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5910187 – Biofísica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 8
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Transporte Mediado por Carreador
Muitas moléculas biologicamente importantes (monossacarídeos,
aminoácidos, mononucleotídeos, fosfatos, ácido úrico, colina, etc), que as
células precisam adquirir ou eliminar, são transportadas por processos
diferentes da difusão, que envolvem macromoléculas especializadas
localizadas na membrana e que são chamadas de carreadoras ou
transportadoras.
Cada tipo de carreador transporta uma família restrita de moléculas. De todos
os mecanismos de transporte mediados por carreador, aqueles responsáveis
pelo transporte de açúcar são, provavelmente, os mais bem entendidos. Esses
mecanismos transportam, principalmente, os açúcares de seis carbonos, as
chamadas hexoses, e, por isso, as macromoléculas responsáveis por ele são
chamadas de carreadoras de hexose. Como a glicose é a hexose mais
importante para as células, essas moléculas são também chamadas de
carreadoras de glicose. Existem dois tipos gerais de mecanismos de transporte
de glicose por carreadores: mecanismos passivos e ativos. Neste curso, vamos
tratar basicamente dos mecanismos passivos.
O mecanismo de transporte de hexose tem algumas características que o
distinguem do mecanismo de difusão simples:
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1. O fluxo de açúcares através da membrana é muitas ordens de grandeza
maior do que o que seria esperado apenas pelo processo de difusão. Por
exemplo, estimativas baseadas em estudos de difusão em bicamadas
lipídicas artificiais indicam que a permeabilidade dessas membranas à
glicose (altamente solúvel em água, mas pouco solúvel em lipídeos) é de
2-4 x 10-10 cm/s, enquanto que a permeabilidade das membranas de
células de animais à glicose é de duas a cinco ordens de magnitude
maior. Portanto, apesar da sua pouco solubilidade em lipídeos, a glicose
é um soluto altamente permeante, o que indica que o seu principal
mecanismo de transporte através da membrana celular não é difusivo.
2. O mecanismo de transporte de hexose é muito sensível ao tipo de
molécula sendo transportada, e também ao arranjo estrutural da
molécula. Isto não deveria ocorrer se o mecanismo fosse de origem
difusiva. Por exemplo, esse mecanismo transporta apenas os açúcares
monossacarídeos (ele exclui os dissacarídeos e os polissacarídeos). Dos
monossacarídeos, o mecanismo de transporte de glicose transporta
muitas hexoses, e algumas pentoses e tetroses. Mesmo para as hexoses,
que têm todas a mesma fórmula molecular (C6(H2O)6), o fluxo através
da membrana difere bastante dependendo da configuração da molécula.
Por exemplo, ela é muito mais permeável à D-glicose do que à L-
glicose.
3. O fluxo de soluto pelo mecanismo de transporte de hexose não é uma
função linear da diferença de concentração do soluto entre os dois lados
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da membrana, como previsto pela lei de Fick para membranas. Portanto,
ele deve ser de outra natureza.
4. O fluxo de um açúcar pelo processo de transporte de hexose pode ser
inibido pela adição de um outro açúcar, um fenômeno não previsto pelas
leis de difusão. Por exemplo, o fluxo de sorbose (outra hexose) para
dentro de células de levedura é inibido pela adição de glicose no meio
extracelular. Como a glicose também é transportada através da
membrana das células de levedura, isto sugere que os dois açúcares
competem pelo mecanismo de transporte.
5. O transporte de glicose pode ser regulado. Por exemplo, a entrada de
açúcar nas células musculares esqueléticas aumenta durante o exercício
físico, em resposta a venenos metabólicos (substâncias danosas ao
metabolismo), durante a anóxia (falta de oxigênio nas células), e, o que é
mais importante, quando há um aumento na concentração do hormônio
insulina na solução extracelular que banha o músculo. Se a secreção de
insulina pelo pâncreas for reduzida (como ocorre em certas formas de
diabetes mellitus), a sua concentração extracelular fica diminuída,
provocando uma redução na entrada de glicose nas células musculares e
acabando com a sua fonte de energia. O excesso de glicose no corpo,
resultante da diminuição da sua entrada nas células musculares, aparece
no sangue e na urina, indicando a ocorrência da doença. Portanto, a
presença de insulina facilita o transporte de glicose para dentro das
células musculares, o que também não é previsto pelas leis de difusão.
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Um tipo de transporte com as características dadas acima aparentemente
envolve uma reação química em que a molécula de soluto se liga (ou se
combina) com alguma macromolécula na membrana, chamada de carreador,
em uma das faces da membrana e é liberada na outra face. O mecanismo
molecular responsável por esse processo ainda não foi completamente
elucidado, mas ele pode ser visualizado esquematicamente na figura a seguir.
Ilustração do mecanismo de transporte mediado por carreador
O soluto se liga a uma macromolécula carreadora. O complexo sofre uma
translocação via uma mudança conformacional. Após a translocação, o soluto
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é liberado e a macromolécula carreadora retorna à sua conformação e
localização inicial. Neste mecanismo, os sítios de ligação/liberação da
macromolécula carreadora estão acessíveis apenas em um dos lados da
membrana a cada instante de tempo. O carreador ligado ao solvente se
transloca de maneira que o sítio liberador fica acessível do lado oposto da
membrana. Após a liberação do soluto, o carreador novamente se transloca de
maneira que o sítio de ligação fica acessível do mesmo lado em que estava no
início do processo. Este mecanismo foi descrito como um mecanismo de
pingue-pongue.
Este mecanismo consegue explicar qualitativamente as características do
transporte de glicose mencionadas acima:
1. A permeabilidade da membrana não depende da solubilidade lipídica do
soluto, mas está relacionada à afinidade química do soluto pela
macromolécula inserida na membrana. Portanto, a permeabilidade neste
tipo de processo é altamente dependente do tipo de soluto.
2. O fluxo de soluto satura com o aumento na quantidade de soluto, pois o
transporte é mediado por um número finito de carreadores. Se a
membrana tiver N carreadores/cm2, cada um dos quais tendo um limite
superior para a quantidade de soluto transportado, então o transporte
líquido através da membrana será limitado.
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3. A competição entre os solutos surge porque os carreadores são limitados
em número e podem se ligar a diferentes solutos (um por vez). Portanto,
diferentes solutos competem pelo mesmo sítio de ligação.
4. Os reguladores de transporte, como os hormônios, funcionam, em geral,
de duas maneiras possíveis: (1) o hormônio se liga a um sítio receptor no
carreador (não o mesmo sítio ao qual se liga o soluto), e essa ligação
resulta em uma mudança conformacional no carreador que facilita, ou
inibe, o transporte de soluto; (2) o hormônio se liga a uma molécula
receptora diferente da carreadora do soluto. Essa ligação (na face externa
da membrana) provoca na molécula receptora uma mudança
conformacional que resulta na liberação de uma substância, chamada de
segundo mensageiro, na face interna da membrana. O segundo
mensageiro se difunde pelo citoplasma e se liga ao carreador pelo lado
de dentro da membrana, alterando as suas propriedades de transporte de
soluto. O segundo mensageiro também pode se ligar a centros
sintetizadores de novos carreadores na membrana, levando à produção
de mais carreadores.
Reações Químicas: Descrição Macroscópica
Para entender mecanismos de transporte que envolvam reações químicas, é
necessário fazer uma revisão das propriedades básicas da cinética das reações
químicas.
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Em uma reação química, um conjunto de compostos químicos (chamados
reagentes) se combina para formar novos compostos (chamados produtos). A
reação é expressa em termos de uma relação de balanço de massa como,
ν1R1 +ν2R2 +ν3R3↔ "ν1P1 + "ν2P2 + "ν3P3 , (1)
onde os coeficientes estequiométricos νi são, em geral, inteiros pequenos que
indicam as proporções em que as moléculas se combinam. O símbolo ↔
indica que a reação química pode ocorrer nos dois sentidos. Por exemplo, a
reação de oxidação da glicose é descrita pela seguinte equação de balanço de
massa,
( ) OHCOOOHC 222626 666 +↔+ ,
que indica que uma molécula de glicose, C6(H2O), se combina com 6
moléculas de oxigênio para formar 6 moléculas de dióxido de carbono e 6
moléculas de água.
Para uma reação química como a da equação (1), a velocidade da reação pode
ser definida como (note a divisão pelos coeficientes estequiométricos):
dtdc
vdtdc
vdtdc
vdtdc
vdtdc
vdtdc
vv RRRPPP 321321
221321
111111−=−=−=
ʹ′=
ʹ′=
ʹ′= . (2)
Por convenção, a velocidade de uma reação química é uma variável positiva.
É por isso que, quando ela é definida em termos das variações nas
concentrações dos reagentes (que são negativas), estas são multiplicadas por
menos um.
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Em geral, costuma-se escrever a velocidade de uma reação química como a da
equação (2) na forma,
…… CR
BR
AR
cP
bP
aP cccccckv )()()()()()(
321321= , (3)
onde k é uma constante de proporcionalidade, chamada de constante de
velocidade, ou constante cinética, da reação. A soma dos expoentes,
a+b+c+ ... +A+B+C+ ...,
é chamada de ordem da reação.
Para algumas reações simples, esses expoentes são iguais aos coeficientes
estequiométricos (a = ν1’, b = ν2
’, ... , A = ν1, B = ν2, ...), mas, em geral, os
expoentes são desconhecidos e só podem ser determinados
experimentalmente.
Reações Irreversíveis de Ordem Zero
Seja a reação química irreversível,
R → P. (4)
Se a velocidade desta reação,
dtdc
dtdcv RP −== ,
for independente das concentrações de R e P:
α=v ,
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onde α é a constante cinética. Neste caso, teremos uma reação irreversível de
ordem zero (os expoentes das concentrações são nulos). Neste caso,
α=−=dtdc
dtdc RP . (5)
Esta equação pode ser integrada para dar,
tctc PP α+= )0()( , (6)
cujo gráfico está dado na figura abaixo.
Reações Irreversíveis de Primeira Ordem
Se a velocidade da reação da equação (4) depender da concentração do
reagente R elevada ao expoente um,
RR cdtdcv α=−= , (7)
teremos uma equação irreversível de primeira ordem. Esta equação pode ser
integrada:
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⇒−=⇒−= ∫∫ tctcdt
cdc
R
Rttc
c R
RR
R
αα)0()(ln
0
)(
)0(
tRR ectc α−=⇒ )0()( . (8)
Considerando que a soma das quantidades de reagente e de produto é
conservada, cR(t) + cP(t) = C = constante, e que, no início da reação (t = 0), a
quantidade de P é nula, C = cR(0), a equação (8) implica que:
( )tRt
RP ececCtc αα −− −=−= 1)0()0()( .
O gráfico mostrando os comportamentos de cR(t) e cP(t) está dado a seguir:
Portanto, em uma reação de primeira ordem, todo o reagente se converte em
produto, e a evolução temporal é do tipo exponencial.
Reações Reversíveis de Primeira Ordem
Uma reação química reversível pode ser escrita como
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Rβ
α
↔P , (9)
onde α é a constante cinética da reação da esquerda para a direita e β é a
constante cinética da reação da direita para a esquerda (pois as velocidades
dos dois sentidos da reação podem ser diferentes). Se a reação for de primeira
ordem, as velocidades dos dois sentidos da reação (indicadas por vα e vβ) são,
respectivamente:
PR cvcv βα βα == e .
A taxa de variação da concentração de R tem agora dois termos, um devido ao
consumo de R pela reação no sentido da esquerda para a direita (com
velocidade vα) e outro devido à formação de R pela reação no sentido da
direita para a esquerda (com velocidade vβ):
PRR ccvvdtdc
βαβα +−=+−= . (10)
Da mesma forma, a taxa de variação da concentração de P tem duas
contribuições:
dcPdt
= −vβ + vα = −βcP +αcR . (11)
No equilíbrio, as duas concentrações não variam no tempo, 0== dtdcdtdc PR .
Chamando os valores de equilíbrio das duas concentrações de cR(∞) e cP(∞),
as equações (10) e (11) nos dão a relação,
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aR
P Kcc
==∞
∞
βα
)()(
. (12)
A constante Ka recebe uma variedade de nomes: constante de associação da
reação, constante de equilíbrio da reação, constante de afinidade da reação,
constante de estabilidade da reação, constante de ligação da reação e constante
de formação da reação. Note que, se Ka > 1, cP(∞) > cR(∞) e existe maior
quantidade de produto que de reagente no equilíbrio. Se Ka < 1, cP(∞) < cR(∞)
e existe maior quantidade de reagente que de produto no equilíbrio.
Para resolver as equações cinéticas (10) e (11), devemos assumir que a soma
das quantidades de reagente e de produto é conservada, como fizemos no caso
da reação irreversível, de maneira que cR(t) + cP(t) = C = constante. Portanto,
a equação (10) (por exemplo) torna-se:
( ))()()( tcCtcdttdc
RRR −+−= βα ,
ou
( ) Ctcdttdc
RR ββα =++ )()(
, (13)
cuja solução é (mostre como exercício para casa),
( ) τtRRRR eccctc −−∞−∞= )0()()()( , (14)
onde
CK
Cca
R +=
+=∞
11)(
βαβ
, (15)
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e
βατ
+=
1. (16)
Note que a constante temporal característica da reação, τ, depende da soma
das constantes cinéticas das reações no sentido direto e reverso.
De (14) tiramos que cP(t) obedece à equação,
cP (t) =C − cR (t) =C −C
1+Ka
+ cR (∞)− cR (0)( )e−t τ , (17)
o que implica que
a
aP K
CKc
+=∞1
)( , (18)
que também poderia ter sido obtida combinando-se (12) com (15).
A figura abaixo mostra os comportamentos exponenciais de cR(t) e cP(t) a
partir de seus valores iniciais (supostos como não nulos).
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Reações Reversíveis de Segunda Ordem: Ligação de uma Enzima com o
Seu Substrato
As reações químicas em sistemas biológicos ocorrem na presença de enzimas,
que são proteínas catalisadoras (que aceleram a velocidade de uma reação
química) dessas reações químicas. As enzimas são proteínas com uma grande
especificidade por uma dada reação, o que as distingue de outros
catalisadores, que podem catalisar um grande número de reações diferentes.
As enzimas possuem um poder catalítico muito elevado, aumentando as
velocidades das reações por fatores de milhões de vezes.
O mecanismo de atuação das enzimas ainda não está completamente
esclarecido, mas julga-se que a ação de uma enzima se deve a regiões dela,
denominadas de sítios ativos, onde os reagentes (que neste tipo de reação são
chamados de substratos) podem se ligar desde que tenham a configuração
adequada.
Vamos começar estudando um modelo para a reação química que descreve a
ligação de uma enzima (E) com o seu substrato (S) para formar um complexo
enzima-substrato (ES):
ESESα
β↔+ . (19)
Vamos supor que as equações cinéticas que descrevem esta reação reversível
são:
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)()()()(
tctctcdttdc
ESESES βα −= ,
)()()()( tctctcdttdc
ESESS αβ −= , (20)
)()()()( tctctcdttdc
ESESE αβ −= .
Como cada uma dessas equações contém um termo que é o produto de duas
concentrações, cada uma elevada à primeira potência (de maneira que a soma
dos expoentes é dois), este é um modelo de reações de segunda ordem.
Vamos supor também que a quantidade total de enzima, indicada por CET, é
conservada:
)()( tctcC ESEET += . (21)
No equilíbrio, temos,
0===dtdc
dtdc
dtdc ESES ,
de maneira que as equações (20) nos dão (denominando os valores de
equilíbrio das concentrações por c(∞)),
0)()()( =∞−∞∞ ESES ccc βα ,
ou
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KK
ccc
aES
ES 1)()(
)(===
∞∞
∞
βα
. (22)
Ka é a constante de associação, tradicionalmente definida como a razão entre
as concentrações dos produtos e as concentrações dos reagentes no equilíbrio.
A constante K (o inverso de Ka) é a razão entre as concentrações dos reagentes
e as concentrações dos produtos no equilíbrio, e também recebe diferentes
nomes, como, por exemplo, constante de dissociação ou de desligamento.
Note que K tem unidades de concentração (mol/cm3). Se K for grande, então,
no equilíbrio, há grandes quantidades de substrato e de enzima nas suas
formas dissociadas, S e E.
Como estamos assumindo que a quantidade de enzima é conservada, a
equação (21) implica que,
⇒∞⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛+
∞=∞+
∞
∞=∞+∞= )(1
)()(
)()(
)()( ESS
ESS
ESESEET c
cKc
cKc
ccC
ETS
SES C
cKc
c ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∞+
∞=∞⇒
)()(
)( . (23)
Esta relação entre cES(∞) e cS(∞) é denominada de relação de Michaelis-
Menten1. Ela descreve como, no equilíbrio, a quantidade de enzima ligada ao
1 Em homenagem ao trabalho conjunto feito em 1913 pelo físico-químico alemão Leonor Michaelis (1875-1949) com a médica canadense Maud Menten (1879-1960).
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substrato aumenta com o aumento na quantidade de substrato presente. O
gráfico abaixo nos mostra como esta relação se comporta.
Note que quando cS(∝) = K, cES(∝) = CET/2, ou seja, metade da quantidade de
enzima está ligada ao substrato e a outra metade está livre. Se cS(∝) for
grande, de maneira que cS(∝) >> K, então cES(∝) ≈ CET, implicando que
praticamente toda a quantidade enzima que existe no equilíbrio está ligada ao
substrato. Se cS(∝) for pequena, de maneira que cS(∝) << K, então
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( ) )()( ∞≈∞ SETES cKCc , ou seja, a quantidade de enzima ligada ao substrato é
proporcional à quantidade de substrato (esta é a região próxima à origem no
gráfico acima, na qual a curva relacionando cES(∝) a cS(∝) pode ser bem
aproximada por uma reta).
Uma maneira alternativa de representar a relação entre cES(∝) e cS(∝) é fazer
um gráfico de (1/cES(∝)) versus (1/cS(∝)), cuja relação é linear como mostra a
equação abaixo:
ETSETETSES CcCK
CcK
c1
)(11
)(1
)(1
+∞⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛=⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∞+=
∞. (24)
Um gráfico deste tipo é chamado de gráfico de Lineweaver-Burk2 (veja
abaixo). Ele é útil para a obtenção experimental dos parâmetros K e CET.
2 Em homenagem à proposta desta representação gráfica feita pelos físicos-químicos americanos Hans Lineweaver (1907-2009) e Dean Burk (1904-1988) em 1934.
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Pode-se usar as equações (20) para se estudar a cinética da ligação de uma
enzima com o seu substrato. Da primeira das equações (20) e da equação (21)
obtemos a seguinte equação diferencial para cES(t):
( ) )()()()(
tctcCtcdttdc
ESSETSES βαα +−= . (25)
Vamos resolver esta equação para o caso em que a concentração de substrato
varia no tempo como uma função degrau, de cS(t) = 0 para t < 0 para cS(t) = CS
para t ≥ 0. Vamos supor também que cES(t) para t < 0 é zero (pois não há
substrato para se associar à enzima E). Para t < 0, a equação (4.24) é:
0)()(=−= tc
dttdc
ESES β .
A solução desta equação é cES(t) = constante = 0. Para t > 0, a equação (25)
pode ser reescrita como:
( ) ETSESSES CCtcCdttdc
αβα =++ )()(.
A solução para esta equação tem a forma
( )τtESES ectc −−∞= 1)()( ,
onde
ETS
SET
S
SES C
KCC
CCC
c+
=+
=∞βα
α)( , e
βατ
+=
SC1
.
O valor de equilíbrio da concentração do complexo enzima-substrato é
consistente com o da relação de Michaelis-Menten, com uma dependência em
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relação à concentração de substrato do tipo (CS/K)/(1+CS/K). Já a constante de
tempo da reação é inversamente proporcional à concentração de substrato CS.
Quanto maior a concentração de substrato, mais rapidamente a reação vai para
o equilíbrio.
As reações de associação e de dissociação são, em geral, estudadas para
amplas faixas de variação das concentrações. Quando se estuda o
comportamento de uma variável por uma faixa muito grande de valores, é
conveniente adotar-se uma escala logarítmica para medi-la. Por exemplo, seja
uma reação de dissociação de um ácido genérico, −+ +↔ AHHA ,
onde HA é o ácido e A− é a base conjugada (um ácido é um doador de prótons,
isto é, um composto que se dissocia formando hidrogênio iônico; e uma base é
um aceitador de prótons, isto é, é um composto que pode se associar a íons de
hidrogênio. Por exemplo, pense na reação de dissociação da água: H2O ↔ H+
+ OH−).
A constante de dissociação para esta reação é
HA
AH
ccc
K−+
= ,
de maneira que a equação (4.22) para este caso fica
)(1
1)(
)()(
∞+
=∞+
∞=
∞
++
+
HH
H
AT
HA
cKcK
cCc
, (26)
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onde CAT é a concentração total de A na forma ligada e dissociada.
Define-se:
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛−=
+
ref
H
Cc
pH 10log e ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛−=
refCKpK 10log , (27)
onde a concentração de referência Cref é, em geral, tomada como 1 mol/L.
Combinando as equações (26) e (27):
pKpHAT
HA
Cc
−+=
1011
. (28)
Um gráfico da equação (28) está dado abaixo:
Observando o gráfico (ou analisando a equação (28)), vemos que quando pH
<< pK a concentração do ácido HA é grande, isto é, praticamente toda a
quantidade da base conjugada esta associada com os íons de hidrogênio, e a
solução é acida. Quando pH >> pK a concentração do ácido HA é baixa,
implicando que quase toda a quantidade da base conjugada esta dissociada e a