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CENTRO UNIVERSITÁRIO PLÍNIO LEITE
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CIÊNCIAS DA
SAÚDE E DO AMBIENTE
FERNANDO LYRA REIS
TRANSTORNOS ALIMENTARES: a comunidade virtual
como veículo para a divulgação científica
Niterói
2010
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CENTRO UNIVERSITÁRIO PLÍNIO LEITE
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CIÊNCIAS DA
SAÚDE E DO AMBIENTE
FERNANDO LYRA REIS
TRANSTORNOS ALIMENTARES: a comunidade virtual
como veículo para a divulgação científica
ORIENTADORA: PROF.ª DRA. ROSE MARY LATINI
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do
Ambiente, da Coordenadoria de Pós-Graduação e
Extensão do Centro Universitário Plínio Leite, como
parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre
em Ciências da Saúde e do Ambiente.
Niterói
2010
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TRANSTORNOS ALIMENTARES: a comunidade virtual como veículo para a
divulgação científica
FERNANDO LYRA REIS
Dissertação defendida e aprovada em , pela
Banca Examinadora constituída dos professores:
Profa. Dra. Rose Mary Latini (orientadora)
UNIPLI
Prof. Dr.
Prof. Dr.
III
4
Dedico este trabalho monográfico a minha esposa
Berta pela paciência e estímulos que me
impulsionaram a buscar vida nova a
cada dia, e por ter aceito se privar de
minha companhia pelos estudos, concedendo a
mim a oportunidade de me realizar ainda mais e
de lograr êxito nessa elaboração.
IV
5
AGRADECIMENTOS
Em especial, à Profa. ANA BRANCO pela dedicação à verdade, e à pesquisa
Biochip (informação da vida), que foi fundamental para a transformação do meu olhar
sobre a história, sobre as pessoas e a vida.
A minha Orientadora Dra. Profa. ROSE MARY LATINI pela paciência e
dedicação com o processo árduo de criação de uma Dissertação de Mestrado, e pelos
estímulos para que o trabalho fosse sempre aprimorado, a orientação metodológica
incansável, e a imensa paciência.
E, também, aos Professores Doutores do CENTRO UNIVERSITÁRIO PLÍNIO
LEITE, pelos conhecimentos transmitidos no curso de Mestrado em Ensino de Ciências
da Saúde e Ambiente. Especialmente, à Profa. LUZA RODRIGUES DE OLIVEIRA,
pela dedicação à formação crítica de seus alunos, à Profa. MAYLTA BRANDÃO, pela
poesia no lidar com as questões sociais, à Profa. CARMEN SILVEIRA, pelos sempre
bem vindos conselhos, e ao Prof. ANTONIO CARLOS DE MIRANDA, pelos discursos
inovadores e sua paixão pelo lecionar.
Aos colegas de classe pela espontaneidade e paciência com meus questionamentos
radicais.
E, finalmente, a DEUS pelo sopro de vida que me move a buscar cada vez mais o
que faz sentido, a saúde e a fraternidade.
V
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“Os remédios não são mais do que venenos e
todos os efeitos que deles resultam são aqueles do
envenenamento... O erro fatal de todas as escolas
médicas, químicas ou naturais, consiste em querer
substituir o poder da autocura do organismo por seus
métodos violentos. Curar é um processo biológico
que não é conseguido com remédios, mas com
processos de vida”.
Herbert Shelton (1895-1985)
“Vai aprender tuas lições na natureza”.
(César Lattes)
VI
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RESUMO
Apesar do tema transtornos alimentares ser amplamente estudados nos últimos 30 anos,
não se conseguiu avançar na percepção da etiologia, tendo como conseqüência
tratamentos insatisfatórios. Os estudos foram ineficientes em impedir que a incidência
dos transtornos alimentares dobrasse nas duas últimas décadas, e se tornasse a terceira
doença crônica mais comum entre adolescentes nos Estados Unidos. A proposta de
tratamento por equipe multiprofissional, não se traduz em melhores resultados, pois,
interesses corporativos estão presentes na área da saúde, e a prática interdisciplinar ainda
é muito incipiente. O prognóstico no tratamento da anorexia apresenta uma taxa baixa de
recuperação, em torno de 36%, e uma previsão de período de 10 a 15 anos de tratamento.
A partir desses fatores, foi criada uma comunidade no Orkut, denominada “Anorexia e
Bulimia Nova Visão”, que possibilitou estabelecer contato direto com pessoas que
sofrem de transtornos alimentares, através de um amplo debate crítico em tópicos criados
pelos usuários, sobre os caminhos atuais de tratamento dos transtornos alimentares. O objetivo
central da criação dessa comunidade foi de verificar a possibilidade de criação de um
espaço que possibilitasse uma concreta educação para a saúde. Por isso, essa dissertação
se preocupou em analisar a comunidade citada acima, e verificar se o conteúdo existente
estava adequado à proposta de educar para a saúde, utilizando o ambiente da internet
como meio de divulgação científica. As informações geradas pela comunidade, desde
sua fundação em 2006, contribuíram para a construção de um produto , um site com
recursos educacionais, o <www.anorexiaebulimia.com>, com melhores perspectivas de
divulgar criticamente idéias científicas, através de postagens de artigos, vídeos, espaços
para postagens e discussão, assim como promover saúde integral, e contribuir para a
transformação da própria realidade, utilizando o ambiente da internet através de uma
comunicação informal, propositalmente escolhida, já que pessoas que sofrem de
transtornos alimentares, principalmente anoréxicas e bulímicas, gostam de manter sua
privacidade. Esperamos que nosso processo de construção possa contribuir com novas
possibilidades de percepção sobre os transtornos alimentares.
PALAVRAS-CHAVE: Transtornos Alimentares; Anorexia; Bulimia; Divulgação
científica; Educação informal, Comunidades Virtuais
VII
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ABSTRACT
Although the topic eating disorders be widely studied in the past 30 years, has failed to
advance the understanding of the etiology, and treatment as a result unsatisfactory. The
studies were ineffective in preventing the incidence of eating disorders doubled in the
last two decades and has become the third most common chronic disease among
adolescents in the United States. The proposed treatment by the multidisciplinary team,
does not translate into better results, because corporate interests are present in the area of
health, and interdisciplinary practice is still very low. The prognosis in the treatment of
anorexia has a low rate of recovery, around 36% and a forecast period of 10 to 15 years
of treatment. From these factors created a community on Orkut called "Anorexia and
Bulimia New Vision", in order to establish direct contact with people suffering from
eating disorders through a wide-ranging debate on critical topics created by users on the
current paths of treatment of eating disorders. The main purpose of creating this
community is to study the possibility of creating a space that would enable a practical
education to health. Therefore, this dissertation has bothered to examine the community
mentioned above, and verify that the content was appropriate to the existing proposal for
health education using the environment of the Internet as a means of scientific
communication. The information generated by the community since its founding in
2006, contributed to the construction of a product, a website with educational resources,
the <www.anorexiaebulimia.com>, with better prospects for disseminating critical
scientific ideas, such as posting articles, videos, space for posts and discussion as well as
promote overall health, and contribute to the transformation of reality itself, using the
Internet environment through an informal communication, deliberately chosen, since
people suffering from eating disorders, especially anorexia and bulimia, like maintain
their privacy. We hope that our construction process can contribute to new possibilities
of perception about eating disorders.
WORD KEYS: Eating Disorders, Anorexia, Bulimia, Scientific dissemination, Informal
Education, virtual communities
VIII
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - TRANSTORNOS ALIMENTARES.............................................. 18
1.1 Justificativa............................................................................................................. 18
1.2 Conceitos................................................................................................................ 19
1.3 Anorexia sagrada................................................................................................... 22
1.4 Etiologia.................................................................................................................. 24
1.5 Tratamento............................................................................................................. 25
CAPÍTULO II - DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: entre a informação e a
reflexão........................................................................................................................... 33
CAPÍTULO III – A COMUNIDADE DO ORKUT................................................... 47
3.1 A comunidade “Anorexia e Bulimia Nova Visão”............................................... 51
CAPÍTULO IV – RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................... 61
CAPÍTULO V – O PRODUTO................................................................................... 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 111
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ............................................................................ 120
ANEXO ........................................................................................................................ 122
IX
10
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Levantamento sobre países usuários do Orkut (em
<http://www.orkut.com.br/Main#MembersAll>)......................................................... 48
Figura 2. Página inicial da comunidade (em
<http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=11721833>) ............................. 52
Figura 3. Tópico “indique coisas fáceis de vomitar” ................................................... 52
Figura 4. Página Fórum, onde são criados os tópicos .................................................. 54
Figura 5. Idade dos freqüentadores do Orkut .............................................................. 59
Figura 6.Interesse dos freqüentadores do Orkut .......................................................... 59
Figura 7.Link “como posso ajudar?” ............................................................................ 69
Figura 8.Link “saiba mais” dentro de “Alimentação” .................................................. 86
Figura 9. Página inicial do site ..................................................................................... 89
Figura 10. Link “Partilha”, contendo também um “saiba mais”.................................. 104
Figura 11. Link “Alimentação viva” ........................................................................... 105
Figura 12. Exemplo de texto justificado (página inicial)............................................. 107
Figura 13. Exemplo de texto centralizado ................................................................... 108
X
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INTRODUÇÃO
A incidência dos transtornos alimentares praticamente dobrou nas duas últimas
décadas, especialmente entre as mulheres jovens dos países ocidentais.
A anorexia nervosa é a terceira doença crônica mais comum entre adolescentes
nos Estados Unidos, perdendo apenas para a obesidade e a asma. Um estudo, realizado
com mulheres estudantes de nutrição, no Rio de Janeiro, revelou que 14% das alunas
apresentaram sintomas de anorexia nervosa. (BOSI et al.,2006). Um outro estudo,
realizado por Vilela et al (2004), com 1.807 estudantes de escolas públicas do Ensino
Fundamental e Médio, com idade entre 7 e 19 anos, em Minas Gerais, encontrou dados
significativos. 13,3% de alunos, com predominância significativa do sexo feminino,
apresentaram possíveis transtornos de alimentação. Em 12%, foram encontrados
episódicos bulímicos. Os métodos purgativos para perder peso foram utilizados por 10%,
59% encontravam-se insatisfeitos com sua imagem corporal, e 40% faziam uso de dieta
para emagrecer.
É fato que os transtornos alimentares, principalmente a anorexia nervosa e a
bulimia nervosa têm sido amplamente estudados nos últimos 30 anos. No entanto, apesar
das muitas publicações, pouco se sabe sobre a etiologia dessas síndromes, o que
compromete seriamente a eficiência dos tratamentos.
A maior parte das pessoas que sofrem de transtornos alimentares são do sexo
feminino, e têm acesso a informações sobre alimentos, regimes, consequências dos
transtornos, tipos de laxantes ou moderadores de apetite. No entanto, as informações são
seletivas, ou seja, não há fixação sobre os malefícios dos comportamentos anoréticos ou
bulímicos, o que não surpreende, pois em uma comparação com fumantes, vemos que
grande parte continua com seu vício, apesar das informações visuais significativas que
estão impressas nos maços de cigarros. Além disso, dados sobre saúde e alimentos são,
12
muita vezes, contraditórios e superficiais, principalmente quando divulgados em revistas
não especializadas, ou na maioria de sites e blogs. Isso é uma questão preocupante, pois
pessoas que sofrem de transtornos alimentares costumam buscar informações justamente
nessas mídias, principalmente na internet, em blogs e comunidades que têm a
possibilidade de congregar pessoas com o mesmo problema, e a vantagem de manter o
anonimato e a privacidade de seus participantes. No entanto, a troca de experiências
nesses locais dificilmente permite o entendimento do transtorno alimentar, ou mesmo
sua superação.
Os sites que oferecem uma abordagem técnica mantêm uma comunicação
unilateral e fria, não estabelecendo uma interação e aproximação com o mundo anorético
e bulímico. Como exemplo, podemos citar o site do Dr. Drauzio Varella,
<http://www.drauziovarella.com.br/arquivo/arquivo.asp?doe_id=63>, onde existe a
descrição da doença, dos sintomas, das possíveis causas, além de algumas
recomendações e sugestão de tratamento. Mas as informações são reprodutoras daquelas
encontradas em vários outros sites, e ignoram, por exemplo, que medicamentos
antidepressivos têm eficiência inferior a placebos no tratamento da anorexia nervosa,
conforme publicação de pesquisa realizada em 2006, pelo Dr. B. Timothy Walsh, diretor
de pesquisas em transtornos alimentares do New York State Psychiatric Institute, na
Universidade de Columbia, publicado na revista da Associação Médica Americana
(WALSH et al, 2006). Podemos ainda citar os sites
<http://www.mentalhelp.com/anorexia.htm> e <http://www.alimentacaosaudavel.org/
Anorexia-Nervosa.html>, observando pequenas diferenças. No primeiro, os sintomas são
descritos de maneira mais detalhada, e oferece mais dicas aos pais, além de tentar se
aproximar do mundo anorético, ao colocar um depoimento de uma anoréxica. O segundo
apresenta o problema da anorexia, em formato interessante, mas sem acréscimo de
13
informações. São sites que não definem seu público, pois não trazem informações
relevantes a profissionais de saúde interessados em pesquisar os transtornos alimentares
e, nem oferecem um diferencial para o portador do transtorno e, talvez, apenas se
destinam a trazer alguma informação aos familiares leigos, preocupados em saber se
seus entes possuem ou não essas doenças e como devem agir. Existem vários outros
sites, com pouca diferença, seja no conteúdo ou no formato.
Ao analisar os blogs pró-anorexia e pró-bulimia, pode-se observar que existe uma
grande preocupação com o formato, incluindo imagens significativas, abordando
modelos e signos atraentes ao universo feminino. Além disso, o contato é estabelecido
diretamente, com possibilidade de diálogo, através da postagem de comentários.
Também existem links divulgando outros blogs pró-anorexia e bulimia, estabelecendo
uma espécie de grande comunidade ou de grande círculo. No entanto, as informações
que circulam, como sugestões de comportamentos e regimes, apenas reforçam o
problema, como podemos observar em dois trechos dos seguintes blogs1.
Hoje estava tudo muito bem, almocei bem pouco e fiz caminhada
durante 1h e 30 min., porém minha mãe me fez jantar, comi muito, não
devia ter exagerado. Mas já me puni, tomei 2 laxantes e espero ficar
livre desse jantar terrível. Estou morrendo de cólicas e provavelmente
não dormirei bem essa noite, mas já que isso me trará bons resultados
em breve, passarei o mal que for preciso, eu pago esse preço, afinal
entrei na anna2 sabendo todo o mal que pode ocorrer comigo e
disposta a aceitar isso para ficar perfeita. (<http://anna-
mylifestyle.blogspot.com/>, grifo nosso).
Fui na psiquiatra esses dias. Meu pai, iludido, disse que não tem visto
mais sinais de T.A.s em mim pra ela. (Estou fingindo bem, miando em
silêncio ou no meu quarto, tô pegando as manhas), mas pra ela contei
algumas verdades, como do semi-nf3 de 42 kcal que consegui fazer no
dia anterior da véspera da consulta e das 2x que miei na véspera. (...)
Não sei quanto estou pesando, meus ossos tão aparecendo e ainda to
manequim 34, 36 fica saco de batatas de tão largo e decidi que só vou
1 Em todas as falas retiradas da comunidade, considerei que deveria alterar algumas palavras, escritas com
erros de grafia, a fim de tornar a leitura mais fluente e evitar dificuldades no entendimento. No entanto,
mantive algumas formas gráficas características, a fim de não descaracterizar as falas. A grafia original
pode ser consultada diretamente nos endereços. 2 Anna (ou Ana) – apelido dado à Anorexia Nervosa, entre as pessoas que possuem o transtorno.
3 Semi-nf – refere-se a um processo onde o no food (NF) é feito sem rigidez, ou seja, há consumo de
calorias.
14
me pesar quando o 34 ficar tão largo que precise usar cinto. (...) Bem,
sei que é muito extremo querer pesar 25/30 kg pros meus 1m 56cm de
altura, mas definitivamente eu sinto que preciso ser a mais magra,
preciso sentir, mesmo que só um pouco. (<http://dra.anna.zip.net/>).
A fim de tentar estabelecer contatos e aproximar pessoas que sofrem de
transtornos alimentares, o autor dessa dissertação criou em 14 de abril de 2006, uma
comunidade no Orkut com a denominação “Anorexia e Bulimia Nova Visão”. O perfil
das pessoas que participam da comunidade é abordado no terceiro capítulo. A escolha da
mídia Orkut foi justificada pela febre entre os brasileiros, que contribuíram para que essa
rede social fosse o site com mais page views (páginas visualizadas) do Google no
mundo. E foram justamente as comunidades temáticas, que se caracterizam pela
discussão em torno de um interesse comum, que explica este fenômeno de mídia, o que
pode ser confirmado pelo amplo debate em tópicos criados pelos usuários ou pelo
coordenador da comunidade, sobre os caminhos atuais de tratamento dos transtornos
alimentares.
O objetivo central da formação dessa comunidade foi de verificar a possibilidade
de criação de um espaço que possibilitasse uma concreta educação para a saúde. Por
isso, essa dissertação se preocupou em analisar a comunidade citada acima, e verificar se
o conteúdo existente estava adequado à proposta, utilizando o ambiente da internet como
meio de divulgação científica. Optou-se por uma pesquisa qualitativa de cunho
exploratório e descritivo, pois essa é a forma possível quando se buscam percepções e
entendimentos de aspectos subjetivos e motivações não explícitas. Nesse caso, não há
neutralidade possível, embora ela seja sempre impossível em qualquer caso. A
participação do pesquisador nesse processo de pesquisa envolve uma contínua análise e
aprendizagem, numa relação entre sujeitos, portanto dialógica, não havendo um objeto a
ser contemplado e conhecido. Ou seja, não há a pretensão em se falar sobre anoréticos
ou bulímicos, mas se falar com eles, pois o pesquisador e os pesquisados estão em
15
interação contínua, o que também se reflete nas transformações que acontecem na
própria comunidade.
(...) um sujeito, como tal, não pode ser percebido nem estudado como
uma coisa, uma vez que sendo sujeito não pode, se continua sendo-o,
permanecer sem voz; portanto o seu conhecimento só pode ter caráter
dialógico. (Bakhtin,1985, p.383)
Inicialmente, a proposta era de elaborar o produto final dessa dissertação a partir
da comunidade citada, avaliando-se seu conteúdo. No entanto, para evitar alguns
transtornos provocados pela administração do Orkut, a opção final foi de construir um
site, <www.anorexiaebulimia.com>, como produto final desta dissertação de mestrado,
com o objetivo de divulgar criticamente idéias científicas, através de postagens de
artigos, vídeos, sendo este o tema do último capítulo. Também se buscou ofertar espaços
para postagens e discussão, aproveitando mais recursos educacionais. Dessa forma, o
produto final desse trabalho pretende ser um espaço para o processo de alfabetização
científica, já que tem a possibilidade de atingir pessoas de formações distintas, de faixas
etárias diversas, possibilitando que a grande maioria tenha acesso aos conceitos
necessários para pensar sobre conhecimentos científicos que sejam importantes para a
sua saúde. Pretende-se atingir os objetivos gerais de promover saúde integral, gerar
desenvolvimento das potencialidades, da autonomia, e contribuir para a transformação
da própria realidade, utilizando o ambiente da internet através de uma comunicação
informal, propositalmente escolhida, já que as pessoas que sofrem de transtornos
alimentares, principalmente anoréxicas e bulímicas, gostam de manter sua privacidade,
não revelando, muitas vezes, nem aos parentes ou amigos mais próximos, sua relação
conflitante com os alimentos.
Ainda, nesta dissertação, no primeiro capítulo, discutimos os transtornos
alimentares em seus vários aspectos. No levantamento da literatura, observamos que
alguns trabalhos, como exemplo o de Weinberg, Cordás e Munoz (2005) e o de Cordás e
16
Claudino (2002), ainda se perdem ao propor uma analogia entre o comportamento de
santas medievais e as anoréxicas atuais, sem considerar que não existem alguns critérios
fundamentais para esse diagnóstico através dos relatos antigos, assim como, o principal
fator para o diagnóstico da anorexia nervosa, conforme critério adotado pelo CID-10
(2003) (Classificação Internacional de Doenças) e DSM-IV (Manual Estatístico e
Diagnóstico das Desordens Mentais, quarta edição), é a distorção da imagem, elemento
que não se apresenta nos textos que criaram o conceito da anorexia sagrada. Não há o
medo mórbido de engordar e não há a imagem gorda refletida no espelho, nas santas da
Igreja Católica, afastando esse diagnóstico a-histórico. Talvez, por não se saber a
etiologia dos transtornos alimentares, a American Dietetic Association (ADA, 2001),
recomenda um tratamento realizado por uma equipe multiprofissional, com caráter
interdisciplinar. Infelizmente, apesar da proposta de atuação interativa entre profissionais
de saúde, interesses corporativos são bastante presentes na área da saúde, como podemos
perceber com a discussão recente sobre a lei que regulará o Ato Médico4.
A prática interdisciplinar ainda é muito incipiente no campo educacional, o que
faz com que não ocorra interação entre profissionais diversos, cada um retendo a sua
ótica, a sua percepção de mundo, isoladamente. O tratamento, consequentemente, é uma
combinação de retalhos, com prescrição injustificada de medicamentos que alteram o
sistema nervoso, internações hospitalares e uma abordagem nutricional que busca
fundamentalmente o aumento da ingestão de calorias, sem considerar a qualidade dos
alimentos administrados. Dessa forma, o prognóstico no tratamento da anorexia
apresenta uma taxa baixa de recuperação, em torno de 36%, e uma previsão de período
de 10 a 15 anos de tratamento Além disso, a recuperação envolve apenas o
4 O PL 7.703/06, que regulamenta as atividades privativas dos médicos e está em tramitação no Senado,
recebeu críticas de todos os outros Conselhos da área de saúde por considerarem que o projeto de lei
prejudica a competência profissional dos outros profissionais de saúde, colocando em risco a saúde da
população brasileira.
17
restabelecimento do peso, o retorno da menstruação, e a normalização dos
comportamentos alimentares, não levando em consideração a recidiva da síndrome,
tornando os resultados ainda mais questionáveis.
Para aumentar a circulação de idéias, que por serem contrárias ao capitalismo
encontram pouca penetração, o espaço da divulgação científica não pode se confundir
com a prática da informação, através da simples transmissão de notícias, como se elas
fossem isentas de ideologias. No segundo capítulo, discutimos que não há neutralidade
na ciência, e isso pode ser constatado em vários autores e momentos históricos, como em
1838, quando se divulga que o leite de vaca tem mais proteína do que o leite materno,
informação que vai ser aproveitada pelo mercado, em detrimento da saúde dos nascituros
vindouros (REA, 1990). No Brasil, já no século XX, o marketing da indústria de leite
influencia diretamente o pensamento médico, fazendo pediatras acreditarem que uma das
formas de combater a mortalidade infantil era a administração de fórmulas lácteas às crianças
(AMORIM, 2005). Portanto, transmitir conteúdos sem acrescentar uma visão crítica não
contribui para a compreensão de como a ciência funciona, fortalecendo as ideologias do
mito da ciência como verdade, e da neutralidade científica, ou seja, a ciência como saber
puro e autônomo. “Para que(m) é útil a alfabetização científica que fazemos?”, pergunta
Chassot (2003, p.99). Portanto, é fundamental que haja uma alfabetização crítica,
possibilitando que se perceba as contradições e interesses por trás de um discurso, seja
ele caracterizado como um artigo científico ou não.
Esperamos que nosso processo de construção possa contribuir com novas
possibilidades de percepção sobre os transtornos alimentares.
18
1. TRANSTORNOS ALIMENTARES
1.1. Justificativa
A incidência dos transtornos alimentares aumentou muito, tendo praticamente
dobrado nas duas últimas décadas, especialmente entre as mulheres jovens dos países
ocidentais, conforme foi constatado por diversos autores como Dunker & Philippi
(2003). Bhadrinath (1990) descreveu a anorexia nervosa como um fenômeno raramente
encontrado na Ásia, África ou em países árabes, considerando que a razão disso está na
não valorização da estética magra nos corpos femininos, sem considerar as diferenças na
cultura alimentar entre essas regiões e o ocidente. Mas Hoek (1998) percebeu que os
transtornos alimentares não são um fenômeno puramente “ocidental”, o que foi
confirmado por pesquisas em países orientais, incluindo dois estudos japoneses que
compararam as populações urbanas e rurais, quanto à incidência da anorexia. Ambos
estudos encontraram valores superiores de incidência nas populações urbanas. Em um
deles, nas escolas de 2º. Grau em Kyoto, a prevalência foi quatro vezes superior em
relação a meninas de escolas de áreas rurais (AZUMA E HENMI, 1982). O outro estudo
encontrou uma prevalência aumentada em três vezes para meninas japonesas de áreas
urbanas, comparativamente com as de áreas rurais (OHZEKI et al,1990). Encontramos
também estudos, realizados em outros países, apresentando resultados discordantes, ou
seja, sem diferenças significativas entre as populações rural e urbana, quanto à
incidência da anorexia nervosa. Mas é preciso observar que, ao contrário de outros
lugares, a diferença dos hábitos alimentares entre a população rural e urbana no Japão,
cada vez mais se acentua. (MITCHELL, INGCO E DUNCAN, 1997). Essa não
percepção das diferenças entre as culturas pode justificar os resultados contraditórios nas
pesquisas.
19
Os transtornos alimentares também não estão restritos a uma faixa sócio-
econômica, havendo uma distribuição ampla, conforme relatou Hay em 1998. Mas, a
freqüência se apresenta maior em países industrializados, segundo diversos estudos
como os de Wlodarczyc-Bisaga e Dolan (1996), Lee et al. (1998) e Ghazal et al. (2001).
Por exemplo, nos Estados Unidos, entre os transtornos alimentares, a anorexia é a
terceira doença crônica mais comum entre adolescentes, só perdendo para a obesidade e
a asma, sendo que sua prevalência varia de 2 a 5% em mulheres adolescentes e adultas
(FISCHER et al, 1995). Além do crescimento alarmante na incidência desse transtorno
alimentar, Saito e Fagundes-Neto (2004) observam que na anorexia nervosa a taxa de
mortalidade está associada a doenças como as cardíacas, além da ocorrência de suicídios.
Esses dados são suficientes para justificar os transtornos alimentares como foco
de vários estudos e atenção dos profissionais da área da saúde. Os transtornos
alimentares, especialmente a anorexia, apresentam elevados graus de morbimortalidade,
podendo ser considerados epidemiológicos (PINZON E NOGUEIRA, 2004). O estudo
de Theander (1983), realizado na Suécia, apresenta uma elevada porcentagem de 20% de
mortalidade por complicações resultantes da anorexia. Em outros levantamentos, a taxa
de mortalidade permanece elevada, como no estudo de Ratnasuriya et al. (1991) com
17,5% e Ajuriaguerra (1976) com 9,81%. Percebemos que mulheres em idades
reprodutivas estão falecendo, por uma síndrome que vem aumentando progressivamente
sua incidência, apesar da atenção dos profissionais da área de saúde e das pesquisas.
1.2 Conceitos
Os transtornos não se confundem com doenças, pois nos primeiros a etiologia
ainda está sendo investigada e, por isso, ainda não podem ser definidos como doenças,
cuja etiologia está definida, mesmo que mais tarde se descubra uma outra origem. Os
20
transtornos alimentares são síndromes comportamentais cujos critérios diagnósticos têm
sido amplamente estudados nos últimos 30 anos. Estão divididos em duas categorias
principais: anorexia nervosa e bulimia nervosa (MAGALHÃES et al., 2005). A Agência
Nacional de Saúde Suplementar (2008), ANS, em suas diretrizes para a saúde mental,
através de estudos da American Psychiatric Association (2000), APA, e diversos autores
como Kurth et al. (1995), Shisslak, Crago & Estes (1995) e Keel, Leon & Fulkerson
(2001), observa que entre os transtornos alimentares, “as principais patologias são a
anorexia nervosa, que ocorre em 0,5% a 1%, e a bulimia nervosa que é prevalente em
0,9% a 4,1% da população adolescente e de adultos jovens do sexo feminino”. Por esse
motivo, este estudo dará maior contorno a estas duas patologias, embora também façam
parte dos transtornos alimentares, por exemplo, o Transtorno de Compulsão Alimentar
Periódica (TCAP), o Transtorno Alimentar Noturno e o Binge, incluídos no Manual
Estatístico e Diagnóstico das Desordens Mentais, em sua quarta edição, (DSM-IV –
APA,1994) como Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação, código F50.9 -
307.50. O Pica, uma perversão instintiva do apetite e paladar, é incluído como um
transtorno alimentar de primeira infância. Importante observar que a obesidade não é
considerada um transtorno alimentar, sendo incluída na Classificação Internacional de
Doenças (CID) como um problema médico, sem conexão suficiente com a psique.
A bulimia nervosa se diferencia pelos episódios de ingestão exagerada de
alimentos, acima da quantidade que a maioria das pessoas comeria em um mesmo
período, seguidos de métodos compensatórios purgativos, principalmente vômitos auto-
induzidos, com sentimentos de perda de controle, fraqueza, culpa e vergonha
(SAPOZNIK et al., 2005). A anorexia nervosa é um outro tipo de transtorno alimentar
que apresenta dimensões de maior gravidade e maior complexidade no tratamento.
21
Etimologicamente, o termo anorexia deriva do grego “an”, que quer dizer deficiência ou
ausência de, e de “orexis”, que pode ser traduzido como apetite.
Bruch (1973) foi a primeira a mencionar a distorção da imagem corporal vista
como um distúrbio da paciente com anorexia nervosa na percepção de seu corpo, em
1962, propondo que a psicopatologia central da anorexia nervosa compreendesse três
áreas. A dos transtornos da imagem corporal, a dos transtornos na percepção ou
interpretação de estímulos corporais (quando ocorre não reconhecimento da fome) e, por
último, uma sensação paralisante de ineficiência que invade todo o pensamento e
atividades da paciente. Hilde Bruch considerava o fator da distorção da imagem corporal
mais alarmante do que a má nutrição em si, presente na anorexia. Pensamento
acompanhado por Cash e Deagle (1997), que consideram o distúrbio da imagem corporal
um sintoma nuclear nos transtornos alimentares. Mahan e Stump (1998) também
reforçam esse fator, pois em função dessa distorção da imagem corporal, os indivíduos
com anorexia nervosa não se percebem magros, mas sempre gordos, e, por isso,
continuam a restringir suas refeições de uma maneira ritualizada. Duchesne e Almeida
(2002) acrescentam que a anorexia estaria dependente de crenças distorcidas acerca do
peso e formato corporal, sendo o distúrbio da imagem corporal determinante central para
o diagnóstico e para o tratamento. Para Tavares (2003), a imagem corporal distorcida
com que a anoréxica se percebe como obesa, não é um delírio ou distorção em seu
pensamento, mas a revelação da identidade de um sujeito na história de suas relações
concretas, com suas memórias e singularização de uma rede de informações. Essas
definições são fundamentais, pois caracterizam o quadro da anorexia nervosa, compondo
o diagnóstico.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua
quarta edição, (DSM-IV – APA,1994), que inclui as primeiras definições de Lasègue e
22
Gull até posições mais recentes, a anorexia nervosa se caracteriza como: “a recusa do
indivíduo em manter um peso corporal na faixa normal mínima, um temor intenso de
ganhar peso e uma perturbação significativa na percepção da forma ou tamanho do
corpo. Além disso, as mulheres pós-menarca com este transtorno são amenorréicas”. A
CID-10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde)
também cita o medo de engordar e a percepção de se estar muito gorda(o), como um dos
critérios para a identificação da anorexia. Portanto, como percebemos, esses são os
critérios para se considerar uma pessoa com anorexia nervosa.
1.3 Anorexia sagrada
Bell (1985), em seu livro Holy Anorexia, cria um paralelo entre o comportamento
de 250 mulheres santas ou beatas da Igreja Católica, que teriam vivido entre 1200 e
1600, com a anorexia nervosa, o que ele denomina de anorexia sagrada, considerando
que tanto nas santas estudadas, assim como nas atuais anoréxicas, existe conflito de
identidade, e uma tentativa de libertação feminina da sociedade predominantemente
patriarcal. Para essa associação, Rudolf Bell utilizou-se de escritos autobiográficos,
cartas, testemunhos de confessores e relatos canônicos. Seu trabalho influenciou vários
outros, como o da psiquiatra chilena, Rosa Behar (1991, p.710), que diagnostica a
anorexia nervosa em Santa Rosa de Lima, apesar de fazer uma ressalva de que “no
corresponderia catalogar a la primeira (Santa Rosa, destaque nosso) como anoréctica, ni
a la última (anorética atual, destaque nosso) como santa”5. Adverte Behar (ibidem) que,
(...) describir a Santa Rosa como uma anoréctica seria caer em um
mero reduccionismo y desacreditar su especial calidad y fervor
mistico, tal y como fue vivido y percebido por ella. Vale decir, seria
convertir uma conducta humana compleja em uma simple
5 Não seria correto catalogar Santa Rosa como anoréxica, nem a anoréxica atual como santa.
23
aproximación biomédica, ignorando además la inmensa distancia
habida entre el ser uma santa y ser una paciente.6
Mas, apesar das ressalvas de Behar em seu parágrafo final, essa associação
encontra-se presente na maioria dos artigos publicados, tendo influenciado vários
autores, incluindo Weinberg (2004), que em função do que ele denomina como registros
de anorexia nervosa em outras épocas e culturas, baseado na história das santas e beatas
da Idade Média, com seus jejuns auto-impostos, considera que a importância do papel
da moda é discutível. Seu argumento reconhece nas santas um ideal não de beleza, mas
de ascese e de comunhão com Deus, no entanto, considera o trabalho de Behar como a
prova da existência de uma anorexia nervosa não contemporânea.
A existência de transtornos alimentares em outras culturas e séculos
anteriores aos relatos de Morton (1689), Gull (1868) e Laségue (1874)
é de grande interesse psicopatológico, na medida em que coloca no
centro da discussão a questão do patogenético e do patoplástico em
psiquiatria e torna relativa a influência da modernidade, muitas vezes
colocada como fator principal. (...) traçar um paralelo entre as
anoréxicas atuais, as meninas cloróticas do século XIX e as santas
medievais levou-nos a perceber comportamentos que surpreendem pela
proximidade, ainda que a forma e a motivação dos comportamentos
restritivos tenham variado ao longo do tempo. (...) Apesar de
considerada por muitos uma patologia contemporânea, há evidências
de que a anorexia atual seria um contínuo de um tipo de
comportamento inalterado através da história do Ocidente.
(...)Patografias como as de Rosa de Lima oferecem não apenas provas
da existência da doença em diferentes épocas, como o paralelismo de
seu quadro com o das santas anoréxicas da Europa medieval salientam
o caráter transcultural de seu quadro. (WEINBERG, 2004, P.55).
Essa associação se difundiu, apesar de Habernas (1989) defender que não há
possibilidade de se fazer essa analogia, pois não existem alguns critérios fundamentais
para o diagnóstico através dos relatos antigos, além de que a expressão religiosa estava
associada com a autoflagelação, no período medieval. Além disso, o principal fator para
6 Descrever Santa Rosa como apenas anoréxica seria cair em um mero reducionismo de desacreditar em
sua especial qualidade e fervor místico, tal como foi vivido e percebido por ela. Vale dizer, seria converter
uma conduta humana completa em uma simples aproximação biomédica, ignorando além disso a imensa
distância que existe entre ser uma santa e ser uma paciente.
24
o diagnóstico da anorexia nervosa, critério adotado pelo CID-10 e DSM-IV, é a
distorção da imagem, elemento que não se apresenta nos textos que fundamentaram a
criação do conceito da anorexia sagrada. Não há o medo mórbido de engordar e não há a
imagem gorda refletida no espelho. Finalmente, Foucault (2006) nos lembra que o corpo
não obedece apenas às leis da fisiologia, mas também as da história. Ou seja, o corpo é
formado pela história de seus regimes, venenos, alimentos, valores, hábitos alimentares e
leis morais. Visão compactuada por Polhemus (1978) que considera que o corpo humano
somente é concebível dentro da construção social da realidade, e por Helman (1994) que
observa os alimentos, não como elementos nutricionais, mas vinculados à cultura.
Segundo Viertler (2000, p. 171) “entre os Bororo, para ser belo não basta comer a dieta
adequada, mas é preciso saber consumi-la, aprendendo a controlar a gula e a vomitar os
excessos, em suma, é preciso comer pouco”. O paralelo proposto por Bell é semelhante
ao se afirmar que os Bororo sofrem de transtornos alimentares, principalmente bulimia,
por causa de seus rituais de vômito, e anorexia, pelo controle da quantidade de alimentos
ingeridos, sem considerar que são atos culturais e vistos como técnicas de purificação.
Portanto, é um erro tentar descolar as santas medievais de sua história e diagnosticá-las
através de um olhar contemporâneo. Mais erro ainda propor esse diagnóstico, sem levar
em consideração os próprios conceitos que definem o perfil desse transtorno, presentes
no CID-10 e no DSM-IV. Fazer isso é se afastar ainda mais da possibilidade de definição
da etiologia da síndrome, prejudicando o próprio tratamento.
1.4 Etiologia
Artigos publicados sobre os transtornos alimentares, como os de Dunker &
Philippi (2003), Gonçalves et al. (2008), Vilela et al. (2004), Morgan et al. (2002),
afirmam que a etiologia é multifatorial, porque seria determinada por uma diversidade de
25
fatores que interagem entre si de modo complexo, para produzir a doença. Abott et al.
(1993) já afirmavam o desconhecimento sobre a origem dos transtornos, mas sugeriam
que em sua gênese houvesse uma associação de fatores sociais, psicológicos e
biológicos. Appolinário & Claudino (2000) também acreditam que diversos fatores
biológicos, sociais e psicológicos se inter-relacionam, gerando e mantendo os
transtornos, e, por isso, o tratamento é difícil. Amigo (2005) tenta demonstrar a
associação da anorexia com distúrbios neuroquímicos, pois essas anormalidades podem
ser conseqüência do próprio estado de desnutrição, ao invés de ser a causa, mas
reconhece a dificuldade em poder afirmar isso. Cereser (2001) compartilha dessa
proposição, pois acredita ser a inanição a responsável por provocar as alterações nos
neurotransmissores, observando ainda não ser possível comprovar a associação
etiológica por dificuldades na própria pesquisa. Morgan (2002) sugere, que a privação
alimentar, e sua conseqüente desnutrição, possa ser a causa das alterações físicas e
psicológicas dos pacientes. Lask el al. (1993) tentaram associar a anorexia com a
deficiência de zinco, sem ainda explicar a origem da própria deficiência do mineral.
Matarazzo (1992) acredita que a anorexia seja a materialização no físico de um problema
emocional. Percebe-se então que não se conhece a origem dessa patologia, o que irá
afetar o prognóstico do tratamento, como pode ser observado a seguir.
1.5 Tratamento
Os transtornos alimentares são justamente descritos como transtornos, e não
como doenças, por ainda não se conhecer sua etiopatogenia, como pode ser observado
pelo item anterior. Apesar disso, artigos reforçam e reproduzem discursos anteriores,
como vimos na criação do conceito da anorexia sagrada, não conseguindo avançar nos
tratamentos, que permanecem sem alcançar índices satisfatórios, apesar das propostas de
26
interdisciplinaridade na atuação terapêutica. A American Dietetic Association (1998),
ADA, recomenda que o tratamento dos transtornos alimentares seja realizado por uma
equipe multiprofissional, com caráter interdisciplinar. Essa é uma tentativa de buscar a
etiologia do transtorno e um tratamento mais eficiente, através da atuação interativa de
profissionais de saúde As equipes multidisciplinares são compostas por psiquiatras,
clínicos gerais, psicólogos e nutricionistas, principalmente nos ambientes hospitalar e
ambulatorial (GORGATI e colaboradores, 2002). No entanto, a prática interdisciplinar
ainda é muito incipiente em nosso campo educacional, sofrendo ainda interferências dos
interesses corporativos, bastante presentes na área da saúde.
Os principais métodos terapêuticos adotados utilizam fármacos, estratégias
nutricionais e neuropsicológicas (APPOLINÁRIO E BACALTCHUK, 2002; ADA,
2001). O uso de medicamentos na síndrome anoréxica é defendido por alguns autores
que consideram uma forma de psicose as distorções na percepção da imagem. Pretendem
também corrigir com medicamentos as alterações do apetite e os sintomas depressivos
associados (ZHU E WALSH, 2002; APPOLINARIO E SILVA, 1998). Appolinario e
Silva (1998) ainda observam que em razão do grande número de complicações clínicas
concomitantes, a prescrição de agentes farmacológicos deve ser feita com bastante
cautela. Mesmo com os cuidados recomendados, a defesa da prescrição de
medicamentos não se justifica, pois estes não são direcionados à etiologia da síndrome,
já que ela é multifatorial e, portanto, desconhecida. Medicamentos antidepressivos e
antipsicóticos, que tiveram resultados satisfatórios em estudos abertos para a anorexia
nervosa, foram criticados em ensaios clínicos randomizados, através de resultados não
confirmados (LACEY et al., 1980; KAYE et al, 2001; VANDEREYCKEN E
PIERLOOT, 1982; WEIZMAN et al, 1985). Freitas (2004) observa que as drogas de
escolha são a fluoxetina ou o citalopram, inibidores seletivos de recaptação da
27
serotonina, embora alerte para a necessidade de observar os riscos desses medicamentos.
E ainda ressalta que apesar da amitriptilina proporcionar ganho ponderal, aumenta o
risco de problemas cardíacos, pois são ministrados a pacientes com grande deficiência
nutricional e com desequilíbrio eletrolítico. Os resultados dos estudos com os
antidepressivos (clomipramina, amitriptilina e fluoxetina), e os antipsicóticos (pimozida,
sulpirida) mostram que não há diferença estatisticamente significativa, na fase aguda,
quando comparados ao placebo.
Beecher (1955) já observava que a taxa de resposta do placebo fica em torno de
35%, publicada em seu artigo “O poderoso placebo”. Teixeira (2008) relata que a ciência
ignora a natureza do efeito-placebo e os motivos de sua eficácia, mas observa que apesar
disso, os médicos, em sua prática clínica, renunciam a utilizar seu poder de cura e alívio.
Preferem prescrever, como placebo, vitaminas ou analgésicos que dispensam receita, e
antibióticos ou sedativos, ao invés de pílula de açúcar ou solução salina. Tiburt el al
(2008), avaliaram através de questionário, mil e duzentos clínicos e reumatologistas em
atividade nos Estados Unidos para compreender suas atitudes e comportamentos
referentes a tratamentos com placebo. Apesar de mais da metade reconhecer que
incorpora o placebo em sua prática diária e considera seu uso eticamente permissível, a
questão para os autores foi descobrir porque os médicos utilizam, como placebos,
substâncias ativas farmacologicamente. O artigo, publicado em outubro de 2008 pelo ex-
British Medical Journal, atualmente BMJ, levanta a hipótese de que o médico possa se
sentir enganando mais ativamente seu paciente ao indicar uma pílula com substância
completamente inativa. A decisão pela prescrição de antibióticos e sedativos, principal
descoberta do estudo, preocupa pelas conseqüentes reações adversas para pacientes e
para a saúde pública. Os autores não levantaram a possibilidade da prescrição ser uma
influência exercida pela indústria farmacêutica, desde os períodos de estudo na
28
universidade. Patel et al (2005) apresentam uma taxa aproximada de 20 a 45% para a
resposta do efeito placebo, observada em meta-análises recentes. Um percentual, por
vezes superior ao obtido pelo tratamento multidisciplinar aplicado usualmente para a
anorexia nervosa. Então, não se justifica utilizar fármacos que podem gerar efeitos
adversos, já que a Associação Médica Mundial reunida em assembléia em Paris, em
outubro de 2008, alterou o artigo 32 da Declaração de Helsinque, que regula a pesquisa
clínica com seres humanos, considerando que “o uso de placebo, ou o não-tratamento”
passa a ser “aceitável” quando, para a doença estudada, não existir current proven
intervention, ou seja, uma intervenção atual comprovada, o que é o caso da anorexia
nervosa. Até então, a norma considerava que a prescrição de placebo significava burlar a
confiança do paciente, violando, dessa forma, a regra do consentimento informado.
Além do ambiente ambulatorial onde está presente a prescrição medicamentosa,
existe a terapêutica de internação hospitalar, permitida pela legislação brasileira, com o
atestado de um laudo médico comprobatório e de um termo de responsabilidade da
familiar responsável. No entanto, isso não é uma regra, pois em junho de 2007, uma
adolescente de 15 anos na Bahia, teve sua internação determinada pela justiça, a pedido
da equipe médica do Hospital São Matheus, apesar da não concordância dos pais
(GLOBO.COM..., 2007). A justificativa para a internação compulsória encontrou-se na
alegação que alguns pacientes não possuem consciência crítica de sua morbidade,
podendo correr risco de morte iminente. Mas Russel (2001) faz a ressalva de que a
internação sem a concordância da própria paciente é questionável, sendo válida apenas
em curto espaço de tempo, suficiente apenas para a recuperação do IMC (índice de
massa corporal). Ramsay et al (1999) apresentam argumentos mais contundentes contra
a internação na anorexia, ao observarem que ocorrem taxas maiores de mortalidade em
pacientes internadas contra a sua própria vontade, fator ignorado pela equipe médica do
29
Hospital São Mateus em 2007. Importante observar que a terapêutica alimentar
ministrada no ambiente hospitalar também pode levar a maiores danos, já que somente
se preocupa com o aumento do IMC, sem perceber a toxicidade presente na própria
alimentação.
Na abordagem nutricional a meta visa fundamentalmente o aumento da ingestão
de calorias, para que ocorra uma recuperação do peso, estratégia defendida por vários
autores, como Rock e Curran-Celentano (1996); Dempsey e outros (1984); Vaisman e
outros (1991). A ADA (2001) determina que o nutricionista deve monitorar a ingestão
dietética para assegurar um ganho de peso apropriado, posição acompanhada pela APA
(2000), ao estabelecer que as metas no tratamento nutricional na anorexia nervosa
envolvem o restabelecimento do peso, e a normalização do padrão alimentar, através de
um ganho de peso controlado, recomendando valores entre 900g e 1300g por semana
para pacientes que estejam em enfermarias, e 250g e 450g, também por semana, para
pacientes em ambulatório. Macarson (2002) estipula que 1.200 Kcal/dia é o valor
mínimo energético total da dieta. Podemos observar que não há uma preocupação com o
tipo de alimento a ser ministrado, mas com seu valor calórico, a fim de tentar repor o
IMC da paciente.
Os tratamentos descritos anteriormente não foram estruturados na etiologia da
anorexia, pois, como já dito, ela é multifatorial, ou seja, desconhecida. Ribeiro (2004,
p.205) afirma que em relação “aos transtornos alimentares, sua causa é desconhecida,
apesar das crescentes evidências apontarem para uma interação de diversos fatores não
apenas na gênese, mas também na perpetuação do quadro”. Isso faz com que o
prognóstico no tratamento da anorexia apresente uma taxa baixa de recuperação em
torno de 36%, em vários registros (HALMI, 1995), e uma previsão de período para
tratamento, que pode ultrapassar 10, ou mesmo, 15 anos (KEEL et al, 1999). Nunes
30
(1998) reforça esse prazo, ao observar que vários estudos afirmam que um tempo de
tratamento menor que 5 anos tende a ser insuficiente. Além do prognóstico não favorável
no aspecto do tempo de recuperação, o critério de melhora varia entre diversos autores.
Enquanto para Herzog, Nussbaum e Marmor (1996) é necessário não haver mais
nenhum comportamento compulsivo, Keel et al. (op. Cit.) consideram a paciente
recuperada apenas com a diminuição na frequência das compulsões, não havendo
necessidade de cessar todos os sintomas. Nabuco de Abreu e Cangelli Filho relatam em
seu artigo “Anorexia nervosa e bulimia nervosa – abordagem cognitivo-construtivista de
psicoterapia” que o prognóstico para a anorexia nervosa não é favorável.
Desde as publicações mais antigas em revistas especializadas até os
dias de hoje, os artigos existentes – que são poucos – e que por ventura
contenham sua descrição, prognóstico de melhora ou mesmo os índices
de recuperação, apresentam, na grande maioria, resultados
desalentadores. (...) Assim, a pesquisa disponível a respeito da AN
ainda apresenta dados muito contraditórios, embora a maioria dos
estudos de resultado em longo-prazo aponte para um sucesso bem mais
limitado. Somente para citar um exemplo, em um olhar mais amplo em
mais de cem estudos, somente cerca de 50% das pacientes se
“recuperam totalmente” (e isto quer dizer o restabelecimento do peso,
a normalização dos comportamentos alimentares e o retorno da
menstruação regular). Outros 30% experienciam uma recuperação
parcial caracterizada por algum tipo de resíduo ou distúrbio no
comportamento alimentar e pela falta de habilidade para manter o peso
normal. E, finalmente, nos 20% restantes, a doença assume uma forma
crônica, não apresentando qualquer sinal de remissão (NABUCO DE
ABREU E CANGELLI FILHO, 2004, p.181).
É importante ressaltar que a recuperação de 50%, relatada por Nabuco de Abreu e
Cangelli Filho (2004), envolve apenas o restabelecimento do peso, o retorno da
menstruação, e a normalização dos comportamentos alimentares, não levando em
consideração a recidiva da síndrome. Os próprios autores ressaltam essa dificuldade na
recuperação real.
Um outro estudo mais recente com 193 anoréxicas sugeriu que, em
tratamento de curto prazo, a maioria recobrou o peso com um único
propósito: deixar a internação. Portanto, pode-se facilmente perceber
que estamos diante de uma das populações mais refratárias a qualquer
forma de ajuda. (op cit).
31
Fatores também percebidos por outros autores, que destacam a ineficiência, a
dificuldade, e a resistência das próprias pacientes.
O tratamento da anorexia nervosa e bulimia tende a ser árduo,
prolongado e de resultados duvidosos e, muitas vezes, insatisfatórios.
Isso se deve, em parte, às condições inerentes à doença que, na sua
complexidade e rebeldia, representa um desafio a qualquer esforço
terapêutico. (RIBEIRO et al, 1998, P.51).
Também encontramos essa percepção em Rego (2004, cap.4, p.114) ao afirmar
que “é complexa a discussão sobre o diagnóstico e o tratamento desse quadro (anorexia
nervosa, grifo nosso) psicopatológico que contempla diferentes leituras em várias áreas
científicas”. É preciso lembrar que sem compreender a etiologia, ou seja, a causa
primária do transtorno, não há como estruturar um tratamento eficiente, a não ser por
sorte.
RIBEIRO (2004, p.206) afirma que “poucos estudos biológicos foram realizados
para elucidar a patogênese e a fisiopatologia da bulimia”, e podemos também dizer que o
mesmo se aplica à anorexia nervosa. Steinberg (1987) acredita que os sintomas
obsessivos encontrados nas anoréxicas são conseqüência de sua deficiência nutricional,
observando que eles desaparecem com o restabelecimento do peso. Mas não explica
porque, após o restabelecimento do peso, o comportamento anoréxico retorna, não se
estabelecendo a cura definitiva. Busse & Ribeiro (2001) observam que nos transtornos
alimentares existem sintomas grastrointestinais, e isso pode dificultar o diagnóstico da
doença celíaca, ou mesmo de outra patologia, levando a um diagnóstico equivocado de
anorexia nervosa. No entanto, da mesma forma que ocorre hipersensibilidade ao trigo,
classificada como doença celíaca, com sintomas semelhantes ao quadro de anorexia, é
possível que a própria anorexia nervosa se caracterize por um quadro de
hipersensibilidade a determinados tipos de alimentos, além do trigo, tornando a rejeição
a esses alimentos um sintoma de um processo de autocura, e não um sintoma a ser
32
combatido. Essa percepção da anorexia como sintoma de um processo de autocura pode
ser encontrada em Bruch (1975), ao afirmar que através da abstinência de alimentos, as
anoréxicas buscam um autodomínio, ou um encontro com o self , ou seja, com o próprio
ser.
As discussões travadas até aqui mostram aspectos relacionados apenas a
conceitos, etiologia e tratamentos. A comunidade “anorexia e bulimia nova visão”, foi
criada no orkut com a intenção de se aproximar do usuário de comunidades e blogs,
relacionados com a questão alimentar. A comunidade oferece espaços que permite aos
freqüentadores não se sentirem inibidos em manifestar pensamentos, sentimentos e
práticas. Desta forma, a percepção do problema pelo portador do transtorno alimentar,
com quem ele se relaciona e de que forma, é nosso objeto de estudo e será discutida no
capítulo 3. Como é intenção dessa pesquisa a criação de um veículo virtual de
informação, antes, porém, discutiremos, no capítulo a seguir, as características da
divulgação científica.
33
2. DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: ENTRE A INFORMAÇÃO E A REFLEXÃO.
Não há neutralidade na ciência. O doutor John Harvey Kellogg7 utilizou, por
exemplo, um discurso científico adequado às indústrias que necessitavam de braços, e
ofereceu um modelo alimentar para as jovens damas de classe média, gerando condições
para desviar os corpos femininos para o mercado de trabalho (LEVENSTEIN, 1998).
O movimento conhecido como New Nutrition (ibidem), que surge no final do
século XIX, nos Estados Unidos, também utiliza o discurso científico para transmitir
conceitos de química, com o objetivo de sugerir que os operários economizassem, ao
optar por fontes protéicas mais baratas, e com isso, mais dinheiro poderia ser gasto em
outras despesas. Esse movimento considerava um desperdício os gastos dos
trabalhadores ítalo-americanos com frutas, verduras e legumes, alimentos sabidamente
nutritivos e saudáveis, pois entendia que estes alimentos eram constituídos
principalmente de água.
Outros vários exemplos demonstram que não se tratou de equívocos isolados,
mas de uma sincronia de interesses entre o discurso científico-médico e o discurso da
burguesia detentora dos meios de produção. Rea (1990) retrata em sua dissertação o que
ocorreu na Alemanha em 1838, quando se divulga que o leite de vaca tem mais proteína
do que o leite materno. Informação deslocada de seu contexto, favorecendo ao uso do
leite de vaca, e que vai ser aproveitada pelo mercado, em detrimento da saúde dos
nascituros vindouros. Em 1856, Gail Borden, desenvolve o método para produzir leite
condensado. Doze anos depois, Henri Nestlé, inicia a produção de leite condensado
7 John Harvey Kellogg (26 de fevereiro de 1852 - 14 de dezembro de 1943) foi um médico cirurgião
americano, que dirigia um sanatório usando métodos holísticos, e fundou a Sanitas Food Company, com
seu irmão, para produzir cereais. Seu irmão, Will Keith Kellogg, rompe a sociedade por insistir em
adicionar açúcar nos cereais, e funda a Battle Creek Toasted Corn Flake Company, que viria a ser a
Kellogg Company.
34
enlatado, que passou a ter um papel importante na alimentação infantil na Grã-Bretanha,
pois se adequou a necessidades das mães em trabalhar fora de casa. Também é nesse
período que aparecem as mamadeiras de vidro substituindo os seios maternos pelo bico
de borracha (BULLOUGH, 1981), patenteado nos EUA em 1845 por Pratt, gerando
gravíssimos problemas de saúde às crianças do terceiro mundo, por contaminação dos
bicos (MARQUES, 2000). Amorim retrata a influência do marketing da indústria de leite
sobre o pensamento médico no Brasil, na década de 20, do séc.XX.
Pediatras brasileiros desse período acreditavam que uma das formas
de combater a mortalidade infantil era a administração de fórmulas
lácteas às crianças. Esses médicos eram influenciados pelo marketing
das indústrias de leite em pó, que destacavam aspectos desse produto,
como a pureza bacteriológica, o equilíbrio bioquímico - entre outros.
Não levavam em consideração que as camadas mais pobres da
população não tinham acesso ao leite industrializado ou, quando dele
dispunham, faltava-lhes água tratada para o preparo das mamadeiras,
facilitando a contaminação e a ocorrência de diarréias. (AMORIM,
2005, P.51).
Foram também questões mercadológicas que levaram ao desenvolvimento de
pesquisa científica, com o objetivo de substituir matérias primas naturais importadas dos
países tropicais, como o açúcar de cana, por matérias primas sintéticas, como os
adoçantes sintéticos. (SZMRECSÁNYI e ALVAREZ, 1999). E em 1879, a sacarina é
produzida pela indústria química ou farmacêutica, tendo sido o primeiro adoçante
sintético, surgindo posteriormente, de maneira acidental, os ciclamatos em 1937, e o
aspartame em 1965. (SZMRECSÁNYI e ALVAREZ, 1999). E, forjados os adoçantes
sintéticos, era necessário, mais uma vez, a associação do discurso científico aos
interesses mercadológicos, acusando o açúcar de ser uma verdadeira droga, o “pó branco
cristalizado”, causador de câncer, doenças cardíacas, diabetes, problemas
dermatológicos, hiperatividade e lerdeza mental (LEVENSTEIN, op. cit.).
Independentemente do mal ou não do, até então, venerado açúcar, o mercado
35
impulsionou uma nova onda, o Diet, permitindo à indústria alimentar expandir o
mercado para a utilização de adoçantes sintéticos. Não importa que hoje os adoçantes
sintéticos sejam alvo de acusações, associando seu consumo a doenças também graves
como o câncer, pois a cultura do Diet já impregnou o hábito, garantindo o seu consumo.
Entre 1949 e 1959, mais de 400 compostos químicos novos foram aprovados, sendo que
em 1960 a indústria alimentar já utilizava 704 produtos químicos (ibidem).
Na década de 1920, surge o movimento da “vitaminomania” (LEVENSTEIN,
1993), quando são feitos grandes investimentos para o lançamento de produtos
alimentícios processados, relacionando a palavra vitamina às idéias de vitalidade e
energia. A idéia somente não foi mais longe na indústria de alimentos, porque uma outra
indústria, a farmacêutica, entrou rapidamente nessa fatia de mercado, comercializando
vitaminas em cápsulas, uma maneira mais prática que vigora até hoje. O interessante é
que, a partir da concorrência, o discurso da indústria alimentícia mudou, levando-a
propor um limite na comercialização de vitaminas, através de um pacto com a American
Medical Association e com o governo americano, baseado na tese de que não havia
necessidade de suplementação, pois os alimentos americanos continham todos os
nutrientes necessários, portanto ao consumi-los se obtinha uma boa saúde
(LEVENSTEIN, 1998). A Nestlé, segundo Amorim (2005), patrocinou eventos
científicos na década de 30, procurando influenciar profissionais da área da saúde. Essa
estratégia é plenamente utilizada pelas indústrias ainda hoje, ao financiar congressos,
laboratórios em Universidades, entre outras benesses.
As estratégias utilizadas pela indústria, em relação aos profissionais de
saúde, foram as seguintes: o estímulo a produções acadêmicas,
premiando os melhores trabalhos na área de Puericultura e Pediatria; a
divulgação de estudos através do Serviço de Informação Científica,
criado em 1956, juntamente com o primeiro Curso Nestlé de
Atualização em Pediatria; a distribuição de amostras de produtos para
os pediatras, acompanhados de folhetos explicativos e orientações
36
sobre a composição química dos alimentos; o patrocínio de eventos
científicos, até financiando a participação de profissionais, entre
outros. Com esse tipo de estratégia, a Nestlé procurou influenciar a
formação de profissionais de saúde, especialmente dos pediatras, com
o objetivo de que o produto chegasse aos consumidores com o aval
médico. Lembramos que, desde 1930, as propagandas de leite em pó
incorporaram a figura do médico como avalista do produto,
associando-o à ciência. Como uma autoridade do saber, respeitada
pela população, o médico era o intermediário ideal entre a indústria e
o público consumidor. (AMORIM, idem, P.106-107).
Não é de se estranhar o flerte entre a ciência e os interesses do Capital emergente,
pois como revela Foucault (2007, p.207),
“(...) a questão da ideologia proposta à ciência não é a questão das
situações ou das práticas que ela reflete de um modo mais ou menos
consciente; não é, tampouco, a questão de sua utilização eventual ou
de todos os empregos abusivos que se possa dela fazer; é a questão de
sua existência como prática discursiva e de seu funcionamento entre
outras práticas”.
Portanto, ciência é essencialmente discurso, que tem a pretensão da verdade e que
não se dissocia do desejo e do poder.
A ciência torna-se o supremo juiz daquilo que devemos ou não ingerir,
desqualificando ou restaurando alimentos, confirmando que não há neutralidade nesse
discurso, mas disputa de poder. Roberto Machado, na introdução de Foucault (2006),
ratifica a inexistência da neutralidade em um saber.
Todo conhecimento, seja científico ou ideológico, só pode existir a
partir de condições políticas que são as condições para que se formem
tanto o sujeito quanto os domínios de saber. A investigação do saber
não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria sua origem,
mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro.
Todo saber é político. E isso não porque cai nas malhas do Estado, é
apropriado por ele, que dele se serve como instrumento de dominação,
descaracterizando seu núcleo essencial. Mas porque todo saber tem
sua gênese em relações de poder. O fundamental da análise é que
saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem
constituição de um campo de saber, como também reciprocamente,
todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício
37
do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber.
(FOUCAULT, 2000, p.XXI).
Machado afirma que saber e poder se implicam mutuamente, e essa percepção é
fundamental no processo de alfabetização científica que esse trabalho propõe. Foucault
(2007) nos alerta que a influência da ideologia sobre a ciência está além da própria
consciência dos sujeitos da construção.
A influência da ideologia sobre o discurso científico e o
funcionamento ideológico das ciências não se articulam no nível de
sua estrutura ideal, nem no nível de sua utilização técnica em uma
sociedade, nem no nível da consciência dos sujeitos que a constroem;
articulam-se onde a ciência se destaca sobre o saber. (FOUCAULT,
2007, p.207).
Podemos considerar que a própria comunidade científica ignora os fenômenos
sociais e políticos que influenciam a atividade científica. Por isso, no processo de
divulgação científica o importante é informar à sociedade sobre os mecanismos
institucionais relacionados com o controle, o financiamento e a organização da ciência.
Transmitir conteúdos não contribui para a compreensão de como a ciência funciona,
fortalecendo as ideologias do mito da ciência como verdade, e da neutralidade científica,
ou seja, a ciência como saber puro e autônomo, constituída sem a interferência de fatores
relacionados com a política, o social e o econômico. Fortalecer a crença no jornalismo
científico de caráter informativo, com o prefixo in caracterizando a ausência de uma
formação no fato a ser narrado, é próprio do jornalismo ao dividir os textos publicáveis
em informativos (como reportagens, entrevistas ou notícias), ou opinativos (como
editoriais, artigos e colunas). No próprio jornalismo científico encontramos as marcas do
sensacionalismo e do marketing, apropriadas para vender as notícias. Mariani (1998,
p.81) afirma que a mídia “está jogando no interior da própria ilusão que sustenta o mito
da informatividade para poder dizer / relatar o que lhe interessa”, ou seja, o jornalismo
38
científico seleciona os produtos científicos que causam maior impacto e,
consequentemente geram maior venda de mídia. Coracini (2003) destaca o
funcionamento da imprensa, revelando que ela faz circular o que interessa às instâncias
do poder.
(...) a imprensa funciona construindo um modelo de compreensão dos
sentidos, instituindo uma ordem, isto é, organizando e fazendo circular
os sentidos que interessam a instâncias que o dominam. Declarando-se
comprometida com a verdade dos fatos, a imprensa finge não
contribuir para a construção das evidências, atuando no mecanismo
ideológico das aparências de obviedade. (p. 204)
Segundo Granger (1994), atualmente, no século XXI, a ciência ocupa o
imaginário social como produtora de verdades e detentora de poder, conseqüência da
expansão do capitalismo, da transformação da ciência em mercadoria, e do surgimento
do jornalismo científico e da divulgação científica. Para entender como não é possível
narrar um fato não ideológico, presente na idéia das narrativas informativas, Deleuze
(2004) nos revela a transição da sociedade foucaultiana ou disciplinar para a de controle.
É certo que entramos em sociedades de “controle”, que já não são
exatamente disciplinares. Foucault é com freqüência considerado
como o pensador das sociedades de disciplina, e de sua técnica
principal, o confinamento (não só o hospital e a prisão, mas a escola, a
fábrica, a caserna). Porém, de fato, ele é um dos primeiros a dizer que
as sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando para trás,
o que já não somos. Estamos entrando nas sociedades de controle, que
funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e
comunicação instantânea". (DELEUZE, 2004, p. 215-216).
Hardt (2000) complementa Deleuze, reforçando a onipresença desse controle, ao
afirmar que ele “é, assim, uma intensificação e uma generalização da disciplina, em que
as fronteiras das instituições foram ultrapassadas, tornadas permeáveis, de forma que não
há mais distinção entre fora e dentro". (HARDT, 2000, p.369). Pécheux (1995) afirma
que a prática discursiva é fundamentalmente ideológica, por isso, não há como pensar
em uma ciência asséptica.
39
Toda ciência – qualquer que seja seu nível de desenvolvimento e seu
lugar na estrutura teórica – é produzida por um trabalho de mutação
conceptual no interior de um campo conceptual ideológico em relação
ao qual ela toma uma distância que lhe dá, num só movimento, o
conhecimento das errâncias anteriores e a garantia de sua própria
cientificidade. Nesse sentido, toda ciência é inicialmente ciência da
ideologia da qual ela se destaca. (Pêcheux, 1995, p.63-64).
Portanto, não há ciência não ideológica, não há divulgação científica informativa,
pois em toda comunicação existem idéias circulando. Dessa forma, na comunicação
científica, não se trata apenas de transmitir conhecimentos, mas de determinar qual visão
de ciência encontra-se acoplada à atividade proposta.
Segundo Christovão Braga (1997, p.40), John Bernal cria na década de 40 o
termo comunicação científica para expressar entre pesquisadores “(...) o amplo processo
de geração e transferência de informação científica”. Paul Hurd cria a denominação
alfabetização científica em uma publicação na década de 50, a Science Literacy: Its
Meaning for American Schools (HURD, 1958). Na década de 60, Garvey (1979)
apresenta um modelo onde o próprio pesquisador ou cientista é o emissor da informação
apresentada aos seus próprios pares. Bueno (1984) propõe a diferenciação dos termos
difusão científica, disseminação científica, e divulgação científica, considerando o
primeiro termo como sendo o mais amplo, abrangendo todos os processos usados com o
objetivo de comunicar a informação científica e tecnológica ao público em geral, ou seja,
para especialistas ou leigos. A disseminação científica “pressupõe a transferência de
informações científicas e tecnológicas, transcritas em códigos especializados, a um
público seleto, formado por especialistas” (BUENO, 1985, p. 1421). Bueno (ididem)
ainda propõe a diferenciação da disseminação científica em dois segmentos distintos,
intrapares e extrapares, considerando os interlocutores. No primeiro segmento, a
comunicação acontece entre especialistas de uma mesma área do saber, o que permite
“códigos fechados” e “conteúdos específicos”. No segundo segmento, a propagação da
40
informação científica atinge um público também especialista, mas de outras áreas do
conhecimento, estabelecendo uma comunicação “interdisciplinar”. A divulgação
científica é o termo que aparece com mais freqüência na literatura, mas tem um sentido
mais restrito, pois busca apenas o público leigo, através da tradução da linguagem
especializada. Apesar do modelo proposto por Bueno, Hernández Cañadas (1987, p. 25),
observa que os termos difusão, disseminação e divulgação científicas são
freqüentemente utilizados sem rigor conceitual, na literatura, sendo a difusão científica o
mais geral, significando “(...) todo e qualquer processo ou recurso utilizado para a
veiculação de informações científicas e tecnológicas”. Concordando com a classificação
de Bueno, baseada em acordo com o público a que se destina a linguagem científica,
Cañadas propõe que a difusão científica, o termo mais geral, divida-se em disseminação
científica, difusão para especialistas e divulgação científica voltada para a circulação de
informação científica para o público em geral. Gonzalez (1992, p. 19) percebe a
divulgação científica como a “comunicação entre ciência e sociedade”, sendo uma
democratização relativa do conhecimento científico, que legitima e reforça o perfil
ideológico da ciência.
O produto final desse trabalho pretende ser uma estratégia prática de divulgação
científica, ou seja, direcionado ao público em geral, mas revelando as contradições e os
conceitos presentes nos discursos científicos relacionados aos transtornos alimentares.
Também será um espaço para o processo de alfabetização científica, já que tem a
possibilidade de atingir pessoas de formações distintas, de faixas etárias diversas,
possibilitando que a grande maioria tenha acesso aos conceitos necessários para pensar
sobre conhecimentos científicos que sejam importantes para a sua saúde, e, dessa forma,
ajudar a resolver necessidades básicas de saúde, e adquirir percepção crítica das relações
complexas entre ciência e sociedade (FURIÓ et al., 2001). Chassot (2003, p.91) explica
41
a necessidade de haver alfabetização científica, pois sendo “a ciência uma linguagem (...)
ser alfabetizado científicamente é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza”.
Mas, alerta com a pergunta “para que(m) é útil a alfabetização científica que fazemos?”
(ibidem, p.99). Portanto, é fundamental que haja uma alfabetização crítica,
possibilitando que se perceba as contradições e interesses por trás de um discurso, seja
ele caracterizado como um artigo científico ou não.
Promover saúde é permitir o desenvolvimento de habilidades e atitudes para a
formação de uma consciência crítica e do empowerment pessoal (LAVERACK, 2001).
Não é intenção fornecer textos sem o seu desnudamento ideológico, pois como observa
Pozo (2002) há excesso de informação disponível.
Em comparação com outras culturas do passado, em nossa sociedade
não é preciso buscar ativamente a informação, desejar aprender algo,
para encontrá-la. É antes, a informação que nos busca, através da
mediação imposta pelos canais de comunicação social. (POZO, 2002,
p.35).
De fato, Mueller (2000) observa a ampliação das formas de acesso e difusão de
informação, mais eficientes, rápidas, e capazes de vencer barreiras geográficas,
hierárquicas e financeiras. Merton (apud PINHEIRO, 2002, p.10) reforça essa percepção
da velocidade da informação, destacando que “os canais informais apresentariam, entre
algumas vantagens, alta rapidez e seleção, avaliação e síntese da informação transmitida.
A velocidade da comunicação interpessoal, por exemplo, superaria em meses e até anos
as demais”. Portanto, transmitir simplesmente conteúdos, além de não contribuir em uma
sociedade abundante de informação, não possibilita dar uma visão adequada de ciência,
não contribuindo para que se compreenda como a ciência funciona, nem qual a ideologia
há por trás de cada movimento. Chassot (op. cit, p.90) nos diz que “se pode afirmar que
a globalização determinou, em tempos que nos são muito próximos, uma inversão no
42
fluxo do conhecimento. Se antes o sentido era da escola para a comunidade, hoje é o
mundo exterior que invade a escola”, de tanta informação que é produzida na forma de
livros, arquivos disponíveis na internet, filmes etc. Utilizar os canais midiáticos para
transmitir conhecimentos acríticos, com o adjetivo de serem científicos por terem sido
publicados, ou seguido metodologias aceitas na academia, é implantar um processo
passivo, comumente encontrado na educação tradicional, também denominada de
bancária por Paulo Freire (2001), pois o receptor apenas arquiva informações. E a
conseqüência dessa educação é formar pessoas medíocres, a-históricas, como observa
Collares et al (1999).
O objeto cognoscível de que esse sujeito se apropria, ’forma-o’ pela
incorporação não transformada dos conhecimentos adquiridos. Do
ponto de vista da ciência clássica, a educação – como formação
intelectual – forma os sujeitos transformando-os em seres a-históricos,
racionais, em que o espaço para os acontecimentos está desde sempre
afastado. Trata-se de negar a contingência da subjetividade para evitar
o que ela supostamente seria: uma fonte de erros ou de perturbações
(COLLARES et al., 1999, p.207).
Santos (1991, p.32) observa que o próprio método científico transformou-se em
um “mito de um método todo poderoso, universalmente fecundo, especial, mecânico e
perene a que os cientistas recorrem para chegar à verdade; (...)”. Isso ocorreu porque,
durante séculos, a metodologia quantitativa de provar o conhecimento afastava qualquer
dúvida sobre esse saber, mas novas teorias apareceram (LAKATOS, 1979). Entre elas,
podemos citar Maturana e Varela (2004) que propõem uma nova metodologia,
resgatando o lugar do qualitativo e do subjetivo.
(...) não se pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse
“fatos” ou objetos lá fora, que alguém capta e introduz na cabeça. (...)
tudo o que é dito é dito por alguém. Toda reflexão faz surgir um
mundo. Assim, a reflexão é um fazer humano, realizado por alguém
em particular num determinado lugar. (P.31-32, grifo do autor).
Chassot (2003, p.96) considera o livro Contra o método como uma das “obras
que foram decisivas para novas concepções de ciência”, e ainda, após destacar adjetivos
43
para seu autor, afirma que prefere estar ao lado dele, que ao lado de posições
conservadoras.
Então, mais uma vez, me parece claro por que Feyerabend, um dos
críticos mais perspicazes, faz análises da ciência tão
desestabilizadoras. Não é sem razão que ele é chamado em rodas mais
fechadas de “terrorista epistemológico”, tendo sido chamado por
alguns físicos, mais recentemente, de “o pior inimigo da ciência”,
encabeçando uma lista em que são nomeados Karl Popper, Imre
Lakatos e Thomas Kuhn (Regner, 1996). Prefiro estar ao lado de
Feyerabend, e não de seus críticos conservadores. (ibidem, grifo do
autor).
O trecho a seguir permite avaliar a concepção de Feyerabend (2007) para a ciência.
Segue-se também que procedimentos “não-científicos” não podem
ser postos de lado por argumentos. Dizer “o procedimento que você
usou não é científico, portanto não podemos confiar em seus
resultados nem lhe dar dinheiro para pesquisa” pressupõe que a
“ciência” seja bem-sucedida e é bem-sucedida porque usa
procedimentos uniformes. A primeira parte da asserção (“a ciência é
sempre bem-sucedida”) não é verdadeira, caso por “ciência”
queiramos nos referir a coisas feitas por cientistas – há também muitos
fracassos. A segunda parte – que os sucessos devem-se a
procedimentos uniformes – não é verdadeira, porque não há tais
procedimentos. Cientistas são como arquitetos que constroem
edifícios de diferentes tamanhos e diferentes formas, que podem ser
avaliados somente depois do evento, isto é, só depois de terem
concluído sua estrutura. Talvez ela fique de pé, talvez desabe –
ninguém sabe. (p. 20-21, grifo do autor).
Luckesi (1994) afirma que não existe educação livre de ideologias dominantes,
sendo fundamental que ocorra reflexão sobre o próprio processo educativo. “Trata-se de
‘aprender a aprender’, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do
que o saber propriamente dito”. (LUCKESI, 1994, p.58). O processo de “aprender a
aprender” exige um diálogo entre interlocutores ativos e iguais (FREIRE, 2001). Silva e
Fernandez (2007, p.29) observam que deve haver “ruptura com idéias originárias do
pensamento positivista, segundo o qual o conhecimento científico consiste na descrição
positiva dos fenômenos da natureza, idéias que apóiam a transmissão e não a construção
do conhecimento”. Caso contrário, permanece a crítica de Chassot (2010) que em
44
entrevista à Revista do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) constata que “a maioria do
que ensinamos não serve para nada, ou ainda mais trágico: serve para aumentar a
dominação. Muito do que ensinamos serve até para fazer alunas e alunos mais reféns dos
dominadores”.
Portanto, o produto final dessa dissertação materializa o processo de divulgação
científica no site <www.anorexiaebulimia.com>, com o objetivo de promover saúde
integral, gerar desenvolvimento das potencialidades, da autonomia, e contribuir para a
transformação da própria realidade (CANDEIAS, 1997), participando da proposta
presente no relatório final da XI Conferência Nacional de Saúde.
As Políticas de IEC (Informação, Educação e Comunicação) devem
(...) estar voltadas para a promoção da saúde, que abrange a prevenção
de doenças, a educação para a saúde, a proteção da vida, a assistência
curativa e a reabilitação sob responsabilidade das três esferas de
governo, utilizando pedagogia crítica, que leve o usuário a ter
conhecimento também de seus direitos; dar visibilidade à oferta de
serviços e ações de saúde do SUS; motivar os cidadãos a exercer os
seus direitos e cobrar as responsabilidades dos gestores públicos e dos
prestadores de serviços de saúde. (CNS, 2010, item 208, grifo nosso)
A proposta é utilizar o ambiente da internet e recursos presentes em serviços
como correio eletrônico, listas de discussão, hipertextos, entre outros disponíveis, e
estabelecer uma comunicação informal entre os usuários do site, que são pesquisadores
de diversas áreas do conhecimento, leigos com interesse em assuntos relacionados à
saúde, ou, principalmente, pessoas que sofrem direta ou indiretamente as conseqüências
dos transtornos alimentares, possibilitando o desenvolvimento de autonomia no processo
de tomadas de decisão, e oferecendo novos caminhos de divulgação do pensamento
científico (PINHEIRO, 2002). O espaço informal foi propositalmente selecionado, já que
as pessoas que sofrem de transtornos alimentares, principalmente anoréxicas e bulímicas,
gostam de manter sua privacidade, não revelando, muitas vezes, nem aos parentes ou
45
amigos mais próximos, sua relação conflitante com os alimentos. Nonin (1999, p.690,
destaque nosso) percebe que
O isolamento é outro aspecto a ter em consideração, uma vez que se
encontra freqüentemente associado à depressão. Muitas vezes o início
da dieta da anorética é induzido, de acordo com a própria, pelo fato de
se sentir gorda e, logo, ostracizada pelos seus pares.
Característica também percebida por Appolinário & Claudino (2000, p.28-29), ao
afirmarem que, “gradativamente, as pacientes passam a viver exclusivamente em função
da dieta, da comida, do peso e da forma corporal, restringindo seu campo de interesses e
levando ao gradativo isolamento social” (destaque nosso). Portanto, o contato através de
uma mídia que permite perfis fakes ou e-mails que não revelam imediatamente a
verdadeira identidade é facilitado, permitindo que se inicie um processo educacional,
que vem a ser, inclusive, sugerido pela ADA (1994) como a primeira fase do processo
terapêutico para pacientes com anorexia nervosa. Apesar do verbo educar ter sua origem
no latim educere, que significa conduzir, nosso projeto educacional se inspira em Paulo
Freire (1972), através da construção de canais de diálogos, da implantação de uma
pedagogia não-normativa que possibilita encontros e trocas entre o público especializado
e o leigo.
No aspecto da divulgação científica, é importante o espaço para que o público em
geral tenha acesso a informações contraditórias no campo da saúde. A democracia nas
informações é, de certa maneira, ilusória, pois no campo da saúde os grandes
laboratórios dominam as mídias com compras de espaços publicitários, situação já
alertada por Landmann (1983).
As companhias farmacêuticas não se limitam a agir sobre o médico e
o farmacêutico. Hoje, raros são os programas da televisão comercial
que não tenham mensagens de remédios para resfriados comuns,
cefaléias, distúrbios digestivos e doenças do “fígado”, além da
publicidade de fortificantes e vitaminas feita como panacéia, por
artistas, desportistas ou outras figuras conhecidas. (p.114).
46
Apesar disso, o produto final dessa monografia pretende estar em contínuo
processo de elaboração, a fim de, nas palavras de Pereira et al. (2000, p.39), “oferecer
oportunidades para que as pessoas conquistem a autonomia necessária para a tomada de
decisão sobre aspectos que afetam suas vidas”, sem provocar culpa por não terem
tomado conta de sua saúde de maneira adequada (BERLINGUER, 1996). Apesar de Ilya
Prigogine, prêmio Nobel de química em 1977 ter afirmado que somente tinha “uma
certeza: as de minhas incertezas” (LÊ MONDE, 1989, p.59), a prática médica, apesar de
desconhecer a etiologia dos transtornos alimentares, continua efetuando terapêuticas, e
ignorando suas incertezas.
47
3. A COMUNIDADE DO ORKUT
O Ibope Nielsen Online (2010a), em julho de 2009, revelou dados de uma
pesquisa realizada sobre o índice de pessoas conectadas em nosso país, tendo destaque a
informação de que os sites de redes sociais tiveram importância para o crescimento do
tempo médio de conexão do internauta brasileiro.
No mês de julho de 2009, 36,4 milhões de pessoas usaram a internet no
trabalho ou em residências, o que significa um crescimento de 10%
sobre os 33,2 milhões registrados no mês de junho. (...) Entre os
internautas residenciais, o número de usuários ativos chegou a 27,5
milhões de pessoas, um crescimento de 7,4% em relação aos 25,6
milhões do mês anterior e de 16% sobre os 23,7 milhões de julho de
2008. O tempo de navegação em residências em julho cresceu 9%
sobre junho e 21% sobre julho de 2008, e atingiu a marca inédita de 30
horas e 13 minutos por pessoa. (...) Em tempo de navegação por
pessoa, as categorias que mais cresceram foram Entretenimento, com
13,3%, Buscadores, Portais e Comunidades, com 10,8%, e
Telecomunicações e Serviços de Internet, com 9,5%. “Sites de redes
sociais, de comunicação e de entretenimento foram os que mais
contribuíram para o crescimento do tempo médio de uso do
internauta brasileiro no mês de julho”, informou José Calazans,
analista de mídia do IBOPE Nielsen Online. (IBOPE, 2010a, grifo
nosso).
Entre os sites de redes sociais, Araújo (2006, p. 30) destaca a velocidade do
Orkut, lançado de forma discreta em 22 de janeiro de 2004, na conquista de novos
membros, ultrapassando a marca de 2.000.000 membros em menos de um ano, sendo
que deste total, 75% dos usuários são brasileiros. Melo (2007, p.11) observa também que
“o Orkut tem causado um grande sucesso entre usuários brasileiros. Tal sucesso reflete-
se também no fato de que apesar de ser um serviço desenvolvido e hospedado nos EUA,
o Brasil é o país com mais usuários cadastrados no Orkut”. Na figura 1, disponibilizada
pela própria Google, podemos constatar a informação de que é o Brasil o país com o
maior número de usuários, seguido por Índia, sendo os Estados Unidos da América o
terceiro colocado, apesar de ser o local onde se encontra a sede da Google,
48
administradora do Orkut. Interessante observar que no Japão o Orkut sofre uma
concorrência direta do líder Yahoo, desenvolvido, coordenado e localizado no Japão.
Figura 1. Levantamento sobre países usuários do Orkut.
Para melhor compreender o conceito da rede social Orkut, filiada ao Google
(companhia americana serviços na Internet, em <www.google.com>), Melo (2007)
define esse serviço como sendo um facilitador de contato entre usuários que têm
interesses em comum. Um local que tem o objetivo de ajudar seus membros a criar
novas amizades e manter relacionamentos. Mas não podemos deixar de observar a
autodefinição do Orkut.
O orkut é uma comunidade on-line criada para tornar a sua vida social
e a de seus amigos mais ativa e estimulante. A rede social do orkut
pode ajudá-lo a manter contato com seus amigos atuais por meio de
fotos e mensagens, e a conhecer mais pessoas. Com o orkut é fácil
conhecer pessoas que tenham os mesmos hobbies e interesses que
você, que estejam procurando um relacionamento afetivo ou contatos
profissionais. Você também pode criar comunidades on-line ou
49
participar de várias delas para discutir temas atuais, reencontrar antigos
amigos da escola ou até mesmo trocar receitas favoritas.Você decide
com quem quer interagir. Antes de conhecer uma pessoa no orkut,
você pode ler seu perfil e ver como ela está conectada a você através
da rede de amigos (...). (ORKUT, 2010a).
Em 30/10/2009, o Ibope Nielsen Online (2010b) publicou notícia divulgada no
jornal Brasil Econômico, informando que a rede social Orkut ainda detém grande
penetração entre os usuários da Internet, no Brasil.
Criada em 2004 pelo engenheiro turco do Google, Orkut Buyukkokten,
a rede social que tem o nome do seu criador foi dominada pelos
usuários brasileiros sem nunca ter feito sucesso nos Estados Unidos e
na Europa. (...) Na opinião de José Calazans, analista de mídia do
IBOPE Nielsen Online, pelo menos por enquanto o Orkut não precisa
se preocupar com o Facebook no Brasil, uma vez que o site ainda
detém 73% de penetração entre os usuários da web nacional. (IBOPE,
2010b).
De fato, os brasileiros estabeleceram na internet a febre do Orkut, contribuindo
para que essa rede social seja o site com mais page views (páginas visualizadas) do
Google no mundo. Uma das possíveis explicações para este fenômeno encontra-se na
estratégia do Orkut, ao lançar a novidade, se diferenciando de outras redes, de permitir
que os usuários criassem comunidades temáticas, que se caracterizam pelo debate e
discussão em torno de um interesse comum. Aliás, a formação de comunidades pessoais
é, segundo Meneses (2004), um dos pontos fortes do Orkut. Melo (id) também observa
que os elementos característicos das comunidades do Orkut são os temas, sendo
justamente o interesse por conteúdo informacional comum o fator estimulante para a
associação do usuário.
A presença dessas comunidades no Orkut é o que mais claramente
aproxima este serviço de redes sociais às comunidades virtuais
tradicionais. Estes ambientes se caracterizam pelo debate e discussão
em torno de uma temática ou interesse comum e a geração de valores
compartilhados e do sentimento de pertencimento. (ibidem, p. 37).
50
As características gerais que podem definir uma Comunidade Virtual são o de
possuir membros efetivos, com sentimentos de reciprocidade e idéias compartilhados
comuns aos ideais da comunidade, e que se relacionam através do ambiente fórum,
dividido em tópicos com assuntos propostos pelos usuários que os criam. Esse é o
espaço próprio para as discussões entre os membros de uma determinada comunidade,
que têm a opção de participar de um tópico já existente ou de criar um novo tópico.
Sobre o fórum, Melo (ibidem, p. 41) informa:
O fórum, sessão do Orkut analisada neste trabalho, está disponível em
cada uma das comunidades temáticas e é dividido em tópicos por
assuntos propostos pelo usuário que inicia o tópico. Portanto, um
fórum é formado por um conjunto de tópicos de discussões de uma
dada comunidade. É no espaço delimitado por cada tópico onde
ocorrem efetivamente as discussões entre os usuários membros de uma
dada comunidade. O fórum, assim, apresenta-se como o ambiente ideal
para que ocorram as interações assíncronas entre os usuários do Orkut.
Além dos tópicos, uma comunidade do Orkut também comporta uma
seção chamada Eventos em que os usuários podem postar mensagens a
respeito de eventos que digam respeito ao tema discutido na
comunidade.
Um tópico no fórum é iniciado por qualquer membro da comunidade, que posta
uma informação ou opinião que pode ser comentada ou não por outro usuário, incluindo
o próprio emissor. A troca de comentários estabelece as interações entre os usuários. No
entanto, a ausência de interação de algum usuário pode classificá-lo como lurkers,
denominação proposta por Takahashi e Fujimoto (2002 apud CHANDRASEKAR,
2004), para definir os usuários que estão em uma comunidade apenas para receber
informações, não trazendo nenhuma contribuição aos outros membros.
No final de 2008, o Ibope Nielsen Online (2010c) fez um importante
levantamento mostrando que o cuidado com a aparência e dietas dominam os blogs e as
comunidades sobre saúde e bem-estar. Interessante observar que as comunidades
51
menores e que estão relacionadas com o tema de emagrecimento são as que apresentam
maior índice de atividade no fluxo de comentários nos fóruns.
Milhares de brasileiros recorrem à blogosfera e às comunidades digitais
para se informar sobre saúde e bem-estar, mas os maiores níveis de
atividade foram detectados em comunidades de menor porte,
destinadas à troca de informações específicas sobre dietas, segundo
levantamento do IBOPE Inteligência para o site MinhaVida.com.br. O
trabalho analisou mais de uma centena de blogs e 760 comunidades no
Orkut, buscando identificar os temas que despertavam maior interação
entre os usuários e os formadores de opinião sobre o assunto.
“Verificamos que os maiores níveis de atividade não estão nas
comunidades de maior porte, mas sim nas voltadas para temas
específicos, como dietas, que chegam a apresentar um volume
médio de mais de 120 comentários por postagens em alguns casos”,
afirma Marcelo Coutinho, diretor de análise de mercado do IBOPE
Inteligência. Segundo o IBOPE, as comunidades sobre
“emagrecimento” predominam na categoria saúde e apresentam uma
intensidade no fluxo de comentários maiores que os verificados nas que
se propõem a discutir o conceito de vida saudável. O trabalho detectou,
também, um elevado número de links recíprocos entre elas, mostrando
que as pessoas interessadas em dicas de emagrecimento freqüentam
várias simultaneamente, fazendo com que elas ocupem posições
centrais dentro da rede (...). (IBOPE, 2010c, grifo nosso).
De fato, foi possível observar esses índices na comunidade “Anorexia e Bulimia
nova visão”, desde sua criação em 2006, pelo autor dessa dissertação.
3.1. A Comunidade “Anorexia e Bulimia nova visão”
Já no primeiro ano da comunidade construída no Orkut, houve uma grande
filiação de pessoas interessadas em discutir sobre transtornos alimentares. Na figura 2
pode ser visto a página inicial que contém a descrição desta comunidade.
52
Figura 2. Página inicial da comunidade.
Foram criados 48 tópicos, mas o volume de comentários em tópicos com o título
“formas de emagrecer” e “formas de emagrecer (2)”, postados por usuárias, foi bastante
elevado, com 744 e 249 postagens respectivamente, confirmando a percepção do Ibope.
O tópico criado anonimamente em 4 de novembro de 2009, com o título de “Indique
coisas fáceis de vomitar”, com 80 postagens até o momento, também merece destaque
por seu tema, conforme imagem a seguir.
Figura 3. Tópico “indique coisas fáceis de vomitar”.
Exceto por um tópico criado pelo coordenador da comunidade, todos os outros
foram colocados pelos membros da comunidade. No entanto, 52,08% dos tópicos, ou
seja, 25 tópicos, não geraram comentários, se restringindo apenas ao texto do seu
53
criador. A grande maioria desses tópicos são apelos para que os usuários participem de
reportagens ou de pesquisas. Outros propõem temas que fogem da questão dos
transtornos alimentares, como o que sugere que uma pessoa “descubra o nome de seu par
ideal”, em uma espécie de corrente, ou os que dizem “não ao ato médico!! Vamos
repassar e votar..!!” e “contra os desmandos do Senado!!”, protestando contra o projeto
de regulamentação da medicina. Outros divulgam tratamentos, clínicas ou sites de ajuda
àqueles que sofrem de transtornos alimentares, como o “grupo de discussões para mães –
psiquiatria infantil”, o “grupo de estudo msn”, o “Chat de MSN gratuito”, e o “site
excelente para aludar a tds e tirar dúvidas..” (foi mantida a grafia da postagem). Não há
a informação sobre se essas postagens tiveram êxito em seu marketing de utilizar o
fórum da comunidade para a divulgação do trabalho que realizam, já que o interessado
pode entrar em contato direto com os autores.
Apenas 5 tópicos despertaram grande interesse, “Ficha de anamnese”, “Formas d
emagrecer” (postado com essa grafia), “A ficha”, “Formas de emagrecer (2)”, e
“Anorexia é tudo de bom”, com mais de 140 comentários cada um, sendo os dois
primeiros concentrado mais de 700 comentários. Com o tema “formas d emagrecer” e
747 postagens, esse tópico confirma o interesse que o assunto desperta entre os usuários,
conforme comentado acima. O tópico “Ficha de anamnese” concentra postagens de
pessoas que solicitam ajuda para solucionar seu transtorno alimentar.
54
Figura 4. Página Fórum, onde são criados os tópicos.
A comunidade “Anorexia e Bulimia Nova Visão” possui atualmente 1466
membros, sendo a grande maioria composta por mulheres jovens envolvidas direta ou
indiretamente com o tema transtornos alimentares. Cerca de 20% dessas pessoas utilizam
perfis falsos, ou seja, nomes trocados e, geralmente, fotos de modelos ilustrando o perfil.
Muitas adotam como nome ou sobrenome os termos “mia” ou “ana”, designando suas
preferências pela bulimia ou anorexia respectivamente. 938 pessoas, a maioria
participante da comunidade, enviaram pedido de ajuda para o seu problema relacionado
com a alimentação, seja anorexia, bulimia ou obesidade, tendo recebido e respondido
uma ficha de anamnese a fim de possibilitar a construção de parâmetros individuais e
coletivos. A ficha de anamnese, estruturada dentro da análise proposta pela medicina
tradicional chinesa, visualizada em anexo, coleta informações sobre dados pessoais,
como data e local de nascimento, peso e altura, autopercepção do estado emocional,
sono, digestão, alimentação preferida, utilização de medicamentos, chás, laxantes ou
diuréticos, além de depoimento livre sobre seu transtorno alimentar. Grande parte dessas
55
pessoas, apenas se inscreveu na comunidade com o objetivo de receber ajuda. Ao
receberem a ficha de anamnese, preenchem, enviam as informações de volta, e, a partir
deste ponto, se retiram da comunidade, estabelecendo contato direto com o coordenador
por e-mail, em geral por receio de serem descobertas por amigos e, ou, familiares,
mesmo utilizando perfis fantasias.
O formato das comunidades virtuais é adequado para estimular o aprendizado
informal, em função dos espaços disponibilizados para troca de idéias e informações. No
caso dos transtornos alimentares, o espaço informal é importante a fim de se tentar
estabelecer um contato real, mesmo que seja através de um perfil fake8, adotado pelo
usuário da comunidade. De fato é extremamente difícil estabelecer contatos mais
próximos com pessoas que desenvolvem transtornos alimentares, em função de seus
medos, vergonhas, e sentimentos, sendo essa dificuldade um dos aspectos principais que
afetam as pesquisas científicas, conforme constatam vários autores, por exemplo, Kaplan
(2002, p.238) e Giordani (2006, p.81) que afirmam que anoréxicos costumam não
confiar em médicos, sentindo grande reação negativa em relação aos tratamentos. Nos
tópicos da comunidade, podemos também perceber essa dificuldade, em função do apelo
de pesquisadores e jornalistas para que usuários da comunidade participem de suas
pesquisas e entrevistas, mesmo anonimamente. Em 23 de setembro de 2009, uma
jornalista criou um tópico se apresentando e solicitando a participação de algum usuário
para a matéria no Jornal do Brasil.
8 Fake (falso em inglês) é um termo usado para denominar contas ou perfis usados na internet para ocultar
a identidade real de um usuário. Para isso são usadas identidades de famosos, personagens de filmes,
desenhos animados, animes e até mesmo de pessoas conhecidas do dono da conta. Como não se sabe a
identidade real do usuário, é comum chamar o seu perfil de "fake". De maneira geral, os "fakes" são
comumente encontrados em sites de relacionamento (como o orkut), mas também existem em serviços de
mensagem instantânea (como o msn messenger) e fóruns. Uma das finalidades de um fake é dar opiniões
sem se identificar, evitando constrangimentos ou ameaças pessoais ao opinante (...).
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Fake)
56
Sou repórter do Jornal do Brasil, e estou fazendo uma matéria sobre
distúrbios alimentares de uma forma geral. Serão abordados tanto os
mais conhecidos, como bulimia e anorexia, como Brancorexia (pessoa
deixa de se alimentar em troca do consumo maior de bebida alcoólica)
e Diabulimia (quando os diabéticos comem os alimentos que não
podem e depois vomitam). Gostaria de saber se alguém pode me
ajudar, em uma conversa, mesmo que a pessoa não queira se identificar
na matéria. Por favor, enviem um e-mail para (...).
No dia seguinte, uma repórter da Rede Gazeta do Espírito Santo, também solicita
a ajuda de alguém da comunidade para participação, através de depoimento.
Desculpem por invadir esse espaço. Sou repórter da Rede Gazeta, no
Espírito Santo (www.gazetaonline.com.br) e estou fazendo uma
matéria sobre a drunkorexia ou alcoorexia, que também vai abordar
outros comportamentos alimentares de risco, anorexia e bulimia. Estou
atrás de pessoas que têm ou tiveram esses problemas e que possam me
dar um depoimento sobre como começou, as dificuldades enfrentadas,
como decidiram buscar ajuda. Se alguém aqui puder me ajudar,
agradeço. Não é preciso se identificar, vamos preservar a identidade de
quem se dispuser a falar. Peço que entrem em contato pelo orkut ou
pelo e-mail (...).
Em outubro de 2009, uma repórter de uma afiliada da Rede Globo de São Paulo
também solicita a participação de pessoas para sai matéria.
E preciso muito da ajuda de quem se habilitar e puder dar um relato da
experiência que teve ou tem com essas doenças. Eu sei que é
supercomplicado falar sobre isso, mas achei que recorrendo às
comunidades do orkut, um espaço onde as pessoas discutem os temas
abertamente, eu poderia encontrar alguém que topasse falar. Se alguém
puder me ajudar, pode mandar um email (...) Podemos conversar por
email mesmo ou msn.. se a pessoa preferir podemos omitir a
identidade real na matéria...
No final de 2009, uma jornalista da Editora Abril envia um e-mail pedindo que o
coordenador da comunidade divulgue na comunidade que a Revista “Sou+Eu!” oferece
um cachê de R$ 1.000,00 para alguém que esteja disposto a dar um depoimento sobre
drunkroxia, um transtorno que combina a anorexia com o alcoolismo.
57
Uma aluna de uma escola técnica, no Rio Grande do Sul, também criou um
tópico solicitando que os usuários da comunidade respondessem a um questionário para
sua pesquisa.
Olá, não estou aqui para julgar ninguém, apenas para concluir um
projeto de pesquisa. São aluna da Fundação Escola Técnica Liberato
Salzano Vieira da Cunha de Novo Hamburgo-RS. Meu projeto é
voltado para pessoas com anorexia e bulimia, então se puderem
responder, me ajudariam muito, no mais, o questionário: Essa pesquisa
busca compreender as pessoas com anorexia e bulimia que procuram
auxilio na internet para atingir sua meta: o corpo ‘’perfeito’’. O
questionário é formado de questões mistas, nas quais você deve marcar
um X na resposta em que se adequar ou preencher o espaço se sua
resposta não estiver entre as dadas. Por favor preencha com
sinceridade e honestidade as questões.
1- Na sua opinião, como é um corpo perfeito?
( )magro ( ) gordo ( ) malhado ( ) __________________
2- O que você já fez o que para atingir esse corpo?
( ) Regime ( ) atividade física ( ) _______________
3- Sua família sabe sobre este seu esforço para atingir a sua meta?
( ) sim ( ) não
4- Ao postar em sites relacionados ao corpo que você quer atingir, o
que buscou?
( ) dicas ( ) incentivo ( ) apoio ( ) _______________
5- E esses sites lhe ajudaram?
( ) sim ( ) não
6- Você sabe dos riscos que corre?
( ) sim ( ) não ( ) alguns
Uma estudante de jornalismo solicita a colaboração de usuárias da comunidade
para responder a um questionário de seu Trabalho de Conclusão de Curso.
Sou estudante de jornalismo e estou buscando fontes para entrevistas
para o meu Trabalho de Conclusão de Curso. Preciso entender um
pouquinho mais sobre anorexia, são poucas perguntinhas. E as
identidades serão preservadas.
Um estudante de jornalismo cria um tópico solicitando depoimento de algum
homem com anorexia.
Faço faculdade de jornalismo, e como proposta de avaliação temos que
escrever uma reportagem. O tema que escolhi foi, "homens com
anorexia", senti essa necessidade pelo fato de ver na mídia uma grande
quantidade de informações voltadas ás mulheres e pouca coisa sobre
homens com esse transtorno alimentar. Gostaria de saber se algum
homem, que já passou por esse problema gostaria de me ajudar. Sei
58
que para muitas pessoas não é uma coisa fácil falar sobre um problema
desses, mas caso alguém queira me ajudar, meu email é (...).
Todos esses exemplos confirmam a dificuldade encontrada para entrar em
contato com pessoas que sofrem de transtornos alimentares. A alternativa para
pesquisadores ou jornalistas é solicitar ajuda através da intermediação de comunidades
no Orkut e blogs relacionados com o tema. Não há como saber se houve contato das
usuárias com os autores dessas postagens, pois constam endereços e telefones para
comunicação direta, sem a necessidade de intermediação da comunidade. Além disso, o
coordenador da comunidade também percebe que a preferência de contato é através de
comunicação direta, conforme já observado anteriormente, através do tópico “ficha de
anamnese”, pois recebe e-mails de pessoas que nem são usuárias da comunidade, e que
se justificam pelo medo de terem seus transtornos descobertos por conhecidos. Essa
característica foi importante para a pesquisa, pois o processo de comunicação direta com
os usuários, gerado pela criação e coordenação da comunidade, abriu espaço para
compreender as dificuldades e realidades dessas pessoas.
É difícil estabelecer um perfil definido dos usuários do Orkut, pois este se
constitui como um serviço de rede social aberto, não havendo nenhuma restrição, a não
ser na divulgação de conteúdos ilegais. Além disso, os perfis são fornecidos pelo
usuário, não havendo garantias de que as informações sejam verdadeiras. Mas, o próprio
Orkut, no link “sobre o Orkut”, apresenta dados referentes ao seu público, apresentado
em gráficos de barras horizontais, trazendo informações estatísticas por faixa etária,
interesses que buscam no Orkut, e que relacionamento afetivo estão vivenciando.
59
Figura 5. Idade dos freqüentadores do Orkut.
Figura 6. Interesses dos freqüentadores do Orkut.
Os dois gráficos apresentados nas figuras 5 e 6 mostram que o grande público do
Orkut encontra-se abaixo dos trinta anos, com 68,95%. É justamente nessa faixa em que
encontramos o maior número de pessoas com transtornos alimentares. Na questão dos
interesses, o objetivo de conquistar novos amigos está relacionado com a atração que as
comunidades despertam por proporem o encontro de pessoas com objetivos comuns.
Apesar dos recursos disponibilizados pelo Orkut, incluindo links para vídeos
postados no youtube.com, uma situação provocada, corretamente, pelo Ministério
Público, considerou necessário o estabelecimento de um maior controle do conteúdo
postado pelos usuários e comunidades, o que provocou a postagem pelo Orkut de um
texto, e o estabelecimento de Termos de Serviços (ORKUT, 2010b), em 16 de abril de
2007, disponibilizando a possibilidade de denúncia de violações aos termos
estabelecidos, através do link “denunciar abuso”.
Gostamos do orkut tanto quanto você e queremos que continue a ser
um espaço interessante e limpo - ou, como costumamos dizer, bonito.
Ultimamente, o orkut tem sido grande foco de atenção da mídia
brasileira, dando a impressão de que nossa comunidade está
60
impregnada de atividades ilegais e usuários insatisfeitos. Qualquer
usuário ativo do orkut sabe que isso simplesmente não é verdade, e
que, de fato, o sucesso do nosso site se deve sobretudo à habilidade de
nossos membros de criar conteúdo e comunidades interessantes – e que
isso constitui a grande maioria do conteúdo e das pessoas que fazem
parte do orkut. Na realidade, as 50 principais comunidades do orkut,
com o total de mais de 37 milhões de membros e aproximadamente 1,3
milhão de visitantes por dia, não têm nenhum tipo de conteúdo ilegal.
(...) O sucesso do orkut se deve a você, a todos os nossos usuários e ao
conteúdo criado por todos. Com isso em mente, contamos com
nossos usuários e pedimos que nos notifiquem sobre possíveis
violações de nossos Termos de Serviço. Isso pode ser feito por e-
mail ou clicando no link "denunciar abuso" exibido em destaque
em todas as páginas do orkut.com. De nossa parte, vamos analisar o
perfil ou a comunidade em questão individualmente e, se constatarmos
que houve alguma infração de nossos termos de serviço, vamos
remover o conteúdo e desativar a conta por meio da qual ele foi criado.
(...) Lamentamos muito os casos em que nossos usuários se deparam
com conteúdo ilegal ou ofensivo no orkut. É importante diferenciar
conteúdo ofensivo ou impróprio de conteúdo ilegal. Sempre haverá
algum material que algumas pessoas considerarão ofensivo ou
impróprio, embora não seja ilegal ou contrário às políticas do orkut.
Evidentemente, é impossível eliminar totalmente todo conteúdo
ofensivo de qualquer comunidade que inclua milhões de pessoas, seja
on-line ou off-line. (...) Mesmo assim, estamos fazendo o possível para
encontrar mais maneiras de minimizá-lo. Por exemplo, nos últimos
anos trabalhamos muito no desenvolvimento de um software que
consiga identificar de modo eficaz o significado do conteúdo de uma
página web específica, para ajudar as pessoas a encontrar informações
relevantes em bilhões de páginas. Agora, estamos experimentando
formas de aplicar essa tecnologia para detectar e eliminar conteúdo
questionável do orkut. (ORKUT, 2010c, grifo nosso).
Atualmente, esse link de denúncia foi alterado, mas, de qualquer forma, isso
gerou uma instabilidade, pois mesmo não descumprindo nenhuma norma, uma simples
denúncia anônima possibilita a retirada da permanência da comunidade do “ar”, um risco
desnecessário. Assim, o produto final dessa pesquisa foi estabelecido como um site,
<www.anorexiaebulimia.com>, especificamente construído através da análise gerada pela
comunidade “Anorexia e Bulimia Nova Visão”, aproveitando a disponibilidade de mais recursos,
e o foco de possibilitar a divulgação científica sobre o tema relacionado com os transtornos
alimentares.
61
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Pesquisa Qualitativa
Esta pesquisa de cunho qualitativo se realizou em decorrência da espontânea
participação de pessoas em uma comunidade no Orkut. A comunidade “Anorexia e
Bulimia Nova Visão” foi um espaço que permitiu a manifestação livre de pessoas que
vivem transtornos alimentares, facilitando o estudo dos fenômenos em seu setting9
natural (DENZIN E LINCOLN, 1994). A tarefa de coletar e observar os dados iniciou
em 2006, e foi extensa e árdua, mas, segundo Downey e Ireland (1979) em qualquer
pesquisa, seja quantitativa ou qualitativa, esse processo será sempre problemático.
O objetivo principal foi o de interpretar os depoimentos que foram sendo
publicados na comunidade, no espaço Fórum, e nos e-mails e fichas de anamnese10
que
foram sendo enviados. As hipóteses não estavam presentes antes da formação da
comunidade, mas foram sendo construídas a partir de observações. Isto significa que,
inicialmente, não havia uma idéia sobre como se dava o fenômeno dos transtornos, e, por
isso, foi necessário tentar compreendê-los a partir da perspectiva dos participantes. Em
razão do desconhecimento de sua etiologia e da complexidade dos fatores, o tema dos
transtornos alimentares precisa ser investigado qualitativamente. Sanches e Minayo
(1993), ao caracterizar os aspectos da pesquisa qualitativa, observaram que ela é
apropriada em situações onde há necessidade de se aprofundar fatos e processos que
sejam altamente complexos, o que representa a problemática do nosso tema. Não é
possível reduzir os fenômenos presentes nos transtornos alimentares a variáveis
9 tempo, lugar e circunstâncias em que algo ocorre, se desenvolve, ou se define
10 Ficha de anamnese é um instrumento usado na comunidade para levantar dados, como profissão e
horários, queixa principal, utilização de medicamentos, laxantes ou diuréticos, além de uma investigação
sobre sintomas em diversos sistemas. A ficha cria um canal direto de comunicação, e revela as marcas do
transtorno alimentar no corpo e na alma do usuário. Não é obrigatório fornecer nome, e pode enviar por
algum e-mail feito especialmente para esse fim, pois a identidade do usuário não importa. Ele é cadastrado
a partir do e-mail que enviou. Modelo no anexo.
62
numéricas, e, conforme Minayo (1995) observa, a pesquisa em saúde será sempre
qualitativa quando:
trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variável. (p.22).
A ficha de anamnese foi uma forma utilizada de entrevista, semi-estruturada,
porque apesar das perguntas e respostas em múltipla escolha já definidas, o participante
poderia relatar o que considerasse importante. Conforme observa Spink (2000, p.45),
“estamos, a todo momento, em nossas pesquisas, convidando os participantes à produção
de sentidos”. Os dados coletados através das fichas de anamnese, dos e-mails e dos
depoimentos postados no Fórum, foram o foco desta pesquisa, sendo interpretados
dentro de um processo de produção de sentidos, onde o diálogo com estes textos permite
o “encadeamento das associações de idéias" (ibid, p.106).
Identificar processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam e/ou
compreendem o mundo em que vivem, incluindo elas próprias. Nesse
sentido, o foco de estudo passa das estruturas sociais e mentais para a
compreensão das ações e práticas sociais e, sobretudo, dos sistemas de
significação que dão sentido ao mundo. (Ibid, p.60).
Como observam Martins e Bicudo (1989), na pesquisa qualitativa o objetivo está
na análise dos significados, e não nos fatos em si.
A preocupação se dirige para aquilo que os sujeitos da pesquisa
vivenciam como um caso concreto do fenômeno investigado. As
descrições e os agrupamentos dos fenômenos estão diretamente
baseados nas descrições dos sujeitos, e os dados são tratados como
manifestações dos fenômenos estudados. (p.30).
63
Os fatos não são suficientes, sendo necessário observá-los com a imaginação de
um bricoleur11
, ou um trabalhador que recorta e cola manualmente pensamentos e
sentimentos contidos nos textos espontaneamente produzidos nos últimos quatro anos, e
que nas palavras de Chauí (1995),
(...) produz um objeto novo a partir de pedaços e fragmentos de outros
objetos. Vai reunindo, sem um plano muito rígido, tudo o que encontra
e que serve para o objeto que está compondo. (p.161).
Começamos, neste capítulo, a interpretar fragmentos de discursos, que passam a
formar uma bricolage12
, conceito apresentado pelo antropólogo Lévi-Strauss (1989), e
que orienta nossa metodologia.
Mesmo estimulado por seu projeto, seu primeiro passo prático é
retrospectivo, ele deve voltar para um conjunto já constituído, formado
por utensílios e materiais, fazer ou refazer seu inventário, enfim
sobretudo, entabular uma espécie de diálogo com ele, para listar, antes
de escolher entre elas, as respostas possíveis que o conjunto pode
oferecer ao problema colocado. Ele interroga todos esses objetos
heteróclitos que constituem seu tesouro, a fim de compreender o cada
um deles poderia significar. (p.34).
Apesar de todos os fatores, já comentados anteriormente, que dificultam o
estabelecimento de um perfil de usuários do Orkut, e consequentemente da comunidade
“Anorexia e Bulimia Nova Visão”, os textos postados nos tópicos, e os e-mails e fichas
de anamnese enviados diretamente ao coordenador dessa comunidade, permitiram a
confecção de um desenho próximo ao perfil dos seus freqüentadores.
11
Pessoa que faz trabalhos manuais. A palavra surge do verbo Bricoler, que significa ziguezaguear, mas
também, falsificar, ou fazer uso de meios indiretos ou tortuosos. Sentidos pejorativos que muitas vezes
acompanham implicitamente uma pesquisa qualitativa, como se uma pesquisa quantitativa pudesse abstrair
de modo absoluto a ótica de seu observador. Nessa pesquisa, o termo justifica sua presença, por
representar um trabalho com o que se tem à mão, com aquilo que se recebe livremente do outro, e com
objetos inesperados. 12
Produto de uma composição, decomposição e recomposição, onde o passado, ou aquilo que já não se
quer, é usado para a construção do novo. É também considerado um trabalho de amador, sendo um termo
utilizado por lojas de materiais de construção com o sentido de “faça você mesmo”. Mas, pela
antropologia é visto como aquele onde a técnica é improvisada, ou adaptada às circunstâncias.
64
Para isso, as postagens feitas através de alguns tópicos foram selecionadas, sendo
retiradas referências de e-mails e fotos, apesar destas informações estarem disponíveis
no espaço Fórum da comunidade, já que são públicas. Nas que foram enviadas
diretamente por e-mail, incluindo as fichas de anamnese, os autores tiveram suas
identidades mantidas anonimamente. Os textos são apresentados como depoimentos e
tiveram sua gramática alterada, a fim de facilitar o entendimento, sem, no entanto, alterar
o sentido original. Frases dos textos foram destacadas em negrito, a fim de facilitar a
própria análise. Além dos textos retirados de e-mails, os seguintes tópicos foram os que
forneceram mais postagens para a análise: “formas de emagrecer”, “a bulimia não
emagrece”, “indique coisas fáceis de vomitar”, “anorexia é tudo de bom”, “formas d
emagrecer”, “a ficha”, “a ficha de anamnese”, “quero emagrecer de verdade! Ajudem!”,
“quem emagreceu com a ajuda do Fernando?” e “compulsão alimentar e bulimia”, em
função da concentração de postagens e do conteúdo.
Da leitura das falas dos participantes emergiram categorias de análise que
permitiram a compreensão do “objeto novo a partir de pedaços e fragmentos de outros
objetos”, conforme já dito por Chauí. As categorias utilizadas na significação destas falas foram:
a imagem distorcida no espelho, compulsão, solidão, ação policialesca, me ajuda, por favor, e
alimentação.
A Imagem Distorcida no Espelho
Os fragmentos de textos puderam compor categorias, percebidas através
da comparação de diversas falas. A imagem distorcida no espelho é uma categoria
importante, considerada o distúrbio central para o diagnóstico e tratamento dos
transtornos alimentares, conforme já destacado no primeiro capítulo, e que se repete em
quase a totalidade dos depoimentos. Observe o peso da autora em relação a sua altura, e
o desespero de sua fala.
65
Cara, tô precisando muito de ajuda! Tenho 15 anos, 1,60m , 47kg, não
consigo emagrecer, e isso acaba me deixando um pouco depressiva.
Já tomei vários remédios para emagrecer, mas nenhum surte o
efeito que eu espero. Tomo laxantes, diuréticos, e já pensei até em
comprar anabolizantes! Faço academia de manhã e à noite, mas de
nada adianta! (DEPOIMENTO 1).
Duchesne e Almeida (2002) entendem que a anorexia seria dependente de
crenças distorcidas acerca do peso e formato corporal. De fato, em vários artigos a
responsabilidade é imputada à mídia ou ao modelo de beleza imposto pela sociedade
contemporânea, que promoveriam essa crença e o culto ao corpo, como podemos
observar em Sobreira (2006). No entanto, a reflexão não deixa de ser ingênua, pois
restringe sua observação, não percebendo que o modelo de beleza é propositalmente
construído e que, o estabelecimento de padrões inatingíveis lembra a produção da “falta”
do seio materno, implantada por Freud, e que é utilizada para movimentar o mercado
capitalista.
O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da
satisfação (de preferência, repentina) de necessidades represadas em
alto grau, sendo, por sua natureza, possível apenas como uma
manifestação episódica. Quando qualquer situação desejada pelo
princípio do prazer se prolonga, ela produz tão-somente um sentimento
de contentamento muito tênue (FREUD, 1930/1974, p. 95).
A impossibilidade da felicidade não é um fato descoberto por Freud, mas a
produção de um novo sentido, muito bem aproveitado por um sistema que precisa da
introjeção da falta, para que a mesma seja preenchida, apenas temporariamente, no
mercado, mantendo o consumo em ritmo constante (SANTOS, 2002).
A estratégia de criar imagens inalcançáveis, porque não pertencem nem mesmo
aos seus modelos, já que são photoshops13
, é proposital, pois cria um grande mercado,
13
Adobe photoshop é um software caracterizado como editor de imagens profissionais. O termo
photoshopping é um neologismo que significa "editar uma imagem" independentemente do programa que
se utilize, assim como photoshop é usado como substantivo para uma imagem alterada, ou retocadas
66
que vende tratamentos estéticos, spas14
, produtos lights, revistas, artigos de toucador15
,
cirurgias plásticas de lipoescultura e redução do estômago, medicamentos16
para redução
do apetite etc. Esse mercado movimenta cerca de 20 bilhões de reais por ano somente no
Brasil (MACEDO, 2008), e a crítica em relação a um modelo estético artificialmente
produzido não é capaz instigar transformações, pois o Capital não está preocupado com
as consequências danosas que isso pode gerar. Aliás, quanto mais sofrimento, quanto
mais doenças, como consequências dos transtornos alimentares, mais o Capital se
beneficia com a venda de internações, medicamentos, terapias psicológicas etc. A
fragmentação presente na imagem refletida pelo espelho daquele que sofre de transtorno
alimentar, é a fragmentação presente propositalmente na contemporaneidade. Jameson
(1985) e Harvey (1992), em uma perspectiva relacionada à percepção marxista,
acreditam que a fragmentação da realidade tem origem nas transformações provocadas
por nichos de mercado, desterritorialização da produção e do consumo, conduzindo a
comportamentos fragmentados. Portanto, acreditamos que a crítica não deve ser feita a
segmentos, como a mídia ou a moda17
, mas ao Capital em si.
(retouched). Como exemplo, recentemente em 15 de abril de 2010, o jornal inglês Daily Mirror divulgou
fotografias de Britney Spears, com a própria autorização da cantora pop, antes de serem tratadas
digitalmente para apresentação ao público, em resposta aos boatos de que as fotografias teriam sofrido um
tratamento pesado e teriam ficado descaracterizadas. No entanto, na comparação entre a imagem não
modificada e a tratada pelo computador é possível constatar que foram diminuídas cintura, pernas e
nádegas, apagadas tatuagens, além de eliminadas manchas e celulite (DIÁRIO DIGITAL, 2010) 14
Spa, termo que surgiu na Bélgica, deriva da expressão latina salute per aqua (saúde pela água). 15
Artigos de embelezamento e higiene pessoal. 16
Procópio (1999) relata que, em 1995, a indústria farmacêutica havia faturado aproximadamente 10
bilhões de reais, com o Brasil sendo o quarto consumidor mundial em medicamentos. Em vários
depoimentos postados na comunidade, incluindo os destacados nesta dissertação, assim como nas fichas de
anamnese, é possível observar a citação a vários medicamentos, que incluem moderadores de apetite,
laxantes e diuréticos, comprados com ou sem receita médica. 17
A organização do SPFW (São Paulo Fashion Week), após a temporada de verão de 2007, em parceria
com a Secretaria Estadual de Saúde de SP, estabeleceu regras proibindo o desfile de modelos com IMC
(índice de massa corporal) abaixo de 18 (aproximadamente pessoas com 1,78 m e 59 kg) e menos de 16
anos. Nesse mesmo ano, organizadores da Passarela Cibeles, um dos mais conceituados desfiles de moda
da Europa, ao lado de governo regional de Madrid, também aplicaram as mesmas normas. A Itália
também estabelece o mesmo índice, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um
IMC de 18,5 como peso mínimo saudável As alterações surgiram depois da morte, em novembro de 2006,
da modelo brasileira Ana Carolina Reston, por causa de anorexia. Essas medidas não solucionam o
problema dos transtornos alimentares, e apenas criam a falsa impressão de que a origem da imagística,
67
Deve-se compreender o que levou à fragmentação do objeto e
compreender como indivíduo se constitui atualmente sem se
reconhecer na sociedade, assim como o porquê de a sociedade não ter
entre seus objetivos a felicidade e a liberdade individuais. (CHOCHIK,
2001, p.26).
Além de Chochik, Lash (1986) também constrói uma associação entre o mecanismo
capitalista, estruturado no consumo, e a percepção da imagem no espelho, coisificada e
ilusória.
A produção de mercadorias e o consumismo alteram as percepções não
apenas do eu como do mundo exterior ao eu; criam um mundo de
espelhos, de imagens insubstanciais, de ilusões cada vez mais
indistinguíveis da realidade. O efeito espetacular faz do sujeito um
objeto; ao mesmo tempo, transforma o mundo dos objetos numa
extensão ou projeção do eu. É enganoso caracterizar a cultura do
consumo como uma cultura dominada por coisas. O consumidor vive
rodeado não apenas por coisas como por fantasias. Vive num mundo
que não dispõe de existência objetiva ou independente e que parece
existir somente para gratificar ou contrariar seus desejos. (p.22).
Dentro da categoria imagem distorcida no espelho, podemos ainda observar que
existem alguns fatores que podem agravar essa percepção.
Ontem, eu e minha mãe discutimos sobre meu peso. Ela fala que eu
estou engordando muito. Eu olho no espelho e me sinto gorda. Então
decidi provocar meu vomito até eu perder esses quilinhos a mais. Eu só
quero emagrecer e acho que a mia18
pode me ajudar. Não quero
provocar vômito pra sempre, só até conseguir meu objetivo. Eu tenho
vontade de comer, mas eu tô me segurando. Quando a fome aperta,
eu bebo água ou como uma fruta ... (DEPOIMENTO 2).
Sou uma comedora compulsiva..Às vezes, quando como demais entro
em depressão e resolvo emagrecer tudo de uma vez fico até 12h sem
comer nada e quando como é pouca coisa!! minha mãe é a maior
culpada disso. Passa o tempo todo mandando eu parar de comer, que
estou gorda e ridícula. Me ajude!! (DEPOIMENTO 3)
Tenho medo das consequências, apesar de ciente das causas..também
me isolei dos meus amigos e perdi meu namorado, só que ele não me
ajuda com essa doença, pois quando eu engordava uns dois 2 kg ele já
notava e me dizia que deveria me cuidar, porque ele não gostava de
mulher gorda.... Meu manequim é 38! Tenho grande projeto de vida,
terminei a faculdade e já fiz minha pós, quero fazer mestrado, mas não
relacionada ao padrão contemporâneo ocidental de beleza, está sob controle e responsabilidade da
“indústria da moda”. 18
Mia – apelido para o distúrbio da Bulimia.
68
sei se conseguirei atingir meus objetivos antes dessa doença acabar
comigo, pois estou cada vez pior! Também procuro ajuda, mas nunca
falei a respeito dessa doença pra ninguém! (DEPOIMENTO 4).
SOCORRO! Não sei o que acontece comigo. Fiz uma rinoplastia19
e
depois disso comecei a engordar... Porém, comecei academia e voltei
ao meu peso. Depois de um período de internação de H1N120
onde
perdi uns 3 kg em 1 semana, comecei a engordar descontroladamente.
Minha mãe fala o tempo todo que eu tô gorda, e só não tomo
anfetamina com medo de ficar careca! Hoje, fui ao supermercado e
comprei tudo light. A minha meta é não comer. Há umas 2hrs miei
pela segunda vez e entrei na net para ver se eu achava uma forma mais
fácil, daí comecei a ler e comecei a pensar se miar iria resolver. Me
sinto gorda, estou realmente fora do peso! tenho 1,70 e 70kg e não sei
o que fazer! Quero os meus 58 kg de volta e durante a semana é
praticamente impossível eu fazer uma atividade física, como academia,
pois saio de casa às 6:45h e chego da faculdade após o trabalho às
0:45h! Não sei o que fazer! Vou começar a tomar um shakes, mais
minha vontade hoje é me trancar no quarto e não sair enquanto não
voltar ao meu corpo normal. O fim foi esse feriado que eu fui pra praia
e a mãe da minha amiga me chamou de fofinha! Tudo bem que eu
tenho muito busto, mas fofinha é demais...Daí comecei a pirar... Acho
às vezes que mia ajuda, outras não.. FERNANDOOO ME AJUDA!!!
(DEPOIMENTO 5).
Olá Fernando, estou nesta comunidade há algum tempinho já, porém,
nunca enviei nenhuma mensagem. Sou do tipo que observa, encontra
semelhanças, porém nunca se expressa. Tenho medo de que mais
alguém não entenda o que passo, e me diga que é só uma frescura,
coisa que aqui todos sabem que não é bem assim! Tenho bulimia há
mais ou menos 2 anos e pouquinho... Isso se eu não contar os anos de
comer compulsivo, uso indiscriminado de laxantes e jejum. É
complicado pra mim procurar ajuda, pois até mesmo em minha casa
não encontro apoio. Meus pais sabem, minha irmã, meu cunhado
também. Porém, o que ouço são somente críticas e mais criticas.
Fora quando não tiram com minha cara dizendo: se alguém quiser
comer, come agora porque daqui a pouco não tem mais nada. E outras
piadinhas que nem vale a pena citar... Enfim, pode parecer que são
coisas simples, mas realmente magoam e fazem comer ainda mais!
Tenho vomitado todos os dias, e perdi completamente o controle da
situação. Sei que este tópico não é para se falar disso, mas se não
dissesse agora, talvez nunca mais falaria. Bom espero que possa me
ajudar. Beijos e obrigada. (DEPOIMENTO 6).
A imagem gerada pela estratégia capitalista é dilatada dentro do mundo mais
próximo das anoréxicas e bulímicas, como percebemos nos quatro depoimentos
19
Rinoplastia é a modificação da forma do nariz, através da cirurgia plástica, podendo diminuir ou
aumentar o tamanho do nariz, ou a forma da ponta, ou abaulamentos no dorso do nariz, e, ainda, corrigir
alterações da respiração por um problema interno. 20
H1N1 é uma sigla que representa o vírus da Influenza A subtipo H1N1 também conhecido como A
(H1N1), que é um subtipo de Influenzavirus A , a causa mais comum da influenza (gripe) em humanos.
69
anteriores. O espelho, dessa forma, é reforçado por familiares e outras relações afetivas
que destacam a imagem da gordura ou da magreza, sem efetivamente apresentar
soluções, apenas amplificando o sentimento de desconforto, angústia e ansiedade.
Tavares (2003) entende que a imagem corporal distorcida que aparece no espelho da
anoréxica, não é delírio ou distorção em seu pensamento, mas a revelação da história de
um sujeito, suas relações concretas e suas memórias. De fato, as vozes materna e paterna
ecoando uma imagem na memória de uma anoréxica ou bulímica, agrava a que já se
encontra presente a todo instante no mercado. Essa categoria motivou a criação de um
link específico no produto (www.anorexiaebulimia.com) a fim de orientar familiares
sobre a melhor forma de apoiar pessoas que estejam vivenciando os transtornos
alimentares.
Figura 7. Link “como posso ajudar?”
70
Compulsão
Outra categoria que deve ser destacada é a compulsão, predominante nos
transtornos alimentares e nos depoimentos postados na comunidade. Ela é bem
construída pelo Capital, que divulga padrões de beleza fakes, oferece alimentos também
fakes, mas embalados em discursos que os caracterizam como saudáveis, e ao mesmo
tempo, distribui fartamente “no mundo dos consumidores” possibilidades infinitas,
através de um imenso “volume de objetivos sedutores à disposição” do consumidor, que
“nunca poderá ser exaurido” (BAUMAN, 2001, p.86). O processo implantado pelo
capitalismo cria nas anoréxicas e bulímicas as condições para a instalação da compulsão
ao “oferecer-lhes algo e ao mesmo tempo privá-las disso” (HORKHEIMER e
ADORNO, 1985, p.132), como a promessa de um prazer sempre postergado, pois o
prazer da comida artificializada desaparece rapidamente, através de uma bioquímica que
inclui a produção de picos mais rápidos e elevados de insulina, criando uma armadilha
metabólica que eleva a fome, apesar da ingestão excessiva de alimentos. A pulsão não
consegue se satisfazer e se conjugar ao objeto de sua verdade, retornando em círculo em
busca desse objeto, e se deparando com um lugar vazio, tendo como única possibilidade
torna-se compulsão. Dois alimentos podem ilustrar esse mecanismo, açúcar e cafeína,
que são apresentados em diversos formatos, como biscoitos, doces, bombons, bolos e
balas, beneficiados pela publicidade e acesso facilitado em prateleiras de qualquer
mercado e cantina, oferecidos para pessoas que acreditam que não possuem mais tempo,
pois o tempo ao Capital pertence, obedecendo à fórmula de Benjamin Franklin, para
quem “tempo é dinheiro”. Os alimentos destacados acima não foram escolhidos
gratuitamente, mas em função de suas propriedades químicas que produzem padrões
compulsivos em seus consumidores.
71
A compulsão pode se manifestar pelo desejo de comer muito ou pela obsessão
em não comer, sendo também comparada a outros vícios, como o do cigarro, figura
utilizada pela autora do depoimento 7.
Eu não gosto de vomitar, não gosto mesmo! Não vomito por prazer,
jamais. Eu não sinto prazer em sentir aquele gosto horrível de leite
voltando para a minha garganta, sentir os grãos de arroz quase saindo
pelo meu nariz, ficar com uma puta dor de garganta e estômago. Não,
prazer eu não sinto, mas infelizmente tornou-se um hábito. Pra mim
é uma forma, digamos, mais fácil de encarar o que eu considero como
erro... Vê se segue um NF21
ou um LF22
de pouquíssimas calorias, mas
tem uma compulsão e quer, porque quer, se livrar daquilo. Então vai
lá e vomita. Muitos não concordarão com o que eu direi, mas no fundo
no fundo, acho que a bulimia é um sinal de covardia. Acho que os
bulímicos deveriam tentar encarar o "erro", não apelar para o vômito
forçado e o uso de laxantes e diuréticos... mas enfim, digo que não é
fácil. É a mesma coisa que um cigarro. Você vai lá, dá uma pitada,
depois outra, depois pede o cigarro de um amigo, compra um cigarro
solto, e quando percebe, já está fumando mais de uma caixa por dia. Eu
falo isso para que a pessoa que esteja pensando em fazer a mesma
merda que eu fiz, nem tente, porque eu comecei assim.
(DEPOIMENTO 7).
Você falou tudo. A bulimia é um vício, que eu tenho desde os 17 anos
e agora estou com 31. Mas ela sempre volta. Por isso digo que ainda
tenho, por causa das recaídas. E elas estão cada vez mais freqüentes.
Sinceramente já não sei mais o que fazer. (DEPOIMENTO 8).
Não agüento mais viver sendo compulsiva por comida. Amo comer,
mas depois o sentimento de culpa pela alta ingestão de alimentos me
apavora e coloco tudo para fora. Já fui bem acima do peso, consegui
emagrecer me entupindo de remédios (que se diziam naturais). Neste
período de dieta conheci uma amiga que me apresentou a "mia". Fazia
de tudo para vomitar e não conseguia, mas não desistia de tentar e
acabou ficando fácil. Quando cheguei aos 64 kg, resolvi fazer uma lipo
e passei mais de um mês comendo apenas frutas, verduras e grelhados.
Sequei! Pensei que depois da cirurgia iria estar livre do que eu nem
achava que fosse bulimia, mas quando fiz a primeira refeição regada à
gordura, lá estava eu vomitando de novo. Depois de muito tempo,
resolvi assumir que estou doente23
. Parece um vicio. Não consigo
me imaginar gorda de novo, mas quero ter saúde. Será que é possível
conseguir ter o peso dos sonhos sem ter que utilizar desses métodos?
21
NF – sigla para No Food, ou seja, “sem comida”. Uma criação do universo anorético, que propõe não
comer durante alguns dias, apenas beber líquidos e mascar chiclete. 22
LF – sigla para Low Food, ou seja, “pouca comida”. Uma dieta criada pelo universo anorético, tendo
como criadora e praticante uma internauta chamada Mandi,AKA, que criou um fórum no site
fadingobssesion.com para divulgar essa dieta que não tem restrição de nenhum alimento, mas tem
restrição calórica diária entre 70 a 800 calorias. 23
Na página 19, existe a diferenciação entre doença e transtorno. Nos discursos postados, essa
diferenciação não existe.
72
Eu não sei... E isso me apavora. Me ajude por favor! (DEPOIMENTO
9).
Dentro dessa categoria, é importante destacar que a compulsão pode aparecer como uma
entidade exterior, que controla e domina, sensação tão intensa que em alguns depoimentos a
Ana24
e a Mia25
se tornam entidades que têm a capacidade de possessão. O depoimento 11
merece um destaque pelas contradições presentes no discurso, onde, apesar de perceber a Ana e
Mia dominando sua mente e corpo, ela acredita em “livre arbítrio”. Contradições bem
construídas pelo Capital, com seu marketing de ser um sistema que permite a democracia e a
livre manifestação, apesar de controlar através do interesse econômico os meios de divulgação e
circulação de idéias, com menor domínio sobre a internet, local onde essa pesquisa foi
desenvolvida.
Havia comido uma sopa, mas eu não podia comer porque estava
fazendo uma dieta. Fui pro banheiro, abri o armário e enfiem uma
escova na garganta, e vomitei tudo...Chorei depois, mas pensei comigo,
Ah, só hoje, nem quero mais fazer isso. Quando dei por mim, fazia isso
todo os dias, às vezes mais de uma vez por dia. Se você quer
emagrecer, procure um método saudável, uma RA26
.. Se possível um
endocrinologista (evite o uso de medicamentos). Não faça a mesma
merda que eu e várias pessoas aqui fizeram, porque quando a bulimia
se apossa dos seus pensamentos você perde o controle. Não é você
que comanda, é ela. (DEPOIMENTO 10).
PERDI 24 Kg em dois meses. Eu hoje sou Ana Mia... Comecei na
mia há 5 anos. Engravidei...engordei horrores porque fiquei depressiva
e fui compulsiva por comer muito. Era como se forrasse um vazio,
sabe? Hoje, faz dois meses que minha mia voltou com tudo...e o pior,
comecei com laxantes, ao ponto que 6 dulcolax não me fazem mais
efeito. Cansei de vomitar. Sério. Me sinto feia, inchada e gorda. Eu me
olho no espelho e vejo algo monstruoso, a ponto de nem querer tirar
fotos com minha filha. Por não agüentar mais vomitar, tô parando de
comer. Faz 5 dias que vejo que como 200 kcal no máximo por
dia...mas isso foi conseqüência da mia, não porque eu quis. Se sou
feliz??? Pasmem...SIM mais do que nunca! Não quero que nem a ana
nem a mia se vão. Sei que pra muitos isso é horrível, mas eu as amo. É
fácil vir aqui e criticar, é fácil vir aqui e implorar pra gente ensinar a
vocês a vomitarem. O que lhes digo é...LIVRE ARBÍTRIO. Não
adianta, isso está em nossas mentes e corpos. Parem de vir aqui e
criticar. Sabe a frase que me marcou? "A gente não vive pra comer, e
24
Ver nota 2. 25
Ver nota 18. 26
RA – sigla para reeducação alimentar.
73
sim come pra viver" Então eu como só pra não desmaiar, pra não
morrer mesmo. Não preciso de mais do que isso. (DEPOIMENTO 11).
A compulsão também pode se manifestar como se fosse contraída por um agente
microbiológico. Mas, ainda assim, continua como uma entidade que se apossa do organismo, o
infecta e o contamina, fazendo o sujeito se sentir sujo, como o autor do depoimento 13.
Olá pessoal, estou aqui pra contar pra vocês a minha história. Desde
pequena tenho compulsão alimentar, e agora, de uns meses pra cá,
acho que há uns 6 ou 7 contrai a bulimia. É a coisa mais horrível
desse mundo. Eu não suporto ser assim. Eu quero me curar desse mal.
Eu tô na fase em que meu corpo está se acostumando com a doença.
Unhas fracas, acidez no estômago, acordo de manhã com ardência na
garganta, logo que como meu organismo fica pronto para vomitar. É
ASSUSTADOR, e por mais vezes que eu coma sem a intenção de
vomitar, às vezes me dá um desespero profundo e eu vomito. Mas eu
não vomito a cada refeição, só quando eu como um pouco a mais. Eu
fico muito nervosa, inquieta e a única coisa que me acalma é sentir
meu estômago vazio. E como isso acontece? Vomitando... Eu gostaria
de saber se alguém já se curou da bulimia, como fez. Eu quero ajuda,
eu quero viver livre da bulimia, livre da compulsão alimentar...
POR FAVOR, ME AJUDEEEEEEEM! (DEPOIMENTO 12).
(...) Tento ao máximo me controlar. Fico muito tempo sem miar,
quando estou tomando remédio, porque com eles consigo ficar sem
comer, mas se eles acabam fico desesperada. Acabo tomando laxante e
miando e sempre emagreço....E como, mas depois... Não quero aqui
dar mau exemplo pra ninguém, pois quando faço esse tipo de coisa me
sinto mal, suja, derrotada, acabada de verdade. Mas me faz me
sentir tão bem ao mesmo tempo. Gostaria de ajuda, mas esse negócio
de dieta saudável... sinceramente, se eu faço eu engordo. A tristeza é
essa. Meu organismo acostumou ficar sem comida, e o mínimo que eu
como já me engorda.....Não posso dizer que fazendo essas coisas sou
feliz, mas sem fazer não consigo me imaginar...Entro em desespero...
(DEPOIMENTO 13).
O grito de socorro é uma constante nos depoimentos e e-mails, buscando uma
forma de se libertar de um mecanismo que domina o fisiológico e o emocional.
No Brasil, eu pesava 50 kg, Mudei para a Austrália e engordei 10kg
em 6 meses.. Tenho 1,60cm, estou desesperada. Não entro em
nenhuma das minhas roupas, estou em depressão, me sinto horrível.
Estou tentando fazer regime desde que cheguei. Fico sem comer
direito, depois tenho crises de compulsão. Tive isso na adolescência e
agora voltou. Sei que são essas crises de compulsão que me
engordaram, mas não estou conseguindo controlar..Voltei a ser
bulimia por conta disso.. o que impediu que o meu peso suba ainda
mais, mas detesto ter bulimia.. meu rosto fica horrível, me sinto
74
péssima, minha autoestima detona e minha pele fica feia.. Não sei o
que fazer mais para voltar ao meu peso e superar a bulimia.. No Brasil,
ia para a academia todos os dias. Gostaria muito de voltar a ir, mas não
tenho coragem de colocar as roupas de ginástica, pois me sinto ridícula
nelas. Sempre fui considerada muito bonita, não sei lidar com excesso
de peso. Não estou feliz.. Não saio de casa à noite. Não quero nem
mesmo me envolver com alguém enquanto estiver assim.. Não sei o
que esta acontecendo comigo, mas quero votar ao normal.. Se alguém
puder me ajudar, estou realmente precisando.. Beijos para todos!
(DEPOIMENTO 14).
Oi, tenho 17 anos, e bulimia há + ou - uns 9 meses. Sofro de
compulsões e muita ansiedade. No inicio, além de vomitar, eu fazia
exercícios físicos, tomava chás, enfim, fazia de tudo. Com isso
emagreci uns 8kg. Nunca estive tão feliz sem eles. Agora, às vezes fico
sem vomitar, aliás muitas vezes... Parei com minhas atividades físicas,
devido à falta de tempo, porque estou no terceiro ano do EM, e não me
sobra muito tempo. Primeiro engordei 3 kg, e agora estou com mais
5kg recuperados. Preciso perdê-los! Não sou feliz com eles! Mas quero
me curar, e perdê-los de forma saudável... Mas na hora de por em
prática, é muito mais difícil! Não agüento mais vomitar, e mesmo
assim to engordando desse jeito! Preciso de ajuda! (DEPOIMENTO
15).
Não sou muito diferente de você. Convivo com essa doença há mais
de seis anos, sem que minha família soubesse. Não consigo mais
controlar minha compulsão, e depois miar, é terrível...Faço isso mais
de três vezes por dia. (DEPOIMENTO 16)
O sistema capitalista opera a construção de sujeitos sem apegos a não ser pelo
consumo compulsivo. Imposição pelo capitalismo, as compulsões não podem ser
atribuídas ao desejo das classes ou de grupos dominantes, pois fazem parte da própria
lógica do sistema, através da produção fetichista da mercadoria. Não há, portanto, uma
consciência controladora, pois, a dinâmica capitalista incorpora a compulsion,
manifestada em toda a estrutura social (WOOD, 2001). Portanto, é a lógica do
capitalismo que precisa ser alterada no interior das pessoas que vivem os transtornos
alimentares. Giddens entende que o vício surge a partir do rompimento com a tradição,
processo inerente ao Capital que dissolve culturas, territórios, nações, a não ser quando a
cultura torne-se mais um produto a se oferecido no mercado, e o sentimento de nação
possa ser coisificado e vendido.
75
(...) o fato de hoje podermos nos tornar viciados em qualquer coisa –
qualquer aspecto do estilo de vida – indica a real abrangência da
dissolução da tradição. O progresso do vício é uma característica
substantivamente significante do universo social pós-moderno, mas
também um “índice negativo” do real processo de destradicionalização
da sociedade. (1997, p.91).
Mas Giddens (ibid, p.92) acredita que através da repetição, do vício, o sujeito
estabelece uma estratégia de ficar no “único mundo que conhecemos”, uma
compensação para a “destradicionalização”, ou para evitar a exposição a valores
“estranhos”, ficando no seguro movimento cíclico. No entanto, o que Giddens não
considera é que o vício, a compulsão, a repetição, são mecanismos introjetados pelo
capitalismo. Não importa que a compulsão possa se estabelecer como um oásis de
segurança para o sujeito, como pensa Giddens, mas que a compulsão é intrínseca ao
sistema, ou seja, se o compulsivo se libertar do objeto de seu vício será compelido a
buscar outro substituto, perpetuando sua compulsão.
Considerados desta maneira, o haxixe ilegal, o LSD e o cenário das
drogas são apenas uma extensão do cenário de consumo legal, onde
todo mundo mais ou menos se torna "viciado" em nicotina, álcool,
Coca-Cola, televisão, ou seja o que for. (SCHNEIDER, 1977, p.
289).
A imagem proposta por Schneider pode ser completada com alimentos
industrializados, medicamentos, jogos, e todo o aparato que é coisificado e disposto em
prateleiras do mercado. Bucher (1992) faz uma crítica contundente ao mecanismo de
combate às drogas, pois entende que se tratar de “ingenuidade” pretender “a eliminação
das drogas da vida social” (p.32), e elegê-las como “bode expiatório”, semelhante à
ingenuidade de acreditar que a anorexia será eliminada através do controle no IMC de
modelos, elegendo a moda como outro “bode expiatório”.
76
O célebre “combate às drogas” não passa de uma fantasia quando
pretende erradicar as substâncias psicoativas da vida social, como se
elas fossem algo ocasional e supérfluo, um mal acrescentado por fora e
não inerente à sociedade. Tratadas dessa forma, as drogas
transformam-se em um mito carregando uma série de não-ditos – e
todo mito tem uma função social, seja tão somente aquela de bode
expiatório. (ibid, p.3, grifo nosso).
Solidão
A solidão27
é uma categoria que está presente em diversos depoimentos. Ela
precisa ser contextualizada, como experiência de angústia, isolamento, ausência ou
carência. E, dessa forma, pode ser percebida como mais uma das contradições
necessárias do capitalismo. O mercado é o local comum, ilusoriamente, pois somente o é
para aqueles que podem consumir. O mercado cria a ilusão de que pode preencher o
vazio, com suas festas artificializadas, suas diversões industriais, seu barulho perpétuo,
que mesmo no silêncio concreto impede que o sujeito consiga escutar o seu self e o além
de si mesmo. Não há nenhuma intenção de preencher as lacunas interiores da alma,
apenas manter acesa a chama da possibilidade da sua completude. A solidão a que nos
referimos como categoria, é aquela que se mantém insistente, seja no deserto28
ou no
meio da multidão, que inspirou Gabriel García Márquez a escrever “Cem anos de
solidão”, ao relatar a invasão e métodos do capitalismo americano, ou que é retratada por
Melanie Klein e Carlos Drumonnd de Andrade.
Estou me referindo ao sentimento de solidão interior – o sentimento de
estar sozinho independentemente das circunstâncias externas; de sentir-
se só mesmo quando entre amigos ou recebendo amor (Klein,1971,
p.133).
27
Do latim solitudo, estado de quem está só. Ausência de relações sociais; isolamento. Lugar despovoado
e não freqüentado pelas pessoas; ermo. (Dicionário Larousse Cultural, 1992). 28
Importante observar o sentido do deserto em várias passagens da historia da Bíblia, como um local de
encontro com Deus e consigo mesmo. Abraão peregrinou no deserto para buscar a terra prometida. Moisés
atravessou o deserto para a libertação da escravidão. Jesus se preparou por 40 dias no deserto para
cumprir sua missão. Para o cristianismo, é no deserto que o eu desaparece, e com ele a solidão da
angústia.
77
Nesta cidade do Rio, de dois milhões de habitantes, estou sozinho no
quarto, estou sozinho na América, (...) Estou só, não tenho amigo, e a
essa hora tardia, como procurar um amigo?. (ANDRADE, 2010).
A solidão, que está presente em anoréxicas e bulímicas, não leva a inspiração ou
criação, mas é composta de um sofrimento paralisante. O isolamento surge pela sensação de que
o problema não é e não será compreendido pelo outro, seja familiar ou não. Nodin (1999,
p.690) observa justamente que “o isolamento é outro aspecto a ter em consideração,
uma vez que se encontra freqüentemente associado à depressão”. Appolinário &
Claudino (2000, p.28-29) observaram que, “gradativamente, as pacientes passam a viver
exclusivamente em função da dieta, da comida, do peso e da forma corporal, restringindo
seu campo de interesses e levando ao gradativo isolamento social”.
Não deixei menino chegar perto faz um tempão. Me isolei. Alias perdi
meu namorado, sem ter jamais contado pra ele o meu problema.
Sem falar do sofrimento. Um parto bucal. Afogar-se na privada seria
menos dolorido. (DEPOIMENTO 17).
Não sou muito diferente de você...Convivo com essa doença
29 há
mais de seis anos, sem que minha família soubesse....Não consigo
mais controlar minha compulsão e depois miar, é terrível...Faço isso
mais de três vezes por dia, tenho medo das consequências, apesar de
ciente das causas..Também me isolei dos meus amigos e perdi meu
namorado. (DEPOIMENTO 18).
Faz parte do quadro se isolar...mesmo se não for evidente para os
outros, a gente se sente sozinho, pois guarda um segredo bem
desagradável... (DEPOIMENTO 19).
A solidão também pode se manifestar na forma de um encastelamento em suas
próprias idéias, na recusa ao diálogo e à percepção de novos caminhos, levando o sujeito
à mesma imobilidade de um Rei encastelado30
no jogo de xadrez. Nos depoimentos, a
seguir, podemos perceber que os autores não desejam vivenciar novas possibilidades,
29
Ver nota 23. 30
O encastelamento é uma jogada no xadrez, onde o Rei e a torre, em sua primeira movimentação,
movem-se ao mesmo tempo. O Rei se desloca duas ou três casas na direção da torre, e essa torre é
transferida para a casa que o Rei acaba de cruzar. Dessa forma, o Rei fica protegido, mas geralmente
imobilizado.
78
talvez porque tenham tido várias experiências sem sucesso, comportamento já relatado
por Nabuco de Abreu e Cangelli Filho (2004, p.181) quando afirmam que “estamos
diante de uma das populações mais refratárias a qualquer forma de ajuda.”.
Não quero saber que danos vai trazer. Quero perder esse corpo
terrível que tenho. Eu só vou comer coisa que eu possa vomitar!
(DEPOIMENTO 20).
Fizeram a pergunta ai pra ser respondida. Ninguém aqui quer saber
se faz mal, se mata, se dói, enfim, a maioria já sabe... se eu escolhi
vomitar e quero saber como fazer e com que fazer, ou como fica mais
fácil, isso é escolha minha. Tem outros tópicos ai pra vocês fazerem
suas criticas ou contarem suas experiências, pedirem pra que aceitemos
Jesus.... Poxa é horrível ser gordo, se sentir pior do que todos, se sentir
um lixo...buscar uma ajuda...e ainda se criticado. Prefiro ficar doente
que morrer gorda e mal comigo mesma. Se eu quero passar por essa
experiência, a é escolha minha, ninguém tem nada a ver com isso...
Se eu precisar de ajuda vou ao médico falou...Desculpe a quem não
devia ver isto...mas não custa nada respeitar as escolhas alheias
(DEPOIMENTO 21).
Pessoal contra anorexia e bulimia, principalmente Fernando: fico feliz
que queiram nos ajudar, mas todas nós que somos anoréxicas e/ou
bulímicas sabemos dos riscos, danos, consequências que nossas
práticas nos provocam... Mas, não adianta mesmo que vocês falem,
isso não nos leva a desistir... Não fazemos por preferência, somos
doentes31
e a decisão sobre nosso corpo, nosso emagrecimento, nossa
fome e nosso desespero por ter comido é totalmente NOSSA! Nem
muitos especialistas conseguem ajudar, depende de nós mesmas
tomar a decisão da cura. Não percam seu tempo, não estão mudando
nada, infelizmente. (DEPOIMENTO 22).
(...) E alguns falam com uma simplicidade, como se fosse a coisa mas
simples do mundo. Não é dando sermão que vai ajudar (,,,) mesmo
assim eu acho, como nossa amiga ai, que não adianta ...podem morrer
falando e aconselhando. Temos que querer em primeiro lugar. A
parte mais difícil é dar o primeiro passo. Querer tentar parar.
(DEPOIMENTO 23)
As pessoas ficam falando, dando conselhos, falando que a gente precisa
de ajuda. elas nunca vão entender o que é se olhar no espelho e se ver
gorda, feia, sem graça. Nós decidimos esse caminho. Então o problema
é nosso. NÃO agüento mais a opinião das outras pessoas...MIA PRA
SEMPRE32
! (DEPOIMENTO 24).
31
Ver nota 23. 32
Slogan muito utilizado por bulímicas que defendem sua estratégia.
79
A solidão precisa ser rompida, ou seja, a voz do outro precisa encontrar espaço
para penetrar naquele que vivencia o transtorno alimentar, e gerar algum movimento,
necessidade que justifica a importância do produto desta dissertação.
Os pensamentos fixos levam à obsessão, às regras rígidas, e à perda da
flexibilidade. A preocupação e o excesso de idéias fixas alteram
diretamente o Baço que é o órgão responsável pelo transporte e pela
transformação de energia. Ocorre uma “indigestão mental” ou
ruminação constante dos pensamentos. Assim, por meio da
preocupação, e da obsessão, o paciente estagna a circulação de Qi33
.
(CAMPIGLIA, 2004, pp. 114-115).
Quando ocorre a fagulha do diálogo, a estagnação até então presente, tende a
desaparecer, como podemos perceber no depoimento 25.
Desagradável mas contei. Faz 2 semanas que minha família está
sabendo. Já estou bem melhor, pelo menos emocionalmente...Tendo
recaídas, lógico, mas fazendo diversas terapias. Fiquei surpresa com a
compreensão das pessoas. O mais difícil foi contar para alguém
pela primeira vez. Tive que contar pra professora, pois essa semana
vai ter prova com um verdadeiro banquete na sala...doce, bolo
chocolate quente, ficar olhando pra tudo isso durante 6 horas seria
pedir demais...por isso contei pros professores, e eles têm sido bem
legais e arrumaram um outro lugar pra mim. O importante é não se
isolar, é impossível sair dessa sem ajuda! (DEPOIMENTO 25).
A libertação do segredo traz grande alívio e rompe o isolamento, porque, como
constata a autora “é impossível sair dessa sem ajuda”. Quando a pessoa que sofre o
transtorno alimentar encontra apoio ao contar sobre seu problema, a própria revelação
inicia o processo de cura, diminuindo o peso da solidão, como constata o autor do
depoimento 25, ao perceber, depois de ter revelado seu segredo à família, que está “bem
melhor, pelo menos emocionalmente”. Outro caminho pode ser construído, através da
simples leitura de postagens que tenham a capacidade de estabelecer contato afetivo,
além de transmitir informações corretas.
33
“Na concepção chinesa, a energia e a matéria são a manifestação contínua de um aspecto, a composição
do Universo, por isso o Qi tem atributos tanto energético quanto material”.(ROSS, 1994, p.12)
80
Oi gente, desculpa estar resgatando um tópico de 1000 anos atrás...
Mas pensei que ajudaria, talvez a quem estivesse na situação em que eu
me encontrava há dois anos.... Se vocês acham, que é impossível sair
dessa, desencanar completamente dessa coisa de magreza, bulimia
etc....É possível sim! Estou no meu peso ideal há 2 anos, sem dieta,
sem bulimia e sem crises de depressão, complexo etc. Como eu
consegui? Bem...isso é com o tempo, não é de hoje pra amanhã...Têm
vários caminhos....O importante é mudar a rotina, acho que é a parte
mais chata. Bom, é isso. Muito obrigada a todos. Eu entrava muito
nessa comu, quando estava mal....Me ajudava. Espero que fiquem
bem também, logo, logo.(DEPOIMENTO 26).
“Mudar a rotina”, romper a estagnação, são processos necessários para a mudança. No
depoimento acima, podemos perceber que a autora “quando estava mal”, entrava na comunidade
do Orkut, mesmo sem se manifestar, os textos postados estabeleciam um diálogo em seu interior.
Ação Policialesca
Esta é uma categoria criada como um alerta para os familiares que acreditam que
através de mecanismos de vigília e de punição conseguirão alterar o comportamento
daqueles que vivenciam os transtornos alimentares. O controle não tem a capacidade de
produzir mudanças, mesmo que seja exercido como “instrumento para uma vigilância
permanente, exaustiva, onipresente, capaz de tornar tudo visível” (FOUCAULT, 1977,
p.188), pois não há como realizar de fato essa ação constante. Dessa forma, o resultado
obtido com ações policialescas é o de estimular a produção de estratégias para que o
controle seja burlado.
Me ajudem. Tenho 15 anos, peso 66 kilos e tenho 1,68 de altura. Já
tentei emagrecer, mas não consigo. Já tomei remédios vários tipos de
coisas e agora estou com bulimia, mas minha mãe me pegou
vomitando e fica no meu pé. Quando ela está por perto, que é
quase sempre, não consigo vomitar, e acabo engordando. ME
AJUDEM POR FAVOR (DEPOIMENTO 27).
Minha mãe escondeu a balança. O que será que ela quis dizer com
isso...ahhhh, estou ficando goooooorda!!!!! só me vejo mentindo pro
psicólogo, que feio né...falo que estou bem, que está tudo.
(DEPOIMENTO 28).
81
Nas refeições tipo janta e almoço que eu faço com minha família, e não
da pra enganar falando que eu comi, e não comi, eu então vou ao
banheiro e enfio a escova na minha garganta, mas não consigo
vomitar tudo. Eu só fiz isso 2 vezes (ontem e hoje) e só saiu um pouco
... Eu sinceramente não acho que tenho bulimia e nem vou ter! Só acho
que a MIA pode me ajudar a perder umas gordurinhas! Eu comentei
com uma amiga minha e ela falou que ia contar pra minha mãe. Como
eu falo as coisas muito brincando, eu disfarcei e comecei zoar ela,
falando que era mentira. (DEPOIMENTO 29).
Também aparece esse aspecto no depoimento postado no blog,
(http://dra.anna.zip.net/), citado na introdução, onde a autora afirma que “meu pai,
iludido, disse que não tem visto mais sinais de T.A.s em mim pra ela. (Estou fingindo
bem, miando em silêncio ou no meu quarto, tô pegando as manhas)”. Não há como
vigiar o tempo todo, apenas “quase sempre” como observa o autor do depoimento 27.
Mas, na mínima distração, a compulsão é realizada. Há diversas maneiras de mentir e
enganar, e, nem mesmo a internação compulsória tem sua eficiência, conforme
observaram Ramsay e outros (1999), afirmando que ocorrem taxas maiores de
mortalidade em pacientes internadas contra a sua própria vontade. Não há como induzir
ou forçar o sujeito a comer, como no depoimento a seguir.
É verdade, a tendência é se isolar. Tenho um namorado há 02 meses e
ele não sabe da minha doença..... mas acho que desconfia porque
sempre me chama para lanchar e eu não quero comer.
(DEPOIMENTO 30).
Não é possível seguí-lo constantemente para que ele não vomite, pois estado de
vigilância pode ser sempre burlado, em algum momento, portanto não pode representar
um processo terapêutico, já que não altera o padrão interior. Não é assim que nascerá o
desejo interno e necessário de transformação.
82
Me ajuda, por favor!
Essa é uma grande categoria, que não precisaria ser destacada, já que se supõe
que quem se integra à comunidade “Anorexia e Bulimia Nova Visão” no Orkut está
buscando ajuda para solucionar seu transtorno alimentar. No entanto, podemos perceber
dois anseios diferentes, nessas solicitações desesperadas.
Aqueles que desejam manter seu transtorno, mas pedem ajuda para aprimorar
suas técnicas, um auxílio invertido, onde o distúrbio é amplificado pelo reforço do
comportamento, que pode se dar através de receitas para conseguir controlar mais
eficientemente a fome e permanecer mais tempo recusando alimentos, ou dicas para
evitar os danos causados pelo retorno do ácido gástrico, e para facilitar o mecanismo do
vômito, como vemos no depoimento 31.
Comecei com a mia há pouco tempo. Eu faço água morna com sal e
depois coloco a escova de dente na garganta, mas isso ta machucando
muito e depois de um cento tempo para de funcionar. Alguém tem
dicas de como miar e funcionar sempre, e que machuque menos??
Por favor, me ajudem!!! (DEPOIMENTO 31).
O depoimento 32, não se afasta do sentido anterior, porque o autor busca a
“pílula mágica”, que faz parte da crença sustentada pelo capitalismo, ao vender fórmulas
prontas, rápidas e disponíveis, “balas mágicas”, cirurgias, e toda a parafernália oferecida
no mercado ilusório da estética. Não há, portanto, como haver transformações através de
processos artificiais e de atalhos.
Há pessoas catando comida no lixo. Isso me faz sentir mal Mal mesmo.
De saber que desperdiço, embora pouco, enquanto outros precisam34
.
Economia de tempo. Já fui de passar 3 horas ou mais por dia em
exercícios. Dietas de tudo quanto é natureza. E tenho tempo pra
trabalhar, estudar, fazer coisas que gosto. Não tenho mais o pic de
34
“(...) desde os anos 80, a fome e a desnutrição se expandem. (...) Todas essas atrocidades não remontam
ao fato de uma taxa de natalidade muito elevada ter conduzido a um ‘excesso de população’ que, com as
atuais possibilidades técnicas, é incapaz de ser alimentada e deve de algum modo ser neutralizada, como
prognosticara no início do século 19 o famigerado ideólogo liberal Thomas Malthus. Ao contrário, do
século 18 até hoje as forças produtivas cresceram com velocidade infinitamente maior do que a população
mundial” (KURZ, 2001, p.1). Portanto, pessoas não passam fome porque há falta de comida.
83
antes.. Quando era mais jovem. Não queria também que meus futuros
filhos ficassem como eu. Mas a verdade é que existem pessoas cujo
metabolismo é diferente. Existem pessoas que engordam com a maior
facilidade do mundo. E eu infelizmente sou assim.. Então desafio:
existe maneira mais prática, pra quem não tem tempo, de manter os
desenhos do corpo bem definidos, de levantar a autoestima, de sentir-
me bem espiritualmente falando? Se parar com isso vou ser infeliz.
Esta é a clara impressão que tenho. Tem alguma cápsula milagrosa
que não faça mal a minha saúde, e resolva o problema? (DEPOIMENTO 32).
Para esse primeiro grupo, existem sempre pessoas dispostas a “ajudar”, seja
orientando em como adquirir “cápsulas milagrosas” para emagrecimento, seja sugerindo
técnicas para facilitar o vômito. No depoimento abaixo, o autor orienta, mas se afirma
culpado em ensinar suas “práticas doentias”. Atitude contraditória mas própria do
capitalismo, pois a contradição possibilita a crise que gera o consumo, uma corrupção da
antítese marxista, pois leva sempre à mesma síntese, o mercado.
Hmmm.. sorvete está no topo! Bem fácil, sorvete, iogurte, cremes,
sopas, molhos... Frutas como uvas, ameixas, bananas, goiabas,
mamão... são bem fáceis também. Massas como bolo, pão,
macarrão, salgadinhos, biscoitos ... são bem pesados e é mais difícil
de sair. E chocolate, gruda na parede do estômago e NÃO SAI! Tem
que forrar o estômago antes, mas ainda assim tem vezes que não sai
mesmo... ainda mais se você vomita muito. Aí está sua resposta, mas
fico triste de ter lhe ensinado das minhas práticas doentias, peço
desculpas. Força sempre. (DEPOIMENTO 33).
O segundo grupo manifesta o desejo de se libertar da compulsão, do transtorno
alimentar, da prisão à balança, e encontrar mecanismos saudáveis para reverter o
problema.
Consegui passar duas semanas sem vomitar, mas não mudava o
pensamento tô gorda, tô feia, tô feia.. Quero muito me curar, muito
mesmo, e essa comunidade é minha solução, porque meus pais não
aceitam isso como uma doença35
. Dizem sempre que é frescura minha,
coisa de gente doida.. ai fernando me ajuda por favor por favor por
favor. (DEPOIMENTO 34)
35
Ver nota 23.
84
Não aguento mais viver sendo compulsiva por comida. Amo comer,
mas depois o sentimento de culpa pela alta ingestão de alimentos me
apavora e coloco tudo para fora. Já fui bem acima do peso, consegui
emagrecer me entupindo de remédios (que se diziam naturais). Neste
período de dieta conheci uma amiga que me apresentou a "mia". Fazia
de tudo para vomitar e não conseguia, mas não desisti de tentar e
acabou ficando fácil. Depois de muito tempo resolvi assumir que
estou doente. Parece um vicio. Será que é possível conseguir ter o
peso dos sonhos sem ter que utilizar desses métodos? Eu não sei... e
isso me apavora. Me ajude por favor! (DEPOIMENTO 35).
Olá Fernando, estou te escrevendo porque realmente preciso de sua
ajuda. Olha a minha história é a seguinte. Eu nasci com o problema de
ser gordinha. A vida toda meus pais me controlando pra eu não comer,
porque eu precisava emagrecer, e eu comia escondido. Quando cresci e
me dei conta do que acontecia ao meu redor, em relação à isso, eu
entrei numa nóia pra emagrecer. No começo, eu só era compulsiva
(ainda sou) comia muito, muito, muito mesmo, e sofria por ser gorda.
Aí comecei a fazer academia, e fiz por uns quatro anos mais ou menos,
e segui fazendo dietas, emagreci e engordei duas vezes.. Ai sai de
casa, vim estudar em SC, e morar sozinha. Engordei muito, como
jamais tinha engordado. Pesava 105 quilos, para um 1,78m, parei com
a academia e só me mantive com dieta. O meu problema é que nesse
meio tempo, e no meu desespero para emagrecer, adquiri como brinde
a bulimia, e hoje estou com 83 quilos, mas eu não agüento mais a esse
infeeeeerno dessa doença que me mata por dentro... Olha, a bulimia
pra mim, acho que foi decorrente da compulsão alimentar somada com
o desespero de engordar. Eu não quero mais engordar, mas eu não
sei o que fazer. Eu quero emagrecer ainda, mas quero me livrar
dessa doença... Eu preciso de ajuda por favor. Meus pais nunca me
entenderiam pra me levar num profissional seja ele qual for. Eles não
entenderiam nem o que é a bulimiaaaaaa.. Por favor eu te imploro
ajuda! (DEPOIMENTO 36).
Tenho grande projeto de vida, terminei a faculdade e já fiz minha
pós, quero fazer mestrado, mas não sei se conseguirei atingir meus
objetivos antes dessa doença acabar comigo, pois estou cada vez pior!
Também procuro ajuda, mas nunca falei a respeito dessa doença
pra ninguém! (DEPOIMENTO 37).
É possível verificar em alguns depoimentos, que os autores são graduados,
podendo possuir pós-graduação, muitas vezes na própria área de saúde. Esse aspecto
confirma a observação de Hay (1998) de que os transtornos alimentares não estão
restritos a uma faixa sócio-econômica. Os autores desejam intensamente emagrecer e se
libertar de seu transtorno, e possuem conhecimentos variados sobre alimentação, que
buscam em sites, revistas, na troca de experiências, e na própria vivência. Mas as
informações, disseminadas dessa forma, estão muito distantes daquilo que podemos
85
denominar de científicas. O Ibope Nielsen Online (IBIDEM) acrescenta que as
informações que costumam circular em comunidades de anoréxicas e bulímicas estão
relacionadas com receitas e dicas imprecisas.
As informações que circulam nas comunidades do Orkut, pela própria
natureza do ambiente on-line em um contexto colaborativo, são
passíveis de imprecisões. Apesar disso, seus usuários parecem utilizá-
las de maneira indiscriminada. Um caso específico é o de comunidades
de anoréxicas e bulímicas, que trocam “receitas” e “dicas”, inclusive
com o uso de medicamentos sem prescrição médica. (IBIDEM).
A frustração nas diversas tentativas para emagrecer, incluindo as com
acompanhamento médico e, ou, nutricional, gera uma dúvida sobre se existe alguma
estratégia saudável que possibilite a cura do transtorno alimentar. Em razão disso, é
muito comum que médicos, nutricionistas, e psicólogos, muitas vezes sofram transtornos
alimentares em seu próprio corpo, ou na experiência de um familiar, como no
depoimento 38.
Fernando, Gostaria de receber a ficha. Como já falei sou nutricionista
e tenho uma filha que sofre de transtorno alimentar. Estou
desconfiada que meu filho está iniciando o processo, nos meninos é
mais difícil de diagnosticar, em função da ausência de
menstruação...Agradeço antecipadamente. (DEPOIMENTO 38).
Alimentação
A categoria alimentação é fundamental para que se compreenda o tipo de comida
que costuma ser ingerida por pessoas que sofrem de transtornos alimentares. É uma
questão central percebida no discurso dos freqüentadores da comunidade, e que precisa
ser colocada com suas raízes históricas, para que possa ser compreendida.. Por isso, no
produto www.anorexiaebulimia.com foi criado um link “saiba mais”, com o intuito de
contribuir para elucidar o processo complexo relativo aos transtornos alimentares.
86
Figura 8. Link “saiba mais” dentro de “Alimentação”
Nos depoimentos postados na comunidade do Orkut, assim como no campo da
ficha de anamnese “Relate suas opções alimentares atualmente”, é possível verificar que
a constante alimentar é a do junkfood36
. Pessoas viciadas em açúcar, desde o ventre
materno, reproduzindo a cultura alimentar de seus pais, herdeiros de um mundo de
conservantes, aromatizantes37
, acidulantes, aditivos, complementos, suplementos, pré-
cozidos, congelados, enlatados, pré-temperados.
Sou bulímica há 13 anos e tenho crises periódicas durante o ano. Fico
um tempo curada e depois volta tudo. Meu peso também varia muito,
cerca de 10 a 15kg (ou 20kg às vezes) de variação por ano. Pareço uma
mutante. Quem fica mais de 6 meses sem me ver sempre tem uma
surpresa, pois posso estar magra ou uma bolotinha. E com esse
processo meu corpo inteiro e rosto mudam muito. Estou numa crise e
estou muuuito gorda. Não quero sair de casa e nem estudar, nem fazer
nada. Quero energia de novo e quero me sentir saudável e magra. E o
36
Termo utilizado para designar alimentos com alto teor calórico, mas com níveis reduzidos de nutrientes,
como bombons, bolachas, sorvetes, tortas, batatas, pipoca, refrigerantes, salgados e sanduíches. 37
A Internacional Flavors & Fragrances (IFF), instalada em Nova Jersey, é conhecida por ser a maior
produtora de sabores do mundo, tendo a estratégia de não divulgar as fórmulas dos seus compostos,
tampouco a identidade de seus clientes, garantindo sigilo.
87
pior é que nem gosto muito da comida que como e vomito. Pra mim é
quase uma necessidade de me purificar (claro que da pior maneira
possível). De me sentir limpa. Nunca cheguei no peso desejado.
Talvez, só uma vez quando tomei remédios para emagrecer pela 1ª vez
que cheguei perto do peso almejado. Só por uma única vez, senti o
gostinho do que não é ter vergonha do meu próprio corpo sem roupas.
Você sabe qual é a sensação de ter pânico de praia, Fernando? Eu tenho
desde pequena, pois tenho vergonha de por um biquíni. Descarto
convites e mais convites para viajar por causa disso. E vou morar com
meu namorado em 2 meses, e ele gosta de viajar e entro em pânico só
de pensar que vou ter que inventar uma desculpa para não ir com ele.
Mas, pelo menos não estarei mais na casa dos meus pais, onde minha
mãe sempre compra e faz doces, bolos, compra chocolates e coisas
de padaria. Desde que nasci sou viciada em chocolate. Na minha
casa tinha caixas e mais caixas de todos os tipos de chocolate. Quero
chegar nos 52 kg e quero ser um exemplo pra os meus futuros filhos e
não quero que eles tenham o mesmo problema que eu.
(DEPOIMENTO 39)
Olá, tenho 1,62 e 51 kg, tenho miiia ha uns dois meses, e isso me
trouxe vários problemas de estômago. até achei estranho isso acontecer
em tão pouco tempo..., mas acho que isso nunca se passa na cabeça dos
meus pais, pois eu como muito doce, e tal... pra eles, faço como
qualquer outra pessoa, engole e sai naturalmente. (DEPOIMENTO 40)
Eu também preciso dessa ficha, minha alimentação é totalmente
junkie... não consigo comer, frutas, verduras e legumes, acho tudo
isso horrível... vivo engordando e emagrecendo... o famoso efeito
sanfona!!!!! (DEPOIMENTO 41)
Tomei cibutramina
38 por dois meses, a de 10 mg, mas meu comprimido
acabou. Agora estou voltando a ter fome de novo. Se meu problema
fosse fome de comida eu não ligaria, mas meu problema são as
besteiras. tipo pão, pizza, frituras, refrigerantes. O legal que achei
nesse remédio é que ele reduz muito à vontade de comer besteiras. Mas
por favor, eu gostaria de receber essa ficha. (DEPOIMENTO 42).
As “besteiras” não são percebidas como comida, pelo autor do depoimento 42,
embora, esses alimentos-simulacro são ingeridos como se comida fossem. Não mais se
reconhece o que é alimento in natura, pois o alimento não é mais um alimento, mas um
negócio. Por essa razão, não desperta interesse o produto in natura, pois não permite
38
Sibutramina - é um fármaco anorexígeno utilizado no tratamento da obesidade, que age inibindo a
recaptação de noradrenalina. Por ser uma substância que pode causar dependência física ou psíquica, a sua
venda é controlada pela Resolução SVS/MS 344, de 1998, com retenção de receita. Os efeitos colaterais
principais incluem dor de cabeça, secura da boca, insônia, dor nas costas, vasodilatação, taquicardia,
palpitações, anorexia, constipação, aumento do apetite, náuseas, dispepsia, vertigem, parestesia, dispnéia,
sudorese, alteração do paladar e dismenorréia, sinusite e doenças do aparelho auditivo. Tendo como
contra-indicações, antecedentes de anorexia nervosa ou bulimia, conhecimento ou suspeita de gravidez, ou
uso durante a lactação. Apesar disso, costuma ser oferecido na internet, e parece que é comprado
facilmente nas farmácias, sem receituário.
88
valor agregado, e, portanto gera menor lucro. Quanto mais processado e artificializado,
mais interessante se torna esse produto, que se transforma em alimento pela força do
marketing, pelo poder do Capital, capaz de seduzir o até mesmo o discurso científico39
.
Se não é fácil romper o padrão familiar, que possibilitou a construção do vício da
autora do depoimento 39, através da compra e preparação constante, pela mãe, de doces,
bolos, chocolates e “coisas de padaria”, mais difícil ainda, é romper com a cultura-pop-
alimentar imposta pelo capitalismo, e que transita em todos os territórios40
.
5. PRODUTO
Espaço
Foi definido o endereço disponível <www.anorexiaebulimia.com>, feito o
registro do domínio, e contratado um plano de hospedagem em novembro de 2009. Após
o site entrar no ar, foi colocada divulgação na página da comunidade do Orkut
“Anorexia e Bulimia Nova Visão”, sendo os membros também avisados diretamente,
através dos e-mails cadastrados. Um dos recursos disponibilizados no site é um contador
de acessos, recurso que não há na comunidade do Orkut, apenas contagem de membros,
de tópicos postados no fórum, e dados referentes às pesquisas.
39
A Nestlé, segundo Amorim (2005), patrocinou eventos científicos na década de 30, procurando
influenciar profissionais da área da saúde. Essa estratégia é plenamente utilizada pelas indústrias ainda
hoje, ao financiar congressos, laboratórios em Universidades, entre outras benesses. 40
A implantação da marca McDonald’s em culturas tradicionais, como a da China, incrementou o
consumo de proteína animal, o uso crescente de alimentos preparados, e o aparecimento da categoria
“comida de criança”. (JING, 2000). No Japão, como conseqüência, o consumo per capita de arroz caiu
aproximadamente de 107 kg para menos de 65 kg, enquanto o consumo de carne aumentou de 5 para
quase 40 kg”. (MITCHELL, INGCO E DUNCAN, 1997, p. 73), conseqüências de uma cultura
globalizada, onde os tipos de alimentos consumidos nos diferentes países tendem a ser cada vez mais
semelhantes. Ainda que comportamentos alimentares sejam adaptados à cultura de cada povo e país,
alterando alguns itens no cardápio, como o hambúrguer composto por uma fatia de carne prensada por dois
bolos de arroz vendido nas lanchonetes da rede de Taiwan e Singapura (INVERTIA, 2006), prevalece o
gosto pasteurizado.
89
Figura 9. Página inicial do site
O dois fatores que alicerçaram a elaboração do site foram a sua natureza
educacional e o caráter de divulgação científica. O verbo educar vem do latim educere,
que significa "guiar para frente”. Um significado que pode induzir a uma educação
adestrativa, ao invés de promover a autonomia e uma educação libertadora. Mas, o fato
de estar em um espaço não-formal, sem uma grade curricular a ser seguida, pode
dificultar a reprodução de uma postura educadora convencional , já que o próprio acesso
à informação, pode ser realizado a qualquer momento, característica que o aproxima da
geração zappiens (VEEN e VRAKKING, 2009)
Os usos dessas tecnologias influenciaram o modo de pensar e o
comportamento do Homo zappiens. Para ele, a maior parte da
informação que procura está apenas a um clique de distância, assim
como está qualquer pessoa que queiram contatar. Ele tem uma visão
90
positiva sobre as possibilidades de obter a informação certa no
momento certo, de qualquer pessoa ou de qualquer lugar.(pp. 30-31)
Veen e Vrakking (2009) definem o conceito de zapear, processo que se
estabeleceu definitivamente em nossa cultura globalizada, com as tecnologias do
controle remoto, a possibilidade de abertura de múltiplas janelas durante a navegação na
internet, e o desenvolvimento dos links que caracterizam os hipertextos.
Processo de troca de um fluxo de informação para outro, como se faz,
por exemplo, com o controle remoto de uma televisão quando se troca
de canal. Em geral, zapear é um método para aumentar a densidade de
informações interessantes no menor tempo possível; é uma forma
eficiente de gerenciamento do tempo.(IBIDEN, Glossário).
O desenvolvimento do hipertexto permitiu a construção de textos em rede,
através da disponibilização de links em frases ou palavras, o que aumentou o fluxo da
informação. Ao criar o termo hypertext, Theodor Nelson (1981) esperava que esta forma
de texto possibilitasse a criação de conexões entre documentos e o estimulo da
criatividade. Mas, de que adianta os recursos tecnológicos disponíveis no hipertexto, se
os textos apenas cumprirem a função de transmitir informações, sem revelar quais as
visões de ciência que estão associadas àquela proposta?
Conteúdo
Silva e Fernandez (2007) observam que a tecnologia pode estar implicada com
uma concepção ideológica conservadora.
Muitas vezes tais recursos tecnológicos podem ter presentes
concepções epistemológicas nas quais se fundam idéias de ensino e
aprendizagem tradicionais e concepções de ciências distorcidas, como,
por exemplo, uma ciência vista como produtora de verdades que
devem ser aceitas sem questionamento.(p.28).
O conteúdo do site foi elaborado a partir do conteúdo desta dissertação, incluindo
os depoimentos e suas categorias, e as discussões desenvolvidas no capítulo anterior. Por
91
exemplo, observamos, dentro da categoria alimentação, a importância de se colocar este
tema na perspectiva histórica a fim de ser compreendido, e possibilitar um olhar crítico
sobre os transtornos alimentares. Para não prejudicar a dinâmica do site, foi criado um
link “saiba mais”, para quem pretende se aprofundar no problema. Como o texto base
para a publicação no site não se encontra em nenhum dos capítulos anteriores, e face sua
importância, será apresentado em destaque neste tópico. No site, será apresentado em
documentos PDF ou Word, para aqueles que desejarem abrir ou fazer o dowunload.
O site foi estruturado com 21 links para páginas internas, incluindo a página
inicial. Os links são “Anorexia, quem sou eu?”, “Bulimia, quem sou eu?”, “Compulsão”,
“Como posso ajudar?”, “Depoimentos”, “Alimentação Viva”, “Tratamento”, “Partilha”,
Receitas”, “Alimentação”, “Leucocitose Digestiva”, Artigos Científicos”, “Vídeos”,
“Mitos”, “Eventos”, “Links”, “Livro de Visitas”, “Entre em Contato”, Sobre nós”, e
“Bibliografia”, além da página inicial. Os dois primeiros, conceituam respectivamente a
anorexia e bulimia, utilizando texto simples e direto e um link interno “saiba mais”, para
quem tiver interesse em abordar questões mais profundas sobre o tema. Ao clicar,
documentos em formato Word são abertos e podem ser baixados. Os textos foram
construídos, a partir do material disponível nesta dissertação. A maioria dos outros links
seguem a mesma formatação, ou seja, apresentam um texto direto e um link saiba mais.
O link “Receitas” apresenta receitas da alimentação viva, e apresenta link direto com
receitas dispostas na página da Profa. Ana Branco da PUC-RJ. “Leucocitose Digestiva”
apresenta um resumo do artigo de Paul Kouchakoff, que foi traduzido do original41
.
“Artigos Científicos” disponibilizam alguns artigos científicos para discussão e
downlouad. “Vídeos” disponibilizam filmes que explicam e ensinam algumas receitas da
alimentação viva. Outros links possibilitam que o visitante interaja, enviando um e-mail,
41
Isabella Lyra Reis realizou grande parte da tradução do francês para o português, deixando de traduzir
os termos técnicos, que foram traduzidos por mim.
92
ou deixando uma mensagem. “Sobre nós” apresenta um breve currículo do criador do
site e informa que o mesmo foi criado como produto desta dissertação. E, “Bibliografia”
apresenta a relação de livros e artigos que foram utilizados para a confecção desta
dissertação. Alguns conteúdos serão destacados a seguir.
Conteúdo: saiba mais sobre o origem da alimentação contemporânea
A partir da segunda metade do século XVIII, a Revolução Industrial transformou
as relações, ao implantar um processo contínuo de produção em massa, que
potencializou a capacidade de transformação da natureza, através de máquinas movidas a
vapor, tornando acessível aos consumidores uma quantidade cada vez maior de produtos.
Mas, para que uma nova cultura seja implantada, suprimindo os hábitos anteriores,
derrubando convenções construídas historicamente, é preciso alterar a forma de lidar
com o tempo, tarefa imposta pelo novo mundo do trabalho, para em seguida oferecer
soluções, alimentos pré-cozidos, congelados, enlatados, pré-temperados, alimentos com
empacotamento a vácuo, e reduzir o período gasto com as tarefas de preparo da
alimentação.
Antigamente os rituais alimentares imprimiam o ritmo à vida familiar.
Hoje a alimentação está cada vez mais submetida às imposições do
trabalho. (...) a refeição coletiva, moderna, industrial, dietética, barata,
compromete a comensalidade: na hora do intervalo, no restaurante da
empresa ou em outro lugar com os ‘tickets-restaurantes’, a pessoa
almoça depressa, cercada pelos colegas, mas não com eles. Não se tem
tempo, visto que uma parte deste intervalo será utilizada nas
caminhadas. Tempo curto de consumo. Tempo curto de preparação
(ÁRIES & DUBY, 1992, p. 320).
O período após a segunda guerra mundial caracterizou-se pelo que foi
denominado o american way of life, e provocou uma explosão de consumismo,,
buscando-se o cômodo e o prático, uma nova forma de vida necessária para a expansão
do mercado e crescimento das indústrias de bens de consumo, alimentícia e
93
farmacêutica. Geladeiras, freezers, processadores, batedeiras, fornos microondas
combinam-se com novos alimentos, simulacros do real, calcados na tecnologia e
referendados pelo próprio discurso tecnocientífico (SODRÉ, 1990), inventados para
suportar as novas exigências de consumo, que por sua vez se combinam com as pílulas
mágicas farmacêuticas criadas para anestesiar e suportar o novo modo americano de
viver (LEVENSTEIN, 1998). Atualmente, quase tudo em nossas vidas é dirigido pela
lógica de consumo capitalista, com necessidades sendo criadas para serem supridas
através da oferta de produtos totalmente essenciais, mesmo que só tenham chegado
recentemente ao mercado. Menasche e Schmitz (2006, p.6-7) retrata o efeito gerado pelo
freezer e a luz elétrica, não somente nos costumes alimentares, mas também nas relações
sociais.
A criação de suínos no sistema tradicional era comum até a década de
1970. Segundo um agricultor entrevistado, “naquele tempo, o negócio
era banha”, pois, “a banha valia o dobro da carne, carneavam o porco
e vendiam a banha”. A banha era o principal produto comercializado
pelos colonos: o porco devia ser gordo, para dar bastante banha. (...)
Além do valor comercial, a banha também era muito importante no
dia-a-dia dos colonos, pois era utilizada para cozinhar e para conservar
a carne. A carne de porco era assada ou frita e guardada na banha e,
dessa forma, conservada por meses. A banha era armazenada em
enormes latas e era a necessidade de banha que determinava quando
seria necessário abater outro porco, mesmo que ainda houvesse
armazenado carne, lingüiça e torresmo.
Portanto, a carne mais consumida nesse tempo não era a bovina, e sim
a suína, em função da possibilidade de ser armazenada melhor, em
barris cheios de banha. O abate de um boi era um verdadeiro evento na
comunidade, pois já que a carne não podia ser conservada por muito
tempo, vizinhos e parentes vinham ajudar no ritual. Com a distribuição
de carne bovina, as relações de sociabilidade da comunidade eram
renovadas. Mas a eletricidade e especificamente o freezer
possibilitaram o armazenamento da carne bovina, permitindo o seu
consumo quase diário, alterando o hábito alimentar e as relações
sociais, pois deixou de ser realizada a troca entre vizinhos e parentes.
A proteína animal passou a ser rotineiramente consumida pela
população ocidentalizada. (LOBATO e MONDONI, 2004, p.248).
Em 1948, a divisão de trabalho de Taylor foi implantada, pelos irmãos
McDonald, de maneira empírica no sistema de preparo de alimentos em restaurantes,
94
com os objetivos de reduzir os preços, elevando o volume de vendas, aumentar a
velocidade no serviço, através de uma uniformização, padronizando o sabor da comida.
Foi o início do que o sociólogo Benjamim Barber (1995) chamou de “McMundo”, que
representa a produção de um mundo globalizado ou homogeneizado, com alteração de
tradições culturais e alimentares, e substituição de refeições partilhadas em casa, por
alimentos comprados e consumidos na rua. Processo que abreviou o tempo de convívio
ao redor da mesa, através do consumo de alimentos prontos, e aquecidos de forma rápida
e prática nos microondas em casa ou nos postos de trabalho. Uma nova percepção de
tempo e espaço se reflete no modo de comer e de se relacionar com a alimentação, como
conseqüência do trabalho exigindo cada vez maior especialização, do aumento de
deslocamento entre o local de moradia e o do emprego, do estabelecimento de horários
rígidos, e da concorrência das mulheres na disputa pelas vagas. Uma cultura globalizada,
onde os tipos de alimentos consumidos nos diferentes países tendem a ser cada vez mais
semelhantes. Ainda que os comportamentos alimentares sejam adaptados à cultura de
cada povo e país, a homogeneidade não se torna relativa, prevalecendo o gosto
pasteurizado e sem graça, o consumo de alimentos industrializados, a alimentação fora
do domicílio, a preferência pelos supermercados para a compra dos alimentos
processados, e a busca de praticidade e economia de tempo.
A preferência por um produto industrializado não pode ser colocada como uma
escolha, mas uma imposição construída através de várias técnicas capitalistas. Pois, a
cozinha fast food faz parte de um complexo sistema de produção em série, que gera
alimentos-plástico sem qualidades nutricionais e sem sabor, que são corrigidos por
substâncias químicas, através da agregação de aditivos, e que vão fornecer sabor, odor e
cor aos alimentos-simulacro (JAFFÉ, 1981).
95
Mintz (2001) apresenta a idéia de que o alimento em nossa sociedade é uma
mercadoria, e, portanto, é explorado pela mídia, como outra mercadoria qualquer.
Sifontes e Dehollain (1986) destacam que quanto mais se desce na escala da
estratificação social, maior é a influência exercida principalmente pela televisão nas
condutas alimentares, sendo essa mídia a principal fonte de informações sobre questões
alimentares utilizadas pela população. O lanche fast food ganha longe na preferência dos
alimentos in natura, em função da velocidade no preparo e a facilidade no consumo
gerada com as novas técnicas de conservação. O junk food42
, termo utilizado para
designar alimentos com alto teor calórico, mas com níveis reduzidos de nutrientes, foi
implantado como cultura, estando presentes em todos os tipos de mídia. Não se deve
esquecer que raramente alimentos saudáveis como frutas e vegetais em natureza são
publicitados (GARCIA, 1999).
Outro obstáculo produzido pelo capitalismo são os mecanismos de redução do
tempo, percebidos claramente na sociedade contemporânea, e que afetam diretamente a
questão da alimentação, dificultando o preparo de refeições sadias, e estimulando a
busca por “atalhos”, materializados em lanches silenciadores da fome, mas vazios em
nutrientes, pois são compostos por ingredientes inventados para distrair, seduzir, enganar
com sabores e odores introduzidos artificialmente. A dificuldade para alterar padrões
alimentares, coletadas na ficha de anamnese43
enviada através da comunidade “Anorexia
e Bulimia Nova Visão”, é justificada pela ausência de tempo, pois a grande maioria sai
de casa cedo e retorna tarde, fazendo algumas refeições na rua.
Fernandez-Armesto (2005, p.20) observa a interferência do tempo na própria
estrutura de família, pois a palavra família se origina de famulus, que quer dizer,
famintos em torno de uma panela com comida (WOORTMANN, 2005).
42
Ver nota 36. 43
Ver nota 10.
96
(...) os horários das refeições foram fragmentados, onde diferentes
membros das famílias escolhem pratos diferentes para consumir em
horários diferentes. (...) comem ao mesmo tempo em que fazem outras
coisas, desviando seus olhares das outras pessoas.
E aponta diretamente a invenção do forno de microondas como fator de erosão
social, observando que com a ajuda dessa máquina, as pessoas podem, facilmente,
aquecer qualquer prato pronto que estiver à mão.
(...) Essa nova maneira de se alimentar inverte a revolução culinária
que transformou a alimentação num ato sociável e ameaça nos fazer
retroceder para uma fase de evolução pré-social. Parte do resultado da
sociedade que se alimenta de lanches é o prejuízo à saúde, à medida
que as desordens alimentares se multiplicam (Ibid., p.21).
Fernandez-Armesto, em seu texto, associa diretamente as alterações alimentares
com a multiplicação das desordens alimentares. Percebe-se que não somente alimentos
são substituídos por outros de qualidade duvidosa, mas o próprio ritual social de se
alimentar foi substituído pelo comer solitário, caracterizando o desenraizamento e a
desterritorialização da alimentação, alijada da sua tradição.
As refeições feitas em horários certos fazem parte dos rituais mais
antigos da humanidade. Os efeitos sociabilizantes do comer em grupo
ajudam a nos humanizar. (...) O fim das refeições regulares implica
dias desestruturados e apetites indisciplinados. (...) Nas famílias
regidas pelo microondas, a vida familiar se fragmenta. O fim do
preparo das refeições em casa é algo que foi previsto com tristeza e, ao
mesmo tempo, ardentemente desejado. O movimento contrário à
cozinha caseira começou há cem anos, sem muita força, entre os
socialistas que queriam libertar as mulheres da cozinha e substituir a
família pela comunidade mais ampla. (...) Agora o capitalismo
conseguiu fazer o que o socialismo não foi capaz (...) a culinária
rendeu-se à chamada "conveniência", em que o desmembramento das
famílias começa pela geladeira. Os pontos de alimentação imaginados
por Bellamy se concretizaram, mas são pontos de venda de fast food
fornecidos por empresas privadas, e a comida que servem é uma
alimentação padronizada e uniforme. (FERNANDEZ-ARMESTO
(2005, P.20))
97
Não basta “voltar a cozinhar em casa”, conforme acredita o autor, mas é
necessário mudar o modo de cozinhar, e o que cozinhar. A alimentação-viva44
não utiliza
o fogo, ou pouco o utiliza, preferindo a energia do sol, rompendo com um modelo
energético contemporâneo, e resgatando o tempo em seu pulsar real, pois “o fogo sugere
o desejo de mudar, de apressar o tempo, de levar a vida a seu termo” (Bachelard, 1999,
p.25). A alimentação-viva ou “crudivorista” rompe com a própria estrutura do
capitalismo, mesmo que em sua teia voraz, esse sistema tente capturar o movimento,
produzindo restaurantes de “alimentos crus”, ou associando alimentos orgânicos à
alimentação viva, absorvendo um novo nicho de mercado.
Atender nichos específicos de consumidores, através da produção de produtos
especializados e diferenciados, não representa uma ameaça à massificação da produção e
ao controle centralizado dos grandes capitais, mas significa somente uma reestruturação
tecnológica e organizacional com fortalecimento do poder global das grandes
corporações transnacionais de alimentos (FRIEDLAND, 1994, p.210-231). Swientek
(2000, p.22-24) relata que recentemente, gigantes transnacionais processadoras de
alimentos adquiriram as empresas e marcas mais promissoras da indústria norte
americana de alimentos orgânicos, as quais vinham crescendo independentemente desde
os anos 70 (BYÉ, 1999). No entanto, a alimentação viva não se prende aos ditames do
mercado que inflaciona os produtos batizados com o rótulo orgânico.
A alimentação-viva recusa qualquer alimento que tenha sido processado
industrialmente, afastando-se da raiz do modelo industrial, e rompe com a lógica
44
Alimentação Viva (life food) – semelhante ao Crudivorismo (ver nota 19), mas com mais ênfase às
sementes germinadas. Alimentação internacionalmente divulgada pelos Ann Wigmore Health Institute
(Porto Rico), Hippócrates Health Institute (Flórida - EUA), e Tree of Life Rejuvenation Center (Arizona -
EUA). No Brasil, a pioneira na pesquisa da alimentação viva é a Profa. Ana Branco, da PUC-RJ, através
de seu projeto Biochip (informação da vida), um grupo aberto de estudo, pesquisa e desenho, que investiga
as cores, odores, sabores e informações contidas nas frutas, hortaliças e sementes revitalizadas pela
germinação, e que faz parte das atividades desenvolvidas no LILD -Laboratório de Investigação em Living
Design do Departamento. de Artes e Design da PUC-RJ. O Biochip inspirou a médica Maria Luiza
Nogueira, irmã de Ana Branco, a criar na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o projeto Terrapia.
98
potencializada pelo frezzer e geladeira, elaborando pratos que são consumidos
imediatamente, não havendo sobras, congelamento, ou armazenamento – substantivo
essencial no capitalismo, que estimula a poupança e o acúmulo. A alimentação-viva
também subverte o que é visto por lixo, pois na sociedade de mercado, tudo o que não
serve para a produção de mercadorias e a acumulação do capital, é desprezado, mas na
alimentação-viva, os resíduos vivem o ciclo da vida, através do processo de
compostagem, que vai gerar nova terra. Nada se perde, vivendo seu moto-contínuo.
Portanto, a alimentação-viva subverte o tempo controlado pelo Capital, o
conceito de lixo, mesmo aquele que é chamado de reciclável45
, a lógica do
armazenamento46
, o gasto energético, além de ignorar a grande maioria de produtos
dispostos no mercado alimentício.
Conteúdo: o processo da partilha.
A palavra companheiro, como no francês compagnon e no inglês companion, tem
sua origem em cum panem, aqueles que compartilham o pão. Partilhar47
as vivências,
que são o nosso pão, é uma prática da comunidade “Anorexia e Bulimia Nova Visão”,
com o objetivo de promover a saúde integral, gerar desenvolvimento das
potencialidades, da autonomia, e contribuir para a transformação da própria realidade
(CANDEIAS, 1997). Ela se inicia após a devolução da ficha de anamnese preenchida,
quando o usuário recebe por e-mail uma partilha, e se inicia uma nova fase, através da
proposta de vivência da alimentação-viva. A partir desse momento, contatos recíprocos
45
A reciclagem do lixo é uma forma de mito, pois não soluciona o problema, já que somente se recicla o
que interessa, além de se gastar elevada energia no respectivo processo. 46
Armazenar e acumular são princípios básicos do capitalismo. 47
Partilha - ato inspirado no verbo partilhar que significa repartir, participar de, desdobrar-se, dar a vez,
permitir que outros ocupem o tempo, ou espaço que seria seu, ou ainda, expor suas idéia para o grupo.
Dessa forma, a partilha é uma divulgação da minha experiência em alimentação viva, construída a partir
do projeto de pesquisa Biochip, da Profa. Ana Branco da PUC-RJ, e se concretiza através da comunicação
através de e-mail, com os usuários que enviaram a ficha de anamnese preenchida.
99
se estabelecem através de e-mails, compartilhando vivências, num ciclo espiral, que
somente é interrompido pelo silêncio do usuário.
A importância da divulgação de trechos de partilhas está na revelação aos outros
de que é possível a transformação dos padrões compulsivos, pois isto fortalece e cria
ânimo. Foram selecionadas três partilhas, que são apresentadas trazendo dados dos
autores, fornecidos através da ficha de anamnese. Após o recebimento da partilha e
vivência do processo, os autores enviaram e-mails com relatos, compartilhando a
experiência, e estabelecendo o diálogo. Os relatos estão colocados a seguir dos
cabeçalhos, com as informações sobre os autores.
Partilha 1
Professor, 38 anos, 168 cm de altura, 75 kg, compulsivo e bulímico, com halitose,
hipertensão e hipercolesterolamia, nefrose na infância. Após o envio da ficha de
anamnese, recebeu uma partilha com vivências relacionadas com a alimentação-viva.
Após algum tempo, envia e-mail compartilhando sua vivência.
Oi Fernando, tudo bem? bom, recebi seu e-mail há um bom tempo,
entretanto, somente agora pude respondê-lo. Hoje faz quatorze dias que
comecei tomar o suco que você partilhou comigo. Acho que tudo tem
o momento certo. Tudo começou depois do carnaval, após muita farra
(bebedeira e comilança). Estava exausto, física e emocionalmente, pois
havia terminado um relacionamento de longa duração. Mesmo assim,
acordei na quarta-feira de cinzas disposto a encarar uma mudança mais
radical e resolvi iniciar o suco de luz48
, e em jejum o suco de limão em
água morna. Decidi também dar um tempo na bebida. já no terceiro
dia que estava tomando o suco, comecei a sentir as primeiras
mudanças. Mais disposição, menos interesse por qualquer tipo de
comida e bebida, mais estabilidade emocional, perda de peso, de
74,5kg para 72,5kg, pressão 136/87mmhg para 124/75mmhg. Hoje
aguardo muito feliz a hora de tomar meu sucão, como eu o apelidei,
rsrsrs. Meu peso está em 69,8 kg (isso não acontecia há anos). Estou
fazendo atividade física todos os dias e tenho muita disposição no
48
Suco da Luz do Sol – suco feito com a combinação de hortaliças, privilegiando as de produção orgânica,
com pepino, maçã, grãos germinados, em um liquidificador, coado em um coador de pano. Batizado pela
Profa. Ana Branco com inspiração na ação do sol nos alimentos. A receita foi disponibilizada no site
anorexiaebulimia.com, através de descrição detalhada e vídeos auxiliares.
100
trabalho e em casa. Minha pressão sanguínea está em torno de 11/7
mmhg, pra quem já foi diagnosticado hipertenso e tomava todos os
dias 50mg de losartana potássica49
, está bom , não acha?agora quero
refazer os exames sanguíneos que eu fiz no início dessa terapia (dia
19/02/2010), pois todos os resultados estavam alterados. Veja a seguir.
Colesterol: 246mg/dl. Triglicéride: 261mg/dl. Transaminase glutâmico
oxalacética: 50 u/l. Transaminase glutâmica pirúvica: 47 u/l. Na
verdade, estou confiante que essas taxas tenham baixado, entretanto,
fico meio apreensivo ao pensar que não baixaram. Então, estou
esperando dar os 28 dias que o corpo leva para assimilar as novas
substâncias no organismo. O que achou da minha partilha, alguma
sugestão para me auxiliar em minhas buscas para recuperar meu
estado de saúde? Aguardo contato.
A partilha é um processo contínuo e mútuo, enquanto o usuário desejar manter a
comunicação, o que é o caso, conforme se percebe no encerramento do e-mail acima.
Partilha 2
Estudante de pré-vestibular à noite, mulher, 19 anos, 180 cm de altura, 75 kg, , apetite
aumentado, halitose, gases, poliúria, TPM compulsão por doces, foi bulímica dos 13 aos
15 anos, mas aos 16 se tornou vegana50
por motivos éticos, mas problema de saúde na
família aumentou sua ansiedade e as compulsões voltaram, engordando 5 quilos.
Tenho tricolomania51
- mania de arrancar os cabelos pela metade (eu
não arranco a raiz, apenas tiro um pedaço de fio e jogo fora). É como a
bulimia, uma doença que não se sabe a causa, mas uma vez li um
cientista dizendo que a causa poderia ser uma reação alérgica a
determinados alimentos. Quem sabe sua dieta também não me ajuda
com isso? Queria perguntar se você acha que a dieta também pode
ajudar meu pai a se desintoxicar dos remédios de Parkinson, pois eu
poderia fazer a comida pra mim e pra ele. Desde quando li sua
49
Losartana potássica - medicamento indicado para o tratamento da hipertensão, também utilizado no
tratamento da insuficiência cardíaca, geralmente em combinação com diuréticos e digitálicos. Pode
apresentar os efeitos adversos de edema (face, lábios, faringe, língua), diarréia e anormalidades da função
hepática, mialgia. enxaqueca, urticária, ou prurido. 50
O veganismo foi criado na década de 40, por dissidentes da The Vegetarian Society (Sociedade
Vegetariana), por questões ideológicas. Formaram a The Vegan Society (Sociedade Vegan), adotando um
termo que é uma corruptela de vegetarian, sendo suprimidas as 5 letras centrais. Não consomem nenhum
produto animal ou que tenha sido testado em animal. Não é uma dieta, mas uma ideologia que luta pela
inclusão dos animais na sociedade humana. 51
Tricotilomania - distúrbio em que ocorrem impulsos para arrancar os fios de cabelo para controlar a
ansiedade, podendo gerar calvície ou grandes falhas no couro cabeludo. Na Tricotilofagia o cabelo
arrancado é comido, gerando acúmulo de cabelos no estômago, exigindo cirurgia para a remoção. Não se
conhece as causas desses distúrbios, mas há teorias sobre desequilíbrio químico, problema genético, ou
origem alérgica, provocada por uma dieta inapropriada.
101
comunidade não consigo vomitar mais. E tenho lido muitas coisas
sobre crudivorismo52
. Já li os 12 passos53
também. Amei Hoje é o 10º dia. Fiquei muito feliz com os resultados do suco. Nos 3
primeiros dias me senti um pouco tonta, enjoada e com dor de cabeça.
Do quarto dia em diante foi só alegria. Me senti muito mais disposta,
minha pele melhorou muito e finalmente estou conseguindo largar
a cafeína. Também, estou consumindo mais frutas, legumes e
tomo o limão todo dia. Fico aguardando a segunda etapa.
Partilha 3
Economista, mulher, 29 anos, altura 162 cm, peso 75 kg, tem TPM, chocolates, bulímica
há 13 anos, quando tem compulsão vomita cheeps e bolachas recheadas.
Oi Fernando! Tudo bem com você? Bom, foram dias bens interessantes
esses últimos.....Eu entrei em crise, numa crise boa, vamos dizer. Logo
nos primeiros dias tomando o suco, me veio um monte de coisas na
cabeça e uma reflexão importante pra mim: durante toda a minha vida
não tive autenticidade nas minhas escolhas. Aderi à teorias, filosofias,
modos de vida, dietas que eu achava interessante, mas tudo sempre
ficou num plano teórico, intelectual. Nessa reflexão, me senti uma
ovelha seguindo os passos dos "gurus" desse mundo. Me faltou
autonomia e autenticidade pra seguir meu caminho, único, exclusivo,
individualismo. E de repente, comecei a questionar tudo e todas as
minhas escolhas, e até esse caminho que você propõe de
alimentação viva (apesar de ter a certeza que você tem as melhores
das intenções. Sei isso de coração), e senti uma necessidade imensa de
pesquisar antes de entrar de cabeça nesse novo estilo (como sempre
entrei em tudo na minha vida: de cabeça e sem criticidade). Li tudo
que vi e achei na internet sobre crudivorismo, jejum, alimentação viva
e higienismo54
. Ainda quero ler muito mais, mas quero mesmo é
experimentar e testar no meu corpo esse estilo de alimentação
natural. É bom me apoderar desse processo pois me sinto mais dona
52
Crudivorismo (raw food) - sistema alimentar que só admite alimentos crus, com consumo de frutas,
verduras, legumes, cereais, brotos, sementes germinadas, tudo cru, e ausência de produtos de origem
animal, processados ou refinados. Pela não utilização do fogão, ou aquecendo e desidratando os alimentos
ao máximo de 42ºC, podendo ser ao sol, não ocorre a destruição de vitaminas, minerais, fibras, e
desnaturação de proteínas. Também não utiliza a geladeira para armazenamento. Ao contrário do popular
dito que “todo apressado come cru”, no crudivorismo a alimentação é sem pressa, tendo alguns pratos
bastante elaborados que exigem mais de 10 horas no preparo. 53
12 passos para o crudivorismo – livro escrito por Victoria Boutenko, em 2001, editado por Raw Family
Publish, EUA, inspirado nos 12 passos apresentados pelo A. A. (Alcoólatras Anônimos), mas sendo um
programa diverso, não voltado para a recuperação do alcoolismo. 54
Higienismo - filosofia que defende que todas as doenças são causadas, primordialmente, pelo acúmulo
de toxinas no corpo, e que, secundariamente, agentes externos, como microorganismos, poderiam se
aproveitar da debilidade do doente. Os sintomas das doenças seriam manifestações de um processo de
desintoxicação que cederia quando o organismo estivesse livre das toxinas que causaram a doença. Dessa
forma o sintoma já é o processo de cura, e o uso de medicamentos para alívio dos sintomas prejudica a
eliminação de toxinas, e também a cura. A doença seria uma “crise de eliminação”. O higienismo condena,
além das combinações alimentares erradas, o uso de comidas industrializadas (refinadas), carnes (que não
são alimentos específicos para a espécie humana) e vegetais cozidos (estágio mais elevado do higienismo),
a não ser os legumes, que podem ser cozidos no vapor, e as raízes, que podem ser cozidas.
102
de mim mesma, apesar de saber que isso também envolve uma grande
responsabilidade. Bom, psicologicamente, esse foi o insight.
Em relação a essa experiência tenho que dizer que meu
intestino melhorou muuuuito e minha pele ficou mais bonita.
Mas devo dizer também que não gostei do sabor do suco, nem
um pouco. Posso trocar a couve por alface, por exemplo?
Posso colocar tomate e outro legumes e vegetais? Achei
também um pouco trabalhoso a preparação do suco, pois não
gosto de cozinhar e preparar coisas na cozinha. Esse é o maior
desafio a vencer: preguiça de cozinha e o desejo de um
caminho mais simples.
Não tive mais crises de bulimia.
Tentei comer apenas frutas e o suco no dia, mas percebi que é
bem difícil comer muitas frutas durante o dia e acabo comendo
outras coisas porque sinto "fome". Como saciar essa "fome" ou
necessidade mínima de calorias com apenas frutas e vegetais
sem ter "fome"?
Apesar de ter achado gostoso tomar o chá de limão, porque
tomá-lo? Quais as razões e benefícios?
Na alimentação viva, recomenda-se usar condimentos como:
pimenta, salsa desidratada, manjericão seco e sal marinho,
azeite?
Tô sentido uma necessidade e quase desejo de comer mais
legumes e vegetais. Tô sonhando com aipo (apesar de nunca
ter experimentado) com molho de tomate batido no
liquidificador com um pouco de cebolinha, salsa e
pimenta.....craaazy!
Já que alimentos cozidos não são indicados, quando bater aquela fome
louca, o que é melhor: fazer uma sopa de vegetais e tubérculos ou
comer um carboidrato, tipo pão, de acordo com a combinação de
alimentos? No mais, esses são os meus relatos. Aguardo nova
partilha. Boa noite.
Podemos observar que o processo de partilha possibilita a alteração de padrões,
que foram percebidos em vários sistemas, circulatório, digestivo, emocional, pele, além
de atuar sobre pensamentos e sentimentos. Como exemplos, podemos citar a normalização
da pressão sanguínea, a redução de peso e a estabilidade emocional, relatadas na partilha 1, ou as
declarações “estou conseguindo largar a cafeína” e “consumindo mais frutas, legumes”, presentes
na partilha 2, destacando a frase “desde quando li sua comunidade não consigo vomitar
mais” que reforça a importância de espaços, onde existam pontes de comunicação, que
facilitem a compreensão de informações importantes para o estímulo de alterações
103
comportamentais. Conforme relata o autor da partilha 3, a percepção das mudanças não se
restringe apenas ao corpo, mas à mente e à alma. Reconhece que em sua vida, havia faltado
autonomia e autenticidade para seguir um caminho próprio e exclusivo, e que começou a
“questionar tudo e todas as minhas escolhas, e até esse caminho que você propõe de
alimentação viva”. O autor afirma ser “bom me apoderar desse processo pois me sinto
mais dona de mim mesma”. Permitir que alguém se apodere55
de um processo, e torne-se
dono de si mesmo é, justamente, o fruto desejado em um processo educacional,
conforme reflete Pereira et al. (2000, p.39), “oferecer oportunidades para que as pessoas
conquistem a autonomia necessária para a tomada de decisão sobre aspectos que afetam
suas vidas”.
55
Empowerment – empoderamento ou libertação do indivíduo de estruturas, conjunturas e práticas
culturais e sociais que se revelam injustas e opressivas, através de um processo de reflexão sobre a
realidade da vida humana.
104
Figura 10. Link “Partilha”, contendo também um “saiba mais”
Conteúdo: a alimentação-viva
A alimentação-viva recupera a consciência do ato de alimentar-se, e a percepção
do todo, distante da fragmentação imposta pelo capitalismo da especialização. Uma
alimentação que, nas palavras da Profa. Ana Branco (2007, p.1), permita a cada pessoa
“se apropriar de si mesmo. Ser mestre de si mesmo. Poder se apropriar da própria vida”,
rompendo com o a essência do comércio, pois o alimento vivo “não é para ser vendido. É
105
para a gente poder se regenerar.”, permitindo a construção de um novo paradigma de
sociedade. A pesquisa Biochip, que significa informação da vida, “representa uma
ameaça para o setor alimentício”, pois, relata a professora, “promove a independência da
indústria, que aprisiona os consumidores com os rótulos "saudáveis" e rentáveis”. Liberta
ainda dos próprios “alimentos orgânicos, que são destinados para a elite, pelo alto custo,
e não representam o conceito de uma alimentação transformadora, mas que promove
dependência financeira, social e psicológica”.
Figura 11. Link “Alimentação Viva”
Forma
Para a elaboração do formato do site, dentro das limitações encontradas no
hospedeiro, buscou-se orientação a partir de alguns autores com percepção de
diagramação em Web, assim como em propostas encontradas no RIVED – Rede
106
Interativa Virtual de Educação -, um programa da Secretaria de Educação a Distância –
SEED, que orienta sobre a construção de objetos de ensino ou aprendizagem.
Wiley (2000, p. 3) define os objetos de aprendizagem (OA) como “qualquer
recurso digital que possa ser reutilizado para o suporte ao ensino”. Para a Rede Interativa
Virtual de Educação - RIVED (2006) o OA é:
(...) qualquer recurso que possa ser reutilizado para dar suporte ao
aprendizado. Sua principal idéia é ‘quebrar’ o conteúdo educacional
disciplinar em pequenos trechos que podem ser reutilizados em vários
ambientes de aprendizagem. Qualquer material eletrônico que provém
informações para a construção de conhecimento pode ser considerado
um objeto de aprendizagem, seja essa informação em forma de uma
imagem, uma página HTM, uma animação ou simulação.
Os OAs possibilitam fragmentar o conteúdo educacional em trechos menores,
para serem reutilizados em outros ambientes de aprendizagem, multiplicando o fluxo de
idéias, e podem ser formados com imagens, documentos VRML (realidade virtual)
hipertextos, animações, sem limite de recursos e tamanho, apenas mantendo seu
propósito educacional definido, estimulando a reflexão, e possibilitando aplicação em
mais de um contexto (BETTIO; MARTINS, 2004). A própria construção de um AO, por
si só, gera conhecimento, pois ao construir o mundo ao redor estamos construindo a nós
mesmos, em um processo contínuo até a formação da consciência (BECKER, 2006).
Utilizamos, até o momento, a disponibilização de vídeos que já eram apresentados no
Youtube.
O processo de construção do site gerou consciência da importância do tipo de
letra utilizada, seu tamanho, cores, imagens, de tal forma que o conjunto de informações
pudesse ser mais bem apreendido pelo internauta-educando-educador. A escolha das
fontes também é importante, pois as fontes com serifas, como Times New Roman e
Courier New, dificultam a leitura, em função de seus pequenos detalhes, enquanto que as
sem serifa, como Arial, Helvetica , Verdana e Tahoma facilitam a visão e a leitura na
107
tela, sendo mais legíveis (BURMARK, 2002). Por essa razão, a Verdana, uma fonte
otimizada para a tela do computador é a adotada no RIVED. O corpo do texto, títulos, e
subtítulos devem estar sempre no mesmo formato em todas as páginas do site. Foram
seguidas as sugestões propostas pelo RIVED, e Verdana foi a fonte selecionada para
todos os textos, exceto os documentos em Word, dispostos para serem baixados, que
estão em Times New Roman.
Para Rubeinstein e Hersh (1984), é preciso ter cuidado com o recurso da
justificação do texto em um site, pois o texto justificado nem sempre aumenta a
legibilidade na tela. Por isso, optou-se por não utilizar a justificação, exceto em um texto
na página inicial.
Figura 12. Exemplo de texto justificado (página inicial)
108
Figura 13. Exemplo de texto justificado (página inicial)
As linhas de texto devem ser curtas, se a intenção é que o texto seja,
preferencialmente, lido na própria tela, ao invés de ser impresso para a leitura no papel,
pois estudos demonstram uma eficácia menor nas linhas mais longas (HANSEN &
HAAS, 1988; DEBRA, 1996). Em razão disso, na maioria das páginas, o texto é
pequeno, sendo utilizado o recurso do link “saiba mais” para outras informações.
Lindermann (1983) propõe a simplificação do texto, com atenção na quantidade a
fim de se evitar o recurso da barra de rolamento, diminuindo a fadiga. No entanto, não
foi possível abrir mão desse recurso, em função da necessidade de vários links à
esquerda, o que aumentou o tamanho vertical das páginas.
Apesar do RIVED sugerir que cabeçalhos e pequenos textos podem ser
centralizados, mas o restante deve se alinhar pela esquerda, pois essa disposição reduz a
carga cognitica, já que estamos acostumados à leitura da esquerda para a direita, foi dada
109
preferência pela centralização do texto na maioria das páginas, por ter uma visualização
melhor.
Ao aplicar links, deve-se usar cor para destacar, ao invés do sublinhado, sugestão
que foi seguida. No aspecto das cores, quando a página tiver um fundo colorido, se
utiliza cores do texto para obter contraste, para ampliar a visibilidade (PARIZOTTO,
1997). Observar para não usar cores arbitrariamente; pois os usuários interpretam cores
(HOWLET, 1996). O fundo das páginas é azul claro, dessa forma optou-se por manter a
cor preta na fonte Verdana, para maior destaque e harmonia. Quando bem utilizados,
múltiplos formatos de informação, como textos, som, animações e vídeos, colaboram no
processo de aquisição do conhecimento (MAYER, 2001). Utilizamos, texto, som e
vídeos. Mas, de que adianta os recursos tecnológicos disponíveis, incluindo as mídias e o
hipertexto, se os textos apenas cumprirem a função de transmitir informações, sem
revelar quais as visões de ciência estão associadas àquela proposta? Silva e Fernandez
(2007) observam que a tecnologia pode estar implicada com uma concepção ideológica
conservadora.
Muitas vezes tais recursos tecnológicos podem ter presentes
concepções epistemológicas nas quais se fundam idéias de ensino e
aprendizagem tradicionais e concepções de ciências distorcidas, como,
por exemplo, uma ciência vista como produtora de verdades que
devem ser aceitas sem questionamento.(p.28)
Com os cuidados para elaborar um design pedagógico, esperamos, também, que o
conteúdo possibilite a construção de um pensamento crítico. O site entrou na web no dia
19 de novembro de 2009, mas passou por contínuas transformações durante o processo
de conclusão desta dissertação. O que não quer dizer que esteja pronto, pois se trata de
um produto em constante diálogo, e, portanto, sujeito a alterações.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta da comunidade pretende que pessoas tenham acesso aos conceitos
necessários para pensar sobre conhecimentos científicos que sejam importantes para a
sua saúde, e, dessa forma, possam resolver necessidades básicas de saúde, e adquirir
percepção crítica (FURIÓ et al., 2001). Ao contrário da educação tradicional,
denominada de bancária por Paulo Freire (2001), e que se constitui em um processo
passivo onde o receptor recebe e arquiva informações, a partilha estabelece um diálogo
com aqueles que vivenciam os transtornos alimentares. A comunidade “Anorexia e
Bulimia Nova Visão” tem possibilitado o desenvolvimento de atitudes para a formação
de uma consciência crítica e do empowerment pessoal. O site, produto dessa dissertação,
ao aumentar os recursos disponíveis, pretende estar em consonância com a promoção da
saúde.
É fundamental desenvolver estratégias que possibilitem a transformação das
relações humanas na direção da constituição de uma consciência coletiva, baseada no
verdadeiro conhecer, não naquele que se deixa seduzir pelo poder econômico, assim
como estimular uma nova alimentação, pois é a alimentação o que nos move, e o que nos
penetra.
Fome, obesidade, transtornos alimentares diversos, multiplicação de doenças,
esses são os maiores desafios do século XXI. É preciso educar para a libertação do
consumo passivo no mercado, do corpo aprisionado, medicalizado. Como educadores
precisamos estar voltados para a essência da vida, perseguindo a síntese, seja a do
processo filosófico, ou a da biologia, que gera produção de energia nas células, e resulta
na criação.
111
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122
ANEXO
FICHA DE ANAMNESE
Data de Nascimento: Peso: Altura:
Profissão e horários:
Hora de Nascimento: Local de Nascimento (município e estado):
Tipo Sanguíneo:
Queixa Principal:
Marcar com um X NOS PARÊNTESES da palavra (pode assinalar mais de um item):
Disposição Geral: ( )Agitado(a) ( )Ansioso(a) ( )Apático(a) ( )Cansado(a) ( )Letárgico(a)
Emoção Predominante: ( )Irritabilidade ( )Medo ( )Pânico ( ) Tristeza ( ) Melancolia
( )Ansiedade ( )Choro s/razão ( )Preocupação ( ) Obsessão ( )Depressão
( )Impulsividade ( )Indecisão ( )Indiferença
Memória para: ( )Estudo ( )Fatos do passado ( ) Fatos recentes (ex. perder chave)
Transpiração: ( )Fria ( )Noturna ( )Diurna ( )Corpo Todo ( )Extremidades
( )Cabeça ( )Palmas (mãos) ( )Solas(pés) ( )Peito ( )Ondas de calor
Sono: ( )Insônia Inicial ( )Terminal(acorda antes) ( )Intermitente(acorda várias vezes) ( ) Ronca
( )Bruxismo(ranger dos dentes) ( ) Sono agitado ( )Pesadelo ( )Medos Noturnos
( )Sonolência
Fâneros: ( )Pele seca/descamada ( )Acne (espinhas) ( )Furúnculo
( )Perda de cabelos ( )Unhas c/ manchas ( )Unhas quebradiças
Dentes: ( )Dente Fraco ( )Perda de dente
Gengivas: ( )Afta ( )Sangramento nas Gengivas
Vertigens ou Tonteiras: ( )Sim ( )Não
Audição: ( )Hipoacusia(diminuição) ( ) Zumbido ( )Estalido ( )Dor de ouvido
Alimentação: ( )Diminuição do paladar ( )Desejo de coisas estranhas ( )Apetite diminuído (
)Apetite Aumentado
Preferência por: ( )Alimentos Frios ( )Alimentos Quentes
Preferência por sabor: ( )Amargo ( )Azedo ( )Doce ( )Ácido ( )Picante ( )Salgado
Sede: ( )Aumentada ( )Diminuída Toma mais de 2 litros de água? ( )Sim ( )Não
( )Boca seca ( )Halitose (mau hálito)
123
Digestão: ( )Digestão lenta ( )Plenitude Abdominal ( )Gases ( )Queimação ( )Cólica
( )Dor ( )Náuseas ( ) Soluços ( )Regurgitação ( )Vômito Aquoso ( )Vômito c/ alimento não
digeridos
Intestinos: ( )Diarréia matinal ( )Defecação c/ alimentos ( )Defecação c/ sangue
( )Hemorróidas ( )Constipação (prisão de ventre) ( )Fezes ressecadas ( )Dor na evacuação
Respiração: ( )Dispnéia de esforço (fica cansado(a) com esforço) ( )Respiração curta ( )Sibilo
( )Tosse seca ( )Tosse c/ muco ( )Muco amarelo ( )Muco c/sangue ( )Secreção na garganta (
)Faringite ( )Asma ( )Sinusite ( )Rinite Alérgica
Coração: ( )Hipertensão ( )Hipotensão ( ) Taquicardia ( )Palpitação ( )Edemas (manchas na
perna ou no corpo) ( )Fragilidade capilar (varizes)
Urina: ( )Urina amarelo escuro ( )Urina c/ sangue ( )Retenção Urinária ( )Incontinência
urinária ( )Poliúria (urina muitas vezes) ( )candidíase ( )cistite
Menstruação: ( )Ciclo regular- 28 dias ( )Ciclo Irregular ( )Amenorréia (ausência de fluxo)
( )Fluxo Intenso ( )Pouco Fluxo ( )Sangue Vivo ( )Sangue escuro ( )Coágulos ( )anemia
Cólicas antes do início? ( ) Cólicas durante? ( ) TPM? ( ) Inchaço? ( )
Faz uso de algum contraceptivo? ( ) Qual? Cefaléia (dor de cabeça)?: ( ) Qual a freqüência?
Qual a região da cabeça? ( )frontal ( )nos olhos ( )na nuca ( )na lateral da cabeça
Problemas na Coluna? ( ) Qual a região? ( )Região Cervical ( )Região Lombar
Cor da Língua: ( )Vermelha ( )Púrpura
Saburra (cobertura da língua): ( )branca ( )amarela ( )escura ( )sem saburra
Apresenta marca dos dentes nas laterais? ( ) Rachaduras? ( ) Tremores na ponta? ( )
Medicamentos que faz uso com freqüência?
Utiliza laxantes, purgantes ou diuréticos?
Doenças e cirurgias que já vivenciou?
Doenças familiares?
Já teve avaliação da função tiroidiana?
Diabetes mellitus, tumores, neoplasias, doença de Crohn?
Teve algum diagnóstico clínico recente?
Relate suas opções alimentares atualmente.
Deseja relatar mais alguma coisa?