774.Conceito e natureza. 1. Conceito. 2. Natureza do contrato de representação de empresa. 8. Poderes do
representante de empresa. 4. Espécies de representantes de empresa. 5. Representantes de empresas estrangeiras.
6. Dados históricos
§ 4.775. Contrato de representação de empresa e outros contratos.1.Contrato de representação de empresa e
contrato de agência. 2. Outras figuras
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.776.Pressupostos e eficácia. 1. Pressupostos. 2. Quem pode ser representante de empresa. 8. Forma dos
negócios jurídicos concluídos. 4. Cláusulas de exclusividade e pactos de exclusividade. e 5. Cláusula de
não-concorrência após a extinção do contrato de representação de empresa. 6. Execução dos negócios jurídicos
concluídos
§ 4.777.Deveres do representante de empresa. 1. Dever de procurar concluir e de concluir os negócios jurídicos.
2. Dever de informação. 3. Dever de não-concorrência e de evitar concorrência. 4.Amostras, prospectos,
catálogos e outras peças. 5. Negócios jurídicos em que o representante de empresa é figurante.
6.Ações do terceiro. 7. Vícios do objeto e vícios de direito.
§ 4.778. Deveres da empresa representada. 1. Retribuição. 2. Responsabilidade da empresa representada
CAPITULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO
§ 4.779.Causas de extinção. 1. Têrmo resolutivo e condição resolutiva. 2.Morte ou incapacidade da pessoa física
representante de empresa. 3. Extinção da pessoa jurídica e mudança de sócios. 4.Suspensão da atividade do
representante de empresa. 5. Alienação da empresa que representa outra empresa. 6. Morte ou incapacidade da
pessoa física representada. 7. Denúncia vazia e denúncia cheia
§ 4.780.Transferência, falência e extinção da empresa . 1. Transferência de empresa. 2. Falência e outros
concursos de credores. 3.Extinção da empresa representada e extinção da empresa representante
TITULO XXXIX
FIANÇA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DA FIANÇA
§ 4.781.Conceito de contrato de fiança. 1. Conceito. 2. Função da fiança. 3. Dever e ônus de afiançar. 4. Divida
afiançada. 5. Objeto da dívida fidejussória
§ 4.782.Dados históricos. 1. Direito babilônico e direito assírio. 2. Direito grego. 3. Direito germânico. 4. Direito
romano
4.788.Natureza do contrato de fiança. 1. Contrate. 2. Contrato unilateral. 3. Solidariedade passiva e fiança. 4.
Pré-contrato de fiança
§ 4.784. Espécies de fiança. 1. Sub-fiança. 2. Retrofiança. 3. Co-fiadores. 4.Fiança dita “ex lege” e fiança dita
judicial. 5. Fiança de indenidade (“Fideiussio indemnitatis”). 6. Tipicidade e atipicidade. 7. Solidariedade,
divisão e determinação interna de quotas
§ 4.785.Negócios jurídicos parecidos com a fiança. 1. Precisões. 2. Assunção de divida alheia. 3. Negócio
jurídico abstrato ao lada de negócio jurídico causal. 4. Contrato de garantia. 5. Mandato de crédito. 6. Doação. 7.
Cláusula ou pacto de “nomen bonum”, na cessão de crédito. 8. Aval de fiança. 9. Títulos de favor e fiança. 10.
Garantia real e fiança. 11. Seguro e fiança. 12. Promessa de dar fiador e fiança exigida por lei.
13.Pré-contrato de fiança. 14. Dúvidas quanto à classificação dos contratos
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS DO CONTRATO DE FIANÇA
§ 4.786.Pressupostos pessoais e materiais. 1. Fiador, afiançado e credor. 2. Capacidade do fiador. 3. Pressuposto
de poder ser afiançada a dívida. 4. Objeto da fiança. 5. Aceitação pelo credor. 6. Co-fiadores e solidariedade. 7.
Fiadores e quotas.
8.Fiança e outras garantias. 9. Têrmo ou condição. 10. Atos jurídicos nulos e anuláveis; fiança. 11. Limites
subjetivos e limites objetivos da fiança. 12. Ação revocatória falencial.
§ 4.787. Pressupostos formais. 1. Precisões. 2. Conteúdo do documento.3.Expressão e escrita da manifestação de
vontade do fiador. 4.Pré-contrato de fiança e forma. 5. Fianças com espaço em branco no instrumento
CAPITULO III
EFICÁCIA DO CONTRATO DE FIANÇA
§ 4.788.Responsabilidade do fiador. 1. Conteúdo e pressupostos da responsabilidade. 2. Dívidas futuras e dividas
condicionais. 3. Obrigações naturais. 4. Extensão da vinculação do fiador: 5. Relação entre a dívida principal e o
objeto da dívida do fiador.
6.Lugar da prestação da fiança. 7~ Abonador de fiador do fiador. 8. Substituição do fiador. V Insolvência do
fiador e vencimento da dívida principal. 10. Transferência do crédito principal. 11. Andamento de processo
executivo contra o devedor principa
§ 4.789.Fiança e ações. 1. Irradiação de ações. 2. Ação de relevamento. 3.Ação condenatória e ação executiva. 4.
Independência das ações. 5. Sub-rogação pessoal do fiador que paga a dívida. 6.Ação de enriquecimento
injustificado. 7. Reembolso entre co-fiadores solidários. 8. Beneficio da divisão e reembôlso do co-fiador
§ 4.790.Defesa, objeções e exceções do fiador. 1. Objeções. 2. Execução da sentença proferida contra o devedor
principal. 3. Objeções e exceções oponiveis pelo fiador
§ 4.791. Benefício de excussão. 1. Contrato com beneficio de excussão. 2.Pressupostos do benefício de excussão.
3. Pré-exclusão e exclusão do benefício de excussão. 4. Fiador que sucede ao devedor principal. 5. Nomeação de
bens do devedor principal pelo fiador
4.792. ~§ 4.793. 4.794. 4.795.
Direito do fiador e recusa provisória do adimplemento. 1. Conceito. 2. Pressupostos do direito de recusa. 3.
Exercício do direito de recusa pessoal legal em regresso, contra o devedor principal. 1. Repetição, em regresso,
contra o devedor principal, do que foi pago pelo fiador. 2. Extensão da sub-rogação pessoal legal. 3. Entrega de
documentos e dados. 4. Subfiador e retrofiador. 5. Sub-rogação pessoal legal e direitos de garantia.
6.Responsabilidade a mais do devedor principal
Ações de preceito cominatório. 1. Preceito cominatório contra o afiançado. 2. Preceito cominatório contra o
credor 199 Fiança mercantil. 1. Classificação da fiança como fiança mercantil. 2. Direitos do credor a que se
deu a fiança. 3. Fiança mercantil e direitos do fiador
CAPITULO IV
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE FIANÇA
4.796.Causas de extinção e acontecimentos não-extintivos. 1. Causas de extinção. 2. Acontecimentos
não-extintivos
§ 4.797.Extinção da dívida principal. 1. Relação jurídica da dívida principal e relação jurídica de fiança. 2.
Causas de extinção da divida principal. 3. Condição
§ 4.798.Extinção do contrato de fiança. 1. Causas ordinárias. 2. Nulidade e anulabilidade. 3. Unititularidade do
crédito e da dívida de fiança. 4. Denúncia. 5. Causas especiais de extinção. 6. Morte do fiador. 7. Prescrição da
divida principal e prescrição da dívida de fiança
MANDATO DE CRÉDITO
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO MANDATO DE CRÉDITO
4.799. § 4.800.
Conceito do mandato de crédito. 1. Precisões e dados históricos. 2. Mandato para fiança e mandato de crédito
Natureza do mandato de crédito. 1. Precisões. 2. Dívida de fazer crédito. 3. O que promete o mandatário de
crédito. 4. Bilateralidade do contrato de mandato de crédito. 5. Mandato de crédito e outros negócios jurídicos
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO MANDATO DE CRÉDITO
4.801.Pressupostos do mandato de crédito. 1. Figurantes do mandato de crédito. 2. Capacidade dos figurantes. 3.
Forma. 4. Elementos do consenso. 5. Objeto da dívida do mandatário de crêdito
4.802.Eficácia do mandato de crédito. 1. Conclusão e eficácia 2. Despesas e adiantamentos
4.803.Deveres do mandante de crédito. 1. Dever de cooperação. 2. Retribuição ao mandatário de crédito. 3.
Danos sofridos pelo mandatário de crédito. 4. Adímplemento subsidiário
§ 4.804. § 4.805.Deveres do mandatário de crédito. 1. Vinculação. 2. Conclusão do negócio jurídico com o
terceiro
Análise das relações jurídicas e das ações. 1. Relação jurídica entre o mandatário de crédito e o terceiro. 2. Ação
do mandante de crédito contra o mandatário de crédito. 3. Ação do mandatário de crédito contra o mandante de
crédito. 4. Ação do mandante de crédito contra o terceiro. 5. Relação jurídica entre o mandante de crédito e o
terceiro
CAPITULO III
EXTINÇÃO DO MANDATO DE CRÉDITO
§ 4.806.Causas de extinção. 1. Princípios gerais. 2. Denunciabilidade pelo mandante de crédito. 3.
Insolvabilidade e dificuldade externa de adimplemento. 4. Denúncia cheia. 5. Morte ou incapacidade do
mandante de crédito ou do mandatário de crédito.
§ 4.807.Causa de extinção, ligada ao terceiro. 1. Recusa do terceiro a concluir o negócio jurídico de crédito. 2.
Morte ou incapacidade do terceiro. 3. Insolvência superveniente do terceiro. 4.Atingimento do fim por outros
meios
TITULO XLI
NEGÓCIO JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA
CAPITULO 1
TITULO XLII
PROMESSA DE DIVIDA E RECONHECIMENTO DE DIVIDA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DA PROMESSA DE DIVIDA, RECONHECIMENTO DE DIVIDA
§ 4.813.Conceito de promessa de dívida e conceito de reconhecimento de dívida. 1. Precisões. 2. Dados
históricos. 3. Negócios jurídicos abstratos. 4. Promessa de dívida e negócio jurídico de reconhecimento
§ 4.814.Promessa abstrata de divida e reconhecimento abstrato divída . 1. Promessa abstrata de divida. 2.
Reconhecimento abstrato de dívida
§ 4.815. Pressupostos da promessa de dívida. 1. Figurante ou figurantes. 2.Promessa abstrata de dívida. 3. Forma
da promessa de dívida
§ 4.816.Eficácia da promessa de dívida. 1. Figurante, figurantes e eficácia. 2. Interpretação do negócio jurídico.
3. Modalidades.
§ 4.817.Extinção da promessa de dívida. 1. Causas de extinção. 2. Extinção da dívida
CONCEITO, NATUREZA E PRESSUPOSTOS DO NEGÓCIO JURíDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA
§ 4.808.Conceito e natureza da constituição de renda. 1. Conceito. 2. Natureza do negócio jurídico. 3. Dados
históricos. 4. Direito português e luso-brasileiro. 5. Negócio jurídico de constituição de renda e outros negócios
jurídicos. 6. Espécies de constituição de renda
§ 4.809. Pressupostos da constituição de renda. 1. Fontes da constituição de renda. 2. Capacidade. 3. Tempo
determinado. 4. Objeto e tempo das prestações. 5. Mandante da renda. 6. Usura. 7. Cláusulas e pactos adjectos
CAPITULO II
EFICÁCIA E EXTINÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA
§ 4.810.Eficácia da constituição de renda. 1. Eficácia unitária. 2. Eficácia quanto às pretensões singulares
mediatas. 3. Transferência do bem, no negócio jurídico oneroso. 4. Direito às prestações (pretensões singulares).
5. Incredibilidade, como resultado de regra jurídica interpretativa. 6. Nulidade e anulabilidade.
7.Ações do titular do direito à renda. 8. Imóvel vinculado a renda. 9. Prescrição
§ 4.811.Pretensões legais de renda. 1. Fonte legal. 2. Código de Processo Civil, arts. 919-922. 3. Doação e
revogação por denegação de alimentos. 4. Cláusulas de impenhorabilidade
§ 4.812.Extinção do direito unitário. 1. Espécies de extinção. 2. Resgate. 3. Resolução por inadimplemento. 4.
Pluralidade de titulares
CAPITULO III
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURíDICO DE RECONHECIMENTO DE DIVIDA
§ 4.818.Pressupostos do negócio jurídico de reconhecimento. 1. Figuranet ou figurantes. 2. Forma
§ 4.819.Eficácia do negócio jurídico de reconhecimento de dívida. 1. Figurante, figurantes e eficácia. 2.
Reconhecimento abstrato de dívida e reconhecimento causal de divida. 3. Objeções e exceções
§ 4.820. Extinção do negócio jurídico de reconhecimento. 1Causas de extinção 2. Dívidas de jôgo ou de aposta
TITULO XLIII
NEGÓCIO JURíDICO DE COMUNIDADE
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE
Conceito de negócio jurídico de comunidade. 1. Conceito de negócio jurídico de comunidades e comunhões. 2.
Negócio jurídico para estabelecimento de comunidade
§ 4.822.Natureza e espécies de comunidade negocial. 1. Unilateralidade, bilateralidade e plurilateralidade. 2.
Espécies principais. 3. Sociedade e comunidade
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURíDICO DE
COMUNIDADE
§ 4.823. Pressupostos. 1. Figurantes. 2. Forma. 3. Quotas
§ 4.824. Eficácia do negócio jurídico de comunidade. 1. Comunhão sem negócio jurídico de comunidade. 2.
Regras jurídicas dispositivas e negócio jurídico de comunidade
CAPITULO III
EXTINÇÃO DA COMUNIDADE
§ 4.825.
§ 4.826.
§ 4.827.
Causas de extinção. 1. Precisões. 2. Prazo e expiração. 3. Denúncia cheia. 4. Distrato. 5. Resolução e resilição
315 Nulidade, anulação, ou outra desconstituição do negócio juridico. 1. Nulidade. 2. Anulação 316
Extinção e liquidação. 1. Negócios jurídicos subjacentes, justajacentes ou sobrejacentes. 2. Origem não-negocial
TITULO XLIV
CONTRATO DE EDIÇÃO
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.828.Conceito de contrato de edição. 1. Precisões. 2. Conceito. 3. Contrato de edição e locação. 4.
Consensualidade do contrate de edição. 5. Espécies de contrato de edição. 6. Edição de traduções. 7. Contrato de
edição de obra por fazer-se
§ 4.829.Natureza do contrato de edição. 1. Autor e editor. 2. Bilateralidade do negócio jurídico de edição
§ 4.830.Contratos outros em que figura o titular do direito autoral de exploração. 1. Locação de obra entre o
titular e o impressor ou edctior. 2. Contratos mistos
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.831. § 4.832.
Pressupostos subjetivos do contrato de edição. 1. Figurantes do contrato de edição. 2. Sociedade protetora dos
escritores. 331 Pressupostos objetivos do contrato de edição. 1. Objeto do contrato de edição. 2. Número de
exemplares. 8. Honorários de autor. 4. Cláusulas inseríveis no contrato de edição e direito dispositivo. 5.
Determinações mexas no contrato de edição.6.Registo do contrato de edição
CAPITULO III
EFICÁCIA DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.833.Direitos do autor. 1. Direitos anteriores e direitos nascidos do contrate de edição. 2. Nome do autor. 3.
Rubrica do autor. 4. Editor e adimplemento do dever de reproduzir. 5. Tempo para a reprodução. 6. Modos de
editar. 7. Integridade da obra editada. 8. Comunicação sobre edição e número de exemplares. 9.Corrigenda de
provas. 10. Restituição do original. 11. Honorários
§ 4.884.Direitos do editor. 1. Direitos que nascem ao editor. 2. Exclusividade. 3. Entrega da obra. 4. Ofensa aos
direitos dó editor. 5.Preço de venda
§ 4.835.Ações dos titulares de direitos autorais. 1. Edição e ações quanto a edição. 2. Invalidade do contrato de
edição. 3. Representação, execuções públicas e teletransmissões. 4. Edições a que tem direito o editor. 5. Prazo
preclusivo em caso de vício do objeto.6.Sociedades de autores para defesa
CAPITULO IV
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.836.Causas de extinção do contrato de edição. 1. Causas de extinção. 2. Perecimento da obra. 3. Renúncia à
propriedade intelectual. 4. Esgotamento das edições. 5. Lei n. 5.492, de 16 de junho de 1928, art. 32. 6.
Resilibilidade, se há direito a outra edição. 7. Distrato. 8. Domínio público e edições
§ 4.837.Falência do editor. 1. Garantias eventuais. 2. Direito f alencial
TITULO XLV
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO TEATRAL, MUSICAL
E DE CINEMA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO E DE EXIBIÇÃO
§ 4.838. § 4.839.
Precisões conceptuais. 1. Direito autoral de exploração e elemento comum. 2. Pluralidade de contratos
Natureza dos contratos. 1. Consensualidade e bilateralidade. 2.Entrega dos originais e vícios do direito e do
objeto.
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS, EFICÁCIA E EXTINÇÃO DOS CONTRATOS DE REPRESENTAÇÃO E EXIBIÇÃO
§ 4.840.Pressupostos da propriedade do bem incorpóreo. 1. Registo da propriedade do bem incorpóreo e
contratos. 2. Figurantes. 3.Objeto. 4. Cláusulas inseríveis nos contratos. 5. Prazo, condição resolutiva ou número
de atos de exploração
§ 4.841.Eficácia contratual: deveres do outorgante. 1. Entrega do original. 2. ConseqUências da entrega
satisfatória
§ 4.842.Deveres do empresário. 1. Retribuição. 2. Nome do autor. 3.Dever de sigilo. 4. Impenhorabilidade e
inconstringibilidade cautelar. 5. Exame da escrituração da empresa
§ 4.843.Extinção do contrato de representação ou de exibição. 1. Prazo resolutivo e condição resolutiva. 2.
Desconstituição
TITULO XLVI
EMPREITADA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE EMPREITADA
Conceito de empreitada. 1. Precisões. 2. Conceito. 3. Sabem preitada
Natureza e espécies do contrato de empreitada. 1. Bilateralidado do contrato. 2. Extensão contenutística do
contrato de empreitada. 3. Material com que se faz a obra criativa, extintiva ou modificativa. 4. Pressupostos do
resultado. ..
CAPITULO U
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO CONTRATO DE EMPREITADA
§ 4.846.Pressupostos do contrato. 1. Pressupostos do contrato de empreitada. 2. Início da obra e prazo para a
entrega. 3. Projeto.4.Indivisibilidade e divisibilidade da obra. 5. Conteúdo da dívida de obra. 6. Instruções,
fiscalização e direção de obra.7.Prorrogação do prazo e têrmo supletivo
§ 4.847.Deveres do empreiteiro. 1. Dever de prestação. 2. Riscos até a entrega da obra. 3. Exceções e resolução
ou resilição. 4. Pretensão à eliminação dos defeitos e pretensão à feitura de nova obra. 5. Dever de pagar os
materiais que recebeu e inutilizou por culpa. 6. Responsabilidade em casos de construções de edifícios. 7. Mora
i
do empreiteiro
§ 4.848.Deveres do empreitante. 1. Dever de pagar a remuneração.2.Recebimento da obra. 3. Empreitante e
omissão de cooperação. 4. Dever de previsão e de proteção. 5. Prescrição da ação dos empreiteiros
CAPITULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO
§ 4.849.Causas de extinção. 1. Causas ordinárias de extinção. 2. Impossibilidade de execução da obra. 3.
Retardamento. 4. Perecimento fortuito e deterioração da obra. 5. Contrôle, resolução e resilição. 6. Exibições
artísticas
§ 4.850.Denúncia cheia do contrato de empreitada. 1. Código Civil, art. 1.247. 2. Alterações necessárias do que
se queria.
§ 4.851.Denúncia vazia pelo empreitante. 1. Código Civil, art. 1.247. 2. Indenização em caso de denúncia vazia
Título XXXVI
CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
CAPÍTULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
§ 4.756. Conceito de contrato de expedição
1. PRECISÕES. O expedidor assume o dever de concluir, em nome próprio e por conta do outro contraente,
contrato de transporte. A figura é irredutível à do mandato e foi longe demais o Código Civil italiano, art. 1.737,
pr., em definir como contrato de mandato o contrato de expedição. Quem remete é o interessado em que se expeça
o bem móvel. mas o encarregado é o expedidor, que não está adstrito senão ao resultado. ]~ êle quem escolhe o
transportador, pôsto que o contrato de expedição não afaste, se não há cláusula em contrário, a expedição e o
transporte pela mesma pessoa. No fundo, em tal espécie, o expedidor é devedor da expedição (= da conclusão do
contrato de transporte) e faz consigo mesmo o contrato de transporte, o que é de relevância para efeitos fiscais.
A empresa de expedição opera com conclusões de contrato de transporte, não com o transporte.
Expedem-se bens móveis, ou só legalmente imobilizados (e. g., Código Civil, art. 44, II), inclusive documentos e
cartas. Não só se expedem mercadorias.
O expedidor não é procurador, nem mandatário do expedidor. O contrato de transporte que êle conclui é contrato
em que são figurantes êle e o transportador. Não se precisa mencionar, sequer, o nome do outro contraente.
No Código Comercial alemão, § 407, a figura do expedidor é a de comissionário, e não a do mandatário.
Não importa qual o meio de transporte, de que se trata, se bem que se haja de entender que há de ser o usual ou o
recomendável segundo as circunstâncias.
2.CONCEITO DO CONTRATO DE EXPEDIÇÃO. Contrato de expedição é aquêle em que alguém promete
prestar, ou presta, desde jogo, a remuneração, e o expedidor promete contratar com alguém, inclusive consigo
mesmo, o transporte de algum bem.
Expedir, de expedire (cp. impedire), ex, pes, pedis, pôr fora dos pés, desembaraçar-se. Quem se desembaraça é o
interessado; a expedidor, êsse, cumpre o que prometeu.
O remetente nem sempre é o dono do bem. Por isso, por vêzes o contrato de expedição não se conclui entre o dono
e o expedidor. Pode bem ser que n~o seja remetente, mas sim o recebedor, o dono do bem; ou que seja dono do
bem, não o remetente, nem a recebedor, mas terceiro (cf. RAISER, Das Recht AlIgen-&einen
Geschiiftsbedingungen, 218).
Quanto ao expedidor e ao recebedor, que não foi o remetente, não há entre êles relação jurídica. Nenhuma
pretensão contratual tem êsse contra aquéle, mesmo quanto se pôs claro qual o destinatário do transporte. Entre o
remetente e o recebedor é que pode existir relação jurídica negocial, mas estranha ao contrato de expedição.
O recebedor não está adstrito a qualquer pagamento ao expedidor, salvo pacto entre êles.
3.INTEREXPEDIÇÃO E SUPEREXPEDIÇÃO. Chama-se interexpedidor (Zwischcnspediteur) à pessoa a que
se envia o bem expediendo para que, recebendo-o, faça a expedição ao destinatário. O contrato de interexpedição
é outro contrato de expedição, que se conclui entre o expedidor e o interexpedidor. Do interexpedidor tem-se de
distinguir o subexpedidor, a que falta a posição autônoma, que a.quêle tem: o subexpedídor serve ao expedidor,
ou para tôda a prestação de expedição , ou para parte dela, como mero adimplente do que seria atividade do
expedidor O~. BLEIFELD, Begriff und Rechtsstellung des Zwisckenspeditezcrs, 10 sj. Se um expedidor faz
contrato de transporte por mar e por terra, ou por terra
e mar, ou por mar ou terra e ar, ou somente por terra, ar ou mar, em que os transportadores sejam dois ou mais, não
há subexpedição, nem, a fortiori, interexpedição. Se o expedidor precisa de interexpedidor, depende das
circunstâncias. Se é o que se usa, ou as circunstâncias do momento impõem, ou o que costuma o expedidor fazer,
ciente o remetente, é desnecessária cláusula explícita ou implícita que o permita. Só a cláusula contrária poderia
criar ao expedidor o dever de evitar a interexpedição. Em tal caso, a interexpediç~o seria com a inteira
responsabilidade do expedidor.
O negócio jurídico gestório de expedição vincula o expedidor a concluir, em nome próprio e por conta do
interessado, o contrato de transporte e de adimplir os deveres acessórios. Não se pode exprobrar a Iegislações
estrangeiras o trato, às vêzes minucioso, da figura jurídica da expedição (sem razão, e. g., G. MINERVINI,
Mandato, Com@nissione, Spedizione, 241;
O.BUONOCORE, II Contratto di Spedizione, Vir. Giur., 1957, 611 s.). Se o expedidor opera em nome do
interessado, deturpa-se a figura (A. ASQUINI, Spedizione [Contratto di], Nuovo Digesto Italiano, XII, 719),
razão por que não há discrepância entre o nôvo Código Civil italiano, art. 1.727, e o anterior (ef. ALESSANDRO
GRAZIANI, L‟lm presa e lmprenditore, 219).
§ 4.757. Natureza do contrato de expedição
1.EXPEDIÇÃO, MANDATO E COMISSÃO . O contrato de expedição não é espécie de comissão, nem, a
fortiori, de mandato. Parece-se com aquêle, e menos com êsse. O expedicionário opera em nome próprio, porém
não dispõe, o que ocorre com a comissão. Há mais contrato de serviço do que de comissão (R. SENCKPIEHL,
Das Speditionsgesokãft nach deutsckem J?eoht, 87). No que se parece com a comissão, o expedidor acha-se
perante o transportador em posição semelhante à do cornítente em relação ao terceiro vendedor. Há, porém,
peculiaridades, como a de poder o expedidor exercer contra o transportador a ação do outorgante pelo dano ou
perda que sofreu o bem transportado, ou não apanhado, em tempo, por êsse. Nas controvérsias extracontratuais
que podem surgir entre o transportador e o outorgante, contra esse podem ser opostas as exceções oriundas de
relação jurídica entre o transportador e o expedidor.
Não se pode dizer que o contrato de expedição se insira no contrato de mandato, nem que se insira na contrato de
comissão. O contrato de expedição dá ao expedidor o dever de contratar o transporte, por terra, por mar, au por ar,
em nome próprio, e por conta própria: no contrato de comissão , o comissionário vincula-se a contratar em nome
próprio, por conta do comitente.
O expedidor pode não ser a pessoa em poder de quem está o bem expedível. Pode ser o destinatário. Tem A,
domiciliado no Rio de Janeiro, móveis que estão em São Paula, e contrata com C, para que contrate com empresa
de transportes apanhar em São Paulo os móveis e levá-los ao Rio de Janeiro ou outro lugar.
2.COMERCIALIDADE DO CONTRATO DE EXPEDIÇÃO . Se alguém faz habitualmente contratos de
expedição comerciante é.
3.A PAGAMENTO DA FIGURA DO EXPEDIDOR. Se o expedidor fixou definitivamente o custo da expedição
e do trans-. porte, os seus direitos e deveres são os de transportador. Em tal caso, qualquer pretensão a reembolso
só se admite se foi pactado, ou se resulta de cláusula contratual. A relação jurídica que se estabeleceu foi a de
transporte, O assunto é assaz relevante quanto à perda dos bens, O transportador, que êle escolheu, ou que com êle
contratou, mesmo por indicação do remetente, é considerado como auxiliar, encarregado do adimplemento, 011
quase-preposto do expedidor, razão por que responde mesmo se o auxiliar do transportador não podia exercer a
profissão (FRIDA FRIEDEERO, Die Sammeltadungs.. spedition, 28 s.).
Tudo isso é afastável por cláusula explícita, implícita ou tacita, ou por pacto.
Se o caso é de expedição transporte não tem o expedidor-transportador remuneração o pela expedição. O que foi
fixado ou se pagou compreende tudo.
O recebedor é tratado como destinatário do transporte, sem qualquer relação juridica de expedição.
O expedidor não precisa só se ocupar com a mesma espécie de negócio jurídico. Não só há o de concluir contrato
de transporte por terra como o de concluir contrato de transporte por mar, au por ar. Às vêzes, a própria empresa
de transporte duplica-se em empresa de expedição (O-. BUONOCORE, II Contratto di spedizione, Dir. Giur.,
1957, 624; FRANCO BHÃE,
IiMandato, Ia Commissione, la Spedizione, 289). Pode ser expedidora e encarregar de expedição, como industrial
ou agricultor, outra empresa.
4.REMETENTES COLETIVOS. Se há dois ou mais remetentes no mesmo contrato, pode haver o contrato
coletivo de expedição ou o contrato coletivo de expedição-transporte, de que acima se falou. Não é preciso que
tenha havido, da parte do expedidor, ou do expedidor-transportador, manifestação de vontade quanto à
pluralidade de remetentes. Basta o fato da pluralidade de remetentes (PAUL RATZ, Kornmentar zuni
Handelsgesetzbuch, 17, 2a ai., 151). Os remetentes são tratados como se sócios fôssem, como comuneiros.
Nenhuma distinção se faz quanto às despesas dos bens, por sua qualidade em relação aos seus donos ou
possuidores.
5.FIGURAS PARECIDAS. O expedidor de modo nenhum se pode confundir com o mediador de transportes.
Êsse não se vincula a concluir contrato de transporte, nem o conclui. Nem com o agente de transporte, que opera
em determinada praça e apenas prepara o tráfico. Pode o agente de transporte preparar note-se: preparar para o
contrato de expedição. Á fortiori, com o transportador, que conclui o contrato de transporte com o expedidor e
tem de adimplir o transporte, não a expedição (P. Di TÂSSIA Dx BELMONTE, Cenni suila figura deilo
spedizioniere vettore, Giurisprudenza Cassazione CiviU, 1954, 3, 563). Tem-se de examinar o suporte fáctico
para se saber se o contrato é contrato de expedição, ou se já é contrato de transporte por conta de outrem, que é o
transportador (A. ASQUINI, Spedizione [Contratto di], Nuovo Digesto Italiano, XII, 719). Cf. G.
TAMBURLUNO (Contratti di trasporto cumulativo, contratto di spedizione, impresa di trasporto e figure affini,
Giurisprudenza Cassazione Civile, 1948, 3, 528 s.).
O transportador vincula-se a fazer a transíação de toco ad locum; o expedidor apenas se vincula a concluir com o
transportador o contrato de transporte, em seu nome próprio, pôsto que por conta do outro figurante. Não há, aí,
locatio operis. Se o próprio expedidor transporta, há dois contratos, o de expedíção e o de transporte, o que por
vêzes ocorre (e. g., o expedidor contrata com C o transporte por terra até São Paulo e de lá êle mesmo, com a sua
filial, transporta até o pôrto, onde começa o adimpleimento do contrato de transporte marítimo por D, com que êle
também contratou). Pode ser, porém, que tenha feito apenas um contrato: o de expedição, ou o de transporte. Só o
exame dos fatos e dos termos do contrato pode resolver a questão.
§ 4.758. Pressupostos do contrato de expedição
1.PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS. Os pressupostos subjetivos do contrato de expedição são os mesmos dos
outros contratos de tráfico, como o de comissão.
2.PRESSUPOSTOS OBJETIVOS. O que é expedível pode ser objeto de contrato de expedição. Portanto, há de
ser transportável o bem, para que se possa concluir o contrato de transporte, que o expedidor promete.
A forma é qualquer forma dos contratos ordinários, segundo os princípios de direito civil ou comercial.
Se o contrato de transporte, que é o objeto do contrato de expedição, seria nulo por ilicitude ou impossibilidade,
nulo é o contrato de expedição (J. L. BURCHARD, Das Reckt der Spedttzon, 187).
8 QUE SE HÁ DE TRANSPORTAR. O objeto do contrato de expedição é o contrato de transporte, que o
expedidor promete concluir. O objeto de contrato de transporte que se promete somente pode ser algum bem. Não
há contrato de expedição para se transportar pessoa (PAul. RATZ, Kommentar zum HandeIsgesetz~~0~ V, 2.~ ed.,
115). Há, porém, expedição de cadáveres.
4.DIREITO ESPACIALMENTE INCIDENTE. Quanto ao direito espacialmente incidente, tem-se de atender ao
direito do lugar em que se há de contratar o transporte, isto é. o direito do lugar em que se recebe o bem e se há de
remeter. Não importa se há diferentes lugares de destinatariedade. Tão-pouco, se o expedidor foi também
transportador.
Para a contraprestação do remetente ao expedidor, rege a lei do lugar em que se concluiu o contrato de expedição
(R.SENCKPIEI-IL, Das Speditionsgescht4t nach deutsehem Recht, 271).
No direito internacional privado, se não houve manifestação de vontade dos contraentes, rege o direito do lugar
do adimplemento, isto é, da expedição.
CAPITULO II
EFICÁCIA E EXTINÇÃO DO CONTRATO
DE EXPEDIÇÃO
§ 4.759. Deveres do expedidor
1. DEVER DE EXPEDIR. Expedir não é transportar. Pode dar-se que transporte quem se encarregue da
expedição, vias nem sempre isso acontece, como é pouco freqUente o expedidor que também tenha empresa de
transporte. Quem quer expedir é o cliente; o expedidor, êsse, adimple o seu dever perante quem quer a expedição.
O contrato de expedição não vincula o expedidor quanto à execução do transporte. Êle não prometeu transportar.
Vinculou-se a concluir contrato com transportador. Desde o momento em que o expedidor conclui o contrato de
transporte com o transportador, adimplido está o seu dever, devendo-se entender que é responsável pelos bens
que têm de ser expedidos até o momento da tradição.
O expedidor pode ter de contratar com outro expedidor, e g., se aquêle só se incumbe de expedição por mar (ou
por terra, ou pelo ar). O contrato é em nome próprio, pôsto que por conta alheia, como foi o outro. ~ o expedidor
intermédio (Zwischenspediteur).
O expedidor tem de contratar o transporte com tôda a diligência. Os expedidores de jornais ou de embrulhos, que
têm empregados ou pessoas ocasionais (biscateiros) que fazem as entregas, não são expedidores propriamente
ditos. O expedidor tem de ser remetente, em virtude de contrato com emprêsa de transportes.
Cabe-lhe a escolha da empresa transportadora, o cuidado no empacotamento ou embalagem, se os bens
expediendos não estão empacotados ou embalados. Se a empresa de transporte apanha os bens expediendos no
lugar em que está o expedidor, a quem foram entregues, ou se é o expedidor que tem de levá-los à empresa de
transporte, é problema que só interessa ao expedidor, que por tôda a diligência se faz responsável.
O expedidor recebeu, ex hvpothesi, os bens expediendos, tem a posse imediata dêles e pode transferi-la, ou não,
ao transportador. Se o expedidor os remete como bagagem do seu empregado, ou de alguém a quem incumbiu, a
posse imediata pode não se haver transferido à empresa de transportes.
De regra, o expedidor tem de fazer a declaração de valor, satisfeitas, também, as exigências fiscais. Se se aludiu a
remessa do conhecimento com data certa, ou dentro de prazo, entende-se que no contrato de expedição se
atribuíram ao expedidor todos os deveres a respeito.
Em princípio, o expedidor não é vinculado a empacotar ou embalar, nem a proteções especiais do bem (J. L.
BuRCHARD, Das Recht der Spedition, 354; R. SENCKPIEHL, Das SpediktionsgescM.ft, 242).
2.CONTRATo DO EXPEDIDOR CONSIGO MESMO. Se o contrato não estabelece o contrário, pode o
expedidor contratar consigo mesmo o transporte. Se foi estipulada máximo de despesas, não pode o expedidor
pretender que sejam maiores as que êle cobra. Tem o dever de comunicar que houve o contrato consigo mesmo,
ou que vai haver. Se fêz a declaração de contrato consigo mesmo, não há infração de dever se conclui com outrem
o contrato de transporte: responde, então, como se tivesse sido consigo mesmo o contrato de transporte (cf. PAUL
RATZ, Kommentar vim Handelsgesetzbucn, V, 2.~ ed., 147)
O contrato consigo mesmo pode ser somente de parte do transporte do objeto, ou de parte do transporte no espaço
(e. g., só há transporte pelo expedidor no que há de ser transportado por mar).
Se o remetente contratou com a mesma pessoa apanhar os bens e transportádos , embora tenha ela dois serviços
distintos, não há a figura do contrato consigo mesmo, porque não há o contrato de expedição seguido do contrato
de transporte.
3.DEVER DE SEGURAR. O expedidor não tem o dever de segurar, salvo se houve cláusula ou pacto. Às vêzes,
as fórmulas do expediente da empresa expedicionária já contêm a cláusula de seguro. Todavia, a cláusula pode
resultar dos usos. Os usos hão de ser os usos do lugar em que se conclui o contrato de expedição. O art. 184 do
Código Comercial é invocável.
Se houve a cláusula de seguro, o expedidor não é o figurante que há de prestar o prémio, pois, se foi
explicitamente incluído na conta de remuneração, apenas recebeu desde logo o importe.
Se o expedidor se segurou de algum dano pelo qual teria de responder, não se considera contrato de seguro, nas
relações com o remetente, tal contrato.
4.DESPESAS. Quanto à questão de se saber se o expedidor se vincula a desembolsos e adiantamentos, tem-se de
assentar que, uma vez assumido o dever de concluir o contrato de transporte, o expedidor salvo cláusula em
contrário está adstrito a qualquer despesa que seja necessária ao adimplemento. Isso não quer dizer que, havendo
tempo, não possa êle comunicar o que se há de pagar, se é o caso, e exigir que preste o necessário.
5.RESPONSABILIDADE DO EXPEDIDOR. O expedidor que se afasta dqs deveres contratuais, inclusive no
que se irradia do estilo e uso do tráfico, responde por perdas e danos ao remetente. Mas o afastamento é permitido
se houve vantagem para o remetente, se não podia haver demora, ou se, do cumprimento estrito, poderia dano,
ou se não houve intenção de infração.
Se algum dano houve, de que tenha conhecimento, ou deva ter conhecimento o expedidor, cabe-lhe o dever de
comunicação , informando o remetente da origem do dano. Se, ao receber, ou ser entregue ao transportador o
bem, nota diminuição, avaria, ou estado diverso daquele que consta do contrato de expedição, tem de avisar o
remetente, para que senão haja de ter como responsável conforme os termos contratuais ou os termos das cartas
de remessa.
O expedidor tem o direito de alienação necessária, isto é, o de alienar o bem se urgente a alienação, por conta de
quem fôr o dono.
O expedidor não responde pela solvência do transportador ou do interexpedidor se, ao tempo do contrato de
transporte, ou de interexpedição, eram tidos por idôneos, salvo se houve culpa sua em não se informar, ou se disso
sabia.
Pode o expedidor dar prazos ao transportador ou ao interexpedidor se é uso da praça, salvo cláusula ou pacto em
contrário. Cf. Código Comercial, art. 176.
6.FALTAS DO TRANSPORTADOR E DO INTEREXPEDIDOR. Pelas faltas do transportador ou do
interexpedidor, uma vez que não haja o expedidor contrariado o que resultava das cláusulas contratuais explícitas,
implícitas ou tácitas, não responde êsse. Não cabe, aí, cláusula ou pacto dei credere (PAUL RA¶rz, Kommentar
vim Handelsgesetzbuch, V, 2.~ ed., 126). Não é invocável o art. 1.521, III, do Código Civil, porque o
transportador ou o interexpedidor não é empregado, serviçal ou preposto do servidor. Responde, porém, se, à
entrega do bem ao transportador, ou ao interexpedidor, ou na ocasião de encarregar a um ou outro de ir buscar o
bem, lhe dá informe errado (e. g., pôrto de Santos, em vez de pôrto do Rio de Janeiro).
7.RESPONSABILIDADE DO EXPEDIDOR PERANTE O TRANSPORTADOR E o INTEREXPEDIDOR. Há
a responsabilidade pelos empregados, serviçais e prepostos e a que deriva das relações jurídicas contratuais
específicas.
8.DEVERES DO REMETENTE. O remetente tem de satisfazer à vista tudo que o expedidor haja despendido
com o desempenho da atividade de outrem prometida, salvo cláusula em contrário, O que corre por conta do
expedidor é o que custa a sua própria atividade. Não se supóe que êle seja adstrito a desembolsar, por sua conta, o
que seja transporte do lugar da remessa para os armazéns do expedidor ou desses para o lugar de transporte, pôsto
que tudo isso possa, pelos termos do contrato, ou pelos usos do tráfico, estar incluído na prestação do remetente.
A regra é ser devida a remuneração desde o momento em que termina a atividade do expedidor (idem, quanto ao
contrato de comissão, Código Comercial, art. 187). Se o remetente retira, antes de expedido o bem (= antes de
concluído pelo expedidor o contrato de transporte), sem causa justificada, a remuneração é devida, pelo menos até
a metade, sendo de invocar-se o art. 188 do Código Comercial.
No caso de decretação de abertura da falência ou de outro concurso de credores do remetente, tem o expedidor
privilégio especial sobre os bens a serem expedidos para indenização do que houver desembolsado para despesas,
ou adiantado, e da remuneração vencida e juros respectivos enquanto tiver em seu poder os bens, ou em estações
públicas, ou antes da transmissão da posse ao destinatário (cf. Código Comercial, art. 189; Decreto-lei n. 7.661,
de 21 de junho de 1945, art. 102, § 2.~, 1).
A prestação do remetente pode ser por assinação contra o recebedor, para que a faça, no momento de receber. A
relação jurídica entre o assinante e o assinado nada tem com o contrato de expedição entre o remetente e o
expedidor, nem com o negócio jurídico unilateral de assinação. A assinação não impede que o remetente por
outro meio solva, em vez de se aguardar que por êle o faça o assinado, uma vez que daí não resulte dano ao
expedidor (J. L. BURCHARD, Das Reckt der Spedition, 172). É a tiberweisungsprovision.
A pretensão à remuneração somente nasce com a conclusão do contrato de transporte, e não é preciso que já seja
devido pelo expedidor o frete, de jeito que a perda do bem ou a impossibilitação do transporte não a exclui. A
remuneração não depende do transporte. Se o remetente entregou o bem ao expedidor e êsse ainda não concluiu o
contrato de transporte. a retirada da vontade do remetente é tratada conforme o art. 188 do Código Comercial,
analôgicamente. Pode ter-se estipulado o quanto que seria irretirável. Se o contrato de transporte já não é
suscetível de revogação, também é irrevogável o contrato de expedição.
Se o próprio expedidor é o transportador, irrevogável é o contrato de expedição desde que nasceu a pretensão à
remuneração.
Responsável pela remuneração e pelos desembolsos é o remetente. Pode ter sido acordado que responda, em vez
dêle, o recebedor. Tal se há de entender se, no momento da conclusão do contrato de expedição, se afastou,
explícita ou implicitamente, que se tivesse de fazer no momento da conclusão do contrato de transporte.
Se o destinatário foi o próprio remetente, não há problemas a respeito do dever de remunerar, porque a pessoa é a
mesma. Se não paga, na ocasião da conclusão do contrato de expedição, ou do contrato de transporte, o que se há
de entender é que se pode pagar ao receber-se o bem transportado.
O quanto da remuneração não foi fixado em lei, como também acontece com a comissão. A expressão ~„mais ou
menos”, “cêrca” (environ, zirka), não permite que se vá muito além daquilo que se menciona, ou é o corrente. As
despesas, essas, o expedidor pode sempre cobrá-las, se eram de esperar-se, ou se as circunstâncias extraordinárias
as justificaram (sem razão, GEORO SCHRÓDER, Sefllegelberger Handeisgesetzbuch, ~v, 3.~ ed., 2100; já
antes, 23). As despesas que o expedidor pode fazer são as que se têm de considerar necessárias, de acôrdo com as
circunstâncias. As despesas hão de ser cobradas ao remetente, e não a outrem. Se pode, antes, exigi-las do
recebedor, depende de cláusula ou pacto, mas o recebedor não pode ser constrito a pagá-las se não se vincula. A
exigência antes da entrega permite que o expedidor se recuse à tradição.
A moeda com que se pagam as despesas é aquela em que foram feitas. O art. 947 do Código Civil é invocável,
bem como o § 19, ou qualquer dos §§ 29, 39 e 49. No direito alemão, o § 244 do Código Civil alemão.
9. DIREITO DE RETENÇÃO. O expedidor tem direito de retenção sobre os bens que recebera para a expedição,
pelas dívidas do remetente concernentes ao contrato de expedição.
Também o tem o interexpedidor. Se o expedidor faz os pagamentos, há sub-rogação pessoal contra o remetente,
com o mesmo direito de retenção e o privilégio especial. Se o interexpedidor solve o que se devia ao
transportador, há a sub-rogação pessoal nos direitos dêsse.
§ 4.760. Eficácia do contrato de expedição e eficácia do contrato de transporte
1.ENTRE ExPEDIDOR E CLIENTE. A eficácia do contrato de expedição somente pode ser entre o expedidor e
o cliente, porque entre o cliente e o transportador nenhum efeito contratual existe. Se não se trata de
responsabilidade extracontratual, só por cessão pode o cliente exercer contra o transportador qualquer pretensão.
Há deveres acessórios do expedidor. São êles todos os deveres concernentes à alfândega e outras repartições
adniinistrativas, inclusive policiais, à embalagem das mercadorias, ao apanhar na casa do outro figurante o que há
de ser expedido, ao transporte da estação de chegada até à casa do destinatário. Se tais operações são necessárias,
implícita está a cláusula. Se o não são, embora sejão úteis, só o contrato de expedição pode responder. Assim é
que se há de conceber o direito brasileiro; portanto, diante, não do art. 1.300 do Código Civil, por analogia, mas
sim do art. 169 do Código Comercial. Na doutrina italiana, há divergências em tôrno da interpretação dos arts.
1.708 e 1.737 do Código Civil italiano (contra G. VALERI, Manuale di Diritto commerczale, li, 183, e. g., G.
MINERVINI, Mandato, Commissiorte, Spediizione, 43, FRANCESCO MESSINEO, Manuale di finito Civile e
Commerciale, III, 1, 2, 60; em tôrno da limitação ao art. 1.708 pelo art. 1.787, última parte, que acertadamente
nega, embora a chame, erradamente, derrogada, FRANCO fILE, Ii Mandato, la Commissione, la Spedizione, 294,
contra A. RAINONE, Rilievi sul Contratto di mandato e sui suoi sottotipi qualificati, Dir. Giur., 1951, 286). Os
usos do tráfico podem ser de decisiva relevância.
A alteração de cláusulas de que resulte mudança dos deveres acessórios, ou das pretensões acessórias, ou das
ações ou exceções acessórias, não atinge a natureza do contrato (ALBERTO ASQUINE, II Contratio di trasporto
terrestre dipersone, 52 e 91; O. MINERVINI, Mandato, Commissione, Spedizione, 42; G. BONAVERA, Suíle
cosidette “operazioni accessorie”
della spedizione, Dinitto Manitimo, 1957, 504 s.; O. BUONOCORE,II Contratto di spedizione, Dir. Giur., 1957,
617). Se há deveres acessórios, as regras jurídicas sobre adimplemento, inadimplemento e prescrição incidem,
como se não estivessem êles insertos na eficácia do negócio jurídico.
Se o que falta é elemento inerente ao contrato ou à sua eficácia, de jeito que não se possa falar de acessoriedade,
não há contrato de expedição.
Por vêzes o que seria acessório da eficácia do contrato de expedição, por existir cláusula explícita ou implícita, ou
uso do tráfico, é eficácia do contrato de transporte (O. BONA-VERA, Questioni in torno di rapporti tra il
contratto di spedizione e il contratto di trasporto, Dinitto Manitimo, 1953, 35). Discute-se se o que seria dever
acessório do transportador pode ser atribuído ao expedidor, mas a resposta tem de ser no sentido de se poder
atribuir enquanto não desnature o contrato de expedição, como se há dois contratos com a mesma pessoa que é
expedidor (o contrato de expedição e outro, sem ser misto o contrato). O que importa é que o expedidor fique
ligado ao dever de concluir o contrato de transporte, seja com terceiro seja consigo mesmo.
Se o dever que seria acessório se principalizou, há outro contrato, pois o dever, ex kypothesi, é principal.
O expedidor pode assumir, sem que se desnature o contrato de expedição, o dever de pagar os impostos e demais
tributos, como os de importação e de exportação.
O fato de o expedidor ter o dever, a mais, de transportar do pôrto para a estação do trem, ou para o aeroporto, ou
vice-versa, o bem ou os bens, não desnatura o contrato de expedição.
2.EFICÁCIA CONTRATUAL ENTRE O EXPEDIDOR E O TRANSPORTADOR. Qualquer direito, pretensão
ou ação entre o expedidor e o transportador tem de ser irradiação do contrato de transporte, que se fêz em nome
daquele e por sua conta; salvo se extracontratual a responsabilidade.
O interessado fica estranho ao contrato de transporte que o expedidor conclui. Foi concluído em nome 1do
expedidor, pôsto que por conta do outro figurante do contrato de expedição. Tôda a eficácia do negócio jurídico
gestório somente atinge o patrimônio do expedidor.
3. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ENTRE TRANSPORTADOR E CLIENTE DO
ExPEDIDOR. O cliente do expedidor pode ser responsável, perante o transportador, por algum ato ilícito, ou
mesmo por ato-fato ilícito (PAUL RATz, Kommentar zum Handelsgesetzbueh, ¾ 23 ed., 116).
§ 4.761. Extinção do contrato de expedição
1.PRINCÍPIOS GERAIS. Os princípios sobre extinção do contrato de expedição são os mesmos que regem a
extinção do contrato de comissão.
2.DENÚNCIA. Se o remetente denuncia o contrato, sem justa causa, tem de indenizar. R. SENCKPIEHL (Das
Speditionsgeschttft nach. deutsch,em Recht, 345), só admite a denúncia vazia (dita, aliás, imprôpriamente,
revogação, revogação sem justa causa).
No Código Civil italiano, art. 1.738, fala-se de “revocare”.
O interessado pode “revogar”, diz-se, enquanto não se conclui
O contrato de transporte, a ordem de expedição, reembolsando o expedidor das despesas feitas e remunerando-o
pela atividade exercida. O têrmo é reminiscência e conseqüência do apêgo do legislador ao contrato de mandato.
O interessado pode denunciar, inclusive para simples alteração do contrato.
3. FALÊNCIA E OUTROS CONCURSOS DE CREDORES. Nenhuma declaração de abertura de concurso de
credores, falencial ou não, extingue o contrato de expedição. O art. 43 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de
1945, e o art. 189 do Código Comercial regem a espécie. Cf. Tomo XLIII, § 4.731, 5.
4.PRAZO RESOLUTIVO E CONDIÇÃO RESOLUTIVA. O contrato de expedição pode ter a cláusula mexa de
resolução. Por exemplo, se o remetente somente quer que se embarquem para a Europa os bens antes do mês de
janeiro, porque o comprador exige a entrega no comêço de fevereiro, ou se o remetente entende que o contrato se
há de resolver se a mercadoria fôr vendida antes do contrato de transporte, ou mesmo após Ale, antes da partida.
Titulo XXXVII
CONTRATO DE AGENCIA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE AGÊNCIA
4.762. Conceito de agência e do contrato de agênda
1.CONCEITO. A falta de regramento que fizesse típico o negócio jurídico de agência muito concorreu para
imprecisões que causam profundos erros na doutrina e na prática.
O Código Comercial, no art. 85, fala de “agentes auxiliares do comércio”: “São considerados agentes auxiliares
do comércio, sujeitos às leis comerciais com relação às operações que nessa qualidade lhes respeitam: 1. Os
corretores. 2. Os agentes de leilões. 3. Os feitores, guarda-livros e caixeiros. 4. Os trapicheiros e os
administradores de armazéns de depósito.
5.Os comissários de transportes”. “Agentes”, aí, não é expressão que se refira ao que nos interessa: o contrato de
agência. Ê verdade que a lista do art. 85 não é exaustiva (TEIxEIRA DE FREITAS, Aditamentos ao Código do
Comércio, 1, 412) e se teriam de pôr os agentes e os correspondentes, pois que também auxiliam.
O agente considera-se quem faz contrato de agência ou contratos de agência, pelo qual ou pelos quais se vincula,
perante alguma empresa, ou algumas empresas, a promover em determinada região, ou praça, os negócios com
aquela, ou com aquelas, e de transmitir à empresa, ou às empresas. as ofertas ou invitações à oferta que
obtiveram.
Supõe -se, como efeito de regra jurídica dispositiva (jus dispositivum), que a empresa que contrata agenciamento
não pode contratar com outrem qualquer agência, no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Isso não obsta a que
tenha agentes em bairros diferentes, ou para determinadas épocas do ano, porque, então, há restrição espacial ou
temporal da outorga.
O agente, rigorosamente, não medeia, nem intermedeia. nem comissiona, nem representa: promove conclusões
de contrato. Não é mediador, pôsto que seja possível que leve até aí a sua função. Não é corretor, porque não
declara a conclusão dos negócios jurídicos. Não é mandatário, nem procurador. Donde a expressão “agente” ter,
no contrato de agência,. senso estrito.
A conceituação é recente, porque recente é a própria figura. Apareceu muito depois do mediador, do
comissionário e do corretor. O agente, típico, é criação do século passado
(E.HEYMANN, em V. EI-IRENBERG, Is! andbuch des gesammten Handelsreckts, V, § 93). As espécies mais
frequentes são a do agente bancário e a do agente de seguros, mas a vida suscitou outras, como a dos agentes de
artigos de homem, ou de senhora, de fábricas de perfumes, de livreiros e editôres,. de teatro (às vêzes, o contrato
não é de agência), de passa-gens e de entradas de casas de diversões, de jogos de futebol e outros.
2.“AGENTE” EM SENTIDO DIFERENTE DO CONTRATO DE AGÊNCIA. No direito administrativo e, em
menor escala, no-direito privado, chama-se agente à pessoa física que é indispensável ou útil ao agir das pessoas
jurídicas. Em senso lato, abrangeria os próprios órgãos das entidades personificadas (cf. ARNALDO DE
VALLES, Elementi di Diritto amministrativo, 121>. Em sentido estrito, somente quem age sem ser órgão ou
representante. Deve-se evitar o emprêgo no senso lato, se não se tem de aludir a érgãos, funcionários ou
empregados, civis-e militares, diplomáticos e consulares, de polícia e de guarda.
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<4>
§ 4.768. Natureza do contrato de agência
1.CONTRATO DE AGÊNCIA E AGENTES. O agente promove, o contrato é para que promova. Vincula-se a
isso. Não se trata de contrato de serviço ou de trabalho. Não há subordinaçáb. O agente é independente. O agente
segue as instruções da empresa, mas apenas no que não implicaria mandato,. nem procuração, nem comissão.
§1 4.762-4.767. CONTRATO DE AGÊNCIA25
2. INDEPENDÊNCIA. A independência do agente afasta qualquer dúvida sobre a não-incidência do direito do
trabalho, das regras jurídicas sobre previdência e sobre sindicatos. Pode-se pensar em fazer-se empregado o
“agente”, mas aí o contrato não é o de agência, pôsto que os terceiros possam não fazer ~qualquer distinção entre
os agentes, prôpriamente ditos, e os agentes-empregados. O agente-empregado, por mais que procure aparecer
como empresa autônoma, não deixa de ser o que é; e vice-versa.
A remuneração fixa é um dos elementos com que se diferencia do agente, prôpriamente dito, o
agente-empregado; mas, a despeito da relevância do elemento, pode haver o agente, prôpriamente dito, com
remuneração fixa, quase sempre remuneração mínima para mínimo de promoções eficientes.
8. LOCALIZAÇÃo. O ser alhures a sede do agente, prõpriamente dito, também é elemento digno de
mencionar-se. Porém há agências não-autônomas, agentes-empregados, com sede noutra praça ou zona. Mesmo a
independência econômica da agência não é decisiva: há agências, como há sucursais e filiais, com a sua conta
própria, inclusive em relação aos seus empregados.
Em tudo isso há indícios, não elemento essencial. Tanto mais quanto pode ser imaginada a espécie em que a
agência é autônoma, porém as despesas correm por conta do outro figurante do contrato de agência. Basta que o
agente não seja empregado dêle.
Também não se pode considerar decisivo o fato de ter o figurante impôsto ao agente horário dos
serviços da empresa e outros deveres.
O que é preciso é que os elementos mostrem a autonomia económica e funcional. O fato de
o figurante fornecer ao agente os meios de transporte (automóvel, aeronave, caminhões) não
é decisivo contra a afirmação de existir autonomia economica, pôsto que o fato de determinar aquêle,
precisamente e a seu líbito, o itinerário, a pré-elimine.
O agente tem de ter liberdade no promover os negócios jurídicos com o outro contraente.
Tão-pouco o fato de ser o outro contraente proprietário da loja ou da casa em que se instalou o agente,
gratuitamente,pré-elimina, em absoluto, que se trate de agente autônomo. O uso pode ser gestão exclusiva do
agente, com tôdas as conseqúências, inclusive a assunção dos riscos (cf. A. GIORDANO, La Figura giuridica ed
economica dell‟A gente di commercio, 42). O que é preciso é que os elementos componham a autonomia
econômica e funcional. Ora, isso significa qúe o agente é o dono da empresa, que a agência é propriedade do
agente, sem que se afaste a hipótese de agência de sociedade por ações em que o outro figurante seja grande
acionista, ou, até, seja um dos órgãos da pessoa jurídica. Aí, o fundo de empresa é da sociedade por ações, a
clientela é da sociedade por ações , como agente.
Não desfigura, nem transfigura o contrato de agência receber instruções, posteriores ao contrato de agência, o
agente, nem o fato de pôr o outro figurante o agenciado a serviço do agente técnicos que auxiliem - a atividade
do agente.
Quem suporta os riscos da empresa é o agente, sem que só se considere risco a assunção de tôdas as despesas da
empresa.
Não se trata de serviço ou trabalho que seja objeto do contrato de agência. O que se quer é o resultado. Aí, serve
o agente para alcançar que os clientes se interessem e possa êle comunicar ao agenciado que o contrato, que êle
quer, pode concluir-se. A parecença é com o contrato de mediação, mas, na mediação, há a fase fáctica, anterior
à conclusão do contrato de mediação, ao passo que, no contrato de agência, a atividade do agente se inicia após a
conclusão do contrato de agência.
4.DURAÇÃO DA ATIVIDADE PARA ALGUÉM. O contrato de agência supõe a duração da atividade do
agente. Não se há de pensar em contrato de agência se A encarrega B de vender a casa da rua tal, mesmo se B tem
a profissionalidade de intermediar ou de promover. Quem opera para qualquer um não opera como agente para o
agenciado. Não há contrato de agência quando alguém recorre à chamada “agência de empregados” para que
alguma cozinheira vá servi-lo, ou à chamada “agência de informações”, para que lhe comunique o que há sObre
algum assunto.
§ 4.764. Espécies de agência
1.IMPORTÂNCIA DO EXAME DAS ESPÉCIES. Tem-se de examinar cada espécie, tanto mais quanto muitos
“agentes”,
-de que se fala, não são agentes, no sentido de figurante de contrato de agência. A agência do banco não é agente,
no sentido de figurante do contrato de agência; nem o é o agente de câmbio, nome que leis estrangeiras dão aos
corretores e não se adota no direito brasileiro (JOSÉ FERREIRA BORGES, Dicionário juridico-comercio, no
verbete Agente intermédio),com tôda a razão. LPor que se haveria de chamar “agente de câmbio” ao corretor de
valôres e corretores ao corretor de mercadorias e ao de navios?
2. AGENTE DE SEGUROS. O agente de seguros é agente, no sentido de figurante de contrato de agência. As
regras jurídicas relativas a êsse contrato incidem, salvo no que resulte de legislação especial sobre seguros.
3.AGENTES DE NAVEGAÇÃO. Se o contrato em que figura o “agente” é de simples promoção de contratos de
transportes marítimos, há o contrato de agência, e não qualquer nutro. Se o “agente” pode assinar e expedir os
títulos, há plus.
4.AGENTE BANCÁRIO. O agente bancário não se pode confundir com a agência do banco, que é instalação
secundária do banco. Agência de banco é banco; agente bancário, não. O agente bancário é autônomo; a agência
do banco, não. O agente bancário apenas promove a conclusão de negócios jurídicos bancários, dentro de
determinada circunscrição e, quase sempre, a respeito de algumas espécies de negócios. Um banco pode ser
agente de outro; e. g., para a colocação de titulos. A agência de um banco pode ser agente bancário de outro
banco.
5.AGENTE AGRÍCOLA E PECUARIO. Se a pessoa, física ou jurídica, exerce atividade apenas provocatória de
conclusão de contratos pelo agricultor ou pelo pecuarista, há contrato de agência. Se o agente vende, ou faz
contratos estimatórios pelo agricultor, ou pelo pecuarista, há plus, de modo que é mandatário, procurador,
comissionário, ou outro intermediário. Também há simples mediadores da agricultura e da pecuária.
Um dos elementos indispensáveis à figura do agente é a. discriminação da circunscrição em que êle há de exercer
a atividade.
O agente pode não no ser de empresa produtora de alimentos ou outros bens agrícolas, nem de pecuária, mas
apenas-de grupo que adquira os produtos. O agenciado pode não ser proprietário, mas locatário, pessoa física ou
pessoa jurídica, ou grupo de plantadores ou de criadores.
6.AGENTES DE BILHETES. Há agentes para a recepção de pedidos de bilhetes ou de reserva de bilhetes,
cartões de legitimação, sem que se tenha de fazer distinção quanto à natureza do conteúdo dêles e à sua
circulação. Há agentes de teatro. de cinema, de estabelecimentos de diversões e de jogos.
7.AGÊNCIA DE PATENTE DE INVENÇÃO. Se não é, ou no que não é representante do inventor, o agente de
patente de invenção pode restringir-se ao agenciamento, isto é, à provocação de conclusão de contratos com o
inventor, dentro de determinada zona.
8.AGENTE TEATRAL E OUTROS AGENTES. Se somente provocam o negócio jurídico das empresas, há o
contrato de agência. Têm apenas a atividade de distribuição, sem representação, com exclusividade e retribuição.
9.SUBAGÊNCIA. Pode o agente, ou porque o trabalho da empresa seja excessivo, ou porque seja conveniente a
especialização por frações da zona, ou diferenças qualitativas objetivas (= dos objetos dos negócios) ou
subjetivas. ( relativas a dotes pessoais dos encarregados), contratar subagent es. Há, então, o contrato de
subagéncia. O subagente, como o agente, não é empregado, não é dependente. Está para o agente como êsse está
para o agenciado. Há coadjuvação, por eficácia de outro contrato, embora, às vêzes, o contrato de agência o
preveja. A operação é por conta do agente, pois se por conta do agenciado há sucessão. O subagente não se
confunde com o substituto do agente, como o sublocatário não se confunde com o substituto do locatário (Tomo
XL, § 4.448-4.457), nem o substabelecido de Poderes se confunde com o substituto da procura (§ 4.702, 3). Por
isso mesmo, quando alguém disse (e. g., ALDO FORMIGOINI, Ii Contratto di agenzia, 32) que o agente se
reserva geralmente a subposição à casa, cujos negócios agencia, permitiu que sob a expressão “subagente” se
ponham o agente do agente, que é o subagente, e o substituto do agente (que, -então, na espécie, o deixara de ser).
Nem se tenha o subagente - - tomo mandatário do agente, o que desnaturaria a figura, como desnaturaria a
figura do sublocatário defini-lo como mandatário do locatário.
Se. o terceiro é agente para o agenciado, subagente não é;
-é outro agente, que exclui na zona do primeiro agente a atividade agencial que êsse tinha, ou devia ter.
Substituiu-se ao primeiro agente. O agente transferiu a posição jurídica no
contrato, de modo que deixou de ser agente no todo da zona, ou em parte, ou tal espaço lhe fôra pré-excluído.
Se o terceiro tem de operar para o agente, então sim é subagente, agente do agente, como o sublocatário é
locatário cIo sublocador, o substabelecido sem substituição é procurador do procurador.
§4.765. Comercialidade e não-comercialidade da atividade do agente
1. PRECISÕES. Primeiramente, afastemos que só as empresas comerciais e industriais possam ter contrato de
agência com pessoa física, ou jurídica, que aja, agencie. De jeito que não é na atividade da empresa outorgante
que se há de buscar a solução ao problema, e sim na atividade do agente. O que se passa é que seria difícil a
agenciação sem ser para empresa comercial ou industrial, que pudesse prometer exclusividade e permanência (cf.
ALDO FORMIOGINI, II Contratto di agenzia, 18). A extensão da atividade, a continuidade, a exclusividade e a
remuneração constante, ou por ato ou negócio, fazem do agente empresa, talvez não sempre mercantil.
Profissionalidade não implica necessAriamente comercialidade. Pode a empresa ser comercial e não no ser o
agente, ou vice--versa. Pode não ser empresa o outorgante, ou o agente, como ambos podem não no ser.
2.ESPÉCIES. A pessoa física, e. g., produtora manual de objetos de luxo, pode contratar agenciamento com
alguém, que seja ou não profissional. Se os pressupostos estão satisfeitos, não se pode negar que tenha havido
contrato de agência. Contrato de agência pode haver entre diretor-editor de revista e alguém que se encarregue da
colocação dos números, embora não seja profissional o encarregado. É de supor-se a estabilidade, a continuidade;
não, a profissionalidade. Por outro lado, a profissionalidade não supóe a continuidade absoluta, nem a
exclusividade (ALFREDO DE GREGORIO, Corso di Diritto Commerciale, 19 e 133; WALTER BIGIAVI, La
Professionalitá. dell‟imprenditore, 9 s.). A exclusividade é para que o agente não seja prejudicado, ou, se há
cláusula, para que o agente não-opere para outrem, no mesmo setor.
A qualidade de comerciante (Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 18) e não o estado de comer-ciante resulta, no sistema jurídico brasileiro, da habitualidade da profissão de mercancia. Quem se matricula
como-mercador ou comerciante torna-se, presuntivamente, mercador ou comerciante, expressões equivalentes.
Não há, no-direito brasileiro, a comercialidade da pessoa só em virtude da matrícula. Pode-se ser comerciante
não-matriculado, como pode ter-se matriculado como comerciante quem o não era, não é, e não faz comércio.
Matricula non .tacit mercatorem.
A respeito do agente, como do representante, que pratica os atos a que se refere a sua atividade e se matricula, não
se pode dizer que não se fêz comerciante. A profissão habitual, com o intuito de mercantilidade, ou com a
mercantilidade, faz o comerciante.
8.PERDA DA QUALIDADE DE COMERCIANTE. A perda da qualidade de comerciante, que tinha o
agenciado, é sem relevância para a qualidade de comerciante que tenha o agente; e vice-versa. Tanto se pode ser
auxiliar comerciante de empresa que não seja comerciante, como se pode continuar de ser se a empresa, que o era,
o deixa de ser.
A empresa pode ser de profissão liberal, mas a ocasionalidade de regra pré-exclui que se trate de contrato de
agência (sem a simples alusão à possibilidade de pré--exclusão, e. g., LORENZO MossA, Trattato dei nuovo
Diritto commerciale, 1, 588; contra qualquer contrato de agência, se ocasional o encargo, GIUSEPPE VALEm,
Manuale di Diritto co‟,nmerciaie, II, 185, e GIUSEPPE FERIU, Manuale di Diritto commerciale, 572). Assim,
há três opiniões: a) a que afirma não poder haver, ocasionalmente, contrato de agência; b) a que só
excepcionalmente o admite; e) a que afirma não haver qualquer pré-exclusão, pelo fato da ocasionalidade. A
opinião £9 é que é a certa.
Não importa, para se pré-excluir comercialidade do contrato de agência, se há comercialidade, ou mesmo
industrialidade, do agenciado, ou se não há; nem, a fortiori, para se pré-excluir a figura mesma do contrato de
agência. Sem razão, VITTORIO SALANDRA (Manuale di Diritto commerciale, 1, 16) e WALTER BíGIAvI
(La Piecola Impresa, 94 s.).
Por outro lado, não ser somente para negócios jurídicos de compra e de venda, ou cessões, pois há agenciamento
de locações e de empréstimos, como de outros negócios jurídicos (e. g., lutas de atletas, jogos de futebol, grupo
de artistas, ou de literatos, ou de cientistas).
4.DETERMINAÇÃO DO CONTRATO. A agência há de ser discriminada e apreciada no agente, e não no
agenciado. Se a pessoa que se encarregou não se vinculou como agente, mas sim como locador de obra, é questão
que se há de resolver pelo exame dos fatos. Às vêzes, há, apenas, gentileza de amigo, ou serviço remunerado à
vontade do agenciado, amicitiae causa. A pessoa, que foi o intermediário, ou o simples mediador, para que o
pianista desse os concertos, ou se exibisse em teatro, pode transformar-se em agente.
Quanto à questão de poder haver agente para todo o mundo, ou para tôda a zona em que o agenciado há de
negociar,não nos parece admissível que se negue, em todos os casos,
a possibilidade do contrato de agência. Tal atitude de afirmação a priori se choca com os fatos da vida. O que
importa é o espaço, e não os limites.
§ 4.766. Contrato de agência e figuras afins
1.A) AGENTE, FIGURANTE DE CONTRATO DE AGÊNCIA, E REPRESENTANTE E C) AGENTE DE
EMPRESA. A primeira distinção que se há de fazer é entre agente e agência de empresa. A agência de empresa,
e. g., agência de banco, agência da empresa industrial, é mais do que o agente, figurante do contrato de agência. A
agência de empresa pode ter capital próprio, ou não no ter; mas há o laço de empresa (cf. Tomo
XLI, § 4.505, 6).
O representante de emprésa não é subordinado. O comissionário intermedeia, em próprio nome e por conta do
comi-tente. „O conetor intermedeia, sem concluir o negócio jurídico:
corre entre os figurantes e declara a conclusão, que é entre êsses. O caixeiro viajante é salariado, que visita a
clientela, deslocando-se. O agente no sentido de figurante de contrato de agência não conclui, porque recebe
pedidos e faz pedidos, transmite ofertas ao outro figurante ou as ofertas que êsse faz. A figura do representante
fica entre a figura do comissionário e a do agente, convenhamos; mas seria grave êrro confundi-las. Não é
subordinado, como o caixeiro viajante, nem conclui em nome próprio, nem só medeia. Porém, como o caixeiro
viajante e o agente, só opera para a pessoa, física ou jurídica, à qual está vinculado, podendo-se vincular a duas ou
mais, somente consistindo infração contratual a multiplicidade se vedada no contrato de representação
comercial, e nos termos do contrato.
O representante de empresa é mais do que o agente, por serem diferentes os seus Poderes e mais amplos. O
agente não representa, pôsto que lhe possam ser outorgados Poderes de representação. Quando se fala de
representante de empresa, além da diferença qualitativa em relação ao agente, há a diferença qualitativa em
relação ao procurador, ao representante, se para algum ou para alguns negócios jurídicos determinados, e não para
o que abrange o ramo do negócio. Não há exagêro em pensar-se na figura do institor. O escravo, que o cartaz
apontava para as locações, o escravo pôsto à testa da casa bancária e de comércio de óleo (ULPIANO, L. 18, pr~,
D., de institoria actione, 14, 8), o escravo que operava com alienações fiduciárias, o membro da família pôsto na
direção do comércio, ou da indústria terrestre, pelo pai de família (II. MITTEIS, fie Leh,re von der
Steltvertretung, 24), são exemplos da figura precursora do representante de empresa. não do agente. Ou tem
Poderes de representação, a ponto de se considerar “representante da empresa~‟, o que é diferente de só ter algum
ou alguns Poderes para representação em determinado negócio jurídico, ou negócios jurídicos, ou atos jurídicos
stricto sensu, ou é simples agente, no sentido de outorgado do contrato de agência.
O agente não se há de confundir com o representante, nem com a agência de emprésa. A própria referência, no
mesmo texto, ao representante e ao agente é de repelir-se. A isso não se forrou o direito alemão. O agente que
conclui não é simples agente: há o plus da representação, ou da comissão. O agente, em senso próprio,
intermedeia, sem se encarregar de conclusões de negócios jurídicos. Ou se ocupa de vendas, ou de compra, ou de
transportes, ou de seguros; não vende, não compra, não transporta, não segura. Se o auxiliar conclui, ou é
mandatário, ou procurador, ou comissionário. O contrato de representação não se pode confundir com o contrato
de agência: agenciar não é fazer o negócio, não é concluir contratos ou outros negócios jurídicos.
Quando a atividade do agente chega a dar por concluído o contrato, o que se há de entender é que lhe cabe operar
até o momento em que êle avisa sobre o acôrdo, sem que se lhe dê forma, sem que se declare concluído
(corretagem), o que significaria ter ido até concluir-se. O agente prepara.; não conclui. No Código Comercial
alemão, o § 85 supõe que o futuro figurante se vincule, como oferente, desde o momento em que recebe a
comunicação, se de sua parte não comunica ao agente que não aceita. Não há, aí, exigência de forma,
e pode surgir a pretensão a que se conclua o negócio jurídico com a forma exigida.
O agente, conforme resulta do contrato de agência, é auxiliar, sem representar. Pode ser empresa: nada tem isso
com o contrato de agência. Também pode não o ser e apenas auxiliar a alguém.
O agente parece-se com o empregado, sem que seja empregado. Não depende. Apenas está vinculado como
pessoa que não depende.
2.FILIAL, SUCURSAL E AGENCIA, E FIGURANTES DE CONTRATO DE AGÊNCIA. A empresa há de ter
atividade exterior para que viva, inclusive sem ser com a só irradiação dos seus órgãos. Da sucursal e da filial
falamos no Tomo XV, § 1.822, 1. A filial é independente, mas em relação finalística com a empresa central, a
matriz. Há a empresa-mãe e a empresa-filha. A filial tem independência, de jeito que opera com liberdade,
embora haja de respeitar regras estatutárias comuns, ou especiais às filiais, ou à filial. A sucursal é para socorrer,
ajudar, no lugar distante; e abaixo dela está a agência, que depende da matriz, no que a sucursal, se há, depende, e
da sucursal, para que age. (As caixas de desconto, que o primeiro Banco do. Brasil teve, conforme a Carta de lei
de 16 de fevereiro de 1816, eram filiais. Bem assim as Caixas filiais do segundo Banco do Brasil; cf. Decreto n.
1.040, de 6 de setembro de 1852.
a. X. CARvALHO DE MENDONÇA confundia, gravemente, filial, sucursal e agência.)
Ser filho e, pois, ser filial não é ser órgão, nem instrumento. Há contrôle, mas sem se pré-excluir a independência.
Pode-se criar a filial com a cisão do patrimônio da sociedade-
-mãe, ou por aumento de capital (cisão preestabelecida), ou por subscrição à parte (~ especial para a filial).
Pode-se mesmo transformar em filial outra empresa, o que pode fazer mais antiga a filha do que a mae.
Desde que a empresa não se contenta com exercer somente no lugar da sede a sua atividade, ou há de ter a) filial,
ou lO sucursal, ou c) agência, ou d) há de entrar em contrato de agência, ou e) de representação de empresa. Todos
êsses operantes são empresas secundárias, quer sejam pessoas físicas quer sejam pessoas jurídicas.
A filial supõe independência, embora a empresa se sujeite a plano, programa e regras estatutárias, que a filiem.
A sucursal, instituição que vem da Idade-Média, não. No Século XIX, as sucursais pulularam, inclusive no que se
refere ao comércio a retalho, mas principalmente ao de gêneros alimentícios (Docks, Ruches, Economats,
Familistêres, Sucursais de Secos e Molhados) e de sapatos (cf. GIIJLES NORMANDO e ROGER PICARD) .Os
chain stores dos Estados Unidos da América tornaram-se de enorme importância, quase a metade do total do
comércio (cf., para 1989, A. BUTTNER, L‟Ábaissement du priz de revient dans le commerce á. défrzÃl, 103). No
Brasil, segue-se pelo mesmo caminho. A sucursal dado atinge o patrimônio da empresa, quer a empresa seja de
pessoa física quer seja de pessoa jurídica. A filialidado, não. Não importa se a sucursal tem contabilidade própria,
pois isso só se passaria interiormente. A falência ou outro concurso de credores, inclusive a liquidação coativa, da
empresa principal apanha a sucursal ou as sucursais, como apanha as agências.
3. MANDATO, LOCAÇÃO E AGENCIA. O agente age até onde o seu agir não o põe no lugar do agenciado.
Não é representante, nem, sequer, mandatário. Por outro lado, a sua estabilidade separa-o do mandato, a que
corresponde, de regra, ocasionalidade. A atividade do agente é fáctica, raramente jurídica; a do mandatário, quase
sempre jurídica.
O agente não é confundível com o empregado. Não é subordinado, como êsse.
„O agente não administra; age, sem que se possa esperar dos seus atos a gestão dos administradores.
Dilata-se demasiadamente o conceito de mandato quando se diz que o contrato de agência se enquadra no
mandato. Dá-se o mesmo em relação ao contrato de comissão, a que se não pode reduzir o contrato de agência.
Não importa se, em verdade, há plus, que faz misto o contrato, como se ao expedidor incumbe fazer o seguro do
bem transportado, sem ser de agente de seguro que se trata. O agente de seguro é agente como os outros e; como
os outros, não se reduz àfigura do mandatário (sem razão, CESARE VIvANTE, Trattato di Diritto commerciale,
~v, 5Y ed., 889; GIUSEPPE FANEILI, Le Assicurazioni private nelta giurisprudenza italiana, 82 s.). Há tôda a
conveniência em se precisar cada figura jurídica e em se conceituar de modo incisivo; e nenhuma, em se distender
o conceito de uma, ou de algumas, para se inserir nela, ou nelas, o que a vida prática e a doutrina, através do
tempo, tiveram de diferenciar.
4. AGÊNCIA E MEDIAÇÃO. Tem-se dito que, à semelhança do contrato de mediação, a atividade do agente
precede à conclusão do contrato. Pode isso ocorrer, mas longe está do que mais acontece. Mesmo se não há
contrato concluído, há colaboração anterior que estabelece conclusão e vínculos
anteriores à atividade do agente, em cada caso. O agente vincula-se a promover a conclusão do contrato, ou dos
contratos, ou dos negócios jurídicos unilaterais. 1-lá a delimitação da zona em que o agente tem de operar. Há o
direito a contra-prestação. O agente busca os contraentes, os clientes. A atividade, às vêzes, é só de publicidade e
de atenção aos clientes que vão à loja, armazém ou escritório. Outras vêzes, consiste em reclames e exposições,
distribuição de amostras e experimentações. Contra a assimilação do contrato de agência ao contrato de mediação
há o argumento de ser o contrato de agencia dotado de normal continuidade. A continuatividade é indispensável à
organização das agências, razão por que os negócios são, de regra, todos os negócios do agenciado, ou os
negócios para os quais tem especialidade a agência, sem que se pré-
-elimine, de modo absoluto, a possibilidade de contrato de agência com tempo certo, ou para poucos negócios (e.
g., liquidação de estoque).
5.CONTRATO DE AGÊNCIA E AGENCIA DE NEGOCIOS. Agéncia de negócios é outro instituto. O agente,
aí, indica e vai além do que faz o agente, no sentido do contrato de agência. O agente pode ser, de um ou de uns,
comissionário, de outro ou de outros, mandatário em contrato bilateral, mediador, ou expedidor. Tal o que
acontece com as agências de viagem ou turismo, com as agências de automóveis ou de transportes com
automóveis, ou de empréstimo e de penhôres, ou de venda, exposição, mostruário e feira, com as agências de
empregados domésticos, com as agências de publicidade e com as agencias de informações. Ai, pode haver
contratoS de agência entre empresa e a agência de negócios, com a sua disciplina própria; e pode não haver
contrato de agência.
Agente de câmbio, na terminologia do direito brasileiro, não é o corretor oficial, e sim o comerciante que faz os
negócios de câmbio monetário, manual ou trajetício. Em certos sistemas jurídicos estrangeiros, agente de câmbio
é o corretor oficial de moedas e títulos.
6.CORRESPONDENTES E CONTRATO DE AGÊNCIA. Se a empresa não tem noutro lugar filial, sucursal ou
agência, há duas soluções para que os seus interesses, quase sempre de recebimento ou de entregas, que são o de
outorgar Poderes a terceiro como correspondente ou como agente (no sentido de contrato de agente). O
correspondente recebe o que à empresa alguém deve, ou vai dever, ou lhe entrega o que fôra enviado para o
terceiro, e opera como a empresa operaria. O agente pode ter tais encargos, mas a sua função principal, típica, é a
de agenciar para a empresa agenciada. Diferente é o que ocorre com o agente da empresa, a agência de empresa,
que é dependente da matriz.
A propósito de corretores em diferentes lugares, o Decreto-lei n. 1.844, de 18 de junho de 1939, art. 20, b) e fala
de poderem os corretores de fundos públicos constituir-se correspondentes, uns dos outros, nas diferentes praças
nacionais, e ter correspondentes no estrangeiro e ser correspondentes dêles no Brasil. Com o conceito de
correspondente, evita-se alusão a mandato, agência, procuração, comissão ou outra figura jurídica. Há outorga de
poder, porém não de representação, para que o outro corretor faça aquilo que faria o outorgante, se o negócio
jurídico tivesse de ser na sua circunscrição (aquilo que corresponde a isso). Com a expressão “correspondência”,
frisa-se que só se outorga aquilo que o outorgante faria e poderia fazer e o outro corretor pode fazer. Dentro do
Brasil, só se exige que coincidam, correspondam, as operações permitidas dos corretores outorgantes e dos
outorgados. Entre corretores nacionais e corretores estrangeiros, é preciso uma vez que é outro o sistema jurídico
haver regra jurídica que permita ao corretor exercer a procura e ao corretor outorgante outorgar o poder. Daí a
diferença de redação entre o art. 20, b), e o art. 20, c), do Decreto-lei n. 1.844.
A responsabilidade de corretor outorgante perante o outro corretor é a mesma que teria o incumbente. Por parte
do corretor outorgado, a do corretor perante o incumbente, a quem o corretor incumbente substitui na relação
jurídica.
Não se precisa da procuração se há o contrato de correspondência, salvo para os atos que a exigem do
incumbente.
A respeito do correspondente, ANTONIO DE MORAIS E SILVA (Dicionário da Língua Portuguêsa, g~a ed.,
494) escreveu:
“O que trata de negócios de outro sócio, ou amigo, em terra diversa: v. g., o seu correspondente em Lisboa
é Fuão”. FRANCISCO SOIJANO CONSTÁNCIO (NOvo Dicionário critico e etimológico da Língua
Portuguesa, 4a ed., 320) define: “pessoa que está em correspondência epistolar com alguém, para objetos
mercantis de mútuo interesse, ou para objetos científicos, literários, políticos”. Duas definições. A primeira é
demasiado restritiva, porque alude à mercantilidade. A referência a mútuo é feliz, mas insuficiente. No
Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguêsa de F. J. CAIBAS AULETTE (410), fala-se primeiro de “o que
tem correspondência, ou se corresponde com alguém”; depois, do “banqueiro, negociante (em relação àqueles
com que se corresponde)”; só após, da “pessoa encarregada, pelos pais ou tutôres dos menores que viajam ou
residem em terras estranhas, de lhes fornecer dinheiro para as suas despesas, e às vêzes de velar por êles”. Inferior
aos dois outros.
Correspondente, em senso estrito, é o que opera como o incumbido (e. g., o corretor) operaria. Há o contrata de
correspondência, em que se outorga poder, sem ser de representação. O corretor correspondente não é
mandatário, nem comissionário , nem procurador. Em virtude do contrato de correspondência está vinculado a
operar, quando recebe incumbência, se procede do outro corretor, figurante do contrato. O incumbente é o
mesmo; o corretor outorgado apenas opera em lugar do corretor outorgante, porque o contrato de
correspondência o exige. A figura precisa ser vista em sua peculiaridade.
7.AGÊNCIA INTERNACIONAL PARA A ENERGIA ATÔMICA.
Trata-se de especial agência de negócios. Tem por fim promover a cooperação entre os Estados no que se refere
ao aproveitamento da energia atômica, para fins pacíficos. Os membros da Organização das Nações Unidas, em
número de oitenta e dois, convocaram Conferência internacional, que regula a constituição, organização e o
funcionamento da entidade agencia], e daí resultou o Estatuto de 28 de outubro de 1956.
8. PRECISÕES FINAIS. Qualquer ato do agente não é em nome próprio, mas sim em nome do agenciado, no
que se distingue do comissionário. Não vai até à conclusão dos negócios jurídicos, pôsto que a sua atividade já se
exerça, desde o início, no mundo jurídico, no que é inconfundível com a do mediador, que permanece no mundo
fáctico embora também não conclua. Se o agente informa até o momento último, como o corretor, nenhuma
função declaratória tem, e a comunicação de se haver concluído o contrato (= o terceiro aceitou a oferta do
agenciado, ou chegou a oferta e foi entregue ao agenciado) é apenas informativa, sem a típica declaratividade do
ato do corretor que se opera antes de qualquer comunicação.
§ 4.767. Pressupostos do contrato de agência
1. CAPACIDADE. O agente se é comerciante tem de satisfazer os pressupostos subjetivos. Se o não é, basta a
capacidade de direito civil.
Se o contrato de agência se extingue com a morte do agente, é preciso que haja outro contrato com os herdeiros ou
outros sucessores.
Se algum incapaz obrou como agente e foram concluídos os negócios jurídicos, ou foi concluído o negócio
jurídico, os negócios jurídicos concluídos são incólumes ou o é o negócio jurídico concluído (cf. ALUO
FORMIGOINI, Ii Contratto di agenria, 26). A questão da validade do agenciamento é outra questão. Se o caso
seria de anulabilidade, vale, porque rege o art. 152 do Código Civil. Se havia incapacidade absoluta, o agenciado
tem de prestar o que seja justa remuneração da obra de agência. O louco, mesmo interdito, que conserta o
automóvel, tem direito a que se lhe pague o trabalho: o louco também come e se veste.
O agente pode ser pessoa jurídica, comerciante ou não. Se a sociedade é sociedade de fato, têm-se como agentes
todos os sócios, conjuntamente. Se um dêles se afasta, ou é afastado, pode haver denúncia cheia do contrato de
agência, mas, se com prazo determinado, ou subordinado a condição resolutiva, é preciso que se alegue e prove
que a mudança implica falta de confiança.
O agente pode ser empresa estrangeira, como pode ser estrangeiro o agenciado, regulando-se o contrato pela lei
do lugar em que se há de adimplir a atividade agencial.
Tem-se de entender que o agente, no Brasil, pode defender em juízo os interesses do agenciado estrangeiro,
mediante caução de rato.
2. OBJETO E TEMPO. O contrato de agência há de dizer qual a espécie de negócios ou quais as espécies de
negócios que o outorgado se vincula a agenciar. O negócio há de ser lícito e possível, ou hão de ser lícitos e
possíveis os negócios, para que haja validade do contrato de agência.
O tempo pode ser determinado, ou determinável, ou indeterminado. Se indeterminado, o objeto das promoções e
as circunstâncias estabelecem a necessidade de aviso, para que o agenciado não seja surpreendido com a atitude
negativa do agente, ou não no seja êsse com a denúncia vazia por parte do agenciado.
Pode haver condição suspensiva ou resolutiva.
CAPITULO II
EFICÁCIA DO CONTRATO DE AGÊNCIA
§ 4.768. Momento da irradiação de efeitos
1. VINCULAÇÃO. O contrato de agência começa com o acôrdo de vontades. Há o agente e há o agenciado. De
ordi-. nário e caracteristicamente, o agente “age”, não conclui.
Não é superficial a diferença entre o agente, tal como resulta do contrato de agência, agente puramente
promovedor e autônomo, e o agente de empresa, que é dependente, que opera em nome e no interesse da empresa,
que lhe presta, interrupmente, contas, com provisões diminutas internamente. Por vêzes, o agente, figurante do
contrato de agência, receba retribuições pequenas e até tem pagas pela empresa agenciada despesas da atividade,
sem que as duas figuras se confundam. Pode continuar de ser agente, titular do contrato de agência, empresa que
ocupe loja, sobreloja, escritórios ou parte do edifício da empresa agenciadora, sem pagar aluguer. Daí certa
dificuldade na precisão dos dois conceitos: o do agente autónomo e o do agente dependente (não-autônomo). A
independência, a autonomia econômica, funcional e jurídica, é que distingue aquêle, e fracassaram tôdas as
tentativas para fundar a caracterização em elementos freqUentes porém não essenciais. Por exemplo: a
quantidade e a qualidade da retribuição (e. g., agentes dependentes podem ser pagos com percentagem ou
participação, sem salário fixo; agentes autônomos podem ter retribuição fixa mínima, ou, embora difícil de
ocorrer, fixa) ; o nome não importa (e. g., o agente dependente pode ser chamado “Agência”, como o agente
autônomo); pode ocorrer que a empresa agenciada pague tôdas as despesas do agente, inclusive os ordenados dos
empregados, que, assim, são empregados do agente e credores dêle.
A agência, sede secundária, apenas se distingue da filial e da sucursal, como espécies do gênero sede secundária.
Não é espécie do gênero em que esteja o agente, figurante do contrato de agência.
2.MOMENTO DA RETRIBUIÇÃO . assaz importante saber-se quando nasce o dever de retribuir e quando
nasce a obrigação de retribuir. O agente vinculou-se, principalmente, a prestar a sua atividade; a empresa
agenciada, principalmente, a prestar a retribuIção. Mas o direito à retribuição e, pois, o dever de retribuir somente
exsurge quando se conclui o negócio jurídico. No momento da conclusão é que há o direito à retribuIção e o dever
de retribuir. Quanto há de ser o valor da retribuIção, pode não se saber, porque, se a tradição da prestação do
terceiro à empresa agenciada não foi imediata à conclusão, ou se o não foi a prestação da empresa agenciada, da
sorte das prestações depende nascer a obrigação. A propósito, frisemos que a doutrina dos juristas italianos há de
ser posta de lado, uma vez que ela não prestou a devida atenção à diferença entre direito à retribuIção e pretensão
à retribuIção, entre dever de retribuir e obrigação de retribuir. Não é verdade que o direito à retribuIção
somente nasce quando o agenciado recebe a prestação.
3.NEGOCIO JURÍDICO DO AGENTE COM A EMPRÉSA AGENdADA. Se o agente compra ou vende bem
incluído ou bens incluídos no contrato de agência, o contrato de agência permanece incólume, uma vez que se lhe
não proIbiu comprar ou vender. O que se disse sobre a compra e sobre a venda estende-se às outras operações
agenciadas. (A cláusula ou o pacto, que lho vede, não é inválido.) O agente, uma vez que não se lhe restringiu a
aquisição, ou a alienação do bem da empresa agenciada, ou dos bens da empresa agenciada, é adquirente, ou é
alienante, como qualquer outra pessoa. Há dois negócios jurídicos, o da agência e o da operação com a empresa
agenciada. Ao agente, empresa auxiliaria , não se há de negar o poder operar como adquirente, ou como alienante.
O contrato é com a empresa, mas outro contrato. Muito diferente é o que se passa quando o agente conclui, em
nome próprio, negócios jurídicos com a clientela, transformando-se em comissionário, ou em gestor de negócios
alheios sem outorga. Se no contrato “de agência” se outorgaram Poderes, de contrato de agência não há
cogitar-se: o caso é de comissão, a despeito do nome que se lhe deu.
§ 4.769. Deveres do agente
1. DEVER DE ATER-SE À VINCULAÇÃO ESTRITA. O agente tem de restringir-se aos atos preparatórios do
contrato. Éle não representa, nem funciona, sequer, como o corretor. Se lhe foram atribuidos outros Poderes, há
plus. Mesmo se recebeu Poderes de representação, o que se há de entender é que, antes de exercê-los, tem o
agente de consultar o agenciado ou comunicar, a tempo, ao agenciado, para que êsse diga como há de agir.
A propósito cumpre observar-se que, em caso de outorga de poder de representação, não se trata de contrato misto
com o de mandato, êrro em que muitos incorrem, mas de agência com o plus da procuração (Poderes de
representar), que lhe foi dado.
Pelo contrato de agência, que é bilateral, o agente vincula-se a promover, buscar, suscitar a preparação do negócio
jurídico, quiçá até a conclusão, exclusive.
Tem de obrar com diligência, máxime na escolha dos terceiros, já fregueses seus ou não. Qualquer ocorrência
entre a comunicação e a conclusão, de que mereça ser informado o agenciado, tem de ser comunicada a êsse. Se o
não faz e surgem danos, responde o agente.
A atividade do agente não é a dos comerciantes em geral. Há de ter vivacidade, esperteza e energia, viver no
ambiente do tráfico, para que colha a clientela, ou a mantenha. Tem razão LORENZO MOSSA (Trattato dei
nuovo Diritto commerciale, 1, 48 s.) quando distingue da aptidão e diligência do comerciante em geral a aptidão
e a diligência que se há de exigir do agente.
O agente vincula-se a prestar a sua atividade, mas há de prestá-la suficiente aos bons resultados dos interesses da
empresa agenciada, que êle examinou, e admitiu ser agente dela, para que tais interesses fossem atendidos. Certo,
os resultados hão de ser os que se haviam de prever, de acôrdo com os dados do tráfico.
O agente não é comissionário. A coincidência de algumas regras jurídicas apenas permite remissões, sem que seja
de louvar-se qualquer remissão geral às regras jurídicas atinentes à comissão como às regras jurídicas sobre o
mandato. ~ preciso que a regra jurídica sobre comissão seja compatível com a natureza e o conceito do contrato
de agência. O agente apenas promove; o comissionário obra por conta do comitente. mas no próprio nome.
Ambos não representam; mas um conclui, sem que o comitente conclua, e o outro não conclui.
Se a empresa agenciada outorga poder ao chamado agente para vender ou comprar em nome próprio, há
comissão, e não agência. Se o agente comporta-se como se fôsse representante ou como se fôsse comissionário,
sem no ser, responde como gestor de negócios alheios sem outorga.
Sempre que o agente opera a favor da empresa agenciada, ou era de presumir-se a sua intenção concorde com a
presunção da vontade da empresa agenciada, a ratificação pode consistir em qualquer ato de adimplemento
posterior a essa ingerência do agente, ou em silêncio, se foi a tempo comunicada à empresa agenciada, com prazo
para se receber resposta negativa.
2. DEVER DE INFORMAÇÃO. O agente tem o dever de informar o agenciado de tudo quanto lhe pode
interessar a respeito do mercado dos produtos, na zona em que êle exerça a atividade do agente. Se apenas tem
êsse dever, agente não é.
O contrato concluído seria contrato de informação, e não contrato de agência.
Quanto às informações e às instruções da empresa agenciada, o agente está adstrito a elas, salvo se as suas
informações são mais exatas, ou as únicas, no caso, verdadeiras, ou s~ a observância das instruções seria lesiva à
empresa agenciada. Assim, se as instruções da empresa agenciada são no sentido de poder concluir com o cliente
A a prestação a crédito e o agente sabe ou deveria saber que o cliente está em situação difícil quanto aos
pagamentos, ou prestes a pedir decretação de concordata ou de concurso de credores, tem êle o dever de informar,
com urgência, a empresa agenciada, e somente de tal dever se eximir-se se a empresa agenciada insiste em seu
propósito. Em todo o caso, o dever de atender às instruções, apesar do informe contrário, não pode persistir se há
no contrato de agência a cláusula det credere. Para a persistência do dever de respeitar as instruções teria a
empresa agenciada de pré-exonerar da responsabilidade dei credere o agente.
(Quanto às despesas que faça o agente para que a empresa agenciada não insista na conclusão do negócio jurídico,
entram, de regra, nas despesas da agência. Aliter, se, após prestada informação, a empresa agenciada exige
despesas que o agente não costuma fazer, como a de informar-se por detetives de estar comparecendo a cassino
para jogos altos o cliente.)
Se o agente sabe ou percebe que os negócios não podem marchar como se previa ao ser concluído o contrato de
agência, tem o dever de informar a empresa agenciada, ou para reputar sem remédio a situação e sugerir o distrato
ou a denúncia, ou para evitar que a empresa agenciada denuncie o contrato e o conclua com outra pessoa. Pode
bem ser que a causa seja apenas pessoal, como se não há organização suficiente da empresa do agente e está êsse,
no momento, impedido da atividade agencial, inclusive por doença. Se a empresa do agente está apta a não sofrer
suspensões por moléstia ou outro impedimento do agente, não tem êsse o dever de comunicar o que pessoalmente
se passa.
O agente tem de informar sobre o que a empresa agenciada não pode saber ou provâvelmente não saiba sobre a
situação do mercado na zona da agência (dever de informações especificas sóbre o mercado). Por exemplo:
quanto a vedações prováveis ou seguras de comércio, exportação ou importação, alta ou baixa de tarifas,
preferências da clientela no momento, tendências da moda, impossibilidade ou dificuldade de transporte. Para os
agentes de empresas estrangeiras, cresce de ponto a vinculação a informar, porque não podem elas ter o
conhecimento do mercado e suas circunstâncias que as empresas internas costumam ter. Contam elas com o que
lhes informa o agente.
Tem-se discutido quanto à relevância do êrro de informação, ou da repetição dos erros. Sem dúvida, a repetição
dos erros de informação por parte do agente compõe, quase sempre, a figura da negligência, ou mesmo da
inaptidão. O que se há de assentar é que um êrro pode ser tão grave como muitos erros e por trás do alegado êrro
estar o dolo. O que importa é que se revele a negligência, como se o agente. que deve conhecer o que se projeta
sobre a exportação, ou a importação, deixa de avisar, antes da expedição ou sem tempo para que a mercadoria saia
ou entre, que está em andamento o projeto proibitivo.
8.DEVER DE NÃO-CONcORRÊNCIA. Mesmo se o agente não é de uma só empresa (= se não contrata agência
somente com uma pessoa física ou jurídica), tem de abster-se de concorrer com o outorgante. Em princípio, tem o
agente o dever de não agenciar com concorrentes do outorgante, nem divulgar notícias concernentes à sua
atividade de agente e métodos de produção da empresa com que concluiu o contrato de agência. Não se lhe
permitem, por conta própria, ou de terceiro, negócios jurídicos que concorram com o do outro figurante.
Quanto à vedação de concorrência, cumpre que se enfrente o problema da existência do dever de
não-concorrência depois de resolvido, de regra resilido, rescindido, distratado, ou denunciado, ou terminado o
contrato de agência. Acabou-se, ex hypothesi, a eficácia do contrato de agência; e quer-se saber se, a despeito
disso, continua o dever de não-concorrência, isto é, se o agente está adstrito a não agenciar para outra empresa na
mesma zona e para os mesmos negócios. Nenhuma solução seria fácil sem se terem precisado todos os termos da
questão.
A opinião que sustenta a sobrevivência, digamos assim, da eficácia após a resolução ou resilição, o distrato, a
denúncia, a terminação por expiração do prazo, quer a pós-eficácia contratual quando nenhuma eficácia se irradia
~o contrato extinto ex tunc ou ex nuno.
O agente tem a sua clientela; a empresa outorgante, a sua. Cada um dos figurantes sabe a que se expõe com a
conclusão do contrato de agência e sua possível ineficacização próxima, ou a sua extinção. Se há prazo, cada um
está com os dados.
suficientes para prever o que pode ocorrer ao expirar-se o prazo. Se houve a resolução, a resilição ou a rescisão, a
indenização pode ir até a inclusão do que cubra os prejuízos prováveis ou provados. No caso de condição
resolutiva, ambos podiam pensar no que acompanharia a desconstituíção automática do contrato de agência.
Se houve denúncia pela empresa outorgante, houve o pré-aviso e a indenização. Não se há de cogitar de
enriquecimento injustificado, quer por parte do agente quer por parte da empresa outorgante.
O que se fazia com referência ao nome do figurante outorgante, não mais pode ser feito (e. g., em anúncios,
cartazes, televisão e rádio). Nem o nome do agente pode constar da publicidade que faça a empresa agenciada, ou
que faça o seu nôvo agente.
Não se pode cercear a posterior atividade do agente, nem. a iniciativa ou a continuidade de expansão da empresa.
Isso não significa que não possa exsurgir concorrência desleal, ou concorrência extracontrato. Aí, não está em
exame o contrato de agência; não se trata de eficácia de tal contrato..
O que acontece é ato ilícito absoluto.
Quando a clientela depende do agente, a empresa tem interesse em que não seja afastado. Áliter, se não depende
dêle e seria a mesma ou quase a mesma que ela tem sem a atividade do agente.
Sempre que o agenciado pratique, direta ou indiretamente, o que cabia ao agente, deve a remuneração. Se
indiretamente o fêz, deve a remuneração e a indenização.
Não há, porém, jus cogens a respeito de exclusividade. Quer dizer: a atividade exclusiva do agente não é elemento
essencial do contrato de agência. As cláusulas e os pactos são permitidos. Podem os figurantes estabelecer que,
sabre os mesmos objetos e na mesma zona, haja dois ou mais agentes. Sempre que se disse o número, é de
entender-se que não se pode contratar outro, salvo se, a despeito do número inicial, se previu a possibilidade de
contratos de outro ou de outros. Há, então, concorrência de agentes, o que por vêzes corresponde ao interesse de
ambos os figurantes. Ao lado de tal cláusula de pluralidade de agentes, ou do pacto de pluralidade de agentes,
permite-se que se estipule prêmio ao que mais contratos obtiver, ou a persistência de algum ou de alguns agentes
em vez de todos, resolvidos ou denunciados os contratos com os que não conseguirem os melhores resultados.
Se foi designado o objeto ou se foram designados os objetos sobre que se fariam os negócios e a empresa produz
outros, ou tem interesse em negócios sobre outros objetos, há a determinação especial do objeto, ou dos objetos, e
não está impedida a empresa de constituir, no mesmo momento e para a mesma zona, ou em momentos
diferentes, mas para a mesma zona, dois ou mais agentes, desde que a atividade de um não concorra com a do
outro ou dos outros. Ainda aí é possível a cláusula ou o pacto de pluralidade de agentes para os negócios sobre o
mesmo objeto e na mesma zona.
4.ATos DIRIGIDOS AO AGENTE E ATOS DO AGENTE FORA no AGENCIAMENTO. Se o agente faz
pagamento, ou se recebe pagamento, sem que tenha tido outorga de poder para isso, apenas é gestor de negócios
alheios sem outorga. Pode dar-se que tenha sido de tôda a conveniência para a empresa agenciada que assim
procedesse, mas isso de modo nenhum muda o problema jurídico. O solvens expõe-se a que a empresa agenciada
alegue que o agente não poderia receber. Isso ocorre mesmo se havia no contrato de agência, ou em pacto adjecto,
a cláusula del credere. Todavia, se é do uso do tráfico, e pode ocorrer que o seja, o recebimento pelo agente, ou o
pagamento pelo agente, surge outro problema, que é o de se saber se o uso criou a outorga tácita. Uma vez que, ex
hypothesi, se afirmou existir tal uso do tráfico, a resposta tem de ser positiva. Em todo o caso, o terceiro deve
comunicar à empresa agenciada, ou, depois, alegar e provar que assim ocorreu repetidas vêzes.
De modo nenhum é de admitir-se que baste a afirmação do agente de ter Poderes para receber, pois teria, como
procurador ou mandatário, de mostrar o instrumento de procura ou de mandato.
Se a empresa agenciada tem dinheiro com o agente, a responsabilidade dêle é a de depositário, com as
conseqUências de direito privado e de direito penal.
Mesmo se o agente tem dinheiro da empresa agenciada para pagar, o que é comprado não o é por êle, mas pela
empresa agenciada. Se é o caso de se entender que o agente pode receber, segundo os princípios já expostos,
quem pode receber não está, somente por isso, com poder de abater, ou alterar os termos do negócio jurídico.
O agente não representa. Mas foi êle quem preparou, ou, pelo menos, quem se incumbiu de preparar os negócios
jurídicos. Daí poderem ser endereçadas a êle reclamações da clientela. Afirmou, por exemplo, qualidades que o
bem não tinha, ou que os bens não tinham. Por outro lado, porque foi êle quem preparou os negócios jurídicos, à
empresa agenciada não poderia ser negado o direito de reclamação contra o agente (e. g.. informou erradamente).
Quanto às reclamações da clientela, tem o agente de transmitir imediatamente à empresa agenciada o que alega o
cliente, ou o que alegam os clientes. Alguns juizes têm visto aí representação ex lege da empresa agenciada, o que
é inadmissível. O art. 1.745 do Código Civil italiano concorreu para desvios graves na doutrina. Aliás, ~
ALFREDO Rocco (Principf di Dirilto commerciale, 852, 858 s.) enveredava pela tratação da “representação
imprópria” dos que preparam negócios jurídicos em vez de concluí-los por outrem. Ora, tudo isso foge à ciência
do direito. Só há representação se negocial, oriunda de outorga de poder de representar, ou se legal.
Se a empresa agenciada pode ir contra o agente, ou se o cliente pode ir contra êsse, é porque há culpa do agente,
culpa que cobre o ato ilícito relativo, ou o ato ilícito absoluto. A legitimação processual contra aquela, ou contra
êsse, somente pode resultar da posição dêsse como possível legitimado passivo, em ação contra êle, e não contra
o outro figurante do negócio jurídico. Se está em causa dever, ou obrigação da empresa agenciada, e êle
ativamente ingressa em juízo, só o pode fazer com a propositura da ação com caução de rato. Se o cliente, em vez
de propor a ação contra a empresa agenciada, vai contra o agente, tem o agente a alegação de não ser parte, mas
sim a empresa agenciada.
A propósito das medidas cautelares, o agente somente pode agir, ativa ou passivamente, com caução de rato. Não
há. poder de representação legal, por parte do agente.
§ 4.770. Deveres do agenciado
1. DEVER PRINCIPAL. O dever principal do agenciado é retribuir a atividade do agente. Há, porém, todos os
deveres decorrentes da vinculação a quem vai prestar ao agenciado a sua atividade específica. Convém
particularizá-los a todos.
2.DEVER DE PRESTAR INFORMES, AMOSTRAS E QUAISQUER DADOS OU MEIOS
INDISPENSÁVEIS Á ATIVIDADE DO AGENTE. O direito à informação, por parte da empresa, não vai a ponto de ela poder indagar de como trabalha o agente,
como conseguiu algum cliente, ou alguns clientes, ou a clientela.
Por outro lado, não pode o agente investigar como o agenciado logra a qualidade do produto com que capta a
freguesia.
Se a empresa, sem dar razões admissíveis, ou dando razões inadmissíveis, recusa-se a concluir os negócios
jurídicos, deve a provisão (sem razão, ALDa FORMIGGINT, 11 Contrato di agenna, 50). Não é preciso, para
que se possa tratar de infração do contrato, que a recusa se repita, como pareceu a LORENZO MOSSA (Trattato
di Diritto commerciale, 1, 556). Se o agente apresenta cliente que é indesejável, não se pode afirmar, a priori, que
incorre em inadimplemento ruim, pôsto que as circunstâncias possam configurá-lo. Tão-pouco, é essencial, para
isso, que se reproduza a apresentação de clientes indesejáveis.
O agente promoveu o contrato, a empresa conclui ou não o negócio jurídico. iQ direito do agente à remuneração
somente poderia ser negado se há, iii casu, indesejabilidade do cliente.
8. RETRIBUIÇÃO . O que se concluiu, através do agente, deve-se a êle, que o preparou, provàvelmente até o
último momento. A retribuição é devida no momento em que o outorgado satisfaz a contraprestação. Se a culpa
de não se concluir o negócio jurídico proveio do agenciado, a retribuição é devida. Tem o agente, em quaisquer
casos[direito de retenção .
Se foram traçados limites territoriais à atividade agencial, tem o agente direito à retribuição sobre qualquer
negócio que se conclua dentro do espaço referido, ainda se concluído pelo agenciado, ou por outra pessoa em
nome dêsse.
À empresa nenhuma intromissão incumbe ou pode ter na agência, salvo no tocante a indagações concernentes à
publicidade. Nenhuma pretensão lhe toca quanto a saber como e porque o agente granjeou algum, ou alguns
clientes, ou como os consegue. Por outro lado, se o agente se surpreende quanto a não ter a empresa, a seu líbito,
deixado de concluir o negócio jurídico, que êle agenciou, tem êle três caminhos: a) ou exige a retribuição, que lhe
é devida; ti) ou entende que a falta de razão para recusa passa dos limites toleráveis e houve inadimplemento do
contrato de agência, com danos para a reputação social e interesses futuros do agente; c) ou admite que o
agenciado tenha tido razão suficiente para isso, por fato ou circunstância que êle, agente, ignorava, ou não, ou não
podia ignorar. Na atitude ti) pode haver, como plus, o pedido judicial de resilição do contrato.
Precisa-se raciocinar, sempre, tomando-se em consideração que o agenciado e o agente são empresas autônomas.
Há a oferta do negócio jurídico, que o agente promoveu, e há a recusa, ou a aceitação, por parte da empresa
agenciada.
O agente tem direito à remuneração, em princípio, desde que a conclusão podia ocorrer e só dependia da empresa
agenciada, bem como se a empresa agenciada concluiu negócios jurídicos diretamente, prescindindo da atividade
do agente.
O agente é que, autônomo como é, organiza a sua atividade e a sua empresa, escolhe os auxiliares dependentes ou
não (e. g., mediadores, subagentes, mandatários). Seria sem pertinência invocar-se o princípio Dele gatus dele
gare non Vote st. O agente é que figura no contrato de agência, sem que se possa exigir que êle se submeta à
fiscalização ou ao velamento da empresa agenciada. É possível mesmo que tenha filiais e agências (no sentido de
colaboração para os mesmos fins, e não no sentido de agente figurante do contrato de agência, porque então se
trataria de subagente).
O agente expõe a sua reputação para que a sua atividade tenha bom êxito. Não representa a empresa, mas o seu
prestígio está em jôgo. Daí ser de seu interesse que os bens alienados não tenham vicios de direito ou do objeto. O
procurador e o mandatário não ficam atingidos pela alegação de vício redibitório, que o terceiro faça. O agente,
sim. A natureza da sua atividade embora exterior é de informação aos clientes e de informação à empresa
agenciada. Qualquer falta do cliente, ou da empresa agenciada, pode diminuir a sua clientela, deixá-lo mal
perante outras empresas agenciadoras. Daí pode ocorrer resibilidade do contrato de agência.
A retribuição quase sempre é percentual sobre o importe do negócio jurídico. Às vêzes, determina-se quantia fixa
por unidade do objeto do negócio jurídico, ou por negócio jurídico. Nos contratos de agência de seguros, pode
ocorrer e sói ocorrer que a percentualidade recaia nos prêmios periódicos, ou cm quantia determinada, inicial e
percentual, sobre os prêmios. Se nada se dispôs, regem os usos do tráfico. Mais ainda: é encontrável a cláusula de
remuneração só tire preço: e. g., o agente, que poderia preparar a venda por x, prepara-a por x + 1.
Se não houve cláusula expressa de retribuição, nem há uso do tráfico que a determine, a retribuição é devida, pois
o contrato de agência é oneroso, e o caso resolve-se por arbitramento, que pode ser amigável ou judicial. Se
alguma pessoa presta a preparação de negócios jurídicos de outrem, com intuito de amizade, ou de
contraprestação em “presente”, ou “assinatura gratuita”, ou outra gentileza, não há pensar-se em contrato de
agência. É o que por vêzes se dá entre cronistas sociais e casas de modas.
O direito à retribuição, que tem o agente, abrange os negócios jurídicos concluídos, durante o contrato de agência
e sua eficácia, e aquêles que forem concluídos após, se derivados de preparação no curso do contrato de agência.
Não só com a conclusão do contrato nasce o direito do agente, nem somente (manto aos que foram executados
antes de terminar o contrato, ou depois, se antes concluídos, como pareceu a ALDO FORMICOINI <11
Contratto di agenzia, 54 s.). A agência concerne à preparação, e não à conclusão. O agente prestou o que
prometera e seria desacertado que se deixasse a líbito da empresa agenciada demorar a conclusão dos negócios
jurídicos preparados pelo agente, ou prontos para conclusão ao tempo do contrato e dentro da zona, a fim de se
forrar, com o tempo, à pretensão do agente à retribuição.
O agente informa, o agente recebe informações, alguns negócios jurídicos exigem punctações, de jeito que é fácil
provar-se a preparação pelo agente. Se a atividade do agente é sem concretização suficiente em cada caso, como
se mais deriva da publicidade e do prestígio do agente, em influição difusa, tem-se de partir do ônus da alegação
e da prova, pelo agente, de ter sido resultante da sua atividade a conc1usão posterior à extinção do contrato. Se o
negócio jurídico foi sem intervenção específica do agente, pode acontecer que haja derivado da atividade do
agente.
Se a questão vai a juízo, as provas mais convincentes são os dados informativos de um e de outro figurante, como
se o agente disse à empresa que o cliente esperava a visita do vendedor, ou de outro empregado da empresa, ou se
a própria empresa comunicou o abatimento que podia fazer no preço, ou se podia, no momento, vender a
quantidade pedida. Também é prova de pêso o depoimento do cliente, ou algum documento relativo aos contactos
com o agente, ou apenas à empresa de remessa de anúncios do agente.
A pretensão do agente subordina-se à sorte do adimplemento pela empresa, com o recebimento. Se a empresa
prestou, e não recebeu, ainda não pode o agente exigir a remuneração. Se a falta de adimplemento resultou de
culpa da emprésa agenciada, a pretensão do agente nasceu. Se houve acêrdo de abatimento entre o cliente e a
empresa agenciada, a redução feita do que se devia a essa ou àquele não importa para a redução da retribuição do
agente. O direito já existia, devido à conclusão; o que está em causa é a exigibilidade, a pretensão Assim, a) se as
obrigações oriundas do negócio jurídico foram totalmente adimplidas, a remuneração é total; ti) se só tiveram
adimplemento parcial, a retribuição é parcial, proporcionalmente; e) se a falta de adimplemento foi total, por
culpa da empresa agenciada, o agente tem pretensão a tôda a retribuição.
Se o adimplemento foi retardado, retardado fica o nascimento da pretensão. Se foi preciso propor a ação de
cobrança, ou outra ação que caiba, no momento em que se executa judicialmente, ou se executa amigàvelmente, a
tradição pelo juiz, ou pelo figurante, é que importa. Se o pagamento foi em título de crédito, a remuneração
também o pode ser com a mesma data de vencimento.
Em todas as ações propostas pela empresa agenciada, ou contra ela, pode intervir o agente.
O agente é interessado em que o cliente entregue o bem comprado pela empresa agenciada, ou o preço do bem
vendido por ela, como o é em que a empresa agenciada preste para que receba. Sem isso, não tem êle direito à
remuneração. É, evidentemente, terceiro interessado, que em direito material e em direito processual se há de
tratar como tal. Os arts. 930 e 934 do Código Civil e 88 e 93 do Código de Processo Civil. São invocáveiS.
No caso de resolução, ou de resilição, ou de redibição, com elemento condenatório contra o cliente, o agente tem
pretensão à parte da indenização, como teria pretensão à parte do adimplemento.
No caso de concurso de credores do cliente, dando ensejo a inadimplemento parcial, o agente não tem direito à
remuneração. Se, a despeito do concurso de credores, o pagamento foi totalmente feito, há a pretensão à
retribuição.
Se houve redibição, por vício do objeto do negócio jurídico, com a culpa do alienante, empresa agenciada, deve
ela a retribuição.
No caso de resolução ou de resilição por mútuo consenso, há três soluções de lege ferenda: a) a de ser sem
qualquer repercussão no direito do agente à retribuição, razão para ser exigível o pagamento dessa à data em que
deveria ser feito, normalmente, o pagamento, ou entregue o objeto; b) a de não ser devida qualquer retribuição
(Côrte de Apelação de Milão. 15 de janeiro de 1985 e 28 de novembro de 1984; contra, a 28 de dezembro de
1934) ; c) a de ter o agente direito a retribuição parcial (Código Civil italiano, art. 1.749, 2.8 alínea).
A solução exata é a primeira, porque atende aos princípios. O negócio jurídico foi concluído, Os figurantes o
agente não no é acordaram na resolução ou na resilição. Podiam fazê-lo. Os titulares de direitos são livres quanto
à renúncia, à transação, às dações em soluto. Nada tem com isso o agente.
O que êle fêz está feito. O que prometeu foi dar ensejo, ou é de presumir-se que o deu, à conclusão do negócio
jurídico, e êle apenas o preparou. O direito à retribuição nasceu com a conclusão do negócio jurídico entre a
empresa agenciada e o cliente. O que faltava era a exigibilidade, a pretensão. Nada podia fazer o agente para que
os figurantes do negócio jurídico concluído não o resolvessem, ou não o resilissem. A solução do Código Civil
italiano, art. 1.749, 2.~ alínea, foi, de lege ferenda, injusta. A da jurisprudência italiana, ao tempo do ab
-rogado Código Comercial, injustíssima. A doutrina italiana de agora, em tôrno do art. 1.749, 2.8 alínea, do
Código Civil italiano, teve de dizer como se determina a retribuição parcial, e fala de retribuição “equitativa”.
Quando houve acôrdo entre a empresa agenciada e o cliente, inclusive para resolução ou resilição do negócio
jurídico, ~tem o agente pretensão à tutela jurídica contra o cliente da empresa agenciada? LORENZO MOSSA
(Trattato dei nuovo Diritto commerciale, 1, 558) sustentou a existência da pretensão contra a empresa agenciada
e contra o cliente, porque a sua manifestação de vontade foi concausa da impossibilitação do adimplemento. Ora,
o cliente foi estranho ao contrato de agência e o ato de resolução ou de resilicão entra na liberdade negocial dêle e
da própria empresa agenciada. O cliente não deve a retribuição. Quem a deve é a empresa agenciada. O agente
tem direito e pretensão contra essa, não contra o cliente, pôsto que, em caso de lide, possa introduzir-se no
processo, conforme dissemos. Para ALUO FORMIOGINI (Ii Contratto di agenzia, 82), há responsabilidade
solidária pelo ato ilícito, se houve colusão para dano ao agente. Não é difícil que isso ccorra, mas, aí, não está em
exame o acôrdo de resolução ou de resilição em si. O que pode acontecer é que o agente, diante da atitude da
empresa agenciada, tenha diante de si os pressupostos para a medida cautelar do arresto, ou para o pedido de
abertura de concurso de credores, mas sempre contra a empresa agenciada.
Em tôda a exposição feita, supusemos o que mais acontece: o direito à remuneração nascido ao prestar o agente o
que prometeu, a preparação; e a pretensão, ao ser recebida pela empresa agenciada o que lhe é devido pelo
contrato. Nada
obsta a que os figurantes do contrato de agência estabeleçam que a pretensão também nasça ao nascer o direito, ou
que ambos nasçam em determinado momento, e. g., três meses após a conclusão do contrato.
§ 4.771. Direitos irradiados do contrato de agência
1. DIREITO DE ExCLUSIvIDADE. Tanto a empresa agenciada como o agente têm por ius dispositivum o
direita de exclusividade. Nem o agenciado pode outorgar Poderes de agenciamento a outra ou a outras pessoas,
nem o agente pode, quanto ao mesmo negócio, encarregar-se de agenciar para outrem. Todavia, conforme
dissemos, só dispositivamente se há de estabelecer uma ou outra exclusividade. Na mesma zona e para negócios
jurídicos sobre os mesmos objetos não pode a. empresa outorgante contratar com outra pessoa a agência. Nem o
agente, quanto aos mesmos objetos e na mesma zona, pode agenciar para outra empresa. Em todo o caso, o
principio (dispositivo) da exclusividade reciproca não pré-exclui os chamados negócios jurídicos diretos, na
mesma zona e sobre os mesmos objetos; isto é, aquêles negócios jurídicos em que não há agenciamento. Ainda
assim, tem-se de considerar violação~ do princípio a atividade da empresa, por seus órgãos ou por seus prepostos,
ou mediadores, ou corretores, ou quaisquer intermediários, para obter a conclusão de negócios jurídicos. Por meio
de atos de auxiliares, autônomos ou não-autônomos, não pode a empresa fazer visitas habituais à clientela, nem
percorrer a clientela com caixeiros viajantes. Diminuir-se-ia, como bem acentuou FRÂNCESCO FERRARA
,.Tunior (Gli Imprenditori e te Societá, 23 ed., 59), o crédito do agente, ou turbar-se-lhe-ia a atividade. A
exclusividade recíproca estaria sacrificada se o agente pudesse operar para outra empresa, sobre os mesmos
objetos, como também se a empresa pudesse ter outros auxiliares autônomos ou desenvolver a atividade igual ou
semelhante à do agente com auxiliares não-autônomos. Se a empresa, em vez de apenas atender a pedidos
(ofertas), ou de remeter prospectos aos seus clientes, os procurasse, ou visitasse, ou fizesse visitar-se a zona para
angariar pedidos, estaria comprometida a exclusividade a favor da empresa-agente.
2. PRÊ-ELIMINAÇÃO DA EXCLUSIVIDADE. Não é essencial ao contrato de agência a exclusividade a favor
do agente.
A regra jurídica de exclusividade é dispositiva. O agente só é exclusivo se isso foi dito, ou se nada se disse em
contrário. A empresa só tem direito à exclusividade do agente se assim se estabeleceu no contrato, ou se nada se
opõe , no contrato, a essa afirmação. Daí serem válidos os pactos restritivos ou pré-excludentes da exclusividade.
Pode haver a cláusula ou pacto de ter ou de poder ter a empresa, na mesma zona, dois ou mais agentes
determinados, a despeito da igualdade dos objetos dos negócios jurídicos (cláusula ou pacto de exclusividade
para dois ou mais agentes). Ou a cláusula ou pacto de não-exclusividade (há dois ou mais, sem que se vede o
contrato com outra pessoa ou com outras. pessoas).
CAPÍTULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE AGÉNCIA
§ 4.772. Causas de extinção
1.GENERALIDADES. As causas de extinção ou são de extinção do negócio jurídico, que existiu e passa a não
ter existido, ou a não mais existir, ou são de extinção da eficácia. A decretação da nulidade ou da anulação são
exemplos típicos da primeira espécie. O completo adimplemento, de parte a parte, da segunda. O fechamento da
empresa de agência ou da empresa agenciada dá exemplo da terceira espécie.
2.QUESTÕES DE COMPETÊNCIA PARA AS AÇÕES. Lugar
do adimplemento do dever de retribuIção ao agente é, de ordinário, a sede da empresa agenciada. Aí é que se
fazem as contas, mesmo porque a empresa agenciada pode ter muitos contratos de agência. O fato de a empresa
agenciada costumar remeter as quantias, que entenda serem aquelas a que o agente tem direito, de jeito nenhum
afasta que a sede da empresa agenciada seja o lugar do fôro de solução (forum solutionis).
Quase sempre, nos contratos de agência, se explicita que a sede da empresa agenciada é que dá o fôro. Cf. Código
de Processo Civil, art. 134.
§ 4.773. Análise das espécies
1.PRAZO E CONDIÇÃO RESOLUTIVA. Se há prazo deter-minado, ou se há condição resolutiva, extingue-se
o contrato pelo advento do têrmo, ou pelo implemento da condição.
2.DENÚNCIA CHEIA E DENÚNCIA VAZIA. Se não há prazo, nem condição, ou se essa não afasta a
denunciabilidade,a denúncia cheia faz extinguir-se, quer seja denunciante o agente, quer o seja o agenciado. Bem
assim a denúncia vazia, desde que se atenda a prazo razoável para a eficácia. Não seria de admitir-se que o agente,
nas vésperas da expedição pelo agendado, denunciasse o contrato; nem que o agenciado, que há de levar em
consideração os esforços prévios do agente (propaganda, instalações, entabolamentos de relações). Falta no
direito escrito brasileiro fixação legal de prazo, de modo que se tem de atender às circunstàncias .
3.RESOLUÇÃO E RESILIÇÃO DO CONTRATO DE AGÊNCIA. A empresa tem direito e pretensão
à resolução ou à resilição do contrato de agência, com a indenização dos danos, se o agente teve culpa,
como se deixou de difundir os produtos da empresa agenciada, a despeito do que ficou estabelecido, ou é
do uso do tráfico, ou se estabeleceu contra ela concorrência com outra empresa. Inclusive, entenda-se,
se deixou de dar, em tempo, o aviso de não poder exeqílir o que prometera, ou era dos usos do
tráfico, na sua zona, que fizesse.
No caso de resolução ou de resilição com culpa da empresa agenciada, responde ela pela indenização.
Se a culpa foi do agente, responde êle.
~ Qual a indenização a que tem direito a empresa agenciada? Se nada se dispôs no contrato de agência,
têm-se de examinar as circunstâncias para se saber qual seria o lucro mínimo que fôra de esperar-se
para a empresa agenciada, quer se trate de alienação quer de aquisição. Há, pois, dever de preparação
minima de negócios, salvo se no texto do contrato de agência apenas se cogita de tentativa de
lançamento de artigo, que pode ser repelida.
4.MORTE DO AGENTE E MORTE DO AGENCIADO. A morte do agente somente extingue o
contrato de agência se a empresa agenciadora se extingue. Quem não sucede na empresa agenciadora
não tem direitos quanto ao que foi preparado e conduzido pelo agente. A herança do agente tem direito a
receber as retribuições de todos os negócios jurídicos que foram concluídos até o dia da morte do
agente, incluídos todos os negócios jurídicos pré-contratuais, ou a respeito dos quais se haja feito
adiantamento à empresa agenciada ou ao cliente.
A morte do agenciado causa extinção do contrato de agência se não há sucessão na empresa, segundo
os princípios.
5. DEVER DE PRÉ-AVISO. Existe o dever de pré-aviso se a extinção resulta de outra causa que a da expiração
do prazo determinado.
Convém advertir-se que é usual o período de prova ou tempo de experiência, para que, após Me, se tenha como a
prazo indeterminado o contrato de agência. Cada figurante fica livre de continuar, ou não, no contrato, sem dever
de pré-aviso, salvo se foi estipulado. A continuação, no dia seguinte à expiração do período de prova ou tempo de
experiência, põe o contrato no rol dos contratos de agência a prazo indeterminado <ou determinado, se havia
cláusula nesse sentido).
Sempre que há dever de pré-aviso, a falta dá a quem havia de ser pré-avisado o direito a
indenização. Quem não foi pré-avisado não teve tempo para procurar outra atividade, ou outro agente. Pode
ser previsto o quanto da indenização. inclusive conforme os dias, meses ou ano, ou épocas do ano. A
quantia média das retribuições serve de base para o cálculo da indenização ao agente, se nada se
estabeleceu e se não há uso do tráfico a respeito. Não se computam os reembolsos de despesas. Quanto
à empresa agenciada, a indenização há de consistir em quantia que corresponda ao lucro que a casa teria tido com
os negócios jurídicos provâvelmente concluíveis no período de pré-aviso.
TftuIo XXXVIII
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
/
CAPIruLO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE
REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.774. Conceito e natureza
1.CONCEITO. Desde que a empresa atribui a alguém, pessoa física ou jurídica, Poderes de representar, para,
sem ser subordinado seu (ininvocáveis, portanto, as regras jurídicas sobre proteção dos salariados), operando por
conta do representado, na matéria dos negócios comerciais ou industriais, há contrato de representação de
empresa. O representante de empresa não oferece os seus serviços a quem dêles queira aproveitar-se: só se
vincula com o contrato feito com a empresa, ou com cada empresa. Os seus empregados são seus, e não da
empresa.
Oexercício da atividade é exclusiva (para o representante, o que afasta a pluralidade de representantes na mesma
zona) e permanente (constante). Se o representante não se faz, por outros atos, comerciante, comerciante não é.
A discriminação da representação de empresa na zona, objetivam ente, não infringe a exclusividade. Por
exemplo:
representação da empresa A, para automóveis; representação da empresa A, para máquinas de lavar.
2.NATUREZA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃo DE EMPRÉSA. Não há, no contrato de
representação de empresa, contrato de trabalho, O representante é independente. Os sistemas jurídicos que
criaram proteção trabalhística aos representantes foram além da medida e suscitaram grandes
dificuldades na definição mesma das espécies. Ou o representante é dependente, subordinado, ou
não no e.
A empresa, industrial ou comercial, poderia, sózinha, ocupar-se de todos os seus negócios, inclusive na
procura ou na atração de clientes, com os quais se póe em contacto direto. Mas isso só permanece, hoje,
para as pequenas empresas. Daí a necessidade, para as empresas de porte, dos mediadores, dos
intermediários, dos representantes, se não lhes basta ou se não podem ter ou não lhes convém ter a
criação de filiais, sucursais. e agentes (sedes secundárias).
Quanto ao representante de empresa (digamos assim para. que se entenda que não há só o representante
de comércio, mera espécie), não é salariado (auxiliar dependente) ; nem simpies mandatário, nem
preenche, de ordinário, os pressupostos do comissionário. Não só promove; conclui negócios
jurídicos em nome e por conta de outrem, que é a empresa representada.
Há elementos de procura, evidentemente, e de mandato, no contrato de representação de empresa, mas
há elementos diferenciais. Quanto ao mandatário, por mais que dure a sua atividade, essa duração é
ocasional, ou excepcional. O representante de empresa recebe Poderes permanentes e essa
estabilidade concorre para os traços principais, frisantes, da sua figura jurídica.
Alguns sistemas jurídicos que não precisaram o conceito de contrato de agência e nêle incluem o
contrato de agência e o de representação de empresa, suscitam confusões graves na tocante à expressão
“agentes comerciais . O representante de empresa é o agente comercial que conclui negócios jurídicos do
agenciado, aí exatamente representado. Não só promove conclusões.
Orepresentante de empresa é dono da sua empresa, chefe (empregador) dos seus empregados, ainda
quando alguns ou todos sejam pagos pela empresa representada, ou se algum ou alguns empregados
da empresa representada trabalham com os empregados do representante de empresa. O que importa é
que o representante seja auxiliar autônomo e conclua os negócios jurídicos da empresa outorgante.
Orepresentante de empresa pode ser representante de duas ou mais empresas (e. g., a empresa de
fabricação de meias e a empresa de fabricação de sapatos ou de camisas;. uma, empresa de transportes, e
outra, de seguros).
A proposição sobre se tratar de representante de emprésa, no sentido de representante independente, ou
de representante dependente (empregado, ou sede secundária), tem importâneia processual. A
legitimação ativa ou passiva de representante de empresa, com a conseqúência quanto à
competência processual, é resultante da pessoa do representante de empresa. Se o ato é do
representante empregado, a legitimação é da empresa representada. Quanto às sedes secundárias, depende
da lei processual e dos estatutos.
3.PonÊii~s DO REPRESENTANTE DE EMPRÉSA. O representante de empresa está com os Poderes que lhe
foram conferidos para concluir determinados negócios jurídicos, operações mercantis e de alienação ou
disposição de produtos, ou uso, ou uso e fruição. Os Poderes podem ser com caráter geral, entendendo-se que
abrangem (e só abrangem) o exercício total de todos os atos que digam respeito aos negócios jurídicos de que se
compõe a atividade mercantil ou de disposição de produtos, uso ou uso e fruIção.
O poder de representar empresa (e. g., poder de representação mercantil, expressão com que se diferencia do
poder de representação, que o comerciante outorgou para determinado negócio jurídico ou ato jurídico siricto
sensu, fazendo do outorgado procurador ou mandatário) compreende ou a) todos os atos jurídicos stricto sensu e
todos os negócios jurídicos ou operações que entram na atividade de exploração da empresa ou que tal atividade
exige; ou b) todos os atos jurídicos stricto sensu e todos os negócios jurídicos ou operações que entrem na
atividade de exploração de determinado ramo dos negócios da empresa, ou que tal atividade exige.
Tem-se de atender à qualidade ou caráter e à amplitude dos negócios a que a representação de empresa se refere.
A fábrica de tecidos pode ter representante de empresa para os negócios atinentes à venda de meias, ou para a
venda de tecidos para roupa de mulher, ou de homem, ou para toalhas e guardanapos, ou para todos os produtos
da fábrica, ou para duas ou mais espécies de produtos. ~ evidente que tal representante de empresa não pode
comprar títulos de crédito, nem comprar lã, algodão ou outro elemento de produção. O representante de
empresa, que recebeu Poderes para comprar no
Rio Grande do Sul, sua sede, lá para alguma fábrica, não vende os produtos dessa.
Uma vez que se disse “A, representante da Fábrica de meias E” embora B fabrique meias e outros
tecidos, só tem Poderes para vender meias. Quanto à venda de meias, a em
-prêsa, que permitiu tal letreiro, o que resulta da outorga dos Poderes de representação de empresa para
a venda de meias, não pode opor ao terceiro não ter dado Poderes para a venda de quaisquer meias
produzidas pela empresa, mas sim para determinada espécie, nem só ter outorgado Poderes para a
venda à vista. Nem pode opor que somente outorgou Poderes para a venda em menor quantidade, ou para
operações dependentes de aprovação da empresa.
Restrição de Poderes apenas existe, eficazmente, contra o terceiro, se o terceiro a conhecia, ou a devia
conhecer, uma vez que os Poderes dependem das cláusulas do negócio jurídico (contrato de
representação de empresa) e do conjunto de circunstâncias de cada caso. Têm de ser levadas em conta
tôdas as circunstâncias conhecidas, ou que os terceiros deviam conhecer, ou que o terceiro devia
conhecer. Um dos pontos mais delicados é o de se saber se, por sua natureza ou por sua extensão, o
negócio jurídico concluído cabe na atividade ordinária de exploração, ou se é de considerar-se como estranho a
ela (e. g., encomendas fora de todo o uso do tráfico, por sua quantidade, prazos de pagamento fora de todo o uso
do tráfico).
Não se têm como incluídos nos Poderes do representante de empresa os atos de disposição de bens imóveis,
subscrição de títulos carnbiários, de contratos de empréstimo (mútuo, comodato) e a comparência em juízo. Em
todo o caso, o representante pode defender-se em juízo no tocante a qualquer ato, lícito ou ilícito, que se lhe
impute.
Se o representante de empresa é que faz a tradição dos bens vendidos, entende-se que tem Poderes para receber o
preço e para cobrá-lo. Se não há a entrega pelo representante de empresa, mas a empresa admitiu, antes, que o
freguês pagasse ao representante, tem-se de interpretar que lhe foi outorgado tal poder.
t
Se o representante de empresa tem poder para a tradição, tem poder para receber o preço e, pois, para subscrever
e emitir duplicata mercantil.
O representante de empresa de venda de imóveis, inclusive de terceiro loteador, precisa de poder expresso para
assinar as escrituras de transmissão da propriedade e da posse.
Os representantes de empresa distinguem-se, portanto, dos comissionários, que operam em nome próprio. Dai a
referência à “representação”.
4.ESPÉCIES DE REPRESENTANTES DE EMPRESA. A representação de empresa apresenta várias espécies;
e. g., a) o representante de importação (Importvertreter, cif-Agent), que opera para empresas estrangéiras
interessadas em vender às firmas do país (cf. O. ENGEL, Der Handelsvertreter, 107 s.)
b) representante de exporta ção, que tanto pode ter contrato de representação de empresa com empresas
estrangeiras que compram no país como com empresas nacionais que vendem com fim de exportar, com a
particularidade de velamento pelo transporte e de culpa in contraendo (cf. P. TENTLER, Pestg. der
Hanseatischen Juristen, 202 s.) ; o) o representante de transportes ou de linhas que está em relação com
empresas de transportes, que êle representa, podendo, assim, concluir os contratos; d) o representante de seguros
(ou de empresas de seguro); e) o representante de empresa em comércio entre zonas; f) o representante de
empresa industrial, se essa é industrial sem instalação comercial.
Os açougeiros, no Brasil, quase sempre são comissionários (cf. HANS WÚSTENDÕRFER, Der Handlungsagent
als deutscher und auslãndischer Rechtstypus, Zeitsehrift flir das gesamte Handelsrecht, 58, 133 s.). A propósito
de livros, fora do contrato estimatório, assaz usado, pode ocorrer o contrato de comissão como pode ocorrer o
contrato de representação de empresa. Não cabe, no direito brasileiro, a discussão entre GRUNOW (Das Recht
des sog. Kommissionãrs im deutschen RueMandei, 32 s.) e MOTHES (Sdchsisches Archiv, 1988, 200).
Se os atos do representante de empresa não o fizeram comerciante, trata-se de representante civil de empresa.
5. REPRESENTANTES DE EMPRESAS ESTRANGEIRAS. Se há estabilidade e outorga de Poderes
permanentes e abrangentes de tôdas as operações, ou de algum ramo, há representação de empresa. Se os
negócios jurídicos hão de ser concluídos em nome próprio do outorgado e por conta da empresa outorgante, não
há representação de empresa, e sim comissão. O nome, que se lhe dê, não importa.
6. DADOS HISTÓRICOS. A referência, que aqui fazemos, a dados históricos, apenas tem por fito mostrar que
a exploração e o desenvolvimento das indústrias e do comércio sempre exigiram a figura através dos séculos,
embrionária do representante de empresa.
Na Grécia, os escravos podiam achar-se à frente de empresas. Era freqUente em Atenas (HIPERIDES, C.
Ãthenog., col. IX, 5 s.). Urna vez que o dono tira proveito dos atos praticados pelo escravo, é justo que responda
por êles, diz HIPERIDES. Se o ato foi ao tempo em que o escravo pertencia a outrem, contra o dono anterior é que
seria a ação. A concepção grega refletiu-se no direito romano <cf. L. 4, § 3, D., de exercitoria actione, 14, 1). À
diferença do direito romano, no direito grego dirigia-se a ação contra o próprio escravo, como se tivesse
personalidade jurídica, prosseguindo contra o dono, que era livre de intervir mas sofria o julgado desfavorável (cf.
DEMÓSTENES, C. Caílici., §§ 81 e 84; C. Panten,, § 11; R. DARESTE, Plaijdoyers civils de Demosthêne, 1,
180, 250 e 284). Na Lei de Gortina, VII, 10, a ação era dirigida contra o dono.
A princípio, em direito romano, por trás dos filhos famílias e dos escravos, que tinham atividade industrial ou
comercial, estava o pater .familias, ou o dono dos escravos, para responder pelas obrigações. Provâvelmente no
século II antes de Cristo, permitiu-se a ação contra o pater familias ou contra o dono do escravo pelas obrigações
dos filhos ou dos escravos. Não se tratava de responder em lugar dêles, mas ao lado (PAULO, L. 5, § 1, D., de
exercitoria actione, 14, 1: “hoc enim edicto non transfertur actio, sed adicitur”). Tratava-se, pois, de actio
adiecticiae qualitatis.
O direito pretoriano romano permitiu aos senhores de escravos vincularem-se por intermédio dos seus escravos.
Segundo o edicto, podia o dono encarregar de negócios o escravo, ou pó-lo à testa de navio, ou de empresa
terrestre, industrial ou comercial, e aquêles que contrataram com o escravo, no limite dos Poderes outorgados,
podiam ir contra o dono, com a ação do contrato (e. g., a actio venditi), ou em virtude de adesão (ac tio quod
iussu), ou da qualidade de armador (adio exercitoria), ou da outorga ao escravo (actio institoria).
Semelhantemente, podia o dono separar, de fato, parte dos seus bens, para ser administrada pelo escravo, quase
sempre para exploração de animais (pecus, pecunia, peculium). Os bens não figuravam na contabilidade do dono
(pecúlio era “quod servus domini permissu separatum a rationibus dominicis habet”, o que, com permissão do
dono, o escravo teve, separado das contas do senhor, cf. L. 5, § 4, D., de peculio, 15, 1, definição de TUBERXO,
conforme ULPIANO e CELSO).
As obrigações dos escravos não podiam ser exigidas, nem êles podiam exigir que se atendesse às suas pretensões,
porque não tinham capacidade jurídica. Nos princípios da época clássica, consideraram-se como naturais as suas
obrigações, com a conseqUência de, se satisfeitas, não poder ser repetido como indébito o que se pagou (L. 18,
D., de condictione indebiti, 12, 6). Como obrigação natural, era afiançável (GAIO, Irtst., III, 119 a).
§ 4.775. Contrato de representação de empresa e outros contratos
1. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA E CONTRATO DE AGÊNCIA. O representante de
empresa conclui os negódos jurídicos. O agente, figurante do contrato de agência, dispositivamente, não;
portanto, há de haver outra outorga, para que êle represente. De ordinário, tal outorga é de procura, e não o faz
representante da empresa. O agente, de que falamos, somente assume o encargo de promover a conclusão de
contratos, sem os concluir, ao passo que os conclui o representante de empresa, ou o comissionário, e sem os
declarar concluídos, como o corretor.
Não é possível distinguir-se do contrato de agência o contrato de representação de empresa sem se examinarem
os suportes fácticos concretos de um e de outro contrato (cf. GEORO SCHRODER, Handelsvertreter,
Sonlegelberger Handelsgesetzbuch, ~, 8Y ed., 519: a) representante de empresa sómente é quem exerce
independentemente exploração de representar; b) essa exploração precisa ficar a serviço de outra empresa; e) o
outro figurante há de ser empresa industrial ou mercantil; d) a relação jurídica de encargo há de ser permanente;
e) a relação jurídica d~ encargo há de ser determinada em seu conteúdo e consistir em atos de disposição ou em
atos de aquisição pela outra emprêsa; t) a atividade há de consistir em conclusão de n~gócios jurídicos, não
podendo restringir-se o conteúdo à Preparaçao ou à declaração de conclusão de negócios jurídicos.
Quem não tem empresa independente não pode ter representante de empêsa. Quem não é pessoa física ou pessoa
jurídica com empresa independente não pode ser representante de empresa. O contrato de representação de
empresa é, tipicamente, contrato entre empresas.
2. OUTRAS FIGURAS. Na figura do representante de comércio, ou, . representante de empresa, não há a filial,
a sucursal, ou a agência, que são sedes secundárias da empresa, nem o agente, titular do contrato de agência,
auxiliar autônomo, q~e apenas promove conclusão de negócios jurídicos. Como o comissíonário e o corretor, o
representante de empresa não 4 ligado à empresa por alguma relação de subordinação. Organizar a sua emprêsa
como entende. Como o caixeiro viajante e ~ agentes não-autônomos, é ligado à empresa por um contrato, que de
certo modo pré-exclui que possa oferecer os seus serviço a quem quer que seja, salvo cláusula ou pacto. Porém
nã0 é dependente.
Trabalhando, como trabalha, em nome e por conta da empresa representada, pode o representante de empresa não
ser comerciante, e muitas vêzes não o é.
Pela natureza da sua atividade, que supôe habilidade e inteligência, o representante de empresa cria clientela, ou
estende a clientela , ou cria outra clientela, que êle emprega para a empresa representada. Tal clientela é sua,
porque se trata de cliente do representante, embora se destine à empresa atualmente representada. Por isso, o
sucessor do representante adquira ~, a clientela do representante de empresa, como êle, se a outro sucedeu.
Os contrato~ de representação, ditos cartas de representação , são contratos que outorgam Poderes e vinculam o
representante de empresa a concluir os negócios jurídicos a que o contrato se refere, com ou sem especificação.
A outorga de Poderes é outorga de Poderes de representação. Daí parecer-se o contrato de representação da
empresa com o contrato de mandato, ou com a procura, que é, aliás, negócio jurídico unilateral.
Para os negócios jurídicos, ou, em geral, os atos jurídicos para os quais se exige a procuração por escritura
pública, ou particular, a outorga da procuração em adimplemento, pela empresa representada, resulta do dever de
dar os meios para que o representante desempenhe a atividade que se lhe exigiu e êle prometera.
O representante de empresa conclui, em nome da empresa, os negócios jurídicos de que foi incumbido. Nisso,
distingue-se do comissionário, que os conclui em nome próprio, e dos agentes, figurantes de contrato de agência,
em que êsses não os concluem, só os promovem. Pode acontecer que o representante de empresa apareça como
comissionario e conclua os negócios jurídicos em nome próprio, pôsto que, nas relações jurídicas internas, seja
representante de empresa. É o que os juristas às vêzes chamam, confusamente, “comissionário representante
mercantil”.
A relação jurídica entre a empresa e o corretor, ou o comissionário, ou o mediador, é para determinado negócio
jurídico, ou determinados negócios jurídicos que têm de ocorrer a seu momento; entre ela e o representante de
empresa é duradoura, concernente a gênero de negócios jurídicos. Além disso, o corretor somente corre e declara
a conclusão, não conclui; o comissionário conclui em seu próprio nome, por conta da empresa; o mediador não
intermedeia, nem conclui, nem declara conclusão: o representante de empresa conclui, em nome da empresa e por
conta da empresa.
O representante de empresa não se confunde com o correspondente, porque, com o contrato de correspondência,
o figurante não se vincula a representar, mas a atender a pedidos do outro figurante. O corretor-correspondente
opera porque o outro corretor lhe comunicou o que ia ser objeto de contrato de corretagem com o
corretor-correspondente: aquêle não mandou, nem outorgou poder de representação; apenas, com a relação
jurídica de colaboração, suscitou o que o corretor correspondente faria a qualquer cliente que o procurasse.
Ocorre o mesmo com o correspondente da empresa de gêneros alimentícios, ou de tecidos, ou de qualquer outra.
Recebe o pedido do cliente e encarrega o correspondente, que está no lugar para a. entrega, ou que tem saldo de
produtos, ou que fabrica ou vende o que se costuma pedir à emprêsa e essa não o tem.
A função do representante de emprêsa é de intercomércia (Ztvisohenhftfldd). Não só intennedeia, intercomercia.
Não corre o mesmo risco da emprasa, que, se não tivesse o representante de empresa, se exporia, igualmente, a
baixas e altas, a retrações e a procuras intensas. Mas corre o risco de ter empregado esforços e feito despesas para
ter a clientela de que a emprêsa precisa. O bom êxito da empresa também é seu, como seu seria o mau êxito da
empresa. Juridicamente, é independente dela; econômicamente, não. O seu interesse pessoal está ligado ao
interesse da empresa representada (cf. 15‟. BEgM, Der Handelsageni, 36 e 43). Ésse coincidir de interesses
suscita exame da pessoa do representante, para que a empresa possa confiar. Não basta que o representante de
empresa tenha interesse em bem servir; é preciso que possa bem servir e saiba defender o duplo interesse, o da
empresa e o seu. O elemento ético vem à frente, junto ao da competência para organizar.
Quem adquire para si, permanentemente, ou somente para si, não é representante. Ao contrato de representação
de empresa apenas não escapa o que o representante de empresa, esporâdícamente ou por acidente, adquiriu para
si, em contrato em que êle seja um dos figurantes, uma vez que não lhe foi vedado, O que adquire para si é
vendedor intercalar, faz inter-comércio, é intercoinerciante (Zwischenhdndier). Compra e vende, com todos os
riscos. A cUtusut« de exclusividade no negócio intercomeroial pode existir, porém de modo nenhum se trata de
contrato de representação de empresa, de Agenturvertrag.
Do que acima se expôs poderia parecer que o contrato de representação de empresa é raro, ao lado do contrato de
agência e do simples mandato. Não é o que acontece. Às vêzes, sem a técnica necessária, os contratos de
representação de empresa pululam; e há tôda a conveniência em que, ao serem êles firmados, os figurantes
saibam qual a sua natureza e a sua eficácia. A outorga de Poderes é maior do que a existente no contrato de
agência.
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO CONTRATO DE
REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.776. Pressupostos e eficácia
1.PRESSUPOSTOS. Os pressupostos do contrato de representação de empresa s~o os comuns aos negócios
jurídicos bilaterais, conforme o direito civil e a comercial.
O contrato de representação de empresa é contrato bilateral. A representação gratuita não seria representação de
empresa, no sentido que aqui nos interessa. Trata-se de sub-classe do contrato de serviços, denunciável com
pré-aviso, que varia conforme a natureza da exploração (cp. Código Civil, arts. 1.221, e parágrafo único, 1.222 e
1.223).
2.QUEM POflE SER REPRESENTANTE DE EMPRESA . Representante de empresa pode ser pessoa física, ou
pessoa jurídica, sem que a incapacidade relativa seja obstáculo, desde que se atenda ao art. 1.0, inciso 8, do
Código Comercial, ou ao art. 154 do Código Civil.
A mulher casada, para ser representante de empresa, como para exercer qualquer profissão, não mais precisa de
assentimento do marido (Lei n. 4.121, de 27 de agêsto de 1962, .art. 1.0, que implicitamente derrogou o Código
Comercial, art. 1.0, inciso 4).
Aliás, pode haver a ratificação do negócio jurídico que se tenha concluído com o relativamente incapaz, sem o
assentimento do titular do pátrio poder, tutela ou curatela (Código CiviL art. 148).
8.FORMA DOS NEGOCIOS JURÍDICOS CONCLUÍDOS. Conforme o gênero ou a espécie de negócios da
empresa representada, o representante de empresa pode concluir por escrito, ou oralmente, os negócios jurídicos.
Uma vez que o terceiro sabe, ou, pelas circunstâncias, tem de saber que o bem é objeto de negócio jurídico com o
outorgante, vinculados são a empresa representada e o freguês, e não o representante de empresa e o freguês. Se
há documento escrito e assinado, tem o representante de empresa de indicar o nome da empresa representada,
pôsto que as circunstâncias possam bastar para que se decida que os figurantes foram a empresa representada e o
freguês.
4.CLÁUSULAS DE EXCLUSIVIDADE E PACTOS DE EXCLUSIVIDADE. A cláusula de exclusividade da
empresa ou o pacto de exclusividade da empresa, acoimado, por alguns juristas, de contrário aos propósitos de
descartelização, é permitido. O representante de empresa passa a ser de uma só empresa (Einfirmenvertreter).
Nem sempre é de aceitar-se tal oferta. É preciso que a empresa seja assaz importante, para que o representante de
empresa possa organizar os serviços e operar com proveito econômico.
A empresa representada pode acordar, em cláusula ou pacto adjecto, em que outrem não seja representante de
empresa, inclusive permitindo que o representante de empresa exclusivo tenha agentes, representantes
(sub-representantes de empresa), procuradores e caixeiros viajantes.
5.CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO no CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO
DE EMPRESA. No contrato de representação de empresa, ou em pacto adjecto, pode-se estipular que, extinto o
contrato de representação de empresa, por algum tempo, que há de ser razoável, o representante de empresa não
trabalhe para outrem no mesmo ramo.
6.EXECUÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONCLUIDOS. É permitida e usual a cláusula (ou o pacto
adjecto) de encarregar-se o representante de empresa de auxílio e representação da empresa, mesmo processual,
na execução dos negócios jurídicos concluídos pelo cliente ou pela empresa representada (HANS
WÚRDINGER, Kommentar zuni Handelsgesetzbuch, 1,2a ed., 695). O pacto adjecto pode ser a propósito de um
ou de determinados negócios jurídicos; em vez de pacto, pode ser passada apenas procuração, negócio jurídico
unilateral.
§ 4.777. Deveres do representante de empresa
1.DEVER DE PROCURAR CONCLUIR E DE CONCLUIR OS NEGÓCIOS JURÍDICOS. „O contrato de
representação de empresa entra na classe dos contratos de locação de serviços, e não na classe dos contratos de
mandato. É de afastar-se o vêzo de se ver mandato onde se fala de representar: há mandatos sem representação e
há representação sem mandato. O mandatário, com poder de concluir contratos, tem o dever de concluí-los,
cumprir as ordens e instruções do mandante. O representante de empresa tem de buscar as conclusões, com os
atos de divulgação e de atração, que sejam necessários, tem de preparar as conclusões (como os agentes), mas, à
diferença dos agentes, conclui-los. É êle quem escolhe a quem vende ou aluga ou quem escolhe a quem compra
ou toma em locação. Tem de prestar contas, além de informar do que ocorre e possa interessar à empresa
representada.
O representante de empresa é permanente, tem sede e representa em lugar determinado. Delibera e conclui, não só
prepara, nem apenas conclui sem autonomia. A representação como que o veste, em vez de ser a corda que êle.
conduz da empresa ao cliente.
O representante de empresa pode ter agentes, figurantes de contratos de agência, ou representantes de empresa
(da sua empresa), ou procuradores ou mandatários.
O representante de empresa não pode estender a sua atividade a atos que seriam em contradição com o exercício
dos Poderes que lhe foram outorgados, como, por exemplo, mudar marcas, ou indicações de proveniência. Não
pode empregar o dinheiro recebido, nem o pode misturar com o de outra empresa, inclusive a sua.
Nenhum ato do representante de empresa, se é pessoa jurídica pode ir além daqueles Poderes que têm os órgãos
da pessoa jurídica, ou que tais órgãos poderiam outorgar.
A conclusão há de ser em nome da empresa representada. Se assim não fôsse, representação não haveria. O
terceiro há de saber ou de dever saber com quem negocia, mesmo se não foi explícito o representante de empresa.
Nos negócios jurídicos escritos, tem de dizê-lo, ainda que abreviadamente. Se o omite, expõe-se a ser vinculado.
Qualquer infração de dever, quer por parte do representante de empresa, quer por parte da empresa representante,
se causou danos, faz nascerem o direito e a pretensão à indenização.
2. DEVER DE INFORMAÇÃO. Ao representante de empresa cabe concluir os negócios jurídicos da empresa
representada, que foram previstos pelo contrato de representação de empresa, ou por pacto adjecto. Isso não o
dispensa de informar, prêviamente ou na ocasião em que vai concluir, de tudo quanto precise ser conhecido pela
empresa representada. Tem êle de velar pelo interesse dessa, que nêle confiou. Não tem êle responsabilidade dei
credere, se não foi expressa no contrato ou em pacto adjecto (KONRÃD FISCHER, Das Reckt des
Handelsvertreters, 26). Basta que diga em carta, por exemPlo: “A firma Ç é boa; responsabilizo-me por ela (ou
pelo negócio jurídico) “. 8.DEVER DE NÃO-CONCOREENCIA E DE EVITAR CONCORRENCIA. O representante de empresa não
pode ser concorrente da empresa representada, nem servir a empresa que com ela concorra, razão por que, se quer
ser representante de duas ou mais empresas para negócios jurídicos que estabeleçam ou possam estabelecer
concorrência, precisa de cláusula permissiva ou de pacto permissivo de pluralidade de representações de
emprésa. Em principio, a pluralidade é permitida (cf. KONRAD FISCHER, Das Recht des Handelsvertreters,
15) ; só é de entender-se dispositivamente proibida se o objeto dos negócios jurídicos é o mesmo, ou
se pode, por outra razão, haver concorrência. A empresa representanda pode impor, no contrato, os
pressupostos para a permissão da pluralidade de representações de empresa, ou pré-exclui-la.
Outrossim, a empresa representada pode obter pacto adjecto em que se insíra uma dessas cláusulas.
4.AMOSTRAS, PROSPECTOS, CATÁLOGOS E OUTRAS PEÇAS.
.0 representante de empresa tem direito de exigir as amostras, prospectos e catálogos ou outras
peças da empresa representada, que sejam necessários à sua atividade e são de uso da casa. A empresa
representada pode exigir que o representante de empresa faça uso das amostras, prospectos, catálogos e
outras peças, que são de seu uso e necessárias à divulgação dos produtos e à atração da clientela.
As amostras, prospectos, catálogos e outras peças semelhantes pertencem à empresa representada,
salva cláusula ou pacto adjecto em contrário. Se não há tal cláusula ou pacto, tem de ser restituido o que
não era para ser distribuído, nem foi distribuído ou perdido sem culpa do representante de
empresa. Se há os pressupostos para direito de retenção por parte do representante de
empresa, tal direito alcança as amostras, prospectos, catálogos e outras peças semelhantes.
5.NEGÓCIOS JURÍDICOS EM QUE O REPRESENTANTE DE EMPRESA É FIGURANTE. No
direito brasileiro, não há a proibição de negócios jurídicos do representante de empresa em que êle
mesmo figure. O contrato de representação de empresa é negócio jurídico de confiança (MAx
RUMPE, Wirtschaftsrechtliche Vertrauensgeschãfte, Arohiv flir die civilistische Prazis, 119, 88 s.), no
qual a empresa conta com a atenção e o velamento do representante de empresa (C. ALBRECHT-P.
TENTLER, Das Rech,t der Agenten, 27), mas isso não basta para que se vede o negócio juridico em que
figurante seja o próprio representante, uma vez que haja a vigilância pelo interesse da empresa (e.
g., foi feito com as mesmas cláusulas que outros negócios jurídicos que a empresa, explícita ou
implicitamente, expressa ou tâcitamente, considerou bons). Advirta-se que não se trata de contrato
consigo mesmo, pois o representante só figura como um dos contraentes e não duas vêzes:
é figurante, diante da empresa, que êle representa. Cláusula explícita ou implícita, expressa ou
tácita, pode, na espécie, vedar tal contratação.
6.AÇÕES DO TERCEIRO. Desde que há a representação de empresa, os atos do terceiro com o
representante de empresa, a propósito dos objetos do contrato de representação
de empresa, são tidos como entre a empresa representada e o terceiro. Tem êsse ação contra a empresa,
que apenas pode objetar que o terceiro quis concluir com o representante, como pessoa sem vínculo de
representação, o negócio jurídico. O ônus de alegar e provar é da empresa.
7.VÍCIOS DO OBJETO E VÍCIOS DE DIREITO. Se ao representante de empresa incumbe fazer a tradição do
que a empresa representada aliena, ou se lhe incumbe receber o que a emprésa representada adquire, a êle podem
ser comunicados, em reclamação, os vícios ocultos (redibitórios) dos bens alienados, ou pode êle reclamar quanto
aos vicios ocultos (redibitórios) dos bens que recebeu. Idem, quanto aos vícios de direito. A reclamação ao
representante de empresa, se satisfaz o art. 172 do Código Civil, ou o art. 473 do Código Comercial, tem a
conseqúência de interromper o curso do prazo preclusivo do art. 178, § 29, do Código Civil, ou o do art. 178, § 59,
IV (arts. 1.101 e 1.105).
§ 4.778. Deveres da empresa representada
1.RETRIBUIÇÃO. A empresa deve a retribuição pela conclusão de cada negócio jurídico, ou, se foi previsto,
pela conclusão de certo número de negócios jurídicos, ou pela conclusão de negócios jurídicos que atinjam
determinada quantia. Quase sempre é percentual sobre o preço. Quem deve é a empresa representada, e não o
terceiro. De ordinário, em caso de cláusula dei credere, cresce a retribuição. Além disso, tem o representante de
empresa pretensão pelos adiantamentos e os juros legais, se outros não foram previstos.
A retribuição é devida desde que se concluiu o negócio jurídico. À tradição do bem, ou do preço, para a empresa
representante nasce a pretensão.
É preciso que a atividade do representante de empresa tenha sido concausa da conclusão do negócio jurídico. Se o
negócio jurídico já estava preparado e se concluiu depois do contrato de representação de empresa, sem qualquer
atuação do representante de empresa, não há pensar-se em retribuição. Idem, se o representante de empresa se
recusou à conclusão,ou se essa ocorreu depois de extinto o contrato de representação de empresa.
2.RESPONSABILIDADE DA EMPRESA REPRESENTADA. A empresa representada tem de ser capaz. Antes
de assumir a representação, deve o representante de empresa indagar e informar-se sobre a capacidade da empresa
representada e se foram satisfeitas as exigências legais.
Para as restrições à atividade do representante de empresa, há de a empresa representada tornar públicas
quaisquer restrições quanto a qualidade e a quantidade dos negócios juridicos em que pode ser representada. Não
vale a restrição de não se responsabilizar pelos atos do representante de empresa, a despeito da outorga de
Poderes (Protestatio contra actum non valet).
A representação local e exclusiva de empresa impõe à empresa representada não concluir negócios jurídicos, na
circunscrição, diretamente ou através de outro representante de empresa, ou de outorgado. Se o faz, responde pela
indenização dos prejuízos. Cláusulas e pactos podem atenuá-lo.
CAPÍTULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.179. Causas de extinção
1.TÊRMO RESOLUTIVO E CONDIÇÃO RESOLUTIVA. Se há prazo resolutivo ou condição resolutiva, ao
advento daquele, ou ao implemento dessa, extingue-se o contrato de representação de empresa. O prazo pode ser
determinado, ou apenas determinável, como se atende a programa de exploracão. A representação de empresa
pode ser para o verão, ou para o inverno do ano próximo, ou para dois, três ou mais verões ou invernos. Ou para o
ano tal, ou os anos tais.
2.MORTE OU INCAPACIDADE DA PESSOA FÍSICA REPRESENTANTE DE EMPRESA. A morte somente
não extingue o contrato de representação de empresa se é de entender-se que a confiança recaiu na organização,
na firma, e não na pessoa. Dá-se o mesmo a respeito de incapacidade. Daí dever-se dizer que, na dúvida, se
extingue o contrato de representação de empresa. Trata-se de questão de interpretação.
3.EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E MUI)ANÇA DE SOCIOS.
A extinção da pessoa jurídica não faz nascer denunciabilidade sem prazo, com pré-aviso. Enquanto permanece
em liquidação, está o representante de empresa vinculado à atividade representativa. Dá-se o mesmo se algum
sócio se retira, ou se há mudança de sócio, espécies em que a denúncia tem de ser cheia e depende, portanto, de
circunstâncias.
4.SUSPENSÃO DA ATIVIDADE DO REPRESENTANTE DE EMPRÉSA. Se por longo tempo o
representante de empresa deixa de exercer a atividade, pode exsurgir, para Me ou para a empresa representada, a
denunciabilidade cheia. Mesmo se não houve culpa do representante de empresa, não há pretensão à retribuição,
uma vez que a atividade ficou suspensa:
só se retribui o que foi atribuído; o representante de empresa não prestou, não se lhe contrapresta.
5.ALIENAÇÃO DA EMPRESA QUE REPRESENTA OUTRA EMPRÉSA. A alienação da empresa
representante, por pessoa física ou por pessoa jurídica, não atinge o dever de representar que foi assumido (HANS
WÍYRDINGER, Kommentar zvsn Mandeis gesetzbuch, 1, 2.~ ed., 737). Nesse caso, como em casos semelhantes,
os danos que sofra a empresa representada têm de ser ressarcidos.
6.MORTE OU INCAPACIDADE DA PESSOA FÍSICA REPRESENTADA. Se faleceu a pessoa física
representada, ou se caiu em incapacidade, tem-se, na dúvida, como extinto o contrato de representação de
empresa.
7.DENÚNCIA VAZIA E DENUNCIA CHEIA. A denúncia do contrato de representação de empresa pode ser
vasia, se não há prazo determinado para o contrato de representação de empresa, ou há de ser cheia, se o contrato
foi concluído a prazo determinado.
A publicidade há de ser a mesma que teve a outorga da representação de empresa. Se não foi feita a publicidade
que deveria ser feita, mas o terceiro conhece a denúncia e o comêço de sua eficácia, pode a empresa representada
opor ao terceiro que êle conhecia estar denunciado o contrato de representação de empresa.
O direito a denunciar com justa causa não pode ser pré-eliminado, quer em cláusula contratual quer em pacto
adjecto. A denúncia, qualquer que seja, é manifestação de vontade
receptícia. Para a sua eficácia, não importa se, após a manifestação, morre ou se torna incapaz o denunciante.
O representante de empresa exclusivo é o figurante do contrato de representação de empresa a que se conferiu o
poder de representação, em determinada zona ou por determinado tempo, com direito de exclusividade. Não se
confunde com o adquirente exclusivo, que é a pessoa, física ou jurídica, .a que a empresa promete vender todos os
seus produtos, ou determinada espécie de produtos. Ésse não é representante de .empresa e chamá-lo
Afleinvertreter, como fazem práticos e juristas alemães, implica êrro de terminologia. Sei a qual fôr o contrato de
representação ou de compra-e-venda é possível a denúncia cheia, se relevante o fundamento (HANS
WÍYRDINGER, Kommentar zum Handelsgesetzbuch, 1, 2.8 ed., 681). No direito brasileiro, não há regra jurídica
sobre o temvo em que pode ser feita a denúncia. A cláusula de exctusividade não pré-exclui a desconstituição por
denúncia cheia.
§ 4.780. Transferência, falência e extinção da empresa
1.TRANSFERÊNCIA DE EMPRESA. No caso de transferir o representante de empresa a sua empresa, ou de
locá-la, ou de qualquer modo transferir-lhe o uso e o fruto, a empresa representada fica livre de continuar, ou não,
vinculada. Não é o mesmo a continuação da pessoa jurídica representante de empresa, a despeito do órgão que
mudou; nem a da continuação da firma individual, se foi afastado o elemento de confiança pessoal no
comerciante, por só se ter atendido .à organização do serviço.
2.FALÊNCIA E OUTROS CONCURSOS DE CREDORES. No sistema jurídico brasileiro, os contratos
bilaterais estão subordinados à regra jurídica do art. 43 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. Não se
extinguem com a falência (nem com os outros concursos de credores, inclusive a liquidação coativa). O síndico
pode cumpri-los se acha conveniente para a massa. Se foi o representante de empresa quem incorreu em falência,
ou outro concurso de credores, pode a empresa representada interpelar o síndico (ou quem tenha a administração
da massa concursal), para que, dentro de cinco dias, declare se cumpre, ou não, o contrato de representação de
empresa. Se foi à empresa representada que se abriu o concurso de credores, pode o representante de empresa
fazer a interpelação. O art. 43 e o seu parágrafo único do Decreto n. 7.661 são invocáveis, por analogia, a respeito
de quaisquer concursos de credores.
Se falido ou sujeito a outro concurso de credores foi o representante de empresa, as regras jurídicas concernente
a a alienantes e adquirentes não são invocáveis, porque o representante de empresa obrou em nome da empresa
representada.
Se foi a empresa representada, os arts. 44-51 do Decreto-lei. n.7.661 incidem.
3.ExTINÇÃO DA EMPRESA REPRESENTADA E ExTINÇÃO. DA. EMPRESA REPRESENTANTE. Se a
empresa representante Sel extingue, ou se se extingue a empresa representada, fica sem objeto o contrato de
representação de empresa e, pois, se tem por extinto, Os Poderes estendem-se durante o período de liquidação da
empresa representada.
Título XXXIX
CAPÍTULO 1
CONCEITO E NATUREZA DA FIANÇA
§ 4.781. Conceito de contrato de fiança
1.CONCEITO. A fiança é promessa de ato-fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque o que se promete é o
adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, nu de outra fonte de dívida, de que se irradiou, ou se
irradia. ou vai irradiar-se a divida de outrem.
Convém que se precise o conceito de fiança, no direito hodierno, especialmente no direito brasileiro, de modo que
não se intrometa qualquer concepção que foi a de algum momento ou época do passado. Daí termos posposto o
que se refere aos dados históricos sobre o contrato de aliança.
Ofiador vincula-se, não só sujeita, ou subordina a execução, o seu patrimônio. A dívida é pessoal. A execução em
seu patrimônio resulta de ter havido a exigência, conforme os princípios. O fiador não promete pagar se o devedor
principal não paga, nem promete pagar em lugar do devedor principal. Promete o adimplemento pelo devedor
principal. Se êsse não adimple, como o fiador prometeu, há infração da promessa de ato de outrem. Não há
assunção de divida alheia e tôda confusão a respeito é nociva à exposição científica. A assunção
de dívida alheia pode ser cumulativa ou substitutiva (Tomo XXIII, §§ 2.819-2.820), porém mesmo aquela não é a
fiança. Quem assume a dívida alheia faz-se devedor da mesma divida, quer se extinga, quer não, a do devedor
originário. Quem afiança promete que o afiançado paga. Não há solidariedade passiva, na fiança. Se o fiador se
faz principal pagador, conforme é de uso, apenas renuncia ao direito de excussão.
O fiador vincula-se à prática do ato de outrem, que é o. devedor principal: o fiador tem de adimplir o que
prometeu.. Em conseqüência disso, é devedor daquilo que prometeu: o ato--fato jurídico do pagamento, ou outro
ato jurídico de adimplemente.
Diz o Código Civil, art. 1.481: “Dá-se o contrato de fiança,. quando uma pessoa se obriga por outra, para com o
seu credor,. a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra”. No art. 256, o Código -Comercial estatui a
respeito da fiança mercantil: “Para que a fiança possa ser reputada mercantil, é indispensável que o afiançado seja
comerciante, e a obrigação-afiançada derive de causa comercial, embora o fiador não seja comerciante”. O
negócio jurídico bilateral é entre o fiador e o credor, que é o outorgado. Nenhuma ingerência jurídica tem, no
contrato, o afiançado, dito devedor principal. De regra, o devedor principal promete a fiança, em cláusula do
contrato -de que se gera a dívida, ou em pacto adjecto, ou em negocia jurídico unilateral, ou bilateral, ou
plurilateral, o que é o quod plerum que fit se a dívida é de origem extranegocial. Não raro o devedor apenas
manifesta a sua vontade de ter fiador, porém. não se pode dizer, com exatidão, que aí “consinta” ou “assinta”,
salvo se em algum negócio jurídico foi estipulado que as fianças, obtidas pelo credor, teriam de ser concluídas
com ciência e assentimento do devedor principal. No Código Civil, diz. o art. 1.484: “Pode-se estipular a fiança,
ainda sem consenti--mente do devedor”. Entenda-se: sem manifestação de vontade do devedor, ou mesmo contra
a sua vontade. Alguém pode-afiançar a dívida do desconhecido, ou ser desconhecido quem afiançou. Conforme
teremos de frisar, desconhecido pode ser -o próprio credor, desde que não se elida, com isso, a bilateralidade do
negócio jurídico.
Pode haver entre o devedor principal e o fiador negócio-jurídico pelo qual o fiador se vinculou a afiançar, ou a dar
-nova fiança. Tal negócio jurídico é estranho ao contrato de- fiança. Pode o devedor principal garantir o fiador
com penhor, ou outra garantia, inclusive mediante transmissão fiduciária de -propriedade. Não é afastada a
espécie, rara, de haver negócio jurídico entre o credor e o fiador, pelo qual êsse se vinculou (pré-contrato) a
afiançar alguma pessoa, ou algumas pessoas. que concluam negócios jurídicos com o credor.
2.FUNÇÃO DE FIANÇA. Sempre que o credor teme o inadimplemento, procura garantia real ou pessoal. O
devedor está sempre exposto a eventualidades, que podem determinar insolvência e, pois, abertura de concurso de
credores. Em vez de buscar devedores solidários, obtém a dívida de alguém que aceda à do devedor principal. A
fiança foi, no passado, a garantia mais usual e ainda desempenha papel de relêvo na vida econômica de hoje.
Alguns contratos, como os de locação de imóveis, quase só se concluem com fiador. O fiador não assume a dívida
afiançada. Apenas promete que o devedor principal adimplirá. ~ inconfundível com assunção de divida alheia e
com o contrato de garantia, a que adiante nos referiremos. O fiador não garante determinado resultado, ou que
não ocorrerá prejuízo. Quem garante, por exemplo, a efetivação de cobrança não afiança; além disso, garante
independentemente da dívida do terceiro (RuD. BAUER-MENGELBERG, Biirgschaft, Schulddbernahme und
Garantievertrag, 26 s.). O fiador não se vincula a mais do que aquilo a que o devedor principal se vinculou. Por
isso mesmo, se a dívida principal se extingue, ou se prescreve a pretensão que lhe corresponde, a fiança cessa. Se
o devedor principal tem de satisfazer indenização de danos, a dívida principal aumenta e, com ela, a dívida de
fiança. O momento para se conhecer qual a dívida afiançada é o da dação da fiança. Nada que resulte de pacto
posterior entre devedor e credor pode ser desvantajoso para o fiador.
Ofiador responde por seu patrimônio. A sua dívida não é a dívida do devedor afiançado. Os que o afirmam não
prestaram atenção à elipse (e. g., KARL LARENZ, Lehrbuch des Shculdrechts, 255) -: o fiador promete
portanto, a isso se vincula . o adimplemento pelo devedor; de modo que o adimplemento, por êle, é adimplemento
pelo adimplemento do devedor. Adimple a sua dívida, que é dívida do adimplemento pelo devedor principal.
3.DEVER E ÔNUS DE AFIANÇAR. Esclarece alguns pontos que têm de ser focalizados a conceituação prévia
do dever de afiançar e do ônus de afiançar. Se a pessoa assume a dívida de fiança (= dá a fiança presta a fiança)
espontânea-mente, ou por amizade, ou por convergência fáctica de interesses, ou por generosidade, inclusive
caridade, não tinha dever(jurídico), nem Onus de afiançar. Às vAzes, tal dever ou tat ônus existe. Para que isso
ocorra, é preciso que se trate de relação jurídica anterior, ou de relação jurídica a que a conclusão do contrato de
fiança vai atender.
Se há dever, presta-se a fiança em cumprimento dêssa dever, o que se há de fazer no interesse do sujeito ativo da
relação jurídica de que se irradiam o dever e, pois, a obrigação de afiançar. O dever pode originar-se de relação
juridica criada por lei, ou de relação jurídica criada por algum negócio jurídico. Quase sempre, a chamada fiança
legal é a fiança que se presta por haver relação jurídica, criada pela lei, de que resulta o dever de afiançar. Pode ser
que a lei dê- ao juiz decidir se é necessária a fiança, ou se basta a fiança (em vez, por exemplo, do depósito ou da
caução), ou se a fiança, necessária, ou não, foi bem prestada. Então, na linguagem corrente, se diz fiança judicial.
A fiança não se torna judicial somente por ter o juiz condenado alguém a prestá-la.
O Onus é pressuposto para algum efeito no interesse de-quem há de prestar a fiança, ou obtê-la para dívida sua, ou
direito seu.
O dever ou o ônus pode ser para que se preste fiança ao fiador (subfiança). O dever de afiançar ou o ônus
de-afiançar pode ser pressuposto para existência, ou a validada de algum negócio jurídico, ou apenas condição de
eficácia.
O dever e o ônus podem consistir em promessa de dar fiador, ou promessa de afiançar o próprio promitente. Na
dúvida, entende-se que o dever é de afiançar, e não de prometer dar fiador ou afiançar.
Só se há de considerar que o dever ou o ônus é de fiança ou de outra garantia quando se fala de fiança, sem se ter
empregado o têrmo “fiança” no sentido de caução, ou no sentido de depósito.
Se no pré-contrato de locação, o promitente locador exigiu que o promitente locatário desse, antes do contrato, o
fiador, e o prédio é entregue, ou é feito o contrato, sem que o locatário dê a fiança, infringe dever de afiançar. Se
foi dito que só se entregariam as chaves do prédio se o locatário entregasse a prometida fiança, há ônus de
afiançar. O interesse, aqui, é do onerado. Donde falar-se em auto-responsabilidade (GIAM AN
TONIO MICHELI, L‟Onere deila Prova, 67). Às vAzes, tem-se de “oferecer” a fiança, de modo que a oferta já
exerce parte da satisfação do ônus.
4.DIvIDA AFIANÇADA. Quanto à fonte da divida que corresponde ao crédito do credor, a favor de quem se dá
a fiança, nenhuma distinção se há de fazer. Pode a dívida ter resultado, ou ir resultar, ou poder resultar, de negócio
jurídico unilateral ou bilateral ou plurilateral, ou de ato jurídico stricto sensu, ou de ato-fato jurídico, ou de ato
ilícita ou de fato stricto sensu lícito ou ilícito.
O contrato de fiança é entre o fiador e o credor, e não entre o fiador e o afiançado.
5.OBJETO DA DIVIDA FIDEJUSSÓRIA. Objeto da dívida fidejussória é o que há de prestar o fiador, o que o
credor quer obter com a vinculação do fiador. ~ errada a opinião que
-reduz a dinheiro o que o fiador há de prestar (e. g., GIORGIO Bo, Nuovo Digesto Italiano, verbo Fideiussione,
1114). Só as dívidas pecuniárias seriam afiançáveis, ou se teria de dizer o quanto em dinheiro que o fiador
garante. Desde que o crédito não seja de prestação que só sirva ao credor se feita pessoal-mente pelo devedor, é
óbvio que pode ser concluído o contrato de fiança. Porém, mesmo a respeito da dívida só exeqUível pelo devedor,
há a dívida de indenização pelo devedor inadimplente (Código Civil, art. 880, cf. arts. 929 e 1.056) ; e a fiança,
que foi dada, entende-se que é a garantia de qualquer modo de adimplemento. O contrato pode determinar que o
fiador adimpla a obrigação de fazer, executável por terceiro, ou que faça ser executada por outrem, se não se trata
de prestação que só o devedor pessoalmente poderia fazer. A pecuniariedade não é essencial. Se a dívida é de
prestar bem infungivel, como o prédio da rua tal, n. tanto, o adimplemento pelo fiador pode ser com a transmissão
da propriedade, ou com o correspondente à indenização que teria de prestar o devedor (cf. EMIUO
PACIFICI-MAzzONI, Istituzion-i di Diritto Civile Italiano, V, 2, 5~8 ed., 498; RICARDO FUBINI, Ii Contratto
di Locazione di cose, 1, 815).
O adimplemento, que se garante, pode ser de dívida que se originou de ato jurídico strzcto sensu, ou de ato ilícito,
de ato-fato jurídico, lícito ou ilícito, ou de fato strieto sensu lícito ou ilícito, ou de lei.
O objeto da fiança simples (fiança à divida) e o objeto da sub fiança ou fiança á fiança (fiança ao fiador) são
diferentes. O que o fiador de regresso ou retro fiador promete é o
-que o devedor principal (ou o fiador afiançado) deva, em via de regresso, ao fiador (ou ao subfiador). O objeto da
fiança de indenidade é o que corresponde ao que o credor não pôde conseguir na execução contra o devedor
principal. Não se confunde com o objeto da fiança com benefício de excussão, porque o fiador de indenidade não
está adstrito a nomear bens do devedor (-Código Civil, art. 1.491, parágrafo único). Só se pode ir contra o fiador
de indenidade quando se haja executado a dívida contra todo o patrimônio do devedor. A fiança de regresso pode
ser afiançada de indenidade: ai, o outorgado ~ o fiador (GIORGIO BO, Contributo alia Dottrina
dell‟Obblidazzone fideiussoria, 81).
A fiança não pode garantir mais do que é o importe da dívida, ou do que êle será, O que é preciso é que se não vá
além do que o devedor teria de prestar; porque, se pudesse ir, o plus estaria na função de objeto de outro negócio
jurídico.
§ 4.782. Dados históricos
1.DIREITO BABILONICO E DIREITO ASSÍRIO. No antigo direito babilônico aparecia, embora raramente, a
fiança. Não se refere a ela o Código Hamurabi. Afiançar é sustentar a cabeça do devedor. Fiador é quem a
sustenta. Num dos documentos daqueles tempos sobre dívida de certo locatário, fala-se de alguém, que “é quem
sustenta a cabeça”, mu-ki-il ga-ag-ga-di-su. Sobre a expressão “sustentar, portar”, cf. DELITZSCHE
(Assyrisches Handwõrterbuclv, 819) e MUSS-ARNOLD (Assyrisok-englisch-deutsches Handwõrterbuoh, 879).
Cabeça capital (BRUNO MEISSNER, Reitráge zum altbabgorischen Privatrecht, 117; C. H. W. JOENS,
Assijrian deeds and documents, III, 8). -O fiador consola, protege o devedor (cp. XARL v. AMniA,
Nordgermanisches Obligationenrecht, II, 45; P. PUNTSCHART, Schuldvertrag und Treugelôbnis des
sdehsischeu Rechts im Mittelalter, 164). Aliás, no médio alto alemão. “trovestaere” era afiançar.
Também no direito assírio a mão exercia o seu papel:
o fiador é amêl quátá, homem da mão, ou qâtáti, senhor da mão. O símbolo é expressivo.
2.DIREITO GREGO. No primitivo direito grego, a fiança era parte integrante do contrato de que se irradiava a
dívida; três eram os figurantes: o credor, o devedor e o fiador. Não havia, prôpriamente, acessão, nem, a fortiori,
acessoriedade. No direito ateniense ainda se encontravam vestígios de tal essencialidade originária. Noutras
cidades gregas, muito tempo persistiram assaz vivos. Era o confirmador ou garantidor da venda que se submetia à
obrigação de garantir, e não o comprador (R. DARESTI, B. HAUSSOTJLLIER e T. REINACE, Recueil des
Inscriptions juridiques greeques, II, 100; R. DARESTE, La Scienoe du Droit eu Crêce, 150).
Já na Odisséja (VII, 305-359) aparece o contrato de fiança, a propósito do pagamento devido a Hefesto por Ares,
surprêso em flagrante de adultério. Posídon diz, claramente, que êle garante a paga a Hefesto pelo adultério de
Ares e de Afrodite. Parece que há assunção de dívida alheia, mas os ~ersos 355 e 856 aludem à condição se Ares
não pagar a dívida:
“se fugir e não pagar a dívida”. Há duas interpretações:
a de 3. E. ESMEIN (Mélanges d‟A rchéologie et d‟Histoire, flIl, 436) e de G. GLO‟rz (La Solidarité de la Familie
danste droit ériminel eu Grêce, 152) e a de 3. PARTSCH (Griechisches Rúrgschaftsrecflt, 1, 11 s.). Aquela
traduz Uyyi5ai como prornessa; essa, como fiança. PAUL VINOORADOFE (Outíjues of Historicai
Jurisprudence, II, 284) repelia a interpretação de J. PARTSCH. flefestos aceitou oferta de Posidon, em vez de
executar o crédito contra Ares.
8.DIREITO GERMÂNICO. O direito germânico conhecia duas formas de fiança: a dação de refém
(Geiselschaft, obstagium) e a fiança de presença (Gestellunqsbiirgschaft). Pela primeira, alguém assumia a
responsabilidade pela dívida de outrem. O homem livre era entregue ao poder do credor, como Gisil, no alto
alemão, Geisel, obses, refém. Enquanto havia a divida, e não ainda a obrigação, em sentido técnico de hoje, o
poder do credor consistia em ser-lhe permitido reter o refém, não matá-lo, nem empregá-lo no seu serviço, nem
vendê-lo.
Extinta a dívida, saía êle do poder do credor. Se ocorria mora, perdia a liberdade e passaria a ser propriedade do
credor, que podia vendê-lo, mutilá-lo, matá-lo, ou tê-lo a seu serviço. A Gestellungsbiirgschaft era a assunção da
dívida de fiador, companheiro do devedor na Sippe: ou o fiador tomava o devedor sob sua custódia, como
Treuhiinder, e êsse seria entregue ao credor, se os parentes não o redimiam; ou o devedor continuava em
liberdade, ficando o fiador com a defesa dos direitos do credor, que lhe eram transmitidos “in treue Hand”, em
mão do fiador. No caso de inadimplemento pelo fiador, contra êle podia o credor empregar o que empregaria
contra o devedor.
Na Idade Média, perdurou, transformada, a fiança corporal, que passou a ser promessa de submissão ao devedor,
se fôsse exigida (promessa de reclusão, Einlagerverspreehen). Com a fiança patrimonial, o fiador assumia a
dívida de fiador, ou prometendo que o devedor prestaria, ou convertendo-se em devedor da dívida do devedor.
Podia dar-se mas era raro
a liberação do devedor, o que mudava a figura jurídica. Tôdas essas espécies eram personalissimas, porém,
depois, a fiança patrimonial gravou o patrimônio e fêz-se herdável. No século XVI, a reclusão (Einlager) foi
abolida, permanecendo, contudo, na Suiça, até o século XIX.
4.DIREITO ROMANO. Na fiança, os direitos e pretensões do credor contra o devedor principal e contra o fiador
existem sucessivamente, e não, como na solidariedade passiva, simultáneamente. Fala-se de obligatio principalis,
como de obrigação que vem em primeiro lugar, e de obrigação do fiador, que depende da existência daquela, por
ser accessio daquela. Mais se empregava em Roma do que hoje, pelo entre-laçamento de relações de amizade e de
confiança, que, na vida de agora, escasseia (FRITz ScrnrLz, Prinzipieu des rõmischen Rechts, 160 s.).
O ponto central para se afirmar a accessio da fiança à obligatio principalis está em GAIO (lnst., III, § 126) : “In eo
quoque iure par condicio est omnium, sponsorum, fidepromissorum, fideiussorum, quod ita obligari non possunt,
ut plus debeant quam debet is pro quo obligantur. At ex diverso ut minus debeant, obligari possunt, sicut in
adstipulatoris persona diximus. Nam ut adstipulatoris ita et horum obligatio accessio est principalis obligationis,
nec plus in accessione esse potest quam in principali re”. A condição de todos, dos esponsores, dos
fidepromissores e dos fidejussores é a mesma, de jeito que não se podem obrigar por mais do que é devido. Em
vez disso, podem obrigar-se por menos, como se diz sobre o adstipulador. A razão está em que, à semelhança do
que ocorre com o adstipulador, a obrigação é acessão da obrigação principal, e não pode haver mais na acessão do
que no principal.
Procurou F. PASTORI (Osservazioni in torno alia “sponsio” romana, Studia et documenta kistoriae et juris,
18-14, 218 s.), mostrar que a sponsio clássica é negócio jurídico de garantia que faz nascer obrigação acessória e
que a expressão gaiana “accessio principalis obligationis” dos esponsores implica ter-se a validade da sponsio
acessa à estipulação nula como exceção à regra da acessoriedade. Repele êle a identificação da sponsio originária
à garantia do vindez ou com a dos praedes e vades.
A posição jurídica do esponsor e do fidepromissor era a mesma, mas diferente, dizia GAIO (Inst., III, § 119), a do
fidejussor. Os primeiros não podiam aceder senão a obrigações verbais, mas, mesmo assim, não o podiam se a
pessoa que prometeu não se obrigou, como se o pupilo o fêz sem assentimento do tutor (sine tutoris auctoritate),
ou se se prometeu dar algum bem após a morte. Discutia-se se o esponsor ou o fidepromissor se obrigava se quem
prometera era escravo ou estrangeiro. O fidejussor podia aceder a quaisquer obrigações, quer pela coisa, quer por
palavras, quer por escrito, quer consensualmente. Não se distinguia, tão-pouco, se a obrigação a que acedia o
fidejussor era civil ou natural: pois que o fidejussor se podia obrigar mesmo por escravo, ou por estrangeiro, ou
por dono de escravo, pelo que lhe é devido.
Lê-se em GAIO (Inst., III, § 119) : “Nam illi quidem nuílis obligationibus accedere possunt nisi verborum,
(quamvis inter-dum ipse qui promiserit non fuerit obligatus, velut si mulier aut pupilius sine tutoris auctoritate aut
quilibet post mortem suam dari promiserit. At illud quaeritur, si servus aut peregrinus spoponderit, an pro eo
sponsor aut fidepromissor obligetur). Fideiussor vero omnibus obligationibus, id est sive
re sive verbis sive litteris sive consensu contractae fuerint obligationes, adiici potest. Ac ne illud quidem interest,
utrum tívilis an naturalis obligatio sit cui adiiciatur: adeo quidem, ut pro servo quoque obligetur, sive extraneus sit
qui a servo fideiussorem accipiat, sive ipse dominus in id quod sibi debeatur”.
O conceito de acessoriedade é posterior ao de aceessio, ciado pelo direito comum, e não corresponde ao que se
pensava no direito antigo, principalmente na época clássica (W. FLUME, Studien zur Akzessorietãt des
rõmischen. Biirgschaftsstimulationen, 5 s.).
Na história do direito discute-se se a fiança nasceu no campo processual, ou no campo do direito material. A
teoria mais acolhida, que é a de L. MITTEIs (Aus rômiseflem und b#irgerlichem Rech,t, 120 s.), é a teoria da
originária processualidade da fiança, como de qualquer obrigação estipulatória. Com isso, ficariam coincidentes
as origens germanicas e as origens romanas da fiança. Contra, há argumentos fortes a favor da origem
extraprocessual.
A fiança romana constituía-se, dé regra, por contrato verbal. Não se confundia com o constitutum debiti alieni,
nem com o mandatum qualificatum, nem com o receptum argentarii.
A forma mais antiga foi, provàvelmente, a sponsio, limitada aos fiadores romanos; depois, veio a fidepromissio,
que os não-romanos puderam empregar. Ambas garantiam obrigacões principais estipulatôriamente contraídas.
Ambas intransmissíveis por herança (cf. E. LEVY, Sponsio, fidepromissio, fideiussio, 45 s.; V. KOROSEC, Pie
Erbenhaftung nach rõmischem Recht, 1, 65 s.).
A fideiussio foi criação para que não se constituísse a fiança apenas por contrato verbal. Já se abstraiu da causa da
obrigação principal, passou a independer da existência da obrigação principal e a ser transmitida aos herdeiros.
No direito justinianeu, só há a fideiussio. Com a generalização da cidadania romana, a fidepromissio tinha de ser
fora de uso.
O credor ou ia contra o devedor ou contra o fiador. Em todo o caso, pelo que se lê em GAIO (L. 19, D., de iniuriis
et famosis libeilis, 47, 10), era de melhor ética primeiro interpelar-se o devedor principal. Se o credor, a quem o
devedor estava disposto a pagar, para o injuriar exigia dos fiadores o pagamento, expunha-se ã ação de injúria.
Com a litis contestatio, só o demandado permanecia vinculado. Todavia, se o terceiro tinha de prestar o que o
devedor não pudesse compensar, primeiro se ia contra êsse. Mas, ai, não se tratava de fiança, e sim de contrato de
garantia sob condição (certos, E. LEvY, Sponsio, lide promissio, jidejussio, 149, nota 8; e W. FLUME, Studien
zur Akzessorietãt der ràmischen Riirgsehafts Stionen, 57). - A L. 28, C., de fidelussoribus et mandatoribus, 8, 40, eliminou a eficácia extintiva da litis contestatio, de jeito que
passou a persistir o direito do credor contra o devedor principal e contra o fiador até que se cumprisse a obrigação.
Criou-se -o direito do fiador a exigir que antes se demandasse o devedor principal (Novela 4, c. 1), dito
beneficium excussionis. A subsidiariedade acentuou-se.
No caso de pluralidade de fiadores, havia solidariedade passíva. Porém houve limitações ao princípio. A Lez Fura
de sponsu falou de quotas pelas quais respondiam esponsores e fidepromissores (GAIO, Jnst., III, 21, e IV, 22), o
que só se aplicava na Itália. Cp. Lez Appufria e Lez Publilia (GATO, III, 124).
Se o fiador havia pago, tinha direito a reclamar do devedor principal o reembôlso (direito de regresso). Se havia
negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente entre o fiador e o devedor principal, como o contrato de
mandato, ou se ocorrera gestão de negócios alheios sem outorga, a ação podia basear-se na fiança, ou na relação
jurídica existente entre devedor principal e fiador. A princípio, houve a adio depensi (GAIO, TU, 127, e IV, 22),
em se tratando de sponsio. A propósito da fiança, começou-se pelo exercício da ação oriunda da relação jurídica
subjacente, justajacente 011 sobrejacente, quase sempre a acUo mandati contrarza.
A transferência da ação do credor contra o devedor principal foi posterior ao direito clássico. Quando o direito
justinianeu acabou com a eficácia extintiva da litis contestatio, teve-se o que se chama beneficium cedendarum
actionum (Novela 4, cap. 1, in fine).
§ 4.783. Natureza do contrato de fiança
1.CONTRATO. A fiança é contrato. A promessa unilateral de garantia de dívida de outrem não é fiança. A
bilateralidade do negócio jurídico é-lhe essencial, pôsto que, por vêzes, o credor, que recebe a carta de fiança, a
aceite tâcitamente, ou pelo silêncio.
A assunção de dívida alheia cumulativa, dita adesão, a dação de penhor e a renúncia a preferência pignoratícia são
intercessões cumuiativas; a novação e a assunção de dívida extintiva são intercessões extintivas. A fiança é
intercessão cumulativa.
Não se pode, diante da acessoriedade da fiança, cogitar de dívida subjetivamente coletiva, como fêz Lonovíco
BARASSI (La Teoria Generale deite Obôligazioni, J, 23 ed., 189 s.; com razão, VALERIO CAMPOGRANDE,
Trattato deita Fidejussione nel diritto odierno, 44 e 123). Seria misturar-se com o negócio jurídico de que se
irradiou, ou se irradia, ou se vai irradiar a dívida garantida (negócio que pode não existir, por ter a dívida outra
fonte>, o negócio jurídico da fiança.
Costuma-se chamar garantia pessoal à fiança, mas a fiança é apenas uma das garantias pessoais. Outra, por
exemplo, é o aval. Não no é o mandato de crédito (sem razão VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato de lia
Fideiussioni nel diritto odiento,
127 s.), que de modo nenhum se há de ter como negócio jurídico acessório (cf. NICOLA STOLFI, IV, 473).
Por vêzes, em leis e decretos de pouca atenção à terminologia, aparece a fiança como caução, e a caução como
espécie de fiança, ou vice-versa; e. g., “prestará caução”, “prestará fiança” (no sentido de fiança ou caução). O
intérprete tem de descer ao exame do que se diz na lei, a despeito das palavras; e ao expositor compete limpar de
tais erronias ou confusões a terminologia. Dificilmente, quando se exige caução, se pode considerar suficiente a
fiança, que é garantia pessoal. (As próprias expressões “caução fidejussória” e “fiança caucional” devem ser
evitadas.)
2.CONTRATO UNILATERAL. O contrato de fiança é unilateral. Só se vincula a prestar quem dá a fiança. Não
há, portanto, no sistema jurídico brasileiro, a fiança comercial de que cogitava o Preussisch,es Aligemeines
Landrecht, 1, 14,~§ 363 s. Se alguém, para dar fiança, recebe algo, ou vai receber algo, há outro negócio jurídico,
subjacente, justajacente, ou sobrei acente, em que ressaltam a promessa de prestar a fiança e a promessa de
retribuir a prestação do ato negocial. Pode tratar-se de seguro de crédito, de modo que não se poderia invocar o
que é peculiar à fiança. Quando se promete prestar fiança e se presta a fiança, está adimplido com o contrato
unilateral o dever que se irradiara do contrato bilateral, aliás pré-contrato.
No Código Comercial, art. 259, estatui-se: “O fiador ~mercantil pode estipular do afiançado uma retribuição
pecuniária pela responsabilidade da fiança; mas estipulando retriibuição não pode reclamar o beneficio da
desoneração permitido no art. 262”. 2,Com o art. 259, 1a parte, concebeu-se a fiança onerosa, ou se trata de outro
contrato? A fiança onerosa é anormalidade, que os sistemas jurídicos evitam. Admitiram-na G. PLANCK
(Jommentar, f~, „13 ed., 821), OTTO VON GIERRE (Deutscltes Privatrecht, III, 777), „OTTO WARNEYER
(I<ommentar, 1, 1206) e outros. Contra, L. ENNEOCERUS
-II. LEHMANN (Lehrbuch, II, 606). É estranhável que não se tenha pôsto nos devidos termos a questão. Se é
permitido e de uso que se dê ou se prometa retribuição ao fiador, o que de início se há de examinar é a estrutura do
negócio jurídico em que se diz, ou se supóe, que tal acontece. Ora, a fiança é negócio jurídico entre o fiador e o
credor, e não entre o devedor principal e o fiador. O que ocorre entre êsses de ordinário só se passa no mundo
fáctico: o devedor principal, quase sempre futuro devedor, promove a fiança, pedindo a quem possa e queira
afiançar que conclua com o credor o contrato de fiança. O que quase sempre entre o devedor e o futuro fiador só
se dá no mundo fáctico pode ter entrada no mundo jurídico, como se, em vez de remeter presente ao fiador, o
devedor lhe promete prestar x por tempo de seis meses ou de um ano que dure a fiança da locação em que o
afiançado é locatário. O negócio jurídico conclui-se entre o fiador e o afiançado, o que nada tem com a fiança,
contrato unilateral entre fiador e credor.
Grave êrro foi o de M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Contratos no Direito Civil brasileiro, II, 410), ao
considerar bilateral o contrato de fiança se concluído entre o fiador e o devedor. Ora, tal negócio jurídico, ainda
se inserto no mesmo instrumento, não seria o contrato de fiança, mas sim pacto subjacente, justajacente (inserto
no mesmo instrumento, ou concluído simultâneamente, mas com outro instrumento) ou sobrejacente. Lamentável
que citasse o texto de M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA a 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, a 23 de março de 1943 (R. dos T., 147, 158).
~A fiança pode ser dada unilateralmente? Antes de quaisquer considerações sobre o fundo da questão, advirtamos
que ela nada tem com a de ser admissível a aceitação não escrita da oferta de fiança.
A promessa ao público de fiança vincula, porém não se pode pensar em incidência integral das regras jurídicas
sobre o contrato de fiança. É o caso de quem promete ser fiador, ou promete afiançar quem, sendo empregado da
empresa, compre apartamento a prazo, ou compre lote de terreno. De ordinário, há a promessa de contratar fiança,
mas pode ser feita, desde logo, a promessa de fiança.
Também pode a fiança ser incorporada em titulo de crédito (crédito de fiança), mas houve o negócio jurídico
subjacente.
3.SOLIDARIEDADE PASSIVA E FIANÇA. A fiança distingue-se da solidariedade passiva em que os direitos
do credor contra o devedor principal e contra o fiador não existem simultâneamçnte. Falta a simultaneidade que
caracteriza a solidariedade passiva. No mesmo momento, existem, nessa, os direitos contra todos os devedores.
Na outra, a obligatio principalts nasce antes: a existência da obrigação do fiador pende, enquanto aquela existe. A
finalidade mesma da fiança é a de maior segurança para o credor. Se um devedor deixa de adimplir, e outro tem de
adimplir. Daí falar-se da acessoriedade, da accessio. Observemos que o conceito de acessoriedade, à diferença do
conceito de accessio, que é clássico, é criação do direito comum, de modo que seria êrro falar-se de
acessoriedade, como qualidade ou função, em vez de accessio, no direito antigo e na época clássica, que daquele
não tinha conhecimento. Cf. W. FLUME, Studien zur Alczessorietttt der ràmischen Riirgschaftsstipulationen, 5 s.
A oposição, sim. Existia ela, no direito clássico, entre a obligatio principalis
e a aceessio, o que ressalta no texto de GAIO, InsL, III, 12\ “In eo quoque iure par condicio est omnium,
sponsorUm, fid< promissorum, fideiussorum, quod ita obligari nou possunt, ut< plus debeant quam debet is pro
quo obligantur. At ex diverso ut minus debeant, obligari possunt, sicut in adstipulatoris persona diximus. Nam ut
adstipulatoris ita et horum obligatio accessio est principalis obligationis, nec plus in accessione esse potest quam
in principali re”. A condição jurídica de todos, esponsores, fidepromissores, fidejussores, é a mesma no tocante a
que não se podem obrigar de modo que levam mais do que aquêle pelo qual se obrigam. Mas, não obstante,
podem obrigar-se de jeito a deverem menos, pois a obrigação deles, como a do adstipulador, é acessão à
obrigação principal, e não pode haver na acessão mais do que no negócio principal.
A relação em que se acham devedor principal e fiador não é, de regra, a de solidariedade. Solidário com o devedor
principal é o fiador principal pagador: faz-se solidário sem que se apague a acessoriedade, o que significa pôr-se
na fronteira a eficácia.
A solidariedade fidejussória somente ocorre se foi preestabelecida. Nas dívidas solidárias, há identidade do
interesse passivo dos devedores. O interesse passivo do fiador e o que possa ser vantagem para êle não são iguais
ao interesse passivo e ao que possa ser vantagem para o devedor, mesmo se se trata de fiança de fiança. A
assunção de dívida solidária pode ter sido com intuito de garantia, mas, ainda assim, não se confunde com a
fiança, nem muda de estrutura. Nas dívidas solidárias, o vínculo de cada devedor é independente; na fiança,
depende do vínculo da dívida garantida.
Mesmo quando o fiador se faz devedor principal, a sua principalização não o torna sujeito passivo na relação
entre o credor e o devedor. Não há, na cláusula de devedor principal, assunção de dívida alheia. Por isso, é preciso
ter-se todo o cuidado e tôda a atenção na invocação de regras jurídicas sobre solidariedade das dividas quando se
cogita de fiador solidário. A solidariedade, na fiança, é atípica.
4.PRÉ-CONTRATO DE FIANÇA. Quando o pré~contratO de fiança é feito entre o credor e o futuro fiador, não
há qualquer dúvida sobre se se trata de pré-contrato. A preparatoriedade do pré-contrato de fiança entre futuro
fiador e devedor não justifica que se distingam duas espécies: o pré-contrato preliminar, que seria o pré-contrato
com o credor, e o pré-contrato preparatório, se com o devedor (sem razão, MICHELE FRAGMJI, Fideiussorie,
Mandato di credito,. 21), tanto mais quanto êsse pré-contrato pode ser posterior ao contrato do devedor com o
credor.
Os juristas que afastavam os pré-contratos de fiança porque não admitem promessa de doação não tinham
qualquer razão. Os dois pré-contratos podem existir.
Pode-se prometer a fiança prestada por terceiro. Aí, promete-se negócio jurídico de outrem. O terceiro há de ser
determinado, ou determinável a certo momento, ou terceiro que satisfaça as exigências do art. 1.489 do Código
Civil e outras, que no negócio jurídico se apontem.
O testador pode estabelecer que herdeiro ou legatário preste fiança, ou que dê fiador, ou como obrigação surgida
da aceitação da herança ou do legado, ou como ônus ou modus, se determinação acessória.
Discutia-se se o testador pode afiançar, causa mortis. A resposta tem de partir de esclarecimento da questão. O
testador não se pode fazer fiador, porque, à abertura da sucessão, já êle não existe, e a fiança é garantia pessoal. O
que êle pode fazer é criar dever ou ônus ao herdeiro ou ao legatário. Ali, o inadimplemento tem as conseqüências
próprias, que podem ser a de ressarcimento, ou a de substituIção do beneficiado, ou, em se tratando de ônus, ou de
modus, as que lhe são peculiares.
§ 4.784. Espécies de fiança
1.SUBFIANÇA. A sub fiança é fiança a fiador; afiança-se a divida que o fiador, com a sua promessa, assumiu. O
fiador prometeu que o devedor principal adimpliria; o sub-fiador promete que o fiador adimplirá o que prometeu:
o adimplemento pelo devedor principal. A subfiança é afiançável, o que estabelece a possibilidade de subfianças
a subfianças. Nada obsta a que a subfiança seja anterior à fiança, uma vez que se preveja a sua dação. Assim como
se pode afiançar a dívida futura, afiançável é a futura fiança. As circunstâncias
podem sugerir ou exigir que se preste a subfiança antes de se ter concluído o contrato de fiança. As regras
jurídicas sobre fiança são invocáveis, inclusive a do art. 1.491 do Código Civil (beneficium excuSSiOni.O.
Lê-se no Código Civil, art. 1.482: “Se o fiador tiver quem lhe abone a solvência, ao abonador se aplicará o
disposto, neste Capítulo, sobre fiança”.
A subfiança é fiança da fiança; a retrofiaança fiança à fiança. Aquela favorece o credor principal; essa, o fiador.
A subfiança pode ter as espécies que a fiança pode ter. Pode haver a solidariedade e pode não haver, rode ter sido
inserto pacto de retribuição, ou ter sido feito adjectamente~ e pode não ter havido. Pode ser fiança ao
adimplemento, ou de indenidade.
A fiança da fiança garante o adimplemento pelo fiador: o credor tem ação contra o fiador do fiador, como fiador
do segundo grau. O subfiador que paga sub-rogações nos direitos do credor a quem pagou e pode ir contra o
fiador ou contra o devedor.
O fiador do fiador somente tem de adimplir se o fiador
não adimple. Não importa se incapaz o fiador afiançado, ouo devedor, ou ambos. O fiador do fiador tem por si o
benefício de excussão, se não se fêz fiador solidário do fiador. A relação jurídica de dívida principal, para o
abonador,não é a que existe entre o devedor principal e o credor, mas a que se estabeleceu entre o fiador e o
credor. Tem êle a seu favor as exceções extintivas e as objeções que competem ao fiador e as que competem ao
devedor principal. No caso de pluralidade de abonadores, há solidariedade,nu êles são conjuntos ou simples. Os
princípios são 05 mesmos;e não se há de confundir com a solidariedade em relação ao fiador a solidariedade entre
co.abOnadOres. Quando há subfiadOr ou abonador, ao fiador principal deve-se chamar pré-fiador (Vorbiirge).
Se o fiador principal paga, a êle se transmitem os direitos do devedor principal,não os direitos contra o abonador.
Não se trata de créditoacessório ao crédito principal, e sim ao crédito contra o fiador principal. Se o abonador
paga, adquire o crédito contra e fiador principal (pré-fiador).
Quando há fiador do crédito principal e outro para a pretensão de regresso dêsse fiador contra o devedor principal,
há retro fiança ou fiança de regresso.
Nenhum dêsses casos é de co-fiança.
Dois ou mais subfiadores para o mesmo pré-fiador, ou dois ou mais retrofiadores para o mesmo crédito de
regresso~ são, para o pré-fiador, ou para o mesmo crédito de regresso, co-fiadores.
Se o fiador paga, pode ir contra o retrofiador, com a ação de regresso. Se paga o retrofiador, adquire êle a
pretensão de regresso, não porém o crédito do credor principal (credor originário).
2. RETROFIANÇA. A retrofiança (Rúckbúrgschaft) é a fiança para o caso de regresso do fiador contra o
devedor principal, de jeito que se promete ao fiador que o devedor principal atenderá à pretensão de regresso. Os
princípios sobre a fiança são sempre invocáveis. Alguém, que preste a fiança,. se expõe a que o devedor principal,
que deixou de adimplir, também não tenha meios ou dificulte a prestação de regresso. Daí a conveniência prática
da retrofiança. Pode dar-se que sejam simultâneas, ou que a própria retrofiança seja prestada, para que o futuro
fiador se vincule pelo contrato de fiança. O retrofiador tem a exceção de ação prévia de que cogita o art. 1.491 do
Código Civil (beneficium excussionis).
Se os fiadores não são solidários, nem se estabeleceu quota, trata-se de fiadores próprios: cada um age por si. O
art. 1.495 do Código Civil não se aplica a êles. Não são ligados entre si. Não há relação jurídica interna, não há
entre êles vinculação negocial ou legal (o art. 1.498 é jus dispositivum, que supóe a prestação conjunta das
fianças). Cf. IKARIJ KANKA (Die Mitbiirgschaft, Jherings Jahrbucher, 87, 168 s.).
8. CO-FIADORES. Os co-fiadores podem ser próprios ou comuns. A distinção assenta no suporte fáctico. No
art. 1.493 do Código Civil tanto se alude aos co-fiadores próprios como aos comuns, isto é, tanto a A, B e C que se
vincularam separadamente, talvez mesmo sem se conhecerem, como A, B e C que assinaram o mesmo
instrumento ou se fizeram explícitas referências. Uma das consequências da co-fiança comum é a de
incidir o art. 158, 1Y parte, do Código Civil se há nulidade quanto a uma das fianças, salvo se seria de admitir-se
que, sem ela, os outros fiadores se vinculariam (KARL KANKA, Die Mitbiirgschaft, Jherings Jahrb‟dcher, 87,
181).
Entre o credor e todos ou alguns dos co-fiadores podem ser estabelecidos graus para as garantias, bem como
prazos em que cada um, ou alguns, ou todos têm de adimplir o prometido (KARL KANKA, Die Mitbúrgschaft,
Jherings Jahrbiicher, 87, 141). Pode-se estabelecer o quanto que cada um afiança, como, para um, ou para
alguns, ou para todos, fazer-se facultas alternativa a dívida de fiança.
O pagamento em consignação por um dos co-fiadores pode ser feito. Bem assim, o pagamento por compensação.
O que se discute é a) se é preciso, no caso de compensação, ter o credor exercido a pretensão contra o co-fiador,
ou b) se êle espontânea-mente pode pagar, compensando, se não foi exercida a pretensão nem contra êle nem
contra o devedor principal, ou e) se tem de ser exercida contra todos os fiadores. O que é de exigir-se é que a
divida esteja vencida, em mora o devedor, para que o fiador um dos co-fiadores possa solver. Discordam as
opiniões de P. LANGI-IEINEKEN (Der verhaltene Ànspruck, 49 s.), W. WESTERKAMP (Bhirgschaft und
Schuldbeitritt, 402 s.) e outros.
4.FIANÇA DITA “EX LECE” E FIANÇA DITA JUDICIAL. Se alguma regra jurídica estatui que alguém
responde como fiador, há a vinculação legal semelhante à de fiança.
A usual classificação da fiança em negocial (contratual), Legal ou judicial refere-se à fonte da dívida, e não à
dívida fidejussória. Mas há confusão. Na primeira espécie, é o negócio jurídico que cria a relação jurídica de
fiança (fiança voluntária), talvez já devida, como se havia dívida (legal ou negocial) de prestar fiança (obrigação
de afiançar), ou ónus de prestar fiança, de origem negocial ou legal. De modo que há a fiança voluntária devida
e a fiança voluntária não-devida ou espontânea. Digamos “simples”, e não “voluntária”, porque não há fiança sem
volição.
A fiança legal é garantia de que a lei incumbe alguém, de modo que a lei cria o dever ou o Onus de afiançar. Os
exemplos que se apontam de fiança legal sem ser através do adimplemento de obrigação ou de satisfação de ônus
de afiançar não são fianças legais, no sentido em que podemos falar de fianças legais. Convém que analisemos os
casos principais.
Na cessão por título oneroso, o cedente, mesmo se não se responsabilizou, é responsável ao cessionário pela
existência do crédito ao tempo em que lho cedeu (Código Civil, art. 1.073, 1~a parte). Idem, nas cessões por titulo
gratuito, se procedera de má fé (art. ~~Q73, 2.~ parte). Não há, aí, fiança legal. Nem se deve falar de garantia, no
sentido técnico, êrro de terminologia que levou à redação do art. 1.266 do Código Civil italiano~ que diz, na
primeira espécie (cessão a título oneroso>, que “il cedente ê tenuto a garantire l‟esistenza deI credito”, e, na
segunda espécie, que “la garanzia é dovuta”. Nenhuma promessa se faz de adimplemento por outrem: se o
negócio jurídico não chega à sua plena eficácia, por não existir a dívida cedida, o cedente responde, porque cedeu
o que não era seu. Há responsabilidade, e não garantia (sem razão, LoDovíco BARASSI, Teoria Generale delle
Obbligazione, III, 2.~ ed., 303 s.). O elemento de acessoriedade não aparece. O fiador garante o adimplemento
por outrem. O cedente, não, é responsável pela sua própria dívida.
Tão-pouco se pode considerar fiança a responsabilidade do mandatário, ou do procurador, ou do intermediário,
ou d& mediador que obrou em nome próprio. É êrro que se há de evitar o de aludir-se a garantia se o intermediário
ou o mediador ou o mediador ou o mandatário oculta o nome do figurante.
Dá-se o mesmo quanto à responsabilidade dos sócios, pois a responsabilidade subsidiária, em tais espécies, não é
fiança. A subsidiariedade não torna de fiador ou de co-fiadores a responsabilidade. Não é fiador o delegante,
responsável subsidiàriamente, na delegação cumulativa; e tantos outros responsáveis subsidiários que o sistema
jurídico aponta. Não há o regresso entre os sócios (= o art. 1.495 do Código Civil não é invocável). Nem é
invocável o art. 1.499 do Código Civil. Nem o art. 1.503, 1. Não se trata, evidentemente, de fiança. (Tem-se de
considerar tal responsabilidade de sócio como~ “complementar”, o que é mais preciso do que “subsidiária”, e foi
expressão empregada em RENZO BOLAFFI, La Societá .semplice, 384.)
A “fiança” que se presta se o crime é afiançávei (Código Penal, arts. 322-350), ou se o é a contravenção penal,
ná& é fiança, é caução. Mesmo em tais espécies, a caução é ônus, para que se possa soltar o acusado. Diga-se o
mesmo quanto à chamada fiança da Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951 (crimes contra a economia popular),
art. 59, e da Lei n. 1.802, de 5 de janeiro de 1953 (crimes contra a segurança do Estado), art. 141, parágrafo único.
A fiança judicial também é, apenas, fiança voluntária, que se presta por obrigação ou por ônus perante o juiz. A
obrigação ou o ônus há de resultar de Lei.
Temos, portanto, de reconhecer que tôdas as fianças são voluntárias. A diferença é que algumas nada as suscita,
isto é, não há obrigação nem ônus de as prestar, e outras, embora voluntárias, são precedidas da obrigação ou do
ônus. Aquelas são as fianças simples; essas, legais, que a obrigação seja adimplida sem ser em juízo, ou o ônus
satisfeito, sem ser em juízo, quer aquela ou êsse seja de exame pelo juiz (fianças. judiciais).
5.FIANÇA DE INDENIDADE (“FIDEIUSSIO INDEMNITATIS”).
A fiança de indenidade é aquela pela qual o fiador somente responde pelo descoberto do crédito garantido. O
credor estipula do devedor acessório “quanto minus a reo consecutus. fuerit”. Cf. PAPINIANO, L. 116, D., de
verborum obligationibus, 45, 1, onde se refere observação de PAULO.
A fiança de indenidade garante o adimplemento de soma que corresponda à que o credor não pôde conseguir do
devedor. Portanto, não se refere às perdas e danos que resultem do. inadimplemento. Não se trata de seguro do
crédito, porque, na fiança de indenidade, o fiador presta o resíduo que se não obteve do devedor. O seguro de
crédito é promessa de ressarcimento do dano, que consiste em perda de valor por superveniente
irrecuperabilidade, total ou parcial, do crédito. Não há acessoriedade no seguro de crédito. Ésse é negócio jurídico
oneroso, por sua natureza.
Na fiança de indenidade, tem-se de primeiro executar a dívida sobre os bens do devedor para se saber o que se tem
de adimplir. Daí BIAGIO BRUGI (Istituzioni di Diritta Civile italiano, 558) ter dito, no seu tempo, que não
havia, aí, benefício de excussão. Em verdade, há excussão necessária; não teria sentido o benefício de excussão,
porque a precípua excessão é indispensável para se conhecer o resíduo.
6.TINcIDADE E ATIPICIDADE. São subespécies da fiança:
a) a fiança ao devedor, com benefício de excussão, na qual está pré-excluída a solidariedade do fiador, em virtude
de cláusula do negócio jurídico da fiança, ou de pacto adjecto, ou sem beneficio de excussão; b) a fiança da
fiança, a subi iança, que se não confunde com a chamada fiança de regresso (GIORGIO Bo, Contributo alia
Dottrina dell‟Obbligazione fideiussoria, 70), nem com a subsidiária (RAFAELE CORSI, La Fideiussione, 320).
A onerosidade, que se atribui à fiança, não a faz fiança onerosa, é elemento estranho. Há, necessàriamente, outro
negócio jurídico, ainda que no mesmo instrumento, que atribui ao fiador contraprestação pelo seu ato de ser
fiador. Ésse é um ponto, que tem sido transcurado na doutrina, mas assaz relevante. O fiador presta a fiança. Se
está vinculado a isso, ou se o devedor lhe prometera algo por êsse ato, o que se passa e estranho à fiança. Ocorre
o mesmo se o próprio credor deu algo ou prometeu algo para que o fiador se vinculasse.
O fiador não está adstrito a dar por tôda a divida a fiança. Pode êle determinar o quanto que êle garante. Donde as
duas subespécies: a fiança plena e a fiança não-plena ou parcial.
7.SOLIDARIEDADE, DIVISAO E DETERMINAÇÃO INTERNA DE
QUOTAS. O fiador é devedor do adimplemento pelo devedor principal. Não deve o que o devedor deve; deve o
adimplemento pelo devedor. Daí ser acertado, de iure condendo, que não se tenha o fiador como devedor
solidário, mas sim como devedor subsidiário, com o benefício de excussão. No sistema jurídico italiano (Código
Civil italiano, art. 1.944, 13 e 23 alíneas), o fiador é solidário com o devedor principal, salvo se houve convenção
em contrário. Como o direito brasileiro, o Código Civil francês, art. 2.021 (e os que o seguiram), o Código Civil
austríaco, art. 1.355, o Código Civil alemão, § „771, o Código suíço das Obrigações, art. 495, e o Código Civil
argentino, art. 2.012. O benefício de excussão é conteúdo de regra jurídica dispositiva. O fiador somente é
solidário se assim se preestabeleceu, ou se alguma lei especial impõe a solidariedade, ou, dispositivamente, faz
solidário o fiador. No direito comercial, a fiança é solidária, dispositivamente (Código comercial, art. 258, 13
alínea, 13 parte).
Observe-se, a favor do benefício de excussão como conteúdo de ius dispositivum, que, com a prévia execução dos
bens do devedor, é que se pode saber com exatidão quanto há de prestar o fiador; contra-argúi-se que, com isso, se
retarda a satisfação do credor. Verdade é, porém, que pode dar-se que o devedor, que pode pagar, não pague, para
que o faça o fiador. No fundo, se o fiador prometeu o adimplemento pelo devedor, donde a acessoriedade da
fiança, a solidariedade de certo modo apaga a acessoriedade.
O benefício de excussão é exceção: o credor não é adstrito a ir, desde logo, contra o devedor principal; pode ir
contra o fiador, antes de demandar o devedor. O fiador é que tem oins exceptionis. Não se pré-elimina a
faculdade do credor de tratar o fiador como se solidário fôsse: ao fiador é que toca opor a exceção. Há
alternatividade, porque não se impôs a excussão prévia contra o devedor principal. Atenua-se, de certo modo, a
solidariedade.
As fianças prestadas por duas ou mais pessoas são solidárias entre si. Quer dizer: o credor que fôra contra o
devedor, ineficientemente, pode ir contra qualquer dos fiadores. Não se trata de solidariedade com o devedor, mas
dos fiadores uns com os outros. Se o credor vai contra um dêles, pode êsse opor o beneficio de excussão se não foi
convencionada a solidariedade com o devedor. O art. 1.493 do Código Civil nada tem com a solidariedade com o
devedor; a fortiori, o art. 1.494.
(Os arts. 1.493 e 1.494 do Código Civil vêm do Projeto primitivo, arts. 1.614 e 1.615, e surpreendeu que CLÓVIS
BEvILÁQUA, Código Civil comentado, V, 247, não tenha dado qualquer explicação sobre o art. 1.494. Aliás, ê]e
pôs a regra jurídica do art. 1.494 após a regra jurídica do art. 1.493, parágrafo único. Se essa concerne à
pré-eliminação da solidariedade entre fiadores, a do art. 1.494 ou seria bis in idem ou apenas se refere ao que entre
êles se estipulou, a despeito de não se ter eliminado o beneficio da divisão.)
Obenefício da divisão só é eliminável em contrato com o credor; portanto, se o instrumento dos contratos de
fiança foi um só, nesse instrumento; se foram em dois ou mais, mediante a determinação do limite proporcional
de cada fiança.
Mesmo se não foi convencionado o benefício da divisão, podem os co-fiadores, entre si (~ sem o concurso de
credores) estipular a parte da divida que lhes cabe. Aí, não se trata de benefício da divisão.
O benefício de divisão (o chamado beneficium divisionis), introduzido por Adriano (GAIO, III, §§ 121 e 122; L.
4, 1., de fideiussoribus, 3, 20), é exceção oponível ao credor, diminutória, por ter a finalidade de reduzir o que o
credor pede> por só ser devido pro quota o que o credor exige. Não é dilatória, como a de excussão; é, embora
parcialmente, peremptória. Não se nega todo o direito do credor, nem a sua legitimação.
§ 4.785. Negócios jurídicos parecidos com a fiança
1.PRECISÕES. Alguns contratos se parecem com o contrato de fiança. Para que se afastem confusões, o que se
faz mister é partir-se dos elementos essenciais à fiança e exigir-se que estejam inclusos para que se possa pensar
em relação jurídica fidejussória. A acessoriedade é um dêles. O outro é a promessa de adimplemento de dívida do
terceiro à pessoa a quem se dá a fiança.
2.ASSUNÇÃO DE DÍVIDA ALHEIA. Na assunção de dívida alheia, quem assume passa a ser o devedor, ou a
ser co-devedor, se há cumulatividade (co-assunção de dívida). Quem assume a divida alheia não quer ser devedor
secundário, devedor do adimplemento por outrem. Se não é cumulativa a assunção, o assumente faz-se o devedor,
em lugar daquele que o era.
A tais situações não se estendem, de jeito nenhum, as regras jurídicas sobre fiança.
3.NEGÓCIO JURÍDICO ABSTRATO AO LADO DE NEGÓCIO JULtI DIGO CAUSAL. Também não se
confunde com a fiança o negócio jurídico abstrato, que se conclui ao lado de outro negócio jurídico, de modo que
o credor somente possa exigir uma vez o que é prestação de um e do outro negócio jurídico. Assim ocorre, por
exemplo, se A comprou a B por x o imóvel, a prestações mensais, e C dá notas promissórias a A, correspondentes
ao que E teria de pagar. Aí, não há assunção de dívida alheia, nem há fiança: apenas se estabelece solidariedade de
dívidas.
4.CONTRATO DE GARANTIA. Contrato de garantia é aquêle pelo qual alguém promete responder, no todo
ou em parte, pelo risco que o outro figurante possa sofrer em negócio jurídico de que seja figurante. Os exemplos
melhor esclarecem:
B, por sugestão de A, montou hotel na pequena cidade, e A assume a responsabilidade pelos défices que
anualmente ocorram, ou pelos lucros de x por cento; B, a quem A deu em locação a loja, monta armazém, depois
de C lhe haver garantido que a renda será de x por cento, ou, próximo a findar-se o contrato, que A o renovara.
O contrato de garantia não é acessório, e sim independente. Não se promete o adimplemento por parte de devedor
principal, mas indenização de dano sofrido, ou determinada renda, ou outro resultado.
Quem afiança, em principio, somente o faz por amizade, altruísmo ou solidariedade humana. Quem contrata em
garantia tem interesse próprio, pois não se restringe a prometer o adimplemento pela pessoa que lhe merece tal
atitude.
Nos contratos de garantia a prazo, quase sempre o garante apenas reitera o que afirmara no contrato de compra-
-e-venda, ou de locação, para que fique assegurada a qualidade ou o bom funcionamento da mercadoria (e. g., da
máquina de lavar, ou do barco, ou do automóvel). No contrato pode haver alternatividade: indenizar, ou substituir
o objeto do negócio jurídico. Muitas vêzes a cláusula de garantia insere-se no próprio contrato de
compra-e-venda, ou no de locação, ou noutro contrato.
O contrato de garantia também é unilateral, só vincula o garante. Se nêle se pôs a cláusula de dever o outro
contratante prestar mensalidade, ou levar a cabo o que empreendeu, há contrato inominado, no qual se têm de
observar as regras jurídicas peculiares à vinculação do outorgado e as regras jurídicas especiais sobre o contrato
de garantia, regras jurídicas, essas, não escritas.
A forma do contrato de garantia não é necessAriamente a forma escrita. A êle não se estende a regra jurídica do
art. 1.488 do Código Civil ou do art. 257 do Código Comercial.
A responsabilidade do garante é por todos os danos que advenham, inclusive os provenientes de casos fortuitos;
salvo se no contrato há restrição. Não se incluem os danos oriundos de culpa do próprio figurante garantido.
Se o risco, pelo qual se responde, é por falta de adimplemento, a garantia parece-se com a da fiança; mas, em vez
de se prometer o adimplemento pelo devedor, o que se promete é a indenização pela falta de adimplemento,
podendo dar-se, o que frequentemente ocorre, que se indenize o risco, mesmo se inválido o negócio jurídico, ou
se não se concluiu, juridicamente, o negócio jurídico. O art. 1.488 do Código Civil não é invocável.
A assinatura aposta a contrato de locação, na qualidade de coobrigado, não é, em caso de dúvida, fiança, mas
promessa de garantia independente da dívida que resulte do contrato de locação (HANS REICHEL, Die
Schuldmititbernahme, 288).
Também há promessa de garantía e não fiança, se foi dito “sob garantia pelo capital e juros”, em negócio juridico
de cessão. Bem assim, a promessa de indenização pelo que, a propósito de alguma operação mercantil, ou outra
razão, possa a outra pessoa sofrer.
Nos contratos de garantia ou promessas de garantia, o credor não é adstrito a acionar o devedor. Não há
acessoriedade, nem subsidiariedade. Se o garante paga, em quase todos os sistemas jurídicos não se sub-roga nos
direitos do credor; no direito brasileiro, pode ser caso de invocação do art. 985, III, do Código Civil. Não é
admitida a compensação da prestação garantida contra o credor.
5.MANDATO DE CRÉDITO. Quando alguém dá Poderes a outrem para, em nome próprio e por conta própria,
dar crédito a terceiro, é dito mandatário de garantia, e responde ao mandatário, como se fiador fôsse, pela dívida
do terceiro, decorrente da dação de crédito. Há, aí, o mandato de garantia ou mandato de crédito (Kreditauftrag).
O mandato de crédito é mandato para que se faça credor. Pode ser para que empreste, ou faça negócio jurídico em
que o terceiro fique devedor, ou para que adimpla o que prometera como crédito. Um dos pressupostos é que haja
relação jurídica de mandato, no sentido do art. 1.288 do Código Civil ou do art. 140
do Código Comercial. Se falta êsse elemento, há apenas fiança (G. PLANCK, Kommentar, II, 846; sem razão, M.
E. ECCIUS, Verbúrgung fúr eine ktinftige Schuld und Kreditmandat, Gruchots Beitrdge, 46, 55). Não basta a
renúncia à revogabilidade do mandato para fazê-lo fiança (L. ENNECCERUS-H. LERMANN, Lehrbuch, II, 623,
nota 11; sem razão, OTTO VON GIERKE, Deutsckes Privatrecht, III, 792, nota 123).
O mandato de crédito é espécie dos contratos de gestão de negócios de crédito. Por influência de conceito
extrapolado de mandato, o que se deve evitar, os juristas alemães chamam mandato de crédito a contratos que não
são de mandato, e até há os que o defendem (e. g., WEIDEMANN, Der lCreditauftrag, Zeitsclirift fitr das gesamte
Handelsreeht, 53, 450).
O mandatário de crédito vincula-se a adimplemento. Enquanto não adimple, ou não se vincula perante o terceiro
a adimplir (não promete o crédito), o mandante do crédito pode revogar o mandato. Pode ser denunciado pelo
mandatário e, se não houve vontade contrária, extingue-se com a morte do mandatário. Os arts. 1.322 e 1.323 do
Código Civil incidem. Se remunerado o mandato de crédito, a denúncia é conformo a locação de serviços ou de
obra.
Se o mandatário vem a saber ser inconveniente a dação do crédito, tem de comunicá-lo imediatamente ao
mandante.
Uma vez dado o crédito, o mandante responde como fiador.
Omandato de crédito pode consistir em promessa de dação de crédito (mandato de abertura de crédito). 1-lá,
então, mandato de pré-contrato de crédito.
Se o mandato de crédito não foi concebido como irrevogável, pode ser revogado enquanto não cumprido (assim,
M.E. ECCIUS, Verbúrgung fiir eine kúnftige Schuld und Kreditmandat, Gruchots Reitrãge, 46, 55;
WEIDEMANN, Der Kreditauftrag, Zeitschrift fiir das gesamte Handelsreeht,
53, 473).
Na ordem de crédito, quem ordena assume posição de fiador, mas é ineliminável a relação jurídica de mandato do
credor para que credite ao devedor principal.
Sobre o conceito, a natureza, a eficácia e a extinção do mandato de crédito, §§ 4.799-4.820.
6. DOAÇÃO. A unilateralidade do contrato de fiança fêz pensar-se em se tratar de doação, porém o assunto não
foi suficientemente discutido e versado. Afirma que há doação, se ocorre enriquecimento do outorgado, entre
outros, G. PLANCK (Kommentar, II, 427) ; discorda, H. DERNEURG (Das B-Urgeriiche Recht, II, 2, 156). O
interesse do fiador não sai do mundo fáctico: pode ser fàcticamente mais interessado na conclusão do contrato de
fiança do que o afiançado e do ~jue o próprio credor. Juridicamente, não há prestação real antes de ter sido
efetivamente entregue o que devia ter sido entregue pelo devedor principal. Até então há a promessa e a dívida do
ato de terceiro, que é o devedor principal.
Se alguém assume a responsabilidade para o caso de o provável devedor principal não se vincular, ou de a dívida
principal se extinguir por impossibilidade superveniente, ou outra causa, não há fiança: há promessa de garantia,
ou há doação. Dá-se o mesmo se com o contrato se assegura o credor contra exceção que tem ou tenha o devedor,
salvo se, a despeito da exceção, fica obrigação natural a que a fiança se refira (afiançamento de obligatio
naturalis).
7.CLÁUSULA OU PACTO DE “NOMEN BONUM”, NA CESSÃO DE CRÉDITO. A responsabilidade do
cedente, que êle assumiu expressamente, pela solvência do devedor (Código Civil, art. 1.075>, não é fiança.
Trata-se de cláusula ou pacto de garantia do adimplemento da cessão. O cedente, no caso de insolvência, tem de
restituir o que recebeu, e não adimplir o que o devedor não adimpliu.
Não é fiança a cláusula ou pacto dei credere (sem razao, ainda, GUSTAVO MíNERvINI, Ii Mandato, ia
Commissione, la Spedizione, 110). Seria absurdo pensar-se na sub-rogação e no regresso.
8. AVAL E FIANÇA. O aval é manifestação de vontade de garantia, negócio jurídico unilateral de garantia, não,
porém, fiança. Sobre o aval, Tomos XXXIV, §§ 3.892-3.897; XXXV, §§ 3.985-3.988; XXXVI, §§ 4.072 e 4.073;
XXXVII, §§ 4.127-4.131. O aval vale a despeito da invalidade da declaracão de vontade (saque, aceite,
subscrição, endôsso, aval) que se avalizou, o que somente ocorre com a fiança em caso de invalidade por
incapacidade. O aval, a despeito de ser garantia, é autônomo. A sua acessoriedade é só formal (Tomo XXXIV, §
3.895, 4). O avalista não pode opor as exceções próprias do avalizado. Pode dar-se que a mesma pessoa seja
fiador no negáeio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente, e avalista do título cambiário ou
cambiariforme. As regras jurídicas que incidem são diferentes. Houve duas manifestações de vontade
inconfundíveis. O aval nulo não se pode converter em fiança Nem a fiança, que alude a obrigação cambiária ou
cambiariforme, se pode considerar aval, ou ter eficácia de aval.
9. TÍTULOS DE FAVOR E FIANÇA. Os títulos de favor não são fianças. Ou sejam de subscrição, ou de aceite,
ou de aval, ou de endôsso do favorecente, assume êle divida cambiária ou cambiariforme, e com o título o
favorecido obtém o crédito que lhe interessa, ou o dinheiro. Entre favorecente e favorecido, fora do titulo, há o
pactum de cambiando cum tertio. Diante do terceiro, ou dos terceiros, o favorecente é apenas cambiária ou
cambiariformemente vinculado. Nenhuma promessa faz o favorecente de adimplir, isto é, de pagar. Em vez disso,
entre êle e o favorecido apenas há a promessa do favorecido de adimplir, se se inseriu no título cambiário ou
cambiariforme, ou de entregar ao favorecente aquilo com que êle adimpla. Se o favorecido deixa de prestar e o
favorecente presta, pode êsse, com fundamento no negócio jurídico existente entre êles, exigir do favorecido o
reembôlso mais a indenização das despesas e danos. a) Viu GUSTAVO BONELLI (Deila Cambiale,
deli‟Assegno bancario e dei Contratto di Conto corrente, 55 s.), no título de favor, fiança incorporada no título de
crédito, constituída entre o favorecido e o favoretente, o que de modo nenhum se há de admitir. b) Outros
apontaram no titulo de favor negócio jurídico preparatório entre favorecido e favorecente, do qual resulta a
relação jurídica fidejussória entre o favorecente e o possuidor: aquêle por declaração unilateral de vontade fêz-se
fiador (assim, ISIDORO LA LUMIA, Le Firme cambiarie di favore, 45 s.; L‟Obbiigazione cambiaria e ii suo rap
porto fondamentale, 321). e) Para outros, a firma de favor apenas tem o fim de garantia, como podia ter qualquer
outro (VITTORIO ANGELONI, La Cctmbiale e ii Vaglia cambiario, 23 ed., 505; GIORGIO DE SEMO, Diritto
Cambiario, 537). A primeira opinião peca pela base: além de pôr como figurantes da pretendida fiança o devedor
favorecido e o favorecente, quer eficácia a favor do possuidor, o que inseriria em promessa de dívida estipulação
a favor de terceiro. A segunda constrói a fiança como oriunda de declaração unilateral de vontade, sendo
beneficiado o possuidor (~ por que unilateral, se é inegável o que se passou entre o favorecido. e o favorecente?).
A terceira procura efeito de garantia, que seria plus em relação à eficácia cambiária ou cambiariforme.
De início, afastemos que haja qualquer garantia, salvo se se trata de aval de favor, mas êsse garante porque é
garantia cambiária ou cambiariforme, e essa não precisa de qualquer explicação, nem vem ao caso. Quase
sempre, no pactum de cambiando cum tertio, o favorecido “garante” o pagamento eventual pelo favorecente, mas
isso também é estranho às relações jurídicas com o possuidor. Na verdade, não há qualquer garantia do
favorecente aos outros figurantes cambiários ou cambiariformes.
O negócio jurídico de assunção cambiária ou cambiariforme de favor, como qualquer outro título de favor, cria
dever de assumir a dívida. FreqUentemente, foi oral a conclusão; e pode dar-se que não se possa provar, por ter
sido no plano da confiança (e. g., morreu o favorecente e o favorecido cala). Tal negócio jurídico envolve outorga
de poder, porém outorga‟ de poder que permanece somente entre os dois figurantes, favorecido e favorecente,
sem que alcance o atual ou o futuro possuidor do título, mesmo porque não houve, sequer, qualquer estipulação a
favor de terceiro. No momento em que o favorecente subscreve, ou faz o saque, ou aceita, ou endossa, ou avaliza,
cumpre o que prometeu ao favorecido. Porém não se pode deixar de referir o título de favor ou a assunção de
favor entre outra pessoa, que o favorecido, e o favorecente, como se B obteve de D que avalize o titulo de A em
que tomador é C. Aí, o pactum de cambiando cum tertio é entre B e D, e não entre A e D.
O pactum de contraflendo cum tertio pode ser contrato, ou pré-contrato, ou não haver pactum, mas negócio
jurídico unilateral como se A prometeu, públicamente, avalizar as notas promissórias de todos os empregados da
empresa que fizerem contratos de aquisição de apartamento residencial, ou de casa, na zona do trabalho.
O possuidor do título em que está a assinatura de favor nada tem com o que ocorreu entre o favorecido (ou o
terceiro, que curou de interesse dêsse) e o favorecente, salvo se foi figurante do pactum ou cúmplice de algum ato
ilícito a respeito, caso em que a exceção poderia vir à tona se êle e o obrigado estivessem em contacto. Não tem
relevância o simples fato de o possuidor ter conhecido o pacto concluído, ou a promessa unilateral do
favorecente.
Qual a causa do pacto ou da declaração unilateral não interessa ao assunto, porque o título de favor pode ser
abstrato (se cambiário ou cambiariforme êle o é). A causa donandi às vêzes ocorre. Se o favorecido, em vez de
aceitar doação, ou de pedi-la (oferta pelo donatário), promete provisão ao favorecente para que pague,
eventualmente, e não no faz a tempo, o favorecente, que ainda não se vinculou, pode recusar-se a vinculação,
com fundamento no art. 1.092, 13 alínea, do Código Civil (exceção non adimpleti contractus, ou non rite
adimpleti contractus), e não no art. 1.499, concernente à ação de relevamento. Daí serem fontes de confusões as
alusões a relevamento em caso de títulos de favor, como se dá, por exemplo, em TUILIO ASCARELLI
(L‟Astrattezza nei titoli di credito, Rivista. dei Diritto Commerciale, 1932, 1, 410).
O favorecido tem de reembolsar o que o favorecente pagou e indenizou. Não se trata de sub-rogação pessoal do
favorecente, com base nos arts. 1.495, 13 parte, do Código Civil, 1.496 e 1.497, mas de responsabilidade pelo
inadimplemento do que êle prometeu (arts. 1.056-1.061, 1.062-1.064).
10.GARANTIA REAL E FIANÇA. A prestação de garantia real pode ser pelo devedor, ou por outrem, inclusive
pelo fiador. A fiança não se torna real se limitada e coincide com o limite da garantia real. Se o bem gravado
perece, a fiança persiste. A responsabilidade de quem empenhou, ou hipotecou, ou por outro modo gravou o bem
em garantia, resulta de ter gravado o bem: o “credor” hipotecário é o titular do direito real de garantia, mas o
gravame não supõe a dívida pessoal e a responsabilidade do dono do bem deriva do gravame, ao passo que a
fiança é assunção de dívida, a dívida do adimplemento pelo devedor.
Se o fiador também deu garantia real, nem sempre se há de entender que êle garantiu o adimplemento da divida de
fiança, pois mais freqUente é que se garanta a dívida do devedor principal. A diferença tem importância para se
saber qual a primeira ação que o devedor há de propor: a da fiança, ou qualquer das duas, ou primeiro a da
garantia real.
11. SEGURO E FIANÇA. O contrato de fiança é inconfundível com o contrato de seguro. Durante algum tempo
pensou-se que a existência de cláusula ou pacto de retribuição ao fiador tornaria contrato de seguro o contrato de
fiança. A relação jurídica oriunda do contrato de fiança acede a alguma relação jurídica, que corresponde à dívida
que se afiança. O contrato de seguro nada tem de acessório. O contrato de fiança é gratuito. Qualquer cláusula ou
pacto de retribuição é estranho ao contrato de fiança. Mesmo o seguro de crédito não tem acessoriedade. Mesmo
a fiança de indenidade é acessória. Não é verdade que seguro sêmente possa existir se profissional de seguros a
empresa (sem razão, PlEno MANFREDI, Dei Contratto di assicurazione, 229) : há profissionalidade da dação de
fiança e pode não ser companhia de seguros o segurador. A questão da incidência de regras jurídicas proibitivas
ou fiscais é outra questão (cf. ANTIGONO DONATI, L‟Assicurazione del credito, Rivista Trimestrale di Diritto
e Procedura Civile, IX, 50). O seguro é, sempre, no interesse do credor, mesmo se terceiro é quem o faz. O
segurador promete ressarcir o dano; o fiador, que o devedor pagará o débito, ainda quando êle só se vincule pela
indenidade. A insolvabilidade do devedor dá ensejo à invocação do art. 1.492, III, do Código Civil: surge a
obrigação do segurador no momento em que se torna insolvente o devedor, cujos bens têm de ser excutidos. A
excussão é elemento acidental do conteúdo do contrato de fiança. Mesmo o chamado seguro de garantia, pelo
qual alguém se segura contra atos do preposto da caixa, ou do depósito, ou dos cofres, ou do escritório, ou do
armazém, não é fiança. O segurador de garantia segura a empresa contra atos do preposto, não presta fiança por
êsse.
12.PROMESSA DE DAR FIADOR E FIANÇA ExIGIDA POR LEI.
O art. 1.489 do Código Civil é sobre as espécies em que alguém não só o devedor se vinculou a dar fiador, ou se
tal vínculo é ex lege. No direito brasileiro, não se permite que o vinculado a dar fiança dê garantia real, ou
vice-versa. Nem há o principio da equivalência das garantias, dito, também, principio de paridade das
garantias, nem se pré-exclui que o credor se satisfaça sem a garantia real. Em todo o caso, se o juiz é que
determina que se preste a fiança, pode êle dar como suficiente a garantia real.
Quanto aos requisitos a que alude o art. 1.489 do Código Civil, trata-se de regra jurídica dispositiva, de modo que
pode o negócio jurídico, em que se prometeu afiançar, dispensar a suficiência de bens e mencionar fatos que
poderiam ser considerados determinantes de inidoneidade e afastar a alegabilidade por quem tem direito de exigir
a fiança.
“Alguém” pode ser o devedor ou terceiro, como pode ser o credor, que precisa reforçar o seu crédito para alguma
operação.
A idoneidade vai desde a capacidade até os outros pressupostos subjetivos (e. g., poder de afiançar eficazmente,
domicílio, vida regrada e moral). A solubilidade é pressuposto objetivo. A penhora ou o arresto ou o seqUestro de
alguns bens, ou dos bens, não basta, sempre, para excluir a solvabilidade. Pode haver suficiência, a despeito de
medidas executivas ou das medidas cautelares.
O domicílio tem de ser no lugar em que se há de prestar fiança. Com isso, quer-se evitar dificuldade na
condenação e na execução coativa dos bens do fiador, se êle não adimple o prometido. Se tem dois ou mais
domicílios, em qualquer dêles pode ser demandado, de modo que satisfaz a exigência quem tem um dos
domicílios no lugar em que tem de prestar a fiança. A regra jurídica do art. 1.489 do Código Civil é ins
dispositivum: o negócio jurídico, de que se irradiou a obrigação de -prestar fiança, pode estabelecer outro lugar
para que nêles se preste a fiança. Se a obrigação ou o ônus de prestar fiança deriva da lei, só essa lei podia ter
previsto outro lugar, ou deixar ao credor a escolha.
Quem tem de dar o fiador é que tem o ônus de mostrar a idoneidade do fiador e o domicilio dêsse. O fiador é
estranho à relação jurídica (sem razão, VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nel diritto
odierno, 274 s.). Nem o futuro fiador sabe, sempre, onde teria de prestar a fiança.
A fim de ser certa a idoneidade ou inidoneidade do fiador, pode ser proposta ação declaratória, para a qual se
exige que o futuro fiador declare estar pronto a prestar a fiança.
Se não disse onde é que se há de prestar a fiança, entende-se o lugar do adimplemento pelo devedor.
13.PRÉ-CONTRATO DE FIANÇA. A fiança pode ser prometida pela própria pessoa que há de ser o fiador.
Tem-se, ai, o pré-contrato de fiança, que não se confunde com a promessa de dar fiador. No sistema jurídico
brasileiro, o pré-contrato de fiança, se satisfaz as exigências do Código de Processo Civil, art. 1.006, dá ensejo a
sentença executiva, ou à própria eficácia de que cogita o art. 1.006, § 2.0.
„O promitente, no momento em que se lhe exige a prestação de fiança, fica na situação de adimplir, ou de ser tido
como inadimplente. Às vêzes, a prestação da fiança há de ser em data determinada, com a mora purgável, ou sem
possível prestação posterior, por ser inútil (e. g., o promissário tinha de procurar outro fiador, se o interesse era
seu, ou de não concluir o negócio jurídico que tinha em vista, como a locação da casa).
O credor da prestação de fiança pode ser o devedor afiançado, ou o próprio credor, ou terceiro, que tinha
interesse~ na garantia.
14.DÚVIDAs QUANTO À CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS. Se há dúvida entre tratar-se de assunção de
dívida alheia ou de fiança, é de entender-se que houve adesão, e não fiança (W. WESTERKAMP, Ritrgschaft und
Schuldbeitritt, 293 5.; contra, HANS REICHEL, Die Schuldiibernahme, 251 s.); é de afastar-se qualquer dúvida
se se apresenta elemento essencial da fiança. As circunstâncias é que têm de ser examinadas, principalmente as
expressões empregadas. Todavia, não se pode pré-eliminar a possibilidade de não se saber ao certo o que se quis.
A dúvida pode surgir. A investigação do cio jurídico é assaz importante. Outrossim, a de dente o interesse de
quem se vinculou, caso em fim do negócio independe e ressalta
a adesão ã dívida, como se a pessoa que entra em sociedade declara responder pelas dívidas sociais, ou se o
locatário diz aos empregados do locador que, se o locador não lhes puder pagar, êle lhes paga.
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS DO CONTRATO DE FIANÇA
§ 4.786. Pressupostos pessoais e materiais
1.FIADOR, AFIANÇADO E CREDOR. As três figuras essenciais do contrato de fiança são o credor, o devedor
principal e o fiador.
2.CAPACIDADE DO FIADOR. O fiador tem de ter capacidade jurídica. Pode acontecer que faça parte de
alguma empresa, de cujos estatutos conste proibição de afiançar. Tal cláusula estatutária de modo nenhum faz
incapaz a pessoa. Apenas a fiança, que fôr examinada pelo fiador, em seu nome, será ineficaz contra a empresa.
Os credores da empresa são pagos pela parte que toca à pessoa no fundo de empresa antes dos credores do fiador.
Em todo o caso, o direito à parte que toca ao fiador pode ser penhorado, para que se possa atribuir ao credor
principal a que se deu a fiança.
Tratando-se de fiança prestada pelo sócio como órgão, é inexistente, porque o sócio, a que se proibiu dar fiança
como órgão , assumiu o que não podia assumir. Pôsto que se trate de presentação, e não de representação, tem-se
de atender aos interesses dos terceiros de boa fé.
O analfabeto pode ser locatário. Não se exige a forma escrita ao contrato de locação. O contrato de fiança pela
responsabilidade do locatário, seja analfabeto, ou não, tem de ser escrito. Se o foi, não há invalidade, por não ter
sido por escritura pública, ou por procuração por instrumento público, o contrato de locação (sem razão, a 23
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 16 de maio de 1950, 1?. dos 7.,
188, 706). Se o locador é analfabeto, a carta de fiança vale, porque não se exige a escrita à aceitação do contrato
de fiança.
O fiador analfabeto ou que não pode escrever é que só o pode ser por instrumento público.
8.PRESSUPOSTO DE PODER SER AFIANÇADA A DÍVIDA. A dívida principal precisa ser afiançável. Não
importa se a divida é de dinheiro, ou não. Todavia, não se afiança dever pessoalíssimo, como o de fidelidade
conjugal, nem a dívida inexistente, como a que resultaria de negócio jurídico nulo (a dívida pode ser irradiada de
negócio jurídico anulável, de jeito que só a anulação do negócio jurídico a destrói), ou a que infringiria regra
jurídica especial, como a do art. 1.259 do Código Civil (cp. arts. 155 e 1.502). O art. 1.259 do Código Civil é regra
jurídica sobre eficácia (Tomo XLII, §§ 4.591, 2, 5, e 4.666, 4). É êrro dizer-se que se trata de nulidade ou de
anulabilidade (e. g., J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VI, Parte II, 618, nota
2). Se o menor é absolutamente incapaz, não há divida, porque nulo foi, e é, o negócio jurídico. Se relativamente
incapaz, há a dívida, enquanto não se anula o negócio jurídico; assim, mesmo enquanto não se decreta a anulação,
há a eficácia.
É de repelir-se a opinião, oriunda de R. POTrnER, de que há contrato tácito entre o fiador e o afiançado. O fiador
promete que o devedor principal cumpre. A promessa é dêle, depende da aceitação do credor, para que se
bilateralize; e não de qualquer manifestação de vontade do devedor principal. Se o devedor principal prometeu
que alguém lhe afiançaria o crédito, ainda em tal caso a fiança não depende do seu assentimento, pois a indicação
de quem pode ser fiador, ou das pessoas dentre as quais se há de escolher o fiador, pode ser apenas no mundo
fáctico.
4. OBJETO DA FIANÇA. Lê-se no art. 1.487, alínea 13, do Código Civil: “A fiança pode ser de valor inferior ao
da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas”.
A fiança pode ser ilimitada, in universum causam. Entende-se que abrange tôdas as dívidas do afiançado ou dos
afiançados se se refere a quaisquer dívidas oriundas do contrato a. que se alude. Trata-se, portanto, de questão de
interpretação do negócio jurídico bilateral da fiança. Se se falou de “dividas do contraente B”, a fiança é de
quaisquer dívidas de B que se irradiem do negócio jurídico em que é figurante B. Se há qualquer dúvida quanto à
extensão, tem-se de admitir a que menos pese ao fiador. No Código Civil, art. 1.488, afasta-se qualquer
interpretação extensiva; no Código Comercial, art. 257, já se disse o mesmo.
A propósito do valor da fiança acima do valor da divida principal, estabelece o Código Civil, art. 1.487, alínea 2~a;
“Quando exceder o valor da divida, ou fôr mais oneroso que ela, não valerá senão até o limite da obrigação
afiançada”.
Se o crédito principal é variável, como se há conta corrente, e o instrumento da fiança não diz qual o quanto que se
garante, tem-se de entender que se afiançou o que era devido na ocasião, ou, se há alusão à conta corrente
limitada, o do seu limite.
O art. 1.487, 2.~ alínea, do Código Civil fala de não ser “válida”. Mas é de ineficácia que se trata, tal como hoje se
há de entender o princípio Nec plus in accessione esse potest quam in re principali. Aliás, pode ser que não se
trate de fiança, mas de outro negócio jurídico, como a expromissio ou a assunção de divida alheia. Desde que não
haja a acessão, o quanto prometido pelo outorgante pode ser maior do que o prometido pelo primeiro (não
principal) devedor.
A fiança não obsta a outras garantias, como a hipoteca e o penhor. As garantias reais circunscrevem a
responsabilidade. A fiança é pessoal. Pode ser que o próprio fiador dê garantia real. Pois que, com ela, não apenas
reforça a sua garantia pessoal, cada garantia se rege por suas regras jurídicas próprias.
Dentro do quanto afiançado, se a dívida diminui, a fiança diminui.
O valor da fiança pode ser de parte da dívida principal, percentual ou qualitativamente indicada.
A assunção de fiança à dívida do devedor concordatário contém tantas fianças quantos são os credores
concordatários.
A fiança a crédito apenas aberto é fiança a crédito futuro. A fiança pode referir-se a dívida futura ou a divida
condicional. Pensou-se que a acessoriedade da fiança obstaria
à fiança de dívida futura. O argumento decisivo contra a negativa foi o de, podendo a fiança subordinar-se a
condição suspensiva, pode haver a cláusula mexa de ser futura a divida que se quer garantir. Aliás, seria
inconveniente e, mais do que isso. absurdo que se não pudesse garantir a divida que ainda vai nascer, tanto mais
quanto há fiança para que se garanta o adimplemento de indenizações por atos positivos ou negativos de outrem.
Sempre que se exige fiança à locação de serviços ou de coisas, o que se garante é a dívida correspondente à
prestação duradoura. Não se conceberia que se pudesse tomar locação por um ano, ou mais tempo, com
pagamentos mensais, e não se pudesse dar fiança pelo prazo do contrato. Surpreende, portanto, que noutros
sistemas jurídicos se haja perdido tempo com a discussão.
Quanto à situacão durante a pendência, cumpre advertir-se em que apenas se aguardam o vencimento e a falta de
adimplemento para que nasça a obrigação do fiador. Vinculado está êle desde que deu a fiança. Se fiador
solidário, a sua obrigação nasce quando nasce a do devedor afiançado. Ao surgir a dívida do devedor principal,
surge a do fiador: se solidária, a obrigação dêsse irradia-se quando a daquele se irradia; se não é solidário, a
obrigação do fiador é que somente exsurge com o inadimplemento.
~ Que se há de exigir para que a divida futura possa ser afiançada? j,t preciso que já se tenha iniciado a conclusão
do negócio jurídico, como haver oferta, ou invitatio ad offerendum? ~Ou basta que o futuro devedor esteja em
posição de que surgem dívidas ou podem surgir dividas? j,Ou só se afiança a dívida que tem de irradiar-se de
relação jurídica já existente, ou basta que seja provável a irradiação da dívida? ~ Ou a divida que não se vai
irradiar é a única espécie que não se poderia afiançar?
A solução verdadeira é a última. O que é preciso é que se caracterize qual a dívida futura, não que se lhe aprecie a
inevitabilidade, a probabilidade, ou a impossibilidade. Se a dívida de que se cogita e seria dívida futura é
impossível, isso é matéria para se apreciar a validade ou invalidade do negócio jurídico de fiança, como se A
afiança a dívida que C assumirá, por empréstimo de E, se perder ao jogar com D, ou na roleta.
Não é preciso que já exista vínculo. A dívida futura há de ser determinada, ou determinável; melhor: identificada,
ou identificável. Não é só futura a divida que nasce de negócio jurídico condicional (Tomo XX, § 2.419, 3). Tanto
se alude a obligatio sperata como a spes obligationis.
Nada obsta a que o fiador prometa o adimplemento pelo devedor, mas preestabeleça que a sua responsabilidade
sõmente~ vai até x e que possa ser exeqflida em dinheiro a sua dívida:
aí, o dinheiro não está em lugar do objeto da prestação do devedor, como ocorre, aliás, se limitada a fiança.
Discute-se se pode ser em bem determinado, sendo de outro bem deterrn~nado a prestação do devedor
(afirmativamente, NICOLA. STOLFI, Diritto Civile, IV, 475; MICIiELE FRAGALI, Fidejussio-‟ne, Mandato di
credito, 100; contra, EMILIO PAcIFICI-MAzzONI, Istituzioni di Diritio Civile Italiano, V, 2, 53 ed., 483;
VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato delia Fidelussione nel diritto odierno, 334; LUíGI ALUI, Commentario
de MARIANO D‟AMEnO e ENRICO FINZI, II, 2, 395). Nada impede que o credor, com o princípio do
auto-regramento da vontade (princípio de autonomia), se dê por futuramente satisfeito com a dação em soluto,
predeterminando o que o fiador há de prestar. Subentenda-se que, se, com isso, o credor impôs que se prestasse
com o aliná mais do que era devido (in duriorem causam), o excesso é sem eficácia, por ser nula parcialmente a
cláusula ou nulo o pacto adjecto (Código Civil, art. 1.487, 23 alínea).
A prescrição é exceção oponível pelo devedor principal e pelo fiador. Há, porém, o problema da cláusula ou
pacto adjecto pelo qual o fiador promete não opor tal exceção, por estar prescrita a dívida do devedor principal ou
por ser provável que venha a prescrever (e. g., ao credor não agradaria interpelar o devedor). A prescrição apenas
encobre a eficácia da dívida. A dívida existe e o fiador pode renunciar à alegação de prescrição, à exceptio. O que
é preciso é que a renúncia seja explícita, mesmo se o fiador emprega dizeres como “responderei mesmo se está
prescrita a dívida~~, “sei que está prescrita, o que não me importa”. A dívida prescrita é afiançável, por extensão
negocial. Sem razão, VALERIO CAMPOGRANDE (Trattato deita Fidejussione nel diritto odiento, 314). Não
importa se a fiança foi dada depois de se ter julgado prescrita
a dívida. A divida não desapareceu, e há a extensão negocial, que pelo principio do auto-regramento da vontade
(princípio da autonomia>, foi manifestada expressamente.
O que se disse sobre a fiança de dívida prescrita também me entende com a divida mutilada e a obrigação natural,
salvo me há regra jurídica explícita contra tal fiança, como ocorre com a fiança a dívida de jôgo (Código Civil,
art. 1.477, parágrafo único, verbo “fiança”) e o credor estava de má fé. Insustentável o que pensaram BIAGOTO
BRUGI (istituzioni di Diritto Iivile Italiano, 556), VALERIO CAMPOGRANDE (Trattato deita Fideiussione
nel diritio odiento, 311), FEANCESCO MEsSINEO (Manuale di Diritio Civile e Commerciale, II, 2, ga ed.,
374), EMILIO VALSECCHI (Giuoco e Scommessa, Trattato de A. CIcti e E. MESSINEO, 36, 2, 106). O que
fica fora do direito é a obrigação; não a divida, razão por que há a irrepetibilidade do que se pagou (Código Civil,
art. 97Q, 23 parte). Argúi-se que o adimplemento de obrigação natural não tem o caráter de ato devido. A
confusão é evidente, pois não há obrigação do ato, mas há divida: o ato não é ato obrigado (ou obrigatório), mas é
ato devido. Se o fiador afiança expressamente a obrigação natural e não há proibição legal que lhe cerceie a
autonomia da vontade, é devedor do adimplemento pelo devedor: a sua divida é acompanhada de obrigação, o
que não acontece com a dívida do devedor principal. A extensão negocial não conferiu obrigação à dívida do
devedor principal (= não atribuiu exigibilidade ao crédito a que a fiança se refere). Conferiu, sim, obrigação à sua
dívida. Não se trata de fiança assumida in duriorem causam, porque o devedor deve e poderia adimplir; mais: se
adimpliu, não lhe pode ser repetido o pagamento feito.
O que o fiador prestou para adimplir a obrigação natural do devedor é irrepetível (ai, certo, VALEmO
CAMPOGRANDE, Tratt ato deita Fidejussione nei diritto odierno, 314 s.).
5.ACEITAÇÃO PELO CREDOR. O contrato de fiança supôe o acôrdo de vontades entre o fiador, que a dá, e
o credor, que a aceita. Quase sempre, em virtude de cláusula contratual, ou de pacto adjecto a algum negócio
jurídico, ou de pacto referente a alguma dívida de fonte não-negocial, o fiador prometeu que haveria fiador. Ai, há
promessa de fiança, sem Ser pelo futuro fiador, e tal promessa é promessa de ato de terceiro. Todavia, o terceiro
tem de ser pessoa que possa significar suficiente garantia para o credor. Dai a regra jurídica do Código Civil, no
art. 1.489: “Quando alguém houver de dar fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo, se não fôr pessoa
idônea domiciliada no Município, onde tenha de prestar a fiança e não possua bens suficientes para desempenhar
a obrigação”. A obrigação de dar fiador pode, resultar de lei e a essa espécie também se refere o art. 1.489. No
Código Civil alemão, § 239, diz-se que o fiador é idôneo se possui patrimônio suficientemente alto para a garantia
prestada e tem no pais o seu domicílio. O Código Civil português, art. 824, exige que os bens sejam situados na
comarca em que se haja de adimplir a divida. O Código Civil espanhol, art. 1.828, submete, expilcitamente, à
jurisdição do lugar do pagamento da dívida o fiador. O Código Civil brasileiro permitiu a recusa se a pessoa,
embora idônea, não é domiciliada no Município (CLóvís BEvILÁQUA, Código Civil comentado, V, 241, falou
de “residência no Município”, o que não está no Código Civil). ou não tem bens suficientes. O lugar em que tem
de ser proposta a ação contra o fiador é o do seu domicilio, mesmo se o credor aceitou fiança dada por pessoa
domiciliada fora do Município. A lei diz: “Município, onde tenha de prestar a fiança”. Não se trata do lugar da
conclusão, embora possa ocorrer que, se a prestação do devedor principal é para ser ser feita no Município B, a
fiança seja prometida no Município C, onde é domiciliado o credor, ou onde êle concluiu o contrato de fiança. O
domicílio do fiador não precisa ser o mesmo do devedor principal. O que a lei considera razão de recusa pelo
credor é que o domicilio do fiador seja no lugar em que a divida principal tenha de ser adimplida. Não importa se
o devedor é domiciliado alhures, ou se o negócio jurídico ou outra fonte de que se irradiou a dívida principal não
ocorreu no lugar do domicilio do devedor principal. O juiz competente para a ação contra fiador pode não ser o
juiz competente para a ação contra o devedor principal. A questão de competência é de direito público e depende
da lei processual civil.
„Os bens podem ser suficientes a despeito de estarem gravados ou sujeitos a medidas cautelares ou executivas
(sem razão, CLóvís BEvILÁQUA, Código Civil comentado, V, 241).
De lege ferenda, o art. 1.489 do Código Civil é melhor do que as regras jurídicas dos outros Códigos Civis.
No art. 1.489 do Código Civil alude-se às espécies em que o devedor tem de dar fiador, isto é, em que a sua divida
há de ser afiançada. A promessa pode provir de cláusula negocial, de jeito que a fiança se presta depois da
conclusão do negócio jurídico de que se há de irradiar a dívida principal, ou de pacto adjecto, ou ser mesmo
cláusula de outro contrato que se refira ao negócio jurídico de que a divida principal resulta ou vai resultar. Se a
promessa é cláusula negocial, a falta de conclusão do contrato de fiança pode ser inadimplemento do negócio
jurídico de que nasce a divida principal que havia de ser afiançada. Para que tal inadimplemento ocorra, é preciso
que, havendo a indicação, ou a espontânea aparição de alguém que se prontifique a afiançar, haja razão suficiente
para que o credor não aceite a oferta de fiança. O art. 1.489 do Código Civil aponta a falta de idoneidade, o
domicilio do fiador não ser no Município em que se há de prestar a divida principal, ou outro lugar onde a fiança
haja de ser prestada, e o não ter bens suficientes para a satisfação da divida, se o devedor principal não a cumpre.
O art. 1.489 é exemplificativo, uma vez que se subentendem os pressupostos de capacidade e o de querer assentir
quem deva, por lei ou por alguma cláusula negocial (e. g., contrato social), dar assentimento à fiança. t de uso, nos
contratos sociais, a proibição de os sócios prestarem fiança. Se o sócio a dá, a despeito da cláusula contratual ou
do pacto adjecto, há ineficácia relativa. O capital social fica incólume à responsabilidade do fiador; e o sócio
responde pelas perdas e danos que resultem da fiança. Se, apesar de estar proxbida, a fiança foi prestada, é eficaz
se dela só resultou benefício para a sociedade (Supremo Tribunal de Justiça, 9 de julho de 1887, O D., 44, 84),
mas a cláusula ou pacto adjecto pode afastar a eficácia relativa mesmo em tais casos.
Enquanto não há a aceitação pelo credor, a fiança é mera oferta, que se rege pelos arts. 1.080-1.086 do Código
Civil.
A exigência da forma escrita é para a outorga da fiança, e não para a aceitação. Não é preciso que haja a assinatura
do credor no instrumento do contrato de fiança. As cartas de fiança de ordinário não a contêm. Por conseguinte,
a prova da aceitação obedece a outros princípios.
Não é de fiança a carta em que se escreve “não tenha cuidado com o negócio, acho bom”, “se B te deixa de
pagar, algum dia te reembolsarei”, “bom negócio fizeste, penso que estás seguro”.
A carta de fiança ou outro instrumento de contrato de fiança pode deixar de mencionar o nome do credor, desde
que se caracterize a dívida, presente ou futura, de que se trata. Sobre a desnecessidade da assinatura do credor, a
2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 3 de dezembro de 1947 (J., 29, 730).
6. CO-FIADORES E SOLIDARIEDADE. No caso de co-fiadores, devedores solidários, incidem os princípios
sobre solidariedade passiva, inclusive os arts. 918 e 914 do Código Civil; salvo se foi afastada a solidariedade.
Lê-se no Código Civil, art. 1.493: “A fiança, conjunta-mente prestada a um só débito por mais de uma pessoa,
importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declarada-mente não se reservaram o beneficio de
divisão”. E o parágrafo único: “Estipulado êste benefício, cada fiador responde únicamente pela parte que, em
proporção, lhe couber no pagamento”.
Os fiadores podem ser separados, conjuntos ou solidários. São conjuntos quando se unem para garantir a dívida
principal. Não há fiança conjunta quando duas ou mais pessoas se vinculam, independentemente uma da outra,
pela mesma dívida. Se as fianças não são conjuntas, ou são fianças separadas, ou fianças solidárias. Então, ou
garantem tôda a dívida, ou parte dela. Para a mesma dívida, podem existir fianças separadas, ou fiança separada,
e fianças conjuntas. A conjunção de regra é no mesmo ato; mas não se afasta que possam ser em negócios
jurídicos diferentes, em datas diferentes.
No direito brasileiro, em vez de se terem como conjuntas as fianças prestadas ao mesmo crédito, entende-se,
dispositivamente, que são solidárias. O art. 1.493 do Código Civil emprega a expressão “conjuntamente”, mas
logo fala em solidariedade. No Código Civil alemão, § 769, também se estabelece a solidariedade, mesmo se a
fiança não foi dada em comum.
No direito comercial brasileiro, a solução da solidariedade como regra resulta de ser subsidiário o art. 1.498 do
Código Civil. Quanto às relações entre os co-fiadores, o ad. 260, 2.& parte, do Código Comercial coincide com o
art. 1.495, 23 parte, do Código Civil.
O devedor pode opor a fiador que se sub-rogou pessoalmente ao credor as objeções e exceções que êle poderia
opor ao devedor, ao tempo da sub-rogação pessoal (cf. Código Civil, art. 1.472). O credor não responde pela
existência da divida, nem pela solvência do devedor (art. 1.076).
Casos há em que, a despeito do que diz o Código Civil, arts. 985, III, 1.495, 930 e 891, parágrafo único, a
sub-rogação pessoal não pode ocorrer. São os casos de prestações personalissimas, por parte do devedor ou do
credor; mas aí a fiança garante a indenização (cf. Código Civil, arts. 878-881; Ei. SIBER, Sckuldrecht, 164). No
direito brasileiro, não há regra jurídica como a do § 774, 1a alínea, 23 parte (§ 399, 1a parte), do Código Civil
alemão, de modo que a interpretação dominante (e. g., OTTO voN GIERKE, Deutsch,es Privatrecht, III, 775),
que pre-excluí a fiança, não poderia ser admitida. Aliás, de iure condendo, é preferível a solução do direito
brasileiro. A cessão legal supôe inadimplemento; a cessão voluntária, não. A fiança promete o adimplemento pelo
devedor. Se êle falha, o fiador presta como prestaria o devedor, se acionado.
Com a transmissão legal dos direitos do credor, também se transferem os direitos acessórios dos direitos
acessórios como a hipoteca que garantia a dívida de fiança e o crédito contra o abonador (KARL KANKA, fie
Mitbúrgschaft, Jherings .Jakrbiicher, 87, 171).
Se as fianças são solidárias, pode o credor dividir a dívida conforme o que saiba que os fiadores internamente
acordaram, ou em partes iguais, ou conforme o que êle entenda. Aí, há renúncia à solidariedade, e cobrança a dois
ou mais fiadores, com as conseqúências principais que se seguem: a) no que implica renúncia à solidariedade, a
manifestação de vontade do credor é irrevogável; b) a cobrança de parte do crédito a um dos fiadores, ou a alguns
dêles, implica renúncia à solidariedade; c) se a divisão feita pelo credor não coincide com o que internamente
(Código Civil, art. 1.494) haviam convencionado os fiadores, pode o que pagou mais cobrar a diferença ao que
pagou menos.
7. FIADOREs E QUOTAS. Estabelece o ad. 1.494 do Código Civil: “Pode também cada fiador taxar> no
contrato, a parte da divida que toma sob sua responsabilidade, e, neste caso, não será obrigado a mais”.
As fianças são conjuntas se os fiadores aludem a quotas, percentuais ou não. Também pode ocorrer a fiança de
crédito (Kreditbúrgschaft), que é a fiança até certa soma, para cada fiador (diferentemente ou igualmente), ou
para alguns fiadores (internamente conjuntos).
A invalidade nulidade ou anulabilidade de uma fiança não se estende a outra.
Nenhum cônjuge, sem assentimento do outro, pode dar fiança. Se o marido a presta sem tal assentimento, cabe a
ação de anulação, proposta pela mulher ou seus herdeiros, dentro do prazo de que cogita o art. 178, § 99, 1, a), e II,
do Código Civil (art. 239). Para promover a anulação, não precisa a mulher de assentimento do marido (art. 248,
III). A mulher casada também não pode dar fiança sem que o marido assinta (art. 242, 1 e IV, numeração nova).
Se a mulher a presta, sem que haja assentimento do marido, há igualmente a anulabilidade da fiança.
~ preciso que se não confundam a solidariedade entre f ia-dores e a solidariedade com o devedor principal. Se os
fiadores se vincularam como solidários com o devedor principal, qualquer dêles responde por todo o débito, e não
tem qualquer dêles o beneficio de excussão. Se se vincularam como co-fiadores solidários entre si, sem se
vincularem como co-fiadores solidários com o devedor principal, tem o benefício de excussão qualquer dêles a
que se exija o adimplemento da promessa. Pode ocorrer que sejam solidários com o devedor principal e entre si.
Então, a qualquer dêles pode ser exigido o adimplemento, mesmo antes de o ser ao devedor principal, e cada um
responde por tôda a dívida,
Se os fiadores se vincularam independentemente, qualquer dêles não é responsável, perante o credor, senão como
se os outros não existissem; e não têm qualquer ação uns contra os outros.
Se foi estipulado o beneficio da divisão, cada fiador somente responde pelo que lhe cabe no pagamento (Código
Civil, art. 1.493, parágrafo único).
8.FIANÇA E OUTRAS GARANTIAS. Se, além da fiança, o crédito contra o devedor principal foi garantido por
hipoteca, penhor, caução ou anticrese, ou propriedade fiduciária, com o adimplemento pelo fiador passa-lhe a
titularidade do direito real, ex lege. A sub-rogação pessoal apanha os próprios direitos reais de garantia. Se quem
adimpliu foi qualquer proprietário ou titular do direito de propriedade, ou de usufruto, ou de enfiteuse, sobre o
bem gravado de direito real de garantia, adquire êle, automâticamente, o crédito do credor afiançado, quer o
crédito contra o devedor principal quer o crédito contra o fiador ou outros garantes.
Se a solidariedade entre co-fiadores não foi afastada, incidem o art. 1.498, 2a parte, e o parágrafo único do
Código Civil. Isso tanto se passa no direito civil como no direito comercial. A diferença que se pretende fazer
entre os dois ramos do direito é sem base em lei. A solidariedade com o devedor principal resulta de regra jurídica
dispositiva. Dispositiva também é a regra jurídica do art. 1.498 do Código Civil. Cp. Código Civil, art. 913. Aliás,
basta lerem-se o art. 260, 23 parte, do Código Comercial, o art. 592 do Reg. n. 787, de
25 de novembro de 1850, e o art. 1.493, 2.8 parte, do Código Civil.
9. TERMO OU CONDIÇÃO. A fiança pode ser dada a têrmo, ou condicionalmente.
A fiança pode ser prestada sob a condição de que outra fiança o seja, ou de que outras fianças o sejam. Se não se
imple a condição, libera-se o fiador. A manifestação de vontade do fiador, posterior, sem o concurso de credor, é
inoperante. A condição precisa constar do escrito. Se foi dito o número de fianças que se prestariam, basta, para a
liberação, que falte uma. Não importa o motivo por que deixou de haver a fiança.
A fiança a favor de empregados particulares, ou de funcionários públicos, é fiança a divida condicional.
O têrmo pode ser suspensivo ou resolutivo. A condição, suspensiva ou resolutiva. Na prática, é questão de
interpretação caracterizar-se o que se quis.
10. ATOS JURÍDICOS NULOS E ANULÁVEIS; FIANÇA. Diz e Código Civil, art. 1.488: “As obrigações
nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor”. As
Ordenações Filipinas, Livro IV, Títulos 48, § 1, 50, § 2, in fine, e 67, § 8, somente falavam da fiança à alienação
de bens de raiz, pelo marido, sem outorga uxória, dos empréstimos a menores e dos negócios jurídicos usurários.
CARLos DE CARVALHO (Nova Consolidação, art. 1.860) generalizou: “Se a obrigação principal fôr nula,
também o será a fiança, que é acessória”. No EsbOço de TE!XEIRA DE FREITAS, art. 3.299, a sanção referia-se
a atos jurídicos nulos ou anuláveis (idem, o Código Civil argentino, art. 1.994: “La fianza no puede existir sin una
obligación válida. Si la obligación nunca existió, á está extinguida, á es de un acto ó contrato nulo ó anulado, será
nula la fianza. Si la obligación principal se deriva de un acto ó contrato anulable, la fianza también será anulable.
Pero si la causa de la nulidad fuese alguna incapacidad relativa aí deudor, ei fiador, aunque ignorase la
incapacidad, será responsable como único deudor”; e o Código suíço das Obrigações, art. 494, 1.8 alínea).
O primeiro problema que exsurge do art. 1.488 é o de se saber se, na expressão “nulas”, só se compreendem as
obrigações oriundas de atos jurídicos nulos, ou as obrigações oriundas de atos jurídicos nulos ou anuláveis. A
resposta é a que atende ã função da fiança, de que resultam direitos acessórios, deveres acessórios, pretensões
acessórias e obrigações acessórias. Nulo o negócio jurídico ou o ato jurídico afiançado, nula a fiança. Anulado o
negócio jurídico, ou o ato jurídico, a sentença constitutiva negativa determina a extinção da fiança, ex tunc. A
fiança pode também ser nula, ou anulada, sem que o seja o ato jurídico afiançado.
A 2.8 parte do art. 1.488 é exceção ao art. 1.488, 1.~ parte, e ao art. 153, 23 parte. O art. 1.259 cogita do mútuo a
pessoa menor, sem consentimento ou assentimento de quem dêle tenha a guarda; de modo que a remissão
exceptiva do arE 1.488, parágrafo único, tem como conseqUência, não o ser inafiançável
O mútuo feito ao menor, sem que tenha consentido ou assentido a pessoa sob cuja guarda êle esteja, mas estar
exposto à exeeptio senatus consulti Macedoniani. O art. 1.259 é radical, proveio do senatus consultum
Macedonianum: exclui a própria ação de enriquecimento injustificado e a ação indicati prevista no art. 158.
O art. 1.488 do Código Civil merece atenção. Se inválido é negócio jurídico de que se irradiaria a divida principal,
inválido é o contrato de fiança, salvo se a nulidade ou a anulabilidade deriva de incapacidade do figurante do
negócio jurídica principal. “Nulas”, no art. 1.488, está no sentido de nulas e anuláveis. Retificado, ou convalidado
o negócio jurídico, de que surgiria ou de que surgiu a dívida principal, ou sanada a invalidade por outra razão, a
fiança é eficaz. Para que, havendo conversão, a fiança seja eficaz, é preciso que do negócio jurídico converso se
irradie divida que possa ser afiançada, conforme a vontade presumível do fiador.
Se o negócio jurídico de que se irradia a dívida principal é anulável, há fiança, e somente a decretação da anulação
do. negócio jurídico principal atinge a fiança. Não mais há dívida que se garanta.
Decretada a nulidade, ou a anulação do negócio jurídico de que se irradiaria ou de que se irradiava a dívida
principal, o negócio jurídico da fiança fica sem causa. A causa pode reaparecer se acão rescisória de sentença
desconstitui a sentença que decretara a nulidade ou a anulabilidade.
Pensou-se em haver promessa de indenidade, por parte do fiador, na fiança que se deu em caso de negócio
jurídico inválido ou ineficaz, se não há pagamento nem convalidação (VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato
deita Fideiussione nel dirittu odierno, 815) ; mas tal opinião é insustentável. O que se pode admitir, e é acertado
admitir-se, é que se insira no contrato de fiança, ou em pacto adjecto, a promessa de prestar, ou de convalidar, em
caso de ser nulo ou anulado o negócio jurídico, sem ser por ilicitude ou impossibilidade.
Se a fiança não observa a forma exigida, é nula. Se a fiança não determinou a dívida que se afiançaria, ou não a
fêz determinável, é nula, por infração do art. 145, IV, do Código Civil.
No direito brasileiro, a simulação é causa de anulabilidade se se compõem os pressupostos dos arts. 102 e 105 do
Código Civil. O fiador não é adstrito à garantia de dívida que se origine de simulação entre o devedor e o credor,
salvo se também êle participou da simulação e o credor atual não.
Quanto à fraude contra credores, é preciso que tenha sido alegado pelo fraudado e, relativa como é a ineficácia, o
credor de boa fé continua credor, de jeito que não é atingida a fiança.
No caso de revocatória concursal, a fiança é incólume, pois que a dívida persistiu. Mesmo se o fraudatur foi o
fiador.
O fiador, que pagou a divida correspondente ao negócio jurídico anulado por fraude do devedor, não pode exigir
dêsse o adimplemento; mas, se o caso é de revogação concursal, responde pela dívida e tem regresso contra o
devedor principal.
Sempre que o fiador pagou e o negócio jurídico principal foi desconstituído, sem que fôsse êle o causador ou um
dos causadores, há a pretensão pelo enriquecimento injustificado.
Se o fiador assume a divida de fiança com pleno conhecimento da causa de invalidade sem ser por incapacidade
do devedor, nem por isso se vinculou. Pode objetar, mesmo porque o devedor teria de alegar a nulidade ou a
anulação. Todavia, pode êle vincular-se expressamente, para o caso de invalidade que não seja por
impossibilidade ou ilicitude (ENRICO REDENTI, Dizionario Pratico del Diritto Privato, verbo Fideiussione,
122, que visa na espécie assunção da divida primária, se nulo ou anulado o negócio jurídico). Não se cogite de
convalidação, porque o fiador não poderia convalidar negócio jurídico de outrem. O fiador deu extensão negocial
à sua fiança, à semelhança da extensão legal que aparece no art. 1.488, 2a parte, do Código Civil.
A respeito da regra jurídica exceptiva do art. 1.488, 23 parte, do Código Civil, há o problema de lege Prenda:
~convinha que se inserisse tal regra jurídica que corta o princípio de ser inafiançável a dívida que se originaria ou
seria oriunda de negócio jurídico inválido? Um dos argumentos é de não se dever proteger quem conhecia o
defeito. Mas nem sempre o fiador sabe que o outorgante é incapaz! Outro argumento se prende às origens da
fiança, que era prestada entre amigos, por dever moral. Ora, isso passou. Melhor é ver-se a ratio legis no fato de
ter de examinar a situação pessoal do devedor quem presta fiança; e o art. 1.488, 2.a parte, supõe
essa diligência e o porem-se de lado os negligentes. Na verdade, a diligência não se havia de exigir apenas quanto
à capacidade do devedor.
De lege lata, a lei estendeu a garantia, porque fêz devido pelo fiador, devedor acessório, o que o outorgante
principal não deve. Extensão ex lege. Não importa o fundamento que se lhe atribua, como o de se presumir que o
credor se quis resguardar da eventual incapacidade do devedor principal (e. g., GIULIO VENZI, Manuale dei
Diritio Civile italiano, 436). O devedor não pode, em princípio, ser constrito a pagar: não há a dívida, ou deixou
de haver. O credor, que talvez tenha sabido da incapacidade, pode ir contra o fiador. (Ai, de lege ferenda, uma das
inconveniências da regra jurídica do art. 1.488, 2~a parte, que devia ter aludido à ciência por parte do fiador e à
ciência por parte do credor.)
Cumpre lembrar que o art. 157 do Código Civil pode ser invocado, se é o caso.
Se sobrevém ratificação, o credor pode ir contra o devedor. Só após isso é que se compreende que o fiador seja
constrangido, porque, salvo pré-exclusão do benefício de excussão, êsse é alegável. Se a ratificação é posterior ao
adimplemento pelo fiador, sub-roga-se êsse ao credor, e pode ir contra o devedor principal.
11.LIMITES SUBJETIVOS E LIMITES OBJETIVOS DA FIANÇA.
A fiança tem limites subjetivos e limites objetivos. Tanto a fiança pode ser a todos os devedores, solidários ou
não, como a alguns, ou a um só. Tanto pode ser pela prestação que se há de fazer no dia tal, como pelas prestações
que se hão de fazer nos dias tais, ou por tôdas as prestações, ou por todos os importes de prestações e indenizações
que provenham do negócio jurídico entre o devedor e o credor, ou dos negócios jurídicos que se determinam ou
sejam determináveis (in omnem causam). A fiança de indenidade é fiança limitada.
A fiança pode ser limitada no tempo; e. g., pelas dividas de fornecimento de que o devedor haja retirado até o dia
tal. Se foi prestada às dividas do tutor ou do curador, ou do cônjuge administrador, termina com a tutela, a curatela
ou a sociedade conjugal.
Os juros constantes de cláusula ou de pacto adjecto anterior à conclusão do contrato de fiança são garantidos; não,
os que resultem de pacto adjecto posterior.
Se a fiança vai além do quanto da dívida e seus acessórios, há o principio da reduzibitidade: o excesso está fora
da garantia fidejussória. Todavia, se a extensão objetiva da fiança era precisamente igual à da dívida e essa
diminuiu, devido a circunstâncias objetivas ou subjetivas, há a redução. Pode mesmo dar-se que a fiança maior se
torne in duriorem causam. Por outro lado, se a fiança foi iv duriorem causam e o quanto para o adimplemento se
agravou, a fiança pode deixar de ser excessiva.
A durior causa pode ser a respeito de cláusula sobre dia, modo ou lugar. A cláusula penal inserta na fiança,
quanto a essa, não torna excessiva a fiança, mesmo se não está no negócio jurídico entre o devedor principal e o
credor (EMnÃo PACIFICI-MAZZONI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 5a ed., 485). Nem a cláusula
solve et repete. Por onde se confirma que o que importa, para se saber quanto ao excesso, é a dívida, a
determinação da extensão objetiva que não exceda àquela. Se se aumenta o quanto da cláusula penal que se acha
no negócio jurídico principal, então há excesso, porque, se o fiador não se retarda, tem de pagar a mais. Não é o
mesmo o que ocorre se a cláusula é para o caso de o fiador não adimplir.
12.AÇÃO REVOCATOLiTA FALENCIAL. Se houve anulação, a fiança cai; não assim se apenas ocorreu
sentença de revogação com fundamento no art. 53 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. A revocatória
falencial é apenas determinadora de ineficácia relativa. Não há invalidade do ato jurídico revogado, porque a
revogação falencial apenas altera o elemento volitivo do suporte fáctico do ato jurídico: o ato jurídico persiste, se
por aí não é nulo, nem se anula.
§ 4.787. Pressupostos formais
1. PRECISÕES. O contrato de fiança é negócio jurídico bilateral. Portanto, não há fiança sem que o credor aceite
a fiança oferecida, ou sem que, tendo o credor oferecido que
se afiançasse (dito exigido, pedido>, aceite dar a fiança. Quase sempre, da parte do credor, existe invitatio ad o!
lerendum.
Se, em título cambiário ou cambiarifonne, alguém ap~e “como fiador, C”, o que se há de entender é que se
avalizou, e não que se contraiu dívida de fiança. A dívida assumida é dívida abstrata.
2.CONTET3IX DO DOCUMENTO. A unilateralidade do contrato de fiança faz um tanto aventurosa a operação
de fiança. Não se sabe se o devedor principal pagará ou não. Daí duas regras jurídicas de suma importância: uma,
de forma; outra, de interpretação. Lê-se no art. 1.483 do Código Civil:
“A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva”. O documento há de abranger todo o contrato
de fiança. Donde as seguintes conseqúências: o que n~o consta do documento, porém no documento se alude,
com explicitude e precisão, a elemento que consta de outro escrito, tem-se como parte integrante do negócio
juridico; os elementos essenciais do contrato, como a pessoa do credor, a dívida que se afiança, a vontade de
afiançar (sem que se exija a palavra “fiança”, ou “fiador”, ou “afiançado”), têm de estar no documento, porém não
é interpretação extensiva a busca de exame de circunstàncias para se determinar precisamente o sentido do que foi
inserto no escrito.
O nome do credor não é essencial; o que é essencial é a determinação ou determinabilidade da pessoa (e. g., “o
colégio em que se inscrever meu filho”, “o comerciante que forneça, no mês de fevereiro, as mercadorias tais que
pedirmos (ou encomendarmos) “, “a empresa que me venda o automóvel da marca tal, ou qual, a quem entregarei
este documento”). Quanto ao importe do que se afiança, também basta a determinação ou a determinabilidade; e.
g., “todos os créditos de C contra E, no mês de maio”, “todos os créditos de C contra E”, “todos os créditos
resultantes do negócio jurídico entre B e O, constante da escritura pública lançada no livro ... do tabe1ião tal (ou
datada de 28 de maio de 1964) “, “os créditos resultantes do contrato, por escritura particular, entre B e O
registado no dia tal”.
Se houve a instrumento público, ou particular, pode a fiança consistir em simples referência e assinatura do
fiador:
“sendo fiador, A”, “como fiador, A”.
Na dúvida, a interpretação do contrato de fiança bá de ser a favor do fiador.
Lê-se no art. 257 do Código Comercial: “A fiança só pode provar-se por escrito, abrange sempre todos os
acessórios da obrigação principal, e não admite interpretação extensiva a mais do que precisamente se
compreende na obrigação assinada pelo fiador”. No direito brasileiro, ao contrário do que ocorre noutros sistemas
jurídicos (cp. Código Comercial alemão , § 851), a fiança mercantil não pode ser oral.
A forma escrita pode ser o instrumento público, o instrumento particular, incluída a carta, dita carta de fiança,
expressão que pode e costuma ser empregada em sentido geral, o têrmo nos autos, ou a sentença declaratória.
No comércio, é de uso o impresso, com a fórmula para a fiança. Uma vez que haja as assinaturas, vale o contrato
de fiança (Superior Tribunal do Rio Grande do Sul, 26 de maio de 1918, Coleção de Decisões, 1918, 577). Idem,
quanto àfórmula dactilografada.
A estipulação oral é ineficaz, porque, em virtude da regra jurídica sobre forma, juridicamente não existe. Todavia,
se restringente da vinculação pela fiança e suscetível de prova, pode restríngi-la. Outrossim, as posteriores
alterações do contrato de fiança, se se podem provar (L. ENNECCERUS-H. LEHMÂNN, Lekrbuoh, II, 607).
Nada obsta a que a fiança, que tem de ser escrita, garanta adimplemento pelo devedor de dívida que êle assumiu
por contrato oral, ou mesmo oriunda de ato lícito ou ilicito não negocia]. A locação por tempo indeterminado
pode provar-se sem ser por documento escrito e a fiança pode ser à dívida do locatário (2.~ Câmara Civil do
Tribunal de Ape1ação de São Paulo, 23 de março de 1948, 1?. dos 2‟., 147, 158) e fiança por prazo indeterminado
ou por prazo determinado, desde que asse resulte do seu texto.
Se o fiador cumpre o que prometera sem que se haja observado a exigência da forma escrita, não há, no direito
brasileiro, a sanação da nulidade. O que pode ocorrer é que
se tenha prestado reconhecimento de dívida, por escrito, como se o fiador prestou, por meio de carta em que alude
à sua qualidade.
3.EXPRESSÃO E ESCRITA DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO FIADOR. A vontade de prestar
fiança há de ser expressa e escrita. Não há manifestação tácita da vontade de afiançar. Tal exigência de expressão
só se refere à manifestação de vontade do fiador, e não à do credor. Quem aceita a fiança pode tâcitamente
manifestar-se. A vontade expressa faz o conteúdo do negócio jurídico, de modo que não se compreende contraído
o que o fiador não exprimiu, precisando o conteúdo do seu querer. Assim, se os créditos são solidários, ou se as
dívidas o são, tem de ser dito a qual dos créditos se refere a fiança e a qual dos devedores, ou se a alguns, ou a
todos. O que importa é que se saiba qual o crédito, que se garante, e até onde se garante.
Se o fiador emite manifestação tácita de vontade e, mais tarde, lhe deu expressão, como a pessoa que recebia as
notas do locador em nome do locatário, com a frase escrita “Se não pagar, vá ao fiador F.”, e F pagava, há
manifestação tácita de vontade, porém não basta para se ter como concluído o contrato de fiança, que há de ser por
escrito (Código Civil, art. 1.483, ta parte). A manifestação de vontade há de ser expressa e escrita.
Nas cartas surge por vêzes o problema de se saber se se trata de carta de fiança ou de carta de recomendação, isto
é, se houve animus fidejubendi, ou animus commendandi. Menos relevante é o caso da carta em que se remete
dinheiro para se pagar a dívida se o devedor não paga e falta parte da dívida, porque não há, aí, fiança. Tão-pouco
a assinatura do terceiro no título de dívida é fiança. Se o título é avalizável, pode tratar-se de aval. A fiança
precisaria da manifestação, escrita e expressa, de vontade.
4.PRÉ-CONTRATO DE FIANÇA E FORMA. Discute-se se a promessa de contrato de fiança (pré-contrato de
fiança) pode não ser por escrito. Mesmo que a resposta seja afirmativa, como é, incide o art. 135 Código Civil. No
direito brasileiro, já mostramos que não há, a propósito dos pré-contratos, o princípio da simetria de forma
(Tomos XIII, § 1.435, e XXXVIII, §§ 4.261 e 4.262). Isso não quer dizer que se dispense ser expressa a
manifestação de vontade.
5.FIANÇAS COM ESPAÇO EM BRANCO NO INSTRUMENTO. As manifestações de vontade de afiançar,
feitas em branco, são plenamente eficazes se foram com observância do que quis o manifestante. Assim, se A
declara que afiança os créditos de C contra B, constantes da lista abaixo, dactilografada, e deixa o branco para que
se dactilografe o que há de ser garantido, a sua assinatura vincula-o definitivamente. Se o manifestante da vontade
assinou o papel, mas a sua intenção era verificar o que ia afiançar, a sua vontade não se completou: têm-se como
eficazes as suas manifestações de vontade se e enquanto não se reputam em contradição com o que queria o
signatário. Exercida a pretensão do credor, ou antes de tal exercício, tem o fiador (pretenso fiador) de alegar e
provar o êrro ou o dolo (cf. JULIUS SIECEL, Pie Rlanketterlclãrung, 45 s.).
CAPITULO III
EFICÁCIA DO CONTRATO DE FIANÇA
§ 4.788. Responsabilidade do fiador
1.CONTEÚDO E PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE. O fiador responde pela dívida do devedor principal, porque foi o adimplemento por êsse o que éle prometeu ao
credor. Por isso mesmo, o objeto do contrato, ou, em geral, da divida do devedor principal não é o objeto da
dívida do fiador. O objeto da dívida do fiador é o adimplemento pelo devedor principal, e não o que o devedor
principal deve. Tem de prestar o que o devedor principal deve porque prometeu o adimplemento por êsse. Se a
dívida do devedor principal não existe ou não mais pode existir, tal como se previra (fiança por divida futura), o
fiador não responde: se a dívida principal não existe, não pode existir adimplemento, pois não se há de pensar em
adimplemento de dívida que não existe.
No Código Civil, art. 1.488, está dito: “As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade
resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor”. E o parágrafo urnco: “Esta exceção não abrange o caso do
ad. 1.259”. O art. 1.488 deve ser entendido como se lá estivesse escrito:
“As dívidas que se irradiariam de negócios jurídicos nulos não são suscetíveis de fiança, salvo se a nulidade
somente resultar de incapacidade do devedor principal”, O negócio jurídico pode ser nulo se praticado por pessoa
absolutamente incapaz, por ser ilícito ou impossível o objeto, quando fôr preterida forma que a lei exija, ou
alguma solenidade essencial à sua validade (Código Civil, ad. 145, I-V). Em nenhum dêsses casos há irradiação
de dívida, porque o negócio jurídico nulo não gera dívidas nem direitos. Se a nulidade resulta de incapacidade do
devedor, permite e a lei a fiança. Afiança-se, então, o que não existe: a divida da pessoa absolutamente incapaz.
(Se o negócio jurídico é anulável, a questão não tem a mesma delicadeza.) Devemos, porém, advertir: a) se o
credor conhecia a incapacidade e não a conhecia o devedor, não é eficaz a fiança, pela exceção de dolo; b) se o
fiador afirmava a capacidade, contra o que entendia o credor, é eficaz a fiança.
O Código Civil, no art. 1.488, somente aludiu à nulidade. Se a invalidade consiste em anulabilidade, a coisa
julgada sobre a anulacão atinge a própria fiança, salvo se a causa da anulação apenas foi incapacidade relativa do
devedor principal. Assim, decretada a anulação de qualquer negócio jurídico, por êrro, dolo, coação, simulação,
ou fraude contra credores, caiu a fiança, como conseqúência da com-sorte negocial (Código Civil, art. 146, II).
Por vêzes, o fiador sabe que o negócio jurídico é nulo ou anulável e não afastou por isso a garantia, por ser a
vontade, pelo menos presumida, do credor que se garanta o adimplemento, a despeito da nulidade ou da anulação.
Ai, não há fiança. Há promessa de divida, promessa autônoma, ou contrato de garantia.
2.DIVIDAS FUTURAS E DIvIDAS CONDICIONAIS. As dívidas futuras e as condicionais, ou a têrmo
suspensivo, que dívidas futuras são, podem ser afiançadas. As dívidas que apenas se podem determinar pela
referência ao negócio jurídico de que se trata, ou ao ato jurídico stricto sensu, ou ao ato-fato jurídico, ou ao ato
ilícito ou ao fato ilícito que aconteceu, ou pode acontecer, são dívidas futuras, ou condicionais. Nas espécies
acima referidas, há vinculação do fiador, mas a dívida está por vir (têrmo suspensivo ou condição suspensiva), de
jeito que, no estado de prudência, o fiador, a despeito da vinculação (mínimo de vinculação), só é devedor do que
prometeu quando nasce a dívida do devedor afiançado.
No Código Civil, art. 1.485, está dito: “As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso,
não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor”. A promessa foi
de haver o adimplemento pela pessoa que vai assumir divida, ou de que se espera que rssuma divida. De modo
que o fiador se vincula e a pretensão somente nasce depois que dois fatos ocorrerem: a inradiação da dívida, não
existente ao tempo da conclusão do contrato de fiança, e o vencimento da dívida.
Se a fiança garante divida futura, o fiador já se vinculou pelo adimplemento pela pessoa a que nasça a dívida. A
futuridade é da dívida principal, que ainda não nasceu; e não da vinculação do fiador, que já se submete a deveres,
como, por exemplo, o de não se desonerar se há prazo determinado, ou o de se adstringir ao art. 1.409 do Código
Civil e já tem direitos, como, e. g., o de exigir a substituição no caso do art. 1.490 do Código Civil.
3. OBRIGAÇÕES NATURAIS. O problema da afiançabilidado da obrigação natural apresentou-se aos povos
antigos. O princípio de conexão entre a existência da obrigação e a sua possibilidade de cobrança e de execução
tinha de ser superado, como foi. Mesmo antes de se precisar a diferença entre direito e pretensão, dever (dívida) e
obrigação, ação de direito natural e “ação” de direito processual, a mente humana viu que existiam obligationes
que não podiam ser exigidas judicialmente. No direito romano, o conceito de obligatio naturalis começou a ser
aplicado a respeito de dívidas de pessoas livres sob patria potestas e de dívidas de escravos. No direito
pós-clássico, a irrepetibilidade do que se prestou por obrigação natural, qualquer que fôsse, caracterizou a
obligatio naturalis. Cf. Código Civil, arts. 970 e 971.
O que o fiador promete é que o devedor principal adimpla, e o devedor principal pode adimplir obrigação natural
ou qualquer dívida sujeita a exceção, como a dívida a respeito da qual se operou prescrição.
Nada se opóe, segundo os princípios, a que se afiance a obrigação natural, ou qualquer dívida a que se haja
mutilado a pretensão, ou se haja encoberto à eficácia. O que obsta à fiança é a mutilação por medida de bons
costumes ou de interesse público. A dívida de jôgo pode ser paga, porém não vale a fiança que se dê a quem é
credor de dívida de jôgo (L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, II, 608).
A opinião de W. WESTERKAMP (Biirgschaft und Schuldbeitritt, 82 s.) sobre a inafiançabilidade das dívidas em
que há obligatio naturalis é de repelir-se. Sobre obrigação natural, Tomos V, §§ 606, 4, e 622, 4; VI, §§ 640, 2,
667, 5, 646, 719 (IV, § 423, 2); XXXI, § 3.610, 3. Para a fiança, o que se exige é que exista a dívida, e não a
obrigação, nem a fortiori que seja jurídica a obrigação, em vez de natural.
Há um ponto que merece todo o cuidado: é o da interpretação do art. 1.502 do Código Civil. Lá se fala de
exceções extintivas da obrigação (principal) que o fiador pode opor. A interpretação assenta que a exceção de
prescrição, que não é extintiva mas encobridora da eficácia, pode ser oposta. Preliminarmente, o art. 1.502 é ius
dispositivum. A fiança pode ser dada em virtude de contrato em que se diga que a fiança é dtida a dívida prescrita,
de modo que o fiador se vincule a adimplir se o devedor principal, que pode opor a exceção de prescrição, não
pagar. Quando se afiança, afiança-se a dívida no estado em que se acha. Se lhe cai, ou se se lhe encobre a eficácia
da pretensão, pode isso ser oposto ao credor pelo fiador, como poderia ser oposto pelo credor. Isso não quer dizer
que não se possam afiançar obrigações naturais e dívidas prescritas.
4.ExTENSÃO DA VINCULAÇÃO DO FIADOR. O fiador sómente é devedor do adimplemento da divida pelo
devedor principal (ou por terceiro). O estado em que se acha a dívida é que dá a medida da divida do fiador. Daí
responder pelos juros e pela pena convencional. Se responde pelos juros anteriores à constituição do contrato de
fiança é questão de interpretação do contrato. Se a dívida por impossibilidade superveniente, ou outra razão, tem
de ser substituida pela indenização, a fiança é dêsse adimplemento. Aliás, a interpretação do contrato pode chegar
a conclusão diferente, como a de a fiança não abranger os juros, ou a pena convencional, ou os juros e a pena
convencional.
Lê-se no Código Civil, art. 1.486: “Não sendo limitada a fiança, compreenderá todos os acessórios da divida
principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador”. As despesas judiciais são quaisquer despesas
a cujo pagamento seja condenado o fiador. As despesas a que foi condenado o devedor principal fazem parte da
dívida afiançada. Essas não dependem da citação do fiador, para que se contem.
O fiador responde pelas custas e despesas que tenham acarretado a interpelação do devedor principal e a ação de
cobrança.
Se o devedor principal eleva a divida, depois da fiança (e. o., mediante reconhecimento de dívida ou transação),
tal ampliação não se impõe ao fiador. Outrossim, se o credor dá prazo de graça ou de espera e no curso do prazo
o devedor principal se arruina ou de qualquer modo fica em situação de menor possibilidade de solver a dívida, o
fiador não o sofre,
O adimplemento pelo fiador é adimplemento de dívida própria, e não de outrem; porque se vinculara a prestar o
adimplemento pelo devedor. Não é adimplemento por terceiro. Apenas se parece com o adimplemento por
terceiro na eficácia liberatória da dívida de outrem. Presta o que deve, razão por que há plus no seu adimplemento,
em relação ao adimplemento por terceiro, que presta o que por êle não é devido. Daí algumas conseqúências: se o
credor anui em dilação ao devedor, à, no art. 1.503, 1, do Código Civil, dita “moratória”,
o fiador está liberado, mas pode entender que lhe convém pagar a divida vencida, ou não, e o mesmo ocorre em
caso de condição resolutiva pactada sem conhecimento do fiador. O fiador, como o devedor, pode pagar antes do
vencimento da dívida, se não há a isso óbice legal ou judicial.
5.RELAÇÃO ENTRE A DIVIDA PRINCIPAL E O OBJETO DA DÍVIDA DO FIADOR. Lê-se no Código
Civil, art. 1.487: “A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos
onerosas; quando exceder o valor da dívida, ou fôr mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da
obrigação afiançada”. Teia-se: “não terá eficácia além do valor da dívida afiançada”. Em todo o caso, pode ser
que, com o nome de fiança, se haja concluído outro contrato.
A fiança não tem necessàriamente o prazo do contrato ou do negócio jurídico unilateral de que resulta ou vai
resultar a divida cujo adimplemento ela garante. É o que mais acontece, porém pode não acontecer. Um dos
problemas mais delicados é o referente às fianças de dívidas de locação de imóveis. Dissemos “dívidas”, porque a
fiança pode não ser somente quanto à quantia do aluguer. Tudo depende da interpretação do texto do contrato de
fiança. Embora o contrato de fiança
não admita interpretação extensiva, a revelação do conteúdo das cláusulas do contrato não é extensão à
manifestação expressa de vontade. Algumas cláusulas usuais nos contratos de locação têm dado ensejo a
discordâncias de julgados, mas essas discordâncias são mais devidas aos termos dos acórdãos, que menos
analisam os contratos do que procuram enunciados sintéticos, como se as questões fôssem mais quaestionis juris
do que quaestionis facti. Uma das cláusulas, a cláusula a “até devolução (ou entrega> das chaves”, tem de ser
considerada, na dúvida, como abrangente de todo o tempo em que o locatário permaneça. Certo, tem-se de
atender a que o contrato de locação pode ser com prazo e não no ser a fiança, ou ser com prazo a fiança sem que
o contrato de locação o seja. Se o contrato de locação diz “por dois anos”, e a fiança apenas “afiança o locatário
até à entrega das chaves”, o que se há de entender é que a fiança foi pelo tempo que dure a locação. Então, a fiança
apanha a prorrogação (não a renovação do contrato), seja convencional seja legal. Se, apesar da cláusula “até à
entrega das chaves”, a fiança frisa “afiança, por dois anos”, a fiança é pelos dois anos e pelo tempo em que, sem
prorrogação, dure a permanência do locatário. Por isso mesmo, podem ter tido razão as Câmaras Civeis ReUnidas
do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 22 de julho de 1942 (A. J., 63, 456 s.), e a 4.~ Câmara Cível do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 22 de outubro de 1943 (R. F., 100, 497), que julgaram persistir o
afiançamento a despeito da prorrogação, como pode ter tido razão a 13 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de
São Paulo, a 18 de janeiro de 1943 (1?. dos T.. 145, 667), que o negou. Se não há a cláusula “até à entrega das
chaves”, o caso é mais simples, pois o prazo da fiança depende do que nela se lê, como “pelo prazo do contrato de
locação”, ou “por dois anos”. A fortiori, se se diz “pelo tempo do contrato, podendo ser renovada a fiança em caso
de prorrogação”.
Se não se fixou prazo à fiança, nem há a cláusula “até à entrega das chaves”, mas há prazo no contrato, o que mais
ocorre é que a fiança não foi dada para o éaso de prorrogação (e. g.‟ 53 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, 16 de janeiro de 1945, 1?. F., 101, 89; 13 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27
de junho de 1950, 12. dos 7‟., 188, 800; 53 Câmara Civil, 19 de dezembro de 1952, 209, 219). O tom de regra
inexcetuável que se dá a essa solução é que pode ser contra a vontade expressa do fiador, como se se declarou
fiador “solidário”, sem qualquer restrição, só se falando de prazo no contrato de locação (e. g., 1a Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 18 de janeiro de 1943, 1?. dos 7‟., 145, 667; 1.a Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 27 de junho de 1950, 188, 800). Absurda a sentença que o acórdão da 13 Câmara Civil do
Tribunal de Alçada de São Paulo, a 8 de novembro de 1954, reformou, muito acertadamente, porque o juiz
entendia que “a cláusula de que a responsabilidade da fiadora subsistiria mesmo depois de findo prazo contratual,
até a efetiva entrega das chaves”, “não podia prevalecer, porque as obrigações assumidas pelo fiador não podem ir
além do prazo contratual da locação”. A fiança pode ter o prazo determinado no contrato, ou não. Pode ser pelo
tempo da responsabilidade do locatário (certo, o 22 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo,
a 14 de junho de 1951,12. dos 77., 194, 685).
A l.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 6 de junho de 1955 (A. J., 115, 465), feriu um dos
pontos: “... dúvida alguma poderá haver acêrca da conclusão de que a fiança subsiste além do prazo certo e
determinado que foi estipulado pelas partes para a locação, extinguindo-se somente quando se operar a devolução
da posse direta do imóvel ao locador. Nesse sentido, é por demais incisiva a lição de PONTES DE MifiANDA:
“Se a fiança diz: “até à entrega das chaves”, sem aludir ao tempo do contrato, persiste com a prorrogação.
Outrossim quando está escrito: “pode entregar as chaves, ficando fiador pelo aluguer”, ou “ficando fiador pelas
obrigações contratuais”, ou “respondendo pelo que A lhe tiver de prestar”. Não porém se está na fiança:
“respondendo pelos aluguéis até 31 de dezembro de 1952”. Cf. 13 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, 29 de novembro de 1949 (12. dos 77., 185, 207>.
Os aumentos, por lei, ao quanto da divida principal não se incluem na dívida de fiança. Se a fiança foi pelo
aluguer x e a lei acrescentou alguma quantia, a fiança não responde pelo acréscimo (13 Câmara Civil do Tribunal
de Alçada de São Paulo, 29 de agôsto de 1956, 12. rios 2‟., 258, 881). Se a fiança foi pelos ordenados de x e a lei
os elevou, a fiança não cobre o aumento. Aliter, se no instrumento apenas se fala em aluguer, ou em ordenado, ou
noutra prestação.
A fiança interpreta-se estritamente, mas a fiança a contrato de locação, e não só à dívida de alugueres,
compreende a indenização dos danos que ao bem cause o inquilino e de multas fiscais que recaiam sobre o
locador. Sem razão, a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 31 de dezembro de 1934, cujo voto vencido, de
FLAMÍNIO DE RESENDE, está certo. Também certo o acórdão da 23 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, a 9 de outubro de 1951 (12. dos 7‟., 196, 288).
Se a fiança se refere à quantia pela qual, como limite máximo, se responsabiliza o fiador (isto é, pelo
adimplemento até tal quantia por parte do devedor principal), não se podem incluir juros da mora, salvo se ação
contra êle teve de ser proposta, caso em que também se incluem os honorários de advogado (sem razão, a 1a
Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 20 de junho de 1955). Os juros da mora são devidos se a
quantia máxima tinha de ser prestada pelo fiador em data fixa.
Se, na ação contra o devedor principal, mesmo a de despejo, foi citado o fiador, responde pelas custas e demais
despesas (2.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 6 de junho de 1955, 12. dos 77., 289, 440).
6.LUGAR DA PRESTAÇÃO DA FIANÇA. O lugar da prestação pelo fiador é o lugar em que o devedor teria
de prestar. Porém é no seu domicílio que se há de propor a ação contra o fiador. No direito alemão, há a discussão
(e. g., W. WESTERKAMP, Riirgsehaft unri Schuldbeitritt, 896, que somente atende à dívida principal; contra:
Huoo TÚLIK, Der Leistungsort des Etirgeu, Gruchois Beitrãge, 44, 887; Was ist unter “jeweiligen Bestande” der
Hauptverbindlichkeit in § 767 8GB. zu vestehen, 46, 49 s., que tem como independente o lugar do cumprimento).
O credor pode exigir que o adimplemento pelo fiador seja no lugar em que foi prometido. Se nada se dispôs,
entende-se no lugar do adimplemento da divida principal. A execução forçada permite que aí pague o fiador. Se
pedido despejo, ai pode ser adimplida a dívida. Se a oferta real é feita ao credor, fora do lugar do adimplemento,
depende de recebê-la, se quer (para o ireito italiano, diferente, ANGELO FALzEA, L‟Offerta reale e la
Uberazione coattiva dei debitore, 17, 29 s., 261 e 299).
7.ABONADOR DE FIADOR DO FIADOR. O abonador é fiador do fiador. Dêle cogita o art. 1.482 do Código
Civil para fazê-lo regido pelos mesmos princípios que regem o fiador. É óbvio que se há de admitir o fiador do
fiador (L. 8, § 12, D., de fideiussoribus et mandatoribus, 46, 1: “Pro fideiussore fideiussorem accipi nequaquam
dubium est”). O fiador do fiador, o abonador, promete que o fiador cumpre a promessa que fêz. A dívida
principal, para êle, é a do fiador. A essa divida é que acede a sua. É pós-fiador, mas pós-fiador que não veio depois
para garantir a dívida. Aliás, nada obsta a que se abone antes que o fiador se vincule. O que importa é a
posposição conceptual, e não a temporal. Porém não basta a posposição conceptual: é preciso que o objeto da
promessa seja a promessa do fiador, e não a do devedor principal. O fiador do fiador pode ser garante de dívida
futura, se a fiança ainda vai ser prestada. Mas, se a divida de fiança, que se tem por existente, não existe, a fiança
é fiança que cai no vácuo.
A fiança de fiança depende da existência. Se futura a fiança, a fiança de fiança depende de vir a existir a fiança
que se aguarda.
Os figurantes da fiança de fiança são o credor e o fiador do fiador. A divida principal, para o abonador, não é a do
devedor principal, que o fiador garantiu, mas sim a do fiador. Mas, a respeito do art. 1.502 do Código Civil, o
fiador do fiador pode opor as suas exceções pessoais e as extintivas da dívida principal, que tenha o devedor
principal, e as extintivas da fiança, que tenha o fiador afiançado.
A extensão da responsabilidade do abonador é a mesma da responsabilidade do fiador afiançado. O art. 1.488 do
Código Civil incide no tocante à fiança de fiança; e, se a fiança foi dada a mútuo que incapaz contraíra, o fiador do
fiador não pode ser constrangido a prestar o que prometeu.
O contrato de fiança de fiança tem de ser explícito quanto à divida que se assume. Na dúvida, tem-se a fiança
como fiança conjunta à que fôra prestada, ou que se vai prestar.
Se existem, antes da fiança de fiança, dois ou mais fiadores, tem-se, preliminarmente, de verificar se a fiança de
fiança foi dada a todos, ou a quais ou a qual se deu. Não se presume que foi prestada quanto a todos.
Se a fiança de fiança foi dada a fiança mercantil, tem-se como fiança mercantil, mesmo se o fiador não é
comerciante. Então, não há, a favor do fiador do fiador, à semelhança do que acontece ao fiador, salvo cláusula
contratual ou pacto em contrário, o beneficio de excussão. A sub-rogação pessoal legal ocorre se o fiador do
fiador cumpre o que teria de ser cumprido pelo fiador afiançado. Sub-roga-se êle nos direitos, pretensões. ações e
exceções em que o fiador se sub-rogaria se houvesse cumprido a sua promessa.
A forma da fiança de fiança é a forma escrita, como se exige à fiança.
O Fiador de fiador pode vincular-se como fiador principal, ou renunciar expressamente ao benefício de excussão.
O Código Civil, art. 1.493, com seu parágrafo único, incide, se há dois ou mais fiadores de fiador.
8.SUBSTITUIÇÃO DO FIADOR. Na L. 10, § 1?, D., quisatzsdart3 cogantur veZ iurato promittant veZ ntae
promtsstont committantnr, 2, 8, PAULO asserta que, se no tempo intercalar, alguma grave calamidade intervém,
ou grande pobreza, se há de dar nova fiança, conhecida a causa: “causa cognita ex integro satisdandum erit” (o
que não é clássico, cf. Suto 50-LAzZI, L‟Insolvenza del garante nelle stipulazioni pretorie, S~udia et Documenta
historiae et iuris, 22, 336 s.). Diz o Código Civil, art. 1.490: “Se o fiador se tornar insolvente, ou incapaz, poderá
o credor exigir que seja substituido”. O art. 1.490 não incide se a fiança foi dada sem promessa do devedor
principal. O fato de assentir não bastaria. Só é adstrito à substituição o devedor adstrito a ter fiador. Se a fiança foi
dada antes da data da conclusão do negócio jurídico de que resultou, ou há de resultar a divida principal, ou se o
foi simultâneamente (= no mesmo dia), ou se há menção à firma no negócio jurídico, ou noutro documento do
devedor principal, tem-se de interpretar que foi prometida a fiança.
Se determinada pessoa foi exigida pelo credor como fiador, o art. 1.490 do Código Civil não incide, nem o art.
263 do Código Comercial (“Desonerando-Se. morrendo, ou falindo o fiador, o devedor originário é obrigado a
dar nova fiança, ou a pagar imediatamente a dívida”).
Na L. 3, in fine, D., de fideiussoribtts et mandatonbus, 46, 1, ULPIANO atribui reconhecimento de idoneidade e
suficiência patrimonial à aceitação pelo credor. O art. 1.490 do Código Civil supõe que assim seja, pois só alude
à superveniência.
A insolvência do fiador, ou a sua incapacidade, somente é pressuposto suficiente para a pretensão à substituição
do fiador se posterior à conclusão do contrato de fiança (cf. 33 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, 8 de agôsto de 1939, 12. dos T., 121, 156). Se o credor somente veio a saber da insolvência, ou da
incapacidade do fiador, depois da conclusão do contrato de fiança, os caminhos que tem são, para o primeiro caso,
a ação de anulação por êrro, e, no segundo, a ação de nulidade ou a ação de anulação por incapacidade, casos
em que, se o devedor principal prometera fiador, tem de dá-lo.
9.INSOLVÊNCIA DO FIADOR E VENCIMENTO DA DÍVIDA PRINCIPAL. A dívida de fiança pode ter
prazo igual ao da divida principal e pode ter prazo maior. Na primeira espécie, a insolvência do fiador não faz
cobrável a divida do fiador, porque, com a acessoriedade da fiança, seria cobrar-se o que ainda não se venceu, o
adimplemento pelo devedor principal. Cf. art. 954, 1, II ou III, do Código Civil. O que se pode dar é que o credor
possa exigir do devedor principal o refôrço da fiança, ou a substituição do fiador. Na segunda espécie, o art. 954
incide, porque a dívida principal, ex hypothesi, está vencida.
A insolvência superveniente ou incapacidade superveniente do fiador à conclusão do contrato de fiança de modo
nenhum atinge a eficácia contratual, exceto em dar ao credor a pretensão à substituição do fiador (Código Civil,
art. 1.942, 2.~ alínea), ou a pretensão ao rei Orço da fiança (Código Civil, ad. 954, III). É o que resulta do art.
1.490 do Código Civil. NO direito brasileiro, à semelhança do Código Civil italiano, ad. 1.942, 2~a alínea (verbis
“deve esserne dato un altro”), atende-se à exigência com a fiança de outro fiador que complete, com os seus
outros bens, a garantia (refórço conforme o art. 954, III). Não importa qual a causa da insolvência superveniente
(perecimento de bens, aumento de dívidas, diminuição do valor dos bens, gravames.) Jasta a transferência de bens
ou do patrimônio para o exterior, com ou sem a transferência do domicilio? Pela negativa, VALERIO
CAMPOGRANDE (Trattato deita Fideiussione nel diritto odiento, 428). O argumento máximo consiste em se
frisar que o art. 1.490 do Código Civil não se refere a inidoneidade superveniente, mas só a insolvência ou
incapacidade.
j,Quid inris, se o fiador foi exigido pelo credor, conforme consta do instrumento da fiança ou de outra prova
escrita? No Código Civil brasileiro nada se diz a respeito. O Código Civil italiano, art. 1.942, 2.~ alínea, abriu
exceção à exigibilidade da substituição.
Para a completa inteligência do art. 1.490 do Código Civil é da maior relevância advertir-se que o fiador, a que a
regra jurídica se refere, é o que foi dado porque o credor exigia fiador; não o fiador que o devedor deu,
espontâneamente, ou o que por si só deu a fiança. Nem ali, nem aqui, há direito àfiança; portanto, também não há
direito à substituição do fiador ou ao reforço.
Se o promitente se recusa a dar a fiança, em substituição, rege o art. 1.092, 23 alínea, do Código Civil. Se o credor
ainda não prestou o que lhe cumpre, ou não prestou tudo que lhe cumpre, por ainda não ser exigível a sua
prestação, ou parte dela, pode suspender o adimplemento, invocando o art. 1.092, 13 alínea, pois o direito à
substituição como que bilateraliza o contrato. O art. 1.092, 23 alínea, refere-se a diminuíção no patrimônio do
devedor, mas a insolvência superveniente do fiador pode ser tratada como tal, pois em perigo fica a
contraprestação (com razão, MICEELE PflAGALE, Fideinssione, Mandato di credito, 265). Também é
invocável o art. 954, III, do Código Civil, que permite a cobrança da divida se cessarem ou se tornarem
insuficientes as garantias do débito, fidejussórias ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Discute-se se a mudança de domicilio do fiador se há de ter como insolvência superveniente. Afirmativamente,
EMILIO PAÇIFIÇI-MÁZzoNI (Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 480), VALERIO CAMPOGRANDE
(Traltato deila Fideiussione nel diritto odierno, 263), e GIoRGIO Bo (Nuovo Digesto Italiano, verbo
“Fideiussione”, 1114). Pela negativa, Luící ABU (Codice Civile, Commentario de MARIANO D‟AMELIO e
ENRICO FINZI, II, 2, 402) e MICIIELE FLIAGALE (Fidejussione, Mandato di creditoí 265). A lei, no art.
1.489, refere-se à idoneidade e ao domicílio no Município onde se tenha de prestar a fiança, ao passo que, no art.
1.490, só aludiu à insolvência e à incapacidade. Certamente, com a mudança de domicílio, se dificultam as ações
contra o fiador, porém dificultar para a lei, no art. 1.490 não é impedir, como se passaria com a insolvência ou a
incapacidade.
Se o devedor oferece refOrço da fiança, cabe ao juiz verificar se, em vez da substituição, é de admitir-se, in casu,
o refôrço.
10.TRANSFERÊNCIA DO CRÉDITO PRINCIPAL. Transferido o crédito principal, transfere-se o crédito de
fiança (e. g., Código Civil, art. 1.066). Salvo cláusula ou pacto em contrário, o cedente não responde pela
solvência do devedor (art. 1.074).
11.ANDAMENTO DE PROCESSO EXECUTIVO CONTRA O DEVEDOR PRINCIPAL. Se o credor iniciou
processo executivo contra o devedor principal e o processo fica parado, há interesse do fiador em que prossiga.
Diz o Código Civil, art. 1.498: “Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor,
poderá o fiador, ou o abonador (art. 1.482), promover-lhe o andamento”. Supõe-se que o fiador tenha sido citado
no processo executivo de títulos extrajudiciais ou no processo de que tenha surgido a sentença que se executa. Se
o não foi, ainda assim o fiador pode ter interesse no prosseguimento do processo executivo.
Aliás, se a ação é condenatória, e não executiva de plena cognitio ou de non plena cognitio, o fiador pode ser
chamado a juízo como litisconsorte, ou êle mesmo pedir a entrada no processo. Então, o art. 92 do Código de
Processo Civil é invocável.
O art. 1.498 do Código Civil só é invocável se o fiador não é solidário. A ratio legis do art. 1.498 está em evitar-se
que o fiador tenha de vir a pagar o que o credor teria recebido se fôsse diligente.
§ 4.789. Fiança e ações
1. IRRADIAÇÃO DE AÇÕES. As ações concernentes à fiança não só se irradiam das relações jurídicas que
nascem diretamente do contrato, mas também dos atos que o fiador pratica ou deixa de praticar.
Se há assunção de dívida alheia, quanto à divida principal, a fiança extingue-se porque o fiador garantiu o
adimplemento pela pessoa que era o devedor. Dá-se o mesmo se o fiador é solidário.
2. AçÃo DE RELEVÁMENTo. A ação de relevamento é ação pela qual o fiador pede que o devedor solva a
divida, se já exigível, ou o releve da fiança. O Código Civil, art. 1.499 emprega a expressão “exonere”, o que se
refere a ônus, que aí não cabe.
Preliminarmente, é de advertir-se que o art. 1.499 supôe algum negócio jurídico entre o devedor e o fiador, fora
da fiança, de que nasça àquele o dever de obter a liberação ou de pagar para que o fiador se libere. O devedor
assumiu perante o fiador dívida de fazer. Se o fiador deu a fiança porque tal negócio jurídico resultou de
obrigação ex lege ou negocial com o credor, não há a ação de relevamento do fiador contra o devedor. Se o
devedor não atende, há a pretensão do fiador a indenização de perdas e danos, como se foi constrangido a ter
disponível em banco, sem emprêgo que êle tinha por fito, a quantia necessária para a emergência de ter de pagar
ao credor.
A lei brasileira não se refere à caução, mas pode estar prevista no negócio jurídico entre o fiador e o devedor, ou
ser de admitir-se se êsse negócio jurídico não a afasta. A suficiência da caução depende do consenso, ou de
decisão do juiz.
O texto do Código Civil, art. 1.499, é sem precisão e sem exatidão de técnica legislativa, O que pela ação de
relevamento se pede é: a) que o devedor obtenha do credor que releve da fiança o fiador, quer dizer que distrate
o contrato de fiança, ou renuncie aos seus direitos de garantia; ou lO que solva a dívida; ou e> que se assegure,
por outros meios, o adimplemento. Ou o devedor solve a dívida, para que não mais se precise de fiança, ou dá
garantia que a substitua, ou consegue do credor que libere o fiador. No texto do Código Civil, art. 1.499, só se
alude ao relevainento por liberação, e não ao retevamen.to pela caução ou outra garantia; mas havemos de
entender que o devedor demandado pode dar a garantia que o juízo repute suficiente, em vez de liberar o fiador, o
que, de regra, não depende dêle. A fiança é contrato entre o fiador e-o credor, e não entre o fiador e o devedor, ou
entre os três.. O fiador não exige que o devedor lhe preste o que dê para solver a dívida, nem pede que faça a
provisão (e. g., o depósito) do que dê para a solução da dívida. O que o fiador pede é que o devedor pague a
dívida, ou lhe obtenha a extinção da fiança, por manifestação de vontade do credor. O relevamento por liberação,
como pagamento de dívida, sunde manifestacão de vontade do credor: ou distrato, ou pactum de nou petendo, em
que sejam figurantes o credor e o fiador, ou promessa do credor ao devedor a favor do fiador, figurante, com o
credor, do contrato de fiança.
O que mais importa é frisar-se que não há execução especifica. Ou o devedor leva o credor à liberação do fiador,
ou solve. O credor não está adstrito a liberar, mesmo se não exigiu a fiança. Daí ter o fiador a pretensão à
indenização dos danos, se o devedor não adimple o que prometeu.
O art. 1.499 do Código Civil fala de espécie em que decorrera o prazo em que o devedor prometera dispensar a
fiança. Ora, a fiança é contrato entre o fiador e o credor, de modo que o devedor não poderia distratá-lo. O prazo
foi estabelecido noutro negócio jurídico, estranho à fiança, embora a ela se refira.
A caução faz da ação de relevamento ação cautelar, o que não ocorre com a liberação. Ai, a ação é condenatória,
com eventual eficácia constitutiva negativa.
Quanto à ação de relevamento contra o devedor que nada teve com a fiança, seria contra boa técnica jurídica que
se cogitasse de tal ação, pois ou êle atenderia, ou teria de prestar perdas e danos. Não se diga que o fundamento é
o mesmo para a sub-rogação e para o relevamento. Qualquer terceiro interessado que pagar tem por si a
sub-rogação pessoa]. A fiança é contrato entre fiador e credor e não se justificaria que dêle nascesse ação contra o
devedor (EMILIO PÃCIFICI-MÃ&zzoNI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 512 5.; VALnIO
CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nel diritto odiento, 529 5.; sem razão, Gíoacno Bo, Nuovo
Digesto Italiano, verbo Fideiussione, 1123; MICHELE FRACALE, Fidejussione, Mandato di credito, 420).
A respeito do art. 1.499 do Código Civil há ainda a presença de palavra que surpreende e surpreendeu desde mais
de século e meio os juristas de outros sistemas jurídicos. Lá se diz:
“O fiador, ainda antes de haver pagoO “ainda”, que pusemos em letra grifa, tem atravessado os Códigos Civis dos
Estados latinos como nódoa que não se consegue apagar. Lê-se no Código Civil francês, art. 2.032: “La caution,
même avant d‟avoir payé, peut agir contre le débiteur, pour être par lui indemnisé: 32 Lorsque le débiteur s‟est
obligé de lui rapporter sa décharge dans un certain temps; 42 Lorsque la dette est devenue exigible par l‟échéance
du terme sous lequel elle avait été contrctée”. O “ainda”, o “même avant”, foi pôsto para aludir à ação do fiador
que ainda não pagou p à do que já pagou. Ora, se êle já pagou, houve a sub-rogação pessoal, e todos os
argumentos para se dar sentido razoável à letra da lei foram inconsistentes. A interpretação que via no pagamento
aquêle que o fiador fêz antes de tempo não merece acolhida, porque não se justifica que se permita ao fiador
prestar antes do vencimento. Ainda o Código Civil italiano, art. 1.953, tem o “anche prima di aver pagato”. A
interpretação que se há de dar ao art. 1.499 do Código Civil é a que o lê como se dissesse:
“O fiador, se não pagou ... O fiador pode exigir que o devedor solva a dívida, ou o libere, se a divida está vencida (= nasceu a pretensão =
está vencida a divida). Com isso, êle põe o devedor a par do que êle conhece e de certo modo o adverte, com a
consequência de já o fazer responsável pelas perdas e danos que resultarem da demora, por parte do devedor,
quanto ao pagamento. Se o devedor entende que deve discutir com o credor (e. g., tem ação que já propôs ou vai
propor, ou exceção que já opôs ou vai opor), tem de dar caução ao fiador, ou fazer o depósito para discutir com o
credor. Por aí se vê o alcance da ação de relevamento.
Se o devedor prometeu que o fiador seria dispensado (e. g., substituído) e se venceu o prazo para isso, tem o fiador
a ação de relevamento.
Na espécie do art. 1.499 do Código Civil, ou o fiador satisfaz a dívida ou obtém o relevamento da fiança. O
devedor pode ter interesse em não prestar ao credor. Então, a solução é o depósito, para quando o juiz decida se
tem êle razão. Aí, a cautelaridade ressalta.
3.AçÃo CONDENATORIA E AÇÃO EXECUTIVA. O credor tem contra o fiador a ação condenatória; ou, se a
fiança é de divida certa e líquida, ou de alguma dívida a que a lei conferiu executividade (Código de Processo
Civil, art. 298, que é exemplificativo), a ação executiva.
O credor tem de continuar com diligência a ação iniciada contra o devedor principal, bem como de iniciar e
continuar a que tem de ser proposta depois, como é a de execução de sentença contra o devedor principal. Quase
sempre a ação que se propõe é a de condenação; depois, a ação de execução de sentença. Pode dar-se que caiba a
ação de titulo executivo extrajudicial.
O credor não tem direito de escolher os bens que há de penhorar. Qualquer êrro seu, na escolha, é a seu risco,
salvo se a causa da insuficiência ou da dificuldade foi superveniente.
O fiador pode ser de nôvo atingido, em prosseguimento da ação, se os bens que apontou não bastaram, quanto ao
que resta para ser pago.
Se o credor propôs a ação contra o devedor principal, a despeito de o fiador, que exerceu o beneficio de excussão,
não ter nomeado bens do devedor principal, pode ocorrer que haja renunciado a exigir essa nomeação, por
preferir ir contra todo o patrimônio do devedor. Tem-se de examinar a espécie, em concreto.
O art. 1.491, parágrafo único, do Código Civil fala de bens do devedor sitos no mesmo Município. Essa velharia,
que revela mediocridade de técnica legislativa, tem de ser posta de lado. Se há bens do devedor sitos no
Município, é de entender-se que os deve nomear o fiador. Se não os tem de valor suficiente. pode nomear bens
que não sejam sitos no Município. Os bens hão de ser livres e desembaraçados. Portanto, hão de ser postos
de parte os bens litigiosos, os bens hipotecados, empenhados ou sujeitos a outros gravames, os bens penhorados,
arrestados ou seqUestrados, os bens cuja posse própria não esteja com o devedor. Não se podem excluir as partes
indivisas (sem razão, EMILIO PÂCIFICI-MAzZONI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 497; VALERIO
CAMPOGRANDE, Tratt ato de lia Fideiussione nel diritto odiento, 380) e é absurdo terem-se os bens indivisos
como litigiosos.
Se não há bens no Município, e os há noutro Município, ou no estrangeiro (sem que circunstâncias tornem difícil,
no momento, a excussão), podem ser nomeados.
É preciso que se nomeiem bens que bastem para o inteiro pagamento. Vi-lo, explicitamente, o art. 1.491,
parágrafo único, do Código Civil. Todavia, se não bastam, no momento da execução contra o fiador, têm de ser
excutidos primeiro os bens nomeados. Enquanto é processualmente possível, pode o fiador nomear outros l~ens,
cuja existência ignorava sem culpa, ou corrigir nomeações feitas.
O fiador não tem de antecipar a prestação das despesas necessárias à ação contra o devedor principal, pois isso
somente pode resultar de cláusula ou pacto adjecto.
4.INDEPENDÊNCIA DAS AÇÕES. A ação contra o fiador supõe que houve inadimplemento pelo devedor.
Tem-se, portanto, de verificar, prêviamente, se o devedor deixou de adimplir como, quando e onde deveria ter
adimplido. Disso tem de ser avisado. Não precisa ser interpelado. A interpelação conteria o aviso.
No art. 954, 1-111, do Código Civil, permite-se ao credor cobrar antecipadamente a divida, no caso de concurso
de credores, no caso de execução hipotecária, ou anticrética, ou de insuficiência superveniente de garantias não
reforçadas apesar de intimação do devedor. Aí, somente se protegem os interesses do credor em relação ao
devedor, não em relação ao fiador. Com a invocação do art. 954 não pode ir o credor, antes de vencida a dívida do
devedor principal, contra o fiador, O fiador vinculou-se ao adimplemento pelo devedor principal, nos termos do
negócio jurídico de que se irradiou a divida afiançada. A insolvabilidade superveniente não atinge o fiador. (Não
é argumento acolhível contra isso haver a ação de relevamento, que se funda no interesse do fiador, e não no do
credor.)
Nem a coisa julgada material contra o fiador se pode opor ao devedor, nem a coisa julgada material contra o
devedor se pode opor ao fiador (VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fidejussione nel diritto odiento,
617; MICHELE FRAGALI, Fidejussione, Mandato di credito, 299; sem razão, E‟. CÂRNELUTTI, Lezioni di
Diritto processuale civile, IV, 489; Sistema di finito processuale civile, 1, 298; ERNESTO HE!NITZ, 1 Limite
oggettivi deRa Cosa giudicata, 82).
Nas ações do credor contra o fiador, o que o credor alega a respeito da dívida principal não dá ensejo de
declaração da dívida principal, contra o devedor principal. O fiador deve o adimplemento pelo devedor principal
e não se lhe pode atribuir representar o devedor.
Não é oponível ao fiador o que, no processo contra o devedor, signifique renúncia expressa ou tácita do prazo, ou
reconhecimento da divida, nem qualquer exceção que somente o devedor poderia opor.
Mas é oponivel a imputação de pagamento feita a outra divida do devedor garantido.
A ação do fiador contra o devedor principal, em virtude de sub-rogação pessoal nos direitos do credor, é a mesma
ação, com o mesmo rito, que teria o credor sub-rogado.
„O crédito de fiança é acessório, subsidiário, de modo que somente pode ser cedido (cessão da fiança), arrestado,
seqUestrado ou penhorado se o é com o crédito principal. As medidas cautelares e as executivas sobre o crédito
principal têm de ser estendidas ao crédito de fiança.
Na ação de despejo, que é ação executiva (Tomo XL, ~ 4.490, 2), não se cobra dívida; portanto, não precisa ser
citado o fiador (§ 4.491, 2; 3a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de maio de 1958, 1?. dos T.,
215, 153).
A sentença contra o devedor principal somente pode ser executada contra o vencido, os seus herdeiros ou
sucessores universais e o fiador judicial (Código de Processo Civil, art. 887), de modo que há conveniência em se
citar o fiador, para que se litisconsorcio na ação de cobrança e na própria ação de resolução ou de resilição do
contrato se há condenação,para que possa haver a executabilidade contra o fiador não judicial (cp. 33 Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de fevereiro de 1951, R. dos rt, 191, 700).
A ação de despejo aprecia inadimplemento pelo locatário, ou permanência fora do prazo. Na ação de cobrança, ou
na ação executiva, se é o caso, o fiador pode alegar o que o devedor principal não alegou na ação de despejo. Uma
vez que o fiador não foi litisconsorte, não há coisa julgada contra êle. Se o não alegou, responde pelos alugueres
em atraso e pelas custas e mais despesas do processo em que é parte, e não pelas custas e despesas da ação de
despejo (4.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 27 de dezembro de 1955).
Para a ação executiva contra o fiador, o titulo, que se há de examinar é o da fiança (que se refere ao débito
garantido), ou o da sentença contra o fiador, e não o título judicial obtido contra o devedor, mesmo se foi êsse em
garantia de penhor. A sentença contra o devedor não é executável contra o fiador se êle não foi inserto na relação
jurídica processual a ponto de haver contra êle eficácia de coisa julgada. A execução contra o devedor provará
apenas que houve ou não houve excussão suficiente. Os bens do fiador ainda não estão sujeitos à execução, uma
vez que há a exceção de excussão.
O litisconsórcio entre devedor principal e fiador não é litisconsorte necessário (Código de Processo Civil, arts.
88, 23 alínea, 13 parte, e 91). Não importa o fato de, paga a dívida pelo devedor, liberar-se o fiador. Pode haver
influência de uma sentença na ação proposta contra o outro, mas as duas dívidas são diferentes: o devedor deve x;
o fiador, o adimplemento de x pelo devedor.
O credor pode propor a ação contra o devedor e contra o fiador, cumulativamente. O fiador pode chamar a juízo o
devedor, para a defesa (Código de Processo Civil, art. 88. 2.~ alínea, 23 parte), como pode intervir, com o mesmo
fim, no processo contra o devedor. O devedor não pode requerer que o fiador se litisconsorcie na causa que contra
êle se propôs (com razão, SEacio COSTA, L‟Intervento coatto, 178), mas pode introduzir-se na ação contra o
fiador.
5.SUB-ROGAÇÃO PESSOAL DO FIADOR QUE PAGA A DIVIDA.
O fiador que paga a divida sub-roga-se nos direitos, pretensões e ações do credor, quer contra o devedor quer
contra os terceiros. Todos êsses direitos, pretensões e ações são objeto da sub-rogação. Cumpre, ainda, que se
admita ter o fiador direitos que estão fora da sub-rogação, como os que tenha o devedor contra terceiro, por ter-lhe
feito injustificado pagamento da dívida (VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato delia Fideiussione nel diritto
odierno, 447), como se pagou a quem não tinha Poderes para receber.
Não se incluem na sub-rogação os direitos, pretensões e ações por sua natureza intransmissíveis, nem os do
credor em caso de fidúcia.
Somente há sub-rogação nos direitos, pretensões e ações que podem dar ao fiador a prestação que o devedor teria
de fazer ao credor. O fim da sub-rogação é recuperatório. Os direitos que nasceriam ao credor depois do
pagamento nascem ao fiador <com razão, VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato de lia Fidejussione nei diritto
odierno, 474; sem razão, GIoVANNI MARIA MERLO, La Surrogazione per pagamento, 166 e 253). As ações
que tem o fiador são as que o credor teria (declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e
executivas).
Se no direito do credor se compreenderia o de resolução ou de resilição do contrato, ou de rescisão, tem-no o
fiador. O fiador, que pagou o preço que o devedor deixou de pagar, pode pedir a resolução do contrato de
compra-e-venda (EMILIO PACIFICI-MAZZONI, Istituzioni di Diritto Civile italiano, V, 2, 5a ed., 505 5.; E.
REDENTI, Dizionario pratico dei Diritto privato, verbo Fideiussione, 139; RAFFAFLE ConsI, La Fideiussione
cons~derata nei rapporti dei Codice civile cou i principf dei dirilto romano, con ia dottrina e la giurisprudenza,
147 s.). Pode acontecer que o bem restituído valha mais do que o que o fiador despendeu: ~,pode o comprador
exigir que seja revendida? Assim pensava E. REDENTI; mas tal revenda só é exigível se o fiador não pagou todo
o preço (e. g., se algumas prestações da compra-e-venda já tinham sido pagas, ou se a fiança foi limitada a abaixo
do preço).
Se a fiança é a dívida por prestação de longa duração (como se dá na locação de prédios), o fiador não pode pedir
a resílição do contrato, porque ou o credor tem a garantia fidejussória até, por exemplo, a entrega das chaves, ou
o risco é seu e o que se há de entender é que a sub-rogação somente foi até onde foi a fiança.
O fiador não tem direito sub-rogado contra os seus co-fiadores. O que pode haver é o beneficio da divisão
(Código Civil, art. 1.493, 23 parte, e parágrafo único).
No caso de concorrência de direitos, exercido um, os outros estão excluidos. Se o resultado é insuficiente,
permanece o outro direito para completar-se a satisfação.
Se houve concordata do devedor, a sub-rogação é só do percentual. O fiador continua responsável pelo resto, se
não o pagou.
Sempre que o fiador somente pagou parte, a sub-rogação é parcial.
Contra os terceiros, tem o fiador tôdas as ações que o credor teria, inclusive a ação revocatória falencial, se ao
devedor foi aberta a falência. A revocação que o credor obtivera antes é eficaz para o fiador, de modo que, uma
vez que o fiador pagou, eficacizou o negócio jurídico atingido.
Se o devedor cedeu direitos ao credor, por motivo da divida, passam êles ao fiador.
O fiador pode ir contra o terceiro possuidor, como o credor poderia, contra o fiador separado que garantira o
crédito e contra quem deu garantia real ao credor.
Se a dívida era de bem não pecuniário ou de bens não pecuniários e o fiador prestou quantidade de tal bem, a
sub-rogação é no direito a haver do devedor o bem ou bens que prestou, porque nisso consistia o objeto da divida
garantida. Se, em vez disso, o fiador prestou dinheiro, ou outro bem, ou outros bens, o direito do fiador também
não é a haver o que pagou, mas sim o que o devedor deveria ter pago.
Se o fiador pagou mais do que tinha de ser pago, como se, com isso, resgataria algum bem gravado pelo devedor,
não se sub-roga na totalidade do que pagou.
O que o credor despendeu para cobrar ao devedor o que êsse lhe devia se inclui na fiança, de modo que também a
sub-rogação se dá.
Compreende-se na sub-rogação o importe das perdas e danos que haja sofrido o credor e foram pagos pelo fiador.
Juros pagos são juros incluídos.
A sub-rogação pessoal opera-se mesmo se o devedor ignorava que houvesse a fiança, ou a fiança prestada pelo
que pagou.
Se o devedor era incapaz, os direitos, pretensões e ações do fiador são limitados ao que foi em vantagem do
incapaz,
pois que tal limite tinham os direitos, as pretensões e as ações do credor.
Os juros e outros interesses posteriores à sub-rogação já são juros do que o devedor deve ao fiador. A sub-rogação
só ocorre quanto aos juros e outros interesses que o fiador pagou ao credor. Quanto às despesas judiciais, as que
foram feitas com exceções derivadas da dívida garantida, se não foi o devedor que as sugeriu ou se não houve
culpa do fiador em opô-las, incluem-se no débito do fiador. Se os juros que eram devidos ao credor foram
superiores aos legais e o fiador os pagou, também são êsses os juros que o devedor deve ao fiador.
O fiador pode exigir do devedor, fora da sub-rogação, os danos que sofreu com o inadimplemento pelo
devedor; e. g., o que teve de pagar ao banco para obter a quantia necessária ao pagamento (VALERIO
CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nei diritio odierno, 466), ou o que teve de pagar a
mais para obter, no momento em que teve de pagar, o bem ou os bens devidos pelo devedor, ou o
prejuízo por ter de alienar bens próprios, para poder pagar.
Se havia pacto ou cláusula de negócio jurídico entre o devedor e o fiador quanto aos juros, para o
caso de ter o fiador de pagar a divida, tal pacto ou cláusula é estranho à fiança e à sub-rogação, de
jeito que é outro pedido que se cumula.
O fiador que vai pagar, ou que paga, tem de comunicar ao devedor que vai pagar, ou pagou. Se o não
faz e o devedor inciente paga, falta ao fiador o direito ao regresso. Até que o devedor conheça o fato do
pagamento pelo fiador, a sub-rogação, que se haja operado, é ineficaz contra o devedor.
A sub-rogação pode ser antes do vencimento, se o fiador entendeu pagar antes de se vencer a dívida.
Se é possível o pagamento parcial, também o é a sub-rogação parcial.
A sub-rogação pessoal é automática, no momento em que o fiador paga. Pode o fiador requerer que
se averbe a sub-
-rogação pessoal (Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 286, verbis “cessões,
sub-rogações e outras ocorrências”), para a eficácia real da garantia hipotecária. Se havia
penhor em mãos do credor e êsse não o entregou ao fiador, que solveu a divida afiançada, nem por
isso deixa de ocorrer a sub-rogação pessoal (sem razão, VALERIO CAMPOGRANDE,
Trattato deila Fideiussione nel dirilto odierno, 473; com razão, MICHELE FRAGALI, Fideiussione,
Mandato di credito, 398), mas a eficácia depende do consentimento do constituinte do penhor
(devedor, ou não> e da tradição da posse de titular do direito de penhor. Se foi o credor que recebeu o
pagamento e se recusa a entregar o objeto empenhado, ~quid iuris? O fiador, se teve informação
sobre essa atitude, deve depositar em consignação o pagamento, com a condição da entrega para o
levantamento, ou interpelar o credor, para que se caracterize a mora credi tons. Se o não fêz, e pagou,
pode depois exigir a entrega, ciente o devedor, ou ir com a ação da dívida que lhe foi transferida e o
pedido de citação do devedor e do credor, para a entrega do bem e a excussão.
O fiador, em virtude da sub-rogação, pode ter ações pessoais e ações reais. Contra o devedor, que dera
garantia real, tem êle ação pessoal e ação real.
Na ação do fiador contra o devedor e o terceiro pode intervir o credor, porque para se declarar a sub-rogação se
tem, antes, de declarar que o pagamento se fêz e no pagamento figurantes são o credor e o fiador. Tanto pode
atacar o fiador, como o devedor, e. g., se afirma que o pagamento não foi integral; ou os dois.
Se a sub-rogação se faz durante lide entre o credor e o devedor, o credor continua na relação jurídica e o
fiador se pode litisconsorciar. A sentença tem eficácia a favor e contra ambos. Cf. Código de Processo
Civil, arts. 55, lA alínea, 2Y parte, e 2a alínea, 2a parte, 90 e 92. Se o devedor, o credor e o fiador
consentem, o credor ou o fiador pode afastar-se.
Ao fiador podem ser opostas tôdas as objeções e exceções que seriam oponiveis ao credor (extinção da dívida,
exceção nou adímpleti contractus ou non nite adimpleti contractus, compensação, retenção). Nenhuma diferença
quanto a ser real ou pessoal a exceção relativa ao credor. A resolução ou resilição posterior ao pagamento pelo
fiador é-lhe oponível. Não se lhe pode opor que, após o pagamento, o devedor e o credor, ou o dono do bem
gravado, o credor e o devedor distrataram o negócio jurídico em que figuraram, de jeito que se desconstituiu a
garantia real.
Se a dívida é de duas ou mais pessoas sem serem devedores solidários, a sub-rogação é a respeito do que deve o
devedor afiançado, ou do que devem os devedores afiançados. Se há pluralidade de devedores garantidos, há
também pluralidade de sub-rogações. Se há solidariedade entre os devedores garantidos, o fiador, que paga, pode
ir contra qualquer dos devedores garantidos, se o foram todos. Se nem todos os devedores solidários foram
garantidos, discutiu-se se a) a sub-rogação vai contra todos (EMILIO PACIFICI-1VIAZZONI, Istituzioni di
Diritto Civile italiano, V, 2, 506; VALERLO CAMPOCRANDE, Tratt ato de lia Ride jussione nel dinitto
odierno, 487), ou 6> somente, pelo total, contra os co-devedores solidários garantidos e, pro parte, contra os não
garantidos (GIORGIO Bo, Nuovo Digesto Italiano, verbo Fideiussione, 1122; E. REDENTI, Dizionario Pratico
di Diritto Privato, verbo Fideiussione, 136; RAFFAELE Coasi, La Ride jussione, 136 s. e 141). O fundamento
teórico da solução a) estava em que o fiador, pagando, se sub-roga ao credor; portanto, há de estar na mesma
posição jurídica. Se o credor poderia exigir de todos, também o pode o fiador, sem que pudesse influir o fato de só
ter afiançado alguns dos devedores, ou, talvez, úm só. A sub-rogação ioro parte resultaria da incidência do art.
913 do Código Civil, mas contra isso há o argumento decisivo de não ser o fiador co-devedor.
O fiador que paga a dívida extingue o crédito do credor a que se referia a fiança e sub-roga-se nos direitos,
pretensões e ações do credor: a divida, a despeito da solidariedade passiva, era uma só, e a sub-rogação nada tem
com a extensão subjetiva da fiança, pois ao fiador vão os próprios direitos acessórios, pessoais ou reais. Os
devedores solidários são terceiros como os garantes; não se compreenderia que ao fiador fôssem os direitos
acessórios, e não fôsse todo o direito principal. O fiador pagou a dívida, que era de todos os devedores solidários
e, no direito brasileiro, a sub-rogação pessoal a favor do fiador é uma das espécies prevista no art. 1.495 do
Código Civil da sub-rogação pessoal a favor de qualquer terceiro interessado, que pague a divida pela qual era ou
podia ser obrigado, no todo ou em parte (art. 985, III). O que passa ao fiador, como terceiro que é, mas a respeito
de quem se redigiu regra jurídica explícita, é a dívida que foi paga, a divida tal qual era. Se, sendo simples
terceiro interessado, o pagante se sub-rogaria no crédito contra todos os devedores solidários, j,por que negá-lo ao
fiador?
Se o fiador alega que o credor deve ao devedor afiançado e há compensação, a favor do devedor tem efeito a
decisão: o fiador não pode, na ação contra o devedor, em virtude da sub-rogação, cobrar o que não pagou.
6.Ação DE ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO. O devedor pode ter pago sem saber que o fiador já pagara.
Omitira êsse a comunicacão ao devedor. Tal fiador não tem direito de regresso: não se sub-rogou ao credor.
Se o fiador paga sem ter comunicado ao devedor e não opôs ao credor as objeções e exceções que o devedor
poderia opor, pode o devedor opor ao fiador as objeções e exceções que poderia opor ao credor.
Nas espécies acima referidas, há, contra o credor, se os pressupostos se compõem, a ação de enriquecimento
injustificado, salvo se, com o pagamento, se extinguiu qualquer alegabilidade, ou se produziu sanatória.
Se o fiador pagou divida prescrita, por ignorar que ocorrera a prescrição e não ter comunicado ao devedor que ia
pagar, não tem ação de regresso, nem a de enriquecimento injustificado (Código Civil, art. 970, 1.a parte). Idem,
se há divida mutilada ou obligatio naturalis (art. 970, 2,a parte).
Se a culpa do pagamento pelo fiador, no caso de dívida prescrita, divida mutilada ou obligatio naturalis, foi do
devedor, há a ação de regresso, porque se deve interpretar que o devedor queria a solução da divida.
Se o devedor pagou e também o fiador e há a ação de regresso, o devedor tem a ação de enriquecimento
injustificado contra o credor. Se não há a ação de regresso, porque o devedor pagara antes ou inscientemente, tem
o fiador a ação de enriquecimento injustificado contra o credor.
7.REEMBÔLSO ENTRE CO-FIADORES SOLIDÁRIOS. O art. 1.493 do Código Civil põe como regra jurídica
dispositiva a da solidariedade dos co-fiadores, se conjuntamente prestaram a fiança. Pluralidade de fiadores,
fiança conjunta; conseqUência: solidariedade; salvo disposição em contrário. O art. 1.493 regula o lado externo
da co-fiança. Desde que se compõem os pressupostos do art. 1.498, o que se há de entender é que a lei considerou
tal satisfação de requisitos como estabelecimento negocial de relação jurídica entre os co-fiadores, da qual resulta
que cada um se vinculou aos demais a adimplir o que prometeram ao credor e cada um se vinculou a reembolsar
o que um dêles ou alguns dêles, juntos, hajam pago, conforme a parte que lhe toca. Os co-fiadores podem
estabelecer diferentes quotas em vez das partes iguais. O art. 1.493, 2a parte, é dispositivo.
A relação jurídica entre os co-fiadores, dita interna, pode ser somai ou não-social. VALERIO CAMPOORANDE
(Trattato de lia Fideiussione nel diritto odierno, 540) nega que seja social. Pode ser, e às vêzes ocorre que seja,
relação de comunhão. Há negócio jurídico entre êles, de que resulta a relação jurídica. Ésse negócio jurídico não
é sempre o mesmo. O art. 1.493, 23 parte, não regula a fiança; regula o fato da conjunção de fiadores, a co-fiança
em que há conjuntividade. À divida fidejussória que tem cada co-fiador perante o credor corresponde, por se
tratar de divida subjetivamente coletiva, o vinculo de cada um dos demais no que concerne ao adimplemento do
que prometeram, que foi o adimplemento pelo devedor, O fiador presta todo o devido, ou espontâneamente, ou
porque o exigiu o credor. Se de algum dos co-fiadores o credor exige a prestação, e o escolhido não adimple, os
demais não incorrem em mora, pelo princípio de que a mora não se contagia aos outros fiadores (princípio da
mora incontagiável do fiador). Aliter, se a mora é ex re, caso em que, se algum dos co-fiadores adimple, os outros
têm de ressarcir o plus que o co-fiador adimplente pagou.
A figura da co-fiança solidária é a de relação jurídica externa, em que todos se põem, indistintos, diante do credor,
e de relação jurídica interna, na qual cada um se liga a qualquer dos outros, razão por que, se um paga o todo, o
que tem de fazer em virtude da relação jurídica externa, lhe cabe
o direito a que os outros o reembolsem conforme as suas quotas (Código Civil, art. 1.495, 2a parte).
Tentou-se explicar a pretensão de reembôlso do co-fiador, para haver as quotas, pelo fato de ter o pagante
cumprido dever que não era seu. Isso só se daria se houvesse o benefício da divisão (Código Civil, art. 1.493, 2Y
parte, e parágrafo único) e o credor, em vez de cobrar a cada um o que êle teria de prestar, cobram o todo a um só,
ou um dêles espontânea-mente pagasse o todo. Aí, a despeito de não ser solidária a fiança, o fiador adimplente
presta, como terceiro, que é (Código Civil, art. 930 e parágrafo único), terceiro que pode estar interessado, no
sentido técnico, ou não, e não como fiador. Se há solidariedade, não há gestão útil, razão por que temos de afastar
as opiniões que aludem a gestão útil ou a actio negotiorum gestoruni (e. g., RAFFAELE CORSI, La
Fideiussione considerata nei rapporti dei Codice civile con i principi di diritto romano, cou la dotírina e la
giurisprudenza, 168 s.; VÂLERIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nel diritto odierno, 540). O
co-fiador solidário paga o todo porque tem de pagá-lo, para que adimpla a dívida de fiança, que é dívida de
adimplemento pelo devedor. Não geriu, sem dever, o negócio de outrem.
O reembôlso tem fundamento em regra jurídica dispositiva, que é a do art. 1.495, 2a parte, do Código Civil, O ius
dispositivum atende ao que se poderia, com maior probabilidade, ou com maior pertinência, ter convencionado, e
edicta o que há de incidir se outra vontade não se expressar em contrário. A fonte é a lei, mas a lei dispositiva. A
lei atendeu ao que mais acontece, ou o que se supôe mais próprio, se há solidariedade. O pagamento, pelo
co-fiador, daquilo que não tinha de pagar, êsse sim, pode ser gestão útil.
Se não foi preestabelecido o que se entenderia por “quotas dos co-fiadores”, na relação jurídica interna, que é a
relação jurídica de que se trata no art. 1.495, 2a parte, do Código Civil, e no parágrafo único, o que se há de
assentar é serem iguais. Na relação jurídica interna, há reeinbólso, e não sub-rogação. O fiador pagante
sub-roga-se nos direitos, pretensões e ações do credor contra o devedor e terceiros garantes; não contra os
co-fiadores. Não se falou de sub-rogação, na relação
jurídica interna: só na relação jurídica externa (Código Civil, art. 1.495, 1a parte). Nem se pode invocar o art.
985, III, do Código Civil, porque o fiador é terceiro interessado na relação jurídica entre o credor e o devedor, não
porém na relação juridica interna, em que êle e os outros são figurantes. (A possível sub-rogação convencional,
conforme o Código Civil, art. 986, 1, poderia nascer de negócio jurídico entre o credor e o fiador pagante se a
solidariedade não existisse. A do art. 986, II, fundar-se-ia em negócio jurídico entre os co-fiadores, adjecto ê sua
relação jurídica interna.) Pode ocorrer que um dos co-fiadores solidários tenha dado outra garantia pessoal ou
real. Aí, seria terceiro, contra o qual o co-fiador pagante poderia ir.
Para que seja legítimo o reembôlso, é preciso que a co-fiança seja solidária, que o co-fiador pagante não tenha
sido o único interessado no adimplemento (ou que o demandado tenha sido interessado) e que a dívida pudesse
ser exigida ao demandado.
A opinião que pré-exclui o reembôlso quando o co-fiador que pagou assumiu, animo donandi, a dívida de fiança,
tem de ser repelida (sem razão, GIORGIO Bo, Nuovo Digesto Italiano, verbo Fideiussione, 1122; LuícI Aliu,
Codice Civile, Commentario, II, 2, 420). A doação, se houve, foi ao devedor, provàvelmente promessa de pagar a
dívida afiançada, negócio jurídico estranho à relação jurídica entre o devedor e o credor
e, a fortiori, entre os co-fiadores. O que o co-fiador doou ou de que dispôs animo dúnandi, saiu do patrimônio
dêle: êle doou o que pagou pela sua quota e doou o que pagou pelas quotas dos outros co-fiadores. Se não pudesse
cobrar dos co-fiadores as quotas, êsses seriam os beneficiados pela doação, porque a dívida dêles existia e tinha
de ser paga.
O pagamento tem de ser provado e ter sido eficaz, isto é, extintivo da divida dos co-fiadores. Qualquer modo de
pagamento basta. Os co-fiadores não podem opor que o co-fiador pagante deixou de exercer a pretensão de
relevamento (Código Civil, art. 1.499). Não há dever de exercer tal pretensão, com éu sem a ação de relevamento.
O pagamento pode ser parcial. Porém não dá direito ao reembôlso o pagamento da quota que somente
corresponderia 410 pagante.
Pode dar-se que o co-fiador pagante primeiro tenha ido com a ação de regresso contra o devedor e não tenha
conseguido satisfação. Nada obsta a que exerça, depois, contra os co-
-fiadores, a ação de reembólso, pois solvera a divida ao credor. Cumpre, todavia, advertir-se que é êrro ter-se o
exercício dos direitos oriundos da sub-rogação como pressuposto necessário da ação de regresso (e. g., EMILIO
PACIFICI-MÂzzONI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 513). Se algum ou alguns ou todos os
co-fiadores deram a fiança animo donandi, tem o devedor a objeção de não dever ao fiador, ou aos fiadores
beneficiantes; mas isso não pré-exclui a ação de reembôlso que proponha o co-fiador pagante que não prestara,
animo donandi, a fiança. O que é de ressaltar-se é que não há subsidiariedade entre a ação de reembôlso e a de
regresso.
Sujeito ativo da ação de reembôlso é o co-fiador pagante. Sujeito passivo ou sujeitos passivos o co-fiador ou os
co-fiadores que devem as quotas. Se dois ou mais pagaram, tornaram-se co-credores contra os outros co-fiadores.
Se o pagante exerceu a ação oriunda da sub-rogação contra os garantes não considerados co-fiadores, o que
recebeu é deduzido do importe pago.
Os co-fiadores têm de pagar as suas quotas em tudo que pagou o co-fiador e no que resultou de despesas e custas
que êle pagou no exercício das ações irradiadas da sub-rogação ao credor.
No art. 1.495, parágrafo único, do Código Civil, explicita-se que “a parte do fiador insolvente” se distribui pelos
outros.
8.BENEFÍCIO DA DIVISÃO E REEMBôLSO DO CO-FIADOR. Se houve cláusula ou pacto de benefício de
divisão, os co-fiadores, na relação jurídica externa, afastaram a solidariedade. Cada um somente responde por sua
quota no adimplemento pelo devedor. O credor não pode cobrar o todo a qualquer dêles. Se algum
espontáneamente paga o todo, por ter interesse nisso, ou se o faz porque o credor lhe exigiu, sem direito a isso, o
todo, o pagamento pelo co-fiador é gestão útil e êle se sub--roga nos direitos, pretensões e ações do credor contra
o co-fiador, como terceiro interessado conforme o art. 985, III, do
Código Civil. Ai, a ação não é de reembôlso, mas de pagante que se sub-rogou ao credor.
O benefício de divisão há de resultar de manifestações de vontade do credor e dos co-fiadores. O regramento
interno do negócio só depende de manifestações de vontade dos co-fiadores. No que se prevê no Código Civil,
art. 1.493, há vinculação dos co-fiadores com o credor. No que se admite no art. 1.494, a vinculação é apenas dos
co-fiadores entre si.
Se foi estabelecido o benefício de divisão, sem se dizer qual a quota de cada um dos co-fiadores, entende-se que
são iguais,
O art. 1.494 do Código Civil quase só tem interesse em caso de solidariedade, porque, se há o benefício de
divisão, o que se há de considerar de aplicação interna é o que externamente se assentou, sem que isso afaste a
possibilidade de haver quotas externas e quotas internas. Pode dar-se, quer nas fianças solidárias quer nas fianças
com benefício de divisão, que, na ordem interna, só um dos fiadores se vincule a prestar o todo, ou que somente
alguns se vinculem.
Se um dos fiadores em nenhuma relação está com os outros, ou com o outro, embora se considere solidário, não
há qualquer direito dêle a ir contra os outros fiadores, ou o outro fiador. A fortiori, não se poderia pensar no art.
1.494 do Código Civil.
Se o credor renuncia à solidariedade quanto a algum dos fiadores solidários, e advém a insolvência de um dos
fiadores, a parte do fiador insolvente também se reparte entre os fiadores, incluído o fiador perante o qual o credor
renunciou à solidariedade. Aliás, tem êsse de prestar a sua quota no todo, porque o credor somente podia
renunciar a seu direito contra o fiador, e não atingir as relações jurídicas entre os fiadores.
O benefício da divisão pode ser estabelecido apenas quanto a alguns dos co-fiadores.
A cláusula de benefício de divisão pode existir a despeito de a fiança ser solidária com a dívida principal.
Outrossim, sendo a fiança com beneficio de excussão.
A cláusula de beneficio de divisão não pode ser aplicada de ofício pelo juiz.
§ 4.790. Defesa, objeções e exceções do fiador
1. OBJEÇÕES. O fiador pode alegar nulidade, anulabilidade e qualquer causa de extinção da fiança. Outrossim,
não ter a fiança a extensão que se lhe atribui. Se a fiança não foi dada a dívida prescrita, ou mesmo que venha a
prescrever, a prescrição da divida principal é alegável pelo fiador.
O credor que interpela ou promove ação contra o devedor tem de comunicar ao fiador. Assim, pode o fiador
pagar, ou introduzir-se na lide, inclusive tornando mais eficiente a defesa. Não há o dever de comunicação com
sanção legal. Não se exige forma especial à comunicação.
2.EXECUÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA CONTRA O DEVEDOR PRINCIPAL. Já sob as Ordenações
Filipinas, Livros III, Título 92, pr., e IV, Titulo 59, a execução contra o fiador da sentença proferida contra o
devedor principal só se referia ao fiador judicial. Passou isso ao art. 887 do Código de Processo Civil: “A
sentença poderá ser executada contra o vencido, seus herdeiros ou sucessores universais e contra o fiador
judicial”. O Reg. n. „737, de 25 de novembro de 1950, art. 492, § 3.~‟, retirara, a propósito da fiança mercantil, a
incidência das Ordenações Filipinas (não, a respeito da fiança civil, Supremo Tribunal de Justiça, 5 de dezembro
de 1874, O D., VI, 414 s.). Veio à balha o problema da interpretação do art. 492, § 3O, do Reg. n. 737 e da sua
incidência. A solução foi afirmativa da lez specialis, e então não podia deixar de ser assim (Tribunal de Justiça de
São Paulo, 16 de abril de 1918, 1?. dos 2‟., 25, 579; FRANCISCO DE PAULA BATISTA, Compêndio de Teoria
e Prática do Processo Civil, § 193, nota 1). Sobreveio, porém, o Código de Processo Civil, cujo art. 887 volve à
solução reinicola. Hoje, a sentença contra o devedor principal não pode ser executada contra o fiador mercantil.
Tinha de ser citado o fiador, como litisconsorte, mesmo se a espécie cabe no art. 1.492 do Código Civil, ou se é
mercantil a fiança.
8.OBJEÇÕES E EXCEÇÕES OPONIVEIS PELO FIADOR. A dívida do fiador é acessória, porque êle deve o
adimplemento pelo devedor. Não há identidade das dividas, porque prometeu que outrem faça a cêrca não é
prometer fazer a cêrca. Se o fiador não pudesse opor o que o devedor poderia opor, a divida do
fiador seria mais dura do que a do devedor. Por isso, tem-se de atribuir ao fiador a oponibilidade de tôdas as
objeções e exceções que o devedor poderia opor. Tais objeções e exceções existem para os dois devedores,
independentemente, porque quem promete que outrem faça a cêrca não promete mais do~ que a pessoa
encarregada teria de fazer.
O fiador pode opor, jure proprio, as objeções e exceções. que teria o devedor principal. Para isso, é preciso que as
objeções e exceções ainda existam. As renúncias após a data em. que o devedor teria de adimplir são inoperantes
contra o fiador.. É ineficaz, por exemplo, a ratificação de negócio jurídico anulável, após o vencimento da dívida.
O fiador pode opor a inexistência, a nulidade e a anulabilidade, a resolução ou a resilição, ou a rescisão do
negócio jurídico. Não pode opor o que se funde em incapacidade do devedor, porque existe a regra jurídica do art.
1.488 do Código Civil.
As objeções e exceções podem ser opostas mesmo após a condenação ou a condenação e execução do devedor.
O subfiador também pode opor o que o fiador poderia opor, mas, se a objeção ou exceção é atinente ao contrato de
sub-fiança, não o que só se refere ao contrato de fiança. Também êle pode opor a objeção ou a exceção, depois de
já ter sido condenado e executado o subafiançado. Também quanto ao fiador incide o ad. 1.488 do Código Civil.
O fiador tem de informar o devedor para que êsse lhe possa dizer quais as objeções e exceções que opôs ou que
ainda poderia opor. O devedor tem de pôr o fiador a par do que ocorreu e do estado atual da dívida. Se o fiador,
ciente, não opóe o que devia opor fica prejudicado no que pode, em regresso, exigir do devedor.
As exceções que o fiador não pode opor são as que têm caráter personalíssimo, como se o credor dá o título ao
devedor somente para que êsse o apresente em processo.
O fiador pode opor a imputação dolosa de pagamento ex iure creditoris (exceção de dolo) e qualquer modo de
pagamento. Assim, é alegável a compensação (cf. TORQUATO CU‟rURI, Tratiato deile Compensazioni, 232 s.;
CASIMIRO CARAVELLI, Teoria deila Compensazione, 31), a novação, a confusão, a re[i~Mrus UNU 1
>„ÇÃILIO IIj
missão, a transação, a cláusula compromissória, a evicção do bem prestado pelo credor, o pactum de non jpetendo
que não foi concluído em benefício exclusivo, explícito, do devedor, o perecimento do bem depositado ou
comodado pelo qual não haja de responder o devedor garantido, a prescrição.
Algumas objeções e exceções podem estar declaradas em sentença proferida no processo em que foi parte o
devedor, pois que se trata de coisa julgada material, a favor do devedor e pois do fiador.
Quanto à transação, uma vez que se dê a extinção da dívida, há a oponibilidade.
O fiador pode opor a inexistência, a nulidade, a anulabilidade, a expiração do prazo e o distrato ou outra extinção
da fiança. Outrossim, tudo que seja concernente ao conteúdo da fiança e a seus limites, o caráter não solidário,
pacto adjecto posterior entre êle e o credor. Além dessas objeções e exceções, há a exceção de excussão.
Não vale a cláusula ou o pacto pelo qual o fiador se possa vincular a não opor as objeções e exceções que o
devedor tenha ou venha a ter, pois seria tornar durior, mais gravosa, a fiança do que a dívida.
O fiador somente responde pelo adimplemento da divida pelo devedor principal. Foi isso o que êle prometeu.
Diz o Código Civil, art. 1.502: “O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas
da obrigação que compitam ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo
o caso do art. 1.259”.
Nenhuma dúvida pode haver quanto à oponibilidade, pelo fiador, das exceções que lhe são exceções pessoais.
A respeito das exceções que competem ao devedor principal, a lei somente se referiu às exceções extintivas. No
art. 1.502 do Código Civil fala-se de exceções extintivas da obrigação principal. O que se há de entender é que
basta a exceção que atinja a obrigação sem atingir a divida. Os legisladores raramente distinguem, na redação das
leis, o que é extintivo da dívida, o que é extintivo da obrigação e o que apenas encobre eficácia. A prescrição, por
exemplo, não extingue a dívida, nem a obrigação, salvo quando algum texto de lei explicitamente estabelece que
a prescrição causa preclusão (extinção), como se passa nos arte. 739, VI, 745, 748, e 849, VI, do Código Civil.
Todavia, o fiador ou o subfiador pode opor a exceção de prescrição da dívida principal.
Prescritas as dívidas, extinguem-se os direitos reais de hipoteca. ~Que se passa a propósito da fiança? No direito
romano, “omnes exceptiones quae reo competunt, fideiussori quoque, etiam invito reo, competunt” (L. 19, D., de
exceptionibus, praescriptionibus et praeiudiciis, 44, 1; L. 7, § 1; L. 15, pr., D., de fidejussoribus et mandatoribus,
46, 1).
No direito brasileiro, a despeito de não ser extintiva da dívida a prescrição, entende-se que o fiador pode opor a
exceção de prescrição. O art. 176, § 32, do Código Civil basta para que tal se afirme: “A interrupção produzida
contra o principal devedor prejudica o fiador”. Portanto, se supõe que o fiador possa opor a exceção de prescrição
da dívida principal.
Não se hão de confundir com as exceções os direitos ti compensação e à redibição, mas há regra jurídica especial
sobre a compensação. Quanto ao fiador e aos direitos de escolha (e. g., Código Civil, arts. 875, 884 e § 29), pode
o fiador extinguir a dívida principal com a prestação de um ou de outro objeto (se, com isso, prejudica o devedor,
é assunto para ser alegado pelo devedor principal na ação regressiva do fiador). Cf. Tomo XXIV, § 2.965, 1.
Se a mesma pessoa é fiador de duas ou mais dívidas ao mesmo credor, toca-lhe dizer qual a divida que paga, ou
que primeiro paga. Aliás, como qualquer terceiro que paga.
Ofiador não pode objetar a redibição, mas pode objetar quanto à minoração (quanti minoris). Nem objetar com a
pretensão do fiador à resolução ou à resilição (sem razão:
G. PLÂNCK, Kommentar, II, 833; H. DERNBURG, Das Bilrgerliche Recht, II, 2, 428; E. FRIEDENTRAL,
Wandelung und Mmderung seitens der Búrgen, Juristisch,e Wochenschrift, 37, 132; ~ E. PRINÇSREIM, Das
Recht des Biirgen zur Bestimmung tind Wahl, Gruckots Beitrãge, 53, 13 e 163; certos, PAUL OERTMANN e
Orro WARNEYEIO.
O fiador pode compensar a sua dívida com a de seu credor ao afiançado (Código Civil; art. 1.013, 2.~ parte).
d‟ode compensar com o que o credor lhe deva? O ad. 1.019 afasta-o. a respeito de qualquer terceiro que garanta a
divida; e diz o art. 1.013 do Código Civil: “O devedor só pode compensar com o credor o que êste lhe dever; mas
o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado”. Assim, ofiador pode alegar a
compensação do devedor contra o credor.
Não pode compensar com crédito seu o que tem, como fiador, de pagar ao credor.
O benefício de excussão dá, processualmente exceção dilatória, de direito material, razão por que, no plano
extrajudicial, é defesa que se apresenta ao credor que cobra amigàvelmente (cf. RENZO BOLÂFFI, te L‟eeezjonj
nel diritto sostanziale 102, que não o genera1iza~~ ser defesa). RAFFAELE Coasi (La Fidejus. sione, 87) achou
que há o efeito dilatório, porque faz parar o custo da ação, e o perembtérío porque, se advém a excussão , o seu
efeito é perempção. Sem razão, porque êsse efeito itão é da exceção, é do procedimento, que prosseguiu A
oposição justa da exceção impede que se dê a mora do fiador. Tambem e de refusarse a afirmativa de ser a
exceção de exdcessão óbice à procedibílidade (Luíaí ARU, Codice Civile, Commen~ tario de MARIANO
D‟AMELIO e ENRIGO FINzI, II, 2, 408).
§ 4.791. Beneficio de excussão
1.CONTRATO COM BENEFICIO DE EXCUSSÃo. O chamado benefício de excussão, beneficium excussionis,
foi criação justinianéia (Nov. 4, cap. 1), quando se eliminou a eficácia extintiva da titia contestatio O credor podia
ir contra o devedor principal ou contra o fiador: a titia contestatio com qualquer dêles extinguia a divida do
afiançado e a divida do fiador. Tal eficácia extintiva foi suprimida, de jeito que passaram a subsistir as duas
dívidas. A solução técnica do beneficium excussionis impôs-se, acentuada-a subsidiariedade da dívida do fiador.
Aliás, já havia razões morais para se demandar perante o devedor principal. Sobre beneficium excussionis, Tomos
V, § 587, 2; VI, §§ 629, 1, e 647, 1; XX, §§ 2.426 e 2.549, 6; XXI, § 2.615, 8. Mesmo ao tempo em que havia a
escolha pelo credor, podia ser pré-estabelecido o contrário. Por onde se vê que se percorreu caminho seguro,
através de mudanças de regras jurídicas no sentido de evolução técnico doutrinária
Nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 54, § 8, onde se inseriu lei de Afonso III, o benefício de excussão era
objeto de regra jurídica cogente: “... nom deve seer demandado o fiador em nenhum caso, ataa que o principal
devedor nom seja primeiramente demandado, e condamnado, e feita a eixecuçom em seus beês assi moviis, como
de raiz; e feita assi a dita eixecuçom em aquello, que se nom pode aver polos beés do principal devedor, poderá
seer demandado o fiador. E esto que dito he averá lugar no caso, quando o devedor principal for presente, a saber,
na Villa, honde for morador, ou em seu termo; e seendo cile ausente do termo, ou da VilIa, hu for morador, em tal
caso poderá ser demandado, e condamnado sem o primeiramente seer o principal devedor; pero poderá o fiador,
se quiser, aver espaço pera hir buscar o principal devedor, e trazelio a Juizo, honde com direito deve seer
demandado; e trazendo.o, entom deve seer feita a demanda contra elle, assi como se fosse presente; e nom o
trazendo, entom poderá elle dito fiador seer demandado, e condamnado sem o primeiramente seer o principal
devedor, como dito he”.
O benefício de excussão era renunciável (Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 54, § 5>. Se o foi, que “se
guarde o que assy antre as ditas partes foi acordado; porque licita cousa he, que cada hum possa renunciar o
direito introduto pola sua parte, e em seu favor
As regras jurídicas afonsinas (Livro IV, Título 54, §§ 8-5) passaram às Ordenações Manuelinas (Livro IV, Título
46, §§ 1 e 2) e às Ordenações Filipinas (Livro IV, Titulo 69, pr. E §§ 1-3).
2.PRESSUPOSTOS DO BENEFICIO DE EXCUSSÃO. Diz-se no Código Civil, art. 1.491: “O fiador
demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até à contestação da lide, que sejam primeiro excutidos
os bens do devedor”. E no parágrafo único: “O fiador que alegar o benefício de ordem a que se refere êste artigo
deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo Município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o
débito (art. 1.504) “. O beneficio de excussão consiste no direito do fiador a recusar o pagamento enquanto o credor não haja proposto
contra o devedor, sem êxito bom e completo, a execução contra o devedor principal. A execução pode ser de
sentença ou de título executivo. Ao credor cabe o ônus de alegar e provar que houve a cobrança judicial sem que
a execução satisfizesse o crédito. Se o crédito não permite a execução coativa, basta que tenha proposto, sem
resultado, a ação que competia.
A renúncia ao benefício de excussão não torna devedor solidário o fiador (RAFFAELE CORSI, La Fidejussione
90 s.; VALnIo CAMPOGRANDE, 2‟rattato deita Fidejussione nel diritto odiento, 404).
A exceção de benefício de excussão pode ser oposta se o fiador contesta a ação com fundamento na inexistência,
invalidade ou ineficácia do contrato, de que exsurgiría ou exsurgiu a dívida principal, ou do contrato de fiança. Se
a circunstância que justifica o exercício da exceção é posterior à inércia do fiador não se pode ter como se o fiador
dela tivesse desistido, como, por exemplo, se o devedor, que era insolvente, adquiriu bens suficientes para o
pagamento, ou se foi julgado que o fiador não era herdeiro do devedor principal, ou se o fiador alegou
compensação da divida com o credor e não foi julgada procedente a alegação.
O benefício de excussão pode ser oposto se o devedor principal é devedor solidário, com outro ou outros, pela
mesma prestação, o fiador só é, ex hvpothesi, de um dos devedores, mas tem direito a que primeiro se excutam os
bens do devedor principal que êle afiançou.
3.PRÉ-EXCLUSÃO E ExCLusÃo DO BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO .
Lê-se no Código Civil, art. 1.492: “Não aproveita êste benefício ao fiador: 1. Se êle o renunciou expressamente li.
Se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário. iii. Se o devedor fôr insolvente ou falido”. A regra
jurídica do art. 1.492, 1, já estava nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 54, 5; a do art. 1.492, li, veio das
Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 46, § 8. Não havia referência à solidariedade, mas a solução havia de
ser a mesma. Quanto ao art. 1.492, inciso III, as Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 54, § 4, já excluiam o
benefício de excussão se o principal devedor, fôra “pobre em tal guisa, que nom possa pagar a dita dívida”.
Primeiramente, advirta-se que o contrato de fiança pode pré-excluir o beneficio de excussão, o que depende de
cláusula contratual. A renúncia é excludente, e não pré-excludente. O fiador que tem ou teria o benefício de
excussão pode renunciar ao beneficio, em pacto adjecto, ou em modificação do contrato de fiança.
No direito brasileiro, a renúncia extintiva do benefício de excussão há de ser expressa. Não basta, como acontece
no direito alemão, que seja tácita. A renúncia expressa pode ser anterior ou posterior ao vencimento ou à
exigência do crédito ao devedor principal. Pode ser expressa no próprio instrumento da fiança.
Quem se vincula como principal devedor, ou como devedor solidário, renuncia ao benefício de excussão.
Se há declaração de insolvência ou de abertura de falência do devedor principal, extingue-se o benefício de
excussão. O art. 1.492, 1H, supôe declaração judicial de insolvência, ou abertura de qualquer concurso de
credores (concurso civil de credores, falência, liquidação coativa).
Nenhuma sanção de direito material há contra o credor que exerce ação contra o fiador, sem ter excutido, antes,
como devera, os bens do devedor principal. Não pode, oposta a exceção, prosseguir na ação, que não se extingue
enquanto o devedor principal, ou o fiador, ou terceiro não haja adimplido. Processualmente, as custas até que se
prossiga no procedimento, com a alegação e prova da excussão, são, sempre, por conta do credor.
Nem o juiz pode determinar, de ofício, que primeiro se excutam os bens do devedor principal, nem êsse pode
pedir que o faça. Pode pagar, inclusive depositar em consignação para pagamento.
O benefício de excussão é oponível na ação condenatória
e na ação executiva. Na ação declaratória proposta pelo fiador é matéria da petição inicial; „proposta pelo credor,
matéria de contestação, para que, na declaração, se inclua o jus exceptionis. Na ação declaratória, não há,
portanto, parálise do procedimento. .FIADOR QUE SUCEDE AO DEVEDOR PRINCIPAL. O art. 1.492,
1-111, do Código Civil fala de três espécies em que não aproveita ao fiador o benefício de excussão.
A primeira espécie é de benefício de excussão a que se renunciou. Supóe-se que não tenha sido pré-eliminado no
contrato de fiança, ou que não haja solidariedade ex lege, e que dêle tenha aberto mão o fiador. Na segunda
espécie, êle nunca existiu, ou deixou de existir em virtude de pacto adjecto. Na terceira, atende-se a que a
alegação e a prova da insolvência, ou da falência do devedor, já contêm alegação e prova da insuficiência dos
bens do devedor principal.
Não se falou da espécie em que o benefício de excussão se extingue pela confusão: devedor principal e fiador
passaram a ser a mesma pessoa. Todavia, a aceitação da herança a beneficio de inventário deixa exercível o
benefício de excussão enquanto permanecem distintos os dois patrimônios. o do fiador e o da herança.
5. NOMEAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR PRINCIPAL PELO FIADOR.
Lê-se no Código de Processo Civil, art. 896: “O fiador, quando executado, poderá nomear à penhora bens
desembargados do devedor; mas, se contra êle aparecerem embargos, ou oposição, ou se forem insuficientes, a
execução correrá nos próprios bens do fiador, até completo embôlso do exeqúente”. Já estava no Código
Comercial, art. 261, após o art. 258, alínea 1a, 1a parte, atenuando aliás essa regra jurídica.
O fiador, quando executado, ou por ser fiador judicial (Código de Processo Civil, art. 887), ou porque foi
condenado, ou porque o caso cabe no art. 1.492, 1, II e III, do Código Civil ou no art. 258, 1a alínea, 1~a parte, do
Código Comercial, pode nomear bens desembargados do devedor. Se aparece arresto, penhora, ou oposição, que
se julgue procedente, ou se são insuficientes os bens nomeados, a execução alcança os bens do fiador, até que se
complete o valor da dívida. Tal nomeação de bens do devedor é o atendimento processual do beneficium
excussionis do direito processual material (Código Civil, art. 1.491), e pode existir a despeito de haver
desaparecido o benefício de cognição ou discussão, beneficium ordinis.
O beneficium excussionis personalis (seu ordinis!) é o da Nov. 4, 1, 2, de Justiniano, em que se pretendeu que
tivesse vindo de PAPINIANO (L. 166, D., de verborum significatione, 45, 1, onde só se trata de fideiussio
indemnitatis!). Se o credor, que poderia demandar o devedor, demanda o fiador, êsse pode exigir que primeiro se
discuta com o afiançado (donde o nome de benefício de discussão), salvo se êsse não tem com que pagar.
O momento para o fiador exercer essa pretensão de nomear é o do Código de Processo Civil, art. 918, as vinte e
quatro horas depois da citação. No direito anterior, havia a exceção de excussão, e naturalmente ainda se pode
opor em embargos do executado, se não nomeou bens do devedor ao ser citado. Não obsta ao benefício de
excussão e à respectiva exceção o não ter o fiador, na ação de condenação, em que foi parte, oposto a sua
pretensão a serem primeiro excutidos os bens do devedor. Na ação, o benefício é beneficio de discussão (arg. ao
Código Civil, art. 1.491).
Obeneficium excussionis realis ou exceptio excussionis realis supóe a responsabilidade objetiva geral e a
especial, deixando ao devedor exigir que primeiro se executem os bens especialmente sujeitos à execução.
No Código Civil, o art. 1.491, parágrafo único, fala de bens do devedor, “sitos no mesmo município”. O Código
de Processo Civil, art. 896, excluiu tal pressuposto, no que, aliás, coincide com o Código Comercial, art. 261. A
interpretação que havemos de dar ou é a de estar derrogado, nesse ponto, o art. 1.491, parágrafo único, ou a de se
entender que primeiro se hão de oferecer os bens do devedor, sitos na jurisdição do juiz da execução. A melhor .é
a primeira. Sem razão, a dura crítica de J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito Comercial, VI,
Parte II, 602) ao Tribunal da Relação de Pernambuco, a 30 de junho de 1882 e a 9 de outubro de 1883 (O O., 33,
208 s.). O que regia era o critério do Código Comercial, art. 261, e do Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850,
art. 496, lei comercial material e lei processual comercial, que de maneira nenhuma se referiam a bens situados no
município.
O Código de Processo Civil, art. 896, resolve a questão, de certo modo também de lege ferenda.
Acrescenta-se no art. 1.504 do Código Civil: “Se feita a nomeação nas condições do art. 1.491, parágrafo único, o
devedor,
retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador, provando que os bens por êle indicados
eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da divida afiançada”.
Ao fiador principal devedor pré-exclui-se o benefício de. excussão, porque se póe no lugar do devedor, e o
mesmo ocorre se se faz devedor solidário. Ali, o lugar que era do devedor principal passa a ser, contra o fiador> o
dêsse. Aqui, coloca-se êle ao lado de devedor principal, sem graduação. Diz-se, vulgarmente, que o fiador,
principal devedor, ou devedor solidário, renunciou à exceção de excussão; mas, em verdade, e em boa
terminologia, uma vez que, ao concluir o contrato de fiança, ainda fiador não era e pois não tinha a exceção de
excussão, renúncia não há, há pré-exclusão, pela natureza da divida assumida <cf. W. GIRTANNER, Die
Biirgsckaft nach gemeinent Civilrecht, 820 s.; HERMANN HERMS, Die Biirgsckaft int 13GB., 45).
§ 4.792. Direito do fiador a recusa provisória do adimplemento
1.CONCEITO. Se o devedor principal tem em juízo ação de anulação ou outra ação, contra o credor, de que
possa resultar a desconstituição do negócio jurídico de que provém o crédito, pode o fiador recusar,
provisôriamente, o cumprimento do que prometeu, pois está em juízo a questão. O credor pode pedir arresto de
bens do fiador se há o pressuposto do art. 675, II, do Código de Proesso Civil. Não se poderia impor ao fiador o
adimplemento da sua promessa se está em discussão, perante a Justiça, o direito do credor.
Sempre que o fiador não pode ir contra o credor por só ser legitimado à ação o devedor principal, mas a sentença,
que seja favorável ao devedor principal, atingiria a relação jurídica de fiança, extinguindo-a, ou diminuindo o
quanto devido, o fiador pode recusar-se, provisôriamente, ao adimplemento. Há, aí, exceção dilatória (Orro
GIERKE, Deutsches Privalrecht, III, 780 s.; sem razão, LIPPMANN, Rúckwirkung und Rechtsgeschãft der
Aufrechungserklãrung, .Jherings Jahrbiicher, 43, 552). Cessa o direito de exceção se está prescrita a pretensão
do devedor principal, ou se êsse ratificar o ato que atacara, ou se desistiu da ação.
A oposição da exceção dilatória não interrompe a prescriçio da pretensão do credor contra o fiador.
2.PREssuposTos DO DIREITO DE RECUSA. Se o negócio jurídico principal não é inexistente, nem nulo, a
pretensão à decretação de anulação, ou de resolução, ou de resilição, ou de rescisão, ou de denúncia, ou de
impugnação, qualquer que seja, precisa ser exercida pelo devedor principal, porque o fiador não tem a
legitimação ativa, quer em direito material quer em direito processual. Todos êsses direitos a desconstituição
supôem que o direito do credor principal existe e que se tenha de desconstituir o negócio jurídico para que,
alterando-se o mundo jurídico, se elimine o direito do credor (cf. M. BRUCK, Die Redeutung der Anfechtbarkeit
f‟iir Dritte, 2 s. e 17; Orro ZIEGER, Erlduterung des ~ 770 des BGR., 11). Uma vez proposta a ação do devedor
principal, o fiador expôe-se a pagar, pelo devedor principal, o que êsse talvez não deva, e haver, eventualmente,
enriquecimento injustificado. Poderia depositar, se entende que melhor lhe fica tal atitude, para que se levante o
depósito se o devedor principal perder a ação e não pagar (dois pressupostos>, O devedor principal pode ser
constrito à penhora, se o crédito é derivado de título executivo, mas aí já se iniciou a execução e só a insuficiência
de bens justificaria que o fiador depositasse, provisôriamente, para o caso de não ser procedente qualquer
objeção, ou exceção de devedor principal, ou alegação de contradireito.
3.EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECUSA. O direito de recusa da prestação (Leistungsverweigerungsrecht)
do fiador é exercido a seu risco, pois ainda não se sabe se o devedor principal, que intentou a ação, tem razão. Se
não a tem, o fiador exerceu direito de recusa da prestação que êle não tinha.
Odireito de recusa da prestação pode ser exercido enquanto não há coisa julgada contra o devedor principal. No
direito brasileiro, não há regra jurídica como a do § 770, alínea 1a, do Códiko Civil alemão, mas é o que se há de
extrair do sistema jurídico.
No direito brasileiro, se o crédito foi obtido por ato ilícito do credor, sem que haja causa de ijulidade (e. g., por
violência, o que, no sistema jurídico brasileiro, é apenas caUsa de anula-
bilidade), não se pode dizer que se trata de exceção de devedor principal que o fiador possa opor. O que o fiador
pode exercer é a exceção de excussão, para que o devedor pri~ncipa1 ou pague, ou proponha ação, ou se defenda
na ação contra êle. (Quanto à discussão no direito alemão, em têrno dos §§ 853 e 768, CARL CROME, Svs tem,
II, 2, 878; P. LANGIIEINEKEN, Anspruch und Einrede, 320; MERTEN, Die Rechtsstellztng des Briirgen bez.
der Einreden des Hauptschuldners, 35; contra, ACHILLE RAPPAPORT, Die Einrede aus dem .fremden
Rechtsverhkiltnis, 32). Se o fiador paga, a despeito de haver a ação do devedor principal, ou da sua defesa na ação
proposta pelo credor, tem o fiador, ao trânsito em coisa julgada da sentença que deu ganho de causa ao devedor
principal, a ação de enriquecimento injustificado (Código Civil, art. 964), pois houve êrro (art. 965). Sobre isso,
OTTO MERCKENS, Das Recht des Biirgen au>‟ Verwertung vou Einwãnden aus der Person. des Mau
ptschuldners nach gemeinem Recht uná Recht des 13GB., 68 5.; HERMANN HERMS, Die R‟ilrgschaft im
13GB., 37).
Quanto à ação de redibição e à quanti minoris, há diversidade de opinião (não se confunda a questão de que aqui
tratamos com a questão da oposição das exceções do devedor principal, quer quanto à redibição quer quanto à
minoração, assunto de que já cogitamos) : a) alguns pensam que estão excluídas como defesas que, exercidas pelo
devedor principal, permitem a provisória recusa do adimplemento da dívida do fiador (R. STAMMLER, fie
Einrede mis dem Rechte eines Dritten, 31; OTTO SCHILL, fie Finredeu des B‟Urgen uná ihre Geltendmackung
im Prozess, 61; MERTEN, fie Rechtsstellung „uies Biirgen bez. der Einreden des Hauptschuldners, 35>; b)
outros só admitem a pretensão à recusa provisória se a ação ~ de minoração (II. DERNEURO, Das Biirgerlich,e
Recht, II, 350; CARL CROME, System, II, 878); c) outros atribuem ao fiador o direito de recusa, qualquer que
seja a ação proposta sobre vício do objeto (P. LANGHEINEKEN, Anspruch und Einreden, 240, entre outros).
O que se não pode negar é o direito de recusa provisória, por parte do fiador, se o devedor principal está em lide de
ação redibitória, que é ação de rescisão, ação que desconstitui. Quanto à ação de minoração do preço, o fiador
não se pode
recusar a adimplir o que o devedor principal supõe que deve e ocorre que não pode pagar (o ônus de alegar e
provar incumbe ao credor).
§ 4.793. Sub-rogação pessoal legal em regresso, contra o devedor principal
1.REPETIÇÃO, EM REGRESSO, CONTRA O DEVEDOR PRINCIPAL, DO QUE FOI PAGO PELO
FIADOR. Como no direito comum, o fiador que pagou pode ir contra o devedor principal; mas, no direito
comum, supunha-se a existência de relação jurídica, subjacente, justajacente ou sobrejacente, o que hoje não se
dá. Estabeleceu-se a sub-rogação pessoal legal, sem que se precise da figura da pretensão à cessão dos direitos do
credor. A cessão é legal, porque assim o estabeleceu o Código Civil, art. 1.495: “O fiador que pagar integralmente
a divida, fica sub-rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela
respectiva quota”. E o parágrafo único: “A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros”. Assim, se entre
fiador e devedor principal havia outro negócio jurídico, êsse pode vir a exame na defesa que o devedor possa
fazer. A cessão legal, essa, operou-se, abstratamente. No sistema jurídico do Código Civil, não é preciso que
exista qualquer relação jurídica subjacente, justajacente ou sobrejacente, e, se existe, apenas pode vir à tona, na
pendência da lide da ação de regresso.
O que se disse e se vai dizer sêbre fiador entende-se também para os fiadores posteriores e os subfiadores.
Há satisfação do credor se se efetua qualquer modo de adimplernento: pagamento, pagamento por consignação,
dação em soluto, compensação. Se o fiador deu garantia, em vez de pagar, como se constitutra hipoteca, penhor,
caução, ou anticrese, não pagou, salvo se a dívida é outra, que êle assumiu, extinguindo-se a do devedor que
afiançara. A execução contra o fiador somente é pagamento, com o efeito da sub-rogação pessoal legal (Código
Civil, arts. 985, III, e 1.495), se transitou em julgado a decisão.
A pretensão do fiador é de origem legal, razão por que os interesses exigíveis seriam os legais. Mas o Código
Civil, no
rt. 1.497, alude à taxa estipulada, se existe. Nisso, o direito brasileiro adotou solução melhor do que a seguida pela
jurisprudência alemã (cf. L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lekrbnch, II, 616), contra a qual, no direito
alemão, mesmo de lege lata, os argumentos são decisivos. Diz-se no Código Civil, art. 1.497:
“O fiador tem direito aos juros do desembôlso pela taxa estipulada na obrigação principal e, não havendo taxa
convencionada, aos juros legais da mora
O fiador pode exigir do credor, que foi satisfeito, o respeito de todos os direitos que lhe foram atribuidos em
garantia do crédito (propriedade fiduciária, créditos, penhôres, títulos caucionados). Dizemos “pode exigir”,
porque a transferência se deu como elemento do que foi objeto da sub-rogação pessoal.
No caso de renúncia do credor ao crédito da fiança, ou de renunciado da divida de fiança (Código Civil, art.
1.053), só há repetibilidade contra o devedor principal, porque êsse continua devedor. Se a remissão é das duas
dívidas (da dívida principal e da dívida de fiança), somente há a pretensão à repetição se a dupla remissão foi
doação ao fiador (L. ENNECCERUS -H. L.EHMANN, Lerbueh, II, 615).
Nos direitos, em que se dá a sub-rogação pessoal legal ao fiador, nem sempre se inclui ação que o afiançado tenha
contra o credor, porque a sub-rogação só é concernente aos direitos do credor contra o devedor principal e nos
seus acessórios (cf. 4A Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de fevereiro de 1941 (R. dos 7‟.,
131, 252). O que o fiador pode opor é o que é extintivo da dívida, da pretensão ou da ação, ou da sua eficácia.
Não há, diz-se, a sub-rogação do fiador nos direitos do credor se a fiança foi concluída animo donandi, figura,
aliás, que precisa ser esclarecida. A fiança, em si, não é animus donandi; o animus donandi há de estar em outro
negócio jurídico entre o fiador e o devedor, e o que não há é a ação de regresso contra o devedor, que pode opor a
doação. A fiança, essa, é contrato entre o fiador e o credor, e a sub-rogação pessoal resulta da lei, pelo fato do
pagamento. Se houve negócio jurídico com animus donandi, negócio jurídico e eficácia operam-se entre fiador e
devedor; portanto, apenas quanto àação regressiva.
2.EXTENSÃO DA SUB-LIGAÇÃO PESSOAL LEGAL. No Código Civil, diz o art. 989: “Na sub-rogação legal
o sub-rogado não poderá execeder os direitos e as ações do credor, senão até à soma, que tiver desembolsado para
desobrigar o devedor”. Só há sub-rogação pessoal até onde foi o adimplemento. Se assim não fôsse, haveria
invasão do patrimônio do credor; e a sub-rogação pessoal não pode ser com prejuízo para o credor. Se algo ficou
para ser pago, sem que o fiador assumisse a dívida do restante, o fiador só adquiriu parte do crédito,. parte que
corresponde àquela que êle satisfez. No art. 990,.
o Código Civil cogita da posição jurídica do credor e do fiador, resultante do adimplemento parcial: “O credor
originário, só em parte reembolsado” entenda-se: só em parte satisfeito “terá preferência ao sub-rogado, na
cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro
dever”. Se existem garantias, a parte do fiador vem após à que ainda é devida ao credor. (O credor satisfeito
quanto ao crédito afiançado nenhuma preferência tem, com invocação do art. 990 do Código Civil, a propósito de
outras dívidas não afiançadas, ou afiançadas por outro contrato.)
A sub-rogação pessoal legal conforme os arts. 986, III, e 1.495 do Código Civil de modo nenhum atinge o que há
de relação jurídica ou de relações jurídicas entre o devedor principal e o fiador, inclusive se houve prestação ao
fiador para que êle afiançasse, ou se em verdade houve mútuo ao fiador. O devedor principal tem as objeções e
exceções contra o fiador, exercidas aí como exceções.
Pode dar-se que o fiador tenha feito despesas, e. g., para obter documentos necessários à eficiência da
sub-rogação pessoaI. O fiador que tem de viajar para prestar o que o devedor teria de prestar tem direito às
despesas e à indenização dos danos sofridos.
Se o fiador transigiu com o credor e há liberação do devedor principal, tem o fiador pretensão a repetir o que
prestou ao credor em virtude da transação.
8.ENTREGA DE DOCUMENTOS E DADOS. Deve o credor, que recebe do fiador, entregar-lhe todos os
documentos que sirvam à ação de regresso, que haja de propor o fiador, ou para a exigência extrajudicial, em
virtude da sub-rogação pessoal legal. Se a transferência de algum direito, pretensão, ação ou exceção depende de
alguma formalidade, tem o credor de promovê-la. Os documentos são todos os que servem à exigência
extrajudicial ou judicial e à defesa do sub-rogado pessoal legal contra objeções e exceções do devedor principal,
inclusive o instrumento da fiança. Se a dívida não foi totalmente extinta, o credor só tem o dever de entrega do
que não lhe seja necessário à cobrança do restante, mas, ainda assim, deve permitir ao fiador obter certidões ou
públicas-formas. Se há dois ou mais fiadores e cada um pagou a sua parte, nenhum tem direito aos originais, mas
sim à quitação com referências e à apresentação para as públicas-formas, porém as tiragens das certidões e das
públicas-formas são pagas pelo fiador, e não pelo credor. O fiador pode exigir os documentos, para que pague, em
vez de os exigir depois do pagamento. Se o credor se recusa a dar-lhos, incorre em mora.
A sub-rogação pessoal legal opera-se automâticamente, quer o adimplemento pelo fiador tenha sido voluntário,
quer em virtude de execução, quer tenha sido com o objeto devido pelo devedor principal, quer por efeito de
dação em soluto, compensação ou outro qualquer meio, inclusive a assunção da dívida alheia sem cumulação.
Quanto aos juros, rege o art. 1.497 do Código Civil (sem relevância a redação do art. 989, onde se diz que, “na
sub-rogação legal, o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor serão até à soma que tiver
desembolsado para desobrigar o devedor”, pois o quanto apanha os juros e a pena convencional; ef. art. 988).
4.SUBFIÂDOR E HETROFIADOR. A dívida do subfiador é acessória da dívida do fiador. Se o subfiador paga
a dívida principal, sub-roga-se aos direitos do credor e a dívida do fiador extingue-se.
Diferente é o retro fiador (Rflckbtirge). tsse garante ao fiador que o devedor adimplirá. Se satisfaz a seu credor,
que é o fiador principal, o crédito que êsse tenha ao reembôlso pelo devedor principa] se transfere ao retrofiador.
5.SUB-ROGAÇÃO PESSOAL LEGÂL E DtREITOS DE GARANTIA.
No direito brasileiro, o art. 985, III, do Codigo Civil tem extensão que pode surpreender aos juristas de outros
sistemas jurídicos: o dono do prédio hipotecado, ou do móvel empenhante, ou por outro modo gravado de direito
real de garantia, a favor da dívida de outrem, se paga, está na classe dos terceiros interessados que pagam a dívida
pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. O direito civil alemão não alcançou a mesma extensão.
Sobre a cessio legis ou sub-rogação pessoal legal, no direito das coisas, Tornos III, § 277, 4; XIII, § 1.483, 3; XX,
§§ 2.427, 6, 2.509,2, 2.516, 2, 2.584, 1; 2.559,2; no direito das obrigações, XXI, § 2.611, 1; XXII, § 2.756, 1, 3;
XXIII, §§ 2.627, 2, 2.844, 2; XXIV, §§ 2.907, 2, 2.909, 6, 2.959, 2.960, 3; XXIX, §§ 8.412, 18, 3.428, 7, 3.484, 1;
XXX, §§ 3.476, 1, 8.481, 2; XXXIV, § 3.895, 5; XLII, § 4.587, 4.
O fiador sub-roga-se ao credor, na titularidade dos direitos reais de garantia, O terceiro que satisfaz o credor,
como dador da garantia real, sub-roga-se ao credor no crédito contra o fiador. No direito brasileiro, não há
sub-rogação pessoal se a garantia pessoal ou real é de data posterior à da garantia dada por aquêle que pagou. Se
são da mesma data e é de interpretar-se que se estabeleceu solidariedade, n~o há pensar-se em divisão (sem razão,
mesmo no direito alemão, FRITz SCHULZ, i5iekgrif / und Weitergriff, 62 s.). O devedor, nos direitos reais de
garantia, não tem direito de excussão (Tomo XX, § 2.549, 6).
O interesse do fiador, em re1ação aos direitos de garantia, que tem a dívida, é relevante, pois, se paga ao credor e
o devedor principal se torna insolvente, pode satisfazer-se mediante os direitos de garantia. Mais direitos de
garantia, menos risco. Por isso, se o credor renuncia a direito de garantia, libera-se o fiador. Não importa se os
direitos de garantia são anteriores ofl posteriores à fiança. Se o bem gravado de direito real pertence ao devedor,
nenhum problema surge, porque o fiador, que pagou, se sub-rogou nos direitos do credor. Se o bem gravado de
direito real pertence a terceiro, aparecem pontos delicados que têm merecido longas discussões, diante e a
propósito de algumas regras jurídicas.
Assim, E é devedor a A e C o fiador; 111 deu em hipoteca, ou em penhor, a A bem imóvel seu, ou bem móvel seu.
Se C, fiador, paga a A, sub-roga-se C nos direitos de A contra D, passando, portanto, a titular do direito de
hipoteca ou de penhor,de jeito que se reforça o seu crédito contra A. Se quem paga a A é D, proprietário do bem
hipotecado ou empenhado, o que lhe é permitido (Código Civil, art. 985, III; Tomos XX, §§ 2.427, 6, 2.509, 2,
2.516, 2, 2.584, 1, 2.559, 2; e XXI, § 2.611, 1), o crédito contra B e contra C transmite-se a D Assim,
redargúiu-se, quem primeiro paga ao credor pode sempre ir contra o outro garante, ou contra os outros garantes,
mas, se insolvente o devedor, teria o garante último de sofrer sôzinho o dano.
Segundo alguns juristas (JAMES BREIT, Zur Lehre vom Eintritte des Búrgen und des Drittverpfãnders in die
Rechte des befriedigten Glãubigers nach BGB., Gruchois Beitrage, 48, 283 s.; FR. LEONHARD, Resonderes
Sohuldreoht,. 826; MARTIN WOLFF, Sachenrecht, Lehrbueh, III, 14.~ ed., 512; HARRY WESTERMANN,
Lehrbuch des Saekenreekts, 484), a relação jurídica entre êles teria de ser a mesma que há entre co-fiadores: cada
um estaria no dever de dar ao outro a parte que lhe correspondesse, pois dêsse jeito se lhe transmitiram o crédito
e o direito de garantia.
Não assim, E. STROHAL (Zur Lehre vom Eintritt des BUrgen und des Drittverpfãnders in die Rechte des
befriedigten Gdãubigers nach dem BGB., Deutsche Juristen-Zeitung, VIII, 378 s.), EMn.m~
BRAUN-MELCI-IIOR (Gesetzlicher Rechtsfibergang und Ausgleich hei mehrfacher Drittsicherung Arokiv filr
die oivilistisehe Praxis, 182, 175 s.), L. ENNECCERUS-H. LEHMANN (Lehrbuck, fl, l4.~ ed., 774), PAUL
OERTMANN (Reeht der SchuldverMltnisse, II, 8), PA1JANDT (Riirgerliekes Gesetzbnch, 740 s.) e outros. Essa
segunda opinião sustenta que o fiador pode pagar-se integralmente em virtude da ação e regresso contra o
devedor principal e ao proprietário do bem hipotecado, ou do bem empenhado, falta a ação de regresso contra o
fiador, de jeito que o garante real é que tem de sofrer a insolvência do devedor principal. São argumentos a favor
dessa solução: o fiador e o garante real não são devedores solidários, entre si, à diferença do que ocorre com os
co-fiadores; a lei tratou os fiadores com especial atenção, devido à natureza do negócio jurídico, tanto mais
quanto êles expõem o seu patrimônio, e não só um bem, ou alguns bens, que o direito real grava. A melhor
opinião é a última.
A propósito da questão, E. STROnÃI.. (Der gesetzliche tYbergang der Sicherungsrechte des Glãubigers auf den
zahlenden Btirgen in neuer Beleuchtung, Jherings JahrUicker, 61, 59 s.), BARKHAUSEN (Der gegenseitige
Regrees mehrerer Sichersteller flir dieselbe Forderung, 33 s.) e OELLflS (Der Ausgleich bei mehrfacher
Forderungssieherung, 57 s., 74 s.).
6.RESPONSABILIDADE A MAIS DO DEVEDOR PRINCIPAL. Lê-se no Código Civil, art. 1.496: “O devedor
responde também ao fiador por tôdas as perdas e danos que êste pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança”.
§ 4.794. Ações de preceito cominatârio
1.PRECEITO COMINATÓRIO CONTRA O AFIANÇADO. Lê-se no Código Civil, art. 1.499: “O fiador, ainda
antes de haver pago, pode exigir que o devedor satisfaça a obrigação, ou o onere da fiança, desde que a dívida se
torne exigível, ou tenha decorrido o prazo dentro do qual o devedor se obrigou a desonerá-lo”.
No Código de Processo Civil, art. 802, 1, dá-se ao fiador a ação cominatória (ação de preceito cominatório) “para
exigir que o afiançado satisfaça a obrigação, ou o exonere da fiança”.
À pretensão de direito material criada pelo Código Civil, art. 1.499, corresponde a pretensão de forma processual,
segundo o art. 302, 1, do Código de Processo Civil. O art. 1.499 do Código Civil de maneira nenhuma a continha
quando estatuiu que “o fiador, ainda antes de haver pago, pode exigir que o devedor satisfaça a obrigação, ou o
exonere da fiança, desde que a dívida se torne exigível, ou tenha decorrido o prazo dentro do qual o devedor se
obrigou a desonerá-lo”. Foram os Códigos de Processo estaduais de São Paulo (ad. 795, 1) e do Espírito Santo
(art. 600), que estabeleceram a pretensão cominatória, a fim de que o fiador, a que se refere o Código Civil, ad.
1.499, não ficasse sujeito ao processo ordinário. O fiador legitima-se ativamente se: a) o devedor não satisfez a
obrigação; b) não o exonerou dentro do prazo em que se obrigou a fazê-lo; e) a dívida se tornou exigível; d) o
fiador ainda não pagou a dívida afiançada, pois, no caso contrário, estaria sub-rogado nos direitos do credor e
talvez com pretensão de executar. Pergunta-se se o fiador solidário com o devedor pode exercer a ação
cominatória. O conceito de fiança é de direito material; outrossim, o de solidariedade. A questão nasce, pois, no
direito civil (com razão, AMORIM LIMA, Código de Processo Civil, II, 92). CLóvís BEVILÁQUA respondia
que ao fiador solidário não assistia a pretensão do art. 1.499 do Código Civil. Luís MACHADO GUIMAUXES
(ComentáriOs, IV, 166, 167) discordou, por ser externa a solidariedade, no caso, e não interna, não havendo a
pluralidade de devedores. Observemos, desde logo, que a afirmativa de CLã-vis BEVILÁQUA raríssimas vêzes
acertaria e a de seu opositor algumas vêzes falharia. A acessoriedade da fiança como instituto e a principalidade
da obrigação solidária não bastam como argumentos. O problema tem de ser pôsto noutros termos. Cumpre partir
da distinção entre: (1) beneficio de discussão (Código Civil, art. 1.491) ou de ordem, a que renunciou tanto o
fiador que se obrigou como principal pagador quanto o que se obrigou como devedor solidário (Código Civil, art.
1.492,11) ; e (2) o direito de regresso (Código Civil, art. 1.496). A pretensão persiste no caso (1); não persiste no
caso (2), sendo de notar-se que há diferença entre principal pagador e devedor solidário, que se não reflete, só por
si, na questão. O fiador que renuncia à exceção do benefício de ordem pode exercer a sua pretensão cominatória
(cf. 3‟. v. Staudingers Komrnentar, II, 2, 1522; PAUL OERTMANN, Kommentar, 956; O. PLANCK-H. SIBER,
Kommentar, II, 2, 842). Quem a perde é o fiador que não tem mais regresso contra o devedor (PAUL
OERTMANN, II. SínEa; OTTO WARNEYER, Komment ar, 1, 1280). Até que ponto as declarações de vontade
do devedor, nas relações com o fiador, excluiram o direito de regresso, é questão de interpretação do negócio
jurídico entre êles. É possível inesmo, pôsto que raro, a exclusão da pretensão de regresso sem a da pretensão da
sub-rogação (duas pretensões!), ou vice-versa. No plano do direito material subsistem, de regra. No plano da lei
processual, a pretensão cominatória é ligada A de regresso por fôrça do art. 802, 11 (verbis “que o afiançado
satisfaça a obrigação ou o exonere da fiança”), do Código de Processo Civil, que bem levou em conta a natureza
do preceito cominatória. Isso não quer dizer, de modo nenhum, que cesse a pretensão de regresso, se ocorre a
sub-rogação pessoal; trata-se de dois efeitos de direito material compatíveis. Por exemplo: se o fiador pago pode
cobrar em sua posição própria ou na de sub~rogado do credor; se, tendo proposto a ação cominatória, pode pagar
e continuar aquela, porque a exigência processual de não ter sido ainda paga a dívida resulta do praeceptunt da
cominação, e essa já produziu efeitos.
No caso do art. 802, 1, do Código de Processo Civil, há a alternativa processual da obediência ou da pena, como
em tOda cominaçãO, que é mandado sancionado. Mas a alternativa da obediência parte-se em nova alternação,
que é a de direito material (satisfazer ou exonerar o fiador). A. distinção entre o dilema processual e o dilema
interior a uma das formas de obediência tem grande valor teórico e prático. Sendo essa de direito material, um dos
termos pode ter deixado de existir, ou nunca ter existido, sem que falte ao fiador a pretensão processual. Assim, se
o contrato entre fiador e afiançado, ou a própria carta de fiança, exclui a exoneração, não cabe a alternativa
material, pOsto que, exigível a dívida, possa o fiador exercer a sua pretensão processual a que o devedor solva.
Se a fiança foi prestada sem o assentimento do devedor (Codigo Civil, art. 1.484), o fiador não tem pretensão a
qual--quer ato ou fato do devedor. Nenhuma relação de material existe entre êles. Alguns autores lhe atribuem,
com razão, a actio de iii rem verso, que supõe a versão do pagamento, e opera segundo os princípios próprios.
Não ter assentido pode ser defesa do afiançado contra quem se lançou o cominatório.
Se a fiança faz dependente de aquiescência do credor a exoneração, ou se o fiador é principal pagador, o fiador
deve pedir que se mande citar o credor, sem que se trate de litisconsórcio passivo necessário (igualdade de
situações processuais dos réus). O juiz não tem de mandar citá-lo (Código de Processo Civil, art. 91). O autor é
que dirige a sua demanda. Não se pedindo a citação do credor, interessado no pleito, a coisa julgada material não
o atinge. O credor, interessado, pode intervir, conforme a figura que resulte do seu interesse (Código de Processo
Civil, arts. ES, conexão de causas, afinidade de questões, e 93).
Os comentadores do Código de Processo Civil estiveram a discutir qual a sanção do art. 1.499 do Código Civil, no
caso de de não poder o devedor exonerar o fiador, ou de não querer fazê-lo. Essa questão, de direito material, nada
tem com o art. 802, 1, do Código de Processo Civil. Os arts. 879, 1.059 e outros do Código Civil é que respondem.
A cominação do art. 802, 1, é a pena contratual, ou a que fôr pedida pelo autor e daferida pelo juiz. A aplicação
exata do Código de Processo Civil ganha em se trazerem sempre nítidas a esfera do direito material e a dêle.
Antes de pagar, pode o fiador, que foi dado pelo devedor, ou por êle admitido, em virtude de alguma relação
jurídica, inclusive gestão de negócios alheios sem outorga, exigir que o devedor solva a dívida já exigível, ou o
exonere da fiança. Outrossim, se, embora não exigível a dívida, decorreu o prazo dentro do qual o devedor
prometeu desonerá-lo. Essa é que é a interpretação do art. 1.499 do Código Civil. A alternativa “satisfazer a
dívida ou desonerar o fiador” mostra, de si mesma, que se supõe ter o devedor onerado o fiador. Se há de
desonerá-lo é porque o onerou, O art. 1.499 tem como um dos elementos do suporte fáctico a existência de relação
jurídica
de mandato, de locação de obra, ou outra entre o devedor principal e o fiador. Se êle prometeu ao credor dar
fiador e indicou alguém, que contraiu a dívida de fiança, o fiador atendeu a pedido dêle, que, qualquer que seja a
relação entre êle e o devedor, permite a invocação do art. 1.499.
Mesmo se o fiador não tem o benefício de excussão, toca-lhe o direito do art. 1.499 do Código Civil. Não o
devedor solidário.
Se o fiador está na situação do art. 1.499 do Código Civil, a ação cominatória que lhe incumbe é a do art. 802, 1,
do Código de Processo Civil, regra jurídica que supóe estar o devedor principal adstrito a ter fiador, embora lhe
falte explicitude. Lamentável a confusão em que incorreu a 1a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo,
a 30 de março de 1954 (cf. DIMAS R. DE ALMEIDA, Repertório de .Jurisprudência do Código Civil, III, 579
s.).
2.PRECEITO COMINATÓRIO CONTRA O CREDOR. O Código de Processo Civil, art. 802, II, diz que
compete ao fiador ação de preceito cominatório para que o credor acione o devedor. Desde que possa o credor
exigir do devedor afiançado
1
que preste alguma coisa, ou faça, ou se abstenha de algum ato, seu ou de terceiro, devendo pelo inadimplemento
responder o fiador> tem êsse pretensão cominatória contra o credor, para que o exija. A pretensão cominatória é
processual; por se não haver prestado atenção a isso, tem-se até sustentado que o art. 802, II, do Código de
Processo Civil, é lei natimorta, porque o Código Civil não assegurou ao fiador êsse “direito de exigir que o credor
acione o devedor” (J. M. DE CARVALHO SANTOS, Código de Processo Civil, IV, 248), ou levantado a dúvida
quanto à existência dessa “ação” (AMORIM LIMA, Código, II, 99). Trata-se de pretensão processual
cominatória, como existem a pretensão executiva e tantas outras criações das leis pré-processuais, em seu terreno
próprio. Tal pretensão não precisava ser de direito privado (R. POLLAK, Svstem, 8), pois também é o caso de
alguns textos do Código de Processo Civil e da declaratória de falsidade ou autenticidade de documentos (art. 29,
parágrafo único). Na elaboração do Projeto do Código de Processo Civil do Estado de São Paulo, ESTÉVÃO DE
ALMEIDA propusera essa pretensão pré-
-processual, inspirado em DIAS FERREIRA (Código, II, 817). Aliás, antes do „Código Civil brasileiro, estava
em vigor essa cominação. Trata-se de processo provocatório. Os processos provocatórios vêm-nos de
deliberação do Senado lisbonense, a 22 de dezembro de 1558, e da Lei de 80 de agOsto de 1564 (Ordenações
Filipinas, Livro III, Título 11, § 4: .... . todo aquêle que difamar outro sObre o estado de sua pessoa, como se
dissesse que era seu cativo, liberto, infame, espúrio, incestuoso, Frade, Clérigo, ou casado, e em outros casos
semelhantes a êstes, que tocarem ao estado da pessoa, de qualquer qualidade que a causa do estado seja, pode ser
citado para vir citado ao domicílio do difamado, que o manda citar. E nos ditos casos, em que o assim citar, lhe
fará assinar tênno, para que o demande, e prove o defeito de estado, porquanto a tal questão do estado é
prejudicial à pessoa, e não sofre dilação, nem deve estar impendente ...“). SObre a ação provocatória,
Comentários ao Código de Processo Civil, V, 2,a ed., 18 s.
O exercício da ação do fiador, fundada no art. 802, II,. do Código de Processo Civil, não impede que o réu-credor
exerça a ação noutro juízo. BARTOLOMEU SoÇÇNo, nos Consilia (III, c. 94), dá-nos a solução nesse sentido,
atribuindo-a, parece, a ANDRÉ BARBATIA e a Joxo BATISTA DE S. SEVERTiNO, que foi JoÃo BATISTA
CACCIALUPUS, professor de direito (sObre êle, F. VON SAvIONY, Geschichte, VI, 324 5.; sObre o “praecepto
rem meum” do texto ser ANDRÉ BARBATIA, cp. TH. MUTEER, De Origine Processus Provocatorii, 140,
nota 806).
Os remédios que o direito comum estabeleceu, remedium ex lege dii famari, que supunha “fama” sem razão,
donde a declaração negativa, e remedium ex lege si contendat, ainda tinham como qualidade específica, na
classificação das. ações (e das sentenças), a provocatio ad agendum ou a impositia silentii. Havia, portanto, um
plus, eventual, que a simples ação declaratória do art. 29, parágrafo único, do Código de Processo Civil, de modo
nenhum comportaria; nem a Lei dii famari e a Lei si contendat tiveram qualquer influência na extrinsecação legal
e mesmo doutrinária da ação declarativa típica (.1. WETSMANN, fie Feststellungsklage, 2, 42, 59, 99). Os
Glosadores, interpretando mal as duas leis, criaram o preceito cominatório do art. 802, II, do Código de Processo
Civil, entre outros, cuja generalidade, provinda do direito comum, havemos de repelir, por isso mesmo que temos
a ação do art. 29, parágrafo único. Essa está para a do art. 802, II, como a ação de condenação está para a
executiva de sentença (cf. art. 290, verbis “valerá como preceito”). Enquanto a ação declarativa provém do
mesmo pensamento que o dos praeiudicia romanos (cp. OTTO WENDT, Die Eeweislast bei der negativen
Feststellungsklage, Archiv fi.ir die civilistische Praxis, 70, 23 s.), as provocativas, oriundas da Glosa, são ações
cuniuladas de declaração e de condenação, sendo essa “condicionada” (eventual).
Ofiador principal pagador e o fiador solidário com o devedor, bem como o que renunciou expressamente ao
beneficio de ordem, estão privados da ação do art. 302, II, do Código de Processo Civil. Bem assim no caso de ser
insolvente ou falido o devedor (Código Civil, art. 1.492, II). Isso obsta ao benefício de ordem e obsta a que o
fiador provoque a atuação do credor, pOsto que êsse possa, com a sua inércia, prejudicá-lo, se lhe não cabe
pretensão de regresso contra o afiançado (e. g., se êsse não consentiu na fiança). Aliás, se o benefício de ordem,
no caso do art. 1.492, II, do Código Civil (insolvência ou falência do devedor), desaparece, depende de
interpretação do contrato, porque o art. 1.492 é dispositivo. Perdendo o benefício de ordem e não tendo pretensões
fundadas nêle, ou no art. 302, II, do Código de Processo Civil (o contrato pode dar interesse ao fiador fora do
beneficio de ordem e êsse interesse basta), ainda pode o fiador, se o credor abusou do seu direito (e. g., se,
sabendo da solvência do devedor ao tempo da exigibilidade, adiou, abusivamente, a cobrança), propor a ação de
abuso do direito material. A ação do art. 802, II, é exceção ao Invitus agere veZ accwsare nemo cogatur. Já no
direito anterior, o fiador tinha acão contra o credor para uso da ação contra o devedor, exatamente quando êsse
começava a dilapidar os bens (P. 3. DE MELO FREIRE, Institutiones, IV, 89:
“Fideiussor quoque contra creditorem recte agit, ut actionem adversus principalem debitorem instituat, vel eum a
fideiussiones obligatione liberet, quoties ex dilata actione periculum imminet amittendae exceptionis, veluti
excussionis, quod fit, si debitor diu in solutione cessaverit, vel sua bona dilapidaverit”). Se o credor, antes de
vencida a divida, puder ir contra o devedor (e. g., Código Civil, arts. 102, 105, 110, 954, II e III, e parágrafo
único), cabe ao fiador a ação do art. 802, II, do Código de Processo Civil. Exemplo: “Fideiussor similiter, cujus
bona ad instantiam creditoris sequestro fuerunt supposita, contra eum recte agit, ut personalem instituat sub poena
remoti sequestri. Et hoc iure in foro utimur” (P. J. DE MELO FREntE, Institutiones, IV, 89). Já prevíamos êsse
caso.
(Dissemos acima que o fiador principal pagador está excluído da legitimação ativa, no caso do art. 802, II, do
Código de Processo Civil. No sistema do direito material brasileiro, o fiador, que é principal pagador, pôe-se na
mesma plana que o devedor, de modo que nasce para o credor a eleição. Tal construção nos vem de FERNANDO
AntEs DE MESA, jurista português, na var. 2, cap. 18, ns. 13, 19, 20, dos seus Variarurn Resolutionum et
Interpretationum luris libri tres, cuja 1a edição saiu em 1648. Dêsse teórico à cuja capacidade de construção
jurídica se há de render homenagem, comparando-o a MANUEL SOARES DA RIBEIRA e JúI~O
ALTAMIRANO, P. J. DE MELO FREIRE, Historiae Juris, 95, escreveu: “Non multum ei genio ac eruditione
distat ...“).
§ 4.795. Fiança mercantil
1.CLASSIFICAÇÃO DA FIANÇA COMO FIANÇA MERCANTIL. Os pressupostos para que a fiança seja
mercantil são dois:
a) ser comerciante o afiançado; b) derivar de negócio jurídico comercial a fiança (Código Comercial, art. 256).
Não se distingue a qualidade do devedor comerciante. Pode ser matriculado, ou não; pequeno, ou grande
comerciante.
2.DIREITOS DO CREDOR A QUE SE DEU A FIANÇA. Se não foi estipulado que o fiador teria o benefício de
excussão, pode o credor exigir, direta ou judicialmente, do fiador o adimplemento da sua promessa, antes de o
exigir do devedor principal o adimplemento da sua. A sentença condenatória do devedor principal não pode sei;
executada contra o fiador, salvo o judicial (antes, o derrogado Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 492,
§ 39), se não foi litisconsorte o fiador. O art. 492, § 39, do Reg. n. 787 continha regra jurídica de direito processual
civil, que foi substituida pela regra do Código de Processo Civil, art. 887: “A sentença poderá ser executada
contra o vencido, seus herdeiros ou sucessores universais e contra o fiador judicial”. O fiador qualquer fiador que
tenha pretensão a cobrar-se se pagou a dívida do réu, pode servir-se, ipso iure, da sentença, e através dela exercer
a sua pretensão a executar, excluída assim (pulada), a ação de condenação que normalmente teria de opor. Não há
substituição subjetiva processual do credor pelo devedor, nem inserção do fiador na relação jurídica processual,
ou na sentença. A realidade é tOda outra. No plano do direito material, o fiador, que paga, sub-roga-se nos direitos
(e pretensões ) do credor (Código Civil, art. 1.495); de modo que se sub-roga na pretensão a executar, donde
ser-lhe dado propor a ação de execução de sentença, ou da sentença, um de cujos efeitos é o executivo. Tal regra
jurídica é útil ter-se escrito. Mas seria de revelar-se no Código de Processo Civil, ainda se não estivesse. No título
sObre as ações executivas do art. 298 do Código de Processo Civil não se incluiu princípio como o do art. 887,
parágrafo único; e também lá o fiador, que paga, pode continuar contra o devedor a ação que o credor intentara.
Oart. 887, parágrafo único, do Código de Processo Civil refere-se a qualquer fiança. Se a sentença foi executada
contra o fiador judicial, tem êle de sofrer a execução; a sub-rogação só se dá quando se reputa solvida a dívida, de
modo que não está na mesma situação do fiador que pagou a divida, para executar, com a sentença, o devedor.
Sem razão, AMILCAR DE CASTRO, Comentários, X, 42 (não saberíamos como construir, processualmente,
êsse réu-autor, com os prazos do processo da execução, etc.). Se êle paga ao ser citado no prazo adequado
(Código de Processo Civil, arts. 918, 992, 998 e 917), é diferente: é fiador, que pagou, como qualquer outro.
3.FIANÇA MERCANTIL E DIREITOS DO FIADOR. No direito comercial brasileiro, a fiança é solidária. O
fiador é co-devedor. No art. 258, 1~a alínea, 13 parte, estatui-se: “TOda a fiança comercial é solidária”; de modo
que, a despeito da acessoriedade, não se entende tratar-se de dívida subsidiária. Acessoriedade sem
subsidiariedade. Algo como a fiança do direito romano antes do beneficium excussionis. O fiador mercantil
se não foi estabelecido o contrário em cláusula contratual, ou em pacto adjecto não tem o beneficio de excussão.
No direito alemão, o § 849 do Código Comercial alemão também diz que a fiança mercantil não dá a exceção de
pré-demanda (Einrede der Vorausklage) e a jurisprudência tem visto na regra jurídica ins dispositivum, e não ins
cogens. Os contraentes podem estipular que o fiador tem o benefício de excussão. Se tal ocorre, incide o § 771 do
Código Civil alemão, a que corres~ ponde o art. 1.491 do Código Civil brasileiro (cf. REINHARD FREIIIERR
VON GODIN, Kommentar zum Handelsgesetzbuch, III, 2.8 ed., 185). A razão para se inserir regra jurídica como
a do art. 258, alínea 13, 1.8 parte, do Código Comercial brasileiro, ou do § 849 do Código Comercial alemão, está
em que o comerciante, supõe -se, não afiança por amizade, nem se pode saber até que ponto foi o seu interesse em
afiançar.
Na jurisprudência brasileira, não se levantou a questão da dispositividade do art. 258, alínea 1.8, 1.8 parte, do
Código Comercial. Os acórdãos apenas aplicam o art. 258, alínea 1.2, ~ parte, do Código Comercial, em vez do
art. 1.491 do Código Civil, por se tratar, em cada caso, de fiança mercantil (e. g., Supremo Tribunal Federal, a 21
de junho de 1984, 1?. de D. C., VI, 43; R. dos T., 98, 590, a despeito do adjetivo “inadmissível”, que se empregou
sem propósito de classificação da regra jurídica; Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de março de 1896, R. M.,
III, 430; 18 de maio de 1982, R. de D., 105, 376; 5.~ Câmara Civil, 30 de janeiro de 1935, 1?. dos 2‟., 95, 407;
2.2Câmara Civil, 6 de novembro de 1945, 161, 609). J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito
Comercial, VI, Parte II, 594) reputava a fiança solidária a única admissível no direito comercial. Mas sem razão,
tanto mais quanto o Reg. n. 737, a 25 de novembro de 1850, art. 591, foi
e e, como regra jurídica de direito material comercial, não derrogada de explicitude notável: “O benefício de
ordem pode ser alegado pelo fiador ou sócio nos termos dos arts. 497, 498 e 499”. A referência aos arts. 497, 498
e 499 do Reg. n. 737 somente concerne ao benefício de ordem que tem o sócio (Código Comercial, arts. 350, 292
e 483). Quanto ao fiador, o Reg. n. 737 não podia citar qualquer artigo do Código Comercial ou do próprio Reg. n.
737, porque o art. 258, alínea 1.2, í.~ parte, do Código Comercial sOmente falou de pré-exclusão do beneficio de
excussão ou de ordem. O Reg. n. 787, com o art. 591, deu a interpretação acertada do direito material: a de ser de
ins dispositivum, e não de jus cogens, a regra jurídica do art. 258, alínea 1.~, ~ parte, do Código Comercial. As
criticas ao Reg. n. 787 foram injustas.
Se não há cláusula em contrário, ou pacto em contrário, o credor pode ir contra o fiador, em vez de ir primeiro
contra o devedor principal. Em todo o caso, há o art. 261 do Código Comercial que atenua a regressão histórica do
art. 258, alínea 1.2, 1.2 parte: “Se o fiador fôr executado com preferência ao devedor originário, poderá oferecer à
penhora os bens dêste, se os tiver desembargados, mas se contra êles aparecer embargo ou oposição ou não foram
suficientes, a execução ficará correndo nos próprios bens do fiador, até efetivo e real embOlso do exeqílente”. Cf.
Código de Processo Civil, ad. 896. Estabeleceu-se, no direito comercial, a não-subsidiariedade,
a despeito da accessio, porém permitiu-se que, no processo em que é demandado o fiador mercantil, possa êle
oferecer à penhora bens do devedor principal. Os inconvenientes são graves e a solução há de consistir em citar-se
o devedor, cujos bens foram penhorados, ou vão ser penhorados, porque se trata de litisconsorte, que não pode ser
recusado (Código de Processo Civil, art. 33, 2A~ alínea, 2.2 parte). A citação pode ser requerida pelo autor ou
pelo réu; e cabe ao juiz ordená-la, se requerida não foi. O devedor principal tem dez dias para contestar a ação
executiva de título (Código de Processo Civil, ad. 301), ou cinco dias, em se tratando de execução de sentença
(Código de Processo Civil, art. 1.009, 1>.
Ao fiador mercantil também se atribui a sub-rogação pessoaI legal se paga pelo devedor principal. Diz o ad. 260
do Código Comercial: “O fiador que paga pelo devedor fica sub-rogado em todos os direitos e ações do credor
(art. 889). Havendo mais fiadores, o fiador que pagar a dívida terá ação contra cada um dêles pela porção
correspondente, em rateio geral; se algum falir, o rateio do quinhão dêste terá lugar por todos os que se acharem
solventes”.
O que dissemos sObre a subfiança e o subfiador, se civil o negócio jurídico da fiança, também é invocável a
respeito da subfiança e do subfiador, em direito comercial. Aliás, no momento da evolução do direito, a distinção
entre fiança mercantil e fiança civil tende a desaparecer. O que se nota, de diferença, nos arts. 256-263 do Código
Comercial, não tem a relevância que se lhe atribuia no passado.
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE FIANÇA
§ 4.796. Causas de extinção e acontecimentos não -extintivos
1. CAUSAS DE EXTINÇÃO . A fiança extingue-se porque se extinguiu a dívida principal, ou por ter advindo
extinção da própria fiança. A fiança pode deixar de ser sem que se haja extinguido a divida afiançada.
2. ACONTECIMENTOS NÃO-ExTINTIvOS. A fiança é à dívida, e não à obrigação. Mas, se advém a
mutilação da dívida pela desaparição ou pelo encobrimento da eficácia da dívida, extingue-se a fiança, uma vez
que o fiador reaja. Os acontecimentos não extintivos da existência ou da eficácia são sem relevância.
O fiador não pode ser constrito ao adimplemento antes do têrmo fixado para o adimplemento da dívida principal,
mesmo se se abre concurso de credores do devedor (concurso civil de credores, falência, ou liquidação coativa).
Se para a divida principal se estipulou aviso prévio ou interpelação com prazo, o mesmo é de exigir-se para o
exercício da pretensão contra o fiador. Cf. Código suíço das Obrigações, art. 500. A abertura de concurso de
credores do devedor principal torna exigível a dívida principal, não, porém, a dívida do fiador. Tratando-se de
abonador, a abertura de concurso de credores do fiador não acarreta a exibilidade da dívida do abonador.
Aliter, se o fiador ou o abonador são responsáveis solidários.
Durante o processo da falência do devedor principal, fica suspenso o curso da prescrição das suas dívidas
(Decreto-lei n.7.661, de 21 de junho de 1945, arts. 47 e 184). Tal efeito não atinge o curso da prescrição da divida
do fiador, ou do abonador (E. BLUMENSTEIN, Handbuch des schweizerischen Schuldbetreibung, 508). Nem a
continuação do curso da prescrição da divida principal, em virtude de desconstituição da decisão de abertura, se
reflete no curso da prescrição da divida do fiador, ou do abonador.
§ 4.797. Extinção da dívida principal
1.RELAÇÃO JURÍDICA DA DIVIDA PRINCIPAL E RELAÇÃO JURÍDICA DE FIANÇA. Se advém
extinção da relação jurídica da divida principal, extingue-se a fiança.
A morte do afiançado somente extingue a fiança se, com ela, se extingue a divida principal. Há, portanto, o
problema de se saber se foi afiançada a dívida, a despeito da mudança do sujeito passivo. Na jurisprudência, há
julgados que dizem, em geral, que a morte do afiançado não importa, se o fiador não se exonerou (4.~ Câmara
Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 81 de dezembro de 1941, R. F., 90, 427). Sem razão.
As exceções a que se refere a lei são as objeções e exceções extintivas da existência, as de invalidade e as
extintivas da eficácia, inclusive as que apenas se referem a encobrimento de eficácia.
O fiador pode opor as exceções do devedor principal, mesmo se o devedor principal renuncia a elas. Em todo
caso, o art. 1.502 do Código Civil é de natureza dispositiva (ti. PLANCK, Kommentar, II, 880). Como ins
dispositivum, o contrato de fiança ou pacto adjecto pode excluir a oponibilidade de alguma exceção.
2.CAUSAS DE EXTINÇÃO DA DÍVIDA PRINCIPAL. O pagamento, feito por terceiro interessado, que se
sub-rogou pessoalmente ao credor (Código Civil, ad. 985, III), ou pelo credor que paga a divida do devedor
comum ao credor, a quem competiria direito de preferência (art. 985, 1), não extingue a fiança. Entre os direitos,
pretensões e exceções que êle adquire, estão o direito, as pretensões e exceções contra o fiador.
A novação da dívida pelo devedor principal extingue a fiança, salvo acessão à nova divida (Código Civil, art.
1.006; Código Comercial, art. 262, 13 parte: “O fiador fica desonerado da fiança quando o credor, sem o seu
consentimento ou sem lhe ter exigido o pagamento, concede ao devedor alguma prorrogação de têrmo, ou faz
com êle novação do contrato (ad. 438~‟)~ Se ao fiador foi exigido o pagamento e a novação ocorre~ depois, é de
entender-se que o fiador, que não solveu, consentiu na extensão da fiança ao nOvo contrato. Assim há igualdade
de solução entre o direito civil e o direito comercial.
Se há prorrogação do prazo para adimplemento da dívida que resulta do negócio jurídico e o fiador não consentiu,
nem lhe tinha sido exigido o pagamento, extingue-se a fiança (Código Comercial, art. 262, 1.a parte; Código
Civil, art. 1.503, 1, que se há de interpretar com a extensão implícita, que no Código Comercial está explícita,
sObre não ter sido a prorrogação após a exigência do pagamento ao fiador). O pagamento parcial (~ por conta)
não constitui prorrogação. Tão-pouco, no contrato de abertura de crédito, o que o creditado afiançado leva para se
creditar. Não é prorrogação, evidentemente, a renovação do contrato; a fortiori, a abreviação, que é ineficaz para
o fiador. Se a prorrogação do contrato de locação em virtude de lei impede a extinção da fiança, é questão de
interpretação do contrato de fiança, que pode ter sido por todo o tempo em que vigore o contrato até a entrega das
chaves. SObre a fiança e a renovação do contrato de locação, Tomo XLI, § 4.118; sObre fiança e mútuo, Tomo
XLII, § 4.595, 2; sObre fiança e contrato de conta corrente, §§ 4.620, 4, e 4.622; sObre fiança e abertura de
crédito, § 4.625, 8.
Se o credor impediu a sub-rogação pessoal legal, a que teria direito o fiador, o fiador pode alegar êsse fato, que,
por sua ilicitude, extingue a dívida de fiança (Código Civil, ad. 1.508, II), o que se há de observar assim no direito
civil como no direito comercial.
No caso de dação em soluto, sem ser na via executiva, há extinção da fiança, mesmo se vem a ocorrer evicção
(Código Civil, art. 1.508, III).
Pode haver remissão da dívida principal ou da divida de fiança. Qualquer das duas extingue a fiança (Código
Civil, arts. 1.058-1.055). Se somente houve remissão da dívida de fiança, a do devedor principal persiste.
A confusão da dívida, por se tornarem credor e devedor principal a mesma pessoa, extingue a dívida principal e
pois a fiança. Se fiador e credor passam a ser a mesma pessoa, só se extingue a dívida de fiança.
Se o adimplemento da dívida principal se faz impossível ~or culpa do fiador, tem, de regra, o devedor principai
ação contra o fiador, pelo ato ilícito, e o credor tem direito à cessão pela perda do crédito. Se não há ato ilícito,
como se o bem, que teria de ser prestado pelo devedor principal, pertencia ao fiador e êsse o destruiu ou
deteriorou, tem o fiador de indenizar , porque a diligência, que lhe incumbia, para que o adimplemento pelo
devedor ocorresse, compreende os atos que evitem o inadimplemento ou o adimplemento ruim, bem como a
abstenção do que impeça ou dificulte o adimplemento pelo devedor principal. Assim, II. DERNBURG (Das
Ejirgerliche Reeht, II, 2, 487), L. ENNECCERUS-H. LEHMANN (Lehrbuch, II, 609),
E.MATTHIASS (Lehrbueh, 1, 43 ed., 648) e outros; discordantes, sem razão, W. KísCI{ (Die Wirkung der
nachtrdgliche eintretendefl Unmôglichkeit der Erfiillung, 48) e W.WESTERI<AMP (B‟iirgschaft und
Schuldbeitritt, 96 e 110). Cumpre observar-se que assim foi no direito romano (li 88, D., de verboruir&
obligationibfls, 45, 1; L. 95, § 1, D., de solutionilnts et liberationibus, 46, 8). Quanto à L. 19, D., de dolo inalo, 4,
8, e à L. 88, § 4, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 3, em parte é convincente a interpretação de O.
PUGLIESE (In torno all‟impossibilità deila prestazione causata dai paterfamilias e daí fideiussore, Studi in onore
di lIGO ENRICO PAOLI, 569 s.).
8. CONDIÇÃO. Se no negócio jurídico de que se irradia a dívida principal foi essa concebida sob condição, o
não-implemento da condição faz extinguir-se a vinculação e a fiança extingue-se.
§ 4.798- Extinção do contrato de fiança
1. CAUSAS ORDINÁRIAS. A morte do credor somente extingue a fiança se com a sua morte o crédito se
extingue. A morte do fiador extingue-a, a despeito do princípio da herdabilidade das dividas. No direito alemão
havia a inerdabilidade da fiança, mas a recepção do direito romano tornou herdável £ divida fidejussória.
O contrato de fiança extingue-se: a) se, com prazo, para divida futura, o prazo se extinguiu; b) se foi
desconstituido o contrato de fiança, como se houve decretação de nulidade ou anulação. Se houve prazo para a
fiança por dívidas futuras, notadamente se se trata de fiança de crédito, dispositivamente se há de entender que os
créditos que se hão de garantir são os créditos que nasçam antes do têrmo.
Se a divida se extingue depois da fiança, como, por exemplo, se ocorre impossibilidade superveniente, sem culpa,
da prestação, ou pela remissão de divida, ou pela compensação, extingue-se o contrato de fiança.
Se é decretada a abertura de falência do fiador, ou a abertura de concurso civil de credores ou da liquidação
coativa, ou é de outro modo declarada a insolvência, pode o credor exigir do devedor principal outro fiador ou o
pagamento imediato da dívida (Código Comercial, art. 263). O Código Civil, no .art. 1.490, não dá a alternativa,
mas ela resulta da invocabilidade do art. 954, III, onde se diz que ao credor assiste o direito de cobrar a dívida
antes de vencido o prazo “se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias do débito, fidejussórias, ou reais,
e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las”. Nem o art. 268 do Código Comercial, nem o art. 1.490 do Código
Civil incidem se a fiança foi prestada sem que assentisse o devedor, ou por êle tivesse sido prometida. Se assim
não fOsse, o credor arranjaria fiador em próxima situação de insolvência, para exigir fiador idôneo, sem que o
devedor principal o houvesse prometido, ou, o que é mais grave, para a invocação do art. 954, III, do Código
Civil.
Se o devedor faz novação a respeito da dívida afiançada, extingue-se a fiança quanto ao que foi novado. A
novação pode ser pela subscrição e emissão de títulos cambiários ou cambiariformes, devendo-se indagar se
houve nova assunção de divida, ou apenas garantia da divida não extinta, o que não é de presumir-se. Os títulos
abstratos, entregues pro soluto, extinguem as dívidas e, pois, a fiança (cf. 8.~ Grupo de Câmaras Civeis do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 15 de abril de 1958, Á. .1., 108, 615).
O adimplemento pelo fiador extingue a fiança, não a divida. O que se passa é somente quanto ao sujeito.
Objetivamente, nada ocorre. No lugar do credor fica o fiador, como credor. A novação da fiança também extingue
a fiança, mesmo se se trata de novação por parte de um só dos fiadores sem abranger tôda a divida. Também pode
ocorrer que não haja novação, mas substituição por outra dívida, como se o fiador dá título abstrato de crédito
como garantia.
A fiança extingue-se se há compensação de dívida do credor ao fiador com a dívida do devedor afiançado.
Se o credor tem interesse em que persista a fiança, a despeito de se terem retinido na mesma pessoa a qualidade de
fiador e a de devedor garantido, a fiança persiste (ANTONIO Dou, Estenzione di rapporti giuridici per
confusione, 182; cf. X.rALERIo CAMPOCRANDE, Trattato deVa Fidejussione, 581; FRANCESCO
MESSINEO, Manuale, II, 2, 895).
Se o credor restitui ao fiador o título particular de fiança, há a renúncia à fiança.
Se houve sucessão na dívida, como se há transferência, entre vivos, do contrato de locação, não há pensar-se em
continuação da fiança, porque, salvo cláusula expressa em contrário, a dívida cessou, porque o que se prometeu
foi o adimplemento pelo devedor principal A, e não por A e seus sucessores. A fiança pode ser concebida quanto
ao devedor principal e seus herdeiros, ou sucessores entre vivos, ou todos os sucessores.
Se houve sucessão entre vivos no crédito principal do credor, a fiança persiste, como persistiria Se tivesse havido
sucessão a causa de morte (cf. Câmaras Civis ReUnidas do Tribunal de Alçada de São Paulo, 28 de maio de
1952).
2.NULIDADE E ANULABILIDADE. O contrato de fiança pode ser nulo <Código Civil, art. 145) ou anulável
<art. 147> 1 e II). Assim, há anulabilidade por incapacidade relativa, por êrro, dolo, coação, simulação ou fraude
contra credores (arts. 86 e 113; cf. Código de Processo Civil, art. 252). Há êrro se a fiança foi prestada crendo-se
que já havia anterior fiador solidário, ou se só se cogitava de fiador de fiador, ou quando se quis renovar fiança
que estaria prestada e tal fiança não existia, ou se se supunha existir garantia real, ou se se pensou em garantir a
dívida de B e o devedor principal era outra pessoa (erro sobre a pessoa do devedor principal). Mas, se não era
credor quem se supunha, não há êrro essencial.
O credor não está adstrito a comunicar ao fiador que há outras dividas do devedor principal, de que é êle credor.
O credor de dívida simulada não pode exigir do fiador o adimplemento da dívida de fiança. O terceiro que
adquiriu o crédito pode exigi-lo e exercer, sendo o caso, contra o fiador, o crédito de fiança.
Ao credor incumbe o ônus de alegar e provar que o fiador conhecia o que êsse diz ter sido causa do êrro, ou a
incapacidade do fiador.
Se a causa extintiva da dívida de fiança exsurgira de ato jurídico, que se desconstituiu por nulo, ou anulável, ou
por outra razão, tem-se por não extinta a fiança.
8.UNITITULARIDADE DO CRÉDITO E DA DÍVIDA DE FIANÇA.
Se a mesma pessoa passa a ser credor e fiador, enfrentaram-se crédito e dívida: pôsto que essa consistisse apenas
em adimplemento por outrem, extingue-se a fiança. O crédito não desaparece, não há a confusão (Código Civil,
arts. 1.049--1.052). Aliás, devemos procurar precisão que não tem sido obtida. O crédito principal não
desaparece, nem é êle que faz desaparecer, pela mesmeidade de titular, a fiança. O credor principal também o é do
crédito de fiança e, tornando-se fiador, o que desaparece é a fiança. Tal o que se dá, por exemplo, se o credor
principal perde a dívida de fiança, ou se o fiador herda o crédito. Se o credor principal herda a subfiança (= é o
fiador, pela herança), e não a fiança, a fiança subsiste.
No caso de confusão, a propósito de algum dos co-fiadores solidários e o devedor, liberam-se os outros
co-fiadores quanto ao que teriam de pagar ao credor. Se o fiador se fêz credor, os outros liberam-se das quotas que
lhes tocariam (VALERIO CAMPOGRANDE, Tratiato deVa Fidejussione nel diritto odiei‟no, 482 s.).
4.DENÚNCIA. O fiador, em principio, não pode denunciar o contrato de fiança, mas a denunciabilidade pode
resultar de cláusula ou de pacto adjecto entre credor e fiador. Se a fiança foi para créditos futuros, tem-se de
apreciar o caso para se saber qual o tempo em que se poderia exigir a garantia fidejussória. Na doutrina alemã,
considera-se isso denúncia (e. g., L. ENNECCERUSH. LEHMANN, Lehrbuch, II, 619); mas a espécie
parece-nos a de prazo razoável implícito, e não a de denuncíabílidade Se a situação do futuro devedor se tornou de
difícil adimplemento para o crédito que ainda não foi outorgado, tem-se de admitir a denúncia (não a revogação,
como se tem dito, e. g., L. ENNECCERUSH. LEHMANN, Lehrbuch, II, 619), por terem empiorado as
possibilidades patrimoniais do futuro devedor principal. Assim, acertadamente, OTTO voN Ginja (Deutsches
Privatrecht III, 789, que empregou a expressão própria: “direito de denúncia”, iCíindigungsrecht)
Diz o Código Civil, art. 1.500: “O fiador poderá exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem limitação de
tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anteriores ao ato
amigável, ou à sentença que o exonerar”. A fiança pode ser a prazo determinado, ou sem prazo determinado. Se
a fiança é a dívida por prestação duradoura com prazo determinado, entende-se que é a prazo, de modo que não se
pode pensar em denúncia de fiança, se dada a dívida como de prestação duradoura a prazo determinado. Se o
fiador é para a locação por três anos, entende-se que a fiança é com o prazo de três anos.
No art. 1.500 do Código Civil diz-se que o fiador poderá exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem limitação
de tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança anteriores ao ato
amigável, ou à sentença que o exonerar. No Código Comercial, art. 259, pré-excluise o beneficio da exoneração
(sie) se houve retribuição do fiador. O art. 262, 2.~ parte, do Código Comercial é a fonte do art. 1.500 do Código
Civil. Supóe-se relação jurídica entre o fiador e o devedor principal; portanto, algo de estranho à fiança. A ação
vai contra o devedor para que o releve. A desoneração amigável depende de manifestação de vontade do credor.
Judicialmente, é dispensada a manifestação de vontade do credor, que há de ser ouvido na causa. O credor tem
direito à substituição do fiador, se foi êsse exigido ao devedor principal, ou se foi por êle oferecido.
Se a fiança é dada ao mutuante a quem o mutuário prometeu pagar após dois anos, a fiança não pode ser
denunciada, porque o que se prometeu foi o adimplemento pelo mutuário na data do vencimento. A denúncia, ai,
seria revogação com eficácia ex tunc, cujos inconvenientes fàcilmente se percebem.
No Código Comercial, art. 262, 2a parte, diz-se que o fiador “pode desonerar-se da fiança que tiver assinado sem
limitação de tempo, sempre que lhe convier; ficando, todavia, obrigado por todos os efeitos da fiança anteriores
ao ato amigável, ou sentença por que fôr desonerado”.
5.CAUSAS ESPECIAIS DE EXTINÇÃO. Lê-se no Código Civil, art. 1.508: “O fiador, ainda que solidário com
o principal devedor (arts. 1.492 e 1.498), ficará desobrigado: 1. Se, sem consentimento seu, o credor conceder
moratória ao devedor. II. Se, por fato do credor, fôr impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências. 1H.
Se o credor, em pagamento da divida, aceitar amigàvelmente do devedor objeto diverso do que êste era obrigado
a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção”. O inciso 1 do art. 1.508 (idem, Código Civil português,
art. 852; espanhol, art. 1.851; argentino, art. 2.046) resolve problema que se apresentou noutros sistemas
jurídicos. Se o credor principal anui em espera, dilação ou qualquer prazo de graça ao devedor principal,
extingue-se a fiança. Outrossim, qualquer pactum de non petendo. No Código Civil francês, art. 2.089, imitado
por outros, está dito: “La simple prorogation de terme, accordée par le créancier au débiteur principal, ne
décharge point la caution, qui peut, en ce cas, poursuivre le débiteur pour le forcer au paiement”. Solução
evidentemente de repelir-se, de iure condendo.
Têm-se de distinguir a moratória, em senso lato, e a tolerância; bem assim a prorrogação do prazo para pagamento
e a moratória, em senso lato, que é o pactum de non petendo in tem pus, ou o adiamento ex lege (senso estrito e
próprio de moratória, Tomo XXX, § 8.452, 1, 2 e 7). Se o credor espera, sem se vincular a não pedir dentro de
prazo, há tolerância, e não moratória. O acôrdo de espera, o pactum de non petendo in tempus, entra no mundo
jurídico, é negócio jurídico bilateral, e pode haver declaração unilateral de vontade do credor que lhe crie a
vinculaçãô de não pedir dentro de determinado
prazo, ou até a algum acontecimento. O ato de tolerância não entra no mundo jurídico; permanece no mundo
fáctico: a relação jurídica entre o credor e o devedor, quanto a êsse acôrdo, ou quanto ao ato unilateral de
tolerância, é de ordem moral, ou de ordem econômica, ou politica, e não de ordem jurídica.
No Código Comercial, art. 262, 1a parte, a expressão foi melhor, mas insuficiente: fala-se em “prorrogação de
têrmo”, para se aludir à prorrogação do contrato ou dilação para a exigência da prestação. Também assim o
Código Civil argentino, art. 2.046. De jure condendo, melhor essa solução do que a do Código Civil francês, art.
2.039: “La simple prorogation du terme, accordée par le créancier au débiteur principal, ne décharge point la
caution, qui peut, en ce cas, poursuivre le débiteur pour le forcer au paiement”.
~ assente não bastar como pressuposto para a incidência do art. 1.503, 1, do Código Civil, ou do art. 262, 1.a
parte, do Código Comercial, o prazo de tolerância (4.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 8 de julho de 1941, A. J., 60, 854 s., e 81 de dezembro de 1941, 1?. 9., 90, 427; 2~a Câmara Cível do
Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 26 de janeiro de 1942, 90, 785; ga Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, 16 de março de 1945,
A.J., 74, 407; 4a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de fevereiro de 1950, R. dos T., 185, 764;
23 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 20 de agôsto de 1952, 205, 425; 5~a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2 de setembro de 1952, A. 3., 104, 243; 1.a Câmara Civil do Tribunal de
Alçada de São Paulo, 8 de outubro de 1952).
A prorrogação do prazo ou qualquer adiamento, que entre no direito, tem de ser escrito.
Orecebimento de partes das prestações devidas, que se escriturem em conta corrente, ou de que se dêem recibos
parciais, não é suficiente para se afirmar ter havido “moratória” (sem razão, a 13 Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, a 5 de novembro de 1945 (R. dos 2‟., 164, 583). Precisa ser escrito o pacto de non petendo
iii tempus ou a declaração unilateral de vontade.
Se o fiador consentiu, por escrito, ou, comunicando o que ocorreu, com prazo para se manifestar contràriamente,
se vinculou pelo silêncio, o art. 1.508, 1, do Código Civil não é invocável.
Oart. 1.508, 1, é ins dispositivum. Se no contrato de fiança foi assumida a responsabilidade mesmo se o credor
assina pactum de non petendo in. tem pus, está pré-excluída a desoneração. Certa, a 2? Câmara do Tribunal de
Alçada de São Paulo, a 29 de agôsto de 1951 (R. dos 2‟., 195, 396).
Quanto ao inciso II do art. 1.508, o que se prevê é fato, positivo ou negativo, do credor, que haja obstado a
sub-rogação pessoal nos direitos e preferências que êle tenha, como se o credor, que exerceria algum direito fora
do recebimento do quanto devido, renuncia a êle.
Se o credor torna impossível, mesmo sem culpa, a sub-rogação nos seus direitos e preferências, extingue-se a
fiança. Esperava o fiador que, com o adimplemento por êle, ocorresse a sub-rogação. Se é o credor o causador do
prejuízo, deve sofrer-lhe as conseqUências, e a lei tinha de proteger o fiador. Há dever de velar pela sub-rogação:
o credor não há de evitar que o fiador deixe de se sub-rogar em qualquer direito, pretensão, ação ou exceção em
que normalmente se sub-rogaria. (Em todo o caso, pode ter havido renúncia do fiador à objeção quanto a algum,
alguns ou todos os direitos, pretensões, ações e exceções com que haveria de contar; cf. VALERIO
CAMPOGRANDE, Trattato delia Pidejussione nel diritto odiento, 629.) t êrro dizer-se que se trata de preclusão
(decadência) do direito do credor. O credor, ai, por infração de dever, perde o direito. Oútrossim, aludiu-se a
culpa. Basta a relação de causalidade. iAs garantias são as que existiam antes de se concluir o contrato de fiança e
as que foram contemporâneamente dadas, ou delas cogitou o negócio jurídico de que se irradia a dívida ou o
próprio contrato de fiança. Não se apanha a hipoteca judicial a que se refere o art. 284 do Código de Processo
Civil.
Não é por fato do credor o que resulta de fatos econômicos ou políticos.
Se o prejuízo é parcial, não se extingue tôda a fiança. Dá-se, então, a extinção parcial da fiança. Se a fiança
desaparece não pode haver a sub-rogação pessoal (VALERIO CAMPOrÁfilO II GRANDE, Tratiato deila
Fideúusione nei diritto odiento, 634 a.; ENRWO REDENTE, Dizionario pratico dei Jliritto privato, verbo
Fideiussione, 145).
O fato de terceiro, com o qual o credor não tem vínculo, é estranho à relação de causalidade “fato do credor diminuição ou extinção do direito ou outro efeito jurídico”. t preciso que a causa seja estranha ao credor, para que
não se dê a extinção da fiança. Se o credor podia impedir, há a incidência de regra jurídica extintiva, mesmo se o
fiador também o poderia impedir.
A extinção tem de ser declarada judicialmente.
No tocante ao inciso III do art. 1.508, apenas tem relêvo especial a ressalva: “ainda que, depois, venha a perdê-lo
por evicção”. A dação em soluto é adimplemento e, se dação em soluto houve, o credor não pode exigir que o
fiador cumpra a sua promessa: êle só prometeu que o devedor principal adimpliria e o devedor principal, ex
hypothesi, adimpliu. Se o devedor só adimpliu em parte, só em parte se extinguiu a dívida principal.
6.MORTE DO FIADOR. Está no Código Civil, art. 1.501:
“A obrigação do fiador passa-lhe aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até
à morte do fiador, e não pode ultrapassar as fôrças da herança”. No Código Comercial, ad. 258, 2? alínea, diz-se:
“A obrigação do fiador passa a seus herdeiros; mas a responsabilidade da fiança é limitada ao tempo decorrido até
o dia da morte do fiador, e não pode exceder as fôrças da sua herança”. As referências às fôrças da herança são
redundantes diante da regra jurídica geral do art. 1.587 do Código Civil. A morte extingue a fiança mesmo se
havia prazo determinado, dentro do qual faleceu o fiador.
Modo o fiador, tem o credor o direito de exigir do devedor principal, se foi êsse que prometeu ou deu o fiador,
nôvo fiador, ou o imediato pagamento da dívida (Código Comercial, art. 263; cf. Código Civil, ad. 1.489, verbis
“alguém houver de dar fiador”). Quer no caso de insolvência, quer no de incapacidade para ser fiador (Código
Civil, art. 1.490), quer no de morte do fiador (ad. 1.489), há o pressuposto de haver, por parte do fiador, o dever de
dar fiador. Se C deu fiança por B, sem que B tivesse de obter tal fiança (talvez mesmo o ignore), e C falece, não
pode A exigir de B que dê outro fiador.
7.PRESCRIÇÃO DA DIVIDA PRINCIPAL E PRESCRIÇÃO DA DIVIDA DE FIANÇA. A prescrição da
divida principal e a presalção da divida de fiança exigem trato especial.
A exceção de prescrição que compete ao devedor também compete ao fiador. Se a prescrição foi interrompida por
ato contra o devedor principal (Código Civil, art. 172, 1, II, III e IV), isto é, citação, protesto, apresentação de
título de crê.dito, ato judicial que constitua em mora o devedor, está interrompida a prescrição. Se houve “ato
inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor‟ (ad. 172, V), pode-se
levantar o problema de, a despeito disso, poder opor exceção de prescrição o fiador. Aí, o ato é do devedor, e pode
ser alegado que importou renúncia à continuação do prazo prescripcional. As renúncias a exceções, por parte do
devedor, são oponíveis contra o fiador; mas nas espécies do ad. 172, 1-1V, de modo nenhum houve renúncia.
A citação, na ação do credor contra o devedor, interrompe a prescrição. Mesmo se a fiança não é solidária, não
continua de fluir o prazo para efeitos quanto ao fiador. Se o credor primeiro exerce a ação contra o fiador,
interrompe-se quanto a êsse.
No direito brasileiro, as causas de interrupção da prescrição, oriundas de atos contra o devedor, interrompem a
prescrição contra o fiador, salvo se houve o inadimplemento pelo fiador e começou a correr prazo de prescrição a
favor dêle.
O reconhecimento de efeito interruptivo, êsse sim, é inoperante.
A sentença contra o fiador não pode ser oposta ao devedor principal, nem a sentença contra êsse pode ser oposta
àquele.
Se o credor, a quem o fiador fêz o pagamento, sucede ao fiador, que se sub-rogara àquele, ou se o fiador, após a
sub-rogação, sucede ao credor, continua credor do devedor principal como fiador.
Quanto à prescrição da pretensão do fiador contra o devedor, em virtude da sub-rogação, pretensão que abrange
os interesses pagos, temos de assentar que a sua pretensão é a do credor, que a êle se transferiu por fôrça da lei. O
prazo em que prescreveria a dívida do credor contra o devedor principal é o mesmo prazo em que prescreve a
dívida em que se sub-rogou o fiador. Não se trata de nova dívida. Apenas subjetivamente se alterou a relação
jurídica, que continua a mesma.
Se o fiador não avisa ao devedor quanto ao pagamento que vai fazer,. expõe-se a que o devedor oponha objeções
e exceções que o fiador não opôs e que o devedor principal poderia opor. O fiador tem, com o aviso, o ensejo de
conhecer qual o estado em que se acha o curso da prescrição. Se o fiador, que avisou, não teve comunicação sobre
a não interrupção da prescrição, como se o informe do credor não era verdadeiro, não pode o devedor principal
opor ao fiador a exceção de prescrição. A falta de comunicação, por parte do devedor principal, funciona como
reconhecimento da dívida já perante o fiador.
Tudo que acima dissemos deixa de ter invocabilidade se o fiador garantiu dívida prescrita, ou garantiu divida
não-prescrita, com a cláusula de garantir mesmo que venha a ocorrer prescrição contra o credor. Em todo o caso,
se tal acontece, prescrita a divida principal, é de entender-se que começa nôvo prazo prescripcional, contado a
partir do dia em que seria de exigir-se a dívida de fiança; porque a solução contrária resultaria em se permitir a
cláusula de imprescriptibilidade, que é ilícita, pelo interesse público das regras jurídicas sobre prescrição.
Já vimos, antes, que as dívidas prescritas são afiançáveis, mas as considerações, que aqui deixamos, completam a
exposição do assunto.
MANDATO DE CRÉDITO
CAPíTULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO MANDATO DE CRÉDITO
§ 4.799. Conceito do mandato de crédito
1.PRECISÕES E DADOS HISTÓRICOS. No mandato de crédito, há outorga de poder para dar crédito (prestar,
abrir crédito, aceitar título, avalizar, ou por outro modo fazer devedor o terceiro). Antes, § 4.785, 5. Sobre
mandato de crédito, Tomo XLIII, § 4.675, 1.
GAIO (fst., III, § 156) cogitou do mandatum tua gratia e especialmente do mandato de crédito: ..... Et adeo haec
ita sunt, ut quaeratur an mandati teneatur qui mandavit tibi, ut Titio pecuniam faenerares”. Se há a eficácia do
mandatum tua praia, surge a questão de se saber se a pessoa a quem mandaste que emprestasse dinheiro a Tício
está sujeita à ação mandeLti. Havia a disputa entre os que reputavam jurídico o mandato tua gratia e os que o
negavam. Contra SÉRVIO SUL-14010, que era pela negativa, havia SABINO, que foi seguido por muitos,
inclusive GAIO.
2.MANDATO PARA FIANÇA E MANDATO DE CRÉDITO. É preciso que se não confunda com o mandato
para afiançar, quer a outorga de poder seja para afiançar em nome do mandante, quer em nome do mandatário
(mandante oculto ou velado), o mandato & crédito. Ali, há, evidentemente, mandato; aqui, não.
(De passagem observemos que o conceito do mandato de crédito como fiança de dívida futura, que aparece, por
exemplo, em BIAGIO BEIJO!, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, 556, tem de ser pOsto de lado. O mandato de
crédito não é fiança, nem é mandato.)
O mandato de crédito podia ser retirado se ainda não fôra adimplido. Extinguia-se se o mandante ou o mandatário
o queria. De onde se vê que não havia fiança no mandato de crédito, ao contrário do que, para o direito comum,
afirmavam L. ARNDTS (Lehrbueh. der Pandekten, 591 s.) e outros; contra, W. GIRTANNER (Biirgschaft nach
gemeinem Civilrechte, 540). O mandante de crédito respondia na actio mandati pelas desvantagens que
houvessem advindo do adimplemento do contrato e pelo pagamento do mútuo que se tivesse concluído.
Respondia como fiador. Outras regras jurídicas coincidiam com as da fiança, razão por que JULIANO (L. 32, D.,
mandati vel contra, 17, 1) considerava o mandato de crédito espécie de fiança (cf. PAUL SOKOIJOWSKT, Die
Mandatsbiirgsckaft, 77).
Era assente considerar-se o mandato de crédito como contrato de mandato. No século XIX começaram os
pandectistas a discutir-lhe tal natureza, principalmente FR. SAMHABER (Zur Lehre von der Korrealobligation,
173 e.) e Lunwrn ARNDTS (Lehrbuch der Pandekten, 8~a ed., 591-593). No direito comum, explicava-se o
mandato de crédito como mandato para a dação do crédito em nome próprio e por conta própria, fundada a
concepção em representação direta (WALTHER HÁDENKAMP, fie rechtliche Auffassung des Kreditauftrags,
33).
Discutia-se se cabia a adio mandati contra o mandatário, o que é de afirmar-se diante dos textos da L. 8, §§ 6, e 8,
§ 3, D., mandati vel contra, 17, 1, da L. 27 (28), D., dê negotiis gestis, 3, 5. Ainda recentemente, A. BURDESE
(Mandatum meã aliena tua gratia, Siudi in onore di VINCENZO ARANGIO-RUIZ,
1, 231 s.).
A divida do mandante de crédito não é acessória; é autônoma (Oro FOBESTER, Der Kreditauftrag, 107).
Havia a ação do mandante de crédito para exigir a dação de crédito e, pagando, para a cessão dos direitos contra o
terceiro que não pagou (WÂLTHER HXDENKÂMP, fie recktliche Ãuffassung des Kreditauftrags, 89 s.;
WILHELM MEUSER, Biirgschaft und Kreditauftrag, 29).
§ 4.800. Natureza do mandato de crédito
1.PRECISÕES. Mantivemos o nome “mandato de crédito”, em atenção aos dados históricos e ao uso. Não há
mandato no mandato de crédito, nem há fiança. O mandante de crédito é promitente de prestar o que o terceiro
prometeu prestar, ao mandatário, que lhe fêz crédito, e não prestou. O promitente da dação de crédito, fazendo o
crédito, adimple. Apenas se trata de contrato a favor de terceiro, com a particularidade de consistir o favor na
conclusão de outro contrato. O mandatário de crédito não opera por conta de outrem; portanto, não é mandatário.
O mandante de crédito corre risco, porém risco que não é o do mandante prôpriamente dito. O mandatário exerce
Poderes outorgados, com os seus atos em negócio jurídico (se é de negócio jurídico que se trata), talvez em nome
próprio, a despeito da alienidade do negócio jurídico. O mandatário de crédito opera em negócio jurídico seu, de
modo que não se poderia pensar no elemento da alienidade, típico em qualquer mandato prôpriamente dito.
O nomen, mandato de crédito, apareceu quando ainda não se procurava conhecer a natureza e a estrutura do
instituto (mandatum qualificatum, mandatum pecuniae credendae). Aliás, pode-se concluir tal contrato sem ser
para crédito de dinheiro.
PAUL SOKOLOWSKI (Die Mandatsbitrgschaft, 77 s.) falou de fiança de mandato. VALERIO
CAMPOGRANDE (Trattato deila Ride jussione nel diritto odierno, 134) sugeria “fiança de crédito”. O nome
teria de não se referir a mandato, nem a fiança. A assunção é de dar crédito, a terceiro. Há pactn4m de
contraflendo cum tertio. Nem o art. 1.316, f, 2.~ parte, nem o art. 1.320 do Código Civil são invocáveis.
Omandatário de crédito assume a divida de, em nome próprio e por sua conta, fazer crédito a terceiro. O mandante
de crédito assume a divida de adimplemento pelo terceiro (subsidiariedade), se êsse assume a sua. O mandatário,
que adimple a sua dívida, faz crédito ao terceiro, em nome próprio e por conta própria; e não em nome próprio, e
por conta do mandante, o que se daria no mandato em que se pusesse a cláusula de operar o mandatário em nome
próprio. Não se deve dizer, sequer, que a dação de crédito é a risco do mandante de crédito. Por outro lado, há
subsidiariedade da dívida do mandato de crédito à divida do terceiro, o que não se entenderia no mandato.
2. DÍvIDA DE FAZER CREDITO . A assunção de divida de fazer crédito (emprestar, abrir crédito, prometer
crédito) a terceiro, em nome próprio e por conta própria, tem como um dos seus efeitos a divida de quem suscitou
a assunção pelo adimplemento da dívida que o terceiro assumiu. Não se trata de encargo, de outorga de poder, O
mandante de crédito não encarrega (sem razão, LUIGI BRACANTINI, II Mandato di credito, 6). O mandatário
de crédito faz-se devedor da dação de crédito; por isso mesmo, não pode, a seu líbito, afastar-se da relação
jurídica. Os arts. 1.958 e 1.959 do Código Civil italiano foram infelizes com a referência a encargo (“incarico”).
O mandante de crédito ou ofertou ou aceitou a promessa de conclusão do negócio jurídico de crédito, por parte do
mandatário. De modo que se trata de assunção de dívida de fazer crédito, tendo sido oferente o mandante de
crédito ou o mandatário de crédito. Não se há de falar de encargo, nem de solicitação: o que se estabelece é
vinculação contratual de fazer, como qualquer outra vinculação de fazer. O mandante de crédito assume, por seu
lado, a dívida do adimplemento pelo terceiro. Deve o adimplemento pelo terceiro.
Ponto principal na diferença entre o mandato de crédito e a fiança está em que, no mandato de crédito, há a
causalidade, que suscita a conexão: o mandatário de crédito dá o crédito, porque o mandante o fêz devedor da
conclusão do contrato, ao passo que o outorgado ou já se fêz credor ou se vai fazer credor, sem estar obrigado a
isso. Se, às vêzes, C dá fiança para que A empreste a E, ou venda a Bo elemento de conexão é fáctico e estranho
à natureza da fiança, podendo entrar no conteúdo de outro negócio jurídico entre E e C, ou talvez mesmo entre A
e C.
O mandato de crédito não é negócio jurídico fiduciário Não se faz intuitu personae.
8. O QUE PROMETE O MANDATÁRIO DE CRÉDITO. O negócio jurídico que há de concluir o mandatário de
crédito pode não ser contrato, como se o terceiro apenas lhe subscreve letra de câmbio, para que êle aceite, ou
vice-versa, ou se desconta titulo endossado, ou dá título endossado ao terceiro, mas, em todos êsses casos, por ser
abstrato o título, tem o mandatário de crédito de ficar com a prova do negócio jurídico com que
adimple a divida de dar crédito e negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente pode bastar.
O mandatário de crédito não está adstrito a instruções do mandante de crédito, posteriores à conclusão do
mandato de crédito, que alterem o que ficou assente no contrato de mandate de crédito. Não se pode dizer que a
situação do mandatário de crédito é igual à do mandatário simples. O mandante de crédito não pode alterar as
instruções anteriormente dadas. Isso não quer dizer que não caiba ao mandatário de crédito ser diligente na
conclusão do negócio de crédito.
O mandante de crédito, diante das circunstâncias subjetivas do terceiro, pode denunciar o contrato; a fortiori,
pode sugerir alterações no que teria de ser feito, mas essas sugestões podem ser, ou não, atendidas pelo
mandatário de crédito. O caminho que êle tem, se acha que é preciso que se modifique a dação de crédito e o
mandatário não o admite, é denunciar o contrato de mandato de crédito, indenizando as perdas e danos.
4.BILATERALIDÂDE DO CONTRATO DE MANDATO DE CRÉDITO.
A prestação não é somente do mandatário de crédito, pois o mandante de crédito promete. Bilateralidade dita
imperfeita, porque a divida do mandante de crédito é subsidiária, condicionada ao não-adimplemento pelo
terceiro. O fim imediato é a dação de crédito ao terceiro; mas a relação jurídica permanece depois do
adimplemento pelo mandatário de crédito até que o terceiro adimpla, ou, se não adimple, o mandante de crédito
adimpla, portanto subsidiàriamente.
5.MANDATO DE CRÉDITO E OUTROS NEGÓCIOS JURÍDICOS. Da fiança e do mandato já falamos e
frisamos que com êles não se confunde o mandato de crédito. Por outro lado, não é mandato de crédito o contrato
pelo qual se promete concluir contrato com terceiro (pré-contrato de contrato com terceiro). Tão-pouco é
mandato de crédito o contrato pelo qual se outorga a alguém poder para concluir contrato com terceiro por conta
do outorgante. Aí, há, de ordinário, mandato.
Não é mandato de crédito o contrato de abertura de crédito a favor de outrem, como a assinação e como a carta
de crédito. A carta de crédito é dada desde logo ao terceiro.
Se o mandante de crédito pré-exclui a divida subsidiária, não há mandato de crédito: quem se diz mandatário de
crédito apenas pré-contratou o negócio de crédito com o terceiro; nem há mandato prôpriamente dito.
Prometeu-se ao chamado mandante de crédito concluir-se o negócio de crédito com o terceiro; donde o
pré-contrato a favor de terceiro.
Se apenas se permitiu ao mandatário de crédito concluir o negócio jurídico de crédito com o terceiro, ficando o
mandante de crédito vinculado se o concluir, acertado é que se considere tal negócio juridico contrato de
garantia, e não que se repute mandato condicional de crédito (Oro VON GIERSE, Deutsches Privatrechi, III,
792; G. PLÂNCE, Kommentar, II. 847; L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, II, 622, afastada a
anterior opinião de L. ENNECCERUS, 1, 2, 561).
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO MANDATO DE CRÉDITO
§ 4.801. Pressupostos do mandato de crédito
1.FIGURANTES DO MANDATO DE CRÉDITO. Figurantes do contrato de mandato de crédito são apenas o
mandante de crédito {promissário~promitente) e o mandatário de crédito (promitente-promissionario. O terceiro
é estranho ao contrato, pôsto que, no mundo fáctico, ou noutro negócio jurídico, possa vir acima dos interesses
dos figurantes o seu interesse. Tem-se de repelir a teoria da trilaterajidade do mandato de crédito, segundo a qual
o terceiro também éfigurante, mesmo se não consta do instrumento do contrato a sua manifestação de vontade.
Ainda aparece em MARIANO D‟AMEnO (Codice Civile, Commentario, II, 2, 430). O terceiro pode ignorar,
completamente, o que se passou entre os dois figurantes, e não tem efeito, quanto a êle, o contrato de mandato de
crédito. Pode, sabendo-o ou não, recusar-se a concluir qualquer contrato de crédito é com mandatário de crédito,
ou exigir dêsse que não o conclua em adimplemento da sua divida de contratar.
Não se pode dizer que o contrato de mandato de crédito é contrato a favor de terceiro (e. g., LUIGI
BRACANTINI, Ii Mandato di credito, 18 sj, porque não se atribui favor jurídico ao terceiro, pôsto que possa êle,
com o contrato de mandato de crédito, ter vantagem. O mandante de crédito não atribuiu direito ao terceiro, nem
resulta direito do terceiro da promessa do mandatário de crédito. O terceiro não torna irrevogável o mandato de
crédito pelo fato de manifestar a sua vontade, nem pode exigir que o mandatário de crédito lhe dê o crédito
(cp. Códico Civil, arts. 1.096, parágrafo único, e 1.097). Assim, a teoria do mandato de crédito contrato a favor
de terceiro não tem qualquer base.
A teoria dos dois contratos unilaterais é artificial. Para os que a sustentam (e. g., AURELIO CANDL&N,
Nozioni fondamentali di Diritto privato, 33 ed., 317), haveria contrato unilateral entre o mandante de crédito e o
mandatário de crédito e outro contrato unilateral entre o mandatário de crédito e o mandante de crédito por ter
aquêle feito o contrato, isto é, por ter cumprido a dívida de contratar, que assumira.
O mandato de crédito é contrato e contrato bilateral. Não há, nêle, contrato a favor de terceiro. Dai ser verdadeira
a teoria da bilateralidade do mandato de crédito.
2.CAPACIDADE DOS FIGURANTES. As regras jurídicas que regem os contratos de crédito são as que se hão
de invocar a propósito do contrato de mandato de crédito. As legislações que disciplinam o mandato de crédito
aludem, no tocante ao mandante de crédito, às regras jurídicas sobre fiança, pois que a essa se referem (e. g.,
Código Civil alemão, § 778; Código Civil italiano, art. 1.958). Mesmo nos sistemas jurídicos em que não há tais
alusões, ou não há regra jurídica especial sobre o mandato de crédito, tem-se de atender a que o mandante de
crédito se faz devedor subsidiário. A remissão que alguns sistemas jurídicos fazem à fiança não identifica com ela
o mandato de crédito.
Tem-se dito que a oferta do mandato de crédito há de partir do mandante de crédito (e. g., MARIANO
D‟AMELIO, Codice Civile, Commentario, II, 2, 430; cp. MICHELE FRAGALI, Fidejussione, Mandato di
credito, 551). Argumenta-se que a iniciativa do contrato há de caber ao mandante de crédito, pois, se dêsse não
partiu a iniciativa, não se compreenderia que houvesse a sua dívida subsidiária. O futuro mandatário de crédito
pode fazer a oferta, o que ocorreria, por exemplo, se há operações entre as três pessoas (êle, o mandante de crédito
e o terceiro). Pode apenas fazer a invitatio ad of ferendum.
3.FORMA. Nenhuma regra jurídica sujeita o mandato de crédito a forma especial; nem seria de aludir-se às
regras jurídicas sobre procuração, pois que não há procura no mandato de crédito.
4.ELEMENTOS DO CONSENSO. O que é preciso é que o mandante de crédito queira que o outro figurante se
vincule a dar o crédito ao terceiro, que há de ser determinado, ou determinável, e que o mandatário de crédito se
vincule. Não se faz necessário inserir a cláusula de assumir o mandante de crédito a dívida subsidiária, se o
terceiro não adimple a dívida que derive do contrato concluído entre êle e o mandatário de crédito. Tal assunção é
típica.
5.OBJETO DA DÍVIDA DO MANDATÁRIO DE CRÉDITO. O objeto da dívida do mandatário de crédito é a conclusão do negócio jurídico de crédito. Não é essencial tratar-se
de crédito em dinheiro. O contrato pode ser de mútuo, de abertura de crédito, de conta corrente, de aceite
cambiário ou cambiariforme pelo terceiro, ou de empréstimo de bem que não seja dinheiro (e. g., mercadorias). A
fiança não é dação de crédito. O comodato pode ser objeto do contrato. Bem assim, a novação de dívida do
terceiro, ou a subscrição de outro título cambiário ou cambiariforme, ou a prorrogação de contrato de crédito.
Tem-se de tratar de crédito.
§ 4.802. Eficácia do mandato de crédito
1. CONCLUSÃO E EFICÁCIA. O mandato de crédito torna-se concluído no momento em que os dois
figurantes acordam. O terceiro, com quem o mandatário de crédito tem de contratar, é estranho ao mandato de
crédito. Não se poderia pensar em pré-contrato, a despeito de haver promessa de contrato com terceiro. O
mandatário de crédito, êsse sim, em vez de concluir, desde logo, o contrato de crédito com o terceiro, pode
pré-contratar com êle, mas a isso é estranho o mandante de crédito, mesmo se no contrato de mandato de crédito
se previu tal figura jurídica.
2.DESPESAS E ADIANTAMENTOS. As despesas e adiantamentos feitos pelo mandatário de crédito (Código
Civil, art. 1.810) não são cobráveis ao mandante de crédito. O que é cobrável é o que, ao ter de adimplir, o
terceiro, eventual-mente, deixa de pagar.
§ 4.803. Deveres do mandante de crédito
1.DEvER DE COOPERAÇÃO. O mandante de crédito tem. o dever de cooperação com o mandatário de crédito,
para que êsse possa cumprir o que prometeu (e. g., informações sobre o terceiro determinado ou determinável).
Aí, há algo de semelhante ao que incumbe ao mandatário, porém não idêntico. No mandato de crédito, o negócio
é do mandatário de crédito, e não do mandante de crédito. O dever de cooperação é, portanto, de cooperação em
negócio alheio, e não em negócio próprio. Não se incluem no dever de informar o que se refere à incapacidade do
terceiro, porque o mandatário de crédito conclui com o terceiro em nome próprio e conta própria. Tem de estar a
par do que concerne a negócio jurídico seu.
Nos sistemas jurídicos em que se faz remissão expressa às regras jurídicas sobre fiança (Código Civil, art. 1.488,
2a parte; cf. Código Civil português, art. 822; espanhol, art. 1.824; francês, art. 2.012, 2a alínea; argentino, art.
1.994; italiano, art. 1.939), uma das quais é a de valer a fiança a dívida do incapaz ou do menor, afirma-se que o
mandante de crédito não tem o dever de informar sobre a incapacidade do terceiro, pois existiria a sua dívida
subsidiária (e. g., LUTa! BRAGANTINI, Ii Mandato di credito, 108). Ora, admitido que o art. 1.488 do Código
Civil seja invocável, nem por isso há de estar o mandato de crédito eximido de informar. Apenas, pode a falta de
comunicação compor a má fé. No direito brasileiro, não devemos entender que o mandante de crédito responde
pelo que o terceiro não pagou por já ser incapaz ao tempo da conclusão do negócio jurídico de crédito se o
mandante de crédito ignorava a incapacidade do terceiro e o mandatário de crédito não
2.RETRIBUIÇÃO AO MANDATÁRIO DE CRÉDITO. Se foi estipulada alguma retribuição ou vantagem ao
mandatário de crédito e o terceiro apresenta, sem êxito, objeção ou exceção ao credor, a retribuição ou vantagem
é devida ao mandatário de crédito, salvo se a culpa foi dêsse.
8.DANOS SOFRIDOS PELO MANDATÁRIO DE CRÉDITO. Quanto aos danos que o mandatário sofra,
oriundos do mandato de crédito, isto é, quanto à invocabilidade do art. 1.812 do código Civil, temos de repelir que
o mandante de crédito os tenha de ressarcir: o negócio jurídico é seu, e não do mandante de crédito, o que não
ocorre quanto ao mandato (ALESSANDRO GRAZIANI, 11 Mandato di credito, Rivista dei Diritto
Commerciale, 80, 1, 834; MICHELE FaAGALI, Fideiussione, Mandato di credito, 567; sem razão, LUIGI
BRAGANTINI, Ii Mandato di credito, 87 s., 120 s.).
4. ADIMPLEMENTO SUBSIDIÁRIO. Para que o mandante de crédito haja de adimplir subsidiàriamente, é
preciso que o negócio jurídico com o terceiro tenha sido concluído em adimplemento do mandato de crédito. há o
ônus, para o mandatário de crédito, de alegar e provar. Aí, a parecença com o mandato ressalta, mas razão
nenhuma há para a identificação das duas espécies. ~ preciso que o negócio jurídico tenha sido concluído com a
intenção, por parte do mandatário de crédito, de adimplir o que prometeu ao mandante de crédito. Não é preciso,
contudo, que tal fato conste do instrumento do negócio jurídico com o terceiro, nem, sequer, que o conheça o
terceiro. Tem-se de examinar o conteúdo do negócio jurídico que se prometeu e o do negócio jurídico
que se concluiu. Se entre o terceiro e o mandatário de crédito já havia entendimento ou punctações, ou
mesmo atos preparatórios, ou pré-contrato, não se há de induzir que não houve a relação de causalidade entre o
adimplemento da dívida de dação de crédito e o negócio jurídico com o terceiro. O problema de exame do
conteúdo e do animus soivendi do mandatário de crédito é o mesmo que existiria se não houvesse qualquer
contacto anterior à conclusão do mandato de crédito. A prova é mais difícil se o mandatário de crédito é
profissional que conclui freqUentemente negócios jurídicos de crédito com o terceiro. Mas, conforme dissemos,
apenas mais difícil.
Se o negócio jurídico de crédito já estava concluído quando ocorreu o mandato de crédito, o que se há de supor é
que tal negócio jurídico de crédito não foi em adimplemento da dívida assumida com o mandato de crédito,
porque seria adimplemento de divida ainda não existente. Mandato de crédito não é fiança. Isso não impede que o
mandatário de crédito alegue e prove que já estava em entendimentos com o mandante
de crédito e que houve razões para precipitar a conclusão do negócio jurídico com o terceiro, sem se ter
desinteressado pela conclusão do mandato de crédito, com que contava. Assim, acertadamente, MICHELE
FRAGALE (Fideiussione, Mandato di credito, 569).
Se o negócio jurídico de crédito foi de crédito maior do que aquêle de que se cogitou no mandato de crédito, o
mandante de crédito só tem o dever de adimplir o que corresponde ao conteúdo que se previra. Houve excesso de
limite. Pacto adjecto pode referir-se ao excesso. Para as conclusões que aí ficam não se precisa invocar o que se
1
estabelece a propósito de excesso de Poderes de mandato (cf. Código Civil, art. 1.305, 1.306 e 1.813).
§ 4.804. Deveres do mandatário de crédito
1.VINCULAÇÃO. O mandatário de crédito vincula-se a dar o crédito ao terceiro, O mandante de crédito, a
solver a dívida do terceiro, se ésse não o faz. As vinculações já existem ao tempo da conclusão do contrato. A
obrigação do mandante de crédito é que somente nasce quando o terceiro deixe de adimplir.
2.CONCLUSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO COM O TERCEIRO. Concluído o negócio jurídico com o terceiro,
os deveres do mandatário de crédito não são de mandatário. Não tem dever de prestar contas, nem de transferir ao
mandante de crédito qualquer direito. Tem o dever de evitar qualquer dano aos seus direitos, pretensões, ações e
exceções contra o terceiro, para o caso de sub-rogação por parte do mandante de crédito e de regresso contra o
terceiro. Tem, por exemplo, de evitar qualquer prescrição ou preclusão.
O mandatário de crédito não tem dever de comunicar ao mandante de crédito a conclusão do negócio jurídico com
o terceiro. O cumprimento do negócio jurídico com o terceiro, se houvesse mandato, extingui-lo-ia (Código Civil,
art. 1.316, IV, 2a parte), o que não ocorre com o mandato de crédito. Nesse, o que se extingue é a dívida do
mandatário de crédito, e continua a do mandante de crédito até que o terceiro adimpla a sua.
§ 4.805. Análise das relaçfles jurídicas e das ações
1.RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O MANDATÁRIO DE CRÉDITO E O TERCEIRO. O terceiro é estranho à
relação jurídica entre o mandante de crédito e o mandatário de crédito, O contrato de mandato de crédito alude ao
negócio jurídico de crédito, que é entre o mandatário de crédito e o terceiro, porque é a conclusão dêle o que o
mandatário de crédito promete. Se no negócio jurídico de crédito há referência ao mandato de crédito, tal
referência não liga os dois negócios jurídicos.
Se o negócio jurídico de crédito teve importe maior ou menor do que se previa no contrato de mandato de crédito,
pode haver a discrepância entre o que deve o terceiro e o que se prometera, mas isso somente pode ter
conseqUências no tocante ao negócio jurídico entre o mandatário de crédito e o mandante de crédito. A eventual
diminuição da extensão da sub-rogação pessoal é em conseqUência da regra jurídica do art. 985, III, do Código
Civil.
2.AÇÃO DO MANDANTE DE CRÉDITO CONTRA O MANDATÁRIO DE CRÉDITO. O mandatário de
crédito vinculou-se a concluir negócio jurídico, em nome próprio e em própria conta, com o terceiro. Ou se
preestabeleceu prazo, ou não se preestabeleceu. Se há prazo, o mandatário de crédito deixou de adimplir e pode
ser constrangido ao adimplemento, ou a indenizar perdas e danos. Cabe a ação de condenação, ou a de preceito
cominatório, com base no art. 302, XII, do Código de Processo Civil.
3.AÇÃO DO MANDATARIO DE CRÉDITO CONTRA O MANDANTE DE CRÉDITO. O mandatário de
crédito somente pode ir contra o mandante de crédito após o inadimplemento da dívida do terceiro. Não tem de
primeiro executar a dívida nos bens do terceiro, o que seria efeito do beneficio de excussão. Tal benefício, no
tocante ao mandato de crédito, depende de cláusula ou de pacto adjecto. Atiter, se fiador fôsse. Se foi
preestabelecido o beneficium exo-ussionis, o Código Civil, art. 1.491 e parágrafo único, é invocável, como o art.
1.492, III.
4.AçÃo DO MANDANTE DE CRÉDITO CONTRA O TERCEIRO.
O mandante de crédito tem ação contra o terceiro, se esse não adimpliu a dívida perante o mandatário de crédito e
o mandante adimpliu a sua. O mandante de crédito, em relação ao terceiro, é terceiro interessado, no sentido do
art. 985, III, do Código Civil.
5.RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O MANDANTE DE CRÉDITO E O TERCEIRO. Negocialmente, não há
relação jurídica entre o mandante de crédito e o terceiro. Se algum outro negócio jurídico existe, é subjacente,
justajacente ou sobrejacente. Entre o mandante de crédito e o terceiro, pode existir laço (fáctico) de amizade, ou
de generosidade daquele, ou entrelaçamento de interesses; porém isso não se introduz no contrato de mandato de
crédito. Se o terceiro satisfaz o seu credor, que é o mandatário de crédito, nenhuma relação jurídica nasce entre êle
e o mandante de crédito. Se deixa de adimplir, o inadimplemento por êle põe em obrigação o mandante de crédito,
que prometera adimplir, subsidiáriamente. Ainda aí, nenhuma relação jurídica se produziu. Se o mandante de
crédito paga, então incide o art. 985, III, do Código Civil. A divida do terceiro ao mandante de crédito é ex lege:
a sub-rogação pessoal ocorre, e tem o mandante de crédito a ação contra o terceiro.
Algumas espécies podem exsurgir. Por exemplo: a) O mandante de crédito, A, devia ao terceiro, C, determinada
quantia e contratou com E a dação de crédito a C. O que se passava entre A e C é estranho ao contrato de mandato
de crédito. Não pagando C a B, tem A de pagar a E e sub-roga-se a E. Com o pagamento a B, A pagou a O. Se vai
contra C, pode O alegar o que entre êle e A ficara combinado a propósito do mandato de crédito. b) Pode A ter
querido doar a C a quantia a que se refere o contrato de mandato de crédito entre êle e 13. Se O não paga, e A
paga, não pode A ir contra C, porque houve outro negócio jurídico entre êles, com animus donandi. Não há ação
de A contra O.
CAPÍTULO III
EXTINÇÃO DO MANDATO DE CRÉDITO
§ 4.806. Causas de extinção
1.PRINCÍPIOS GERAIS. O contrato de mandato de crédito extingue-se pelas mesmas causas que extinguem os
outros negócios jurídicos bilaterais. A decretação da nulidade ou da anulação é uma das causas de extinção.
Outra, o distrato. Também o extingue a resolução, inclusive a resolução por inadimplemento.
Na doutrina há divergências quanto à extensibilidade ao mandato de crédito dos princípios que regem a extinção
do mandato. A revogabilidade e a denunciabilidade vazia, por parte do mandatário de crédito, seria contraditória,
devido a tratar-se de contrato em que o mandatário de crédito está vinculado. Quanto ao mandante de crédito,
tem-se de admitir que êle possa denunciar a seu líbito, enquanto o negócio jurídico de crédito não se conclui, mas
com o dever de indenizar os prejuízos que cause ao mandatário de crédito.
Tem-se pretendido que tudo isso resulta de ser mandato o mandato de crédito, o que, conforme expusemos, não é
de admitir-se. O mandatário de crédito é devedor. O mandante também o é, mas a sua dívida depende de o
mandatário de crédito concluir com o terceiro o negócio jurídico de crédito e o terceiro não ter adimplido. Se o
mandatário de crédito deixa de adimplir, mesmo com denúncia cheia sem procedência (~ denúncia cheia que se
verifica não estar cheia), cabe a indenização por perdas e danos oriundos do inadimplemento.
2.DENUNCIABILIDADE PELO MANDANTE DE CREDITO. O mandante de crédito pode denunciar o contrato.
A denúncia pelo mandante de crédito depois de concluído o negócio jurídico de crédito, inclusive se é
pré-contrato, que o mandato de crédito não afastou, cai no vácuo. Já era indenunciável o contrato.
Se foi findo prazo para a denunciabilidade pelo mandante de crédito, é sem qualquer eficácia a denúncia posterior
à expiração do prazo.
(No direito italiano, admite-se a denúncia uns juristas dizem “revoca”, outros “recesso” quando já se prestou
algo em virtude de crédito de limite máximo, cf. MICHELE PRAGAL!, Fideiwssione, Mandato di credito, 573;
mas a conclusão já se operou e não há qualquer razão para se entender ainda denunciável o mandato de crédito.)
Se o mandante de crédito denuncia, tem de ressarcir danos, sem se apurar se tinha justa causa ou se não tinha.
Apura-se se podia, legitimamente, denunciar.
As perdas e danos, que hão de ser indenizados, não são só os que correspondem ao interesse negativo. Por
exemplo: pode consistir em ter o mandatário de crédito vendido ações de empresa para emprestar o dinheiro ao
terceiro; pode consistir em ter o mandatário de crédito pedido emprestado dinheiro para emprestar ao terceiro.
3.INSOLVABILIDADE E DIFICULDADE EXTERNA DE ADIMPLEMENTO. Quando o mandante de
crédito e o mandatário de crédito concluem o contrato é de supor-se que ambos contem com a solvabilidade do
terceiro e que o mandatário de crédito conte com a solvabilidade do mandante de crédito. A mudança da situação
econômica, para pior, ou menos firme, do mandante de crédito ou do terceiro não pode deixar de ser risco maior
para o mandatário de crédito.
O mandatário de crédito pode, por isso, denunciar o contrato de mandato de crédito, quer a insolvência ou
situação difícil seja do mandante de crédito quer do terceiro. Trata-se de denúncia cheia, cabendo ao mandatário
de crédito o ônus a de alegar e provar.
Em vez de exercer a denúncia cheia, apode o mandatário apenas suspender a conclusão do negócio jurídico com
o terceiro? Seria cautelar a medida, que só se justificaria em sistema jurídico que expressamente a permitisse,
como ocorre no sistema juridico italiano (Código Civil italiano, ad. 1.959, 2.s alínea).
Se o mandatário de crédito exerce o direito à denúncia cheia e o terceiro ou o mandante de crédito dá suficiente
garantia, não é eficaz a denúncia cheia. Se o mandatário de crédito não exigiu garantia, não está fundamentada
suficientemente a denúncia cheia.
4. DENÚNCIA CHEIA. O mandatário de crédito não pode desligar-se do contrato, desde que aceitou a oferta ou
que foi aceita a oferta que êle fêz. Se foi êle quem fêz a oferta, até ser aceita pode revogá-la; se foi aceita, não tem
denúncia vazia. Há denúncia cheia se o mandante de crédito se tornou insolvável, ou de difícil satisfação o
crédito do terceiro, ou se, antes de se concluir o negócio jurídico de crédito, cai em insolvabilidade o terceiro, ou
se põe em situação que torne difícil a satisfação do crédito.
5.MORTE OU INCAPACIDADE DO MANDANTE DE CRÉDITO OU DO MANDATÁRIO DE CRÉDITO. Se a morte ou a incapacidade do mandante de crédito ou do mandatário de crédito ocorre antes da conclusão do
negócio jurídico de crédito só extingue o mandato de crédito se do conteúdo do contrato é de entender-se que foi
condição estar vivo e capaz aquêle ou êsse. Não se pode considerar a morte, ou a incapacidade superveniente do
mandante de crédito, como equiparada à denúncia: o interesse pode ter continuado e de ordinário continua. Nem
se pode considerar a morte ou a incapacidade superveniente do mandatário de crédito como causa de extinção,
salvo se, com isso, perde a razão de ser o negócio jurídico, como se do cantrato de mandato de crédito consta que
o mandatário de crédito, funcionário público, pediria emprestado à Caixa Econômica, para poder fazer o crédito.
Também não se justifica que a morte ou incapacidade superveniente do mandante de crédito extinga a relação
juridica entre êle e o mandatário de crédito. Os herdeiros, êsses, podem, a tempo, denunciar; ou o curador.
Sem razão, MARIANO D‟AMELIO (~Codice Civile, Commentarjo, II, 2, 432) e LUIGI BRAGANTINI, II
Mandato di credito, 153); com razão, MICHELE FRAGALI (Fidejussione, Mandato di credito, 576).
Quase sempre o mandatário de crédito é instituIção bancária. A extinção daria ensejo à prévia liquidação coativa,
ou voluntária, e perde interesse a extinguibilidade pela morte. Os órgãos das empresas não são mandatários de
crédito, de jeito que é sem qualquer relevância jurídica a morte dêles.
§ 4.807. Causa de extinção, ligada ao terceiro
1.RECUSA DO TERCEIRO A CONCLUIR O NEGÓCIO JURÍDICO DE CREDITO. Se o terceiro se recusa a
concluir o contrato, como se não aceita a oferta do mandatário de crédito, ou não faz oferta, tendo havido invitatio
ad offerendum, ou se conclui o negócio jurídico de crédito com a pré-exclusão da ligação ao mandato de crédito,
extingue-se o contrato de mandato de crédito. Se a recusa do terceiro foi devida a culpa do mandante de crédito,
tem êsse de ressarcir os danos ao mandatário de crédito.
2.MORTE OU INCAPACIDADE DO TERCEIRO. Se, antes da conclusão do negócio jurídico de crédito, falece
o terceiro, ou é interditado, ou enlouquece notôriamente, extingue-se o contrato de mandato de crédito.
3. INSOLVÊNCIA SUPERVENIENTE DO TERCEIRO. A insolvência superveniente do terceiro é causa de
extinção. O mandatário de crédito está liberado. Em todo o caso, o contrato de mandato de crédito pode prever
que o crédito seja, por exempIo, para o terceiro obter concordata. Ou haver alternatividade: C (terceiro) ou D
(terceiro).
4.ATINGIMENTO DO FIM POR OUTROS MEIOS. Se o negócio jurídico de crédito era para determinada
aplicação pelo terceiro e êsse já obteve o que era necessário e aplicou, o mandato de crédito extingue-se. Por
exemplo: A, em mandato de crédito, conseguiu que B lhe prometesse dar crédito a C, para êsse poder adquirir o
apartamento da rua tal, número tal, ou algum apartamento até o valor z, ou do valor z. Se o crédito não teve esse
fim, mesmo se dado pelo mandatário de credito, não se pode pensar em extinção. Se o terceiro recebe do
mandatário de crédito, ou de outrem, menos do que se disse no contrato de mandato de crédito, preenchendo o
fim, está extinto o mandato de crédito, ali, pelo adimplemento, aqui, por ser recusado, explícita ou
implicitamente, o crédito.
Título XLI
NEGÓCIO JURIDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA
CAPITULO 1
CONCEITO, NATUREZA E PRESSUPOSTOS DO NEGÓCIO JURIDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA
§ 4.808. Conceito e natureza da constituição de renda
1.CONCEITO. Constituição de renda é o negócio jurídico bilateral, ou unilateral, do qual se irradiam direito e
dever unitários de prestações, por titulo de direito, independente, à renda, quer se trate de dinheiro, ou de outras
coisas fungíveis, por tempo determinado (e. g., durante a vida do outorgado, ou do outorgante). Do conceito
resulta que o negócio jurídico de constituição de renda é negócio jurídico real, e que não é constituição de renda,
no sentido do Código Civil, arte. 1.424-1.431, o negócio jurídico em que a renda seja acessório de capital. Se a
pretensão à renda é pretensão acessória, trata-se de mútuo, ou de outra categoria jurídica.
Renda é a prestação periódica, de ordinário anual, que se há de fazer em dinheiro ou outro bem fungível. A
periodicidade é essencial, mas o instituto da constituição de renda exige que haja o gravame do bem imóvel, ou a
determinação da duração.
As rendas prestadas em virtude de dever alimentar não são rendas constituídas e dependem da necessidade do
alimentando; nem as que se prestam em retribuição, ou em lugar de contraprestações ainda por se fazerem, ou
feitas anteriormente (alugueres, salários, pensões, ainda que só prometidas posteriormente), ou em indenização,
ou em transação (P. OERTMANN, Das Recht der Schuldverhtiltnisse, 917; Orro VON GIERKE, Deutsches
Priva.trecht, III, 803, nota 45; K&RL SEPP, Der Leibrentenvertrag, 91>.
2.NATUREZA DO NEGÓCIO JURÍDICO. O direito à renda, como direito unitário, pode ser subordinado a
condição; não o podem ser, porém, as prestações (Orro WARNEYER, Kommentar, 1, 1193).
No sistema jurídico brasileiro e no alemão, discute-se se o direito pode ser concebido a) como unitário, de modo
que dêle se distinguem as pretensões concretas à renda, que dêle resultam (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II), ou
b) como direitos sucessivos e pretensões sucessivas, ou e) como pretensão única sob condição resolutiva, ou
têrmo final incerto (KARL SEPP, Der Leibrentenvertrag, 57).
No direito brasileiro, como no direito alemão, a construção somente pode ser a). Ainda que se conceba como
unitário, o Código Civil, art. 1.427, in fine, incide, isto é, a mora no pagamento das prestações permite pedido de
resolução do contrato, por inadimplemento (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). Se não existisse o art.
1.427, in. fins, do Código Civil, estaria afastada a resolução. No negócio jurídico de constituição de renda, com
direito unitário, a atribuição dela já é cumprimento, de modo que a mora não daria ensejo a resolução por
inadimplemento, se não houvesse o art. 1.427, in .fine, do Código Civil. Não há prescrição segundo o art. 178, §
10, TI, do Código Civil, só relativo às prestações periódicas, e sim a de vinte anos: trata-se de direito expectativo,
e não de pretensões singulares de renda (cf. L. ENNECCERUS, Rechtsgeschàft, Redingung und Ànfangstermin,
III, 600 s.); direito expectativo à semelhança dos alugueres, que também só prescrevem em cinco anos (art. 178, §
10, IV), por fôrça de lex specialis. A promessa de dote pela qual o pai ou outrem se obriga a prestar subvenção
regular para os gastos da casa não é constituição de renda; não gera direito unitário, de modo que o art. 178, § 10,
II, incide. O que dissemos sabre resolução também incide em se tratando de resilição, que é mais frequente.
A onerosidade do contrato de constituição de renda resulta de alguém dar a outrem o bem imóvel ou o dinheiro,
transferindo-lhe a propriedade e a posse, para que receba prestações de dinheiro ou de outro bem fungivel,
durante tempo determinado. Pode ser introduzida álea, e. g., se o contrato
é para que se preste a renda durante a vida da pessoa benelidada. Uma das prestações foi instantânea: a da
transferêneia da propriedade e da posse própria do capital. A outra, unitária, é satisfeita em prestações singulares.
A expressão do art. 1.424 do Código Civil mostra que se trata de contrato real, pôsto que se possa pensar em
pré.contrato de constituição de renda, a que basta o consenso. (A consensualidade ou realidade do contrato de
constituição de renda vitalícia, que é o que se regula no Código Civil italiano, arte. 1.872-1.881, ao lado da renda
perpétua, arts. 1.861- 1.871, discutiu-se e ainda se discute no direito italiano. Cf., pela realidade, MARCELLO
ANDREOLI, Fonti e natura giuridica della Rendita vitalizia, Siudi senesi, 126; contra ANTONIO BUTERA, Dei
Contratto vitalizio, 58; DE VILLA, Nuovo Digesto Italiano, verbo Vitalizio, n. 27). Quanto à transferência da
propriedade imobiliária e da posse, incidem os princípios acêrca do acOrdo de transmissão da propriedade
imobiliária e do acOrdo de transmzssão da posse. É êrro dizer-se, como fazem, por exemplo, muitos juristas, que
se hão de observar os princípios concernentes ao contrato de compra-e-venda.
Nos contratos onerosos de constituição de renda vitalícia, há álea. Se para a constituição de renda se fêz contrato
gratuito (doação), não há prôpriamente álea. O que se doou doou-se sem qualquer contraprestação, que pudesse
ser exposta a risco.
(Discute-se se, na constituição de renda vitalícia, ou outra em que haja álea, há bilateralidade da álea. Ora, a
aleatoriedade só atinge a prestação do rendeiro. A álea é unilateral, à diferença do que se passa no jôgo e na
aposta.)
Contrato real o de constituição de renda, não há pensar-se em exceptio non adimpleti contractus ou non rite
adim.pleti contractus. Não assim se se trata de pré-contrato, ou de algum contrato consensual, de que o de
constituição de renda seja prestação de dívida.
O negócio jurídico de constituição de renda nada tem com o que levou os figurantes à conclusão do contrato de
constituição de renda. No art. 1.424 do Código Civil fala-se de título oneroso ou gratuito. Mas, adiante, se alude a
entrega de capital, em imóvel, ou em dinheiro, o que já afasta a liberalidade,
se o beneficiado é quem faz a entrega. Houve toma-lá-dácá. Se o beneficiado é terceiro, necessâriamente houve
outro negócio jurídico, em que foi figurante o terceiro. No negócio juridico unilateral de constituição de renda,
quem manifesta a vontade vincula-se sem que outrem dê capital, em imóveis ou em dinheiro.
A discussão, ainda hoje, é em torno da abstraçdo, ou causa,. lidade do contrato de constituição de divida. Pela
abstração, PAUL OERTMANN (Das Recht der SckuldverMltnisse, nota 4 ao § 759), JOSEF ESSER (Lehrbuch,
des Schuldrech,ts, 387), e outros, incluída a alta Côrte alemã. Contra, KARL LARENZ (Lekrbuck des
Schuldrechts, II, 269). Nem uma nem outra opinião parte de exame das espécies, pois não é da mesma natureza o
negócio jurídico em que se promete renda, abstratamente, e o em que, por exemplo, se diz que se doa a alguém a
renda por determinado tempo. O que é preciso, portanto, é que se verifique, in casu, se houve somente o negócio
jurídico de constituição de renda, sem se aludir a causa, se o negócio jurídico de constituição de renda, êle
mesmo, é causal, ou se há outro negócio jurídico, subjacente, justajacente ou sobrejacente. A relação jurídica,
duradoura, de constituição de renda, pode ter nascido de negócio jurídico bilateral, unilateral, ou plurilateral. A
promessa de prestar a renda, ou de ser prestada a renda, não precisa ser causal; pode ser abstrata. Se não foi nula
a promessa, e o é o negócio jurídico básico, não há ação para que se afaste aquela. O que foi recebido devido ao
negócio jurídico básico é que pode ter de ser restituído, por enriquecimento injustificado, mas aí o que se apreciou
foi a desconstituição do negócio jurídico básico, em virtude da coisa julgada.
3. DAnos HISTÓRICOS. O negócio jurídico de constituição de renda, como contrato independente, nasceu no
direito alemão no século XIII. Assistiu-se, nos começos, à extração do contrato de constituição de renda, pois o
que se usava era a compra de renda: compravam-se as terras e reentregavam-se ao vendedor, com o direito de
cânon imobiliário como prestação correspondente ao direito de censo pelo vendedor-comprador (Leicherecht). O
censo pio (Seelzins) era o que se entregava à instituição eclasiástica para missas de defuntos. Nas zonas urbanas,
a gravação propagou-se e passou ao próprio censo
hereditário. Falou-se então de compra de renda (Rentenkauf), com a constituição do direito real e a renda
perpétua. Por ocasião das proibições da usura, pela Igreja, cresceu o papel da compra de renda, para se escapar às
conseqUências do mútuo usurário. Por outro lado, os senhores territoriais empregaram, no Oeste da Alemanha, a
constituição de renda para vincular aos cavaleiros os produtos do solo. No século XIV, já é em dinheiro, e não em
espécie, que se paga a renda. O documento do direito real era a carta de renda; posteriormente, surgiu o
título-valor de renda. O fundo capitilístico acentuou, por vêzes, o propósito de interesses altos que se disfarçavam
com a figura jurídica. Ora, era o capitalista que queria percentuais elevadas; ora, o proprietário de terras que
precisava de capital.
No direito comum, ora se explicava a constituIção de renda como compra-e-venda, ora como mútuo (cf. L.
RtYCKERT, Der Lei brentenvertrag, 13 e 23 s.), ou alternativamente, ou, se não havia bílateralidade, como
doação. A verdade está em que dependia das circunstâncias.
4.DIREITO PORTUGUÊS E DIREITO LUSO-BRASILEIRO. A
constituição de renda não foi novidade para o direito brasileiro. Quando se edictou em Portugal a Lei de 13 de
dezembro de 1615, já os censos reservativos eram usados e se cogitava de cerceá-los onde houvesse usura (cf.
MELCHIOR FEBO, Decisiones Senatus Regni Lusitaniae, d. 211, n. 13; ANTÔNIO DA GAMA, Decisiones
~Supremi Senatus Lusitaniae, d. 91, n. 2, e 38; JORGE DE CABElO, Decisiones Senatus Regni Lusitaniae, d.
153; ALVARO VALASCO, Quaestionum Juris empkyteutici, q. 32).
A fonte foi alemã e de fonte alemã a sugestão ao Papado e ao Reino de Portugal para se coibir a usura, que se
procurou acobertar com os censos. Depois vieram as Leis de 12 de outubro de 1643, 23 de maio de 1698, de 3 de
janeiro e 4 de agôsto de 1773. No Alvará de 16 de janeiro de 1773, § 3, foi dito:
“Os verdadeiros censos reservativos, e foros permitidos pelas leis, são aquêles em os quais cada um cede o seu
prédio, ou a propriedade cedida, sem haver outra espécie de contrato, que lhe mude a natureza, e sirva de pretexto
para capiar a usura, e sem haver valor certo, e estipulação de capital, que importe venda; e em razão da qual se
percebe cada ano, enquanto se não entrega o capital, maior interésse do que aquêle de cinco por cento, que pela lei
é tolerado”.
Chamou atenção FRANCISCO PINHEIRO (De Censit et Emphyteusi Tra,ctatus, 4) para as similitudes e as
diferenças entre o censo e a enfiteuse. Na enfiteuse, só se transfere o domínio útil, ao passo que, no censo, se
transferem o útil e o direto, só se reservando a pensão “ex se percipiendam”, o que essencialmente distingue os
dois negócios jurídicos. Se se dá o bem. e se reserva do domínio direto, não é de censo que se trata, mas de
enfiteuse. Não é ao nome que se LA de atender, mas à intenção dos contraentes: “Neque enim ad verba, sed ad
mentem contrahentium, atque ad ipsam contractus substantiam, attendendum est”. Na enfiteuse, o que não está
com o enfiteuta. êle não pode vender; e, se aliena o direito de enfiteuse, tem de pagar o laudêmio (ei. MOLINA,
De Justitia a de Jure. disp. 281, n. 3).
Os censos regulares eram “sem labe de usura”, como dizia. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Tratado
prático compendiáricp dos Censos, 11), pois as Bulas de Pio V (1569 e 1570) não foram recebidas em Portugal, a
despeito do que pretendiam fazer, citando-as, alguns dos juristas daqueles tempos, e da errada interpretação que
alguns deram às Ordenações Manuelinas, Livro II, Título 5, § 1, e às Ordenações Filipinas, Livro II, Título 64.
5.NEGOCIO JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA E OUTROS NEGÓCIOs JURÍDICOS. A
constituição de renda pode resultar de negócio jurídico unilateral e não haver gravação de bens,. à diferença do
que ocorre na constituição de renda sobre bens imóveis (direito real de renda constituída, Tomo XIX,
~§ 2.395-2.412).
Conforme frisamos a propósito do direito luso-brasileiro, a constituição de renda, mesmo se há o direito real, não
se confunde com a enfiteuse. Tão-pouco há seguro no contrato de constituição de renda, pôsto que a constituição
de renda seja negócio jurídico independente de segurança.
O contrato de seguro tomou a dianteira em relação ao contrato de constituição de renda por só ser exigido ao
segurado o desembôlso periódico de quantias módicas, o que permite às classes médias cuidar das rendas futuras,
aliás do que dê rendas futuras.
Quanto ao mútuo, J. li. BOEEMER (Exercitationes ad Pan-. dectas, ex. 85, 2) feriu os pontos principais: os juros
são “accessorium, seu instar mercedis pro usu pecuniae mutuo accepate”, pagam-se por períodos, pelos quais são
devidos, à diferença do capital; o que se receberia de renda pode-se emprestar a juros, os juros não. S. L. B. DE
COOCEIUS (bis civile eontroversum, L. 22, Tit. 1, q. 15) precisou que a renda é principal. ao passo que os juros
são acessórios, e que o mutuário na compra o bem. As rendas decursas podem ser dadas em aumento do capital,
sem que haja anatocismo (SILVESTRE GOMES DE MORAIS, Tractatus de Ezecutionibus, II, 235).
MOLINA (Tractatus de Contractibus, 368) via na constituição de renda, qualquer que fôsse o bem que se deu,
compra-e-venda. Como êle, quase todos os juristas; e é interessante observar-se que às vêzes falam da venda do
bem e outras da venda da renda, o que reduziria, não o rendeiro, mas o recebedor das rendas, a dador de preço.
Ora, se venda houve, foi o que não era essencial, pois podia ter sido entregue dinheiro.
Ainda hoje o problema da classificação da constituição de renda é extremamente delicado. Mesmo recentemente
se travou discussão, na doutrina e na jurisprudência alemã, sem que se apontasse a solução.
A 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 17 de março de 1953, teve ensejo de julgar ação de
cobrança em que o instrumento de contrato em que A atribuiu a B e O a percepção de dividendos de ações, como
usufrutuários, aludia a constituição de renda. A 1,a Câmara Civil entendeu que se tratava de negócio jurídico
misto. Em verdade, o negócio jurídico foi de constituição de usufruto, e não de renda. Se fôsse de renda, não
haveria, in casu, o direito real, que a própria 1a Câmara Civil supôs.
6.EsPÉCIEs DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA. A constituição de renda ou é pessoal ou é real. Numa e noutra,
a renda é principal, e não acessório.
A renda, mesmo quanto há o correspectivo da alienação do imóvel, é prestação de dívida pessoal. Não se passa o
mesmo se há o gravame do direito real (Código Civil, art. 750).
A Revolução francesa sacolejou o sistema jurídico francês e de outros Estados (cf. Lei francesa de 4 de agôsto de
1789, Lei francesa de 17 de julho de 1793 e. Lei francesa de 18-19 de dezembro de 1790, cf. LEONARDO
MAURO, II Contratto di censo, 28), de jeito que se pretendeu tirar a conclusão de se haver extinguido o caráter
real da renda. Mas o direito francês não se refletiu no Brasil e o art. 750 do Código Civil não deixa qualquer
dúvida.
De passagem, observemos que não tem qualquer relevância, para se afirmar a realidade da divida, a consideração
de ser duradoura, nem, sequer, para se pensar em classe intermédia entre a dívida real e a dívida pessoal.
Se há o gravame, a dívida é real. É o adquirente quem responde pelas dívidas vencidas antes da aquisição. Se não
há, evidentemente é pessoal a dívida.
A renda pode consistir em dinheiro ou em frutos. Donde os nomes: renda pecuniária, renda frutífera.
O negócio jurídico de constituição de renda pode ser reservativo ou consignativo Reservativo, se há a tradição da
posse e a transmissão da propriedade de bem imóvel, ou de bens imóveis, com o encargo de prestar renda. Nêle, o
que se dá é a coisa (reservativus census file, quo quis rem suam frugiferam alteri tradit, transíato domínio, saltem
utili). Consignativo é o negócio jurídico de constituição de renda em que o que se dá é dinheiro, ficando ao
vinculado à renda o emprêgo da pecúnia como entenda.
Segundo a definição de LunovíCO CENCIUS (De Censibus, q. 7), no censo consignativo, há o ius percipiendi
sobre coisa alheia, ficando o bem com quem o impõe (manente se apud imponentem). No censo reservativo, o
outorgado da renda, o censuista, é que dá o bem, reservando-se o direito à venda. Todavia, LUDovíco CENSIUS
(q. 1, n. 20) apontou o censo consignativo, em que o proprietário grava o prédio e êle mesmo, portanto, é quem
presta a pensão ao rentista. Falta o elemento da transferência da propriedade. A propriedade fica e a divida nasce
ao proprietário, o que não se dá na enfiteuse, em que o direito real, que se constitui, é elemento da propriedade que
passa ao enfiteuta (cf. FRANCISCUS MANTICA, Va ticanae lucubratiofles de tacitis et ambiguis
conventionibus,
1.22, t. 3).
Havia o censo perpétuo e irremivel, o censo remível sem limitação do de tempo e o censo a tempo determinado
(cf. ANTOruo CORDEIRO, Resoluções Teo-juridicas, r. 44, n. 7).
O Código Civil admite a constituição de renda com vínculação só pessoal (arts. 1.424-1.430) e a constituição de
renda com direito real sobre bem imóvel (arts. 1.431 e 749-754). A renda pode ser pecuniária ou frutífera (ad.
1.424, verbis “renda ou prestação perjódica). O negócio jurídico, quer unilateral quer bilateral ou plurilateral,
pode ser reservativo ou consignativo (art. 1.424, verbis “certo capital, em imóveis ou dinheiro”).
O negócio jurídico de constituição de renda pode entrar no direito das coisas e gerar o direito real, ou apenas ter
eficácia pessoal, sem gravame do bem cuja propriedade e posse se transferiram (FOLLERIO, Praxis , 126).
Se há direito real, pela constituição de renda consignativa, o devedor, o rendeiro, é quem dá para o gravame o
prédio, mas continua senhor dêle.
Se a constituição de renda foi concluída com a prestação do capital por terceiro, a constituição de renda não
contém liberalidade. A doação, ou qualquer negócio jurídico entre o terceiro e o beneficiado, ou outra pessoa, é
negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente. Se o contrato de constituIção de renda é concluído entre
o A e B, que presta o capital, sendo terceiro o beneficiado, nem por isso pode ser dito que há doação. Há outro
negócio jurídico entre E e o terceiro, ou mesmo entre A e o terceiro, com o que nada tem o contrato de
constituição de renda. O terceiro beneficiado não precisa, sequer, aceitar, porque o que se passou foi estipulação.
A dívida de renda pode resultar de negócio jurídico abstrato, quer de renda para as necessidades corporais quer de
pensões de veraneio, ou para estudos, ou férias, ou velhice, ou individuais. Nada obsta a que se faça
unilateralmente a promessa, como por exemplo se é o prêmio de promessa de recompensa, ou o de concurso. O
contrato de prestação de renda pode ser concreto, inclusive bilateral, sem que se tenha de considerar tal espécie
como de pré-contrato de constituição de renda.
Mesmo se há intervalos para as prestações, a relação jurídica é duradoura. As prestações como que pingam, e. g.,
pensões de veraneio.
§ 4.809. Pressupostos da constituição de renda
1.PONTES DA CONSTITUIÇÃo DE RENDA. Diz o Código Civil, ad. 1.424: “Mediante atos entre vivos, ou de
última vontade, a título oneroso, ou gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em beneficio próprio, ou
alheio, uma renda ou prestação periódica, entregando-se certo capital, ou dinheiro, à pessoa que se obrigou a
satisfazê-lo”. Alude-se ao capital, que sé entrega. Poderia parecer que se não cogitou da assunção da dívida de
prestar renda, mas apenas da entrega de capital a outrem, que se vincule. Não é isso, porém, que se há de assentar.
O negócio jurídico de constituição de renda pode ser por transmissão de propriedade de prédio, rústico ou urbano,
pode ser contrato de seguro (mediante remuneração que corresponda ao risco médio que se assume), pode ser
feito mediante promessa de doação, devendo-se observar as regras jurídicas sobre os dois negócios jurídicos; e as
expressões do ad. 1.424 do Código Civil “imóveis ou dinheiro” são apenas expressões exemplificativas.
A constituição de renda pode fazer-se: em negócio jurídico unilateral (promessa unilateral, disposição de última
vontade), ou bilateral (contrato de doação, ou contrato de alienação mais contraprestação do direito unitário à
renda), ou resultar da lei. Se feita em negócio jurídico bilateral, tem-se como adimplido com a conclusão dêle, e
não com as prestações de renda. Isso importaria afastar-se, faltando lei, a resolução ou resilição por
inadimplemento das prestações (OTTO vON GIERKE, Deutsckes Privatrecht, III, 808; PAUL OERTMANN,
Das Recht der Sckuldverhaltnisse, 918; li. DERNBURG, Das Búrgerliche Recht, II, 2, 148; KARL SEPP, Der
Leibrentenvertrag, 91; contra a necessariedade da conseqúência, G. PLANK, Kommentar, II, 802; M; E.
ECCIUS, Der Leibrentenvertrag, Gruehots Reitrdge, 45, 28) : o Código Civil brasileiro, art. 1.427, in tine, afasta
a conseqUência que alguns juristas tinham como necessária (verbis “sob pena de rescisão do contrato”; onde
“rescisão” é êrro de terminologia).
A constituição de renda pode resultar de negócio jurídico unilateral, como a promessa de recompensa e o
téstamento, ou bilateral, ou plurilateral. Nada obsta a que se conclua em transação, ou por sentença judicial
(contrato ou constituição de renda por decisão que o exigiu, ou contida na ~r6pria sentença executiva (D. B.
ALTIMARO, Tractatus de Nuilitatibus, IV, q. 28, n. 45; ANsALDO DE ANSALDIS, Discursus degoJes de
Commercio eI Mercatura, d. 99, n. 6), inclusive se consignativo (BENTO PEREIRA, Promptuarium luridicum,
414; TE. GaLUS, De Fructibus, d. 4, art. 8, n. 216; aliás, jáem JORGE DE CABEDO, Practicaram
Observatiofles sive DecisioneS~166)..
O beneficiado da constituição de renda pode ser o nascituro (Código Civil, ad. 4O, 2.~ parte). Em ee tratando de
testamento, pode ser terceiro beneficiado a prole eventual de pessoas, que o testador designar e existentes ao
abrir-se a sucessão (Código Civil, art. 1.718, 2a parte). Pode ser pessoa incerta, cuja identidade se possa
averiguar (arg. ao ad. 1.667, II, regra jurídica sobre testamento, mas que se tem de considerar existente para os
negócios jurídicos entre vivos; idem, quanto às regras jurídicas do ad. 1.668: 1, a favor de pessoa incerta que deva
ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou pertencentes a uma
família, ou a um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por êle designado; II, em remuneração de serviços
prestados ao testador, por ocasião de moléstia de que falecera; ainda que fique a arbítrio do herdeiro, ou de
outrem, determinar o valor do legado).‘ A renda pode ser prêmio de promessa de recompenSA (Código Civil, arts. 1.512-1.515), inclusive concursos
(arts. 1.516 e 1.517).
Lê-se no art. 1.425 do Código Civil: “É nula a constituição de renda em favor de pessoa já falecida, ou quer dentro
nos trinta dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria quando foi celebrado o contrato”.
O art. 1.425 do Código Civil incide se a renda é vitalícia ou não. Não se levou em consideração a álea, nem o ser
gratuito, ou não, o contrato de constituição de renda. Se o beneficia estava doente e faleceu nos trinta dias
subseqúentes à conclusão do contrato, não se pode dizer que haja causa sobrevinda de nulidade: a doença, no
momento da conclusão do contrato, é -fato duradouro, que pode persistir além de cessar pela cura, ou pela morte
do beneficiado. Somente no último caso, com a morte nos trinta dias, o art. 1.425, 2.~ parte,
incide.
Nada obsta a que se insira a cláusula de resolução ou de resilição dO‟ contrato se a morte
ocorre depois dos trinta dias, antes~ de alguma data que se fixe.
Não se equipara à morte a ausência. Se o beneficiado desapareceu, ou dêle não se tem notícia, o
art. 1.425 do Código Civil somente incide se já havia o processo declaratório da ausência
e nos trinta dias ocorreu o trânsito em julgado da sentença <árt. 483, parágrafo único). Se
vem a ser provada a morte, anterior~ à conclusão do contrato, ou vem a ser provada a morte,
dentro dos trinta dias após a conclusão, em virtude de nioMstia de que êle sofria no momento da
conclusão do contrato, o art. 1.425 incide.
Se a constituição de renda foi em testamento, o que importa não é só o momento da conclusão
do negócio jurídico unilateral; todo o tempo até a abertura da sucessão. Se o beneficio estava
morto no momento da abertura da sucessão < ao”falecer quem fêz o negócio jurídico
unilateral), qualquer que tenha sido o momento em que faleceu, o art. 1.425 incide. Se
faleceram, no mesmo momento, o outorgante e o outorgado, incide o art. 1.425, pela regra jurídica
da simultaneidade das mortes (art. li; „Fomos, 1 § 67, 2, 3, 4, 5; II, § 161, 8; III, § 299, 2; 852, 1;
IV, § 372, 2, 3; XII, § 1.333, 1; XVI, § 1.860, 3>.
Se um dos contraentes conhecia o fato da morte, ou da moléstia, de que resultou a morte, „pode
ser constrito a pagar a indenização dos danos que com a conclusão do contrato sofreu o
contraente. Idem, se sabia que a morte presumida „estara declarada.
1 2~ CAPACIDADE. A capacidade para a constituição de renda é conforme os princípios
gerais. Uma vez que os bens foram entregues, com a decretação da nulidade, ou da
anulação, há a restituição com a indenização ao incapaz. Tratando-se de menor na situação do art.
155 do Codigo a regra jurídica que aí se contém. Se o menor recebem alguma prestação após a
capacidade, há ratificação (SILVEs¶I.U .GoiaES DE MORAIS, Tractatus de
Executionibus, V, 5!Tfl.
O bem há de ser alienável.
O usufrutuário somente pode constituir a renda pelo tempo que dure o usufruto.
Pode-se constituir renda sobre patrimônio (FRANCISCO PINHEIRO, De Oensu et Emphvteusj Tractatus, 19:
“Ratio est, quia, út 4U1S habet 1 us percipiendi utilitatem ex omnibus suis boni.q, Ita illud vendere potest, atque
adeo censum in illis constituere”) 1 Sem razão, o julgado de 1587, a que MaCIIIoR FEBÔ‟aê réferiu.
Quanto ao bem comum indiviso, a constituição de renda sobre a parte depende da observância dos arts. 638 e 628
do Código Civil.
O art; 1.424 do Código Civil somente fala de “imóveis ou dinheiro”. Pré-excluem..se os móveis.
O Código Civil deixou de fora os bens móveis, que não sejam dinheiro, porque isso foi o que se assentou, por
tôdas as partes, depois da Bula de Pio V (cf. LTmovícus CENCIUS, De Censibus, 1, 20; LEONELO
PERUGINO, Glossae ad Rutiam Pii V, g. II, 343). Mas, se o adquirente fixa o preço, seria de entendeu-se que
comprou e ficou com o dinheiro.
Tem-se de dizer quando se há de prestar a “renda ou prestação periódica”.
A periodícidade das pensões ou prestações não atinge a continuidade, a unitariedade, da dívida de renda, O ina
census é permanente, incindivel, enquanto dura. A exigibilidade, a pretensão, é que nasce com os períodos.
5. MONTANTE DA RENDA. Se foi fixada a renda, sem se dizer qual o período a que corresponde, entende-se,
na dúvida, que foi o anual. Se o art. 1.424 do Código Civil se refere a prestações periódicas, com isso não exigiu
que se afastasse interpretação do negócio jurídico no tocante à extensão convencionada do período.
Se a renda há de ser paga adiantadamente, ou não, resolve-se conforme o que resulta dos termos do negócio
jurídico, ou da. natureza da renda. Exemplo: se a renda há de começar quando o beneficiado entrar para a
Universidade, entende-se que é antecipada.
O valor da renda pode mudar, quer consista em dinheiro quer em outro bem fungível. A instabilidade monetária e
a instabilidade dos preços refletem-se, fàcticamente, no objeto da prestação, sem que daí resultem conseqUências
jurídicas. Donde o problema das cláusulas que obviem àquela a instabilidades. Evidentemente, não há cláusula de
tal gênero se a prestação mesma é em determinado bem fungível: presta-se o que se prometeu, qualquer que seja
a variação dos preços. (Quanto ao dinheiro, cf. Tomos III, § 259, 1; XXIV, § 3.872, 2; XXV, §§ 3.073, 2; XXVI,
§§ 8.174, 1, 2, 3, 4; 8.175, 1; 8.176, 1; XXXIV, § 8.873, 2; XXXV, § 3.975, 1; XXXVI, §§ 4.108, 2; 4.120, 1;
XLII, § 4.587, 2.) Cumpre frisar-se que rege o princípio Utile per mutile nou vitiatur. É sempre possível, no
contrato ou no negócio jurídico unilateral de constituição de renda, a referência aos números índices do custo da
vida.
O objeto da prestação de renda pode ser dinheiro, ou outro bem fungível. Nada impede que seja misto. Com as
inflações, sem lei de revalorização que lhe atenue as consequências, não sofre alteração a quantia devida em
dinheiro, porque se trata de dívida de valuta, e não de divida de valor. Se não consiste em dinheiro, também o
objeto há de ser certo e determinado (cf. LUIGI CARlOTA-FERRARA, La Rendita perpetua, 24). Pode exigir-se
que o bem fungível sej a de determinada zona, ou fazenda. (Quando se fala de determinação, entende-se
determinação e determinabilidade. No direito brasileiro, não há diferença, nesse ponto, entre as prestações em
dinheiro e as outras.) Nada obsta a que a prestação seja variável em função de fatos futuros verificáveis, como se
consiste em quantidades necessárias à alimentação, ou ao aluguer de casa ou apartamento cuj as indicações
genéricas sejam suficientes à determinação, oú à indumentária, desde que se possa saber qual o nível de vestir que
se exija à pessoa beneficiada. Importam, como elemento de interpretação, a qualidade e a quantidade que seriam
pró-prias à pessoa beneficiada, ou as que ela costumava exigir ao tempo da conclusão do contrato. Tem-se de
levar em consideração as mudanças devidas à idade, entradas em cursos e profissão adotada (diferente solução,
no direito italiano, cf. ANDREA TORRENTE, Rendita perpetua, Bendita vitalizia, Commefltario de A.
SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 72).
Ao tempo em que não se tinha cotação de bôlsa, ou nos mercados, para se saber o valor dos frutos, a solução era
a verificação do preço médio durante algum tempo (cf. AZORIO, Institutiones morales, c. 20, q. 8; DE
BoccAnís, De Censibus, P. 2, n. 9).
6. UsuRA. Quanto ao importe da renda ou prestação periódica, a lei de usura pode atingi-la, mas o assunto é
delicado, se a prestação é frugífera. A tradição do direito brasileiro é afirmativa, pois houve a Lei de 23 de maio
de 1690, que foi explícita. O valor teria de ser “conforme a justa e como estimação, que os tais frutos costumavam
ter”, isto é, o do tempo do contrato; e assim se não via a nefasta influência das inflações e as suas conseqüências
na elevação dos preços. Para a redução a dinheiro, o Alvará de 9 de maio de 1654, Tit. 3, § 14, já havia ordenado
que se tomasse o preço dêles nos cinco anos antecedentes (no mesmo sentido, as Instruções de 18 de outubro de
1762, §§ 29 e 80); de modo que não havia razão para só se atender ao “costumavam ter” da Lei de 1690, para se
abstrair da variação dos preços. Advertia-se que se não havia de considerar o preço dos anos de calamidade, como
os de guerra.
7.CLÁUSULAS E PACTOS ADJECTOS. É permitida a chamada cláusula de opção ou o chamado pacto
adjecto de opção, para o caso de o devedor alienar o bem que foi para a constituição de renda. Assim era desde o
século XVI. É a cláusula de preempção ou preferência, de que tratam em geral os arts. 1.149-1.157 do Código
Civil. A verdadeira cláusula de opção ou pacto adjecto de opção cria condição resolutiva, pois o seu exercício faz
extinguir-se a constituição de renda antes de expirar o prazo.
A cláusula ou pacto adjecto de vedação de alienar ou transforma o negócio jurídico em enfiteuse (CudACO,
Contraversiae Forensae, c. 688, n. 21), ou há nulidade da cláusula ou pacto adjecto (O. MANENTI, De Jure
contractus livellarii, P. 9, n. 2), sem que atinja o negócio jurídico da constituição de renda (D. B. ALTIMARO,
Tractatus de Nuilitatibus, IV, q.28, n. 548).
O pacto de renda pagos os impostos é nulo. Bem assim, a cláusula.
A constituição de renda há de ser por tempo determinado.
O Código Civil, art. 1.424, afastou a validade da cláusula ou pacto de denúncia vazia. No século XVI, o uso dos
Estados europeus era sem uniformidade (válido no Ducado de Vurtemberga; noutros lugares, não). A discussão
que era acesa nos séculos XVI e XVII não tem mais razão de ser, O que pode ocorrer é a denúncia cheia ou a
resolução ou resilíção do contrato. A chamada cláusula de remição também é hoje admissível, como o pacto
adjecto, e tem-se, por analogia, como regra jurídica dispositiva a do art. 751 do Código Civil, se a constituição de
renda foi reservativa, sem ter havido a constituição do direito real.
A cláusula de impenhorabilidade pode ser inserta sempre que se trate de negócio jurídico gratuito, seja unilateral
seja bilateral ou plurilateral (cf. 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, 1? de julho de 1948; Supremo Tribunal
Federal, 8 de setembro de 1949; cp. R. dos 1‟., 146, 8~8).
CAPÍTULO II
EFICÁCIA E EXTINÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO DE RENDA
§ 4.810. Eficácia da constituição de renda
1. EFICÁCIA UNITÁRIA. Com a conclusão do negócio jurídico, entre vivos, de constituição de renda, começa
a sua eficácia, nasce o direito unitário à renda. Noutros termos, o negócio jurídico é real, porque desde logo há
direito unitário e pretensão unitária. Idem, com a morte do que a constituiu a favor de alguém.
2.EFICÁCIA QUANTO Ás PRETENSÕES SINGULARES MEDIATÂS. Ainda que a renda se haja de pagar
antecipadamente e desde a feitura do negócio jurídico, tem-se como efeito mediato. Somente nasce porque antes
nasceu o direito unitário, sem que se possa pensar em direito acessório ou em pretensão acessória.
3.TRANSFERENCIA DO BEM, NO NEGÓCIO JURÍDICO ONEROSO.
No Código Civil, art. 1.426, estatui-se: “Os bens dados em compensação de renda caem, desde a tradição, no
domínio da pessoa que por aquela tem obrigação”. Tradição ou outro ato ou formalidade por que se transmita a
propriedade.
4.Ás PRESTAÇÕES (PRETENSÕES SINGULARES). No sistema jurídico brasileiro, a prestação não se supõe
devida adiantadamente (aliter, no Código Civil alemão, § 760; e no suíço, art. 518, 1~a alínea>; entende-se que
são adquiridos dia a dia o direito e a pretensão <Código Civil, art. 1.428: “O credor adquire o direito à renda dia a
dia, se a prestação não
houver de ser paga adiantada, no comêço de cada um dos períodos prefixos”. No Código Civil argentino, art.
2.081, diz-se:
“La renta no se adquire, sino en proporción dcl número de dias que ha vivido la persona en cabeza de quien la
renta ha sido constituída. Pero si se ha convenido que la renta fuere pagada con anticipación, cada término es
adquirido por entero por eI acreedor desde eI dia en que cl pago ha debido ser hecho”.
O herdeiro pode reclamar tôda a prestação antecipada se deveria ter sido paga ao decujo. Se não teria de ser paga
adiantadamente, êle somente tem, em falta de cláusula diferente, pretensão ao que corresponde aos dias de vida
do decujo. Se o devedor, que não devia prestação adiantada, adiantou alguma, ou algumas, nenhuma ação tem o
herdeiro.
O Código Civil, ad. 1.428, não deve ser entendido como se contivesse alternativa ao que constitui, ou aos que
constituem a renda: prestação antecipada, ou fluência dia a dia. Pode ser estabelecido o nascimento semánal,
mensal, ou anual, do direito e da pretensão, ainda que não antecipado o pagamento, ou ao fim dos períodos, O art.
1.428 é dispositivo, porém daí não se tire (sem razão, CARL CROME, S?Ístem, II, 1077, nota 39) que o juiz pode
regular a matéria (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 1195) : pode interpretar o negócio jurídico, ou interpretar a
lei.
5.INCEDIBILIDADE, COMO RESULTADO DE REGRA JURÍDICA INTERPRETATIVA. O direito unitário
à renda vitalícia é, em caso de dúvida, incedível. São cedíveis as pretensões às prestações, ainda que não se achem
vencidas (PAUL OERTMANN, Das Recht der Schuldverhtiltnisse, § 19; O. WARNEYER, Korn-mentar, 1,
1194>.
6.NULIDADE E ANULABILIDADE. Se para a constituição de renda exige-se, na espécie, forma especial, a
infração da regra jurídica de forma importa em nulidade (Código Civil, arts. 82, 180, 145, III, e 146). Continua
nulo o negócio jurídico se todos os figurantes o executam; mas a ação de enriquecimento injustificado pode ser
encoberta pela exceção de prescrição (O. PLANa, Kommentar, II, 805; H. DERNBURG, Das Elirgerliche Recht,
II, 2, 141; M. E. ECCIUS, Der Leibrentenvertrag, Gruchots Beitrage, 45, 12; sem razão: PAUL
OERTMANN, Das Recht der Schuldverhdttnisn, 922; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 595), que é vintenal,
quer se trate de constituição de renda civil, quer de renda mercantil.
Quando se exige forma especial à constituição de renda, exige-se também às alteraçÕes ao negócio jurídico.
Tratando-se de direito real a ser constituído, as regras de direito das coisas e do registo têm de ser observadas.
A constituição de renda a favor de terceiro supõe que esteja vivo o terceiro. Se não está, dá-se nulidade do
contrato, uma vez que impossível o seu objeto (Código Civil, art. 145, II). Salvo se concebido como a favor do
terceiro e seus herdeiros, ou de terceiro e outra pessoa, caso em que, não havendo estipulação diversa, se observa
o Código Civil, ad. 1.429, in fine. O ad. 1.425 insere a regra jurídica sobre nulidade, se morto o beneficiado, e
prevê outra que não se poderia tirar do ad. 145, II, e se subsume no art. 145, V: “É nula a constituição de renda a
favor de pessoa já falecida, ou que, dentro dos trinta dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria, quando
já celebrado o contrato”. No Código Civil argentino, ad. 2.078, estatui-se: “El contrato de renta vitalicia será de
ningúm efecto cuando la renta ha sido constituída en cabeza de una persona que no existia ei dia de su formación,
6 en la de una persona que estava ataeada, en el momento del contrato, de un enfermedad de la que muriere en los
trinta dias seguintes, aunque las partes hayan tenido conocimiento de la enfermedad”.
7.AÇÕES DO TITULAR DO DIREITO À RENDA. Na ação de condenação por prestação não paga pode-se
pedir (O. WARNEXER, Kommentar, 1, 1195) a condenação ao pagamento das prestaçÕes que forem vencendo
(ação de condenação a pretensões futuras), - o que também é possível a respeito dos alugueres. Quanto ao direito
à renda (direito unitário, que, na ação de condenação, necessâriamente se declara), a ação a propor-se é a ação
declaratória (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 597), com eficácia para preceitação (Código de Processo Civil,
art. 290).
Se a pretensão satisfaz os pressupostos do ad. 298, XII, ao Código de Processo Civil, cabe a ação executiva.
A ação para se cobrar a renda vencida, seja condenatória seja executiva-condenatória, apenas se refere a essa
renda, e os inadimplementos posteriores fazem nascer ação para cada um.
Se o rendeiro devedor, no contrato gratuito, ou no negócio jurídico unilateral de constituIção de renda, não presta,
nem dá garantia, pode ser feita a penhora em bens suficientes para se ter o capital suficiente à produção das
rendas. Tal medida tanto concerne às rendas oriundas de contratos onerosos como de contratos gratuitos. Se
gratuito o contrato, ou se unilateral o negócio jurídico, não há resolução, ou resilição:
o que ocorre é execução para se haver o capital necessário à produção das rendas.
No direito brasileiro, pôsto que se tenha, como em nenhum outro sistema jurídico, a teoria da posse, abrangendo
a posse de bens incorpóreos suscetíveis do direito de propriedade, não se pode admitir a ação possessória contra o
terceiro adquirente dos frutos, se pessoal ou real a constituição de renda (LuDovíCus CENCIUS, De Censibus,
250). „O que há é a ação pessoal contra o vinculado (BONI, De Censibus, 84).
Se há o direito real, a ação possessória seria sem razão de ser, porque o titular do direito à renda não tem posse
sobre os frutos, salvo se foi estipulado que parte dos frutos seria considerada, ao fim de cada período, pertencente
ao titular do direito à renda. Ai, sim, poderia êle ir contra o terceiro possuidor, e êsse não poderia opor exceptio
excussionis, nem, tão-pouco, nominar autor (cf. Limovícus CENSIUS, De Censiluis, 251 e 264).
8.IMóvEL VINCULADO A RENDA. Diz o Código Civil art. 1.431: “A renda vinculada a um imóvel constitui
direito real de acôrdo com o estabelecido nos arts. 749 e 754”. O acôrdo de constituição é abstrato. A exigência do
tempo determinado não cabe. Por onde se vê que não se podem tratar indistintamente as duas espécies.
9.PRESCRIÇÃO. Quanto à prescrição, cada pretensão a prestação singular prescreve conforme o art. 178, § 10,
II, do Código Civil. A pretensão unitária persiste enquanto não se extingue por alguma das causas de extinção e
não se poderia. pensar em que se extingue não estando prescrita, sequer, a última dívida singular.
§ 4.811. Pretensões legais de renda
1. FONTE LEGAL. No próprio Código Civil, há casos de renda constituída, de fonte na lei; e. g.: a) art. 1.587, II
(prestação de alimentos às pessoas a quem o assassino devia, prestação que não depende da necessidade do
beneficiado e, pois, é constituição de renda, no sentido próprio; aliter, no tocante aos arts. 288, 234 e 277, que se
referem a prestações de alimentos pendente a sociedade conjugal e a respeito dos quais não cabe a observação,
que acima fizemos, quanto ao art. 1.587, II) ; ti) art. 320 (pensão alimentícia à mulher, após a dissolução da
sociedade conjugal), que também é constituição de renda. Caiu em êrro L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 595 s.)
em considerar tôdas essas espécies, no direito alemão, como de constituição de renda, em contradição com a sua
própria teoria do direito unitário na constituição de renda, a que repugna ação de modificação: há regras jurídicas
explícitas, naquele sistema jurídico, como a do § 1.579, alíneas 1a e 23. Não há confundi-las, no direito
brasileiro, com as pretensões do Código Civil, arts. 896-405; quanto a essas, sim, há a regra jurídica do art. 899.
Por isso mesmo, a obrigação de prestar alimentos, nas espécies do art. 820 do Código Civil, é vitalícia e a morte
do cônjuge culpado não a extingue; bem assim, se houve acôrdo em disputa amigável, e não resulta dos termos do
acôrdo a extinção. O art. 402 não é, aí, invocável. A regra
jurídica de inerdabilidade passiva do direito a alimentos só se refere aos alimentos entre parentes, e não entre
cônjuges, dissolvida a sociedade conjugal, ou entre figurantes de negócios jurídicos, ou entre autor de ato ilícito e
titular de direito unitário à renda.
2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTS. 919-922. As regras jurídicas, que se contêm nos arts. 919-922 do
Código de Processo Civil, são de direito processual; não há distinguir-se, para a sua incidência, se houve, ou não,
constituição de renda, negocial ou legal, com irradiação de direito unitário ou não.
3.DOAÇÃO E REVOGAÇÃO POR DENEGAÇÃO DE ALIMENTOS. No direito brasileiro, não há a regra
jurídica, que permita ao donatário evitar a revogação da doação com fundamento no Código Civil, art. 1.183, IV,
prontificando-se a prestar os alimentos (atiter, Código Civil alemão, § 528, 1.a alínea, 2.~ parte>. Não temos a
facultas alternativa. Ou há o perdão, que apaga a revogabilidade; ou há acôrdo entre os litigantes, ou
extra-judicialmente, posterior (sem perdão), com a eficácia de reconhecimento da pretensão aberta, ou da
transação. Se tal ocorre, há constituição de renda, se não havia dever de prestar; ou há dívida de alimentos
segundo o Código Civil, art. 283 (arts. 234 e 277), ou segundo os arts. 395-405; ou há constituição de renda, por
dever de prestar (ad. 320). O cônjuge sem direito a alimentos, que doou, pode revogar com fundamento no art.
1.183, IV; se aceita alimentos, em vez da repetição do bem doado, transige.
4.CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE A renda constituída por título oneroso a favor de terceiro não é
suscetível de restrição à penhorabilidade e à alienabilidade. Aliter, quanto à penhorabilidade, se a estipulação a
favor de terceiro i a titulo gratuito. Quando, nos arts. 1.424 e 1.430 do Código Civil, se alude a título oneroso não
se refere a lei à causa do negócio jurídico de constituição, e sim à causa da estipulação a favor de terceiro (arts.
1.098-1.100), ou do outro figurante. Se A transfere a E o imóvel para que E se faça devedor de renda a O, o
negócio jurídico entre A e E (constituição de renda) foi oneroso, se bem que possa ser gratuita a estipulação a
favor de O. De modo que se tem de prestar tOda atenção à interpretação do ad. 1.430, 1.8 parte: “A renda
constituída por titulo gratuito pode, por ato do instituidor, ficar isenta de tOdas as execuções pendentes e futuras”.
Se A presta o bem a E para que nasça a C direito à renda, como doação de A, pode A apor a cláusula de
impenhorabilidade. Se A promete a renda constituída a E, a título gratuito, pode clausular (há disposição
gratuita). Não assim, se A obtém de E doação para que preste a O, em datio in solutum por divida de A. A
clausulação recai sObre as pretensões singulares às prestações; o direito à renda, êsse, se vitalício, é incessível.
Regem a cessão das pretensões singulares às prestações os arts. 1.078, 1.065-
-1.077.A eficácia, em relação ao devedor, depende da notificação (art. 1.069).
Entende-se a título gratuito não só a doação, ou o legada, como qualquer liberalidade, que não caiba no Código
Civil, ad. 1.187, 1. Quanto às doações ou legados com encargo, escapam à clausulabilidade aquêles em que o
encargo basta para se pensar em demasiada restrição ao beneficiado. Quanto às constituições de renda para solver
dívida prescrita, não se têm como a título gratuito, e não no são. Nem as que se fazem para prestar alimentos que
se devem, ou que por lei se podem dever. Tudo que cabe na parte disponível do testador pode ser clausulado; no
direito brasileiro, a legítima dos herdeiros necessários é clausulável (art. 1.723), mas a constituição de renda não
pode diminui-las.
Diz o Código Civil, art. 1.480, 2.~ parte, a respeito da impenhorabilidade: “Esta isenção existe de pleno direito
em favor dos montepios e pensões alimentícias” (Código de Processo Civil, art. 942, VIII).
§ 4.812. Extinção do direito unitário
1. EsPÉCIES DE EXTINÇÃO. O direito unitário, continuativo, às rendas, se só pessoal, extingue-se: a) pelo
advento do têrmo, uma vez que é essencial o prazo determinado; e. g., se vitalícia a renda, com a morte do
obrigado; b) por qualquer dos modos por que se extingue, negocialmente, alguma divida, respeitados os
princípios de irrenunciabilidade, incedibilidade e os demais, se fOr o caso. Não se extingue pela prescrição. O
direito real à renda extingue-se pelo cancelamento. A prescrição das pretensões reais não basta para se cancelar a
inscrição do direito real à renda, porque, à diferença do que se passa com o uso (Código Civil, art. 745), o usufruto
(Código Civil, art. 739, VI), o direito de habitação (Código Civil, art. 748) e a hipoteca (Código Civil, art. 849,
VI), não há regra jurídica especial sobre preclusão do direito, nem há entre tais direitos e o de constituição de
renda a analogia que há entre a hipoteca e a anticrese.
Quanto à existência, ou não-existência, do direito real, é ponto que decide sObre as conseqUências do
perecimento do bem. Se não há o direito real, a sorte da constituição de renda não pode ser a da enfiteuse: pelo
negócio jurídico de enfiteuse, transfere-se o domínio útil, não o direto; pelo negócio jurídico de constituição de
renda, transferem-se os dois (MOLINA, De Justitia et de fure, 229; CARDEAL DE LImA, Ii Doitore
volgare, 285; FOLLERIO, Praxis cens‟uaUs, 126). Se o bem entregue e não gravado, ou sobre o qual se
constituiu a renda, já sendo do rendeiro, perece, é sem conseqUência para a vinculação dêsse o perecimento. O
rendeiro pode alienar, sem ser preciso qualquer consentimento ou assentimento do titular do direito à renda. Se há
o direito real, gravado continua o bem (DE BOCCATITE, De Censibus, 38: “fructus sunt pro censu solvendo
obligati”>. Se não há, o vinculado continua com a vinculação, as dividas e as obrigações.
A constituição de renda extingue-se pela confusão (Lunovicus CENCIUS, De Censibus, 9.114, n. 1), salvo, em
caso de inalienabilidade, ou se há a cláusula de inalienabilidade, porque então confusão não há. Se a dívida é
pessoal, a inalienabilidade do crédito de renda também obsta à confusão.
Se há usura, cabe a ação de nulidade, que só se refere ao excesso das rendas no tocante à taxa que a lei fixa,
admitida qualquer prova (LEOTARDI, De Usuris, q. 93; cf. Alvará de 16 de janeiro de 1773). A sanção apanha as
prestações vencidas e pagas (Lirnovicus CENCIUS, De Censibus, q. 88, n. 6).
Não há falar-se de resgate se a dívida é pessoal. Resgatar é recaptar (recaptare) ; no art. 751 do Código Civil
explica-se. Se a constituição de renda não tem gravame, o “resgatar” seria impróprio. O que se prestou em
contrato de que somente nascem dívidas pessoais não se resgata: o recebedor, se há resolução ou resilição do
contrato, ou outra causa de desconstituição, restitui o valor.
2. RESGATE. No Código Civil, art. „751, fala-se do resgate, se há gravame.
~A constituição de renda, se pessoal, é remível? O capital diminui à medida que se pagam as prestações, de modo
que a remição seria imprópria, pela dificuldade, para o nôvo rendeiro, de prestar o mesmo sem se ter apropriado,
no comêço, do todo. Diferente é o que ocorre com a constituição de renda sobre imóvel (Código Civil, art. 751,
sobre resgate do imóvel).
Não há remição de dívida pessoal. Redime-se o bem, se 41e está vinculado; na constituição de renda de que só
resultam dívidas pessoais não há remibilidade. Não se diga que a irremibilidade resulta de haver aleatoriedade;
porque o princípio incide, mesmo se não há aleatoriedade no contrato ou no negocio jurídico unilateral. A
constituição gratuita de renda está sujeita ao mesmo princípio. O que se pode inserir no. negócio jurídico ou em
pacto adjecto é a denúncia cheia ou vazia.
3. RESOLUÇÃO POR INADIMPLEMENTO. A resolução por inadimplemento das prestações singulares
somente existe, nos sistemas jurídicos, se a lei o estabelece, expressamente. A respeito, ou se admite a cláusula
negocial de resolução por inadimplemento, ou se permite a resolução ou resilição, se o obrigado não dá garantias,
ou se entende que isso é incompossivel com o direito unitário que resulta da constituição de renda, ou se dá ao
credor a pretensão ao reembôlso. O Código Civil francês, art. 1.977, sobre a renda constituída mediante preço,
conhece a pretensão à resolução ou resilição por inadimplemento, se foi estipulada a dação de garantia: trata-se,
pois, de efeito de cláusula (cp. Código Civil francês, art. 1.978). Explícito o Código Civil argentino, art. 2.088:
“La falta de pago de las prestaciones no autoriza ai acreedor á demandar Ia resoluciófl dei contrato, si no fué
hecho con pacto comisorio. ~1 solo tefldiá derecho para demandar ei pago de cada una delas prestaejones no
pagadas, como se procede contra qualquer devedor de sumas de dinero”.
Lê-se no Código Civil, art. 1.427: “Se o rendeiro, pu cessionário, deixar de cumprir a obrigação estipulada,
poderá o credor da renda acioná-lo, assim para que lhe pague as prestações atrasadas, como para que lhe dê
garantias das futuras, sob pena de rescisão do contrato”. Entenda-se: resilição.
O art. 1.427, 2Y parte, do Código Civil contém regra jilri dica dispositiva. Pode-se estipular que n~o haverá
reso1ução por inadimplemento. Sobre a eficácia da resolução, confira-Se o que se disse a respeito no art. 1.092,
parágrafo único.
Se o rendeiro deixa de pagar alguma prestação vencida, o beneficiado pode exigir garantia pelo adimplemento das
prestações futuras, ou o depósito de quantia suficiente para se cumprir o contrato, sob pena de resohição ou de
resilição do contrato oneroso. A resolução é com a restituição de tudo quanto foi dado ao contraente para a
conclusão do contrato. Se o negócio juridico foi gratuito, há a pretensão à garantia, ou ao aumento da garantia
(Código Civil, art. 1.427). Nao se há de pensar em resolução ou resilição do contrato gratuito, nem do negócio
jurídico unilateral.
Os contraentes podem inserir no contrato oneroso a cláusula de resolução ou de resilição .
Para a resolução ou a resilição por omissão ou diminuição da garantia, é preciso que haja culpa do devedor. Se
não há culpa, a pretensão à garantia é que tem de ser imediatamente satisfeita.
Se prestações singulares foram exeqilidas, há resilição, e não resolução. Contra a irrestituibilidade das prestações
já pagas argumentou-se que as prestações singulares, no contrato oneroso de constituição de renda, compreendem
a parte do interesse (frutos do bem, ou dinheiro) e a parte do capital. Mas sem razão. O que se recebeu
correspondeu ao tempo decorrido e o que se vai restituir é o capital, tal como foi prestado, pois permanecera com
o rendeiro durante o tempo correspondente aos períodos das prestações exeqúidas.
4. PLURALIDADE DE TITULARES OU DE DEVEDORES. Diz o Código Civil, art. 1.429: “Quando a renda
fôr constituída em benefício de duas ou mais pessoas, sem determinação de parte de cada uma, entende-se que os
seus direitos são iguais; e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que
morrerem”. No Código Civil alemão, o § 420 é interpretativo; é dispositivo, no Código Civil brasileiro, o art.
1.429. Se a renda fói a prazo que não o de vida do beneficiado, tem-se, dispositívamente, como extinto o direito,
se êle falece. Se a renda é vitalícia, por pagamentos antecipados, e o beneficiado morre antes de receber a
prestação, o herdeiro tem direito a tôda a prestação vencida. Sendo dois ou mais os titulares, pode-se estipular que
um dêles, ou todos, ou alguns continuem a perceber as prestações (titularidade sucessiva>. Explícito o direito
brasileiro, ad. 1.429, 2,a parte.
5. DEVEDORES DA MESMA RENDA. O Código Civil não tratou da pluralidade de devedores, mas havemos
de entender, na dúvida> que são solidários: enquanto um dos devedores vive, tôda a renda é devida (H.
DERNBURG, Das Búrgerliehe Reckt, II, 2, 144, nota 16; O. PLANCIC, Kommentar, II, 803).
À 6. ATO ILíCITO DO DEVEDOR. Poder-se-ia discutir, no direito brasileiro, se, tendo o devedor assassinado o
titular da renda vitalícia, a) a renda tem de ser paga pelo tempo presumível da vida (PAUL OERTMANN, Reoht
der Sohuldverhifltflisse, 920; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 596; O. PLÁNK, Kommentar, II, 803), ou b) se
apenas responde pelo ato ilícito absoluto (cp. W. KISCH, Die Wirkung der nachtrãglieh eintretenden
Unmõgliehkeit, 5). No direito alemão, há a dúvida, devido ao § 162, alínea 1.a, do Código Civil; no direito civil
brasileiro, seria difícil adotar-se a solução a) : a responsabilidade é toda pelo ato ilícito absoluto, computando-se
na indenização o que representou de dano patrimonial a morte prematura. No direito alemão, tem-se entendido
que o suicídio ou a execução de pena de morte contra o obrigado à renda também surte a conseqUência (O.
PLANCR, Kommentar, II, 803; H. DERNBURG, Das fihirgerliche Reeht, II, 2, 144) ; mas, no direito brasileiro,
salvo cláusula expressa, não se poderia entender dêsse modo. Nem há, nos dois sistemas, ação do titular das
rendas contra o terceiro que mata o obrigado a prestá-las (O. WARNEYER, Komrnentar, 1, 1194).
Se o contrato é a favor de terceiro, já pode o outorgante pedir a resolução do contrato ou a resilição, se o devedor,
rendeiro, provocou a morte da pessoa contemplada? Se a morte ocorreu, o contrato de renda vitalícia acabou. O
que o credor pode fazer é exigir indenização. Não se pede resolução ou resilição do que já não existe. Se a morte
não ocorreu, sim:os atos de provocação são inadimplemento de dever de abster-se de atos que tornem sem sentido
as prestações.
„7. DISTRATO E REMIÇÃO. t possível o distrato, salvo se a operação resultou de decisão de juiz, que tinha de
ser mantida até a extinção regular (e. g., renda deixada em testamento para determinado fim e, de acôrdo com a
vontade do testador, não interrompível, ou oriunda de lei.
Se houve a cláusula ou pacto de remição, o devedor ou seus sucessores podem remir. Se há direito real, há a
resgatabilidade segundo o Código Civil, art. 751.
8. ÔNUS DA PROVA. Se o obrigado às rendas alega a extinção, inclusive a morte do credor de rendas, tem de
prová-lo (PAUL OERTMANN, Das Recht der Schuldverhãltnísse 918; II. DERNBURIJ, Das Biirgerliche
Rech,t, II, 2, 143; divergências em FR. LEO1.JHARD, fie Reweislast, 399, e FE. SCHOLLMEYER, Reoht der
einzelnen Sohzddverhãltnisse, 165).
Título LXII
PROMESSA DE DIVIDA E RECONHECIMENTO DE DIVIDA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DA PROMESSA DE DIVIDA E DO RECONHECIMENTO DE DIVIDA
~4.813. Conceito de promessa de dívida e conceito de reconhecimento de dívida
1.PRECISÕES . Reconhecer é conhecer mais uma vez. Só se reconhece o que se conhecia. Mas o
reconhecimento não é de uma só natureza. Reconhece-se só no mundo fáctico, como se A, que deve a B, inquirido
por B, ou por outrem, responde, de viva voz, que a letra ou a assinatura do documento é sua. Reconhece-se já no
mundo jurídico, isto é, com os pressupostos para entrada no mundo jurídico como ato jurídico stricto sensu
(Tomo VI, § 686). Reconhece-se negocialmente: o figurante manifesta a vontade de fazer o enunciado de fato;
noutros termos: conhecia a divida ou a dívida e a obrigação, ou a própria ação, reconhece-lhe a existência e quer
vincular-se por essa manifestação de conhecimento. Negócio jurídico somente há na última espécie.
Se A já deve a B e assina carta ou outro papel em que diz ter assumido (ou, embora imprôpriamente, assumir)
divida, não se trata de promessa de dívida; idem, se escreveu que prometia pagar x. Trata-se, aí, de mera
enformação do negócio jurídico já existente entre o promitente e a pessoa a favor de quem se faz a prova escrita.
O princípio de auto-regramento da vontade, dito princípio de autonomia, estaria sacrificado em grande parte, se
os interessados não pudessem reconhecer que devem, ou que estão obrigados, ou que existe alguma ação. Tal
limitação, em caso de controvérsia, seria obsoleta, por lembrar a exigência de só se poder, perante o juiz, dirimir
controvérsia. Estranho ao assunto. „O enriquecimento em virtude de crédito abstrato não é enriquecimento
injustificado.
A ação de enriquecimento injustificado é dirigida contra o credor que se enriqueceu com o contrato nulo e . contra
a cessionário (Código Civil, art. 1.072). Sobre as obrigações abstratas, em geral, Tomo XXII, §§ 2.768-2.766. Cf.
Tomo III,. § 270.
São exemplos de negócios jurídicos abstratos: a assinação de dívida, o aceite da assinação, que muitos
consideram declaração unilateral de vontade de per si (F. SCHOLLMEYER, Rech,t der Schuldverhaltnisse, 191
s.; E. JACOBJ, fie Wertpapiere, 2.~ ed., 296 5.; L. Batirr, Pie abstrakte Forderung, 192; contra, A. LENT, fie
Anweisung, 82 s.), as declarações de vontade cambárias e cambiariformes, que são apenas declarações unilaterais
de vontade e, pois, se fazem negócios jurídicos unilaterais, a marcação do cheque, a subscrição de alguns títulos
endossáveis (não todos) ou ao portador (não todos), o endôsso do título endossável e a transferência de posse do
título ao portador, O título nominativo pode ser abstrato; não a cessão.
4.PROMESSA DE DÍVIDA E NEGÓCIO JURÍDICO DE RECONHECIMENTO. Quem promete prestação,
qualquer que seja, de ordinário procura dar entrada no mundo jurídico a essa promessa (= fim jurídico), ou causa
donandi (enriquecer a ou-~ trem, gratuitamente), ou causa credendi (para que outrem lhe fique a dever), ou causa
solvendi (para adimplir), ou causaz novandi (para extinguir dívida mediante a assunção de outra). De regra,
exige-se acôrdo sobre a causa, razão por que, se é imoral o fim, proibido, ou impossível (no Código Civil, art.
145, II, chama-se a êsse fim “objeto”), o ato jurídico é nulo. Devido a ser causa] o negócio jurídico, o crédito de
dez milhões de cruzeiros pode ser por mútuo, aluguer, legado, ou outra causa. Como a causa vem, assim, à flux, o
credor está expostar às objeções fundadas nas causas, o que, em certas circunstâncias, é de inconveniência
manifestar-se, tornando os negócios jurídicos impróprios ao tráfico, à segurança e à firmeza das relações internas.
Já se havia negado entrada no mundo jurídico à reserva mental; conserva-se a alusão à causa. Para se obviar a
isso, a vida criou as promessas abstratas, depois os~ contratos abstratos. O que logo nos lembra, ao falarmos de‟
abstração, é o direito cambiário. Mas há mais: há os títulos ao portador, alguns títulos cambiariformes, a promessa
(abstrata) de dívida e o reconhecimento negocial, abstrato, de divida.
Quem alega ter havido abstração tem de mostrar o conteúdo do negócio jurídico, porém não se pode procurar a
causa. Isso não quer dizer que o credor fique imune a exceção fundada nos vícios, se o enriquecimento se deu ou
se daria se o devedor adimpliu ou teria de adimplir injustificadamente, ou se o exercicio da ação é entre os
figurantes do negócio jurídico.
O reconhecimento de divida não se deve considerar simpIes meio de prova, salvo se isso ressalta do texto ou das
circunstâncias.
A manifestação de vontade de não se opor à exigência de algum pagamento não é reconhecimento de dívida.
O reconhecimento de dívida feito em testamento trata-se como reconhecimento causal. Os herdeiros podem
alegar e provar as objeções e exceções que se poderiam opor à dívida testamentàriamente reconhecida.
Se a promessa escrita ou o reconhecimento escrito refere, expressamente, a causa da dívida portanto,
simplesmente a sua causa ou outro negócio jurídico concreto ou causal de modo que não haja dúvida, ou com
dúvida que afasta pensar-se em abstratividade, não há negócio jurídico abstrato. Por exemplo, respectivamente:
“O signatário recebe, neste ato, a quantia de dez milhões, a juros de dez por cento ao ano
“O signatário declara que, no dia 12 de janeiro do corrente ano, recebeu a quantia de x, a juros de dez por cento ao
ano”.
Se há omissão de qualquer referência à causa, ou a dívida que já existia, ou teria de existir, a finalidade típica do
negócio jurídico pode ressaltar. Todavia, não é de afastar-se que nada se haja dito, porém não tenha havido
qualquer intenção de abstração. Pode ser que somente se tenha querido facilitar ao manifestante da vontade meio
de prov~, isto é, que não tenha feito qualquer promessa independente. O documento pode revelar a independência
e a abstração. E. g.: “Mediante a entrega dêste documento pagarei a B a quantia de x, que lhe devo”; “Mediante a
entrega dêste documento pagarei a fl a quantia de 1‟.
Das considerações que acima fizemos resulta que temos de repelir: a) que se considere constitutivo o conteúdo do
negócio jurídico de reconhecimento; lO que se possa configurar como negócio jurídico auxiliar (FRANCESCO
CARNELUTTI, Documento e Negozio giuridico, Rivista di fliritto processuale civile, III, 189; ROSARIO
NIÇOLÕ, II Riconoscimento e la transazione nel problema delia rinnovazione del negozio e della novazione
dell‟obbligazione, Annali Universitâ Messina, VII, 24; contra, com razão, MICHELE GIoROIÂNNI, Ii Negozio
d‟accerta~mento, 96 s.) ; e) que tenha interesse científico discutir-se se o poder de reconhecer se inclui no poder
de dispor, ou se não se inclui, pois isso depende da extensão do conceito de disposição (afirmativamente,
TULLIO ASCARELLI, Studi in tema di contratti, 223 s.; LUmI COSÂLTINI, Ii Riconoscimento dei figlio
naturale, 85; em parte, FRANCO CARRESI, La Transazione, 42; negativamente, F‟RANCESCO
SANTORO-PASSARELLI, L‟Accertamento negoziale e la Transazione, Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, X, 4 s.) ; d) não é verdade que não possa haver atividade volitiva para tornar certa a situação
jurídica, pois, se não houve, negócio jurídico não haveria.
6 reconhecimento unilateral, abstrato ou causal, de dívida é negócio jurídico. Por isso, não se confunde com o
reconhecimento unilateral que só se há de ter como ato jurídico stricto sensu. Tão-pouco se confunde com a
confissão. A confissão contém reconhecimento do fato, porém não é reconhecimento negocial de dívida. O
reconhecimento de dívida que não constitui, além de declarar,, não é negócio jurídico.
§ 4.814. Promessa abstrata de dívida e reconhecimento
abstrato de dívida
1.„PROMESSA ABSTRATA DE DIVIDA. A promessa abstrata
de divida é a promessa em que não se percebe a causa (e. g.‟ haver doação, ou solução de outra divida), tendo sido
essa a intenção do manifestante da vontade.
Na dúvida> tem-se a promessa de divida como abstrata:
prometeu-se porque se quis ficar vinculado. Se o promissário contrapresta, sem ser vinculado a isso, a promessa
pode ser condicional, sem deixar de ser abstrata.
2.RECONHECIMENTO ABSTRATO DE DÍVIDA. O poder de declarar inclui-se no poder de auto-regramento
da vontade, que não é só o poder de dispor, pois quem declara, quem manda, quem constitui (e. g., exerce direito
formativo gerador, ou modificativo), quem condena (ou pede condenação), quem executa de mão própria ou
através de juiz, não dispôe.
A constitutividade mediata da sentença, na ação declaratória, é porque a sentença existe, e não existia antes.
Mediante o negócio jurídico de reconhecimento, os figurantes tornam clara a situação jurídica entre êles, de
modo que a situação jurídica, que existia, porém não era certa, se substitui situação jurídica que o é. Não se trata
de outra situacão jurídica. A situação jurídica é a mesma, com o plus da clareza:
antes havia a situação jurídica (talvez ainda não jurídica, mas tida como tal, ou suposta) ; passou, pela vontade
manifestada, a ser certa (mesmo se não existia).
O juiz, quando profere a sentença declaratória (Código de Processo Civil, art. 2.0, parágrafo único), não tem
atividade volitiva que pudesse ser tida como correspondente à que têm os figurantes do negócio jurídico de
reconhecimento. O que êle declara não é querido, é apenas de ordem cognoscitiva. A constitutividade é restrita à
feitura da sentença: há sentença; tanto, como acontece a qualquer decisão judicial, algo se constituiu.
A promessa abstrata de dívida parece-se com o reconhecimento abstrato de divida, porém não se confunde com
êle. O reconhecimento abstrato de dívida declara, alude a algo que existe, sem que o faça causa; dai a sua
vinculação independente, pelo fundamento nôvo. A promessa abstrata de dívida não declara, não reconhece;
contém assunção de divida, sem alusão, explícita ou implícita, à causa.
Se o crédito de modo nenhum se refere à cláusula, é abstrato. Existe e, em princípio, vale. A sua existência e a sua
validade são independentes da causa. Daí a vantagem para o credor. O credor vai contra o devedor, sem precisar
aludir àprocedência da divida, à causa. flIe mesmo pode ignorá-la inteiramente, como se é o herdeiro ou o
cessionário do crédito.
No direito contemporâneo, não se pode negar a vinculação pela promessa abstrata, pelo negócio jurídico,
bilateral, plurilateral, ou unilateral, pelo qual se prometeu prestar, sem se dizer porquê.
Se na manifestação de vontade se ~diz que o manifestante se reconhece devedor da quantia x, há reconhecimento
abstrato, porque não se exprimiu qual a causa. A causa existia, ou não existia; de qualquer modo dela se abstraiu.
Se o que suscitou
a manifestação de vontade ocorreu antes, simultâneamente, ou depois do ato de reconhecimento, não importa;
porque, se não tem conseqúências não ter existido, com mais forte razão não as tem o só ter existido depois, ou no
mesmo momento da conclusão do negócio jurídico de reconhecimento.
Contudo, como a respeito dos títulos abstratos (e. g., títulos cambiários e títulos cambiariformes), o direito não
fechou tôdas as portas à defesa do manifestante da vontade. Se o contacto judicial ou extrajudicial é entre o
devedor e o credor originário, ou credor terceiro de má fé, pode o devedor trazer à tona não a falta de causa mas
a causa ilícita ou o ter derivado do jôgo ou da aposta a dívida. Diferente é o que se passa com o reconhecimento
quando não é abstrato, porque esse se refere, explícita ou implicitamente, à causa.
Se o manifestante da vontade, A, diz que reconhece dever a E a quantia de x, o reconhecimento é abstrato. Idem,
se A declara que quer, pelo escrito que entrega, reconhecer o que tomou de empréstimo a 13, porque o que Me
quis foi dar a B documento suficiente para a sua vinculação. Se A escreve que reconhece dever a B o que lhe deu
como ajuda a sua viagem ao Oriente, o reconhecimento é de dívida a título gratuito. A causa que ali e aqui aparece
é da dívida reconhecida, e não do reconhecimento.
Se o reconhecimento alude ao negócio jurídico ou outra fonte da dívida reconhecida, mas foi concebido como
abstrato (= para que por si fundasse a vinculação), não se pode trazer à tona a causa do outro negócio jurídico ou
a outra fonte. Salvo se há ilicitude ou origem em jôgo ou aposta, porque, então, a nulidade ou ineficácia é do
próprio reconhecimento.
Aqui, tem-se de pôr de lado a opinião de L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 14.~ ed., 799), de Fit. LEONHARD
(Resonderes Schuldrecht, 356), EBERHARD PíNzomi (Palandt B‟llrgerliches Oesetzbuch, 14.a ed., 751),
WÂvrn ERMAN (Handkommentar zum RGB., 2a ed., nota 6 ao § 780) e PAUL OERTMANN (Das Recht der
Schuldverhãltflisse, II, nota 6 ao § 780), que só admitiam a nulidade do negócio jurídico abstrato se a ilicitude ou
a procedência de jógo ou aposta constasse do seu conteúdo. Contra isso, articulam FRITZ KLINOMUTJLER
(Das Schuldversprechen und die Schuldanerkenntflis, 183 s.), Pn. HECIC (Gr‟undriss des Schuldrechts, 890) e
JOSEF ESSER (Lehrbuch des Schuldrechts, 862) que não se pode deixar de atender a preeminência das regras
jurídicas dos §§ 184 e 138 do Código Civil alemão, a que correspondem as regras jurídicas do art. 145, 1, 1Y~
parte, e V, do Código Civil brasileiro (cf. art. 1.477, ta parte e parágrafo único). O que é preciso é que se alegue e
se prove tal causa e que se trate de objeção do outorgante ao outorgado, não ao terceiro de boa fé. Não se há de
pensar em ataque à vinculação, mediante o negócio jurídico abstrato, porque asse ataque seria supérfluo e só se
apoiaria em afirmação de ineficácia.
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS, EFICÁCIA E EXTINÇÃO DA
PROMESSA DE DIVIDA
§ 4.815. Pressupostos da promessa de dívida
1. FIGURANTE OU FIGURANTES. A promessa de dívida pode ser unilateral, ou bilateral, ou plurilateral. As
regras jurídicas sobre capacidade não são especiais, mesmo que se trate de promessa abstrata de divida.
Na promessa unilateral de dívida, o manifestante da vontade vincula-se a prestar a outrem, pessoa determinada ou
determinável, independentemente de aceitação. Não há, então, oferta, a que se seguisse o ato de aceitar, que
outrem praticaria. A promessa unilateral compõe, só por si, o negócio jurídico. A hostilidade à promessa
unilateral não foi inserta em regra jurídica do direito brasileiro..
Aliás, nos sistemas jurídicos hostis, a razão dos óbices é ligada à repulsa (absurda) à abstratividade.
2.PROMESSA ABSTRATA DE DIVIDA. A promessa abstrata de dívida pode ser unilateral e pode ser bilateral
ou plurilateral. As promessas do sacador da letra de câmbio, do subscritor da nota promissória, do sacador da
duplicata mercantil, dos sacados (aceitação) na letra de câmbio e na duplicata mercantil, bem como as dos
endossantes e dos avalistas dos titulos cambiários e cambiariformes, são abstratas. Outrossim, a do subscritor do
titulo ao portador. A promessa de divida em contrato pode ser abstrata. (O reconhecimento do saldo da
conta-corrente pode ser abstrato.) Sempre que se emitem vales de prêmios, endossáveis à ordem, ou transferíveis
ao portador, a promessa de divida é abstrata, ainda que se aluda à causa de se obrigar (e. g., correspondência entre
o número da compra e o número premiado).
Quando é que a promessa de divida é abstrata e válida? Para ser abstrata, é preciso que nela não se encontre
elemento suficiente, explícito ou implícito, para se lhe perceber a causa, ou supor-se que há causa. Da simples
omissão da referência a causa, ou da finalidade típica do negócio jurídico, não se pode deduzir, sempre, que a
promessa de dívida seja abstrata. Não raro, dadas as circunstâncias de operações entre os figurantes, reputam êles
desnecessária qualquer alusão ao negócio jurídico subjacente, justajacente ou. sobrejacente. Diante do
instrumento da promessa de divida, o que incumbe, desde logo, a quem o há de examinar é indagar se se trata
apenas de documento de dívida, que já se havia assumido, ou de instrução monto de promessa. Não se pode
deixar de inquirir qual a finalidade que „teve, conscientemente, o manifestante da vontade. Não só os eleúiàntos
do instrumento, mas sim, também, as circunstâncias, são pesos para se apurar qual a finalidade que teve a
declaração de vontade.
Se o “promitente diz “prometo prestar mil a F., que lhe tomara emprestado”, há promessa causal de divida. Se diz
“prometo mil a F.”, a promessa de dívida é abstrata.
& FORMA DA PROMESSA DE DivInA. Não há, no direito brasileiro, regras jurídicas especiais sobre as
promessas de dívidas, a propósito de títulos cambiários e de títulos cambiariformes.
promessa abstrata de dívida, não se exige, no direito brasileiro, forma especial (aliter, no direito alemão, § 780);
mais. incide o art.. 141 do Código „Civil. Se, para a prestação, ou para a constituição. da relação jurídica, forma
especial se exige, talregra jurídica sobre forma há de ser observada.
A promessa de dívida, se bilateral ou plurilateral, é em contrato. a „oferta e a observância dos arts. 1.079-1.091 do
Código Civil, „A oferta feita tem de ser respeitada até que se não se aceite ou se esgote o prazo para a aceitação,
ou se haja de ter como‟ „recusada. Essa adstrição ã palavra dada é de origem germânica; e dela já falamos.
O promitente da dívida, se faz unilateralmente o negócio jurídico, vincula-se, sem que o promissário tenha de
aceitar. Se o promissário tem de aceitar, há contrato.
Se há contrato, a exigência de forma só se pode referir ao promitente, e não ao promissário, de modo que a
aceitação pode ser tácita, ou pelo silêncio. A promessa persiste eficaz até que caia pela falta de aceitação.
§ 4.816. Eficácia da promessa de dívida
1.FIGURANTE, FIGURANTES E EFICÁCIA. Se a promessa de dívida é unilateral, só o figurante deve, pode
ser obrigado e ser demandado. Se o negócio jurídico é bilateral, ou plurilateral, a eficácia de certo modo atinge os
outros figurantes que aceitaram, pôsto que não se tenham feito devedores.
2.INTERPRETAÇÃO no NEGÓCIO JURÍDICO. Se o escrito diz “Devo a E x cruzeiros”, prometeu-se
abstrata.mente. Se o devedor entende que se trata de dívida de jôgo, ou de aposta, tem de prová-lo. E não tem o
ônus de alegar e provar qual a causa, pôsto que tenha o de mostrar que, no texto, não se alude à causa, inclusive
referindo e provando circunstâncias extrínsecas ao documento. Se o banco aceitou o cheque, obrigou-se
abstratamente: o cheque não é suscetível de aceite, mas há a promessa abstrata do banco.
3. MODALIDADES. A promessa abstrata de dívida pode ser a têrmo ou sob condição. Se há referência a
contraprestação, podendo entender-se devida tal contraprestação, ou podendo vir a ser devida, não há promessa
abstrata de dívida. Mas há, se a prestação do outro figurante, ou de terceiro, é limite à promessa de prestar (e. g.,
quando B me pagar, quando B pagar a C).
§ 4.817. Extinção da promessa de dívida
1. CAUsAs DE EXTINÇÃO . A promessa de divida pode ser desconstituída segundo os princípios.
Quanto à promessa concreta de dívida, a decretação da inexistência, nulidade ou anulação, ou da resolução, ou da
resilição, ou da rescisão do contrato a que ela se refere repercute na promessa, porque se supuseram a existência,
a validade e a eficácia.
A abstração impede que a má sorte da dívida se contamine à promessa.
2.EXTINÇÃO DA DIVInA. A dívida pode ser sob condição ou a prazo. Implida a condição resolutiva, ou
atingido o termo resolutivo, extingue-se a dívida.
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO DE RECONHECIMENTO DE DIVIDA
§ 4.818. Pressupostos do negócio jurídico de reconhecimento
1.FIGURANTE OU FIGURANTES. O negócio jurídico de reconhecimento pode ser unilateral, bilateral ou
plurilateral. Se bilateral, ou plurilateral o negócio jurídico de reconhecimento, quem aceitou não pode entender
que o outro figurante deve mais do que reconheceu dever. Também o credor se vinculou.
A conclusão de negócios jurídicos de reconhecimento entra no princípio de autonomia da vontade; nada tem com
a tutela jurídica. A autotutela ou tutela própria (Selbsthilf e), ou justiça privada ou de mão própria, é que é o
restante da tutela jurídica, quando o Estado chamou a si o monopólio da justiça.
2.FORMA. No sistema jurídico brasileiro, não há regra jurídica especial sobre forma do reconhecimento de
divida. Pode dar-se que à dívida que se reconhece exija a lei forma especial, como se no negócio jurídico de
reconhecimento o que se reconhece é a dívida pelo preço do imóvel, para cujo contrato de compra-e-venda se
exige escritura pública, ou se reconhece a dívida decorrente de acôrdo de constituição ou de transmissão de
direito que só se possa fazer por escritura pública.
O reconhecimento abstrato de divida há de ser escrito, salvo se o caso está relacionado ao art. 141 do Código
Civil.
Se tivesse de referir-se ao que determinou a divida, a ponto de dispensar a forma escrita, que aquela não exigiria,
não seria abstrato. O reconhecimento de dívida gratuitamente assumida exigiria a forma exigida à doação, porém
não seria negócio jurídico abstrato.
§ 4.819. Eficácia do negócio jurídico de reconhecimento de dívida
1.FIGURANTE, FIGURANTES E EFICÁCIA. No reconhecimento unilateral de dívida, a eficácia é contra o
reconhecente,e não contra o beneficiado que não se vinculou. No reconhecimento bilateral ou plurilateral, todos
os figurantes se vinculam à recognição que foi inserta e aceita.
A documentação originária e as documentações posteriores (repetições materiais ou reproduções materiais) não
são sempre da mesma eficácia probatória. Ás vêzes, a reprodução mais esclarece e mais elementos traz à
interpretação (cf. PAULO Gumr~ Teoria giuridica dei Documento, 82 s.). Muito diferente de todos os casos de
operação quanto ao mesmo negócio jurídico, restrita à forma, embora possa aumentar a inteligibilidade o
reconhecimento é outro negócio jurídico, como o é a novação .. Não mais se está sômente no plano da forma;
todo o negócio jurídico há de ser considerado.
Uma vez que o figurante unilateral ou os figurantes do negócio jurídico tornaram declaratórjo (negocialmente) a
recognição, estabelece-se situação nova, que impede entender-se o negócio jurídico de modo diverso daquele que
se precisou na manifestação unilateral de vontade ou no acôrdo, bem como atribuírem-se efeitos que não sejam os
que se irradiam do negócio jurídico posterior, embora recognitivo. Se não se tratasse de outro negócio jurídico, o
juiz poderia apreciar as provas anteriores e as de agora, O negócio jurídico de reconhecimento. impede-lhe que
apure a discordância entre o presente e o passado. Daí poder o negócio jurídico de reconhecimento, a despeito do
nome, constituir, modificar, ou extinguir o que existia. Quem figurou no negócio jurídico de reconhecimento está
impedido de interpretar a situação de agora com invocação das relações jurídicas anteriores.
O negócio jurídico de reconhecimento é resultante de manifestação de vontade sobre situação anterior, diz qual
era o status quo e vincula quem manifestou a vontade ou os que a manifestaram, acordemente. Se houve alguma
modificação, ou extinção, não importa, O negócio jurídico de reconhecimento, não é modificativo, nem extintivo.
O que está à frente é a intenção recognoscitiva, declaratória: “quero (ou queremos)” que se tenha o passado tal
como o declaro (ou o declaramos).
No negócio jurídico bilateral ou plurilateral de reconhecimento, os figurantes estejam, ou não, em juízo referem-se a situação jurídica em que os manifestantes da vontade se acham, definindo-a conforme acordam em
definir. É impossível eliminar-se o elemento manifestação de vontade, embora o que se queira seja enunciado de
fato sobre a situação jurídica. Sem êsse elemento de vontade não haveria negócio jurídico. Daí ser perda de tempo
estar-se a discutir se a comunicação de conhecimento, a declaratividade, passa à frente da manifestação de
vontade, ou se a pré-elimina. O negócio jurídico de reconhecimento é, precipuamente, porque é negócio jurídico,
manifestação de vontade; mas, uma vez que se conhece e reconhece, o conteúdo é declaratério. Reduzi-lo a
confissão extrajudicial seria desnegocíalizá-lo, porque quem confessa apenas declara, e a vontade que leva o
confessante ao ato não se manifesta negocialmente, isto é, como elemento de promessa unilateral ou de contrato.
O escrito de confissão de dívida não é assunção de divida, nem é reconhecimento de dívida. Admitir fatos que
outrem alega também não é concluir negócio jurídico de reconhecimento.
Quando se tenta negar o elemento de constitutividade que há no negócio jurídico de reconhecimento, é porque se
deixou de considerar que a irradiação de efeitos é sempre constitutiva, no tocante à fonte. No negócio jurídico de
reconhecimento, mesmo homologado em juízo, a constitutividade é devida ao negotium, fato nôvo no mundo
jurídico, pela introdução da manifestação de vontade ou das manifestações de vontade. Acontece que se
constituiu para se declarar: o elemento declarativo ressalta. Se pensamos na sentença declaratória, essa, é de fôrça
declarativa, porque o juiz apenas presta, com a declaração, a tutela jurídica que o Estado prometera, de modo que
o seu ato é secundário. Em vez de ser constitutiva-declarativa a sentença declaratória, como é
constitutivo-declaratório o negócio jurídico de reconhecimento, a sentença judicial de declaração é
declaratória-mandamental-constitutiva.
Quando se fala de negócio jurídico constitutivo, ou declarativo, alude-se ao seu conteúdo, à sua finalidade, e não
a ele mesmo. O elemento constitutivo do negócio jurídico (não do seu conteúdo) é comum a todos os negócios
jurídicos que se concluem. Por isso, o negócio jurídico de reconhecimento constitui a declaração, o
reconhecimento.
O juiz, ao sentenciar não constitui (não conclui) negócio jurídico, O elemento de constitutividade, que existe na
sentença, é o elemento de constituição da própria sentença, de modo que há, se de carga “‘~‘~‘, ou mais, a
declarativídade mesmo se não se trata de sentença declaratória, coisa julgada. O reconhecimento, que êle faz, não
é negocial, é prestacional da tutela jurídica, e o que reconhece pode ser abstrato ou concreto.
O negócio jurídico de reconhecimento é constitutivo. Se o negócio jurídico é só declaratório apenas se reforça a
prova, ou se retira ao credor algum ônus de prova (Onze VON GIERI<E, Deutsches Privatrecnt, III, 864). Pode
ser abstrato ou causal o negocio jurídico constitutivo de reconhecimento, o que muito importa frisar-se, tanto
mais quanto, no direito brasileiro, não há diferença de forma entre os dois.
2.RECONHECIMENTO. ABSTRATO DE DIVIDA E RECONHECI.. MENTO CAUSAL DE DIvIDA. Nem
todo negócio jurídico de reconhecimento é abstrato, o negócio jurídico que declara a não-existência, ou não mais
existir a dívida, pode extinguir divida, não criá-la, e o ato que “reconhece” divida, mas apenas para produzir meio
de prova, ou reforçar os meios de prova, que o devedor tem, não é negócio jurídico de reconhecimento, ainda que
precise alguns pontos discutidos ou discutíveis.
Tem-se dito a) que o reconhecimento é abstrato, porque não tem a causa do ato jurídico, a que êle se refere; e b)
outros concedem legislativa e doutrinâriamente, que, ao lado do reconhecimento causal, há o abstrato (Código
Civil alemão, § 781). Aquêles são vítimas de grave confusão entre causa do ato jurídico, cuja existência ou
inexistência se reconhece, e causa do negócio jurídico declarativo, e raciocinam como se dissessem: “O negócio
jurídico declarativo não tem como causa a causa daquele a que se refere; portanto, é abstrato” (e. g.,
A. CANDIAN, Documento e Negozio giuridico, 100; F. CARNELUT‟n, Documento e negozio, Rivista di Diritto
Drocessuale civile, 111, Parte 1, 187).
É fácil ver-se o que há de imprecisão em tais atitudes intelectuais, a que falta a análise do que se passa em tôdas as
figuras, diferentíssimas, que se puseram sob o nome de “reconhecimento”.
3.OBJEÇÕES E EXCEÇOES . Quando a lei diz que o contrato de reconhecimento, ou o negócio juridico
unilateral de reconhecimento de dívida de jôgo ou de aposta não gera pretensão (Código Civil, art. 1.477,
parágrafo único, verbis “envolva reconhecimento”), supóe que, pelos dados do instrumento e pelas
circunstâncias, se saiba que se encobre dívida de jôgo ou de aposta. Portanto, é sem razão o que escreve KARL
LARENZ (Lehrbuch des .Schuldrechts, II, 267) quanto a não se ter, aí (no art. 1.477, parágrafo único, do Código
Civil, ou no § 762, 2.~ alínea, do Código Civil alemão), despregado completamente do negócio jurídico básico a
assunção abstrata de dívida ou o reconhecimento vinculativo. A ligação mostra que não é abstrata a promessa de
dívida, nem é abstrato o reconhecimento de dívida. Se fracassa tôda a indagação a propósito do negócio jurídico
de promessa de dívida ou de reconhecimento de divida, então, sim, se pode falar de abstratividade. Se fica patente
que a promessa de dívida ou o reconhecimento de dívida tem por finalidade o jôgo ou a aposta, a ponto de se
comporem os requisitos para a incidência do art. 1.477, parágrafo único, do Código Civil brasileiro, ou do § 762,
2A alínea, do Código Civil alemão, a promessa de divida foi promessa de pagar, ou simples documento, ou o
reconhecimento de dívida foi causal.
Se a promessa de dívida ou o reconhecimento foi quanto a dívida que resultaria de jôgo proibido, ou quanto a
aposta proibida, é nula aquela, ou nulo êsse. A discussão em tôrno de tal incidência da regra jurídica sobre
nulidade, extensiva ao negócio jurídico, não é somente para o caso de promessa de dívida ou para o de
reconhecimento de dívida que seja de jôgo proibido, ou de aposta proibida; é a respeito de qualquer negócio
jurídico nulo. O que primeiramente temos de frisar é que do negócio jurídico nulo não se irradia divida, de jeito
que se reconheceu o inexistente, ou que se prometeu (pagar) a divida inexistente.
Parte da doutrina exige que conste do conteúdo a ilicitude (L. ENNECCERUSR. LEHMANN, Lehrbuch, II, 14.~
ed., 799; PAUL OERTMANN, Das Rechi der SchuldverM tinisse, II, 6; Ri. LEONHARD Resonderes
Schuldrechí 356; WALTER ERMAN, Handkommeníar zum BUrgerliche~ Gesetzbuch, 2A ed., 6; EBERI-IARD
PINZGEII, Palandi Riirgerliches Gesetzbuch, 14.~ ed., 745 s.). Outros juristas dizem que o negócio jurídico
abstrato pode ser acoimado de fraude à lei (FxtITz KLINCMÚLLER Das Schuldversprcc;íen und die
Schuldanerke,íntnis des RG.B., 183 5.; Pn. HECK, Grundriss des Schuldrecnts, 890; JOSEF ESSER, Lehrbuoh
des Schuldrechts, 862).
O problema não consiste em se afirmar ou em se negar ser atingível pela nulidade o negócio jurídico abstrato de
reconhecimento de dívida quando o que se quis foi assumir dívida a despeito da nulidade do negócio jurídico. Se
nulo era o negócio jurídico, dívida não havia. Se o negócio jurídico abstrato foi para se criar dívida onde dívida
não havia, o que o demandado pode fazer, se seria o devedor do negócio jurídico nulo, é alegar a ilicitude, porque para êle existe tal exceção. Não só em direito cambiário ou cambiariforme isso acontece.
O terceiro de boa fé é que é incólume, como se, para assumir a dívida que teria surgido (não digamos a dívida
oriunda do negócio jurídico nulo, porque o negócio jurídico nulo não gera dívidas), o tomador da nota
promissória a endossou a terceiro de boa fé, ou se o credor, no negócio jurídico abstrato de reconhecimento de
dívida, cedeu o crédito e de boa fé estava o cessionário.
Os juristas que procuram no negócio jurídico abstrato, para que se possa alegar a ineficácia, ou a ilicitude, pela
ligação a outro negócio jurídico, traços característicos de ilicitude, de certo modo “concretizam” o negócio
jurídico abstrato. Fazem condição de atingibilidade do negócio jurídico abstrato perder êsse a abstratividade Os
que recorrem à fraus legis saem do campo em que se discute, porque isso se pode dar, como pode ocorrer que se
alegue enriquecimento injustificado Mais fâcilmente se pode apontar a simulação (Código Civil, art. 103, 1).
Ou o conteúdo do negócio jurídico revela a finalidade ilícita, ou a prestação mesma é ilícita, ou há negócio
jurídico simulado. No último caso, no direito brasileiro, somente há anulabilidade. Se o figurante propõe ação
contra o outro, pode êle trazer à apreciação judiciária o negócio jurídico subjacente, justajacente ou até mesmo
sobrejacente, mas aí a abstratividade não fica negada. Dá-se o mesmo se de má fé o terceiro.
O negócio jurídico de reconhecimento é nulo se a nulidade concerne a êle, ou anulável, se ocorreu algum dos
casos de anulabilidade. Tôdas essas alegações nada têm com a causa; e o negócio jurídico abstrato de
reconhecimento não está sujeito às objeções que teria o negócio jurídico causal, subjacente, justajacente, ou
sobrejacente.
Não se pode admitir que se anule, por êrro sobre a existência ou a validade ou eficácia de negócio jurídico
anterior, o negócio jurídico abstrato de reconhecimento; porque o que ~e quis foi reconhecer, com eficácia
independente do que se supôs existente. O êrro teria de ser no ato de reconhecer como a) se foi tido como credor
C, que não era a pessoa com quem se pensou estar a contratar, ou b) se foi mencionada a casa da rua tal, a que se
referem os alugueres, e a casa é a de outra rua, embora com o mesmo número, ou da mesma rua e outro número,
ou c) se foi escrito cinqUenta milhões, em vez de quarenta e cinco. Nem se pode admitir, sem grave contradição,
que se investigue a falta de causa para se reputar nulo o negócio jurídico abstrato de reconhecimento. O que se dá
é que, entre os figurantes em contacto, as objeções e exceções podem ser opostas. Não há nulidade, sem
anulabilidade, por falta ou defeito do negócio jurídico de que teria provindo a dívida reconhecida. Tais objeções e
exceções podem, pelo contacto dos interessados, ou pela má fé do terceiro, puxar para o passado a pretensão do
autor da ação.
Se houve negócio jurídico anterior, o negócio jurídico de reconhecimento, que é outro negócio jurídico, tem outra
função, pôsto que tal alterabilidade não o reduza a reprodução (cp. GINO GOELA, La Riproduzione dei negozio
giuridico, 81), nem renovatio, ou novação.
Mesmo que o negócio jurídico de reconhecimento seja de conteúdo diferente do que tinha o negócio jurídico de
que proveio a situação jurídica reconhecida, não se pode lançar contra o negócio jurídico posterior o anterior,
porque seria determinar-se o que se quis depois. Não se quis 56 reproduzir; quis-se mais: declarouse fêz-se claro
o que, pelo acôrdo, se tinha como sendo udo-claro
§ 4.820. Extinção do negócio jurídico de reconhecimento
1.CAUSAS DE ExTINÇÃo Os Princípios que regem a extinção dos negócios jurídicos regem a extinção do
negócio jurídico de reconhecimento Se a causa da extinção não é comum ao negócio jurídico reconhecido e ao
negócio juridico reconhecente, não há invalídade dêsse. Se contra o reconheci mento abstrato de dívida se alega
ilicitude, ou a origem de jôgo, ou aposta, a alegação somente é admissívei entre figurantes ou terceiro de má fé.
2.DIVIDAS DE JOGO OU DE APOSTA Tratando-se de dívida de jOgo ou de aposta, cuja operação não seja
autorizada por lei, a dívida não é atingida se o jOgo ou a aposta não são elevados de ilicitude, apenas é mutilada,
pela inexigibilidade Se ilícito o jOgo, ou ilícita a aposta, não há falar-se de extinção da dívida, porque ela não se
produziu
Titula XLIII
NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE
§ 4.821. Conceito de negócio jurídico de comunidade
1.CONCEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE E COMUNIÇAO Para que haja precisão e
clareza, evitemos transplantar para o direito brasileiro o sistema de relações jurídicas que resulta dos §§ 741-758
do Código Civil alemão. Há relações jurídicas que resultam de situações criadas por fatos de direito de família,
de direito das coisas e de direito das sucessões. Não há conveniência em se tentar uniformização das regras
jurídicas sobre as comunhões que dêles derivam, não como efeitos próprios, mas sim efeitos ocasionais. Os que
casam sem terem bens não estabelecem comunhão. A aquisição de bens, que, mesmo no regime da separação de
bens, se comunicam, cria comunhão que não foi efeito imediato e próprio de negócio jurídico, mas sim da regra
legal, ou de pacto antenupcial. A comunhão que se prende a pacto antenupcial é a mais próxima da comunhão que
procede de contrato de comunidade, como, por exemplo, não poder qualquer dos cônjuges alienar a parte
indivisa. Se é de interesse alienar-se parte indivisa, ou parte divisa, os dois têm de ser figurantes.
No direito das coisas, o regime jurídico atende a que o condomínio, o co-usufruto, ou outro direito real em
comum, foram emergentes da pluralidade subjetiva no bem uno. Não houve negócio jurídico com a finalidade da
comunidade de direito de obrigações, pôsto que e aqui o punctum salte ns tal finalidade de origem negocial,
estranha ao direito dàs coisas, possa existir.
No direito das sucessões pode ocorrer o mesmo, a despeito de se lançar no direito das coisas, e somente nêle, de
ordinário, o que proveio da lei sobre herança ou do testamento. A verba testamentária pode estabelecer, aqui,
portanto, unilateralmente, a comunidade negocial como que a cobrir a comunhão de direito das sucessões. É
possível que tal comunidade negocial se refira a direitos pessoais, o que põe as espécies na fronteira das que
emanam de contratos, ou de negócios jurídicos unilaterais entre vivos.
Feitas essas considerações, pode-se apontar o que nos interessa no Direito das Obrigações: o negócio jurídico,
unilateral, bilateral ou plurilateral, sobre comunidade.
No direito brasileiro, o negócio jurídico de comunhão é negócio jurídico atípico.
2.NEGÓCIO JURÍDICO PARA ESTABELECIMENTO DE COMUNIDADE . Há comunhões que se originam
de fatos jurídicos stricto sensu ou de atos-fatos jurídicos (adjunção, mistura, confusão, percepção de frutos;
habitação no mesmo prédio, invenção em comum) ; ou de aquisições negociais de partes indivisas, ou de
aquisições ex lege. O regramento das relações jurídicas internas ou é legal ou é negocial, mas apenas em atenção
ao fato da comunhão.
Muito diferente é o que acontece se a situação jurídica de comuneiro é apenas subjacente, justajacente ou
sobrejacente, como se A e B, que são proprietários dos terrenos próximos de um rio, não querem que alguém
compre as margens do rio e construa muralha, tirando as árvores que, para êles, enfeitam as duas propriedades, e
compram tais margens, assinando contrato em que se proibem a construção de muralha ou o corte das árvores sem
consentimento dos dois e a alienação sem êsse consentimento. Aí, há negócio juridico de comunidade, que pode
existir mesmo se cada um adquiriu uma das margens.
Dá-se o mesmo se dois vizinhos adquirem o terreno limítrofe para que outrem, que o adquirira, não construísse
nêle.
No Brasil, cônjuges ou pessoas que vivem em comum adquirem casas ou apartamentos para vivenda, ou
veraneio, ou férias, o que afasta a permissão no plano do direito das obrigações da alienação de quota por uma
sem que a outra aliene a sua. Há o negócio jurídico subjacente, constante, por
exemplo, de carta ou de outro instrumento posterior, ou justajacente, ou sobrejacente. Na espécie, é quase sempre
justajacente (havia a finalidade quando adquiriram). Pode ser sobre jacente se foi, por exemplo, o fato de
herdarem o mesmo sitio, ou engenho, ou fazenda, ou casa, que aproximou os dois condôminos ou
co-usufrutuários Pode ser subjacente, se o negócio jurídico de comunidade foi concluído antes, e. g., quando os.
Cônjuges ou companheiros adquiriram determinada quantia e um escreve ao outro com os planos e a
incumbência da aquisição das partes indivisas. Aliás, o negócio jurídico de comunidade pode existir a despeito da
divisão do bem, ou de serem dois ou mais os bens, como se foram abertas portas para ligar dois apartamentOs~ ou
se os dois agricultores ou fazendeiros retiraram a cêrca ou passaram a usar e fruir, em comum, as propriedades, ou
dois comerciantes, vizinhos, regulam o uso do pátio ou do jardim.
É de afastar-se que em tais espécies haja contrato de sociedade. Pode haver, se a finalidade é mais operacional~
mais ampla, do que a finalidade da comunidade negocial. No caso da aquisição da margem ou das margens do rio,
não há, evidentemente, sociedade; nem no dos cônjuges ou companheiros que adquirem o prédio para habitação.
Na propriedade de apartamentos, há comunhão de algumas partes do prédio, fora a quota do terreno, e a lei
regulou especialmente essa espécie de contrato de comunidade, dando maior relêvo à comproprieda de (ao
Direito das Coisas) do que a comunidade (ao Direito das Obrigações). Mas há outras espécies, assaz relevantes,
que escapam à (ex specialu.
§ 4.822. Natureza e espécies de comunidade negocial
1.UNILATERALIDADE, BILATERALIDADE E PLURILATERALIDADE. O negócio jurídico de
comunidade pode ser unilateral, bilateral ou plurilateral.
2. ESPÉCIES PRINCIPAIS. A comunidade negocial pode referir-se a direito real (comunidade negocial, a
respeito de comunhão imobiliária ou mobiliária), dita comunidade real; ou a direito pessoal (comunidade
negocial, a respeito de crédito . É preciso advertir-Se em que já se está dis
tinguindo da comunhão em bem imóvel ou em bem móvel, que existe, sôzinha, no direito das coisas, a
comunhão em bem imóvel ou em bem móvel, que foi aproveitada, ou contemporânea.. mente constituída, ou
estabelecida pelo negócio jurídico de comunidade. As duas irmãs que vão morar juntas na casa que herdaram (ou
adquiriram entre vivos) e uma delas escreve contra “não precisa cuidar de compra de casa, pois, mesmo que me
ausente da cidade, morarei com você até me casar”, são figurantes de contrato de comunidade. Uma ofertou e a
outra aceitou. (Poderia resultar de promessa unilateral, como se A promete instalação por um ano, em comum, a
jovens recemformados em agricultura, ou se as relações jurídicas foram previstas em testamento. E. g., “Deixo a
casa da rua tal às minhas duas filhas A e B, que nela habitarão até se casarem”.)
Uma vez que há o negócio jurídico de comunidade, as relações jurídicas entre os comuneiros regem-se pelo
direito das obrigações, e não pelo direito que às relações entre os comuneiros o direito das coisas estabeleceu. As
regras que se inseriram no direito das coisas somente são exclusivas se não há o negócio jurídico de comunidade,
ou de sociedade.
A comunidade, de origem negocial, pode recair em créditos. Não se trata de serem co-credores os comuneiros,
isto é, figurarem no negócio jurídico ou serem co-credores por outro fato .iurídíco.
A comunidade de interésses estabelece, entre os figurantes do negócio jurídico, com-sorte na produção de
interesses, sejam frutos naturais, juros, dividendos, ações dadas em bonificação, madeiras cortadas, pesca ou
caça. O proveito e os lucros são comuns, por fôrça do negócio jurídico, mesmo se ainda não foi adquirida a
propriedade dos bens de que eles resultam (cf. li. O. DE BooR, Die Kollision von Forderungen, 132; cp. HANS
WÚIinINGER, Theorie der schlichten Interessungemeins~h5f~ Zeitsckrijt f‟iir das gesamie Handeisrecht, 100,
46).
A comunidade de risco ou comunidade de danos ou comunidade de despesas é a que tem por finalidade pôr em
comum os riscos, os danos ou as despesas. (Pense-se na lar Rhodia de iactu.)
No testamento pode deixar-se o bem para ser dividida (cf. JOSEF ROELER, Gemeinschaften mit Zwangsteilung,
Archiv fír die civilistische Praxis, 91, 309 s.), imperativamente, ou para ficar em comum, ou para ser usado ou
usado e fruido em comum, precisando-se, ou não, o tempo e o propósito do testador.
Se a comunhão se enquadra nas figuras de direito das coisas, não interessa o regramento que o negócio jurídico de
comunidade impõe. Basta pensar-se em que, se A e B, adquirem, no mesmo dia, as partes indivisas a e b do
prédio, pode nada haver de negocial entre êles. Poderiam adquirir separadamente. Se tenham planos sobre o modo
de usar e êsses planos não chegaram a ser acôrdo que entrasse no mundo jurídico, tudo se há de reger pelo direito
das coisas. Por onde se vê a importância do negócio jurídico de comunidade.
3.SOcIEDADE E COMUNIDADE. Quando se fala de sociedade como se fôsse comunidade não se erra, porque
algo há de ser em comum. O êrro está em se dizer que sociedade é apenas comunidade. Aí, deixa-se de atender ao
plus, que dá o próprio conceito de sociedade e o nome.
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURIDICO DE COMUNIDADE
§ 4.823. Pressupostos
1.FIGURANTES. Mesmo que o negócio jurídico seja unilateral, as relações jurídicas são irradiadoras de direitos
e de deveres entre duas ou mais pessoas. Dá-se o mesmo se a comunidade se originou de contrato a favor de
terceiro.
2.FORMA. Os pressupostos formais do negócio jurídico de comunidade são os da espécie de negócio jurídico de
que se trata (unilateral, bilateral ou plurilateral). Se a comunidade provém de disposição testamentária, que a
impôs, o testamento há de ter observado as exigências legais.
3.QUOTAS. Na dúvida, têm-se por iguais as quotas dos comuneiros. Não em virtude do art. 639 do Código Civil,
concernente ao condomínio, mas sim porque é o que se há de extrair do negócio jurídico de comunidade. Três
condôminos de partes indivisas, %~ 1,4, 1/4, podem ser comuneiros de partes iguais para o plantio, ou a extração
de minerais ou de água, ou de atracação de botes ou iates. A utilização pode nao coincidir com o que deveria
resultar das quotas. Aliás, não sempre, abstrai-se das quotas, que ficam na esfera comum como índices, sem
imediata relação com o conteúdo do direito. (Com isso não se há de aderir à concepção da comunidade de pessoas
sem sujeito, cfr. A. SAENGER, Gemeoinsch‟aft und ~echtsteilUng, 117; IKATTAUCE, Die Auteile der
Miteigentilafler ind der Gesamthdflder au deu gemeinschaftlichefl Sacheu, 65).
§ 4.824. Eficácia do negócio jurídico de comunidade
1.COMUNHÃO SEM NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE A comunhão somente regida pelo Direito de
Família, ou pelo Direito das Coisas, ou pelo Direito das Sucessões e pelo Direito das Coisas e pelo da Família,
não nos interessa. Falta-lhe a Presença, digamos assim, de relações jurídicas que apenas exsurgem no plano do
Direito das Obrigações .
2.REGRAS JURÍDICAS DISPOSITIVAS E NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE Se existe o negócio
jurídico de comunidade, necessariamente há regras jurídicas dispositivas que a protejam. Uma delas, que no
direito brasileiro não é escrita, mas se funda no art. 85 do Código Civil, é a que, no tocante à alienação, põe o
interesse comum acima do interesse individual, como, se de sociedade se tratasse, o interesse social passaria à
frente do interesse dos sócios.
Na comunhão de direito das coisas, cada condômino pode alienar a sua parte indivisa (Código Civil, art. 628, III,
13 parte), com as atenuações do ad. 1.189 e parágrafo único. Na comunidade negocial de direito das obrigações
tem-se de indagar da finalidade da comunidade, inclusive do tempo que ela pode durar ou tem de durar. Daí ser de
assentarse que a alienação da quota extemporâneamente e sem o assentimento dos outros comuneiros é infração
do dever de comunidade (No direito alemão, a Preocupação de fundir as espécies de comunhão só de direito das
coisas ou de direito de família e as de direito das obrigações, foi responsável por se não atender à influência que
há de ter, no que concerne ao poder de alienar as quotas, a finalidade duradoura da comunidade negocial. Cf.
Código Civil alemão, § 747. A finalidade da comunidade negocial reflete-se na delimitação dos direitos dos
comuneiros e tal delimitação estaria posta de lado se o comuneiro pudesse livremente dispor da quota. O que se
pode preestabelecer para se obviar aos inconvenientes da alienação a líbito, é a eficácia em relação ao terceiro
adquirente, ou como vinculação de quem aliena ou como efeito real, se possível, in casu, a irradiação registâria~
Os atos de uso ou de uso e fruição, por parte de cada comuneiro, têm de ser compatíveis com os atos dos outros
comuneiros e com a finalidade do negócio jurídico. Se o negócio jurídico de comunidade foi para que A e E
pudessem ter acesso à praia, sem que os vizinhos o tivessem, é de interpretar-se que se permitiram os convites a
amigos, ou parentes, ou pessoas a que se quer prestar favor; não, porém, a locação ou a cobrança de ficha.
O Princípio do auto-regramento da vontade, dito principio de autonomia, está à base do negócio jurídico de
comunidade. Não se pode saber se há, qual a extensão e até qual a qualidade dos atos, positivos ou negativos, que
tecem a atividade em comum, se não se explora e não se interpreta a vontade que consensualmente se manifestou.
A manifestação de vontade, que faz o suporte fáctico do negócio jurídico, bilateral ou plurilateral, de
comunidade, pode ser em parte expressa e em parte tácita. Não é de afastar-se que possa ser somente tácita, mas
não é difícil de ocorrer. Ós dois choferes que compraram, a prestações mensais, o carro de praça, registrando-o
como de compropriedade dêles, não são mais do que condôminos. Todavia, se distribuiram, por horas, o serviço
(e. g., seis horas, pela manhã, para um, e seis horas, à tarde e à noite, para o outro), e cada vez vão juntos pagar a
prestação devida, há comunidade. Nenhum se pode afastar do negócio jurídico que a manifestação tácita de
vontade estabeleceu. O comuneiro que ficou oito horas com o carro, deve duas horas de uso. O outro pode exercer
a ação de resilição por inadimplemento (adimplemento ruim) e exigir a indenização. No direito das coisas não se
previu o que só se originou de acôrdo tácito, do negócio jurídico de comunidade.
CAPÍTULO III
EXTINÇÃO DA COMUNIDADE
§ 4.825. Causas de extinção
1.PRECISÕES. No direito romano, a communio mcidens, comunhão acidental, apareceu como figura anômala,
que se havia de extinguir o mais cedo possível, para que houvesse coincidência entre os bens, objetivamente
considerados, e as esferas jurídicas dos titulares. Havia de ser transitória a pluralidade de donos do mesmo bem.
Qualquer comuneiro tinha,a qualquer momento, pretensão à extinção da comunhão. Não se pode dizer, ainda
hoje, que essa concepção hostil não perdure, mesmo porque não há só a adio. Certo é, porém, que muito se
atenuou.
2.PRAZO E EXPIRAÇÃO. Se há prazo para a comunidade e, nas espécies que nos interessam, é o da finalidade
do negócio jurídico, não se pode pensar em denúncia vazia. Se o negócio jurídico de comunidade, a respeito de
terreno, foi para que se plantassem vinhedos a fim de se ter suficiente fornecimento para a indústria de um dos
figurantes, ou de terceiro, entende-se que há o prazo determinável, correspondente ao tempo em que exista a
empresa de vinhos, ou precise ela das uvas.
8.DENÚNCIA CHEIA. Enquanto a finalidade da comunidade afasta a denunciabilidade vazia, a
denunciabilidade cheia persiste, mesmo se há prazo explícito. t preciso que seja razoável a causa que se alega para
a denúncia.
Não há denúncia cheia se a finalidade é de tal natureza que não possa haver divisão, nem extinção da comunidade
por outra causa. ~ o que ocorre com a comunidade resultante dos edifícios de apartamentos e a das casas de
campo com entradas e serviços comuns, mesmo quando não se trate de clube (isto é, mesmo se não se introduza o
elemento do interêsse social).
A pretensão à denunciabilidade cheia é inafastável e irrenunciável.
4.DISTRATO~ O negócio jurídico de comunidade sômente se distrata se há as manifestações de vontades,
acordes, dos comuneiros
5.RESOLUÇÃO E RESILIÇÃO. A resolução e a resilição do negócio jurídico de comunidade regulam-se
conforme os princípios gerais.
§ 4.826. Nulidade, anulação, ou outra desconstituição do negócio jurídico
1.NULIDADE. Se o negócio jurídico de comunidade é nulo, não se pode falar de efeito de comunidade. A
desconstituição é de negócio jurídico que não produziu efeitos. Nada tem essa nulidade com a do negócio jurídico
de que resultou o direito com que o comuneiro fazia parte da comunidade.
2.ANULAÇÃO. „O negócio jurídico de comunidade, se é anulável, produziu a relação jurídica de comunidade.
A decisão judicial que o anule desconstitui o negócio jurídico e a sua eficácia.
§ 4.827. Extinção e liquidação
1.NEGócIos JURÍDICOS SUEJACENTES, JUSTAJACENTES OU SOBREJACENTES Dístratado ou por
outro modo desconstituí. do o negócio jurídico de comunidade, pode persistir a comunhão de direito das coisas ou
de direito de família, ou oriunda de sucessão. Se A e E, que adquiriram o apartamento para escritório comum,
distratam o negócio jurídico de comunidade de uso, continuam condôminos, mas ou A aluga a E a sua parte
indivisa ou E lhe aluga a sua, ou um dêles aluga a outrem, ou ambos alugam a outrem as suas partes.
2.ORIGEM NÃO NEGoCIAL O negócio jurídico de comunidade pode ser quanto a bem comum, cuja comunhão
tem origem não-negocial. Então, o negócio jurídico de comunidade apenas regulou as relações jurídicas entre os
comuneiros, fora do que resultaria da lei sobre a espécie de comunhão. Desconstituído o negócio jurídico de
comunidade, não se divide o bem divisível, se não há pretensão a isso.
Ocomuneiro pode dispor da quota, não de parte, porque dispor de parte atingiria o todo (GERII. SCHROTH, Der
Aufbau der Gesellschaft des RGR. ais Schuldverhiittflis und Gememschaftsverhiiltflis, 89). Não pode gravar a
parte, com direito real (e. g., servidão), porque atingiria o todo, o que pareceu a A. SAENGER (Gemeinschalt und
Rechtsteilurig, 76) tautológico. Salvo se o gravame é sobre o valor, como se da com a hipoteca da parte indivisa.
Se a comunidade se extingue, extinguem-Se o uso ou o uso e o fruto; razão por que o negócio jurídico de
comunidade fica sem objeto se êle se baseava na comunhão de direito das coisas, ou de família.
Cumpre observar-se que a comunhão, quase sempre real (compropriedade, co-usufruto, co-enfiteuse), pode ser
apenas de posse, como acontece se os figurantes do negócio jurídico de comunidade são apenas locatários, ou
comodatários, ou possuidores próprios sem propriedade. O negócio jurídico de comunidade, tipicamente
obrigacional, apenas aproveita, digamos assim, a situação de compropriedade, ou de comunhão em direito real,
ou de composse, que há (ou vai haver) entre os figurantes do negócio.
Mas, com o estabelecimento da comunhão pessoal, o negócio jurídico de comunidade gera, de ordinário,
composse destinada a fim, o que torna distinta a posição dos figurantes entre si, de conformidade ou com
alteração do que seria a eficácia da comunhão real.
Também se há de advertir que a situação real pode mudar sem que mude a situação pessoal e possessória dos
figurantes do negócio jurídico de comunidade. Basta um exemplo: A e E eram locatários do apartamento, em que
têm escritório de advocacia, e adquiram a propriedade, permanecendo a situação jurídica oriunda do negócio
jurídico de comunidade.
Título XLIV
CONTRATO DE EDIÇÃO
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO
DE EDIÇÃO
§ 4.828. Conceito de contrato de edição
1.PRECISÕES . Para se conceituar, com exatidão, o contrato de edição, tem-se de saber o que é que se presta e o
que é que se contrapresta. Mais o que se presta, porque a contra-prestação pode ser de diferentes espécies.
(a)Como em tôda transferência, entre vivos, de domínio, a transferência da propriedade intelectual supóe negóciO
jurídico básico e o acôrdo de transmissão. Ou houve compra-e--venda, ou troca, ou doação, ou dação ii?.
solutum, ou dação em adimplemento de negócio jurídico unilateral; mas sempre se há de exigir, além dêsses atos
jurídicos de direito das obrigações, o acôrdo de transmissão. Quem contrata edíção de livro, ou música, ou
desenho, não transfere a propriedade intelectual, razão por que de nenhum direito real se trata quando está em
causa direito de editor. O sistema jurídico brasileiro concebeu como direito real a propriedade intelectual, porém
não o direito de edição.
Para que haja transferência da propriedade intelectual, em virtude de contrato de compra~e~venda e acôrdo de
transmissão, é preciso que se componham os pressupostos do contrato de compra-e-vendas que é causal, e os do
acôrdo de transmissão (Tomo XV, § 1.85S). Se o autor vende, sem transferir, apenas prometeu transferir; e todo
o seu vínculo é interior ao direito das obrigações. Com o acôrdo de transmissão, adimple-se o contrato de
compra~e-venda e o registo atribui-lhe eficácia real. Se o contrato não foi transíativo do domínio sobre
O bem incorpóreo, o acôrdo não pode ter sido “de transmissão”
ou foi “de constituição de direito real limitado”, ou “de constituição de direito de edição”, que é pessoal, pôsto
que dê direito à posse.
(b)Se examinarmos as duas espécies mais vulgares, a da compra e.venda da propriedade literária e a da doação,
temos: a) O contrato de compra.e~venda exige que o autor se obrigue a transferir o domínio sobre o bem
incorpóreo e que outra pessoa (que pode ser editor, ou não) se obrigue a pagar-lhe “certo preço em dinheiro”
(Código Civil, arts. 1.122-
-1.124). Se foi estipulado que o autor receberia percentagens, ou se trata de contrato de edição, ou de sociedade de
exploração de edição, ou de comissão, nunca, porém, de contrato de compraevenda b) O contrato de doação
supóe que o autor transfira a propriedade intelectual a alguém e seja gratuito o contrato. Se se fala em
percentagem, doação não há: a onerosidade exsurge.
Se a contraprestação é em bem que não seja dinheiro, há troca, e não compra.e venda No contrato de edição, há
restrição quanto a exercício do conteúdo do direito autoral de exploração. Não há incoerência em dizer-se que o
transferente continua titular do direito, porque em verdade êle não transferiu o direito autoral de exploração nem
o restringiu: não esvaziou, dispondo, o conteúdo de direito autoral de exploração, ou, sequer, o restringem por
algum tempo ou até certa quantidade, ou enquanto haja adimplemento pelo outro figurante. Apenas permitiu
editar. A. transferência do direito autoral de exploração é outra coisa. Outra coisa o usufruto do direito autoral
(direito real limitado).
2.CONCEITO. O que se transfere, com o contrato de edição, não é o direito autoral de exploração, mas elemento
do exercício dêsse, pela dívida e pela obrigação que assume o titular do direito autoral de exploração.
3.CONTRATO DE EDIÇÃO E LOCAÇÃO. O contrato de edição de modo nenhum se pode reduzir a contrato
de locação. Não há bem que se loque; há exploração, que se permite, sem ser exaustiva e definitivamente, porque
não se transfere o domínio, nem o uso (direito real). Dá-se o mesmo com o contrato de representação e com o
contrato de execução musical.
A diferença entre a locação e a edição está, principalmente, em que, se, na locação, há entrega da posse de coisa,
no contrato de edição a entrega da coisa (manuscrito, ou outra obra de arte) é apenas meio para se conseguir o fim
do contrato de edição, que é o uso do bem incorpóreo.
Na locação, a retribuição é pressuposto necessário do contrato; ao passo que, no contrato de edição, apenas são
pressupostos necessários a promessa de editar e a de entrega do bem incorpóreo para a edição. A simples leitura
dos arts. 1.188 e 1.346 do Código Civil demonstra a inconfundibilidade dos dois conceitos. O locatário adquire o
direito de usar a coisa locada porque presta aluguer; o editor adquire o direito de editar porque se vincula a usar de
certo modo (editar) o bem incorpóreo.
(c)Quando o dono do prédio o loca, não transfere o direito de uso (direito real), não restringe o conteudo do seu
direito; apenas se obriga à entrega do prédio para que o locador exerça direitos que o dono do prédio exerceria. O
editor não é titular de direito real, não é usuário, ou usufrutuário, do direito autoral de exploração, do direito de
propriedade intelectual; é titular de direito pessoal, que se exerce com a posse dos originais ou cópias
reproduzíveis e do bem incorpóreo. O sistema jurídico não conhece direito real de edição, outorgado em contrato
conforme os arts. 1.346-1.358 do Código Civil. Contrato de compra-e-venda pode existir, mas é outra figura
jurídica: se o há, não se outorgou direito de editar, vendeu-se o bem incorporeo, a propriedade intelectual,
transferiu-se-lhe o domínio, tendo havido a contraprestação, essencial ao contrato de compra-e-venda, de “certo
preço em dinheiro” (Código Civil, art. 1.122; Código Comercial, art. 191), fixação que pode ser deixada a arbitrio
de terceiro (Código Civil, art. 1.128; Código Comercial, art. 194).
A expressão “transfere”, que o art. 1.846 evitou, leva a equívocos, noutros sistemas juridicos. Nesse sentido, o
locador transfere o exercício do direito sobre a coisa. Igualmente a expressão “cede”. O que se transfere ou cede é
o direito de editar, que é um dos Poderes que tem o dono da propriedade intelectual.
O preço é um dos essentialia negotii da compra-e-venda, qualquer que seja: de bem corpóreo imóvel ou móvel,
ou de bem incorpóreo, O contrato de edição pode ser sem preço e a contraprestação só consistir em percentagem
sobre vendas (cf. KURT RUNGE, Urh~eber- und Verlagsrecht, 481). Com a locação tem o contrato de edição de
comum que o original ou cópia reproduzível é entregue ao editor, mas há o plus da reprodução”, que é exercício
do direito de propriedade, atribuído, no plano do direito das obrigações, ao editor. Não se restringiu, sequer, o
conteúdo do direito de propriedade, como aconteceria se o sistema jurídico brasileiro houvesse concebido o
direito real de edição, como concebeu os direitos reais de uso, de usufruto, de hipoteca, de penhor, de anticrese e
de rendas sobre imóveis.
(d)Há um ponto, porém, que não tem sido versado e assume grande relevância no direito brasileiro. Os bens
incorpóreos, suscetíveis de serem objeto de direito de propriedade intelectual (literária, artística, científica) ou
industrial, podem ser possuidos. Para que isso se dê, basta que alguém exerça poder fáctico que se inclua nos
Poderes da propriedade intelectual. Quem edita, sem direito de editar, o livro de outrem, ou a música de outrem,
ou a gravura de outrem, ofende a propriedade intelectual e a posse. Há esbulho, com todas as conseqUências e, no
direito brasileiro, nascem tôdas as pretensões que a~ infração do direito de propriedade e da posse suscita. No
sistema jurídico brasileiro, há a ação reivindicatória e há os interditos possessórios, exercíveis em tais casos.
4.CONSENSUALIDADE DO CONTRATO DE EDIÇÃO. O contrato de edição é consensual. O autor tem de
entregar o manuscrito ou cópia reproduzível. Se êsse ou aquêle já se acha com o editor, mas dependendo de
declaração do autor (permissão de iniciar a reprodução), ainda não se deu a entrega da posse para a execução: o
editor apenas é, nesse caso, possuidor imediato do bem corpóreo ou simples tenedor da coisa corpórea, e não
possuidor imediato do bem incorpóreo. A permissão pelo autor é tradição brevi manu da posse imediata (direta)
sobre o bem incorpóreo.
5.ESPÉCIES DE CONTRATO DE EDIÇÃO. Os contratos de edição ou são por edições, qualitativamente, ou
quantitativamente, ou por tempo, ou por número indeterminado de edições. São as cisões ou pela qualidade
(edição de luxo, ou edição em~ português), ou por quantidade (quatro mil exemplares, duas edições de três mil
exemplares), ou por tempo (ate 1965) ou no espaço (no Estado A), ou por número indeterminada (“a primeira e
posteriores edições”). Se foi feita a edição de luxo, o que, ex hypothesi, não impede a tiragem de outra, ou de
outras edições, ou se foi feita a edição de que cogita o contrato (restrição ao exercício do direito autoral de
exploração, após cisão qualitativa), ou se foi feita a edição de x exemplares e se acha esgotada, ou se já se atingiu
o têrmo, extingue-se o direito do editor. Na última espécie, o editor não mais pode vender os exemplares restantes
(ALFREDO DE GREGÓRIO,
iContratto di edizione, 228). Se o contrato de edição foi por número indeterminado de edições, a resolução por
inadimplemento o faz cessar, ou, no sistema jurídico brasileiro, o exercício do direito formativo gerador de que se
cogita no art. 1.851 do Código Civil.
O contrato de edição em que os lucros líquidos têm de ser divididos ou é contrato múltiplo, há o contrato de
edição e o de sociedade, porque só se atribuiu quota do exercício do direito de edição; ou é negócio jurídico
parciário. Não há solução a priori.
Após a tiragem da edição e o lançamento do que foi editado, tem-se de saber se terminaram o direito de edição e
o seu exercício. Pode o autor ter outorgado o direito de edição de x exemplares sen> se haver privado de outorgar
a outrem edição diferente (e. g., edição de luxo). Pode dar-se que tenha atribuído ao editor a edição de seis mil
exemplares, sem se vincular a não permitir a outrem, antes da vendagem, outra edição. Não é isso, todavia, o que
mais acontece. Como jus dispositivum, o art. 1.849 do Código Civil rege a espécie. Para que o autor, antes de se
esgotar a edição, possa permitir outra edição, é preciso que cláusula contratual ou pacto adjecto haja afastado a
incidência do art. 1.849.
Quando se contrata edição, não se contrata edição de tradução (cf. art. 652). Trata-se de outra edição.
A declaração quase sempre posta no verso na fôlha do título da obra, em se tratando de livro, ou no verso da fôlha
da fôlha última das publicações que não são livros de ser Proibida a tradução, é concernente ao direito autora] de
exploração, que tem o autor, e não ao direito de edição, que se atribuiu ao editor.
7.CONTRATO DE EDIÇÃO DE OBRA POR FAZER-SE. O contrato de edição pode ter por objeto a edição de
obra já feita, ou a edição de obra por fazer-se, porque o contrato não é contrato real, mas consensual: tanto a
respeito de obra por fazer-se quanto a respeito de obra já feita, o autor vincula-se a prestar ao editor a cópia ou o
original reproduzível sobre o qual se exerça a atividade editorial do outro contraente. O que se promete é o uso
para a reprodução. Tanto se pode prometer a entrega do original pronto, quanto a do original que se vai acabar, ou
que ainda se está a conceber ou iniciar. Lê-se no art. 1.847 do Código Civil: “Pelo mesmo contrato, pode o autor
obrigar-se à feitura de uma obra literária, científica, ou artística, em cuja publicação e divulgação se empenha o
editor”.
Não é proibida a convenção pela qual o autor se obrigue a transferir a determinado editor as obras que fizer
(OTTO WARNEYEIt, Kommentar, 1, 246). A fortiori, a contratar com alguém as edições das obras que fizer. Tal
negócio jurídico pode consistir em pré-contrato de edição, ou em contrato de edição da espécie de que cogita o
art. 1.347, ou em contrato de transferência do direito autore? de exploração, que é mais do que contrato de
edição, ou em pré-contrato de transferência do direito autoral de exploração. Só as duas primeiras espécies são
assunto para êste Título. As duas outras pertencem ao direita das coisas.
§ 4.829. Natureza do contrato de edição
1.AUTOR E EDITOR. O autor ou quem tenha o direito autora] de exploração outorga o direito de editar, O editor
exerce tal direito, prestando ~ não o que lhe toca. o contrato de edição não é, essencialmente, bilateral. Bilateral é
o negócio jurídico. Fade haver animus donnndi, por parte do autor ou do editor, conforme adiante diremos.
O acordo de transmissão , que está à base da a1ienação do direito de propriedade intelectual, pertence ao direito
das coisas. rode ser em conseqüência de contrato de compra-e-venda, ou de doação, ou de qualquer outro
contrato em que se prometa transmissão, ou que a implique, ou de promessa unilateral (declaração unilateral de
vontade). O contrato de edição de modo nenhum diz respeito à propriedade intelectual, mas apenas ao uso dela,
razão por que, no Código Civil brasileiro, que, na técnica, se pôs à frente dos outros, a propriedade intelectual
enche todo um capítulo do direito das coisas (arts. 649--673), ao passo que outro capitulo se dedica, no direito das
obrigações, ao contrato de edição (arts. 1.346-1.362).
O que se transfere, com o contrato de edição, não e propriedade literária, artística, ou científica, nem, sequer, o
uso e o fruto, é o exercício, porque o editar, ou reeditar, em suas diferentes formas, e o permitir execução são
Poderes contidos no direito de propriedade intelectual, e não o próprio domínio ou elemento do domínio do bem
incorpóreo. Não há confundir-se a transmissão do direito de edição, ainda que seja de número indeterminado de
edições e de exemplares, com a transmissão do direito de propriedade intelectual, ou a constituição de direito
real, o outorgado, no contrato de edição, é o editor; o outorgado, na transferência do direito de propriedade
intelectual, é o adquirente, comprador, donatário, ou outra figura em cujo direito todos os elementos do dominio,
ou alguns dêles, sobre o bem incorpóreo, se congreguem.
Um dos critérios mais seguros para se saber se foi transferida a propriedade literária ou apenas o direito de edição
(exercício do direito autoral de reprodução é procurar-se assentar se o autor ainda tem interesse no número de
edições futuras e no número de exemplares.
Se a contrapreStação que se há de fazer ao outorgante ~é percentual‟ sobre edições, ou sobre exemplares, de
modo nenhum se pode pensar em transferência da propriedade intelectual. O que se transferiu foi o exercício, o
poder de explorar, não o domínio sobre o bem incorpóreo.
2.BILATERALIDADE DO NEGOCIO JURÍDICO DE EDIÇÃO.
O contrato de edição é negócio jurídico bilateral típico. Se alguém transmite os direitos de utilização da obra
literária, artistica ou científica, não só transmite o uso da propriedade literária, artística ou científica; quem só
transmite uso não transmite domínio; quem só se obriga ao uso (exercício) por outrem, não transmite domínio
nem uso. A prestação do editor pode ser dinheiro, ou outro valor; ou não haver prestação, e tem-se, aí, o contrato
de edição sem remuneração, ou o negócio jurídico misto com doação. Em verdade, o que se transfere não é o
direito autoral de reprodução, nem o uso (direito real), mas apenas o exercício, em virtude de negócio jurídico
obrigacional.
Convém atender-se a que o contrato de edição em que o editor não presta preço fixo, nem por percentagem, pode
não ser com anzmus donandi. Se a edição de modo nenhum permite que o editor tenha lucros e o interesse do
editado é o de publicidade, seria forçada a interpretação do contrato como contrato gratuito.
Há a prestação d-1, no máximo, do titular do direito autoral de exploração (porque a prestação de todo o d
implicaria alienação do direito todo, sem se ter de pensar em edição) e há a prestação do editor. No sistema
jurídico brasileiro, tem-se como prestação essencial, típica, a de publicar e divulgar a obra, considerando-se
não-essencial a prestação ao autor, pelo editor, do preço da edição ou das edições. Daí se concluir ser contrato de
edição, tanto quanto os outros, em que o editor contrapresta dinheiro, ou exemplares, ou valor, aquêle em que
nada mais êle presta que a sua atividade, e não no serem aquêles em que as despesas de publicação e, algumas
vêzes, as de remessa ficam a cargo do autor, com ou sem proven-. tos imediatos para êsse.
O Código Civil, no art. 1.346, só se presta a essa descrição da estrutura do contrato de edição: “Mediante o
contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir mecânicamente e divulgar a obra científica, literária,
artística, ou industrial,. que o autor lhe confia, adquire o direito exclusivo a publicá-la
e explorá-la”. À prestação de direito de publicar e de explorar corresponde, pelo menos, a contraprestação de
atividade (dever e obrigação de reproduzir mecânicamente e divulgar). O assunto é de relêvo, porque não se há de
considerar contrato de edição aquêle em que a impressão foi feita pelo autor, e não pelo editor. O que,
principalmente depois da Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924 e dos diplomas jurídicos posteriores, se há de
assentar é que sómente é essencial a bilateralidade, sendo mínimo a reprodução e a divulgação . Pode não haver
remuneração ao autor (aliter, no direito italiano, Lei italiana n. 688, de 22 de abril de 1941, art. 130, cf. G.
VALERI, Manuale di Diritto commereiale, II, 157). Se o autor entra com as despesas de reprodução, deforma-se
o contrato de edição, que passa a ser contrato misto, como se se dividem despesas e lucros. Não há, no sistema
jurídico brasileiro, a regra jurídica cogente de serem as despesas por conta do editor (e. g., Lei italiana n. 633, art.
118). Se o negócio jurídico apenas consiste em permitir o autor que o editor edite, sem que êsse assuma dever e
obrigação de editar, a bilateralidade não exsurge; não há, portanto, contrato de edição. Há negócio jurídico
unilateral de outorga de poder, “autorização”, e não contrato; nem, sequer (com razão, II. CI-IRIST, Der
Verlagsvertrag, 17), arrendamento (que também é negócio jurídico bilateral).
Em todo o caso, se o autor contratou com B a composição e impressão do livro, ou da música, ou de outra peça, e
entrega os exemplares a O, para que figure como editor e venda os exemplares, o contrato de edição fica
concluído. Quase sempre, o editor paga ao autor aquilo que êle despendeu, ou parte do que Me despendeu, ou
mais do que Me despendeu, pela entrega dos exemplares. Há, então, com o autor o que teria havido com a
empresa tipográfica se o editor lhe houvesse entregue os originais para composição e impressão.
§ 4.830. Contratos outros em que figura o titular do direito autoral de exploração
1.LOCAÇÃO DE OBRA ENTRE O TITULAR E O IMPRESSOR OU EDITOR. Se o titular do direito autoral
de reprodução prefere intervir na difusão da obra, ou (a) manda imprimir a obra e a entrega a distribuidor, que
pode figurar. formalmente, como editor, ou (b) permite que o editor a imprima por conta do titular do direito
autoral da exploração e a distribua, ou (o) se associa com o editor.
2.CONTRATOS MISTOS. Se o editor se faz adquirente, encomendando a obra, para que passe a ser sua, quando
pronta, tal contrato é inconfundível com o de encomenda de obra para edição, que é o contrato de edição previsto
no ad. 1.847 do Código Civil. Ali, a aquisição só se opera à entrega da obra (arts. 1.287-1.247) ; aqui, o que o
editor adquire é o direito de editar. Pode-se pensar em contrato misto de empreitada e de mandato se alguém se
obriga a imprimir e difundir a obra, sem adquirir direito de edição. Ou em contrato misto de empreitada e de
mandato na edição ou de comissão, se o empreiteiro (editor) assume a obrigação de reproduzir a obra à custa do
autor, recebendo comissão sobre os exemplares vendidos. Se a obra já estava impressa, trata-se de simples
contrato de comissão, ou de mandato.
Pode ocorrer também que seja contrato estimatório o contrato entre o autor e o editor.
Sempre que se fala de “editor” sem que o contrato entre o autor e êle seja contrato de edição, emprega-se a
expressão como indicativa de profissionalidade, e não de figurante em contrato de edição.
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.831. Pressupostos subjetivos do contrato de edição
1. FIGURANTES DO CONTRATO DE EDIÇÃO. O outorgante, no contrato de edição, é o autor, ou seu
sucessor, entre vivos ou a causa de morte, no direito autoral de exploração. Não é contra os princípios que o titular
do direito autoral de exploração confira ao editor Poderes de sub edição, isto é, de contratar edições que lhe
caberiam, ou de transferir os seus direitos, o que não é a mesma coisa, como não são a mesma coisa sublocar e
transferir o contrato de locação.
O editor que pode outorgar a outro, e. g., a editor sediado em pais estrangeiro, a edição de tradução, é subeditor.
Responde ao autor conforme responderia ao locador o locatário do edifício ou do bem móvel.
Editor é quem vai reproduzir a obra e lançá-la ao público, ainda que tenha de contratar a impressão com outrem e
com outrem a distribuição. Não é necessàriamente comerciante. Nada obsta que apenas figure, na reprodução,
como editor. Vinculado foi e vinculado fica.
2.SOCIEDADE PROTETORA DOS ESCRITORES. A entrada do autor ou compositor, enfim, do titular de
direitos autorais, em sociedade de proteção de direitos autorais, apenas tem o efeito
no que se refere à Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955 de atribuir à sociedade, se o sócio não pré-eliminou êsse
efeito, o poder de representação, na defesa dos direitos dos autores. Nenhuma transferência de direito autoral de
exploração se opera, nem, sequer, constituição de direito real. Trata-se de mera representação.
A Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955, art. l.~, não ofende a Constituição de 1946. A ratio legis foi dificultar a
prática de apropriações indébitas, de estelionatos e de crimes contra a propriedade intelectual, que pareceram
frequentes ao legislador. Ou o autor vende a propriedade intelectual, recebendo o preço em dinheiro, ou doa, ou
de outro modo a aliena, ou por si mesmo, ou por intermédio de sociedade a que é filiado, contrata representação,
execução pública ou teletransmissão. Não se pode representar por outro intermediário.
Trata-se de regra de limitação da representabilidade Não se aplica a atos de representação anteriores à data da
incidência da Lei n. 2.415; mas incide, automâticamente, a partir de tal data fixada.
§ 4.832. Pressupostos objetivos do contrato de edição
1.OBJETO DO CONTRATO DE EDIÇÃO. Lê-se no Código Civil, art. 1.856: “Entende-se que o contrato versa
apenas sobre uma edição, se o contrário não resultar expressa ou implicita mente do seu contexto”. Se dá direito a
duas ou mais edições, ~ indispensável concordância dos figurantes no exercício dos seus direitos; se divergência
surge, incide o art. 1.851 e qualquer dêles pode pedir a resilição do contrato: “No caso de nova edição ou tiragem,
não havendo acôrdo entre as partes contratantes sobre a maneira de exercerem seus direitos, poderá qualquer
delas rescindir o contrato, sem prejuízo da edição anterior”. Supóe-se, portanto, que o contrato com direito a duas
ou mais edições, está subordinado a essa exigência legal de concordância quanto ao modo de exercício dos
direitos dos contraentes. Trata-se de idiotismo do sistema jurídico brasileiro, criado a favor do autor e do editor,
para se evitarem lutas em torno do exercício de direitos tão delicados. A regra jurídica do ad. 1.851 não é jus
cogens. A despeito da sua ratio legis, que é protectiva, o ad. 1.851 é ins dispositivum: os figurantes podem
estabelecer, exaustivamente, como há de proceder o autor e como há de proceder o editor. Se não se previu a
espécie de discordância o art. 1.851 incide. A controvérsia não tem a eficácia de resolução automática, ou de
resilição automática, ou de pretensão à resolução ou à resilição. O art. 1.851 emprega o têrmo impróprio
“rescindir”. O que ocorre é a faculdade de denúncia cheia, por parte do autor ou do editor, e pode o caso ser objeto
de exame judicial. Na ação, tem o juiz de verificar se não é fora de qualquer pertinência a exigência do editor ou
do autor. O desacôrdo só se justifica se é razoável o que o editor ou o autor quer que se observe, pôsto que fora dos
termos contratuais.
2. NÚMERO DE EXEMPLARES. a) O contrato de edição pode referir-se a uma só edição, dizendo-~e o número
de exemplares, ou não se dizendo, caso em que se há de entender que ficou ao editor determinar o número, se do
contrato não resulta que se fêz a determinação depender de acôrdo posterior, ou de declaração de vontade do
autor, ou de algum fato ou circunstAncia que possa servir de sugestão (e. g., dez vêzes os pedidos de assinatura ou
encomendas de compra após os três primeiros meses de anúncio pelo editor). b) O contrato de edição pode
referir-se a duas ou mais edições, fixando-se, ou não, o número de exemplares de cada uma ou do total. Se não se
fixou, incidem as regras de interpretação que acima se expuseram.
o)O contrato de edição pode não cogitar de número de edições, nem de exemplares, mas de tempo (condição, ou
têrmo). Salvo cláusula em contrário, dentro do tempo que se marcou podem ser tiradas tantas edições ou
exemplares quantos quiser o editor, desde que, expirando o prazo, não mais exponha exemplares. d) O contrato de
edição pode dizer durante que tempo tem eficácia e mencionar o número de exemplares de cada uma ou o total:
então, o que se exige é que as edições sejam dentro do tempo e se respeite a cláusula sobre número de exemplares.
e) O contrato de edição pode não cogitar de tempo nem de número de edições nem de número de exemplares. A
situação de editor, que então se cria, é semelhante, embora não igual, à do locatário no contrato de locação por
tempo indeterminado.
O art. 1.355 estatui: “Cabe ao editor fixar o número de exemplares a cada edição. Não poderá, porém, mau grado
ao autor, reduzir-lhes o número, de modo que a obra não tenha circulação bastante”. Ambas as partes do art. 1.355
são jus dispositivum: a) os contraentes podem determinar o número de exemplares; se o não fazem, incide o art.
55, 1~a parte; b) os contraentes podem estabelecer que a edição seja de número restrito de exemplares, ainda que
tal número reduza, demasiadamente, a circulação.
“Circulação bastante” é a circulação normal, atendidas as qualidades da matéria e da obra. Há, evidentemente,
quaestio facti, que tem de ser apreciada pelo juiz. Um dos elementos que hão de ser levados em consideração é o
do número de exemplares que se têm tirado de obra ou obras do autor.
8.HONORÁRIOS DE AUTOR. Dizem-se honorários as~ retribuições aos que atribuem direito de edição.
Podem ser em dinheiro, ou não; inclusive podem ser honorários pelo direito de editar uma obra a obrigação do
editor a publicar outra obra do autor (H. CHRIST, Der Verlagsvertrag, 84).
De regra, os honorários são exigíveis no momento em que se termina a impressão ou a reprodução da obra
plástica, ainda que só de parte, se essa é vendida separadamente, ou pode ser lançada desde logo. Os honorários
somente são após a venda, se isso foi estipulado no contrato. Se nada se estipulou, rege o que acima se expôs.
Os honorários percentuais sobre a venda devem-se à medida que se vendem os exemplares, mas é de uso que a
conta só se tire anualmente (AD. ISENSCRMIn, Das T‟erlagsrecht an Werken der bildenden Kunst und der
Vertagsvertrag, 188). Dá--se o mesmo se a remuneração é dependente, por outra razão, do êxito da venda. Diz o
art. 1.854: “Se a retribuição do autor ficar dependente do êxito da venda, será obrigado o editor, como qualquer
comissário, a lhe apresentar a sua conta”. A êsse princípio do art. 1.854 há de juntar-se o do art. 52 da Lei n. 4.790,
de 2 de janeiro de 1924: “Nos contratos de edição, sejam quais forem as condições quanto à remuneração do autor
pelo editor, é êste obrigado a facilitar ao autor o exame da sua escrituração”. A remuneração pode não ser
percentual, mas o autor tem interesse em verificar se foi tirada edição a mais, ou se houve tiragem injustificada,
ou se o número de exemplares excedeu aquêle de que se permitiu a edição, ou a tiragem. Sempre que o autor tem
interesse no exame da escrita, cabe-lhe a pretensão de que cogita o art. 59 da Lei n. 4.790.
Mesmo que se não haja previsto, no contrato, a rubrica dos exemplares pelo autor, sejam êles numerados (o que é
o normal), ou não, tem o autor o direito de exigir que se lhe dêem para rubricar. De ordinário, vão a êle,
numeradas, as páginas em que está o frontispício, ou são postos, na casa editôra, ou na tipografia, para que o autor
os rubrique.
Lê-se no art. 1.353 do código Civil: “Se, no contrato, ou ao tempo do contrato, o autor não tiver estipulado
retríbuição pelo seu trabalho, será determinada por arbitramento”. Assim, ou houve a cláusula de determinada ou
determinável retribuição, ou sobrevém, durante o tempo do contrato, pacto adjecto que estabeleça determinada
retribuição ou determinável retribuição, ou acôrdo tácito por pagamento de quantia que se tenha como retributiva,
ou os figurantes acordam em louvar-se em arbitrador, ou pedem ao juiz que proceda ao arbitramento judicial. O
que importa saber-se é que é só cláusula contrária, ou pacto adjecto contrário, afasta a retribuibilidade da edição.
Odireito a honorários resulta de cláusula contratual, ou de não haver cláusula de gratuidade. Se há cláusula de
gratuidade, o contrato de edição não se torna, somente por isso, negócio jurídico gratuito, porque houve a
promessa de prestação e a de contraprestação os honorários agravam a onerosidade; não a estabelecem, porque a
retribuição não é essencial ao contrato de edição. Quem deu a obra para a edição se tem como titular de direito à
retribuição se não se tira do próprio contrato de edição que o contraente prescindiu, prêviamente, de qualquer
remuneração. Noutros termos: presume-se retribuida a atribuição do direito de editar. As circnstâflcias somente
têm de ser apreciadas se influem na interpretação do contrato. A inserção de trabalhos de principiantes tem-se
como gratuita, salvo se se prometeu remuneração ou prêmio. Diz o ad. 1.853: “Se, no contrato, ou ao tempo do
contrato, o autor não tiver estipulado retribuição pelo seu trabalho, será determinada por arbitramento”. No
contrato, ou ao tempo do contrato, isto é, em cláusula do contrato ou nas circunstâncias em que se fêz o contrato,
circunstâncias, essas, que influem para a interpretação dêle. A remunerabilidade nada tem com o editor ter ou não
ter editado a obra. Tinha êle dever e obrigação de editar, oriundos do contrato de edição.
Se o contrato de edição inclui cláusula de honorários por vendas feitas, o autor tem direito à apresentação das
contas e à prestação de contas, com a prova das vendas (AD. ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werlcen der
bildenden Kunst und der Verlagsvertrag, 188). O uso é no sentido de só se apresentarem e só se pedirem contas
anualmente. Cláusula explícita ou implícita pode modificá-lo.
Nos usos, os honorários por trabalhos publicados em jornais, revistas e outros periódicos são tanto por linha. Tais
usos não são invocáveis, se outro critério resulta do contrato ou das próprias circunstâncias.
Se o pagamento é por página, incluem-se, salvo cláusula em contrário ou circunstâncias que o afastem, as paginas
de rosto, os títulos, as tábuas de matérias e os índices. As ilustrações, se não foi o autor mesmo que as prestou, são
pagas à parte. Tratando-se de comentários a texto de lei, ou a qualquer texto, conta-se o texto como parte do
manuscrito <J. MÚLLER, Der Verlagsvertrag nack schweizerischem Recht, 149; H. CHRIST, Der
Veriagsvertrag, 82.
4.CLÁUSULAS INSERIVEIS NO CONTRATO DE EDIÇIo E DIREITO DIsPOsITIvo. O contrato de edição
exige que se prometa editar a obra que o autor entrega ou vai entregar ao editor. Há dois obrigados: um, à
atribuição do direito de editar; outro, a editar e divulgar (Código Civil, art. 1.846). Não se trata de contrato real.
Os accidentalia. negotii mais relevantes são o número de edições, o número de exemplares, os honorários do
autor e as determinações mexas.
5.DETERMINAÇÕES INEXAS NO CONTRATO DE EDIÇÃO .
O contrato de edição pode dizer por quanto tempo dura (durante êsse tempo o editor pode tirar o número de
exemplares que entenda, ou as edições que possa vender, mas, chegado o têrmo, não mais os pode expor, salvo
cláusula em contrário). Ou combinar o número de edições e o tempo (e. g., x edições desde que as tire durante o
tempo fixado e então pode expor os exemplares das edições que tirou regular-mente). Considera-se edição o
número total e de antemão determinado de exemplares feitos na mesma ocasião para serem lançados no comércio
(AD. ISENSCHMID, Das Veriagsrecht ais Werjcen der bildendeis Kunst und der Verlagsvertrag, 95; 4.
MtYLLER, Das Verlagsrecht nach. schweizerischem Recht, 122).
Se o editor só tem direito a uma edição e a tirou tôda, pode guardar os paquês sem permissão do autor. Nada
obsta, porém, a que os mantenha intactos se a tiragem foi inferior, em número de exemplares, àquele a que tem
direito. Ja supõe numeração de exemplares e rubrica.
6.REGISTO DO CONTRATO DE EDIÇÃO. O art. 809 do Decreto n. 4.857, de 9 de dezembro de 1939,
implicitamente obriga o oficial de registo a exame das espécies (cessões, transferências, contratos de ediçdo e
mais atos que disserem respeito à propriedade). O que se pode averbar é o contrato que se concebeu. Se há
outorga de Poderes de representição, o contrato é misto. Quanto a êsses poderes, a Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro
de 1955, torna-os inoutorgáveis, de modo que é ineficaz o registo.
CAPíTULO III
EFICÁCIA DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.833. Direitos do autor
1.DIREITOS ANTERIORES E DIREITOS NASCIDOS DO CONTRATO DE EDIÇÃO. Quando o autor ou
seus sucessores concluem o contrato de edição, ou pré-contrato de contrato de edição, já é titular do direito de
propriedade intelectual, e apenas outorga, no plano do direito das obrigações, Poderes que se contém no exercício
do direito de propriedade intelectual. Os seus direitos preexistem. O que se atribui ao editor não os atinge, porque
concerne ao exercício, nos termos em que se outorgou. Ao autor nascem, necessàriamente, por serem essenciais
ao conceito de contrato de edição, o direito e a pretensão a que o editor edite e difunda a obra. Além dêsse direito,
irrompem aquêles que resultam da incidência de regras jurídicas dispositivas ou de cláusulas insertas no contrato.
Viola os direitos do autor, por exemplo, o editor que exerce o direito, que tem, além do que teria de ser êsse
exercício (e. g., edita a obra por inteiro quando somente se lhe deu a edição de trechos escolhidos, ou de uma
parte; divulga a obra fora dos limites do Estado-membro, ou do pais, que se lhe marcou; tira exemplares além dos
que podia tirar).
2.NOME DO AUTOR. O nome do autor tem, ordinàriamente, de figurar. Todavia, o assunto pertence a outro
setor, que é o do direito autoral de nominação, de que se tratou no Tomo XVI, §§ 1.851-1.855, 3, 1.866, 2, e
1.869.
8.RUBRICA DO AUTOR. O contrato pode prever que que o autor haja de assinar as reproduções, o que é usual
em se tratando de artes plásticas.
A rubrica é à mão, ou à máquina> ou com carimbo, ou por procuração, ou por núncio ou secretário, desde que
para isso haja acôrdo. Se nada se estipulou, é de entender-se que a rubrica há de ser autógrafa. Pacto adjecto,
escrito ou não, pode estabelecer outro processo. O editor tem o ônus de alegar e provar que o autor dispensou a
autografia.
Diz a Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, art. 4.~: “Salvo as obras cuja propriedade tenha sido adquirida pelo
editor, tôda obra literária, didática ou científica editada em virtude de contrato ou por conta do autor, será
numerada, seguidamente em cada um dos exemplares de que se compuser a edição”. Acrescenta o parágrafo
único: “É considerada contrafação, sujeito o editor ou impressor a pagamento de perdas e danos, qualquer
repetição de número, bem como exemplar sem numeração ou que apresente numeração excedente da tiragem
contratada”.
4.EDITOR E ADIMPLEMENTO DO DEVER DE REPRODUZIR. No contrato de edição, o que é essencial é
que se atribua a alguém o direito de editar e essa pessoa assuma o dever e obrigação de editar. Sem aquela
atribuição e sem êsse dever não há contrato de edição. A atribuição é prometida; cumpre-se com a entrega do
original ou cópia reproduzível. Depende do contrato saber-se o que se considera reprodução satisfatória. Pode
consistir na feitura de exemplar único, ou em milhares e milhares de exemplares (AD. ISENSCIIMID, Das
Vertagsreeht vi Werken der bildenden Kunst und der Vertagsvertrag, 66). Tem o editor de reproduzir a obra pelos
processos habituais e melhores, sem se afastar do original, de modo que a reprodução seja o que o autor esperava,
ao concluir o contrato. No art. 1.857 do Código Civil, lê-se que “o editor não pode fazer abreviações, adições ou
modificações na obra, sem permissão do autor”. O art. 656 já o estatuíra a respeito dos adquirentes da propriedade
intelectual; o art. 1.857 é atinente às edições (Tomo XVI, § 1.846, 1, 3).
Se o editor tinha prazo para tirar a edição e não a tirou, houve inadimplemento, com o nascimento da pretensão à
resolução do contrato e à indenização. Se a mora é purgável e o editor a purga, pode tirar a edição no prazo que o
juiz marcar. Não é purgável a mora se os prejuízos pelo fato de não ter sido tirado a tempo são superiores ao
interesse do autor em refazer a obra (e. g., pô-la em dia), ou se a obra perdeu a oportunidade que teria de bom
êxito.
5.TEMPO PARA A REPRODUÇÃO. Desde o momento em que o original ou cópia reproduzível é entregue ao
editor, tem êle o dever de iniciar a edição, salvo se foi prevista outra data, ou se há condição. Se a obra se compõe
de partes, à entrega de cada parte (J. MOILER, Der Verlagsvertrag nach sckweizerischem Recht, 99>.
Tratando-se de obra que precisa, por sua natureza ou finalidade, sair em dia, presume-se que há autorização para
se atualizar até o momento da correção das últimas provas. Se a obra está sendo composta conforme se vai
escrevendo e o tamanho do volume ou tomo é determinado, ou aproximadamente determinado, até os últimos
momentos pode ser acrescentado o que complete o volume ou tomo.
6. MODOS DE EDITAR. O editor, que começou de publicar a obra satisfatôriamente, não pode ser constrangido
a modificar o processo e a forma que foi adotada. Os pormenores da edição, tais como papel, margens, tamanho,
tipo e tinta, são deixados à apreciação do editor, salvo se foi previsto no contrato como seria, ou que o autor
escolheria. O editor ou o autor, se a escolha lhe toca, deve ater-se aos processos e meios usuais. Tratando-se de
artes plásticas, às matérias-primas em uso.
7.INTEGRIDADE DA OBRA EDITADA. O editor há de respeitar a integridade intelectual e material da obra.
Qualquer alteração ou modificação de fundo ou de forma depende de permissão do autor (Código Civil, art.
1.857). Não pode o editor mudar o pensamento, a distribuição das matérias, traço da gravura, verso de poema,
notas da música; nem cortar ou aumentar o original ou cópia reproduzível. Nem trocar ou modificar o título.
Todavia, os erros materiais evidentes são emendáveis, como os de ortografia, os de data ou de nome da cidade.
O autor tem direito a pôr em dia a obra. Tem direito a fazer as correções nas sucessivas edições. Sempre que o
editor retardar a impressão, sem culpa do autor, não pode opor-se a que o autor reveja as provas para atualizar a
obra e corrigir o que somente depois descobriu. Se o autor tem culpa no retardamento da impressão e exige a
atualização ou a corrigenda, pode o editor exercer a pretensão à indenização das despesas a mais. Lê-se no Código
Civil, art. 1.350: “Tem direito o autor a fazer, nas edições sucessivas de suas obras, as emendas e alterações, que
bem lhe parecer; mas, se elas impuserem gastos extraordinários ao editor, êste terá direito à indenização”. Gastos
extraordinários são os gastos que não podem ser cobertos pela venda, mantida a percentagem com que o editor
contava como lucro. Não se pode deixar de apreciar a excessividade em cada caso. Trata-se de quaestio facti, que
pode ter de ser examinada em juízo. No art. 1.350, parágrafo único, acrescenta o Código Civil: “O editor poderá
opor-se às alterações que lhe prejudiquem os interesses, ofendam a reputação ou aumente a responsabilidade”.
São exemplos de alterações que ofendem os interesses do editor as que atinjam o título da obra, a ponto de
poderem diminuir a venda, ou que tornem demasiado pequeno ou demasiado grande o volume, ou que lhe retire
parte relevante da obra. A ofensa à reputação é a de qualquer alteração que rebaixe o nível da obra, tornando-a,
por exemplo, obscena, ou vulgar, ou imprópria para figurar entre as edições da casa. Aumentam a
responsabilidade as alterações ofensivas a terceiros, ou mentirosas, ou insultantes.
8.COMUNICAÇÃO SOBRE EDIÇÃO E NÚMERO DE EXEMPLARES.
No sistema jurídico brasileiro, ao editor que tem direito a uma edição, ou a duas ou mais edições, sem se
determinar o número de exemplares, toca o dever de comunicar que tirou a edição, ou que tirou mais uma edição
e de quantos exemplares fôra tirada. Tal dever decorre do direito do autor à fiscalização, que está implícito no art.
5O da Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924. A conta, que o editor tem de apresentar, conforme se lhe impõe no
art. 1.854 do Código Civil, há de mencionar o que havia ou restava de exemplares, o que foi vendido e o que resta.
9.CORRIGENDA DE PROVAS. A obrigação de corrigenda das provas toca ao editor. O autor tem direito a
corrigi-las.
Se os erros ou enganos são seus, não tem responsabilidade, o editor. O contrato pode regular a quem compete, o
tempo em que as provas hão de ser oferecidas e o em que hão de ser corrigidas.
O editor tem de fazer a publicidade usual, na espécie, e a que é do uso da sua empresa.
Oautor pode exigir que todos os exemplares tenham a sua assinatura, ou de alguém que êle encarregou, ou
simples carimbo ou marca mecânica. O art. 4? da Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, é cogente. Não se pode
dispensar a numeração; mas o autor pode dispensar a assinatura, rubrica, ou carimbo, ou marca. Nada obsta a que,
não o tendo exigido até alguma prestação de contas, o exiga daí por diante.
As últimas provas têm de ser aprovadas pelo autor. Na edição de obras plásticas, a aprovação é para cada
exemplar. Em certas circunstâncias, a não restituição das provas é de interpretar-se como aprovação.
A recusa de aprovação tem de ser fundada. Somente pode o autor recusar o visto, ou aprovação, se há defeito na
reprodução, ou se não foram observadas instruções do autor, tempestivamente feitas e cabíveis.
Nenhum exemplar pode ser tirado se houve recusa de aprovação. Se a reprodução foi defeituosa, trata-se a espécie
como de adimplemento satisfatório (Tomo XV, § 1.751, 8). Pode dar-se resolução ou resilição do contrato de
edição.
10.RESTITUIÇÃO DO ORIGINAL. Se o original tem valor por si, ou se o autor mesmo exigiu a restituição, ou
seria de entender-se exigida, o editor há de entregá-lo ao autor desde que dêle não mais se precisa (cf. AD.
ISENSORMIO, Das Verlagsrecht vi Werken der bildenden Kunst md der Verlagsvertrag, 191). Os clichês e os
negativos não têm de ser prestados ao autor, salvo estipulação em contrário. Se pertencem ao autor, que os
forneceu ao editor, têm de ser restituidos.
Para haver a restituição do original, que lhe pertence, tem o autor ação de reivindicação, porque a posse posterior
é esbulho. A ação possessória de esbulho sobre o original é transmissível. A cessão da pretensão e entrega tem a
eficácia de tradição (Código Civil, ad. 621).
11.HONORÁRIOS. Já antes tratamos dos honorários, como cláusula inserível ou presumida (§ 4.832, 3). Se o
editor não cumpre a promessa de editar a obra, ou se, tendo reproduzido a obra, não a divulga, tem de prestar os
honorários como se houvesse vendido os exemplares e ressarcir o que o dano que o autor sofreu por se manter
desconhecida a obra (AD. ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werken. der bildenden Kunst und der
Verlagsvertrag, 232). O autor tem a pretensão à resolução do contrato (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único)
e a ação de perdas e danos, ou àquela com a indenização. Cumpre, ainda, observar-se que o autor, invocando o
Código Civil, ad. 881, pode ordenar a execução da edição a terceiro, à custa do editor (E. FICK, Commentaire au
Code fédéral des Obligations, 1, 652), ou exercer a ação de condenação com êsse pedido, sendo a sentença
executável segundo os arta. 1.000-1.003 do Código de Processo Civil. A ação de preceito cominatério pode ser
eficientemente proposta.
§ 4.884. Direitos do editor
1.DIREITOS QUE NASCEM AO EDITOR. Os direitos que tem o editor, em virtude do contrato de edição, são
direitos que lhe nasceram. O autor não lhe transferiu o direito de propriedade, nem qualquer direito real sobre o
bem incorpóreo. Deu-lhe exercício do direito de edição, se bem que lhe pudesse transferir o domínio, ou
constituir a favor de outrem usufruto ou uso. Tem o direito de editar e de explorar a edição. Tem mais: na falta de
cláusula em contrário, o de fixar o preço da venda (Código Civil, art. 1.358) e o de organizar essa venda.
O que passa ao editor é o direito de editar, não o direito de propriedade, a despeito da confusão que
lamentàvelmente grassa entre os que não se informaram dos princípios. Ao poder de reproduzir, que o autor
confere a alguém, é que se chama direito de edição. O poder transfere-se, como se transfere o poder de posse e uso
da coisa locada; porém nenhum elemento da propriedade intelectual, a fortiori ela mesma, se transfere. O editor
pode exercer o seu direito, pretensões e ações contra o autor, bem como a posse e as ações possessórias, à
semelhança do locatário (Tomo X, §§ 1.067 e 1.112), no tocante aos exemplares.
Os direitos e pretensões transferíveis não podem ser tornados intransferíveis por simples negócio jurídico; mas o
titular do direito pode assumir o dever de não transferir e é completa a eficácia de direito das obrigações (pactum
de non cedendo). Todavia, os créditos não podem ser cedidos se a prestação tem de ser feita ao credor originario,
devido a seu conteúdo, ou se por pacto se pré-excluiu a cessão (art. 1.065). A lei brasileira não formulou a regra
jurídica de intransferibilidade do direito de edição pelo editor. A despeito disso, devemos entender que o contrato
de edição supõe que o autor escolheu o editor e, salvo cláusula permissiva, o editor não pode transferir a outrem o
direito de editar. A consideração da casa. editôra é elemento que só expressamente se pode dispensar, devendo-se
entender que a alienação depende do assentimento do autor.
A transferibilidade dos direitos do editor está sujeita, portanto, a cláusula contratual, ou acôrdo posterior, porque
a livre transferência poderia pôr no lugar do outorgado pessoa ou empresa sem idoneidade (cf. HANS REICHEL,
Die Schnldmitifl,ernahifle, 128).
2.ExCLUSIVIDADE. O direito de edição pode ser exclusivo ou não. A espécie mais frequente é o direito de
editar, com exclusividade, isto é, só o outorgado pode editar. Nada obsta a que só se dê a exclusividade em certo
país, ou zona, ou apenas se outorgue o direito de edição luxuosa ou ilustrada, ou só popular. Por onde se vê que o
adjetivo “exclusivo”, que aparece no art. 1.346, não tem o sentido absoluto que talvez se lhe queira emprestar.
Pode-se pensar em permissão de edição da mesma obra a dois ou mais editôres embora leve isso à concorrência.
Tem-se chamado ao contrato de edição sem exclusividade contrato de licença (cf. AD. ISENSCHMW, Das
Vertagsrecht «ri Werken der bildenderi Kunst und der Verlagsvertrag, 32), o que é sem alcance: quem edita, em
virtude de contrato, edita em virtude de contrato de edição.
3. ENTREGA DA OBRA. Antes da entrega dos manuscrItos, ou, em geral, da obra, não houve a execução do
contrato de edição, não se pode pensar em se ter adimplido a obrigação que assumiu o titular do direito autoral de
reprodução. Se o autor não entrega os originais, o que se há de fazer é exigir-se o adimplemento do contrato de
edição. As ações de condenação e de preceito cominatório são pertinentes.
Dir-se-á que, se há transferência do exercício do direito autoral de reprodução, não se compreende que o autor não
entregue o manuscrito ou a obra a reproduzir-se. Tôda a aparente dificuldade resulta de não se prestar atenção a
fatos jurídicos inconfundíveis, o negócio jurídico bilateral do contrato de edição e o acôrdo de transmissão da
posse, com a entrega futura da obra, ou o contrato de edição, consensual, e a entrega da obra, como
adimplemento. Se a obra foi entregue no momento da conclusão do contrato, cumprido foi, no ato, o dever do
autor.
O editor somente tem direito de reprodução (foi-lhe atribuido o direito autoral de reprodução) quando o dever de
prestar a obra foi cumprido, ou a entrega foi simultânea, com o acôrdo de transmissão. Após a entrega, o direito
do editor é absoluto: opera erga omnes e tem os caracteres específicos do direito de posse. Antes da entrega, não
há pensar-se em direito de reprodução, só há a pretensão a que se lhe dê o exercicio dêsse direito. De ordinário,
há a simultaneidade, ou, pelo menos, a imediatidade da conclusão do contrato e da entrega. Se tal não aconteceu,
não há pensar-se em uso do direito de reprodução, só há a relação jurídica obrigacional (KURT RUNGE,
Urheber- und Verlagsrecht, 469, que, aliás, errada-mente, 612, atribui ao direito brasileiro, por leituras de
escritores brasileiros sem a devida atenção aos textos, o nascer o direito de edição com a conclusão do contrato, e
não com a entrega dos manuscritos).
No Código Civil brasileiro, arE 1.346, atende-se à espécie mais frequente, que é a da conclusão do contrato
simultânea, ou imediatamente anterior (ou, se a obra estava para exame, posterior) à entrega da obra. Tanto assim
que logo no artigo seguinte (art. 1.347) se figurou a espécie em que a obra ainda vai ser feita: “Pelo mesmo
contrato, pode o autor obrigar-se à feitura de uma obra literária, científica, ou artística, em cuja publicação e
divulgação se empenha o editor”. Entre as duas espécies, das quais a primeira é id quod plerum que tit, há aquela
em que o autor transfere a posse da obra já feita pela
longa manu traditio (Tomo X, §§ 1.064, 1, 1.066, 2, 1.067, 4,1.074, 1, 1.080, 1, 1.084). O contrato de edição é
negócio jurídico peculiar aos nossos dias (H. CHRIST, Der Verlagsver-trag, 9); apanhou-se na vida, tal como se
estruturou: temosde entendê-lo dentro do sistema jurídico, sem o conceber como deformante dêsse sistema. A
espécie do art. 1.347, a que se chamou pseudo-contrato de edição, por ainda não existir obra,como se precisasse
já existir a prestação prometida nos contratos, oferece a particularidade de não poder existir, no mo-mento, acôrdo
de transmissão da propriedade: não se transferepropriedade que ainda não existe. Estatui o Código Civil, art.
1.348: “Não havendo termo fixado para a entrega da obra, entende-se que o autor pode entregá-la quando lhe
convier; mas o editor poderá fixar-lhe prazo, com a cominação de rescindir o contrato”. Leia-se “resolver ou
resilir”. O art. 1.348 concerne à obra já feita como à obra por fazer-se. O prazo é que há de ser diferente:
razoá-vel, ali, por já estar feita a obra, e talvez apenas precise de correções, ou leitura, ou talvez nem disso precise.
Aqui, o prazo tem de ser suficiente para, dentro dêle, se poder concluir a obra. A fixação do prazo pode ser
judicial, ou extrajudicial. Se extra- judicial, o autor pode ir a juízo para discutir ter sido razoàvel- mente fixado, ou
não. A citação para êsse exame judicial não interrompe o prazo. O contrato de edição com que se divide
percentualmente o produto da venda dos exemplares não é contrato de compra- -e-venda (faltar-lhe-ia o preço em
dinheiro), nem troca, nem, a fortiori, sociedade (as despesas correm por conta do editor). Apenas no contrato de
edição se inseriu a cláusula de honorários percentuais (E. CHRIST, Der Verlagsvertrttg nack dem
schweizerischert ObUgationenrecht, 22). A sociedade entre edi- tor e autor supóe a entrada de recursos e esforços
para fins comuns (Código Civil, art. 1.363), com percentagens em ganhos e perdas.
4. OFENSA AOS DIREITOS DO EDITOR. Se o autor exerce o direito autoral de exploração editando a obra
sem respeitar a exclusividade, que outorgou ao editor, infringe o contrato de edição. Igualmente, se deixa de
respeitar qualquer regra jurídica dispositiva ou cláusula inserta no contrato de edição.
O autor que não é mais titular do direito autoral de expIo-. ração, ou que já outorgou a outrem a edição, ou que não
é autor, ou nunca foi titular do direito autoral de exploração, tem de ser tratado como o que loca, ou, em geral,
contrata para prestar exercício de direito ou coisa alheia: responde pelo que se vinculou, embora não possa prestar
o que prometeu. Não há invalidade do contrato. Nem se há de indagar se o outorgante conhecia, ou não, o fato de
não ser seu o direito autora! de exploração. O contrato pode eficacizar-se se o outorgante adquire, depois, a
titularidade (analogia do art. 622). Todos êsses. princípios são invocáveis se o outorgante é o titular do direito
autoral da exploração, mas já concluíra contrato de edição com outrem, com exclusividade que torne ineficaz o
nôvo contrato (cf. AD. ISENSCHMm, Das Verlagsrecht an Werken der bildendeu. Kunst und der
Verlagsvertrag, 167 s.).
Se o editor tem direito a duas ou mais edições, não pode o autor afastar-se dos termos do contrato. Daí dizer o art.
1.349 do Código Civil: “Enquanto não se esgotarem as edições a que tiver direito o editor, não poderá o autor
dispor da obra no todo, ou em parte”.
5.PREÇO DE VENDA. No art. 1.358 estatui o Código Civil: “Ao editor compete fixar o preço de venda, sem,
todavia, poder elevá-lo a ponto que embarace a circulação da obra”. Venda está, no art. 1.358, por entrega da obra
a outrem (AD. ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werken der bildendert Kunst und der Verlagsvertrag, 99).
Se o editor entendeu distribuir gratuitamente, tem-se de computar o que doou, como se vendido fôsse. Se nada foi
pôsto à venda, pode ser dado valor ao exemplar. O que saiu em consignação, ou em comissão, ou para amostra, ou
reclame, tem-se como vendido, salvo se tirado dos exemplares de propaganda, a que o editor, segundo o contrato,
ou o uso, tenha direito. Não se computam como vendidos os exemplares postos em exposição artística ou de
livros, ou em mostruário. Salvo se não voltam à editôra.
A regra jurídica é dispositiva. Se tem de incidir, não pode o editor elevá-lo a ponto de diminuir ou retardar a venda
da obra. Uma vez fixado, não pode o editor, sem comunicação ao autor, elevá-lo ou diminuí-lo. Há de declarar de
que número de exemplar começa a venda ao preço nôvo, ou a que estado do depósito a venda a preço nôvo se
inicia. Também aqui não pode prejudicar a venda, nem edição futura. Tôdas essas regras jurídicas, extraídas ao
art. 1.358, são dispositivas.
Se o preço de venda não foi fixado no contrato, nem dependente de acôrdo, nem se deixou ao autor, é ao editor
que toca determiná-lo. Dai a necessidade de comunicação ao autor. Alguns juristas aventuram que o autor precisa
consentir. Não há necessidade de consentimento, devido ao art. 1.358; nem, sequer, de assentimento. O editor
deve levar em consideração o interesse do autor, de jeito que não lhe cause dano; porém isso de modo nenhum
significa que se devam acordar autor e editor, ou que êsse precise do assentimento daquele. Tudo isso,
evidentemente, é ins dispositivum.
§ 4.835. Ações dos titulares de direitos autorais
1.EDIÇÃO E AÇÕES QUANTO A EDIÇÃO. Os titulares de direitos autorais, que concluam contratos de
edição, têm as seguintes ações:
a)A ação de prestação de contas, que pode ter o rito do art. 308 do Código de Processo Civil, se os editôres não as
apresentaram satisfatôriamente, segundo o art. 1.354 do Código Civil (“Se a retribuIção do autor ficar dependente
do êxito da venda será obrigado o editor, como qualquer comissário, a lhe apresentar a sua conta”). A cominação,
a que se refere o art. 302 do Código de Processo Civil, pode ser a de resolução do contrato ou a de resilição.
(Cumpre advertir-se que a referência a “comissário” e imprópria: o editor não é comissionário. Não vende em
nome próprio, por conta do autor. Pode haver contrato de comissão com livreiro, ou mesmo com edtior, mas é
outro contrato, inconfundível com o contrato de comissão.)
b) A ação de condenação pelos honorários devidos e pelos prejuízos causados.
c) A ação de exibição dos contratos que, invocando Poderes de representação, os editôres fizeram com terceiros,
no Brasil e no estrangeiro, quer incidental (Código de Processo Civil, arts. 216-222), quer cautelarmente (Código
de Processo Civil, art. 676, V).
d)As ações possessórias do possuidor mediato do bem incorpóreo contra o possuidor imediato do bem
incorpóreo, se há, no caso, contrato de edição, representação pública ou teletransmissão.
e)A ação negatória, se os editôres se atribuem direito real limitado e ofendem, sem ser na posse, a esfera jurídica
dos autores.
f)A ação declaratória negativa, se os autores se atribuem propriedade ou direito real limitado.
g)A ação de reivindicação, se os editOres com posse, ofendem o direito de propriedade intelectual (Tomo XVI,
§ 1.885).
h)A ação de abstenção.
i)A ação de retificação do registo ou de cancelamento, se o registo não corresponde ou não mais corresponde á
situação jurídica.
2.INVALIDADE DO CONTRATO DE EDIÇÃO. O contrato de edição é nulo ou anulável nas mesmas
circunstâncias em que o é qualquer negócio jurídico (Código Civil, art. 145).
O contrato de edição sobre obra imoral é nulo. E além disso, inexistente o direito do autor, porque não se adquire
propriedade intelectual sobre obra defesa (Tomo XVI, § 1.845; 1; Código Civil, art. 668). ~ nulo porque a
contraprestação do editor seria imoral (Código Civil, art. 145, II, 1Y parte).
3.REPRESENTAÇÕES, EXECUÇÕES PÚBLICAS E TELETRANSMISSÕES. Quanto às representações,
execuçÕes públicas e teletransmissôes, os autores podem ir, com preceito cominatório, contra os editôres, para
que não pratiquem qualquer ato em nome dos autores, e com a ação penal, se os pressupostos se produzirem.
Quanto às edições, o que há mais de seis anos não foi editado não mais o pode ser (Lei n. 5.492, de 16 de janeiro
de 1928, art. 32, § 2.0; Tomo XVI, § 1.865, 7).
4.EDIÇÕES A QUE TEM DIREITO O EDITOR. Quanto às edições a que ainda teriam direito os editOres, os
autores podem, extrajudicial ou judicialmente, exercer o direito formativo extintivo do art. 1.851 do Código Civil,
uma vez que se caracterize, manifestamente, a discordância quanto ao exercicio dos direitos respectivos. Diz o
art. 1.351 do Código Civil:
“No caso de nova edição ou tiragem, não havendo acôrdo entre as partes contratantes sobre a maneira de
exercerem seus direitos, poderá qualquer dêles rescindir o contrato, sem prejuízo da edição anterior”.
Os autores e a sociedade, no que lhe toca, podem exercer o direito formativo extintivo do art. 1.851 do Código
Civil, em declaração de vontade receptícia. Tal declaração, tanto pode ser extrajudicial quanto judicialmente. A
desconstituição segundo o art. 1.851 do Código Civil supôe acôrdo ou sentença. A situação parece-se com a do
locador, na espécie do art. 1.226. Ê preciso que se apontem os assuntos em que, a respeito de exercício de direitos,
se deu a divergência. 9 recebedor da declaração tem ação declaratória para afirmar 4ue não há desacôrdo sObre
exercício de direitos do autor ou do editor a respeito de futura edição, ou qualquer exercício de direitos daquele ou
dêsse, como pode declarar que admite a desconstituição ex nune.
A figura não é a de resolução, ou de resilição, muito menos a de rescisão, têrmo empregado com grande
infelicidade, mas sim a de denúncia cheia.
5.PRAZO PRECLUSIVO EM CASO DE vícIo DO OBJETO.
O prazo preclusivo do ad. 178, § 22, do Código Civil, concernente aos vícios redibitórios (ação redibitória e
qutin.ti minoris), não é invocável em caso de contrato de edição (OTTO WARNEYER, Kommentar, 1, 1.049).
6.SOCIEDADES DE AUTORES PARA DEFESA. Sociedades para defesa dos direitos dos autores são
sociedades de autores. Pode-se pensar em sociedades mistas de autores e artistas executores, para defesa de
direitos autorais, porém nunca em sociedades de autores e editOres, ou de autores, executores e editOres ou casas
de execução ou diversões. Às sociedades em que há editôres ou casas de execução (e. g., diversões) falta qualquer
poder de representação que se origine da Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955, ad. 1.0. Por isso mesmo, quando
no art. 1.0 da Lei n. 2.415 se diz “compete exclusiva-mente ao próprio autor ou à sociedade legalmente
constituída para defesa de direitos autorais, à qual o autor for filiado”, estabeleceu-se que: ou a) o autor entregou
a defesa dos seus direitos à sociedade que tem tal fim; ou b) o autor se reservou a defesa dos seus direitos. Não
pode haver, depois do art. 1? da Lei n. 2.415, qualquer poder de representação conferido a pessoa jurídica que não
seja sociedade composta de autores, no amplo sentido (incluídos os executores que têm direitos autorais de
execução, cp. Tomo XVI, § 1.880, 6).
Se a sociedade que se diz para proteção dos direitos autorais contém sócios que são editOres ou empresas de
execução (teatros, clubes, casas de diversões , sociedades de execução musical), dentro dela mesma está colisão
de interesses, que a torna essencialmente inadequada à finalidade que a lei provê para a representação dos
autores. iQ autor pode constituir advogado (representação postulacional), não pode atribuir representação de
direito material a quem quer que seja, exceto a sociedade que tenha por fim defender titulares de direitos autorais.
Se acontece que a questão é entre pessoas que se dizem titulares de direitos autorais (~ que se disputam a
titularidade dos direitos autorais), a sociedade não pode representar a um membro contra outro. A lei supõe a
sociedade volvida para os que têm pretensões, obrigações ou ações contra os sócios e na defesa das pretensões e
ações dos sócios ou nas ações que contra os sócios se propuserem.
A Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955, art. 12, estatuiu: “A outorga, no território nacional, da licença autoral
para a realização de representações, execuções públicas e teletransmissões pelo rádio ou televisão, de que tratam
os arts. 42 e 43, § 1.0, do Decreto n. 18.527, de 10 de dezembro de 1928, e 88, do Decreto n. 20.493, de 24 de
janeiro de 1946, compete exclusivamente ao próprio autor ou à sociedade legalmente constituída para defesa de
direitos autorais, à qual o autor fOr filiado e que o tenha registado na forma do art. 105, § 1.0, do Decreto n.
20.493, de 24 de janeiro de 1946” (Tomo XVI, § 1.880, 6).
Trata-se de lei de proteção dos autores, sempre que se trata de representação, execução pública, ou
teletransmissão pelo rádio, ou televisão.
A função da sociedade protetora é de exercício de poder de representação, ou de Poderes de representação, que
se exerce conforme as regras legais e as regras estatutárias. Cumpre, de início, verificar-se se a sociedade, de que
se trata, pode ser outorgada de tal poder de representação, ou de tais Poderes de representação. Se à sociedade não
podia ser atribuido o poder de representação, ou se não podiam ser atribuidos os Poderes de representação, é nula
a outorga. Se isso ocorre, não se irradia qualquer poder, direito, ou dever.
CAPÍTULO IV
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EDIÇÃO
§ 4.836. Causas do extinção do contrato de edição
1.CAUSAs DE Extinção O direito de edição, ou, descendo-se à menção dos seus elementos, os direitos do editor
extinguem-se: a) pelo advento do têrmo resolutivo ou da condição resolutiva; b) pela preclusão do direito de
propriedade intelectual (Código Civil, art. 649, §§ 1? e 2.0), em virtude de expiração do prazo, findo o qual o bem
incorpóreo se torna res communis omnium (dai em diante os direitos que o editor exerce são oriundos da
comunidade do direito dominical e pois do exercício); e) pela perda irreparável do original ou da cópia
reproduzível; d) pela desapropriação do direito de edição; e) pela decretação da rescisão (Código Civil, arts.
1.101-1.106), ou da resolução ou resilição do contrato ou denúncia cheia (art. 1.092, parágrafo único, e 1.351) ; 1) pela incidência do art. 32 da Lei n. 5.492, de 16 de julho de 1928; g) pelo distrato.
2.PERECIMENTO DA OBRA. Se, após a entrega dos originais ou da cópia reproduzível, perece a obra, o editor
deve os honorários. Perece a obra se é irremediável a perda. Se o autor tem outro exemplar, a posse do bem
incorpóreo é comum e pode o editor pedir a exibição, com indenização de despesas. Se o autor não tem outro
exemplar, a responsabilidade do editor é pela perda do bem corpóreo e pela perda do bem incorpóreo; portanto,
pelos honorários e o valor dêle. Se o autor se presta a refazer o trabalho, pode o editor aceitar a oferta, sem por
isso se eximir de indenizar os prejuízos resultantes da perda, embora reparada.
Se a perda foi somente do bem corpóreo, por ter o autor cópia reproduzível, pode êsse apresentar a obra (inclusive
consigná-la em juízo), exigindo indenização.
Se há perda de exemplares depois de lançada a edição, sem ser por culpa do autor, não tem o editor direito a tirar
novos exemplares com que complete a edição. Os exemplares remetidos para venda não podem ser substituidos,
se se perdem. Não pode substituir os próprios exemplares destruidos em armazém, salvo se foram previstos
exemplares de reposição, ou se, tendo havido tiragem a mais, não estavam rubricados ou numerados.
Os honorários devidos por exemplares vendidos hão de ser pagos pelo editor se não os pode repor. Se os
honorários não eram por exemplares vendidos, o autor tem pretensão a que o editor os reproduza e lance no
mercado.
3.RENÚNCIA À PROPRIEDADE INTELECTUAL. No caso de renúncia pelo titular do direito de propriedade,
o bem incorpóreo cai no domínio comum (Tomo XV, § 1.783, 1): os contratos de edição com eficácia contra
terceiros não são atingidos. A renúncia pode ressalvar o contrato de edição.
O esgotamento da edição ou das edições funciona como determinação mexa: esgotada a edição, extinguem-se os
direitos do editor. O contrato pode ser para uma ou mais edições.
4. ESGOTAMENTO DAS EDIÇÕES. Se o contrato de edição é para uma edição, duas ou mais, entende-se que
só se extinguem os direitos do editor quando se esgota a edição, ou se esgota a última edição a que tinha direito o
editor. No art. 1.849 do Código Civil explícita-se: “Enquanto não se esgotarem as edições a que tiver direito o
editor, não poderá o autor dispor da obra no todo, ou em parte”. A regra jurídica é dispositiva. Os contraentes
podem estabelecer que, a despeito de se tratar de direito a uma ou mais edições, êsse se extinga no fim de
determinado tempo, ou se ocorrer algum fato. Então, o autor fica livre do contrato, mesmo quando os exemplares
ainda não estejam vendidos.
5.LEI N. 5.492, DE 16 DE JUNHO DE 1928, ART. 32. No sistema jurídico brasileiro, o art. 32 da Lei n. 5.492
exerce papel importantíssimo: “A propriedade autoral de qualquer obra literária, científica ou artística, adquirida
por editor ou por terceiro, considera-se perempta e cai no domínio comum:
1.0, quando, decorridos seis anos, contados da data da aquisição, não tiver sido editado ou publicado o livro ou
obra de arte; 2.0, quando, esgotada uma edição, a que se lhe deveria seguir não for reproduzida no prazo do
número anterior”.. O art. 32 foi comentado, amplamente, no Tomo XV, § 1.856, 7.-Se o direito não exercido foi o
de edição (art. 32, § 2.0), dá-se-a preclusão, sem a comunização.
6.DENÚNCIA CHEIA, SE HÁ DIREITO A OUTRA EDIÇÃO . No sistema jurídico brasileiro, há regra jurídica
sem qualquer correspondência em legislação comparada, a do art. 1.351 da Código Civil: “No caso de nova
edição ou tiragem, não havendo acOrdo entre as partes contratantes sObre a maneira de exercerem seus direitos,
poderá qualquer delas rescindir o contrato, sem prejuízo da edição anterior”. A regra jurídica do art. 1.351 cogita
de direito de denúncia cheia, oriundo de lei, e não de cláusula contratual. Supõe-se que o autor haja atribuido ao
editor duas ou mais edições, inclusive tOdas.
Autor e editor podem contratar as edições que quiserem. Todavia, é preciso que, no exercerem seus direitos,
editor e autor permaneçam de acOrdo. Se discordância surge, o Código Civil, art. 1.351, em vez de empregar a
figura jurídica da revogação, como fêz a propósito do mandato (Código Civil, arts. 1.310, 1, 1a parte, 1.818, 3, e
1.319), ou a da “renuncia como ocorreu com a sociedade (Código Civil, arts. 1.399, V, e 1.404), lançou mãe da
figura da denúncia cheia (imprOpriamente dita, no art. 1.851 do Código Civil, “rescisão”, verbo
rescindir”). A finalidade de evitar discrepâncias capitais já vinha da Lei n. 496, de 1.0 de agosto de 1898, art. 4O,
§ 2.0:
“Fica sempre salvo ao autor, por ocasião de cada edição reaver seus direitos sObre ela, contanto que restitua ao
cessionário do que dêle houver recebido em pagamento metade do valor líquido da edição anterior”. No Projeto
de COELHO RODRIGUES, ad. 850, § 8.~, o mesmo pensamento influiu na técnica legislativa brasileira e em
sentido mais próximo daquilo que iria estabelecer, vinte anos depois, o Código Civil: “No cáso de nova edição ou
tiragem, havendo desacordo das duas partes, sObre o modo de exercerem os respectivos direitos, cada uma
delas poderá rescindir O?> o contrato, não obstante qualquer pena convencional; mas sem prejuízo da edição
anterior, se não estiver esgotada e se o autor não quiser comprar os exemplares restantes, pagando-os à vista pelo
preço corrente, deduzida a comissão concedida aos agente?‟. CLÓvIS BEVIL.ÁQUA, no Proisto primitivo, art.
1.488, seguiu a mesma rota: “No caso de »ova edição ou tiragem, havendo desacôrdo das duas partes contratantes
sObre o modo de se exercerem os seus direitos, cada uma delas poderá rescindir (?) o contrato, mas sem prejuízo
da edição anterior, se não estiver esgotada”.
Trata-se de direito formativo extintivo.
7. DISTRATO. Se sobrevém distraio, já impressa a obra, ou já reproduzida a obra plástica, tem-se de saber qual
o pactado quanto ao que já foi vendido. Se nada se pactou, reduz-se proporcionalmente a remuneração quanto ao
que foi vendido (A». ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werken der bildenden Kunst und der Verlagsvertrag,
287). Idem, se a obra é publicada por partes.
8.DOMÍNIO PÚBLICO E EDIÇõES. Se na obra que caiu no domínio comum foram acrescentadas notas, que,
por exemplo, a ponham em dia, o contrato de edição sOmente concerne a essas notas. O outorgante não poderia
dar o uso de direito que não tem. O editor usa o que é de todos e o que o outorgante lhe entregou, por ser autor das
notas.
§ 4.887. Falência d editor
1.GARANTIAS EVENTUAIS. No caso de falência do editor, ou o autor recebe garantia do cumprimento das
obrigações do editor, ou exerce a pretensão formativa extintiva do art. 1.902, parágrafo único, ou o direito
formativo extiutivo do art. 1.351 do Código Civil, se se trata de nova edição.
2.DIREITO FALENCIAL. O contrato de edição é bilateral. Não se resolve com a decretação de abertura de
falência do credor e pode o síndico cumprir o que incumbia ao editor falido, se lhe parece conveniente para a
massa (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 43). O autor ou quem
fêz o contrato com o editor, ou sucessor do autor ou de quem fêz o contrato com o editor, pode interpelar o
síndico,para que, dentro de cinco dias, declare se cumpre, ou não, o contrato (Decreto-lei n. 7.661, art. 48,
parágrafo único)
“Â declaração negativa ou o silêncio do síndico, findo êsse prazo, dá ao contraente o direito ã indenização, cujo
valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário”.
Título XLV
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO TEATRAL,MUSICAL OU DE CINEMA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO E DE EXIBIÇÃO
§ 4.838. Precisão conceptuais
1.DIREITO AUTORAL DE EXPLORAÇÃO E ELEMENTO COMUM.
O direito autoral de exploração pode ser outorgado para edição ou para representação. Se o é para edição, a
pluralização é objetiva: em vez do exemplar único, que é o original, há os exemplares que convêm ao comércio
do editor de livros, ou do editor de cartões postais, músicas, pinturas
ou desenhos, ou mesmo objetos artísticos reproduzidos. A pluralização subjetiva consiste em se tirar do bem
incorpóreo, que é o direito autoral sobre preço de teatro, músicas ou filme cinematográfico, o que se preste à
exibição perante muitos, exibição quase sempre visual, mas, por vêzes, auditiva (rádio), ou visual-auditiva
(televisão com transmissão de voz).
Os contratos de que temos de falar são os contratos de exploração mediante pluralização subjetiva.
No art. 2.~ da Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, está dito: “Nenhuma composição musical, tragédia, drama,
comédia ou qualquer outra produção, seja qual fOr a sua denominação, poderá ser executada ou representada em
teatros ou espetáculos públicos, para os quais se pague entrada sem autorização para cada vez do seu autor,
representante ou pessoa legitimamente sub-rogada nos direitos daquela”.
Acrescenta a Lei n. 4.790, no art. 6.0: “É permitido ao titular de um direito autoral requerer a apreensão das
receitas brutas da representação ou exibição, se a execução ou representação se fizer sem a ~autorização a que se
refere o art. 2.~”. Ainda o parágrafo único: “A apreensão será decretada pela autoridade judiciária competente e,
nos casos urgentes, pela autoridade policial a quem incumbe o serviço de teatros e casa de diversões, mediante as
formalidades referidas no art. 39, §§ 1.0 e 2.0, e, no caso excepcional de mudança de programa à última hora, pela
autoridade que presidir ao espetáculo”.
2. PLURALIDADE DE CONTRATOS. Observemos, de início, que às vêzes há duas ou mais explorações, como
ocorre com a produção de filmes (que é complexa: representação de peça, filmagem, que é pluralização objetiva)
e com a exibição, pela pluralização subjetiva. A peça exibida em televisão é nova pluralização subjetiva: já houve
uma, no teatro; há a da televisão, que é perante outro público, o público sem concentração espacial. De ordinário,
há o contrato do titular do direito autoral de exploração, ou os contratos dos titulares do direito autoral de
exploração (e. g., o autor da peça e o autor da música) e o empresário (teatral ou cinematográfico) ; e há o contrato
da empresa produtora com as empresas de exibição (cinema, televisão). Os princípios são, contudo,
aproximadamente os mesmos.
POsto que somente tenhamos referido os contratos de representação teatral, o de concêrto ou outra exploração
musical e o de cinema, sempre que o contrato é entre titular do direito autoral de exploração e alguém, que vai
pluralizar a visão ou a audição, ou ambas, os princípios que foram expostos a propósito do contrato de edição e os
que aqui se expõem são invocáveis.
§ 4.839. Natureza dos contratos
1.CONSENSUALIDÂDE E BILATERALIDADE. Os contratos de representação teatral, musical ou de cinema
são consensuais e em qualquer espécie em que se introduza animus donandi o contrato faz-se misto com a
doação.
Na linguagem corrente, chama-se contrato de representação teatral ao contrato que se faz com dono da peça para
teatro para se ter o direito autoral de exploração. Cumpre que, com a elipse, não se confunda tal contrato com o
contrato que o grupo de atOres ou o ator faz com a pessoa, física ou jurídica, interessada na representação em
lugar e tempo que ela escolha. Aí, conforme adiante vemos, o contrato é de empreitada. O contrato dos atOres
com a empresa que explora a representação quase sempre é de locação de serviços.
2.ENTREGA DOS ORIGINAIS E VÍCIOS DO DIREITO E DO OBJETO.
Se a pessoa que se disse titular do direito autoral de exploração não no era, e há a evicção, responde o outorgante
conforme os arts. 1.107-1.117 do Código Civil. Quanto à ação de redibição e à quanti ininoris, é difícil ocorrer o
vicio oculto do objeto, mas, se ocorre, seria inalegável o prazo preclusivo do art. 178, § 29, do Código Civil, uma
vez que em quinze dias nem sempre se pode verificar o vício oculto, nem se há de considerar oculto o vício da
prestação que tem de ser examinada após a tradição. De ordinário, há adimplemento ruim.
CÁPITULO II
PRESSUPOSTOS, EFICÁCIA E EXTINÇÃO DOS CONTRATOS DE REPRESENTAÇÃO E EXIBIÇÃO
5 4.840. Pressupostos da propriedade.. do bem incorpóreo
1.REGISTO DA PROPRIEDADE DO BEM INCORPóREO E CONTRATOS. No art. 1.” da Lei n. 4.790, de 2
de janeiro de 1924, cujo texto foi depois corrigido (Tomo XVI, § 1.870), diz-se que o registo das composições
teatrais ou musicais de qualquer gênro se há de fazer mediante cópia impressa ou dactilografada, rubricada pelo
autor. As obras de pintura, arquitetura, deseubo, planos, gravuras, esboços, ou de outra natureza, mediante dois
exemplares das respectivas fotografias, perfeitamente nítidas, conferidas com o original, com as dimensões de
0,18 milímetros x 0,24 milímetros (Lei n. 496, de 12 de agôsto de 1898, art. 13; Decreto n. 18.542, de 24 de
dezembro de 1928, art. 283, § 22; Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 300, § 2.0).
O direito autoral de exploração não nasce com o registo, de modo que os contratos para a exploração não
dependem de estar registada a propriedade do bem incorpóreo.
2.FIGURANTES. Os figurantes são o titular do direito autoral de exploração, que nem sempre é o autor, e o
empresário. Os pressupostos de capacidade são os pressupostos de todos os contratos.
3.OBJETO. O objeto é a peça teatral, ou parte dela, ou algumas ou tôdas as peças do mesmo autor, ou a música,
ou parte dela, ou algumas ou tôdas as músicas do mesmo compositor, ou a peça fílmável, ou parte dela, ou
algumas peças filmáveis, ou tôdas as peças filmáveis do mesmo autor. Se há autores de partes, ou autores da peça
e da música, o contrato pode ser um só, com pluralidade de outorgantes, ou haver dois ou mais contratos, com a
suposição ou a referência explícita a utilização em conjunto.
O que constitui o bem incorpóreo pode já estar feito, ou em elaboração, ou estar ainda por fazer-se, ou haver o
tema ou o esbôço.
4. INSERIVEIS NOS CONTRATOS. Nos contratos de exploração de direito autoral, as cláusulas inseríveis e as
mais usuais são as mesmas que se podem inserir e com frequência se inserem no contrato de edição.
5.PRAZO, CONDIÇÃO RESOLUTIVA OU NÚMERO DE ATOS DE ExPLORAÇÃo. A exploração pelo
empresário pode ser dentro de determinado prazo, ou até que se impla condição, ou por numero de atos
explorativos (tantos concertos, tantas representações teatrais, tantas sessões de cinema). É difícil ocorrer que não
se haja dito qual a extensão temporal, ou quantitativa, do uso do direito autora!. Lê-se, todavia, no Código Civil,
art. 1.360: “Se não se fixou prazo à representação, pode o autor intimar o empresário a que o fixe, cominando lhe
em pena a rescisão do contrato”. A regra jurídica, a despeito da referência à “representação”, rege quaisquer
exercícios, por outrem, do direito de exploração. O art. 1.360 alude a “autor”, mas a pretensão à fixação do prazo
(de representações) pode ser de outra pessoa, que seja o titular do direito autora! de exploração.
A cominação é de resolução, ou de resilição do contrato, que se consuma à expiração do prazo que foi marcado.
(A expressao rescisão e erro de terminologia.) A ação de preceito cominatória é adequada para isso (Código de
Processo Civil, art. 302, XII).
§ 4.841. Eficácia contratual: deveres do outorgante
1. ENTREGA DO ORIGINAL. Chamamos, em geral, original ao que o autor ou outro titular do direito autoral
de exploração entrega ao empresário para a execução, exibição ou representação. O elemento material é objeto de
tradição, da transferência da posse do bem corpóreo, mas tem significação
especial pela outorga do direito de exploração. A essa outorga há de servir o original, porque outorgar o direito de
exploração com a entrega de original insuficiente, ou com defeitos que o tornem ruim, é prometer sem cumprir.
2.CONSEQÜÊNCIAS DA ENTREGA SATISFATÓRIA. A entrega satisfatória é solução da dívida do
outorgante do direito de exploração, sem que isso pré-exclua deveres de alteração recomendáveis pelo exame
posterior, ou por exigências de ordem pública, ou de evitamento de má utilização do original. Em tudo isso, há de
haver a concordância dos interessados, ou a exigência por um dos figurantes há de ser examinada em juízo, para
que se lhe apure ser razoável ou irrazoável. No Código Civil, art. 1.359, diz-se: “O autor de uma obra dramática
não lhe pode fazer alterações na substância, sem
acôrdo com o empresário que a faz representar”. O acôrdo é para as alterações na substância, e não para as
simples correções ou mudanças que não desfigurem a obra, e por alterações de substância não só se entendem as
que alcance como as que só atinjam a forma. Por onde se vê quão pouco acertado foi referir o art. 1.859 a
“substância”. O art. 598 ~e § 1.0, do Código Civil português, que inspirou o texto brasileiro, fôra mais feliz, a
despeito do adjetivo “essencial”. „Xl autor dramático, que contratou a representação da sua obra, goza dos
seguintes direitos, se os não tiver renunciado expressamente: 1.0) De fazer na sua obra as alterações e emendas
que entender serem necessárias, contanto que, sem consentimento do empresário, não altere alguma parte
essencial dela”.
Uma vez que houve a entrega, a alteração necessária dá ao autor a pretensão a que se lhe dê a posse imediata do
original, para que, dentro de prazo razoável, altere o original. Se foi entregue uma das cópias, tendo o autor outra,
a alteração pode ser comunicada, ou passada à cópia entregue, mediante troca dos exemplares, ou em presença do
empresário.
§ 4.842. Deveres do empresário
1.RETRIBUIÇÃO. Em princípio, o que foi dito sobre o editor (Título XLIV, §§ 4.833-4.835) é invocável a
respeito dos empresários de exploração dos outros direitos autorais.
Lê-se na Lei n. 4.750, de 2 de janeiro de 1924, art. 3.0:
“O autor, editor, cessionário, tradutor devidamente autorizado, ou pessoa sub-rogada nos direitos dêstes, poderá
requerer, à autoridade policial competente, a interdição de espetáculo ou representação de peça que não tenha
sido devidamente autorizada”. Acrescenta o § 19: “O requerimento, para êsse fim, será instruído com o jornal em
que se faz o anúncio, cartazes, avulsos ou outros meios de publicação”. E o § 2.0: “A autoridade policial a quem
fôr dirigido o requerimento proibirá a sua representação ou execução, até ser exibida a autorização respectiva”.
2. NOME DO AUTOR. A necessidade da referência ao nome do autor, ou aos nomes dos autores e a vedação de
ocultar, ou alterar, ou fazer qualquer alteração do nome do autor, ou dos nomes dos autores, são corolários do
respeito ao direito autoral de personalidade. Não derivam do contrato de exploração; por isso mesmo, qualquer
permissão -de ocultar, ou alterar, ou mudar o nome ou os nomes dos autores, por parte do titular do direito autoral
de exploração que não-é o autor, é sem qualquer eficácia.
8.Diz-se no art. 1.862 do Código” Civil: “Sem licença do autor, não pode o empresário comunicar o manuscrito
da obra a pessoa estranha ao teatro, onde se representa”. Cf. „Código Civil português, art. 598, § 2.0, que-se refere
ao direito, que tem o autor: “De exigir que a obra, sendo manuscrita, não seja comunicada a pessoas estranhas ao
teatro”. Manuscrita ou dactilografada, ou de outro modo enformada, desde que não exposta à venda ou
distribuída. Não há dever de sigilo se a obra foi publicada ou distribuída. A leitura em círculo fechado, ou aberto,
não é publicação que afaste-a incidência do art. 1.362.
4.IMPENHORABILIDADE E INCONSTRINGIBILIDADE CAUTELAR. Está no Código Civil, art. 1.861:
“Os credores de uma empresa de teatro não podem fazer penhora na parte do produto dos espetáculos reservada
ao autor”. Fala-se, aí, só-mente de penhora. Havemos de entender, porém, que nenhuma medida constritiva pode
alcançar a parte da produção reservada ou destinada ao pagamento do autor ou do titular do direito autoral de
exploração. A limitação legal apenas concerne às dívidas da empresa, e não às dívidas do titular do direito autoral
de exploração. No fundo, o art. 1.861 somente impõe que se discrimine o que é débito da empresa ao titular do
direito autoral de exploração. O débito tem de ser tratado, portanto, como se já tivesse sido pago e pertencente ao
outorgante a quantia. O que foi reservado ou destinado, conforme o contrato para o titular do direito autoral de
exploração é déle. Daí a regra jurídica do art. 1.361, que supôe direito real sobre a quota.
5.ExAME DA ESCRITURAÇÃO DA EMPRESA. Lê-se na Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, art. 59: “Nos
contratos de edição, sejam quais forem as condições quanto à remuneração do autor pelo editor, é êste obrigado a
facultar ao autor o exame da respectiva escrituração”. O art. 5~, embora só se refira ao “editor”, é invocável a
propósito de quaisquer contratos de exploração, por outrem, do direito autoral.
§ 4.848. Extinção do contrato de representação ou de exibição
1.PRAZO RESOLUTIVO E CONDIÇÃO RESOLUTIVA. O cor.trato de exploração do direito autoral
extingue-se com o adverto do têrmo resolutivo, ou o implemento da condição resolutiva. Pode também ocorrer
pelo esgotamento do número de representações ou exibições.
2.DESCONSTITUIÇÃO Pode ocorrer a extinção do contrato pela decretação da nulidade, ou pela anulação, ou
pela resolução ou resilição por inadimplemento, ou pela rescisso. Ou, ainda, pela denúncia cheia. Não cabe,
todavia, invocação do art. 1.351 do Código Civil.
A denúncia cheia, por parte do autor, somente é admissível se há razão para que se não possa permitir a
representação ou exibição, por defeitos evidentes dos autores, musicos ou atôres cinematográficos.
Título XLVI
EMPREITADA
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE EMPREITADA
§ 4.844. Conceito de empreitada
1.PRECISÕES. A obra pode consistir em criar, modificação, aumentar, diminuir, ou destruir algum
bem, ou parte do bem. Para obter-se o resultado que se quer, ou se exigem serviços, que se prestem como
como meios para o resultado serviços, ou se exige a obra, de modo que os serviços apenas ocorrem
que se quer. De modo que a prestação é de obra, e não de serviços.
A empreitada pode ser com ou sem o fornecimento dos materiais pelo empreiteiro. Não importa se só
alguns materiais são do empreiteiro, nem se o empreiteiro é quem os compra e o empreitante paga.
A obra pode consistir em criar o bem que se quer, ou em destruí-lo, ou em modificá-lo. Há, por exemplo,
respectivamente, a empreitada para edificar a casa, ou para tirar o cômoro ou a mata e jogar no mar, ou no
rio, ou queimar, como há a empreitada para fazer mais um andar no prédio, ou apenas para o pintar. A
prestação de serviços não é devida como serviços, mas pelo resultado. Os serviços, na empreitada,
apenas são meios para se obter aquilo que se prometeu. De modo que o que se prometeu e se deve é o
resultado, e não os serviços. Por isso mesmo, em princípio, não se exige que o empreiteiro faça,
pessoalmente, a obra. Em todo o caso, há obras para as quais o que mais importa é que seja feita pela
pessoa que a empreitou. É o que se passa com o edifício que se deseja construido pelo
arquiteto-construtor B, ou pelo construtor C,que se reputa o mais apto à construção que o arquiteto A
planejou. Tratando-se de obras de arte, ou de obras literárias, inclusive de traduções, o nível do
empreiteiro é da maior relevância, por vêzes pelo fato de ser de valor a nominação.
Quais as exigências para que o resultado satisfaça o empreitante, di-lo o contrato, com as circunstâncias
do caso e os usos. O empreiteiro, que fêz obra para o empreitante, tem de fazer a nova obra, de que se
incumbiu, com o mesmo cuidado e materiais da mesma qualidade, salvo se foi estabelecida alguma
diferença, ou se resulta de mudança de circunstâncias, conhecidas pelo empreitante.
2.CONCEITO. Empreitada é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante remuneração, a fazer determinada
obra, ou mesmo obra determinável (e. g., a obra, nas terras de A, que o empreiteiro entendeu mais próprias à
estrada até ao cume da serra, ou o ascensor elétrico, ou outra solução que seja aprovada pelo Estado).
Oempreitante é o dono da obra ou o incumbido de contratar a empreitada (e. g., o locatário do prédio que se
vinculou a contratar, em seu nome, por sua conta, ou por conta do locador, a obra). Empreiteiro é quem se vincula
a fazer a obra, com independência econômica, e não como simples trabalha. dor subordinado.
No que concerne à estrutura da obra, qualidade de materiais, ou quaisquer dados qualitativos ou quantitativos, o
contrato e as circunstâncias da espécie de obra, ou da obra como bem individualizável, é que determinam o
conteúdo dos deveres do empreiteiro. Não está êle exposto a instruções que lhe tirem a independência e não se
liguem aos termos do contrato.
O empreiteiro há de executar a obra como seria de esperar-se das suas qualidades e nível de profissão e de
especialidade. A responsabiliddae quanto ao resultado e à segurança do resultado, é sua.
Lê-se no Código Civil, art. 1.237: “O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela ou só com seu trabalho, ou
com ele e os materiais”.
O resultado é a obra, mas os contratantes podem estabelecer que só se há de considerar obra feita a do resultado
favorável. Não há solução a priori. Algumas obras só se têm como feitas se o resultado foi favorável. Outras não
se prometem com a favorabilidade do resultado, salvo se foi estipulado. É o que acontece, de ordinário, com os
advogados que se incumbem de causa até o final, ou de defesa de algum resultado, e com os médicos, que não
prometem a cura (GUSTAV RÍIMELIN, Diensvertraçi und Werkvertrag, 306; EDWIN RIEZLER, Der
Werkvertrag nach dem BGB., 24). De modo que se tem por finalidade o resultado, mas a obra pode ser executada
sem que o resultado seja favorável, razão por que não se pode dizer que o bom resultado seja pressuposto
necessário. Entre o querer-se e o obter-se há, em dadas circunstâncias, mas principalmente pela natureza da
prestação, discordabilidade fáctica. A referência ao resultado, em vez de ao serviço, é relevante para se distinguir
da locação de serviços a empreitada. Aliás, a empreitada, mesmo quando o empreitante dirige a obra, não torna
subordinado o trabalho. A direção só se concebe se não apaga a distinção entre locação de serviços e empreitada.
Aquela direção é mais objetiva do que subjetiva; não pode eliminar a autonomia do trabalho, que caracteriza a
empreitada. Tudo isso se reflete na regulação dos riscos, que, na empreitada. são do empreiteiro, devedor da obra,
e não do empreitante, credor do trabalho que execute a obra.
Se o contrato a que se deu o nome de contrato de empreitada não deixa autonomia ao empreiteiro, de empreitada
não se há de falar. Não há nulidade; a figura é outra, quase sempre a da locação de serviços.
Por outro lado, não retira à empreitada a sua característica o fato de não haver projeto, nem instruções, como se o
empreitante apenas disse qual o pêso ou a medida do anel de ouro, ou qual a medida e qual o pêso.
Os contratos de transporte sempre que se promete a chegada de pessoas ou de bens ao ponto do destino
(resultado), ou se promete transportar até onde o queira o outorgado, é contrato de empreitada. Regras jurídicas
especiais levam a tratarem-se os transportes como contratos distintos, de modo que sómente na falta daquelas
regras jurídicas é que são invocáveis as regras jurídicas da empreitada.
A iluminação temporária de edifício, locais ou estradas, é objeto de empreitada. O contrato de fornecimento de
energia elétrica é contrato de compra-e-venda (cf. Tomos II, § 153; 1, § 1.112, 1; XI, § 1.179, 3; XV, §§ 1.656, 2,
4, e 1.821, 4; XVIII, §§ 2.209, 2, e 2.219). Não basta dizer-se que se há de tratar como o contrato de
compra-e-venda (e. g., L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, II, 495), nem cabe pensar-se em
empreitada (e. a., PAUL OERTMANN, cl. A. SCHLECHT, Vertrãge Ober Lieferung elektr. Strbme, Seuffert
Blãtter, 67, 84 s., 31 s.), ou em locação de coisa (PFLEGHART, Etektrizitãt ais Rechtsobjekt, 291 s.).
O contrato de construção é empreitada, mesmo se o incumbido nenhum trabalho pessoal presta.
Os contratos de confecção pelo incumbido, ou por outrem,mesmo se o incumbente fornece osmateriais, são
empreitadas.O contrato de aquisição de automóvel, ou outro veículo, já usado, com o encargo de consertos dentro
do mesmo preço,é compra-e-venda. Se há separação dos preços, há dois contratos, um de compra-e-venda e outro
de empreitada.
O contrato de compra-e-venda de máquina com o dever de montá-la não se desnatura. A prestação de obra é
secundária.
O direito brasileiro, com a fixaçãoda terminologia (“empreitada”) evita que se discorra sobre a diferença entre
locação de serviços e empreitada. Por outro lado, abstraiu da diferença entre empreitada prevalentemente pessoal
e empreitada por empresa, evitando artificialidade que vai a ponto de se falar de empreitada e de contrato de obra
como se a qualidade do sujeito outorgante pudesse mudar a estrutura do negócio jurídico. Cp. Código Civil
italiano, arts. 1.655 e 2.222.
O carroceiro e outros contratantes semelhantes, que prestam transporte, empreiteiros são, e não locadores de
serviços (4.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de fevereiro de 1948, 1?. dos T., 143, 102;
2~a Câmara Civil, 81 de agôsto de 1948, 176, 705: “Na empreitada, o contratante trabalha sob sua exclusiva
responsabilidade, por sua conta e risco”; sem razão, a 2.~ Câmara Cível do TribunAl de Apelação do Rio Grande
do Sul, a 4 de dezembro de 1940, A. J., 57, 200).
O trabalho por tarefa, sem autonomia, não é empreitada (2.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio
Grande do Sul, 1.0 de abril de 1942, R. F., 90, 790).
Se o contratante se vinculou a preparar partes em determinada área, ou plantar cafêzal, ou derrubar matas, ou
remover terras, ou colhêr os frutos da safra, uma vez que tem de dar a obra pronta, mediante remuneração, o
contrato é de empreitada (6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,25 de junho de 1948, R. dos T.,
176, 269).
Considera-se empreitada o contrato pelo qual o fazendeiro entrega a terra a alguém, que é “quem roça e derruba e
queima, descoivara, faz as covas, semeia e carpe, tudo correndo por sua conta”. (Juízo de Lucélia, 20 de fevereiro
de 1947:
“Entre as linhas do cafêzal, o empreiteiro planta arroz, milho, e feijão, que colhe anualmente. É daí que êle tira o
suficiente para a sua mantença e para solver as dividas contraídas. O seu lucro em verdade está nos frutos do café
que êle aguarda, sofregamente , no quarto ano da empreitada. Entretanto, a produção do quarto ano é incerta; a
quinta, regular; a sexta, boa. Daí porque, em regra, os contratos são por seis anos. Então é que o empreiteiro
recebe propriamente a paga do seu trabalho: a produção do sexto ano. Feliz, entrega o cafêzal formado e vai-se à
procura de outra empreitada. É contrato assaz interessante, porque incita o empreiteiro a pôr tôda a sua diligência
na formação do café, tendo em vista que dêste é que lhe vem o lucro. Sendo caso típico de empreitada, o art. 1.220
do Código Civil não se lhe aplica”. A sentença do juiz NÉLsoN PINHEIRO FRANCO foi confirmada pela 6~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de agôsto de 1947, 1?. dos T., 170, 169).
3.SUBEMPREITADA. Subempreitada é o contrato de empreitada em que o empreiteiro contrata com terceiro,
ou com terceiros, a execução daquilo de que se incumbira. Assemelha-se à sublocação. Não há qualquer sucessão
no negócio jurídico de empreitada. O subempreiteiro está para o empreiteiro (sub empreitante) como o
empreiteiro para o empreitante. Muito diferente é o que ocorre na sucessão da divida de empreiteiro, ou na
transferência da figura jurídica de empreiteiro. Na subempreitada cria-se nova relação jurídica, distinta da relação
jurídica entre o. empreitante e o empreiteiro. O empreitante permanece estranho ao que se passou entre o
empreiteiro e o terceiro, ou os terceiros. Se o empreiteiro tinha de executar
pessoalmente a obra, não é admitida em relação ao empreitante o nôvo contrato.
Osubempreiteiro é independente, de modo que a êle se aplicam as regras jurídicas concernentes ao empreiteiro,
inclusive quanto aos danos a terceiros.
Quanto à transferência de créditos ou do contrato de empreitada, regem os princípios da cessão de direitos ou da
transferência dos contratos.
Não é fácil encontrar-se caso em que o contrato de empreitada permita a subempreitada total. Em princípio,
leva-se em consideração, ao concluir-se contrato de empreitada, a pessoa do empreiteiro, ou, até mesmo, se têm
em vista algumas pessoas, o pessoal, ou alguma pessoa que trabalha na empresa que empreita. Não se pode dizer,
contudo, que, se não houve consentimento do empreitante, seja nulo o contrato de subempreitada. O contrato é
ineficaz, relativamente ao empreitante. O empreiteiro contratou porque quis e infringiu o seu dever de adimplir,
pessoalmente, o que prometeu. Em caso de danos, responde o empreiteiro; eventualmente por culpa
extracontratual, o subempreiteiro. Não há, no direito brasileiro, regra jurídica explícita e geral como a do art.
1.656 do Código Civil italiano. O intuitus personae não ocorre sempre a ponto de se exigir a execução pelo
empreteiro pessoalmente e, pois, haver necessidade de assentimento do empreitante para que o empreiteiro
subempreite. O art. 1.232 do Código Civil só é atinente àlocação de serviços; o art. 1.201, à locação de prédios.
Quanto ao art. 1.232, limita-se ao direito civil.
O assentimento do empreitante pode ser expresso, ou tácito, ou pelo silêncio. O - silêncio, para ser manifestação
de vontade, está sujeito a satisfação de pressupostos (Tomos TI, §§ 222, 2, 226, 1; XXXVIII, §§ 4.188, 1, 8,
4.190, 4.194, 7).
Não basta que, tendo havido a subempreitada sem assentimento, haja silenciado o empreitante.
Se o próprio empreitante tratou com o subempreiteiro, dando-lhe, por exemplo, instruções, sabendo que ia ser
feito ou que já fôra feito o contrato de subempreitada, houve assentimento tácito (cf. ANTONIO VITALE,
Codice Civile, Commentario de MARIANO D‟AMELIO e ENRICO Fn~jzí, 378; OOMENICO RumNo,
Vell‟Appalto, 89 s.). Se o empreitante considerava o terceiro como empregado, ou empreiteiro para alguma peça
(feitura de assoalho, portas, teto), não assentiu em sub-empreitada. Quando o empreiteiro faz empreitada para a
obtenção de material trabalhado não faz subempreitada com o terceiro. Se a subempreitada parcial é possível,
como a subempreitada para a construção dos alpendres, ou da casa dos empregados, ou de um dos edifícios, é
questão que só se pode resolver in oasu, para se saber se até aí vai o in,tuitus personae. Tem-se de distinguir da
compra-e-venda ou da empreitada de acessórios ou partes especiais da obra, que pelo uso são feitas por empresas
especializadas (instalação elétrica, serviços higiênicos, elevadores e ascensores), a subempreitada. A indistinção
levou a jurisprudência e a doutrina italianas a alguns erros e perplexidades.
Se foi dado o assentimento para a subempreitada parcial, a interpretação há de ser restritiva. O assentimento para
a subempreitada total inclui o assentimento para a subempreitada parcial.
Se o empreitante assentiu na subempreitada, pode ir contra o empreiteiro e contra o subempreiteiro pelo
inadimplemento, ou pelo adimplemento ruim, ou pelos vícios do objeto. O empreiteiro tem pretensão contra o
subempreiteiro mesmo se o empreitante não exerceu a sua. A opinião que só permite que o empreiteiro exerça
ação contra o subempreiteiro se foi acionado pelo empreitante não merece acolhida. Os empreiteiros têm
interesse na perfeição ou exatidão das obras, independentemente do interesse do empreitante. Não seria acertado
que, com. a atitude negligente do cliente, o empreiteiro ficasse privado de reclamar ou de acionar o
subempreiteiro, ou qualquer fornecedor (sem razão, DOMENICO RUBINO, Dell‟Appalto, 92).
Condenado na ação o empreiteiro, pode ir contra o subempreiteiro, como poderia ter suscitado o litisconsórcio
(Código de Processo Civil, art. g~, lY alínea, 2.~ parte, e 2a alínea, 2? parte), ou chamada à autoria (art. 95), a
fim de haver a chamada eficácia de coisa julgada contra o subempreiteiro. Aliás, poderia ter proposto antes a
ação, ao conhecer os fundamentos da ação do empreitante, como ter proposto a ação com os seus fundamentos.
Se o empreitante obteve redução do preço, pela pretensão~ quanti minoris, ou outra razão, o empreiteiro somente
tem. a pretensão à redução do preço, proporcional à redução que foi feita. Se a redução foi voluntária, dita
amigável, pode o subempreiteiro impugná-la, caso em que a ação tem de ser proposta contra êle. Se o empreiteiro
foi condenado à eliminação do defeito, ou a fazer outra obra, o empreiteiro pode exigir o mesmo, a que foi
condenado, ou a redução proporcional do preço; não a resolução do contrato. Convém, todavia, frisar-se que não
há em princípio coisa julgada contra o subempreiteiro, se não se prrestabeleceu tal eficácia.
Se o empreiteiro foi vencido na ação de redibição ou na de resolução que contra fôra proposta, pode propor
contra o subempreiteiro a mesma ação, ou a de redução do preço. No caso de resolução, ou de redibição, a quantia
há de ser proporcional à parte do subempreiteiro.
Sempre que o empreiteiro tem de exercer pretensão contra o subempreiteiro, com invocação de fundamentos que
o empreitante aduziu, tem de comunicar-lhe o ocorrido. Com isso, dá êle oportunidade ao subempreiteiro para
defender-se, em juízo ou fora dêle, e pode interromper o curso da prescrição. Trata-se de ônus.
§ 4.845. Natureza e eficácia do contrato de empreitada
1.BILATERALIDADE DO CONTRATO. O contrato de obra. ou de empreitada é contrato bilateral: um dos
figurantes vincula-se a fazer a obra; outro, a remunerar (contraprestar). A retribuição pode ser tàcitamente
determinada, observando-se os usos da praça, ou o programa da empresa conhecido pelo empreitante. Às vêzes, a
lei fixa o preço da obra.
A álea que pode haver no contrato de empreitada não bastaria para fazê-lo contrato aleatório. Daí termos de
repelir o que disseram, entre outros, MARCO VITA Lrví (Deita Loca~. zione di opere e pif.t specialmente degli
Appalti, 44 s.), Luíci ABELLO (Trattato deita Locazione, ~v, 2? ed., 110), ALBERTO ASQUINI (Ii Contratto di
trasporto terrestre di persone, 32) e ULRICO LoRIzIo (Ii Contratto di açppalto, 132 s.). A álea normal do
contrato, ou maior in casu, sem desclassificá-lo como contrato comutativo, é irrelevante.
No contrato de empreitada pode ser inserta eiáunda penal,inclusive para os casos de retardamento parcial ou total
(83 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 22de agosto de 1952).
2. EXTENSIO CONTENUTISTICA DO CONTRATO DE EMPREITADA. £ amplíssimo o âmbito dos
suportes fácticos sêbre os quais incidem as regras jurídicas sobre empreitada.
O objeto que se quer criado, destruído, ou modificado pode ser corpóreo ou incorpóreo. Quem conclui contrato de
empreitada para que outrem lhe tire o retrato, ou lhe pinte ou desenhe o retrato, contratou empreitada de bem
corpóreo e de bem incorpóreo, ou somente bem corpóreo (cf. Tomos XVI, §§ 1.837, 1.851-1.869, 1.836-1.850;
VII, §§ 729, 756). Tem-se de verificar qual a abrangência: se só o bem corpóreo, ou o bem corpóreo e o direito de
exploração, ou êles e o direito autoral de nominação. Quem incumbe alguém de escrever livro, a que se dê o nome
do empreitante, há contrato de empreitada que torna invocável o art. 667 do Código Civil.
O chofer de automóvel, que transporta mediante taxa, é empreiteiro, porque não loca serviço, mas faz obra. O
grupo que promete representar a peça de teatro, ou dar o concêrto, ou fazer exibição ginástica, é empreiteiro, e
não locador de serviços. Na prática e nas leis, os contratos de representação teatral e de execução musical têm
caracteres próprios, porém não deixam de ser empreitada. Dá-se o mesmo com os transportes. São subtipos.
Dentre os transportes, alguns há que têm regramento especialíssimo, como o transporte em navios e em
aeronaves. A multiplicidade de figuras jurídicas não apaga o traço comum, fundamental, que as caracteriza.
Se alguém se vincula a dar concêrto, ou a representar a peça teatral, faz contrato de empreitada. Se promete tomar
parte, como um dos executantes no concêrto, ou ser um dos atôres, é locador de serviços. Se o grupo é de empresa
da qual os atôres não fazem parte, a empresa é que é empreiteira; os atôres são loçadores de serviços à empresa.
Na empreitada de representação teatral, ou de concêrto, tem-se de examinar o que é que se há de exibir, ou se foi
deixada a escolha ao empreiteiro, só se exigindo que a obra encha o tempo, ou que encha o tempo e seja de
determinado gênero teatral, ou musical.
De ordinário, é o empreiteiro quem entra com os materiais para a obra. Para que isso não ocorra, é preciso que se
haja convencionado que o empreitante forneça todos os materiais, alguns ou determinado material. Na construção
de edifícios, a regra é que o empreitante seja dono ou possuidor do terreno; mas isso de modo nenhum significa
que é exceção ao princípio de serem inclusos na prestação do empreiteiro os materiais. Apenas se empreitou o
edifício, que coincide ser em cima ou dentro ou por sobre o terreno, O que o empreiteiro tem de fazer para ser
executável a obra, sem ser parte da obra (ser parte da atividade não é ser parte da obra), não é material (e. g., as
terras ou pedras que teve de retirar, as demolições, a estrada que teve de abrir para acesso dos caminhões, as
caixas-d‟água para a preparação das massas). Para que essas atividades não sejam do empreiteiro, é preciso que o
empreitante as tenha pôsto de parte, para êle mesmo exercê-las, ou dar a outrem (por empreitada, ou não) a
incumbência.
Deve-se evitar a expressão “empreitada por administração” para se designar a empreitada de lavor (e. g., Luis
CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, VII, 614; 43 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, 20 de fevereiro de 1940, A. J., 53, 446). Na feitura de obra por administração> não há a
autonomia do empreiteiro (cf. 23 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 1.0 de abril de
1942, 1?. F., 90, 790).
3.MATERIAL COM QUE SE FAZ A OBRA CRIATIVA, Extintiva OU MODIFICATIVA. Se os materiais têm
de ser fornecidos pelo empreiteiro, permanecem, quanto à propriedade, como se acham. Não há qualquer
transferência de direitos para o capitalista. Pode ser que sejam de empreiteiro, o que é de supor-se; mas pode ser
que não no sejam (não pertençam ao empreiteiro, nem ao empreitante, como se o empreiteiro empregou na obra o
que ainda não adquiriu, cf. Código Civil, arts. 611-614, 615-617). Em tais casos, o empreitante tem o propósito de
adquirir a obra feita, incluída a propriedade do material, que se integrou na obra, ou a ela se ligou como pertença.
O empresário tem de entregar o que se fêz com o material e a mão-de-obra e a atribuir ao empreitante a
propriedade. A prestação,no tocante ao material, evidentemente é como a do vendedor, porém há o plus, que é a
mão-de-obra.
Aqui, cumpre que se atenda a distinção sutil. Se o interessado em adquirir o bem fabricado escolhe conforme
catalogo, o bem é fungível: há de regra compra~e-venda de bem genérico. Não importa se o vendedor não tinha,
no momento, o que vender e teve de fabricar, ou encomendar a terceiro. As regras jurídicas gerais sobre vícios do
objeto é que são invocáveis. Se ficou estabelecido que determinada pessoa fabricana o objeto, então há
empreitada.
Se a obra há de ser feita com materiais do empreiteiro, mas é bem inlungivel, como o sapato, ou a roupa, sob
medida, ou o móvel, conforme desenho, ou medidas convencionadas. ou a fotografia do empreitante~ ou de
outrem, não se há de pensar em compra~e-venda. O elemento dêsse contrato é mínimo, pôsto que de certo modo
atenue a tipicidade da empreitada. £ o contrato de empreitada com a alienação de bens necessários, úteis ou
volupturios , para a obra (cf. Código Civil, art. 1.238). Na terminolOgia jurídica alemã, é o ~ contrato de obra e
fornecimento. Então, o empreiteiro tem de entregar os materiais, partes integrantes ou pertenças, como se fôsse
vendedor, de modo que os defeitos do sujeito e os defeitos do objeto têm regime como ocorre na compra-e-venda.
Em caso de pretensão do terceiro, os arts. 1.107-1.117 do Código Civil, sobre evicção~ são invocáveis. No
tocante aos vícios do objeto, as regras jurídicas sobre a compra~e~venda são também regras jurídicas que
incidem, salvo se a lei concebeu alguma regra jurídica especial (e. g., a do art. 1.238). o contrato de empreitada,
com fornecimento de materiais pelo empreiteiro, não é, nunca, contrato de compra~e~venda, porque a sua
finalidade não é a de aquisição dos materiais, mas a fabricação, a atividade do empreiteiro ou de quem trabalhe
para êle, a obra (VICTOR Ei{RENBERC, Kauf und ~erkvertrag, Jahrbiiúher fiir die Dogmatik, 27, 284 s.). o
empreiteiro está vinculado a prestar obra, que seja criação de bem, extinção de bem, ou modificaçãO de bem,
conforme os dados qualificativos e quantitativos que foram convencionados, explícita, implícita ou tàcitamente,
ou que a lei exige. Se não presta como resultaria da promessa.
infringe dever contratual, é devedor que não adimpliu, ou que não adimpliu satisfatôriamente.
Há contratos em que a prestação de obra, sem que deixem de ser contratos de compra-e-venda, como ocorre com
a compra de roupa feita, se o vendedor tem de fazer a adaptação (a diminuição do tamanho da manga do palitó, o
alargamento ou estreitamento da gola, a mudança dos botões que não agradam ao freguês, a gravura do nome no
relógio, ou a troca de peça no objeto comprado). Aí, a compra-e-venda passa à frente.
Qualquer fornecimento há de ser para emprêgo na obra, compreendendo-se nela, mesmo quanto a determinadas
pertenças (e. g., o apartamento há de ser entregue com os candelabros e as outras pertenças da eletricidade). Se
algum fornecimento é fora da incumbência da obra, há compra-e-venda, e não empreitada.
Os materiais quase sempre são determinados genéticamente. Se é o empreitante que os fornece, os bens fungíveis,
que êle entregou, infungibilizaram se diante do empreiteiro. Quer dizer: o empreiteiro não pode servir-se dêles,
para depois repor o que dêles tirou. Se foi o empreiteiro que os prestou ou é êle que os tem de prestar, a
infungibilização somente ocorre se houve aprovação do pelo empreitante, ou se foram definitivamente
empregados na obra. Se o empreitante permitiu a substituição do que entregou, aquilo que fôr pôsto no lugar do
que o empreiteiro retirou, ou foi encomendado, expressa-mente, para substituir, é propriedade do empreitante. A
inserção daquilo que o empreitante forneceu na obra que se está fazendo, ou passou a ser parte integrante do bem,
ou pertença, se a obra é de modificação, proprietário dela (ou possuidor
-empreitante) é o empreitante. Se é de criação, a solução depende da principalidade do que é de propriedade do
empreitante: se a obra é edifício, qualquer material, que nela se insira, passa a ser do dono do terreno; se a
empreitada é de fabricação de mobiliário, o próprio bem fornecido pelo empreitante se torna propriedade do
empreiteiro, salvo se o que o empreitante fornece é principal (o diamante, para se fazer o anel de ouro; a peça
antiga de porcelana, ou de metal, para ser embutida na porta do armário).
Se os materiais têm de ser fornecidos pelo empreitante,hão de ser entregues nos prazos ou dias fixados; se não
se falou de prazos, ou de dias, a entrega tem de ser a tempode serem utilizados. Não pode remeter antes de tempo
o quepode ser danificado nas obras, ou devido à qualidade mesmado material. O empreitante pode sempre
verificar a qualidade e a quantidade dos materiais fornecidos pelo empreiteiro. Na doutrina brasileira, CLóvís
BEVILÁQUA, cogitando da espécie em que o empreiteiro fornece os materiais, considerou contrato misto
(contrato de serviço e de compra-e-venda). Tal afirmação não é necessária para se concluir que o empreiteiro tem
de pagar o impôsto de vendas e consignações do constru-tor, como se poderia tirar do voto dos relatores nas ações
julgadas pela 2~a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 19 de julho de 1947 (R. F., 124, 428) e a 11 de novembro
e a 23de dezembro de 1941 (A. J., 62, 259 e 261). Não há, na empreitada com fornecimento de materiais, contrato
misto. A alienação foi meio para o adimplemento do dever de fazer a obra. Quanto ao impôsto de vendas e
consignações, é imposto de nome impróprio, que abrange tôdas as operações comerciais de alienação, e não só a
compra-e-venda e a consignação. Se o empreiteiro fêz contratos de fornecimento de mate-riais ou de serviços e
deixou de cumpri-los, em princípio o empreitante não responde pelo adimplemento (cf. 1~a CâmaraCivil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 26 de maio de 1941, R. dos T., 135, 674). Os terceiros têm de ir contra o
empreiteiro, que responde pelo inadimplemento e se expõe aque a execução forçada recaia na obra em
andamento, se o bem principal é seu. Não pode haver, por exemplo, penhora do anel, que êle já fêz com ouro que
comprou e não pagou, se apedra preciosa é do empreitante. Aliter, se a pedra é do empreiteiro, porque o bem ainda
é seu. O empreitante há de ser considerado, salvo prova em contrário, pessoa de boa fé. Se a obra consiste em
edifício em terreno do empreitante e o material, que o empreiteiro comprou, já se incorporou à obra, a penhora
não pode atingir êsse material, porque já se deu a aquisição pelo terceiro de boa fé. AI, a obra não é somente
destinada ao empreitante, é em bem do empreitado.
Em virtude do contrato de empreitada e da inserção na obra, o empreitante adquiriu a propriedade. Nada tem isso
com o eventual inadimplemento do preço pelo empreitante, nem com a tradição da posse imediata pelo
empreiteiro (sem razão, por faltar a precisa noção da posse própria mediata que aí tem o empreitante, LUnovíco
BARASSI, Ii Contratto di lavoro, 1, 536, e II, 456; Luíoí Annsn, Trattato delia Locazione, IV, 2.‟ ed., 622).
Quando o empreitante entregou o terreno ao empreiteiro só lhe transferiu a posse imprópria imediata, e não a
posse própria: continuou proprietário e possuidor próprio mediato. Se a obra é de edifício de que conserva a posse
própria imediata, nem essa êle transferiu. As empreitadas de pintura e de consertos de instalações são quase
sempre assim.
4.PRESSUPOSTOS DO RESULTADO. Saber-se se a obra tem de ser feita pelo empreiteiro, pessoalmente, é
questão de interpretação do contrato. Pode resultar de manifestação de vontade do empreitante, ou da natureza da
obra, ou de qualidades do empreiteiro.
Uma vez que o que se promete é o resultado, e não o trabalho como tal, tem-se de entender, nas prestações
arriscadas ou dependentes de circunstáncias, que o empreiteiro satisfaz o que deve se pôs tOda a sua diligência
para a boa execução, sem ser de exigir-se o resultado favorável, O empreitante assume o risco, sem que o negócio
jurídico deixe de ser empreitada. Tal o que se passa, por exemplo, se alguém toma táxi para chegar ao aeroporto
antes da saida do avião e chega no momento em que não mais podia entrar, ou depois. Em verdade, o conteúdo do
contrato foi o de viagem até o aeroporto, sem a cláusula resolutiva de não se ter por incólume o contrato se não se
alcança o avião. A chegada a tempo é resultado mediato, que não se insere na prestação. Pode acontecer que se
insira, como se o viajante diz que paga tanto se conseguir a chegada, ou não paga (álea, que atinge o empreiteiro),
ou que paga tanto e, se o resultado ulterior é favorável, mais tanto.
O contrato concluído com o médico, mais freqúentemente com o cirurgião, pode ser empreitada. O que é preciso
é que se haja prometido a produção do resultado, e não a prestação de serviços. O cirurgião que faz o preço x pela
operação é empreiteiro, e não locador de serviços. O médico que promete
curar a asma por x, empreiteiro é. Mas há, também, a empreitada do médico ou do cirurgião sem alusão ao bom
êxito do resultado. O que se empreitou foi a operação-obra, ou o tratamento-obra.
Um ponto que se tem de pôr em relêvo quanto se aprofunda o estudo da empreitada está em que, fornecendo o
material, o empreiteiro não o vende prôpriamente, pois o acôrdo de transmissão da propriedade é como prestação
de empreiteiro, e não como prestação de vendedor. Daí a particularidade de não se poder cobrar o material se a
obra não foi feita (aliter, se o material foi fornecido pelo comitente).
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO CONTRATO DE EMPREITADA
§ 4.846. Pressupostos do contrato
1. PREssUPOSTOs DO CONTRATO DE EMPREITADA. Os pressupostos comuns, em geral, aos contratos
são-no também ao contrato de empreitada, inclusive quanto à capacidade.
A obra há de ser possível, lícita e determinada ou determinável. fl nulo, por exemplo, o contrato de empreitada de
construção de casa na praça pública. Se a obra não pode ser executada por impossibilidade subjetiva (relativa),
como se o empreiteiro não satisfaz exigências legais de profissão, o contrato vale (ANTONIO CIANÃONE,
L‟Appalto di opere pubbijei, 715). Se, têcnicamente, a obra, tal como se planejou, não era executável, também
não há invalidade do contrato. O que determina nulidade é a impossibilidade física, ou a jurídica, e não a
impossibilidade de execução com os meios técnicos. Se a culpa foi do empreiteiro, cabe-lhe indenizar pelo
inadimplemento, porque devia saber que o projeto não podia, técnica-mente, ser realizado. A impossibilidade
superveniente, essa, é sempre causa de invocabilidade dos princípios gerais.
Se ao empreiteiro, em cláusula expressa, ficou determinar alguns pontos, que não sejam os principais, da obra,
dispensou-se qualquer interpelação do empreitante. Ao seu critério foi entregue qualquer decisão a respeito. Isso
não significa que não possa o empreitante indicar, dentro do contrato, o que lhe pareça mais conveniente, se a
tempo.
Algumas vêzes o contrato deixa aos figurantes, em ulteriores acôrdos, a determinação de algumas medidas, peças
ou quaisquer pontos da obra. Se não há acôrdo, tem de ser atendido o que resolve o empreitante, se a tempo e
dentro do. contrato.
Não é vedado atribuir-se a outra pessoa, como, nas construções de edifícios, ocorre com o arquiteto, ou com o
decorador, determinar o que se há de fazer e como se há de fazer.
O preço pode ser determinado no momento do contrato, ou ser apenas determinável, inclusive com a cláusula de
máximo de preço. Se não foi dito qual o preço e não há tarifa, sem usos, ou os figurantes entram em acôrdo
posterior (pacto adjecto), ou pedem judicialmente a fixação. A determinação ope judicis tem de considerar a obra,
as exigências do contrato, os preços do mercado e os ordinários do empreiteiro.
O preço pode ser por obra, ou unidade de obra, sem qualquer variação (preço global, preço per aversionem, preço
à for fait), sem que deixe de se considerar tal o preço que diminua em função das entregas de unidades. Desde que
as alterações sejam permitidas como conteúdo do contrato, não tiram no preço a sua determinação.
O preço pode ser por unidade de medida que venha a ser a da obra (empreitada a preço unitário, ou por medida),
O preço global só se determina no final da obra, pela multiplicação do preço da unidade pelo número das
unidades. Pode ter havido preço apenas aproximativo; portanto, preço que não é necessâriamente o que se há de
contraprestar. Os preços unitários podem ser dois ou mais, como se, para o corte das árvores que só sirva para
lenha, o preço unitário é z; para o corte das árvores que são madeira de lei, ~í.
O preço pode ser em parte preço global e em parte preço por medida. Também se pode estipular que o preço seja
por medida, ou em parte global e em parte por medida (dito preço misto), não podendo, porém, exceder de tanto.
Se se deixou por escolher alguma parte, ou acessório, que tem diferentes preços, ou se não levar em consideração
a diferença, permanecendo inalterável o preço, ou se estabeleceu que o excesso seria acrescentado à retribuição
total.
Por vêzes, incluem-se nos documentos referidos pelo contrato, ou como documento rubricado, que se tem como
pacto adjecto se não foi mencionado no instrumento do contrato, a lista dos preços.
A determinação do preço pode ser deixada a arbitradores, ou a arbitrador, ou ser o que se acordou em caso de
não ter havido qualquer referência à retribuição.
Se o empreitante tem diretor da obra, ou fiscal da obra, de ordinário tem êle a função de verificar as contas cujos
impostos se hão de incluir no preço, ou apenas sirvam para se conferir a diligência na execução da obra.
Mesmo se o contrato de empreitada foi a preço global,
pode o empreiteiro alegar que houve aumentos, fazendo a prova do acôrdo, com os mesmos princípios sobre
prova que regram o contrato. Contrato escrito não se altera sem escrito. Por sua vez, o empreitante pode alegar e
provar que pagou por fora o que se fêz a mais, ou que não se fêz a mais, e sim em substituição.
Tanto os empreiteiros como os empreitantes podem prestar contas voluntâriamente, exigindo que o outro
figurante as declare certas, ou objeto quanto a alguma parcela, ou quanto. à soma. O prazo razoável, após
recepção, pode estabelecer o dever de responder e pois a aprovação pelo silêncio.
Se o contrato alude a preços de tarifa ou de usos, têm de ser aprovadas, se existem para os materiais ou a obra de
que se trata. Se não existem, a cláusula é ineficaz. Tem-se de considerar como sem determinação do preço a
empreitada. Se houve variação dos preços, o momento para a determinação éo da conclusão do contrato, salvo se
referentes a objetos para as quais seriam de mister instruções do empreitante. O lugar em que se há de fazer a obra
é diferente do lugar do contrato, prevalece aquêle (arg. ao art. 951 do Código Civil). As tarifas locais vêm antes
das tarifas regionais ou nacionais.
Se não foi determinado o preço e há tarifas ou usos, concernentes aos materiais (se o preço é por medida), ou à
obra, observa-se o preço tarifário ou o usual. Pode (e tem) o juiz de afastar a observância da tarifa se não é de
invocar-se no caso concreto (LULOVICO BARASSI, 11 Contratto di lavoro, II, 2~a ed., 377; sem razão,
DOMENIÇO RUEINO, Deli‟ Áppatto, 102). Trata-se, evidentemente, de sentença que reputa insuficiente o
suporte fáctico.
Se não houve determinação do preço, nem referência a tarifa, ou uso, ou se fêz porém se não há tarifa nem uso, ou
os figurantes acordam em determinado preço, ou em arbitramento, ou êsse não se pode realizar, ou pedem ao juiz
a fixação, ao que êste atende após perícia.
Pode dar-se que um dos figurantes haja errado na determinação do preço. O êrro de preço. Não há particularidade
na questão. O êrro é êrro oposto ao conteúdo do contrato e rege-se pelos arts. 86-91 do Código Civil (Tomo IV,
§§ 430-437, especialmente § 437, 6; Comentários ao Código de Processo Civil, XI, 312, 334 8.; XII, 131).
2.INÍCIO DA OBRA E PRAZO PARA A ENTREGA. A tôda obra é necessário tempo. Se os figurantes não
estabelecerem prazo, ou data para a entrega, expressa ou implícita ou tàcitamente, qualquer dêles pode pedir que
o juiz o fixe, caso em que o pedido pode ser em ação de preceito cominatório, feita prêviamente a perícia, se
necessária. Na fixação têm-se de considerar a natureza da obra, a dos serviços e quaisquer outras circunstâncias
que possam influir na diminuição ou acréscimo do tempo usual para a execução. Circunstâncias físicas, jurídicas
<e. g., demora da licença fiscal) ou pessoais. Na fixação, pode o juiz considerar culposo o não se ter iniciado a
obra, para declarar o dever de indenização por parte do empreiteiro, a despeito de não completar no prazo o que
decorreu sem se ter começado a execução.
O próprio empreiteiro pode pedir a fixação do prazo pelo juiz.
O início do prazo, se não foi dito no contrato, é desde o dia imediato ao da conclusão do contrato. O empreiteiro
tem direito a iniciar desde logo as obras, embora no contrato se haja dito quando haveriam de começar, porque o
prazo é a favor do empreitante e o início antecipado lhe é favorável.
3.PROJETO. Chama-se projeto qualquer cláusula contratual de determinação do que se há de fazer, inserta no
instrumento do contrato, ou nêle referida, por ter sido feito em laudas à parte, que hão de ser assinadas ou
rubricadas. Não raro, após as punctações, os dois interessados acordam no que se há de executar, inclusive se foi
encarregado do projeto algum terceiro, ou alguns terceiros.
O projeto não é elemento necessário e a grande maioria das empreitadas são sem projetos, por ter sido suficiente
a determinação do que se quer. Todavia, se há projeto e os figurantes o aprovam, passa a ser conteúdo contratual,
O projeto pode ser objeto de direito autoral de exploração, que tem de ser respeitado pelo empreitante e pelo
empreteiro. A êsse, por vêzes, se atribui fazê-lo, ou obtê-lo, ou obtê-lo e prestá-lo. Se não se disse que ao
empreitante é que cabe entregá-lo para a obra, com as eventuais operações para o uso, o que se há de entender,
mesmo em caso de dúvida, é que o há de prestar o empreiteiro. Se é êsse quem o tem de fazer, ou de conseguir,
salvo cláusula expressa em contrário, nenhuma retribuição, fora do preço da obra, lhe deu o empreitante.
O projeto é, quase sempre, escrito, ou já impresso, o que ocorre quando se trata de feitura de obra que consta de
catálogo, ou de figurino, ou de recorte de revista ou de jornal. Há, porém, a possibilidade do projeto oral,
inclusive gravado em disco ou filme. Não raro, é em parte escrito e em parte oral. O que é preciso é que se possa
ter como aprovado o conjunto. Se os pressupostos se compõem, o conteúdo ou a aprovação, ou o conteúdo e a
aprovação podem ser pelo silêncio de algum dos figurantes.
Como, a respeito das empreitadas, o empreiteiro pode executar, ao mesmo tempo, ou sucessivamente, muitos
contratos, é questão de interpretação saber-se se êle se vinculou, ou não, a só executar o projeto para o
empreitante. ~ o que dispositivamente se há de assentar sempre que o projeto proveio do empreitante.
As alterações no projeto podem ser alterações previstas, alteracões arbitrárias do empreiteiro ou alterações
permitidas. Às primeiras abriu-se no contrato a possibilidade, conforme os termos do negócio jurídico. Às
últimas o consentimento dos figurantes é posterior à conclusão do contrato. Quanto às segundas, são vedadas: o
empreiteiro responde pela defeituosidade da obra, ou pela desvalorização, ou por sua inadequação ou menor
adequação à estimação do empreitante, ou da pessoa para quem encomendou a obra. As alterações previstas e as
permitidas podem ser com elevação, ou com diminuição do preço, conforme foi preestabelecido, ou conforme foi
acordado.
Há as alterações necessárias não-previstas. Quanto a essa se não sobrevém acôrdo, cabe ao juiz determinar a
extensão e o preço ou a diminuição do preço.
4.INDIVISIBILIDADE E DIVISIBILIDADE DA OBRA. De início, acentuemos que a pretensão à execução e à
obrigação de executar a obra é indivisível (Luici ABELLO, Trattato delia Locazione, 2~a ed., 257; ULRICO
Loaizio, 11 Contratto di appalto, 154). Mesmo se divisível a obra, independentemente da relação jurídica, como
acontece com a empreitada de construção de três casas no terreno, ou de casa e piscina (empreitada cumulativa).
Ou as manifestações de vontade fizeram indivisível a pretensão e, pois, a obrigação, e há um contrato de
empreitada; ou a cada obra ou parte da obra corresponde um contrato. Não afasta a indivisibilidade ser a execução
parcial ou por medida; nem o pagamento por prestações correspondentes às partes feitas.
Se o pagamento é rateal, o que foi pago tem-se como aprovado e não pode mais haver impugnação. Estatui o
Código Civil, art. 1.241: “Se a obra constar de partes distintas, ou fôr das que se determinam por medida, o
empreteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir”.
Acrescenta o parágrafo uníco:
“Tudo o que se pagou, presume-se verificado”. Na dúvida, tem--se como aprovado o que se pagou. Tal aprovação
vincula os figurantes a admitir que o que resta para a execução seja compatível, física, técnica e estêticamente,
com o que foi feito e pago.
Se o pagamento havia de ser por inteiro, ao terminar e ser entregue a obra, o que se fêz pode ser desaprovado,
salvo se houve pacto adjecto, ou se assim estabeleceu o uso.
O empreitante não é adstrito a receber parte da obra não acabada, pôsto que possa ser prevista no contrato a
entregabilidade, ou o dever de receber. Aí, a não-adstrição ao recebimento não resulta da indivisibilidade da
obrigação, mas da regra jurídica do art. 889 do Código Civil.
Se o empreiteiro só exequiu em parte a obra, o inadimplemento parcial pode dar ensejo à resolução do contrato,
com a indenização por perdas e danos, nos quais se inclui o que já fôra pago. Todavia, se o que falta é sem grande
relevância
e pode ser completada a obra, cabe o empreiteiro purgar a mora de completar. O empreitante pode preferir à
resolução a resilição, ou ficar com a obra e exigir que o empreiteiro complete a obra, ou preste indenização pelos
danos. Se a parte executada, mesmo separável, foi entregue e aprovada, a resolução pode ser ex tuno (resolução
em senso estrito), porque a empreitada não é contrato de duração. Não importa se o empreitante, que recebeu a
parte, a utilizara para fim diverso daquele que se tira do contrato.
Se a terminação da obra se tornou, supervenientemente, impossível, sem culpa de qualquer dos figurantes, o
empreiteiro somente é obrigado a pagar o que corresponde à obra parcial-mente exeqflida.
Diante de diferentes obras a serem feitas, o que primacialmente se há de considerar é a questão de se saber se há
unidade ou pluralidade de contratos.
5. CONTEÚDO DA DÍVIDA DE OBRA. De ordinário, a atividade do empreiteiro é complexa, pois são
diferentes os atos ~que há de praticar. Tem-se de considerar como unidade êsse conteúdo complexo. Entra nêle
tudo que se há de reputar necessário a que se possa dar a obra como completa. Os usos intervêm, quase sempre. Se
algum elemento só o empreitante pode fornecer, tal elemento não entra no conteúdo da dívida do empreiteiro,
como o terreno para a construção. Nem os candelabros, ou outros objetos que tenham de preparar a casa para o
confôrto interno ou externo.
O que foi preestabelecido no contrato, quase sempre em projeto, é modificável no que envolveria êrro de técnica,
ou de estética, conforme apreciação em conjunto (MARCO VITA LEVI, 13 eila Locazione di opere e pi?t
specialmente degli appalti, 108 s.). Se, após a execução da obra, mudaram as regras de arte, ou de técnica, ou as
sugestões de ordem econômica, nenhuma responsabilidade tem o empreiteiro. As regras necessárias sao as do
tempo e do lugar da feitura da obra.
Se alguma regra ou prática se tornou a mais aconselhada, porém eleva o preço da execução, o empreiteiro pode
interpelar o empreitante para que escolha o que exigira ou o que posteriormente se considerou melhor, com
elevação ou não de preço.
A finalidade da obra resulta do contrato. Se houve apenas referência ao uso que teria, os usos são invocáveis. Isso
não impede que no contrato se especifique a utilidade, ou a alternatividade de utilidades, ou a utilidade
cumulativa.
Quanto à estrutura da obra, também o contrato há de caracterizá-la, sem que se afaste a integração subsidiária dos
usos, das regras de arte e de técnica. Têm-se de exigir, sempre, solidez e segurança da obra, O material empregado
é que dá a medida dessa solidez e dessa segurança; porém não só êle. A mão-de-obra exerce papel considerável.
6.INSTRUÇÕES, FISCAIIZAÇÃO E DIREÇÃO DA OBRA. O fato de dar instruções o empreitante não exime o empreiteiro das suas responsabilidades na execução da obra.
O empreiteiro recebe-as, mas é autônomo. As instruções que lhe tirassem a independência seriam infringentes do
contrato. Por isso mesmo, pode o empreiteiro, que recebeu instruções que reputa inconvenientes, submetê-las a
medidas judiciais, cautelares ou cominatórias, ou simplesmente declaratórias.
As instruções podem ser diretamente providas do empreitante, ou de pessoa da sua confiança, que, pelo contrato,
ou por pacto adjecto, possa atuar durante a execução da obra. De qualquer modo, se o empreiteiro é técnico, não
pode admitir instruções que prejudiquem a obra. Tem o empresário o dever de comunicar ao empreitante
qualquer inconveniência posteriormente surgida, ou quaisquer dificuldades, que tenham de ser afastadas, salvo se
tais inconveniências ou dificuldades não precisam, para serem eliminadas, de modificacão do contrato ou das
instruções.
O chamado fiscal da obra é outorgado do empreitante. Não se pode, a priori, dizer qual a sua situação jurídica.
Pode ser sócio da empresa empreitante, ou empregado, ou contratante do serviço de fiscalização, ou empregado
de empresa fiscalizadora. Os Poderes do fiscal são os mesmos que teria o empreitante, se êle exercesse
pessoalmente a fiscalização, ou menores do que os dêle.
Diferente do fiscal de obra é o diretor de obra, cuja atividade pode ser de maior ou de menor extensão, mas sem
que possa invadir a esfera independente do empreiteiro. Nenhum poder êle tem maior do que aquêle que o
empreitante tem.
É outorgado dêsse. Enquanto investido das funções de direção.
o diretor restringe os Poderes do empreitante, de modo que trata diretamente com o empreiteiro. Se não foi
prevista a extensão dos Poderes do diretor de obra, tem êle aquêles Poderes
que o empreitante comunicou ao empreiteiro ter outorgado.
Às alterações às instruções dadas pelo empreitante não basta a aprovação do diretor da obra; a fortiori, do fiscal.
A outorga de Poderes ao diretor de obra não tolhe a liberdade do empreitante de dar instruções ao empreiteiro,
diretamente. Qualquer divergência entre as instruções e os Poderes do diretor da obra é ássunto que só interessa à
relação jurídica entre o empreitante e o diretor de obra. Passa-se o mesmo a respeito do fiscal.
O empreiteiro tem de fazer a obra com tôda a diligência ordinária e a que resulte da natureza da obra ou da perícia
e da técnica do empreiteiro, ou decorra de exigência especial feita pelo empreitante. Uma vez qúe o empreiteiro
não faz a obra imediatamente (é raro fazê-la), compreende-se que o empreitante, por si ou por pessoa que indique,
ou haja sido escolhida, ou aprovada pelo empreitante, verifique se a obra está sendo executada a contento.
Advirta-se, porém, que nem tôdas as obras permitem êsse contrôle. Às vêzes, há segrêdo de fábrica ou de
indústria (Tomos XVI, §§ 2.008-2.006; XVII, § 2.098, 12 e XXVI, § 8.109, 2), ou segrêdo profissional, que o
contrôle ofenderia.
Se a execução é controlável, a qualquer momento pode ser exercida, nas horas de trabalho, sem ânimo de
conturbar ou perturbar. „O empreiteiro pode alegar e opor-se, mesmo judicialmente, ao abuso do direito de
verificação. Qualquer despesa é por conta do empreitante, porque o interesse é dêle. Todavia, se êle descobre falta
grave, que só seria descoberta com dispêndios, ao empreiteiro cabe reembolsar, porque o teria de fazer se tivesse
de haver resolução ou resilição do contrato.
O empreiteiro tem de facilitar e nunca impedir a verificação pelo empreitante. No momento da verificação, o
empreiteiro ou alguém por êle há de estar presente. Se marcou a hora e não compareceu, não pode alegar que o
exame não se poderia fazer. Ao dever de presença, que cabe ao empreiteiro, corresponde o direito a estar presente.
Quanto ao lugar em que se há de verificar a obra, depende da natureza dessa, ou da convenção, ou dos usos. Por
vêzes, a experimentação é feita pelo próprio empreiteiro, ou por alguém que êle disso encarregue, com ou sem a
colaboração do empreitante, ou de alguém por êsse.
O empreiteiro pode interpelar o empreitante, com a fixação do dia ou do prazo, para a verificação, mas a mora de
credor somente se estabelece se já havia de ser entregue a obra. Se o empreiteiro sofreu danos com a não
comparência, não tem o empreitante de ressarci-los, porque a indenização somente pode resultar da mora de
receber.
Chama-se co-laudo o escrito em que se declara estar perfeita a obra. Não é negócio jurídico, êrro em que incorrem
muitos juristas. Nem convenção liberatória. Trata-se, apenas, de comunicação de conhecimento, em que a
assinatura do empreiteiro, se consta do instrumento, significa ter estado presente, ou, tendo lido, nada ter a opor
(= a comunicar em sentido contrário). Como comunicação de conhecimento, é ato jurídico stricto sensu. Se foi
além, constituindo negócio jurídico de reconhecimento, é outro problema, que só se pode resolver pela
interpretação do que foi dito.
A assinatura do empreiteiro torna irrevogável a comunicação de conhecimento.
Se a comunicação de conhecimento foi feita sem que o empreiteiro a assinasse, pode êle, se a tem consigo, alegar
que a recebeu a tempo, ou na data exata.
O recebimento da obra pelo empreitante depende da tradição; portanto, de ter assumido o empreitante a posse que
estava com o empreiteiro.
7. PRORROGAÇÃO DO PRAZO E TERMO SUPLETIVO. Antes de terminar o prazo do contrato, podem os
figurantes prorrogá-lo. A prorrogação depende de acôrdo. Se no contrato se previu direito do empreiteiro a curto
prazo, como se foi permitido descontarem-se do prazo os dias em que houve greve, chama-se a tal têrmo prazo
supletivo. Se houve caso fortuito ou fôrça maior, que absorveu parte do prazo ou todo o prazo, pode o empreiteiro
obter o prazo supletivo, ou pedir ao juiz que, ouvido o empreitante, determine o têrmo supletivo, ou decrete a
resolução ou resilição do contrato.
§ 4.847. Deveres do empreiteiro
1. DEVER DE PRESTAÇÃO . O dever de prestar, que tem e empreiteiro, consiste em fazer a obra tal como foi
convencionada, conforme a lei e os usos, se não se precisou, explicitamente, como se haveria de fazer. O
empreitante pode exigir que o empreteiro inicie, como prometera, a obra, bem como envide os meios para que se
ultime com as qualidades e quantidades que seriam de esperar-Se.
Os vícios redibitórios, com o exsurgimento da pretensão redibitória, ou a quanti mnwflS, são quaisquer vícios que
revelem falta dos elementos quantitativos e qualitativos, que excluam o valor da obra, ou a sua utilidade para o
uso ordinário, ou para o uso que se apontou no contrato- O que mais importa é a finalidade do uso, concretamente
considerado. Não se trata, portanto, de responsabilidade como a do vendedor do bem específico, porque o que
prometeu não foi o bem, mas a obra. Desde que a obra não é a que fôra de esperar-se, dentro dos principias
jurídicos, dos usos e da convenção, viciada é. Foi por isso que a lei, em vez de deixar-se invocar o que em geral se
estatuiu sobre os vícios do objeto (Código Civil, aris. i.101-1.1Ó6), 1 anulou duas regras jurídicas especiais:
“Concluida a obra de acôrdo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém,
enjeitá-la, se o empreteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em
trabalhos de tal natureza” (Código Civil, art. 1.242) ; “No caso do artigo antecedente, segunda parte, pode o que
encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la tom abatimento no preço” (art. 1.248).
2.RISCOS ATÉ A ENTREGA DA OBRA. Até a entrega da obra, se os materiais são fornecidos pelo empreteiro,
os riscos são dêle, e não do empreitante. Diz o ad. 1.288 do Código Civil: “Quando o empreiteiro fornece os
materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra a contento de quem a encomendou, se
êste não estiver em mora de receber. Estando, correrão os riscos por igual contra as duas partes”. Cp. arts. 865 e
958.
Diz o Código Civil, art. 1.240: “Sendo a empreitada única-mente de lavor (art. 1.239), se a coisa perecer antes de
entrega.
Se foi admitida ou exigida a solução de nova obra, à entrega dessa inicia-se outro prazo para o exercício da ação
de redibição ou de redução do preço. A pretensão à correção de defeitos ou a feitura de nova obra é pretensão ao
adimplemento:
enquanto não se adimple não corre o prazo para a redibição ou a minoração do preço.
A defeituosa feitura da obra, inclusive pela má escolha dos materiais, ou pelos defeitos dêsses, pode ser causa de
outros danos que o do inadimplemento ruim, como se a escada se quebra e alguém cai, com ferimentos, ou se,
com a queda, arrebenta objetos de valor, O empreiteiro está sujeito a pagar a indenização, pela injraçdo positiva
do contrato, mesmo se já foi exercida a pretensão à redibição. Tal pretensão, nas espécies do art. 1.245 do Código
Civil (edifícios e outras construções consideráveis) não tem o prazo preclusivo que se fixou para a ação
redibitória ou para a quanti minoris.
O atraso do empreiteiro em entregar a obra dá ensejo à ação de cobrança por inadimplemento ou a de resolução
ou de resilição do contrato. Pode porém acontecer que com a finalidade da obra não seja incompatível a purga da
mora pelo empreiteiro.
Cumpre ainda frisar-se que vale a cláusula de indenizar por defeitos ou falta de qualidades da obra, além do que
seria a indenização por inadimplemento
5.DEVER DE PAGAR OS MATERIAIS QUE RECEBEU E INUTILIZU POR CULPA. Lê-se no Código Civil,
art. 1.244: “O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por Imperícia os inutilizar”.
Se o estrago dos materiais foi fora da obra (zr antes de qualquer inserção ou embutimento), o empreiteiro paga o
preço ao empreitante, para que Me adquira outros materiais, preço que pode ter subido, e as despesas que a
compra suscitar, inclusive transporte, ou êle mesmo adquire o que substitua o que ficou estragado, ciente o
empreitante. Se o estrago dos materiais foi estrago de materiais já insertos ou embutidos na obra, dá-se o mesmo,
podendo o empreitante verificar se, com isso, não houve dano à obra.
6. RESPONSABILIDADE EM CASOS DE CONSTRUÇÕES DE EDIFÍCIOS . Estatui o Código Civil, art.
1.245: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais
e execução responderá durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão
dos materiais, como do solo, exceto quanto a êste, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra”.
Diz o Código Civil, ad. 1.246: “O arquiteto, ou construtor, que, por empreitada, se incumbir de executar uma obra
segundo plano aceito por quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que o dos
salários, ou o do material, encareça, nem ainda que se altere ou aumente, em relação à planta, a obra ajustada,
salvo se se aumentou, ou alterou. por instruções escritas do outro contratante e exibidas pelo empreiteiro”.
O art. 1.245 do Código Civil não estabeleceu prazo preclusivo para se acionar o empreiteiro (5.~ Câmara Cível
do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 4 de junho de 1940,
A..1., 55, 50 s.). O empreiteiro é‟ responsável, durante cinco dias, contados da entrega, pela solidez e segurança da
obra,assim em razão dos materiais como do solo, exceto, no tocante a êsse, se, não o achando firme, preveniu em
tempo o dono da obra. A prescrição é a ordinária (1.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 25 de novembro de
1948, 1?. E‟., 12‟?, 4332, a Turma da Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 20 de janeiro de
1952, A. J., 102, 281; 3~a Câmara Cível, 29 de setembro de 1944, R. dos 7‟., 168, 822). O prazo de cinco anos é
objeto de regra jurídica dispositiva, de jeito que podem os figurantes aumentá-lo ou diminuí-lo(l~ Turma do
Tribunal Federal de Recursos, 22 de abril de 1948, 1?. 9., 120, 189; 4.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, 20 de fevereiro de 1940, A. J., 58,447 s.). O art. 1.245 do Código Civil é regra jurídica especial ,
em relação às outras regras jurídicas concernentes aos contratos inclusive bilaterais. A responsabilidade, que aí se
define, não se diferença muito da responsabilidade pelos vícios ocultos, mas de modo nenhum se identifica com
essa. A excepcionalidade da regra jurídica impõe que seja restrita a interpretação. Discute- -se se tal
responsabilidade é contratual ou extracontratual, mas já dissemos que se trata de pós-eficácia, o que afasta a
teoria da extracontratualidade da responsabilidade oriunda do art. 1.245. Mesmo no plano do direito público,
podem e devem as autoridades públicas levar em conta a regra jurídica do art. 1.245. O fato de não ser
extracontratual não é argumento suficiente para que se negue o interesse público na responsabilidade.
Quanto aos danos aos vizinhos, deve-se entender que o empreitante, na ação de indenização pode provocar o
litisconsórcio do empreiteiro, ou chamá-lo à autoria (Código de Processo Civil, art. 95). Sem razão, o Supremo
Tribunal Federal, a 27 de maio de 1942 (A. J., 64, 856) ; com razão, a 23 Turma do Supremo Tribunal Federal, a
28 de maio de 1940, 59, 111), que se refere a voto vencido, bem fundamentado, do Desembargador CÂNDIDO
LÓBO, e a 83 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 15 de abril de 1952 (13. da .7., de 20 de
novembro de 1952).
O art. 1.245 do Código Civil Corresponde ao art. 1.792 do Código Civil francês~ “Si l‟édifice construit à prix fait,
périt en tout ou en partie par le vice de Ia construction, Inême par le vice du sol, les architecte et entrepreneur eu
sont responsaNes pendant dix ans‟~. Há, contudo, diferenças entre os dois textos. No Código Civil brasileiro art.
1.245, não se alude a preço e alude-se à espécie da empreitada (verbis “empreiteiro de materiais e execução”), o
que não deixa fora o empreiteiro só de lavor. Não se refere só a edifícios, mas sim a edifícios “e outras
construções consideráveis”, o Código Civil francês, no art. 2.270, insiste em falar do prazo, pondo no capítulo
sobre Prescrição a referência ao tempo, o que a própria doutrina explicou como Prescrição especial se o fato pelo
qual responde o empreteiro correu no prazo igual, preclusivo A prescrição, no direito brasileiro, é a ordinária
conforme dissemos e a jurisprudência insiste em frisá-lo (e. g., 3.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, 29 de novembro de 1948, 11. dos 2‟., 178, 789; 2.~ Câmara Civil, 18 de abril de 1958).
O art. 1.245 do Código Civil é efeito legal, posterior à entrega. Ainda se prende ao contrato de empreitada. A
regra jurídica, que aí se formula, é jus dispositivum e consiste na pós-eficácia da relação jurídica de empreitada.
Não se pode dizer, como fizeram as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 8 de
julho de 1949, que seja extracontratual, O ter havido a empreitada é pressuposto necessário. Na técnica
legislativa, aparece, aqui e ali, o expediente da pós-eficácia, ou da pós-e ficacização (cf. Tomos IV, §§ 374, 1;
387, 1; XI, § 1.244, 10; XV, §§ 1.751, 8; 1.754; XIX, ~§ 2.261, 1; 2.318, 2; XX, § 2.509, 1; XXI, § 2.687, 1; XXII,
§ 2.694, 1).
No art. 1.246 do Código Civil, que é jus dispositivum, afasta-se a cláusula legal rebus sio stantibus. Não se
pré-exclui a inseribilidade da cláusula, explícita ou implicitamente, ou mesmo tàcitamente. O que não se deixa é
interpretar-se que os preços são alteráveis se os serviços ou os materiais encareceram, salvo cláusula contratual ou
pacto adjecto. Aliás, o art. 1.246, 1,a parte, nada tem com os acréscimos, ou alterações, que são assunto da 23
parte do art. 1.246.
O art. 1.246 do Código Civil de modo nenhum distingue a empreitada em que o empreiteiro fornece os materiais
e aquela em que os fornece o empreitante (certa, a 23 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 10 de
fevereiro de 1958, E. dos 77., 211, 448).
Para que os acréscimos e alterações tenham de ser pagos à parte, é preciso que tenha havido instruções ou
autorizações escritas do empreitante. O art. 1.246, 2.2 parte, do Código Civil ~ explícito. Nenhum aumento ou
alteração dá pretensão a cobrança a mais, se não houve escrito do empreitante. O mais que se pode admitir é que
baste o telegrama permissivo ou autorizativo, de que, aliás, o empreitante pode contestar a autenticidade. A
autorização expressa para que apenas não se possa impugnar a alteração, ou o acréscimo, pode ser não-escrita (63
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 12 de abril de 1946, E. F., 107, 288; 23 Câmara Cível
do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 27 de novembro de 1944, E. F., 106, 815). Autorizar, ou aprovar, sem
ser por escrito, não é vincular-se a preço do acréscimo ou da alteração; e a decisão da 43 Câmara Civil do Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 4 de março de 1954, infringiu, abertamente, o art. 1.246 do Código Civil (certos, a 83
Câmara Civil, a 11 de setembro de 1952, E. dos T., 206, 182, e o 8.2 Grupo de Câmaras Civis, a 26 de maio de
1950).
A permíssão pode já estar em clâusula do contra que preveja os acréscimos e as alterações sem ser
necessariamente dentro do preço. No acórdão do 8.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São
Paulo diz-se, com tôda a exatidão: “Não se trata de serviços novos executados no prédio depois de concluídas as
obras contratadas e entregue o prédio ao proprietário Os serviços foram realizados antes de terminada a
empreitada e antes da entrega do prédio. Ora, se não foram serviços novos, mas meras alterações no plano das
obras, ainda que sejam serviços extraordinários não é possível cobrá-los se não há escrita a respeito. ~ o caso,
pois, de aplicação do art. 1.246 do Código Civil. Não há que falar de embargado porque não se trata de outros
serviços, nem há prova de qualquer ajuste posterior” (cf. 1.~ Câmara Civil do Tribuna] de Apelação de São Paulo,
21 de agôsto de 1945, R. dos T., 168, 214; 4.~ Câmara Civil, 25 de fevereiro de 1942, 138, 220).
É prova escrita o pedido de licença municipal para o acréscimo ou para a alteraçã o firmada pelo empreitante
(SA Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de junho de 1949, 1?. dos IÀ, 1181, 772). Não basta a
aposição de assinatura à planta (53 Câmara Civil, 25 de março de 1949, 180, 260), salvo se a planta é do
acréscimo ou da alteração especialmente. Não se exige pacto adjecto, com mirnicias (3~ Câmara Civil do
Tribunal de Apelaçã0 de São Paulo, 2 de abril de 1940, 180, 107) ; o que é necessário é que se haja, por escrito,
autorizado ou aprovado. Com isso, o que a lei estabelece é a regra jurídica dispositivo de serem Inclusos no preço
da obra os acréscimos ou as alterações ~i.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 28 de junho de
1958, 1?. dos T., 216, 418).
Tudo que acima dissemos sobre o empreiteiro também é de uso a propósito do arquite~0 que pretende pagamento de acréscimos e alterações.
O art. 1.245 do Código Civil não só se refere a edifícios, São construções Consideráveis as de estradas, pontes,
navios.
O Código Civil referiu se a construções, e não a imóveis Diferente e Código Civil italiano ad. 1.669, que fala de
“altre cose irnmobili destinate per loro natura a lunga durata”. Se, em vez de se comprar, se empreitou a
construção de navio ou de algum veículo, que não seja de pequena atividade de construção, o art. 1.245 incide. O
que importa é que tenha havido, em se tratando de construção considerável, empreitado, e não compra-e-venda ou
troca.
Mesmo a propósito de bem imóvel, que se construa por empreitada, pode o art. 1.245 não ser invocável, como se
não foi destinado a longa duração (e. g., a menos de cinco anos>, como ocorre em se tratando de barraca, ou de
palanque, ou de ponte provisória, que teve de ser construída por empreitada para qualquer finalidade ocasional. A
provisoriedade da construção afasta a incidência do art. 1.245, tanto mais quanta o uso por cinco anos ou por mais
de cinco anos não foi previsto.
A construção considerável pode consistir em parte do edifício já construído (e. g., outro andar, abertura de
subterrâneo para adega, a arcada da ponte, a reparação do elevador, ou a reinstalação da eletricidade, o muro de
sustentação da pisaria elevada, as colunas que se tiveram como recomendáveis para fortalecer a área de entrada).
Em todo o caso, não há responsabilidade do empreiteiro se o dano resulta de causa estranha à reparação, como se
êle ignorava que outras paredes do prédio estavam rachadas.
Não se distinguem, no art. 1.245, os defeitos aparentes e os defeitos ocultos. Assim, o que foi visto, ouvido ou
experimentado por outro meio, pode ser alegado, mesmo porque a gravidade do vício pode só se revelar muito
depois da entrega, ou, durante algum tempo, afirmar o empreiteiro que não se tornaria de relevância, ou ter
prometido reparação, ou acabar por desaparecer. A responsabilidade que deriva do art. 1.245 do Código Civil é
diferente da que se estabelece nos arts. 1.101- 1.106(vícios redibitórios), pôsto que se assemelhe a essa e
de certa maneira a dilate, temporalmente.
Há o problema dos defeitos manifestos no momento da tradição e são apontados pelo empreitante. A discussão,
em tôrno dêsse ponto, externou-se em negativa e afirmativa de serem a mesma, apenas urna delas dilatada no
tempo, a responsabilidade dos arts. 1.101-1.106 e a do art. 1.245. Tem-se apenas de saber quando se há de ter a
atitude do empreitante recebedor como renunciativa da pretensão fundada no
art. 1.245. Primeiramente, não se poderia ter como aprovada a obra cujo defeito, conhecido no momento da
tradição, se agravasse. Em segundo lugar, se o defeito é aparente, o escrito de aprovação há de mencioná-lo, pelo
menos, para que se tenha como extinta a responsabilidade, o que se pode admitir é a objeção ou exceção, por parte
do empreiteiro, no caso de ter o empreitante deixado de comunicar ao empreiteiro o que descobriu ou se está
agravando, a tempo de proceder o empreiteiro à reparação.
Quando o defeito é só em parte da construção, o que importa verificar-se é se contagia ao todo, ou a outras partes,
ou se restringe à parte defeituosa. A parte pode ser provisória, ou destinada a pouca duração, o que não permite
que se invoque o art. 1.245, pôsto que sejam invocáveis as regras jurídicas dos arts. 1.101-1.106, no prazo
preclusivo. Se o edifício de apartamento, ou de clube, ou de grande residência, é em terreno em que o empreiteiro
se incumbiu, pelo mesmo contrato, de construir a piscina, a sua responsabilidade é quanto à piscina, se bem que
tenha de indenizar, por exemplo, o dano causado à exploração do edifício pelo fato das obras de reparação ou de
reconstrução da piscina.
Os danos, relativos à solidez e à segurança, podem ainda não se haver produzido. Basta o perigo. Se os danos
ainda não se causaram e apenas se podem prever, sejam êles evitáveis ou nao no sejam, a responsabilidade do
empreiteiro existe, porque o prazo do art. 1.245 do Código Civil é para a alegação da causa, do perigo, e não para
a alegação do dano ocorrido. Ésse poder previsível somente para muitos anos depois do quinqúênio. O que o
empreitante tem de alegar e provar é o perigo.
O defeito há de ser concernente à solidez e à segurança. Os outros defeitos do objeto são assunto dos arts.
1.101-1.106 do Código Civil, com o prazo preclusivo do art. 178, § 59, IV, para o exercício da ação redibitória ou
da ação quanti minoris. O conceito de solidez não apresenta dificuldades para a apreciação das espécies. Quanto
à segurança, não se pode entender que só se refira à ausência de possíveis danos provindos de desabamentos, ou
rompimentos de paredes ou tectos ou soalhos, ou arrebentamento de escadas. Há os perigos de incêndio,
de umidade grave, de anti-higiene e de gases. O conceito de segurança não pode ser restringido ao de
indanificabilidade atinente à estabilidade da construção, porque se distingue do que concerne à “solidez” o que se
prende à “segurança”. A solidez liga-se, conceptualmente, ao que se construiu, ao objeto. A segurança alude ao
sujeito, embora a causa haja de estar na construção.
O dano, êsse, pode ser em tôda a obra, ou só em parte material. Se a construção é de edifício de apartamento, ou
de outra construção pro diviso, e o dano se restringe ao apartamento ou parte divisa, legitimado à ação de
responsabilidade
-é o titular do direito sobre o apartamento ou outra parte divisa.
Discute-se se a responsabilidade é ligada: a) à culpa do empreiteiro, que tem de ser alegada ou provada, ou b) à
culpa do empreiteiro, que se há de presumir (o ônus de alegação e prova, que tem o empreitante, é somente quanto
ao dano e à causa na construção), ou c) à culpa iii. re ipsa, ou se d) a responsabilidade é objetiva. A resposta nada
tem com a relação causal entre a construção e os danos ou perigo. Assim, o que era defeito do solo ou dos
materiais só eximio da responsabilidade do empreiteiro se êle o comunicou ao empreitante. Deve-se entender que
o empreiteiro é responsável mesmo se a causa do perigo é fora do terreno (provavel rolamento de pedras do monte
próximo, escapamentos de substâncias nocivas em terrenos vizinhos ou vindos pelo ar), uma vez que êle conhecia
ou devia conhecer. Quanto a materiais e solo, é indiscutível que a lei abstraí da culpa: preestabeleceu dever de
exame. Só se pode admitir exceção se tal exame foi feito por pessoa ou pessoas de indicação do empreitante, caso
em que
vê-se, pois, que não há propriamente exceção o empreiteiro não fica isento de prevenir o empreitante, se discorda
da perícia.
No tocante a materiais e solo, sobre cujos perigos o empreiteiro não informou o empreitante, não há alegabilidade
de não ter havido culpa: se o empreiteiro não aviSou, responsável faz-se.
No tocante a projeto ou projetos e instruções, o fato de provirem do empreitante ou do direito de obra, que êsse
escolheu, não exime o construtor da responsabilidade se não. advertiu o empreitante
Oempreiteiro pode sempre alegar e provar que o defeito é de causa posterior à construção e à entrega. Todavia, a
ale-gação tem-se por improcedente se apenas houve agravação da causa.
A responsabilidade é perante o empreitante, seus herdeiros ou sucessores Se o empreitante, ou seu sucessor entre
vivos ou a causa de morte, ~ demandado, pode chamar à autoria o empreiteiro (cf. Código de Processo Civil, art.
95, a que se há de dar interpretação extensiva).
O terceiro adquirente do domínio tem de propor a ação-contra o alienante, como o terceiro adquirente de
qualquer direito real limitado.
Quanto ao ressarcimento dos danos pelo empreitante, depende êle da natureza e da gravidad0 dos prejuízos
presentes. e futuros. Se os danos são de perda total do que foi objeto da empreitada, o que se tem de pagar é o que
representa a diferença entre o que valeria o bem se os danos não tivessem ocorrido, ou não hajam de ocorrer, e o
que êle vale, diante da situação que se caracterizou. o valor, que se há de considerar, é o valor atual, o valor do
momento em que se há de indenizar, ou, se maior, o valor do momento em que, posterior àquele, se preste o
quanto indenizatório
Se o bem construído, pelo uso nos cinco anos, se desvalorizou, tem-se de diminuir do quanto essa importância.
Se, devido aos defeitos, o empreitante ou seu sucessor teve de mudar-se, pagando alugueres, ou adquirindo outra
casa, ou de fechar a fábrica, ou sofreu perda da freguesia, ou despendeu com as medidas que evitaram
conseqüência os maiores do defeito, tudo isso tem de ser ressarcido ..aliter, quanto ao que o empreiteiro teria
evitado se o empreitante, ciente, lhe tivesse comunicado o que estava acontecendo, ou ia acontecer.
No direito brasileiro, o prazo começa a contar~se da data da entrega, e não da ultimação da construção, salvo se
houve aprovação explícita, sem mora do empreiteiro em entregar,
Questão que merece particular atenção é a do adquirente da construção feita pelo alienante, sem ter havido
empreitada ~ houve compra-e-venda troca, ou outro contrato de aquisição de propriedade ou de constituição de
direito real limilado). Não importa se o defeito se manifestou antes ou depois da aquisição; apenas há de ser
exercida, dentro do prazo do art. 1.245 do Código Civil, a pretensão à indenização. Todavia, há duas espécies que
se têm de pôr em relêvo: a) o .adquirente fêz-se dono (ou titular de direito real limitado) do bem já construído (22 a alienação não foi antes de se ultimar a construção) ; b) o adquirente apenas foi outorgado de direito sobre o
terreno (domínio ou direito real limitado) e o alienante ainda não havia construído, ou ultimado a construsão
(alienação de bem em parte presente e em parte futuro);
-e) o outorgado apenas o é em pré-contrato do bem por ser construído. fl de bom método de interpretação que se
entenda invocável a respeito da espécie 19 e da espécie o) o art. 1.245, porque há compra-e-venda ou pré-contrato
de compra-e-venda, eu outro negócio jurídico de aquisição do terreno, e da construção futura ou apenas
pré-contrato quanto ao terreno e à. construção futura. Não seria de boa técnica legislativa, nem interpretativa,
que se não considerasse subordinar ao ad. 1.245 quem a põe em situação semelhante à do empreiteiro. O
vendedor ou pré-contratante vendedor do bem em que êle mesmo vai construir é como o vendedor ou
promitente-vendedor do -terreno e como o empreiteiro do que promete como integrativo do bem vendido ou
prometido em pré-contrato. O construtor assumiu a dívida de construção, à semelhança do empreiteiro. Seria
injusto que o autorgado somente tivesse a ação do art. 178, § 5~O, IV, do Código Civil e outras ações ex ven dita.
A sua situação não está inclusa na compra-e-venda de bem presente, como ocorre na espécie a), de que falamos.
Éntre a do comprador e a do empreitante.
A execução da empreitada pode ser tal que invada terreno vizinho, ou consista em cortar madeiras que nao são as
do empreitante, ou utilizar pedras preciosas que não sejam as que o empreitante forneceu. Invade-se a esfera
jurídica alheia. O empreiteiro tem de ressarcir os danos. Se o terceiro propõe ação contra o empreitante, pode êsse
chamar o empreiteiro à autoria.
„7. MORA DO EMPREITEIRO. Se foi determinado o prazo, ~ou fixada a data, para a entrega da obra,
entende-se que dentro dêle há de ser verificado o que se fêz para a aprovação ou desaprovação, salvo se a obra é
de tal natureza que a verificação possa ser imediatamente anterior à tradição. A mora do empreiteiro submete-se
às regras jurídicas gerais sobre mora dos devedores.
§ 4.848. Dleveres do empreitante
1.DEVER DE PAGAR A REMUNERAÇÃO. No contrato de empreitada, não há a relação jurídica duradoura. O
tempo, que se conta para a feitura do que se prometeu, é prazo, a favor do empreiteiro, e não tempo para que a
relação jurídica permaneça. Durante o tempo em que o empreiteiro está a executar o que prometeu, há apenas a
dívida que ainda não se venceu. Todavia, pode ter sido convencionado que partes da obra Sejam terminadas em
prazos inclusos no prazo para a entrega.
Se foi convencionado que o empreitante poderia, durante o prazo, resolver ou resilir o contrato, não há
considerar-se o tempo decorrido, porque a resolução ou a resilição pelo empreitante (o que somente ocorre se
houve entregas parciais) não exclui a dívida do preço. Não há a resolução ou resilição pelo empreiteiro, porque
teria deixado de adimplir.
Por vêzes, o empreiteiro, apesar de lhe tocarem os gastos da obra, apresenta ao empreitante exposição dos gastos
(orçamento de empreitada), com o que calcula e justifica o preço-pedido. Tem-se de considerar tal projeto como
pressuposto da soma total, como promessas de inversão, tanto mais quanto tais despesas dão a medida do valor e
da garantia da obra. Na feitura da obra, o empreiteiro pode gastar mais, ou gastar menos, ou aquilo que êle
mencionou. Se gastou mais, o risco-era seu. Se gastou menos, o empreitante somente pode reclamar se com tal
minus ficou diminuído o valor, o interesse ou a segurança da obra.
Se há dúvida entre ser devida a soma total previamente apresentada, ou a soma total do que efetivamente se
gastou, tem-se de entender que se prometeu a soma total prêviamente apresentada. Outra solução somente seria
possível se ficou explícito que o preço seria o que resultasse dos gastos feitos. Aqui, o preço foi preço aproximado
ou determinável.
Se o empreiteiro separou o preço da obra menos os gastos, que seriam por conta do empreitante, há algo de
parecido com a empreitada em que o empreitante concorre com os materaís . Há diferença, porque fica ao
empreiteiro a aquisição, talvez em seu nome e sem provisão, e pois a responsabilidade na escolha.
Se, durante a feitura da obra, o empreitante, com direito de denúncia, pode entender que melhor é desconstituir-se
o contrato, por haver grande diferença nos preços. Sempre que se contrata a empreitada com os gastos por conta
do empreitante, há de ter-se o contrato como denunciável por exagerado aumento dos preços (denúncia cheia).
Então, o empreiteiro somente pode exigir o preço menos o que seria gasto posterior ao que foi gasto.
O arbitramento há de observar o art. 1.280 do Código Civil (1.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, 19 de maio de 1958).
2. RECEBIMENTO DA OBRA. Para a recepção da obra que não se fêz em bem que já estava na posse do
empreitante, é preciso que se dê a tradição. Se a obra já se achava sob a posse do empreitante, como se a obra
consistiu na pintura da casa, ou no consêrto das máquinas, pela natureza da obra, ou a) não há entrega da posse ao
empreiteiro, como se o empreitante não deixou a casa que se havia de pintar, ou b) o empreitante entregou as
chaves ao empreiteiro, de tôda a casa ou de parte da casa, tendo transmitido, assim, a posse imprópria imediata.
Algumas obras não permitem que se pense em qualquer tradição, como se foi contratada representação teatral no
teatro-do empreitante e os atôres apenas ficam nos espaços indispensáveis para os preparativos e no palco. Se a
obra consiste em transporte de pessoa, o transportador é quem transmite ao transportado a posse imprópria
imediata do veículo.
Se as obras são feitas durante o dia e o empreitante entrega as chaves ao empreiteiro, êsse é possuidor impróprio
imediato durante o tempo de cada dia, que vai da entrega das chaves à restituição dessas.
Se o empreitante visita o imóvel, em que se fizeram as obras, ou que foi a obra, e o empreiteiro lhe entrega as
chaves, há a tradição, porque o empreitante o recebeu. Não basta dizer que acha conforme o contrato o que se lhe
mostra. Terminação da obra e recepção são fatos que se não confundem. A entrega das chaves ainda para exame
não é tradição, porque foi entrega condicional: ficar com elas o empreitante, se está satisfeito com o que viu, ou
viu e ouviu, ou fêz outra verificação; ou devolver
as chaves, para que se corrija algum defeito, defeitos, ou se termine a obra. Aliás, mesmo móveis pode dar-se a
entrega condicional inspeção, exame ou experimentação). Na -certa tentativa de fundir pontos de vista e a
aprovação (e. g., EDwIN RTEZLER, Der dem POR., 13; Rui>. SCHMIDT, »lirgerliches 122), mas o que
devemos entender é que a ou se corrijam os a respeito de bens (= entrega para doutrina, nota-se sobre a recepção
Werkvertrag riach Recht, II, 2.8 ed., recepção só para aprovação ou desaprovação não é transferência da posse
própria, nem, se é o caso, da posse imprópria imediata.
A declaração de achar tudo em ordem ou como esperava não é recebimento, nem declaração de que não mais
pode objetar, pois nem sempre significa que recebe ou quer receber sem mais poder descobrir falhas na obra.
Nem a recepção significa aprovação definitiva, nem a aprovação, ainda se definitiva, é recepção. Mesmo se a obra
é de bem incorpóreo, não se pode dispensar a recepção (sem razão, EDWIN RIEZLER, Der Werkvertrag nach
dem ROR., 187; JOSEI‟ Essn, Lehrbzwh des Sckuldreohts, 800). Quem entrega uma peça de teatro, que foi
encomendada, não pode pretender que a recepção seja aprovação. Quem entregou o vestido não há de considerar
que a recepção foi aprovação. Nos transportes, o recibo de recepção sem a declaração de perfeito estado não
basta, houve tradição, não houve aprovação.
Quanto aos riscos, a recepção, sem ter havido a aprovação, expõe a êles o empreitante (Pa. HECK, Grundriss des
Sehutdreebte, 848). Os usos podem preestabelecer que a recepção implique aprovação, mas êsses usos são
firmados na natureza do bem, como se a casa comercial não admite troca do que foi entregue ou o objeto é para
experiência imediata.
Os riscos transmitem-se aos empreitantes sempre que há mora acoipiendi. Outrossim, se o empreitante deu
enderêço, que não é o seu, para ser enviado o bem e houve exame pelo expedidor, ou pelo transportador. Em todo
o caso, se o bem foi para presente e o empreitante vem a saber que se remeteu objeto com defeito, ou outro objeto,
tem o empreitante ação para indenizar por inadimplemento ruim, ou, se quem recebeu o presente anui, a ação de
redibição ou a quantí minoris.
Se a obra, em caso de mora de receber, sofreu danos, de jeito que o empreiteiro teve de consertar, limpar, repintar,
ou substituir peça, assiste a êsse a pretensão à indenização, por se tratar de serviços ou de gastos, ou de serviços e
gastos não incluidos na retribuição.
Se nada se diz no contrato, ou não há uso, o empreitante somente pode exigir a tradição depois de examinada a
obra. Se já a aprovou, pode exercer a pretensão. Em todo o caso, as obras que se entregam por anúncios ou apenas
mediante recibo, podem ser reclamadas logo após o prazo, ou o aviso de estarem prontas.
Se o empreitante deixa de pagar alguma prestação, pode e empreiteiro suspender a feitura da obra até que sej a
paga. Mas deve, para ter tal atitude, interpelar o empreitante, se não lhe convém, desde logo, entrar com a ação de
preceito cominatório, ou a ação de resilisão do contrato. De qualquer modo, desde o dia do vencimento da
prestação deve o empreitante os juros legais, se outros não foram previstos.
Qualquer dos figurantes pode, se há os pressupostos, opor a exceção non adimpleti contractus ou a non rite
adimpleti contraotu.s.
Se o contrato não disse quando seria o pagamento, entende-se que há de ser à entrega da obra, e não no momento
da terminação da obra ou da verificação.
Se o empreitante, ao ter de receber a obra, faz reservas, tem de imediatamente pedir que se lhe verifiquem os
defeitos. Não se pode dizer que pode receber com reservas, porque receber com reserva seria arriscado. Talvez o
empreiteiro lha tenha enviado, e não esteja a obra como Me prometera. Mas, ai, a recepção foi sem aprovação, e a
posse, que o empreitante teve de assumir, não é posse própria. O empreitante está na situação jurídica de poder
opor a exceção „non rite adimpleti contractus.
-Tudo que se paga presume-se verificado, diz o art. 1.241, parágrafo único, do Código Civil. O empreitante ou
recebe a obra, ou a recusa: então, ou a rejeita, ou pois considera inadimplente o empreiteiro, ou diz que só a recebe
se houver alteração do preço (confuso, o acórdão das -Câmaras ReUnidas do Rio Grande do Sul, a 14 de junho de
1946, -1., 28, 398). Se houve a recepção, sem reserva, e falta algum serviço, é de entender-se que o empreitante
permitiu que o fizesse depois, podendo depositar o preço, para que se levante, finda a obra, ou pagar e esperar. Se
o empreiteiro não termina a obra, responde por inadimplemento do que restava fazer (cp. 6~a Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de março de 1950, R. dos T., 186, 686; 23 Câmara Civil, 4 de março de 1947,
166, 741). SERGIO
A verificação da obra pode ser total ou parcial. Em princípio, só a verificação total é definitiva, porque elementos
existentes nas partes verificadas podem ser dependentes de complementos futuros, ou das outras partes. Quando a
verificação é parcial não se pode considerar aprovada a obra, nem mesmo, em determinadas circunstâncias, o que
só em parte se fêz. Todavia, se houve a convenção de execução por partes, tem-se por feita a verificação se
recebida a parte concluída, sem que se afaste a hipótese de se manifestar depois, a dependência com outras partes,
ou a parte final.
O pagamento da parte faz presumirse que foi aprovada; salvo se o recibo afasta explícita ou implicitamente a
presunção. Aliás, o pagamento pode ser rateal sem ser pagamento de parte da obra.
3. EMPREITANTE E OMISSÃO DE COOPERAÇÃo. Por vêzes para a execução da obra, é de mister a
cooperação, inclusive a escolha ou seleção, por parte do empreitante. Os casos em que tem êle de fornecer
material são os mais frequentes, porém não os únicos. Outros há como o dar o lugar prometido para guarda de
aparelhos, máquinas ou materiais, ou para alojamento de trabalhadores, e o entregar os desenhos definitivos para
algumas partes. Se falta, há mora do credor, pois há infração de dever. O empresário tem direito ao ressarcimento
do excesso de gastos feitos, ou que, em virtude da omissão, têm de ser feitos, bem como indenização do tempo
que não foi aproveitado para trabalho, mesmo se não houve culpa do empreitante.
Se o contrato impõe ou não ao empreitante a cooperação, é questão de fato.
O empresário pode interpelar o empreitante quanto à cooperação, para que a inicie, ou pedir ao juiz que marque
prazo razoável para a cooperação. A ação de preceito cominatório, fundada no art. 302, XII, do Código de
Processo Civil, pode ser exercida. A cominação pode ser de resolução ou de resilição do contrato. No caso de
resolução ou de resilição, tem o empreitante de indenizar.
O dever de cooperação, por parte do empreitante, é evidente, porque a lei só lhe permite a denúncia vazia
mediante indenização, conforme o art. 1.247 do Código Civil. Não têm razão os que, diante da denunciabilidade
vazia com indenização, negam a existência do dever (e. g., MÃRIo VITA LEvI, Deila Locazione di opera e piú
specialmente degli appalti, 818; ainda recentemente, KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, II, 188). Com
razão, Luíci ABaLO (Traitato detia Locazivne, 23 ed., 488) e ADOLFO CUNEO (Appalti publici e privati, 4.~
sã., 174).
O dever de cooperação é dever durante toda a execução da obra em que a cooperação seja fisica e juridicamente
necessária. Começa pela entrega de documentos, planos, recibos de impostos e quaisquer dados que sejam
indispensáveis ou úteis para o inicio da obra e sua continuação até final (cf. Bm~LEsI, Appalti e Appaltatori, 59
s.). Se houve prazo, ou data, para a entrega, há de ser observado. Se isso não foi preestabelecido, entende-se que
há de ser feita a tempo de se iniciar a obra. Se o empreitante retarda a entrega, responde pelos danos causados ao
empreiteiro. Se a demora é de graves conseqüências , ou de difícil correção, pode o empreiteiro exercer a ação de
preceito cominatório, com fundamento no art. 302, XII, do Código de Processo Civil, com a cominação de
resolução do contrato, ou de indenizar, ou de ambas.
4.DEVER DE PREVISÃO E DE PROTEÇÃO. Quem conclui contrato de empreitada confia na diligência, na
perícia e na pontualidade do empresário. Ésse elemento pessoal é quase o mesmo que se encontra no contrato de
locação de serviços.
O empreiteiro não se faz dependente, como o empregado, o locador de serviços. É figurante de contrato que fica
entre o contrato de locação de serviços e o de compra..e..venda, sem que com qualquer déles se confunda. Se o
empreiteiro tem de fazer a obra em espaço cujo uso pertence ao empreitante, ou com os seus aparelhos, os seus
utensílios ou as suas máquinas, é questão de fato a de se saber se o empreitante transmite a posse imediata ao
empreiteiro, ou se não a transmite. Não se faz dependente o empreiteiro. Pode dar-se, porém, que a obra seja parte
de outra obra, ou que seja necessária a cooperação do empreitante, sem ser por laço subordinativo do trabalho.
Então, mesmo que o empreitante dirija os trabalhos, tal correção é técnica, transitória, e não se estabelece aquela
dependência típica dos empregados aos empregadores o que exsurge, para o empreitante como cooperador, é o
dever de previsão e de proteção. Se o empreitante infringe êsse dever, obriga-se conforme os arts. 1.247 e 1.229,
III, IV e V, do Código Civil. Diz o art. 1.247: “O dono da obra que, fora dos casos estabelecidos nos números III,
IV e V do art. 1.229, rescindir o contrato, apesar de começada sua execução, indenizará o empreiteiro das
despesas e do trabalho feito, assim como dos lucros que êste poderia ter, se concluísse a obra”. (Não se trata de
rescisão, expressão que afeia as leis brasileiras, desde algum tempo, mas de denúncia vazia, com indenização ou
de denúncia cheia ou de resilição nos casos do art. 1.229, III, ou IV e V.)
5.PRESCRIÇÃO DA AÇÃO Dos EMPREITEROS A ação dos empreiteiros por serviços ou serviços e materiais
rege-se pelo arts. 177 e 179 do Código Civil, e não pelo art. 178, § 79, IV.
Sobre o art. 1.245 do Código Civil, veja Tomo VI, § 701, 2.
CAPÍTULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA
§ 4.849. Causas de extinção
1.CAUSAS ORDINÁRIAS DE EXTINÇÃO. O contrato de empreitada extingue-se pela expiração do prazo, se
isso foi convencionado, pois o atraso na entrega pode apenas ser inadímplemento ou adimplemento ruim pelo
empreiteiro. Também extingue o contrato a resolução, a resilição, a denúncia, a rescisão, a decretacão de nulidade
ou de anulação.
O contrato de empreitada não é contrato de execução duradoura. O que se promete é a obra, mesmo se se
prometeram partes da obra, sucessivamente. Dai a possível resolução ex tune, a despeito da entrega de partes. A
resilição (resolução ex nune) é rara (mas possível), porque é indivisível a prestação do empreiteiro.
2.IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA OBRA. Uma das causas de extinção do contrato de empreitada é a
superveniente impossibilidade de se levar a cabo a obra, sem ser imputável a qualquer dos figurantes a causa da
impossibilitação. Houve fortuidade, de jeito que o empreitante apenas deve o que foi feito.
Se a impossibilidade superveniente é total, o contrato extingue-se automaticamente . Nem o empreiteiro tem
dever de prestar, nem o empreitante o de contraprestar. Nenhum efeito tem o que deixou de ser. O empreiteiro
perde o que pôs na obra, mesmo se a obra já estava pronta e ia ser entregue. Em todo o caso, se há o que o
empreiteiro pode salvar (e. g., as pedras que êle pôs no comêço da obra e permanecem no rio a despeito da
destruição do terreno) nada obsta a que éle o retire.
Se a impossibilidade ~ Parcial e alguma parte da obra já foi feita, de modo que só fazer-se o resto está
impossibilitado, tem o empreitante de recebê-la tal como está, se lhe é útil,
-e pagar a parte do preço que a ela corresponda Cp. Código Civil, art. 866. Dá-se o mesmo se a obra sofreu,
fortuitamente, deterioração irrestautâvel e êle a queira tal como está (~ se lhe é útil). O empreitante não é adstrito
a pagar o que não lhe éútil, entendendo se por útil a parte da obra que, embora parcialmente, serve à finalidade da
obra que havia de ser prestada. Se a utilidade era pessoal, útil, em relação à pessoa do empreitante, ou da pessoa a
que dle a destinava, há de ser entregue a parte da obra, para que seja devida a parte do preço. Os materiais para a
obra, não incorporados, êsses, se fornecidos pelo empreiteiro, são seus e retiráveis. Nem o empreitante pode
pretender a retirada, pagando; sem o empreiteiro pode fazer-lhe a tradição para que seja pago o preço. Quanto às
despesas, não há qualquer reembôlso em separado.
Todos os documentos e projetos que o empreitante entregara têm de ser restituidos. Se o projeto ou algum dos
documentos foi prestado pelo empreiteiro, dêle é, e com êle fica, salvo se já se computara no preço o projeto ou a
despesa a que se refere o documento ou o que êle custou.
3.RETARDAMENTO O caso fortuito pode apenas retardar a obra se a impossibilidade é temporária Tal
impossibilitação, restrita no tempo, não é causa de extinção do contrato de empreitada se a finalidade do contrato
não fica atingida. Três exemplos: a) o edifício é para instalação da sede social da empresa empreitante, o que tanto
poderia ocorrer no ano em que deveria terminar a obra, ou no seguinte, mas a licença demorou meses
(impossibiííáade temporária inextintiva). b) a aeronave foi empreitada para as horas tais, a fim de se chegar a
tempo para a inauguração de estátua, ou de repartição, noutra cidade (impossibilidaáe temporária extintiva)
e) o caminhão empreitado para levar mercadorias da cidade do Rio de Janeiro a Curitiba, devido a defeito da
estrada, ou algo de fortuito no motor, ou nas rodas, teve de parar no caminho, perdendo um dia (impossibilidade
temporária inextintiva). As espécies a) e e), a despeito de serem ambas inextintivas, distinguem-se em que, em a),
a impossibilitação foi antes de se começar a obra, ao passo que, em lO, a obra já estava iniciada; porém, numa e
noutra espécie, o empreiteiro não é responsável pela indenização, mesmo se o retardamento não pode ser
corrigido por maior velocidade no resto do caminho. Ex kypothesi, não houve qualquer culpa, nem do empreitante
nem do empreiteiro. Não se pode pensar em resultados indenizatórios por mora do empreiteiro, porque rege o art.
1.058 do Código -Civil. Se, para compensar o retardamento, o empreiteiro tem de fazer despesas a mais, ao
empreitante fica a escolha entre suportar a demora ocasional, ou prestar o que exija o empreiteiro, dentr« dos
limites das despesas que tem de fazer.
Se o retardamento é por culpa mesmo in eligendo do empreiteiro, responde êle pelos danos causados ao
empreitante. Se o retardamento é por culpa do empreitante, responde êsse.
Quanto à espécie b), que é a da impossibilidade temporária extintiva, o empreitante não mais tem interesse na
obra. Só é devedor do preço correspondente à execução parcial se lhe foi útil (e. g., tomou outro avião, ou carro no
caminho, e chegou a tempo, ou podia chegar a tempo). Houve têrmo, improrrogável, de modo que ocorre a
resolução ou a resilição do contrato, automàticamente, por causa não imputável ao empreiteiro (cf. Código Civil,
art. 865, 1.a alínea).
O fato de haver termo não faz resolúvel ou resilível, em todos os casos, o contrato se há retardamento, porque nem
sempre o têrmo, no contrato de empreitada, significa não mais ser útil ao empreitante a obra que êle queria. A
questão é de interpretação do contrato e das circunstâncias, norque a responsabilidade pelo fortuito só se dá se
houve assunção o contratual (cf. Código Civil, art. 1.058).
4.PERECIMENTO FORTUITO E DETERIORAÇÃO DA OBRA. A obra pode perecer, ou deteriorar-se, por
culpa do empreiteiro e não tem êle qualquer direito à contraprestação, respondendo, como inadimplente, pelas
perdas e danos (cf. Código Civil, art. 865, 2,a alínea). Se pereceu, ou se deteriorou, no todo ou em parte, por caso
fortuito, sem que se configure a espécie de impossibilidade superveniente, tem o empreiteiro
de reconstruir a obra, ou a parte da obra que pereceu, ou ressarcir os danos, sem qualquer direito a que se lhe
pague qualquer despesa.
Se a obra já estava terminada, a fim de ser entregue, quando ocorreu o caso fortuito, ao empreiteiro cabem os
riscos. e nenhum direito tem êle a indenização. Aliter, se em mora o empreitante (Código Civil, art. 958), caso em
que o empreitanto acarreta com os riscos (Código Civil, ad. 958).
Se o perecimento fortuito ou a deterioração fortuita sômen. te ocorreu quando em parte estava feita a obra; tem o
empreiteiro de restituir o que recebeu, salvo se pode, dentro do prazo, reconstruir e continuar a obra. Casum sentil
debitor.. Quanto aos materiais fornecidos pelo empreiteiro, sofre êIe todos os perecimentos e deteriorações (Res
perit domino>. Se fornecidos pelo empreitante, procura.se distinguir o que já foi incorporado -à obra e o que não
foi; e não é sem alcance a distinção. Uma vez que não houve confusão, comistão ou-adjunção a materiais do
empreiteiro, sofre o risco o empreitante; se houve, sofre-o o empreiteiro Res perit domino. Se o material já foi
incorporado à obra, para a continuação da. obra tem de ser fornecido de nôvo o que o empreiteiro fornecera e se
perdera.
Se o solo é impróprio para a construção, ou se, devido. a isso, as despesas seriam muito acima do que se previa, há
culpa in contraendo do empreitante
Se houve incêndio que, segundo o empreiteiro, destruíra o que o empreitante fornecera, tem aquêle de provar que
os-materiais destruidos foram os enviados pelo empreitante (4.ft Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, 10 de-outubro de 1949, que, lamentâvelmente, a despeito de ser justa a decisão, invoca a opinião
erradíssima de CLÔVIs BEVILÃQTJA, quando disse que “o empreiteiro é simples locador de serviços quando
trabalha com os materiais fornecidos pelo dono-da obra”).
5.CONTROLE , RESOLUÇÃO E RESILIÇÃo . Se durante a execução está verificada a falta do empreiteiro,
pode o empreitante propor a ação de resolução ou de resilição por infração do contrato. Ou a ação é a ação de
resolução ou de resilição do contrato, ou é a ação de preceito cominatório (Código de procesSO Civil, art. 802,
XII), na qual a cominação é a de ser resolvido ou resilido o contrato se o empreiteiro não corrige
o que fêz, ou não o reconstrói. Se há eventual retardamento, a petição pode prever as consequências específicas
que antes apontamos.
A resilição por inadimplemento pode ser pedida mesmo
antes de se terminar a obra? Para DOMENICO RUmNO (Dell‟Appalto, 168), se os defeitos ou deformidades são
tais que tornem a obra imprópria à sua destinação, sem poderem ser eliminadas, seria absurdo que se aguardasse
a terminação da obra para se reputar resolúvel o contrato. O caso não é de resilição, mas de denúncia cheia
(Código Civil, arts. 1.247 e 1.229, V). O empreitante tem de avisar (comunicação de enunciado de fato), quanto
aos defeitos da obra, que êle encontrou. Se há os pressupostos de imprestabilidade da obra que se concluísse, pode
exercer a pretensão à denúncia cheia. Os defeitos ou são dos materiais fornecidos pelo empreiteiro, ou são da
mão-de-obra.
6.EXIBIÇÕES ARTÍSTICAS. Os contratos de obra de representação teatral, ou de concertos, quase sempre são
para exibição dentro de prazo determinado. A prorrogação, mesmo se há mudança temporal que não é em
continuação, pode ocorrer (C. CONSTANT, Code des Théatres, 2~a ed., 124; VIVIEN e BLANC, Traité de I«
Législation du Théatre, n. 214; OnO OPET, Der fljjhnenengagementsvertrag, Ãrchiv $r die civiListische Praxis,
86, 206). Todavia, não se pode ter o nôvo acôrdo como de prorrogação, pelo simples fato de não ter havido
adimplemento (sem razão, A. GUICHARD, De la Législation du th$xttre à Roma et en France, n. 182). Nem há
prorrogação‟ se o prazo anterior se esgotara antes do acôrdo.
Tratando-se de representação teatral, ou de concêrto, o contrato pode ser denunciado por um dos contraentes, ou
distratado pelos dois.
1.CÓDIGO CIVIL ART. 1.247. No ad. 1.247 do Código Civil permite-se ao empreiteiro a denúncia cheia do
contrato de empreitada: a) se o empreiteiro se enferma ou por outra causa se torna inapto para prestar o que
prometeu (ad. 1.22
b) se ocorre vício ou mau procedimento do empreiteiro (art. 1.229, 1V); c) se há qualquer falta do empreiteiro na
execução da obra, conforme o contrato (ari. 1.229, V). E o que estatui o art. 1.247 do Código Civil: “O dono da
obra que, fora dos casos estabelecidos nos ns. III, IV e V do art. 1.229, rescindir o contrato, apesar de começada
sua execução, indenizará o empreiteiro das despesas e do trabalho feito, como dos lucros que êste poderia ter, se
concluísse a obra”. A relevância do art. 1.247 do Código Civil está em que permite a denúncia vazia e, para
defini-la, ressalva os casos de denúncia cheia. Todavia, não se pode interpretar o art. 1.247 como se as causas para
a denúncia cheia, que ele aponta, fôssem as únicas.
A denúncia cheia por parte do empreitante não gera dever de indenizar além do que foi prestado, para que não
haja enriquecimento injustificado. Não se ressarce o que o empreiteiro poderia lucrar se pudesse concluir a obra
(cp. art. 1.247, in fine).
A ~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 22 de julho de 1946 (E. F., 112, 149), decidiu
que o ad. 1.247 do Código Civil não incide se não se começou a obra. Sem razão, porque isso só se poderia
admitir quanto à especie do ad. 1.229, V, quando, aliás, a infração contratual pode ser no próprio pedido de
licenciamento, ou outro ato, anterior ao início das obras.
(Advirta-se que, se a causa da denúncia cheia já se pode considerar, in casu, como inadimplemento ou
adimplemento ruim, há resibitidade, e não só denunciabílidade É o que mais ocorre na espécie do art. 1.229, V,
do Código Civil.)
2.ALTERAÇões NECESSÁRIAS DO QUE SE QUERIA. Se há alterações necessárias do projeto e não foram
previstas no contrato de empreitada, não se pode negar ao empreiteiro, se o importe supera o preço e o pedido de
determinação do preço com as alterações foi feito apenas pelo empreitanto, ou se o empreitante se recusa a
acordar em preço, a legitimação a denúncia cheia do contrato de empreitada. Se os figurantes já pediram a
determinação judicial, ou se foi o próprio empreiteiro quem o pediu, não pode êsse denunciar o contrato por
inconveniência do preço.
Se as alterações necessáriaS, imprevistas e imprevisíveis pelo empreitante, importam aumento do preço,
inconveniente para o empreitante , também éle pode denunciar o contrato, indenizando o outro figurante dos
danos sofridos com a denúncia cheia.
§ 4.851. Denúncia vazia pelo empreitante
1.CÓDIGO CIVIL, ART. 1.241. Conforme dissemos.
O art. 1.247 do Código Civil permite a denúncia vazia e apenas, para lhe determinar a extensão , remete ao art.
1.229, 111,IVe V. Além dos casos do ad. 1.229, 111, IV e V, há outros,a que nos referimos.
-A denúncia vazia pelo empreitante não é assimilável à revogaçãO , e em grave êrro incorreram os que falaram de
revogação (e. g., SÁLVATORE ROMANO, La Revoca degli Atti giuridici privati, 170 s.; LUIGI DEVOTO,
~„ObbIigaziofle a esecuzione continuata, 192; ANTONIO CIANÃONE, L‟Ap‟paltO di opere pubbliche, 99 s.).
A confusão tem resultado, quase sempre, de reputarem a empreitada contrato de execução duradoura.
Oque se colima com a denúncia vazia é dar-se ensejo ao empreitante de impedir a continuação da obra,
abstraindo-Se das razões, de ordem econômica, ou não, para tal atitude. No fundo, a ratio legis foi fazer licita (e
não ilícita, por inadimplemento) a constituição.
A denúncia vazia pode ser a qualquer momento posterior à conclusão do contrato, antes da ultimação. Melhor:
antes de ser sem relevância o que falta para se ultimar a obra.
A desconfiança quanto ao empreiteiro pode ser o motivo (dado do mundo fáctico) para a denúncia vazia (e. g.,
ALBERTO MARGUTERI, Ii Diritto commereiale nei coordinamento dei II»-riMa privato, 234). Qual o motivo
não importa, porque se trata de denúncia vazia. Quase sempre é a mudança da situação econômica do empreitante
, ou a sua morte.
2.INDENIZAÇÃO EM CASO DE DENÚNCIA VAZIA. £~ não havia causa que pudesse encher a denúncia, a
denúncia é vazia,-e o empreitante, que denunciou, tem de indenizar o empreiteiro 4‟das despesas e do trabalho
feito, assim como dos lucros que êste poderia ter, se concluísse a obra”. Entre as conseqtiênciaa da denúncia
cheia, nas espécies do art. 1.229, III, IV e V, do Código Civil, e as da denúncia vazia há as da denúncia cheia em
caso de alterações necessárias.
Em primeiro lugar, o empreitante há de reembolsar o que o empreiteiro gastou em material e trabalho até o
momento da prestação, se a obra continuou até a eficácia da denúncia vazia, ou até êsse momento, se a eficácia
foi imediata. Não se tem de apurar se o que foi feito havia de ter sido feito, ou se era útil ou técnico, ou se o projeto
estava, ou não, sendo observado. Qualquer defeito ou falha que possa ter existido, ou que exista, seria causa de
outra atitude, e não da atitude de denúncia vazia. O que foi feito é pago pelo empreitante e passa a pertencer-lhe.
Se, sabendo da próxima denúncia vazia, ou sem que dela soubesse, o empreiteiro retira algo, ou destrói, isso não
entra na parte feita que se tem de pagar. Se o empreiteiro, com o que entendeu fazer, causa danos à obra, tem-se de
considerar nos cálculos a diminuição do valor. Se há algo de provisional que se pôs para a execução da obra, isso
entra no que se há de pagar.
Se a obra é bem móvel, podem os figurantes acordar em que fique com o empreiteiro o que já se fizera, com ou
sem indenização.
O empreitante também tem de indenizar de qualquer prejuízo se advém da denúncia vazia, no tocante a material e
a serviços ainda não incorporados na obra, inclusive quanto a transportes de material que não foi utilizado. O
empreitante pode preferir adquirir todos os materia?s e as obras que ainda não tinham sido integradas, se o
empreiteiro alega dano ou ou prejuízo em não as utilizar. Então, resolve-se a espécie pela indenização do que
passa ao empreitante, tal como aconteceria se tivesse havido a incorporação.
Finalmente, há de o empreitante prestar ao empreiteiro aquilo que seria o lucro que teria se concluísse a obra, o
lucro não ocorrido. Cumpre, porém, advertir-se que não se trata de lucro com que o empreiteiro podia contar no
momento da conclusão do contrato, mas sim do lucro que êle teria se houvesse ido até a conclusão da obra. Não
cabe qualquer referência ao que o empreiteiro deixa de ganhar por não ter aceito-a oferta de outra obra, nem o que
lhe tocaria de repercussão-social da obra terminada.