Post on 08-Nov-2018
Parte I
Ficha Catalográfica:
Título: Juventude e Segurança: PROTEJO Osasco.
Organizadores: Juan Carlos Aneiros Fernandez
Marisa Campos
Dulce Helena Cazzuni
Paulo Fiorilo
Edição: Hucitec e CEPEDOC Cidades Saudáveis.
Logos
A Juventude em Osasco
Pensar em políticas públicas voltadas para a juventude é um desafio. Sabemos
que esta faixa etária, que vai dos 15 aos 29 anos, é marcada pelo desenvolvimento do
cidadão através de uma série de experimentações que ajudam a definir sua identidade e
seus valores no período de inserção social rumo à vida adulta.
Por isso, desde que assumimos a Prefeitura de Osasco, em janeiro de 2005,
procuramos tratar as políticas públicas voltadas para a juventude como questão de
prioridade, sempre em busca de ações que possam melhorar a qualidade de vida dos
jovens, para garantir não só a inserção no mundo do trabalho via qualificação sócio-
profissional, como uma participação ativo-positiva na comunidade em que vivem.
Diante disso, criamos um programa com o objetivo de dar conta da discussão de
diretrizes internas, elaboração de metodologias e viabilização de condições para a
operacionalização de projetos para a juventude e, somente as ações da Secretaria de
Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão – SDTI, por meio do Programa Juventude, já
atenderam mais de 11 mil jovens em nove projetos diferenciados. Projetos estes
desenvolvidos em parceria com outras secretarias, governos federal e estadual e
entidades executoras que visam o estímulo à ampliação e à democratização das
oportunidades sociais e educacionais destinadas aos jovens em situação de desemprego
e pobreza.
Queremos oferecer ao jovem a capacidade de decisão sobre o seu caminho ou
desejo, como indivíduo inserido no mundo comum. E dentre tantas outras experiências
de sucesso realizadas em Osasco destacamos, nesta publicação, o PROTEJO – Proteção
ao Jovem em Território Vulnerável.
Ao recebermos o convite do Ministério da Justiça para a execução do
PROTEJO, parte integrante do Programa Nacional de Segurança com Cidadania -
Pronasci, vislumbramos a oportunidade de desenvolver uma proposta que não tinha
unicamente o objetivo de “ocupar os jovens para tirá-los da rua” e nem era um projeto
comum de formação para o trabalho. Desenvolvemos ações e convidamos os jovens,
que viviam em situação de vulnerabilidade social, a refletir sobre o papel a desempenhar
como cidadãos em desenvolvimento e discutirem sobre a atuação e sua relação com as
demais pessoas de sua comunidade, despertando assim para a busca das transformações
de sua realidade. Descobrir novas possibilidades na vida da cidade, percebendo- a
como sua. Mas o sucesso do PROTEJO em Osasco vai além da reflexão e ação destes
jovens sobre o local onde estão inseridos, passa também por avanços relacionados à
segurança urbana com o compromisso, do nosso município, de investir em um modelo
de segurança pública permeado pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
Para a realização com sucesso deste projeto são muitos os gestores envolvidos
direta ou indiretamente. Diretamente, os gestores envolvidos são os técnicos da
Secretaria de Administração e da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão e,
indiretamente, as secretaria de Assistência e Promoção Social e Obras, além da
organização não-governamental CEPEDOC Cidades Saudáveis, contratada mediante a
celebração de um convênio para execução do projeto.
Com tantas experiências marcantes, dimensionamos nesta publicação a
importância e a necessidade de articulação interinstitucional e de apontar para o esforço
que o município de Osasco tem empreendido com o objetivo de oferecer melhores
condições para os jovens que moram na cidade, consolidando, assim, uma gestão séria e
compromissada com os interesses da população
Emídio de Souza
Prefeito de Osasco
Sumário
1. Apresentação xx
2. O “Protejo” nacional
(Neusa Pivatto Müller) xx
3. Segurança Pública e Segurança Urbana
(Gilson Menezes) xx
4. Política de juventude em Osasco
(Marisa Campos; Vandelma Maria Nunes de Paula Almeida)
5. Escolhas, identidades e desfechos contingentes
(Juan Carlos Aneiros Fernandez; Daniele Pompei Sacardo;
Elisabete Agrela de Andrade) xx
6. O “encontro” como espaço de experimentação e elaboração
(Elisabete Agrela de Andrade; Daniele Pompei Sacardo;
Juan Carlos Aneiros Fernandez) xx
7. Pesquisa social e narrativas autobiográficas: a
constituição de sujeitos
(Daniele Pompei Sacardo; Juan Carlos Aneiros Fernandez;
Elisabete Agrela de Andrade) xx
8. Textos de Educadores do Protejo
Ação pedagógica enquanto experiência
(Adriana Campos da Silva; Ana Carolina Farias; Diana Salles) xx
Abordagem etnográfica para a entrada na vida
(Ana Alves De Franceso) xx
Educação e maternagem
(Grace Peixoto Noronha) xx
Uma abordagem, muitas possibilidades xx
(Sandro Vinicius Ortega Nicodemo)
Panorâmica meio drummondiana de um grupo de jovens
(Sebastião Miranda Filho) xx
Culturas, oralidades e outras histórias
(Gilson Brandão de Oliveira Junior) xx
9. Pesquisas dos Jovens xx
Sobre os autores
Adriana Campos da Silva é formada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP. Desde os tempos da graduação atua em projetos
voltados para área de Educação, que se tornou sua paixão, inquietude e desafio.
Ana Alves De Francesco, 28 anos, bacharel em ciências sociais pela USP, atualmente
no programa de pós-graduação em antropologia social da Unicamp. Desenvolve sua
pesquisa de mestrado junto às comunidades caiçaras da Reserva da Juatinga em Paraty
(RJ) e procura levar sempre consigo essa magia do encontro, na construção de relações
saudáveis entre as pessoas e com a natureza.
Ana Carolina Farias, Socióloga graduada pela PUC-SP. Possui vivências
diversificadas em salas de aula – educação infantil, ensino médio formal e outras
experiências educativas. Acredita que vivenciar a educação é necessário para repensar
um novo paradigma social.
Daniele Pompei Sacardo é psicóloga, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de
Saúde Pública da USP e pesquisadora do Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação
em Cidades Saudáveis – CEPEDOC Cidades Saudáveis. Atua nas áreas de promoção da
saúde e sistemas de saúde. Participou da coordenação do projeto Protejo em Osasco.
Diana de Souza Salles é graduada em Pedagogia. A maioria de suas atuações voltou-se
para o público jovem em comunidades periféricas, desenvolvendo formações que visam
à ampliação de repertório cultural, social e político de jovens e adultos. Atualmente,
realiza oficinas formação de mediadores de leitura e “contações” de histórias. É
componente do grupo “Fiandeiras” que realiza intervenções artísticas- culturais, como
produções de saraus itinerante e leituras nas ruas.
Dulce Helena Cazzuni secretária da pasta Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão da
prefeitura de Osasco é graduada em Ciências Econômicas e em Administração de
Empresas, atua em políticas públicas do trabalho, emprego e renda desde o início da
década de 90, com diversos artigos publicados. Atuou como pesquisadora em diferentes
organizações, coordenou o Programa Bolsa Trabalho da Prefeitura de São Paulo (gestão
Marta Suplicy) e é, também, organizadora desta publicação.
Elisabete Agrela de Andrade, Graduada em Psicologia, Mestre em Saúde Pública pela
Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora do CEPEDOC Cidades Saudáveis.
Participou da coordenação do Protejo em Osasco.
Gilson Brandão de Oliveira Júnior. Licenciado, bacharel e mestre em História Social
pela Universidade de São Paulo. Atualmente faz curso de graduação em Museologia
pela Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de educação e de pesquisa
em História, com ênfase nos estudos afro-brasileiros, atuando principalmente nos
seguintes temas: as relações Brasil-África, os centros de estudos africanos e a história da
África produzida no Brasil.
Gilson Menezes, atualmente exerce as funções de Comandante Geral da Guarda Civil
Municipal de Osasco e Diretor do Departamento de Segurança Urbana da
cidade, Presidente do Conselho Nacional das Guardas Municipais, Secretário Executivo
do Gabinete de Gestão Integrada Intermunicipal da Região Oeste de São Paulo,
Secretário Geral do Conselho Estadual de Secretários e Gestores Municipais de
Segurança do Estado de São Paulo e é integrante do Conselho Nacional de Segurança
Pública. Licenciado em letras e pedagogia, pós-graduado em licenciatura moderna e
contemporânea, pós graduado em segurança pública e, atualmente, graduando em
ciências jurídicas.
Juan Carlos Aneiros Fernandez é sociólogo e pesquisador do Centro de Estudos,
Pesquisa e Documentação em Cidades Saudáveis – CEPEDOC Cidades Saudáveis.
Graduado pela FFLCH da USP é doutorando na FSP da USP e atua nas áreas da
promoção da saúde e avaliação de políticas públicas. Coordenou a execução do projeto
Protejo e é um dos organizadores desta publicação.
Marisa Campos. Licenciada em história, foi professora da Rede Pública de Ensino
Estadual e Municipal em São Paulo. Foi Assessora Técnica de DOT – Diretoria de
Orientação Técnica /Secretaria Municipal de Educação e do Programa Bolsa Trabalho
da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo
(gestão 2001-2004). Participou como Formadora do Programa de Formação de
Formadores de Educação Básica da Rede Estadual de São Paulo. Desde 2005 é
coordenadora do Programa Juventude da SDTI/PMO (Secretaria de Desenvolvimento,
Trabalho e Inclusão da Prefeitura de Osasco) e também organizadora desta publicação.
Neuza Pivatto Müller é coordenadora nacional do projeto Protejo.
Paulo Fiorilo, Secretário de Administração do Município de Osasco, professor de
história da rede pública de São Paulo, graduado em Filosofia, mestre pela PUC em
Ciências Sociais, vereador em São Paulo, 2005-2008, chefe de gabinete da Prefeita
Marta Suplicy, 2003, e do Deputado Federal Devanir Ribeiro de 1989 a 2002. É um dos
organizadores desta publicação.
Sandro Vinícius Ortega Nicodemo. Arte-Educador Socioambiental, formado no curso
superior de tecnologia ambiental em 2004 pelo SENAI-SBC. Atualmente cursa
"Especialização em Linguagens da Arte" no TUSP - Teatro da USP. É Conselheiro de
Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz do Ipiranga (CADES).
Nas horas vagas, dedica-se às artes como a música (gaita e violão), literatura (poesia,
crônicas e artigos) e artes plásticas (mosaico e desenho).
Sebastião Miranda Filho é licenciado em Artes visuais pela FAAP e especialista em
arte-educação pela USP. Atua nas áreas da educação social e da capacitação de
profissionais para a inclusão social das pessoas com e sem deficiências.
Vandelma Maria Nunes de Paula Almeida é pedagoga formada pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, estudante de Letras na Universidade Federal de
São Paulo – Guarulhos e coordenadora pedagógica do Programa Juventude SDTI /PMO
(Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão da Prefeitura de Osasco).
Coordenou a implantação de projetos de Formação Sócio-Profissional para Jovens e
dirigiu escola do ensino médio em Piauí.
Os autores das pesquisas são os jovens atendidos pelo Protejo em Osasco, que
transformaram idéias em ações e sonhos em realidade.
Apresentação
As “boas mensagens” se produzem ou resultam do estar junto. Ao partilharmos
expectativas, desafios, limitações, sucessos e insucessos é que vamos construindo
conhecimentos e leituras que gostaríamos de comunicar aos outros. Vimos
estabelecendo ao longo dos últimos anos uma parceria em torno do desenvolvimento de
políticas públicas, do aprimoramento dos processos de gestão, da produção de
conhecimentos de interesse tanto para o meio acadêmico quanto para a administração
pública, do delineamento de processos avaliativos e desenvolvendo tudo isso na
perspectiva da inclusão social.
Seriam, por essa razão, muitas as mensagens que poderíamos deixar aos leitores,
baseados nas diferentes combinações que temos realizado entre a pesquisa e a
intervenção, entre a avaliação e o desenho de projetos, entre a inovação e o
monitoramento de processos, mas gostaríamos de concentrar-nos na mensagem do
encontro e sua dimensão fortemente inclusiva.
Como indicado por Bourdieu “a censura mais radical é a ausência”. Essa
ausência é nessa perspectiva, portanto, aquilo do que devemos nos afastar sempre e cada
vez mais. Apresentar-se ao espaço público e tentar alargá-lo: tomar parte da
implementação de políticas públicas na qual se encontram diferentes esferas da gestão
pública. Aproximar saberes, sem hierarquizações e discriminações: ir ao encontro de
ensinamentos e aprendizagens. Deixar aparecerem as dúvidas e as incertezas: dar lugar
à inovação e à capacidade de transformar.
Antes, porém, que da mensagem passemos à receita, cabe reforçar que não
dissemos aos jovens nem aos demais participantes dessa experiência “com quantos paus
se faz uma canoa”. Talvez tenhamos chegado mais perto de dizer algo sobre a arte de
fazer canoas e sobre a arte de navegar. Investimos em encontros capazes de promover
maior confiança e cumplicidade, convidando-nos, assim, uns aos outros, à realização de
vários passeios com ela. Esses passeios - essa disposição para o encontro com o outro -,
o incluir e o incluir-se neles, correspondem à criação de alternativas: a vivência de
experiências significativas e transformadoras.
Encerrada esta etapa, o que temos pela frente não é mais do que a oportunidade
de um novo começo. Entretanto, se voltamos ao início, já não voltamos da mesma
forma, voltamos estimulados e fortalecidos pela vivência dessa experiência. Afastamo-
nos, assim, das receitas, mas valorizando o quanto se pode aprender da experiência
vivida.
É nessa perspectiva que trazemos aos leitores a experiência do Protejo em
Osasco.
O Capítulo I apresenta o contexto social, político e institucional a partir do qual
o projeto Protejo é idealizado e criado. Em foco nesse capítulo estão a natureza, os
objetivos e o alcance dessa proposta e do quanto ela pode contribuir para uma mudança
paradigmática em relação à segurança.
O Capítulo II traz uma reflexão em torno da distinção e complementaridade
entre a segurança pública e a segurança urbana. Nele se destaca o papel desempenhado
pelo município, e sua estrutura de gestão, na produção de mais segurança em razão de
„sua presença territorial e proximidade da experiência vivida pela população‟. O
argumento vai além, indicando como ou com que posturas – ação em rede, leveza,
geração de empatia e confiabilidade – os gestores municipais podem maximizar essa
contribuição.
No Capítulo III são apresentadas as diretrizes estabelecidas pelo município de
Osasco para a construção e implementação de uma política da Juventude. São
destacados um modo de olhar para os jovens, para as possibilidades de auxiliá-los na
construção de seus projetos e, também, um método para o monitoramento das
intervenções. O capítulo apresenta, ainda, o exercício empreendido na ação intersetorial,
que marcou positivamente a experiência do Protejo no município.
O Capítulo IV discute a questão das escolhas e as escolhas realizadas do ponto
de vista do método e dos conteúdos empregados na formação dos jovens. Destaca-se a
experiência do Protejo no município „como uma escolha por um processo de
transformação não apenas do outro, o jovem, mas também de si mesmo, o educador e o
gestor‟. É explorada, também, nesse capítulo, a forma de abordagem dos temas
selecionados.
No Capítulo V é apresentada uma discussão sobre a idéia do “encontro” e sua
aplicação na proposta desenvolvida, quando aparece como um convite ao jovem „a viver
o espaço público como um lugar de coexistência, de eminência da diferença, onde
outras vozes podem ser incorporadas ao próprio viver‟. São, ainda, discutidos o
processo de amadurecimento dos jovens e a contribuição das instituições e dos
educadores em relação a ele.
O Capítulo VI apresenta a pesquisa social e sua pertinência na operacionalização
de uma proposta formativa dessa natureza. É discutida a construção de narrativas
autobiográficas na constituição de sujeitos e são exploradas suas potencialidades para a
produção de aprendizagens significativas. Partindo das noções do „inacabamento
humano‟ e da autonomia, o argumento convida os jovens a „uma ação sobre as
instituições em incessantes movimentos instituintes, produzindo novos sentidos e
significados sobre si e sobre o outro‟.
A seguir, na seção “Educadores destacam aspectos do Protejo”, em cinco textos
breves, educadores apresentam o panorama de diversidade e de possibilidades de
aprendizagens presentes na experiência do Protejo em Osasco. Em questão, as
estratégias, técnicas e vivências produzindo sentidos e resultados.
Na seção final, “As pesquisas dos Jovens”, são apresentadas resenhas e resumos
das investigações realizadas por eles. Os temas de pesquisa escolhidos, por um lado,
“retratam talentos, virtudes ou “pegadas” - engajadas, lúdicas, artísticas, tolerantes – de
ambos (jovens e educadores) e, por outro lado, eles falam de dúvidas, angústias,
desejos, oportunidades e descobertas‟.
Boa Leitura!
Os organizadores
O “Protejo” Nacional
Neusa Pivatto Müller1
O Projeto Proteção de Jovens em Território Vulnerável – Protejo foi instituído
pelo governo federal no ano de 2008 e integra as ações do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – PRONASCI, sendo a ação de número 62. Este Programa,
desenvolvido pelo Ministério da Justiça, marca uma iniciativa inédita no enfrentamento
à violência no país, por articular políticas de segurança com ações sociais, priorizar a
prevenção e buscar atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das
estratégias de ordenamento social e segurança pública.
Destinado a adolescentes e jovens de 15 a 24 anos de idade prioriza a formação
sócio-cultural e cidadã, bem como a qualificação para o trabalho, visando à pacificação
social e ao fortalecimento da cidadania, atendendo, inclusive, egressos do sistema
prisional, em cumprimento de medidas sócio-educativas ou de penas alternativas, em
situação de rua e vítimas da criminalidade. Nesse sentido, o Projeto Protejo é
imprescindível para o fortalecimento da Rede de Proteção Social, tendo em vista que
atua com um público que enfrenta diretamente problemas relacionados à violência e a
criminalidade. Atualmente, os adolescentes e os jovens enfrentam do preconceito ao
extermínio físico, da fome à droga, do abandono à exploração sexual e delinquência, da
“evasão escolar” ao trabalho compulsório. Comumente, as periferias das cidades e ou
municípios são vítimas da violência estrutural; essa complexidade pode ser analisada
quando se observa a diferenciação das oportunidades de acesso aos serviços públicos,
em relação aos espaços físicos das cidades, e quando comparamos a estrutura dos
centros das cidades em relação às periferias. Portanto, o Projeto Protejo visa a contribuir
para a ruptura dessa contradição social, que é uma das principais causas da violência e
da criminalidade que assola a juventude brasileira.
A população de adolescentes e jovens no Brasil possui considerável
expressividade demográfica. Segundo dados da Projeção Populacional do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, representam aproximadamente 27% da população
(CASTRO & AQUINO, 2010). No entanto, o grande contingente de adolescentes e
jovens relacionado a um contexto de pobreza e falta de acesso a direitos básicos resulta
1 Coordenadora Nacional do Projeto Protejo.
em um quadro de tensão social, altos índices de violência e criminalidade, conforme
ocorre com diversos países latino-americanos, incluindo o Brasil. Segundo os dados do
Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde - SIM/SUS,
analisados por Castro et al.(2009), as mortes por homicídios entre os jovens de 15 a 29
anos tiveram média anual de 27,2 mil entre os anos de 2004 a 2006, número que
consiste em 37,5% de todas as mortes juvenis. As vítimas, em geral, são jovens do sexo
masculino, pobres e não brancos, com poucos anos de escolaridade, que vivem nas áreas
mais carentes das grandes cidades brasileiras (CASTRO et al., 2009). Esses dados
demonstram que, indubitavelmente, fatores sócio-econômicos são variáveis importantes
ao se analisar violência e criminalidade envolvendo adolescentes e jovens.
Em pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, foi calculado
o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, que diz respeito à média ponderada de
cinco indicadores – homicídios, acidentes de trânsito, emprego, frequência à escola,
pobreza e desigualdade. Dos 266 municípios com mais de 100 mil habitantes
pesquisados nas cinco regiões brasileiras, 224 têm Índice de Vulnerabilidade Juvenil à
Violência2 de “média” a “muito alta” (BRASIL, 2009). A metodologia utilizada nessa
pesquisa feita pelo Fórum Nacional de Segurança Pública remete a uma ideia que se
contrapõe à concepção tradicional de se interpretar e lidar com a criminalidade entre
adolescentes e jovens. De acordo com essa concepção tradicional, o problema da
violência e do conflito com a lei deve ser tratado como mero “caso de polícia”; sendo
assim, as intervenções voltadas para resolver esse assunto se pautam somente pelo
mecanismo da repressão. Em contraponto a esse entendimento, adota-se, cada vez mais,
a ideia de que a violência e a criminalidade são, principalmente, consequência de um
processo intenso e contínuo de exclusão das políticas públicas e de garantia insuficiente
dos direitos previstos na Constituição Federal.
Endossando o ponto de vista dos estudos e pesquisas recentes sobre violência
entre adolescentes e jovens, foram formuladas pelo Governo Federal políticas que
considerem variáveis como educação, emprego, saneamento básico, saúde e qualidade
de vida e desigualdade no combate à criminalidade. Nesse sentido, o Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI – representa uma proposta
2 O Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência possui uma escala onde o valor 0 (zero) representa
município com menor vulnerabilidade e valor 1 (um) o de maior. Sendo assim, atribui-se vulnerabilidade
“baixa” quando o cálculo resulta em até 0,3; “média-baixa” para resultados entre 0,3 a 0,370; “média”
quando o resultado estiver entre 0,370 a 0,450; vulnerabilidade à violência alta caso o índice esteja entre
0,450 a 0,500; e “muito alta” quando o resultado estiver acima de 0,500.
inovadora para a segurança pública no Brasil, já que objetiva articular políticas de
segurança com ações sociais, priorizando a prevenção de forma a atingir as causas que
levam à violência. Entre os principais pilares do Pronasci se destacam: a valorização dos
profissionais de segurança pública, a reestruturação do sistema penitenciário e o
envolvimento da comunidade na prevenção da violência. Para o desenvolvimento desse
programa, devem ser despendidos cerca de R$ 6,707 bilhões até o fim de 2012.
Como parte das ações do PRONASCI, surge o Projeto Proteção de Jovens em
Território Vulnerável – PROTEJO. Seus princípios norteadores são: o fortalecimento da
cidadania, a proteção ao jovem, a pacificação social, a emancipação juvenil e a
formação de redes. Considerando esses princípios, o Projeto PROTEJO visa a provocar
mudanças estruturais na condição social do público alvo a que se destina, retirando-os
de um contexto de criminalidade. Ou seja, visa a intervir na realidade social de modo a
contribuir na transformação do quadro de vulnerabilidade pessoal e social, a partir de
ações integradas que favoreçam a construção da participação efetiva e inovadora de
adolescentes e jovens, tendo como perspectiva a universalização das políticas públicas e
a emancipação humana da juventude brasileira. Por conseguinte, ele se justifica a
medida que objetiva oferecer alternativas de emancipação a adolescentes e jovens que
se encontram, majoritariamente, à margem das políticas públicas.
Acreditamos que, promovendo a cultura de paz e convivência com as diferenças
e a diversidade, visando à qualidade de vida dos jovens na perspectiva da coletividade
orientada pela construção da segurança comunitária, estará promovendo a cultura de paz
entendida como uma construção humana, relacional e desafiadora possível, mas que
exige esforços e compromisso contínuo, demanda atuação concreta e exige de nós a
superação das desigualdades através da efetivação das políticas públicas comprometidas
com os Direitos Humanos, envolvendo a pluralidade dos atores sociais.
Osasco, ao aderir ao Pronasci, assume a responsabilidade pela mudança de olhar
sobre a questão da segurança pública na sua própria cidade e, como consequência,
colabora com a construção de um país mais solidário e pacífico.
Referências:
CASTRO, J.; AQUINO, L. e ANDRADE, C. (ORGS.). Juventude e políticas
sociais no Brasil – Brasília : Ipea, 2009.
CASTRO, J. A e AQUINO, L. Juventude e Políticas Sociais no Brasil. Texto
para discussão 1335, IPEA. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1335.pdf. Acesso em
24/02/2010.
BRASIL [Ministério da Justiça]. Projeto Juventude e Prevenção da Violência.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, PRONASCI, Ministério da Justiça –
2009.
Segurança Pública e Segurança Urbana
Cmte. Gilson Menezes
A Segurança Pública ao mesmo tempo em que preocupa a todos os brasileiros
pela sua atual condição, tem sido alvo de novas tentativas de se encontrar um caminho
que busque associar mais segurança com respeito a dignidade das pessoas, ou seja, gerar
segurança com cidadania.
Freqüentemente, a Segurança Pública é vista como a grande vilã de muitos
governos ao longo das décadas, sendo uma das áreas mais sensíveis dentro do cenário
político. Resultados ineficientes das gestões ao longo dos anos nessa área não
conseguiram resolver a questão, obrigando o brasileiro a conviver com um nível
intolerável de violência, resultando em um acúmulo de insatisfação social e ao mesmo
tempo trazendo a síndrome da desesperança associada ao medo.
É esse quadro que nos impulsiona a refletir sobre o tipo de segurança pública
que queremos para o nosso país e, de partida, consideramos que seja necessária uma
postura cautelosa em relação à discussão de modelos. Por um lado, nunca tivemos um
modelo bem definido de Segurança Pública e é exatamente isso que tem dificultado
nossa discussão para o caso brasileiro e, por outro lado, tendemos a começar nossas
análises pautadas em discussões que desviam nossos esforços para caminhos que nos
fazem desprender imensa energia em iniciativas já conhecidas como ineficientes.
Para entendermos o momento que hoje vivemos no cenário da segurança
pública, devemos remeter nossa potencialidade criativa para interpretarmos o que diz a
Constituição Brasileira quando, no Capítulo da Segurança Pública, em seu Art. 144,
menciona que “Segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos”. Note-se que ao analisar de forma superficial o artigo mencionado estaremos
todos convencidos de que essa missão precípua é de competência exclusiva dos
governos estaduais, mas ao dedicarmos uma apreciação maior ao enunciado e ao
observarmos a semântica com um pouco mais de cautela, notaremos que em
conformidade ao ordenamento jurídico brasileiro e contrariamente a uma interpretação
preguiçosa de parcelas de juristas, políticos e profissionais do meio da imprensa -
televisiva, radiofônica ou escrita -, devemos incluir a União e o municípios no
cumprimento dessa missão.
A conseqüência dessa interpretação que não se dedica em discutir a matéria com
o cuidado que ela merece é o estreitamento das possibilidades de se discutir segurança
pública por qualquer outro olhar que não seja contratar mais homens, adquirir armas e
viaturas, ou seja, sempre dar passos em volta de um problema cujas raízes são muito
mais profundas e dessa forma, nos dedicarmos a absolutamente tudo, menos às causas
do problema; estarmos sempre prontos para o combate, porém, sem sabermos se é ou
não preciso combater.
Somos, evidentemente, contrários à interpretação que chamamos de preguiçosa
do preâmbulo constitucional. A consideramos errônea, pois a base fundamental da
Constituição brasileira tem por lógica quando menciona que “Segurança Pública é dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos”, que a missão de trazer tranqüilidade ao
povo brasileiro é dos três entes públicos e não apenas dos estados federados.Isso se
materializou quando do fato da palavra Estado encontrar-se em letra maiúscula, ou seja,
a referência é feita aos entes União, Estados e Municípios, pois se assim não fosse não
teríamos nesse mesmo capítulo menções às agências federais, mas apenas às agências
estaduais de segurança pública.
Com essa interpretação surge um novo ator no cenário da segurança pública, os
municípios, entes públicos que ao longo das décadas ficaram fora desse processo
mesmo sendo o mais prejudicado com todo esse cenário. A partir dessa interpretação
podemos dizer, também, que os municípios não são coadjuvantes nessa empreitada de
produção de segurança, nem protagonistas principais desse roteiro, mas protagonistas ao
lado de outros. Eles vêm ocupando um espaço e isso ainda não é totalmente absorvido
pelos atores tradicionais, apesar da crescente acolhida por aqueles que esperam dos
gestores públicos alternativas para ocupar uma lacuna que somente ele, o município,
seria capaz de preencher, em razão de sua presença territorial e proximidade da
experiência vivida pela população.
Não há dificuldades para reconhecermos os municípios como novos
protagonistas desse sistema. A dificuldade se dá no campo e no momento de
materializarmos o seu papel de forma prática, pois não se trata de inadvertidamente
partirmos para a ocupação das funções dos tradicionais atores. Sem dúvida, essa
proposta não constitui um novo olhar, ao contrário, em nada ajuda na criação de um
modelo de segurança pública.
Por esse motivo, a contribuição dos municípios passa necessariamente pelo fato
de se integrarem ao sistema já contribuindo de forma incisiva por meio da criação de
outro olhar para os problemas da segurança pública, complementando e realizando um
papel que não poderia ser alcançado por nenhum outro ator.
Para além da questão legal, há uma questão simplesmente de vocação. No
cenário político, os municípios só passaram a ser mais atuantes após a constituição de
1988, mas de forma prática podemos afirmar, com toda convicção, que dentro do
cenário social os municípios jamais poderiam ser trocados por outros atores.
Já existe um olhar mais acentuado por parte dos municípios em áreas como da
saúde, educação e, agora, nasce também um olhar merecedor de atenção no cenário da
segurança urbana, com a perspectiva de atuar em uma linha não de combate ao crime e
à violência, mas na prevenção dessa mesma violência e do crime.
O perímetro urbano é composto de detalhes que o gestor local conhece de forma
muito aproximada e, quando isso não acontece, por qualquer outra razão, esses detalhes
chegam ao seu conhecimento numa maior rapidez. Por conta disso, podemos afirmar
que as prefeituras são catalisadoras de demandas que nem sempre são originariamente
delas, todavia, são possíveis de serem resolvidas por meio de seus esforços.
Com essa consideração pretendemos pluralizar a questão e, ao mesmo tempo,
afirmar que a entrada dos municípios no cenário da segurança pública como atores
protagonistas fortalece sobremaneira a discussão, contribuindo para a construção de um
modelo de segurança pública.
Quando falamos em segurança não podemos mais deixar de falar dos dois tipos
de segurança, a pública e a urbana. Se convidássemos qualquer pessoa para ajudar na
segurança pública deveríamos estar preparados para ouvir uma recusa, pois o tema de
imediato nos remete às armas, ao perigo, ao enfrentamento e ao combate e,
absolutamente ninguém em “sã consciência” aceitaria correr perigos se porventura não
tivesse a obrigação de fazê-lo, entretanto, se fizéssemos uma consulta semelhante, desta
vez no sentido de auxiliar na segurança urbana poderíamos contar pelo menos com certa
curiosidade da parte de nossos interlocutores.
Parece não haver muita clareza a respeito do que seja segurança urbana por parte
daqueles que não trabalham na área - e mesmo entre aqueles que se dedicam às causas
de segurança pública. É razoável supor que, em um primeiro momento, paire a dúvida
se a segurança urbana possui ou não similaridade com a segurança pública; se tem ou
não ligação com carros, sirenes, armas ou coisa parecida.
A segurança urbana é, na verdade, uma área na qual as possibilidades de vencer
desafios são muito maiores do que na segurança pública. Que auxilio a segurança
urbana poderia dar à segurança pública? Qual é o papel da segurança urbana em um
campo ocupado pelo crime e a violência? Quais são os mecanismos utilizados para essa
atuação? Como combater o crime e a violência em linha diferente daquela de homens
armados, viaturas e armas? As respostas para essas indagações são complexas, e é
importante considerar que, hoje, ambos os tipos de segurança andam ligados de forma
muito estreita, principalmente pelo fato do poder local estar a cada dia assumindo uma
responsabilidade da qual, antes, não “sonhava” em se aproximar. Não vivemos mais no
tempo em que chefes do poder executivo municipal diziam que segurança pública não
era um problema local, mas um problema da alçada do Estado, ente federado.
Superar o cenário presente de insegurança e, por conseguinte, de intranqüilidade
requer uma estratégia de atuação que evite a concorrência entre entes federados e suas
instituições, decorrente de um equivocado extrapolar de competências assumidas por
alguns municípios em relação às tarefas de segurança. Qualquer medida tomada sob
pressão, seja de um quadro de agravamento da insegurança, seja da opinião pública
leiga que não evite incorrer nesse erro produz um cenário que mais atrapalha do que
ajuda.
Os municípios atuam na segurança pública de forma diferenciada, sob os
parâmetros da segurança urbana que exige o desvencilhar-se da antiga lógica em que
aos especialistas seria dada toda atenção necessária para que as estratégias saiam do
papel e busquem atingir a violência e o crime no âmbito dos territórios trabalhados.
Essa antiga lógica mostrou-se, por demais, ineficiente porque não possuía o ingrediente
mais relevante, que era o pleno conhecimento do território, e ao mesmo tempo os
agentes que eram envolvidos nesse processo muitas das vezes não conseguiam ter
empatia com o programa, enxergando o desenvolvimento do trabalho apenas como uma
missão a ser cumprida da melhor forma possível.
Na segurança urbana, novo enfoque privilegia ângulos até então não observados,
sendo um deles, o fato da missão ser deixada de lado para dar lugar ao envolvimento
participativo, havendo não só esse envolvimento, como também a empatia tão desejada
por conta da aproximação dos agentes envolvidos com propostas de mudanças
significativas em seus respectivos territórios, que ocupam também como moradores.
Propostas desse tipo oferecem ganhos para todos; há interesses motivadores entre as
partes para que esses programas sejam vencedores, não pela simples preocupação com o
marketing, mas principalmente e verdadeiramente pelas mudanças, que podem conduzir
a uma melhor qualidade de vida com a diminuição do crime e da violência.
De forma mais didática, podemos dizer que segurança pública diz respeito à
forma mais repressiva de se combater o crime e a violência, ao passo que a segurança
urbana é a forma mais preventiva de se lidar com essa mesma violência e o crime.
Se os municípios podem, mesmo que esporadicamente, atuar no campo da
segurança pública, os estados entes federados não possuem a capacidade de atuar no
campo da segurança urbana. São os municípios, organismos vivos dentro desse
ordenamento jurídico federativo, a quem cabe a zeladoria desse funcionamento, sendo o
estado ente federado o grande tutor de questões distantes e geradoras de conflitos muito
contundentes.
É esse distanciamento por parte desse tutor o que gera as ações que depreendem
mais energia, sob pena da existência da plena falta de controle. Com o município ocorre
o inverso, pois sendo ele o zelador oficial da urbe, é dele a tarefa de mediar os pequenos
conflitos para que esses não se tornem problemas de solução fora de sua alçada. No caso
de não conseguir fazê-lo, esse conflito deixa de ser resolvido no campo da prevenção,
tornando-se necessário o uso da força pelo estado, força essa nem sempre de “boa”
medida, pelo fato dessa aplicabilidade ser oriunda de protagonista que não vivenciou o
desenrolar do problema.
É no âmbito dessa discussão que o PRONASCI (Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania), originário do ente público federal, buscou, por meio
de uma nova experiência, canalizar esforços para traçar linhas de atuação que
estivessem pautadas sempre dentro da perspectiva da prevenção.
Partindo do entendimento de que o melhor caminho para a diminuição do crime
e da violência era a prevenção e de que nenhum outro ator possuía vocação tão explícita
e marcante para essa tarefa quanto os municípios, o PRONASCI inclui a estes como um
dos atores de significativa importância nesse processo e dá a eles a condição de
construir e conduzir propostas que venham ao encontro desta perspectiva. A
competência dos municípios na pronta resposta - qualificada pelo fato de saber
exatamente onde atuar, coibindo o desequilíbrio social - possibilita que se antecipem
aos problemas locais e ainda se coloquem como parceiros sociais por meio de projetos
que redescubram as infinitas possibilidades de fazer com que a desesperança se aparte
das expectativas dos seus munícipes.
Certamente, essas ações contribuem sobremaneira com a segurança pública, até
porque de uma forma ou de outra são ações de segurança pública, todavia, ao serem
desempenhadas pelos municípios podemos dizer que possuem a leveza de serem
qualificadas como segurança urbana pela tipicidade da atuação desse protagonista
chamado município, cujo papel não pode ser desempenhado por nenhum outro ente
público.
Isso corresponde a um salto qualitativo, capaz de nos fazer crer, que
caminhamos na direção da construção de um modelo de segurança pública que englobe
todos os entes públicos, mediando conflitos possíveis de existir, e ao mesmo tempo
definindo papéis a todos os envolvidos e tutelando o desempenho, aferido por meio de
um sério acompanhamento e de rotinas aplicáveis a cada situação. Isso nos mostra a
construção de um modelo de segurança em que é perfeitamente possível a
transformação do que aí está, desde que o tema não seja mais discutido e compartilhado
apenas por idealizadores que desprezam a possibilidade de haver protagonismo por
parte dos municípios.
A Segurança Urbana e os seus resultados
Essa nova ferramenta chamada PRONASCI, coloca à disposição do cidadão um
paradigma que potencializa respostas às necessidades de maior segurança que a médio e
longo prazo, sem dúvida, resultarão em benefícios à sociedade brasileira. Ela coloca na
“ordem do dia” a discussão da segurança urbana, e contribui para a consolidação do
espaço que acreditamos que ela deva ocupar, quebrando monopólios de velhas
estruturas de linhas de pensamento que relutam em permitir que os municípios possam
dar sua parcela de contribuição.
O que verdadeiramente importa é o fato de podermos dar a esse modelo em
desenvolvimento a leveza que atualmente se faz necessária. Todo e qualquer resultado
oriundo de um programa de segurança deverá ser sempre qualificado e quantificado nos
resultados verificados nos índices de satisfação do cidadão local, que têm como base a
sensação de segurança, fator tão importante quanto a própria segurança. A ampliação da
sensação de segurança é o que pode conduzir a uma confiabilidade no programa, ao
aceite da comunidade em acreditar e fazer parte desse programa, assumindo um papel
protagonista e corroborando, assim, para a consolidação desse paradigma de segurança.
Relacionando os bons resultados desse paradigma a programas vencedores e
possíveis de serem desenvolvidos em diferentes contextos, como o PROTEJO, que se
destaca pelo fato de ser extremamente sensível em relação ao que se passa com os
jovens, principalmente das grandes cidades e em suas periferias. O jovem é, atualmente,
um dos mais atingidos pela violência e pelo crime, não porque sempre recorra a esses
fatores, crime e violência, mas por ser a parte mais vulnerável, e viver sob pressão da
mídia consumista ou da falta de oportunidades.
Sabemos das dificuldades que as cidades encontram para se debruçarem sobre
esses problemas, mas sabemos também que muitos gestores públicos têm voltado suas
administrações para ações transformadoras que, em sinergia e com abnegação de alguns
programas, geram de forma muito aprofundada não só a expectativa de uma mudança,
mas de forma concreta, a transformação de uma paisagem que passa a ser mais
esperançosa para todos.
Essa “química” entre o aceite do programa e o grau de confiabilidade somente se
dá pela aproximação entre município e cidadão, para o que contribui decisivamente o
estabelecimento de vínculos anteriores de aproximação. Aqueles que se estabelecem
quando o cidadão recorre ao poder local para a satisfação de suas necessidades
primárias, mesmo que elas extrapolem o âmbito de responsabilidade do município. O
acolhimento dessas demandas e a busca pela criação de novas perspectivas ampliam a
confiança na gestão, possibilitando a parceria entre município e cidadão na solução
desse problema que só pode ser resolvido na junção de esforços.
Entre os avanços que temos identificado figura o PROTEJO, exemplo de
estratégia de segurança urbana, que obteve resultados extremamente positivos por conta
da parceria que logrou estabelecer com a juventude: fé, confiabilidade e quebra de
paradigmas, associados à sensibilidade da união. Para tanto foi imprescindível o
compromisso, nitidamente cumprido, do município de Osasco de investir em um
modelo de segurança pública permeado pelo respeito à dignidade da pessoa humana e
pelo espírito republicano, alimentado pela esperança em uma sociedade melhor, por
meio da responsabilidade dos municípios em saber implantarem os programas de
segurança urbana, e aqui em se tratando do sucesso do Programa de Proteção a
Juventude, da responsável segurança urbana de Osasco.
Política de juventude em Osasco.
Marisa Campos
Vandelma Maria Nunes de Paula Almeida
Esse capítulo tem como objetivo explorar alguns aspectos da política pública de
juventude3 adotada pelo Município de Osasco – SP, executada pelo Programa Juventude
da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão - SDTI. Esse programa foi
criado com o objetivo de dar conta da discussão de diretrizes internas, elaboração de
metodologias, viabilização de condições para operacionalização de projetos para
juventude e, em seu âmbito, ocorreu a experiência aqui relatada do PROTEJO –
Proteção ao jovem em território vulnerável.
Este texto apresenta um panorama sobre as concepções de juventude em uma
perspectiva histórica, a concepção de juventude adotada pelo Programa Juventude, o
desafio de integração de várias secretarias e setores no desenvolvimento de um
Programa, a metodologia de monitoramento do projeto e o acompanhamento dos jovens
durante o período de formação.
O que é juventude4
Uma forma genérica para se conhecer quem é o jovem seria situá-lo em uma
faixa etária que, segundo a Secretaria Nacional de Juventude, vai dos 15 aos 29 anos.
Essa faixa etária está marcada pelo desenvolvimento do jovem e uma série de
experimentações que ajudam a definir sua identidade e seus valores. É um período de
inserção social rumo à vida adulta. Porém, não basta olhar para a juventude somente
como um grupo social que seria homogêneo em razão da faixa etária, pelo contrário, a
diversidade é uma de suas características.
O termo Juventude, aliás, é bastante recente: começou a ser usado no início do
século XX e recebeu ao longo do tempo enfoques diferentes relacionados à posição que
os jovens ocupavam na sociedade.
No Brasil, até a década de 1970, eram considerados efetivamente “jovens”
(como condição social, para além da definição meramente etária) os indivíduos das
classes média e alta, caracterizados principalmente por sua condição de estudantes. Os
3 GUERRA, Alexandre – Inclusão social com geração de renda: uma cidade cada dia
melhor/organizadores, Alexandre Guerra, Rodrigo Coelho; Dulce Cazzuni -, Osasco, SP, 2008. Cap. III. 4 Extraído da cartilha nº 02 – Polícia e Juventude – Secretaria Nacional de Juventude.
jovens das classes populares, tendo de trabalhar e interromper os estudos muito cedo, ou
a eles nem tendo acesso, ficavam excluídos dessa categoria.
Ao longo da década de 1980, por conta de todos os movimentos sociais e
manifestações que surgiram contra o regime ditatorial no país, verificou-se uma
tendência de criminalização da juventude, que muitas vezes estava envolvida nas
manifestações e na luta pela democracia, como se os jovens fossem “arruaceiros”,
aumentando a tensão entre eles e os policiais.
O período de redemocratização do Brasil trouxe a promulgação de uma nova
legislação. Surgiu, então, o estatuto da criança e do Adolescente (ECA), que
estabeleceria direitos e deveres para parte desse grupo. O ECA ajudou a inaugurar uma
nova representação social da criança e do adolescente, e os tomou como sujeitos de
direitos, não os categorizando como pobres, pretos, brancos, abandonados ou quaisquer
outras classificações discriminatórias.
Mas se houve avanços na legislação sobre crianças e adolescentes, a juventude
ainda não dispõe de legislação, nem de políticas públicas específicas, apesar de
representar mais de um quarto da população brasileira.
Política de Juventude em Osasco: uma visão sensível sobre a condição do jovem.
A concepção de política de juventude que objetiva a contenção das
experimentações inerentes à juventude foi, desde o início, descartada pela SDTI. Na sua
formulação de políticas de inserção para a juventude optou pela concepção de Juventude
como sujeito de direitos. Uma vez definida a concepção, uma série de discussões e
formações foi realizada no sentido de desconstruir a imagem de jovem como sinônimo
de problema.
O Programa Juventude construiu uma idéia de jovem filho de trabalhador,
pessoa em desenvolvimento, permeado por dúvidas sobre as perspectivas de futuro,
vivendo em ambiente propenso ao desrespeito e à violência. Com base nessas variáveis,
definiu-se que a elaboração e execução de projetos priorizariam as iniciativas que
garantissem: auxílio ao desenvolvimento, quando possível, integral e de elevação de
escolaridade; criação de novas oportunidades para inserção social e profissional; e, por
último, porém não menos importante a atenção especial às subjetividades, de modo a
promover o respeito e a tolerância, e ampliar as possibilidades de trocas de
conhecimentos e aprendizagens. Quando recebemos o convite para execução do projeto
Protejo, parte integrante do Programa Nacional de Segurança com Cidadania –
PRONASCI, do Ministério da Justiça, vimos a oportunidade de desenvolver uma
proposta que não tinha unicamente o objetivo de “ ocupar os jovens para tirá-los da
rua” e nem era um projeto comum de formação para o trabalho. O Protejo, mesmo
sendo “desenhado” pela esfera federal, com diretrizes definidas, permitiu que cada
cidade elaborasse um projeto específico para as localidades/comunidades onde o mesmo
seria desenvolvido. Essa autonomia veio ao encontro dos anseios do Programa
Juventude que já desenvolvia projetos para jovens, que oferecessem a oportunidade a
estes de refletirem sobre o seu papel a desempenhar como cidadãos em
desenvolvimento, discutirem sobre sua atuação e sua relação com as demais pessoas de
sua comunidade, despertarem para a busca de formas de transformação a partir de sua
realidade, descobrirem novas possibilidades de inserção na vida da cidade percebendo-a
como sua.
Dadas as premissas do Programa Juventude e as definições no tocante ao
desenvolvimento integral do jovem elaborou-se, em conformidade aos anseios acima
expostos, o projeto de formação de pesquisadores comunitários. Essa Formação
proporcionou o conhecimento das dificuldades e potenciais dos jovens e de suas
comunidades, bem como possibilitou ao jovem reconhecer-se como parte integrante
daquela localidade e, portanto, também responsável pelas necessárias e/ou desejáveis
transformações dela.
Juntos, somos mais que plural: integração de gestores em prol da juventude.
A gestão pública tem tido um grande desafio que é o de articular ações para que
cada vez mais o recurso público seja gasto de forma responsável e que as ações não
estejam de alguma forma sobrepostas.
Nessa perspectiva, o Governo Federal, no que diz respeito às políticas públicas
direcionadas ao atendimento à juventude, criou a Secretaria Nacional de Juventude 5, e
esta tem trabalhado no sentido de articular as ações que são desenvolvidas pelos vários
Ministérios. O principal ganho tem sido no sentido de possibilitar uma discussão
embasada em uma concepção responsável e ampla sobre as várias juventudes que se
apresentam em nosso país de dimensões continentais.
O PROJOVEM6, criado em 2005, foi recriado em 2007, na perspectiva citada
acima, para agrupar algumas das principais iniciativas dos Ministérios. A partir de então
o PROJOVEM passa a ser apresentado em quatro versões, se é que podemos denominar
dessa forma: PROJOVEM ADOLESCENTE; PROJOVEM URBANO; PROJOVEM
TRABALHADOR e PROJOVEM CAMPO.
Esta breve introdução tem como objetivo explicitar a necessidade de articulação
interinstitucional e apontar para o esforço que o município de Osasco tem empreendido
para efetivá-la. Por todo um contexto histórico, há de se presumir que essa não seja uma
tarefa fácil, mas é fundamental para se consolidar uma gestão séria e compromissada
com os interesses da população.
Vale ressaltar, que a experiência aqui apresentada, que diz respeito ao
PROTEJO, não é a primeira, mas é sem dúvida uma a ser destacada.
No capítulo sobre segurança urbana, tivemos uma breve exposição sobre a
importância do PRONASCI – Programa Nacional de Segurança com Cidadania, para
consolidar uma posição na qual os municípios sejam atores fundamentais nas ações,
nesse âmbito, desenvolvidas em seus territórios. Assim como outros municípios, Osasco
aderiu ao PRONASCI acreditando nas possibilidades que este programa apresenta e
diante desta adesão trouxe ao conjunto dos gestores municipais o desafio de articular
5 Ver site: www.juventude.gov.br
6 Ver site: www.projovemurbano.gov.br
suas ações para que essas atingissem seu objetivo primeiro, que é garantir à população
um atendimento de qualidade, desenvolvido com respeito, solidariedade e
responsabilidade.
O Protejo chegou ao Município através das ações do PRONASCI elencadas
como prioridade de execução. A partir daí, iniciou-se o desafio de articular e definir as
partes do todo com a responsabilidade de que essas partes se encaixem não deixando
que os problemas decorrentes da execução se tornem obstáculos intransponíveis.
São muitos os gestores envolvidos direta e indiretamente nesta execução, além
da entidade parceira que desenvolveu diretamente nas comunidades o trabalho com os
(as) jovens dos territórios: Padroeira, Conceição, Portal D‟ Oeste e Baronesa. Os
gestores diretamente envolvidos em todo processo foram os técnicos da Secretaria de
Administração – S.A, efetivo da GCM e da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e
Inclusão – SDTI, e, indiretamente, a Secretaria de Assistência e Promoção Social -
SAPS e Secretaria de Obras, e a organização não governamental CEPEDOC Cidades
Saudáveis, contratada mediante a celebração de um convênio para execução do projeto.
A Secretaria de Administração é no município de Osasco, responsável pela
gestão do PRONASCI através da GCM-Guarda Civil Municipal e, ao colocar o Protejo
como uma ação prioritária a ser desenvolvida no município, articulou-se à SDTI, através
de seu Programa Juventude e do Osasco Digital7, para que assim, dentro da concepção
de Juventude e de inclusão digital desenvolvida no município, pudesse discutir e criar
um projeto nos moldes em que o Protejo foi idealizado no Ministério da Justiça e
considerando a característica do(a) jovem de Osasco.
A partir de então, teve-se a preocupação de pensar as juventudes dos territórios a
serem atendidos e, obviamente, as condicionalidades8 próprias do Protejo, para que se
pudessem selecionar os atendidos, considerando que a meta era atender a 400
(quatrocentos) jovens.
Ao mesmo tempo, havia o desafio de “desenhar” um percurso formativo que
contemplasse as maiores dificuldades encontradas por esses(as) jovens, no seu
cotidiano, fosse com relação às suas questões pessoais, profissionais ou da própria
7 Osasco Digital é um programa da SDTI responsável pela organização dos bancos de dados e pelo
gerenciamento da informação dos programas da secretaria. Além dessa dimensão, faz estudos sobre a
situação sócio econômica do município e trata de ações relacionadas com a inclusão digital 8 Jovens com idade entre 15 e 24 anos situação de vulnerabilidade social, que vivem em territórios com
altos índices de violência.
condição na comunidade. Depois de muita discussão e pesquisa chegou-se ao projeto de
“Pesquisadores Comunitários”, que possibilitaria aos jovens olharem para sua
comunidade, para si mesmos e a partir das pesquisas e da elaboração de projetos
pudessem iniciar uma perspectiva de planejamento de suas vidas futuras.
Teve-se, assim, o público a ser atendido e um percurso formativo dentro da
concepção do PROTEJO Nacional, mas também articulado à forma de fazer do
município de Osasco. Então, o desafio seguinte era realizar a proposta.
Concomitantemente a isso tudo, cuidou-se com afinco da parte burocrática de
aprovação do Projeto junto ao Ministério da Justiça feito de forma conjunta entre a S.A
e SDTI. Superada esta parte, procedeu-se ao estabelecimento da parceria com a
instituição Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades Saudáveis –
CEPEDOC Cidades Saudáveis - que se responsabilizaria pela execução na “ponta”, ou
seja, nas comunidades onde residiam os jovens. Para o estabelecimento dessa parceria
considerou-se, entre outros fatores, a idoneidade, a experiência comprovada e o
currículo da entidade.
Uma questão difícil a ser superada referia-se aos espaços físicos existentes nos
territórios onde as ações formativas seriam desenvolvidas. Inicialmente contou-se com
auxílio de espaços de salões paroquiais, de igrejas evangélicas, associações e ONG
locais, mas como espaços para ações de formação não são encontrados em abundância,
nas localidades mais vilneráveis, logo os problemas apareceram, pois a disponibilização
desses locais significaria que outras atividades não poderiam ocorrer por 12(doze)
meses, tempo de duração do Protejo. Nesse momento difícil, contou-se com a
colaboração da Secretaria de Obras que, prontamente, cedeu espaços de algumas sedes
de “Administrações Regionais” que haviam sido desativadas, colaborando também na
adequação desses locais para que se tornassem espaços de referência para ações do
PROTEJO.
Para além do desafio de assegurar as condições físicas para o desenvolvimento
das atividades nesses espaços, havia, também, a preocupação em se criarem condições
para que os jovens pudessem ressignificá-los, dar sentido aqueles espaços. Não foi uma
tarefa fácil, mas possibilitou a reflexão sobre a concepção de espaços públicos9 e de
como apropriar-se deles tornando-os, em sua essência, “espaços” de construção do vir a
ser.
Com relação aos espaços de formação é importante destacar a proposta de
associarmos a “política de inclusão digital do Município” ao fazer pedagógico do
Protejo, trabalhando com um desenho que possibilitaria utilizar a informática como
instrumento para desenvolvimento das atividades de formação. Para isso, os jovens
teriam uma carga horária bastante significativa realizada nos Centros de Inclusão
Digital do Município, que são espaços equipados com microcomputadores conectados à
internet, somado a monitores para oferecer cursos, oficinas e acessos livres de forma
descentralizada, universal e gratuita. Na realidade o primeiro exercício de integrar ações
9 Denomina-se espaço público aquilo que seja aberto a uma comunidade, independente da sua classe social, e que lhe dê sentido de pertencimento; sua finalidade é
possibilitar a convivência e sociabilidade dos indivíduos. No caso do poder público, o caráter de abertura e pertencimento também dizem respeito à oferta de
produtos e serviços sociais à comunidade, sem que tal relação seja mediada pelo componente monetário
ocorre então, dentro da própria SDTI, na articulação desses dois programas10
. Na
formatação inicial do Protejo em Osasco as atividades de informática entraram como
contrapartida do município na execução do projeto.
Ao reconstruir a trajetória vivenciada durante todo o processo de implantação e
consolidação do PROTEJO em Osasco, há de se registrar o movimento realizado junto
ao CREAS – Centro de Referencia da Assistência Social, equipamento de suma
importância da SAPS - Secretaria de Assistência e Promoção Social, não só por ser o
que a própria denominação o diz, mas também, pela determinação e o profissionalismo
dos técnicos(as) que nele atuam, que muito colaboraram no atendimento dos jovens em
medidas sócio-educativas.
Assim que se identificou o perfil dos jovens que seriam atendidos, foram
realizadas reuniões entre secretarias e instituições envolvidas em atividades com jovens
no município, para apresentar o Protejo/ Osasco e definir com elas como seria a
estratégia de ação para a seleção e participação dos jovens. Participaram destas reuniões
coordenadas pela SDTI – Programa Juventude, representantes de: S.A; SAPS; Fórum
Municipal de Direito da Criança e do Adolescente; CMDCA; Instituição responsável
pela gestão da Unidade da Fundação Casa no Município de Osasco – GAAPIS;
CEPEDOC Cidades Saudáveis e outras ONG que atuam no município.
No transcorrer do Protejo/ Osasco foram atendidos jovens em “medidas” - tanto
aqueles acompanhados pelos técnicos de SAPS quanto pelos da Fundação Casa. No
caso dos jovens ligados à Fundação Casa, foram atendidos aqueles que estavam em
estágio que permitisse sua saída da unidade para participação das atividades de
formação.
Mas não foi só no encaminhamento dos jovens e no acompanhamento desses
que foi de suma importância a atuação dos técnicos de SAPS, mas, também, num
encontro específico de formação continuada sobre “jovens em cumprimento de medidas
sócio-educativas. Esta permitia a possibilidade de discutir e refletir sobre a realidade
desses jovens e sua condição legal criando assim um novo olhar para essa condição de
forma que permitia pensar e elaborar junto a este grupo, atividades que construíssem
uma relação entre jovens e educadores passível de consolidar a ação inicialmente
planejada. Ou seja, olhar para si mesmo, para sua comunidade e edificar uma proposta
que tivesse sentido ao grupo mesmo que esse fosse constituído de vários grupos.
10
GUERRA, 2008, op.cit. cap 6.
Nesta mesma perspectiva que era de agregar experiências de diferentes atores,
contou-se com a participação muito ativa da Guarda Civil Municipal - GCM, que em
Osasco está vinculada à S.A e que tem também como função coordenar as ações do
PRONASCI no município. Essa participação se deu em vários níveis, seja discutindo
sobre o olhar da prevenção na segurança pública, seja no envolvimento direto de alguns
de seus componentes nas ações desenvolvidas com os jovens, uma vez que era deles a
responsabilidade de “cuidar” da “van pedagógica”11
, tanto no momento que ela não
estivesse em uso nas atividades quanto no acompanhamento e colaboração para seu uso.
No desenrolar das ações os “guardas” (um do gênero feminino e outro do
masculino) acabaram se envolvendo muito mais nas atividades e, também, colaborando
na realização de pesquisa e incentivo ao retorno de jovens que em algum momento
haviam se afastado do projeto. Não demorou muito para que eles fossem vistos como
parte integrante do grupo. E para os gestores em geral, foi comprovado o fato de que as
coisas devem acontecer também na comunidade e quanto mais o agente de segurança
pública estiver envolvido com as questões da comunidade mais eficaz será o seu
trabalho.
11
Veículo Van Peugeot adaptado com equipamentos de informática e de mídia.
Poderíamos discorrer por muito mais páginas sobre a experiência vivida por
todos nós na execução do Protejo/ Osasco, mas nada chegaria próximo ao sentimento de
realizá-lo e ter a possibilidade de refletir cada vez mais sobre a importância da relação
entre aprender e ensinar, quando existe disposição para construir dia-a-dia uma
sociedade mais justa e uma cidade saudável.
Para além do criar, cuidar! Monitoramento da ação.
Projetos são ações temporárias que possuem início e fim pré-determinados; para
isso são planejados, executados e controlados, desenvolvidos por etapas e com recursos
limitados. Partindo das características gerais de um projeto a SDTI, através do
Programa Juventude busca a excelência no desenvolvimento de projetos de formação
sócio-profissional de jovens.
Realizados por pessoas que tem o compromisso com o desenvolvimento integral,
não dissocia a formação para o mundo do trabalho da formação para a vivência na
sociedade e mais especificamente à comunidade local onde se vive. Partindo da
concepção de jovem sujeito de direitos, ativo e em busca de participação na sociedade,
seja no mercado de trabalho, seja na vida escolar ou no bairro, interessa ao gestor
público oferecer oportunidades que favoreçam o desenvolvimento comprometido desse
jovem com seus locais de atuação.
Pensando dessa forma os projetos com jovens na SDTI, recebem uma especial
atenção. O programa Juventude desenvolveu uma metodologia de monitoramento das
ações formativas que privilegia a opinião do jovem que passa pelo processo formativo,
ainda que considere também a opinião de quem executa a formação. Busca-se um
feedback em tempo hábil que permita elaborar as adequações necessárias, ainda durante
a execução.
A metodologia construída para esse monitoramento consiste na elaboração de
instrumentos, levando em consideração a concepção e objetivos do projeto, para
identificação e registro dos meios, percurso e resultados parciais verificáveis durante o
processo de desenvolvimento das atividades. Contamos para isso, com técnicos
devidamente orientados para esse fim, comprometidos com a política do município e
com o desenvolvimento saudável dos jovens. São realizadas visitas aos locais onde
ocorrem as atividades, favorecendo o estabelecimento de uma relação direta entre o
gestor público e o jovem atendido. A avaliação e monitoramento dos projetos têm,
também, a intenção de socializar os resultados para os demais gestores de outros
programas e secretarias da administração municipal, gestores de outras esferas de
governo, organizações não-governamentais e instituições em geral, que tenham como
foco de trabalho a juventude.
O monitoramento está dividido em quatro momentos distintos e, num processo
encadeado, busca as informações do percurso formativo a partir de todos os atores
envolvidos.
A primeira visita técnica visa colher informações sobre a infra-estrutura tais
como: as condições do espaço físico - ventilação, luminosidade, tamanho, limpeza,
existência de produtos de limpeza e condições sanitárias de banheiros, cozinha e demais
áreas do espaço; mobiliário - tipo, quantidade adequada e condições de uso; materiais
pedagógicos - adequação, quantidades; alimentação - se há lanches e sua condição de
armazenamento. Essas informações são utilizadas para avaliar as condições de
conforto necessárias ao processo de aprendizagem.
Quando o projeto tem a condicionalidade de ser executado na comunidade de
moradia dos jovens, ou seja, nas periferias pobres da cidade, e nessas localidades ainda
não há espaços públicos, faz-se necessário sua imediata instalação. O registro das
condições efetivas em que se deu a execução do projeto é um elemento importante para
a avaliação final, por ocasião da mensuração dos resultados obtidos.
No segundo momento, a visita técnica tem como objetivo colher informações
sobre o processo pedagógico que está em desenvolvimento. Verifica-se, então, se esse
processo está de acordo com as diretrizes estabelecidas na elaboração do projeto no que
diz respeito à concepção de educação integral, metodologia de construção coletiva do
conhecimento, desenvolvimento de estratégias que favoreçam a participação nas
discussões temáticas do processo de aprendizagem, bem como, não separação por
gênero em atividades práticas e respeito e utilização do conhecimento anterior dos
jovens.
Essa visita utiliza um roteiro com questões sobre o estabelecimento de uma
rotina diária no que se refere ao horário de início das atividades, chamada dos alunos
para marcação de presença ou falta, horário regular para intervalo de lanche e
conversas, a descrição dos objetivos, temas e atividades para o dia, a “recuperação” do
que foi realizado no dia anterior, apresentação de respostas aos exercícios propostos. A
experiência com projetos sociais reforça a importância que uma rotina tem no processo
de desenvolvimento das habilidades de organização do conhecimento e do pensamento,
favorecendo a organização da fala e na expressão de idéias de forma clara e concisa.
Outro aspecto que se procura verificar nessa segunda visita é o relacionamento
tanto entre o educador e os jovens como destes entre si. Verifica-se se há animosidade,
apatia, preconceitos, cordialidade, prática de solidariedade entre os jovens e, na relação
do educador com os jovens se ela se estabelece de forma permissiva, autoritária, apática,
combinada, espontânea. As informações sobre as relações estabelecidas dentro do
processo de aprendizagem colaboraram para a verificação da conformidade do processo
à concepção estabelecida e podem indicar se há necessidade de formação para
formadores e de que tipo.
A terceira visita técnica de monitoramento é direcionada especificamente aos
educadores. Utiliza-se nesta etapa um questionário auto-respondido pelo educador sobre
a situação do grupo como um todo e não de um ou outro aluno. Identifica-se, assim, o
atual estágio do processo de formação em curso e quais os resultados ou entraves
presentes na visão do educador. . Esse instrumento de coleta de dados tem como foco a
identificação de transformações nos jovens no que diz respeito à auto-estima, a
disposição para o estudo, o relacionamento com o educador e com os demais jovens e a
participação geral nas atividades. Quanto ao mundo do trabalho, pede-se que o educador
relate o que percebe de ajuda do projeto para os jovens na sua (re)inserção e quais
acredita serem as expectativas deles em relação a isso. Por fim é oferecida a
oportunidade para sugestões sobre outros assuntos que não tenham sido abordados.
A quarta e última visita de monitoramento é o momento em que o jovem emite
sua opinião sobre o projeto, sobre si mesmo e sobre os demais jovens ali envolvidos. O
jovem tem, nesta etapa, a oportunidade de responder às mesmas questões feitas aos
educadores, abarcando o aspecto da auto-estima, do desenvolvimento do estímulo para
continuar os estudos regulares, sua participação na “sala de aula” do projeto, seu
envolvimento nas questões da comunidade, suas expectativas relacionadas ao mundo do
trabalho, o aprendizado técnico, as mudanças no relacionamento com as demais pessoas
e, ainda, fazer críticas e/ou sugestões, bem como, relatar sobre qualquer outro assunto
não indicado do instrumento de pesquisa. A perspectiva do monitoramento é a de
possibilitar a correção de rumos à medida que as informações indiquem essa
necessidade. Corrigir ou reforçar processos em razão da participação do jovem nessa
avaliação corrobora para que ele tente reproduzir essa experiência nos demais ambientes
em que vive. Essa perspectiva de avaliação também possibilita o estreitamento dos laços
de confiança entre os jovens e os gestores com ganhos para ambos os lados.
Como foi dito no início “Projetos são ações temporárias que possuem início e
fim pré-determinados, para isso são planejados, executados e controlados,
desenvolvidos por etapas e com recursos limitados”, porém, não podemos esquecer que
o trato com o ser humano em qualquer faixa etária pressupõe mudanças, adequações,
redirecionamentos constantes, pois o grupo atendido pelo projeto não tem um
comportamento único, e nem totalmente previsível.
Devemos ter a sensibilidade para “ler” além do que o jovem disse ou escreveu. É
importante levar em consideração o contexto em que se expressa, sua postura, seu
humor; atentar para o significado de suas brincadeiras, buscar perceber o que o angustia
e seus medos, o que o estimula e seus projetos, para tentar construir com ele as
alternativas que couberem.
No desenvolvimento do Protejo em Osasco esse acompanhamento foi realizado
durante todo o período de execução e nos apontou um novo desafio: os evadidos. O que
fazer para descobrir o motivo da evasão e como resgatá-los. Procedeu-se, então a um
trabalho específico para dar conta dessa questão, resultando no retorno de alguns ao
projeto e, quanto aos demais, verificou-se que o motivo foi a mudança para outra cidade
ou estado e, uma maior parte, de jovens que ingressaram no mercado de trabalho.
Afinal, não basta criar algo, é preciso cuidar da criação, pois “aqueles que passam por
nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de
nós”12
.
12
Antoine de Saint Exuperry – em “O pequeno Príncipe”.
Escolha, identidades e desfechos contingentes
Juan Carlos Aneiros Fernandez
Daniele Pompei Sacardo
Elisabete Agrela de Andrade
...nem tudo é meu,
e quem sou eu,
além de tudo... Zeca Baleiro
É difícil simplesmente falar sobre as razões que nos levam a escolher “coisas”.
Por vezes, as escolhas parecem derivar de razões tão óbvias quanto somos capazes de
perceber, que sequer poderiam, em verdade, ser tidas como escolhas. Às vezes,
escolhemos uma entre outras coisas disponíveis e, no instante mesmo em que isso se dá,
temos a impressão de que poderíamos ter escolhido de outro modo, sem que isso fizesse
muita diferença. Existem situações nas quais a escolha parece decorrer do emprego
direto, e talvez claro, de uma lógica ou de uma racionalidade aplicável à situação: o
mais leve, se for o caso de carregar; o mais durável, se for o caso de conservar, e assim
por diante. Escolhemos coisas, também, por pura empatia e não arriscaríamos dizer o
quanto escolhemos sem saber por quê.
Algo de complexo circunda nosso campo de escolhas e esse complexo quer dizer
difícil, mas quer dizer também “tecido junto”. As escolhas parecem depender dos
objetos, dos sujeitos, dos contextos e do encontro dessas “partes” em situações
contingentes. Mas as escolhas estão, ainda, na própria constituição do ser humano, que
perdeu grande parte de seus reflexos incondicionados e desenvolveu sobremaneira seus
reflexos condicionados. Escolher é, nessa perspectiva, tomar decisões que não
dependem, portanto, apenas de nossos instintos. Como um fardo ou como uma
oportunidade a escolha é individual, ainda que inserida em um contexto; é livre, ainda
que condicionada.
Por tudo isso, a escolha é um manancial de inquietações, incertezas e erros. A
necessidade de exercitá-la permanentemente em relação aos objetos e às questões
ligadas ao meio ambiente, ao(s) outros(s) e a si mesmo, ainda que amparada por uma
cultura e seus elementos, implica em correr riscos. Como escreveu Millôr Fernandes:
viver é desenhar sem borracha. Quer dizer, um traço escolhido não pode ser apagado; o
que se pode fazer é riscar novo traço e deste ir a outro e, assim, sucessivamente,
desenhar ou expressar uma arte no viver. Não é, entretanto, na fruição artística que se
concentra nosso argumento – ainda que se trate disso também -, mas no trágico da
condição humana de ter de arriscar mediante escolhas.
Como assinalado por Arendt (2007 [1958]) a capacidade de ação e discurso dos
homens – e das mulheres – provoca desconforto por ter uma dupla característica: por
um lado ela é imprevisível e, por outro, é irreversível. Porque resulta de escolhas, que
são opções e também invenções ou inovações, as ações e discursos podem nos
surpreender; porque realizadas, as ações e discursos deixam marcas que não se pode
apagar. Isso parece aflitivo, segundo essa autora, sobretudo para o homem moderno,
forjado como tal em um ambiente de produção material do mundo. É a certeza em
relação às etapas de um processo produtivo de molde fabril que se encontra solapada;
são produtos desse processo que não podem simplesmente ser desfeitos por não terem
atingido a utilidade que se previa para eles. E daí o desconforto.
Não basta, entretanto, apenas reconhecer as dificuldades para lidar com a
capacidade humana de ação e de discurso, como indicado por Arendt - ao que nós
acrescentamos a dificuldade de lidar com a escolha -, ainda que esse reconhecimento
seja de fundamental importância. Ainda apoiando-nos nas considerações dessa autora, a
essa dupla característica da ação corresponde, respectivamente, duas faculdades
humanas: a promessa e o perdão. Se não posso prever, posso assumir compromissos; se
não posso desfazer, posso relevar ou re-significar. Prometer e perdoar aos outros e a si
mesmos, e assim fazer e refazer seu próprio projeto existencial. Isso parece ir além do
reconhecimento, parece enfrentar o “problema”. Se isto é verdade, há um problema em
torno das escolhas e talvez seja importante enfrentá-lo.
Partimos do pressuposto de que freqüentemente, e talvez por inércia, preferimos
não enfrentar o problema das escolhas, e chegamos a duvidar que elas sejam, de fato,
possíveis. Cogitamos sobre dilemas éticos, por exemplo, como expressão de situações
em que é impossível decidir sobre algo, já que no caso, tratar-se-ia de contrariar valores
tidos como intransponíveis. Também as condições materiais precárias de existência
poderiam ser colocadas como impeditivas à escolha e, nesse caso, teríamos de
considerar que para certos indivíduos, vivendo em determinadas condições materiais
não haveria a oportunidade de escolha. Ainda poderíamos incluir aquelas situações de
privação total de liberdade, como no cárcere, ou de vivência de estados limítrofes de
demência na problematização das oportunidades de escolha.
Parece necessário recorrer a situações extremas quando a dificuldade se
apresenta, também, e talvez principalmente, naquelas mais corriqueiras, isto é, busca-se
um álibi contundente e poderoso o bastante para atenuar nossa dificuldade em lidar com
as escolhas, sua diversidade e complexidade. Não precisaríamos das situações limite
para identificar casos em que elas nos desafiam sob diversos aspectos. Um exame de
nossos juízos a respeito de situações pode facilmente revelar que atribuímos certa
incapacidade ou insensatez a escolhas tomadas por indivíduos que não estão vivendo
essas situações limite. Da mesma forma que, desproporcionalmente, colocamos mais
foco nas condições de escolha do outro do que nas escolhas que fazemos e que
preparam nosso olhar em relação a ele e suas escolhas.
Esta introdução serve para situarmos nosso entendimento de que seja como
educadores, gestores, militantes ou jovens, nós fazemos escolhas e de que elas moldam
o nosso mundo privado e o nosso mundo público; elas acabam por dizer, sempre, algo
sobre mim e sobre o outro, sobre nós e eles, sobre as relações que estabelecemos
conosco e com o mundo. Ao escolhermos estamos atribuindo significados ou sentidos
às coisas e a nossas ações. Estamos tentando “dizer” o que as coisas são, devem ou
deveriam ser, a importância que tem, devem ou deveriam ter, o lugar que ocupam,
devem ou deveriam ocupar e assim sucessivamente. Essas tentativas podem se dar de
forma negativa, não como algo que se quer, mas como aquilo que se sabe não querer e,
também, as escolhas podem “falar” - no campo criado entre essas duas formas - sobre
dúvidas, incertezas e impossibilidades de definir.
O que é posto em questão com um entendimento dessa natureza é o modo como
definimos o jovem que queremos “formar” ou para quem voltamos o desenho de nossas
políticas, o lugar que nos atribuímos como educadores ou gestores de políticas e que
atribuímos a eles como formandos, o resultado esperado de um processo formativo e de
desenvolvimento de políticas públicas tanto para os jovens quanto para nós mesmos.
Resta desse entendimento um caráter “implicacional”. A experiência de formação de
pesquisadores sociais no PROTEJO de Osasco se reconhece como uma escolha por um
processo de transformação não apenas do outro, o jovem, mas também de si mesmo, o
educador e o gestor. Um processo de transformação das condições dadas, facilitado por
um “encontro” que implica a todos, suas escolhas, seus projetos.
A escolha do ponto de vista da proposta ético-pedagógica.
Para o desenvolvimento e implementação da proposta do projeto PROTEJO de
Osasco compôs-se um grupo de educadores com formações e experiências
diversificadas na área da educação. Contou para a seleção dos educadores a experiência
profissional anterior e o seu desempenho durante as atividades propostas pelo processo
seletivo.
Os educadores selecionados passaram por encontros diários por um período de
duas semanas preparando-se para o início das atividades com os jovens e, depois de
iniciado o curso, encontraram-se semanalmente com o objetivo de trocar experiências,
técnicas e estratégias, bem como para planejar as etapas seguintes do curso, sendo essas
reuniões mediadas pela coordenação do projeto.
A cada um deles foi atribuída uma turma de jovens, que eles deveriam
acompanhar ao longo dos doze meses do curso. Com isso pretendeu-se criar a
oportunidade para o estabelecimento de vínculos entre jovens e educadores capazes de
fazer destes últimos “referências” para os primeiros.
Optou-se, assim, por explorar a diversidade de saberes e experiências dos
educadores entre si e, apenas eventualmente, nos encontros com jovens, quando
ocorreram substituições. De fato, nos encontros entre educadores freqüentemente
ocorreu, a partir dos relatos, a apropriação e adaptação ou readequação das atividades
descritas por cada um deles para a aplicação conforme aos perfis dos demais educadores
e suas respectivas turmas.
Nas reuniões semanais foram discutidos textos de referência para o
desenvolvimento dos módulos do curso, foram criadas situações de produção e reflexão
entre os educadores passíveis de serem adaptadas para o trabalho com os jovens, foram
discutidos “casos” empíricos das turmas e foram discutidos, também, aspectos
burocrático-operacionais do curso.
As atividades desenvolvidas com os jovens eram iniciativas dos educadores e
tinham por referência atingir os objetivos definidos para cada um dos módulos do curso.
Apesar da ampla variedade de atividades, existem aspectos comuns a todas elas, como o
estímulo à criatividade, a expressão e a reflexão em uma perspectiva lúdica, de escuta e
de acolhida da diversidade e pluralidade humanas.
A proposta ético-pedagógica do PROTEJO em Osasco desenvolveu-se com o
reconhecimento de que a complexidade da realidade requer uma abordagem aberta às
incertezas, às sínteses provisórias, à construção permanente do conhecimento, à
fragilidade da compreensão de determinado fenômeno.
Nessa perspectiva, mais que o conteúdo a ser abordado e discutido, importa a
possibilidade de desconstruir conceitos e preconceitos a respeito de si, do seu modo de
estar no mundo, de se relacionar com o outro e de compreender a realidade. Os sentidos
e os significados atribuídos à experiência do encontro com o educador e com o grupo de
jovens foram questões centrais no campo das intencionalidades do projeto, enquanto os
conteúdos puderam ser tomados como combustíveis para alimentar o encontro, como
meios através dos quais a reflexão, a interação e a criatividade podem emergir e serem
discutidas, potencializando o desenvolvimento do sujeito autônomo.
Os conteúdos e temas são transversais e possíveis de serem articulados e
revisitados ao longo do curso, embora tenha havido um tempo planejado para focalizá-
los. A interação do educador com seu grupo - tendo os temas como disparadores de uma
interface de saberes - deveria produzir encontros significativos, nos quais os conteúdos
ganhassem vida e sentidos diversos à maneira de cada jovem.
Ao tomar como desafio fundamental da proposta a criação de alternativas de
intervenções que possam ser campos férteis à eminência de subjetividades, justifica-se a
diversidade de ações, de “funcionamento” e de relações com os espaços que ocupam,
uma vez que essa diversidade demonstra a flexibilidade e porosidade necessárias a tal
desafio. Em comum, todas as turmas mantiveram, como proposto nas reuniões semanais
de planejamento, o esforço cotidiano de produzirem lugares de acolhimento onde os
jovens pudessem produzir subjetividades, afirmar singularidades e construir autonomia.
Se por um lado há infinitas possibilidades de combinações e significações da
experiência de ensino-aprendizagem no projeto, para além dos conteúdos selecionados,
por outro lado, entende-se que esses conteúdos - abordados como proposto - reforçam e
possibilitam a capacidade do educador apoiar processos de constituição do sujeito
autônomo, capaz de construir e reconstruir suas histórias e, portanto, permanentemente
inacabado.
Para o projeto funcionar/servir como um campo de experimentação que pudesse
contribuir para a „formação‟ dos sujeitos, propôs-se aos educadores o desenvolvimento
de atividades que dessem vazão aos afetos, opiniões e posicionamentos dos jovens. A
utilização de diferentes estratégias permitiria questionar os processos de subjetivação no
contexto em que os jovens vivem e buscaria, também, intensificar a produção de formas
heterogêneas de posicionamentos diante do mundo.
Na última fase do projeto, sintetizou-se um conjunto de saberes construídos ao
longo do curso culminando no desenvolvimento de atividades voltadas para a
elaboração de pesquisas. Apesar de novos e específicos conteúdos terem sido
explorados com os educadores nessa fase do processo, esse módulo de pesquisa
manteve a estratégia pedagógica, prolongou e deu continuidade às etapas anteriores, já
que seu objetivo principal focou o sujeito pesquisador. Um sujeito cujo olhar fosse
curioso e desconfiado da realidade, que pudesse elaborar perguntas e buscar caminhos
que conduzissem a possíveis respostas, que percebesse a transitoriedade e as infinitas
possibilidades de interpretação e compreensão do mundo, do outro e de si mesmo.
As escolhas do ponto de vista dos conteúdos
Temas e referenciais utilizados para a formação de educadores e de jovens
(Isto poderia ser um Box)
Temática: Identidades e subjetividades
Bibliografia básica:
AYRES, J. R. Norma e formação: horizontes filosóficos para a prática de avaliação no contexto
de promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 9(3) : 583-592, 2004.
FERNANDEZ, JCA.; CAMPOS, M.; CAZZUNI, DH. Avaliar para compreender: uma
experiência na gestão de programa social com jovens em Osasco, SP. São Paulo:
Aderaldo&Rothschield : CEPEDOC Cidades Saudáveis, 2008.
Temática: Pluralidade e singularidades
Bibliografia básica:
FERREIRA SANTOS, M. (2004). Educação de Surdos e Corporeidade: Do Silêncio ao Grito na
Gesticulação Cultural. Espaço Informativo Técnico Científico do Ines, Rio de Janeiro, n. 21,
jan - jun, p. 24-38.
Temática: Tolerância e solidariedade
Bibliografia básica:
RORTY, R. Contingência, ironia e solidariedade, trad.: Nuno Fonseca. 1ª ed. Lisboa: Editorial
Presença, 1994.
BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
Temática: Direitos
Bibliografia básica:
FERRAZ F.C. A questão da autonomia e a bioética. Rev Bioética. 2001; 9(1):73-82.
HILLMAN, J. Ensinar, aprender e educar. In
http://www.himma.psc.br/artigos/hillman_03_2k7.htm
Temática: Culturas e Histórias
Bibliografia básica:
BHABHA, H. K. O Local da Cultura, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001.
NORA, P. Entre Memória e História a problemática dos lugares. Rev. Projeto História - Depto
de História PUC SP, n. 10, p 1- 28, dez 1993.
Temática: Movimentos Sociais
Bibliografia básica:
VINADÉ, T.F.V. GUARESCHI, P. A. Inventando a contra-mola que resiste: um estudo sobre a
militância na contemporaneidade. Rev Psicologia Soc. Vol.19 n. 3 Porto Alegre, Set/Dez 2007
Temática: Promoção da Saúde e Violências
Bibliografia básica:
CAPONI, S. A saúde como abertura ao risco. In: Dina Czeresnia; Carlos Machado. (Org.).
Promoção da Saúde. 3ra ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004, p. 1-174.
FERNANDEZ, J. C A., ANDRADE, E. A., PELICIONE, M.C.F., PREREIRA, I.M.T.B.
Promoção da saúde: elemento instituinte? Saúde e Sociedade. , v.17, p.153 - 164, 2008.
SAWAIA, B. B. Uma Análise da Violência pela Filosofia da Alegria: Paradoxo, Alienação ou
Otimismo Ontológico Crítico? In: Lídio de Souza; Zeidi Araujo Trindade (Org.). Violência e
Exclusão - convivendo com paradoxos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, v., p. 21-43.
Temática: O Pesquisador Social
Bibliografia básica:
DESLANDES, S. F. A construção do projeto de pesquisa. In: Maria Cecília De Souza Minayo.
(Org.). Teoria, método e criatividade: Introdução à pesquisa social. 18 ed. Petrópolis:
VOZES, 1994, v. 1, p. 31-50.
LAPASSADE, G. A entrada na vida: ensaio para uma filosofia do inacabamento. Lisboa:
Presença, 1970.
Identidade(s)
Tanto na formação inicial dos educadores, quanto na formação dos jovens o
primeiro conteúdo desenvolvido referia-se à questão da(s) identidade(s).
Existem muitas entradas possíveis para a discussão sobre essa questão, suas
aplicações, seus usos e suas conseqüências. Há algo de muito caro nesse conceito para
nós ocidentais. Os princípios da identidade, junto ao princípio da não contradição e do
princípio do terceiro excluído compõem, por assim dizer, a base da lógica aristotélica
que até presentemente tende a “mostrar suas armas”. Saber que algo é sempre idêntico a
si mesmo, não é diferente de si mesmo e que é uma coisa ou outra nos ajuda a ordenar
não apenas o mundo, mas nosso posicionamento diante dele. Saber o que as coisas são
“é tudo de bom”, pois nos indica como prosseguir em relação a elas.
O que nos parece importante destacar são os efeitos do apego à noção de
identidade, que vão além da finalidade de identificar algo. Para o que nos interessa aqui,
focamos a identidade construída, percebida, reconhecida ou afirmada por alguém, seja
um indivíduo ou um grupo. Assim, já nos posicionamos em uma abordagem da questão
alheia a uma natureza ou essência mesma da coisa, para voltarmos a atenção sobre a
identidade que é fruto da ação humana de identificar e de identificar-se. Com isso
queremos dizer que a identidade da qual nos ocupamos é aquela construída no ato de
identificar, dentro de determinados contextos e condições materiais e culturais dadas,
isto é, “a identidade não é aquilo que permanece necessariamente „idêntico‟, mas o
resultado duma „identificação‟ contingente” (Dubar, 2006, p. 8).
A idéia que fazemos, em uma abordagem mais filosófica, da identidade muda ao
longo do tempo e das condições existentes quando a elaboramos. Resumidamente, e
permitindo-nos omissões e saltos, a identidade de alguma coisa pode ser composta pela
“chuva” de átomos que cai, formando-a; por aquilo que define sua propriedade única e
inconfundível; por sua natureza enquanto criada ou criatura; pela clareza e distinção
daquilo que é uno e acessível com o bom uso da razão; por aquilo ao que a
relacionamos; por aquilo que falamos dela; ou, ainda, pelo “por que não?” que dá lugar
ao contraditório e ao paradoxo.
Com uma abordagem histórico-sociológica, e também ao logo do tempo, ela se
define ora pela tradição, ora por quem governa um território ou nação, ora por um lugar
que se ocupa na estrutura social, produtiva ou hierárquica, e ora na fluidez de um tempo
de mudanças em aceleração.
Interessa-nos conhecer, tanto quanto possível, essas dimensões do problema em
torno da identidade, mas nosso foco principal recai sobre a dimensão problemática da
definição/construção da identidade como prática social e política. Referimo-nos às
relações de poder presentes na construção das visões a respeito de nós mesmos. Trata-se
de reconhecer uma tensão existente que se poderia traduzir como o encontro de uma
convocação, na contemporaneidade, para que o sujeito se construa dentro de
determinados parâmetros e de uma tentativa deste construir-se em bases não
determinadas.
Tomamos como ponto de partida as considerações de Foucault, nas quais “a
retomada da questão das relações de poder, e do „agonismo‟ entre relações de poder e
intransitividade da liberdade, é uma tarefa política incessante; e que é exatamente esta a
tarefa política inerente a toda existência social” (Foucault, 1995, p. 246). Para esse
autor, “no centro da relação de poder, „provocando-a‟ incessantemente, encontra-se a
recalcitrância do querer e a intransigência da liberdade”. [Trata-se] “menos de uma
oposição de termos que se bloqueiam mutuamente do que de uma provocação
permanente” (Idem, pp. 244/245). E é a permanência dessa provocação o que traz a
tensão para uma situação contemporânea.
Em outros termos, a luta, por assim dizer, relativa à construção ou afirmação de
identidades corresponderia ao “tratar de ser” heideggeriano que possibilita a
compreensão da existência humana, ao qual se refere Ayres (2004, p.587) na discussão
do cuidado, “(...) que é, de um lado, um ato individual e individualizador, mas, de outro
lado, também uma relação necessária com o outro, com um mundo compartilhado que
forja a identidade de todos e cada um (...)”.
Tratamos da questão como luta e como tensão uma vez que os resultados desse
processo podem se apresentar entre os pontos extremos da sujeição e da libertação. Um
indivíduo, pode se sujeitar a uma identificação criada sobre ele. Esse é o lugar dos
estigmas a que se refere Goffman (1980). O estigma sendo marca – visível ou não -,
carrega preconceitos e visões muitas vezes estereotipadas de alguém. O estigmatizado
pode sentir-se excluído e inseguro nas suas relações com os “diferentes” dele. É fácil
perceber quanto o estigma pode contribuir para a construção de identidades deterioradas
e, segundo esse autor, uma pessoa estigmatizada pode responder aos contatos com os
outros de uma forma defensiva, realizando sua própria defesa antecipadamente.
Foucault (1995, p. 235) refere-se, também, a uma sujeição da qual participa o
indivíduo “preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento”.
A ação de um indivíduo que se aprisiona a uma imagem possível de si criada por ele
mesmo, que neste caso, faz lembrar uma antiga canção: “... garanto ir ao cinema é uma
coisa normal, mas é que eu tenho de manter a minha fama de mau...”.
Parece desnecessário a esta altura discorrer sobre o quanto o aprisionamento
dado pela construção de identidades “deterioradas” também se aplica ao público jovem
atendido pelo PROTEJO. São muitos e arraigados os mecanismos de discriminação e as
estratégias de preconceitos voltadas aos jovens de modo geral e, em especial aos jovens
“pobres” e moradores de “regiões violentas”, apesar dos avanços do ponto de vista
institucional que, por exemplo, vem rompendo o tradicional e perverso vínculo entre a
questão social e a questão policial.
O importante parece ser insistir no reconhecimento de que o investimento na
construção e reconstrução permanente de processos identitários pelos sujeitos seja uma
necessária tarefa política na contemporaneidade, para fazer frente à “simultânea
individualização e totalização própria às estruturas do poder moderno”, como diria
Foucault (1995, p. 239). Segundo esse autor, um dos aspectos originais das lutas
contemporâneas é que, “... por um lado, afirmam o direito de ser diferente e enfatizam
tudo aquilo que torna os indivíduos verdadeiramente individuais. Por outro lado, atacam
tudo aquilo que separa o indivíduo, que quebra sua relação com os outros, fragmenta a
vida comunitária, força o indivíduo a se voltar para si mesmo e o liga a sua própria
identidade, de um modo coercitivo” (Foucault, 1995, pp.234/5).
A construção de identidades como exercício permanente, para sempre inacabado
e em estreita ligação ao outro estiveram presentes ao longo de todo o processo
formativo desenvolvido.
Essa perspectiva adotada para a abordagem da problemática da identidade
praticamente se repete ao tratarmos dos demais temas presentes como conteúdos do
processo formativo do PROTEJO de Osasco, e também daquilo que o transversalizou,
como foi o caso da noção de autonomia.
Chegamos à autonomia refletindo sobre os modos como os indivíduos criam,
transformam ou significam as instituições, sendo estas tudo aquilo que é resultado da
ação humana e que se apresenta aos indivíduos como questões dadas. Aparatos
institucionais, leis, normas e códigos de diferentes tipos são mais facilmente percebidos
como instituições às quais estamos de alguma forma submetidos, pensemos ou não no
fato de elas terem sido criadas ou mantidas por nós mesmos. Elementos da tradição,
valores hegemônicos, verdades científicas, paradigmas e a própria cultura na qual
estamos inseridos talvez não sejam tão comumente percebidos como tais.
Para ambos os grupos indicados acima, os indivíduos podem estabelecer
relações autônomas ou, contrariamente, heterônomas, isto é, podem tomar essas
instituições como dadas por si mesmos ou como instituições dadas por outro(s). De uma
forma ou de outra, há sempre a relação com uma instituição social ou culturalmente
dada e isso coloca, por si só, a autonomia como uma questão social13
.
Também passando pelo crivo dos sujeitos e sua necessária participação:
pluralizamos a cultura e a história em culturas e histórias; discutimos a militância em
torno de uma causa que se abraça e não de uma verdade anterior a ela; estimulamos o
trajeto que leva à tolerância e dela à solidariedade - esta mais forte porque socialmente
orientada e militante, como discutido por Bauman (1999); apresentamos a saúde, para
além de sua conceituação negativa de “ausência de doenças”, como produção humana e
social; a pesquisa social como construção de narrativas autobiográficas; e, apresentamos
as violências como a negação de tudo isso, como aquilo que priva o sujeito - seja ele a
vítima ou o algoz - do exercício dessa potência e dessas possibilidades.
Assim utilizamos o combustível para a alimentação do encontro entre os jovens
e seus educadores; assim militamos pela inclusão, reconhecendo os sujeitos na produção
de sua existência.
Recurso Pedagógico:
Por sua linguagem metafórica, sua natureza artística de fruição e sua dimensão
fantástica e fantasmática, o cinema é capaz de produzir um aprendizado de outra ordem.
Assim como os educadores fizeram uso desse recurso junto aos jovens, também nós
fizemos uso dele em relação aos educadores. Em uma sessão com pipoca e refrigerante,
projetamos o Filme GATTACA para discutir o tema da identidade. Segue uma análise
possível desse filme amparada pelo referencial teórico acima apresentado.
GATTACA e uma tensão que é melhor não “resolver”
O filme14
trata do problema que apresentamos desenvolvendo um roteiro em um
ambiente futurista. GATTACA conta a história de Vincent, que narra parte das cenas. O
roteiro é desenvolvido na situação de um futuro não muito distante, no qual uma
organização social é fundada nos valores atribuídos aos códigos genéticos dos cidadãos.
Vincent foi gerado como antigamente, ou seja, é resultado do encontro amoroso de seus
pais, que não contaram, por isso, com a possibilidade de escolher as características
genéticas de seu filho.
13
Essa abordagem do tema autonomia tem como referência Castoriadis (2000) e pode ser encontrada em
Fernandez (2010). 14
GATTACA: a experiência genética (GATTACA). Filme de Andrew Niccol. 1997. COLUMBIA
PICTURES: JERSEY FILMS: SONY Pictures-Home entertainment. Duração 106 min.
Ao nascimento de Vincent, seus pais - e ele já na infância - puderam saber de
suas falhas genéticas, das causas prováveis de seu adoecimento e, também, da sua
expectativa de vida em torno dos trinta anos.
Depararam-se ao longo da vida com as implicações e restrições que Vincent
teria de enfrentar no mundo em que viviam, razão pela qual tiveram seu segundo filho,
o irmão de Vincent, pela forma natural da época: o método da manipulação genética.
A despeito do que sabia serem as restrições impostas a ele em razão de suas
características genéticas, Vincent alimentava o sonho de viajar ao espaço, tarefa
reservada àqueles membros da elite que possuíam impecáveis códigos genéticos. Para ir
ao espaço era preciso ser admitido em GATTACA.
GATTACA era a instituição na qual eram admitidos apenas aqueles
geneticamente “válidos” e de onde partiam as missões rumo ao espaço. Dotada de
rigorosos mecanismos de segurança e controle, o ingresso em GATTACA se dava pela
coleta e exame de material genético realizados diariamente.
A história de Vincent cruza-se com a de Jerome, um nadador profissional
portador de um quociente genético sem igual, que se encontra em uma cadeira de rodas
em razão de um acidente, que mais tarde revela-se, na verdade, uma tentativa mal
sucedida de suicídio. Jerome teria obtido apenas o segundo lugar em uma prova e não
pode suportar o fato de não ter sido o melhor, como se esperava dele e como ele mesmo
esperava.
Havia em GATTACA um expediente, ilícito certamente, de venda de material
genético e é isso o que aproxima as histórias de Vincent e Jerome. Tendo tentado o
suicídio quando estava no exterior e não tendo informado o fato, Jerome era ainda para
o sistema de GATTACA um “válido”. Seu material genético era tudo o que Vincent
precisava para avançar na realização de seu sonho de ir ao espaço.
Veremos com o desenrolar do filme que isso não era tudo o que Vincent
precisava, pois outras duas personagens, além do próprio irmão, desempenham papéis
importantes para o desfecho de sua trajetória.
Irene, sua colega de trabalho, mantém apenas para si suas suspeitas em relação a
Vincent e, movida por paixão, e também por um romance levado a termo, se solidariza a
ele e protege o seu disfarce. Vincent encontra ainda a conivência, que se revela ao final
do filme, do Dr. Lamar, responsável pelos exames médicos e verificações periódicas do
DNA. Por fim, seu irmão renuncia ao papel que tinha de desmascará-lo, como
autoridade constituída para tal.
Vincent, a partir de uma série de estratégias, consegue fazer uso do material
genético disponibilizado por Jerome, entrar em GATTACA e qualificar-se como
candidato preferencial ao desejado vôo.
Vincent, finalmente, vai ao espaço e das chamas dos propulsores do foguete no
qual viaja a imagem se desloca para as chamas do incinerador no qual Jerome, desta
vez, de fato, comete o suicídio. Assim acaba o filme.
A experiência de GATTACA pode ser compreendida, segundo cremos, por
diferentes povos espalhados pelo planeta, ainda que isso não queira dizer que se possa
esperar uma única leitura dela ou de seu significado mais relevante.
O filme desenvolve uma temática do controle e da transgressão que parece capaz
de atingir os homens ainda que estes se encontrem em recônditos lugares. Se as técnicas
ou tecnologias, bem como o conhecimento a respeito do DNA e seu imprinting em cada
um de nós forem desconhecidos pelo que assiste ao filme, ainda assim restariam as
possíveis analogias em relação a outros enfrentamentos com a tradição, as normas, as
organizações ou outras formas de seleção e avaliação com as quais se depara
corriqueiramente a experiência humana.
O enredo desenvolve, também, a situação na qual os indivíduos sofrem desde
sempre, e também diariamente, os efeitos de uma dada estrutura ou organização social
sobre seus próprios corpos. A leitura do que e de quem cada um é, dá-se ao programar a
sua geração ou quando do seu nascimento e é confirmada regularmente pela coleta de
material genético.
Podemos ainda encontrar no desenvolvimento do enredo estratégias de
subversão da ordem estabelecida às quais não se encontram associados projetos
alternativos de sociedade. As personagens que destacamos enfrentam e tentam superar
apenas aquilo que está como barreira em primeiro plano - se assim podemos dizer.
Até este ponto, a luta que focamos em GATTACA considerando seus predicados
de transversalidade, de combate aos efeitos de poder sobre os corpos e de “imediatez”
contém o que Foucault diria não serem os aspectos mais originais das lutas
contemporâneas (Foucault, 1995, p. 234). Entretanto, na experiência de GATTACA
podemos encontrar, ainda, o que corresponderia aos outros três predicados dessas lutas,
segundo o mesmo autor: questionamento do estatuto do indivíduo, oposição a um
regime de saber e questionamento da determinação de quem somos (Idem, pp. 234/235).
Mais do que conter essas características mais particulares de uma luta
contemporânea, em GATTACA elas aparecem reunidas em torno da questão da
identidade. Há em GATTACA um conjunto de recursos de conhecimento e saber que
possibilitam definir quem cada um é, para o que está qualificado e, portanto, que lugar
deve ocupar em uma hierarquia social.
O que temos na experiência de GATTACA são as lutas de Vincent e de Jerome
para serem algo diferente daquilo indicado pela identidade que lhes foi atribuída
individualmente pelo casamento incestuoso da ciência com o poder estatal. Temos a luta
contra um poder que subjuga os indivíduos.
A força do argumento foucaultiano em torno do sujeito reside em trazer este
último para a constituição das relações de poder como sujeito livre, reside em considerá-
lo um sujeito no seu mundo, como histórico e não como essencial, mas, certamente, não
reside no fato de considerá-lo de uma vez por todas determinado.
Em GATTACA, como já destacamos, a identidade de cada indivíduo é dada em
razão das características de seus códigos genéticos. É assim que Jerome, portador de um
código genético que beira a perfeição, será bem vindo a ocupar os mais elevados
patamares da hierarquia social, e será convocado a ser o melhor, no caso, a ser um
nadador campeão.
Com base no mesmo critério, de Vincent, cujo precário código genético aponta
para uma série de problemas de saúde e para uma morte provável antes dos trinta anos,
não se pode esperar nada além do desempenho de tarefas mais desqualificadas, como
limpar banheiros onde quer que eles se encontrem.
Entre esses casos extremos, podemos ainda encontrar em GATTACA o caso de
Irene, que possui um código genético com certas imperfeições, o que lhe permite
acessar degraus mais elevados da estrutura social, ainda que seja obrigada a conviver
com limites fixos e intransponíveis definidos em razão de suas imperfeições genéticas.
Resta ainda uma identidade em GATTACA que resulta da própria falha do
sistema, como no caso do filho do Dr. Lamar, que expressaria o não cumprimento da
promessa de uma bem sucedida manipulação e programação genética, afinal seu filho
não saiu como haviam prometido.
Todas as personagens do filme sabem e parecem reconhecer o papel
determinante da identidade de seus códigos genéticos em relação ao que se pode fazer
naquele mundo. GATTACA exacerba aquilo que Foucault chama de “uma forma de
poder tanto individualizante quanto totalizadora (...) na qual os indivíduos podem ser
integrados [desde que as individualidades estejam submetidas] a um conjunto de
modelos muito específicos” (Foucault, 1995, pp. 236/237). Entretanto, parece haver
algo mais nas experiências das personagens que as levam à tentativa de construir formas
menos heterônomas de subjetividade. Em situações de saturação das determinações,
como a que identificamos em GATTACA, é plausível considerar os sujeitos presos às
suas identidades, mas mesmo nesse caso, encontramos algo que pode e, às vezes,
escapa.
Em Vincent, trata-se de um sonho e de certas habilidades intelectuais; para
Jerome, trata-se de uma limitação aos movimentos do corpo decorrente de um evento
contingente; para o médico, talvez a esperança em uma alternativa que possa ser tomada
como exemplo; e, em Irene, quem sabe, o amor.
O desafio para a análise da luta que as personagens de GATTACA travam para
não serem o que se espera que sejam - e que aponta para aquilo que escapa - é
aproximar essa situação daquela na qual Foucault discute o cuidado de si, “... a relação
consigo mesmo [que] é ontologicamente primária” (Foucault, 2004, p. 271)”. Cuidar de
si é, para esse autor, entre outras coisas, saber “ontologicamente o que você é, (...) do
que é capaz, (...) as coisas das quais deve duvidar e aquelas das quais não deve
duvidar...” (Idem, p. 272).
Nessa perspectiva caberia considerar o campo da construção de identidades e de
subjetividades como manifestações dessa ontologia na forma de um moto-perpétuo que
se aproximaria do que Foucault entende como a “recalcitrância do querer e a
intransigência da liberdade”.
Não importa saber se Vincent será preso ao retornar do espaço, se o material
genético deixado por Jerome antes do suicídio perdurará pelo tempo necessário, se o
filho “inválido” do Dr. Lamar encontrará uma alternativa para o ingresso em
GATTACA, se GATTACA será modificada por esse episódio surpreendente ou se
Vincent e Irene vão se casar e com que métodos vão gerar seu(s) filho(s), caso
pretendam fazê-lo.
Os desfechos são sempre contingentes. E, no caso do filme, eles são resultados
de práticas de liberdade.
No caso de Jerome o desfecho corresponde a uma situação paradoxal. Dominado
pela pressão de ter de ser o melhor, não ter podido sê-lo e não tendo encontrado uma
alternativa para sua existência, Jerome decreta o “fim de jogo” e assim se liberta já que
“um poder só pode se exercer sobre o outro à medida que ainda reste a esse último a
possibilidade de se matar...” (Foucault, 2004, p. 277). No caso de Vincent o desfecho
representa uma inversão nas relações de poder enraizadas em GATTACA, representa a
construção de uma subjetividade mais autônoma que recusou uma identidade pré-
estabelecida e questionou o regime de saber que estava a serviço de GATTACA.
Ambos os casos e a despeito de suas extremadas particularidades são, como já
indicamos, contingentes. Para Jerome o desejo de matar-se e o gesto por satisfazê-lo não
foram suficientes em outra situação, e para Vincent, uma série de acasos e conivências
que o levaram ao espaço poderiam simplesmente não ter ocorrido.
O que destacamos como mais relevante é a contundência da resposta dada por
Jerome. Ela resolve, de fato, a tensão entre uma convocação do sujeito a construir-se de
modo heterônomo e a tentativa deste em construir-se de modo mais autônomo, enquanto
que para Vincent um novo jogo vai ser jogado, uma tensão vai ser reposta.
A resposta de Jerome nos mostra simultaneamente os dois extremos da tensão: a
sujeição extrema e a libertação completa. Sua resposta é por essa razão sempre a
afirmação de cada um desses termos. E em nenhum desses termos isoladamente
podemos reconhecer seja o movimento do eu em direção ao outro, seja a história ou
histórias da humanidade que esse movimento produziu. Ambos os termos são a não-
política, o não-social.
É na resposta de Vincent, o sujeito determinado e indeterminado - e a despeito
dos desafios à compreensão que isso provoque -, que o melhor da ontologia humana
está a serviço dela mesma.
Daí que não resolver a tensão, mas enfrentá-la, pareça ser o melhor caminho.
Referências
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