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O SISTEMA DE CRÉDITO NAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO1
Elisangela Cristina Maier*2
José Erigutemberg Meneses de Lima*
Marco Augusto Selli*
Murilo Jacomel*
RESUMO
As associações de pessoas reconhecidas como cooperativas de crédito são
fundamentais na inclusão das populações de baixa renda no circuito do crédito
financeiro. Ao trabalhar com juros mais baixos do que a média do mercado fortalecem a
economia ao tempo em que estimulam a união entre os cooperados. O objetivo deste
artigo, elaborado como atividade da disciplina Direito Cambiário, do Curso de Direito
da FURB – Fundação Universidade Regional de Blumenau (SC) é demonstrar no
âmbito do sistema financeiro, o que é, como funciona e as vantagens proporcionadas
pelas cooperativas de crédito para seus associados e a comunidade. Com tal enfoque, o
trabalho contribuirá para entender como essas associações, surgidas na Europa do
século XIX, permanecem ativas num mundo de globalização financeira, regido pelo
receituário neoliberal.
PALAVRAS-CHAVE: Cooperativismo, cooperativa de crédito, capitalismo, trabalho,
associados.
INTRODUÇÃO
Atualmente, está-se diante de uma conjuntura político-econômica cada vez mais
complexa, com predominância, no âmbito financeiro, dos grandes conglomerados.
Neste mundo que “é muito diferente daquele que desponta na segunda metade do século
XX [e que] do ponto de vista sociológico a impressão que se tem é que experimentamos
um novo mundo”,3 vivencia-se uma realidade em que, as relações são cada vez mais
1Trabalho apresentado escrito e oralmente em seminário realizado em 22 de junho de 2012, como parte de avaliação da disciplina Direito Cambiário, nas dependências da FURB – Universidade Regional de Blumenau, ministrada pela Prof. Patricia Ribas Athanazio Hruschka. 2 * Elisângela Cristina Maier, José Erigutemberg Meneses de Lima, Marco Augusto Selli e Murilo Jacomel são acadêmicos do Curso de Direito da FURB.3 NETO, José Paulo; BRAZ Marcelo. O capitalismo Contemporâneo. In Economia política: uma introdução crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 235
individualizadas, e onde sucumbem as referências e os tradicionais valores éticos
norteadores da conduta humana.
Curioso é ver neste “admirável mundo novo” globalizado, tecnologizado e
financeirizado o espírito do associativismo resistir às forças e ao assédio neoliberal que
tem nas grandes corporações o foco de atuação. O objetivo deste artigo é demonstrar no
âmbito do cooperativismo, o que é, como funciona e quais as vantagens proporcionadas
pelas cooperativas de crédito para seus associados e a comunidade.
Com tal enfoque, o trabalho abordará a partir da análise dos princípios do
cooperativismo, o conceito, características, legislação e outros aspectos pertinentes ao
às cooperativas de crédito para, no final, contribuir para o entendimento de como essas
associações surgidas na Europa do século dezenove permanecem ativas num mundo
regido pelo receituário neoliberal.
2 SOCIEDADE COOPERATIVA
2.1 A origem do cooperativismo
O autor Helnon Crúzio, ao traduzir o significado de cooperativa, ensina ser
“cooperativa é uma união de pessoas, cujas necessidades individuais de trabalho, de
comercialização ou de prestação de serviços em grupo, e respectivos interesses sociais,
políticos e econômicos fundem-se nos objetivos coletivos da associação”. 4 Nessa
mesma linha e ampliando o conceito, Pagnussatt considera que as
Cooperativas de crédito são sociedades de pessoas, constituídas com o objetivo de prestar serviços financeiros aos seus associados, na forma de ajuda mútua, baseada em valores como igualdade, equidade, solidariedade, democracia e responsabilidade social. Além da prestação de serviços comuns, visam diminuir desigualdades sociais, facilitar o acesso aos serviços financeiros, difundir o espírito da cooperação e estimular a união de todos em prol do bem-estar comum. 5
Ambas as conceituações coadunam-se com as disposições dos art. 3º e 4º da Lei
5.764/71 que estabelecem serem as cooperativas sociedades civis, portanto não
mercantil, de natureza jurídica especial, que a diferencia assim de outras sociedades, de
pessoas e não de capitais, de pessoas reais, presentes e não anônimas, que devem
4 CRÚZIO, Helnon de Oliveira. Como organizar e administrar uma cooperativa. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005, p 7.5 PAGNUSSATT, Alcenor. Guia do cooperativismo de crédito: organização, governança e políticas corporativas. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2004. p. 13
participar com bens ou serviços para obterem proveitos comuns, servir aos associados
sem objetivo de lucros. Conceituando sociedade cooperativa, Waldirio Bulgarelli, aduz:
“A sociedade cooperativa, diferentemente das sociedades comerciais, atua na ordem prática regida por princípios doutrinários de profunda inspiração ética, no que se contrapõe fundamentalmente às sociedades capitalistas, despidas de qualquer sentido moral, absortas no objetivo senão do lucro, ao menos do rendimento do capital” 6
Os mais crédulos hão de afirmar que o cooperativismo nasceu na celebração da
Última Ceia, onde Jesus repartiu pão e o distribuiu com vinho para seus seguidores. Os
historiadores indiferentes às crenças ou relatos religiosos, apoiados em fatos históricos,
descrevem o surgimento do fenômeno de um modo diferente, embora sustentem que a
ideia da cooperação e do próprio cooperativismo é tão antiga quanto à humanidade. É o
que se depreende das impressões de Diva Benevides Pinho:
A cooperação, no sentido de ação conjugada entre duas ou mais pessoas, em razão de um fim comum, é tão antiga quanto a própria vida humana. Em todos os tempos os homens têm se auxiliado mutuamente para remover um obstáculo ou se defender das intempéries, por exemplo.7
Tendo razão estes ou aqueles, fica que as primeiras cooperativas do mundo
moderno surgiram na esteira da Revolução Industrial, como forma de amenizar os
traumas econômicos e sociais trazidos pelo industrialismo com as mudanças de
transformações sociais e econômicas.
O caráter principal das primeiras cooperativas vinculava-se ao papel de
sociedades beneficentes e de sindicatos, visando dar proteção aos trabalhadores que
migravam para as grandes cidades, atraídos pelas fábricas em busca de melhores
condições de vida. O excesso de mão-de-obra, resultante do elevado número de
imigrantes deu margem à exploração dos trabalhadores que tinham de enfrentar
jornadas abusivas e desumanas de até dezesseis horas/dia, remuneradas com salários
insignificantes que não lhes garantiam sequer a aquisição de mantimentos básicos.
Desta forma, mulheres e crianças foram obrigadas ao trabalho, ingressando muito
jovens no mercado fabril e em condições mais desumanas que a dos homens.
6 BULGARELLI, Waldirio, As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica, Ed. Renovar: São Paulo, 2000, p. 20.
7 PINHO, Diva Benevides. O que é cooperativismo. São Paulo: Editora S.A., 1966, p. 17
Para superar tais dificuldades, os trabalhadores europeus recorreram ao
cooperativismo, movimento surgido das ideias utópicas do socialista Robert Owen.
Segundo Jennifer Michael Hecht, Owen que fez fortuna na indústria têxtil americana,
inconformado com a exploração dos trabalhadores, buscou um caminho alternativo para
o capitalismo selvagem vigente nas fábricas americanas. Adquiriu duzentos acres de
terra e convidou trabalhadores para uma aventura socialista. Oitocentos se apresentaram
e o lugar recebeu o nome de New Harmony. 8
Com o fracasso da experiência, viu-se forçado a vender as terras e retornar ao
Reino Unido, onde se tornou líder sindical e passou a desenvolver um sistema
econômico alternativo baseado na cooperação nos moldes da New Harmony. Em 1844,
Owen reuniu vinte e sete tecelões e uma tecelã em Rochdale, Inglaterra, para comprar
alimentos mais baratos diretamente dos produtores eliminando os intermediários. Essa
abordagem em que os trabalhadores uniam-se para criar uma nova realidade com base
em cooperativas soava, no velho mundo, como irrealista por contrariar a lógica
capitalista da competição. Contudo, a ideia foi tão bem aceita que com a contribuição
de uma libra de cada um, o capital da organização chegou a cento e oitenta libras e em
uma década a organização já contava com mil e quatrocentos associados. 9
Apesar do êxito da iniciativa, somente no final do século dezenove, o
movimento cooperativista abandonou o estágio da beneficência e do sindicalismo para
incorporar novos setores como agricultura, comércio varejista, pesca, construção e
habitação. As primeiras cooperativas com as finalidades de fomentar crédito aos
pequenos tomadores rurais foram criada em 1848, pelo alemão Friedrich Wilhelm
Raiffeisen. Coube a outro alemão, Herman Schulze, o título de pioneiro das
cooperativas de crédito que destinavam mútuo a trabalhadores das áreas urbanas.
2.2. O cooperativismo no Brasil
Há intenso debate na literatura sobre as origens do cooperativismo no Brasil.
Para alguns, a primeira sociedade brasileira a ter em sua denominação a expressão
“cooperativa” foi a Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de
Outro preto, fundada em 27 de outubro de 1899, na então capital de Minas Gerais, como
consta na História do cooperativismo de crédito no Brasil, editado pelo Banco
8 HECHT, Jennifer Michael. Dúvida: uma historia. Trad. Antônio Padua Danesi. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005, p. 3859 Disponível em: <http://www.minasgerais.coop.br/pagina/30/historia.aspx>. Acesso em: 02 jun. 2012.
Central.10 Em obra publicada pela Organização das Cooperativas do Estado de Minas
Gerais (OCEMG) há referência a uma Sociedade Beneficente de Juiz de Fora, fundada
em 15 de maço de 1885, antes da cooperativa de Ouro Preto (MG). Segundo a OCEMG
“esta sociedade cuidava da educação, saúde e seguridade de seus “consórcios. Regendo-
se indubitavelmente pelos princípios cooperativistas.” 11
Por fim, outros afiançam que o cooperativismo brasileiro surgiu no começo do
século vinte, no Rio Grande do Sul. Os adeptos desta corrente sustentam que “foi em
1902, na pequena localidade de Linha Imperial, município de Nova Petrópolis, Rio
Grande do Sul, que surgiu a primeira cooperativa de crédito da América Latina, criada
pelo padre suíço Theodor Amstadt” 12 que, conhecedor da experiência alemã do modelo
de Friedrich Wilhelm Raiffeisen), para aqui a transplantou, com enorme sucesso Esta
instituição pioneira recebeu a denominação de Caixa de Economia e Empréstimos
Amstad, depois rebatizada Caixa Rural de Nova Petrópolis e, hoje, denominada
Cooperativa de Crédito Rural de Nova Petrópolis Ltda. (Sicredi Pioneira RS). Do
discurso proferido por Amstad, em 1900, na fundação da Associação dos Agricultores,
na cidade gaúcha de Feliz, é possível se extrair a visão de Amstad sobre o
associativismo:
Se uma grande pedra se atravessa no caminho e vinte pessoas querem passar, não o conseguirão se, uma por uma a procuram remover individualmente. Mas se as vinte pessoas se unem e fazem força ao mesmo tempo, sob a orientação de um deles, conseguirão afastar solidariamente a pedra e abrir caminho para todos.13
2.3 Os princípios e valores universais do cooperativismo
Para cumprir seu papel e ter êxito em sua atividade, as cooperativas devem ater-
se aos princípios e valores cooperativistas definidos como um conjunto de normas que
sugerem conceitos éticos e morais. De acordo com a OCMEG, as cooperativas baseiam-
se em valores de ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e
solidariedade. Na tradição dos seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam
10 Disponível em: <http://www.ineparcred.com.br/cartilha_cooperativas_credito.pdf>. Acesso em: 02 jun. 201211 OCEMG. O cooperativismo em Minas Gerais. Belo Horizonte: Gráfica e Editora Cultura, 1997.12 SEBRAE. Cooperativas de Crédito. O que é, como funciona e vantagens para os seus associados e a comunidade. 13 SEBRAE . Origem das cooperativas de crédito. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/uf/distrito-federal/menu_SAIBA_MAIS/empreendimentos_coletivos/cooperativa-de-credito/integra_bia/ident_unico/7749. Acesso em: 03 jun. 2012
nos valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação
pelo semelhante.14
Os princípios definidos pela ACI (Aliança Cooperativa Internacional) e que são
as linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam à prática os seu valores
contam-se em sete, que são: adesão voluntária e livre, gestão democrática pelos
cooperados, participação econômica
dos cooperados, autonomia
e independência, educação
, formação e informação, cooperação
entre cooperativas e interesse
pela comunidade. Cabe ressaltar que o art. 4° da Lei n° 5764/71 ratifica tais princípios
e valores, deixando ademais evidente as diferenças dessas organizações em relação às
demais empresas mercantis.
3 AS COOPERATIVAS DE CRÉDITO NO SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL
No Brasil as cooperativas de crédito são instituições financeiras, sociedades de
pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, sem fins lucrativos e
não sujeitas a falência, constituídas com o objetivo de propiciar crédito e prestar
serviços aos seus associados. São regulamentadas por leis, além dos atos normativos
baixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central do Brasil
(BCB) e pelo respectivo estatuto social, equiparando-se às instituições financeiras.
Marcos Antônio Henrique Pinheiro define as cooperativas de crédito da seguinte forma:
Cooperativas de crédito são instituições constituídas sob a forma de sociedade cooperativa, tendo por objetivo a prestação de serviços financeiros aos associados, como concessão de crédito, captação de depósitos a vista e a prazo, cheques, prestação de serviços de cobrança, de custódia, de recebimentos e pagamentos por conta de terceiros sob convênio com instituições financeiras públicas e privadas e de
14 Disponível em: <http://www.minasgerais.coop.br/pagina/94/o-cooperativismo.aspx>. Acesso em: 02 jun. 2012.
corresponde no país, além de outras prestações específicas e atribuições estabelecidas na legislação em vigor.15
A jurisprudência tem se posicionado sobre a equiparação das cooperativas de
crédito às instituições financeiras, como se percebe na ementa a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. COOPERATIVA DE CRÉDITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONSUMIDOR DEMANDADO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. 1. As cooperativas de crédito integram o Sistema Financeiro Nacional e, assim sendo, a concessão de crédito a seus associados traduz relação de consumo subordinado ao CDC (STJ 297). 2. Nas demandas movidas contra o consumidor, a competência, por ser absoluta, está sujeita ao controle judicial ex-officio. (AI 15330820128070000 DF 0001533-08.2012.807.0000. Relator: Fernando Habibe. Julgamento: 29/02/2012. Órgão Julgador: 4ª Turma Cível. Publicação: 12/03/2012, DJ-e Pág. 231)
3.1 Principais marcos jurídicos das cooperativas de crédito
O cooperativismo de crédito brasileiro de 1964, até o início dos anos 80,
atravessou período de grandes dificuldades, em razão de as autoridades militares
associarem o cooperativismo à planificação das economias socialistas. O controle do
governo sobre o cooperativismo foi tão intenso que, a criação do Sistema Financeiro
Nacional, quase impôs a extinção das as cooperativas de crédito mútuo abertas à
população. As principais funções das cooperativas de crédito ficaram sob a
responsabilidade das instituições financeiras estaduais. Os militares incentivaram
apenas as cooperativas agrícolas, por questão de segurança alimentar.
A partir dos anos 80, contudo, as forças do associativismo se renovaram
ganhando status constitucional, quando a Carta Magna apostou em uma política de
incentivo ao cooperativismo. Com efeito, o art. 5°, XVIII, da CF dispensa a autorização
do governo para criação de cooperativas, vedando sua interferência no funcionamento
delas. O art. 174, em três parágrafos prescreve o apoio e estímulo ao cooperativismo; o
estímulo à organização de atividade garimpeira em cooperativas e a priorização das
cooperativas na concessão de pesquisa e lavra de recursos e jazidas minerais. Já o art.
187 dispõe que se considere o cooperativismo no planejamento e execução da política
15 PINHEIRO, Marcos Antonio Henriques. Cooperativas de crédito: história da evolução normativa noBrasil / Marcos Antonio Henriques Pinheiro. 6. ed. Brasília: BCB, 2008, p. 7
agrícola. O art. 192, por sua vez, inclui as cooperativas de crédito no Sistema Financeiro
Nacional. 16
A Constituição Federal se harmoniza com a Recomendação 127 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) 17 que em seu art. 11 sugere uma legislação especial
aplicável a todas as classes de cooperativas.
Assim, afora as previsões constitucionais, diversas normas legislativas
regulamentam o cooperativismo de crédito, destacando-se a Lei 4.595/64 que instituiu a
reforma bancária. A Lei 5.764/71, conhecida como a lei do cooperativismo brasileiro,
que definiu a política nacional de cooperativismo e instituiu o regime jurídico das
cooperativas. A Lei Complementar n° 130/90 (Lei Complementar à Lei 5.764/71) insere
as cooperativas de crédito no Sistema Financeiro Nacional (SFN), passando estas a
seguir as mesmas regras das instituições financeiras. Esclareça-se aqui que este diploma
legal veio assegurar às Cooperativas de Crédito os direitos que já haviam sido
reconhecidos através de resoluções do Banco Central. A partir de então, as cooperativas
de crédito passaram a contar com uma regulamentação especifica, garantindo a
segurança jurídica necessária a seu funcionamento e facilitando o crédito para pequenos
produtores, comerciantes, industriais e a população de baixa renda. 18
Das várias resoluções que regulam o procedimento cooperativo, a Resolução nº
3859/10 do Conselho Monetário Nacional (CMN) que dispondo dispõe sobre a
constituição e o funcionamento de cooperativas de crédito, retirou a limitação que
existia desde 2003 e que impedia o funcionamento de cooperativas de crédito em
municípios que possuíssem elevada população.
3.2 Classificação das cooperativas de crédito no Brasil
Como componentes do Sistema Financeiro Nacional (SFN), as cooperativas de
crédito dividem-se em três níveis de atuação. No primeiro situam-se as cooperativas
singulares que prestam serviço diretamente a seus cooperados. No segundo estão as
16 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).17 Organização Internacional do Trabalho, Recomendação sobre o Papel das Cooperativas no Progresso Econômico e Social dos Países em Vias de Desenvolvimento. Recomendação 127. Genebra, 1966.18Disponível em: <http://credpom.coop.br/index.php?option=com_content&view=article&id=135:-sancionada-nova-lei-para-as-cooperativas-de-credito&catid=1:notas&Itemid=63>. Acesso em: 03 jun. 2012.
cooperativas centrais que organizam os serviços econômicos e assistenciais das
singulares filiadas e no terceiro, as confederações que orientam e coordenam as
atividades das cooperativas centrais. 19
Nos termos do art. 6º da Lei no 5.764/71, as singulares se constituem pelo
número mínimo de vinte pessoas físicas, sendo excepcionalmente permitida a admissão
de pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades
econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos. As cooperativas
centrais ou federações de cooperativas constituem-se de, no mínimo, três cooperativas
singulares, podendo, excepcionalmente, admitir associados individuais. As
confederações de cooperativas se constituem, pelo menos, de três federações de
cooperativas ou cooperativas centrais, da mesma ou de diferentes modalidades.
As cooperativas singulares classificam-se de modo diversos, entrementes, para
os fins deste trabalho, seis tipos de cooperativas de crédito serão considerados: a)
Cooperativas de Crédito Mútuo de Empregados: organizadas por empregados ou
servidores, sejam de empresas privadas ou entidades públicas, cujas atividades sejam
afins ou correlatas; b). Cooperativas de Crédito Mútuo de Atividade Profissional:
organizadas por profissionais ou trabalhadores dedicados a uma ou mais profissões e
atividades, cujos objetos sejam afins; c) Cooperativas de Crédito Rural: organizadas por
produtores rurais com objetivo de atenderem às necessidades de crédito rural e prestar-
lhes serviços do tipo bancário; d) Cooperativas de Crédito Mútuo de Empreendedores:
organizadas por pequenos empresários, microempresários ou micro-empreendedores,
responsáveis por negócios de natureza industrial, comercial ou prestação de serviços; e)
Cooperativas de Crédito Mútuo de Livre Admissão de Associados: poderão ser
constituídas em áreas com até cem mil habitantes (vedada a instalação para atender
apenas a parcela de um município) e f) Cooperativas de Crédito Mútuo de Livre
Admissão de Associados: organizadas por empresários cujas empresas, independente do
faturamento bruto anual, estejam vinculadas diretamente a um mesmo sindicato
patronal, direta ou indiretamente a uma associação patronal de grau superior. que
prestam serviços a centrais e suas filiadas. 20
19 SOARES, Marden Marques. BALLIANA. Gilson Marques. Governança cooperativa: diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito. Elvira Gavinel Ferreira Ventura, coord. Geral Joaquim Rubens Fontes Filho, Marden Marques Soares, coordenação. Brasília: BCB, 2009. p. 1720 ETGETO, Anderson Augusto et al... Os princípios do cooperativismo e as cooperativas de crédito no Brasil. Maringa Management: Revista de Ciências Empresariais, v. 2, n.1, p. 7-19, jan. /jun. 2005.
3.3 Operações ativas, passivas e acessórias das cooperativas de crédito
Basicamente, as cooperativas de crédito captam recursos de seus clientes e do
mercado financeiro, repassando-os, posteriormente, sob a forma de empréstimos e/ou
financiamentos, na expectativa de realizarem pequenos ganhos aos seus associados.
Suas operações dividem em ativas e passivas. Operações ativas são aquelas em que a
cooperativa se torna credora do associado, em virtude de concessão de créditos, nas
modalidades de empréstimos pessoais, financiamentos de bens duráveis e o saneamento
financeiro.
De acordo com a Resolução CMN 3442/2007, art. 31, II e III em suas atividades
ativas, as cooperativas de crédito podem realizar diversas operações e atividades, como
concessão de créditos e prestação de garantias a associados, inclusive em operações
realizadas ao amparo da regulamentação do crédito rural em favor de associados
produtores rurais; aplicação de recursos no mercado financeiro, inclusive em depósitos à
vista, depósitos a prazo com ou sem emissão de certificado e depósitos interfinanceiros,
observadas eventuais restrições legais e regulamentares específicas de cada aplicação; e
a contratação de serviços com o objetivo de viabilizar a compensação de cheques e as
transferências de recursos no sistema financeiro, de prover necessidades de
funcionamento da instituição ou de complementar os serviços prestados pela
cooperativa aos associados.
Operações passivas são aquelas que importarem em ônus e obrigações para a
cooperativa, que, na relação jurídica, se torna devedora do associado, nas seguintes
modalidades: depósitos à vista em conta corrente, cheque especial, depósitos a prazo,
recibo de depósito de cooperativado com taxas prefixadas e pós-fixadas, a poupança
cooperativada comum e a poupança cooperativada programada.
De acordo com a Resolução CMN 3442/2007, art. 31, I, as cooperativas de
crédito podem realizar operações e atividades, como captação dos associados de
depósitos sem emissão de certificado; obtenção de empréstimos ou repasses de
instituições financeiras nacionais ou estrangeiras, inclusive por meio de depósitos
interfinanceiros; recebimento de recursos oriundos de fundos oficiais e, em caráter
Disponível em: http://www.maringamanagement.com.br/novo/index.php/ojs/article/viewFile/30/15. Acesso em: 03 jun. 2012.
eventual, recursos isentos de remuneração ou a taxas favorecidas, de qualquer entidade,
na forma de doações, empréstimos ou repasses.
Operações acessórias são aquelas que não importam na concessão de crédito,
mas em serviços prestados pela cooperativa, tais como recebimento de contas, débitos
automáticos em conta corrente, fornecimento de cartões de afinidade e de crédito,
seguro de vida solidário e títulos de capitalização entre outros.
De acordo com a Resolução CMN 3442/07, art. 31, V e VI, as cooperativas de
crédito podem realizar operações e atividades diversas como, no caso de cooperativa
central de crédito, a prestação de serviços técnicos a outras cooperativas de crédito
filiadas ou não, bem como serviços de administração de recursos de terceiros em favor
de singulares filiadas e a prestação de serviços, visando atendimento a associados e a
não associados como cobrança, custódia e recebimentos e pagamentos por conta de
terceiros, entidades públicas ou privadas; distribuição de cotas de fundos de
investimento administrados por instituições autorizadas, observada, inclusive, a
regulamentação aplicável editada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
4 MERCADO DE COOPERATIVISMO DE CRÉDITO NO BRASIL
4.1 O sistema cooperativo de crédito no Brasil
O sistema cooperativo de crédito no Brasil apresenta posição altamente
significativa. O país posiciona-se na décima sexta posição no ranking de volume de
ativos administrados pelas cooperativas de crédito. As mais de mil e quatrocentas
cooperativas existentes no Brasil administram ativos em torno de dezesseis bilhões de
dólares, oriundos de seus quase quatro milhões de associados. A fatia de mercado das
cooperativas de crédito é em torno de três pontos percentuais do total do país. O
cooperativismo de crédito é representado no Brasil pelo Sistema de Crédito Cooperativo
(SICREDI), SICOOB, UNICRED, ANCOSOL e também por cooperativas
independentes (solteiras) não ligadas a uma confederação.
4.1.1 Sistema SICOOB
O Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (SICOOB) constituído pela
Confederação Sicoob Brasil, por quatorze cooperativas centrais e quinhentos e oitenta e
quatro cooperativas de crédito singulares, segundo dados de 2010, está presente em
vinte e uma unidades da federação. Os produtos e serviços são oferecidos pelas
cooperativas em mais de mil oitocentos e oitenta e quatro pontos de atendimento, que
beneficiam quase dois milhões de cooperados.21
4.1.2 Sistema SICREDI
O Sistema de Crédito Cooperativo (SICREDI) com mais de dois milhões de
cooperados e mil e cem pontos de atendimento atua nos estados de Goiás, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São
Paulo e Tocantins. A estrutura do SICREDI compreende o conjunto de cento e
dezenove cooperativas de crédito singulares, cinco cooperativas centrais, acionistas da
SICREDI Participações S.A. (SICREDIPAR) e as empresas e entidades controladas
pela instituição, entre elas o Banco SICREDI S.A., que atuam no mercado sob a marca
SICREDI e adotam padrão operacional único. 22
4.1.3 Sistema UNICRED
O UNICRED é uma instituição financeira cooperativa, formada por uma
sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, sem fins
lucrativos e não sujeita a falência, normalizada pela legislação cooperativista. A
Unicred conta com cento e dezessete cooperativas singulares e nove cooperativas
filiadas em vinte e quatro estados da Federação, nove Unicred Centrais ou Regionais e a
Confederação Nacional, com sede em São Paulo. A UNICRED possui trezentos e
quarenta e quatro pontos de atendimento no Brasil.23
4.1.4 Sistema ANCOSOL
A Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito da Economia Familiar e
Solidaria (ANCOSOL) representa as cooperativas vinculadas ao movimento de
agricultura rural com interação solidária. É a primeira entidade nacional do segmento
cooperativo do Brasil no campo das finanças solidárias e tem a missão de articular,
integrar e representar as seis experiências cooperativistas atuais de seu quadro social,
compostas de sistemas e cooperativas de crédito de economia familiar e solidária,
identificadas por processos de desenvolvimento local sustentável.24
5 COOPERATIVAS DE CRÉDITO VERSUS BANCOS
21 Disponível em: < http://www.sicoob.com.br/site/conteudo/inicio/>. Acesso em: 02 jun. 2012.22 Disponível em: <http://www.sicredi.com.br/>. Acesso em: 02 jun. 2012.23 Disponível em: < http://www.unicred.com.br/>. Acesso em: 02 jun. 201224 Disponível em: <http://www.ecosol.com.br/>. Acesso em: 02 jun. 2012
Apesar de operarem no mesmo ramo, as cooperativas de crédito e os bancos têm
em comum apenas o nome de alguns produtos que oferecem e alguns serviços que
prestam, como acima se elencou. Tal distinção ampara-se nas disposições do art. 192 da
Constituição Federal, que assim dispõe:
O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
As disposições constitucionais foram contempladas no julgado da 8ª Turma do
TST, cuja ementa aduz:
RECURSO DE REVISTA. EMPREGADOS DE COOPERATIVA DE CRÉDITO. BANCÁRIO. EQUIPARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Os empregados de cooperativas de crédito não se equiparam a bancário, para efeito de aplicação do art. 224 da CLT, em razão da inexistência de expressa previsão legal, considerando, ainda, as diferenças estruturais e operacionais entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito. Recurso de Revista conhecido e provido (RR 5734320105090024 573-43.2010.5.09.0024. Relator: Sebastião Geraldo de Oliveira. Julgamento: 23/11/2011. Órgão Julgador: 8ª Turma. Publicação: DEJT 25/11/2011)
Realmente, em muitos aspectos, as cooperativas de crédito diferenciam-se das
demais instituições financeiras e o exemplo significativo encontra-se na finalidade das
duas instituições. Os bancos comuns, constituídos com sociedades de capital, sejam
públicos ou privados, objetivam, o lucro que é rateado entre os quotistas, detentores do
controle da instituição na proporção dos números de ações. Por outro lado, as
cooperativas de crédito, por não visar lucro, quem define o controle é o voto, cujo peso
é igual para todos, ou seja, uma pessoa, um voto.
Quem administra os bancos são pessoas do mercado, enquanto nas cooperativas
o administrador é o próprio dono, e do meio cooperativista que utiliza as cooperativas
como uma forma de melhorar a situação econômica e a qualidade de vida. Na condição
de associados, os utilizadores de serviços participam diretamente da política de decisão
das entidades, ao passo que nos bancos os usuários são simples clientes que não
exercem qualquer influência na definição de preços dos produtos, como taxa de juros e
spreads.
Tanto é assim que, atualmente, enquanto os bancos privados resistem em reduzir
os juros e o spread com as alterações na taxa SELIC, as cooperativas de redito que já
trabalhavam com juros competitivos e diferenciados, começam a avaliar o novo cenário
e a possibilidade de baixar ainda mais suas taxas, acompanhando o movimento de
incentivo ao crédito capitaneado pelos bancos públicos.
É a portabilidade das contas dos servidores públicos autorizada pelo BC que está
causando verdadeira guerra no âmbito do setor financeiro envolvendo as instituições
financeiras e as cooperativas de crédito que, graças à gestão democrática, crédito barato
e atendimento personalizado, vêm ao longo dos tempos gerando impacto positivo na
coletividade em que atua e na economia como um todo.
6 CONCLUSÃO
O presente artigo, com as limitações de um trabalho de graduação, fez uma
análise do que são as cooperativas de crédito. Em diferente itens, demonstrou-se suas
características e peculiaridades para concluir que tais associações criadas em pleno
século dezenove para oferecer soluções financeiras aos seus associados, ainda hoje,
constituem alternativa de enfrentamento da sociedade para garantir a sobrevivência das
famílias frente à excludente estrutura societária em que se vive sob a égide do
neoliberalismo financeiro.
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