Post on 09-Aug-2015
Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Licenciatura em Criminologia
2º Ano (Noturno)
Justiça e Mediação
As Vantagens de uma Negociação
Docente - Prof. Doutor Pedro Cunha
Alunas - Liliana Fonseca 26289
Helena Mendes 26103
Índice
Introdução
1. Problemática teórica
1.1. Conflito
1.2. níveis de conflito
1.3. Causas do conflito
1.4. Escalada irracional
2. Negociação – Tipos e fases
3. Caso prático
3.1. Análise, Diagnóstico, Avaliação, Proposta de intervenção
Reflexões finais
Referências bibliográficas
Introdução
As empresas da atualidade enfrentam tempos difíceis, para além de terem de fazer face à
competitividade a nível nacional e internacional, ao desenvolvimento electrónico e à
modernização das infraestruturas, ainda têm de ser capazes de estimular e manter os seus
trabalhadores, perante uma situação de crise que assola todo o país, bem como todo o mundo.
Ora, são as empresas que se revelam capazes de negociar e dialogar com os seus
trabalhadores que conseguem alcançar melhores resultados quer pela satisfação dos
trabalhadores e níveis de desempenho, quer pelos lucros obtidos. Os trabalhadores são os
alicerces das empresas, são a sua força vital, consequentemente, a sustentabilidade das
empresas só é alcançada quando, entre os funcionários e a entidade patronal, existe um
diálogo aberto e constante, que permite a resolução dos conflitos de forma a beneficiar ambas
as partes. O problema de várias empresas consiste em associar o conflito a algo negativo e
prejudicial e, por tentarem omiti-lo, acabam por prejudicar o bom funcionamento laboral. Tal
como afirma McIntyre (2007) que o conflito existe no local de trabalho não é um facto
desconhecido, mas é assunto que não é assumido com facilidade. Muitas vezes as
organizações têm vergonha em admitir que o conflito existe no seio das suas instalações;
acham que a existência de conflito representa uma falha da sua parte, uma relativa “perda de
controle” sobre os seus empregados, sendo indicador de que a organização não está a
funcionar bem. Subsiste a ideia de que a existência de conflito numa equipa revela falta de
solidariedade, de colaboração e que, portanto, é algo que não deveria existir. Assim, muitas
organizações não querem admitir a existência de conflito sendo este visto como uma situação
negativa.
Neste sentido, este trabalho visa incidir sobre as vantagens de uma negociação, com vista
à resolução dos conflitos e ressaltar a importância de existir um diálogo aberto entre os
indivíduos. Numa primeira parte este trabalho foca o conceito de conflito e as causas que
estão na sua origem e o conceito de negociação e suas etapas. Numa segunda parte, este
trabalho pretende ainda apresentar um caso prático, sua análise e uma possível resolução
desse conflito. A existência de conflitos dentro de uma empresa é uma situação
compreensível, na medida em que esta é constituída por uma multiplicidade de indivíduos,
possuindo características diferentes e interesses distintos. A solução está em gerir
corretamente os conflitos que vão surgindo no seio da empresa de forma a beneficiar ambas as
partes. O bom funcionamento de uma empresa depende assim da sua capacidade em gerir os
conflitos e prevenir um ambiente hostil e improdutivo, ao mesmo tempo que respeita os
direitos dos trabalhadores e assume uma postura integra e justa. A satisfação profissional
influencia a postura dos trabalhadores e reflecte-se diretamente no seu comportamento e
desempenho (George & Jones, 2004, cit In Pereira, 2010).
1. Problemática teórica
O conflito é um sinal de que existem verdades mais amplas e perspectivas mais belas.
A. N. Whitehead
Enquanto seres humanos que somos o conflito faz parte do nosso dia-a-dia e da nossa
interação com o mundo. Ao refletir no significado de conflito somos automaticamente
conduzidos a pensar em algo negativo e prejudicial, quando na verdade o conflito tem outra
vertente. A partir do conflito geram-se opiniões, desenvolvem-se atitudes, criam-se planos e
encontram-se soluções, que vão promover o entendimento entre as parte envolvidas e o
desenvolvimento das próprias organizações. Tal como afirma Thomas (1992), o conflito deve
ser reconhecido e dirigido dentro das organizações, pois além de não poder ser evitado e ter
um carácter constante, se gerido favoravelmente pode comportar grandes benefícios às
organizações. Os gestores afirmam que despendem cerca de 20% do seu tempo resolvendo
alguma forma de conflito. Beck (2009) salienta ainda que Os conflitos sempre existiram e
fizeram parte do nosso convívio como ser sociais e são indispensáveis na medida em que
promovem desenvolvimento e evolução a nível familiar, social, político e organizacional.
O conflito assume assim uma dimensão universal e torna-se um fenómeno social
indispensável à evolução do ser humano enquanto ser social, detentor de características e
opiniões próprias. O conflito surge do desacordo, da multiplicidade de ideias ou atitudes que
existem e que o ser humano detém de diferente modo. Segundo Chiavenato (1993), o conflito
pressupõe a presença de ideias, sentimentos, atitudes ou interesses contrários que podem
provocar rivalidade entre os diversos atores envolvidos. Quando concebemos a ideia de
acordo, aprovação, coordenação, resolução, unidade, consentimento, consistência, harmonia,
deve-se assumir também a existência de seus opostos, como desacordo, desaprovação,
dissensão, desentendimento, incongruência, discordância, inconsistência, oposição, que
traduzem a ideia de conflito. Ora, é de salientar que se gerido corretamente, o conflito pode
comportar óptimos resultados, assumindo um carácter benéfico para todos os envolvidos.
Em suma, podemos afirmar que o conflito é algo comum ao ser humano, está na sua
essência e é produto da sua convivência em sociedade. Este surge da necessidade de se
procurar fazer melhor, da divergência de ideias e da luta dos nossos próprios interesses.
Traduzindo-se num confronto de opiniões, ideias, motivos ou atitudes distintos ou até da
competição inerente a cada ser humano, que concorre face a um mesmo objectivo, tal como
disputas por heranças, concorrência no trabalho, conflitos em divórcios, entre outros.
McIntyre (2007, cit. In Thomas, 1992) explica que o conflito inicia-se quando uma das partes
compreende que a outra a afectou de forma negativa ou de igual forma. Deste modo, o
conflito tem que ser entendido, caso contrário não existe conflito, este necessita de interação,
prevendo ainda a existência de incompatibilidade entre as partes. O conflito assume um
carácter salutar quando dele resulta novas ideias, quando permite conhecer problemas até à
data ignorados, provoca mudanças positivas e construtivas, isto é, quando se torna produtivo.
Tudo depende da forma como o conflito é gerido, caso contrário as consequências podem
tornar-se nefastas. Neste sentido, Baron (1986, cit In. Beck, 2009) afirma que, o conflito
afigura-se uma moeda de dois lados: um negativo constituído de efeitos como bloqueio da
comunicação, diminuição da coordenação, potencialização dos estereótipos negativos,
mudança na direção de uma liderança autocrática e redução da habilidade de buscar outras
perspetivas, e outro positivo formado por novas ideias, atenção intensificada nos problemas
chave, maior possibilidade de inovação e melhoria do acompanhamento da performance.
Como tal, a solução está em orientar os conflitos, para que estes assumam uma feição
construtiva, proporcionando bons resultados e evitando um ambiente hostil. O conflito
assume um carácter dualista na medida em que se pode tornar uma ameaça ou uma
oportunidade.
1.1.Conflito
“Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e
inspirar esperança onde há desespero”.
Nelson Mandela
Quando um conflito ocorre numa empresa os principais envolvidos a nível interno são os
colaboradores, os trabalhadores e a entidade patronal. No entanto, clientes, fornecedores e
concorrentes também acabam por se envolver neste processo, quer direta, quer indiretamente.
Como tal, depois de se constatar a existência do conflito, a urgência consiste em geri-lo
corretamente. A constatação do conflito é apenas parte do problema, existe ainda a
necessidade de conhecermos a sua gravidade e definir as estratégias que nos permitam gerir
devidamente o conflito (Fraga, 1993).
Segundo Handy (1978, cit. In Cavalcanti, 2006), a presença de conflito pode ser detetada
com a observação de alguns fatores na organização, tais como: comunicações deficientes,
lateral ou verticalmente – falta de conhecimento proposital de uma parte da organização do
que a outra está a fazer, quer pelo seu desinteresse, quer pela ocultação das informações;
hostilidade e inveja intergrupal –ocorre quando uma área deseja ser melhor que as outras ou
quando uma área é sempre reconhecida como melhor e as outras áreas sabem que a mesma
não reconhece o seu trabalho dentro da empresa; fricção interpessoal – a antipatia entre
indivíduos de grupos diferentes claramente manifestada em público; escalada de arbitragem –
a intervenção constante do alto escalão em conflitos menores, provocando confronto entre os
gestores das áreas que têm o problema; proliferação de regras e regulamentos, normas, mitos
– tal fator provoca ou uma quebra consciente das regras ou uma paragem na empresa e moral
baixa por causa da frustração oriunda da ineficiência devido à sensação existente de
impotência diante do trabalho a ser realizado. Os conflitos assumem assim um carácter
complexo, na medida em que mudam dependentemente do espaço e do tempo, são subjetivos
pois dependem do modo como são percepcionados e específicos, pois cada conflito é
diferente do outro.
Durante a gestão dos conflitos a sua resolução assume uma importância vital de forma a
conduzir à cessação do conflito, preferencialmente através de um acordo benéfico às partes
envolvidas. Para proceder à resolução do conflito um individuo pode assumir diferentes
comportamentos, ou seja, estratégias básicas para orientar uma situação em que as partes
julgam os seus interesses como inconciliáveis (McIntyre, 2007). Para Dimas e colaboradores
(2005) as estratégias de gestão de conflitos podem ser definidas aos níveis interpessoal
(reações individuais a factos divergentes) e intragrupal (reações de membros de um grupo).
Thomas (1976, cit. In Dimas et al., 2005) defende a assertividade e a cooperação como as
estratégias básicas, as quais dão origem a cinco estilos de gestão de conflitos, nomeadamente:
competitividade (assertividade e não cooperação); colaboração (assertividade e cooperação);
evitamento (não assertividade e não cooperação); acomodação (não assertividade e
cooperação) e compromisso (misto de assertividade e de cooperação). A colaboração é o
modo mais produtivo de gerir o conflito, visto que facilita a exposição das expectativas
individuais, desperta a criatividade e favorece os mediadores na interação, em oposição ao uso
de um estilo de competição ou dominação que acaba por resultar em níveis de eficácia
minorados (Fischer, 1981). De acordo com a estratégia adoptada haverá um dos quatro
resultados possíveis: uma parte ganha, e o rival perde; o rival é que ganha, e a outra parte
perde; chega-se a um compromisso e ambas as partes perdem até a um certo ponto para
ganharem noutros, e ambas as partes procuram uma solução integrativa em que cada parte
acaba por ganhar (McIntyre, 2007, cita os autores Caetano & Vala, 2002; Rahim, 1991). Os
estudos realizados por Rahim (1986) e McIntyre (1991) destacam que existem diferenças
significativas nos estilos da gestão de conflito utilizados quer pelos chefes, subordinados ou
colegas. De ressaltar que o uso de comportamentos agressivos durante a resolução de um
conflito não é nada favorável à sua resolução, correndo-se o risco de atingir o resultado
oposto e indesejado. Para Moscovici (1975, cit. In Cavalcanti, 2006), não existe uma fórmula
ideal de resolução de conflitos, o importante é inicialmente compreender a natureza do
conflito, a sua dinâmica e as suas variáveis, isto é, fazer o diagnóstico do conflito para então
poder enfrentá-lo e resolvê-lo adequadamente.
Em conclusão, é primordial enfrentar e resolver o conflito quando este surge, uma vez que
o ato de reconhecer e enfrentar o conflito adequadamente faz a diferença entre o sucesso e
desenvolvimento e o fracasso e retrocesso do mesmo (Alves, Paula & Moreschi, 2006).
1.2. Níveis do conflito
Durante um conflito existem partes em confronto, que por norma assumem uma atitude
hostil, o que diferencia o conflito do problema, porque na resolução do problema, existe um
grupo de pessoas, que trabalham em conjunto e se aproximam entre si em prol de um
objectivo comum. Existem vários níveis de conflito: intrapessoal, interpessoal, intragrupal,
intergrupal, nacional, internacional, laboral, político, cultura, ético, religiosos, entre outros
(Cunha & Leitão, 2012). O conflito laboral será o objecto de estudo deste trabalho.
O conflito laboral diz respeito à relação existente entre grupos ou indivíduos que lutam ou
discutem pela posse de algo que não existe em quantidade suficiente que permita a satisfação
de todos ou porque não beneficiam ambas as partes envolvidas. O conflito laboral pode
significar ainda falta de acordo entre trabalhador e entidade empregadora, tratando-se, na
maioria das vezes, de divergências a nível de condições de trabalho, de atualizações de
remuneração e de regalias. Do conflito laboral, surge o conflito coletivo de trabalho, que
significa desacordo entre uma ou várias organizações sindicais representativas dos
trabalhadores e uma ou várias entidades patronais (In Infopédia). Existe conflito colectivo de
trabalho quando se exprimem interesses díspares por parte de uma categoria organizada de
trabalhadores, de um lado, e uma categoria também organizada de empregadores, de outro
lado, em torno de regulamentação existente ou das futuras relações de trabalho que interessam
às partes. Comummente, o conflito de trabalho assume-se como entrave para a criação e
desenvolvimento de uma atmosfera pacífica (Alice Harman Morar, A negociação colectiva na
resolução de conflitos de trabalho).
Na origem dos conflitos laborais estão diversos motivos, desde questões salariais,
incumprimento das leis vigentes, violação e desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e
falta de diálogo permanente aberto e franco, entre as partes envolvidas. Este último assume
especial importância na medida em que através do diálogo permanente entre entidade
empregadora e assalariados, seria mais fácil proceder à negociação ou mesmo prevenir o
aparecimento do conflito. Para resolver um conflito a assertividade é fundamental.
1.3. Causas do conflito
O conflito é inerente a qualquer organização e à vivência em sociedade, sendo diversas as
causas que podem estar na sua origem. Segundo Nascimento (2002) dentro das várias causas
existentes, podemos indicar: experiência de frustração de uma ou ambas as partes:
incapacidade de atingir uma ou mais metas e/ou de realizar e satisfazer os seus desejos, por
algum tipo de interferência ou limitação pessoal, técnica ou comportamental; diferenças de
personalidade; metas diferentes: é muito comum estabelecermos e/ou recebermos
metas/objectivos a serem atingidos e que podem ser diferentes dos de outras pessoas, o que
nos leva à geração de tensões ou diferenças em termos de informações e percepções. Para
Cavalcanti (2006), as principais causas dos conflitos estão relacionadas com a percepção da
desvantagem que uma parte tem em relação aos aspectos do seu trabalho que dependem de
outro, por exemplo, determinadas tarefas, recompensas, comunicação, entre outros aliados
às características pessoais de um indivíduo, devido à ausência de coordenação.
No que respeita aos conflitos laborais estes podem dividir-se em duas categorias, tendo
por base causas económicas ou não económicas. Relacionadas com as causas económicas
estão as questões relativas a salários e ao incumprimento do seu pagamento, os subsídios
concedidos, as condições de trabalho, os horários, férias e feriados, bem como as horas
extraordinárias que não são pagas na totalidade ou não são remuneradas de todo. Podemos
ainda referir os despedimentos sem justa causa, que atualmente são frequentes devido ao
crescente número de falências e de indústrias que encerram as suas portas, pois não têm
condições de subsistir nesta crise atual. Em relação às causas não económicas podemos
exemplificar através da falta de higiene, de aquecimento, de alimentação ou falta de estruturas
próprias para exercer a atividade, ou seja, ausência de condições favoráveis de trabalho, bem
como falta de assistência médica no recinto de trabalho. Segundo Fraga (1993) as causas dos
conflitos laborais, geralmente devem se a “um antagonismo, voluntário ou involuntário,
contra o qual ou possivelmente do qual advém o conflito” e de “uma questão que se prende
com as duas forças opostas, em conflito”.
Estes factores conduzem inevitavelmente ao conflito, pois a entidade empregadora não
está disposta ou não tem condições para aceder às exigências dos assalariados.
1.4. Escalada irracional
A escalada irracional está relacionada com todas as causas que estão na origem de um
conflito. Essas causas vão provocando um crescente de emoções que se torna irracional, na
medida em que os envolvidos deixam de visar a resolução dos seus objectivos e problemas,
não agem corretamente e não procuram a assertividade, ou seja, a resolução pacífica e a
conversa franca e permanente com vista à resolução do conflito. Tal como afirma, Cunha e
Leitão (2012) a dinâmica do escalamento do conflito aparece no momento em que se apuram
mudanças no seu nível ou intensidade e pode compreender-se como consequência de uma
espiral de conflito (um círculo vicioso) na qual cada um dos mediadores reage igualmente de
modo contestável à ação do outro.
Podemos denotar o surgir desta escalada irracional através de certos aspectos, tal como
nos enuncia Pina e Cunha et al. (2003), tais como: o incremento da quantidade de assuntos em
litígio; aumento da dimensão do conflito; crescendo de hostilidade; recurso progressivo a
objectivos e exigências mais ambiciosas; utilização crescente de táticas coercivas;
empobrecimento dos níveis de confiança mútua; posições rígidas e proeminência da lógica de
soma nula, na arregimentação de terceiros para tomarem partido. Durante esta escalada do
conflito surgem várias fases de racionalidade e controlo, rompimento da relação e agressão e
destruição, cada qual com os respectivos estádios e orientação predominante (Thomas 1992).
2. Negociação – tipos e fases
A negociação faz parte do dia-a-dia do ser humano nos mais simples gestos do quotidiano.
É impossível negar a sua presença, utilidade e a sua influência no nosso estilo de vida. Neste
sentido, a negociação acaba por assumir uma pluralidade de definições, entre as quais
podemos enunciar: a negociação como um processo de decisão interpessoal, durante o qual se
decide sobre a alocação de recursos diminutos ou um esforço coletivo, onde os mediadores
são motivados a cooperar entre si, de forma a conseguir alcançar um acordo, mas competem
um com o outro, reivindicando os recursos disponíveis (Thompson & Nadler, 2002). Segundo
Shin (2005) a negociação é um processo por meio do qual as partes em conflito tentam chegar
a um acordo sobre os assuntos em que suas opiniões divergem. Por sua vez, Cohen (2005)
afirma que negociação é o jogo da vida e sempre que se está tentando reconciliar diferenças,
gerenciar conflitos, resolver disputas, ajustar relacionamentos, está se praticando o jogo da
negociação. A vida é um processo contínuo de tentar influenciar outras pessoas. Sempre que
uma pessoa, visando um objetivo, se comunica com outra para afetar seu comportamento ou
conduta, está participando do jogo da negociação. As funções da negociação podem portanto
resumir-se a: desenvolvimento de acordos específicos, desenvolvimento de políticas de longo
prazo sobre papéis, obrigações e privilégios e mediação da mudança social (Pruitt, 1981).
Consequentemente, a negociação pode ter diversos resultados, tais como: vitória para um dos
lados, um simples acordo de compromisso entre as partes, um acordo integrativo ou um
fracasso em atingir o acordo (De Dreu et al., 1999).
Na teoria da negociação existem três tipos distintos de classificação: negociação
integrativa e negociação distributiva e de «motivos mistos» (Cunha, P & Leitão S., 2012).
Thompson & Hrebec (1996) cit In Thompson e Nadler, 2002) explicam a negociação
integrativa como uma negociação na qual se pode chegar a acordos ótimos para ambas as
partes. O problema, segundo estes autores, é que a maioria das pessoas acreditam que o
interesse do outro é completamente oposto ao seu próprio interesse e este tipo de pensamento
acaba por impedir que se chegue a acordo. Fisher, Ury e Patton (1991) expuseram o seguinte
exemplo de negociação integrativa de forma a exemplificar a situação: Uma mulher viu seus
dois filhos brigando na cozinha por uma laranja. Ela pegou a laranja e dividiu ao meio, dando
uma metade para cada filho, acabando com a briga. Quando ela parou e observou o que cada
um fez com a sua metade. O primeiro descascou sua metade da laranja, jogando a casca fora,
e comeu o resto enquanto o segundo descascou sua metade e usou a casca para fazer um bolo,
jogando o resto fora. Diante dos fatos a mãe percebeu que se ela tivesse tentando entender a
fundo qual era a necessidade real de cada um, ela poderia ter deixado ambos completamente
felizes dando toda a casca para um e todo o gomo para o outro. Na negociação distributiva os
interesses são opostos; por isso deve haver um conjunto de resultados possíveis que ambas as
partes estejam aptas a aceitar. De acordo com Raiffa, (1982); Walton e McKersie (1965), a
negociação distributiva ocorre quando cada parte tenta maximizar os seus ganhos, existindo
um raciocínio do tipo «ganhar-perder» e, por isso, aqui se pode verificar um completo conflito
de interesses. Deste modo, nas negociações distributivas os indivíduos reivindicam valor e nas
integrativas produzem valor (Lax & Sebenius,1986). No que respeita as negociações mistas,
estas dizem respeito às negociações que incluem, quer aspectos distributivos, quer
integrativos e correspondem à maioria dos processos de negociação, uma vez ser difícil a
existência de tipos meramente distributivos ou integrativos (Walton & McKersie, 1965). De
ressaltar que as etapas decorrentes numa negociação diferem consoante os casos, bem como a
atuação dos negociadores. Segundo Douglas (1957, 1962) podemos identificar três amplas
fases na negociação. Em primeiro a definição do conteúdo e limites da negociação, de seguida
a dinâmica negocial e, por último, a resolução e acordos. Em conclusão, podemos afirmar que
existe eficácia na negociação quando os intermediários solucionam o conflito existente de
modo satisfatório para ambas as partes (Serrano & Rodríguez, 1993).
3. Caso prático
O caso prático que se segue é um conflito laboral cujos envolvidos são a entidade patronal
e os funcionários da empresa Bom Corte.
Há várias décadas atrás, o Doutor Duarte Vieira resolveu desenvolver um grandioso
projeto e daí nasceu a empresa Bom Corte. Esta empresa dedicava-se ao ramo têxtil, em
particular, ao vestuário clássico de homem e de mulher, e abriu portas a cerca de 205
trabalhadores no dia 1 de Janeiro de 1988. Começava um novo ano e uma nova vida para
muitos que acabariam por fazer da empresa Bom Corte a sua segunda casa e a sua segunda
família.
Durante vários anos, esta empresa viveu tempos prósperos e conquistou uma vasta carteira
de clientes, que lhe permitiu conquistar mercados nacionais e internacionais. Os trabalhadores
dedicavam-se de corpo e alma ao seu trabalho, todos se conheciam e conviviam durante as
pausas, organizavam-se festas de Natal para os mais pequenos e existia acima de tudo um
clima de segurança e confiança.
No entanto, a prosperidade da empresa Bom Corte, uma empresa antiga e sólida, começou
a ver os seus dias contados e foi vendo gradualmente os seus alicerces desmoronarem-se aos
poucos como um baralho de cartas dispostas em pirâmide. Por fim, a Bom Corte acabou por
ser mais uma empresa, entre centenas, a ter de fechar as suas portas. Os trabalhadores
sentiam-se tristes, desanimados, no seu coração a esperança e a credibilidade deram lugar à
dor e à angústia. Tinham sido imensos anos de luta, de dedicação e de amizade e tudo
ameaçava ruir. A familiaridade e a estima foram substituídas por uma ambiente de
desconfiança entre a entidade patronal e os funcionários, não havia compreensão, respeito
nem consideração. A instabilidade financeira veio piorar a situação e trouxe consigo atrasos
nos pagamentos dos salários. Começaram por ser atrasos de dias, depois semanas até que os
atrasos passaram a durar meses e a arrastar para a miséria inúmeras de famílias. A tensão
aumentava e só restavam as lágrimas nos rostos daqueles que assistiam incrédulos a tal
situação. Numa tentativa desesperada, a entidade patronal começou a incitar os trabalhadores
para se despedirem e ameaçou mesmo fazer despedimentos em massa, além de exigir um
aumento impensável de produção que os trabalhadores não conseguiam aguentar. Esta
situação era inaceitável, até porque os trabalhadores tinham direito a serem remunerados pelo
seu trabalho, tal como consta do Artigo 258º do Código de Trabalho, segundo os Princípios
gerais sobre a retribuição:
1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o
regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 – A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas
feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 – Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 – À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de
garantias previsto neste Código.
Inevitavelmente, aquilo que começara como um sonho tornou-se um pesadelo e foram
muitos os trabalhadores que regressaram a casa, sem mais forças para lutar pelos seus direitos
e sem esperanças numa possível recuperação da empresa. Seguiram-se vários processos em
tribunal, a fama da empresa piorava a cada dia que passava e o seu fim parecia inevitável.
Qual a solução futura para estes trabalhadores e para a empresa Bom Corte?
3.1. Análise, Diagnóstico, Avaliação, Proposta de intervenção
Para procedermos à resolução de um conflito, primeiramente é necessário refletir sobre o
processo negocial que se constrói, respeitando três fases primordiais, desde a preparação da
negociação entre as partes, o decorrer da negociação e o seu desfecho, que ganha forma
através da formalização do acordo, sendo que os envolvidos têm de aceitar o que foi proposto.
A negociação decorre da necessidade de se resolver o conflito originado, na tentativa de se
buscar uma solução ideal a ambas as partes. Reichers (1986, citado por Resende, Martins &
Siqueira 2010) define o conflito como incompatibilidade entre objectivos, valores e
necessidades de duas pessoas ou de uma pessoa e uma outra entidade. Um conflito traduz-se
assim numa oposição ou desejos antagónicos, que envolvem indivíduos ou organizações.
Neste sentido, importa salientar quais os princípios e critérios que poderão sustentar o
processo de gestão de conflitos. Os critérios a considerar durante a gestão de um conflito
organizacional são (Mitroff, 1998 e Rahim, 2002, cit in Cunha, Leitão S., no Manual de
Gestão Construtiva de Conflitos, 2011): em primeiro, a aprendizagem e eficácia
organizacionais, dado que se espera que a aprendizagem organizacional permita uma
eficiência de longo prazo. As estratégias de gestão de conflito devem ser delimitadas,
colocando em evidência o pensamento critico e inovador para se aprender o processo de
diagnóstico e intervenção nos problemas adequados. Em segundo as necessidades dos
stakeholders, ou seja, os interessados ou intervenientes. As estratégias precisam ser traçadas
de forma a satisfazer as carências e expectativas dos stakeholders estratégicos e para obterem
equilíbrio entre eles.
Atualmente, a grande dificuldade da gestão de um conflito reside na necessidade de
envolver as partes envolvidas num processo de resolução de problemas que conduza à
aprendizagem colectiva e eficácia organizacional (sendo fundamental que tal processo
contente os stakeholders principais). Por último, a ética. É substancial que os intervenientes
das organizações sejam capazes de definir, adequadamente, um problema, em termos das
ações éticas que o mesmo provoca e dos seus efeitos para a humanidade. Neste sentido, para
se preparar uma negociação é indispensável que o negociador defina as metas e os objectivos,
clarifique os assuntos da negociação, recolha informações, crie um clima favorável, se prepare
para uma possível ocorrência de conflito, realize compromissos que permitam ir resolvendo
as questões e concretize o acordo (Maddux, 1991).
Reflexões finais
(Liliana - Nº 26289)
As relações laborais estarão sempre em mudança, pois sofrem uma dinâmica constante,
devido às grandes transformações que se fazem sentir no mundo laboral desde há décadas.
Como tal, estas relações, pelo seu carácter dinâmico e mutável, serão sempre objecto de
estudo de todos aqueles que unem esforços para viabilizar melhores soluções para o
entendimento das partes envolvidas.
No caso prático apresentado, o desânimo e frustração sentidos pelos trabalhadores, tal
como a revolta interior que eles experimentavam, podia ter culminado em vários conflitos e
anos de processos em tribunais. No entanto, a negociação revelou um carácter decisivo e
benéfico durante este conflito, que permitiu ambas as partes envolvidas beneficiar com o
acordo celebrado. As estratégias de negociação utilizadas pelos negociadores revelaram-se
eficazes e permitiram gerir eficazmente o conflito, possibilitando à sua cessação. Tal como
afirma Beck (2009), embora o conflito seja taxado como uma situação negativa dentro das
organizações, ocasionado principalmente por falha de comunicação e competições de
interesses pessoais, os conceitos modernos mostram que este fenómeno também pode ser
explorado para encorajar a autocrítica, a criatividade e a propensão para a aceitação de
mudança. Por sua vez, as autoras Alves, Paula e Moreschi (2006) defendem que não se deve
ter medo do conflito, mas sim reconhecer que existe um modo destrutivo e um modo
construtivo do mesmo. Desta forma, gerir o conflito pode ser “o sinal do saudável, uma
profecia do progresso”, reconhecendo que existem formas construtivas do conflito que
levarão ao progresso e “maneiras destrutivas que podem levar ao retrocesso dos envolvidos”.
Em conclusão, a utilização da negociação como forma de resolver o conflito laboral,
permitiu à entidade patronal conversar com os trabalhadores, acabar com o ambiente de
discórdia que se vivia dentro da empresa e demonstrou que o diálogo franco e claro e a
assertividade são fundamentais à resolução de conflitos que anteriormente afigurar-se-iam a
um infinito labirinto sem saídas possíveis.
(Helena – Nº 26103)
Saber resolver uma questão tão complexa como um conflito não é fácil, mas se souber ser
uma pessoa que age com assertividade poderá resolver qualquer conflito que se propôs na sua
vida ou até quem sabe, colaborar com outras pessoas que precisem.
Não é fácil passar por uma situação como a do nosso caso prático, tendo em conta que
sendo um caso verídico ver estas pessoas quase à beira de um abismo por não poder realizar
as suas vidas com a dignidade, que assim qualquer pessoa precisa para manter sua família no
verdadeiro contexto de família ou até mesmo o sentido mais amplo que esta palavra nos
fornece.
Em conclusão desta unidade curricular, só tenho a dizer que foi uma experiência única na
minha vida e que agradeço ao senhor professor Pedro Cunha por me ter transportado tudo
isto, em tão poucas horas durante este semestre, mas que digo com todo o agrado e satisfação
de que aprendi numa aula como se resolve conflito com nós próprios em função de outras
pessoas.
Por isso só tenho a dizer, tentem agir sempre com assertividade e terão um futuro melhor.
Referencias bibliográficas
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