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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
THAIS SALEMA NOGUEIRA DE SOUZA
A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR:
reflexividade, integração e práxis
RIO DE JANEIRO
2015
1
THAIS SALEMA NOGUEIRA DE SOUZA
A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR:
reflexividade, integração e práxis
Tese de doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à obtenção do
título de Doutora em Educação em Ciências e
Saúde.
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da
Fonseca
RIO DE JANEIRO
2015
2
S725f Souza, Thais Salema Nogueira de.
A formação do nutricionista como educador: reflexividade, integração e
práxis / Thais Salema Nogueira de Souza. – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES,
2015.
188 f.; 30 cm.
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, 2015.
Referências bibliográficas: f. 168-178 .
1. Nutricionista. 2. Relações profissional-paciente. 3. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. III. Título.
3
Thais Salema Nogueira de Souza
A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR: reflexividade, integração e
práxis.
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação
em Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde,
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do Título de Doutor em
Educação em Ciências e Saúde.
Aprovado em __________________________________
______________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca - UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro - UNB
______________________________________________________
Profa. Dra. Silvia Angela Gugelmin – UFMT
______________________________________________________
Prof. Dr. Julio Alberto Wong Un - UFF
______________________________________________________
Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira - UFRJ
4
A todos os educadores,
que passaram e estão na minha vida,
somando afetos e saberes que constituem quem sou.
5
AGRADECIMENTOS
À minha família. Pai, mãe, irmão e todos os queridos, pelo apoio, presença e enorme
carinho.
À minha outra grande família. Amigas e amigos de alma que venho cultivando e sentindo
pela vida afora e adentro, pela compreensão da ausência em tempos “concentrados”.
Ao meu orientador, Prof. Alexandre Brasil, pelo incentivo e apoio ao meu processo de
formação intelectual e humana e pela parceria e amizade iniciadas ainda nos tempos do
mestrado.
À Silvia Gugelmin pela amizade e à Vera Helena Siqueira pela parceria iniciada no
mestrado e, para ambas, pelas frutíferas contribuições dadas na ocasião do Exame de
Qualificação.
À Anelise Rizzolo e Julio Wong, pelo aceite em colaborar com meu processo de
doutoramente e pelas parcerias que poderão existir.
Aos professores, professoras e estudantes entrevistados na pesquisa, pela generosidade em
partilharam comigo suas histórias de vida, experiências e expectativas profissionais e pelos
aprendizados que obtive neste contato.
Aos professores do NUTES, que muito contribuíram para o aprimoramento dos meus
conhecimentos no campo da educação, da ciência e da saúde. À Lucia e Ricardo, da
secretaria do NUTES, pela atenção e apoio.
Às colegas do DNSP, Elaine, Giane, Leila, Lourdes, Lucia, Polônio, Sandra e Zelinda, pelo
acolhimento carinhoso e pelo apoio oferecido desde o primeiro dia de ingresso na
UNIRIO, com os quais pude ter tranqüilidade para realizar o doutorado concomitante com
o trabalho.
À Sheila, Jorginete, Verônica e Thatiana, amigas queridas, pelos diálogos produtivos e
colaborações preciosas desde o mestrado.
À Gilda, pela escuta, diálogo e “co-orientação” psicanalítica e educacional.
À Marcia Duarte (in memoriam), querida colega de mestrado e doutorado, pelas ótimas
conversas e pela presença saudosa.
E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta tese.
6
RESUMO
SOUZA, Thais Salema Nogueira. A formação do nutricionista como educador:
reflexividade, integração e práxis. 2014. 202 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências
e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
No campo da saúde, a Nutrição é a área que tem os alimentos, a relação ser humano-
alimentação e a sociedade como objetos centrais de estudo e atuação. Nos cursos de
graduação em Nutrição, a disciplina Educação Nutricional é, em geral, caracterizada pela
integração de conteúdos das ciências biológicas, humanas e sociais, e pela função de
formar o nutricionista para atuar como educador. Porém, existem pontos críticos na
formação geral e na disciplina Educação Nutricional, como a necessidade de maior
fundamentação teórica, articulação entre teoria e prática e integração entre as disciplinas
das áreas de Nutrição e com outras áreas de conhecimento. Frente a essa situação, o
objetivo deste estudo foi investigar a práxis da educação nutricional na formação
universitária em Nutrição, visando promover uma análise compreensiva sobre suas
contribuições e desafios no contexto contemporâneo. Para o desenvolvimento do estudo
foram considerados os pressupostos da Entrevista Compreensiva, tanto em sua construção,
quanto em seu desenvolvimento. A pesquisa de campo foi realizada em 6 universidades do
Rio de Janeiro, sendo 3 públicas e 3 privadas. O primeiro conjunto de dados foi obtido por
meio de entrevistas semi-estruturadas junto a 31 professores, sendo estes responsáveis pela
disciplina Educação Nutricional e pela disciplina Estágio nas três áreas clássicas da
Nutrição – Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva. O segundo conjunto
de dados foi produzido por meio da realização de grupos focais com estudantes no último
ano da graduação, que já tivessem cursado a disciplina Educação Nutricional e estivessem
inseridos em estágios. No processo de análise compreensiva, que levou em consideração os
diálogos com professores e estudantes, os referenciais teóricos e as intenções da
pesquisadora, foram identificadas três categorias conceituais essenciais para a formação do
nutricionista como educador no contexto atual: reflexividade, integração e práxis. A
concepção de reflexividade chama atenção para a necessidade de que professores e
estudantes reflitam sobre as funções, atividades e intenções do educador nas práxis
educativas realizadas tanto no contexto da universidade, quanto da sociedade. A concepção
de integração alerta para a necessidade de interdisciplinaridade entre as disciplinas das
áreas da nutrição e com outros campos de conhecimento, e também, de integração entre as
pessoas, os projetos e processos de trabalho. A concepção de práxis esclarece que a
integração entre teoria e prática é imprescindível para que os processos educativos sejam
de fato transformadores. A tese defendida nesta pesquisa é a de que a formação do
nutricionista como educador não ocorre somente na disciplina Educação Nutricional, ela se
desenvolve no contexto amplo de vida – nas experiências escolares, universitárias,
familiares e sociais, - e também, em outros espaços e situações ao longo da graduação
como, por exemplo, nos estágios, nas observações do exercício docente, nas relações com
os professores e nas demais experiências universitárias. A soma desses aspectos influencia
a formação e a identidade do nutricionista como educador. Nesse sentido, é necessário que
os cursos de nutrição e seus professores reflitam sobre suas intenções e ações e criem
estratégias curriculares e educativas para a formação do nutricionista como educador.
Palavras-chave: Nutrição; Formação profissional; Educação alimentar e nutricional.
7
ABSTRACT
SOUZA, Thais Salema Nogueira. A formação do nutricionista como educador:
reflexividade, integração e práxis. 2014. 202 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências
e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
In Health, Nutrition is the area responsible for three central objects of study and acting:
food, relationship human beings/eating, and society. In undergraduate courses of Nutrition,
the Nutrition Education discipline is generally characterized by the integration of contents
in humanities, social and biological sciences, and by the function of graduating the
nutritionist to act as an educator. However, there are critical points in the general
graduation and in the discipline of Nutrition Education, as the need for more theoretical
grounding, the articulation between theory and practice and the integration between
disciplines in the areas of Nutrition with other areas of knowledge. In this sense, the aim of
this study was to investigate the praxis of nutrition education in undergratuate courses of
Nutrition, in order to promote a comprehensive analysis of their contributions and
challenges in the contemporary context. To develop this research I considered the
assumptions of the Comprehensive Interview, both in its construction and in its
development. The field research was conducted in six universities in Rio de Janeiro, 3
public and 3 private. The first set of data was obtained through semi-structured interviews
with 31 teachers, which are responsible for the discipline of Nutrition Education and also
of Training in the three classic areas of Nutrition – Collective Food, Clinical Nutrition and
Public Health. The second set of data was produced by conducting focus groups with
students in the final year of undergraduation, who had already taken the course of Nutrition
Education and also the course of Training. In the process of comprehensive analysis, which
took into account the dialogues with teachers and students, the theoretical references and
the intentions of the researcher, three conceptual categories were identified as essential to
the formation of the nutritionist as an educator in the current context: reflexivity,
integration and praxis. The concept of reflexivity calls attention to the need for teachers
and students to speculate on the functions, activities and intentions of the educator in
educational praxis, both within the contexts of university and society. The concept of
integration points to the need for interdisciplinarity among the disciplines in the areas of
nutrition and other fields of knowledge, and also integration between people, projects and
work processes. The concept of praxis clarifies that the integration between theory and
practice is essential for the educational processes to be really transformers. The thesis
defended in this research is that the formation of nutritionists as educators not only occurs
in the discipline Nutrition Education, it develops in the broader context of life - in school,
college, family and social experiences - and also in other spaces and situations throughout
the undergraduation as, for example, stages, observations of teaching practice,
relationships with teachers and also other college experiences. The sum of these aspects
influences the formation and the identity of the nutritionist as an educator. Therefore, it is
necessary that nutrition courses and their teachers reflect on their intentions and actions
and create curriculum strategies for the educational training of nutritionists as an educator.
Key-words: Nutrition; Professional qualification; Food and Nutritional Education
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Cursos de graduação em nutrição situados na região metropolitana
do Estado do Rio de Janeiro por categoria administrativa e
município.
55
Quadro 2 Informações básicas das IES participantes da pesquisa. 57
Quadro 3 Blocos, temas e questões abordadas no roteiro de entrevista com
Professores.
59
Quadro 4 Codificação dos professores, por IES, disciplina, tempo e data
entrevista, 2010/2011.
63
Quadro 5 Número e codificação dos estudantes, por IES, por tempo e data
do grupo focal, 2010/2011.
65
Quadro 6 Informações dos docentes entrevistados, IES 1, 2011. 71
Quadro 7 Informações dos docentes entrevistados, IES 2, 2011. 72
Quadro 8 Informações dos docentes entrevistados, IES 3, 2010. 73
Quadro 9 Informações dos docentes entrevistados, IES 4, 2011. 74
Quadro 10 Informações dos docentes entrevistados, IES 5, 2011. 75
Quadro 11 Informações dos docentes entrevistados, IES 6, 2011. 76
Quadro 12 Área de interesse profissional dos estudantes, por IES, áreas de
atuação e ordem de prioridade, 2010/2011.
77
Quadro 13 Informações sobre as cargas horárias total, teórica e prática nas
disciplinas Educação Nutricional, por IES.
127
Quadro 14 Informações sobre a carga horária dos estágios e internatos, por
IES.
129
Quadro 15 Informações sobre a presença da educação nutricional nas ementas
das disciplinas estágio e internato, por IES.
129
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 11
2 PERCURSO DA PESQUISA 20
2.1 SOBRE AS MOTIVAÇÕES E IMPLICAÇÕES COM O ESTUDO 20
2.2 SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO E MANUFATURA DA TESE 22
2.2.1 O encontro teórico-metodológico 23
2.2.2 A busca pela inspiração teórica nas Teorias Sociais da Educação 30
2.2.3 Origem e abordagens da educação nutricional 44
2.3 O CAMINHO E O ENCONTRO COM O OBJETO NA PESQUISA DE 54
CAMPO
3 CONHECENDO OS SUJEITOS DO DIÁLOGO 70
4 CONHECENDO OS DIÁLOGOS COM OS SUJEITOS 82
4.1 A REFLEXIVIDADE COMO MÉTODO DE PESQUISA E 82
MEIO DE EXPRESSÃO HUMANA
4.1.1 Ser educador: o eu, o outro, a sociedade 87
4.1.1.1 A dialogicidade entre a responsabilidade local e o compromisso global 88
4.1.1.2 Pelos educandos aprendizes ou pelas aprendizagens do educador? 92
4.1.1.3 A formação pedagógica do nutricionista-professor 96
4.1.1.4 Distorções e disposições dos professores no processo educativo 99
4.2 POR UM OLHAR DIALÓGICO DA FORMAÇÃO DO 107
NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR
4.2.1 O papel da disciplina Educação Nutricional (EN) na formação 108
do nutricionista
4.2.2 Os espaços formais e informais da formação do nutricionista como 125
educador: disciplina, estágios e outras situações
4.2.3 Desejos, demandas e desafios: integração e práxis nos processos 131
educativos
4.2.3.1 A integração entre disciplinas, áreas e práticas 133
10
4.2.3.2 A integração entre a teoria e a prática na práxis educativa: o educador 145
como artesão intelectual
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 159
REFERÊNCIAS 168
APÊNDICES 179
11
1 INTRODUÇÃO
Alimentação, saúde e educação são temas impregnados de complexidade e de
grande amplitude compreensiva. Fazem parte da vida dos seres humanos e podem ser
vivenciados e compreendidos de maneiras distintas, a depender dos contextos ambiental,
biológico, histórico, geográfico, cultural, político, social, econômico e afetivo. Não são
conceitos auto-explicativos ou consensuais, pelo contrário, durante séculos vêm compondo
diferentes interpretações e abordagens, as quais dão o tom e influenciam as características
e práticas cotidianas e vice-versa (BUCHANAN, 1998; GAZZINELLI ET AL., 2005).
A alimentação tem sido considerada uma prática determinante no processo
permanente de (re)construção das sociedades. Na atualidade, as práticas alimentares têm
sido fortemente transformadas em decorrência de diversos fatores que vêem conformando
os variados modos de vida contemporâneos (FISCHLER, 1995; POULAIN, 2004;
CANESQUI; GARCIA, 2005; BOURDIEU, 2008).
Essas transformações têm sido objeto de preocupação das ciências desde que os
diferentes estudos sinalizaram, na primeira metade do século XX, a ocorrência de doenças
transmissíveis e carenciais associadas à insegurança alimentar e à fome, como as
hipovitaminoses e a desnutrição, e mais recentemente as doenças não transmissíveis, como
a hipertensão, as doenças cardiovasculares, a diabetes tipo 2, que possuem uma relação
estreita com o consumo alimentar (WHO, 2004). Nas últimas décadas, registrou-se no
Brasil uma importante mudança no perfil nutricional da população. A desnutrição vem
diminuindo, hoje concentrada em locais e grupos vulneráveis, e a obesidade vem
aumentando praticamente em todos os grupos populacionais (MONTEIRO; MONDINI,
2000; BRASIL, 2006a).
Os reflexos dessas mudanças também podem ser notados em vários âmbitos da
sociedade: a maior preocupação e a busca dos indivíduos por uma vida saudável; o
incremento de pesquisas científicas e o desenvolvimento de novas tecnologias no campo da
alimentação e da saúde; a exploração de temas relacionados à dieta e à estética do corpo
pela mídia; a especulação comercial e industrial do sistema alimentar, desde a produção até
o consumo de alimentos em nível global; os avanços na construção e consolidação das
políticas públicas na área de alimentação, nutrição e saúde; entre outros (BLEIL, 1998;
GARCIA, 2003; VELOSO; FREITAS, 2008; GARCIA, 2011a). Inúmeros estudos têm
12
sido realizados a fim de compreender a complexidade da questão alimentar e de desvelar
os fenômenos motivacionais e os efeitos de tais mudanças nas sociedades (MENELL ET
AL., 1992; FISCHLER, 1995; CANESQUI; GARCIA, 2005; CONTRERAS; GRACIA
ARNÁIZ, 2005; GARCIA, 2011b). Neste mesmo cenário, a alimentação como um direito
humano tem ganhado destaque nos debates pontuados em diversas declarações e tratados
internacionais (VALENTE, 2004).
A multidimensionalidade da questão alimentar tem permitido que várias áreas do
conhecimento como agricultura, antropologia, economia, história, medicina, nutrição,
sociologia, entre outras, encontrem na alimentação um objeto, direto ou indireto, de estudo.
No campo da saúde, a Nutrição é a área que tem os alimentos e a relação ser humano-
alimento-sociedade como objetos centrais de estudo. Neste sentido, surge o primeiro
questionamento: a graduação em Nutrição tem conseguido formar o nutricionista de modo
que ele possa compreender a alimentação e a nutrição em sua complexidade e atuar na
promoção de uma alimentação adequada e saudável junto a indivíduos e coletividades? A
complexidade mencionada se refere a diversos aspectos associados com: os saberes e
práticas alimentares que os sujeitos (re) produzem cotidianamente com base nas relações
sociais vivenciadas em diversos contextos; o perfil e as condições de saúde e de vida da
população; os interesses políticos e econômicos relacionados aos sistemas alimentares; os
impactos ambientais associados à alimentação e, também, as interfaces existentes com
outras áreas do conhecimento que trazem novos olhares sobre o campo.
Portanto, consideramos pertinente investigar como os cursos de graduação em
nutrição têm compreendido e atuado na formação de nutricionistas, tendo em vista a
necessidade de preparar profissionais para atuar em realidades complexas, não só na
recuperação e manutenção da saúde, mas, sobretudo, com capacidade de desenvolver
processos de promoção e de educação em saúde, alimentação e nutrição.
Observa-se que, no imaginário coletivo o nutricionista, tem sido associado ao
profissional que tem como função prescrever dietas. Para além dessa representação, esse
profissional deve ser formado para atuar em diversas áreas, buscando exercer seu papel
social na promoção da saúde e da qualidade de vida e na garantia da segurança alimentar e
nutricional da população. De acordo com a Resolução nº 380/2005 do Conselho Federal de
Nutricionistas (CFN), são definidas as seguintes áreas de atuação: 1) Alimentação
Coletiva: alimentação escolar e alimentação do trabalhador; 2) Nutrição Clínica: hospitais,
13
clínicas, ambulatórios, lactários, bancos de leite humano, asilos, atendimento domiciliar; 3)
Saúde Coletiva: políticas e programas institucionais; atenção básica em saúde; vigilância
em saúde; promoção da saúde 4) Docência: ensino, pesquisa e extensão (graduação e pós-
graduação) e coordenação de cursos; 5) Indústria de Alimentos: desenvolvimento de
produtos; 6) Nutrição em Esportes: clubes esportivos; academias e similares; 7) Marketing
de Alimentos e Nutrição (CFN, 2005).
A resolução do CFN reflete, em parte, os rumos tomados pela profissão no país,
que acumula mais de 70 anos de história. A Nutrição surgiu formalmente no Brasil em
1939, com a criação do primeiro curso de graduação na Universidade de São Paulo.
Passaram-se quase três décadas até a regulamentação da profissão, em 1967. Até aquele
momento, existiam seis cursos de nutrição em universidades públicas, concentrados nas
regiões Sudeste e Nordeste. No contexto da forte expansão da educação superior no Brasil,
houve um significativo incremento dos cursos de Nutrição na década de 1970 graças ao II
Programa de Alimentação e Nutrição (Pronan II), que tinha como uma de suas diretrizes
estimular o processo de formação e capacitação de recursos humanos em nutrição
(VASCONCELOS, 2002; CANESQUI; GARCIA, 2005). Somente naquela década foram
criados 21 novos cursos de Nutrição em universidades públicas e privadas do país. Já na
década de 1980 até meados da década de 1990, ocorreu uma desaceleração deste
crescimento em função de um decreto que dispôs sobre a suspensão temporária da criação
de novos cursos de graduação, havendo a criação de apenas 17 cursos. O segundo
momento de expansão dos cursos ocorreu a partir de 1997, após a publicação da nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, que impulsionou o ensino
privado no país. Em apenas cinco anos, foram criados 108 novos cursos, totalizando 153
cursos de nutrição em 2001 (CALADO, 2008). Atualmente, existem 430 cursos, o que
mostra que o número de cursos quase triplicou em apenas 11 anos, revelando a contínua
expansão dos cursos de nutrição no país (BRASIL, 2012d).
A proliferação crescente de cursos tem gerado uma preocupação frequente, devido
a uma provável mercantilização do saber com a explosão do ensino privado e a adequação
dos currículos aos anseios do mercado capitalista. Além disso, somado à expansão dos
cursos privado, houve um aumento considerável de cursos em universidades públicas, com
a criação de programas como o REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais, que incentivaram a interiorização do ensino superior
14
e a abertura de cursos noturnos em centros urbanos a fim de atender parte da população
excluída desse processo (BRASIL, 2007). Este é um dos dilemas vivenciados pelos
docentes com consciência crítica e social, no sentido de tentar alcançar os objetivos
essenciais da educação e da nutrição. Tal situação tem mobilizado o interesse de vários
estudiosos da área em fazer uma análise histórica do processo de construção e evolução da
formação do nutricionista nos últimos 70 anos (YPIRANGA, 1981; BOSI, 1988; COSTA,
1999; VASCONCELOS, 2002; MOTTA, OLIVEIRA, BOOG, 2003; CANESQUI;
GARCIA, 2005).
Outra constatação que está sempre presente nos debates sobre a formação é a
existência de um hiato entre os aspectos biológicos e sociais nos currículos. Na opinião de
Costa (1999, p.17) “a falta de mecanismos concretos para a articulação dos conhecimentos
biológicos e sociais é limitada pela deficiência de uma análise crítica da realidade da
formação, da prática profissional e da totalidade social”.
Canesqui e Garcia (2005) buscaram verificar as dimensões deste “hiato” e analisar
a presença das disciplinas de ciências sociais e humanas em cursos de nutrição no Brasil.
Foram analisadas, de forma geral, as grades curriculares e a carga horária das disciplinas e,
de forma específica, os conteúdos e metodologias das disciplinas de ciências sociais e
humanas, em cursos fundados até o início da década de 1980. As autoras verificaram que
as disciplinas sociologia e psicologia foram as que predominaram na área das
humanidades, seguidas pela antropologia, filosofia, metodologia da pesquisa e geografia
econômica. Na percepção delas, a presença destas disciplinas nos currículos parece
marcada mais por um movimento de inclusão fragmentada do que pelo esforço de integrá-
las aos conteúdos da alimentação e nutrição, visando simplesmente responder às exigências
formais, sem compromisso com a formação integral do futuro profissional. Este mesmo
estudo identificou que as disciplinas de caráter profissionalizante que têm interface com as
ciências sociais e humanas são a nutrição em saúde pública e a educação nutricional, sendo
que esta última é a que mais faz interlocução com a antropologia, sugerindo análises mais
detalhadas em estudos futuros.
Com um interesse similar ao do estudo anterior, Fonseca et al. (2009) realizaram
um estudo nas universidades públicas e privadas da cidade do Rio de Janeiro que também
teve o objetivo de analisar a presença de conteúdos de sociologia e antropologia nos cursos
de nutrição. Porém, este estudo foi um pouco além e buscou compreender a percepção dos
15
estudantes sobre a importância destas disciplinas e aspectos socioculturais para sua
formação e atuação profissional. Uma das questões procurou conhecer a opinião deles
sobre o grau de importância de algumas disciplinas para sua formação profissional. As
disciplinas oferecidas como opção foram: anatomia, biologia, comunicação, estatística,
genética, psicologia, química, saneamento, sociologia. Mais da metade dos entrevistados
consideraram as disciplinas biologia, anatomia e química como “muito importante”. A
sociologia, por outro lado, foi à disciplina que recebeu o menor grau de importância, tendo
sido considerada “muito importante” por apenas 15% dos respondentes. Uma explicação
dada para a posição de indiferença ocupada pela disciplina sociologia se baseou na falta de
integração das temáticas abordadas com discussões de autores da socioantropologia da
alimentação, visto que, na maioria das disciplinas sociais, há uma predominância do
conteúdo sociológico clássico.
Uma hipótese levantada no estudo de Fonseca et al (2009) foi a de que as
disciplinas do campo social poderiam assumir maior importância quando vinculadas a
situações concretas e factíveis no cotidiano do nutricionista. Nesse sentido, foram
fornecidas aos estudantes duas situações, para que eles avaliassem a aplicação de um
conjunto de disciplinas no exercício profissional. Os resultados refutaram tal hipótese, pois
mais uma vez foi evidenciada a baixa importância atribuída para as disciplinas das
Ciências Sociais. Por outro lado, em ambas as situações propostas, a disciplina educação
nutricional foi considerada “muito importante” ou “importante” por quase a totalidade dos
alunos.
Nas reflexões de Franco e Boog (2007), a disciplina educação nutricional apresenta
um diferencial em relação às outras que integram o curso de nutrição por exigir do docente
a mediação de conhecimentos diferentes daqueles que compõem o instrumental técnico de
nutrição. Desse modo, professores e alunos são desafiados a se relacionarem com conceitos
e contextos diversos, em que o conhecimento técnico da nutrição se revela insuficiente
para lidar com situações vivenciadas em campo.
Conforme apontado, é na disciplina educação nutricional que os conteúdos das
ciências sociais e humanas são abordados, discutidos e relacionados com a prática
profissional do nutricionista. Essa observação conduz à reflexão de que a Educação
Nutricional é uma disciplina relevante para a formação profissional, pois se propõe a
promover um diálogo entre as ciências sociais, humanas e biológicas e é identificada como
16
essencial para a resolução de situações concretas que evidenciam problemáticas complexas
e multidimensionais, como é o caso da realidade brasileira.
A educação nutricional é uma disciplina que integra o currículo mínimo do curso de
nutrição, é considerada uma atividade privativa do nutricionista e faz parte das ações deste
profissional em quase todas as áreas de atuação. Suas ações podem ser desenvolvidas nos
espaços públicos e privados e junto a diversos grupos sociais – mulheres e homens,
crianças e idosos, sadios ou não. Ao longo do tempo suas teorias e práticas vêm se
transformando. Muitos fatores proporcionaram esta mudança: o contexto político e
econômico do país, as mudanças no perfil epidemiológico da população, as tendências
pedagógicas orientadoras da práxis educativas, as políticas públicas vigentes, as demandas
individuais e coletivas da população, as disposições profissionais, entre outras (LIMA;
OLIVEIRA; GOMES, 2003; SANTOS, 2005; BOOG, 2011a).
Ao mesmo tempo em que estudantes, profissionais e pesquisadores reconhecem e
valorizam a importância da educação nutricional, existem muitas críticas em relação ao
processo de formação na área e às ações desenvolvidas pelos profissionais junto à
população. Ainda que as ações de educação nutricional sejam bastante heterogêneas quanto
aos conteúdos, às formas de abordagem e aos públicos de interesse, é recorrente observar
que o foco central tem sido a difusão de informação sobre os benefícios de determinados
alimentos e nutrientes e os malefícios de outros para a saúde (GARCIA, 1997, 2000). As
estratégias educativas tradicionalmente utilizadas são desenvolvidas, muitas vezes, de
forma fragmentada, sem embasamento teórico e desarticuladas da realidade local, não
resultando em ações de fato transformadoras (CASTRO et al., 2007).
Ao observar o desenvolvimento da educação nutricional, percebe-se que as
produções acadêmicas e científicas se dedicam prioritariamente a técnicas e práticas
utilizadas junto à população e aos espaços de atuação. Existem poucos estudos que
abordam as bases teórico-conceituais e os processos de formação em educação nutricional.
Nesse contexto, Boog (1997), Santos (2005) e Fonseca et al. (2009) comentam que é
necessário aprofundar as reflexões sobre as possibilidades, os limites e os elementos que
norteiam as reflexões e práticas neste campo.
É importante esclarecer que historicamente existem diferentes formas de se referir
às práticas educativas que têm a alimentação e nutrição como tema central. Encontramos
na literatura referências à educação alimentar, educação nutricional, educação alimentar e
17
nutricional. No contexto dessa tese utilizarei a nomenclatura educação nutricional, por esta
ser a forma clássica de se referir à disciplina nas universidades brasileiras, apesar de
considerar um avanço a inclusão do termo “alimentar” entre as palavras educação e
nutricional. Considero o termo educação alimentar e nutricional mais apropriado, pois
agrega aspectos da alimentação que não estão necessariamente incluídos no escopo das
temáticas inerentes ao campo da nutrição.
Na análise de Bosi e Prado (2011, p.12) sobre o campo da alimentação e nutrição,
seja no plano do senso comum ou no espaço acadêmico, tem predominado visão
equivocada de que o conceito "nutrição" abarca o fenômeno alimentar-nutricional,
reduzindo, desta forma, “a multidimensionalidade e a complexidade do ato alimentar aos
elementos privilegiados pela vertente biológica”. A alimentação diz respeito à saúde, mas
também à agricultura, à indústria, ao comércio, ao meio ambiente, à cultura, à economia, à
política, enfim, está na vida das pessoas e na história das sociedades. Essa transversalidade
não permite que os conceitos de alimentação e nutrição sejam considerados sinônimos,
uma vez que possuem dimensões epistemológicas distintas e interface com diferentes
campos da ciência.
Temáticas como a cultura alimentar, o sistema de produção de alimentos e os
impactos ambientais relacionados à alimentação não são tradicionalmente debatidos no
campo da nutrição, mas nos últimos anos tem ocupado um espaço significativo na
literatura, em congressos científicos e em conteúdos de interesse da formação universitária
na área de nutrição (CASTRO; CASTRO; GUGELMIN, 2011; PRADO et al., 2011). Essas
temáticas, no entanto, não são exclusivas do campo da nutrição, pois são objeto de estudo e
atuação de outras áreas e campos, permitindo a inter/transdisciplinaridade e a construção
de novos conhecimentos e rumos para a nutrição.
Inspirado no contexto vivido e nas reflexões apresentadas acima, o objetivo deste
estudo foi investigar a práxis da educação nutricional na formação universitária em
Nutrição, junto a professores e estudantes, visando promover uma análise compreensiva
sobre suas contribuições e desafios no contexto contemporâneo.
Considerando os resultados de estudos anteriores e as observações decorrentes da
prática profissional, a hipótese inicialmente levantada neste estudo foi: as questões
relacionadas à alimentação e nutrição têm se tornado mais complexas no cenário
contemporâneo e, de modo geral, a formação em Nutrição tem tido dificuldades de ampliar
18
seus referenciais teórico-metodológicos e de exercitar a interdisciplinaridade, visando
buscar respostas contextualizadas, ficando principalmente a cargo da disciplina de
Educação Nutricional estabelecer o elo entre as ciências sociais, humanas e biológicas, no
sentido de trazer novos elementos para a reflexão sobre tais problemáticas.
Frente a esta situação, considerou-se relevante analisar o processo de formação do
nutricionista como educador, buscando conhecer seu passado, suas condições e
características atuais e seus desafios futuros para um fazer educativo contextualizado e
transformador. Neste sentido, são pontuadas algumas questões de interesse para este
estudo:
a) Qual o papel da educação nutricional na formação do nutricionista?
b) Quais são os espaços para a formação do nutricionista como educador?
c) Quais são as possibilidades e os desafios da educação nutricional frente às novas
demandas no contexto contemporâneo?
Vale destacar, que o momento final da escrita desta tese reflete a atual conjuntura
em que vivemos e reforça a complexidade e multidimensionalidade dos campos da
alimentação e nutrição e da educação. Em 2012, ocorreram no país dois eventos cruciais
para a reflexão sobre o campo da alimentação e da nutrição, suas bases, paradigmas e
ações. O primeiro deles, o Congresso Mundial de Nutrição, um evento científico que se
configurou como um marco na história da nutrição no Brasil e no mundo. Sob o tema
Conhecimento, Política e Ação, o evento teve o propósito de discutir e debater os inúmeros
desafios e crises da nutrição em saúde pública, que envolvem múltiplas instituições e
atores como governos, organizações da sociedade civil, indústria, comunidade acadêmica,
trabalhadores que atuam na área e junto a diferentes grupos da comunidade. O congresso
proporcionou a socialização de novos olhares e questões para a área de Alimentação e
Nutrição. As discussões abordaram os determinantes básicos e fundamentais dos sistemas e
dos padrões alimentares e seus impactos na saúde e na vida das populações; considerando
também os determinantes sociais, econômicos, políticos, ambientais, além dos
determinantes biológicos da nutrição e da saúde. Ficou evidente a necessidade de revisão
de paradigmas na compreensão da alimentação e nutrição no contexto contemporâneo para
a superação das problemáticas atuais e definição de novos rumos das políticas, da produção
científica e das ações empreendidas.
19
O segundo deles foi o encontro Educação Alimentar e Nutricional (EAN) –
Discutindo Diretrizes, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome em parceria com outros ministérios e entidades. Este encontro deu início ao processo
de discussão do Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as
Políticas Públicas, que tem como objetivo promover a reflexão e orientar ações de EAN
em diversos setores e esferas. O processo de construção do Marco foi extremamente
frutífero pela mobilização e aproximação de docentes dos cursos de nutrição, gestores e
profissionais que atuam em diversos setores, de todo país, na reflexão sobre eixos
temáticos como: o campo conceitual, a formação profissional, as práticas, a mobilização e
a comunicação em EAN.
Além disso, neste momento de 2012 em que penso e escrevo sobre a formação
universitária em nutrição está ocorrendo uma greve nacional nas Instituições Federais de
Ensino (IFE), com adesão de professores, técnicos e estudantes e de quase a totalidade das
IFE, e que perdura há mais de 100 dias. Esse movimento reflete a insatisfação com as
condições de ensino e de trabalho que hoje existem na universidade pública e as diretrizes
pautadas pelo Ministério da Educação (MEC) e agências de fomento à pesquisa no Brasil.
Portanto, é mais do que oportuno dar voz e ter uma escuta compreensiva aos relatos e
opiniões de professores e estudantes de nutrição sobre o processo de formação ao qual
estão vinculados.
20
2 PERCURSO DA PESQUISA
“...a epistemologia é sempre uma questão de
posição. Dependendo de onde estou
socialmente situado, conheço certas coisas e
outras não. Não se trata simplesmente de uma
questão de acesso, mas de perspectiva”
(SILVA, 2004, p.94).
2.1 SOBRE AS MOTIVAÇÕES E IMPLICAÇÕES COM O ESTUDO
A motivação de escrever esta tese partiu da minha experiência atual como
professora do curso de nutrição e da vontade de pensar e repensar este processo de
formação, mas especificamente a formação em educação nutricional. Sem dúvida, trago
para esse processo minhas experiências como aluna da graduação em nutrição em uma
universidade privada, as experiências profissionais que tive como nutricionista fora da
universidade, às reflexões que fiz tanto no mestrado quanto no doutorado e as experiências
como professora universitária em cursos de nutrição.
O interesse pela educação nutricional surgiu na graduação, pois foi esta disciplina
que me apresentou uma outra forma de ver as possibilidades e abordagens no trabalho do
nutricionista. Ela apresentava o nutricionista como um profissional que tinha compromisso
com as questões sociais, que se preocupava com a saúde integral e a qualidade de vida e
que trabalhava de forma criativa a relação com o indivíduo ou a população com as quais se
relacionava. Essa nova perspectiva me levou a ser monitora da disciplina, na busca de me
aproximar mais deste novo universo que se abria, e me mobilizou a participar do
movimento estudantil, reabrindo o Centro Acadêmico do curso e me juntando a estudantes
de outras universidades em uma gestão da Executiva Nacional dos Estudantes de Nutrição
– ENEN. Dois professores foram fundamentais neste processo, o prof. Alcemi Barros,
responsável pela disciplina Educação Nutricional e a prof. Ana Maria Florentino, que
ministrava as disciplinas Saúde da Comunidade e Ética Profissional. Eles perceberam meu
interesse pela área da saúde coletiva, me orientaram e incentivaram a seguir por este
caminho.
21
Depois da graduação, dentre as experiências profissionais que tive antes de me
tornar professora duas foram marcantes. A primeira delas foi a atuação como nutricionista
na Saúde Indígena no Estado do Acre. Ali, aprendi e vivenciei a importância do trabalho
em equipe multiprofissional, as potências e impotências da saúde pública em cenários
diversos e, por vezes, adversos. Aprendi, também, que os conhecimentos que eu trazia da
universidade não eram suficientes para lidar com aquela realidade. A complexidade era
grande frente a um cenário desconhecido, somado ao entusiasmo e à insegurança da
primeira experiência profissional. Dentre as atividades desenvolvidas, uma das que mais
me desafiava eram as atividades de educação em saúde junto à população, mediadas pelas
diferenças lingüísticas, socioculturais e de cosmovisão. Nesse contexto, mais aprendi do
que ensinei.
A segunda experiência marcante foi no Instituto de Nutrição Annes Dias, órgão
vinculado a Secretaria Municipal de Saúde. Lá tive a oportunidade de trabalhar com
nutricionistas com vasta experiência na saúde pública e, algumas delas, professoras de
universidades públicas do Rio de Janeiro. Minha atuação principal foi em projetos de
pesquisa que envolveram a participação de profissionais de saúde da atenção básica,
profissionais da rede de educação e adolescentes das escolas públicas municipais. Os
projetos tinham como objetivo sensibilizar e formar multiplicadores para a promoção da
alimentação saudável na cidade. Mais uma vez a saúde coletiva e os processos educativos
cruzaram minha trajetória profissional. Dentre os diversos aprendizados, o que mais me
marcou foi perceber a riqueza dos processos coletivos de trabalho. A construção
compartilhada de ideias, experiências e conhecimentos permeavam as decisões, o
desenvolvimento das atividades e, de forma especial, as relações humanas e sociais.
Dessa experiência veio à inspiração para o mestrado que teve como objetivo
analisar concepções e práticas de profissionais de saúde e de educação da rede pública
municipal do Rio de Janeiro sobre a alimentação, a promoção da saúde e a educação em
saúde. O mestrado oportunizou também a realização de um estágio docente na disciplina
de Educação Nutricional no Instituto de Nutrição da UERJ. Pude acompanhar os bastidores
da formação em nutrição, observar a atuação das professoras Luciana Maldonado e Isabel
Jóia, que partilhavam a disciplina, e o cotidiano da sala de aula de um lugar diferente e
privilegiado – nem aluna, nem professora responsável –, e me colocar em cena como
professora. O estágio docente cumpriu belamente sua função formadora.
22
As experiências relatadas acima, somadas ao fato de ter sido selecionada para ser
professora substituta da disciplina educação nutricional no Instituto de Nutrição Josué de
Castro (INJC) da UFRJ, me fizeram escolher a educação nutricional como objeto de
estudo. No INJC, tive a oportunidade de compartilhar a disciplina e conviver com uma
professora que estava em seu último ano de docência, após longa atuação e militância nas
áreas de saúde pública e de educação nutricional, Profª. Eronides Lima. Foi um espaço
importante na constituição da minha práxis educativa e que acredito ter contribuído de
forma substancial para minha aprovação para professora efetiva da mesma disciplina na
UNIRIO, onde leciono atualmente.
Cabe ressaltar, que durante todo o período de doutorado estive diretamente
envolvida com a formação em nutrição, seja ministrando a disciplina educação nutricional,
supervisionando estágio na área de saúde pública e participando de projetos de pesquisa e
de extensão. Esta situação traz uma série de elementos peculiares na relação com o objeto
estudado, que serão sinalizados ao longo da tese.
Considerei oportuno fazer este relato porque os primeiros passos acadêmicos e
profissionais são formadores, servindo para esclarecer ao leitor minha implicação pessoal e
profissional com este estudo e com as questões que ele apresenta e discute. A educação
nutricional já foi objeto de estudo de outros pesquisadores, mas com outros recortes e
interesses teóricos e profissionais. Além disso, o exercício de pensar sobre minha própria
trajetória de vida foi inevitável no decorrer da pesquisa, já que fui buscar junto a outros
professores o relato de suas trajetórias de vida para que pudessem, mediante sua história,
narrar o que sentem, pensam e fazem na atualidade. Certamente, parte do que vivemos no
presente está permeado pelas vivências passadas e pelo que vislumbramos para o futuro.
2.2 SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO E MANUFATURA DA TESE
Desenvolver uma tese não é algo simples. Que o diga quem já passou por esse
momento. Existem muitos fatores envolvidos no processo como os interesses e objetivos
iniciais do estudo, os diálogos com o orientador e outros parceiros, as teorias lidas e
aprofundadas que mediam as reflexões sobre os mais variados temas, o trabalho de campo
23
com toda a sua riqueza de possibilitar o encontro com o objeto e as problemáticas de
estudo e a pessoa-pesquisadora-autora que precisa conjugar todos esses personagens e
fazer escolhas para a criação e elaboração da tese.
Nesse percurso, ocorreram alguns encontros e desencontros bem vindos, que
surgiram de algumas descobertas teóricas e de outras descobertas empíricas, advindas do
elemento vivo da tese, ou seja, dos entrevistados e seus contextos. Deste processo
praxiológico, foram sendo conjugadas algumas permanências e mudanças necessárias para
a construção desse produto-tese.
A decisão do caminho epistemológico e teórico é sempre um desafio,
principalmente para os que percebem a existência da complexidade, do movimento de
permanência e impermanência das sociedades. Todas as teorias possuem sua inspiração
filosófica, seu tempo histórico, sua territorialidade, seu contexto político e social. Apesar
de se originarem imbuídas de um espírito-vontade de rejeição, reação ou mudança, a
passagem de uma teoria a outra (se é que se pode mencionar isso) se reflete muito mais em
um processo de transição do que de ruptura. Seus princípios, conceitos e expressões
convivem num mesmo tempo-espaço, são plasmados uns nos outros, em variadas
proporções. A educação e a saúde são campos de conhecimentos e de práticas que
vivenciam esse movimento dialógico.
Como uma artesã em seu processo de criação e manufatura de um produto novo, fui
juntando os elementos necessários, buscando inspiração na vida vivida e refletindo sobre
as intenções e funções do produto. Elementos que, bem combinados, pudessem resultar
numa produção harmônica e numa boa comunicação com os leitores interessados pelo
tema. Os objetos produzidos podem ter função puramente artística, teórica ou alguma
funcionalidade e utilidade prática. No caso desta tese, espero fazer uma interface destas
três possibilidades.
2.2.1 O encontro teórico-metodológico
Desde o início da pesquisa, o diálogo com os principais atores do processo de
formação em nutrição, os professores e os estudantes, foi identificado como um elemento-
24
chave para construção e análise do objeto de estudo. Para isso, iniciamos uma busca por
metodologias que adotassem uma abordagem compreensiva e tivessem como perspectiva a
percepção e a valorização das intersubjetividades e dos significados atribuídos pelos
sujeitos às suas próprias experiências vividas, no sentido de buscar uma unidade na
diversidade (MINAYO, 2008). Além disso, sentimos a necessidade de encontrar uma
metodologia que permitisse uma aproximação teórica multireferenciada, para que se
pudesse ter uma visão plural sobre a complexidade do pensar e do agir nos campos da
saúde e da educação, em contextos diferenciados.
Na aproximação com diversas propostas metodológicas que foram acessadas para o
desenho do estudo, para seu desenvolvimento teórico e prático e para as análises
necessárias, me encontrei com a proposta da Entrevista Compreensiva desenvolvida pelo
sociólogo francês Jean-Claude Kauffman (2011). Foi um daqueles bons encontros teóricos
mencionados anteriormente. O interesse por essa abordagem metodológica veio da ousadia
do autor, que coloca o pesquisador na posição de “artesão intelectual”, essencialmente
envolvido no processo de modelagem da pesquisa e da sua teoria.
Na apresentação de sua proposta, Kaufmann expõe ao leitor as motivações e
justificativas para a criação desse método no campo das ciências sociais, debate o processo
de construção de teorias, apresentando um olhar sobre a técnica da entrevista, sobre a
postura do pesquisador, sobre os procedimentos de análise e de organização do texto, mas,
sobretudo, partilha de forma generosa suas experiências nos bastidores da pesquisa, na
interação com a realidade social e na construção artístico-autoral de teorias. O autor toma
como referência alguns teóricos para criação do método, como Bourdieu (1997), Geertz
(2003) e Mills (2009). Dentre eles, faço um destaque para Mills que, com seu “artesanato
intelectual”, proporcionou-me importantes reflexões sobre o sobre o papel do pesquisador
e do educador e o objeto de análise, se configurando como outro feliz encontro neste
processo de pesquisa.
Inicialmente, Mills (2009) faz uma crítica ao comportamento de “produção
industrial” que as pesquisas nas ciências sociais vêm adotando, pautando-se num
movimento que vai na contra corrente desta tendência que ele denomina “artesanato
intelectual”. A supervalorização das técnicas e das ferramentas de pesquisa, a intensa
produção e acumulação de dados, a exigência de relatórios periódicos ocorrem em
descompasso com as interpretações contextualizadas, análises críticas e elaborações
25
teóricas necessárias à construção de conhecimentos. O essencial na paisagem intelectual é
a articulação entre as dimensões macro-micro, individual-coletivo, objetivo-subjetivo.
Nessa perspectiva, a entrevista compreensiva propõe uma inversão no modo de construção
do objeto.
O objeto é construído gradualmente, através da elaboração teórica que
progride diariamente, a partir de hipóteses forjadas no campo. O
resultado é uma teoria particular, friccionada ao concreto, que só emerge
lentamente a partir dos dados (KAUFMANN, 2011, p. 23).
Deseja-se que ocorra no processo de pesquisa um movimento constante de
construção, desconstrução e reconstrução do objeto de estudo. A partir da ruptura
progressiva e relativa com o senso-comum, a entrevista compreensiva almeja que a
objetivação vá se construindo aos poucos, com um processo dialógico entre a teoria e a
prática, entre o saber local e o saber global, entre o pensamento racional e o intuitivo-
criativo, conduzidos pelo pesquisador-artesão (BOURDIEU, 1997; GEERTZ, 2003;
KAUFMANN, 2011; MILLS, 2009). Nesse sentido, o objeto é sempre uma representação
de determinado ponto de vista, em que o pesquisador busca construir uma explicação
compreensiva para o social.
O trabalho de campo não é considerado uma instância de verificação da
problemática preestabelecida ou de comprovação de hipóteses, mas o ponto de partida para
sua problematização. Nas abordagens compreensivas as hipóteses não possuem a
conotação clássica e positivista das ciências naturais, elas têm uma história e fazem parte
do conjunto de questionamentos do pesquisador quando se debruça sobre os aspectos da
realidade que pretende investigar (MINAYO, 2008). Ao pesquisador cabe encontrar, por
meio de uma construção que se fundamenta no mundo concreto, o essencial de um real,
por vezes, anulado pelas rotinas cotidianas (LALANDA, 1998).
Essa metodologia privilegia o contato direto com o objeto de estudo e a palavra
destaca-se como elemento central para a compreensão da realidade estudada. O
pesquisador ocupa uma posição privilegiada de observação, “de captura direta da
construção social da realidade através da pessoa que fala diante dele” (KAUFMANN,
2011, p. 60). A entrevista funciona como uma câmara de eco da situação cotidiana de
fabricação da identidade. O informante precisa refletir sobre si e falar de si mais
26
profundamente do que se faz no cotidiano. Ele se empenha em ordenar aquilo que fala de
si mesmo, pois são sua vida e seu eu que estão em jogo. Esse trabalho de ordenamento
acaba trazendo à tona mais informações para construir sua unidade identitária. Nesse
momento, o entrevistado pode desenvolver duas posturas na entrevista. Ele pode investir
na sua unidade, se concentrando para que as opiniões sejam coerentes e não expressem
contradições, o que é mais freqüente. Ou pode usar a situação da entrevista para se
interrogar sobre suas escolhas, se auto-analisar, indo além da superfície com a ajuda do
investigador. Nesta segunda situação, onde foi acionado um processo reflexivo em relação
a si próprio e ao objeto, podem obter-se resultados preciosos.
O contato direto com o objeto também é valorizado pela possibilidade de
transformar o momento de geração dos dados em uma experiência de humanização da
própria pesquisa, quer dizer, permite ao pesquisador a possibilidade de ver de perto,
ocupando uma dupla posição de observação: a de investigador e a do próprio narrador.
Em função disso, a entrevista é entendida como um “suporte de exploração”, não
simplesmente como uma técnica de levantamento de informações ou um instrumento
complementar da pesquisa (KAUFMANN, 2011, p. 17). Ela é um suporte flexível nas
mãos do pesquisador, que está aberto a se surpreender com as novas descobertas. A
entrevista compreensiva exige que seja dispensado um cuidado no planejamento e na
realização das entrevista, no processo de tratamento dos dados e na elaboração teórica.
No ato de entrevistar, a empatia e a proximidade são fundamentais, em detrimento
da formalidade e da distância exigida em outros métodos de pesquisa. Segundo Kaufmann
(2011, p.18), “a retenção do entrevistador inicia uma atitude específica para o entrevistado,
que também evita o envolvimento mais pleno: a não-personificação das perguntas ecoa a
não-personalização das respostas”. Sendo assim, o conhecimento do meio onde se realiza o
trabalho de campo e a possibilidade de um olhar crítico sobre essa mesma realidade são
identificadas como uma vantagem no processo de pesquisa (MILLS, 2009).
A relação do investigador com o entrevistado deverá transformar-se, durante a
entrevista, numa relação de confiança e compromisso, o que pressupõe uma certa
familiaridade com a população em estudo. É criada uma relação interpessoal onde
emergem expressões não verbais, silêncios, gargalhadas, que precisam ser compreendidas
e ecoadas pelo entrevistador, numa postura de acolhimento, descontração e
disponibilidade. O entrevistado deve se sentir à vontade e ser levado a ocupar lugar central
27
durante a entrevista, o que em muitos momentos o leva a ter iniciativa na condução do
discurso e, a depender da confiança estabelecida, oferecer discursos com diferentes graus
de profundidade (LALANDA, 1998).
A proposta metodológica de Kaufmann oferece um caminho concreto para a
produção e análise de dados, mas é flexível e pede que o pesquisador seja criativo e
imprima sua marca pessoal, principalmente, nas análises. Silva (2006) indica de forma
sistematizada os instrumentos e técnicas adotados em pesquisas que se orientam pela
Entrevista Compreensiva: o roteiro de entrevistas, o quadro dos entrevistados, os planos
evolutivos e as fichas de interpretação.
O roteiro de entrevistas serve como um guia para o investigador e é um dispositivo
relativamente flexível, que permite a ampliação e aprofundamento das narrativas no
decorrer da pesquisa. As questões se organizam por blocos temáticos que buscam a
história de vida dos sujeitos e suas representações sobre determinado objeto. O roteiro
precisa ser testado antes da entrada definitiva em campo. O quadro dos entrevistados tem a
função de situar os entrevistados na pesquisa e no texto, de forma anônima. Já que na
elaboração do texto, em alguns momentos, é necessário trazer explicitamente a voz dos
entrevistados, identificando-os como co-autores no processo de construção do objeto de
estudo.
Já para a fase de análise propriamente dita, Kaufmann (2011) se apóia em três
ferramentas – o gravador, as fichas e o plano evolutivo. Para ele, mais do que a exploração
minuciosa da transcrição integral dos materiais, a escuta das gravações é fundamental. A
oralidade permite o contato mais íntimo com a história narrada e cria melhores condições
para a articulação criativa entre dados e questão-hipótese, entre o saber local e o saber
global (GEERTZ, 2003). No processo de pesquisa e de escuta das falas, são feitos
apontamentos gerais e fichas de interpretação. Mills (2009, p.23) sugere a manutenção de
um diário para os apontamentos das “reflexões sistemáticas” e “pensamentos marginais”,
que tem a função de captar observações “frescas” do campo e, também, de desenvolver
hábitos auto-reflexivos e a capacidade de expressão escrita.
As fichas de interpretação são as anotações livres que são feitas ao lado das falas
no momento de investigação do material. Elas podem conter comentários sobre situações
interessantes e falas autênticas ou informativas e, também, análises mais conceituais e
elementos próximos das hipóteses em elaboração. Enfim, são observações que podem
28
embasar argumentações mais descritivas ou teóricas, na composição do texto final. Para
evitar a dispersão dos objetivos da pesquisa no processo de mergulho no material, são
elaborados os planos evolutivos. Eles servem como um guia, um fio condutor das ideias
centrais do pesquisador, para que ele não seja dominado pelo material ou se perca no
emaranhado de aspectos novos ou hipóteses emergentes. Conforme as análises vão
evoluindo, o plano vai sendo modificado e ressignificado pelo pesquisador. É raro que no
plano final da pesquisa não surjam partes que não tinham sido previstas. Esses planos
evolutivos podem se desdobrar no sumário do texto.
A análise do material, segunda parte da investigação e ponto de partida do trabalho
de aprofundamento, passa por algumas fases. Uma mais exploratória, com a realização de
uma escuta-leitura flutuante, para destacar falas marcantes, fazer anotações livres e criar
hipóteses despretensiosas. Depois vem uma fase mais analítica, onde se começa a
interpretar e delinear os caminhos compreensivos da realidade social estudada. A relação
entre a tríade pesquisador-sujeitos-teorias é o ponto de partida para problematização e para
identificação das categorias conceituais. Adotando a postura de artesão intelectual, o
investigador precisa acionar sua agilidade intelectual e ao mesmo tempo renunciar, para
encontrar e se surpreender com as novas hipóteses no processo de fricção com os fatos
(MILLS, 2007). Do mesmo modo, precisa adotar um olhar dialógico e fazer a chamada
“fricção dos conceitos”, que se traduz pela confrontação permanente entre saber local,
relacionado às categorias nativas, as observações concretas, com o saber global, que se
refere aos conceitos abstratos, as teorias, os modelos gerais de interpretação (GEERTZ,
2003). A chave da produtividade de análise seria este vai-e-vem dinâmico e contínuo. O
objeto se constrói pela utilização de categorias nativas para elaboração dos modelos
teóricos.
Esse movimento interpretativo dialógico suscita formas cognitivas diferentes –
pensamento mais consciente, dedutivo e racional mesclado às emoções, impressões e
intuições, necessárias aos processos criativos, que permitem conexões audaciosas.
Mergulhado na interpretação o pesquisador é impelido a tomadas de decisão constantes. A
descoberta de novas categorias demanda um cuidado permanente nas operações e escolhas,
sendo prudente pôr as certezas e preconceitos “em suspensão” (SILVA, 2006). Cada
hipótese nova deve ser articulada com outras, criando encadeamentos lógicos. A
interpretação compreensiva está fundada na evidenciação “dos encadeamentos e das
29
regularidades” (WEBER, 1992 apud KAUFMANN, 2011). Não há pesquisa possível sem
um fio condutor, que neste caso se tece pelos planos evolutivos, em torno dos quais deverá
desenvolver-se a narração argumentativa, que dará corpo ao texto.
Na fase da síntese teórica e da passagem ao texto escrito, Kaufmann (2011) propõe
uma inversão da postura de pesquisador. No início, ele está inteiramente aberto ao
material, o maneja com o máximo de transversalidade, desconstrói os primeiros esboços;
no final, ao contrário, ele só ouve o que aperfeiçoa seu modelo, trabalha sua arquitetura
interna, busca construir um produto autônomo. Isso exige do autor a capacidade de
transpor em palavras não só o modelo teórico explicativo, mas também a própria realidade
observada. Por isso, abre-se espaço à introdução de expressões retiradas das narrativas
individuais ou coletivas, que são consideradas elementos intrínsecos da argumentação da
obra (KAUFMANN, 2011). Elas têm grande valor, pois permitem ao leitor situar a análise
teórica numa realidade concreta, dando voz ativa aos sujeitos que inspiraram a construção
da teoria/objeto.
A escrita compreensiva do artesão intelectual pede leveza na redação e honestidade
por parte do pesquisador. A leveza na redação tem por objetivo privilegiar a argumentação,
valorizar os conceitos centrais e reforçar o modelo teórico. A qualidade e a cientificidade
do trabalho são fundadas em sua liberdade de interpretação, à medida que se respeita a
verdade do material, buscando restituir os tons que lhes dão sentido. O estilo do texto,
também, pode assumir um caminho mais pessoal e artístico, sem deixar de respeitar as
exigências da pesquisa. Deste modo, quando o pesquisador explica suas análises e os
encadeia aos seus conceitos centrais, é válido que busque sempre a clareza “para transmitir
com o máximo de eficácia seus argumentos, que são o coração da teoria viva”
(KAUFMANN, 2011, p.115).
A escolha desta abordagem metodológica como referência inspiradora para o
delineamento e as análises da pesquisa se fez dentro de um conjunto de experiências
formadoras. Essa escolha se deu quando percebi que tanto a Análise de Conteúdo
Tradicional quanto à análise de discurso não se aplicavam aos interesses metodológicos
daminha pesquisa. A primeira, por não analisar o contexto no qual os conteúdos das falas
estão imersos e a segunda, que apesar de valorizar os contextos, as instituições e as
identidades, traz como elemento inerente a análise lingüística. A entrevista compreensiva
permitiu analisar as experiências narradas e as percepções do real vivido nos diferentes
30
contextos, incluindo de forma ousada o pesquisador como elemento ativo e integrante do
processo. É uma metodologia criativa, que instiga o pesquisador a encontrar seu método
pessoal de investigação que, com flexibilidade e rigor, permite uma construção teórica que
se sabe única.
2.2.2 A busca pela inspiração teórica nas Teorias Sociais da Educação
Além do encontro com a abordagem teórico-metodológica que me acompanhou
nesta tese, precisei buscar as bases que dariam a direção teórico-conceitual dentro do
amplo campo da educação. Nesse sentido, fiz uma incursão pelas Teorias Sociais da
Educação e uma opção pelas Teorias Críticas da Educação, pela afinidade com seus
princípios, questionamentos e argumentos.
A história do pensamento sobre educação se caracteriza por ter sido desenvolvido
em paralelo e em diálogo com a teoria social de seu tempo. A tradição sociológica clássica
tem servido de base para uma série de questões e debates nos domínio da teoria social e da
educação. Os trabalhos de autores clássicos da sociologia como Marx e Engels, em meados
do século XIX, e de Durkheim e Weber, no final do século do XIX e início do XX,
apresentam diferenças significativas em termos conceituais e analíticos. No entanto, pode-
se dizer que suas propostas partiram do argumento de que as transformações na educação
são, ao mesmo tempo, o resultado e o sintoma das transformações sociais, em função das
quais precisam ser explicadas (MORROW; TORRES, 1997).
De acordo com a análise de Morrow e Ta orres (1997) as principais discussões e
correntes que emergiram em meados do século XX foram influenciadas por esses autores e
caracterizaram a educação como: um espaço de reprodução ideológica dos interesses da
classe dominante (Marx e Engels); instituições integradoras essenciais para a ordem social
(Durkheim); fonte de um novo princípio de controle, enquanto racionalidade instrumental e
dominação burocrática (Weber).
A teoria social da educação ganha força como campo da ciência no século XX, pela
profusão de estudos e debates interessados na educação como objeto de análise micro ou
macrossociológica, principalmente, voltado às instituições, as suas dinâmicas e aos papéis
31
ocupados na sociedade. Diferentes correntes de pensamento sociológico, como o
funcionalismo e o estruturalismo, influenciaram o surgimento de inúmeras propostas
teóricas e metodológicas em países ocidentais, que tiveram maior ou menor impacto e
adesão no sistema educacional da época, bem como na atualidade.
Como ocorre em diversos campos do conhecimento, é comum que se façam
algumas classificações ou modos de organizar as teorias dos diferentes ramos do saber
social e científico. Isso geralmente ocorre de acordo com suas trajetórias evolutivas, seus
paradigmas estruturais, seus conceitos e abordagens metodológicas e suas relações com a
sociedade. No caso da educação existem algumas propostas classificatórias que são
geralmente pautadas em perspectivas mais filosóficas, mais sociológicas ou mais
pedagógicas.
Alguns estudiosos das teorias sociais da educação organizam as teorias da educação
situando-as entre as perspectivas tradicionais ou não críticas, as perspectivas críticas e as
pós-críticas (MORROW; TORRES, 1997; SILVA, 2004). Os critérios de diferenciação
entre elas, a identificação de autores com determinada perspectiva e os limites de onde
começam ou terminam no tempo histórico podem ter algumas variações e compreensões
diferenciadas. Esses limites são mais bem definidos entre as teorias associadas às
perspectivas tradicionais/não críticas e às perspectivas críticas e menos entre as
perspectivas críticas e pós-críticas, em função das contribuições da primeira e de algumas
confluências teóricas existentes entre elas. Para Silva (2004), o prefixo “pós”, neste caso,
não significa necessariamente uma superação. O autor sugere que se faça uma combinação
da teoria crítica com a pós-critica para uma compreensão de questões relevantes para o
universo da educação, como por exemplo, as relações entre saber, identidade e poder. Mais
do que o rótulo classificatório, o que importa são as questões que estão em jogo e que
precisam ser levadas em consideração na compreensão da complexidade dos processos
educativos.
Nesta tese, optamos por dialogar com autores que se situam nas teorias críticas da
educação e que também fazem interface com os conceitos e abordagens das teorias
chamadas pós-críticas (pós-estruturalistas, pós-modernas, estudos culturais, por exemplo).
As teorias críticas da educação se desenvolveram sob forte influência das ideias da Escola
de Frankfurt e dos pensamentos de Habermas e de Gramsci, desempenhando um papel
fundamental na reconstrução da educação. Sob o olhar de Pacheco (2001), elas não são
32
uma ciência empírico-analítica, baseada no interesse técnico, mas uma ciência crítica que
persegue um interesse educativo de desenvolvimento da autonomia racional e de formas
democráticas de vida social, tendo como denominador comum a reflexividade e o interesse
emancipatório dos agentes. Nesta direção, busquei dialogar com alguns autores e elegi
como principais interlocutores Paulo Freire e Henry Giroux que me conduziram a outras
referências e leituras neste universo fascinante da educação.
O encontro com Freire ocorreu há muitos anos – inconscientemente, por meio de
professores entusiasmados com suas palavras, ao mesmo tempo indignadas e estimulantes
deste pensador e com sua visão de mundo curiosa, corajosa e amorosa ao olhar para a
educação, para o Brasil e para o mundo; e conscientemente, alguns anos mais tarde, na
universidade, quando me apresentaram em vídeo àquele homem barbudo de expressão
severa à primeira vista, mas fascinante ao final das imagens. Reconheço hoje que naquele
momento foi despertado em mim um sentimento de mundo, que certamente marcou minha
identidade como cidadã e como educadora.
Com Giroux o encontro foi mais recente, quando estava em busca de pensadores
que tivessem uma perspectiva teórica e reflexiva do contexto contemporâneo da educação.
Nas leituras das teorias sociais da educação, me deparei com a ideia de que os educadores
deveriam assumir o papel de intelectuais transformadores. Esta ideia traz em si uma
compreensão da educação para além das funções de ensino-aprendizagem atribuídas pelo
senso comum, vislumbrando-a como dispositivo ativo e comprometido com a possibilidade
de transformação, mediado pela relação de educadores e educandos no movimento de
pensar e agir sobre si, sobre a realidade vivida e sobre a sociedade. Além disso, pensar os
educadores como intelectuais transformadores se afinou com a proposta do artesanato
intelectual de Mills, se configurando como mais um encontro profícuo entre as teorias aqui
estudadas.
Freire e Giroux construíram suas vidas e teorias em tempos e espaços geográficos
diferentes, porém, compartilham muitas questões, conceitos e olhares comuns frente à
educação e a sociedade. Esses autores colocam em cena a compreensão da educação como
um campo de ação político-cultural e uma possibilidade de transformação social. Outro
aspecto que os aproxima é que são pensadores ousados e criativos, que entendem a
educação e a cultura como construções sociais, em que homens e mulheres são tanto
produtores quanto produtos de relações sociais, históricas e pedagógicas específicas. Há
33
uma reconhecida influencia em Giroux das reflexões e propostas teóricas de Freire e uma
explícita reverência de Freire às virtudes do pensamento de Giroux, quando faz a
apresentação de um de seus livros.
Apesar de o desenvolvimento das teorias críticas da educação ter suas bases na
Europa, elas ganharam novos rumos no continente americano, onde foram criadas
propostas originais, construídas em contextos histórico-sociais específicos e diferenciados,
tendo como grandes nomes John Dewey – filósofo e pedagogo norte-americano e Paulo
Freire – pensador e educador brasileiro, como gostava de ser chamado. O livro
Democracia e Educação, escrito por Dewey (2007), juntamente com Pedagogia do
Oprimido de Freire (1988), foram considerados os livros mais influentes na filosofia da
educação do século XX (TEODORO; TORRES, 2006).
Freire faz parte da história da educação brasileira e se tornou um nome mundial,
estudado e adotado por inúmeros educadores e pesquisadores, ganhador de dezenas de
títulos honoris causa em universidades de todo mundo, sendo eleito recentemente Patrono
da Educação Brasileira, por meio em uma lei sancionada em abril de 2012 (BRASIL,
2012a). Outro reflexo da mundialização de seu pensamento-ação foi a criação, em 2008, de
uma universidade internacional – a Universitas Paulo Freire (Unifreire). A Unifreire se
configura como um centro articulador do legado Freiriano, com caráter transnacional,
interinstitucional e formativo voltados aos educadores vinculados a ela, bem como a
comunidade externa. Funciona por meio de uma comunidade virtual, como rede em
autoconstrução, para produção e publicização dos conhecimentos e das formas de ler e
intervir no mundo contemporâneo, criando uma cultura do diálogo (MAFRA, 2008). A
atualidade do pensamento freireano nos deixa seguros para afirmar a necessidade constante
de retomada e reinvenção das suas ideias, concepções e perspectivas.
No início, os trabalhos de Freire eram mais voltados para a alfabetização de adultos
e para a educação dos mais pobres, sendo amplamente utilizado, conhecido como “método
Paulo Freire” e caracterizado como uma pedagogia popular, problematizadora,
conscientizadora e libertadora. Em um segundo momento seus escritos ganharam status de
filosofia da educação e inspiraram educadores a refletirem e a lidarem com questões de
diferença de gênero, etnia e divergências culturais (GHIRALDELLI JR, 2006). Esse novo
olhar para o universo da educação mobilizou seus seguidores estrangeiros, como Giroux e
McLaren, a integrarem o ideário Freiriano aos Estudos Culturais. Eles passaram a usar sua
34
Pedagogia do Oprimido não direcionando-a para os sujeitos considerados oprimidos, mas
para conscientizar os não discriminados a respeito da existência de discriminação contra os
pobres, negros, mulheres, gays, nativos, etc. A repercussão destes desdobramentos abriu
caminhos para o uso de suas ideias pelos estudiosos chamados pós-modernos (SILVA,
2004; GHIRALDELLI JR., 2006).
O pensamento freiriano é amplo, multifacetado e põe em diálogo temas referentes
à educação, a ética e a humanidade. Sua teorização envolve questões epistemológicas e
essenciais como: O que significa conhecer? O que significa ser educador? Qual o sentido
da educação? Das mais de 40 obras escritas, duas representam o gérmen e a síntese das
concepções e perspectivas que marcaram o desenvolvimento da sua construção teórica e
influenciaram algumas linhas da teoria crítica da educação – Educação como prática da
liberdade, publicado em 1967, e Pedagogia do Oprimido, lançado em 1970. Nestes livros
ele parte de uma análise histórica e sociológica da realidade brasileira para propor uma
forma alternativa de pensar e agir contra a marginalização de homens e mulheres, por meio
da educação e da construção de uma consciência crítica de si e do mundo em que se vive
concretamente.
Ao analisar a progressão do pensamento político-pedagógico de Freire, Scoguglia
(2001) observa que houve um processo de transição na construção de pensamento do autor.
Em Educação como prática para a liberdade, Freire defendia a mudança da sociedade
através de uma “reforma interna” dos sujeitos, via “conscientização”. Com a inclusão de
categorias econômicas, complementando sua análise teórica no último capítulo de
Pedagogia do Oprimido, suas concepções político-pedagógicas foram reestruturadas.
Segundo o autor, Freire avançou de um humanismo idealista, influenciado por correntes
existencialistas e personalistas, para um humanismo concreto, influenciado por correntes
críticas, especialmente pelos contatos com Gramsci e Marx. Essa transição foi
acompanhada por uma evolução nas teorizações pedagógicas que, na opinião de Silva
(2004), não se limitam a analisar a educação e a pedagogia tal como eram, mas apresentam
uma teoria bastante elaborada de como elas deveriam ser.
Essa construção se reflete como uma marca central no pensamento de Freire – a
compreensão da educação como um ato político, uma das contribuições inovadoras no
campo da educação. Ao nos determos nessa concepção, se faz necessário considerar a
relação da educação com a sociedade, lócus das manifestações educacionais. Desta relação,
35
nascem os processos educativos, que ocorrem fundamentalmente na relação com o outro e
destes com o mundo. Nas palavras de Freire, o conceito de relação guarda em si
“conotações de pluralidade, de transcendência, de criticidade, de conseqüência e de
temporalidade”, apresentando assim uma análise filosófica da educação (FREIRE, 1987,
p.39).
Nas relações: a pluralidade emerge da própria busca de respostas para a ampla
variedade de desafios postos no mundo, tornando esta ação ao mesmo tempo plural e
singular para cada sujeito; a criticidade é mobilizada pela captação de dados objetivos da
realidade e dos laços que ligam os fatos, gerando uma atitude crítica e, por isso, reflexiva;
a transcendência está vinculada à noção de finitude e a consciência de sermos seres
inacabados, cuja plenitude se acha na ligação com algo maior, no religare proporcionado
pelas relações, levando à libertação; a temporalidade pode ser sentida no ato de existir e de
perceber a multidimensionalidade do tempo – passado, presente e futuro, nos situando
dentro e fora do tempo histórico; a consequência é potencialmente provocada pela
percepção de existir no mundo e com o mundo, de fazer parte da história e da cultura e
pelo desejo de atuar sobre a realidade para modificá-la. Esta compreensão da educação
como relação, dá o tom das construções teóricas de Freire, calcadas em uma visão de
mundo humana, integrada e flexível.
Passando à análise do sistema educacional, Freire classificou a educação
convencional como bancária (FREIRE, 1987). A “educação bancária” estaria
fundamentada em uma ideologia de opressão, que tinha como intenção manter uma divisão
entre os que sabem e os que não sabem, entre os opressores e os oprimidos. Nessa
perspectiva, a educar é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conteúdoS
sem uma troca solidária entre educadores e educandos. O educador é o sujeito ativo no
processo educativo e os educandos, meros objetos da ação. Para Freire,
[...] nesta visão distorcida de educação, não há criatividade, não há
transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção,
na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no
mundo, com o mundo e com os outros (FREIRE, 1988, p.58).
Como consequência deste modus operandi, teríamos, no âmbito educacional, a
deficiência nos processos de auto-aprendizagem, de construção de conhecimento e de
36
práxis social, ocasionada pela dificuldade de um “pensar autêntico” e, no âmbito político, a
perpetuação dos processos de dominação, exclusão e desigualdade social.
Estas observações levaram Freire a propor uma “educação problematizadora”, que
se constitui essencialmente por meio das relações dialógicas e reflexivas entre os sujeitos e
destes com o mundo, para a construção de uma consciência crítica, que conduza os sujeitos
a uma práxis transformadora da realidade social e à libertação. Estes princípios refletem
um olhar ampliado para educação como um aspecto inerente e imprescindível à vida.
Para Freire, uma das chaves da educação problematizadora está na intencionalidade
da consciência e da ação. A consciência é sempre consciência de alguma coisa, tem sempre
um objeto diante de si, mas também, possui a propriedade de se voltar sobre si mesma e ser
consciente de sua consciência (FREIRE, 1988). Este movimento gera um processo circular
de reflexividade, que permitiria aos sujeitos a passagem da consciência ingênua para a
consciência crítica, ou seja, não neutra, intencionada. A consciência crítica consegue
revelar algumas razões que explicam a maneira como pensamos e agimos, como estamos
sendo no mundo; ela se baseia na criatividade e estimula tanto a reflexão quanto a ação
sobre a realidade, promovendo a práxis transformadora e criadora. Portanto, um processo
de “pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar este pensar da
ação” (FREIRE, 1988, p.72).
Quanto aos processos pedagógicos, a proposta de Freire exige a superação da
contradição educador-educando, pois sendo a educação dialógica, ambos se educam
mutuamente, como sujeitos ativos do processo de construção do conhecimento. O ato de
conhecer não é um ato individual ou isolado, ele envolve a intercomunicação e a
intersubjetividade. O objeto a ser conhecido não pode ser simplesmente narrado,
comunicado, ele deve ser problematizado pelo “pensar do educador que somente ganha
autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela
realidade, portanto, na intercomunicação” (FREIRE, 1988, p.64). Dos educadores, espera-
se o compromisso com o educando, para que este seja sujeito do seu processo de
aprendizagem e da sua própria história. Seu movimento se direciona para a busca do
“desvelamento da realidade”, já que “todo aprendizado deve encontrar-se intimamente
associado à tomada de consciência da situação real vivida pelo educando” (FREIRE, 1987,
p.6).
37
É com bases nesses fundamentos que é criado o famoso “método Paulo Freire”.
Não cabe aqui descrever em detalhes o método, mas em linhas gerais, pode-se dizer que
ele se desenvolve em três momentos: a investigação temática – em que educadores e
educandos buscam na vida cotidiana questões e temas significativos para serem
problematizados; a identificação de temas geradores – os temas levantados inicialmente
são “codificados” e “decodificados” para a identificação dos temas geradores, a partir de
uma visão mais crítica e social; a problematização – momento de reflexão sobre os temas e
situações existenciais identificadas, pela articulação dos pensamentos abstrato e concreto,
visando a identificação de limites e possibilidades que possam potencializar a
transformação do contexto vivido (FREIRE, 1987; 1988; BRANDÃO, 2006). Em síntese,
a consciência gerada pela investigação e conhecimento da realidade seria o elemento-chave
de um processo educativo construído de forma coletiva por educadores e educandos, no
qual o diálogo constitui o dispositivo catalisador da reflexão e da ação intencionada para a
transformação social.
Um componente central da proposta freireana é a valorização da dimensão cultural
nos processos educativos. Segundo o autor, a dimensão cultural se origina das relações dos
sujeitos com a realidade social, se expressando em tudo que os homens e mulheres criam e
recriam (FREIRE, 1989). De forma ampla, a cultura é compreendida em dois sentidos:
como resultado da práxis humana, criando e influenciando formas de ser e de se comportar,
em determinado contexto sócio-histórico; e, também, como a visão que se tem da própria
realidade. Deste modo, faria mais sentido falar em cultura como algo plural – as culturas
vividas, faladas ou silenciadas – que diferencia os sujeitos e grupos sociais.
Este olhar sobre a noção de cultura é o pano de fundo para o argumento de Freire
sobre a legitimidade da cultura popular, que no senso comum é considerada inferior frente
à cultura erudita, comumente associada às expressões artísticas clássicas produzidas pela e
para a elite dominante. Esta teorização representa um dos pontos de encontros centrais
entre Freire, Gramsci e Giroux, que teve desdobramentos teóricos e práticos significativos
para o campo da educação no cenário contemporâneo, gerando impacto também em outros
campos como, por exemplo, os da cultura e da saúde.
Apesar de Freire só ter lido Gramsci após ter escrito alguns de seus livros, existem
paralelos epistemológicos e teóricos entre os trabalhos destes autores. Os conceitos
gramscianos de “hegemonia”, ligado às relações de dominação e de poder entre grupos e
38
classes sociais, e de “práxis”, relativo à unidade entre teoria e prática para a transformação,
estão presentes em argumentações fundamentais de Freire como a ligação entre educação e
política e a noção de Educação Popular, concebida por ele. Essas argumentações
evidenciam relações com análises gramscianas baseadas no “senso comum” e no “bom
senso”, na atividade prática como base para o conhecimento e na educação como atividade
contra-hegemônica (MORROW; TORRES, 1997).
No caso de Giroux, a influência de Gramsci também passa pelas noções de
hegemonia e de práxis, o que resultou na articulação de novas conceituações e abordagens
em diálogo com as problemáticas contemporâneas analisadas. Além destes, o conceito de
“intelectuais orgânicos” desenvolvido por Gramsci foi preponderante na construção de
uma importante teorização de Giroux, que repensa a natureza da atividade docente e
propõe encarar os professores como intelectuais transformadores.
Além das influências de Freire e de Gramsci, a obra de Giroux é marcada por uma
autêntica conexão de ideias de diversos campos conceituais, clássicos e contemporâneos,
revelando uma flexibilidade teórica com rigor argumentativo, que o conduziu a uma
perspectiva renovada e integrada de saberes. A trajetória de Giroux no campo da educação
começou na década de 1960, mas sua obra escrita começou a ser desenvolvida no final da
década de 1970 e perdura, de forma sistemática e intensa, até os dias de hoje com a
publicação de mais de 50 livros, entre outras produções. De acordo com alguns estudiosos
do campo da educação, o trabalho de Giroux representa uma contribuição histórica para a
teoria crítica da educação, tanto pela qualidade de suas elaborações teóricas, quanto pelo
delineamento de novos rumos para a própria teoria (McLAREN, 1997; MORROW;
TORRES, 1997; SILVA, 2004).
Nestas cinco décadas de produção intelectual, pode-se dizer que a obra de Giroux
passou por algumas fases. De acordo com a análise de McLaren (1997), a primeira delas,
que baliza grande parte de suas concepções, é inaugurada em seu primeiro livro Ideologia,
Cultura e Processo de Escolarização, publicado em 1981, que apresenta uma tentativa
inventiva de estabelecer um elo conceitual entre as formulações de ideologia e dominação
de Gramsci; os conceitos de cultura e alfabetização de Freire; a crítica da racionalidade
tecnocrática, do marxismo clássico e psicologia profunda da Escola de Frankfurt; e os
trabalhos da sociologia da educação e teoria curricular desenvolvida em países anglo-
saxões. Nestes escritos, Giroux defende a tese de que o conceito de cultura deve ser
39
politizado e desassociado das categorias de arte consideradas superiores, entendendo-a
como um lócus de contestação material e ideológica. Sua percepção da dinâmica da cultura
fez com que ele evitasse uma identificação com a visão marxista clássica, que lia a cultura
como mero reflexo da base econômica (SILVA, 2004).
Ainda nesta fase, Giroux avança na análise sobre os processos socioculturais
ocorridos na escola e promove uma crítica cuidadosa sobre as teorias de reprodução,
desenvolvidas na época em textos de Bowles e Gintis e de Bourdieu e Passeron
(MORROW; TORRES, 1997). Para ele, as escolas são mais do que simples locais de
reprodução social e cultural, definidas pela lógica de dominação, pois sua compreensão da
relação dialética entre estrutura social e agência1 humana se opõe a ideia de que os agentes
sociais são vítimas passivas de formulações ideológicas, reconhecendo-os como capazes de
transcender a cultura herdada por meio de um conhecimento crítico (McLAREN, 2007).
A segunda fase do percurso teórico de Giroux é marcada pela busca de uma
proposta alternativa que superasse o imobilismo e pessimismo apontados pelas teorias da
reprodução, que se refletiu na construção do caminho que o levou à “pedagogia da
possibilidade” – conceito central em sua obra (McLAREN, 1997; SILVA, 2004). O autor
parte do conceito de resistência para sugerir que existem espaços e tensões dentro do
ambiente escolar que oferecem a estudantes e professores a possibilidade de resistência às
diversas formas de poder e de luta transformadora. Nesse sentido, Giroux chama atenção
para a necessidade de revelar o processo de formação da ideologia e sua relação com a
conformação dos sujeitos. Para ele, a ideologia pode ser transmitida por imagens, gestos e
expressões lingüísticas, pelas quais “os significados são produzidos, mediados e
incorporados em formas de conhecimento, práticas sociais e experiências culturais” dentro
da escola e de diversos domínios públicos e privados da vida cotidiana, influenciando o
que pensamos, sentimos e desejamos (GIROUX, 1997, p.36).
A compreensão deste processo de construção e significação ideológica é apontada
como uma chave para professores e estudantes resistirem a crenças e atitudes hegemônicas
e buscarem experiências emancipadoras e libertadoras. No processo educativo, os
professores devem dar voz aos estudantes e buscar conhecer sua realidade, afirmando a
relevância da participação ativa dos mesmos, no relato de suas opiniões e experiências,
1 Tradução de agency, termo empregado na literatura anglo-saxônica para se referir à capacidade de
agir do ser humano: “agência” é aquilo que um agente tem. (SILVA, 2000, p.15).
40
como parte importante do processo pedagógico. O autor considera que “silenciar a voz do
estudante é torná-lo impotente” (GIROUX, 1997, p.202). Além disso, os professores
devem oferecer conteúdos e práticas que estejam conectados com as experiências vividas,
para que com base nelas possam ser identificadas as problemáticas e as possibilidades de
transformação. O direcionamento crítico dos professores é crucial para ajudar os estudantes
a reconhecerem as implicações políticas e morais das próprias experiências e também os
limites e possibilidades de transformação. Fica clara, nesta proposta, uma forte influência
da pedagogia problematizadora e libertadora, criada por Freire.
Essa dinâmica educativa encontra espaço em escolas que se configuram como
esferas públicas democráticas – outro conceito central na teoria de Giroux. Nessa
perspectiva, as escolas são consideradas “locais democráticos dedicados a formas de
fortalecer o self e o social. (...) onde estudantes aprendem conhecimentos e habilidades
necessárias para viverem em uma democracia autêntica” (GIROUX, 1997, p.28). O
discurso democrático é uma referência para a análise crítica e está fundamentado na noção
dialética escola-sociedade, na intenção de dar significado para a atividade humana. O autor
problematiza que, inerente ao discurso democrático, às escolas se apresentam como locais
contraditórios de reprodução da sociedade mais ampla e de resistência à lógica de
dominação. Cabe à escola criar espaços para reflexão crítica e análise de como as formas
culturais, políticas e históricas incidem no cotidiano da escola e de como tais formas são
experimentadas subjetivamente pela comunidade escolar.
Nesse modelo de escola, os professores deveriam desempenhar o papel de
intelectuais transformadores. Ao politizar o papel da educação, Giroux também politiza o
papel dos professores, atribuindo-lhes uma função social e política particular. Nesse
sentido, eles devem desenvolver junto aos estudantes um duplo movimento: de
fortalecimento pedagógico, oferecendo aos estudantes conhecimentos e habilidades sociais
para serem agentes críticos na escola e na sociedade; de transformação pedagógica, onde
professores e alunos atuariam em prol de mudanças institucionais e na luta contra opressão
na arena social mais ampla, em favor da democracia. Os processos educativos devem
integrar reflexão e ação com o interesse de potencializar a auto-formação dos estudantes,
para que eles se sintam capazes de pensar e atuar no mundo. O objetivo desta dupla tarefa é
também desenvolver nos estudantes a postura de intelectuais transformadores.
41
O autor defende a associação da categoria intelectual ao trabalho dos educadores
por diversos motivos.
Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se a atividade
docente como forma de trabalho intelectual, em contraste com sua
definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo
lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas
necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em
terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores
desempenham na produção e legitimação de interesses políticos,
econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas
e utilizadas (GIROUX, 1997, p.161).
Para atuarem como intelectuais transformadores os professores “precisarão
reconsiderar e, possivelmente, transformar a natureza das condições em que trabalham”
(GIROUX, 1997, p.29). Eles deverão ser capazes de remodelar o tempo, o espaço, as
atividades e os conhecimentos vividos no cotidiano, para encontrarem condições de
escreverem, pesquisarem e trabalharem juntos na (re)construção do currículo, na repartição
de poder e no fortalecimento de um discurso conjunto que apóie a atuação como
intelectuais transformadores. Isso se traduz em uma forma de trabalho na qual o
pensamento e a ação são indissociáveis, onde não há separação dos processos de
concepção e de execução das ações, respeitando, assim, as especificidades das experiências
de construção ocorridas entre estudantes e professores.
O autor destaca dois conceitos importantes, que têm implicações metodológicas
para os professores que desejam assumir a postura de intelectuais transformadores. O
primeiro deles é o que ele chama de libertação da memória, que envolve o reconhecimento
de sofrimentos passados pelos sujeitos, que constituem situações de opressão e que
necessitam de entendimento. O desvelamento e a compreensão das diferentes realidades
alertam para as circunstâncias em que elas são construídas e podem provocar o desejo de
transformação das condições sociais que geram tais sofrimentos. Esse processo funcionaria
com um lembrete para as pessoas de que os mecanismos de dominação existem, mas que
os de resistência também, mantendo viva a esperança de transformação.
A segunda concepção a ser levada em consideração pelos professores intelectuais é
a compreensão da pedagogia como política cultural. Ela se refere ao conjunto concreto de
práticas, como a dinâmica do professor em sala de aula e a consideração ou não da voz do
42
estudante, que interferem na produção de diferentes tipos de conhecimentos, experiências e
subjetividades no processo de formação dos estudantes. É importante que os professores
compreendam que estes conjunto de práticas e processos de produção são construídos
historicamente e que eles carregam interesses particulares variados e podem legitimar um
tipo particular de verdade ou estilo de vida.
Nesta direção, Giroux resgata a noção de currículo oculto para elucidar que as
escolas são espaços de socialização e que nelas se aprendem muito mais que os conteúdos
oferecidos. Para ele, os professores têm que estar atentos para a existência e para as
contradições entre o currículo oficial, que define explicitamente os conteúdos e as metas da
instrução formal, e o currículo oculto, que se refere “a normas, valores e crenças não
declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura subjacente do
significado e do conteúdo formal das relações sociais na escola e na vida da sala de aula”
(GIROUX, 1997, p.57). Evidenciar a existência do currículo oculto junto aos estudantes
permite o desenvolvimento do pensamento crítico, tanto na intenção de identificar e alterar
suas expressões negativas, quanto na busca de construção novos métodos e
relacionamentos sociais, nos quais as normas e valores subjacentes em sala de aula atuem
para promover a aprendizagem e não a manipulação.
Ainda na segunda fase de seu desenvolvimento teórico, Giroux alargou a sua
análise da teoria da resistência, das esferas públicas e dos trabalhadores culturais por meio
da utilização de argumentos fornecidos pelo pensamento pós-moderno (MORROW;
TORRES, 1997). Ao analisar a aproximação da teoria crítica da educação às questões
trazidas pelo pensamento pós-moderno, Giroux (1993) pondera que a pedagogia crítica não
deve se basear na escolha entre modernismo e pós-modernismo, pois os dois discursos têm
elementos valiosos e fragilidades teóricos. Para ele os educadores devem combinar
importantes debates pós-modernistas, como a diversidade e o pluralismo cultural, com
elementos modernistas estratégicos para uma educação comprometida com a formação de
cidadãos pensantes e atuantes. Ele argumenta, ainda, que a pedagogia crítica deve criar
uma nova linguagem, novas formas de conhecimento e um território para encontros
analíticos situados para além das fronteiras disciplinares.
Porém, essa aproximação com os estudos pós-modernos foi mais intensa no que se
pode considerar a terceira fase de produção intelectual de Giroux, que perdura até o
momento atual. Nos últimos anos, seus trabalhos têm se voltado para uma análise política
43
sobre os impactos do modelo neoliberal sobre o universo da educação. Ele tem feito uma
crítica radical ao sistema educacional comandado pela cultura de mercado e do consumo,
dominante nos Estados Unidos. Em suas análises, tem apontado as indústrias culturais e de
consumo e os meios de comunicação como responsáveis pelo empobrecimento da vida
pública e dos valores sociais na cultura americana, principalmente, na infância e juventude.
Nesse contexto, ele tem debatido os efeitos negativos desta tendência nas instituições
educativas e na sociedade atual, do que chama de pedagogia da mídia. Ao analisar os
filmes produzidos pela Disney, por exemplo, o autor identifica uma pauta pedagógica
carregada de pressupostos etnocêntricos e sexistas, que acabam moldando as identidades
infantis e juvenis, de forma bem particular e não inocente (SILVA, 2004). Além disso,
Giroux enfatiza que a teoria neoliberal e sua prática tem gerado uma substituição de um
contrato social por um contrato de mercado, no qual os direitos políticos são estritamente
limitados, os direitos econômicos são desregulamentados e os direitos sociais são
substituídos pelo dever individual (GIROUX, 2007).
Em paralelo, as articulações teóricas de Giroux com os Estudos Culturais têm tido
avanços promissores, em função do rompimento de algumas fronteiras disciplinares. Ele
tem analisado as relações entre língua, texto e sociedade, descrevendo as implicações das
novas tecnologias no intercâmbio e na recriação de novos conhecimentos estabelecidos em
novas teias de poder. Desta forma, tem trazido importantes contribuições na identificação
de novos modos de representação e de aprendizagem no contexto contemporâneo
(GUILHERME, 2006).
Na opinião de Guilherme (2006), Giroux tem mobilizado educadores e acadêmicos
a reagir a estas forças paralisantes e a serem críticos, criativos e esperançosos em relação
ao potencial que tanto eles como seus estudantes podem oferecer, a fim de contrariar as
tendências políticas conservadoras, que têm imposto uma definição de excelência em
educação que significa mais uma submissão às pressões de mercado do que excelência
educativa nos termos de uma produção intelectual inovadora.
Apesar de estas questões serem extremamente relevantes para a reflexão do cenário
atual da educação, interesso-me, especialmente, nesta tese pelas elaborações desenvolvidas
na segunda fase do pensamento de Giroux, pois a pedagogia da possibilidade não se limita
a questionar os arranjos sociais existentes, mas apresenta alternativas para a construção de
processos educativos diferenciados e de uma sociedade mais justa e igualitária. Seus
44
interesses estão voltados para debater de forma crítica e propositiva os significados e
desafios das instituições e dos atores da educação na sociedade contemporânea. Ele
provoca, especialmente, os professores a (re) pensarem suas funções, concepções, ações e
relações vividas no cotidiano do trabalho e na sociedade, e defende a atuação dos
professores como intelectuais transformadores, que combinam reflexão e prática a serviço
da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos.
2.2.3 Origem e abordagens da educação nutricional
Para alcançar os objetivos apresentados nesta tese, fez-se necessária uma
aproximação e análise das origens, abordagens e perspectivas da educação nutricional no
cenário brasileiro, tanto no que se refere às concepções e teorias norteadoras, quanto às
ações e práticas desenvolvidas. É importante conhecer os processos e os episódios
ocorridos na constituição deste campo, a fim de compreender o cenário atual. Apresento a
seguir uma exposição concisa sobre a educação nutricional no Brasil.
Ao fazer uma leitura sobre a área, pude observar que, historicamente, a educação
nutricional teve diversos significados, objetivos e práticas, em função das conjunturas
políticas nacionais, dos modelos de atenção à saúde vigentes e das perspectivas
educacionais vivenciadas em cada época. Isso, de alguma forma, contribuiu para a
manutenção ou para a realização de mudanças nos modos de pensar e agir dos profissionais
que atuam na área de nutrição.
O desenvolvimento da educação nutricional no Brasil possui um estreito vínculo
com as políticas de alimentação e nutrição em vigência e tem sido estudado por diferentes
autores (VALENTE, 1989; BOOG, 1997, 2011a; LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003;
SANTOS, 2005). O interesse pela educação nutricional surgiu nos anos de 1940, período
em que teve status privilegiado e era vista como um dos pilares dos programas
governamentais de proteção ao trabalhador. Ela nasceu com a perspectiva de ser uma
estratégia que ocasionaria mudanças significativas nas condições de alimentação da
população trabalhadora.
45
Nas décadas de 1950 e 1960, a educação nutricional esteve ligada às campanhas
que visavam à inclusão de novos alimentos na rotina alimentar brasileira como, por
exemplo, a introdução da soja. Nesse período os EUA implantaram programas de ajuda
alimentar internacionais que tinham como real objetivo escoar os excedentes agrícolas e
manter o preço dos cereais no mercado internacional. O governo brasileiro teve de usar
estratégias “educativas” para induzir determinados grupos da população a consumirem os
alimentos fornecidos pelos programas (BOOG, 1997). Lima, Oliveira e Gomes (2003)
ressalta que esse momento da educação nutricional se fundamentou no mito da ignorância,
fator considerado como determinante da fome e da desnutrição na população de baixa
renda, para a qual as ações educativas eram dirigidas. Sendo assim, era prioridade o
desenvolvimento de ferramentas educativas que ensinassem as populações empobrecidas a
comer e que corrigissem os maus hábitos alimentares. Este tipo de ação demonstra uma
concepção de educação centrada na culpabilização dos indivíduos e na mudança do
comportamento alimentar.
Já na década de 1970, houve um redirecionamento das políticas de alimentação e
nutrição no país, passando a ser norteadas pelo pensamento técnico-científico. De acordo
com Boog (1997, p.6) “o paradigma social foi substituído pelo paradigma técnico”, com a
adoção de medidas que privilegiavam a racionalização do sistema de produção de
alimentos, suplementação alimentar e o combate a carências nutricionais. Nesse mesmo
período, os resultados do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), realizado em
1974 e 1975, indicaram que o principal obstáculo à alimentação adequada era a renda, e
que somente transformações estruturais no modelo econômico poderiam reverter os
problemas alimentares (BOOG, 1997). Nesse contexto, o binômio alimentação-educação
que prevaleceu até então, começou a ceder espaço para o binômio alimentação-renda,
relegando a educação nutricional a segundo plano. Como conseqüência, intensas críticas
foram feitas à educação nutricional que vinha sendo desenvolvida, acusada de ser uma
estratégia utilizada para ensinar os grupos mais pobres da população a comerem alimentos
de baixo valor nutricional, como cascas e sobras, por exemplo (VALENTE, 1989; LIMA;
OLIVEIRA; GOMES, 2003).
Nas décadas de 1970 e 1980 a educação nutricional tinha como característica
principal uma prática domesticadora e repressora, sendo reprovada por todos que prezavam
a liberdade de expressão. Comer o que se quer, na hora e com quem se quer era uma forma
46
de exercer o direito à liberdade e ensinar o que é melhor para a saúde era entendido como
cerceamento deste direito. Boog (1997) se refere a esse período como um “exílio” dos
programas de educação nutricional. Ela continuou sendo praticada por nutricionistas em
suas rotinas profissionais junto à população, devido à realidade dos serviços e à
necessidade de tratamento das enfermidades existentes.
Em meados dos anos de 1980, começaram a surgir importantes discussões sobre as
novas perspectivas da educação nutricional, gerando propostas de uma educação
nutricional crítica. Valente (1989) foi fundamental nesse processo, ao abordar a educação
nutricional em seu livro “Fome e desnutrição: determinantes sociais”. O autor fez uma
crítica severa às bases teóricas e à prática da educação nutricional tradicional, ao mesmo
tempo em que lançou as bases para uma educação nutricional comprometida com a
superação das causas básicas da fome e da desnutrição. Em sua proposta, ele admitiu que
ações educativas críticas em nutrição feitas de forma isolada não conseguiriam eliminar a
desnutrição e outros distúrbios nutricionais. No entanto, a intenção de sua proposta era
desvelar os processos históricos e sociais de determinação dos problemas alimentares.
A educação nutricional crítica baseia-se nos princípios da pedagogia crítica,
considerando que a educação nutricional não é neutra, e que não pode seguir uma
metodologia prefixada. Nesse sentido, essa vertente da educação nutricional pressupunha
assumir o compromisso político de colocar a produção técnica e científica a serviço do
fortalecimento das classes populares em sua luta contra a exploração que gera a fome e a
desnutrição (SANTOS, 2005).
Na análise de Santos (2005), a educação nutricional crítica influenciou os
conteúdos da disciplina educação nutricional, integrante dos currículos para formação de
nutricionistas, fortalecendo a discussão sobre a determinação social da fome e da
desnutrição e a relação desses fenômenos com o modelo de organização capitalista, em
detrimento do enfoque biológico e técnico, como também dos métodos e técnicas
educativas. Como conseqüência, passou-se a discutir a fome e não apenas a desnutrição, e
a educação alimentar passou a contemplar não somente as práticas alimentares,
pressupondo, também, a tarefa de esclarecer a população sobre os direitos de cidadania
(LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003).
Esse novo olhar sobre o universo da nutrição já havia sido debatido no I Seminário
Nacional de Avaliação do Ensino de Nutrição, que ocorreu em 1982. A análise sobre os
47
aspectos conceituais, estruturais e metodológicos dos cursos de nutrição realizada nesta
ocasião tornou evidente o descontentamento com os currículos adotados, devido à
constatação de um hiato existente entre o biológico e o social e o descompasso entre a
teoria e a prática. Outro aspecto observado foi o predomínio de disciplinas da área das
“ciências básicas” e a baixa proporção das disciplinas relativas à compreensão social,
como das áreas de educação, ciências sociais e saúde pública (COSTA, 1999; MOTTA;
OLIVEIRA; BOOG, 2003).
No início da década de 1990, fatos novos fizeram ressurgir o interesse pela
educação nutricional: a divulgação dos resultados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e
Nutrição (PNSN) realizada pelo Ministério da Saúde (MS) em 1989, que apontavam para o
expressivo aumento da prevalência da obesidade, principalmente entre mulheres de baixa
renda; a comparação dos resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com estudos anteriores que evidenciou um
aumento significativo no consumo de alimentos calóricos e pouco nutritivos, como
biscoitos, refrigerantes e embutidos (MONTEIRO; MONDINI, 2000). Ao mesmo tempo, a
constatação científica de que a alimentação de má qualidade é um fator de risco para várias
doenças fez com que a educação nutricional fosse apontada como medida a ser considerada
para reverter a crescente tendência ao consumo de açúcares, gorduras e produtos
industrializados (BOOG, 2011a). Diante deste contexto, as práticas alimentares
inadequadas e a obesidade foram assumidas como prioridade nas agendas de saúde pública
nacional, que apontaram como fundamental o investimento em ações de promoção da
alimentação saudável (BRASIL, 2005).
Nesse cenário, é importante destacar a instituição da Política Nacional de
Alimentação e Nutrição (PNAN), aprovada em 1999, que concretizou a busca de uma nova
direção das políticas de alimentação em nutrição no país, em oposição ao modelo de
atenção assistencialista e voltada para públicos específicos, como trabalhadores e grupos
de risco, que prevaleciam desde a década de 1970. Uma das bases para sua elaboração é o
reconhecimento da alimentação e da nutrição como um dos requisitos básicos para a
promoção e proteção da saúde, possibilitando o desenvolvimento humano e a qualidade de
vida (BRASIL, 2005). Tal perspectiva foi influenciada pelas discussões em torno do
renovado conceito de segurança alimentar e nutricional que se consolidou na I Conferência
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em 1994.
48
Na PNAN a educação nutricional encontra espaço na terceira diretriz, que versa
sobre a “promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis”, cuja ênfase está na
“socialização do conhecimento sobre alimentos e o processo de alimentação bem como
acerca da prevenção dos problemas nutricionais, desde a desnutrição - incluindo as
carências específicas - até a obesidade” (BRASIL, 2005, p.22). O documento menciona
que a educação nutricional contém “elementos complexos e até conflituosos”, e sugere que
“deverão ser buscados consensos sobre conteúdos, métodos e técnicas do processo
educativo, considerando os diferentes espaços geográficos, econômicos e culturais”
(BRASIL, 2005, p.22).
Vale ressaltar que existe uma valorização dos aspectos que envolvem os processos
educativos em alimentação e nutrição, porém não foram estabelecidas claramente as bases
teórico-conceituais e operacionais que deveriam nortear as ações. Esta lacuna foi objeto de
algumas críticas, que consideraram que a proposta educativa se limitava a subsidiar os
indivíduos com informações, pela lógica da transmissão, valorizando a importância dos
meios de comunicação, tanto na produção de campanhas e materiais educativos, quanto no
controle das práticas de marketing relativas à alimentação e aos alimentos (SANTOS,
2005).
É importante mencionar que esta política passou por um processo de atualização e
aprimoramento de suas bases e diretrizes ao completar 10 anos de sua publicação, o que
resultou em uma nova versão publicada em 2012. Antes de passar a esse assunto, cabe
fazer um breve relato dos importantes avanços ocorridos na primeira década dos anos
2000, até o momento atual. A partir dos anos 2000, as conquistas relativas à criação e
consolidação das políticas públicas voltadas a alimentação e nutrição no Brasil foram
bastante substanciais. Seus delineamentos tomaram como base algumas pesquisas sociais,
econômicas, de saúde e consumo alimentar, como por exemplo, as Pesquisas de
Orçamento Familiar (POF) dos anos de 2002-2003 e 2008-2009 (IBGE, 2004, 2006, 2011).
Seus resultados revelaram mudanças no perfil das famílias das cinco regiões brasileiras,
que refletem alterações mais amplas na sociedade. A última POF, por exemplo, trouxe
como inovação a incorporação de um módulo sobre o consumo pessoal de alimentos que
irá atualizar os dados de consumo alimentar, em âmbito nacional (RECINE;
VASCONCELOS, 2011).
49
Um aspecto marcante, neste período foi a consolidação de políticas intersetoriais.
Exemplo desse avanço foi a instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar
Nutricional (LOSAN) em 2006, que criou Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (SISAN) e que culminou na construção da Política Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (PNSAN), lançada em 2010 (BRASIL, 2006; 2010d). Tanto a lei
como a política têm entre suas bases diretivas o fortalecimento das ações de alimentação e
nutrição no sistema de saúde, mas incluem ações que envolvem aspectos associados à
cultura, ao direito e à produção de alimentos. A PNSAN se baseia em oito diretrizes, dentre
elas a “instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional, pesquisa
e formação nas áreas de segurança alimentar e nutricional e do direito humano à
alimentação adequada”, incluindo os processos educativos como prioridade das ações
(BRASIL, 2010b, p.1).
Outras iniciativas relevantes para o campo da alimentação e nutrição e, mais
diretamente, para a práxis da educação nutricional são a Política Nacional de Promoção da
Saúde, a Portaria interministerial nº 1.010, que orienta a promoção da alimentação
saudável nas escolas das redes públicas e privadas, e o Programa Saúde na Escola, que tem
como finalidade contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de
educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde (BRASIL,
2006b; 2006c; 2007b). As duas últimas são iniciativas conjuntas entre os Ministérios da
Saúde e da Educação e se configuram como dispositivos relevantes para atuação do
nutricionista como educador no espaço escolar.
Não podemos nos abster de mencionar o principal evento da primeira década de
2000, que foi a incorporação da alimentação entre os direitos sociais individuais e coletivos
na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional n° 64 (BRASIL, 2010a). Este
fato representa a conquista de um instrumento legal que fortalece mecanismos para a
garantia da efetividade do Direito Humano à Alimentação Adequada a todos indivíduos e
os povos do país.
Conforme apontado acima, uma importante iniciativa foi desenvolvida no ano 2010
– o processo de atualização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). Foi
uma ação do Ministério da Saúde, que promoveu seminários em 26 estados brasileiros,
com o objetivo de avaliar os dez anos de implementação da PNAN e de debater
proposições para uma nova política. Tanto os seminários estaduais como o nacional
50
contaram com a participação de representantes dos segmentos de usuários do SUS,
profissionais de saúde, gestores do SUS e prestadores de serviços (BRASIL, 2010d). Tive
a oportunidade de participar da etapa nacional, que considero um marco histórico na
construção das políticas públicas de alimentação e nutrição no país.
A nova edição da PNAN tem como propósito “a melhoria das condições de
alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promoção de práticas
alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o
cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição” (BRASIL, 2012b,
p.21). Como na edição anterior, a educação nutricional está incluída de forma mais
evidente na diretriz intitulada Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PAAS) –
uma das nove diretrizes da política. Pode-se observar uma abordagem mais ampliada em
relação à compreensão do universo da alimentação e das ações PAAS. A alimentação é
vista como um processo que agrega significados culturais, comportamentais e afetivos,
para além de suas funções biológicas, comumente referidas pelo senso comum. Nesta
mesma perspectiva a PAAS é apresentada como um conjunto de estratégias voltadas aos
indivíduos e coletividades, que visam proporcionar a realização de práticas alimentares
adequadas, considerando a multidimensionalidade da alimentação.
Pode-se perceber também um amadurecimento conceitual em relação aos processos
educativos envolvidos na PAAS. A educação nutricional é identificada como uma
estratégia central, que necessita de articulação de diversos setores para seu
desenvolvimento e que se configura
[...] como processo de diálogo entre profissionais de saúde e a população,
de fundamental importância para o exercício da autonomia e do auto-
cuidado. Isso pressupõe, sobretudo, trabalhar com práticas referenciadas
na realidade local, problematizadoras e construtivistas, considerando-se
os contrastes e as desigualdades sociais que interferem no direito
universal à alimentação (BRASIL, 2012b, p.33).
Os avanços alcançados com a revisão e a definição dos novos rumos da PNAN
reforçam a responsabilidade do Estado brasileiro no enfrentamento da complexidade da
situação alimentar e nutricional vivenciada pela população brasileira no contexto atual.
Importante destacar que a SEGAN do Ministério da Saúde tem se colocado na
vanguarda das políticas de saúde tanto na definição e revisão das e ações no campo da
51
alimentação e nutrição, no debate e indução de politicas que visam o enfrentamento da
indústria de alimento como, por exemplo, na regulamentação da rotulagem de alimentos e
das fórmulas alimentares e infantis quanto no momento atual para redução do sódio,
gordura trans e açúcares dos produtos industrializados.
Para finalizar esta contextualização, é mister falar de um processo importante para a
reflexão sobre a práxis da educação nutricional. A construção do Marco de Referência de
Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas. Uma iniciativa da
Coordenação-Geral de Educação Alimentar e Nutricional do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e um conjunto de parceiros -
Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição (MS), Coordenação Geral do Programa de
Alimentação Escolar do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC),
Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), Conselho Federal de Nutrição (CFN),
Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília
(OPSAN/UnB).
O processo de construção do Marco abrangeu 3 etapas com participação
diversificada e teve o objetivo de construir um documento que contemplasse o caráter
intersetorial do tema Educação Alimentar e Nutricional (EAN), foram eles:
• O encontro "Educação Alimentar e Nutricional – Discutindo Diretrizes ", realizado em
Brasília em outubro de 2011, que teve como objetivo gerar reflexões, intercâmbios e
propostas acerca do tema Educação Alimentar e Nutricional no campo conceitual; de
formação profissional; das práticas; da mobilização e comunicação e das estratégias de
articulação. Participaram do Encontro 160 pessoas, dentre elas: docentes de cursos de
nutrição de universidades públicas e privadas de todo o país; gestores e profissionais que
atuam em políticas públicas relacionadas ao tema da EAN na área da Saúde, Educação,
Assistência Social e Segurança Alimentar e Nutricional.
• A "Atividade Integradora sobre Educação Alimentar e Nutricional", realizada durante a
IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional na cidade de Salvador, em
novembro de 2011, com objetivo de dar prosseguimento as discussões iniciadas no
primeiro encontro. Esta atividade contou com a participação de 27 profissionais, gestores,
docentes e sociedade civil interessados no tema EAN nas diferentes áreas de atuação.
• A "Oficina de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas" realizada no
Congresso Mundial de Nutrição - World Nutrition Rio2012, em abril de 2012, que teve
52
como objetivo compartilhar e acolher a diversidade de visões sobre conceitos e princípios
de EAN, contribuindo para a elaboração do Marco de Referência. A oficina contou com 59
profissionais que atuam com o tema EAN em diferentes áreas, assim como docentes e
pesquisadores de universidades públicas e privadas do Brasil e de outros países como
França e Portugal.
Além disso, foi realizada uma Consulta Pública do documento, produzido com base
nos três encontros, que ficou disponível no mês de junho de 2012. Até a presente data, o
documento final não foi divulgado. Cabe mencionar, que tive a oportunidade de participar
do primeiro e do terceiro encontros, e, também, de colaborar com a consulta pública.
O Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) para as
Políticas Públicas tem como objetivo “promover um campo comum de reflexão e
orientação da prática no conjunto de iniciativas de EAN que tenham origem,
principalmente, na ação pública” (BRASIL, 2012c, p.2). O que motivou a construção do
Marco foi à percepção de que a EAN tem sido considerada estratégica em relação as
questões alimentares e nutricionais contemporâneas, mas as reflexões sobre suas
possibilidades, limites e o modo como é concebida são escassas. Além disso, foi
identificada uma lacuna entre as formulações das políticas públicas e as ações educativas
desenvolvidas no âmbito local.
O Marco traz em seu conteúdo um resumo do histórico da EAN, o conceito, os
princípios, os papéis e os campos de práticas da EAN, uma proposta de agenda pública,
entre outros tópicos. Vale expor aqui o conceito de EAN construído com base nas
discussões dos três eventos. De acordo com o Marco a
Educação Alimentar e Nutricional é um campo de conhecimento e prática
contínua e permanente, intersetorial e multiprofissional, que utiliza
diferentes abordagens educacionais problematizadoras e ativas que visem
principalmente o diálogo e a reflexão junto a indivíduos ao longo de todo
o curso da vida, grupos populacionais e comunidades, considerando os
determinantes, as interações e significados que compõem o
comportamento alimentar que visa contribuir para a realização do DHAA
e garantia da SAN, a valorização da cultura alimentar, a sustentabilidade
e a geração de autonomia para que as pessoas, grupos e comunidades
estejam empoderadas para a adoção de hábitos alimentares saudáveis e a
melhoria da qualidade de vida (BRASIL, 2012c, p.8-9).
Tal como foi sinalizado no escopo do Marco, a produção científica na área de
alimentação e nutrição identifica problemas ao analisar o exercício da educação
53
alimentar e nutricional por parte dos profissionais de saúde, em particular dos
nutricionistas. É comum observar a crítica de que eles têm atuado mais como
veiculadores de informações do que como sujeitos das ações educativas na promoção de
práticas alimentares saudáveis, prejudicando, com isso, a relação dialógica entre
profissional e indivíduo. Esta análise reforça a idéia de que informação e educação são
processos diferentes, que geram sujeitos diferentes (SANTOS, 2005). O fato de
disponibilizar informações não garante a construção crítica do conhecimento
(GADOTTI, 2000).
Este “modo de agir” do profissional nutricionista é, em grande medida, reflexo
do processo de formação acadêmica realizado nos últimos anos. Os conteúdos
abordados nas disciplinas de educação nutricional variaram muito ao longo dos anos e,
segundo alguns autores, não está fundamentada em teorias consistentes que embasassem
suas concepções, pesquisas e práticas profissionais (BOOG, 1997; LIMA; OLIVEIRA;
GOMES, 2003; SANTOS, 2005; FRANCO; BOOG, 2007). Na formação do
nutricionista, há maior ênfase ao conteúdo biológico em detrimento dos aspectos
psicológicos, socioculturais, econômicos, históricos e ambientais envolvidos no
processo de alimentação. Isso dificulta ao estudante a aproximação com outros campos
do conhecimento e com reflexões que lhe permitiriam compreender melhor os
determinantes das problemáticas nutricionais e alimentares, o que acaba
comprometendo o preparo do profissional para assumir as atividades educativas
(CERVATO et al., 2005).
Um dos desafios que se apresentam hoje à educação nutricional é o de
estabelecer uma interação entre diferentes abordagens educativas com a compreensão da
multidimensionalidade da alimentação humana, visando promover saúde e qualidade de
vida junto a indivíduos e coletividades. Este aspecto é desafiador tanto para os
profissionais que estão em contato direto com os públicos quanto para os docentes da
educação superior, envolvidos com a formação de profissionais que irão lidar com uma
realidade complexa. Nesse sentido, se configura como um elemento de interesse central
ao escopo desta tese.
54
2.3 O CAMINHO E O ENCONTRO COM O OBJETO NA PESQUISA DE CAMPO
“Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.”
Antônio Machado, poeta espanhol.
É comum ocorrer em projetos de pesquisa algumas mudanças no processo de
delineamento da pesquisa de campo. Nesse estudo não foi diferente. Foram feitas algumas
alterações no projeto inicial apresentado para entrada no doutorado, sob influencia do
processo de qualificação, de orientação e de amadurecimento da pesquisa. A seguir, faço
um convite ao leitor para conhecer os caminhos e bastidores da pesquisa, já que “os
processos são tão importantes quanto os resultados” (1.ISC), como mencionou uma das
professoras entrevistadas. Compartilho da mesma opinião e, por isso, faço a exposição
abaixo.
No projeto inicial, o objeto central de interesse de estudo era a formação em
educação nutricional nos cursos de nutrição, tendo como foco imediato a disciplina
educação nutricional. Estava previsto o diálogo com os professores desta disciplina, para
conhecer suas opiniões e experiências na área, e com os estudantes que já a tivessem
cursado para conhecer suas percepções, vivências e avaliação da formação.
Com o passar do tempo, das leituras e das reflexões, fomos sentindo a necessidade
de ampliar o foco de análise para outras disciplinas do curso, que também poderiam
colaborar com a formação em educação nutricional – os estágios. Os estágios são o lócus
clássico para a realização das atividades vivenciadas no cenário de atuação profissional. É
o momento de experimentar e exercitar a atividade profissional ainda em um processo de
graduação e de aprendizagem formal. Em função disso, incluímos no conjunto de atores de
interesse do projeto os professores supervisores ou coordenadores de estágio, das três áreas
clássicas da nutrição: Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva (INEP,
2006). A intenção era conhecer seus olhares e experiências em relação à educação
nutricional e às possíveis interfaces com suas áreas de atuação e com as atividades do
estágio.
55
Ficaram definidos, então, os seis atores de diálogo – professores da disciplina
educação nutricional e das disciplinas estágio supervisionado em alimentação coletiva, em
nutrição clínica e em saúde pública, estudantes no último ano do curso e a pesquisadora.
O universo desta pesquisa envolveu Instituições de Ensino Superior (IES) públicas
e privadas do Rio de Janeiro, que tinham curso de graduação em Nutrição ativo e
reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Para o planejamento da pesquisa de
campo, foi realizado levantamento na internet com objetivo de identificar as Instituições de
Ensino Superior (IES) da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que ofereciam o curso
de Nutrição, no ano de 2010. Buscou-se no endereço do MEC na internet a relação dos
cursos presentes no Cadastro de Instituições de Educação Superior. Esta relação foi
comparada com a lista disponível na página do Conselho Federal de Nutricionistas e com
as páginas das IES para confirmar a oferta dos cursos (Quadro 1).
Quadro 1 – Cursos de graduação em nutrição situados na região metropolitana2 do Estado do
Rio de Janeiro por categoria administrativa e município.
Instituição de Ensino Superior Categoria
administrativa
Município
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Pública Rio de Janeiro
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
– UNIRIO
Pública Rio de Janeiro
Universidade Federal Fluminense – UFF Pública Niterói
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Pública Rio de Janeiro
Centro Universitário Augusto Motta – UNISUAM Privada Rio de Janeiro
Centro Universitário Celso Lisboa – UCL Privada Rio de Janeiro
Centro Universitário Metodista Bennett Privada Rio de Janeiro
Centro Universitário Plínio Leite – UNIPLI Privada São Gonçalo
2 Atualmente, a região metropolitana do Rio de Janeiro é composta, segundo a Lei Complementar
Np° 105 de 2002, por 17 municípios: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim,
Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São
João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tanguá.
Fonte:
http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/como_anda/como_anda_RM_riodejaneiro.pdf
56
Faculdade Bezerra de Araújo – FABA Privada Rio de Janeiro
Universidade Castelo Branco – UCB Privada Rio de Janeiro
Universidade do Grande Rio Professor José de
Souza Herdy – UNIGRANRIO
Privada Duque de
Caxias
Universidade Estácio de Sá – UNESA Privada Rio de Janeiro
Universidade Gama Filho – UGF Privada Rio de Janeiro
Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO Privada Niterói
Universidade Veiga de Almeida – UVA Privada Rio de Janeiro
Fonte: http://emec.mec.gov.br/, 2012.
No ano de 2010, havia na região metropolitana do Rio de Janeiro quatro IES
públicas e onze IES privadas com curso de graduação em Nutrição ativo, que tinham
formado pelo menos uma turma. Deste universo de quinze IES, decidimos excluir a
UNIRIO, pois faço parte do corpo docente desta instituição, na função de professora da
disciplina Educação Nutricional, ficando inviável a realização do estudo, tal como foi
delineado.
Cabe informar que o desenho inicial do estudo envolvia somente as IES situadas no
município do Rio de Janeiro. Em função disso, o pré-teste da pesquisa de campo foi
realizado em uma universidade fora deste município. Pela riqueza dos dados obtidos e pela
sugestão dos componentes da banca de qualificação, essa universidade e os resultados
obtidos junto à sua comunidade foram incluídos como objeto de pesquisa.
Outra informação importante é que o início da pesquisa de campo só aconteceu
após apreciação e aprovação3 do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva (IESC), da UFRJ (Apêndice A). Para isso, foi feito contato
com a direção dos cursos de graduação em Nutrição para apresentação da proposta e
obtenção do aceite de participação. Foram enviados uma carta-convite (Apêndice B) e um
Termo de Compromisso Institucional (Apêndice C), nos quais estavam descritos os
propósitos e as características do estudo, as etapas de levantamento dos dados, os aspectos
3 CEP/IESC – Parecer nº116/2010; Processo nº 52/2010.
57
éticos da pesquisa e uma declaração de compromisso da universidade em participar do
estudo. Esta iniciativa ocupou um tempo significativo, pois as coordenações
encaminhavam o termo para instâncias superiores e estas, por vezes, tiveram um caminho
de retorno demorado para as coordenações dos cursos. Dos cursos contatados apenas o
Centro Universitário Metodista Bennett não deu um retorno com a resposta.
Passada a qualificação, o lócus da pesquisa foi delimitado em três universidades
públicas e três universidades privadas da região metropolitana do Rio de Janeiro, sendo
quatro delas no município do Rio de Janeiro e dois delas fora desta cidade. Caso este
recorte não fosse suficiente para responder aos objetivos da pesquisa, seriam incluídas
outras IES privadas, pela inexistência de outras IES públicas no estado. Antecipo que esta
inclusão não foi necessária em função de termos alcançado o ponto de saturação nas
entrevistas e grupos focais realizados. O “ponto de saturação” é percebido quando os novos
entrevistados começam a repetir os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, sem
acrescentar novas informações relevantes (SILVA et al., 2006).
O critério de seleção das IES privadas se baseou nos seguintes termos: no
município do Rio de Janeiro foram incluídos o curso mais antigo e o curso mais novo na
época da seleção, que tivesse formado pelo menos uma turma; na região Metropolitana,
excluindo o município do Rio de Janeiro, foi incluída a IES com oferecimento do maior
número de vagas e que se localizasse em um município diferente da IES pública situada
fora do município do Rio de Janeiro. A identificação do número de vagas oferecidas foi
feito na página do MEC na internet. Quanto às IES públicas, foram selecionadas todas,
excluindo a UNIRIO, conforme mencionado anteriormente. No quadro abaixo podem ser
observadas informações básicas dos cursos participantes da pesquisa, obtidas na página da
internet do e-mec, do MEC e, também, junto aos diretores dos cursos (Quadro 2).
58
Quadro 2 – Informações básicas das IES participantes da pesquisa
IES
Ano de
autorização
Organização
acadêmica
Categoria
administrativa
Número de
vagas/ano
Carga
horária
mínima
Modalidade
de ensino
Número de
semestres
1 1944 Universidade Pública 88 3195 hs Presencial 8 semestres
2 1948 Universidade Pública 90 3790 hs Presencial 8 semestres
3 1968 Universidade Pública 70 4645 hs Presencial
9
semestres*
4 1983 Universidade Privada 100* 3325 hs
Presencial e
distância 8 semestres
5 2003 Universidade Privada 80* 3900 hs
Presencial e
distância* 8 semestres
6 2005
Centro
Universitário Privada 80* 3723 hs Presencial 8 semestres
Fonte: http://emec.mec.gov.br/
* Diferente da informação do e-mec e informado pelo diretor.
Para o desenvolvimento do estudo foram utilizados métodos e técnicas da pesquisa
qualitativa, tanto para produção como para análise dos dados. A produção dos dados foi
gerada junto aos dois grupos de interesse da pesquisa: os professores e os estudantes. Cabe
esclarecer que, na perspectiva da pesquisa social, os dados não são coletados, mas
produzidos. Existe a compreensão de que os dados não existem de forma independente do
meio pelo qual são interpretados, seja um modelo teórico, um conjunto de pressupostos ou
os interesses que levaram aos dados serem produzidos, pois há uma produção de acordo
com cada realidade e relação estabelecida entre pesquisador e pesquisado (MAY, 2004).
O primeiro conjunto de dados foi obtido por meio de entrevistas semi-estruturadas
junto a docentes responsáveis pela disciplina Educação Nutricional e a docentes
responsáveis ou coordenadores da disciplina Estágio ou Internato nas três áreas clássicas
da Nutrição – Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Pública. O objetivo das
entrevistas foi conhecer e analisar as diversas trajetórias e perfis profissionais, somado às
opiniões, experiências, dificuldades e expectativas destes professores em relação à
Educação Nutricional e à formação em nutrição de um modo geral. Os roteiros das
entrevistas foram elaborados com base na hipótese e objetivo da pesquisa, e em outros
estudos realizados na área, sendo organizado em três blocos (Apêndice D). Abaixo um
quadro sintético com a apresentação geral das questões abordadas (Quadro 3).
59
Quadro 3 - Blocos, temas e questões abordadas no roteiro de entrevista com os
professores
Blocos Temas Questões
1. Informações
básicas do docente
Dados pessoais nome, data de nascimento
Formação profissional graduação, pós-graduação
Vínculo institucional
com IES
tempo na IES, disciplinas ministradas
Experiência
profissional
antes do ingresso na IES ou atual em
paralelo a IES
2. Trajetória de
vida
Origem local de nascimento, bairro onde viveu,
atividade dos pais, condição social da
família
Experiência escolar na
infância e adolescência
fatos, situações ou professores marcantes
Experiência
universitária
motivação para escolha da nutrição
fatos, situações ou professores marcantes
lembranças das aulas de EN
Docência
como se tornou professor(a)
opinião sobre o perfil dos professores de
EN ou de estágio
o que representa/significa ser professor
3. Opiniões e
experiências sobre
a formação em
nutrição, em
educação
nutricional e no
estágio/internato
Opiniões e percepções
papel da EN e do estágio na formação do
nutricionista
inter-relação da EN com outras disciplinas
do curso
Experiência docente organização, dinâmica, métodos e recursos
didáticos utilizados na disciplina
autores, referenciais ou linhas de
pensamento que dão inspiração teórica
para ministrar a disciplina
conteúdos, temas e abordagens essenciais
e que são desafiantes no contexto das
disciplinas
relacionamento com estudantes
60
Perspectivas gerais desafios atuais da educação nutricional na
formação e na área de atuação
avaliação da formação do nutricionista no
contexto atual
As entrevistas foram iniciadas com perguntas mais objetivas sobre o docente, como
por exemplo, a formação acadêmica e as experiências de trabalho, pois eram questões que
não traziam muita dificuldade e não exigiam muita reflexão. Foi estratégico,
principalmente junto aos professores que eu não conhecia. Em seguida, passávamos para as
questões relativas à trajetória de vida. Incluímos estas questões no repertório da entrevista,
pois no processo de reflexão e construção do objeto de pesquisa sentimos a necessidade de
ampliar o olhar e conhecer melhor os professores entrevistados e não só suas experiências
e opiniões relativas às disciplinas que ministram.
No âmbito da pesquisa qualitativa, o uso de estratégias focadas em investigar a
trajetória ou história de vida é considerado um poderoso instrumento para a descoberta, a
exploração e a avaliação de como as pessoas compreendem seu passado, vinculam sua
experiência individual a seu contexto social, constroem sua identidade, interpretam-na e
dão-lhes significado, a partir do momento presente. Várias teorias a utilizam para
investigação de diferentes meios sociais, recortes teóricos e temas, na intenção de se buscar
uma unidade na diversidade (TEODORO; TORRES, 2006; MINAYO, 2008). Essas
estratégias exigem uma consciência reflexiva que abrange investigadores e interlocutores
na construção de um discurso inserido num contexto histórico-social mais amplo. A
aproximação com a trajetória de vida, quando incluída como parte de um escopo maior de
pesquisa, auxilia o pesquisador no processo de análise, pois possibilita uma relativização
do olhar sobre as respostas dos sujeitos da pesquisa, gerando maior contextualização e
análise crítica sobre o universo estudado.
Nesta direção, investimos em questões que pudessem trazer à tona a trajetória de
vida de cada professor desde a infância ao momento atual, tendo como fio condutor suas
experiências educativas. A intenção era facilitar que o professor pensasse “o hoje” levando
em conta sua história, considerando o processo e não só o resultado. Este segundo bloco
funcionou, também, como um aquecimento para as questões do terceiro bloco que exigiam
certa elaboração e uma reflexão mais aprofundada sobre suas práticas individuais e
61
coletivas no processo de formação em nutrição e sobre suas percepções das relações
estabelecidas nesse processo.
O segundo conjunto de dados foi produzido por meio de entrevista coletiva com
estudantes que estivessem no último ano do curso (7° ou 8° período), que já tivessem
cursado a disciplina Educação Nutricional e estivessem inseridos em estágios. Utilizamos a
técnica de Grupo Focal para esta etapa (GATTI, 2005; MINAYO, 2008). As questões
norteadoras buscaram conhecer as opiniões dos estudantes sobre as experiências vividas
durante a formação em educação nutricional, sobre o papel do nutricionista como educador
e, também, a avaliação da formação em nutrição como um todo (Apêndice E).
A escolha pela utilização das técnicas de grupo focal e entrevista semi-estruturada
se deu pelo fato de que elas permitem obter informações em profundidade e investigar
diferentes percepções, valores, subjetividades e conhecimentos dos indivíduos em relação a
uma experiência, um tema específico ou um comportamento dentro de determinados
grupos por meio do diálogo (VICTORA; KNAUTH; HANSEN, 2000; MINAYO, 2008).
Nestas técnicas, ocorre a interação entre entrevistado e entrevistador ou moderador, relação
que é considerada elemento fundamental no processo de construção do conhecimento e que
possibilita ao informante o alcance da liberdade e espontaneidade (TRIVIÑOS, 2006). No
caso da pesquisa qualitativa, esta interação não é considerada um risco, e sim, uma
possibilidade de aprofundamento de uma relação subjetiva que pode revelar aspectos
afetivos e cotidianos, importantes para a pesquisa (MINAYO, 2008).
A aparente informalidade do debate nos grupos focais e no diálogo estabelecido na
entrevista se reveste de uma série de pressupostos, de cuidados teóricos e práticos que
podem facilitar ou também prejudicar o conhecimento da realidade investigada. Na opinião
de Minayo (2000, p.129), o grupo focal “consiste numa técnica de inegável importância
para se tratar das questões da saúde sob o ângulo do social”. A literatura recomenda um
mínimo de 3 grupos focais com 6 a 12 participantes (KRUEGER, 1994). Isto se justifica
pelo fato de que em grupos maiores, a participação, as oportunidades de troca de idéias e o
aprofundamento do tema podem ficar limitados (GATTI, 2005).
No caso das entrevistas semi-estruturadas, Minayo (2008) as considera um
instrumento privilegiado de coleta de informações, pois possibilita encontrar falas
reveladoras de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos. Ao
mesmo tempo permite transmitir, por meio do indivíduo, representações de determinado
62
grupo social contextualizadas no processo histórico, sócio-econômico e cultural. Ou seja,
as consciências individuais refletem e expressam a consciência coletiva. Além disso, a
entrevista permite um tipo de interação verbal privilegiada e densa enquanto relação social,
que exerce efeitos sobre os resultados obtidos (BOURDIEU, 1997).
Tanto nas entrevistas quanto nos grupos focais, foram considerados os pressupostos
da Entrevista Compreensiva para a condução dos diálogos e para análise das informações
produzidas (KAUFMANN, 2011). É importante destacar que, no processo de escrita,
houve a intenção e o cuidado de evitar uma apropriação depreciativa dos discursos e
experiências, buscando fazer uma análise responsável e comprometida com os parceiros da
pesquisa, ou seja, os entrevistados.
Vale mencionar ainda que, além das entrevistas e grupos focais, obtivemos junto a
direção dos cursos algumas informações básicas como o início de funcionamento do curso,
o tipo de organização acadêmica e administrativa, o número de vagas oferecidas, as
modalidades de ensino, a carga horária e, também, a estrutura curricular e as ementas das
disciplinas pesquisadas. Pretende-se, com a articulação das informações obtidas, ter um
quadro mais abrangente do objeto estudado.
Definidas as IES públicas e privadas a serem investigadas e as questões centrais a
serem abordadas nas entrevistas e grupos focais, procedemos a entrada em campo. O
primeiro passo foi o contato via correio eletrônico ou telefone com as direções dos cursos
para apresentação do projeto. Havendo interesse na participação foi feito contato presencial
para obtenção da assinatura no Termo de Compromisso Institucional. Todos os diretores
dos cursos se mostraram disponíveis à parceria, providenciaram o aceite de participação na
pesquisa nas instâncias superiores e facilitaram o contato com os professores e os
estudantes do último ano do curso.
Como o projeto previa o diálogo com o professor da disciplina Educação
Nutricional e os professores responsáveis pela disciplina Estágio das três grandes áreas da
Nutrição, em cada uma das 6 IES seriam entrevistados 4 docentes, perfazendo um total de
24 entrevistados. Porém, algumas IES apresentam número variado de professores por
disciplinas e, também, nas modalidades de estágio supervisionado e de internato. Portanto,
o convite para participação na pesquisa foi feito a todos os professores de Educação
Nutricional – objeto central desta pesquisa, e a um (01) professor responsável pelo estágio
em Alimentação Coletiva, em Nutrição Clínica e em Saúde Publica, tanto da modalidade
63
estágio supervisionado quanto da modalidade internato. No que se refere ao quantitativo de
participantes dos grupos focais, prevíamos um diálogo com no mínimo 36 e no máximo 72
estudantes, tomando como base o número sugerido por Krueger (1994).
O convite aos professores e aos estudantes foi feito por correio eletrônico, com o
envio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice F) contendo os
procedimentos da pesquisa, e por telefone, quando necessário. Os contatos foram
repassados pelas direções dos cursos. No caso dos estudantes, foram convidados todos os
estudantes dos dois últimos períodos do curso, com o informe de que participariam do
grupo focal os 12 primeiros alunos que respondessem afirmativamente e que se
adequassem aos critérios de inclusão mencionados acima.
Ao longo da pesquisa de campo me encontrei com 31 professores e 61 estudantes
dos 6 cursos de graduação em nutrição envolvidos na pesquisa. As entrevistas e grupos
focais ocorreram nas dependências das 6 IES participantes entre os meses de outubro de
2010 e outubro de 2011, gerando aproximadamente 70 horas de gravação, conforme
disposto nos Quadros 4 e 5. Vale destacar, que todos os professores convidados aceitaram
participar da pesquisa e que não houve desistências ou perdas.
Quadro 4 – Codificação dos professores, por IES, disciplina, tempo e data da
entrevista, 2010/2011.
IES Codificação
professor
Disciplina Tempo
entrevista
Data
1
1.EN1 Educação Nutricional 1h16m 16/05/11
1.EN2 Educação Nutricional 2h05m 16/05/11
1.EN3 Educação Nutricional 2h50m 25/05/11
1.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 2h05m 23/05/11
1.IAC Internato em Alimentação
Coletiva
2h13m 19/05/11
1.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h50m 09/06/11
1.INC Internato em Nutrição Clínica 1h25m 21/06/11
1.ESC Estágio em Saúde Coletiva 2h10m 16/06/11
1.ESC Internato em Saúde Coletiva 2h47m 01/06/11
64
2
2.EN Educação Nutricional 1h36m 26/05/11
2.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 3h30m 07/06/11
2.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h08m 31/05/11
2.ESC Estágio em Saúde Coletiva 2h45m 26/05/11
2. ISP Internato em Saúde Coletiva 1h55m 09/06/11
3
3.EN1 Educação Nutricional 1h50m 19/10/10
3.EN2 Educação Nutricional 2h00m 19/10/10
3.EN3 Educação Nutricional 1h40m 25/10/10
3.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 2h08m 25/10/10
3.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h12m 22/10/10
3.ESC Estágio em Saúde Coletiva 1h10m 28/10/10
4
4.EN* Educação Nutricional 1h45m 30/06/11
Estágio em Saúde Coletiva 30/06/11
4.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 1h46m 16/06/11
4.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h25m 15/06/11
5
5.EN Educação Nutricional 2h00m 22/09/11
5.EAC Estágio Alimentação Coletiva 1h16m 27/09/11
5.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h16m 26/09/11
5.ESP Estágio em Saúde Coletiva 2h52m 22/09/11
6
6.EN Educação Nutricional 3h00m 11/10/11
6.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 2h52m 15/09/11
6.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h02m 16/09/11
6.ESP Estágio em Saúde Coletiva 1h30m 29/09/11
Total 31 professores 60h07m
* Nesta IES a professora de Educação Nutricional também é a responsável pelo Estágio Supervisionado em
Saúde Pública.
65
Quadro 5 – Número e codificação dos estudantes, por IES, por tempo e data do grupo
focal, 2010/2011.
IES Número de
Estudantes
Codificação estudantes Tempo
GF
Data
1 12 1.est1, 1.est2, 1.est3, 1.est4, 1.est5, 1.est6,
1.est7, 1.est8, 1.est9, 1.est10, 1.est11, 1.est12
1h35m 17/06/11
2 9 2.est1, 2.est2, 2.est3, 2.est4, 2.est5, 2.est6,
2.est7, 2.est8, 2.est9
2h30m 01/07/11
3 9 3.est1, 3.est2, 3.est3, 3.est4, 3.est5, 3.est6,
3.est7, 3.est8, 3.est9
1h22m 27/10/10
4 11 4.est1, 4.est2, 4.est3, 4.est4, 4.est5, 4.est6,
4.est7, 4.est8, 1.est9, 1.est10, 1.est11
1h33m 15/06/11
5 10 5.est1, 5.est2, 5.est3, 5.est4, 5.est5, 5.est6,
5.est7, 5.est8, 5.est9, 5.est10
1h25m 17/10/11
6 10 6.est1, 6.est2, 6.est3, 6.est4, 6.est5, 6.est6,
6.est7, 6.est8, 6.est9, 6.est10
1h05m 25/10/11
Total 61 9h30m
Para facilitar a compreensão dos leitores foi feita a padronização da nomenclatura
dos estágios, que variam entre as IES. Por exemplo, em uma IES encontramos a disciplina
“Estágio em Nutrição Social”, em outra “Estágio Supervisionado de Nutrição em Saúde
Coletiva”, em outra “Estágio em Saúde Pública”, todos se referem à mesma área de
atuação, descrita na resolução nº 380 do CFN como Saúde Coletiva (CFN, 2005).
Padronizamos este caso sob a nomenclatura de Estágio em Saúde Coletiva. Retiramos o
termo „Nutrição‟ por entender que este é o contexto da pesquisa e para reduzir a
quantidade de letras na codificação. O mesmo aconteceu com o que decidimos padronizar
como Estágio em Alimentação Coletiva, que também é nominado de diferentes formas
como, por exemplo, “Estágio em Alimentação Institucional”, “Estágio Supervisionado em
Nutrição Institucional”, “Estágio em Unidades de Alimentação e Nutrição”. Isto não
ocorreu em relação aos nomes da disciplina estágio na área de nutrição clínica, que se
referem ao Estágio em Nutrição Clínica, conforme mantemos na nossa codificação.
Também sob o argumento de reduzir a quantidade de letras na codificação e facilitar a
leitura não incluímos a palavra supervisionado no nome das disciplinas.
66
Foi criada uma codificação específica para cada participante da pesquisa. Elas estão
localizadas ao final dos fragmentos de falas, que estão expostas ao longo do texto, a fim de
manter o anonimato dos professores e dos estudantes e, também, para facilitar a
identificação do vínculo do entrevistado com determinada IES e do professor com a
disciplina ministrada. A codificação sempre é iniciada pelo número da IES, prosseguida
pela identificação do entrevistado. Exemplo: 1.EN2 (um dos três professores de educação
nutricional da IES 1), 2.EAC (professor responsável pelo Estágio em Alimentação Coletiva
da IES 2), 3.Est6 (estudante 6 da IES 3).
Todas as entrevistas com os professores foram realizadas por mim e seguiram as
seguintes etapas: 1. Apresentação do projeto de pesquisa; 2. Leitura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 3. Aceite e assinatura do TCLE; 4. Realização
da entrevista com base no roteiro de questões; 5. Agradecimento de participação. Elas
tiveram duração mínima de 01 hora e 02 minutos e duração máxima de 03 horas e 30
minutos, conforme descrito no Quadro 4.
A justificativa para algumas entrevistas longas se deve ao fato de termos optado por
realizar a entrevista em profundidade, na intenção de evitar um material frágil e possíveis
perdas de informações relevantes geradas por interrupções precipitadas do entrevistador
para passar a outra pergunta. Deve-se utilizar o tempo que for necessário, permitindo que o
entrevistado fale livremente, sempre mediado pelas questões de interesse do investigador
(KAUFMANN, 2011). As falas são as principais unidades de referência para análise. A
experiência de Bourdieu (1997, p.700) nos diz que as entrevistas “representam um
momento privilegiado em uma longa série de trocas” e não devem ser realizadas de forma
arbitrária ou às pressas.
Em muitos momentos os entrevistados entravam em um fluxo de pensamento e
discurso, respondendo a perguntas que não tinham sido feitas, com relatos construídos por
uma lógica própria, mas com uma fala fluída e às vezes longa. Isso refletia uma
necessidade de falar, de usar a entrevista como oportunidade de organizar seus
pensamentos, de afirmá-los para si e para o pesquisador, como um espaço de reflexividade.
Esses momentos exigiam uma escuta ativa e uma disponibilidade total para o sujeito em
diálogo, reduzindo com isso a possível “violência simbólica”, alertada por Bourdieu (1997)
em processos de pesquisa pouco cuidadosos.
67
Os grupos focais também foram mediados por mim e apoiados por uma monitora,
previamente capacitada. Como mediadora tive a função de iniciar as atividades, apresentar
as questões para o debate, incentivar e garantir a palavra de todos os participantes e
aprofundar algumas questões relevantes para a compreensão do tema. A monitora teve
como função registrar o ordenamento das falas dos participantes e a linguagem não verbal
expressa nos diálogos e outros apoios que se fizeram necessários. A realização do grupo
focal considerou as seguintes etapas: 1. Apresentação do projeto de pesquisa; 2. Leitura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 3. Aceite e assinatura do TCLE; 4.
Realização do grupo focal com base no roteiro de questões norteadoras; 5. Agradecimento
de participação; 6. Sorteio de livro da área de educação ou de nutrição; 7. Oferecimento de
lanche. As duas últimas etapas foram realizadas como forma de agradecimento pela
participação, incentivo à leitura e garantia da alimentação, já que muitos grupos focais
eram feitos ao final do turno da manhã ou da tarde.
Busquei realizar as entrevistas com os professores em salas onde existisse somente
a presença de entrevistador e entrevistado, para evitar qualquer constrangimento ou
inibição por parte dos entrevistados e para que se sentissem a vontade e seguros de
partilhar suas opiniões. No caso dos grupos focais, não houve a presença de professores na
sala reservada ao diálogo com os estudantes. Após o término das entrevistas e grupos
focais eu gravava ou anotava as primeiras impressões dos encontros. Realizar estes
apontamentos foi um exercício precioso, porque exigia uma reflexão sobre mim como
entrevistadora, atenta às narrativas e abertas aos insights de análise, e sobre as pessoas
entrevistadas na busca de relatos enfáticos, contradições, lacunas e emoções.
Todos os diálogos foram gravados em dois gravadores digitais, transcritos por
terceiros e revisados por mim. Esse processo consumiu um tempo considerável da
pesquisa. Finalizada esta etapa, foi dado início ao processo de análise, que teve como base
os arquivos sonoros e textos impressos resultantes das entrevistas. A organização dos
dados incluiu a transcrição, revisão e impressão das entrevistas, a organização de anotações
e outras informações que foram colhidas durante a pesquisa de campo.
Conforme mencionado acima, a análise dos relatos produzidos teve como base os
pressupostos da Entrevista Compreensiva. A pré-análise correspondeu à realização de
algumas atividades como: a dupla leitura flutuante do material, a sonora e a escrita, de
forma livre e exaustiva; a formulação de hipóteses emergentes e indicadores de análise
68
com base nos temas recorrentes e relevantes, a fim de orientar os destaques do texto e
facilitar a categorização das unidades de sentido. O tratamento do material consistiu na
exploração dos dados brutos e na elaboração das fichas de interpretação, visando favorecer
a sistematização e a análise, na busca de uma representação significativa dos conteúdos das
falas, principais unidades de referência da pesquisa.
No processo de análise do material, a diversidade e a não uniformidade das
dimensões temáticas abordadas pelos entrevistados me exigiram um duplo olhar: um olhar
mais horizontal para as perguntas feitas no decorrer das entrevistas, a fim de conhecer as
opiniões de todos sobre determinado assunto, e um olhar mais transversal para os conceitos
emergentes e temáticas recorrentes abordados pelos entrevistados, de forma não linear, em
vários momentos do diálogo. A análise compreensiva dos dados foi realizada com base no
cotejamento das categorias relevantes com as hipóteses, os objetivos e os referenciais
teóricos eleitos para abordar o tema. Além disso, nesta proposta metodológica, há um
processo de construção do caminho de análise e organização da tese que se expressa nos
planos evolutivos que podem se desdobrar no sumário.
Não posso finalizar este relato sem falar de uma situação peculiar – a familiaridade
com o universo estudado e a proximidade com alguns professores entrevistados. Na
abordagem metodológica da Entrevista Compreensiva este fator não é preocupante, pelo
contrário, pode trazer vantagens significativas na obtenção das narrativas e na análise do
contexto estudado (KAUFMANN, 2011). No caso desta pesquisa, o fato de eu ser
professora de um curso de graduação em nutrição, de ter atuado em outras duas instituições
e de circular neste universo se traduz no conhecimento de vários docentes entrevistados,
sendo que com alguns cultivo uma relação de amizade.
Além disso, a vivência profissional nestas instituições e na minha própria formação
universitária me fez conhecer de perto as diferentes realidades vivenciadas no cotidiano de
trabalho dos professores e de formação dos estudantes. No caso dos estudantes, alguns
sabiam que eu era professora de um curso de nutrição, outros sabiam que eu era
nutricionista e fazia uma pesquisa de doutorado. Em muitos momentos no diálogo coletivo,
eu buscava mostrar que já havia passado por situações similares durante a minha
graduação, que estava interessada em suas opiniões e que compreendia os comentários
positivos e negativos feitos sobre suas expectativas e experiências universitárias.
69
O conhecimento prévio do universo estudado somado à atenção e à abertura ao
outro podem potencializar a elaboração de perguntas intuitivas e hipóteses provisórias
durante a entrevista, levando os entrevistados a se revelarem além do que seria alcançado
com o repertório básico de questões (BOURDIEU, 1997). Esses saberes prévios também
permitem uma interpretação compreensiva mais realista dos relatos escutados. Com essa
lógica, Bourdieu (1997) considera positiva a realização de entrevista com pessoas
conhecidas ou que tenham sido apresentados por alguém conhecido. Essa proximidade e
familiaridade proporcionam uma maior troca entre pesquisador e pesquisado e asseguram
um acordo sobre os pressupostos dos conteúdos e as formas de comunicação. Os feedbacks
verbais e não verbais, quando colocados oportunamente durante a entrevista, reforçam a
participação intelectual e afetiva do pesquisador.
Devido a esta situação e às relações sociais estabelecidas durante as entrevistas, foi
bastante freqüente o sentimento recíproco de agradecimento ao final dos diálogos – do
pesquisador por ter tido a oportunidade de ouvir histórias até então desconhecidas e, de
certa forma, pessoais; e do entrevistado por poder partilhar sua história, conquistas e
expectativas.
70
3 CONHECENDO OS SUJEITOS DO DIÁLOGO
Os quadros apresentados a seguir (Quadro 6 a 11), permitem uma visão sinótica de
informações básicas dos professores, levantadas por meio do preenchimento do bloco A do
roteiro de questões (Apêndice D). Tais informações nos revelam um pouco das
características pessoais, das escolhas no processo de formação acadêmico-científica, das
vivências profissionais e das condições de trabalho de cada um dos professores,
favorecendo a compreensão do contexto de trabalho vivido pelos docentes e, conseguinte,
de formação dos estudantes de nutrição. O quadro seguinte traz informações (Quadro 12)
sobre os estudantes participantes dos grupos focais.
Cabe informar, que dos 31 professores entrevistados, apenas três eram do sexo
masculino, todos vinculados à IES privadas, representando 10% do total desta amostra.
Esta diferença representativa segue a tendência geral do perfil dos profissionais de
nutrição, que em sua maioria é composta por mulheres (96,5%), uma característica
marcante da categoria profissional dos nutricionistas (CFN, 2006).
71
Quadro 6 - Informações dos docentes entrevistados, IES 1, 2011.
Professor Idade
Categoria
funcional e
regime de
trabalho
Tempo na
IES em
anos
Tempo
geral de
docência
em anos
Tempo de
docência na
disciplina
em anos
Ano de
conclusão da
graduação
Pós-grad. Lato
Sensu / Ano de
conclusão
Pós-grad. Strictu
Sensu / Ano de
conclusão
Disciplinas que ministra
atualmente (graduação em
nutrição)
Outras disciplinas que já
ministrou (graduação em
nutrição)
Instituições/áreas de
atuação anterior
1.EN1 37 Substituto 11h 3,5 3,5 3,5 1999 -
Mestre em
Nutrição/2011;
Doutor em
Nutrição/em
andamento
Educação Nutricional;
Exercício Profissional - Restaurante comercial
1.EN2 39 Assistente 20h 8 9,5 8 1991
Residência em
Saúde
Pública/1994
Mestre em
Educação/1998
Educação Nutricional; Estágio
de Nutrição em Saúde Pública -
FIOCRUZ; UFF;
Secretaria Municipal de
Saúde e Defesa Civil/RJ
1.EN3 47 Assistente 40h 13 13 13 1986 -
Mestre em
Educação/1998;
Doutor em
Nutrição/em
andamento
Educação Nutricional; Estágio
de Nutrição em Saúde Pública -
Unidade de Alimentação e
Nutrição em empresa
privada; Secretaria
Municipal de
Desenvolvimento
1.IAC 39 Assistente 40h 11 16 11 1994 -
Mestre em Medicina
Veterinária/2001;
Doutor em
Nutrição/em
andamento
Internato de Alimentação
Coletiva; Administação de
Serviço de Alimentação
(colaboradora)
Administação de Serviço de
Alimentação; Fundamentos de
Qualidade em Serviços; Estágio
em Alimentação Coletiva
Escola privada; Hospital
Federal de Bonsucesso;
UFF; Empresa de
Alimentação Coletiva;
UNIGRANRIO; UNIPLI
1.EAC 52 Assistente 40h 21 23 17 1983
Administração em
Serviços de
Alimentação/
1985
Mestre em
Educação/1999;
Doutor em Serviço
Social/em
andamento
Estágio de Alimentação
Coletiva; Administração de
Serviços de Alimentação;
Alimentação Institucional
Exercício Profissional; Educação
Nutricional; Saúde Pública;
Marketing em Nutrição; Internato
de Nutrição em Alimentaççao
Coletica; Estágio em Nutrição em
Saúde Pública
Unidades de Alimentação
em Nutrição em empresas
privadas; UGF; UCL;
UVA
1.ENC 50 Adjunto 40h 26 26 26 1982
Administração em
Serviços de
Alimentação/
1984
Mestre em
Educação/1993;
Doutor em Saúde
Coletiva/2003
Estágio em Nutrição Clínica;
Patologia I; Dietoterapia I
Patologia da Nutrição II;
Dietoterapia II
Hospital SEMIC;
Secretaria de Estado de
Educação/RJ; Hospital
Universitário
1.INC 35 Adjunto 20h 7 9 1,5 1998 -
Mestre em
Bioquímica/2000 e
Doutor em Ciências
dos Alimentos/2004
Internato em Nutrição Clínica;
Estágio em Nutrição Clínica
Bioquímica; Nutrição Humana;
Nutrição Experimental; Patologia
da Nutrição; Dietoterapia UNIPLI; UGF; INCA
1.ESP 56 Assistente 40h 10 29 6 1978
Administração em
Serviços de
Alimentação/
1985
Mestre em
Nutrição/1991
Nutrição Materno-infantil;
Estágio em Saúde Coletiva -
Secretaria Municipal de
Saúde/RJ; IASERJ;
UNIRIO; UNESA
1.ISP 43 Adjunto 40h 15 15 5 1989
Residência em
Saúde
Pública/1991
Mestre e doutor em
Saúde Pública/1994
e 1999
Internato em Nutrição em
Saúde Pública
Avaliação Nutricional; Nutrição
em Saúde Pública
UGF; Secretaria Municipal
de Saúde e Defesa
Civil/RJ
72
Quadro 7 - Informações dos docentes entrevistados, IES 2, 2011.
Professor Idade
Categoria
funcional e
regime de
trabalho
Tempo na
IES em
anos
Tempo
geral de
docência
em anos
Tempo de
docência na
disciplina
em anos
Ano de
conclusão da
graduação
Pós-grad. Lato
Sensu / Ano de
conclusão
Pós-grad. Strictu
Sensu / Ano de
conclusão
Disciplinas que
ministra atualmente
(graduação em
nutrição)
Outras disciplinas que já
ministrou (graduação em
nutrição)
Instituições/áreas de
atuação anteriores
2.EN 47 Adjunto DE 0,5 11 5 1999 -
Mestre em Saúde
coletiva/2003;
Doutor em
Medicina
Social/2009 Educação Nutricional
Estágio Superv. em
Nutrição em Saúde
Coletiva; Antropologia da
Alimentação; Exercício
Profissional
Cooperativa; UNIRIO;
Empresa de alimentação;
Consultório em Clínica
Especializada; FAMATH;
UNESA; UERJ
2.EAC 45 Assistente DE 17 22 18 1988
Aperfeiçoamento
Bioquímica
Nutricional e
Alimentos; 1993
Mestre em
Nutrição
Humana/2004
Estágio Superv. em
Alimentação Coletiva;
Administração em
Serviços de Alimentação
II;
Administração em Serviços
de Alimentação I;
Saneamento (colabora);
Introdução a Tecnologia de
Alimentos; Processamento
de alimentos de origem
anima
Empresa de Alimentação
Coletiva; Unidade de
Alimentação e
Nutrição/IASERJ;
UNIVERSO; Gestão e
consultoria em Restaurante
Comercial
2.ENC 45 Adjunto DE 8 12 12 1987 -
Mestre em
Nutrição
Humana/1999;
Doutor em Clínica
Médica/2006
Estágio Superv. em
Nutrição Clínica;
Dietoterapia I e
Dietoterapia II (colabora)
Dietoterapia I; Dietoterapia
II
Empresas de Alimentação
Coletiva (Unidade de
Alimentação e Nutrição e
Marketing); Hospital
Federal de Bonsucesso
2.ESP 52 Adjunto DE 23 15 15 1982 -
Mestre em
Nutrição/1994;
Doutor em Saúde
da Criança e da
Mulher/2007
Nutrição em Saúde
Pública; Estágio Superv.
em Nutrição em Saúde
Pública
Saneamento; Administração
em Saúde Pública
Empresas de Alimentação
Coletiva; Restaurante
Universitário; Unidade de
Saúde-Escola/ Faculdade
de Medicina/UFRJ; UGF
2.ISP 52 Assistente DE 24 28 24 1981
Residência em
Saúde
Pública/1982
Internato em Saúde
Pública; Saneamento e
Saúde; Administração de
Saúde Pública
Nutrição em Saúde Pública;
Epidemiologia; Educação
Nutricional; Avaliação
Nutricional UFPR; UFSC
73
Quadro 8 - Informações dos docentes entrevistados, IES 3, 2010.
Professor Idade
Categoria
funcional e
regime de
trabalho
Tempo na
IES em
anos
Tempo
geral de
docência
em anos
Tempo de
docência na
disciplina em
anos
Ano de
conclusão da
graduação
Pós-grad. Lato
Sensu / Ano de
conclusão
Pós-grad. Strictu
Sensu / Ano de
conclusão
Disciplinas que ministra
atualmente (graduação em
nutrição)
Outras disciplinas que já
ministrou (graduação em
nutrição)
Instituições/áreas de
atuação anterior
3.EN1 51 Adjunto DE 26 27 27 1981
Saúde
Pública/1984
Mestre em
Educação/1995;
Doutor em Saúde
Pública/2005
Educação Nutricional
(colabora); Estudos da
Obesidade (colabora)
Desenvolvimento da
comunidade; Estágio em
Saúde Pública
UFPR; UGF; Ministério
da Agricultura
3.EN2 42 Adjunto DE 2 4 1 1991
Nutrição
Clínica/1998
Mestre em
Nutrição/2000;
Doutor em Saúde
Pública/2005
Avaliação Nutricional; Prática
Integrada em Nutrição
Clínica
Educação Nutricional;
Nutrição Materno-infantil;
Internato em Nutrição
Clínica
Hospital Privado;
Hospital das Clínicas/PR;
UNIPLI; UERJ
3.EN3 50 Adjunto 20h 23 24 24 1982
Saúde
Pública/1986
Mestre em Saúde
da Criança e da
Mulher/1999
Educação Nutricional
(colabora); Prática Integrada
em Creche; Estudos da
Obesidade (colabora)
Estudos dos Problemas
Brasileiros I e II; Estágio
em Saúde Pública
UGF; Secretaria de
Estado de Saúde/RJ;
Secretaria Municipal de
Saúde e Defesa Civil/RJ
3.EAC 53 Adjunto DE 25 29 29 1979 -
Mestre em
Administração de
Sistemas de
Informação/1995
Estágio em Alimentação
Coletiva; Gestão em
Alimentação para
Coletividade; Prática
Integrada em Laboratório
Dietético
Administração de Serviços
de Alimentação;
Alimentação Institucional;
Deontologia; Introdução à
Administração
USU; Unidade de
Alimentação e Nutrição
em empresa privada;
Consultoria para
restaurantes comerciais
3.ENC 53 Adjunto DE 18 18 18 1983
Residência em
Nutrição
Clínica/1984
Mestre em
Tecnologia
Educacional para a
Saúde/2002
Estágio de Nutrição Clínica;
Dietoterapia I e II -
Unidade de Alimentação
e Nutrição em empresa
privada; Hospital e
Clínica privadas
3.ESC 34 Adjunto DE 4 7 4 1999 -
Mestre e Doutor
em Engenharia
Biomédica/2002 e
2006
Estágio Sup. em Saúde
Pública; Seminário de
Trabalho de Conclusão de
Curso
Avaliação Nutricional;
Introdução à Pesquisa em
Nutrição UNESA; FASE
74
Quadro 9 - Informações dos docentes entrevistados, IES 4, 2011.
Professor Idade
Categoria
funcional e
regime de
trabalho
Tempo na
IES em
anos
Tempo
geral de
docência
em anos
Tempo de
docência na
disciplina
em anos
Ano de
conclusão da
graduação
Pós-grad. Lato
Sensu / Ano de
conclusão
Pós-grad. Strictu
Sensu / Ano de
conclusão
Disciplinas que ministra
atualmente (graduação
em nutrição)
Outras disciplinas que
já ministrou
(graduação em
nutrição)
Instituições/áreas de
atuação anterior
4.EN 37 Adjunto 40h 0,5 12 0,5 1996 -
Mestre e Doutor
em
Epidemiologia/2001
e 2005
Educação Nutricional;
Estágio Superv. em Saúde
Pública; Nutrição em
Saúde Coletiva; Exercício
Profissional
Metodologia Científica;
Internato em Saúde
Pública; Nutrição em
Geriatria; Introdução à
Alimentação, Nutrição e
Meio Ambiente
Empresa de
Alimentação Coletiva;
ENSP/FIOCRUZ;
UERJ; UNESA
4.EAC 31 Assistente 4oh 1 5 1 2003
MBA Gestão de
Qualidade e
Segurança dos
Alimentos/2005
Mestre em
Bioquímica
Nutricional dos
Alimentos/2009
Estágio Superv. Em
Alimentação Coletiva;
Técnica Dietética
Administração em
Serviços de Alimentação;
Microbilogia dos
Alimentos; Tecnologia
dos Alimentos; Controle
de Qualidade
Controle de Qualidade
em Hotelaria; Gestão e
consultoria em
Restaurantes
Comerciais; Educação
Continuada em
Hospital privado;
Curso preparatório
para concurso (atual)
4.ENC 31 Adjunto 20h 4 7 1,5 2002 -
Mestre em
Biologia/2005;
Doutor em
Ciências/2008
Estágio Superv. em
Nutrição Clínica;
Orientação do Trabalho
de Conclusão de Curso
Nutrição Clínica;
Nutrição e Dietética;
Dietoterapia; Patologia
Clínica privada;
UNESA; Faculdade
Redentor; Secretaria
Municial de
Educação/Niterói
(atual); Polícia Militar
(atual)
75
Quadro 10 - Informações dos docentes entrevistados, IES 5, 2011.
Professor Idade
Categoria
funcional e
regime de
trabalho
Tempo na
IES em
anos
Tempo
geral de
docência
em anos
Tempo de
docência na
disciplina
em anos
Ano de
conclusão da
graduação
Pós-grad. Lato
Sensu / Ano de
conclusão
Pós-grad. Strictu
Sensu / Ano de
conclusão
Disciplinas que ministra
atualmente (graduação
em nutrição)
Outras disciplinas que
já ministrou
(graduação em
nutrição)
Instituições/áreas de
atuação anterior
5.EN 32 Adjunto 20h 4,5 7 4,5 2003 -
Mestre em Ciência
e Tecnologia dos
Alimentos/2005;
Doutor em Higiene
e Tecnologia dos
Alimentos/2011
Educação Nutricional;
Ética Profissional;
Educação Saúde e Meio
Ambiente; Estágio em
Ciências dos Alimentos;
Trabalho de Conclusão de
Curso
Composição dos
Alimentos; Bromatologia;
Introdução a Nutrição;
Nutrição Experimental;
Tecnologia de Alimentos;
Nutrição e Dietética
UBM; UFF; UNISUAN;
UVA (atual)
5.EAC 31 Assistente 40h 4 4 0,5 2003 -
Mestre em Nutrição
Humana/2006
Estágio Superv. em
Alimentação Coletiva;
Técnica Dietética I e II;
Administração de Serviço
de Alimentação I;
Tecnologia dos Alimentos,
Trabalho de Conclusão de
Curso -
Hospital privado (Clínica e
Unidade de Alimentação e
Nutrição)
5.ENC 35 Assistente 33h 3 7/8 3,5 2000
Nutrição
Clínica/2003 e
2007
Mestre em Nutrição
Esportiva/Em
andamento
Estágio Superv. em
Nutrição Clínica;
Parasitologia; Fisiologia;
Clínica I, II e III; Trabalho
de Conclusão de Curso -
IPV - pós-graduação;
Hospitais privados (atual);
Itaperuna - pós-graduação
(atual)
5.ESP 48 Adjunto 30h 22 22 4 1984
Metodologia do
Ensino Superior/
1990; Gestão em
Saúde Materno
Infantil/ 2002
Mestre em Nutrição
Humana/ 1998
Estágio Superv. em Saúde
Pública
Gestão em Saúde;
Gerontologia; Fisiologia
Unidade de Alimentação e
Nutrição/Hospital da
Posse; Clínica Privada;
Secretaria de Estado de
Saúde/RJ (atual)
76
Quadro 11 - Informações dos docentes entrevistados, IES 6, 2011.
Professor Idade
Categoria
funcional e
regime de
trabalho
Tempo na
IES em
anos
Tempo
geral de
docência
em anos
Tempo de
docência na
disciplina
em anos
Ano de
conclusão da
graduação
Pós-grad.
Lato Sensu /
Ano de
conclusão
Pós-grad. Strictu
Sensu / Ano de
conclusão
Disciplinas que ministra
atualmente (graduação
em nutrição)
Outras disciplinas que
já ministrou
(graduação em
nutrição)
Instituições/áreas de
atuação anterior
6. EN 51 Assistente 10h 5 27 4 1982
Nutrição/198
5
Mestre e Doutor
em Saúde Coletiva/
2001 e 2005
Educação Nutricional;
Nutrição, Saúde e
Estética; Alimentação,
Saúde e Cultura
Nutrição Clínica;
Epidemiologia Nutricional
Hospital privado (Clínica e
Unidade de Alimentação e
Nutrição); Pós-graduação
Carlos Chagas; UERJ
(atual)
6.EAC 42 Auxiliar horista 1 15 2,5 1998
Controle de
Qualidade/20
02 -
Estágio Superv. em
Alimentação Coletiva;
Técnica Dietética
Alimentação, Sociedade
e Cultura; Tecnologia de
Alimentos
UNESA; HUPE/UERJ;
Instituição Asilar (Unidade
de Alimentação e
Nutrição); Home Care
(Unidade de Alimentação
em Nutrição, Clínica);
UVA; Consultório
privado; INU/UERJ
(atual)
6. ENC 30 Auxiliar horista 3 4 2 2006 -
Mestre e Doutor
em Biologia
Humana
Experimental/2008
e 2011
Estágio Superv. em
Nutrição ClínicaI;
Nutrição Clínica I e II;
Avaliação Nutricional;
Internato em Nutrição
Clínica
Consultório privado;
Atendimento Nutricional
Domiciliar; UERJ (atual)
6.ESP 33 Auxiliar 8h 1,5 2 0,5 2002
Materno
Infantil/
Residência em
Saúde
Coletiva /
Gestão em
Sistemas e
Serviços de
Saúde; 2003,
2006 e 2010
Mestre em Saúde
Pública/2008
Estágio em Superv. em
Saúde pública; Ética e
Orientação Profissional;
Trabalho de Conclusão de
Curso
Nutrição e Saúde
Pública; Saúde Coletiva I
e II
IFF/FIOCRUZ; Secreria
de Saúde do Estado/RJ;
Secretaria Municipal de
Saúde/Mesquita; UERJ;
Projeto Teias/FIOCRUZ
(atual)
77
Quanto aos estudantes, não levantamos informações pessoais, como fizemos com
os professores, por entender que nosso objetivo nessa pesquisa é analisar o processo de
formação do qual fazem parte e os possíveis impactos que tal processo pode ter em suas
escolhas e atuação profissional. A única pergunta que fizemos individualmente para cada
estudante da entrevista coletiva foi a primeira questão do roteiro de entrevista: Após a
formação você gostaria de atuar em que área? Fazendo o que? As questões posteriores
foram dirigidas ao grupo.
A primeira pergunta foi delineada com duas intenções. Uma intenção
metodológica: partir de uma reflexão sobre si, que o situasse como indivíduo dentro
daquele grupo, para em seguida refletir sobre o processo de formação vivido
coletivamente, apesar das particularidades experienciadas por cada aluno. Outra intenção
compreensiva para conhecer as escolhas e dilemas dos alunos no final do curso. O quadro
12 apresenta as áreas de interesse profissional dos estudantes entrevistados.
Quadro 12 – Área de interesse profissional dos estudantes, por IES, áreas de atuação
e ordem de prioridade, 2010/2011.
IES Estudante 1ªopção 2ªopção 3ªopção**
1 1.Est1 NC - -
1.Est2 AC - -
1.Est3 NC - -
1.Est4 NC SC -
1.Est5 NC SC
1.Est6 - - -
1.Est7 SC NC
1.Est8 SC
1.Est9 SC
1.Est10 SC
1.Est11 SC
1.Est12 SC
2 2.Est1 - - -
2.Est2 - - -
2.Est3 NC AC docência
2.Est4 NC SC -
2.Est5 NC AC -
78
2.Est6 - - -
2.Est7 esporte NC docência
2.Est8 NC
2.Est9 docência
3 3.Est1 NC SC -
3.Est2 NC SC -
3.Est3 SC NC -
3.Est4 AC SC -
3.Est5 NC - -
3.Est6 SC NC docência
3.Est7 AC SC -
3.Est8 AC NC SC
3.Est9 NC SC
4 4.Est1 Marketing SC AC
4.Est2 AC SC NC
4.Est3 NC
4.Est4 AC SC
4.Est5 AC SC
4.Est6 NC
4.Est7 NC
4.Est8 NC
4.Est9 SC
4.Est10 SC NC
4.Est11 NC
5 5.Est1 NC AC
5.Est2 AC
5.Est3 SC
5.Est4 SC
5.Est5 AC
5.Est6 NC
5.Est7 NC SC
5.Est8 NC SC AC
5.Est9 SC NC Agroecologia
5.Est10 AC
6 6.Est1 AC
6.Est2 AC SC
79
6.Est3 SC AC
6.Est4 NC
6.Est5 NC
6.Est6 SC
6.Est7 SC
6.Est8 NC AC
6.Est9 SC NC
6.Est10 AC
Consolidado 1ªopção 2ªopção 3ªopção
AC (alimentação coletiva) 13 (21,3%) 5 2
NC (nutrição clínica) 24 (39,3%) 8 1
SC (saúde coletiva) 17 (27,9%) 15 1
Docência 1 (1,6%) 3
Marketing 1 (1,6%)
Esporte 1 (1,6%)
Sem opção 4 (6,6%)
* AC: alimentação coletiva; NC: nutrição clínica; SC: saúde coletiva
** Refere-se à 1ª e a 3ª opção de área de atuação ou relacionada as 1ª ou 2ª opções.
Um estudo feito com 809 estudantes de nutrição, de doze cursos da cidade do Rio
de Janeiro, evidenciou que 18,7% tinham menos de 19 anos, 35,9% entre 20 e 22 anos,
18,3% entre 23 e 25 anos, 10,0% entre 26 e 28 anos e 17,2% com 29 anos ou mais; com
média de 24 anos (FONSECA, 2009). Ainda no estudo, a grande maioria (92%) era do
sexo feminino, ficando muito próximo do perfil de gênero dos profissionais de nutrição em
nível nacional (CFN, 2006; FONSECA et al., 2009).
Nesta pesquisa, dos 61 estudantes que participaram dos grupos focais, apenas 4
(6,5%) são do sexo masculino, reiterando a baixa participação de estudantes do sexo
masculino nos cursos. Quanto à área de interesse profissional, a Nutrição Clínica foi
apontada como primeira opção por 39,3% dos estudantes, seguida das áreas de Saúde
Coletiva e Alimentação Coletiva, com 27,9% e 21,3% respectivamente. No estudo
realizado por Fonseca et al (2009), que utilizou a Escala de Likert para avaliar o grau de
interesse dos estudantes pelas áreas de atuação, o resultado seguiu a mesma tendência,
porém com proporções diferentes pelo uso de metodologias diferenciadas. No estudo
citado, a Nutrição Clínica foi apontada como a área de maior grau de interesse, por 79,7%
dos entrevistados. As áreas de Saúde Coletiva e da Indústria de Alimentos também
80
mobilizam o interesse dos estudantes (58,1% e 57,8). Eles expressaram baixo ou muito
baixo interesse em relação ao trabalho nas áreas de docência e de marketing (38,7% e
34,9%) (FONSECA et al., 2009).
A respeito do interesse profissional na área clínica, Bosi (1996) observou que
grande parte dos alunos que buscavam o curso de Nutrição o faziam a partir da desistência
de outros cursos considerados “nobres”, como Medicina e Odontologia. Observando os
resultados referentes a área de Nutrição em Saúde Coletiva, percebe-se que existe certo
interesse dos estudantes por essa área de atuação, tendo sido considerado de baixo interesse
por apenas 16% dos entrevistados. Alguns estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990
evidenciaram um afastamento do nutricionista da área de Saúde Coletiva (BOOG;
RODRIGUES; SILVA, 1988; PRADO; ABREU, 1991; BOSI, 1996). Este perfil parece
estar se alterando em função das mudanças ocorridas no mundo do trabalho no final do
século XX, com os avanços nas políticas públicas de saúde e de alimentação e nutrição,
com a abertura de concursos públicos para a categoria de nutricionistas a partir dos anos
2000, tornando o setor público uma opção atrativa em função da estabilidade profissional.
Ao investigar a inserção profissional do nutricionista no Brasil, o Conselho Federal
de Nutricionistas evidenciou que 41,7% dos profissionais estavam atuando em Nutrição
Clínica, 32,2% em Alimentação Coletiva, 8,8% em Saúde Coletiva, 8,8% Ensino e
Educação, 4,1% Nutrição Esportiva e 3,7% em Indústria de Alimentos (CFN, 2006). Este
cenário confirma a tendência dos alunos pela área de Nutrição Clínica, porém revela a
elevada atuação profissional na área de Alimentação Coletiva, provavelmente por ser a
área que apresenta maior oferta de trabalho. A área de Saúde Coletiva, apesar de se
apresentar como foco de interesse dos alunos, tem ainda baixa representatividade na
realidade profissional.
Surge então a seguinte questão: se os alunos têm interesse pela área de Saúde
Coletiva, por que o profissional está pouco presente neste campo de atuação? Essa questão
foge ao escopo desta pesquisa, uma vez que os dados obtidos não são capazes de respondê-
la. Contudo, é possível deduzir que, apesar de existir o interesse, as oportunidades de
trabalho em Saúde Coletiva são ainda reduzidas, pois estão disponíveis na maioria das
vezes nos setores públicos. Exemplos de lócus de trabalho que poderiam ampliar
significativamente a atuação do profissional nesta área seriam sua inserção de forma
81
efetiva no Núcleo de Apoio à Saúde da Família e no Programa de Alimentação Escolar,
políticas públicas relevantes no contexto atual.
82
4 CONHECENDO OS DIÁLOGOS COM OS SUJEITOS
Conforme mencionado anteriormente, a tese tinha como foco central de análise a
disciplina educação nutricional. No decorrer da pesquisa, confirmamos a hipótese de que a
formação em educação nutricional não acontece somente por meio da disciplina que leva o
mesmo nome. Ela acontece em vários momentos e situações ao longo do curso e, também,
fora dele. Nesta tese não anseio (nem posso) esgotar as análises compreensivas ou trazer
conclusões fechadas, uma vez que o material obtido é vasto e pode servir de inspiração
para muitas análises que ainda podem ser feitas (e pretendo fazer). A intenção maior é
apresentar um olhar, dentre outros possíveis, sobre o objeto estudado e suscitar reflexões.
No processo de tessitura da tese identificamos três categorias conceituais que foram
chaves no processo de pesquisa e na mirada sobre a formação do nutricionista como
educador no contexto atual. A reflexividade, a integração e a práxis são as três categorias
conceituais de sentido macro da pesquisa, que foram identificadas de modo transversal e
perpassaram os discursos de professores e estudantes dos seis cursos investigados. Dentro
de cada uma delas existem outras sub-unidades de sentido micro, na análise das questões
de interesse abordadas nas entrevistas.
4.1 A REFLEXIVIDADE COMO MÉTODO DE PESQUISA E MEIO DE EXPRESSÃO
HUMANA
“Não é no silêncio que os homens se fazem,
mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”
(FREIRE, 1988, p.78).
A reflexividade é compreendida aqui como a capacidade do ser humano de refletir
sobre si, sobre sua própria atividade e sobre a presença desta atividade na sociedade e em
relação com ela. É um processo dialógico, dinâmico e cíclico que ocorre através da relação
de um elemento com ele mesmo.
83
Como ocorre com diversos conceitos, este também apresenta várias representações e
sentidos a depender do autor que as discute e das teorias subjacentes. Ao discutir o
conceito de reflexividade no contexto da formação de professores, Libâneo (2002) o situa
dentro dos limites existentes entre o pensamento moderno e pós-moderno, devido ao
caráter reflexivo da razão. A modernidade acredita na potencialidade reflexiva dos seres
humanos, que envolve a capacidade de pensar, a auto-reflexão, a intencionalidade e a
autonomia dos sujeitos, frente à realidade, noções rejeitadas pelas teorias pós-modernas.
Em sua análise, faz uma distinção entre a concepção de reflexividade na matriz
neoliberal e na vertente crítica. Na primeira, o sujeito atua em uma realidade dada,
entendida como pronta, enquanto que na segunda, o sujeito age numa realidade vista como
uma construção social. Para este autor, a noção de reflexividade corresponde a uma auto-
análise, individual ou coletiva, sobre as próprias ações, que deve ser praticada pelos
educadores, por terem a tendência de limitar seus pensamentos e ações ao contexto
imediato, não conseguindo ver as condicionantes culturais e socializantes de suas ações.
Um autor amplamente referenciado, quando se discute a noção de reflexividade, é
Giddens. Ao fazer uma leitura da obra deste autor, Paixão et al. (2004, p.95) apontam que
ele entende que, nas culturas que precederam a era moderna, a reflexividade existia
subordinada às tradições, que perpetuavam a experiência de gerações; com a transição para
os tempos modernos, a noção de reflexividade se altera, sendo “introduzida na própria base
da reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente
refratados entre si. No pensamento de Giddens a questão da reflexividade é sustentada pela
noção de ator enquanto entidade dotada de inteligibilidade e de agência enquanto
capacidade que tal ator tem para atuar, sendo o conceito de poder, mais que o de intenção
ou motivação, o elemento transformativo da agência humana (apud PIRES, 1999, grifos
do autor). Com esta visão, Giddens (apud PAIXÃO, 2004) acredita que, numa sociedade
altamente reflexiva, em que os sujeitos realizam suas práticas pautadas no diálogo e no
respeito, pode-se chegar a formas mais democráticas de convivência privada e pública.
A reflexividade é entendida como a saída para uma vida melhor, sendo este o ponto
mais criticado em Giddens pelos teóricos pós-modernos. Estes últimos, entendem que o
sujeito não é centro da ação social – ele não pensa, fala e produz, ele é pensado, falado,
produzido; ele é dirigido pelo exterior, pelas estruturas, pelas instituições, pelo discurso
(SILVA, 2004).
84
Tal como Giddens, Freire também acredita na potencialidade da reflexão humana.
Em sua obra, a reflexão se apresenta como um elemento central para a prática docente e
para o desenvolvimento humano e social. Para Freire (1988), reflexão e ação são
indissociáveis, uma depende da outra e se retroalimentam num processo de ação-reflexão-
ação. Nesta ótica, a reflexão só é legitimada quando associada ao concreto, cujos fatos
busca esclarecer, tornando possível uma ação consciente. Na voz do autor, o que “se
precisa é possibilitar que, voltando-se sobre si mesma através da reflexão sobre a prática, a
curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica” (FREIRE, 2011, p.
40). Portanto, a reflexão é um movimento dinâmico e dialógico entre o fazer e o pensar
sobre o fazer.
De acordo com Bourdieu (1997), a relação de pesquisa é diferente das trocas da
existência comum, mas também se estabelece como relação social, que exerce efeitos sobre
os sujeitos, podendo afetar até os resultados da entrevista. Para este autor, “só a
reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num
„trabalho‟, num „olho‟ sociológico, que permite perceber e controlar no campo, na própria
condução da entrevista, os efeitos da estrutura social na qual ele se realiza” (Bourdieu,
1997, p.694, grifos do autor).
A situação da entrevista possibilitou um processo de reflexividade para a
pesquisadora, professores e estudantes nela envolvidos. Houve naquele momento uma
quebra da rotina para esses atores, permitindo um „olhar de fora ou de cima‟ para si, para
relações sociais estabelecidas no cotidiano vivido na universidade. Em diversos momentos
as narrativas giraram em torno das intenções e das ações como sujeitos participantes do
processo de formação no curso e dos impactos deste processo nas suas vidas pessoais,
profissionais e na sociedade.
Durante as entrevistas, senti a necessidade de falar para alguns professores que a
tese seria escrita por muitas mãos, primeiro porque reconhecia a riqueza dos depoimentos
para a tessitura da tese, e segundo porque incitava nos participantes a vontade de
expressarem ideias relevantes, uma vez que poderiam se sentir autores. Da mesma forma,
comentei com os estudantes e alguns professores, que pretendemos fazer um fórum com
diretores, docentes e alunos dos cursos de nutrição para apresentar os resultados da
pesquisa e debater sobre o que queremos da formação do nutricionista no Rio de Janeiro.
Os participantes sentiram que poderiam propor soluções e alguns viram a entrevista como
85
espaço de desabafo ou denúncia. Percebi que estas atitudes de pesquisa promoviam uma
aproximação maior entre eu e a algumas pessoas em diálogo, na medida em que eu
mostrava o interesse em seus relatos e que identificávamos percepções e objetivos comuns
sobre o cenário dialogado.
Em sua experiência de pesquisa, Lalanda (1998) diz que o fato dos participantes
saberem que seu discurso irá integrar um estudo, uma tese ou um livro provoca muitas
vezes a participação entusiasta do entrevistado e, ao mesmo tempo, compromete o
investigador com a contrapartida de refletir sobre o sentido de seu caso particular,
integrando-o a um contexto maior, e de divulgar.
Junto aos professores, os conduzi a pensar em suas trajetórias de vida, nas relações
familiares, nas vivências escolares na infância e na adolescência, nas escolhas e
experiências universitárias, no percurso profissional, nas situações marcantes de cada
período até chegar aos dias de hoje. Pensar na sua história, nas pessoas que passaram por
ela e deixaram marcas no passado, mas que também permanecem imprimindo suas
influências, ora objetivas ora subjetivas, foi essencial para refletir sobre quem se é e quem
se deseja ser e, também, para construir um relato mais consciente, contextualizado e
desarmado. Passar por essa trajetória permitiu uma aproximação entre entrevistador e
entrevistado, uma partilha de memórias cheias de afeto ou de dor, que nos levou para uma
relação menos impessoal e, por vezes, afetiva e emocionada. Com alguns, pude consolidar
relações que já existiam e com outros ficou a sensação de que um laço havia sido criado.
Junto aos alunos, não parti do passado, optei por iniciar com uma questão que é
preocupação da maioria deles em final de curso – seu futuro profissional. Algo que dá
sentido para sua formação universitária, que durou no mínimo quatro anos de suas vidas, e
que seria o assunto a ser tratado logo a seguir. Essa pergunta foi importante pois fez com
que os alunos se posicionassem individualmente e também percebessem que vivem o
mesmo momento que aquele coletivo de estudantes ali presentes. Trocaram inicialmente
suas dúvidas, inseguranças, motivações e expectativas frente ao futuro profissional e
depois suas opiniões, experiências e avaliações sobre a educação nutricional e sobre seu
processo de formação profissional.
Uma questão inerente ao universo da pesquisa qualitativa que envolve o relato das
pessoas sobre as situações vividas é o quanto este conteúdo narrado reflete a realidade. O
diálogo nas entrevistas permite acessar, de modo privilegiado, o universo subjetivo dos
86
sujeitos, ou seja, as representações e os significados que atribuem ao mundo do qual fazem
parte e aos acontecimentos que relatam como fazendo parte da sua história. Essa
subjetividade não é um mero reflexo da individualidade, mas de um processo de
socialização e de partilha de valores e práticas com outros, ou seja, ocorre por meio da
intersubjetividade (LALANDA, 1998).
Entendemos esses relatos como um processo de construção da realidade e da
própria identidade, que surge da observação e da análise das situações vividas
individualmente, mas sempre em relação com as outras pessoas, em determinado contexto
histórico-social. O conhecimento, seja de si ou do mundo, é construído nas situações de
interação social, é resultado de um processo de criação e interpretação, que não separa as
dimensões consideradas mais objetivas das julgadas mais subjetivas, já que ambas fazem
parte das construções humanas e da realidade vivida (SILVA, 2004).
Do mesmo modo que o conhecimento, as experiências vividas e narradas pelos
sujeitos são determinadas e determinantes na construção das identidades. Quanto a esse
assunto, Teodoro e Torres (2006, p.112) salientam que a teoria educacional crítica entende
que as identidades são construções sociais com bases materiais e históricas, que
fundamentam as percepções sobre os conhecimentos e as experiências que devem ser
legitimadas, aprendidas ou partilhadas – resultando na afirmação de que “toda a narração é
uma construção social”.
Buscar respostas para determinadas perguntas exige pensar sobre o assunto e
encontrar uma maneira de representar concreta e simbolicamente o real e o imaginado, o
vivido e o desejado. A forma como damos significado a nossas vidas e ao mundo, como
contamos nossas histórias e experiências, acabam por revelar nossa visão de mundo, de nós
mesmos, dos outros e, neste caso, dos processos de trabalho e de formação vividos, nos
âmbitos individuais e coletivos.
Além disso, conforme comentado, os entrevistados tinham consciência dos
objetivos da entrevista, que seus relatos iriam alimentar uma tese que seria divulgada no
meio acadêmico e que poderia gerar a reflexão e possíveis mudanças nos processo de
trabalho e de ensino. Alguns usaram a situação da entrevista como um espaço de desabafo
sobre as dificuldades vividas nas relações com os alunos e com os colegas de trabalho, de
valorização de seus feitos na história da formação profissional em nutrição, de denúncia de
comportamentos considerados inadequados por parte de outros professores, de crítica
87
social ao sistema de educação, entre outras. Consciente ou inconscientemente, ficava
expresso o desejo de que seus discursos e ideias pudessem ecoar para além daquelas quatro
paredes. Que por meio da tese e da minha voz, suas histórias pudessem ser perpetuadas e
sua voz ouvida por seus pares. Daí meu compromisso e cuidado com os relatos preciosos
que obtive no contato com os professores e os estudantes.
Algumas questões incluídas no roteiro de entrevista proporcionaram a reflexividade
sobre „quem somos‟, „o que fazemos‟, „o que temos‟ e „o que queremos‟ como estudantes,
professores, nutricionistas e cidadãos. Essa construção reflexiva se expressava por vezes
em pensamentos e narrativas que envolviam mais a esfera local, individual, íntima e
identitária e, por outras, discursos e análises mais ampliadas, coletivas e da esfera global.
4.1.1 Ser educador: o eu, o outro, a sociedade
Depois de um diálogo sobre a trajetória de vida, com relatos por vezes extensos e
emocionados, os professores faziam uma pausa, davam um sorriso ou um suspiro surpreso
ao ouvirem a última pergunta do segundo bloco de questões da entrevista – O que é ser
professor(a) para você? Para vários entrevistados foi uma pergunta inesperada e complexa
“Nossa, que pergunta difícil. Nunca parei para pensar nisso assim” (6.ESC), ao mesmo
tempo, que para outros pareceu ser era algo refletido, respondido com assertividade.
Dentro do roteiro de entrevista esta pergunta não pretendia responder diretamente
aos objetivos iniciais da pesquisa, mas ao longo do estudo se apresentou como uma
questão central para iniciar o processo de reflexão dos professores sobre seu trabalho e a
formação do nutricionista. A intenção desta pergunta foi buscar conhecer os “educadores”,
presentes naqueles nutricionistas que decidiram pelo caminho da docência e que não foram
formados formalmente para esta função. Ao analisar os relatos percebemos uma
confluência de aspectos e intenções, tanto do âmbito pessoal quanto do profissional,
envolvidos nas percepções de “ser professor(a)”.
Para alguns dos entrevistados o caminho da docência foi uma escolha consciente e
uma busca intencionada (FREIRE, 1987; GIROUX, 1997). Um desejo iniciado na infância,
motivado por um familiar que era professor; pelo gosto de explicar as matérias para os
88
amigos com dificuldade em determinadas disciplinas; ou inspirados por algum professor
que foi marcante na escola, que os mobilizou o gosto pelos estudos ou que os ensinou algo
além dos conteúdos disciplinares formais.
Para outros, foi um caminho que se construiu dentro da universidade, pela
oportunidade de realizar estágio ou monitoria com alguns professores que os fizeram
experimentar atividades docentes, como dar aula e estar no diálogo com os outros alunos;
pelo gosto adquirido pela pesquisa e vontade de continuar nesta direção; ou pela indicação
de algum professor para participar de processo seletivo em uma universidade pública ou
privada. Neste caso, a compreensão dos papéis do professor e a desenvoltura para realizar
as atividades, principalmente na relação com os estudantes, foram adquiridas no processo.
O relato de uma professora deixa clara esta situação e traz outras questões importantes
abordadas por muitos professores.
“É uma coisa que quando eu comecei a ser professora eu não tinha noção
e comecei a ter mais percepção sobre isso quando eu entrei aqui. Eu
comecei a perceber o valor que muitos alunos dão ao professor e o que
representa o professor na vida do aluno, eu não tinha essa noção da
responsabilidade, da imagem que você passa pra esses alunos. Isso foi
uma coisa que eu vim construindo aqui. Ser professor, além de eu gostar
muito, acho que é assumir uma responsabilidade forte, porque muitos se
remetem a você, tem você como espelho. Então, é um compromisso
muito grande com a formação dos alunos.” (1.IAC).
4.1.1.1 A dialogicidade entre a responsabilidade local e o compromisso global
A responsabilidade e o compromisso com a formação dos estudantes foram
mencionados por muitos professores como elementos inerentes à função docente. Em
geral, os relatos vinham envolvidos por um tom de seriedade e, em alguns momentos, por
uma preocupação de ter condições de conseguir cumprir esse papel “eu penso „meu Deus,
será que eu estou me saindo bem? Será que um dia ele vai ser um bom profissional e
realizar bem suas atividades?‟ É uma responsabilidade e tanto” (3.EN1).
Esses elementos considerados “de peso” na práxis docente, em alguns relatos
transcenderam a formação do estudante e foram vinculados ao papel social e cidadão que o
89
professor deve assumir na sociedade. Neste sentido, ser professor(a) foi visto como uma
“oportunidade de exercitar o crescimento pessoal e de atender essas premissas mesmo de
responsabilidade civil e cidadã. A educação é o único caminho pelo qual as pessoas
transformam de verdade a sua vida e a vida de muitas pessoas” (2.EAC), como um
compromisso de contribuir para a construção de uma sociedade melhor.
Ambas observações nos elucidam os motivos pelos quais os professores encaram a
formação dos estudantes como um desafio profissional, mas também pessoal. Eles
percebem que possuem uma dupla responsabilidade neste processo. A primeira delas é
entendida como uma função básica do professor, que é realizar a formação técnico-
científica para habilitar os estudantes a desenvolverem suas atribuições profissionais como
nutricionistas. Porém, muitos professores destacam a responsabilidade de promover a
formação dos estudantes como pessoas, como cidadãos que irão atuar na sociedade.
Isso implica um processo de ensino-aprendizagem que envolve muito mais do que
os conteúdos técnicos e específicos da graduação em nutrição. Envolve a partilha de
valores, de opiniões pessoais, de visões de mundo, de intenções com a formação, de
posturas e atitudes profissionais e pessoais. Ou seja, é ter a função de formar para além das
habilidades técnicas, é investir na formação humana e preparar o estudante para a vida.
Esses aspectos são percebidos e valorizados por muitos dos professores. Ter essas funções
expressa a potência e as múltiplas possibilidade do trabalho do professor na formação dos
sujeitos e seus impactos na construção da sociedade. Uma das entrevistadas faz uma
ponderação crítica em relação a esta questão.
Ser professor é saber da conseqüência das suas palavras. É ter
consciência de que nada do que sai da sua boca ou nada que sai da sua
atitude deixa de marcar. E isso dá medo né? Isso não é uma coisa
arrogante, de onipotência, é uma consciência de que o movimento tem
que ser muito coerente, muito cuidadoso. Quando você me faz essa
pergunta fico pensando que ser educador são as duas coisas, é o
compromisso com essa formação no sentido mais amplo e a consciência
do que é essa função na sociedade e de que você pode fazer a maior
diferença para o bem ou para o mal (1.ISC).
Este depoimento traz a questão fundamental da reflexividade e da consciência dos
professores sobre o papel que desempenham e sobre os impactos que suas ações podem ter
na formação dos estudantes e na sociedade, “para o bem ou para o mal”. Nesse sentido, o
90
conceito de intencionalidade é esclarecedor. O ser humano é um ser-no-mundo (FREIRE,
1988). A intencionalidade remete à relação ativa entre a consciência do sujeito e sua
atividade/objeto em relação. A consciência se dirige à atividade/objeto e a atividade/objeto
se perfila pela consciência. Nesse pensamento, a dicotomia subjetivo/objetivo não se
mantém, pois são mutuamente constitutivos (ESTEBAN, 2010). Não cabe a famosa
distinção de Descartes entre corpo e mente, corpo e mundo. Aqui, os seres humanos são
entendidos como “corpos conscientes” e a consciência como “consciência intencionada ao
mundo” (FREIRE, 1988, p.67). Não existe, portanto, a neutralidade. O conhecimento e a
ação são sempre dirigidos para alguma coisa. Por isso, a necessidade permanente de
reflexividade e consciência dos educadores e educandos, sobre si e sobre o mundo em
relação, para a ação.
Tal ponto de vista nos remete, também, a outra teorização do campo da teoria
crítica da educação, que é o debate em torno da existência de possíveis contradições entre o
currículo oficial e o currículo oculto (MORROW; TORRES, 1997). No caso desta
pesquisa, percebemos que os professores se referem a dois tipos de conhecimentos que são
necessários nos processos formativos da educação superior. O primeiro reúne um conjunto
de conteúdos técnico-científicos e informações específicas, que são organizados como
núcleo central das disciplinas oferecidas e moldados de acordo com a singularidade do
curso. São os micro-objetivos do curso, que incluem a aquisição de conhecimentos
selecionados e o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem especializada e de
investigação específica (GIROUX, 1997).
O segundo tipo de conhecimentos, considerados pelos professores como
necessários para a formação humana dos estudantes, representam os macro-objetivos da
formação. Eles são destinados a fornecer as teorias que permitirão aos estudantes
estabelecerem conexões entre os métodos, conteúdos, estruturas do curso e sua importância
para a realidade social mais ampla. Estas concepções teóricas devem funcionar como
mediadoras entre as experiências formais de aprendizagem e a vida fora de sala de aula.
Utilizando tais conceitos, os estudantes deveriam ser capazes de analisar os conteúdos,
valores e normas do curso em relação aos fins que ele pretende ou pode servir (GIROUX,
1997).
Esses macro-objetivos, tão valorizados pelos professores como sendo algo além da
formação básica, permitem aos estudantes desenvolverem uma consciência crítica e
91
política. Esse é o desejo dos professores. A problemática é que esses valores, experiências,
visões de mundo e questões éticas, geralmente, não estão incluídos de forma clara no
currículo oficial. Sendo assim, não são debatidos coletivamente pelo corpo docente na
intenção de pensar e definir que tipo de formação humana se pretende desenvolver junto
aos estudantes e de que forma isso será realizado. Não basta que estes macro-objetivos
estejam na carta de intenções do Projeto Político Pedagógico, se não estão incluídos no
currículo oficial e nas ementas das disciplinas como conteúdos e objetivos de ensino.
No discurso dos professores entrevistados pudemos identificar diferentes
referências de valores que deveriam ser partilhados com estudantes. Para uma entrevistada
“ser professor(a)” é uma oportunidade de perpetuar valores que são aprendidos na família e
no início da escolarização, que são também passados pelos dos diferentes grupos sociais
frequentados, como a igreja, por exemplo. Outros professores mencionaram a necessidade
e intenção de promover debates sobre a dignidade de si e do outro na busca de relações
humanas mais respeitosas, sobre um perfil de trabalho mais individual e outro que envolve
equipe e processos de construção coletiva, sobre os tipos de posturas profissionais mais
competitivos ou cooperativos. Essas considerações representam perspectivas diferenciadas
na abordagem das crenças, valores e visões de mundo.
A primeira delas nos revela certo perfil de reprodução social e cultural, pois se
refere à necessidade de perpetuar os valores apreendidos nos lócus tradicionais de
formação moral, como a família e a escola, sem mencionar a forma como seria feito
(MORROW; TORRES, 1997). O segundo bloco de intenções apresenta de forma mais
clara as questões a serem debatidas e envolvem a reflexão de diferentes modalidades de
interdependência humana, que podem ser pautadas na perspectiva do individualismo ou da
coletividade, da competição ou da cooperação. Enfim, envolve a reflexão de diferentes
paradigmas associados à práxis humana, que devem ser considerados na atuação
profissional.
Independente disso, ambas perspectivas trazem subjacentes qualidades morais
diferenciadas, pautadas em visões de mundo diversas, produzidas por meio dos capitais
culturais e sociais herdados e adquiridos ao longo da vida, por cada sujeito envolvido no
processo de educativo (BOURDIEU, 2008). Além disso, elas podem ser abordadas de
forma mais autoritária e impositiva ou de forma mais crítica e problematizadora, a
depender da atitude pedagógica de cada professor.
92
Esse debate reflete a preocupação da professora destacada acima da necessidade de
os professores serem conscientes, coerentes, cuidadosos no diálogo e nas relações
desenvolvidas junto aos estudantes nos processos educativos. Neste sentido, a formação
em Nutrição não deve se preocupar apenas com o fornecimento diário de informações por
parte dos professores, mas também com as relações sociais estabelecidas no encontro
educacional com os estudantes e com outros professores, que também podem ser
compreendidas como relações pedagógicas.
4.1.1.2 Pelos educandos aprendizes ou pelas aprendizagens do educador?
Associado a esta discussão está outra questão amplamente abordada pelos
professores entrevistados. No processo de reflexividade sobre o que representa “ser
professor(a)”, todos os professores se referiram a docência e a educação como um ato de
relação. Nem sempre mencionam claramente a palavra relação, mas incluem na narrativa
elementos que expressavam esta concepção.
A atividade docente envolve essencialmente o encontro com o outro. O encontro
entre duas pessoas ou com um coletivo de pessoas; o encontro por afinidade ou por
circunstância. O outro pode ser um par ou um diferente, pode ser um professor, um
estudante, uma criança, um paciente. Esse encontro necessariamente envolve a troca, a
criação de uma relação. “Sempre você tem um outro, sempre você tem uma troca, eu acho
que esse é o lugar do professor. É estar num lugar de transformação, num espaço de
transformação entre as pessoas, nas relações (2.EN).
Ser professor(a) é viver um processo permanente de troca, de compartilhamento
entre as pessoas. Troca de informações atuais e históricas; troca de saberes científicos e
saberes cotidianos; troca de experiências pessoais e profissionais; troca de afetos e
desafetos. “Ser professora é compartilhar experiências, sentimentos, emoções. Não é dar
nada, ensinar nada. É criar laços, criar redes de saberes. Eu não consigo ser professora se
não for de uma forma poética, uma forma dialógica, uma forma sentida” (1.ENC).
Essa troca pode ser mais intensa, pessoal e profunda ou mais frágil, impessoal e
superficial a depender da disposição para o diálogo entre os parceiros de aprendizagem –
93
professores e alunos, durante o encontro educativo. Mas, sobretudo, da disposição do
professor, que é o trabalhador da educação e tem a função de mobilizar o pensamento e
ação do educando. Ser professor(a) implica a abertura e cuidado com o outro.
“Professor é alguém que está perto, que se preocupa, que orienta, que
cobra. É alguém que tenta mostrar o caminho certo, apesar de a gente não
ter sempre a certeza, mas é alguém que está disposto a perder um pouco
de tempo com o outro. Então, se eu tiver que parar uma aula para
conversar sobre coisas da vida, eu vou parar, porque eu acho que são
importantes pra formação. Eu sei que o conteúdo é importante, mas eu
não sou conteudista. Professor é alguém que tem que estar disposto para o
outro, tem que estar aberta, tem que fazer isso com vontade, com
compromisso. Muitas vezes sofrendo” (2.ESC).
No contexto da formação universitária, alguns professores se vêem como um guia,
como aquele que aponta caminhos e possibilidades para a vida profissional. Eles se
percebem como alguém que já experimentou a realidade de trabalho do nutricionista e que
tem a função e o compromisso de partilhar com os futuros profissionais as experiências e
aprendizados, os erros e os acertos, vividos ao longo de sua trajetória. “Muito mais do que
eu transmitir quantas gramas de proteína um paciente tem que ingerir, é você transmitir a
questão da postura profissional na hora de enfrentar as situações na convivência com as
equipes multiprofissionais e com o próprio paciente” (3.INC). Outra professora deseja que
seus alunos aprendam com suas experiências para que sejam profissionais melhores que ela
e que façam a profissão evoluir social e cientificamente. Com esta atitude eles facilitam a
articulação entre os conhecimentos teóricos e a realidade profissional e, com isso, ampliam
o olhar e os horizontes dos estudantes para além dos muros da universidade.
Do mesmo modo que alguns professores foram marcantes, negativa ou
positivamente, e inspiraram as escolhas e a adoção de um perfil profissional por parte dos
docentes entrevistados, eles também desejam ser uma referência, um exemplo de professor
e de nutricionista para os alunos. Isso faz com que eles pensem em suas atitudes como
educador e nas relações que estabelecem com os educandos e com a área de estudo e
atuação. Embora este discurso possa trazer uma conotação de arrogância ou superioridade
em determinadas situações, pude perceber na análise dos relatos uma mudança de
perspectiva.
94
A maior parte dos entrevistados entende que o contexto da educação superior atual
exige uma nova postura do professor. “O professor de hoje em dia é um gerenciador da
aprendizagem, ele ajuda o aluno a conhecer seu próprio caminho, a entender esse processo
do aprender” (3.ENC). É um professor que busca atuar de forma diferente daquela que
ocorre em modelos de educação tradicional, onde o professor é o centro do processo
pedagógico, o detentor do saber verdadeiro, que repassa os conhecimentos de forma
imperativa, acrítica e mecânica para os alunos, meros receptores do saber legítimo
(FREIRE, 1988; LUCKESI, 2008).
Outra mudança de perspectiva identificada no relato de alguns professores diz
respeito a uma menor preocupação com o repasse e a acumulação de conteúdos e teorias e
a valorização do processo de ensino-aprendizagem e de construção de conhecimentos. Isto
é, uma preocupação maior com a forma do que com o conteúdo, tradicionalmente soberano
na formação universitária. “A gente não está aqui para dar respostas prontas. Estou aqui
para ajudar o aluno a encontrar a melhor resposta pra aquela situação. Eu me vejo numa
posição de facilitadora e não de dona da verdade. Eu não tenho todas as respostas, mas eu
sei ajudar a buscar” (3.ENC).
Cabe partilhar que as duas questões ilustradas acima, entre outras narrativas
escutadas e apresentadas neste texto, me surpreenderam como pesquisadora. Não pelo
conteúdo das falas, mas por seus interlocutores. Durante as entrevistas com os docentes das
diferentes áreas da nutrição foi comum a crítica negativa aos professores da área de
nutrição clínica. Geralmente, os comentários se referiam aos métodos de ensino e as
abordagens adotadas por estes professores, classificados como acríticos,
descontextualizados com a realidade e intensamente biologicista. O diálogo com os
professores desta área me permitiu afirmar que está ocorrendo uma mudança de atitude e
perspectiva por parte dos docentes de nutrição clínica tanto na relação com os estudantes,
quanto na articulação entre os conhecimentos. Dentro da nutrição, esta é a área que pode
encontrar mais dificuldade de mudanças por estar historicamente vinculada a uma
racionalidade médica ocidental, centrada na patologia e na doença (LUZ, 1988).
Além disso, subjacente às críticas, percebe-se certo preconceito, no sentido
etimológico de prejulgamento, e uma resistência por parte dos professores das outras áreas
da nutrição. Esta situação pode ter vários motivos como, por exemplo, experiências
observadas ou relatadas pelos alunos no curso, a falta de comunicação e parceria entre os
95
professores das diferentes áreas, ou mesmo, as lembranças desagradáveis dos professores
de nutrição clínica da época de graduação.
Voltando ao processo de reflexividade dos professores sobre seu papel na formação
dos nutricionistas, alguns se vêem como parte de um processo maior de educação, um ato
“que nunca termina no professor, ele pode até começar e continuar, mas ele é só parte
desse processo. Ser professor é, no mínimo, ter uma parcela de contribuição para formar
cidadãos conscientes, responsáveis, comprometidos. Pessoas que possam amar” (2.EAC).
Esta professora, como outras participantes da pesquisa, expõe uma concepção ampliada da
educação. Educação como um ato inerente a vida social humana, que ocorre de modo
contínuo, em diferentes contextos e espaços, institucionais ou não, fazendo parte do
processo de construção histórica dos indivíduos e da sociedade (FREIRE, 1994; LISITA,
2007).
Compreender a educação como algo que faz parte da vida é percebê-la como um
processo complexo, dinâmico, instável e sujeito a transformações, que exige do educador
um movimento permanente de aprendizado. Na perspectiva do educador como um artesão
intelectual, esse processo de aprendizado ocorre a todo o momento. Um bom artesão não
dissocia sua vida do seu trabalho, não que ele deva trabalhar 24 horas por dia, o importante
é o modo que ele vive e pelo qual ele vê o mundo, integrando e dando sentido para vida e
trabalho. Na proposta de Mills (2009, p.22) “o conhecimento é uma escolha tanto de um
modo de vida quanto de uma carreira docente. O trabalhador intelectual forma-se a si
próprio à medida que trabalha para o aperfeiçoamento do seu ofício”. Não é por acaso que
uma entrevistada tenha mencionado que para
“ser professor você tem que gostar de estudar, de aprender, de estar o
tempo todo ali, disposto, aberto a ouvir o novo. Às vezes até uma coisa
que você tem como um paradigma „Mas isso não é assim? Como não?
Pode ser‟ (risos). É estar aberto ao novo, buscando estudar a cada dia,
para que você possa da melhor maneira possível instrumentalizar os
alunos com o conhecimento” (2.ENC).
Em seu processo de aprendizado e criação o professor-artesão deve aprender a usar
suas experiências de vida (pessoal e profissional) em seu trabalho intelectual. Neste
sentido, a universidade pode ser um espaço privilegiado para esta atividade, já que permite
ao professor estar em diálogo constante com jovens em processo de formação e, também,
96
realizar atividades de extensão junto à comunidade, identificando a partir destas relações
temáticas de pesquisa e demandas de ação – podendo gerar um círculo virtuoso de criação
intelectual e ação social.
Nesse cenário, vários professores reconheceram que a relação com os alunos é um
processo mútuo de ensino e aprendizagem. “O professor é uma pessoa que cresce junto
com o aluno, a gente está sempre aprendendo. Sempre tem um aluno pra ajudar a gente a
entender alguma coisa sob um ponto de vista diferente” (4.EN). Esse discurso carrega em
si um elemento apontado por outras professoras como uma vantagem do trabalho docente –
a possibilidade de estar em contato com pessoas jovens e com novas pessoas a cada
semestre letivo. Esse contato alimenta a vida do professor, renova e atualiza seu olhar para
as „coisas da vida‟, colocando-o em movimento.
A relação com jovens em formação é um terreno fértil para o professor-artesão. Ela
traz à tona dois elementos essenciais aos processos educativos e de construção de
conhecimento – a curiosidade e a dúvida. Um professor declarou de forma vibrante “Eu
digo pros alunos „quero sempre ter dúvidas quando vocês me perguntam alguma coisa,
porque me incentiva estudar mais‟. Então é um aprendizado, eu aprendo mais com eles do
que ensino. Porque aquele cara que acha que sabe tudo, não sabe nada!” (5.ENC).
Essa percepção da docência como ato „de‟ e „em‟ relação contrapõe-se à visão
hierarquizada entre educadores e educandos e ao distanciamento usual nos processos
educativos tradicionais, apontando para novas perspectivas e esperança de uma educação
superior mais humanizada e conectada com a realidade político-social.
4.1.1.3 A formação pedagógica do nutricionista-professor
Nessa reflexão sobre o “ser professor(a)” ficou evidente a preocupação de alguns
docentes e a insatisfação dos estudantes com a ausência ou deficiência da formação
pedagógica dos professores dos cursos de nutrição. Uma professora fez uma declaração
emblemática que descreve claramente essa conjuntura “eu dormi nutricionista e acordei
professora” (1.EN1). Este relato reflete a análise de Sacristán (2000, p.183) de que o
professor geralmente passa “da experiência passiva como aluno ao comportamento ativo
97
como professor, sem que lhe seja colocado, em muitos casos, o significado educativo,
social e epistemológico do conhecimento que transmite ou faz seus alunos aprenderem.
Passa de aluno receptor a consumidor acrítico de materiais didáticos e a transmissor com
seus alunos”. Em função disso, é comum perceber que a atuação do professor se restringe a
reprodução das práticas apreendidas em seus processos de formação anterior e às suas
experiências práticas observadas e realizadas no cotidiano de trabalho.
Esta situação pode gerar insegurança nos professores, principalmente no início da
carreira docente, e uma provável reprodução dos modelos de ensino vivenciados em suas
experiências escolares ou universitárias. Muitos estudantes se queixaram da falta de
didática de alguns professores.
No caso desta pesquisa, na qual entrevistamos 31 professores, somente 6 docentes
realizaram mestrado na área de educação, sendo que 3 são professores responsáveis pela
disciplina educação nutricional, o que justifica o interesse em aprofundar os conhecimentos
na área e a busca pela formação acadêmica. As outras três professoras, duas da área de
Nutrição Clínica e uma da área de Alimentação Coletiva, justificaram o interesse em fazer
mestrado em educação para aprimorar suas habilidades como docente e para compreender
melhor o universo da educação ao qual fazem parte. Este foi o mesmo motivo que levou
uma professora da área de Saúde Coletiva a fazer uma pós-graduação lato sensu em
Metodologia do Ensino Superior. Elas justificaram tal escolha por se sentirem
despreparadas para desempenhar a docência, já que a graduação em nutrição não as
capacitou para isso. O trecho abaixo explicita esta situação e revela como a professora se
sente após a realização do mestrado em educação.
“O mestrado me incentivou a buscar conhecimentos que a gente não tem
no curso de nutrição. A gente sai bacharel e não sai licenciado. Tinha
aquela cadeira muito fraquinha de Iniciação à Didática, muito en passant.
Eu me sentia muito despreparada, eu queria uma resposta para minha
angústia, “gente, será que eu estou dando uma aula legal?” Por isso que
eu busquei o mestrado nessa área e foi o que me ferramentou bastante.
Me ajudou muito a ter minha autocrítica, me auto-avaliar, a ver os meus
erros e a melhorar os meus erros. E hoje em dia eu sou uma professora
bem melhor do que eu era há 18 anos atrás, com certeza” (3.ENC).
A formação pedagógica de professores da área de saúde vem sendo amplamente
debatida e revela a centralidade desta questão na qualificação da formação de novos
98
profissionais. Batista e Batista (2004), em seus estudos sobre a docência na área de saúde,
consideram esta discussão urgente, devido às transformações sociais ocorridas nos últimos
anos, que têm exigido que os professores promovam um debate crítico sobre as propostas
pedagógicas e acadêmicas existentes e assumam um papel de protagonistas do processo, na
estruturação de cenários de aprendizagem que sejam significativos e problematizadores das
condições de ensino, para sua melhoria. Os autores consideram que a formação pedagógica
dos docentes das áreas de saúde tem sido secundarizada.
Existem diversos fatores que podem gerar a desvalorização dos aspectos
pedagógicos da docência no ensino superior. Nas universidades públicas, uma das questões
preponderantes é a atual supremacia da pesquisa, no tripé ensino-pesquisa-extensão. Esta
situação é alimentada pelo próprio MEC, quando vincula a maior parte dos critérios de
progressão na carreira às atividades de pesquisa e produção científica, restando poucos
critérios ou com baixa pontuação para as atividades de ensino e extensão.
Outro aspecto significativo é a existência da crença de que o professor universitário
não precisa de formação nas dimensões de ensino e aprendizagem, bastando a formação
técnica da área específica de atuação (BATISTA; BATISTA, 2004). Esse é um aspecto que
ocorre nas instituições de uma forma geral, mas especialmente nas IES privadas. Neste
caso, o interesse é por professores com larga experiência profissional e com boa titulação
acadêmica, para uma formação voltada às necessidades do mercado e para uma melhor
pontuação nas avaliações do MEC.
Cabe chamar atenção, também para a ausência ou deficiência da formação
pedagógica previstas nos programas pós-graduação de mestrado e de doutorado.
Teoricamente, a pós-graduação tem a função de promover a formação científica e
acadêmica de mestres e doutores, o que inclui a formação para atuar na docência. O que
vemos atualmente, como apontado acima, é o foco na pesquisa e na formação de
pesquisadores. Muitos programas de pós-graduação strictu sensu não oferecem disciplinas
didático-pedagógicas aos alunos, que poderão vir a se tornar docentes. Sendo assim,
quando os cursos são voltados exclusivamente para as atividades de pesquisa, não atendem
às necessidades específicas dos professores no tocante às atividades de docência.
Um agravante deste quadro se deve ao fato de a legislação brasileira sobre
educação, mais especificamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
ser omissa em relação à formação pedagógica do professor universitário, deixando a cargo
99
de cada instituição ou curso o oferecimento ou não de disciplinas e estágios docentes, suas
cargas horárias, etc. (PACHANE; PEREIRA, 2004). Esta omissão da LDB reforça a crença
na não necessidade de que esta formação seja oferecida.
Na opinião de Costa (2009), que fez uma análise sobre os cursos de nutrição, um
dos desafios da formação de nutricionistas é a formação pedagógica de professores, que
precisam ter uma visão global da profissão docente. Para a autora, o corpo docente é um
dos elementos cruciais para o êxito das reformulações necessárias à formação dos
nutricionistas e o sustentáculo para a instituição das mudanças. Além disso, ela destaca a
necessidade dos cursos de nutrição reconhecerem que a maior parte do quadro de
professores não foi formado para a atividade docente, sendo indispensável a discussão
desta questão no sentido de buscar alternativas para superar esta deficiência.
A falta de formação pedagógica dos professores ou falta de visão crítica para os
aspectos humanos e sociais envolvidos nas relações educativas pode conduzir a uma
formação puramente técnica e impessoal ou ainda, a práticas autoritárias e
discriminatórias, violando o direito do estudante a uma formação digna e dignificante.
4.1.1.4 Distorções e disposições dos professores nos processos educativos
Como diz o ditado popular, “nem tudo na vida são flores”. Nas relações
estabelecidas na práxis educativa à aproximação e a troca com o outro podem gerar
inúmeros resultados, a depender do cenário encontrado – das pessoas envolvidas no
processo, das temáticas postas em diálogo, dos interesses, das intenções e o que está em
jogo em um determinado contexto e momento. Dos encontros podem nascer reflexão,
descoberta, conflito, disputa, empatia, frustração, criação, transformação – uma
diversidade de situações e sentimentos, tanto para estudantes como para professores
(LINDGREN, 1965; GIROUX, 1997).
Um ponto central desta questão é que os sujeitos envolvidos neste processo reagem
e lidam de formas diferentes no contato com as diversas situações e processos gerados na
troca educativa em sala de aula e em outras vivências pedagógicas. Alguns professores se
sentem ameaçados e desmotivados, quando ocorre algo diferente do planejado ou quando
100
perdem o controle das situações. No entanto, outros compreendem que esses elementos
fazem parte dos processos educativos e se sentem positivamente desafiados.
“Ser professor é participar da formação desse jovem e uma formação
mais ampliada, mas ela não é tudo e também não é pouco. É estar sempre
em troca. Eu gosto dos meus temas ou da forma de lidar, porque eles são
sempre abertos. Então, você sempre se surpreende. A cada encontro com
o aluno aparecem questões novas, situações imprevistas ou não pensadas
e isso eu acho desafiador. Eu gosto, eu acho que é desafiador para a gente
ter que estar o tempo problematizando, pensando e refletindo” (3.EN3).
Segundo Lindgren (1965), os professores lidam de formas diferentes com suas
frustrações e com o sentimento de fracasso no desenvolvimento das atividades junto ao
grupo de alunos. Tal situação depende da maturidade emocional de cada professor na
condução das relações humanas. Em relação a este último aspecto, o autor analisa que
quanto mais emocionalmente inseguro o professor for, mais ele vai temer o fracasso e se
utilizar de dispositivos de poder e autoridade junto aos alunos para conseguir o que deseja;
e quanto maior a segurança emocional do professor, maior a sensibilidade e habilidade na
promoção de boas relações humanas entre os sujeitos envolvidos no processo educativo.
Nesta perspectiva, este o autor propõe que o professor busque desenvolver
habilidades para se tornar um “artista em relações humanas”. Para esclarecer esta proposta
ele faz uma comparação entre as posições do professor como técnico e como artista. O
técnico é aquele que analisa e diagnostica os problemas e aplica soluções baseado em
fórmulas ou critérios mensuráveis, normalmente de acordo com os manuais. Se empregar
as técnicas adequadas e o diagnóstico for correto, acredita que será bem sucedido. Quanto
ao termo artista, ele é empregado em sentido amplo, pois “quem quer que lide com meios
complexos, dinâmicos e mutáveis como as relações humanas são ou deveria ser um artista”
(LINDGREN, 1965, p.363). Um artista pode utilizar técnicas e métodos para apoiar seu
trabalho, mas as emprega de forma individualizada. Ele busca auxílio no conhecimento
científico, mas toma as decisões baseadas no que sente.
Apesar dos escritos de Lindgren terem sidos desenvolvidos na década de 1960, suas
ideias são absolutamente pertinentes ao contexto da educação superior atual, o qual inclui a
formação em Nutrição. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em
Nutrição instituem que a formação do nutricionista seja generalista, humanista e crítica, e
101
que dote o profissional com competências e habilidades diversas e ampliadas, dentre elas
as de: comunicação com diferentes públicos, liderança no trabalho em equipe
multiprofissional e educação permanente de outros profissionais e da população em geral
(BRASILa, BRASILb, 2001). Neste sentido, é mais importante que o professor se torne
um artista em relações humanas do que um artista em conteúdos e disciplinas curriculares.
Como artista das relações humanas o professor precisa desenvolver a empatia e a
tolerância e, ao mesmo tempo, a capacidade de auxiliar um grupo de estudantes a
direcionarem suas forças de forma cooperativa e construtiva.
A complexidade e a diversidade das situações proporcionadas pelos encontros
educativos foram valorizadas por alguns professores, como sendo os elementos que
conferem a dinamicidade e beleza a profissão. Ao mesmo tempo, as situações geradas por
tais elementos podem se expressar no que uma professora identificou como uma
“distorção” na compreensão do que seja “ser professor(a)” ou do que se deseja de um
processo formativo democrático. Na situação relatada por essa professora os alunos
“Acham que o „bom professor‟ é aquele que entra na sala com um giz,
escreve o quadro inteiro, apaga, escreve, apaga. Ou aquela que é severa,
que dá esporro, que é grossa, que cobra trabalho, datas e prazos, que não
é flexível. Essa também „é boa‟. Quando você fica no meio termo, um
professor flexível, que acha que cada aluno é um aluno, cada situação é
uma situação, aí você começa a ser „a boba, é a boazinha‟, aí acaba
distorcendo o conceito de professor” (5.EAC).
A práxis educativa criticada por esta entrevistada revela o exercício de uma
docência inspirada no modelo tradicional de educação, ainda praticado em muitas salas de
aulas brasileiras. A manutenção deste modelo pode ocorrer por vários motivos, que
envolvem desde questões conjunturais e políticas – relacionadas ao saber global, a esfera
macro, até questões de personalidade e de formação pedagógica – associadas ao saber
local, a esfera micro (GIROUX, 1997; GEERTZ, 2003).
Pelo fato de as práticas educativas tradicionais ainda serem muito usuais, elas
acabam sendo reproduzidas pelos professores e aceitas pelos alunos. Isso ocorre mais por
conveniência e por falta de experiência em outros modelos de educação do que por uma
escolha consciente. É o que Gramsci chama de reprodução dos processos de dominação
por consentimento, neste caso, a reprodução do modelo tradicional de educação ainda
102
hegemônico (apud MORROW; TORRES, 1997). Na rotina dos cursos de graduação,
professores e estudantes costumam incorporar crenças e práticas que são naturalizadas e
reproduzidas, mas que acabam influenciando a maneira como percebem e estruturam suas
vivencias educacionais. A fala ilustrada acima evidencia a naturalização de processos não
dialógicos e não participativos de educação. Além disso, o próprio sistema de ensino está
estruturado de uma forma que dificulta a implementação de outras propostas e métodos
educativos e avaliativos.
Na busca de explicações para situações similares às apontadas acima, que são
observadas também no curso em que leciona, uma professora declara que se sente
provocada a mudar, mas chama atenção para as dificuldades encontradas em função de um
quadro histórico existente – “Ser professor é provocar, fazer os alunos pensarem. Se a
gente pensar na história, na maior parte do tempo, a gente viveu num sistema formal de
ensino, que não ensinou a pensar. Ensinou a gente a memorizar, reproduzir aquilo que é
certo, que é errado” (1.EN3). Em função deste contexto, alguns professores relatam
encontrar dificuldade para realizarem propostas educativas que saiam do padrão praticado
na universidade e que exijam dos alunos maior participação, criação ou construção
coletiva, como, por exemplo, em atividades externas a universidade.
Outra cena de distorção no processo formativo, narrada de modo contundente por
uma professora, envolve a conduta de alguns docentes, que utilizam estratégias de opressão
e fazem uso indevido do poder conferido a ele na condução do processo educativo.
“Eu fico chocada quando vejo um professor que reprova 80% da turma e
acha que o problema está na turma. Que fala „enquanto eu for professor
você não passa nessa disciplina, você não é inteligente o suficiente‟, „ah,
o aluno não quer nada‟. Eu fico chocada com o senso comum pautando as
falas dos professores. Com a falta de auto-crítica. Com a capacidade que
um professor tem de se aboletar nesse lugar e não se questionar sobre sua
prática. Isso é ser “não professor” na verdade. Então, hoje eu me
movimento dentro da instituição no sentido de investir em processos
institucionais em que esse tipo de prática, de discurso, seja colocado na
berlinda. Então, como é que a gente cria mecanismos de avaliação
transparentes das práticas desses professores?” (1.ISC).
O relato acima expressa o que Freire (1997, p.672) caracteriza como denúncia-
anúncio em discursos utópicos e esperançosos. Utópico, não porque se nutrem de sonhos
impossíveis, mas porque “ao repensar nos dados concretos da realidade, sendo vivida, o
103
pensamento utópico, implica a denúncia de como estamos vivendo e o anúncio de como
podemos viver. É um pensamento esperançoso, por isso mesmo”.
A entrevistada denuncia a permanência de processos opressores de ensino e de
comunicação desrespeitosa entre professores e estudantes. Ela expressa indignação com a
postura acrítica dos docentes ao se eximirem da responsabilidade pela reprovação dos
alunos e do compromisso com a formação dos mesmos. Esta cena pode indicar, também, a
omissão de outros professores e de gestores em promoverem a reflexão e o diálogo sobre
tais situações, na intenção de protegerem os alunos e reverterem tais processos. Ao mesmo
tempo em que denuncia, ela anuncia a busca de alternativas institucionais para a reversão
de um quadro desumanizador da educação, adotando uma postura de intelectual
transformadora (GIROUX, 1997).
Ao denunciar o “ser „não professor‟”, ela anuncia na sequência de sua narrativa que
“Ser professor é o exercício de uma constante tomada de consciência do que está por ser
feito. Porque se você está numa função de formação, você está comprometido com o devir
e o devir pode ir pra várias direções” (1.ISC). Nesse sentido, o educador precisa refletir
sobre a realidade vivida, desde os aspectos mais locais aos mais globais. No caso do
professor universitário, envolve um processo constante de (re)pensar seu papel e suas
ações junto aos alunos e na instituição; conhecer o grupo de estudantes ou público com o
qual se relaciona e dirigi suas ações; (re)ver os objetivos da sua atividade docente como
parte de um curso e de uma formação mais ampla; pensar os propósitos do curso e suas
funções na sociedade.
Com base na reflexão coletiva da realidade vivida – nos cenários local da
universidade e global da sociedade, professores e estudantes podem definir de forma mais
consciente o que “está por ser feito”, em que direção desejam seguir e onde pretendem
chegar. Além de ajudar a definir mais claramente as intenções e caminhos a se seguir, a
atitude reflexiva ajuda a alimentar a continuidade dos processos. A experiência de Mills
(2009, p.23) diz que “desenvolvendo hábitos auto-reflexivos, você aprende como manter
seu mundo interior desperto”. Mantendo o mundo interior desperto os educadores podem
se sentir mais seguros e motivados para despertar o pensamento e a ação dos estudantes,
dos outros professores e demais sujeitos envolvidos no processo formativo. A reflexão,
como diz Freire (1988), nos traz consciência da incompletude, do inacabado, que abre
espaço a criação, a ação. Ou seja, a reflexão gera disposição para ação.
104
Essa disposição para a ação foi percebida em vários professores. Os motivos são
variados, construídos com base nas suas experiências passadas e atuais. Uma preocupação
comum entre os professores entrevistados em seu cotidiano de trabalho é a percepção de
certa falta de interesse e iniciativa dos estudantes em seu processo de auto-formação e,
também, um olhar restrito às questões sociais, políticas e culturais mais amplas. Por isso,
associam ao “ser professor (a)” a função de mobilizar, provocar, dinamizar, problematizar,
ampliar os horizontes, trazer para a realidade. “É claro que eu tenho um objetivo, eu
planejo e sei o que eu quero incentivar. Eu busco alguma dinâmica que desperte no aluno
um sentimento, aquela vontade de fazer alguma coisa. Um motivo. Eu acho que eu consigo
instigar, ativar um processo, movimentar” (2.ISC).
Para potencializar este “despertar” dos alunos para sua auto-formação e para o
desenvolvimento de um olhar ampliado para o universo da nutrição, alguns professores
mencionam a necessidade de criar espaços de debate e experimentação, dentro e fora de
sala de aula. Sendo assim, seria apropriado realizar atividades que coloquem o aluno em
cena, que mobilizem a pesquisa autônoma e o contato com a realidade social e profissional,
abrindo espaço para escuta da sua voz e das suas ideias. Neste sentido, uma entrevistada
acredita que
“ser professor é problematizar a sensação de impotência que as pessoas
têm. E não é só problematizar, é criar situações concretas em que as
pessoas exercitem, com suporte, o protagonismo e se sintam confiantes
pra fazer isso em ambientes hostis depois, é como se fosse uma
incubadora de cidadãos (risos)” (1.ISC).
Ao mesmo tempo em que expressam esta disposição para ação, alguns professores
reconhecem que é trabalhoso atuar fora do modelo tradicional de ensino, buscar fazer
diferente e inovar tanto em termos teóricos, quanto em termos práticos e metodológicos.
Como educadores sabemos que dá trabalho ser coerente com o que se fala, negociar com o
outro, fazer conexão entre saberes de diferentes campos, criar novos métodos de ensino e
de avaliação, participar de processos de trabalho coletivo, fazer atividades externas aos
muros da universidade, enfim, algo que nos tira da rotina e da zona de conforto de fazer
mais do mesmo.
105
“Ser professor precisa se dedicar e abdicar de muita coisa. Eu falo sempre
que numa próxima encarnação eu não vou ser professora, porque é uma
profissão que você leva trabalho para casa, passa sábado e domingo
corrigindo trabalho (risos). Mas eu acho maravilhoso, apesar disso. Eu
me sinto realizada nessa área. Só financeiramente... claro que não fiquei
rica” (5.ESC).
Cabe assinalar a queixa de alguns professores em suas reflexões sobre “ser
professor (a)” exposta no final da narrativa ilustrada acima. Alguns professores se sentem
um pouco frustrados com o não reconhecimento de alguns alunos do esforço empreendido
nas aulas e nos estágios e, também, com a baixa remuneração conferida em troca de seu
trabalho. Ao mesmo tempo, se dizem realizados profissionalmente e que ficam satisfeitos
quando os alunos dão retornos positivos sobre as atividades, como quando são
homenageados pela turma ou quando um aluno faz um simples elogio a dinâmica da aula.
Um das entrevistadas, apesar de reconhecer que “dá trabalho” promover atividades
diferenciadas na formação dos estudantes, faz um contraponto com a seguinte fala:
“Ser professor é não achar que dá trabalho é problema, porque viver dá
trabalho. Eu acho que ser professor é regar a disposição pra se mexer. Eu
falo para os meus alunos „o mundo foi feito pelas pessoas e a gente vai
continuar fazendo, qual é o legado que a gente vai deixar?‟” (1.ISC).
A reflexão destacada acima expressa o que foi abordado como ponto inicial desta
análise sobre a compreensão dos docentes sobre o ato de “ser professor (a)” – o
compromisso com o estudante, mas sobretudo com a sociedade. Para além do
compromisso, esta professora agrega a necessidade da ação. Não uma ação reprodutivista
ou mecânica, embotada pela rotina de trabalho, mas uma ação refletida e intencionada para
a transformação social. Uma ação que pretende fazer a diferença e construir a sociedade
em que se vive e que se pretende deixar para as próximas gerações. Esse pensamento nos
remete à compreensão de Freire (1987) da educação como um ato de relação sujeito-sujeito
e sujeito-mundo, que na fala acima se associa mais claramente às noções de temporalidade
e de conseqüência, vinculadas à percepção de existir no mundo, de se integrar a sua
construção histórico-cultural e pelo ímpeto de transformar a realidade para um melhor
viver.
106
A “disposição para se mexer” conclamada por esta docente e explicitada, também,
por outros professores, encontra afinidade com o espírito do professor como intelectual
transformador proposto por Giroux (1997). No caso da formação em nutrição, implica
exercitar a reflexão sobre o seu papel na formação dos estudantes como educadores, como
nutricionistas, como profissionais atentos à realidade e às necessidades de transformação
social. O professor intelectual transformador precisa exercitar o pensamento crítico na
reflexão sobre o papel da universidade em sua relação com a sociedade, para atuar como
um artesão intelectual no processo de construção de novos métodos e de novos
conhecimentos. Para facilitar e fortalecer suas ações precisa criar espaços institucionais
propícios à reflexividade, espaços de encontro e debates entre os professores, os alunos e
os demais sujeitos envolvidos nas experiências realizadas via universidade.
Mais do que uma categoria ou alternativa profissional, ser professor pede uma
atitude, uma forma de ser e estar na vida, na relação com as pessoas e com o mundo, na
disposição para a troca e para a construção dialogada e conjunta de conhecimentos. Porque
“Ser professor é um lugar de quem assume esse papel de forma consciente. Não precisa ter
o rótulo ou estar legitimando formalmente para isso, pensar o professor assim é superficial.
O aluno também é professor” (2.EN).
Diversas questões trazidas para o diálogo sobre o “ser professor (a)” nos deixam
claro que a formação do nutricionista como educador ocorre no contexto da universidade,
mas também antes dela, nas experiências escolares na infância e na adolescência; e
informalmente, nas relações com a família e outros grupos sociais e nas experiências
vividas por cada estudante, futuro nutricionista.
Na sessão a seguir, serão apresentadas as percepções, opiniões e experiências dos
docentes e estudantes quanto à educação nutricional, por vezes comentada como disciplina,
em outras como prática exercida pelo nutricionista. A reflexividade explorada aqui neste
capítulo permeou todo processo de entrevista e continua impressa nas narrativas dos
participantes apresentadas em seguida. Porém, suas vozes serão trazidas para o diálogo
com outras categorias analíticas identificadas no decorrer da pesquisa.
107
4.2 POR UM OLHAR DIALÓGICO NA FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO
EDUCADOR
“Todo ponto de vista é a vista de um ponto”.
Leonardo Boff (1977)
“A cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo” (BENEDICT
apud LARAIA, 2005, p. 67). A depender das lentes que usamos e de onde estamos,
teremos pontos de vistas diferentes, o que é muito comum e saudável, diga-se de
passagem. Inicio com esta frase para justificar a proposta de usar lentes dialógicas para ter
um olhar crítico e ampliado sobre a formação do nutricionista como um educador. Não é
um exercício fácil. Vai-se acostumando com as lentes aos poucos e descobrindo novas
possibilidades de visão das coisas, dos outros e do mundo.
Essa disposição vem do encontro com alguns autores que, por caminhos diferentes,
mas confluentes, têm posturas dialógicas. Como por exemplo, com Geertz e sua
perspectiva analítica local e global; com Mills e seu artesanato intelectual que integra vida
e trabalho, concepção e ação; com Giroux e sua pedagogia da possibilidade que alia crítica
e esperança; com Freire e sua pedagogia dialógica, que se sustenta na indissociabilidade
entre reflexão e ação; entre outros.
Se a educação e a docência são atos que envolvem relação e a relação prescinde o
diálogo, isso quer dizer que podemos trabalhar na direção de uma educação dialógica. O
diálogo é compreendido aqui, não apenas como a troca de palavras e ideias entre duas ou
mais pessoas, mas como possibilidade de colocar diferentes perspectivas em relação em
diálogo. Neste sentido, podemos ter um olhar dialógico que auxilie nossas formas de
pensar e de agir como educadores – profissionais ou cidadãos. Podemos pôr em diálogo as
concepções e perspectivas: macro e micro; local e global; objetividade e subjetividade;
individual e coletivo; teoria e prática; saberes científicos e saberes cotidianos;
disciplinaridade e inter/transdisciplinaridade; social e biológico; etc. Enfim, uma ampla
gama de possibilidades para a ação de “pôr em diálogo”.
A intenção não é trabalhar as questões ou concepções de forma dicotômica ou
dualista, que tende mais a separação, bifurcação, divisão. Em sentido oposto, fazendo um
108
paralelo com as bases matemáticas, o diálogo pode promover a união, a interseção, a
integração e a criação do novo, mais relacionados às operações de soma ou multiplicação
do que às de subtração ou divisão. Sobre este assunto, Boff considera errôneo confundir
dualidade com dualismo.
O dualismo vê os pares como realidades justapostas, sem relação entre si.
Separa aquilo que, no concreto, vem sempre junto. Assim, pensa o
esquerdo ou o direito, o interior ou o exterior, o masculino ou o feminino.
A dualidade, ao contrário, coloca e onde o dualismo coloca ou. Enxerga
os pares como os dois lados do mesmo corpo, como dimensões de uma
mesma complexidade. Complexo é tudo aquilo que vem constituído pela
articulação de muitas partes e pelo inter-retro-relacionamento de todos os
seus elementos, dando origem a um sistema dinâmico sempre aberto a
novas sínteses (BOFF, 1997, p.74-75, grifos do autor).
A complexidade mencionada por Boff é característica básica da condição humana.
Para ele “tudo está em relação com tudo. Nada está isolado, existindo solitário, de si e para
si” (BOFF, 1997, p.72). A complexidade se expressa em nossos pensamentos, ações e
reações. É ela que move o espírito do pesquisador, do artesão intelectual, do professor
transformador, que sai em busca de respostas e novas perguntas para alimentar sua práxis.
Entendendo a complexidade da realidade brasileira, Freire propõe uma educação
problematizadora e libertadora, que tem o diálogo como centro da ação pedagógica. Para
Freire (1988) o conhecimento é um ato histórico, gnosiológico, lógico e também dialógico.
Sendo assim, conhecer e pensar estão diretamente relacionados e necessitam da disposição
dialógica para se desenvolverem. A arte do diálogo oportuniza o encontro e o confronto de
ideias que podem levar a outras idéias e, consequentemente, a outras atitudes e ações. Este
é o movimento que esperamos que se desenvolva nos processos educativos e formativos
em nutrição.
4.2.1 O papel da disciplina Educação Nutricional (EN) na formação do nutricionista
No processo de entrevista fizemos duas perguntas diferentes aos professores, que
pretendiam respostas distintas, mas que para nossa surpresa, apresentaram conteúdos e
características confluentes. Qual o papel da educação nutricional na formação do
109
nutricionista? Quais são os desafios atuais da formação em educação nutricional? Em
muitos depoimentos, os elementos que compunham o papel da EN, se apresentaram
também como desafios enfrentados tanto na formação do nutricionista, quanto na prática
desta atividade nos diferentes cenários de atuação profissional.
Estas perguntas permitiram conhecer os olhares sobre os objetivos e funções da
disciplina EN na formação do nutricionista e as possibilidades de aplicação nas diferentes
áreas de nutrição, tanto de professores da própria disciplina, quanto de professores
responsáveis pelos estágios das três áreas clássicas da nutrição. É importante salientar que
encontramos olhares aproximados, e outros nem tanto, principalmente no que se refere às
possibilidades de aplicação nos diferentes contextos e realidades profissionais, que
possuem especificidades técnicas e funcionais. No caso dos estudantes, ouvimos suas
percepções e opiniões sobre a relevância da EN na formação e na prática do profissional
nutricionista. Neste item, iremos apresentar uma análise geral sobre o papel da educação
nutricional na formação do nutricionista.
A educação nutricional é percebida pela maioria dos professores como um elemento
central para a atuação dos nutricionistas em todas as áreas e junto aos mais diversos
públicos – criança, adolescente, gestantes, adultos, trabalhadores, idosos, saudáveis ou
doentes, “tem esse papel tanto junto aos funcionários quanto junto à clientela” (4.EN). Os
professores de estágio compreendem a EN como uma estratégia, uma ferramenta de
trabalho relevante, que precisa se adaptar as diferentes áreas de atuação, de acordo com
suas especificidades e realidades.
“Eu acho que é importantíssimo, porque acaba atuando em todas as áreas.
Você pode atuar na produção, que tem que ter educação nutricional. Um
foco diferencial num estabelecimento comercial é isso, ir além da comida
segura, é educar o consumidor, é educar o seu manipulador. Então, eu
acho que é primordial na produção, na área clínica, na materno-infantil,
na saúde pública. Então, é uma matéria que é o coração e todos os lados
vão pegar um pouquinho da educação nutricional” (5.EAC).
Segundo uma resolução do Conselho Federal do Nutricionista a educação
nutricional não é uma área de atuação clássica, como a alimentação coletiva, a nutrição
clínica e a saúde coletiva (CFN, 2006). Porém, ela é identificada como atribuição e
atividade a ser desenvolvida pelo nutricionista em cinco das sete áreas de atuação definidas
110
na resolução. Talvez isso explique o fato de alguns professores não a considerarem uma
atividade fim, mas uma atividade meio que pode potencializar os resultados desejados
junto aos diversos públicos atendidos. Uma docente da área de alimentação coletiva pensa
que a EN pode ser diferencial para o trabalho do nutricionista nesta área e criar maior
identidade profissional e compromisso social com as pessoas que freqüentam o espaço,
neste caso os trabalhadores e os comensais.
“Se o nutricionista incorporar isso como uma propriedade sua daria um
grande diferencial e valorização daquele profissional no local de trabalho.
Porque quando ele deixa um pouco essa nutrição de lado e fica muito
como gestor, ele acaba perdendo um pouco da sua identidade como
nutricionista. A educação nutricional tem um papel importantíssimo de
valorização profissional e de compromisso com aquelas pessoas.
Principalmente hoje que a gente tem mega quantidades de informações na
mídia, que as pessoas ficam completamente perdidas e confusas”
(1.IAC).
No contexto do curso de nutrição, foi unânime o entendimento que a EN se inter-
relaciona com várias áreas de atuação e disciplinas ministradas. Uma professora
considera a EN como um “eixo transversal, que tem que passar por tudo, igual a ética e a
técnica dietética” (2.EAC). Ela menciona em seu relato que no processo de reforma
curricular que está acontecendo em seu curso, ocorreu a proposta das disciplinas citadas
não existirem como tais e seus conteúdos e práticas serem inseridos em diversas outras
disciplinas como temas transversais. No caso da educação nutricional, a proposta de eixo
transversal não se consolidou, mas influenciou sua reestruturação e apresentação em
Educação Nutricional I, II e III, que estão previstas para serem ministradas ao longo do
curso, nos 1º, 5º e 7º períodos. Cada disciplina abordaria teorias e temas gerais relativos
aos aspectos educativos, sendo que cada uma delas seria mais voltada para uma das três
áreas clássicas da nutrição.
Na opinião da maioria dos estudantes a educação nutricional se relaciona com todas
as áreas de atuação da nutrição. Entretanto, alguns deles ponderaram que a depender do
local de trabalho podem encontrar dificuldades para realizá-la. Essa observação foi feita
por alunos que tiveram dificuldade de realizar atividades em alguns campos de estágio. O
trecho da fala destacada a seguir representa o discurso de parte dos alunos e faz um
destaque quanto à disciplina.
111
“Eu acho que a educação nutricional é a base de muitas coisas. Como eu
vou chegar no paciente, como que eu vou convencê-lo a fazer certas
práticas. Dentro da produção, tem que ter educação nutricional. Dentro de
todas as áreas que a gente já citou tem que ter educação nutricional. Eu
acho uma disciplina muito importante e acho que deveria ser mais
valorizada dentro da faculdade” (2.Est8).
Para alguns docentes e estudantes, uma das funções da disciplina EN no curso é a
articulação de diversos conhecimentos aprendidos ao longo da formação – articulação
entre os conhecimentos teóricos e práticos de várias disciplinas, e destes com a realidade
social na qual serão confrontados. “Eu acho que no momento em que essa disciplina é
oferecida no curso o aluno já foi muito exposto a informação, informação, informação. É o
momento disso ser retrabalhado, ressignificado” (1.ISC). Esta ressignificação proposta pela
professora é vivida com certa dificuldade pelos professores da disciplina EN no cotidiano
da sala de aula e percebida como surpresa agradável ou espanto pelos estudantes,
ocasionando uma certa confusão paradigmática. O relato de uma estudante a seguir revela
esta problemática.
“Isso é o correto, isso é o cientifico, isso está fundamentado e
estabelecido. Ai chega na educação nutricional, lá no final da graduação e
desconstrói tudo. Aí você tem que compartilhar, colaborar, co-
participar... Como é que fica aquela coisa tecnicista, que só despeja,
unilateral? Complicado! Você tem que desmontar um ideal de uma hora
pra outra, uma coisa que foi sendo estabelecido... Derrubar o paradigma é
difícil” (1.Est3).
A necessidade de ressignificação salientada pela docente e pela aluna corresponde,
também, a duas questões centrais que vem sendo debatidas na literatura acadêmico-
científica da área e, também, que foi mencionada inúmeras vezes pelos entrevistados – o
reconhecimento da complexidade e da multidimensionalidade da alimentação, da nutrição
e da saúde; e a necessidade de processos educativos diferentes dos tradicionalmente
realizados.
Ao refletir sobre o papel da disciplina EN na formação do nutricionista grande parte
dos professores se referiu à função de ampliar o olhar dos estudantes sobre o universo da
alimentação e da nutrição, para além dos aspectos biológicos que estão fortemente
presentes no interior da estrutura curricular. A fala de uma professora da disciplina EN
112
revela a dificuldade em promover esta ampliação do olhar solicitada, principalmente, pelos
professores de estágio.
“Então, chega no 6º período e eu pego uma pessoa que passou por tudo
isso, com uma formação pesada na biomedicina, nos saberes do campo
das ciências biológicas, ou do alimento, ou da doença e mostrar pro cara
que não é só isso, que ele precisa incorporar outros elementos do campo
das ciências sociais e humanas. Que ele tem que provocar aquele paciente
ou aquele indivíduo a repensar a relação com a comida. É muita
novidade! Não é fácil. Eu tento que ir criando esses espaços de inserção,
de estímulo a criatividade na estrutura da disciplina. A gente tem que ser
mais ousado! Educação nutricional não dá pra fazer sem ousadia, sem
coragem pra fazer coisas diferentes! Porque a gente está há anos fazendo
a mesma coisa!” (1.EN3).
Historicamente a formação em nutrição expressa a hegemonia do paradigma
biomédico que, acaba por se manifestar nas práticas em saúde predominantes e em uma
visão de mundo pautada na lógica das ciências naturais, que limita o reconhecimento da
alimentação como um ato cultural e social (FREITAS; MINAYO; FONTES, 2011). Nessa
perspectiva, a nutrição tem sido criticada por seu referencial biológico e tecnicista, que vê
o corpo humano como máquina (aparelho digestório, respiratório, circulatório), a
alimentação como elemento essencial para o bom funcionamento do corpo e a nutrição
como a ciência que define, calcula e planeja a quantidade de nutrientes e energia que
devem ser consumidas para tratar as enfermidades ou manter o corpo saudável. Com o
predomínio desse olhar tecnicista, a nutrição acabou se refugiando no campo das ciências
biológicas e da saúde, e estabelecendo tímidas relações com outros campos do
conhecimento, que poderiam auxiliar na criação de novas formas de ver e lidar com os
fenômenos alimentares na sociedade.
Tanto os professores da disciplina EN, quanto os de estágios tem consciência desta
problemática no estrutura do curso e conferem a disciplina EN a tarefa de incluir temáticas
de diferentes disciplinas do campo das ciências sociais e humanas e fazer variadas pontes
destas temáticas com a alimentação e a nutrição – “Acho que EN hoje em dia tem um
cunho assim, de trazer a sociologia pra dentro da nutrição, pra perceber que a alimentação
e nutrição não é só cuidado com alimentação ou com uma alimentação saudável. Perpassa
por toda uma questão histórica, de fundamento sociológico” (1.ESC). A educação
nutricional “tem que falar de cultura, de sociologia. De como é que o mundo é, de como é
que o mundo gira, de como é que a sociedade se forma. Porque que é importante você estar
113
a serviço da conscientização na sociedade” (1.ENC). O papel da EN é “você formar um
profissional criativo, que saiba lidar com diversidades culturais, socioeconômicas,
fisiológicas. Tudo junto” (6.EN).
Os professores justificam esta demanda em função da complexidade da alimentação
e da nutrição no contexto atual, associados aos modos de vida nos centros urbanos, a
desigualdade social, a industrialização da alimentação, a profusão de informações
nutricionais e propagandas de alimentos veiculadas por diferentes mídias, ao desafio no
enfrentamento da obesidade, das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e dos
transtornos alimentares, entre outros. Alguns professores consideram que a abordagem
pautada exclusivamente nos aspectos biológicos não é suficiente para lidar com a
complexidade vivida na realidade social. É necessário “entender a nutrição dessa forma
mais ampla. A relação homem, alimento e sociedade. E esse alimento, de onde ele vem?
Como ele é produzido? Eu acho que isso começou a ser incorporado na nossa formação,
mas ainda falta!” (3.EN3).
Nesse sentido, a disciplina EN tem o papel de ampliar o olhar do aluno para o
outro, respeitando suas diferenças e particularidades; para a percepção da alimentação na
sociedade para além dos aspectos biológicos, incluindo temas como sustentabilidade,
produção de alimentos, mídia, fome, segurança alimentar e nutricional, comportamento
alimentar, cultura, culinária, políticas públicas, entre outros. Enfim, uma profusão de temas
diversos, complexos e multireferenciados, que reforçam a necessidade de um olhar
dialógico entre as dimensões locais e globais de cada situação encontrada na realidade
social e profissional (GEERTZ, 2003).
Em função disso, algumas professoras destacaram a necessidade de problematizar a
concepção de alimentação saudável construída pela ciência da nutrição, divulgada pela
mídia, aceita pelos profissionais de saúde e pela população, como um senso comum. Uma
delas trouxe a questão da indústria de alimentos e suas estratégias de vinculação ao
“saudável”: “Gosto de discutir às vezes no estágio, que alimentação saudável para mim não
é uma alimentação light nem diet, vamos parar com isso, isso é termo da indústria. Eu
tento romper um pouco com essa linha” (3.EN3). Outra docente problematizou que as
recomendações para uma alimentação saudável divulgadas por órgão oficiais de saúde,
acabam virando dogmas difíceis de serem aplicados por populações com baixo poder
aquisitivo.
114
“Eu sou meio avessa a dogmas, essa coisa da alimentação saudável pra
mim é um dogma. Às vezes eu recebo pessoas aqui que ganham um
salário mínimo e tem que sustentar sete pessoas. E como é que faz
aqueles passos todos? Como é que faz cinco ao dia?4 E aí as respostas a
gente não sabe dar. A gente fica impactada com os dogmas. Então, eu
acho que educação nutricional precisa ser critica nesse sentido” (1.ENC).
Castro, Castro e Gugelmin (2011) partem do entendimento da alimentação como
um processo complexo, que envolve indivíduos, coletividades, alimentos e todas as
relações envolvidas no sistema alimentar, para proporem a observação da alimentação por
meio de cinco dimensões: do direito humano, biológica, psicossocial e cultural, ambiental
e econômica. Nessa perspectiva, as autoras entendem que é necessário rever o escopo de
ações e políticas públicas desenvolvidas neste campo, que deve passar a considerar a
interface entre saúde-ambiente-sociedade, combinando medidas legislativas, regulatórias,
fiscais, educativas, entre outras.
De acordo com os professores a disciplina EN deve formar os estudantes para atuar
junto aos indivíduos e coletividades na intenção de sensibilizá-los para importância e a
centralidade da alimentação na vida humana e de qualificar as informações que eles têm
em quantidade, mas não em qualidade, sustentada pela sociedade de consumo. Tal ponto
de vista se expressa na fala da professora abaixo.
“Educação nutricional é trabalhar com alimentação para adultos, para
pessoas que tem escolaridade, mas que não tem a especialidade, que está
sujeita a toda uma era de consumo, porque a gente tem muitas
informações, mas não são informações de qualidade às vezes e que a
gente pode depurar isso com o trabalho que a gente faz através do
cardápio que a gente fornece, por exemplo” (2.EAC).
A necessidade de compreender a alimentação e a nutrição em uma perspectiva mais
ampla vem sendo debatida com maior intensidade nas últimas duas décadas no Brasil.
Segundo Fonseca et al. (2011) ao compreender o fenômeno alimentar e o seu consumo em
uma abordagem mais qualitativa pode-se avançar na construção das ciências nutricionais,
privilegiando-se uma abordagem compreensiva sobre o alimento e a alimentação nos dias
atuais. Os autores sugerem que os estudos atuais devem se dedicar à investigação do
4 A professora se refere à publicação do Ministério da Saúde “Dez passos para uma alimentação saudável” e
ao “Programa 5 ao dia”, que recomenda o consumo de, no mínimo, 5 porções de frutas e hortaliças, todos
os dias.
115
consumo alimentar como um fenômeno social para que se agreguem novos componentes
analíticos ao conjunto de resultados com o enfoque biomédico.
Além da função de apresentar aos estudantes diferentes possibilidades de ver e
compreender o ser humano, a alimentação e a sociedade, a disciplina EN teria o papel
sensibilizar e formar o nutricionista para atuar como educador.
“As pessoas têm que tomar a consciência do poder da educação. É nesse
momento da formação do nutricionista que a gente tem que falar disso,
não é em outro momento. É a disciplina específica para falar disso e não é
só fazer planejamento da prática, não só plano de aula, é algo mais. É
mexer com o coração, com o corpo, chamar gente que possa falar disso.
Chamar poeta de cordel, o pessoal do nordeste que trabalha educação em
saúde fazendo bilro e cantando canções sobre alimento” (1.ENC).
Nesta tarefa de formar o nutricionista como educador, surgem algumas questões
relevantes. A primeira delas corresponde a necessidade de formar estudantes para adotarem
uma postura profissional diferenciada. Associa-se a essa questão o desejo de que os
estudantes compreendam a necessidade de assumir uma atitude de educador. Nesse
sentido, a disciplina EN teria a função de sensibilizar os estudantes para uma postura
menos técnica, pautada prioritariamente na racionalidade biomédica, e mais humanizada,
que considere a integralidade no cuidado e relação com indivíduos e coletividades
(MATTOS, 2009).
Essa atitude de educador que os docentes esperam que seja gerada nos estudantes
tem elementos comuns com os surgidos na auto-reflexão que fizeram sobre o “ser
professor”. Assim, eles desejam que os estudantes sejam educadores com compromisso e
responsabilidade social, na promoção da saúde e da alimentação saudável, mas também, na
formação de cidadãos. Além disso, esperam que a atitude de educador seja compreendida
como algo que irá acompanhá-los em todas as suas atividades cotidianas, na relação com
os diferentes públicos atendidos, com sua equipe e com os demais trabalhadores. A fala de
uma professora de educação nutricional revela a compreensão dessa atribuição da
disciplina.
“Eu acho que a gente tem esse papel para além do conteúdo, da formação
de atitude, atitudinal (sic) desse profissional. Eu acho que o único
momento em que eles pensam sobre isso, salvo algumas aulas que algum
professor puxa um assunto, mas formalmente eles não discutem isso em
nenhum momento, de como eles vão interagir com as pessoas, dos
116
valores, do simbolismo da alimentação, é só quando chega em educação
nutricional. Então a gente tem uma tarefa árdua de despertar essa questão
pra eles” (1.EN2).
A narração acima revela, também, a percepção de que não basta ter conhecimentos
e conteúdos técnico-científicos necessários aos processos educativos, é preciso
problematizar junto aos estudantes suas visões de mundo e paradigmas associados à
alimentação, a saúde e ao próprio papel de educador. Esta é “uma tarefa árdua” conferida à
disciplina EN, porque exige um duplo investimento no processo de ensino-aprendizagem: a
formação humanística-reflexiva e a formação didático-pedagógica. Neste sentido, boa
parte dos docentes acredita que a “educação nutricional vai dar um olhar mais criativo, um
olhar mais crítico, um olhar mais humano para o profissional nutricionista” (5.EN).
Cabe abrir aqui um “parêntese” para falar de uma característica peculiar da
disciplina EN, que foi mencionada por algumas de suas professoras.
“Ela é reflexiva, é uma disciplina que se debruça sobre si mesma. Isso
facilita muito as coisas e dificulta muitas outras. Acho que essa é uma
característica da educação nutricional, aliás do processo educativo em
geral. Porque como é uma apropriação dessa área mais de educação pra
dentro do currículo, eu acho que ela acaba tendo essa característica de
reflexividade” (2.EN).
A reflexividade ocorre na disciplina, pois durante as aulas o professor apresenta e
debate teorias, princípios e procedimentos educativos, que ao mesmo tempo são (ou
deveriam ser) realizados por ele em sala de aula. Ao mesmo tempo, as aulas expressam (ou
deveriam expressar) o próprio processo educativo do qual o professor esta propondo que o
aluno desenvolva junto aos sujeitos de suas ações educativas. A fala de outra professora
explicita este processo.
“Nas aulas de educação nutricional, a gente trabalha com uma lógica que
não é uma aula de conteúdo pronto, de transparência. É uma lógica de
construção daquele conhecimento, que é o que a gente quer que ele
(aluno) faça profissionalmente. Em dia que eu dou aula eu fico bem
cansada, porque é um exercício interno de fazer esse papel do professor
pra que eles percebam que é possível um outro formato. Que um outro
formato existe, faz sentido, que ele funciona” (1.EN2).
Ou seja, os professores da disciplina precisam ter habilidades, competências e
qualidades – humanísticas-refletivas e didático-pedagógicas – para realizarem os processos
117
educativos junto estudantes, para que eles tenha uma referencia e sejam sensibilizados para
realizá-las junto ao público de suas ações.
Para que isso ocorra é necessário desenvolver o pensamento crítico de estudantes e
professores. Segundo Giroux (1997, p.99) o desenvolvimento do pensamento crítico requer
que o processo de ensino-aprendizagem estabeleça, num primeiro momento, relações entre
teorias e fatos. Nesse sentido, o pensamento crítico é compreendido como a capacidade de
tornar problemático o que havia sido tratado como dado; examinar criticamente a vida que
levamos; ter a capacidade de pensar sobre nossos pensamentos. Em termos pedagógicos,
significa exercitar a problematização proposta por Freire (1988, 2011). Por meio da
problematização, os estudantes podem criar seu próprio sistema de referência – isto é, sua
visão de mundo, e aprender a utilizá-lo como instrumento teórico-conceitual na análise das
teorias e fatos.
O segundo componente fundamental do pensamento crítico corresponde a relações
entre fatos e valores, já que o conhecimento não pode ser isolado dos interesses, normas e
valores humanos (GIROUX, 1997). Quando um sujeito seleciona e dá uma sequência as
informações, ele constrói um quadro de realidade contemporânea e histórica com base em
suas operações cognitivas e sistemas de valores e crenças. Segundo o autor, ignorar a
relação entre os fatos e os valores é correr o risco de ensinar os estudantes a lidar com os
meios, independente das intenções dos fins.
Exercitar o pensamento crítico pode facilitar a “contextualização da informação”
por parte dos estudantes em seu processo de auto-aprendizagem, isto é, aprender a
questionar a legitimidade de um fato, conceito ou questão; aprender a perceber a essência
da questão examinada; aprender a pensar dialeticamente e não de forma isolada (GIROUX,
1997, p.100).
No processo de reflexão sobre o papel da disciplina EN, outro aspecto foi
considerado essencial – a formação didático-pedagógica dos estudantes. Os professores
reconhecem que, dentre as disciplinas que compõem o currículo do curso de nutrição, a EN
faz “uma apropriação única das questões pedagógicas, porque não tem outro momento pra
isso” (2.EN). Sendo assim, todos os professores se reportaram a algum aspecto relacionado
ao desenvolvimento de habilidades, competências e qualidades junto aos estudantes para
que possam realizar processos educativos com diferentes indivíduos, grupos e
coletividades.
118
Suas expectativas giram em torno de vários aspectos. Uma delas se refere à
habilidade com as relações sociais e humanas, associadas ao saber lidar com o outro, a
exercitar a escuta compreensiva e ao respeito às diferenças e diversidades de cada
indivíduo ou grupo. Outro aspecto está relacionado com as habilidades comunicacionais,
tanto no sentido de aprimorar a comunicação verbal do estudante junto ao público,
buscando uma linguagem clara, acessível e não pautada no “nutricionês”, quanto na
intenção de incentivá-los a buscar formas de comunicação variadas e criativas, como o uso
de recursos audiovisuais e internet.
Nesta mesma direção, alguns professores apontaram a necessidade da disciplina EN
valorizar o diálogo e a troca de conhecimentos e experiências como parte do processo de
ensino-aprendizagem.
“Se ele aprender o conceito de educação enquanto a questão de valorizar
o saber do outro. Se ele ver esse outro enquanto sujeito, um sujeito de
saber, um sujeito de aprendizado, que tem uma história de vida, que tem
experiências e que podem se somar as dele e as dele se somar as do outro,
enquanto troca. Acho que isso é um ganho e é para a vida” (3.EN3).
Entretanto, outra professora fez uma ponderação sobre esse assunto. Ela observa
que alguns alunos ficam um pouco confusos com o discurso que supervaloriza o saber
cotidiano e popular, como se o profissional de saúde não tivesse nenhum conhecimento
para pôr em diálogo. Para ela a disciplina EN tem a função também de “situar o aluno em
relação a isso, de que não existe só conhecimento científico, mas existe também o
conhecimento científico. E que ele pode contribuir muito pra mudar processos de vida,
coisas que a gente sabe hoje e a gente não sabia, que fazem a gente viver melhor” (1.ISC).
As duas falas ilustradas chamam atenção para a potencialidade da troca de saberes
científicos e de saberes populares e cotidianos nas relações educativas, respeitando os
limites e valores de cada um.
Outro aspecto mencionado pelos professores ao longo de suas narrativas é o tipo de
abordagem educativa que eles consideram adequadas ou inadequadas para o contexto
atual. Eles esperam que a disciplina EN problematize com os estudantes as condutas
consideradas negativas, que utilizam abordagens autoritárias, prescritivas, proibitivas,
acríticas, dogmáticas, medicalizantes que encarem o conhecimento e os sujeitos de forma
fragmentada. Por outro lado, a disciplina teria a função de fomentar nos estudantes
119
abordagens e atitudes pautadas em referências positivas, dialógicas, críticas, criativas,
reflexivas, ampliadas, humanizadas, próximas, acolhedoras. A narrativa apresentada a
seguir explicita o pensamento de uma das professoras a esse respeito.
“Muita gente usa a educação nutricional como prescritiva, faça isso, faça
aquilo. Então, eu acho que ela é faca de dois gumes. Ela é impositiva e
ela é o caminho pra libertação. O caminho que a gente pode utilizar para a
pessoa ser gestora de sua própria saúde. Esse caminho se faz através do
diálogo. Uma educação nutricional que não seja dialógica e seja
dogmática, não funciona” (1.ENC).
No contexto da reflexão sobre a EN, suas características e abordagens, surgiram
duas questões que merecem ser destacadas. A primeira delas diz respeito ao incômodo de
duas professoras de se reportar às atividades educativas como sendo “educação
nutricional” e não “educação em saúde”. Para elas, classificar a ação como educação
nutricional acaba levando os nutricionistas a restringir as temáticas à alimentação e
nutrição, reproduzindo as práticas prescritivas e reforçando um olhar fragmentado para a
saúde. Referir-se à educação em saúde é algo maior, é o objetivo final da educação
nutricional, que precisa estar mais integrada com os outros aspectos da vida humana e
menos apegada aos dogmas da ciência da nutrição.
“A educação nutricional sempre foi uma oportunidade de discutir as
correntes de pensamentos da educação, as questões especificas na área de
alimentação e nutrição, os aspectos culturais, psicossociais, mas que
muitas vezes isso pode se desvencilhar da saúde como bem maior. Eu
acho algo muito setorial ainda. A educação em saúde ela tem uma
especificidade, que você vai abordar as questões da vida, do cotidiano e
nisso entra a alimentação, lazer, emprego. Eu tenho a impressão de que se
trabalha de forma muito setorial. Quem faz educação nutricional é
nutricionista, por isso é nutricional. Eu não percebo um trabalho em
saúde mais amplo” (2.ISC).
De fato, a educação nutricional pode ser desenvolvida de forma restritiva ou de
forma ampliada a depender da abordagem e das intenções do profissional e do objetivo das
ações. Compreendemos que a educação nutricional integra o escopo de ações da educação
em saúde e da promoção da saúde. Sendo assim, ela não está à parte, ela faz parte. Na
análise de Rotenberg et al. (2008, p.56), o nutricionista pode abordar temas mais amplos,
associando a promoção da alimentação saudável ao “contexto da segurança alimentar e
120
nutricional, da determinação do processo saúde/doença, das relações com o trabalho e o
meio ambiente, da violência, das relações de gênero, sexualidade e saúde reprodutiva, da
cidadania, solidariedade, direitos e condições de vida”.
Há alguns anos, vem ocorrendo um debate nos meios acadêmicos e profissionais
sobre a educação nutricional ser uma atribuição exclusiva dos nutricionistas ou algo que
deve ser desenvolvido por outros profissionais, como médicos, enfermeiros, professores da
educação básica, etc. Pode-se dizer que não existe um consenso sobre esta questão.
Esse assunto permeou o debate em alguns eventos realizados para a construção do
Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas. No
documento a educação alimentar e nutricional é caracterizada como um tema com “caráter
intersetorial intrínseco” e que em função disso
[...] vários profissionais podem e precisam desenvolver ações de EAN.
No entanto, no contexto de indivíduos ou grupos com alguma doença ou
agravo, onde a EAN é um recurso terapêutico vinculado ao processo de
cuidado e cura deste agravo, esta orientação é atividade privativa do
nutricionista. Portanto, as abordagens técnicas e práticas em EAN devem
respeitar as especificidades regulamentadoras das diferentes categorias
profissionais (BRASIL, 2012c, p.8).
De acordo com este documento, a educação nutricional continua sendo uma
atribuição do nutricionista, mas não de forma exclusiva, podendo ser desenvolvida por
outros profissional. Se a entendemos como integrante do escopo de ações de educação e
promoção da saúde, a participação de outros profissionais é profícua, pois pode trazer
outros olhares e abordagens para enriquecer o processo educativo. Nesse sentido, o
nutricionista pode ser o profissional de referência para as ações, orientando e coordenando
outros profissionais a fim de alcançar maior capilaridade junto à população.
A segunda questão que merece ser destacada é a discussão sobre as diferenças e
similaridades entre “educação nutricional” e “orientação nutricional”. Esta temática já foi
debatida na literatura científica por algumas autoras que fazem uma distinção entre as duas
atividades. Na ótica de algumas autoras existe uma diferença entre educação nutricional e
orientação nutricional. A primeira estaria preocupada com as representações sobre o comer
e a comida, com os conhecimentos, as atitudes e valores da alimentação para a saúde,
buscando sempre a autonomia do sujeito, sendo o nutricionista um parceiro na resolução
dos problemas alimentares; a segunda estaria preocupada apenas com a mudança de
121
práticas e o seguimento da dieta, sendo o profissional autoritário e dá ênfase somente à
prescrição dietética (BOOG, 1997; MANÇO; COSTA, 2004).
No caso desta pesquisa, a análise compreensiva das narrativas de professores e
estudantes deixa claro que alguns deles entendem que estão realizando educação
nutricional, quando estão procedendo às orientações de alta junto aos pacientes
hospitalizados. Outros professores e estudantes, também, consideram estar realizando
educação nutricional no oferecimento de um cardápio saudável aos comensais de uma
empresa ou no treinamento de funcionários quanto às boas práticas de manipulação de
alimentos, conforme descrito a seguir.
“Quando eu introduzo os alunos no estágio, eu falo „a educação
nutricional é o que vocês mais vão fazer. Ao passar visita diariamente em
beira de leito, a educação nutricional permeia todo o diálogo de vocês
com eles. Por que o paciente não tem adesão ao tratamento dietético?
Porque muitas vezes ele não tem consciência de que a alimentação
naquele momento para ele é um tratamento. Ela perdeu aquele caráter
antropológico, social, de sentar à mesa... Neste momento ela é um
tratamento e ele tem que adquirir outras formas de se relacionar com o
alimento. Desenvolver outros paladares. Eu sempre falo „nossas papilas
gustativas também são educadas‟. Eu acho que a educação nutricional é
nosso instrumento de trabalho, é fundamental para a adesão do paciente e
o sucesso do trabalho” (2.ENC).
“No estágio curricular, a gente fez educação nutricional no restaurante
comercial. A gente fez alguns treinamentos com os funcionários mais
voltados pra educação nutricional, envolvendo a higiene alimentar. Foi
bem legal, tivemos uma resposta boa, eu gostei do resultado” (3.Est8).
Por outro lado, nos trechos de falas ilustradas abaixo, podemos observar o relato de
uma professora que faz uma distinção entre a prática de orientação e de educação
nutricional. Em seguida, o trecho de um diálogo entre alguns estudantes expressa certa
confusão sobre as duas formas de se referir à prática, mas ao final a maioria chega à
conclusão de que educação é um processo mais amplo que a orientação.
“Quando a gente está dentro de uma UAN, de um ambulatório ou de um
hospital, a gente vai ter que colocar a educação nutricional, seja
educação, se você tiver a oportunidade, seja a orientação. Você entende
educação nutricional como orientação nutricional? Pra mim são duas
coisas distintas. Orientação é pontual, tem início, meio e fim, acabou.
Educação é um processo contínuo, ele tem que ser de maneira gradativa e
constante. Eu não educo ninguém num encontro. Na maioria das vezes, a
122
gente acaba fazendo uma orientação frente a uma educação nutricional”
(5.EN).
– “Eu fiz educação nutricional. Fiz pra ele uma dieta não com quantidade,
era só de qualidade, pra conscientização” (3.Est5).
– “Era só orientação” (3.Est4).
– “Isso pra vocês é educação nutricional?” (3.Est2)
– “O problema é que é uma orientação de alta de acordo com a
necessidade dele no momento. Isso não quer dizer que depois que ele sair
do hospital ele vai seguir aquilo. Pode voltar a seguir os hábitos que ele
tinha. Então, é uma educação nutricional naquele momento, mas depois
ele vai voltar a comer lasanha” (3.Est9).
– “É uma orientação, não é uma educação” (3.Est4).
– “Você não está educando ele a comer” (3.Est5).
– “Eu não acho que você orientando, você está educando. Eu acho que
quando você está fazendo uma orientação, você está falando o que ele
deve fazer, você não educando” (3.Est3).
– “Eu concordo. Educação é um processo” (3.Est7).
O ponto de vista compreendido nesta tese é de que a educação nutricional pode ser
desenvolvida em diversos contextos e situações, como os apontados acima. Mais do que
uma atividade organizada e planejada, a educação nutricional é uma atitude, uma ação
intencionada e reflexiva, que ocorre na relação com indivíduos, grupos e coletividades.
Entendemos a educação como um processo, mas um processo de construção de
conhecimentos que ocorre dentro de cada sujeito, nas mais diferentes situações
experienciadas ao longo da vida. Portanto, a depender da atitude de educador incorporada
pelo nutricionista uma orientação de alta hospitalar pode ser transformadora, ao passo que,
uma atividade de educação nutricional lúdica, com uso de teatro e outros recursos, pode
não surtir o efeito junto à população por ser descontextualizada de sua realidade.
Uma última questão se faz necessária no debate do papel da disciplina EN na
formação do nutricionista. É consenso entre professores e estudantes que a disciplina EN
tem função de formar o nutricionista para atuar como educador. A questão divergente é
que alguns professores criticam uma formação considerada mais “instrumental” e “técnica”
e valorizam uma formação mais reflexiva, com maior investimento nos debates teóricos da
educação e das ciências sociais, destacando os princípios que devem inspirar a práxis de
EN. A reflexão de uma professora traduz esta preocupação:
123
“Isso é uma coisa que eu fico me questionando. Eu não quero trabalhar a
educação nutricional como um instrumento, como ferramenta para o
profissional. Eu acho que a educação nutricional ela deveria ser
desenvolvida, fundamentada nessas coisas todas que eu te falei sobre
educação. Eu não sou conteudista, eu estou muito mais preocupada com a
forma do que com o conteúdo. E a forma eu acho que a gente tem muito o
que aprender. Quando eu penso no Paulo Freire... essa coisa da educação
ser libertadora, da autonomia, do empoderamento [...] eu ainda tenho
dúvidas se as nossas ações estão de fato levando a isso” (2.ESC).
Outros professores não desconsideram as teorias, mas acreditam que é função da
disciplina EN o desenvolvimento de habilidades e competências no exercício da educação
junto aos estudantes, por meio de atividades mais práticas, sob a justificativa de que
precisam aprender fazendo. “Na educação nutricional a gente tem que desenvolver
habilidades e competências em um aluno que não tem muita noção daquilo. Eu não vou
lecionar educação nutricional pro aluno ficar imaginando uma atividade de educação
nutricional” (5.EN). Outra professora complementa, dizendo que para além das dinâmicas
educativas, que por vezes é motivo de desdém por parte de professores de outras áreas, a
intenção da formação mais voltada aos aspectos didáticos e pedagógicos é para “o aluno
entender e ter ferramentas com ele, para que ele possa acionar de maneira crítica na hora
que ele estiver interagindo com o outro; e que ele está imbuído da intenção de estabelecer
ali um processo educativo” (1.ISC).
Os estudantes apresentam opiniões variadas quanto a esta questão. Alguns
valorizam muito as reflexões e debates teóricos como fundamentais para despertar o
pensamento critico e ampliar suas visões sobre a nutrição. Outros acham os debates
teóricos complexos e mencionaram que passaram a entender o significado da educação
nutricional quando realizaram a prática na disciplina.
“É um modelo diferente de aula. Os textos, embora você não esteja
acostumado, sejam estranhos, mas são importantes. Porque pra discutir
você precisa ter base, ter alguma fundamentação, porque senão fica muito
pobre, perdido. Eu percebi muita diferença entre as aulas de psicologia,
de sociologia, de economia, porque quando chega em educação você vê
que você é importante na aula, você começa a se encontrar. Ai tem esse
estímulo da criatividade, é complicado, nem todo mundo tem esse talento.
Prática educativa parece moleza, mas é difícil” (1.Est5).
“Eu gostei da matéria, só que eu achei os textos muito grandes, a gente
tinha pouco tempo pra ler [...] agora quando a gente foi pra prática, aí a
gente conseguiu entender aquela teoria. Acho que a prática que foi o X da
124
disciplina. Foi aí que a gente conseguiu entender, a gente conseguiu
refletir sobre aquilo ali, conseguiu passar o que a gente tinha aprendido
nas aulas teóricas” (2.Est7).
Nacif e Camargo (2009, p.2) fizeram uma análise das diretrizes curriculares dos
cursos de graduação aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação na década de 2000 e
identificaram um conjunto de competências, habilidades e qualidades gerais constantes em
quase todas as diretrizes, podendo ser consideradas essenciais e transversais à toda
formação e vida de aprendizagem dos estudantes. Os autores as agruparam em quatro
grandes classes, que estão descritas a seguir: 1. Competências de educação permanente:
preparar pessoas para assumir a responsabilidade pela contínua formação, desenvolvimento
pessoal e profissional para o convívio numa sociedade de aprendizagem ao longo de toda a
vida; 2. Competências sociais e interpessoais: preparar pessoas para o convívio social e
interpessoal na vida em geral e nas organizações, orientada para os valores humanos, o
trabalho em equipe, a comunicação, a solidariedade, o respeito mútuo, a criatividade; 3.
Competências técnico-científicas: preparar pessoas com capacidade para transformar o
conhecimento científico em condutas profissionais e pessoais na sociedade, relativas aos
problemas e necessidades dessa sociedade; 4. Valores humanísticos: preparar pessoas para
a postura reflexiva e analítica das dimensões social e ética, que envolve os aspectos de
diversidade étnico-racial e cultural, gêneros, classes sociais, escolhas sexuais, entre outros.
Em pesquisas sobre o processo de formação de professores da área da saúde,
Batista e Batista (2004, p.22) identificam duas dimensões da formação na fala dos
docentes: a formação como processo de reflexão e a formação como treinamento
didático/exercício docente. A primeira dimensão envolve a possibilidade de o docente da
área de saúde refletir sobre sua atividade, já que é comum que a graduação e a pós-
graduação não valorizem conteúdos referentes a processo de ensino-aprendizagem. A
possibilidade de reflexão se estende, também, à urgência de pensar sobre as demandas
sociais, que exigem dos docentes a construção de novas posturas de aprendizagem e de
ensino. A segunda dimensão é comumente associada ao argumento de que o trabalho do
professor exige um conhecimento sobre o planejamento, os processos de ensino e as
práticas avaliativas. Essa percepção é pertinente, mas os autores acrescentam mais quatro
traços definidores da formação docente, a saber: “a intencionalidade, o reconhecimento da
125
bagagem construída e dos temas emergentes, a responsabilidade docente e a ideia de
processo”.
Quanto a esta discussão compreendemos que a disciplina EN tem o papel de
oferecer uma formação integral para o estudante, que considere a dimensão humanístico-
reflexiva e a dimensão pedagógico-didática. De fato é necessário promover reflexões
ampliadas sobre o papel da educação na sociedade, sobre o papel do nutricionista como
educador, sobre a complexidade das questões relacionadas à alimentação nas diferentes
sociedades, entre outros assuntos. Entretanto, não basta falar sobre a potencialidade do
diálogo e da problematização, se o estudante não passa pela experiência concreta tanto em
sala de aula quanto no exercício do papel de educador junto à população. O ensino-
aprendizagem pede a integração entre teoria e prática para uma práxis educativa
transformadora, dos sujeitos envolvidos no processo.
É claro que temos que levar em consideração que o tempo disponível no interior da
disciplina é curto para aprofundamentos teóricos ou para experimentação de variadas e
continuadas atividades práticas. O que se propõe aqui é que no contexto da disciplina
sejam valorizados estes – diferentes e complementares – perfis de formação, e se caminhe
na busca de um equilíbrio possível entre eles no desenvolvimento da disciplina e no
processo de ensino-aprendizagem de professores e estudantes.
4.2.2 Os espaços formais e informais da formação do nutricionista como educador:
disciplina, estágios e outras situações
Conforme discutido anteriormente, a formação do nutricionista como educador
durante a graduação em nutrição se desenvolve formalmente na disciplina EN, que
apresenta e debate de forma organizada e intencionada as questões que envolvem a
interface entre a educação e a nutrição. Entretanto, este processo transcende o espaço da
disciplina, podendo ocorrer, também, em espaços e situações formais ou informais que
influenciam a formação e a identidade do nutricionista como educador.
No caso desta pesquisa, a EN esteve presente também em estágios, em projetos de
extensão e de pesquisa, sendo que com maior freqüência em estágio e projetos de extensão
e com menor intensidade em projetos de pesquisa. Nestas três situações, a EN pode ocorrer
126
de modo intencional, integrando as ementas dos estágios ou etapas de projetos de extensão
e de pesquisa, ou de modo não intencional, no desenvolvimento de práticas de acordo com
a livre demanda dos docentes, dos alunos ou do público participante.
Além dos espaços formais e informais, a formação do nutricionista como educador
ocorre de modo não intencional nas observações, relações e experiências vividas durante a
graduação como um todo, como por exemplo: na observação dos professores em cena na
sala de aula; nos espaços da universidade viva – centros acadêmicos, fóruns; nos
procedimentos de avaliação; nas vivências nos estágios, nos projetos de pesquisa e de
extensão em cenários reais; no diálogo entre os estudantes sobre as percepções das formas
de pensar e agir dos professores e dos nutricionistas conhecidos no período; e nas
possibilidades de exercício do “ser educador(a)” durante o curso. Ou seja, mediado por um
currículo oculto, muitas vezes relatados por estudantes e professores nas entrevistas
(GIROUX, 1997).
Essas observações, relações e experiências, também, são tomadas como referência
pelos estudantes no desenvolvimento dos processos educativos e relacionais junto à
população. No relato da trajetória de vida muitos docentes mencionaram professores que
foram marcantes em suas experiências escolares ou professores universitários que
continuam sendo referência tanto pela competência técnica, quanto por sua postura e forma
de se relacionar com os alunos. O relato de uma professora traduz esta situação “Eu não
esqueço meus professores até hoje, são referências pra mim. Porque trabalharam de uma
forma absolutamente afetiva, me ajudando em processos de decisão pessoais e
profissionais difíceis, porque as coisas acontecem juntas, né?” (4.EN).
Quanto a disciplina EN, pudemos observar nos diálogos e discussões partilhados na
sessão anterior, que as expectativas quanto ao seu papel na formação dos estudantes são
amplas, diversas e complexas. Algumas delas são vivenciadas por professores e estudantes
como experiências bem sucedidas e outras ainda se apresentam como dilemas e desafios a
serem enfrentados. A seguir, serão apresentadas algumas informações sobre as disciplinas
EN e os estágios/internatos dos cursos de nutrição para facilitar a compreensão da
realidade vivenciada no cotidiano por professores e estudantes.
Nos cursos de Nutrição investigados neste estudo a Educação Nutricional se
caracteriza como uma disciplina que compõe o ciclo profissional. Em geral, suas aulas são
ministradas no 6º período, com carga horária que varia entre 60 e 90 horas, distribuídas em
127
carga horária teórica e prática conforme pode-se observar no Quadro 13. Uma pesquisa
realizada no estado de São Paulo, que analisou o programa das disciplinas EN de 23 cursos
de nutrição, identificou que a carga horária das disciplinas variou entre 60 e 105 horas,
sendo que dos 23 cursos só 18% continha carga horária prática (BOOG, 2011b).
Interessante observar que, nas disciplinas aqui analisadas todas possuem carga horária
teórica e prática, apesar da variação entre elas.
Quadro 13 - Informações sobre as cargas horárias total, teórica e prática nas
disciplinas Educação Nutricional, por IES.
IES
Período
Carga Horária
total
Carga Horária
teórica
Carga Horária
prática
1 6º 75 45 30
2 6º 90 30 60
3 6º 90 60 30
4 6º 73 52 21
5 5º 60 40 20
6 6º 60 40 20
Quanto aos conteúdos teóricos abordados, as disciplinas seguem um repertório
semelhante, mas com variações de enfoques e textos selecionados como referência. De
acordo com as ementas, relatos dos docentes e estudantes as aulas, normalmente, as
disciplinas são organizadas em módulos ou unidades que foram sistematizados aqui em
quatro conjuntos de temas, descritos abaixo:
• Fundamentos da educação: conceito de educação, teorias e tendências pedagógicas.
• Educação em saúde (ES) e educação nutricional: histórico, conceitos e tendências da ES
e da EN; EN no contexto das políticas públicas; relação profissional de saúde-paciente; EN
em diferentes contextos de atuação e com diferentes públicos,
• Comportamento alimentar/ Alimentação e cultura: determinantes do comportamento
alimentar (aspectos históricos, culturais, econômicos, psicológicos); formação de hábitos
alimentares; antropologia da alimentação; mídia e alimentação; consumo alimentar.
• Práticas educativas em alimentação e nutrição: planejamento de práticas educativas;
métodos e técnicas de ensino.
Já na observação das referências bibliográficas básicas e complementares contidas
nos programas das disciplinas, pode-se observar uma maior diversidade de autores e
128
textos5. O consenso foi maior nas referências relativas aos fundamentos da educação, onde
Freire, Brandão e Saviani aparecem em metade dos programas, sendo que Freire foi citado
em cinco dos seis cursos analisados. Quanto ao tema educação nutricional, Boog, Motta e
Boog, Linden, Santos e Vasconcelos estão presentes em pelo menos dois programas. Para a
discussão da temática do comportamento alimentar, Garcia foi a autora mais citada, com o
uso de textos variados em três cursos.
Segundo a narração de professores e estudantes as aulas teóricas e práticas ocorrem
por meio de exposição oral dialogada, com o uso ou não de projetor audiovisual; leitura e
discussão de textos teóricos ou com experiências de EN; dinâmicas de grupo; oficinas
culinárias; elaboração de materiais educativos; exposição de filmes ou vídeo educativo;
análise de propagandas veiculadas na mídia; entre outras.
A avaliação é realizada por meio de prova escrita, em geral dissertativa; trabalho
em grupo; seminário; simulação de prática educativa em sala de aula; planejamento e
execução de prática educativa junto a diferentes públicos em cenário real.
Passando aos estágios curriculares, em todos os cursos pesquisados eles ocorrem no
último ano, ou seja, no 7º e no 8º períodos. Cabe destacar que, em duas universidades
públicas, existe a possibilidade de realizá-los nas modalidades estágio clássico e internato,
que apresentam diferenças em termos de carga horária e de atividades desenvolvidas. As
cargas horárias dos estágios variam de 100 horas a 300 horas semestrais e a dos internatos
é de 780 horas semestrais, conforme se pode observar no Quadro 14. É importante chamar
atenção que em dois cursos o Estágio em Saúde Coletiva tem carga horária menor que os
estágios das outras áreas. O que pode significar uma menor valorização desta área no
contexto dos referidos cursos. Os demais cursos apresentam carga horária igual para todos
os estágios.
5 Livros ou artigos mais citados dos autores mencionados nesta análise: Paulo Freire: Pedagogia da
autonomia (2011); Carlos Brandão: O que é educação (1998); Saviani: Escola e democracia (1989);
Cristina Boog: Utilização de vídeo educativo como estratégia de educação nutricional para adolescentes:
comer o fruto ou o produto? (2003); Denise Motta e Cristina Boog: Educação nutricional (1984); Sonia
Linden: Educação Nutricional: algumas ferramentas de ensino; Lígia Santos: Educação alimentar e
nutricional no contexto da promoção de práticas alimentares saudáveis (2005); Rosa Garcia:
Representações sociais na alimentação e na saúde e suas repercussões no comportamento alimentar
(1997).
129
Quadro 14 - Informações sobre a carga horária dos estágios e
internatos(horas/semestre), por IES.
IES 1 2 3 4 5 6
Estágio
Alimentação
Coletiva 300 270 240 189 200 220
Estágio
Nutrição
Clínica 300 270 240 189 200 220
Estágio
Saúde
Coletiva 300 180 240 189 100 220
Internato
Alimentação
Coletiva 780 - - - - -
Internato
Nutrição
Clínica 780 - - - - -
Internato
Saúde
Coletiva 780
Sem
ementa6 - - - -
Outra informação que consideramos relevante foi à verificação da inclusão de
atividades de EN nas ementas dos estágios e internatos das três áreas clássicas de atuação.
Das 21 ementas analisadas, a educação nutricional é mencionada como atividade em 11,
sendo que, destas duas são de estágios em Alimentação Coletiva, duas em estágios de
Nutrição Clínica e sete de estágios e internato de Saúde Coletiva, conforme descrito no
Quadro 15. Destaca-se, portanto, que em todos os estágios em Saúde Coletiva, a educação
nutricional é considerada.
Quadro 15 - Informações sobre a presença da educação nutricional nas ementas das
disciplinas estágio e internato, por IES.
IES 1 2 3 4 5 6
Estágio
Alimentação
Coletiva não não sim sim não não
Estágio
Nutrição
Clínica não não não sim sim não
Estágio sim sim sim sim sim sim
6 Não tive acesso a ementa do Internato em Saúde Coletiva da IES 2. A mesma não consta no programa de
disciplinas e na relação de ementas disponibilizada pela direção do curso.
130
Saúde
Coletiva
Internato
Alimentação
Coletiva não - - - - -
Internato
Nutrição
Clínica não - - - - -
Internato
Saúde
Coletiva sim
sem
ementa - - - -
O interesse em verificar a presença de EN nas ementas dos estágios se deu por
acreditarmos que esta inclusão formal oficial abre mais uma possibilidade de prática de EN
no processo de formação dos estudantes como atividade no interior dos cursos. Ao mesmo
tempo, temos consciência que nem sempre o que está presente nas ementas é o que de fato
acontece no cotidiano das salas de aula e dos estágios. A ementa é um elemento curricular,
que integra o Projeto Político Pedagógico e que tem menos possibilidades de alteração e
mudança. Já as disciplinas em si são vivas em função da presença dos professores e
estudantes, que conduzem sua realização no cotidiano.
Nas entrevistas, todos os docentes supervisores de estágio disseram valorizar a
prática de EN, mas na maioria dos estágios elas não acontecem, mesmo em alguns em que
está incluída como atividade nas ementas. Tanto no diálogo com os professores, quanto
com os estudantes pudemos perceber que o estágio na área de Saúde Coletiva é o que mais
incentiva o desenvolvimento de ações de Educação Nutricional. Estas ações geralmente
acontecem em unidades básicas de saúde integradas ao SUS, em ambulatórios ou
policlínicas vinculadas às IES públicas e privadas, entre outros espaços eventuais de
inserção. As atividades de EN podem ocorrer em nível individual no atendimento
ambulatorial de usuários dos serviços de saúde, mas acontecem com muita freqüência em
atividades coletivas em salas de espera; em grupos educativos voltados a pacientes com
estado de saúde semelhante, como grupo de diabéticos ou de gestantes, ou grupos etários
como de idosos ou de adolescentes. Os entrevistados mencionaram também a elaboração
de materiais educativos e informativos, como folder, jogo, mural, receitas culinárias.
Já nos estágios de Alimentação Coletiva a EN, envolve o treinamento e capacitação
de trabalhadores das Unidades Alimentação e Nutrição, de restaurantes comerciais e
institucionais. Na opinião dos entrevistados é difícil realizar atividades de EN junto aos
131
comensais. Entretanto, durante as reflexões sobre as possibilidades de realização de EN
nos estágios eles identificaram outras formas de fazer EN com a clientela como o
oferecimento de refeições e cardápios saudáveis que “educam o paladar” dos comensais, os
murais informativos ou jornais da instituição.
Nos estágios, na área de Nutrição Clínica, professores e estudantes consideram um
espaço limitado para realização de EN, sendo geralmente realizada nos momentos de
orientação de alta, em ambulatório e salas de espera.
4.2.3 Desejos, demandas e desafios: integração e práxis nos processos educativos
Na reflexão dos professores sobre seu processo de trabalho e dos estudantes sobre
seu processo de formação era comum ocorrerem fluxos de pensamentos que migravam
entre experiências passadas, vivências presentes e desejos futuros. Fizemos perguntas que
tocavam aspectos mais pessoais, individuais e outras que remetiam ao contexto coletivo de
vivência dos seus processos. Apesar do objeto deste estudo ser a formação do nutricionista
como educador, tivemos a intenção consciente de fazer perguntas sobre a formação geral
em nutrição para poder lançar uma mirada dialógica entre a parte e o todo, o específico e o
geral, o local e o global (GEERTZ, 2003; MILLS, 2009).
Estimulados pelos questionamentos levantados, obtivemos relatos de naturezas
distintas junto aos entrevistados. Eles partilharam experiências concretas vividas,
sentimentos de frustração, de expectativas e identificaram demandas, desejos e desafios
para a melhoria dos cursos ao qual pertencem. Nesse contexto, identificamos dois
elementos considerados essenciais, não só para a formação do nutricionista como
educador, mas para a formação geral deste profissional. Compreendemos que as
concepções de integração e de práxis abrangem a maior parte das expectativas dos atores
do diálogo – estudantes, professores e a pesquisadora, na busca de caminhos e
possibilidades para um processo de formação integral. É importante mencionar que
encontramos nas narrativas certa dualidade entre o real vivido e o desejado – o que era dito
como realizado, por vezes, também era declarado como desafio para realização, pelas
dificuldades de romper com modelos e padrões fortemente estabelecidos.
132
A escolha do conceito de integração veio da intenção de discutir questões e ações
de forma ampliada, para além da tão sonhada inter/transdisciplinaridade, que está mais
associada à configuração e relação dos diversos campos de conhecimento e disciplinas nos
processos educativos. Queremos aqui alargar essa discussão, trazendo outras aproximações
necessárias aos processos formativos, como a integração entre as pessoas, os processos e
os projetos, no sentido de possibilitar encontros e resultados criativos e inovadores.
No bom e velho amigo dicionário, integrar significa: incluir um elemento num
conjunto, formando um todo coerente; incorporar(-se), integralizar(-se); adaptar (alguém
ou a si mesmo) a um grupo, uma coletividade; fazer sentir-se como um membro antigo ou
natural dessa coletividade; unir-se, formando um todo harmonioso; completar-se,
complementar-se (HOUAISS, 2009).
Em contextos educativos, formais ou informais, a integração pressupõe estabelecer
meios comuns de convivência, de aprendizagem e de trabalho entre as pessoas. Esse
processo demanda a participação democrática, a escuta compreensiva e a construção de
relações respeitosas entre todos os indivíduos envolvidos, sem segregação ou
estigmatização. Nesse sentido, a integração pode ser compreendida como “um processo
dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação
nos grupos sociais. A integração implica reciprocidade” (BRASIL, 2009).
A intenção de propor processos de trabalho e de ensino-aprendizagem pautados na
ideia de integração surge com base na compreensão de que os processos coletivos que
atuam em prol de um objetivo comum podem ser transformadores das pessoas – pela
divergência ou pela confluência – e, por isso, transformadores da realidade em que vivem.
No pensamento freiriano, a transformação da educação e do mundo é potencializada pela
integração. Para Freire (1987) existem duas possibilidades básicas: a de estar no mundo e
a de existir. O estar “nele e não com ele” significa uma simples acomodação ou
ajustamento, um comportamento passivo de sujeitos massificados e desenraizados. A
integração, ao contrário, enraíza o ser humano, possibilitando a sua criticidade e
capacidade criadora. Nas palavras do educador:
A integração resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da
de transformá-la a que se junta a de optar, cuja nota fundamental é a
criticidade. Na medida em que o homem perde a capacidade de optar e
vai sendo submetido a prescrições alheias que o minimizam [...] já não se
133
integra. Acomoda-se. Ajusta-se. O homem integrado é o homem Sujeito
(FREIRE, 1987, p. 42, nota4, grifos do autor).
A integração e a socialização acontecem no jogo das relações humanas que,
potencializadas pela consciência e pela vontade de transformação dos sujeitos, podem
criar e recriar suas histórias, tempos e espaços, dos quais participam. Para Freire, a
tragédia do ser humano moderno está em renunciar, às vezes de forma inconsciente, à sua
capacidade de decidir. Sendo assim, “já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-
se” (FREIRE, 1987, p. 43).
Sabemos que o desenvolvimento de processos integrativos, participativos e
cooperativos não é fácil, exige disposição e disponibilidade, principalmente num contexto
em que o paradigma hegemônico impulsiona valores como a competição, o
individualismo, o consumismo e a produtividade. Daí a necessidade de promover
processos que integrem as pessoas, os contextos e os diferentes saberes, na intenção de
refletir sobre a complexidade vivida e de agir em busca das transformações necessárias
para o alcance dos objetivos coletivos.
4.2.3.1 A integração entre disciplinas, áreas e práticas
Ao analisar a formação em nutrição, pode-se observar que, nos últimos anos, tem
ocorrido um movimento em alguns cursos no sentido de repensar e reestruturar seus
currículos e disciplinas. A mobilização desse processo se deu em função da necessidade de
atender a orientações e regulamentações de dispositivos da política de formação em saúde,
criados tanto pelo Ministério da Educação, como pelo Ministério da Saúde. Podemos citar
como relevantes as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
saúde, o Pró-Saúde e o PET-Saúde (BRASIL, 2001a, 2007c, 2010e). Cabe aqui fazer uma
breve explanação desses dispositivos.
As Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde resultaram
de um processo de discussão iniciado em 1996 entre governo, docentes, estudantes,
entidades representativas de cada categoria, gestores de ensino, entre outros. Homologadas
em 2001, as diretrizes estabelecem, entre outros temas, o delineamento do perfil
profissional, os princípios que regem a sua prática, a partir do estabelecimento de
competências e habilidades, com base em conhecimentos gerais e ênfase no compromisso
134
social, fato que rompe com a estrutura de conteúdos disciplinares mínimos (BRASIL,
2001a; FERNANDEZ, 2009).
Alguns anos depois, foi lançado o Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde, que tem por finalidade aproximar a
formação de graduação das necessidades dos serviços públicos de saúde com vistas à
formação de profissionais capazes de prestar uma assistência humanizada, de qualidade e
resolutiva (BRASIL, 2007c). Um segundo importante projeto de cooperação entre os
Ministérios da Educação e da Saúde foi a criação do Programa de Educação pelo Trabalho
para a Saúde, o PET-Saúde, em 2010 (BRASILe, 2010). O PET Saúde tem como
pressuposto.
“a educação pelo trabalho, caracterizando-se como instrumento para
qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de
iniciação ao trabalho, dirigidos aos estudantes dos cursos de graduação e
de pós-graduação na área da saúde, de acordo com as necessidades do
SUS, tendo em perspectiva a inserção das necessidades dos serviços
como fonte de produção de conhecimento e pesquisa nas instituições de
ensino.” (BRASIL, 2010e, p.52).
Até o ano de 2011, o PET-saúde e o Pró-saúde foram propostos por meio de editais
específicos, com objetivos e estratégias diferentes, apesar de serem complementares. A
partir de 2012, os dois programas passaram a integrarem-se, por meio de edital único,
visando um desenvolvimento articulado das ações. A intenção desta estratégia é promover
uma ampliação das possibilidades de atuação dos estudantes nos serviços de saúde e
contribuir para a construção das redes de atenção à saúde do SUS (BRASIL, 2011).
Nesse contexto, os novos processos de organização do trabalho em saúde, a
redefinição das competências e do perfil dos profissionais, os desafios do trabalho
integrado e em equipe multiprofissional, além da redefinição do papel da universidade, no
que se refere à multiplicidade de lugares produtores de conhecimento, são elementos que
apontam para a necessidade de mudanças na formação de profissionais de saúde, dentre
eles o nutricionista.
Uma das propostas para tais mudanças é valorizar a aproximação dialógica entre
diferentes áreas de conhecimento, visando, entre outras coisas, a superação de dualismos
clássicos: biológico-social, individual-coletivo, conteúdo-método, ciclo básico-
profissionalizante, etc. Nesse sentido, os arranjos curriculares passariam a dar ênfase a
135
estratégias que integrem trabalho e ensino, por meio de uma formação mais próxima dos
serviços, ou seja, das práticas nas diversas áreas de atuação do futuro profissional.
A participação mais ativa do estudante e a consideração da necessidade de
conhecimentos não específicos e restritos à área de atuação também se expressam como
um desejo de professores e estudantes dos cursos de nutrição pesquisados.
Na análise de Fernandez (2009), o desafio do diálogo entre disciplinas com objetos
distintos de análise na busca pela ampliação das explicações e do entendimento dos
fenômenos sociais é uma questão atual nas principais discussões sobre processos de
ensino-aprendizagem. Essa discussão vem sendo desenvolvida há algumas décadas em
diversas instituições de ensino e pesquisa, imprimindo movimentos de mudança no modelo
de formação e defendendo a reintegração das disciplinas através de diferentes perspectivas:
a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.
Essas concepções possuem significados diferentes na interpretação de vários
autores. Para Fazenda (2002) a multidisciplinaridade se caracteriza por uma atitude de
justaposição ou de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de conteúdos
numa mesma disciplina; a interdisciplinaridade traz uma relação de colaboração entre as
diversas disciplinas que conduz a uma interação, um diálogo entre interessados, que
depende de atitude; a transdisciplinaridade evoca a coordenação de todas as disciplinas,
sobre a base de uma axiomática geral, com vistas a uma finalidade comum dos sistemas.
Essas diferentes perspectivas de construção do conhecimento e organização das
disciplinas, seja de conteúdos ou de métodos, buscam, por meio de lentes variadas,
compreender e responder melhor à complexidade do mundo e da cultura contemporânea.
Olhar as problemáticas atuais por uma única lente pode conduzir a análises inadequadas e
superficiais, afetadas pelos limites impostos pela especificidade de cada disciplina ou área
de conhecimento.
Optamos aqui por trabalhar com o termo interdisciplinaridade já que estamos
debatendo o contexto específico de formação em nutrição, onde a interdisciplinaridade
ainda se apresenta como um enorme desafio. Neste momento, iremos nos concentrar mais
na reflexão dos desafios e das estratégias possíveis para o exercício da interdisciplinaridade
como essenciais para as mudanças na formação em Nutrição, e menos no aprofundamento
do debate de diferenciação desses conceitos.
136
O discurso da interdisciplinaridade é bastante difundido no cenário acadêmico, mas
sua vivência prática está muito aquém das elaborações teóricas. A consolidação da
interdisciplinaridade na formação em nutrição encontra vários obstáculos e desafios, mas
também possibilidades, que foram expressos por professores e estudantes. Um aspecto
citado com frequência por professores das três áreas de atuação foi a hegemonia do
paradigma positivista e da tradição biologicista na abordagem teórica e prática dos
problemas de saúde. Os trechos abaixo exprimem esta opinião.
“Isso é emblemático. O aluno aprende fisiologia do coração, fisiologia do
rim, fisiologia do osso. Aprende ossos em anatomia, aprende que tem um
coração que tem um músculo. Então, o ser humano é todo separo. Aí
você está estudando na bioquímica o alimento que já virou o carboidrato,
já virou proteína. Mas pra você ter proteína, pra você ter carboidrato,
você tem que ter comida, se não ele não vira isso no teu organismo”
(3.EAC).
A gente tem avançado muito na área de funcionais, de medicalização da
vida. Com certeza pro campo da tecnologia e da clínica, isso é avanço,
mas eu me assusto com isso. Na formação geral do profissional, ele cada
vez mais se afasta dessa relação e vai cada vez mais fundo no alimento.
Pra onde a gente está indo com esse currículo? Cada vez mais eu vejo que
a gente especializa isso, a gente medicaliza a vida. Eu acho que precisa
fortalecer esse campo das ciências humanas. Por que não ter um
antropólogo no curso? A lei está lá, dizendo que professor só pode ser
nutricionista. Dada a complexidade desse nosso objeto, a gente perde
com isso” (1.EN3)
Os depoimentos ilustrados acima manifestam a crítica sobre a visão positivista do
conhecimento fragmentado e especializado, que tem limitações na integração dos
conhecimentos e na ampliação destes em relação ao todo e a sociedade. Na última fala, a
docente afirma se preocupar com os rumos da formação especializada, que medicaliza a
vida, e opina que a formação em nutrição deveria fortalecer os saberes do campo das
ciências humanas, devido à complexidade do objeto da nutrição. Como ela, outros
docentes mencionam que o currículo deveria integrar mais os conhecimentos das ciências
sociais e humanas. Isso se deve à percepção da necessidade de transcender a fronteira da
matriz biológica, para ampliar o olhar dos estudantes e embasar uma postura profissional
em saúde ligado ao contexto social.
137
Outro aspecto amplamente abordado por professores e também por estudantes se
refere às dificuldades enfrentadas no processo de ensino-aprendizagem vinculadas à
fragmentação clássica das disciplinas entre os ciclos básico e profissionalizante.
“Aonde eu acho que está faltando ajustes, é uma integração maior do
básico com o profissional. Eu acho que as caixinhas estão muito
separadas ainda, quando não podem estar. Então, tem lá fisiologia,
patologia e dois anos depois ele vai dar dietoterapia. Como é que pode se
uma coisa esta ligada a outra? Ele já nem lembra mais nada. Está faltando
essa integração, uma coisa tem que está seguida da outra. Eu acho que
isso aí realmente é fundamental” (2.ENC).
Essa fragmentação, que existe entre os ciclos básico e profissionalizante, se
configura como uma lógica de organização do século XIX, que está historicamente
presente na estrutura curricular dos cursos e da universidade, estendendo-se até os dias de
hoje. Essa estrutura pode impedir que os cursos de nutrição empreendam grandes reformas
curriculares, pois dependem de professores de outras áreas para ministrar as aulas ou da
contratação de novos professores para seu quadro próprio. Apesar de este cenário parecer
um tanto imobilizador, pode-se buscar alternativas de integração entre os ciclos. Uma
professora comenta que participou de uma experiência de busca de integração entre os
saberes de disciplinas do ciclo básico com a realidade do curso profissionalizante, neste
caso com a disciplina de sociologia.
“Eu já revisei dois currículos (ementas) de sociologia dentro do curso de
nutrição. Não é uma mudança curricular, mas a gente é sentar pra ver o
que está colocado ali. A gente não querer mais um professor que veio
trabalhar com os conceitos básicos, mas tentar trabalhar com os conceitos
aplicados, eu acho que é uma diferença. Eu acho que isso é uma forma do
campo ir mostrando que está incorporando as ciências sociais. Eu acho
que é um processo” (2.EN).
A avaliação de um grupo de estudantes, ao refletirem sobre a disciplina educação
nutricional, revela que a compreensão sobre os conteúdos dos textos e assuntos debatidos
na seria muito facilitada se algumas disciplinas do ciclo básico como sociologia e
psicologia, tivessem feito articulações com o universo da nutrição. Segue o diálogo abaixo.
- “Deveria começar do início, entendeu? Porque aí você já vai tendo a
vivência” (1.Est8).
138
- “Exatamente, você vai assimilando aos poucos” (1.Est2).
- “Porque em psicologia, que teoricamente, deveria falar um pouco disso.
Se tivesse uma matéria de antropologia, talvez você já entrasse um
pouquinho mais na questão pra entender o outro, sabe? Se você nunca
teve isso na faculdade, não vai conseguir entender o ser humano, o
comportamento humano. Aí chega no sexto período... (1.Est8).
- “No último período teórico” (1.Est2).
- “Aí querem que você saiba passar alguma coisa, estabelecer um vínculo
com outro ser humano. Por que você não entende como é que ele vai
funcionar dentro da sociedade, como é que ele pensa, o que é moral, o
que é ética” (1.Est8).
- “Aí chega no sexto período, as pessoas começam a se chocar com os
conceitos” (1.Est2).
- “É uma chuva de informações” (1.Est1).
- “E que deveria ser dado em sociologia, economia, psicologia,
desenvolvimento da comunidade” (1.Est2).
- “Mas eles colocam profissionais dessas áreas lá e não da nutrição, que
não entendem a nutrição, não sabem porque que existe essa matéria na
nutrição” (1.Est8).
As estudantes criticam a atuação dos professores de áreas das ciências humanas e
sociais, que não fazem articulação com os conhecimentos da nutrição. Esta situação é
comum a todos os cursos, com raras exceções onde professores buscam fazer algumas
pontes com a área profissional. Portanto, a presença da disciplina no currículo não garante
a compreensão e articulação dos conhecimentos.
Outro desafio existente no cenário da formação em nutrição é a integração entre as
disciplinas das diferentes áreas de atuação profissional, principalmente das três áreas
clássicas – Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva. Este desafio pode
parecer ser mais fácil de solucionar, por ser uma questão de maior governabilidade dentro
do próprio curso, mas não o é. A declaração da professora, a seguir, denuncia a divisão e a
falta de articulação entre as áreas, dentro do próprio curso e, também, com áreas externas
ao curso. Esta situação dificulta a compreensão dos alunos sobre a nutrição como área
integrada, comprometendo a aprendizagem sobre temas que são naturalmente
interdisciplinares como a discussão da segurança alimentar e nutrição. Após a declaração
da professora, a fala de uma estudante reafirma esta situação.
O grande desafio que existe é essa fragmentação de conhecimento. A
gente atravessa o curso todo com uma formação muito diversificada, mas
139
sem fazer as costuras. Essa coisa de „eu sou dessa área‟, „eu sou daquela
área‟... Você é nutricionista! Você carrega com você um conhecimento
diverso e que você tem que articular bem. Essa articulação não existe!
Não existia e continua não existindo! Primeiro, dentro do próprio curso.
A área de nutrição social, ela se articula com todas as outras áreas e as
outras áreas, também, são articuladas entre si. Mas cadê esse trabalho?
Com outros profissionais já é um desafio maior ainda. Eu vejo que os
alunos tem dificuldade muitas vezes de lidar com essa articulação
interdisciplinar dentro do próprio curso. Isso é fundamental na nutrição.
Quando a gente fala da segurança alimentar, quando a gente toca em
vários assuntos, isso aparece, pra eles ainda é uma coisa muito difícil.
“No nosso currículo, as áreas são bem separadas e a gente não consegue...
eu pelo menos tenho dificuldade de conseguir linkar muita coisa, sabe? O
curso é isso, vai pra nutrição normal, aí vai pra dietoterapia, mas acho
que os links vão se perdendo” (1.Est4).
Essa dificuldade é criada, principalmente, pelas disputas de poder entre as
diferentes áreas de conhecimento e atuação do nutricionista.
“Eu fico brincando que “eu to cansada de ser periférica, tem que ser
hegemônica” porque eu acho que a educação nutricional sempre foi
periférica, ela é diferente de todo o resto. Então faz com que a gente
tenha esse esforço pra garantir a legitimidade. A legitimidade não está
dada nessa área. Está muito dada pra clínica, está muito dada pra ASA
(alimentação coletiva), mas pra saúde pública de uma forma geral não. E
pra educação nutricional também não” (1.EN2).
A conexão saber-poder é particularmente importante para as teorias críticas e pós-
críticas (SILVA, 2004). É uma relação indissolúvel, que envolve a organização e a
distribuição do conhecimento no currículo e, em paralelo, a distribuição de poder no curso
e nas relações. No curso de nutrição tal conexão se expressa na diferença de carga horária
das disciplinas e estágios entre as áreas, em professores que não trocam conhecimentos e
experiências entre si e com os alunos e em comportamentos autoritários ou desrespeitosos.
Muitos professores reconhecem a necessidade de integração e buscam, por
iniciativas próprias e na maioria das vezes isoladas, a parceria com outros professores para
a aproximação entre as disciplinas e articulação entre seus saberes e práticas. Os relatos a
seguir falam um pouco a respeito desse tipo de iniciativa.
140
“Acho que um grande desafio é a interdisciplinalidade, é fazer essa
parceria. É difícil pelas pessoas, pelas resistências. Muitas vezes elas
acabam acontecendo pelas próprias afinidades de trabalho. Essa parceria
que a gente fez com a educação nutricional deu super certo. Na técnica
dietética não rolou. [...] Não é só resistência, é difícil. Pro aluno é
indiscutível o quanto isso é bom. Agora para o professor não sei se é
bom, depende da visão de formação que ele tenha, do que ele quer. Às
vezes é melhor ele ficar no seu cantinho. Dá trabalho porque te abre pra
um novo universo, passa a conhecer ou vai ter que estudar. Até a questão
operacional. Pra poder fazer a parceria na disciplina a professora saía fora
do horário e se dispunha pra estar com a gente. Não são todos que estão
disponíveis pra isso. Essa troca também é difícil, porque você lida com
enfoques, vai ter conflitos e nem todo mundo sabe lidar com conflitos.
Você tem iniciativas, tentativas, mas isso não faz parte da alma daquele
currículo, daquele instituto, não flui normalmente, naturalmente.
Iniciativas de pessoas que agem e pensam assim” (1.IAC).
Nesses casos, a iniciativa foi bem sucedida porque havia uma afinidade entre as
professoras envolvidas e a disposição para a troca, para o debate, muitas vezes conflituoso,
e para o aprendizado de novos olhares e conhecimentos. No momento em que entrou uma
nova professora em uma das disciplinas, a integração entre as disciplinas acabou. Esse tipo
de experiência nos remete a uma discussão crucial para o desenvolvimento e a
continuidade da integração e da interdisciplinaridade nos cursos – a institucionalização dos
processos de trabalho. As experiências bem sucedidas de integração precisam ser
discutidas coletivamente entre o corpo docente, incluídas nas ementas e nos currículos e
adotadas como estratégias oficiais de ensino-aprendizagem nos cursos. Se esse processo
não ocorrer, as iniciativas voluntariosas dos professores correm o risco de serem pontuais e
terem vida curta. Elas precisam contar com o apoio da estrutura curricular e universitária
para existirem e serem encaradas como estratégia regular do processo educativo.
A organização curricular, comumente implementada pelos cursos, dificulta as
iniciativas de integração das disciplinas e das práticas e, também, a capacidade dos
estudantes de perceberem os elos que fazem a integração dos conteúdos. É mais
preocupante ainda a dificuldade da integração destes conteúdos em diferentes cenários
reais de atuação do nutricionista.
“A maioria das matérias... a preocupação que eu senti durante todo curso
é que você aprende, pronto e acabou. Aí quando você dá de cara com o
141
estagio „putz e agora‟. Você começa a aprender a associação daquilo que
você aprendeu em sala de aula naquele momento que você está no
estágio” (4.Est9).
A organização dos currículos em uma perspectiva disciplinar em nada impede
uma tentativa de criação de possibilidades de integração dos conhecimentos, seja com a
criação de disciplinas integradoras, seja na articulação entre as disciplinas já existentes.
Uma proposta curricular não tem fim em si mesma. No contexto desta pesquisa,
identificamos algumas experiências interessantes no sentido de promover a
interdisciplinaridade na formação em educação nutricional e em nutrição, realizada por
duas IES públicas. Vale destacar que a primeira experiência comentada está incluída nas
ementas das disciplinas e a segunda foi inserida no currículo após o processo de reforma
curricular. Dessa forma, existe certa garantia de existência no curso e da oportunidade dos
estudantes vivenciarem processos de formação integrados.
A primeira experiência integra as disciplinas Educação Nutrição, Nutrição em
Saúde Pública e Ética. No final do semestre, algumas aulas são reservadas para o
diagnóstico, planejamento e realização de atividades educativas em cenários reais, junto a
diferentes públicos como, por exemplo, com crianças em uma escola pública ou com um
grupo de hipertensos em uma Unidade Básica de Saúde. Cada professora fica responsável
pelo acompanhamento de um grupo de alunos. E nas aulas debatem temas específicos de
suas áreas na interface com a atividade prática. Os professores e estudantes avaliam
positivamente está pratica integrada, que passou a ocorrer pela iniciativa de professoras do
mesmo departamento. O depoimento de uma aluna aponta a necessidade ampliação da
interdisciplinaridade experimentada nesta iniciativa: “A parte da prática achei bastante
interessante. É uma coisa que tem que continuar, porque envolve outras matérias, e é isso
que a gente quer também, a interdisciplinaridade” (2.Est7).
A segunda iniciativa, a prática integrada (PI), uma disciplina incorporada no
currículo novo e que tem como objetivo principal integrar as áreas da nutrição e colocar o
aluno em contato com a vivência da nutrição desde o início até o final do curso. Essa
integração ocorre com a participação de pelo menos um professor de cada área, tanto nas
discussões como nas práticas junto aos alunos. Existem cinco disciplinas deste tipo e
ocorrem em diversos períodos letivos: 2º período: PI em Atenção Básica em Saúde; 3º
142
período: PI em Creche; 5º período: PI em Laboratório Dietético; 6º período: PI em
Alimentação para Coletividades; 7º período: PI em Nutrição Clínica.
Um relato constante é a percepção da PI como um espaço de aprendizado para
alunos e professores. No caso dos professores, ocorre uma maior aproximação entre as
áreas, podendo gerar quebra de preconceitos, abertura para novos conhecimentos e
aproximação de projetos de pesquisa e de extensão. Porém, algumas professoras
mencionaram a falta de participação do setor de Nutrição Clínica nas PI que não sejam
desta área. Como declara a professora abaixo.
“[...] a gente ainda têm muita resistência é dos professores. Os
professores tem aquela formação e eles querem continuar com aquela
formação. Têm dificuldade de praticar uma coisa que eles não conhecem.
Do social gente até se envolveu muito, do institucional se envolveu muito
com essa mudança, mas o pessoal da clínica não se envolve, não vou
dizer que todo mundo... um ou outro participa, quem tem esse desejo de
mudança” (3.ESC).
Para que toda e qualquer experiência de interdisciplinaridade ocorra nos processo
de ensino-aprendizagem, é necessário a integração de um componente essencial – os
sujeitos da ação. Neste caso estudantes, professores e demais participantes do processo
formativo. A fala da professora acima reflete bem esta questão. Se os professores de
determinada área não participarem das disciplinas PI, não vai haver a integração dos
conhecimentos desta área com as demais. Mais grave ainda, pode haver a desvalorização
da PI por parte de alunos ou de outros professores devido a este afastamento.
Sobre esta questão, Giroux (1997) analisa que existe pouca integração social
genuína na produção cultural coletiva na academia, imperando o espírito competitivo.
Segundo o autor, o professor intelectual deve buscar criar estruturas que apóiem o trabalho
conjunto tanto na pesquisa, quanto no ensino e na escrita conjunta. Ele sugere que se
reserve horário dos cursos, permitindo a possibilidade de co-ensino, de escrita de artigos
ou outras atividades coletivas. Do mesmo modo, a parceira professor-estudante em
projetos coletivos de pesquisa e extensão deve ser estimulada. Esses esforços devem estar
embutidos na estrutura do próprio curso, tornando o conhecimento e a habilidade para o
trabalho coletivo uma parte explícita do currículo.
143
Em seus estudos, Giroux (1997) observa que a maioria dos professores não
compartilha estratégias pedagógicas, o que gera falta de coesão nos relacionamentos
interpessoais e a troca de experiências. Até para romper com modelos tradicionais do
ensino, é preciso a união do grupo, conferindo maior força e possível legitimidade das
iniciativas.
McLaren (1993) encontrou na concepção de solidariedade a chave para discutir a
necessidade da integração entre as pessoas nos processos educativos. Ele inicia seu debate
com a seguinte questão “Onde ficamos, como professores, na busca de uma práxis
comunicativa, na qual um diálogo verdadeiramente transformativo possa ocorrer?”
(McLAREN, 1993, p.34). O autor sugere que os educadores críticos desenvolvam uma
política de solidariedade. Na luta pelo fortalecimento dos professores, ele recomenda que
se coloque a solidariedade como passo prévio ao consenso. “A intenção da solidariedade é
potencialmente mais inclusiva e transformadora que o consenso” (McLAREN, 1993, p.35).
Esta visão de McLaren vai ao encontro de uma iniciativa desenvolvida em uma das
universidades pesquisadas, onde são promovidos encontros culturais, com o objetivo de
integrar os professores, estudantes e técnicos em situações descoladas de atividades
laborais.
“Pra mim um dos investimentos estratégicos, é ter o momento de „sarau
literário‟ entre os professores, servidores, alunos. É a gente ter um espaço
de exercício da expressão das pessoas. A gente está tentando ter uma vez
por mês um sarau, cinco horas da tarde a gente se junta, leva lanchinho e
cada um partilha o que quiser. Tem pessoas que se aproximaram que não
se conheciam. Quando a pessoa te traz o que ela gosta, ela se revela!
Então, pra gente conseguir ousar como a gente quer, a gente precisa de
mais afeto. (...) Quando eu vejo no sarau o que as pessoas trazem, a
sensibilidade, numa reunião seguinte na hora que eu olho pro olho de
uma professora ela é uma pessoa diferente do que ela era no mês anterior
pra mim. Isso faz eu me comunicar com ela diferente” (1.ISC).
A professora complementa:
“Eu tenho a impressão de que as pessoas não se dão conta que os
processos são feitos por pessoas e que a relação das pessoas tem que ser
regada. Não é só quando a pessoa está imbuída de uma intenção, porque é
feito por pessoas coletivamente. Se você não cuidar do coletivo com letra
maiúscula, a gente vai fazer mais do mesmo e vai morrer enxugando o
gelo. A coisa é tão complexa, o cenário é tão desfavorável pra
preservação da vida, que a gente precisa se organizar de uma maneira
144
muito coesa e a coesão pressupõe processo coletivo respeitoso, afetuoso”
(1.ISC).
A iniciativa narrada pela docente revela uma experiência criativa e inovadora na
integração das pessoas no espaço universitário. Este tipo de atividade que humaniza,
solidariza, cria respeito e cuidado nas relações, o que facilita a participação e o
engajamento em outras situações de trabalho que exija a parceria.
McLaren (1993, p.35) salienta que a solidariedade tem dois aspectos: 1. conceder a
cada grupo respeito suficiente para que possa expor suas ideias e ser desafiado por elas; 2.
reconhecer que as vidas de vários grupos estão interligadas que cada um é responsável pelo
outro. Essa forma de reconhecimento supõe trabalhar juntos para produzir mudanças na
prática social. O autor chama atenção para o fato de que a solidariedade precisa de
condições estruturais e materiais prévias para permitir que os grupos diferentes tenham
acesso ao diálogo e sejam convidados a conversação, tendo cuidado com a distribuição de
poder no diálogo. Essa observação se coaduna com uma reflexão de Giroux (1997) sobre a
necessidade dos professores reverem seus processos de trabalho de modo a encontrarem
espaço para o encontro coletivo e para a produção intelectual.
A percepção de McLaren sobre a centralidade da solidariedade nos processos de
trabalho entre os professores pode se estender a todos os locais onde ocorra processo de
trabalho coletivo. Como é o caso da sala de aula e outros espaços agregadores vinculados a
formação universitária. Giroux (1997) considera que os trabalhos de grupo nos processos
educativos são espaços importantes e representam estratégias integradoras de pessoas por
vários motivos: desmistifica a autoridade do professor, quando este se aproxima dos
grupos; cria responsabilidade e solidariedade no grupo; promove o aprendizado mútuo e a
apreciação da aprendizagem coletiva.
Nesse sentido, o diálogo aproxima, ocasiona uma percepção de si no coletivo e
pode promover uma quebra dos valores competitivos e individualistas. O simples fato de
sentar em roda no cenário de uma aula, relatado por uma professora, pode ser
transformados de atitudes, relações sociais e formas de ver o outro e o mundo.
Um elemento central da formação universitária, que merece atenção no processo
de reflexão sobre a necessidade de integração das disciplinas, dos processos e das pessoas,
é o currículo. O currículo é um território de disputa (ARROYO, 2011), que costuma
145
expressar os interesses e as intenções pedagógicas, profissionais e políticas da universidade
e dos componentes do corpo social, principalmente dos docentes. A realização de reformas
curriculares possibilita aos sujeitos envolvidos debaterem sobre a formação que têm e que
pretendem ter. No cenário atual da saúde, da educação e do mundo do trabalho é essencial
que se reflita sobre as finalidades da formação universitária em nutrição, podendo-se
encontrar várias possibilidades – uma formação técnica, especializada e voltada para a
resolução de problemas nutricionais e para o desenvolvimento da tecnologia de alimentos;
uma formação que atenda às demandas do mercado e do desenvolvimento econômico; uma
formação comprometida com a promoção da saúde e com a transformação da realidade
social, entre outras.
É fundamental, nesse processo, promover debates coletivos envolvendo
estudantes, docentes, técnicos e gestores, buscando escutar as diversas demandas e realizar
maior integração entre os sujeitos, entre as áreas da nutrição e com outras áreas de
conhecimento necessárias para a reflexão e compreensão do complexo universo da
alimentação e nutrição.
4.2.3.2 A integração entre a teoria e a prática na práxis educativa: o educador como artesão
intelectual
No processo de pesquisa tive a felicidade de conhecer parte do trabalho do
sociólogo norte-americano C. Wrigth Mills, que desenvolveu o conceito de “artesanato
intelectual”, determinante no processo de criação e manufatura desta tese (MILLS, 2009).
O artesanato intelectual tem em sua essência a relação dialógica constante entre
pensamento e ação, entre concepção e execução, entre intelectual e manual, entre teoria e
prática – formas diferentes de se referir a uma questão fundamental da origem do
conhecimento humano. Essa relação dialógica se associa ao conceito de práxis. O conceito
de práxis que embasa nossa discussão tem origem na corrente filosófica inaugurada por
Marx no século XIX, e que no século XX pôde ser aprofundada e dinamizada por
pensadores como Gramsci e Sanchez-Vazquez, que investiram na elaboração de uma
filosofia da práxis. O conceito de práxis e suas expressões têm espaço nos debates da teoria
146
crítica da educação, sustentando pressupostos de autores como Freire, Giroux, entre outros,
que são trazidos neste texto.
O conceito de práxis é comumente associado à ação, à prática. Esta associação não
está completamente equivocada, uma vez que, etimologicamente, a palavra prática vem do
grego praksis e significa toda atividade humana concreta, tendo por antônimo o termo
teoria, que exprime uma ausência de atividade, uma abstração. De acordo com o
Dicionário de Ciências Sociais, filosoficamente, o conceito sofreu uma evolução
importante, ganhou uma dinâmica conceitual própria e integrou os dois opostos
etimológicos em um só conceito – o conceito de práxis (MAGALHÃES, 1987).
Aproximando-se um pouco de suas origens, foi o materialismo dialético de Marx
que estabeleceu essa relação dinâmica entre teoria e prática, considerando-as como uma
unidade. Segundo Magalhães (1987), o pensamento de Marx manifesta que, da simples
prática da conquista da natureza, homens e mulheres passam a uma prática social mais
completa, onde a atividade produtiva gera determinadas relações de produção, constituindo
o eixo do processo do conhecimento. Dessa forma, a prática social em torno da atividade
produtiva inaugura outras atividades humanas, como as artísticas, políticas, científicas, que
integram o conhecimento humano.
Magalhães (1987), em sua leitura sobre o conceito de práxis considera que Gramsci
fez um esforço particular para esclarecer e aprofundar o referido conceito, com o
desenvolvimento de uma filosofia da práxis. Segundo a autora, a filosofia da práxis tem
sua validade como projeto prático de construção de um outro mundo, pois ela impulsiona a
práxis individual e a práxis coletiva no processo histórico, que são capazes de criar
condições para uma nova realidade. Nesse sentido, a práxis de transformação de uma
condição histórica dada gera uma realidade histórica nova dentro de condições
determinadas por uma práxis anterior.
Avançando e atualizando o pensamento de Marx para o contexto contemporâneo, e
filiando-se a Gramsci, Sánchez Vázquez cria sua filosofia da práxis, que entende a práxis
como uma atividade prática que cria e recria coisas, ou seja, que transfigura uma matéria
ou uma situação. Segundo o autor, “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é
práxis” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 221). Apesar de considerar a práxis como uma
unidade indissolúvel entre teoria-prática, o autor reconhece que existem diferenças
específicas, além de autonomia e dependência mútua, entre elas.
147
Nessa relação entre teoria e prática, Sánchez Vázquez entende que a primeira
depende da segunda na medida em que a prática é fundamento para a teoria, que determina
o horizonte de desenvolvimento do conhecimento. Por sua vez, a prática, expressada pela
atividade humana, só acontece vinculada a uma finalidade, que traz subjacente uma
intenção ou resultado que se deseja obter. Portanto, a atividade humana implica a
consciência na definição de seus fins. A atividade da consciência é inseparável da atividade
humana e representa a “elaboração de finalidades e a produção de conhecimentos em
íntima unidade” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 226).
Na filosofia de Sánchez Vázquez (2011, p. 226) “o homem age conhecendo, da
mesma maneira que se conhece agindo”. Essa afirmativa reafirma a relação entre
pensamento e ação. Quanto a essa relação, o autor acrescenta que, entre o pensamento e a
ação, é necessário existir a vontade de realização. Isto é, não basta pensar na ação, é
preciso disposição para realizá-la. Sendo assim, para realizar a ação, os sujeitos precisam
conhecer o seu objeto, os meios e instrumentos para transformá-los e as condições que
possibilitam ou não a sua realização. Essa atividade da consciência agrega um caráter
teórico, “uma vez que não pode conduzir por si só, como mera atividade da consciência, a
uma transformação da realidade” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 226).
Por isso, podemos entender que a práxis é mais do que prática ou sua unidade com
a teoria. Ela tem uma finalidade que nasce da realidade vivida e que é construída pela
consciência desta realidade e pela intenção de transformá-la. Esta visão da relação entre a
teoria e a prática, como atos vinculados à transformação, faz a aproximação entre a tríade
teoria-sujeito-pesquisador proposta como fundamento do artesanato intelectual, já que os
autores identificados como referência para esta tese, os professores e estudantes
entrevistados e a pesquisadora consideram a integração da teoria e da prática como
essencial para uma práxis educativa transformadora.
Nesse sentido, entendemos a educação como uma práxis. Na universidade, os
principais sujeitos envolvidos na práxis educativa são os professores e estudantes.
Portanto, compreendemos que professores e estudantes são potenciais artesãos intelectuais,
na medida em que integrem pensamento e ação em seus processos de vida, de trabalho, de
aprendizagem e de construção de conhecimentos.
148
Na formação geral em nutrição e na disciplina educação nutricional, a relação
dialógica entre teoria e prática foi apontada por professores e estudantes como uma
necessidade e um desafio tanto para os processos de formação, quanto para a atuação
profissional. A fala de uma estudante representa essa demanda “Eu acho que a disciplina
tem que estar junto com a prática, porque aí você vivencia melhor isso, você vai se tornar
um profissional melhor” (1.Est3).
Uma professora considera que, apesar de mais possibilidade de prática em sua
universidade, “falta a questão da problematização; que as disciplinas sejam de uma forma
mais problematizadora, de uma forma mais concreta; que a prática seja inserida nas
disciplinas” (1.INC). A fala desta docente reclama que os docentes de disciplinas de
natureza teórica busquem levar experiências para dentro de sala de aula ou levem suas
teorias para apoiar a observação e debate em contextos reais, como em atividades
“extramuros” da universidade. Assim, o processo educativo pode se desenvolver de forma
mais contextualizada com a realidade profissional e social, muitas vezes distante dos
conteúdos abordados.
No caso da disciplina educação nutricional, verificamos nos cursos estudados que
todas as ementas prevêem uma carga horária teórica e outra prática. Na percepção dos
professores que ministram a disciplina, a conjugação da teoria com a prática é essencial
para o desenvolvimento do estudante como educador, pois se ele “souber usar seu
conhecimento técnico, somado a essa experiência, ele vai entender que existe a
complementaridade entre teoria e prática” (3.EN3).
Na opinião de muitos estudantes, a teoria é menos atrativa que a prática. Alguns
deles consideram a parte inicial da disciplina “massante”, devido à quantidade de textos
propostos e à complexidade de seus conteúdos. Outros se “assustam”, mas no decorrer das
leituras, debates e dinâmicas, se sentem estimulados. Eles acham as leituras difíceis, sob a
justificativa de que não estão acostumados com o tipo de conteúdo de fora da área da
nutrição, como os que envolvem temáticas da educação e da cultura, por exemplo.
“As pessoas entram na graduação muito imaturas. A gente não está muito
acostumado a ler textos mais relacionados à antropologia, ou então de
didática mesmo, do Paulo Freire. Aí, quando as pessoas se deparam com
isso e não está muito preparada, demora um pouco até assimilar o que
está passando no texto” (2.Est6).
149
Já a prática é citada pela grande maioria como o ponto forte da disciplina. Para a
maioria dos estudantes a ação educativa realizada no contexto da disciplina EN é a
primeira oportunidade de contato com o público, no exercício da nutrição. Eles relatam que
quando experimentam a prática, diversos conhecimentos teóricos debatidos são
compreendidos e passam a fazer sentido. Deste modo, alguns estudantes mencionaram que
ao final da disciplina conseguiram perceber a integração entre a teoria e a prática –
diferente da experiência de outras disciplinas. Os dois trechos abaixo refletem estas
colocações.
“Eu achava a parte teórica massante. Agora quando a gente foi pra
prática, aí a gente conseguiu entender aquela teoria. A prática que foi o X
da disciplina, porque a gente conseguiu entender, a gente conseguiu
refletir sobre aquilo ali, conseguiu passar o que a gente tinha aprendido
nas aulas teóricas. Minha crítica em relação a essa disciplina, do jeito que
ela foi passada pra gente, porque os textos eram grandes e tinha discussão
que era difícil. Acho também que a professora também, não soube
esmiuçar, trabalhar os textos” (2.Est1).
“A comparação que eu faço da educação nutricional com as outras
matérias, é que o estilo da educação nutricional proporcionou essa
interação da teoria com a prática, as outras não” (4.Est.8).
Ainda no que tange à formação em educação nutricional, alguns professores dos
estágios, principalmente das áreas de Alimentação Coletiva e Nutrição Clínica, criticaram
a falta de debate conceitual e a realização das práticas de EN em cenários como hospitais,
restaurantes comerciais ou em programas de alimentação do trabalhador (PAT). Segundo
suas observações, as discussões e a práticas da EN giram muito em torno da realidade e
dos cenários comuns ao campo da Saúde Coletiva, como unidades básicas de saúde e
escolas públicas. Para uma professora, o desafio posto para a disciplina EN é aproximar
seus referenciais teórico-metodológicos da realidade das diferentes áreas de atuação, para
conhecer suas especificidades e pensar a EN nesses contextos, levando essas reflexões para
dentro da disciplina e para o diálogo com as demais.
“O desafio é desenvolver ferramentas que sejam aplicáveis às áreas, aos
segmentos de atuação do nutricionista. O referencial teórico e
metodológico que a disciplina desenvolve hoje é bom. No entanto, eu
sinto falta desse desdobramento na nossa prática. É necessário que haja
150
investimento de tempo de nós docentes, mas, em especial, que os
professores de educação alimentar invistam algum tempo pra poder
descobrir, nas diferentes áreas de concentração docentes, quais são os
instrumentos aplicáveis aquelas áreas, para aplicar isso nas disciplinas”
(2.EAC).
Houve ainda a sugestão de uma docente que nas práticas desenvolvidas pela
disciplina EN sejam realizadas em contextos menos institucionalizados ou desassociados
do setor público como, por exemplo, em escolas de samba ou junto a agricultores
familiares e sem terra. É interessante observar que estas propostas se afinam com as teorias
críticas da educação, ao passo que sugerem a criação de oportunidades para os estudantes
fazerem articulações entre as teorias em cenários da vida real.
Trata-se, portanto, de criar espaços e situações para que a formação se desenvolva
junto a diferentes públicos, em territórios incomuns, tirando os estudantes de sua zona de
conforto – a universidade, e mobilizando-os a criarem novos mecanismos de relação e
atuação em situações concretas. Tão importante quanto o espaço é o oferecimento de
metodologias para que os estudantes possam olhar além de sua vida cotidiana, fazendo
uma “fricção” entre fatos e valores, entre os conhecimentos locais e globais, na construção
de sua visão de mundo e, consequentemente, de ações refletidas e intencionadas (FREIRE,
1987; GIROUX, 1997; KAUFMANN, 2011).
Quanto aos desafios da práxis na formação geral do nutricionista, vários professores
têm a opinião de que o conhecimento científico na área de nutrição avançou
substancialmente. Isso se deu em função do próprio avanço da sociedade, que traz novas
demandas para a produção do conhecimento; de um incremento na qualificação dos
docentes, que estão mais capacitados com mestrados e doutorados; com o aumento da
pesquisa científica na área, que confere maior legitimidade para o campo e reconhecimento
para os profissionais; com a criação de novas áreas de atuação, pela interface com outros
campos de conhecimento.
No entanto, eles criticam que esse avanço do conhecimento não é acompanhado
pelo avanço das práticas. Segundo uma professora, “Avançou muito na produção
científica, na titulação dos profissionais, mas do ponto de vista teórico-prático ainda falta.
Ainda não conseguiu romper paradigmas e continua fazendo tudo que sempre fez” (2.ISC).
Outra docente considera que a formação técnica em nutrição teve avanços, mas a formação
151
humana, necessária à prática na sociedade, ainda é insuficiente, conforme transcrito a
seguir.
“O currículo melhorou, mas a questão da formação do cidadão, da
consciência... Uma pessoa crítica, reflexiva, compromissada e que
pense na sociedade, nos problemas que tão aí, eu acho que a gente
ainda tem muitas limitações. Eu acho que o conhecimento técnico
científico, o aluno sai preparado pra fazer concursos, pra ser
aprovado. Mas eu acho que ele não está tão preparado pra lidar
com o outro” (2.ESC).
A percepção desta dificuldade da transposição da teoria na prática cotidiana da
formação e da atuação profissional faz com que docentes e estudantes valorizem muitos os
espaços de prática que já existem no âmbito da universidade como, por exemplo, os
estágios, internatos, projetos de extensão, projetos de pesquisa que tenham inserção nos
serviços ou em comunidades, entre outras iniciativas.
No caso dos docentes responsáveis pelos estágios, foi unânime a valorização dos
estágios e internatos, por vários motivos. Um deles se refere à compreensão do estágio
como uma estratégia de ensino-aprendizagem relevante pela possibilidade de uma relação
professor-aluno mais próxima e integrada, que se dá em um processo que pede maior
flexibilidade devido às situações inesperadas vindas do lócus de atuação.
“O estágio acaba sendo aquela prática integrada que a gente não consegue
fazer ao longo dos três anos prévios, pra preparar o estágio. A gente tem
um tempo pra começar a disciplina e tem tempo pra terminar. No estágio
a gente consegue fazer de uma maneira mais livre o exercício do ensinar
e do aprender. Colocando o aluno lá na rua e aí ele te dá esse retorno
muito rico e é a comprovação daquilo que a gente ensina teoricamente.
Então pra mim é um deleite o estágio” (2.EAC).
A maioria dos docentes considera o estágio essencial no processo de formação por
ser o momento em que os estudantes entram em contato com o mundo do trabalho, com a
realidade social do público atendido e com a realidade de trabalho do nutricionista,
permitindo a ampliação da visão da nutrição e da alimentação suas possibilidades de
aplicação na sociedade. Além disso, é o momento de atuar e de se experimentar como
profissional, ainda em processo de formação.
152
Outras professoras destacaram que o estágio é um espaço de aprendizado das
relações profissionais e humanas. Dessa forma, valores, regras e normas sociais que, na
maioria das vezes, ficam ocultos nas disciplinas teóricas, são vivenciados no estágio e
pedem uma atitude dos estudantes (GIROUX, 1997).
“Eu acho o estágio imprescindível, porque independente da área, é no
estágio que você começa a se relacionar com as pessoas no mundo
profissional. O grande aprendizado do estágio, mais do que o conteúdo
em si, é como melhor planejar, melhor gerenciar, melhor fazer a prática
educativa. Acho que é a possibilidade de você estar lidando com pessoas
e com os conflitos, com os problemas do local de trabalho, com os
problemas com a clientela, como se colocar, como se portar. Então eu
acho que o estagio é um grande aprendizado pra você trabalhar o
relacionamento interpessoal” (1.IAC).
“Para além da bagagem técnica científica, tem a coisa da vida real. Se eu
estou tão preocupada com essa agenda de formação de valores, você
poder viver situações e problematizar essas situações. É riquíssimo pra
formação” (1.ISC).
Os docentes destacam, também, que a possibilidade de estar em um cenário
profissional, confrontado pela complexidade da vida real, faz com que os estudantes
observem ou tenham a necessidade de integrar os conhecimentos das diferentes áreas da
nutrição. Esta seria uma outra qualidade do estágio, apontada pela professora mencionada
abaixo.
“A primeira função do estágio é entrar em contato mais profundo com a
realidade e entender que o exercício da nutrição em saúde publica não
mobiliza só o conhecimento que foi trabalhado pelo departamento de
nutrição em saúde publica, ele lança mão dos outros departamentos. No
estágio o aluno tem a chance de entender a atuação profissional do
nutricionista e a articulação das diferentes áreas de conhecimento de uma
maneira muito rica, dependendo das práticas que forem propiciadas”
(1.ISC).
Para uma docente, que tem larga experiência na supervisão de estágio, esta
disciplina é relevante, pois transforma os conhecimentos teóricos, muitas vezes abstratos e
incompreensíveis para os estudantes, em algo que passa a fazer sentido a partir da
observação da realidade e das possíveis formas de aplicação. Em sua percepção:
153
“Ter o olhar na rua é fundamental para o aluno entender o motivo pelo
qual aprende o que aprende no curso de nutrição. Na disciplina, ele
passou porque estudou pra passar, mas não faz sentido pra ele. Em uma
semana de estágio já faz todo sentido. É de uma riqueza, não dá pra
deixar de ter” (2.EAC).
Em função disso, muitos docentes valorizam a inserção dos estudantes em cenários
de prática desde início da formação. Conforme mencionado na sessão anterior, uma das
IES públicas conseguiu inserir disciplinas intituladas “Práticas Integradas” ao longo do
curso. Em outra universidade, as professoras lamentam não terem conseguido incluir estas
disciplinas no currículo após a recente reforma curricular, mas na opinião de uma
professora, os docentes podem encontrar alternativas paralelas de criação de espaços de
integração e de inserção precoce dos alunos em espaços de prática.
“A necessidade de inserção do aluno precocemente na prática é um
diagnóstico, parece até um chavão, mas é verdade. A gente não conseguiu
criar uma disciplina de práticas integradas, que era nosso sonho de pelo
menos um lugar ser esse lócus. Mas a gente pode fazer esse exercício
entre as disciplinas, a gente pode brincar de práticas integradas sem a
disciplina ter esse nome. Como é que a gente otimiza a grade que existe.
A gente tem uma margem enorme de otimização, que a gente não está
exercitando. Como a lógica é por períodos, poderia identificar as
disciplinas daquele período e pensar congruências. E eu acho que o
desafio que está colocado é a gente se movimentar de uma maneira
criativa em relação a esses desafios e não falar assim „agora só com uma
nova reforma daqui a 20 anos‟ entendeu?” (1.ISC).
Nos diálogos, alguns professores relataram que a função principal do estágio é abrir
espaço para aplicação e verificação dos conhecimentos aprendidos ao longo do curso,
como um momento para a contextualização curricular. Dessa forma, os estudantes
poderiam avaliar a qualidade e a quantidade do seu arcabouço teórico e técnico e, ainda
durante a formação, com a ajuda do professor, buscar recuperar e agregar conhecimentos
para uma melhor atuação profissional. Como se pode observar no fragmento destacado
abaixo.
“Eu acho que o estágio é justamente o momento de arrumar na cabecinha
dele o conhecimento que ele adquiriu ao longo do curso de formação,
vivenciando o dia a dia, na prática, mas não como profissional e sim
como aluno ainda. Na verdade é onde ele tem que ser avaliado se esse
154
conhecimento que ele adquiriu... Quando eu digo adquiriu, não estou
isentando ele da responsabilidade de ter que buscar isso” (6.EAC).
Essa função do estágio foi problematizada por duas professoras, que identificam
nesta disciplina uma outra potencialidade – a possibilidade dos estudantes perceberem e
avaliarem a validade e as limitações dos conhecimentos técnicos frente a realidade
complexa e sua aplicação prática. As falas a seguir esclarecem tais percepções.
“É o espaço para perceber a complexidade da questão alimentar e
nutricional, vivenciando de fato nesse estágio, situações da vida real. É
onde eles começam a perceber a limitação técnico-científica” (2.ESP).
“Os estágios são importantes pro aluno tentar encaixar todas aquelas
peças do quebra-cabeça que ele vê ao longo da universidade. E é lá o
momento dele ver... „ih, isso encaixa com isso, aí agora isso não
encaixa... O que eu vi na teoria, eu aplico? Não aplico? Está muito
distante? Aquilo lá é muito utópico? Por que a gente ouve muito do aluno
„professora, o que a gente vê na teoria é diferente do que a gente vê na
prática‟” (4.ENC).
Uma estudante de outra universidade narra exatamente a situação apontada pela
professora acima (4.ENC). “Porque a teoria é uma coisa, mas na hora de colocar na prática,
passar, tem que ter muito jogo de cintura, domínio. Não é com facilidade que a gente
consegue levar essa prática educativa” (5.Est5).
Essas observações e reflexões nos remetem a uma discussão feita por Caria (2005)
sobre os processos de educação e os usos do conhecimento. O autor parte do pressuposto
de que não existe equivalência automática entre conhecimento adquirido e conhecimento
usado. Caria (2006, p.133) compreende que
“[a] o conhecimento adquirido pode ser retido em memória (ensinado
para ser reproduzido), mas carece de recontextualização para poder ser
usado na ação, principalmente, se tiver apenas por referencia um contexto
verbal de ensino em que o aprendiz não é sujeito activo a aprendizagem;
[b] o usado nem sempre é suficientemente reflectido para poder ser
explicitado e formalizado ou relacionado com conhecimentos abstractos”.
Essa discussão nos conduz a uma reflexão específica sobre a relação da teoria e da
prática na construção do conhecimento. Ela é pertinente, principalmente em contextos de
155
formação profissional que associam atividades práticas e disciplinas teóricas como
componentes de formação. No caso dos estágios e de outras oportunidades de
experimentação prática como projetos de extensão, monitorias e outras disciplinas tem
natureza teórica e prática, o exercício da teorização é essencial. A reflexão teórica em
momentos de prática propicia a estudantes e professores uma recontextualização da teoria
em situações e cenários concretos, o que leva a uma construção do conhecimento a partir
da experiência vivida (GIROUX, 1997; FREIRE, 2011).
A narrativa de uma professora revela que sua compreensão do estágio segue a
mesma ótica, sendo que ela acrescenta que essa disciplina tem, também, a função de
apresentar outro modelo de ensino-aprendizagem, diferente do oferecido nas salas de aulas
tradicionais.
“O que o estágio tem de bacana é que o ponto de partida é a vivência e
não o slide, uma reflexão teórica. A gente faz várias reflexões teóricas no
estágio, mas é sempre partindo de uma vivência, de uma lacuna que tenha
surgido, de um questionamento, de um trauma. O estágio tem a função na
formação, também, no sentido de experienciar esse processo de
aprendizagem que é diferente do que tradicionalmente as pessoas têm nas
aulas” (1.ISC).
Por outro lado, alguns professores comentaram que suas orientações partem em
grande medida de suas experiências profissionais, adquiridas ao longo dos anos. Caria
(2006) analisa que todos os saberes profissionais estão ancorados em saberes práticos e
contextuais, que mobilizam, reorganizam e atualizam, em contexto, os conhecimentos
abstratos de origem técnico-científica. Pode-se considerar, portanto, que tais saberes são
relevantes para a crítica e a reformulação das teorias existentes.
Porém, vale atentar para o seguinte fato: se professores e estudantes abrem mão de
sua capacidade reflexiva e compreensiva, por falta de aproximação com teorias, podem
recair em um pensar e agir vazios de intenção e de sentido de transformação.
Na entrevista com os estudantes, eles mencionaram que a falta de prática
profissional de alguns professores prejudica a compreensão de determinados
conhecimentos técnicos e teóricos, que necessitam de um conhecimento sobre a prática
profissional, como podemos observar no diálogo a seguir.
“Você não acha também que falta prática dos professores?” (2.Est4).
156
“Com certeza. Eu acho que eles não passam a vivência prática, porque
não têm bagagem. É só teoria” (2.Est8).
“E isso também conta bastante. Eu vou aprender o quê da produção, se eu
só vivi dentro da faculdade?” (2.Est7).
Nesse sentido, a análise de Caria (2006) fala de uma reflexividade entre
pensamento e ação. O conhecimento adquirido precisa da prática para se recontextualizar e
o conhecimento usado precisa da teoria para tornar a prática uma prática refletida e
intencionada. O relato a seguir demonstra que a docente valoriza o exercício desta
reflexividade junto aos estudantes em seu cenário de estágio.
“O estagio é o momento que junta todas essas informações, e aí a gente
vai ter que praticar. Praticar com uma coisa que está viva, não com um
ratinho que não fala. É com pessoas, que têm suas histórias, suas
demandas, suas necessidades, suas dificuldades, suas relações com a
doença, suas relações com a saúde. É com a pessoa humana que você está
lidando ali, não é com livro. É trazer as informações que elas tinham na
teoria pra poder praticar junto com o ser humano, construir com ele. É o
momento onde o pensamento se constrói pra poder colocá-lo na prática.
Mas que pensamento é esse? Crítico e reflexivo, pra poder ajudar na
tomada de consciência do paciente sobre a sua saúde, pra poder
emponderá-lo, pra poder ser gestor da sua própria saúde” (1.NC).
Sua reflexão revela, também, uma característica de alguns estágios na área nutrição,
que é a triangulação entre ensino-aprendizagem-assitência. Na análise de Batista e Batista
(2004), esta triangulação demanda competências profissionais específicas, na medida em
que os processos educativos são mediados e vividos pelos professores, estudantes,
pacientes e pela comunidade que possui suas demandas de saúde. Além disso, ela expressa
um pensamento sensível e crítico sobre a relação dos sujeitos com o processo saúde-
doença e sobre a possibilidade dos estudantes entrarem em contato com o elemento vivo,
provocando-os a terem um olhar compreensivo sobre a complexidade e as relações
humanas, em seu processo de construção do conhecimento.
Nessa perspectiva, achamos pertinente convidar os professores a adotarem a
postura de artesãos intelectuais transformadores, tanto em seu processo de trabalho e de
auto-formação, quanto na mobilização dos estudantes para esse exercício dialógico entre
pensamento e ação, incentivados por um espírito curioso, crítico e criativo (GIROUX,
1997; MILLS, 2009).
157
Sendo assim, as relações sociais estabelecidas no âmbito da formação pedem que o
conhecimento seja reconhecido como uma práxis, como algo que não se encerra em si, mas
como uma possibilidade de mediação entre indivíduo e realidade social. Na análise de
Giroux (1997, p.101), para que o conhecimento seja usado pelos estudantes de modo a dar
sentido à sua existência e às suas ações, os professores “terão que usar os valores, crenças e
conhecimentos dos estudantes como parte importante dos processos de aprendizagem”.
Se o professor se coloca como especialista, como provedor efusivo de
conhecimentos, sem espaço para o diálogo e a reflexão, pode acabar limitando a
capacidade imaginativa ou criativa dos estudantes em seu processo de construção de
conhecimentos. No processo de entrevista uma professora fez uma auto-reflexão sobre a
postura adotada junto aos estudantes, partilhando a dificuldade de deixá-los mais
autônomos em seu processo de aprendizagem.
“Eu não consigo, ainda, não ser paternalista. Eu não consigo delegar
muito, acreditar que o aluno tem um potencial muito grande. Eu acho que
é o nível de exigência da gente como professor, a gente acaba às vezes
fazendo pelo aluno, coisa que não deve. Eu me pergunto: será que eu
estou desenvolvendo? Ou será que eu estou aprisionando ele? Isso é uma
coisa que eu acho que deve ser desenvolvido em mim e em alguns
professores” (4.EAC).
Se tivermos a intenção de formar artesãos intelectuais, com potencial para
transformação, não podemos pensar por eles, “dar mastigado” ou “ser paternalista”. Em
sua experiência de análise sobre o universo da educação, Giroux (1997) problematiza a
crescente incapacidade dos estudantes de pensarem dialeticamente, por estarem amarrados
à fatualidade do mundo, revelando suas dificuldades em usarem conceitos para fazer uma
análise crítica da realidade vivida, dada como dada, principalmente, pela cultura visual
imposta pela mídia.
O autor alerta que a cultura visual, fortemente presente no contexto contemporâneo,
ameaça a auto-reflexão e o pensamento crítico, ocasionando uma redefinição na noção de
alfabetismo. Para ele, “em vez de formular o alfabetismo em termos de domínio da técnica,
devemos ampliar seu significador para incluir a capacidade de ler criticamente, tanto
dentro como fora de nossas experiências, e como força conceitual”. (GIROUX, 1997, p.
120).
158
Na realidade brasileira, vem se discutindo na educação básica a problemática dos
analfabetos funcionais, crianças e adolescentes que têm a capacidade técnica de ler, mas
que não operam a compreensão do que lêem. Fazendo um paralelo com a universidade,
podemos concluir que, sem o exercício da reflexividade e do pensamento crítico na
universidade, corremos o risco de estar formando analfabetos intelectuais, incapazes de
lerem criticamente o mundo.
Ao discutir sobre a centralidade da práxis no ensino superior, ou seja, a relação
entre a teoria e a prática para a transformação, uma questão me veio à cabeça: no contexto
da universidade atual, esta é uma relação interessada ou interesseira? Pode ser interesseira
no sentido da teoria ir buscar “alimento” nas contradições e situações concretas vividas na
práticas cotidianas, como substrato para sua sobrevivência, crescimento e desenvolvimento
da pesquisa. Pode ser interesseira, por uma prática que se diz respaldada por teorias, que na
verdade não se aplicam ou não são contextualizadas com a realidade. Uma
retroalimentação para manter o status quo; para manter cada um em seu lugar, sem
interferência ou relação verdadeira entre elas. Interesses pessoais ou de pequenos grupos.
Pode ser interessada, no sentido de uma relação pautada na práxis transformadora
que se retroalimenta e que se transforma ao mesmo tempo, imbricada mutuamente. Uma
relação intencional, interessada na transformação da coletividade. Uma teoria construída a
partir de, junto e para uma prática social; para refletir e buscar caminhos para uma ação
contextualizada com as diferentes e complexas realidades.
Na intenção de reafirmar minha posição por uma práxis intencionada, fecho com
Freire (1988, p.56) que sabiamente compreende que:
“Educador e educandos [...] co-intencionados à realidade, se encontram
numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e,
assim, criticamente conhecê-la, mas também no de criar este
conhecimento. Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este
saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes.
159
5 Considerações Finais
Você, leitor, deve ter percebido que esta tese traz explicitamente o diálogo, a
reflexão e a experiência como pontos de partida e de chegada. A chegada até aqui não
significa uma parada, mas um ponto alcançado no espaço e no tempo. Nesse sentido,
compreendo esta tese como um diálogo em andamento.
Apesar do trabalho de elaboração teórica ser mais solitário, me abri para a
construção coletiva da tese. Esta abertura foi incentivada por Wrigth Mills, que me
convidou a ser uma artesã intelectual. Por ser um sociólogo experiente, me senti
estimulada a adotar suas ideias e construir um processo de pesquisa e de escrita que foi se
desenvolvendo no percurso, ao passo que me encontrava com novas pessoas, conceitos e
questões.
Para essa construção coletiva, além de Mills, tive o prazer de contar com outros
parceiros teóricos, que me conduziram a lugares, até aquele momento, pouco explorados.
Agora que os conheço, será difícil não revisitá-los e seguir na busca de novos
conhecimentos. Esse coletivo foi fortalecido pela presença dos 31 professores e 61
estudantes que partilharam comigo seu tempo, suas palavras, histórias, saberes, desejos e
perspectivas. Foi de modo respeitoso que busquei refletir teoricamente sobre a realidade
em que vivem, que também é a minha realidade. Nessa construção coletiva pude acessar
muitas palavras escritas, dos livros e textos, e muitas outras faladas, das entrevistas
ouvidas. Pela presença desse coletivo, não me senti solitária. E sim envolvida por todas as
pessoas que contribuíram para a construção de quem sou e de quem me tornei após esta
tese. O senso de coletivo é algo que marca esse processo de artesania.
Nesse espaço destinado às considerações finais pensei que seria pertinente revisitar
alguns aspectos abordados no desenvolvimento da tese. Mais do que finais, pretendemos
que as considerações sejam um espaço aberto a reflexões e debates. Resgatando os
objetivos iniciais, percebemos que a intenção de investigar a práxis da educação
nutricional na formação universitária em Nutrição, junto a professores e estudantes sofreu
algumas mudanças no percurso da pesquisa. O objetivo passou a ser a análise
compreensiva da formação do nutricionista como educador, visando conhecer as condições
e características atuais e os desafios futuros para um fazer educativo contextualizado e
transformador.
160
Ao utilizar a Entrevista Compreensiva como metodologia de construção e
desenvolvimento da pesquisa, foi esperado que ocorressem movimentos de construção,
desconstrução e reconstrução do objeto de estudo. Esse é um método que, apesar de
apresentar um caminho concreto para a produção e análise compreensiva dos materiais
obtidos, é flexível e pede uma postura ativa e criativa por parte do pesquisador.
Outro elemento fundamental da proposta da Entrevista Compreensiva foi a
necessidade de identificação de um fio condutor. Desde o início do estudo, a concepção de
práxis me acompanha e, por isso, acabou se tornando fio condutor de todo trabalho. A ideia
da integração entre pensamento e ação para a transformação remete a uma imagem de
confluência, de movimento dinâmico e de criação, e esse era o espírito que eu gostaria de
conferir ao processo de trabalho e ao produto do doutorado.
Sendo assim, foi inevitável a aproximação com as ciências sociais e humanas e as
teorias críticas da educação, para refletir sobre a complexidade dos processos formativos e
educativos, neste caso, a formação do nutricionista como educador. Freire e Giroux foram
a “dupla dinâmica”, que dinamizou as discussões sobre o ser educador na sociedade
contemporânea.
Ao entrar em campo e em contato com o objeto e os sujeitos participantes da
pesquisa para buscar respostas às hipóteses e questões levantadas no início da pesquisa,
outras questões foram surgindo no caminho. Algumas foram respondidas. Tais respostas
levantaram novas questões, mostrando como o campo é vasto e complexo, abrindo um
universo de possibilidades de investigações e articulações futuras.
Com os ingredientes em mãos – os depoimentos, as teorias e a disposição para a
análise compreensiva – me aventurei na manufatura desta obra artesanal. Após essa
mistura, pude identificar três concepções essenciais para o campo da educação e do mesmo
modo, para a formação do nutricionista como educador: a reflexividade, a integração e a
práxis. Diante disso me pergunto: que aspectos destacar do processo e da obra? Já que
entendemos que os processos integram os fins.
Um primeiro aspecto marcante no processo foi à compreensão da reflexividade
como um método de pesquisa e um meio de expressão humana. A realização da pesquisa e
das entrevistas trouxe situações de reflexividade interessantes, que considero importante
partilhar com o leitor. As vivências proporcionadas pela pesquisa provocaram em mim,
como pesquisadora e como professora de um curso de nutrição, um processo intenso de
161
reflexividade, que permeou todas as etapas desse estudo. A reflexividade provocada pelas
leituras teóricas, entrevistas no campo e conhecimento da realidade de outras
universidades; pela escuta das vivências, conflitos, questionamentos e desejos dos outros
professores; pela observação das ansiedades, descobertas e expectativas dos estudantes; e,
principalmente, pela auto-reflexão da minha postura e atuação como educadora junto a
“meus” alunos, do meu processo de construção de conhecimentos e das relações no
processo de trabalho cotidiano com os outros professores. Entre várias outras reflexões
mobilizadas.
Além de professora da disciplina educação nutricional, que apresenta para o
estudante, futuro nutricionista, seu papel de educador, analiso nesta pesquisa o
desenvolvimento de tal atividade. Pesquisar o universo do qual se faz parte é
profundamente rico quando se está aberto a ouvir e a observar o outro numa postura de
aprendiz, despido de preconceitos e certezas. Uma curiosidade do processo foi que,
realizadas as primeiras entrevistas, senti necessidade de me colocar no lugar dos
professores entrevistados e responder as questões que eu havia preparado para o diálogo
com eles, para a exploração de seu universo particular.
Sendo assim, pedi a minha psicanalista que desenvolvesse o roteiro de perguntas
comigo. Seria como um pré-teste pessoal, que teve a intenção de me aproximar dos
sentimentos e reflexões provocados por aqueles questionamentos, de ser levada a lugares
próximos aos que eu estava conduzindo os professores convidados ao diálogo. A
experiência se mostrou extremamente interessante, à medida que refleti sobre as questões
propostas, o que deixou meu olhar mais sensível e atento no momento da troca nas
entrevistas.
Para além do método, a reflexividade se mostrou um importante meio de expressão
humana. Ao promoverem uma auto-reflexão dos aspectos pessoais e ampliarem esta
reflexão para o contexto global, os sujeitos da entrevista percebiam sua posição como parte
de um todo, o que gerou em muitos momentos sentimentos de impotência ou de potência
frente às situações relatadas.
Além disso, o processo de reflexividade possibilitou fazer uma análise do real
vivido e do imaginado-desejado, levando professores, estudantes e pesquisadora a fazerem
uma série de perguntas sobre o universo da nutrição e da educação que não estavam no
roteiro da entrevista, mas que compunham um diálogo sobre o local e o global no contexto
162
da formação do nutricionista. Perguntas do tipo: Que nutricionista queremos formar?
Generalista ou especialista? Parceiro ou competitivo? Com disciplinas científicas, técnicas
ou humanísticas? Formar para mercado de trabalho ou para o compromisso social? O que
deve estar no centro do ensino: os conteúdos objetivos, técnicos e específicos ou os saberes
da alimentação e nutrição contextualizados com a realidade? Em termos sociais quais
devem ser as finalidades da formação? Para se enquadrar e atender as demandas do
mercado ou para inovar e transformar a realidade? Pensar a educação na lógica do
desenvolvimento econômico ou na lógica da democracia e do direito? Entre outras várias
questões que permearam os diálogos reflexivos.
Cabe aqui fazer um segundo destaque da tese. Houve uma pergunta que foi
disparadora de vários questionamentos apontados acima – O que é ser professor (a) para
você? Com esta pergunta pudemos conhecer um pouco os educadores que têm a função –
intencionada ou não, de formar outros educadores. Outra curiosidade é que muitos
professores ficaram surpresos com a pergunta e demonstraram não fazer esse exercício
auto-reflexivo no cotidiano profissional. O que marca mais sua identidade, ser nutricionista
ou ser professor? Uma pergunta que poderia de ter sido feita no contexto desta pesquisa,
mas que só surgiu depois de finalizada a etapa de campo.
Quanto à resposta, uma observação foi unânime no diálogo com os entrevistados –
ser professor (a) é uma realização pessoal e profissional. É algo que lhes dá prazer, apesar
das dificuldades encontradas no cotidiano de trabalho e dos impactos que esta atividade
profissional gera na vida pessoal. É uma atividade que exige ter paixão pelo que se faz ter
disposição, envolvimento e abertura para o outro. Ser professor(a), para alguns, extrapola a
atividade docente, é ser educador(a), é algo que faz parte da vida e acontece a todo
momento – na educação dos filhos, nas atitudes cotidianas, junto aos estudantes na
universidade. É algo que imprime marcas na pessoa. Nesse sentido, é um fazer humano
que conforma a identidade, que passa a tomar um espaço maior na vida pessoal e também
profissional, sobrepondo até a identidade relacionada ao “ser nutricionista”. Para alguns,
ser professor(a) é visto como um dom, um sacerdócio, uma tarefa especial na dedicação a
outros seres humanos. Para outros é algo que se constrói, que se aprende, é uma
possibilidade de transformação da realidade social. “É um aspecto pessoal e espiritual
muito grande, diria assim. É conquista. É caminho” (6.EAC).
163
Nas análises identificamos quatro núcleos de sentido sobre as percepções a respeito
do educador: a responsabilidade local e o compromisso global; a educação e a docência
como atos de relação; a formação pedagógica do nutricionista-professor; e as distorções e
disposições nos processos educativos. O primeiro reuniu reflexões sobre o desafio vivido
pelos professores na convivência com uma dupla responsabilidade: a formação técnico-
científica do nutricionista e a formação humana do cidadão. Em função disso, discutiu-se a
existência e a convivência de um currículo oficial e de um currículo oculto no contexto da
formação universitária; o cuidado na mediação de valores, regras e crenças, que precisam
ser explícitas e intencionadas; e a necessidade dos macro-objetivos da educação serem
realmente incluídos nos currículos, nas ementas e nas práticas dos professores no
cotidiano.
O segundo núcleo de sentidos se referiu à educação e à docência como atos de
relação, que envolvem essencialmente o encontro com o outro, que exigem uma disposição
para o diálogo e uma nova postura do professor na mediação dos processos educativos.
Nesse sentido, debateu-se a possibilidade de atuação do educador como um artesão
intelectual, já que a universidade se apresenta como um espaço privilegiado para a criação
intelectual e a ação social. O terceiro ponto destacado foi à necessidade de formação
pedagógica docente e as problemáticas envolvidas na ausência desta qualificação.
A última discussão girou em torno das distorções e disposições dos professores nos
processos educativos, ocasionados pelos perfis pessoais de cada docente e pelas relações
sociais vividas no âmbito da universidade. Nesse ponto, faço coro com a proposta de
Giroux da necessidade dos professores atuarem como intelectuais transformadores na
formação dos estudantes para serem educadores e nutricionistas, atentos à realidade e às
necessidades de transformação social.
Um terceiro destaque sobre a tese diz respeito a um convite que faço aos atores
envolvidos com o curso de nutrição, na busca de um olhar dialógico na formação do
nutricionista como educador. Este convite se embasa na compreensão da complexidade do
universo da alimentação e da nutrição, e na necessidade de uma postura dialógica e crítica
na análise da realidade e construção de conhecimentos e ações.
O primeiro ponto discutido a partir daí foi o papel da educação nutricional na
formação do nutricionista. A educação nutricional foi compreendida como um elemento
central para a atuação dos nutricionistas, uma vez que se inter-relaciona com as diversas
164
áreas de atuação profissional e com várias disciplinas ministradas no curso. Uma das
principais funções da disciplina no curso é a articulação de diversos conhecimentos
aprendidos ao longo da formação – tanto entre os conhecimentos teóricos e práticos de
várias disciplinas, quanto os destes com a realidade social na qual serão confrontados. A
intenção é que haja uma ressignificação dos diferentes saberes aprendidos de modo que os
estudantes tenham um olhar ampliado e crítico sobre o universo da alimentação e da
nutrição, para além dos aspectos biológicos, hegemônicos na história da formação do
nutricionista.
Outro papel essencial da disciplina educação nutricional é sensibilizar e formar o
nutricionista para atuar como educador, adotando uma postura diferenciada e uma atitude
de educador em seu cotidiano de trabalho. Sobre este assunto destaquei uma questão
divergente que surgiu no diálogo com os professores sobre disciplinas com um perfil mais
instrumental e técnico e outras com perfil reflexivo e teórico. Sobre esta discussão defendo
na tese a posição de que a disciplina EN tem o papel de oferecer uma formação integral
para o estudante, que considere a dimensão humanístico-reflexiva e a dimensão
pedagógico-didática. Ambas são necessárias e complementares.
Ao analisar a opinião dos entrevistados sobre o papel da disciplina educação
nutricional na formação do nutricionista, pode-se perceber que as expectativas são muitas e
ambiciosas. A educação nutricional acaba virando uma “panacéia”, porque tudo que está
associado às humanidades, às relações, aos contextos complexos da alimentação e da
nutrição na contemporaneidade se direciona para a disciplina educação nutricional e
sozinha ela não tem condições de responder a tais desafios. Se as disciplinas do ciclo
básico, que poderiam proporcionar uma base para esse olhar ampliado e macrossociológico
conseguissem fazer de fato a aproximação com a nutrição, seria a chave para a resolução
de muitos problemas. Se houvesse uma busca de interdisciplinaridade entre as disciplinas
sociologia, antropologia, economia, estatística, psicologia com o universo da alimentação e
nutrição, criaria um pano de fundo para refletir a complexidade deste campo. A educação
nutricional acaba utilizando grande parte de sua carga horária para criar essas pontes e
acaba reservando pouco tempo para as questões educativas, relacionais, comunicacionais e
metodológicas, que competem ao universo da educação. Teríamos um pouco mais de
tempo para sensibilizar e mobilizar a criação de habilidades e sensibilidades nos
nutricionistas para adotarem a postura de educadores.
165
O ponto de vista compreendido nesta tese é de que a educação nutricional pode ser
desenvolvida em diversos contextos e situações, como os apontados acima. Mais do que
uma atividade organizada e planejada, a educação nutricional é uma atitude, uma ação
intencionada e reflexiva, que ocorre na relação com indivíduos, grupos e coletividades.
Entendemos a educação como um processo, mas um processo de construção de
conhecimentos que ocorre dentro de cada sujeito, nas mais diferentes situações
experienciadas ao longo da vida.
Para finalizar esta síntese sobre os destaques da tese trazemos as duas últimas
categorias de análise identificadas como essenciais para a formação do nutricionista como
educador – a integração e a práxis. A opção por trabalhar com a concepção de integração
surgiu do interesse de discutir questões e ações de forma ampliada, para além da
inter/transdisciplinaridade, no sentido de refletir sobre a integração entre as pessoas, os
processos e os projetos. Apesar disso, no contexto da disciplina educação nutricional e na
formação em nutrição, é indiscutível a necessidade de refletir sobre a integração entre
disciplinas, áreas e práticas.
Sobre essa questão é interessante destacar alguns pontos críticos identificados: a
hegemonia do paradigma positivista e da tradição biologicista na abordagem teórica e
prática dos problemas de saúde; a fragmentação clássica das disciplinas entre os ciclos
básico e profissionalizante; as disputas de poder entre as diferentes áreas de conhecimento
e atuação do nutricionista; a dificuldade dos estudantes de promoverem articulação entre os
diferentes conteúdos em função dos pontos apontados acima.
Uma das situações identificadas como estratégicas para promover a tão sonhada
interdisciplinaridade ou integração curricular é a integração dos sujeitos envolvidos na
formação, sobretudo, dos professores. A criação de espaços para encontro e discussão, a
busca de atitudes que facilitem as relações sociais e a revisão dos processos de trabalho
foram apontadas como essenciais para consolidar e sustentar mudanças maiores no
contexto da formação do educador e do nutricionista como um todo.
Conforme partilhado acima, o conceito de práxis foi tomado nesta tese como um fio
condutor do processo de pesquisa e de elaboração teórica. Nesse percurso, outro conceito
passou de coadjuvante a personagem principal – a de artesanato intelectual. Sendo assim,
vislumbramos que o educador pode atuar como artesão intelectual, na intenção de
potencializar a necessária integração entre a teoria e a prática na práxis educativa, nos
166
contextos de formação ou atuação profissional. Sobre essa questão foram destacados três
pontos: a dificuldade de transposição da teoria para a prática, a práxis da disciplina
educação nutricional e a práxis dos estágios. Cabe destacar que os estágios foram
valorizados sobremaneira como espaços privilegiados para a práxis educativa crítica, pela
possibilidade de inserir os estudantes em cenários reais, potencializando uma formação
crítica e contextualizada com a realidade profissional e social.
Outra questão que merece destaque é o momento peculiar vivido nos últimos anos
pelos cursos de nutrição. No contato com diretores, professores e estudantes foi possível
perceber um esforço das IES no sentido de realizarem reformas curriculares e mudanças
nos cursos. A motivação geral é a mesma: a atualização e dinamização da formação em
nutrição. Porém, as IES vivem momentos diferentes. A maioria está em processo de
transição do currículo antigo para o currículo novo. Duas já estão com a proposta nova
pronta, mas não conseguiram implementar. Apenas um dos cursos passou pelo processo de
transição e já formou turmas com a nova proposta. As mudanças vêm no sentido de manter
uma formação generalista, com maior igualdade na distribuição da carga horária entre as
áreas, tentando rever a posição das disciplinas na grade de forma a facilitar a construção de
conhecimento dos alunos. O aumento da carga horária de estágio ocorreu apenas nas IES
públicas, sendo que em uma delas a oferta de internato se estendeu para todas as áreas. A
inserção dos estudantes em cenários de prática desde o início do curso ocorreu em apenas
uma das IES públicas. É um processo difícil que depende da adaptação em uma estrutura
universitária disciplinar, mas, sobretudo da participação e disposição dos docentes em
aderir e trabalhar em prol da proposta.
É importante problematizar que a graduação em nutrição “não é tudo e também
não é pouco” (3.EN3), na formação do nutricionista. Como discutimos anteriormente, a
formação do nutricionista como educador ocorre dentro e fora da universidade, antes,
durante e depois do período em que o estudante vive nela. No entanto, os cursos têm um
papel central na formação dos estudantes e na conformação da nutrição na sociedade.
O pensamento do senso comum de que o nutricionista é o profissional que “passa
dieta” é fruto da observação e das relações da sociedade com o nutricionista e vice-versa.
O criticado perfil profissional intervencionista, impositivo, desrespeitoso em relação aos
gostos e preferências, alienado às condições econômicas e de vida, poder ser mudado a
partir da mudança na formação que reproduz esse mesmo modelo. A transformação da
167
postura profissional pode gerar mudanças nos modos de agir e de pensar do nutricionista,
hegemonicamente biomédico, para nutricionistas integrados às questões sociais
contemporâneas. Nessa ótica, professores, alunos e sociedade têm o poder de manter ou
transformar a representação e os rumos da nutrição.
Rememorando Sánchez Vazquez em sua filosofia da práxis: entre o pensamento e a
ação é necessário existir a vontade de realização. Para que a práxis educativa se realize de
forma plena, é necessário que a reflexão e a ação caminhem juntas, cada uma a seu tempo,
no sentido de promover mudanças no processo educativo, desde a reformulação do
currículo até o contato da universidade com a sociedade.
As reflexões e discussões mediadas nessa tese somadas à atual conjuntura oferecem
bons motivos que podem impulsionar um processo de reflexividade nos cursos de
graduação em Nutrição. A Universidade precisa viver e analisar tanto seus elementos
internos – funções, princípios norteadores, projetos político-pedagógicos, processos de
trabalho, conteúdos e métodos de ensino-aprendizagem, mas também, buscar transpor os
muros e conviver com a realidade social.
Como artesã intelectual, que se constituiu ao longo desta pesquisa, trago para esse
diálogo final a companhia dos autores que me inspiraram e a voz de uma das participantes
do diálogo para em uníssono refletir: Se acreditamos que “o mundo foi feito pelas pessoas
e a gente vai continuar fazendo, qual é o legado que a gente vai deixar?” (1.ISC). É com
essa reflexão ativa e essa disposição para a construção da sociedade e da própria história,
que desejo continuar pensando e agindo nos processos de trabalho e de formação, ou seja,
nos processos de vida.
168
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APÊNDICE A: APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
180
APÊNDICE B: CARTA-CONVITE ENVIADA ÀS COORDENAÇÕES DOS CURSOS
DE NUTRIÇÃO
181
APÊNDICE C: TERMO DE COMPROMISSO INSTITUCIONAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
Projeto de Pesquisa:
“Alimentação, saúde e educação: um estudo sobre a educação nutricional na formação do nutricionista”
Termo de Consentimento Esclarecido
(Em atendimento à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde / Ministério da Saúde) Características do estudo: Trata-se de um estudo de campo de abordagem compreensiva com a utilização de métodos e técnicas das pesquisas qualitativa e quantitativa, que tem como objetivo geral investigar a formação universitária em nutrição tendo como foco de análise a práxis da educação nutricional, promovendo uma análise crítica sobre suas contribuições e desafios no contexto contemporâneo. Propósito do estudo: Pretende-se com este estudo apresentar um retrato da formação em nutrição pelas lentes da educação nutricional no Rio de Janeiro, cotejando com as informações obtidas de outras experiências de formação no Brasil, para a partir daí propor alternativas teóricas e metodológicas para a referida disciplina. Espera-se contribuir para o avanço do conhecimento na área de educação nutricional e para o processo de reflexão sobre a formação em Nutrição. Levantamento dos dados: A obtenção dos dados será organizada em quatro etapas: 1. levantamento dos currículos e das ementas da disciplina Educação Nutricional dos cursos de Nutrição, públicos e privados, situados no Rio de Janeiro, visando analisar a composição curricular e as características e particularidades das disciplinas ministradas; 2. entrevistas semi-estruturadas junto aos docentes responsáveis pela disciplina Educação Nutricional a docentes coordenadores/responsáveis pela disciplina Estágio nas três grandes áreas da Nutrição: Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva, a fim de identificar e analisar suas trajetórias e perfis profissionais, somado às opiniões, experiências, dificuldades e expectativas em relação à Educação Nutricional; 3. debates com estudantes do 7° ou 8° período, que já tenham cursado Educação Nutricional e estejam inseridos em atividades práticas como estágios e projetos de pesquisa e de extensão. Será utilizada a técnica de Grupo Focal, na intenção de conhecer as percepção e experiências sobre a disciplina, suas práticas e aplicação profissional; 4. entrevistas com profissionais, docentes e pesquisadores da área, das cinco regiões brasileiras, com relevante produção acadêmica e científica, a fim de ampliar o debate sobre a Educação Nutricional em nível nacional. Riscos: A participação no estudo não implica qualquer risco para os participantes ou para a instituição. Benefícios: Espera-se que os benefícios, inicialmente, se dêem por meio da discussão e reflexão dos docentes e discentes participantes da pesquisa e que resultem em atitudes pró-ativas e efetivas no aprimoramento do processo de formação em Nutrição. Posteriormente, com a divulgação dos resultados da pesquisa, espera-se ampliar a discussão de modo a contribuir para uma formação comprometida com a realidade social do país. Privacidade: Qualquer informação obtida nesta investigação será confidencial. Os dados coletados serão utilizados exclusivamente para esta pesquisa e divulgados de forma sigilosa e anônima. Os arquivos de áudio serão apagados após sua transcrição para que não seja possível identificar o entrevistado pela voz. Entretanto, as informações científicas resultantes poderão ser apresentadas e publicadas em revistas científicas, sem a identificação dos participantes e da instituição. A participação neste estudo será totalmente voluntária e a qualquer momento o indivíduo poderá desistir de participar por qualquer motivo. Os integrantes da pesquisa poderão ser contatados para maiores esclarecimentos sobre o estudo e informações decorrentes dele, nos telefone 9998-3737 (Thais Salema Nogueira de Souza) e 8874-4116 (Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca)*. Declaração de Compromisso: Declaro para fins de comprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa, que li e entendi as informações deste documento de compromisso, e autorizei a realização da pesquisa entre os docentes e discentes desta Instituição de Ensino Superior. Tive oportunidade de perguntar sobre o estudo e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou livre para decidir não participar desta pesquisa a qualquer momento. Receberei uma cópia assinada e datada deste documento. Rio de Janeiro, ............de .............................de ..................... ______________________________________ __________________________________ Nome do participante Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca Pesquisadora ______________________________________ Assinatura do participante
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APÊNDICE D: ROTEIRO DA ENTREVISTA COM PROFESSORES
Bloco A. Informações básicas do docente
1. Nome: ___________________________________________________
2. Data de Nascimento: _________________________________________
3. Categoria funcional do docente
3.1. Substituto ( ) 3.2. Assistente ( ) 3.3. Adjunto ( ) 3.4. Associado 3.5. Outro:
4. Regime de trabalho
4.1. Dedicação exclusiva ( ) 4.2. 40hs semanais ( ) 4.3. 20hs semanais ( )
5. Tempo de docência geral ______ ano(s) ______mês(es)
6. Tempo de docência na disciplina Educação Nutricional _______ ano(s) ______mês(es)
7. Formação do professor
7.1. Graduação: Concluída em _____/_____
Curso ________________________________________________________________
Instituição _____________________________________________________________
7.2. Pós-graduação Latu Sensu: Andamento - Início em ______ Concluído em _______
Curso ________________________________________________________________
Instituição _____________________________________________________________
7.3. Pós-graduação Strictu Sensu
7.3.1 Mestrado: Andamento - Início em ____________ Concluído em ___________
Curso ________________________________________________________________
Instituição _____________________________________________________________
7.3.2 Doutorado: Andamento - Início em ___________ Concluído em ____________
Curso _________________________________________________________________
Instituição _____________________________________________________________
8. Tempo nesta instituição ______ ano(s) ______mês(es)
9. Já ministrou outras disciplinas? _______________________________________________
10. Ministra atualmente outra disciplina? __________________________________________
11. Atuou em outras instituições antes desta? Sim ( ) Não ( )
11.1. Qual(is)? _____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
12. Atua em outras instituições? Sim ( ) Não ( )
12.1. Qual(is)? ____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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Bloco B: Trajetória de vida ( professor de Educação Nutricional)
1. Origem
Onde você nasceu?
Bairro em que viveu?
O que pai e mãe faziam?
Formação dos pais?
2. Experiência escolar
Como foi sua experiência na escola, infância e adolescência? Algum fato marcante
como aluno? Algum professor te marcou?
3. Vida adulta/universitária
O que motivou a escolha pela Nutrição?
Como foi sua experiência na universidade? Algum fato marcante como aluno? Algum
professor te marcou?
4. Momento atual
Como você se tornou professor(a)?
O que é ser professor(a) para você?
Você se sente motivado a continuar sendo professor(a)?
O que te motivou a ser professor(a) de educação nutricional? Por acaso ou desejado?
O que você lembra das aulas de educação nutricional na sua graduação?
Quais são seus objetivos enquanto professor(a) da disciplina EN?
Você acha que o(a) professor(a) de EN tem o perfil diferente dos outros professores?
184
Bloco B: Trajetória de vida (professor supervisor de estágio)
1. Origem
Onde você nasceu?
Bairro em que viveu?
O que pai e mãe faziam?
Formação dos pais?
2. Experiência escolar
Como foi sua experiência na escola, infância e adolescência? Algum fato marcante como aluno? Algum professor te marcou?
4. Vida adulta/universitária
O que motivou a escolha pela Nutrição?
Como foi sua experiência na universidade? Algum fato marcante como aluno? Algum professor te marcou?
5. Momento atual
Como você se tornou professor(a)?
O que é ser professor(a) para você?
Você se sente motivado a continuar sendo professor(a)?
O que te motivou a ser supervisor(a) de estágio? Por acaso ou desejado?
O que você lembra das aulas de educação nutricional na sua graduação?
Quais são seus objetivos enquanto professor(a) da disciplina EN?
Você acha que o(a) supervisor(a) de estágio tem o perfil diferente dos outros professores?
185
Bloco C. Opiniões e experiências relacionadas à nutrição e a educação nutricional
(professor de educação nutricional)
1. Opiniões gerais
Qual o papel da educação nutricional na formação do nutricionista?
Na sua opinião quais seriam os campo de aplicação dos conhecimentos de educação
nutricional?
2. Experiência docente
Como são suas aulas (dinâmica)? Que métodos e recursos didáticos você utiliza? Que
atividades desenvolve?
A disciplina tem espaço para a prática? Como isso acontece? Carga horária teórica e
prática?
Em que autor(es), referenciais ou linhas de pensamento você busca inspiração teórica
para ministrar a disciplina?
Que assunto você mais gosta de abordar nas aulas? Ou que seja essencial para a formação?
Que assunto mais te desafia (dificuldade)?
Tem algum assunto ou idéia interessante que você gostaria de abordar ou realizar na
disciplina e que ainda não teve oportunidade?
Como é o processo de avaliação da disciplina? Que critérios são adotados / que
aspectos são valorizados?
Como é o seu relacionamento com os alunos?
3. Interdisciplinaridade
Existem outros momentos/espaços de formação em educação nutricional fora da
disciplina?
A disciplina EN se inter-relaciona com outra(s) disciplina(s) do curso? Como?
Você acha que alguma disciplina colabora para as reflexões sobre a educação nutricional?
4. Percepção dos parceiros de ensino-aprendizagem
Como você percebe o olhar dos alunos sobre a disciplina?
Como você percebe o olhar dos outros docentes sobre a disciplina?
5. Perspectivas
Quais são os desafios atuais da formação em educação nutricional?
Como você avalia a formação do nutricionista hoje? Quais foram os avanços e o que
precisa avançar?
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Bloco C. Opiniões e experiências relacionadas à nutrição, educação nutricional e
estágio (professor supervisor de estágio)
1. Opiniões gerais
Qual o papel do estágio em... na formação do nutricionista?
Qual o papel da educação nutricional na formação do nutricionista?
Como você vê a aplicação dos conhecimentos de educação nutricional na sua área?
2. Experiência docente
Que tipo de atividade os alunos desenvolvem no estágio?
Ocorrem ações de educação nutricional no estágio?
Em que momento?
Que tipo de atividade?
Que métodos, técnicas ou recursos são utilizados?
Você pode relatar em detalhes alguma destas atividades?
Em que autor(es), referenciais ou linhas de pensamento você busca inspiração teórica
para orientar os alunos no estágio?
Que assunto/tema você considera essencial para abordar junto aos alunos no estágio?
Que assunto mais te desafia (dificuldade)?
Tem algum assunto ou idéia interessante que você gostaria de abordar ou realizar no
estágio e que ainda não teve oportunidade?
Como é o processo de avaliação no estágio? Que critérios são adotados / que aspectos
são valorizados?
Como é o seu relacionamento com os alunos?
3. Interdisciplinaridade
Você acha que a Educação Nutricional se inter-relaciona com a sua área? De que
forma?
4. Percepção dos parceiros de ensino-aprendizagem
Como você percebe o olhar dos alunos sobre EAN durante o estágio?
5. Perspectivas
Quais são os desafios atuais da prática da educação nutricional no contexto
profissional?
Como você avalia a formação do nutricionista hoje? Quais foram os avanços e o que
precisa avançar?
187
APÊNDICE E: ROTEIRO DO GRUPO FOCAL COM ESTUDANTES
ROTEIRO DE QUESTÕES PARA GRUPO FOCAL COM OS ESTUDANTES
1. Após a formação você gostaria de atuar em que área da nutrição? Fazendo o quê?
2. Como foi sua vivência na disciplina Educação Nutricional? Gostaria que vocês
incluíssem nesta reflexão tanto os conteúdos teóricos quanto as abordagens práticas.
3. Fora a vivência na disciplina, você teve outras oportunidades de utilizar os
conhecimentos da área de educação nutricional em experiências práticas como estágios,
projetos de pesquisa ou de extensão? Como foram estas experiências? Teve diferença entre
as áreas da nutrição (alimentação coletiva, nutrição clínica e saúde pública)?
4. Você percebe diferenças e/ou semelhanças entre o professor de Educação Nutricional e
os outros professores do curso?
5. Em sua opinião, qual a relevância da educação nutricional para a prática profissional do
nutricionista?
6. Você vê o nutricionista como um educador?
7. O que é um educador para você?
8. Como você avalia a sua formação?
188
APÊNDICE F: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARESCIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
Projeto de Pesquisa:
“Alimentação, saúde e educação: um estudo sobre a educação nutricional na formação do nutricionista”
Termo de Consentimento Esclarecido
(Em atendimento à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde / Ministério da Saúde) Características do estudo: Trata-se de um estudo de campo de abordagem compreensiva com a utilização de métodos e técnicas das pesquisas qualitativa e quantitativa, que tem como objetivo geral investigar a formação universitária em nutrição tendo como foco de análise a práxis da educação nutricional, promovendo uma análise crítica sobre suas contribuições e desafios no contexto contemporâneo. Propósito do estudo: Pretende-se com este estudo apresentar um retrato da formação em nutrição pelas lentes da educação nutricional no Rio de Janeiro, cotejando com as informações obtidas de outras experiências de formação no Brasil, para a partir daí propor alternativas teóricas e metodológicas para a referida disciplina. Espera-se contribuir para o avanço do conhecimento na área de educação nutricional e para o processo de reflexão sobre a formação em Nutrição. Levantamento dos dados: A obtenção dos dados será organizada em quatro etapas: 1. levantamento dos currículos e das ementas da disciplina Educação Nutricional dos cursos de Nutrição, públicos e privados, situados no Rio de Janeiro, visando analisar a composição curricular e as características e particularidades das disciplinas ministradas; 2. entrevistas semi-estruturadas junto aos docentes responsáveis pela disciplina Educação Nutricional a docentes coordenadores/responsáveis pela disciplina Estágio nas três grandes áreas da Nutrição: Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva, a fim de identificar e analisar suas trajetórias e perfis profissionais, somado às opiniões, experiências, dificuldades e expectativas em relação à Educação Nutricional; 3. debates com estudantes do 7° ou 8° período, que já tenham cursado Educação Nutricional e estejam inseridos em atividades práticas como estágios e projetos de pesquisa e de extensão. Será utilizada a técnica de Grupo Focal, na intenção de conhecer as percepção e experiências sobre a disciplina, suas práticas e aplicação profissional; 4. entrevistas com profissionais, docentes e pesquisadores da área, das cinco regiões brasileiras, com relevante produção acadêmica e científica, a fim de ampliar o debate sobre a Educação Nutricional em nível nacional. Riscos: A participação no estudo não implica qualquer risco para os participantes ou para a instituição. Benefícios: Espera-se que os benefícios, inicialmente, se dêem por meio da discussão e reflexão dos docentes e discentes participantes da pesquisa e que resultem em atitudes pró-ativas e efetivas no aprimoramento do processo de formação em Nutrição. Posteriormente, com a divulgação dos resultados da pesquisa, espera-se ampliar a discussão de modo a contribuir para uma formação comprometida com a realidade social do país. Privacidade: Qualquer informação obtida nesta investigação será confidencial. Os dados coletados serão utilizados exclusivamente para esta pesquisa e divulgados de forma sigilosa e anônima. Os arquivos de áudio serão apagados após sua transcrição para que não seja possível identificar o entrevistado pela voz. Entretanto, as informações científicas resultantes poderão ser apresentadas e publicadas em revistas científicas, sem a identificação dos participantes e da instituição. A participação neste estudo será totalmente voluntária e a qualquer momento o indivíduo poderá desistir de participar por qualquer motivo. Os integrantes da pesquisa poderão ser contatados para maiores esclarecimentos sobre o estudo e informações decorrentes dele, nos telefone 9998-3737 (Thais Salema Nogueira de Souza) e 8874-4116 (Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca)*. Declaração de Compromisso: Li e entendi as informações deste documento de consentimento e o objetivo do estudo, bem como seus possíveis benefícios e riscos. Tive oportunidade de perguntar sobre o estudo e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou livre para decidir não participar desta pesquisa a qualquer momento. Receberei uma cópia assinada e datada deste documento. Niterói, ............de .............................de ..................... ______________________________________ __________________________________
Nome do participante Thais Salema Nogueira de Souza Pesquisadora ______________________________________ Assinatura do participante