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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães
A Possibilidade de Aplicação no Direito do Trabalho do Princípio Constitucional da Proporcionalidade para Efetivação dos Direitos
Fundamentais
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2014
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães
A Possibilidade de Aplicação no Direito do Trabalho do Princípio Constitucional da Proporcionalidade para Efetivação dos Direitos
Fundamentais
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das relações sociais (subárea Direito do Trabalho), sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Sergio João.
SÃO PAULO
2014
3
Banca Examinadora
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______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
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Dedico esse Trabalho aos meus pais,
Marlene e Elizeu (in memoriam), que
sempre me ensinaram a nunca desistir.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço de forma primeira a Deus, que me concedeu à honra de
trilhar o caminho da vida.
Especialmente, agradeço ao querido Professor e Orientador Paulo
Sergio João pela profunda paciência em ouvir e respeitar meu ponto de vista
quanto a inúmeros temas e de forma pontual me reconduzir ao correto
entendimento de questões tão difíceis para um aluno.
Não poderia deixar de registrar, meu profundo agradecimento com
contornos reverenciais a todos os Professores do Curso de Pós- Graduação
(Doutorado) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial
aos Professores Renato Rua de Almeida, Pedro Paulo Teixeira Manus, Willis
Santiago Guerra Filho e Nelson Nery Junior.
Agradeço aos colegas e amigos de escritório por muitas vezes terem
assumido meus afazeres durante meus períodos de estudos para a
conclusão da tese.
Agradeço aos valiosíssimos Amigos Henrique Garbellini Carnio,
Leonel Maschietto, Alvaro Alves Nôga, presenças constantes na minha vida e
que em todo e qualquer momento estiveram com suas mãos estendidas para
me auxiliar, e certamente, sem suas profícuas companhias, esse trabalho
não seria realizado.
Agradeço aos meus lindos e carinhosos filhos Julia e Felipe, que com
suas brincadeiras, tornaram o desenvolvimento da tese um processo mais
leve.
Obrigado minhas amadas irmãs Gê e Jaque.
Uma palavra sincera de amor para a minha querida Aristela, símbolo
de companheirismo e cumplicidade.
6
Por fim, pontuo meu agradecimento aos Professores e Doutrinadores
pesquisados, pois sem seus valorosos ensinamentos o trabalho ora
apresentado não seria concluído.
7
RESUMO
O Presente estudo tem como objetivo elucidar em certa medida a
aplicação do princípio da proporcionalidade inserido num processo
contributivo de solução de conflitos sociais no contexto processual.
Para tentar uma aproximação de sua utilização com segurança,
avançamos primeiramente buscando sua origem histórica, que se deu
principalmente na Alemanha, partindo posteriormente para os debates
ocorridos entre os principais estudiosos do tema, sobretudo filósofos e
estudiosos do direito, como Robert Alexy e Ronald Dworkin.
Avançamos no nosso propósito tentando demonstrar que o avanço
das relações sociais - tanto pela sua textura hoje globalizada como pelo
nascimento de novas relações sociais a cada dia especialmente no direito do
trabalho – não permite para toda e qualquer circunstância a aplicação do dito
positivismo simplesmente, ou seja, clama a sociedade por uma resposta
imediata, o que pode se dar em determinadas circunstâncias pela aplicação
do princípio da proporcionalidade, em especial, quando tratamos de direitos
fundamentais, já inserindo uma visão pós-positivista.
Tentamos exemplificar através de decisões nacionais e internacionais
de casos concretos a correta aplicação do princípio, não com tom de crítica, e
sim, no intuito de apresentar uma visão de sua aplicabilidade dentro dos
contornos desenvolvidos no Trabalho.
Pontuamos algumas situações que já se apresentam no dia a dia da
Justiça do Trabalho quanto às colisões de direitos fundamentais,
apresentando o posicionamento de doutrinadores nacionais e internacionais.
Apresentamos uma evolução histórica dos direitos constitucionais
vinculados à seara trabalhista, tentando demonstrar ainda, que em algumas
questões uma simples subsunção de fato à norma não se apresenta
suficiente para solucionar os atuais relacionamentos sociais no campo do
8
direito do trabalho, especialmente quando envolvidos direitos constitucionais
fundamentais.
Atrevemo-nos em certa medida, a questionar a aplicabilidade de
alguns princípios propalados no relacionamento empregado X empregador,
no sentido de sua atual incompletude para toda e qualquer situação.
Questionamos de forma pontual e exemplificativa alguns verbetes do
Tribunal Superior do Trabalho, que no nosso sentir, não atendem em tempo e
modo a aplicação do princípio da proporcionalidade em razão do movimento
dito constitucionalização dos direitos.
O resultado do trabalho nos leva ao raciocínio que há evidente
necessidade de um avanço, especialmente na forma de interpretar a colisão
dos direitos fundamentais para a correta entrega da tutela buscada pela
sociedade nas zonas de colisão desses direitos.
9
ABSTRACT
The present study aims to elucidate some extent about the principle of
proportionality inserted in a contributory process of solving social conflicts in
the procedural context.
To attempt an approximation of its use safely we move first seeking
their historical origin, which was mainly in Germany, starting with discussions
occurred between the leading scholars of the subject, especially
philosophers and students of law like Robert Alexy and Ronald Dworkin.
Advance our purpose in trying to demonstrate that the advancement of
social relations - both in its today's globalized texture as the birth of new
social relations every day, especially in labor law - does not allow more in aall
circumstances the application of the simply positivism, the society cries out for
an immediate response, which can occur in certain circumstances by applying
the principle of proportionality, in particular when dealing with fundamental
rights, now entering in a post-positivist view.
We try to exemplify through national and international decisions
with individual cases the correct application of the principle, not with a critical
tone, but in order to present an overview of its applicability within the contours
developed at the Work.
We point to situations that are already present on the day of the
Labour Court regarding collisions of fundamental rights, showing the position
of national and International scholars.
We present a historical development of constitutional rights related to
labor law, still trying to show that some questions on a simple subsumption of
the fact in the norm does not present enough to solve the current social
relationships in the field of labor law, especially when involved fundamental
constitutional rights.
10
We venture to some extent, to question the applicability of certain
principles relaciones between employee X employer relationship, to its current
incompleteness for any situation.
We also Question in a pontual and exemplary manner
some decisions of the Superior Labor Court, which in our experience, do not
reflects in a rigjt wau the principle of proportionality because the movement
said constitutionalization of rights.
The result of the work leads us to thinking that there is clearly a need
for a breakthrough, especially in how to interpret the collision of fundamental
rights for accurate delivery of relief sought by society in conflict zones of such
rights.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................p.16
CAPÍTULO 1. METODOLOGIA JURÍDICA. SUPREMACIA
CONSTITUCIONAL E PROCESSO CONSTITUCIONAL
1.1 Dos Estados-Nação às Guerras Mundiais............................................p.19
1.2 O Pós-Guerra e a Nova Experiência Constitucional. Marco teórico-
filosófico do Constitucionalismo no Pós-Guerra..........................................p.24
1.3 Entre o jusnaturalismo e o positivismo: uma terceira via?....................p.27
1.3.1 O Pós- Positivismo como Terceira Via...............................................p.35
1.3.1.1 A necessária distinção entre texto e norma.....................................p.37
1.3.1.2 A interpretação e a superação de seu ato que revela a vontade da lei
ou do legislador............................................................................................p.39
1.3.1.3 A superação da sentença como ato silogístico................................p.41
1.4 A Jurisprudência dos valores e a Interpretação Constitucional.............p.43
1.4.1 Predecessores teóricos da jurisprudência dos valores.......................p.45
1.4.2 A Jurisprudência dos Valores e a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal Alemão....................................................................p.49
1.4.3 A Jurisprudência dos Valores e a Crítica Brasileira............................p.53
12
1.5 O Conceito de Direito entre Regras e Princípios. Entre Robert Alexy e
Ronald Dworkin............................................................................................p.56
1.6 O Caráter de Relevância dos Direitos Fundamentais no Movimento
Constitucionalista.........................................................................................p.68
1.6.1 Modelos de fundamentação dos direitos fundamentais......................p.72
1.6.1.1 O modelo historicista.......................................................................p.72
1.6.1.2 O modelo individualista....................................................................p.74
1.6.1.3 O modelo estatalista........................................................................p.76
1.6.2 Direitos fundamentais e a Constituição Federal de 1988...................p.77
1.7 A Constituição como centro gravitacional da interpretação da lei
infraconstitucional em termos de compatibilização e adequação................p.80
1.8 Princípios da Interpretação Constitucional............................................p.84
CAPÍTULO 2 - O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A
DIALÉTICA DOS PRINCÍPIOS
2.1 Princípio da Proporcionalidade e Interpretação Constitucional............p.88
2.2 O princípio da proporcionalidade e a distinção da teoria alemã do
princípio da proporcionalidade da previsão inglesa do princípio da
irrazoabilidade..............................................................................................p.91
2.2.1 O alcance do princípio da proporcionalidade: os princípios parciais ou
subprincípios................................................................................................p.94
2.2.2 A Irrazoabilidade.................................................................................p.97
13
3. Proporcionalidade como princípio de solução de colisões vinculadas a
direitos fundamentais e a proporcionalidade relacionada aos meios..........p.99
3.1 Eficácia Horizontal e vertical dos direitos fundamentais (mito ou
verdade?)...................................................................................................p.100
4. Necessidade de fundamentação plena................................................p. 102
4.1 Os Direitos Sociais e a Insuficiência de Regras Infraconstitucionais para
Solução de Conflitos (um mundo “novo”).................................................p. 105
4.2 O princípio da proporcionalidade e os princípios do direito do trabalho.
Choque ou complemento?........................................................................p.109
4.2.1. In dubio, pro operário.....................................................................p. 109
4.2.2. Norma mais favorável....................................................................p. 110
4.2.3. Verdade real...................................................................................p. 114
CAPÍTULO 3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS
RELAÇÕES TRABALHISTAS
3.1 Constituição Federal e os Direitos Sociais do Trabalhador.................p.117
3.2 Escorço Histórico.................................................................................p.117
3.3 Apenas um Destaque do Avanço Do Estado de Direito Liberal ao Estado
Social dos Direitos Fundamentais.............................................................p.149
4. Hipóteses de Atratividade do Princípio da Proporcionalidade no Direito do
Trabalho.....................................................................................................p.150
4.1 A revista íntima....................................................................................p.151
14
4.2 Esfera legislativa..................................................................................p.158
4. 3 Esfera doutrinária................................................................................p.160
4. 4 Esfera jurisprudencial.........................................................................p.162
4.5. A fiscalização de e-mails...................................................................p.165
4.6 A Fiscalização do Empregador sobre as Mensagens de Correio-
Eletrônico do Empregado-Cidadão............................................................p.169
4.7 Regra constitucional da inviolabilidade da intimidade e vida privada
das pessoas...............................................................................................p.170
4.8 Regra constitucional da inviolabilidade da correspondência..........p.171
4.9 O direito ao descanso e a exigência de trabalho................................p.173
4.10 A proteção do mercado da mulher e a igualdade de tratamento.......p.175
4.11 Limites da negociação coletiva..........................................................p.179
5. Casos práticos internacionais...............................................................p. 190
5.1 Situação 1 – Caso Português dos Delegados de Propaganda
Médica......................................................................................................p. 191
5.2 Situação 2 – Caso Português de Sanção Abusiva e Danos
Morais.......................................................................................................p. 194
5.3 Situação 3 – Caso Português de Dispensa por Justa Causa e Boa-
Fé..............................................................................................................p. 198
5.4 Situação 4 – Casos de Inconstitucionalidade na Colômbia sobre
Subordinação no Contrato de Trabalho....................................................p. 202
15
5.5 Situação 5 – Casos da Inconstitucionalidade na Colômbia Contra os arts.
15 (parcial) e 156 (parcial) do Código Sustantivo del Trabajo..................p. 206
6. Casos Práticos da Justiça Trabalhista e a Utilização Equivocada dos
Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade.....................................p.212
6.1 Situação 1 - Revista Íntima em Empregados.......................................p.212
6.2 Situação 2 – Entidades Sindicais e Multas Cominatórias....................p.220
6.3 Situação 3 – Danos Morais e Proporcionalidade.................................p.224
5.4 Situação 4 – Valor Indenizatório e Súmula 126 TST...........................p.227
6.5 Situação 5 – Formalidades Legais e Proporcionalidade......................p.229
6.6 Situação 6 – Norma Coletiva, Horas Extras e Proporcionalidade.......p.230
6.7 Situação 7 – Adicional de Periculosidade, Norma Coletiva e
Proporcionalidade......................................................................................p.232
6.8 Situação 8 – Limites de Jornada e Princípio da Proporcionalidade....p.235
6.9 Situação 9 – Condições Mínimas de Higiene e Danos Morais...........p.239
7. Súmulas do TST e a proporcionalidade................................................p.241
7.1 Súmula 369 do TST............................................................................p.241
7.2 Súmula 331 do TST...........................................................................p.245
7.3 Súmula 363 do TST...........................................................................p.248
CONCLUSÃO...........................................................................................p.249
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................p.251
16
INTRODUÇÃO
Durante os estudos realizados ao longo do curso de doutorado, e
na própria vida da advocacia, acabamos enfrentando duas questões de difícil
solução, a saber: Como solucionar uma questão social inserida num contexto
processual se tanto o direito buscado quanto o direito resistido possuem
vinculação com direitos fundamentais?
E por segundo: Como dar a sociedade essa resposta na medida em
que não há uma lei que nos revele qual direito deve preponderar em cada
situação posta?
Esse cenário da vida de hoje, se tornou tão apaixonante e ao
mesmo tempo desafiador, que o escolhemos para que fosse objeto do
estudo.
Mesmo com a existência de discussões junto aos nossos Tribunais
de temas extremamente conhecidos e de origem conceitual no próprio
contrato de trabalho, como horas extras, vínculo de emprego, alterações
lesivas do contrato ao trabalhador, não podemos deixar de observar, que a
cada dia crescem os dilemas sobre direitos ditos inespecíficos, ou seja, que
muitas vezes com origem na relação de trabalho, o direito buscado ou
resistido encontra uma amplitude maior, atingindo muitas vezes a
propriedade do empregador, sua imagem, ou o direito extrapatrimonial do
empregado.
Isso traz duas consequências de plano: 1) não se observar na lei
eventual solução para todo e qualquer conflito dessa natureza; 2) a busca de
um mecanismo que permita dar uma solução dentro de todos os aspectos e
contornos de respeito ao ordenamento jurídico.
Com esse objetivo desenvolvemos nosso trabalho em 3 (três)
capítulos, tentando por meio da pesquisa desvendar ao longo do raciocínio,
17
uma resposta para as questões postas e um mecanismo adequado que não
fosse violador de direitos postulados ou resistidos.
No primeiro capítulo, desenvolvemos um estudo sobre a visão
constitucional e sua supremacia, aliada às questões históricas que
vincularam essa moderna forma de pensar com a superação do
jusnaturalismo e do positivismo como modelos de pensamento jurídico,
acenando para uma terceira via.
Indicamos a distinção entre texto e norma, interpretação conforme a
constituição, a quebra do paradigma da decisão como mero ato silogístico,
aliados aos estudos sobre correntes teóricas como a jurisprudência dos
valores, sem deixar de lado, a pontual diferença ou aproximação entre
princípios e regras.
Inserimos nesse capítulo o viés da interpretação constitucional
vinculado ao movimento constitucionalista.
No capítulo 2 (dois) apresentamos ao leitor o princípio da
proporcionalidade e sua dialética com outros princípios, inclusive aqueles
apresentados como vinculados especialmente ao direito do trabalho,
procurando não deixar escapar os subprincípios vinculados ao próprio
princípio da proporcionalidade, sua eficácia na apresentação de casos
difíceis.
No capítulo 3 (três) procuramos apresentar a evolução dos direitos
trabalhistas na linha do tempo, perpassando às Constituições promulgadas
no nosso País, dedicando em especial a aplicação do princípio da
proporcionalidade quanto aos casos reais oriundos de Acórdãos Nacionais e
internacionais, discussões doutrinárias específicas sobre o tema, como
revista íntima, fiscalização de e-mails, entre outros.
Discutimos ainda Súmulas do TST apresentando o avanço do Estado
Liberal para o Estado Social dos direitos fundamentais.
18
Temos absoluta consciência de que o tema não está nem perto de se
esgotar, mas procuramos dentro de nossas limitações, propagar no meio
jurídico elementos condutores de novos raciocínios e reflexões.
19
CAPÍTULO 1. METODOLOGIA JURÍDICA. SUPREMACIA
CONSTITUCIONAL E PROCESSO CONSTITUCIONAL
1.1 Dos Estados-Nação às Guerras Mundiais
No século XX, verifica-se a crise permanente daquilo que foi a
configuração do Estado-Nação. Nesse momento histórico a discussão sobre
os direitos dos homens causa o rompimento do vínculo entre homem e
cidadão. Ser cidadão, portanto, seria uma qualidade que nem todos os
homens possuíam. Tal situação cria um ambiente paradoxal, pois enquanto
as declarações de direitos dos homens (anunciadas com os textos da
Declaração Americana da Virgínia e da Declaração Francesa) apresentavam
um rol de direitos essenciais, fundamentais, ocorria ao mesmo tempo um
enfraquecimento da proteção de indivíduos que não eram considerados como
cidadãos.
Exemplo característico desta situação são os fenômenos de
multiplicação de minorias que, por meio de tratados de paz - em especial o
Tratado de Versalhes -, terminam com a primeira guerra mundial. A antiga
Iugoslávia, a Tchecoslováquia, os servos e croatas, acabaram assumindo
funções da soberania política. Ocorre que tais minorias acabaram tendo a
necessidade de uma autoridade externa para assegurar seus direitos, pois
passou a caber a outros segmentos étnicos dessas populações a
característica de serem minorias regidas por regramentos especiais,
tutelados, no caso pela Organização das Nações Unidas.1
Esse fenômeno que ocorreu de modo típico e originário nas
comunidades europeias2 configurou a existência jurídica de pessoas que não
1 GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Sobre direitos humanos na era da bio-política in Kriterion, Belo Horizonte, n. 118, Dez./2008, p. 278.
2 Cf. sobre o assunto, envolvendo análise de pesquisadores europeus de situações na Alemanha, Noruega, Irlanda do Norte, Grécia, Inglaterra e outros países, TURTON, David;
20
eram integradas nacionalmente numa comunidade política e, dessa forma,
encontravam-se em condição precária quanto à proteção legal e normativa.
Essa situação, em si, é paradoxal ao conceito buscado pelos
modernos Estado-Nação, pois ao invés de buscar a proteção entre o homem
e o cidadão, revelou nada menos do que a incapacidade de proteger
legalmente indivíduos de origem nacional diversa.
Atualmente, a essas minorias podem ser acrescentados
também os ciganos e até mesmo os apátridas, estes últimos apareceram
com muita força nos anos que precederam a segunda guerra mundial e se
intensificaram ainda mais quando de sua ocorrência e mesmo após seu
término. Daí a importância de entender o contexto da formação do Estado e
das guerras como forma de entender o modelo constitucionalista que irá
surgir, em especial, no pós- segunda guerra.
Este fenômeno foi estudado pontualmente por Hannah Arendt
ao se debruçar para avaliar a formação dos Estados totalitários e o declínio
do Estado-nação. Em sua investigação muito instrutiva e ampla ela escolhe
justamente a figura dos apátridas - segundo a autora eles seriam displaced
persons3 - como a imagem identificativa deste declínio.
GONZALES, Julia. Identidades culturales y minorías etnicas en Europa, Bilbao: Universidad de Deusto, 2001.
3 A definição da autora assim é desenvolvida: “até a terminologia aplicada ao apátrida deteriorou-se. A expressão "povos sem Estado" pelo menos reconhecia o fato de que essas pessoas haviam perdido a proteção do seu governo e tinham necessidade de acordos internacionais que salvaguardassem a sua condição legal. A expressão displaced persons [pessoas deslocadas] foi inventada durante a guerra com a finalidade única de liquidar o problema dos apátridas de uma vez por todas, por meio do simplório expediente de ignorar a sua existência. O não-reconhecimento de que uma pessoa pudesse ser "sem Estado" levava as autoridades, quaisquer que fossem, à tentativa de repatriá-la, isto é, de deportá-la para o seu país origem, mesmo que este se recusasse a reconhecer o repatriado em perspectiva como cidadão ou, pelo contrário, desejasse o seu retorno apenas para puni-lo. Como os países não-totalitários, a despeito do clima de guerra, geralmente têm evitado repatriações em massa, o número de pessoas sem Estado era substancialmente elevado — ainda doze anos após o fim da guerra. A decisão dos estadistas de resolver o problema do apátrida ignorando-o é revelada ainda pela falta de quaisquer estatísticas dignas de confiança sobre o
21
Ressalte-se que além de estudar o tema, Hannah Arendt - uma
das principais filósofas jurídicas da Alemanha - sentiu na pele a situação de
ser uma apátrida, pois o regime nazista lhe retirou a nacionalidade em 1937,
conseguindo a nacionalidade estaduniense apenas em 1951.
Estão em voga nessa discussão a liberdade, a emancipação e a
soberania popular. De modo verdadeiro, estas só poderiam ser alcançadas
por meio de uma completa emancipação nacional e os povos privados do seu
próprio governo nacional se encontrariam na paradoxal situação de ficarem
sem a possibilidade de usufruir de seus direitos.4
Os Direitos do Homem, afinal, haviam sido definidos como “inalienáveis” porque se supunha serem independentes de todos os governos; mas sucedia que, no momento em que seres humanos deixavam de ter um governo próprio, não restava nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma instituição disposta a garanti-los.5
A violência, distintamente do poder, da força ou do vigor,
sempre necessita de implementos. Isto tudo se verifica na revolução da
tecnologia e da criação de instrumentos políticos, bélicos, de comunicação e
outros proporcionados pela guerra. Até a própria substância da ação violenta
é regida pela categoria meio-fim, cuja principal característica, quando
aplicada aos negócios humanos, foi sempre a de que o fim corre o perigo de
ser suplantado pelos meios que ele justifica e que são necessários para
alcança-lo.6
assunto. Contudo, sabe-se pelo menos que, enquanto existia 1 milhão de apátridas.”. ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo, trad.: Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 313.
4 ARENDT, Hannah. O declínio do estado nação e o fim dos direitos do homem, In: Origens do Totalitarismo – Anti-Semitismo, Imperialismo e Totalitarismo, trad.: Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 305.
5 ARENDT, Hannah. O declínio do estado nação e o fim dos direitos do homem, cit., p. 325
6 ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 18.
22
O fim da ação humana, diferentemente dos produtos finais da
fabricação, nunca pode ser previsto de maneira confiável, pois os meios
utilizados para atingir objetivos políticos são desmesurados, de forma que, o
resultado das ações dos homens está além do controle dos atores sociais. A
violência abriga em si mesma um elemento adicional de arbitrariedade, de tal
maneira que a guerra e sua presença na exaltação do aperfeiçoamento dos
meios de destruição físico e material humano representam “um irônico
lembrete da imprevisibilidade onipotente que encontramos no momento em
que nos aproximamos do domínio da violência”7. Este irônico lembrete e a
devastação da dignidade humana no holocausto são, necessariamente, um
dos pontos chave de nossa investigação como origem de tudo que aqui se
expõe, pois a retomada do constitucionalismo leva certamente em conta
essas questões.
A reflexão que surge é que a principal razão da guerra ainda
estar entre os homens não seria um secreto desejo de morte da espécie
humana, nem um instinto irreprimível de agressão ou mesmo os perigos
econômicos e sociais inerentes ao desarmamento, mas o simples fato de que
nenhum substituto para essa solução inadequada nos negócios
internacionais apareceu na cena política.8
Nesse contexto, o direito, em especial na espécie normativa das
declarações de direito dos homens, a exemplo das anteriormente referidas,
por mais que pretendam uma função emancipatória na exposição dos direitos
fundamentais, acabam excluindo minorias e relegando seres humanos à
mercê dos mecanismos de poder. Exatamente esta é a configuração das
sociedades europeias modernas, consideradas como sociedades biopolíticas
ao longo do século XVIII. Com o biopoder9 o Estado moderno inclui a vida
7 ARENDT, Hannah. Sobre a violência, p. 19.
8 ARENDT, Hannah. Sobre a violência, p. 20.
9Biopoder não é o mesmo que biopolítica. Biopoder é uma extensão do termo biopolítica e foi criado também originalmente pelo filósofo francês Michel Foucault para referir-se à prática dos estados modernos e sua regulação dos que a ele estão sujeitos por meio de "uma explosão
23
biológica, tanto ao nível individual dos corpos adestrados, amansados pelas
disciplinas, como no registro genérico das populações, cujus “ciclos vitais de
saúde e morbidez, natalidade e mortalidade, reprodução, produtividade e
improdutividade, devem ser calculados em termos de previdência e assistência
social”10.
A significação do termo biopolítica instaura um novo modelo –
de relacionamento humano – que ressalta a tomada do poder sobre o homem
enquanto ser vivo e que tem no Estado do século XIX sua força catalisadora.
Segundo Foucault:
[...] uma das mais maciças transformações do direito político
do século XIX consistiu, não digo exatamente em substituir,
mas em completar esse velho direito de soberania – fazer
morrer ou deixar viver – com outro direito novo, que não vai
apagar o primeiro, mas vai penetrá- lo, perpassá-lo, modificá-
lo, e que vai ser um direito, ou melhor, um poder exatamente
inverso: poder de ‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer [...]11
A experiência da segunda guerra mundial e a devastação dos
seres humanos, relegados a uma condição de esvaziamento de sua
dignidade faz com que no pós-guerra a discussão sobre o direito e sua
regulação fosse retomada seriamente para novos rumos.
É exatamente no marco do segundo pós-guerra que emerge o
significado do conceito de princípio constitucional. Isso é bastante
significativo, porque, a partir de então, é possível notar uma retomada da
filosofia do direito num sentido diretivo, regulatório e normativo, por meio das
de técnicas numerosas e diversas para obter a subjugação dos corpos e o controle de populações”.
10 GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Sobre direitos humanos na era da bio-política in Kriterion, Belo Horizonte, n. 118, Dez./2008, p. 284-285.
11 FOUCAULT, Michel. Aula de 17 de março de 1976 in Em defesa da sociedade, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 287.
24
diversas tentativas que se instalaram de resgate da filosofia prática – como
as discussões encontradas nas críticas de Kant - ou da racionalidade prática
- que busca entender o mundo exatamente como ele é.
1.2 O Pós-Guerra e a Nova Experiência Constitucional. Marco teórico-
filosófico do Constitucionalismo no Pós-Guerra
De forma emblemática o rumo da reflexão jurídica passa a se
dar com a experiência judicial do Tribunal Constitucional Federal Alemão.
Segundo o teórico português Antonio Castanheira Neves, os princípios
constitucionais aparecem no interior de um acontecimento maior, a partir do
qual a tradicional interpretação jurídica muda de rumo e a própria teoria do
direito passa a ser problematizada de modo diferente.
O direito identificado com a lei passa a ser pensado como
direito enquanto direito. Em outras palavras, o que isto quer dizer é que o
pensar o direito ultrapassa a simples interpretação textual da lei em direção à
interpretação do direito em si.
Nessa dimensão, o problema interpretativo se torna mais
complexo do que anteriormente. Não está mais em jogo apenas o
entendimento daquilo que os textos legais comunicam, mas também, e
principalmente, o conhecimento, a compreensão do sentido do direito.
Nesse período surge uma escola de pensamento que se mostra
determinante para os novos contornos que irão se inaugurar, qual seja: a
escola da Jurisprudência dos Valores.
É importantíssimo ter em conta a experiência da jurisprudência
dos valores, pois as transformações pelas quais passaram a filosofia e a
teoria do direito no segundo pós-guerra não se deram a partir de uma pura
especulação lógico-formal, pelo contrário, os impulsos que elas recebem se
25
originam na experiência dos tribunais e da ascensão daquilo que se pode
chamar de judicialismo12, numa clara oposição ao legalismo anterior.
Como se nota, essas transformações representaram uma
radical mudança de postura daqueles que refletem sobre o direito na tradição
continental, a partir de uma maior atenção despendida à decisão judicial
propriamente dita.
O Tribunal Constitucional alemão enfrentava vários problemas
nos anos que se seguiram à promulgação da Lei Fundamental no que se
refere ao julgamento de casos que tinham como objeto relações jurídicas
constituídas ainda sob a égide das leis nazistas13. Na época, para solucionar
estes casos e outros similares, o Tribunal começou a lançar mão de uma
série de novos instrumentos conceituais que permitiam uma justificação da
decisão descolada da simples interpretação textual da lei e da própria
Constituição.
Desse modo, princípios, cláusulas gerais, e enunciados abertos
eram invocados pelo tribunal para que fosse possível legitimar suas decisões
ainda que, num sentido estrito, fossem contrárias à lei.
Quando o Tribunal começa a decidir assim, tem-se por aberto
um espaço positivo para a reflexão filosófica sobre o direito e, a partir de
então, se passa a explorar posições filosóficas que fundamentassem a
utilização de tais mecanismos.
12O judicialismo apresenta novas perspectivas na atuação do juiz constitucional. O termo concentra a ideia de novos paradigmas de atuação do juiz constitucional não adstrito à utilização firme e dura da lei, mas encampando novas formas interpretativas e práticas nas decisões. O avanço desses estudos, atualmente é observado na abordagem de temas recorrentes, a exemplo do chamado "ativismo" judicial, a judicialização da política, a responsabilidade social do juiz constitucional e seu método de trabalho, além de outros assuntos correlatos.
13 Neste sentido ver, por todos, LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito.3 ed., Coimbra: Calouste Gulbenkian, 2004, passim.
26
Um dos principais autores que surge nesta época é o professor
de direito e filósofo Gustav Radbruch (professor da universidade de
Heidelberg) com seu axiologismo jurídico-cultural, propondo que o direito
deva ser fundamentado no justo e não simplesmente no que a lei diz. Esse
autor se mostra relevante, pois foi um dos grandes influenciadores de Robert
Alexy, autor que nos servirá de base para a discussão do princípio da
proporcionalidade.
O Professor Radbruch, com base na orientação dos
neokantianos da escola de Baden, entende que a transcendentalidade do
direito era encontrada nos valores que verdadeiramente regem a objetividade
do pensamento. Não é a toa que o filósofo Arthur Kaufmann diz encontrar em
Radbruch uma terceira via em relação à velha oposição entre jusnaturalismo
racionalista (com base em contratos) v.s. juspositivismo - objeto também de
nossa investigação -, ao dizer que este teria sido o primeiro autor a separar
as trincheiras entre o direito natural e o positivismo.14
Castanheira Neves estudando Radbruch afirma que a partir dele
começa a ter expressão algo nomeado como “neojusnaturalismo”, só que não
mais cosmológico (representação da observação da natureza e dos sentidos
na antiguidade clássica); teológico (a revelação das escrituras sagradas
como referência principal para a legislação) ou psicológico (referência a partir
do movimento racionalista e da revolução das ciências), mas, sim, axiológico,
fundado na leitura neokantiana da razão pura prática da escola de Baden.
Surge um direito fundado a priori não no cosmos, nem na
vontade de Deus, nem na universalidade da razão, mas, simplesmente, na
própria essência objetiva dos valores, o pensamento de uma jusnaturalista
afirmação de um superpositivo conteúdo axiológico ou ético-material (uma
14 KAUFMANN, Arthur. Introdução à Filosofia do Direito. Coimbra: Calouste Gulbenkian, 2003, p. 135
27
pré-dada ordem de valores), enquanto fundamento constitutivo do direito que
repercutia inclusive na jurisprudência jurisdicional alemã15.
Com fundamento neste direito axiológico e supra-legal,
Radbruch e seus seguidores consideravam a lei positiva como não-direito,
nos casos extremos de violação deste “direito natural dos valores” retirando-
lhe, por isso sua própria validade enquanto direito.
Essa tomada de posição significativa ficou famosa como
“fórmula Radbruch” e influenciou consideravelmente Robert Alexy e sua
defesa de uma moral corretiva para o direito.
Diante de tal posição e da inclinação dos Tribunais europeus
(principalmente o Alemão) para utilização de conceitos ditos “valorativos”
como é o caso do conceito de princípio, não tardaria a encontrar como
problema a acusação de um relativismo oriundo do axiologismo-valorativo, ou
seja, uma suposta retirada da segurança jurídica social.
1.3 Entre o jusnaturalismo e o positivismo: uma terceira via?
Problemas derivados da utilização de tais mecanismos
começam a aparecer. A perda da segurança jurídica em virtude do
exacerbado relativismo passou a ser criticada.
Novas posições filosóficas aparecem para criticar o relativismo,
como dos filósofos alemães Max Scheler16 e Nicolai Hartmann17, ambos com
propostas de realização de uma análise objetiva dos valores.
15CASTANHEIRA NEVES, António. A Crise Actual da Filosofia do Direito no Contexto da Crise Global da Filosofia (Tópicos para a Possibilidade de uma Reflexiva Reabilitação). Coimbra: Almedina, 2003, p. 38.
16 Filósofo que procurou estudar principalmente a fenomenologia. (do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que se mostra - e logos - explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação".
28
O que se postula como um “renascimento do direito natural” a
partir de uma axiologia jurídica pode ser encarado, em última instância, como
um positivismo axiológico que da mesma forma que o positivismo
normativista, encontra guarida em Kant.
O interessante aqui é que esses acontecimentos todos fizeram
com que os estudiosos do direito se voltassem para a prática interpretativa do
direito, para a questão da decisão judicial, se projetando além do movimento
lógico-matemático preocupando-se com a construção de um sistema jurídico
num nível meramente semântico (de significação – conteúdo - das coisas).
Tal discussão se aprofunda e se torna mais complexa no interior
do chamado pós-positivismo e das diversas posições que ali se manifestam
com o objetivo de criar mecanismos para a atividade do juiz.
A questão em tela era como lidar com esta nova forma de
direito que aparece nos pós-guerra. Segundo parece, a tônica dessa questão
está no conceito de princípio.
Segundo o professor Lenio Streck, o positivismo sempre se
caracterizou por apresentar três características específicas na análise que
realiza do fenômeno jurídico18:
Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema).
17 Como afirma Adeodato, “A teoria dos valores de Hartmann segue as linhas básicas da ética de Max Scheler e teve grande repercussão, sendo até hoje um dos maiores exemplos da doutrina axiológica objetivista, segundo a qual os chamados valores não são criação humana mas existem no universo independentemente de serem ou não realizados, compreendidos ou sequer percebidos por quem quer que seja”. Cf. ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito. 5 ed., São Paulo: Saraiva,2013, p. 153 e segs.
18 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. São Paulo: Saraiva, 2011, pósfácio, n. 4.2., p. 509.
29
Em primeiro lugar, seu objeto é determinado a partir das fontes
estatais-sociais do direito. Recusa-se, assim, que a abordagem do fenômeno
jurídico dê conta de fatores externos àquilo que foi produzido em termos de
regulação social pelo Estado. Essa característica aponta para outro fator
próprio das teorias positivistas: sendo ela a representação teórica de um tipo
específico de estatalismo, noutras palavras, o direito é entendido pura e
simplesmente com o que a norma estatal diz.
Em segundo lugar, temos que todo positivismo professa a tese
da separação entre o direito e a moral. Assim, as teorias positivistas
oferecem critérios para análise do direito que excluem o problema de sua
adequação ou não a um sistema moral mais abrangente que determine o
conteúdo das normas jurídicas.
Ao contrário, tais teorias restringem a determinação da validade
do direito a critérios previstos pelo próprio ordenamento jurídico ou sistema
jurídico (variando o conceito conforme o autor, por exemplo, Kelsen fala em
ordenamento jurídico; Herbert Hart prefere falar em sistema jurídico).
Em terceiro lugar, todo positivismo professa, em alguma
medida, um coeficiente de discricionariedade judicial, no momento de
aplicação do direito aos casos especiais que podem ser chamados de casos
difíceis (Hard Cases) e que deverão ser decididos pelo julgador independente
do ordenamento ou o sistema jurídico prever antecipadamente alguma
regulação para o caso.
Daí o célebre debate que se desenvolveu entre os professores
de Oxford Herbert Hart e Ronald Dworkin.
Em 1961 Hart publicou a primeira edição do seu livro O
Conceito de Direito e pretendia com sua obra apresentar uma reformulação
global do positivismo jurídico. Em seu livro, parte das críticas às teses do
filósofo Britânico J.L. Austin - seu principal contraponto no campo das ideias -
e indo além dos limites do common law, criticava também algumas das
30
principais teses do positivismo normativista de Hans Kelsen. Seu objetivo era
colocar e responder, de forma mais precisa, a pergunta: o que é direito?
Ele se pauta para responder tal questão na linguagem que os
advogados, juízes, legisladores e os cidadãos em geral utilizam ao referir-se
a assuntos jurídicos, tendo como pano de fundo os estudos desenvolvidos
pela filosofia analítica da linguagem19 do próprio Austin e do filósofo austríaco
naturalizado britânico Ludwig Wittgenstein.
Hart assume como pressuposto em seu livro o fato de que toda
expressão linguística – seja ela jurídica ou não – possui um núcleo duro de
significado e uma zona de penumbra. O núcleo duro de significado da
interpretação está conformado pelos casos de fácil interpretação (Easy
Cases), aqueles nos quais quase todos os intérpretes estariam de acordo
sobre a expressão que se aplica ao caso em questão, seja ele um objeto ou
um fato social. No âmbito da decisão judicial, isso significa que uma regra
sempre possuirá um núcleo duro e uma zona de penumbra, frente à qual o
juiz deverá escolher qual o sentido que deverá prevalecer.
O exemplo de Hart se dá nos seguintes termos: Se uma regra
diz “é proibida a circulação de veículos no parque”, diante das diversas
hipóteses de interpretação, todos estariam de acordo que não se permite a
circulação de automóveis ou caminhões. Apesar disso, haveria dúvida sobre
a proibição da circulação de bicicletas, por exemplo. Neste caso, estaríamos
19 Vertente de pensamento contemporâneo utilizada por filósofos com pensamentos diferentes, e que possui como ponto comum a ideia da filosofia como uma análise do significado dos enunciados, se apresentando exclusivamente como uma pesquisa sobre a linguagem. O pensamento analítico tem como grande precursor Gottlob Frege, Rudolf Carnap que influenciaram autores como Bertand Russell, que foi professor de Ludwig Wittgenstein. Há de se ressaltar que há várias correntes dentro da filosofia analítica, mas seu significativo aparecimento ocorreu na passagem do século XIX para o XX quando a filosofia passa por uma nova e profunda reviravolta, conhecida como “reviravolta linguística” influenciado por Frege, Russell e Wittgeinstein. Posteriormente autores ligados ao círculo de Viena também vão trabalhar com a proposta metodológica relativa à análise do significado das proposições da ciência do pensamento analítico.
31
diante de um caso difícil e a solução deveria ser dada a partir de um critério
aproximativo de analogia com os casos de fácil aplicação da regra.
Nesse enquadramento, os juízes possuem discricionariedade
para escolher a melhor interpretação.
A crítica de Dworkin acontece exatamente neste ponto.
Dworkin, ao contrário do que sugere Hart, postula que os juízes não possuem
discricionariedade alguma porque, mesmo nos “casos difíceis”, eles estão
vinculados a julgar conforme padrões prévios de conduta que seriam os
princípios jurídicos.
A discricionariedade, enquanto característica do juspositivismo
pode ser encontrada em Ronald Dworkin a partir de três sentidos, a saber:
um sentido fraco; um sentido forte; e um sentido limitado.
O sentido limitado oferece poucos problemas para sua
definição. Significa que o poder de escolha daquela autoridade à qual se
atribui poder discricionário se determina a partir da escolha “entre” duas ou
mais alternativas. A esse sentido, Dworkin agrega a distinção entre
discricionariedade em sentido fraco e discricionariedade em sentido forte,
cuja determinação é bem mais complexa do que a discricionariedade em
sentido limitado.
A principal diferença entre os sentidos forte e fraco da
discricionariedade reside, segundo Dworkin, no fato de que, em seu sentido
forte, a discricionariedade implica a incontrolabilidade da decisão segundo
um padrão antecipadamente estabelecido.
Desse modo, alguém que possua poder discricionário em seu
sentido forte pode ser criticado, mas não pode ser considerado desobediente.
Não se pode dizer que ele cometeu um erro em seu julgamento. É neste
sentido forte da discricionariedade que Dworkin assenta sua crítica ao
32
positivismo Hartiano quando este afirma ter o juiz poder discricionário, toda
vez que uma regra clara e pré-estabelecida não esteja disponível.
Em sua crítica ao poder discricionário, Dworkin afirma que
nestes casos, os padrões que os juízes tipicamente empregam são, na
verdade, princípios que os guiam em suas decisões e que os obrigam no
momento de determinar qual das partes possuem direitos.
Todavia, o problema interpretativo que se esconde por trás da
questão da discricionariedade judicial pode ser percebido também em
trabalhos de autores continentais, oriundos de sistemas romano-germânicos.
Claramente esse é o caso da Teoria Pura do Direito do austríaco Hans
Kelsen.
De todo modo, com estudo em Lenio Streck, podemos resumir o
conceito de juspositivismo como sendo o tipo de postura teórica que se
caracteriza por esses três elementos20:
1) pelas fontes sociais do direito;
2) pela separação entre direito e moral;
3) pela discricionariedade delegada ao juiz nos hard cases ou
nas incertezas da linguagem em geral.
Além disso é importante registrarmos a profunda diferença que
existe entre o positivismo jurídico praticado pela teoria jurídica predominante
no século XIX e o positivismo jurídico construído pelas teorias jurídicas do
século XX.
O positivismo legalista, evidente no século XIX, tem como
principal característica a equiparação do direito à lei. Tal equiparação pode
ser pensada a partir do direito produzido por um corpo legislativo soberano
20 Cf STRECK, Lenio Luiz.Verdade e Consenso, cit., pósfácio, n. 4.2., p. 509.
33
(no caso da França) ou na perspectiva da lei formada segundo os padrões
ditados pelos eruditos, professores de direito (no caso da Alemanha).
Ele se apresenta como uma teoria jurídica sintática, uma vez
que o direito é conhecido e analisado apenas a partir dos conceitos que
compõem a legislação. Não se problematiza, aqui, a relação deste conceito
com a concretude fática. O conceito pode ser conhecido em si mesmo
apenas a partir da utilização das fórmulas lógicas do entendimento.
Assim, o direito nunca poderia ser analisado numa perspectiva
quer semântica (conteúdo e significação), quer pragmática (de ação). Esse
fato acaba por produzir um reducionismo na análise do direito, na medida em
que os problemas interpretativos não são problematizados em análises
exclusivamente sintáticas (descritivas).
Esse ponto está na raiz das críticas que o movimento do direito
livre e a jurisprudência dos interesses21 farão às teorias positivistas.
21 A jurisprudência dos interesses tem como principal teórico Phillipp Heck, também conhecido como o líder da escola de Tübingen. Nesse movimento metodológico se encontram duas posturas teóricas que impulsionam Heck e seus seguidores. Essas duas posturas referem-se ao pensamento de Ihering em sua segunda fase de pensamento e pelos postulados do movimento do direito livre. A proposta de Heck parte do fato de que a jurisprudência dos interesses seria uma secessão com o movimento do direito livre, justamente em razão de uma discordância com relação ao problema das possibilidades de decisões contra a lei. Esta escola criticava a falácia conceitual da jurisprudência dos conceitos, fato que faz o autor apontar para a dimensão concreta dos interesses em conflito para resolver as demandas jurídicas, nesse sentido era preciso superar as insuficiências do pensamento lógico-dedutivo puro, com elementos intuitivos que o jurista perceberia na realidade social concreta, daí a influência sociológica desse pensamento. O método para compor os interesses em conflito era o da ponderação, que nesse caso deveria apontar para o interesse que deveria prevalecer, fato que certamente influenciou a nova perspectiva metodológica que aparece na jurisprudência dos valores: a ponderação. Heck defende que toda norma jurídica representa uma tentativa de conciliar (segundo o princípio de ponderação) os interesses opostos que sociologicamente aparecem na base dessa mesma norma. Confira em ABBOUD, Georges, CARNIO, Henrique Garbelllini e TOMAZ de OLIVEIRA, Rafael. Introdução à Teoria e à Filosofia do Direito. São Paulo: RT, 2013.
34
Essa aproximação do direito aos fatos sociais – propiciando
uma análise cultural-valorativa do fenômeno jurídico – reivindicada por estes
movimentos deixou o direito exposto à ideologia e à política, tornando
prejudicada sua determinação científica.
Desse modo, o normativismo kelseniano terá como ponto de
partida a necessidade de se oferecer uma resposta a esse caos
epistemológico (como estudo científico do direito) deixado pelo movimento do
direito livre e pela Jurisprudência dos interesses.
O positivismo normativista do século XX, diferentemente do
legalista (escola da exegese), opera uma análise semântico-sintática22 do
direito. Desse modo, o normativismo reconhece o problema dos múltiplos
significados que emanam dos conceitos que compõem o direito e
problematiza a relação desses conceitos com os objetos que compõem o
“mundo jurídico”. Dessa forma, Kelsen, por exemplo, não excluí a
possibilidade de, no momento de aplicar a norma, dos juízes decidirem de
mais de uma maneira (desde que ajustados à “moldura da norma”). Todavia,
na determinação da validade das normas que compõem o ordenamento,
Kelsen opera segundo uma lógica sintática.
Isso quer dizer que a validade da norma inferior pode ser
aferida a partir de uma norma superior, sem que sejam problematizadas
questões de conteúdo social, político ou ideológico. A questão se apresenta
simplesmente na perspectiva da forma lógico-formal.
No normativismo, o direito não é reduzido à lei – como no
positivismo legalista. No interior desse tipo de teoria positivista, o direito é
apresentado como um conjunto de normas válidas.
22 Essa metodologia avalia tanto a descrição dos enunciados quanto sua significação. A proposta do positivismo normativista é de levar em conta a expressão da norma, determinada pelo Estado, na quadratura do escalonamento ordenado do direito e na interpretação normativa.
35
A superação desse modelo só surge com o chamado paradigma
pós-positivista, que necessita para ser compreendido da superação de uma
gama de conceitos elementares do positivismo jurídico.
1.3.1 O Pós- Positivismo como Terceira Via
Para se pensar e estruturar uma teoria pós-positivista é
fundamental um novo conceito de norma. A norma não possuirá mais
existência semântica e abstrata, a norma passa a ser concreta e produto da
própria linguagem.
Desse modo, para uma teoria jurídica desenvolver-se sob as
bases de um paradigma pós-positivista, 23 faz-se necessário elaborar-se
23 Segundo Streck: “Quando falamos em positivismo e pós-positivismo, torna-se necessário, já de início, deixar claro o “lugar da fala”, isto é, sobre “o quê” estamos falando. Com efeito, de há muito minhas críticas são dirigidas primordialmente ao positivismo normativista pós-kelseniano, isto é, ao positivismo que admite discricionariedades (ou decisionismos e protagonismos judiciais). Isto porque considero, no âmbito destas reflexões, superado o velho positivismo exegético. Ou seja, não é (mais) necessário dizer que o “juiz não é a boca da lei”, etc.; enfim, podemos ser poupados, nesta quadra da história, dessas “descobertas polvolares”. Essa “descoberta” não pode implicar um império de decisões solipsistas, das quais são exemplos às posturas caudatárias da jurisprudência dos valores (que foi “importada” de forma equivocada da Alemanha), os diversos axiologismos, o realismo jurídico (que não passa de um “positivismo fático”), a ponderação de valores (pela qual o juiz literalmente escolhe um dos princípios que ele mesmo elege prima facie), etc. Explicando melhor: o positivismo é uma postura científica que se solidifica de maneira decisiva no século XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como sendo os fatos (lembremos que o neopositivismo lógico também teve a denominação de “empirismo lógico”). Evidentemente, fatos, aqui, correspondem a uma determinada interpretação da realidade que engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir por meio de um experimento. No âmbito do direito, essa mensurabilidade positivista será encontrada num primeiro momento no produto do parlamento, ou seja, nas leis, mais especificamente, num determinado tipo de lei: os Códigos. É preciso destacar que esse legalismo apresenta notas distintas, na medida em que se olha esse fenômeno numa determinada tradição jurídica (como exemplo, podemos nos referir: ao positivismo inglês, de cunho utilitarista; ao positivismo francês, onde predomina um exegetismo da legislação; e ao alemão, no interior do qual é possível perceber o florescimento do chamado formalismo conceitual que se encontra na raiz da chamada jurisprudência dos conceitos). No que tange às experiências francesas e alemãs, isso pode ser debitado à forte influência que o direito romano exerceu na formação de seus respectivos direito privado. Não em virtude do que comumente se pensa – de que os romanos “criaram as leis escritas” –, mas, sim, em virtude do modo como o direito romano era estudado e ensinado. Isso que se chama de exegetismo e
36
tem sua origem aí: havia um texto específico em torno do qual giravam os mais sofisticados estudos sobre o direito. Este texto era – no período pré-codificação – o Corpus Juris Civilis. A codificação efetua a seguinte “marcha”: antes dos códigos, havia uma espécie de função complementar atribuída ao Direito Romano. A ideia era simples: aquilo que não poderia ser resolvido pelo Direito Comum seria resolvido segundo critérios oriundos da autoridade dos estudos sobre o Direito Romano – dos comentadores ou glosadores. O movimento codificador incorpora, de alguma forma, todas as discussões romanísticas e acaba “criando” um novo dado: os Códigos Civis (França, 1804 e Alemanha, 1900). A partir de então, a função de complementaridade do direito romano desaparece completamente. Toda argumentação jurídica deve tributar seus méritos aos códigos, que passam a possuir, deste momento em diante, a estatura de verdadeiros “textos sagrados”. Isso porque eles são o dado positivo com o qual deverá lidar a Ciência do Direito. É claro que, já nesse período, apareceram problemas relativos à interpretação desse “texto sagrado”. De algum modo se perceberá que aquilo que está escrito nos Códigos não cobre a realidade. Mas, então, como controlar o exercício da interpretação do direito para que essa obra não seja “destruída”? E, ao mesmo tempo, como excluir da interpretação do direito os elementos metafísicos que não eram bem quistos pelo modo positivista de interpretar a realidade? Num primeiro momento, a resposta será dada a partir de uma análise da própria codificação: a Escola da Exegese, na França, e A Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha. Esse primeiro quadro eu menciono, no contexto de minhas pesquisas – e aqui talvez resida parte do “criptograma do positivismo” –, como positivismo primevo ou positivismo exegético. Poderia ainda, junto com Castanheira Neves, nomeá-lo como positivismo legalista. A principal característica desse “primeiro momento” do positivismo jurídico, no que tange ao problema da interpretação do direito, será a realização de uma análise que, nos termos propostos por Rudolf Carnap, poderíamos chamar de sintático. Neste caso, a simples determinação rigorosa da conexão lógica dos signos que compõem a “obra sagrada” (Código) seria o suficiente para resolver o problema da interpretação do direito. Assim, conceitos como o de analogia e princípios gerais do direito devem ser encarados também nessa perspectiva de construção de um quadro conceitual rigoroso, que representaria as hipóteses – extremamente excepcionais – de inadequação dos casos às hipóteses legislativas.Num segundo momento, aparecem propostas de aperfeiçoamento desse “rigor” lógico do trabalho científico proposto pelo positivismo. É esse segundo momento que podemos chamar de positivismo normativista. Aqui, há uma modificação significativa com relação ao modo de trabalhar e aos pontos de partida do “positivo”, do “fato”. Primeiramente, as primeiras décadas do século XX viram crescer, de um modo avassalador, o poder regulatório do Estado – que se intensificará nas décadas de 30 e 40 – e, também, a falência dos modelos sintático-semânticos de interpretação da codificação, que se apresentaram completamente frouxos e desgastados. O problema da indeterminação do sentido do Direito aparece, então, em primeiro plano. É nesse ambiente que aparece Hans Kelsen. Por certo, Kelsen não quer destruir a tradição positivista que foi construída pela jurisprudência dos conceitos. Pelo contrário, é possível afirmar que seu principal objetivo era reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas de modo a responder ao crescente desfalecimento do rigor jurídico que estava sendo propagado pelo crescimento da Jurisprudência dos Interesses e da Escola do Direito Livre – que favoreciam, sobremedida, o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na interpretação do direito. Isso é feito por Kelsen a partir de uma radical constatação: o problema da interpretação do direito é muito mais semântico do que sintático.
37
juntamente uma concepção pós-positivista de norma que a distinga do texto
normativo, o que, por sua vez, implica a necessidade de uma estruturação
pós-positivista de sentença não mais vista como um processo de
subsunção.24
Importante relembrar a visão do pós-positivismo vinculada
muitas vezes à expressão pós-modernidade destacada pelo polonês
Zygmunt Bauman 25 que está a revelar não uma oposição, mas a
continuidade de um estudo, de um raciocínio, vinculado à intelecção,
vejamos:
A oposição entre modernidade e pós-modernidade foi empregada aqui a serviço da teorização dos três últimos séculos da história européia ocidental (ou da história denominada pela Europa Ocidental) vistos da perspectiva da práxis intelectual. Essa prática é que pode ser moderna ou pós-moderna; a dominância de um ou outro dos dois modos (sem exclusividade) distingue modernidade de pós-modernidade como períodos da história intelectual.
O conceito de norma no paradigma pós-positivista não pode ser
o mesmo do positivismo. Nessa perspectiva, os fundamentos do paradigma
pós-positivista passam por três pontos fundamentais: (a) a diferença entre
texto e norma; (b) a interpretação do direito deixa de ser ato revelador da
vontade da lei ou do legislador; (c) a sentença deixa de ser processo
silogístico, ou seja, as questões jurídicas não podem mais ser aplicadas por
subsunção.
1.3.1.1 A necessária distinção entre texto e norma
Desse modo, temos aqui uma ênfase na semântica”.STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso, cit., p. 31/33.
24 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, n. 1.1.1, p. 49.
25 BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes. tradução Renato Aguiar, Rio de Janeiro, Zahar, 2010, p.18.
38
Segundo Lenio Streck, para se falar em norma, primeiro é
preciso compreendê-la em sua diferença com relação ao texto. Para Streck,
há uma diferença ontológica26 (no sentido heideggeriano) entre texto e norma
e que, neste sentido, quando falamos de norma, falamos necessariamente
em interpretação, fruto de um processo compreensivo que não se reduz à
compreensão sintático-semântica do texto, mas envolve um contexto
pragmático que é muito mais amplo. Desse modo, Lenio assevera: “Quando
quero dizer que a norma é sempre o resultado da interpretação de um texto,
quero dizer que estou falando do sentido que este texto vem a assumir no
processo compreensivo. A norma de que falo é o sentido do ser do ente
(texto). O texto só ex-surge na sua “normação”27.
Como é de conhecimento, a distinção entre texto e norma foi
empreendida com sucesso por Friedrich Müller. Sem embargo, cabe
mencionar que a chamada teoria estruturante, construída por Müller, pode
ser elencada como uma perspectiva teórica que pretende problematizar o
conceito tradicional de norma e a subjetividade que se apresenta por trás
dela. Para Müller, normatividade significa a propriedade dinâmica da ordem
jurídica de influenciar a realidade e de ser, ao mesmo tempo, influenciada e
estruturada por este aspecto da realidade.
Assim, o autor descreve pelo menos duas dimensões que a
estruturam: o programa da norma, que é constituído do ponto de vista
interpretativo mediante a assimilação de dados primariamente linguísticos, e
do âmbito normativo, que é construído pela intermediação linguístico-jurídica
de dados primariamente não-linguísticos.28
26 Ontologia é o estudo voltado para o ser, no sentido colocado no texto referida diferença se sedimenta como cada ser do ente se apresenta na presença da questão posta.
27 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 5 ed, Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 224-226.
28 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, n. 4.3, p. 119; n. 7, p. 148. MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, I, p. 80.
39
O programa normativo e o âmbito normativo são entidades
jurídicas. O primeiro constitui os elementos linguísticos do processo
concretizador (teor literal), já o âmbito normativo, caracteriza os elementos
não linguísticos, ou seja, a realidade social a ser regulamentada pelo
programa normativo.29
É nessa perspectiva que o conceito pós-positivista de norma
jurídica não pode mais possuir acepção semântica, porque norma não pode
ser confundida com o texto normativo. A norma somente surge na solução de
caso jurídico, seja ele real ou fictício.
Portanto, perante o paradigma pós-positivista do direito, não se
pode mais confundir texto normativo com norma. Assim, “o texto normativo é
o programa da norma, representa o enunciado legal (lei, súmula vinculante,
portaria, decreto), sua constituição é ante casum e sua existência é abstrata.
A norma, por sua vez, é produto de um complexo processo concretizador em
que são envolvidos o programa normativo e o âmbito normativo”.
A norma não é nem está contida na lei (apesar de ela ser
elemento importante para a própria formação da norma). Somente após a
interpretação jurídica, destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício),
é que surge a norma jurídica.
1.3.1.2 A interpretação e a superação de seu ato que revela a vontade da
lei ou do legislador
A questão central aqui é destacar que a partir do paradigma
pós-positivista, a atividade interpretativa do jurista não pode mais ser
concebida como ato para se descobrir a vontade da lei (voluntas legis) ou do
legislador (voluntas legislatoris).
29 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho de direito constitucional, 3.a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2005, n. III.1, p. 42.
40
A interpretação jurídica é diretamente influenciada pela
historicidade, ou seja, a interpretação de todo texto legal altera-se
frequentemente em virtude do momento histórico em que é realizada.
A atividade interpretativa é sempre histórica, porque o texto
somente é abordável a partir da historicidade do intérprete.
Portanto, o jurista não se torna um ser histórico apenas quando
se desdobra sobre o produto da cultura no estudo da disciplina
‘história’, mas, mesmo quando efetua uma interpretação no
nível de um campo, como é o do direito, ali também operam
com ele os efeitos da história.30
A interpretação do direito está diretamente condicionada pelo
momento histórico. Ilustrativo nesse sentido é a jurisprudência da Suprema
Corte Norte Americana que alterou profundamente seu entendimento sobre o
princípio da igualdade sem que tenha havido nenhuma modificação no texto
constitucional.
Veja por exemplo no caso Plessy vs. Ferguson, momento em
que a Suprema Corte havia admitido a raça como fator de discrímen em
benefícios dos brancos durante o transporte ferroviário, tal voto consolidou a
equivocada premissa (separados, mas iguais). Ou seja, a Suprema Corte
admitiu como razoável a segregação racial em locais públicos. O
entendimento da Suprema Corte Norte Americana modificou-se totalmente,
posteriormente, no julgamento do caso Brown vs. Board of Education, que
revogou a possibilidade de discrímen racial, declarando inconstitucional o
“regime Jim Crow” que eram leis estaduais e locais decretadas nos estados
sulistas e limítrofes nos Estados Unidos, em vigor entre 1876 e 1965 que
discriminavam afro-americanos, asiáticos e outros grupos minoritários.
30 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 1.5.2, p. 66.
41
Com isso não se pode mais falar em interpretação jurídica
destinada a revelar suposta vontade da lei ou do legislador. A interpretação
consiste em atividade “concretizadora” que se influencia, diretamente, pela
realidade e pelos momentos históricos.
1.3.1.3 A superação da sentença como ato silogístico
Com um novo conceito de norma, já não mais se confundindo
com seu texto, da mesma forma, somente será possível instrumentalizá-lo a
partir de um conceito pós-positivista de sentença (decisão judicial). Perante o
paradigma pós-positivista, a sentença deixa de ser ato silogístico em que se
aplica mecanicamente uma premissa maior (lei) para a solução do caso
(premissa menor).31
Segundo Georges Abboud, um dos principais equívocos que o
conceito de sentença como silogismo proporciona é a confusão entre texto
normativo e norma, porque ao se considerar a sentença como silogismo, o
enunciado legislativo e a norma se confundem, uma vez que a sentença
passa a ser ato meramente declarativo, e não criador do direito.
Nesse novo modelo, a sentença não pode mais ser concedida
como silogismo em que se formula a norma por meio de um método lógico-
formal. A sentença na qual é produzida a norma para solucionar o caso
concreto (real ou fictício) ocorre de maneira estruturante, afinal, não existe
um descobrir a norma (como se ela correspondesse à vontade da lei ou do
intérprete) o que de fato existe é um produzir/atribuir sentido à norma diante
da problematização de um caso concreto.
31 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 1.5.2, p. 66. O conceito de silogismo pode ser assim resumido: “Um silogismo (ou melhor, um silogismo categórico) é a inferência de uma proposição a partir de duas premissas. Por exemplo: todo os cavalos têm cauda; todas as coisas que têm cauda são quadrupedes; logo, todos os cavalos são quadrúpedes. Cada premissa tem um termo em comum com a conclusão e um termo em comum com a outra premissa”. BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, verbete silogismo, p.360.
42
O silogismo é na realidade uma ingenuidade do intérprete na
presente quadra. Isso porque, o silogismo judicial cria uma atitude
reconfortante para o intérprete, que passa a se iludir ao crer que a lei, ou a
súmula vinculante, traz consigo a norma já pronta para a solução dos casos
futuros, restando ao juiz a simples tarefa de acoplar o fato ao texto
normativo.32 A concepção subsuntiva é produto da concepção do positivismo
mecanicista no qual o juiz é mero autômato na aplicação do direito, algo irreal
e inconcebível diante do paradigma pós-positivista.
Infelizmente, o Judiciário caminha no sentido contrário aos mais
avançados estudos do pós-positivismo, atuando muitas vezes, data venia,
como um balcão de contabilidade na solução dos conflitos, dando pouca ou
nenhuma importância ao caso em si, mas sim por meio de uma simples
pseudo solução matemática (no sentido de produtividade da atividade
jurisdicional) aplica o texto friamente ao caso concreto, o que muitas vezes
faz com que não se atinja a real ideia de justiça.
Assim, a sentença judicial perante o paradigma pós-positivista
não pode mais ser vislumbrada como ato meramente silogístico, pelo
contrário, ela é o modelo fundamental na qual se fundem a compreensão da
norma e sua relevância aplicativa. Assim, a norma é fruto do conhecimento
vivo proveniente da atividade interpretativa criadora do jurista. Diante da
hermenêutica filosófica, a interpretação e a ciência jurídica são algo mais que
a utilização de um método seguro e pré-definido, do mesmo modo que a
aplicação do direito é sempre algo mais que a simples subsunção de um
enunciado legislativo ao caso concreto.
Não é demais destacar, que a segurança jurídica não comporta
nos dias atuais a simples ideia de que o que está no texto frio da lei é capaz
de orientar a sociedade, pois a sociedade avança a passos largos em relação
à própria lei, o que torna de extrema necessidade a avaliação da questão
posta inserida no campo dos fatos historicamente avaliados.
32 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 1.6, p. 71.
43
1.4 A Jurisprudência dos valores e a Interpretação Constitucional
A experiência reflexiva apresentada traz o norte de nossa
investigação. Cabe, então, uma exposição mais detalhada da conhecida
Jurisprudência dos valores (Wertungsjurisprudenz) e o compromisso com a
compreensão adequada de como no pós-guerra uma nova forma de se
pensar o direito surge.
A jurisprudência dos valores representa mais uma continuidade
do que uma verdadeira ruptura com o método da Jurisprudência dos
interesses. Enquanto a Jurisprudência dos interesses possui um acentuado
corte sociológico (da identificação dos interesses em conflito que levaram o
legislador a editar a norma), a Jurisprudência dos valores é revestida de uma
temática filosófica que tem como intenção o auxílio do julgador a identificar os
valores que subjazem ao direito naquele dado conflito levado à sua
apreciação.
Se a Jurisprudência dos interesses tinha empreendido a crítica aos procedimentos abstrato-classificatórios e lógico-subsuntivos da Jurisprudência dos conceitos mediante o recurso a modos de pensamento ‘teleológicos’ a Jurisprudência da valoração, em vez de pensamento ‘teleológico’, prefere falar de pensamento ‘orientado a valores.33
A segunda diferença está no lugar privilegiado para o ponto
chave da discussão. Na Jurisprudência dos interesses – nos termos
propostos por Philipp Heck – as atenções estão voltadas para a atividade do
legislador. A tarefa do intérprete, aqui, é reconstruir os argumentos e
ponderar os interesses que levaram à edição do diploma legislativo. Já no
caso da Jurisprudência dos valores, o pólo da discussão é deslocado para a
atividade jurisdicional e o principal problema a ser enfrentado é a
fundamentação da decisão final. Aqui a preocupação é orientar a decisão dos
juízes segundo os valores que constituem os fundamentos do convívio social.
33 LAMEGO, José. Hermenêutica e Jurisprudência. Lisboa: Fragmentos, 1990., cit., p. 87.
44
Trata-se de uma época retratada por autores como Larenz
denominado como da “perda das certezas jurídicas”34.
Isso tudo em razão de uma questão histórica. O final da
Segunda Guerra Mundial representa um marco para composição de uma
nova ordem social, política e jurídica. Em termos sociais, os anos que se
seguiram a 1945 vivenciaram as agruras do período da reconstrução da
Europa e, a partir da década de 1950, desenvolveram condições de vida e
igualdade sem paralelo na história, a chamada “era de ouro do capitalismo”.
Em termos políticos, a queda do nazismo e do facismo –
enquanto inimigos comuns – abriu espaço para a polarização do mundo entre
as duas grandes ideologias: o capitalismo e o socialismo. É o tempo da
chamada “guerra fria”. Juridicamente, a principal mudança operada pelo fim
do período bélico é, certamente, o novo papel desempenhado pelas
Constituições e um remapeamento global do direito público em face da força
normativa dos direitos fundamentais. Todavia, um elemento que permanece
pouco explorado diz respeito ao papel que a “redescoberta cultural dos
Estados Unidos”35 desempenhou nessa reconfiguração do jurídico.
Na última década, começaram a surgir estudos – muitos deles
oriundos da ciência política – que dão conta da expansão do judge made law
no continente Europeu e, mais recentemente, pelos países periféricos.
As transformações operadas pelo constitucionalismo do
segundo pós-guerra e o papel efetivo desempenhado pelo Tribunal
Constitucional Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht) para efetividade
da Lei Fundamental de Bonn datada de 23 de maio de 1949 passam por essa
tendência, hoje global, de “expansão do poder judicial”.
34 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Coimbra: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 1; José LAMEGO. Hermenêutica e Jurisprudência. cit., passim.
35 Cf. LOSANO, Mario. Sistema e Estrutura no Direito. Martins Fontes: São Paulo, 2007, p. 245.
45
Essa é outra diferença decisiva que a Jurisprudência dos
valores guarda com relação à Jurisprudência dos interesses. No caso da
primeira, seus postulados metodológicos não se restringem ao âmbito
acadêmico, mas tem como grande experiência a atividade do Tribunal
Constitucional Federal Alemão nas primeiras décadas da segunda metade do
século XX que recepcionou muitas de suas teses.
1.4.1 Predecessores teóricos da jurisprudência dos valores
No âmbito acadêmico, autores importantes como Karl Larenz,
Josef Esser, Claus-Wilhelm Canaris, defenderam – cada um ao seu modo –
os postulados da Jurisprudência dos valores.
Karl Larenz possui em seu pensamento dois pontos bastante
identificativos.
Seu trabalho se alinha ao neohegelianismo, de onde decorrem
suas noções de estado e sistema; politicamente, é preciso observar que, em
um primeiro momento, sua obra apresenta traços marcadamente nacionais-
socialistas, tanto é que o referido autor chegou a ser um dos principais
teóricos do regime.
No pós-guerra, entretanto, sua obra se concentrou em
elementos metodológicos do direito. Sua obra influenciou diretamente os
sistemas de Walter Wilburg e Canaris.
Do ponto de vista da sua teoria produzida no segundo pós-
guerra, é ponto fundamental mencionar sua proposta de distinção entre jus e
Lex (direito e lei). Essa é uma operação tradicional entre os teóricos do direito
na Alemanha do pós-guerra.
Como bem aponta Lenio Streck:
A invocação de argumentos que permitissem ao Tribunal recorrer a critérios decisórios que se encontravam fora da
46
estrutura rígida da legalidade. A referência a valores aparece, assim, como mecanismo de abertura de uma legalidade extremamente fechada.36
Para Larenz, a decisão de uma questão judicial exige um juízo
de valoração, e ao final, todas elas exigem, porque o direito é concebido aqui
como uma ordem positiva de valores. Em outras palavras, na decisão
orientada por valores, o juiz pode ir para além daquilo enunciado pelo texto
da lei, mas sua decisão, que positivava valores, será de acordo com o
direito.37
Daí a decorrência clara do neohegelianismo. A distinção entre
jus e Lex não coloca Larenz nos trilhos de um jusnaturalismo, na verdade,
Larenz aposta em um sentido de justiça existente em cada indivíduo, a partir
de algo que ele nomeia “consciência jurídica”.
A justiça não é nem a norma fundamental do ordenamento, nem o axioma do qual deduzir outras normas, mas um ideal que o direito positivo tenta realizar, conseguindo-o apenas em parte.38
Larenz propõe um método para resolver o problema das
lacunas, apresentando três casos com instrumentos para preenchê-las. No
primeiro, a lacuna é “patente” e pode ser colmatada por analogia; no
segundo, a lacuna é “oculta” e deve ser integrada por meio de uma redução
teleológica; no terceiro, que é uma extensão do segundo, a lacuna pode ser
coberta por meio de uma extensão teleológica.
Nos dois últimos casos, o intérprete não deve ficar restrito ao
texto da lei, mas, sem desconsiderá-lo, ele deve aperfeiçoá-lo de modo que
atinja a finalidade nele contida e amparada pelo direito. Se esse
36 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. cit., p. 48.
37 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. cit., n. 2, p. 172 e segs.
38 LOSANO, Mario. Sistema e Estrutura no Direito. n. 4, p., 255.
47
aperfeiçoamento implica restrição do conteúdo, têm-se uma redução
teleológica; se implica extensão de conteúdos, têm-se uma extensão
teleológica.39
Todavia, Larenz cerca essa atividade de cautelas colocando-a
na esteira de uma Rechtsfortbildung (que pode ser traduzida,
imperfeitamente, como “formação do Direito”), entendida como uma atividade
extra legem intra jus.
Outro ponto importante da proposta teórica de Larenz é a
aposta na chamada “ponderação de bens” como forma de solução de
lacunas do direito em virtude da “colisão de normas”. Ponderação de bens,
interesses, valores ou, como se passou a falar a partir de Robert Alexy,
fórmula da ponderação, são expressões que se constituem e se consolidam a
partir da Jurisprudência dos Interesses e da Abwägung (ponderação) de que
falava Philipp Heck. Em Larenz, e nos demais partidários da Jurisprudência
dos valores que tratam do problema da ponderação, essa questão diz
respeito a uma ponderação da colisão normativa no caso orientada por uma
pauta valorativa.40
Outro autor importante desta escola foi Josef Esser, com
certeza, um dos juristas mais importantes da teoria do direito alemão do
segundo pós-guerra.
Embora vinculado à Jurisprudência dos valores, sua obra é bem
diferente de outros autores da escola como Larenz e Canaris.
O ponto em comum com esses autores aparece na
preocupação com a questão das lacunas – ou da indeterminação do direito –
e o problema da chamada criação judicial do direito.
39 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. cit., Parte V, letra “c”, pp. 555 e segs.
40 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. cit., Parte V, n3, pp. 574 e segs.
48
Ressaltamos que o problema da criação judicial do direito se
apresenta como objeto de análise dos juristas desde o movimento do direito
livre e de sua vertente “moderada” que é a Jurisprudência dos interesses. A
diferença é que, no caso da Jurisprudência dos valores, esse momento da
“criação judicial do direito” deve ser guiado por determinados requisitos
objetivos que são os valores culturais de uma sociedade. O modo de tornar
“objetivo” o conhecimento desses valores é que varia de autor para autor. Em
Larenz, como vimos, há uma ênfase na “consciência jurídica” dos indivíduos;
Esser, por sua vez, procura estabelecer esses valores a partir da própria
sociedade e de seu contexto de vivências.
Em seus trabalhos, Esser procura desenvolver uma espécie de
“Jurisprudência comparativa”, colocando lado a lado as experiências
interpretativas que se manifestam em países do common law e aqueles que
se operam em países de civil law.
No livro Princípio e norma na elaboração judicial do direito
privado, Esser pratica esse tipo de metodologia procurando desenvolver – a
partir da distinção anglo-saxã entre principle e rule – uma distinção entre
princípio e norma.
Assim, o autor se aproxima de uma abordagem que confere
ênfase à figura do juiz procurando, todavia, explorar meios de contenção
dessa mesma atividade. Numa passagem extremamente percuciente, Mario
Losano afirma o seguinte sobre a obra de Esser:
Visto que Esser se move num ambiente de direito continental,
a ligação entre o mundo dos princípios e as normas do
ordenamento jurídico deve, de qualquer maneira, passar
através de um elemento legislativo, que para Esser é
constituído pelas cláusulas gerais.41
41 Mario LOSANO. Sistema e estrutura no Direito. cit., n. VI.5., p. 260.
49
Sua importância também ganha destaque na preocupação em
apontar para a insuficiência de um pensamento jurídico autossuficiente, para
a necessidade de se constituir um saber jurídico a partir de um diálogo com a
filosofia, a sociologia e demais ciências sociais. Além disso, seu inegável tino
comparativista abrira o estudo do direito para um diálogo produtivo entre as
tradições que compõem o direito ocidental.
1.4.2 A Jurisprudência dos Valores e a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal Alemão
No Pós-guerra produziu-se uma série de debates reconduzindo
a Constituição e o Direito Constitucional a um lugar realmente novo no âmbito
da experiência jurídica vivenciada pela Europa continental.
Dentre as mais variadas concepções, nunca é demais lembrar
as ideias de força normativa da constituição42 e de aplicabilidade imediata
dos direitos fundamentais que, nesta quadra da história, condicionam
efetivamente o legislador infraconstitucional.
O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em diversas
oportunidades43 firmou a concepção de que a Lei Fundamental se assenta
em uma ordem plural de valores guarnecidos pelos princípios constitucionais.
Tais valores, por serem plurais, no mais das vezes, encontram-se em rota de
colisão. Isto é, as circunstâncias concretas sob as quais se assenta o caso a
ser decidido podem fazer com que dois valores, igualmente amparados por
42 Cf. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Safe, 1991, passim.
43 Como referência, podemos citar: BverfGE 7, 198; BverfGE 7, 377; BverfGE 35, 202; BverfGE 41, 251. Importante referir que todos os casos aqui citados são amplamente discutidos em livros já traduzidos para o português. Eles podem ser facilmente encontrados em LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. cit., Parte V, n. 3, p. 576-579; ou em ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, passim.
50
princípios constitucionais, estejam agindo como forças opostas para solução
do caso. Assim, é necessário que haja um procedimento para apurar qual
deles possui mais força para reger a relação estabelecida naquele dado
caso. Esse procedimento é a chamada ponderação que o tribunal afere
segundo critérios de proporcionalidade.
Esse tipo de solução acabou se espalhando por todos os ramos
do direito na medida em que, esse novo fenômeno constitucional provocou
algo que é chamado por diversos autores de constitucionalização do direito.44
O fenômeno nada mais quer significar do que a invasão das
disposições constitucionais – mormente aquelas guarnecedoras de direitos
fundamentais – em todos os ramos do direito, inclusive no âmbito do direito
privado (do trabalho) que, classicamente, se colocava como um “feudo”
inviolável. Assim, é interessante citar o caso que constitui o motivo de ligação
ou condutor (Leitmotiv) do julgamento BfverGE 7 377.
Nesse caso, o tribunal teve de decidir se um determinado
dispositivo de uma lei de um Estado que limitava a abertura de farmácias a
partir da instituição de certos requisitos estava de acordo com o princípio da
liberdade profissional guarnecido pela Lei Fundamental. Nesse caso, o
tribunal ponderou sobre a importância do direito fundamental à liberdade de
profissão e o bem comunitário do direito à saúde pública. No caso em
específico, o tribunal entendeu inconstitucional a lei do Estado por ferir “em
grau muito elevado” a liberdade profissional estatuída (como valor) pela Lei
Fundamental.
Essa atividade de constante intervenção do tribunal, nas mais
variadas questões apresentadas pela sociedade, provocou grande reação por
parte da comunidade intelectual alemã. Autores da estatura de um Jürgen
44 Nesse sentido, JESTAEDT, Mathias. El positivismo jurídico aplicado al Tribunal Constitucional Alemán. El poder del guardián y la impotencia del señor de la Constitución. In La ponderación en el Derecho. Eduardo MONTEALEGRE (org.). Bogotá: Universidade Externado, 2008, pp. 255 e segs..
51
Habermas passaram a criticar duramente a jurisprudência do tribunal
classificando-a como ativista, nos termos das discussões que têm lugar nos
Estados Unidos.
Já no caso de autores como Robert Alexy, a postura que se
apresenta é mais de legitimação teórica da atividade do tribunal, do que
propriamente de crítica. Alexy aprova, em alguma medida, a Jurisprudência
da valoração praticada pelo tribunal. Todavia, reconhece que, em alguns
momentos, o apelo a valores pode levar a certo irracionalismo decisório, na
medida em que não existem critérios objetivos para determinar qual dos
valores em conflito deve prevalecer. Assim, em sua obra, Alexy opõe um
modelo decisionista 45 a um modelo fundamentado de sopesamento. O
modelo decisionista representa as decisões “irracionais”. O fundamentado,
por sua vez, tem lugar no momento em que a lei da ponderação é aplicada às
decisões do tribunal.46
De modo mais recente, Mathias Jastaedt afirma que a
jurisprudência do Tribunal Constitucional, na perspectiva de concretizar a
constituição, acabou criando um aglomerado de decisões que são
constantemente referidas para oferecer soluções para os novos casos
apresentados ao tribunal.
Ao invés de se remeter ao texto da Constituição, o tribunal
fundamenta suas decisões na própria jurisprudência. Em determinados casos
limítrofes, que têm lugar no âmbito da chamada “mutação constitucional”, o
tribunal acaba por realizar uma alteração no texto da Constituição de modo a,
na interpretação oferecida pelo citado autor, tomar o papel do legislador
constitucional. Assim, o autor fala de um poder cada vez maior do “guardião
45 O modelo decisionista é usualmente conhecido por ter sido apresentado pelo teórico alemão Carl Schmitt que, dentre outras propostas, defende que quem decide no estado de exceção é o soberano.
46 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, n. 2.2.2.1., pp. 164 e segs.
52
da Constituição” em detrimento do poder de revisão da Constituição, que é
do legislador constitucional.47
Aqui, em certa medida, convém destacar que não temos no
nosso País uma Corte Constitucional nos moldes apropriados para os quais
foi concebida, como observamos em outros países, visto que no Brasil, nosso
Supremo Tribunal Federal é parte da estrutura do Poder Judiciário, enquanto
deveria estar em patamar supra, exatamente para resguardar e velar pelos
valores da Constituição.
Daí e talvez por essa razão, de se observar a constante
confusão entre a função de guardião dos valores constitucionais com a
suposta invasão do Poder Legislativo, como ofensa à soberania e ao
equilíbrio entre os Poderes do Estado.
Por certo que decisões “ativistas” ou que ultrapassem os limites
estabelecidos juridicamente na Constituição devem ser sempre objeto de
críticas e proibidas.
Uma teoria da decisão, como será apresentada nos itens
seguintes, tem como missão criar as condições para o controle jurídico das
decisões judiciais, condenando qualquer tipo de decisionismo político por
parte dos tribunais. Todavia, não se deve confundir esse tipo de postura –
que defende uma autonomia para o jurídico no momento da construção das
soluções apresentadas aos casos concretos – com uma vetusta proibição de
interpretar. A tarefa de concretização exige, sim, um exercício interpretativo.
Mas essa interpretação sofre limites e essa é a grande questão a ser
abordada. Definitivamente, o fato de ser inexorável interpretar para se fazer
direito não pode autorizar decisões arbitrárias por parte do intérprete. Toda
essa problemática reivindica uma revisão e uma nova postura com relação ao
47 Cf. JESTAEDT, Mathias. El positivismo jurídico aplicado al Tribunal Constitucional Alemán. El poder del guardián y la impotencia del señor de la Constitución. In La ponderación en el Derecho. Eduardo MONTEALEGRE (org.). Bogotá: Universidade Externado, 2008, pp. 255 e segs..
53
dever constitucional de fundamentação das decisões proferidas pelo
judiciário (art. 93, IX da CF/1988).
1.4.3 A Jurisprudência dos Valores e a Crítica Brasileira
É muito interessante notar como no Brasil, o final do regime
militar e o processo de redemocratização que culminou com a promulgação
da Constituição de 1988 trouxe à tona todo o debate sobre Direito
Constitucional que esteve presente no campo jurídico europeu na segunda
metade do século XX.
Como assevera Gomes Canotilho, no interior da doutrina
brasileira, o Direito Constitucional, realmente, passou de disciplina acessória
para disciplina estruturante.
O problema é que em muitos casos, com toda essa nova onda
vinda da Europa, muitas vezes se trata o estudo de forma equivocada e com
sincretismos e arranjos que contribuem para prejudicar um estudo sério sobre
o tema.
Esse problema vem sendo fortemente denunciado por Lenio
Streck 48 . Segundo o estudioso autor, a doutrina brasileira operou três
recepções equivocadas: a) dos postulados da Jurisprudência dos Valores; b)
da Ponderação Alexyana; c) do ativismo judicial norte-americano.
O ponto fulcral que interessa a esta tese é a questão que diz
respeito aos equívocos presentes na recepção dos postulados da
Jurisprudência dos Valores.
48 Cf. a 4ª Edição de STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. cit., Introdução, n. 4, pp. 47 e segs.
54
No Brasil tem sido comum o discurso sobre a chamada
constitucionalização do direito em referência ao espalhamento das
disposições constitucionais para todos os demais ramos do direito. É comum
a referência ao fato de que o direito (infraconstitucional) não pode ficar imune
aos “valores” introduzidos pela nova ordem constitucional.49 Valores esses
que são conduzidos para dentro do sistema jurídico pela via dos princípios
constitucionais que devem ser aplicados segundo as regras da ponderação.
Ainda nos valendo dos ensinamentos de Streck, as teses da
Jurisprudência dos valores serviram, na realidade alemã, para oferecer um
método que possibilitasse a abertura de uma estrutura de legalidade
extremamente fechada e rígida. As concepções de sistema predominante,
inclusive, também apontavam para um fechamento rigoroso do direito e para
uma restrição forte da criação da atividade judicial. Isso começou a se alterar
a partir das denúncias do movimento do direito livre e das criticas a “falácia
conceitual”, efetuada pela jurisprudência dos interesses.
Ocorre que, os fatores históricos levaram a uma dificuldade de
implementação dessas teses que só chegaram a ser efetivamente ventiladas
no âmbito judicial com o final da Segunda Guerra Mundial.
A jurisprudência dos valores, nesse sentido, pode ser vista
como um aperfeiçoamento das teses da jurisprudência dos interesses. Sua
contribuição é conduzir a solução da “criação judicial do direito” nos casos de
lacunas pelos valores que sustentam todo o discurso sobre o direito.
Esse ponto é que parece não ter sido bem compreendido por
parte da doutrina brasileira. Como afirma Streck:
49 Por todos, Cf. BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In Virgílio Afonso da SILVA (org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
55
Os juristas brasileiros não atentaram para as distintas realidades (Brasil e Alemanha). No caso específico do Brasil, onde, historicamente, até mesmo a legalidade burguesa tem sido difícil de ‘emplacar’, a grande luta tem sido estabelecer um espaço democrático de edificação da legalidade, plasmado no texto constitucional.50
Do mesmo modo, no direito privado há uma acentuada
incidência das teses presentes na jurisprudência dos valores. Isso acontece,
no mais das vezes, na senda aberta pelas chamadas “cláusulas gerais” que,
nem sempre são articuladas de forma adequada pela doutrina brasileira,
deixando excessiva margem de discricionariedade para o julgador no
momento da decisão de um caso que esteja coberto por uma dessas
regras.51
Em suma, há que se ter presente que a Jurisprudência dos
valores produziu um tipo de discurso metodológico que, ainda hoje, faz parte
de nossa doutrina e jurisprudência. As críticas que são feitas aos partidários
da valoração passam pelo excesso de subjetivismo que existe na ideia de
valores (que estão a depender do sujeito que os conhece e os articula)
chegando às acusações de irracionalidade a que o procedimento da
ponderação submete o direito.52
50 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. cit., Introdução, n. 4, pp. 48 e segs.
51 Por todos, Cf. COSTA, Judith Martins. As Cláusulas Gerais como Fatores de Mobilidade do Sistema Jurídico. In Revista dos Tribunais, vol. 680, p. 47, Jun/1992; COSTA, Judith Martins. O Direito privado como um “sistema em construção” – As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. in Revista dos Tribunais, vol. 753, p. 24, Jul/1998
52 Nesse sentido são as críticas de Friedrich Müller: “Tal procedimento (a ponderação) não satisfaz as exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfatíveis, a uma formação da decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional. O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturante da análise do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com representações necessariamente
56
Com essas críticas todas, o caminho que devemos seguir agora
é o da definição do conceito de direito atual e sua realidade enquanto regras
e princípios.
1.5 O Conceito de Direito entre Regras e Princípios. Entre Robert Alexy
e Ronald Dworkin
Distinguir estruturalmente53 regras de princípios representa uma
operação de classificação normativa que se movimenta num nível puramente
semântico (em abstrato), que não problematiza, radicalmente, a questão da
interpretação num nível pragmático-existencial (interpretativa). Isso
certamente é o que se espera tenha sido absorvido pela análise empreendida
até aqui.
Tal situação, nos leva a necessidade de avaliar algumas
posturas, como a de Robert Alexy, uma vez que esse continua preso a um
normativismo idealista ao afirmar o conceito de norma como o principal
conceito da ciência do direito e fazer derivar dele o caráter deôntico dos
princípios.
formais de ponderação, que conseqüentemente insinuam no fundo uma reserva de juízo (Urteilsvirbehalt) em todas as normas constitucionais, do que com categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a insinuações ideológicas”. MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho de Direito Constitucional. cit., p. 36.
53 Ao estabelecer uma distinção estrutural entre regra e princípio, Alexy permanece na superficialidade ôntica e acaba caindo em uma certa ingenuidade ontológica. Podemos falar, mais especificamente, em uma inadequação ontológica da teoria alexyana, que leva ao equívoco de se introduzir essa distinção estrutural entre regras e princípios. Como bem assevera Streck, Alexy ignora a dupla estrutura da linguagem, e com isso permanece numa dimensão de suficiências ônticas. Por isso, em sua distinção entre regras e princípios, os princípios são apresentados como “reservas” argumentativas no caso da falência do sistema de regras. Em outras palavras, com sua teoria da argumentação, “Alexy substitui o standard I (compreensão) pela racionalidade procedimental-argumentativa, de índole axiomático-dedutiva”. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. cit., p. 139.
57
Não é exagero afirmar que o conceito semântico de norma com
o qual Alexy opera torna o princípio uma derivação artificial e, ao mesmo
tempo, confere-lhe uma força talvez maior do que eles mesmos podem
suportar ao afirmá-los como mandados de otimização, o que estabelece um
poder (ou competência no seu sentido kelseniano) demasiadamente
exagerado à figura do juiz.
Neste ponto é que o elemento discricional se afigura mais
evidente no conceito de princípio de Alexy.
O ponto decisivo para a sua distinção entre regras e princípios
reside no fato de que os princípios são, como já vimos, mandados de
otimização, enquanto que as regras têm caráter de mandados de definição54.
Como mandados de otimização, os princípios ordenam que algo
seja realizado na maior medida possível, desde que respeitadas às
possibilidades e os limites fáticos e jurídicos. Nessa medida, a ordenação
principiológica pode ser satisfeita em diferentes graus, o que depende não só
de suas possibilidades fáticas, mas também jurídicas.
As limitações jurídicas são derivadas do fato de existirem não
apenas regras, mas também princípios opostos que estão em constante
pressão uns contra os outros. Esse caráter oposicional dos princípios implica
na suscetibilidade (e até mesmo na necessidade, segundo Alexy) da
ponderação.
A ponderação, portanto, é a forma de aplicação dos princípios55.
Por outro lado, as regras são normas que sempre são
satisfeitas ou não são. Não há possibilidade de satisfazer a ordem emanada
das regras em diferentes graus, como acontece com os princípios, mas sua
54 Cf. ALEXY, Robert. El concepto y la validad del derecho. op., cit., p. 162.
55 Cf. ALEXY, Robert. El concepto y la validad del derecho. op., cit., p. 162.
58
aplicação é uma questão de tudo-ou-nada. Assim, Alexy determina a
subsunção como a forma característica de aplicação do direito que as regras
realizam.
É perceptível que a teoria da norma de Alexy sustenta-se
precipuamente na distinção entre regra e princípio. Por sua vez, somente é
possível distinguir regra de princípio, porque este deve ser aplicado pela
ponderação, algo que não é possível para as regras. Outrossim, a exclusão
de uma regra na aplicação de um caso acarreta sua não aplicação para todos
os futuros casos. Já a não aplicação de um princípio, não implica seu
afastamento em um caso futuro cujas circunstâncias fáticas sejam diferentes
daquele caso que ensejaram sua não aplicação.
A diferenciação estrutural entre regra e princípio é fundamental
para a coerência e a compreensão da obra de Alexy, desse modo, nos
parecem incompreensíveis às teorizações de natureza alexyana que almejam
a ponderação das próprias regras.56
A primeira vista, é similar a distinção oferecida por Alexy,
daquela apresentada por Dworkin, entretanto olhadas de modo mais acurado
as posições parecem assumir significados muito distantes entre si57:
a) tanto Dworkin quanto Alexy pretendem apresentar uma
diferença qualitativa (e não simplesmente quantitativa – de grau ou
generalidade) entre regras e princípios;
b) O tudo-ou-nada que Dworkin apresenta como característica
para as regras é expressamente assumido por Alexy e se aproxima, em
grande medida, daquilo que este autor denomina “mandado de definição”;
56 No sentido que discordamos ver: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdictional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
57 Cf. ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à teoria e filosofia do direito. São Paulo: RT, 2013, cap. X.
59
c) Dworkin se refere a uma dimensão de peso e de importância
presente em seu conceito de princípio e que impediria, ao contrário das
regras, a exclusão de um em favor da aplicação de outro, como fatalmente
acontece com as regras. Essa dimensão de peso – também expressamente
referenciada por Alexy – seria o ponto por onde o argumento da ponderação
seria introduzido no conceito de princípio de Dworkin.
Tais considerações, todavia, não parecem estar corretas.
Isto porque:
a) Alexy e Dworkin operam com diferentes conceitos de norma
e o caráter deôntico dos princípios é dado de maneira distinta em cada um
deles. Para Alexy, o princípio tem caráter deôntico porque, como mandado,
participa, ao lado das regras, do gênero norma. Para Dworkin, a
normatividade do direito se manifesta concretamente na própria prática
interpretativa e não em um sistema lógico previamente delimitado, sendo,
portanto, o conceito de norma remetido a um nível pragmático – e não
meramente semântico como quer Alexy. Desse modo, não há na obra de
Dworkin conceito prévio e abstrato de norma jurídica. Os princípios são
normativos em Dworkin porque acontecem, interpretativamente, no interior
desta atividade interpretativa que é o direito;
b) É, no mínimo, apressada a aproximação que se faz entre o
tudo-ou-nada de Dworkin, e a subsunção como forma de aplicação do direito
preservada por Alexy. Subsunção pressupõe silogismo que, por sua vez,
repristina a velha cisão entre questão de fato e questão de direito que
definitivamente não está em jogo quando se fala de tudo-ou-nada. Ademais,
a referência Dworkiana a essa característica da regra refere-se muito mais ao
modo como se dá a justificação argumentativa de uma regra, do que
propriamente ao seu modelo de aplicação. Ou seja, quando se argumenta
com uma regra ela é ou não é, logo, sua “aplicação” não depende de um
esforço argumentativo que vá além dela própria. Já num argumento de
princípio, é necessário que se mostre como sua “aplicação” mantém uma
60
coerência com o contexto global dos princípios que constituem uma
comunidade política;
c) isso implica, diretamente, a dimensão de peso ou importância
à que Dworkin faz referência no seu conceito de princípio. É possível dizer
que Dworkin combina peso e importância porque, ao contrário das regras,
nenhum princípio deixa de ter importância e pode ser excluído da
fundamentação de uma decisão. Assim, a dimensão de peso determina que
um argumento de princípio sempre se movimente de forma coerente em
relação ao contexto de todos os princípios da comunidade política. Desse
modo, a justificação do fundamento da decisão só estará correta, na medida
em que respeite a um todo coerente de princípios num contexto de
integridade. Isso implica: os princípios têm, desde sempre, um caráter
transcendental, porque, diferentemente das regras, nos remetem para uma
totalidade na qual, desde sempre, já estamos inseridos: nosso contexto de
mundo, de vivências primárias que constituem a significação do mundo. Por
isso, ponderação e dimensão de peso não são equivalentes.
Para Dworkin, não há uma cisão radical entre regras e
princípios que estão, de modo permanente, implicados na prática
interpretativa que é o direito. Há uma diferença entre regra e princípio porque,
quando nos ocupamos das controvérsias jurídicas e procuramos argumentar
para resolvê-las, somos levados a nos comportar de modo distinto quando
argumentamos com regras e quando argumentamos com princípios. Há um
elemento transcendente nos princípios, porque, quando argumentamos com
eles, sempre ultrapassamos a pura objetividade em direção a um todo
contextual coerentemente (re) construído, que, todavia, sempre se dá como
pressuposto em todo processo interpretativo. Algo que permanece oculto
pela objetividade aparente das regras. Tanto é assim que o próprio
positivismo de Hart, levado por essa objetividade das regras, construiu uma
imagem do direito não conseguindo descrevê-lo colado na própria faticidade.
Isso, de certa maneira, permance na classificação (semântica) proposta por
Alexy em seu conceito de norma. A partir dele somos surpreendidos por uma
artificialidade que efetua uma cisão radical entre regras e princípios
61
oferecendo, inclusive, diferentes procedimentos para a “aplicação” de cada
uma destas espécies normativas.
d) O equívoco em se equiparar Alexy com Dworkin repercute na
própria relação entre princípio jurídico e sistema. Isso porque esses dois
pensadores ao apresentarem diferentes conceitos para princípios,
consequentemente, conferem-lhes distintas funções. Para Alexy, os
princípios jurídicos possibilitam abertura no sistema jurídico, admitindo para
os casos difíceis, certa margem de discricionariedade, ou seja, por via da
ponderação duas ou mais soluções jurídicas devem ser consideradas
legitimamente válidas perante o sistema. Em contrapartida, Dworkin elabora
a questão dos princípios sempre tendo em vista a integridade do
ordenamento, sua utilização não é conflitiva (daí a impossibilidade de se
utilizar a ponderação), os princípios conferem coerência e integridade ao
sistema jurídico, conduzindo a interpretação para aquilo que o jusfilósofo
nomeia de única resposta correta. Assim, em Dworkin, mesmo perante casos
difíceis, não se pode admitir como válidas mais de uma única decisão para o
caso judicial.
A questão central do problema envolvendo a distinção entre
regras e princípios passa necessariamente, pela problematização e
determinação do conceito de princípio, e não simplesmente por uma
discussão estrutural de como deve se dar esta classificação que se ocupa em
distinguir duas espécies normativas.
Entre nós, na dogmática brasileira, o debate parece se
encaminhar na direção oposta, dando-se ênfase ao problema de distinção
classificatória-estrutural entre regras e princípios e deixando sem uma
problematização adequada o próprio conceito de princípio e suas relações
com o conceito de norma jurídica. Autores como Virgílio Afonso da Silva e
Humberto Ávila, com relevante contribuição, são importantes para se
62
entender os mitos e os equívocos acerca da distinção entre princípios e
regras tendo como marco a teoria de Alexy58.
Virgílio Afonso da Silva denuncia os diversos “sincretismos
metodológicos” que se escondem por trás das classificações que vários
autores brasileiros realizam entre regras e princípios. O ponto principal
apontado por Virgílio, e que caracterizaria esse sincretismo, é a utilização
indiscriminada da teoria estruturante de Friedrich Müller e a teoria dos
princípios de Robert Alexy. Muitos autores, inclusive Humberto Ávila,
justapõem as teses destes dois teóricos que, definitivamente, são exclusivas
e não inclusivas.
Certamente, pelo que observamos, é muito difícil tentar
compatibilizar as teorias de Alexy e Müller uma vez que este último é um
ferrenho crítico da ponderação, instrumento metodológico utilizado por Alexy
para solucionar os problemas que em sua teoria derivam da colisão de
princípios. Müller também crítica o conceito semântico de norma proposto por
Alexy. Quanto a isso, estamos de acordo com o Ilustre jurista Virgílio Afonso
da Silva.
Todavia, a crítica ao “sincretismo” desenvolvido por Virgílio, com
o devido respeito, volta-se contra ele mesmo. Com efeito, o autor – como boa
parte da doutrina brasileira – aceita uma espécie de “compatibilização” entre
as posições de Alexy e Dworkin no que atina ao conceito de princípio destes
dois autores. Em nenhum momento, contudo, chegam a ser esclarecidas as
diferenças paradigmáticas que marcam as teorias de Alexy e Dworkin e a
própria distinção entre regras e princípios efetuada por cada um deles, tal
como expusemos acima.
Desse modo, o próprio Virgílio recai em uma espécie de
sincretismo, pois não coloca como problema aquilo que, em cada um dos
58 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos acerca de uma distinção. In: Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del rey, N. I jan./jun. 2003, pp. 607-630.
63
autores, determina a formação do conceito, mas somente a
distinção/classificação dos princípios em relação às regras. Sendo assim,
todo processo de formação do conceito de princípio permanece escondido
nas entrelinhas da argumentação, terminando por velar a radical diferença
que existe entre Alexy e Dworkin.
Mister ressaltar que esta não é uma peculiaridade da avaliação
realizada no trabalho do Ilustre professor Virgílio. Também Humberto Ávila59,
com sua crítica à distinção alexyana e a (re) formulação que propõe a esta
classificação, de onde vem a ideia de princípios como postulados normativos
que comportam uma dimensão finalística a ser executada que não está
presente nas regras – não reconhece como verdadeira a questão envolvendo
aquilo que possibilita o conceito de princípio de cada um destes autores
(Alexy e Dworkin).
De todo modo, é preciso ter claro que esse problema está
intimamente ligado à relação entre prática e teoria.
Dessa noção ferramental de teoria, nasce a ideia precária,
enganosa e equivocada de que primeiro aprendemos as coisas na teoria e
depois “aplicamos” o conhecimento adquirido teoricamente na prática. Isso
representa não só uma representação abstrata da relação entre teoria e
prática, como articula uma simplificação ingênua do saber e do problema do
conhecimento: como a teoria se limita a formular os resultados dos
experimentos descobertos pela investigação da ciência, a diferença entre
teoria e prática se torna turva e estas acabam por se tornar a mesma coisa60.
59 Cf. ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre regras e princípios e a redefinição do dever de proprocionalidade. In: Revista de Direito Administrativo n. 215, jan.-mar. 1999.
60 Cf. GADAMER, Hans-George. Acotaciones Hermenéuticas. Tradução de Ana Agud e Rafael de Agapito. Madrid: Trotta, 2002, p. 19.
64
Quando nos ocupamos em tentar determinar qual a
classificação que se mostra “metodologicamente mais coerente e sólida”61,
não estamos a questionar qual formulação representa melhor os resultados
que os experimentos jurídicos em torno da normatividade e do caráter
deôntico dos princípios nos coloca à disposição? Parece-nos difícil aduzir
pela negativa destas questões. A primazia teórica das posições de Alexy e o
elemento semântico presente em sua teoria parece contaminar seus
seguidores e críticos brasileiros. É difícil responder como escapar da cilada
que o conceito semântico de norma impinge a Alexy. Afinal, os princípios
podem ter um conteúdo pré-determinado? Calcado em Alexy, Virgílio
reivindica para os princípios uma dimensão de deveres que eles carregariam
prima facie62.
Em seu texto, Virgílio chega a reconhecer o problema que os
princípios representam dentro de uma “filosofia moral”. Porém não chega a
tocar no papel que a racionalidade e o saber podem desempenhar diante
desta problemática. Nessa investigação afirmamos que os princípios são
problemas do saber ou da racionalidade prática que Aristóteles chamava de
phrónesis.
Com efeito, o tipo de saber ou racionalidade que empregamos
quando temos que julgar uma atividade humana (ação, conduta,
pensamentos, opiniões etc.) é um saber prático que precisa se decidir sobre
uma situação determinada. É também desse tipo de saber que falamos
quando problematizamos questões relativas à compreensão e à
hermenêutica.
Os princípios, portanto, situam-se em um âmbito compartilhado
de crenças e decisões que são tomadas no passado e que possibilitam a
abertura de um projeto decisional futuro, constituindo-se como fundamento
normativo das principais questões jurídicas. Isso não representa nenhum
61 Cf. SILVA, Virgílio Afonso. op., cit., p. 614.
62 Cf. SILVA, Virgílio Afonso. op., cit., p. 619.
65
conformismo ou conservadorismo. A pessoa que não é associal acolhe
sempre o outro e aceita o intercâmbio com ele e a construção de um mundo
comum de convenções63.
Esse possibilitar aberto pela dimensão prática que um princípio
comporta não autoriza discricionariedades por parte daquele que decide.
Desse modo, toda reflexão sobre o conceito de princípio e as
possibilidades de sua determinação precisam atentar para o fato de que eles
são construídos no interior de uma comunidade histórica que desde sempre é
compreendida antecipadamente na historicidade. Todo princípio possibilita
uma decisão – no sentido de abrir um espaço para que o juiz decida, de
forma correta, a demanda que lhe é apresentada – mas, ao mesmo tempo, a
comum-unidade dos princípios limita esta mesma decisão uma vez que
impõe que ela seja tomada ao modo de padrões já estabelecidos e
compreendidos historicamente.
Assim, a própria ideia de história institucional que aparece
constantemente em Dworkin e na sua teoria dos precedentes – que reverbera
de modo determinante em seu conceito de princípios, fica muito melhor
compreendida.
Nestes termos, aparece com clareza o sentido da afirmação de
Lenio Streck de que os princípios efetuam um “fechamento hermenêutico”64
no momento da decisão.
A dimensão prática e o caráter de transcendentalidade histórica
dos princípios não os fazem aparecer como cláusulas permissivas de um
projeto livre no momento da decisão judicial. Mas esse projeto – enquanto
projeto jogado – opera como uma limitação da decisão a ser tomada, visto
que, em sua fundamentação, esta deverá prestar contas ao sentido histórico-
63 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II.3 ed., São Paulo: Vozes, 2003, p. 377.
64 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. cit., n. 8.1, p. 213 et seq.
66
temporal que a comum-unidade de princípios projeta naquele caso, naquele
problema que se deve decidir.
Portanto, se não há problematicidade, se não há caso concreto
não se pode falar em princípios. No nível da práxis, não há uma distância tão
grande entre regras e princípios, como quer Alexy e seus seguidores. Os
princípios só não aparecem com a clareza objetiva das regras porque se
revestem de uma dimensão histórico-transcendental: sua “aplicação”
depende de uma justificação que vai além da mera objetividade das regras,
num plano que não é meramente empírico e textual, mas que traz consigo a
dimensão de vivências práticas e compartilhadas pela comunidade histórica.
A primazia da teoria, presente nas classificações discutidas
acima cede lugar à dimensão prática que atravessa o direito e sua inexorável
dimensão hermenêutica. Num exemplo que nos remete ao aprendizado de
uma língua estrangeira: não aprendemos primeiro a gramática – forma
teórica de manifestação da língua – para depois apreender seus usos e
aplicações concretas.
Pelo contrário, muitas vezes “aplicamos” regras gramaticais
sem saber, conscientemente, que o estamos fazendo. Elas operam conosco
de um modo subterrâneo porque nos movemos numa dimensão
compartilhada que compreendemos no modo de uma racionalidade prática,
que dispensa os procedimentos metodológicos próprios da apreensão
teórica.
Do mesmo modo, o direito não pode ser visto como uma
“gramática da convivência”.65 Desde sempre executamos regras de convívio
porque desde sempre vivemos em uma sociedade que compartilha tradições,
cultos, rituais, regras de convívio, formas de expressão etc.
65 Nesse sentido, não concordamos com Otfried Höffe que cunhou o termo gramática da convivência para se referir ao direito. HÖFFE, Otfried. A democracia no mundo de hoje, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 60.
67
Desde cedo, somos educados e partilhamos a educação com
outras pessoas de modo que, já aí, temos como pressupostos uma série de
padrões sociais que nos possibilitam dizer o que se tolera ou não; ou o que é
permitido ou não. Quando nos colocamos em posição em que pretendemos
discutir teoricamente as questões jurídicas não podemos perder de vista esta
dimensão prática na qual já estamos – existencialmente – inseridos.
Assim, quando falamos de princípios isso se torna ainda mais
evidente porque é nesta dimensão prática que eles aparecem e são
cultivados. Ninguém estuda o devido processo legal se não compreende a
dimensão histórica e as questões cotidianas na qual ele está envolvido. Sua
rigidez no âmbito do common law e o rigor na sua aplicação decorrem
certamente do contexto histórico que o cunhou e da tradição que se
sedimentou em torno de sua consagração.66
Destarte, aquilo que Alexy, Virgílio e Avila operam é uma
classificação de normas – num sentido próximo daquilo que no Brasil ficou
famoso no formato da classificação das normas constitucionais – mas não
chegam a tocar no âmbito do problema que envolve a determinação do
conceito de princípio.
O modelo abstrato/semântico do a priori de Alexy e, em última
análise, de todo positivismo jurídico de inspiração kantiana, faz com que a
segurança e certeza da argumentação jurídica se dê, pretensamente, no
âmbito de uma estrutura formal a priori que é a ponderação.
E esse processo só pode ser realizado porque se guia,
antecipadamente, por critérios de rigor e exatidão próprios das matemáticas a
partir dos quais o resultado nem é tão importante, desde que a estrutura
66 Em estudo com abundante pesquisa, Nelson Nery Junior apresenta a dimensão histórica presente na formação do princípio do devido processo legal (due process of law) e sua sedimentação no devido processo em sentido material (Substantive due process) e em sentido processual (Procesural due process). Estes contornos são decisivos para a formação do princípio e sua gradual afirmação. Cf. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, cit., cap. 1 e 2.
68
metodológica seja firme e coerente. Tudo isso no interior de um âmbito
estritamente teórico que não alcança as dimensões práticas presentes na
atitude interpretativa do direito. A diferença entre regra e princípio deve ser
pensada, portanto, na estrutura prática da interpretação do direito.
Sendo assim, não basta trabalhar com a dicotomia princípios X
regras para caracterizar como pós-positivista determinada teoria do direito.
1.6 O Caráter de Relevância dos Direitos Fundamentais no Movimento
Constitucionalista
Os denominados direitos fundamentais (Grundrechte)
constituem na atualidade o conceito que engloba os direitos humanos
universais e os direitos nacionais dos cidadãos. As duas classes de direitos
são, ainda que com intensidades diferentes, partes integrantes necessárias
da cultura jurídica de todo o Estado constitucional.67
Em nosso ordenamento, os direitos e as garantias fundamentais
estão contidas no art. 5.º da Constituição Federal, contudo, o § 2.º do artigo
quinto determina que direitos e garantias expressos na Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
Importante destacar, que o título II da Carta de 1988 que trata
especificamente dos direitos e garantias fundamentais é composto de 4
(quatro) capítulos, que tratam especificamente a) de direitos e deveres
individuais e coletivos (capítulo I); direitos sociais (capítulo II); direitos
vinculados a nacionalidade (capítulo III); e direitos políticos (capítulo IV).
A aplicação imediata configura característica inerente aos
direitos fundamentais, conforme se observa no art. 5.º § 1.º que determina:
67 HÄBERLE, Peter. El Estado constitucional, Buenos Aires, Editorial Ástrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 2007, § 65 p. 304.
69
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Nessa perspectiva, o constitucionalismo consagrou formulação
amplamente difundida de que, atualmente, não são mais os direitos
fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se
no âmbito dos direitos fundamentais. Desse modo, os direitos e garantias
fundamentais asseguram ao cidadão uma posição jurídica subjetiva, de fazer
valer seu direito perante o poder público, independentemente de lei ordinária
regulamentadora do direito fundamental, ou ainda se a lei for deficiente e
inadequada.68
Acerca da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais, nosso
texto constitucional é ainda mais enfático, uma vez que assegura a utilização
do mandado de injunção como ação constitucional (art. 5.º, LXXI, da CF) a
ser utilizada pelo cidadão para a concretização de seu direito fundamental
quando não existir lei infraconstitucional que regulamente esse direito.
De forma geral, podemos afirmar que os direitos fundamentais
possuem duas funções principais: limitação do Poder Público e proteção
contra formação de eventuais maiorias. Daí falar-se na doutrina em eficácia
vertical dos direitos fundamentais (respeito e garantia de tais direitos em face
do Estado), bem como eficácia horizontal que visa o respeito e a garantia de
tais direitos entre os particulares.
No que diz respeito a sua primeira função, importante ressaltar
que no Estado de Direito, existe forte sentido substancial exercido pelos
direitos fundamentais em relação à atuação do poder público. Assim, os
Poderes estão limitados e vinculados à Constituição, não apenas quanto à
forma e procedimentos, mas também quanto aos conteúdos.
68 MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada, t. I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, Const. Port. 18, p. 319.
70
Por outros termos, no Estado Constitucional de Direito, a
Constituição não apenas disciplina as formas de produção legislativa, mas
também impõe a esta proibições e obrigações de conteúdo correspondentes
aos direitos de liberdade e aos direitos sociais, cuja violação ocasiona
antinomias e lacunas que a ciência jurídica precisa identificar para que sejam
eliminadas e corrigidas.69
Desse modo, cabe especificar, como bem ensina GARCIA
HERRERA, que o Estado Democrático de Direito, em uma perspectiva
garantista, está caracterizado não apenas pelo princípio da legalidade formal
que subordina os poderes públicos às leis gerais e abstratas, mas também
pela legalidade substancial que vincula o funcionamento dos três poderes à
garantia dos direitos fundamentais.70
Sendo assim, é facilmente perceptível que os direitos
fundamentais constituem primordialmente uma reserva de direitos que não
pode ser atingida pelo Estado [Poder Público] ou pelos próprios particulares.
Na realidade, os direitos fundamentais asseguram ao cidadão
um feixe de direitos e garantias que não poderão ser violados por nenhuma
das esferas do Poder Público. Os referidos direitos apresentam dupla função:
constituem prerrogativas que asseguram diversas posições jurídicas ao
cidadão, ao mesmo tempo em que constituem limites/restrições à atuação do
Estado.
Hodiernamente, a existência e a preservação dos direitos
fundamentais são requisitos fundamentais para se estruturar o Estado
Constitucional, tanto no âmbito formal quanto material.
69 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho in Miguel CARBONELL (org.). Neoconstitucionalismo(s) 2.ª ed., Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 13 e 18.
70 GARCIA HERREA, Miguel Angel. Poder judicial y Estado social: legalidad y resistencia constitucional in Perfecto Andrés IBÁÑEZ (org.). Corrupción y Estado de Derecho – El papel de la jurisdición, Madrid: Editorial Trotta, 1996, p. 71.
71
Além de sua importância como instrumentos de limitação do
Poder Público, os direitos fundamentais exercem forte função
contramajoritária, assim, ter direito fundamental assegura a existência de
posição juridicamente garantida contra as decisões políticas de eventuais
maiorias políticas.71
Exemplo interessante, nesse sentido, é a questão da pena de
morte. Nossa Constituição Federal, em seu art. 5 XLVII “a”, assegura a
inexistência de pena de morte, salvo em caso de guerra declarada. Desse
modo, é possível afirmar que em nosso sistema jurídico a vida é direito
fundamental, sendo vedada em todas as hipóteses a instituição da pena de
morte, salvo nos caso de guerra declarada.
Assim, mesmo que grande parte da sociedade e a maioria
parlamentar entendam que a pena de morte consiste em alternativa viável
para diminuição da criminalidade, essa vontade, apesar de ser da maioria
política, não poderá prevalecer, porque os direitos fundamentais (no caso a
vida) a impedem de se concretizar. Qualquer lei que pretenda instituir a pena
de morte diante de nosso sistema constitucional será considerada
inconstitucional e não poderá gerar efeitos. Esse exemplo ilustra
adequadamente a função contramajoritária dos direitos fundamentais.
A função contramajoritária do direito fundamental assegura em
última instância a força normativa da Constituição e a preservação do
princípio da dignidade da pessoa humana. Do contrário, as posições
minoritárias seriam perseguidas e, ao final, suprimidas. Assim, a “ideia dos
direitos fundamentais como trunfos contra a maioria não é mera exigência
política ou moral ou uma construção teórica artificial. Ela é também uma
exigência do reconhecimento da força normativa da Constituição da
necessidade de levar a Constituição a sério: por majoritários que sejam, os
71 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos como trunfos contra a maioria – sentido e alcance da vocação contramajoritária dos direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. In: Clèmerson Mèrlin Clève, Ingo W. Sarlet e Alexande C. Pagliarini (orgs.). Direitos humanos e democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 90.
72
poderes constituídos não podem pôr em causa aquilo que a Constituição
reconhece como direito fundamental”.72
1.6.1 Modelos de fundamentação dos direitos fundamentais
Em estudo dedicado ao desenvolvimento dos direitos
fundamentais MAURIZIO FIORAVANTI,73 propõe um esquema em três modelos
de fundamentação teórica das liberdades (direitos fundamentais de primeira
dimensão).
1.6.1.1 O modelo historicista
O modelo Historicista, desenvolvido pela tradição anglo-
saxônica das liberdades, tem como principal característica a constatação de
que o reconhecimento dos direitos se dá mediante processo histórico que se
confunde com o próprio common law. O modelo inglês/historicista é
essencialmente distinto dos demais por conter elemento genuíno e dinâmico:
a jurisprudência, daí ele corresponder ao common law inglês.
Desse modo, formou-se no modelo inglês a convicção de que o
tema das liberdades, enquanto expressão da jurisprudência e manifestação
das regras da common law, é substancialmente indisponível por parte do
poder Público, seja ele Executivo ou Legislativo. Vale dizer que a Inglaterra,
ao contrário da França, não admitiu a figura do Legislador Absoluto, mesmo a
partir da Glorious Revolution, a soberania parlamentarista que surgiu para
limitar o Poder Real, nunca se desvirtuou em poder soberano e ilimitado.74
72 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos como trunfos contra a maioria, cit., p. 91.
73 FIORAVANTI, Maurizio. Los Derechos Fundamentales: apuntes de historia de las constituciones, 5.ª ed., Madrid: Editorial Trotta, 2007.
74 FIORAVANTI, Maurizio. Los Derechos Fundamentales. Apuntes de historia de lãs Constituciones, 5.ª ed., Madrid: Trotta, 2007, Cap. 1, n. 1, pp. 32/33. ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 5.3.1.1, p. 330 et seq.
73
O constitucionalismo inglês desconfia de uma concepção radical
do Poder Constituinte. Nesse sistema, o citado Poder, ainda que originário,
não possui legitimidade para iniciar a partir do zero sua ação. A sua atuação,
em última instância, está limitada pelo catálogo de direitos fundamentais que
foram historicamente garantidos pela própria Jurisprudência. Com efeito, a
doutrina de JOHN LOCKE assegura ao povo o direito de resistência, em caso
de tirania e de dissolução do governo. Trata-se de direito concebido como
instrumento de restauração da legalidade violada e não como instrumento de
projeção de uma nova e melhor ordem política.
Assim, pode-se concluir que no modelo historicista, as
liberdades civis (negativas, patrimoniais e civis propriamente) ocupam
posição extremamente privilegiada, inclusive em relação às liberdades
políticas. Nesse sistema, as liberdades políticas são acessórias em relação
às civis. É dizer, a possibilidade de participar da formação da lei está em
função de se poder controlar e equilibrar as forças, para manter-se incólume
à proteção dos direitos já conquistados.
Dessa maneira, no constitucionalismo inglês, não se consegue
precisar o momento constituinte puramente originário, entendido como poder
absoluto do povo ou da nação para projetar uma nova ordem constitucional
dependente da vontade dos cidadãos. A esta premissa opõe-se a dimensão
irrenunciável do governo moderado e equilibrado como forma que a história
tem o apresentado: que o indivíduo não pode perturbar sem que
concomitantemente seja perturbada toda a ordem política e social.75
Desse modo, “em síntese, pode-se afirmar que o modelo
historicista [inglês] confere especial importância às liberdades civis (direitos
fundamentais), tendo sido seu principal elemento diferenciador – a
jurisprudência – a responsável pela construção e proteção desses direitos”.76
75 FIORAVANTI, Maurizio. Los Derechos Fundamentales, cit., Cap. 1, n. 2, p. 35.
76 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 5.3.1.2, p. 334.
74
Dessa forma, “historicamente, a atuação do Poder Executivo e a
atividade do Legislativo foram limitadas pela manutenção e garantia dessas
liberdades conquistadas/asseguradas pela jurisprudência, de modo que o
constitucionalismo inglês não admite a figura do Poder Constituinte ilimitado,
porquanto mesmo esse Poder somente pode atuar para resgatar o governo
limitado e moderado respeitador dos direitos fundamentais”.77
1.6.1.2 O modelo individualista
O modelo individualista, que está presente, de alguma forma,
tanto na tradição continental como na tradição anglo-saxônica, como produto
próprio dos processos de transformações sociais, culturais e do saber que se
operara na modernidade e foi, de alguma forma, o que possibilitou o
rompimento com o modelo político-jurídico-social predominante no Medievo.
O modelo individualista, a seu modo, também se orienta para
tutelar o binômio liberdade e propriedade.
O modelo individualista tem como premissa fundamental a
primazia do indivíduo exclusivamente perante o poder estatal. Ponto
marcante que o distingue do modelo historicista diz respeito ao lugar ocupado
em cada um deles pela revolução. Em resumo, o modelo historicista
preconiza primordialmente a ideia do governo limitado. O individualista, por
sua vez, sustenta em primeiro lugar, uma revolução social que elimine os
privilégios e a ordem estamental que os fundamenta.
No paradigma individualista, a Constituição não é apenas um
pacto entre o príncipe e o povo ou qualquer outra organização estamental.
Nesse modelo, a Constituição consiste na decisão política adotada pela
nação, que é uma instituição una, indivisível e capaz de fixar seu próprio
destino. Para o modelo individualista, toda a Constituição pressupõe essa
unidade.
77 ABBOUD, Georges Abboud. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 5.3.1.2, p. 334.
75
Na realidade, modelo individualista é fundamentado no
contratualismo e reivindica como premissa a presunção de liberdade,
portanto, defende que o exercício das liberdades não pode ser guiado ou
dirigido pela autoridade pública, mas tão somente delimitado pelo
legislador.78
O modelo individualista sustenta a total primazia e anterioridade
dos direitos fundamentais em relação à Figura do Estado que surge como
instrumento para garantir e aperfeiçoar a tutela dos referidos direitos.
No modelo individualista, o Poder Constituinte também é
elemento diferenciador. Nesse paradigma, o Poder Constituinte é tratado
como o fundamental e originário poder dos indivíduos de decidir sobre a
forma e o rumo da estrutura política, ou seja, o Estado. Este poder
Constituinte será o pai de todas as liberdades políticas.
Nesse ponto, o modelo individualista também se diferencia do
estatalista. O Poder Constituinte é incompatível com o paradigma estatalista.
Isso ocorre porque nesse modelo, a sociedade de indivíduos
politicamente ativos nasce somente com o Estado e por meio do Estado,
antes desse momento não existe nenhum sujeito politicamente significativo.
O estatalista não reconhece a qualidade de sujeito político ao povo ou à
nação antes da existência do próprio Estado.
Historicamente, os modelos, individualista e historicista,
disputam qual a melhor forma de se tutelar os direitos individuais. A visão
individualista, ainda que em menor escala, também possui diferenças em
relação à historicista. Em conformidade com o exposto, os individualistas
postulam que o melhor modo de garantir as liberdades é confiá-las à
autoridade da lei do Estado, dentro dos limites rigidamente fixados pela
78 FIORAVANTI, Maurizio FIORAVANTI. Los Derechos Fundamentales, cit., Cap. 1, n. 2, p. 41. ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 5.3.2.2, p. 336.
76
presunção de liberdade e a condição sine qua non de que o Estado seja
posterior à sociedade civil, por consequência, fruto da vontade constituinte
dos cidadãos. Já os historicistas preconizam que não existem garantias
sérias e estáveis de manutenção das liberdades – uma vez que o poder
político já tenha se apoderado da capacidade de defini-las. Assim, para o
historicista, a melhor forma de se tutelar e garantir essas liberdades é
mediante a atuação da jurisprudência em virtude de sua natureza mais
prudente e ligada ao transcurso natural do tempo e à evolução da
sociedade.79
1.6.1.3 O modelo estatalista
O modelo Estatalista é o que se forma na Europa continental a
partir do século XIX, no período exatamente posterior à chamada codificação
dos ideais jusnaturalistas com os Códigos Civis Francês e Alemão e que
coincide com o aparelhamento burocrático do Estado de Direito liberal e a
formação do Direito Público europeu.80
Na realidade, “a melhor forma de compreender a doutrina
estatalista é confrontá-la com aquilo que ela pretende superar: o
individualismo revolucionário que a antecede. Quanto ao modelo historicista,
o estatalismo não o rechaça completamente. Pelo contrário, acaba se
aproximando dele em alguns pontos, embora discorde em relação ao modo
de fundamentação do próprio poder”.
Como afirma FIORAVANTI, o modelo estatalista se difere do
individualista porque neste, ao contrário daquele, presume-se a existência da
sociedade civil dos indivíduos como anterior ao Estado. Mas o elemento
estado e o sentimento de descontinuidade histórica – que também se
79 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 5.3.2.2, p. 338.
80 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, cit., n. 5.3.2.2, p. 338-339.
77
manifesta no modelo estatalista – afigura-se presente já neste primeiro
período pós-revolução.
Em resumo, no paradigma estatalista todas as liberdades se
fundam única e exclusivamente sobre as normas impostas pelo próprio
Estado. Assim, forçosamente se deve admitir que nesse modelo, apenas
existe um único direito fundamental, qual seja, de ser tratado conforme as leis
do Estado.
No modelo estatalista, faz-se necessário ressaltar o relativo
desprestígio que a jurisprudência (Judiciário) sofre quando o paradigma
estatalista é comparado ao modelo historicista principalmente. Em sistema
político erigido sobre princípios de caráter estatalista, é difícil que o juiz
[ordinário ou administrativo] seja completamente livre para tutelar direitos
individuais no momento em que se chocarem com razões de autoridade.
Nesses momentos críticos, o Estado não pode atuar como terceiro neutro
perante conflitos estabelecidos entre as razões individuais dos particulares e
as razões da autoridade pública da burocracia do Estado.81
1.6.2 Direitos Fundamentais e a Constituição Federal de 1988
Atualmente, na maior parte dos Estados Democráticos, os
direitos fundamentais estão catalogados e assegurados em textos
constitucionais. Por consequência, os direitos fundamentais possuem
absoluta normatividade, devendo ser aplicados imediatamente.
Nesse sentido, FRIEDRICH MÜLLER pontua que os direitos
fundamentais, a partir do momento em que são positivados no texto
constitucional, passam a ser considerados direitos vigentes, adquirindo
81 FIORAVANTIM, Maurizio. Los Derechos Fundamentales, cit., Cap. 3, n. 2, p. 120.
78
caráter estatal-normativo, por conseguinte, seu respeito significa respeitar o
próprio direito positivo.82
Por isso, impossível no nosso sentir, à utilização da expressão
“direitos humanos fundamentais” adotada por alguns autores, inclusive com
título de obras83, tendo em vista que direitos fundamentais obrigatoriamente
são observados como positivados no texto constitucional, enquanto direitos
humanos, em regra, são identificados numa visão supraconstitucional, aberta.
Assim, a positivação dos direitos fundamentais nos textos
constitucionais é importante e necessária para a respectiva concretização
desses direitos. Todavia, os direitos fundamentais, ainda que tenham sua
normatividade diretamente proveniente do texto constitucional, têm a
existência como fruto do desenvolvimento histórico de cultura de cada
sociedade (historicismo).
Nessa perspectiva é que se apresenta importante à elaboração
de uma teoria referente às restrições aos direitos fundamentais. 84
Atualmente, tão importante quanto assegurar a implementação dos direitos
fundamentais, é estabelecer em que hipóteses é legítima uma restrição a
esses direitos. Em estudo dedicado ao tema, concluímos serem necessários
cinco requisitos cumulativos: a) a restrição deve estar constitucionalmente
autorizada; b) deve ser proporcional; c) seu fundamento pode ser de
interesse social, mas não simplesmente no interesse público; d) a restrição
deve estar exaustivamente fundamentada (inc. IX do art. 93 da CF); e) o ato
82 MÜLLER, Friedrich. Teoria e interpretação dos direitos humanos nacionais e internacionais – especialmente na ótica da teoria estruturante do direito in Clèmerson Merlin CLÈVE, Ingo Wolfgang SARLET e Alexandre Coutinho PAGLIARINI (org.)., Direitos humanos e democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, n. I, p. 46
83 Exemplificando, as obras com o mesmo título “Direitos Humanos Fundamentais” de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Alexandre de Morais.
84 Para teorização sobre restrições a direitos fundamentais, ver: ABBOUD, Georges. O mito da supremacia do interesse público sobre o privado – A dimensão constitucional dos direitos fundamentais e os requisitOs necessários para se autorizar restrição a direitos fundamentais. Revista dos Tribunais, n. 907, 2011.
79
administrativo que restringir direito fundamental pode ser revisto pelo
judiciário.
A restrição a qualquer direito fundamental deve,
necessariamente, observar o princípio da proibição de excesso
[übermassverbot] (princípio da proporcionalidade). Isto é, toda restrição a
direito fundamental deve ser proporcional.
Outrossim, a restrição dos direitos fundamentais pode estar
constitucionalmente autorizada e fundamentada em interesse social, mas não
simplesmente no interesse público. Isso ocorre porque a decretação do
“interesse público” é um ato arbitrário do Estado que, como um Midas, coloca
o selo de “público” em tudo o que toca. Ou seja, do ponto de vista prático,
seria tarefa árdua conseguir demonstrar que determinada restrição não
atende o interesse público contra justamente o instituidor e o principal
beneficiário da restrição. Ao contrário, o interesse social demanda justificativa
exaustiva por parte do poder público quando determinar a restrição a algum
direito fundamental, haja vista que terá que demonstrar,
pormenorizadamente, quais os direitos fundamentais que serão beneficiados
com a medida e qual o dispositivo constitucional autorizador de referida
restrição.
No Estado Constitucional, não há mais espaço para o ato
administrativo puramente discricionário. A discricionariedade não se coaduna
com o Estado Democrático de Direito, uma vez que todo ato do poder
público, principalmente aquele restritivo de direitos, deve ser amplamente
fundamentado, expondo com exaustão os fundamentos fático-jurídicos a fim
de demonstrar porque aquela escolha da Administração Pública é a melhor
possível.
No Estado Democrático de Direto, a mera alegação de
preservação do interesse público não permite a realização de qualquer
restrição a direito fundamental algum.
80
Todo ato da Administração Pública que pratique restrição a
direito fundamental poderá ser revisto pelo Judiciário, primeiro porque nessa
matéria, inexiste discricionariedade administrativa que não possa ser
sindicada pelo Judiciário; segundo, porque em última instância é tarefa do
próprio Judiciário examinar se existe ilegalidade e principalmente a
(in)constitucionalidade do ato do poder público que restrinja direito
fundamental, qualquer restrição a esse direito configurará flagrante violação
ao disposto na CF 5.º XXXV.
Destarte, os direitos fundamentais não devem ser
compreendidos apenas na dimensão do texto constitucional, isso porque, a
positivação desses direitos é fruto do desenvolvimento histórico da sociedade
e da evolução do próprio constitucionalismo, que tem como uma de suas
funções principais, a regulação do poder e, consequentemente, a
preservação dos direitos fundamentais.
1.7 A Constituição como centro gravitacional da interpretação da lei
infraconstitucional em termos de compatibilização e adequação
A definição de uma ordem jurídica como a instituída em nossa
Constituição Federal em termos de um “Estado Democrático de Direito”85,
traz em si, como fórmula política, a representação de quanto uma
Constituição expressa a ideologia com base em que se pretende organizar a
convivência política em um dado país86.
85 De acordo com Peter Häberle a Constituição num Estado Democrático de Direito não estrutura apenas o Estado em sentido estrito, mas também o espaço público e o privado, constituindo, assim, a sociedade. HÄBERLE, Peter. El Estado constitucional, Buenos Aires, Editorial Ástrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 2007, § 2.º p. 84; § 54 p. 272
86 VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de derecho político, Madrid, 1977, vol. 2, p. 532.
81
Tal representação coloca a Constituição como um vetor de
orientação para a interpretação de suas normas e, por meio destas, de todo o
ordenamento jurídico.
Esta concepção indica que o Estado Democrático de Direito
representa uma superação dialética da antítese entre os modelos liberal e
social ou socialista de Estado 87 e tem como compromisso básico a
harmonização de interesses que se situam em três esferas fundamentais, a
saber:
i) pública, ocupada pelo Estado;
ii) privada, em que se situa o indivíduo e
iii) coletiva, como segmento intermediário, no qual há o
interesse de indivíduos enquanto membros de determinados grupos,
formados para a consecução de objetivos econômicos, políticos, culturais ou
outros88.
Propõe-se com isso, uma reflexão hermenêutica atualizada, que
faça gravitar as considerações tecidas tendo como centro de análise a
própria Constituição Federal. A interpretação especificamente constitucional
que aqui se propõe leva em conta que praticar a interpretação constitucional
é diferente de interpretar a Constituição de acordo com os cânones
tradicionais da hermenêutica jurídica, que foram, na realidade, desenvolvidos
em época na qual as matrizes do pensamento jurídico assentavam-se em
bases privatísticas.
Por mais que caiba à intelecção do texto constitucional a
recorrência aos tradicionais métodos filológico, sistemático, teleológico etc.,
87 DÍAZ, Elías. Estado de derecho y sociedad democrática, Madrid, 1975.
88 GUERRA FILHO, Willis Santiago Guerra Filho e CARNIO, Henrique Garbellini (col.). Teoria da ciência jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, tópico 5.10, p. 186.
82
levando em conta a força dos direitos fundamentais, tem de ser observado
que, atualmente, toda a atuação jurisdicional, toda atividade hermenêutica do
juiz submete-se ao princípio da interpretação conforme a Constituição
(verfassungskonforme Auslegung), no seu duplo sentido de impor que a lei
infraconstitucional seja sempre interpretada, em primeiro lugar, tendo em
vista a sua compatibilização com a Constituição e, em segundo lugar, de
maneira a adequar os resultados práticos ou concretos da decisão a ser
tomada ao máximo possível a quanto determinam os direitos fundamentais
concernidos89.
Com isso, estamos buscando exatamente o que nos tempos
atuais se espera de uma Constituição: linhas gerais para guiar a atividade
estatal e social, no sentido de promover o bem-estar individual e coletivo dos
integrantes da comunidade que soberanamente se estabelece90.
Hodiernamente, como já exposto, a teoria do direito explora o
conceito de direito a partir das noções de regras e princípios. As primeiras
possuem a estrutura lógica que tradicionalmente se atribui às normas do
Direito, com a descrição ou “tipificação” de um fato, ao que se acrescenta a
sua qualificação prescritiva, amparada em uma sanção.
Já os princípios jurídicos, nesse contexto, são entendidos como
igualmente dotados de validade positiva, encontrando, de um modo geral,
assentados na constituição, mas não se reportam a um fato específico, de
que se possa precisar com facilidade a ocorrência, extraindo assim uma
consequência prevista normativamente. Os princípios devem ser entendidos
como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado valor, a
ser levado em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e
situações, cabendo a eles, por dotados também de dimensão ética e política,
89 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 5 ed., São Paulo: RCS editora, 2006, cap. V, p. 69 e 70.
90 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição, 3 ed., São Paulo: RCS editora, 2007, p. 8.
83
apontar o rumo que se deve seguir para tratar de qualquer ocorrência de
acordo com o direito em vigor, caso ele já não contenha uma regra que a
refira ou que a discipline suficientemente.
Assim, se houver duas regras que dispõem diferentemente
sobre uma mesma situação ocorre o chamado excesso normativo, tendente a
provocar uma antinomia jurídica, em havendo divergência entre as
disposições jurídicas, a ser afastada com base em critérios que, em geral,
são fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, para que assim se
mantenha sua unidade e coerência, exigência que decorrem da própria
isonomia. Já em relação aos princípios, na medida em que não disciplinam
nenhuma situação jurídica específica, não entram em choque imediatamente,
pois são compatíveis ou compatibilizáveis uns com os outros, em se
mostrando alguma colisão, em dada situação concreta, entre os valores neles
positivamente consagrados e, já por isso, relativizados.
Nesta linha argumentativa, a discussão deve ser remetida à
ordem dos princípios constitucionais, destacando-se a importância de se
proceder a uma interpretação adequada e especificamente constitucional.
José Joaquim Gomes Canotilho, inspirado em modelo
germânico, elenca como espécies de princípios, em ordem crescente de
abstratividade, os “princípios constitucionais especiais”, os “princípios
constitucionais gerais” e os “princípios constitucionais estruturantes”91, sendo
que estes últimos se apresentam ainda, entre nós, como se generaliza na
fase mais recente do constitucionalismo, sob duas formas de primordial
importância, a saber, a do princípio do Estado de Direito e a do Princípio
Democrático.
Estes princípios constitucionais, pensados em torno da distinção
entre regras e princípios antes referida, determinam a atual ordem jurídica
91 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, Lisboa: Almedina, 1989, p. 12 e segs.
84
que concretiza uma ideia motora condensada na fórmula política adotada em
nossa Constituição: o Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, Friedrich Müller pontua que os direitos
fundamentais, a partir do momento em que são positivados no texto
constitucional, passam a ser considerados direitos vigentes, adquirindo
caráter estatal-normativo, e por conseguinte, seu respeito significa o mesmo
que respeitar o próprio direito positivo.92
A via adequada para esta análise se revela na interpretação de
acordo com as opções valorativas básicas, expressas no texto constitucional,
considerando-se tanto a Constituição, como todo o sistema interno ao
ordenamento jurídico, enquanto um sistema de regras e princípios, a suscitar
necessidade de se desenvolver uma hermenêutica constitucional igualmente
diferenciada da hermenêutica tradicional93.
1.8 Princípios da Interpretação Constitucional
Como bem observa Willis Santiago Guerra Filho é a natureza
diferenciada de princípios e regras que suscita a necessidade de se
desenvolver uma hermenêutica constitucional igualmente diferenciada, diante
da hermenêutica tradicional. Especialmente a distinção por último referida,
segundo a qual os princípios se encontram em estado latente de colisão uns
com os outros, requer o emprego dos princípios, da interpretação
constitucional, que passamos a expor, na formulação já clássica de Konrad
92 MÜLLER, Friedrich. Teoria e interpretação dos direitos humanos nacionais e internacionais – especialmente na ótica da teoria estruturante do direito in CLEVE, Clèmerson Merlin, SARLET, Ingo Wolfgang e PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (org.)., Direitos humanos e democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, n. I, p. 46
93 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição, cit., p. 144.
85
Hesse, de modo mais próximo conhecida entre nós pelos portugueses, em
especial por José Joaquim Gomes Canotilho.94
(1) O primeiro — e mais importante — desses princípios é o da
unidade da Constituição, que determina que se observe a interdependência
das diversas normas da ordem constitucional, de modo a que formem um
sistema integrado, no qual cada norma encontra sua justificativa nos valores
mais gerais, expressos em outras normas, e assim sucessivamente, até
chegarmos ao mais alto desses valores, expresso na decisão fundamental do
constituinte. No caso da nossa Constituição, a decisão política fundamental
se acha claramente indicada no “Preâmbulo” e no seu art. 1º, enquanto
opção por um Estado Democrático de Direito. Ela há de se situar ao nível do
que na hermenêutica filosófica de Gadamer se denomina “pré-compreensão”
(Vorverständnis), designando a pré-disposição orientadora do ato
hermenêutico de compreensão.
(2) Princípio do efeito integrador, indissoluvelmente associado
ao primeiro, ao determinar que, na solução dos problemas jurídico-
constitucionais, dê-se preferência à interpretação que mais favoreça a
integração social, reforçando a unidade política.
(3) Princípio da máxima efetividade, também denominado
princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, por determinar que, na
interpretação de norma constitucional, atribua-se a ela o sentido que a confira
maior eficácia, sendo de se observar que, atualmente, não mais se admite
haver na Constituição normas que sejam meras exortações morais ou
declarações de princípios e promessas a serem atendidos futuramente. Tal
princípio assume particular relevância na inteligência das normas
consagradoras de direitos fundamentais.
94 O desenvolvimento deste tópico foi construído a partir da referência de Willis Santiago Guerra Filho. Para tanto, cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago e CARNIO, Henrique Garbellini (col.). Teoria da ciência juridica. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 178-180.
86
(4) Princípio da força normativa da Constituição, que chama a
atenção para a historicidade das estruturas sociais, às quais se reporta a
Constituição, donde a necessidade permanente de se proceder a sua
atualização normativa, garantindo, assim, sua eficácia e permanência. Esse
princípio nos alerta para a circunstância de que a evolução social determina
sempre, se não uma modificação do texto constitucional, pelo menos
alterações no modo de compreendê-lo, bem como as normas
infraconstitucionais.
(5) Princípio da conformidade funcional, que estabelece a estrita
obediência do intérprete constitucional à repartição de funções entre os
poderes estatais, prevista constitucionalmente.
(6) Princípio da interpretação conforme a Constituição, que
afasta interpretações contrárias a alguma das normas constitucionais, ainda
que favoreça o cumprimento de outras delas. Determina, também, esse
princípio a conservação de norma, por inconstitucional, quando seus fins
possam harmonizar-se com preceitos constitucionais, ao mesmo tempo em
que estabelece como limite à interpretação constitucional as próprias regras
infraconstitucionais, impedindo que ela resulte numa interpretação contra
legem, que contrarie a letra e o sentido dessas regras.
(7) Princípio da concordância prática ou da harmonização,
segundo o qual se deve buscar, no problema a ser solucionado em face da
Constituição, confrontar os bens e valores jurídicos que ali estariam
conflitando, de modo a que, no caso concreto sob exame, se estabeleça qual
ou quais dos valores em conflito deverá prevalecer, preocupando-se,
contudo, em otimizar a preservação, igualmente, dos demais, evitando o
sacrifício total de uns em benefício dos outros. Nesse ponto, tocamos o
problema crucial de toda hermenêutica constitucional, que nos leva a
introduzir o topos argumentativo da proporcionalidade, como destacamos no
capítulo que segue.
87
Expostos os princípios da interpretação constitucional, cabe
agora imbricá-los a outros princípios, incluindo o princípio da
proporcionalidade, o que é objeto do capítulo que segue.
88
CAPÍTULO 2 - O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A DIALÉTICA
DOS PRINCÍPIOS
2.1 Princípio da Proporcionalidade e Interpretação Constitucional
Para resolver o grande dilema da interpretação constitucional,
representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais se deve
igual obediência, por ser a mesma posição que ocupam na hierarquia
normativa, preconiza-se o recurso a um “princípio dos princípios”, o princípio
da proporcionalidade, que determina a busca de uma “solução de
compromisso”, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos
princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo o(s) outro(s), e
jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo seu
“núcleo essencial”.
Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma
individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável
da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do “Estado
Democrático de Direito”, pois sem a sua utilização não se concebe como bem
realizar o mandamento básico dessa fórmula de respeito simultâneo dos
interesses individuais, coletivos e públicos (harmonização).
O princípio da proporcionalidade, tal como hoje se apresenta no
direito constitucional alemão, na concepção desenvolvida por sua doutrina,
em íntima colaboração com a jurisprudência constitucional, desdobra-se em
três aspectos, a saber: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e
exigibilidade. No seu emprego, sempre se tem em vista o fim colimado nas
disposições constitucionais a serem interpretadas, fim esse que pode ser
atingido por diversos meios, dentre os quais se haverá de optar. O meio a ser
escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir o resultado
almejado, revelando conformidade e utilidade ao fim desejado. Em seguida,
comprova-se a exigibilidade do meio quando este se mostra como “o mais
suave” dentre os diversos disponíveis, ou seja, menos agressivo dos bens e
89
valores constitucionalmente protegidos, que porventura colidem com aquele
consagrado na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à
proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se
mostre como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores
com o mínimo de desrespeito de outros que a eles se contraponham,
observando-se, ainda, que não haja violação do “mínimo” em que todos
devem ser respeitados. Após essa apresentação resumida, por sua
importância inigualável, passemos a tratar em separado e mais
extensamente desse princípio.
A discussão hermenêutica deve ser analisada sob o viés atual
das manifestações do constitucionalismo, cabendo a retomada prática da
metodologia definida para análise da questão no tópico próprio, supra.
Como se procurou demonstrar, se torna cada vez mais
difundido entre nós esse avanço fundamental da teoria do direito
contemporâneo, que em uma fase pós-positivista, com a superação dialética
da antítese entre o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas
que são regras, daquelas que são princípios95.
De um modo geral, quem deu maior impulso para o
reconhecimento da natureza diferenciada dos princípios enquanto norma
jurídica foi – na teoria do direito anglo-saxônica – Ronald Dworkin, com sua
tentativa de superação do conceito de ordenamento jurídico como um
conjunto de regras primárias e secundárias, devida ao pensamento de
Herbert Hart. A recepção dessa proposta de superação do positivismo na
Alemanha se deve, principalmente, a Robert Alexy96.
95 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição, cit. cap. 22, p. 137 e 138.
96 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008 e El concepto y la validez del derecho. Tradução de Jorge M. Seña. 2 ed. Barcelona: Gedisa, 1997
90
Dworkin apresenta o direito como uma prática interpretativa.
Nela, todos os procedimentos metodológicos são instalados em função das
controvérsias que temos.
Por essa razão é que Dworkin97 não aceita qualquer tipo de
discricionariedade judicial, pois permitir que o juiz decida de modo a inovar na
seara jurídica pode representar um exercício arbitrário (não justificado em
princípios da comunidade moral) da coerção estatal, colocando-se no tênue
liame que sustenta o exercício legítimo da força e a exceção.
Nesta linha argumentativa, segundo Dworkin, uma decisão
judicial estará justificada não apenas quando respeita a equidade dos
procedimentos, senão quando também respeita a coerência de princípios que
compõem a integridade moral da comunidade. Ou seja, a ideia de princípio
em Dworkin não é materializável a priori em um texto ou enunciado emanado
de um precedente, lei ou mesmo da Constituição, mas um argumento de
princípio que remete à totalidade referencial dos significados destes
instrumentos jurídicos98.
Neste sentido calha muito bem igualmente o entendimento de
Friedrich Müller, que ao se referir ao termo pós-positivismo indicou que este
não se remonta a um antipositivismo qualquer, mas sim a uma postura
teórica que, sabedora do problema fundamental, não enfrentado pelo
positivismo – qual seja: a questão interpretativa concreta, espaço da
chamada “discricionariedade judicial” – vai procurar apresentar novas
perspectivas teóricas e práticas, que ofereçam soluções para o problema da
97 Cf. DOWRKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 50 e segs.
98 Cf. DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins fontes, 2003, pp. 305 e segs.
91
concretização do direito, e não para problemas abstrato-sistemáticos
apenas99.
2.2 O princípio da proporcionalidade e a distinção da teoria alemã do
princípio da proporcionalidade da previsão inglesa do princípio da
irrazoabilidade
De acordo com a doutrina sabidamente de origem germânica100,
o princípio da proporcionalidade representa a proibição do excesso, em sede
de restrição de direitos fundamentais. Como se verifica em posicionamentos
do Supremo Tribunal Federal, a proibição do excesso foi considerada muitas
vezes como uma das facetas do princípio da proporcionalidade101, proibindo
a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.
99 Cf. MÜLLER, Friedrich. O novo Paradigma do Direito. Introdução à teoria e metódica estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 11.
100 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição, cit. cap. 11, p. 63 ss.
101 A título exemplificativo: RE 349703 Relator: Min. CARLOS BRITTO, Julgamento: 03/12/2008 Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Ementa: PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do
92
Dessa forma, na situação concreta em que um direito
fundamental estiver sendo restringido com excesso, presente estará o
postulado da proibição de excesso (übermassverbot).
Somente vagarosamente os estudiosos do direito vão se dando
conta da necessidade, intrínseca ao bom funcionamento do Estado
Democrático de Direito, de se reconhecer e empregar de modo correto o
princípio da proporcionalidade, a Grundsatz der Verhältnismäβigkeit, também
chamada de “mandamento da proibição de excesso” (Übermaβverbot).
Talvez, isso tenha ocorrido e venha ocorrendo - inclusive de
modo muito demorado com relação a outros países que já cumpriram a sua
função na fase atual do constitucionalismo, iniciada no segundo pós-guerra –
pelo fato de não existir em nosso texto constitucional uma previsão expressa
do princípio em tela.
Como bem observa Willis Santiago Guerra Filho, infelizmente,
não trilhamos o caminho seguido por constituintes de outros países, que
cumpriram sua função já na fase atual do constitucionalismo, a qual se pode
considerar iniciada no segundo pós-guerra. Em nossa Constituição à
diferença, por exemplo, da Constituição Portuguesa, de 1974, que em seu
art. 18º, dispondo sobre a “força jurídica” dos preceitos constitucionais
consagradores de direitos fundamentais - de modo equiparável ao que é
crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
HC 104410, Relator: Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 06/03/2012 Órgão Julgador: Segunda Turma, Ementa: HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA.
93
feito, em nossa Constituição, nos dois parágrafos do art. 5º -, estabelece, no
parágrafo 2º, expressis verbis: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades
e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as
restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos”. Essa norma, notadamente em
sua segunda parte, enuncia a essência e destinação do princípio da
proporcionalidade: preservar os direitos fundamentais. O princípio, assim,
coincide com a essência e destinação mesma de uma Constituição que, tal
como hoje se concebe, pretenda desempenhar o papel que lhe está
reservado na ordem jurídica de um Estado de Direito Democrático. Daí
termos já referido a esse princípio como “princípio dos princípios”, verdadeiro
principium ordenador do direito. A circunstância de ele não estar previsto
expressamente na Constituição de nosso País não impede que o
reconheçamos em vigor também aqui, invocando o disposto no § 2º do art.
5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (etc)”.102
Por assim ser é que existe o entendimento de referido princípio
como “princípio dos princípios”, verdadeiro principium ordenador do direito.103
O princípio da proporcionalidade, desse modo, corresponde a
um direito ou garantia fundamental, tal qual ocorre com o princípio da
isonomia. Aliás, a nós parece estar o princípio da proporcionalidade
incrustado no princípio do devido processo legal, guardando estreita
correlação com a isonomia, percebida já pelos antigos gregos, tal como nos
reporta Aristóteles quando aborda o assunto em sua ética104.
102Cumpre informar que Virgílio Afonso da Silva e Humberto Ávila têm posicionamento diferente, não aceitando esta ideia – a propósito, Willis Santiago Guerra Filho. Teoria processual da Constituição, cit., cap. 26, p. 177 ss.
103GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: RCS, 2006, p. 79; Id., Teoria processual da Constituição, cit., cap. 23, p. 151 ss.
104GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição, cit., caps. 9 e 26, p. 53 ss. e 175 ss. resp.
94
Importante salientar, por zelo de entendimento, que toda a
discussão sobre o princípio da proporcionalidade que se está desenvolvendo
é intimamente relacionada com a concepção do ordenamento jurídico
formado por regras e princípios, como anteriormente se referiu. Tais
princípios podem se converter em normas de direitos fundamentais, tal como
vem se observando com a proposta de dois importantíssimos juristas-
filósofos (para lembrar a expressão de Rudolf von Jhering difundida entre nós
por Clóvis Bevilácqua) da atualidade que são Ronald Dworkin105, no ambiente
anglo-saxão e Robert Alexy106 na Alemanha e de lá se espraiando por todo o
enorme espectro de influência continental europeia.
2.2.1 O alcance do princípio da proporcionalidade: os princípios parciais
ou subprincípios.
Para bem se firmar o alcance do princípio da proporcionalidade
é necessário agora fazer uma incursão em seu conteúdo.
O princípio da proporcionalidade deve ser entendido como um
mandamento de otimização do acatamento máximo a todo direito
fundamental, do que resulta, concretamente, em situação de conflito entre
tais direitos, a serem solucionados na melhor medida jurídica e faticamente
possível, conforme apresenta Robert Alexy, e assim sendo se reparte em
“três princípios parciais” (Teilgrundsätze), tal como desenvolvido pela
jurisprudência constitucional alemã.
105DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1985, p. 82 e seg.
106 Cf. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2002, p. 81-137. Vale lembrar também as importantes figuras dos antecessores, no âmbito germânico, que são Josef Esser e Friedrich Müller, que tal como os autores citados superam o legalismo do positivismo normativista, para o qual as normas do direito positivo se reduziriam a textos de regras.
95
São eles: “princípio da proporcionalidade em sentido estrito”, ou
“máxima do sopesamento” (Abwägungsgebot), “princípio da adequação” e
“princípio da exigibilidade” ou “máxima do meio mais suave” (Gebot des
mildesten Mittels).
Pois bem, basta-nos agora uma exposição breve sobre os três
subprincípios107.
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito prevê que
se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma
disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente o melhor
possível. Isto quer dizer não apenas realizar uma ponderação qualquer, para
assim satisfazer tal (sub)princípio, mas sim que, ao fazê-la, não se pode ferir
o “conteúdo essencial” (Wesensgehalt) de qualquer um dos direitos
fundamentais colidentes, no sentido de que mesmo que haja desvantagens
para o interesse de pessoas (de qualquer forma juridicamente consideradas),
acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz
para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens, na
perspectiva de maior preservação daquele núcleo essencial, onde se
encontra entronizada a dignidade humana.
Os subprincípios da adequação e exigibilidade ou
indispensabilidade (Erforderlichkeit) determinam que o meio escolhido se
preste a atingir o fim estabelecido, mostrando-se assim “adequado”, meio
este que também deve se mostrar “exigível”, o que significa que não há outro
igualmente eficaz e menos danoso a direitos fundamentais.
Bem da verdade, em nosso País, o princípio da
proporcionalidade precisa ser melhor desenvolvido, tanto por parte de
doutrinadores, como da jurisprudência, mesmo a de índole constitucional,
conquanto o venham referindo com cada vez mais frequência e intensidade,
107Mais amplamente, GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição, cit., cap. 11, p. 63 ss.
96
tal como se fora verdadeira panaceia universal, banalizando-o por meio de
uma espécie de inflação do seu uso, ao ponto de se ter de lembrar o que
chamamos de “reflexividade da proporcionalidade”, a significar uma exigência
de que se aplique o princípio da proporcionalidade a ele mesmo, evitando
excessos e abusos em seu emprego. Ainda assim, outro problema existente
é que muitas vezes a atenção a ele dada é incorreta, confundindo com um
princípio de razoabilidade, que na Europa se refere antes como de
irrazoabilidade108.
A aplicação generalizada do princípio, no entanto, deve ser
muito bem entendida, no intuito de evitar o problema de sua tendência, tal
qual a doutrina alemã logo percebeu, de sua super-expansão,
“Oberdehnung”, que designa um exagero em sua aplicação, o que poderia
levar consequentemente a um relaxamento na aplicação da lei.
Inclusive este uso desmesurado em nosso país acarreta
algumas vezes tanto um relaxamento da lei como até mesmo um abuso,
cometido além da lei, ou seja, algo completamente contrário ao sentido em
que se constitui o princípio da proporcionalidade.
Para evitar esses problemas é que devemos conferir ao
princípio da proporcionalidade certo caráter “reflexivo”, de modo que só se
possa aplicá-lo mediante um exame pontual da “adequação”, “exigibilidade” e
“proporcionalidade em sentido estrito”. Sua utilização deve ocorrer em
momentos oportunos e necessários.
Por fim, resta apenas ressaltar o aspecto do procedimento
decisório que envolve o princípio da proporcionalidade.
Este procedimento tem a finalidade de permitir a necessária
ponderação em face dos fatos e hipóteses a serem considerados.
108 Cf. AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio. O Proporcional e o Razoável. In: Revista dos Tribunais, vol. 798, 2002.
97
Tal procedimento deve ser estruturado – e também, institucionalizado – de uma forma tal que garanta a maior racionalidade e objetividade possíveis de decisão, para atender ao imperativo da realização de justiça que é imanente ao princípio com o qual nos ocupamos. Especial atenção merece, portanto, o problema do estabelecimento de formas de participação suficientemente intensiva e extensa de representantes dos mais diversos pontos de vista a respeito da questão a ser decidida. Isso significa, então, que o procedimento com as garantias do ´devido processo legal´ (Due process of Law), i.e., do amplo debate, da publicidade, da igualdade das partes etc., se torna instrumento do exercício não só da função jurisdicional, como tem sido até agora, mas sim das demais funções do Estado também, donde se falar em ´jurisdicionalização´ dos processos legislativo e administrativo e “judicilização” do próprio ordenamento jurídico como um todo109.
Nesta dimensão, entende-se como princípio da
proporcionalidade uma medida geral de proteção exclusiva de direito
fundamental e, especificamente, da dignidade humana que se encontra
agasalhada na essência mesma de tais direitos. Com isso, evita-se confundi-
lo com o chamado princípio da razoabilidade, um produto nacional oriundo do
aproveitamento de modo distorcido de lições estrangeiras, que não se
recomenda o uso interno nem a exportação.
2.2.2 A Irrazoabilidade
Para que reste mais clara a distinção entre proporcionalidade e
razoabilidade (sinônimo de proporcionalidade em sentido meramente lexical,
visto que no latim, proportio é equivalente a ratio) cumpre evidenciar, para o
seu melhor entendimento, o grau de separação existente entre estes
conceitos usados de modo equivocado como sinônimos.
109GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: RCS, 2007, p. 109.
98
Alguns autores identificam o surgimento da proporcionalidade
na Magna Carta de 1215, algo um tanto questionável, pois na Inglaterra fala-
se em princípio da irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. Já daí
principia a confusão que se deve evitar. E sendo ainda mais preciso, a
origem do princípio da irrazoabilidade, na forma como é aplicado na
Inglaterra não se encontra em 1215, mas bem mais recentemente em
decisão judicial proferida neste país, sim, mas apenas em 1948.
Como nota Luis Virgilio Afonso da Silva, o teste da
irrazoabilidade, conhecido também como teste de Wednesbury, implica tão
somente em rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Com isso,
na esteira do pensamento do referido autor, nota-se que o teste sobre a
irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a
proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos
absurdamente irrazoáveis110.
Certamente que o tema em questão pode ser analisado tanto
sobre a temática do princípio da proporcionalidade, quanto sobre a temática
da razoabilidade, razão pela qual passamos a tratar de cada um de forma
apartada.
Não obstante também o princípio da irrazoabilidade ser princípio
implícito, imperioso ressaltar que a sua violação pode ser considerada até
mais grave que a violação dos princípios positivados em nosso ordenamento
jurídico111, tanto é que Nelson Nery Junior pondera que: “é mais grave violar-
se um princípio não positivado, que decorre do sistema, isto é, que está
acima dos preceitos normativos porque não precisa ser mencionado pela lei,
do que desrespeitar-se uma norma escrita112.
110Cf. AFONSO DA SILVA, Virgílio Afonso, cit., p. 23-50.
111 Cf. ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado, Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1961, p. 90.
112 NERY JUNIOR, Nelson. O juiz natural no direito processual comunitário europeu, in: Revista de Processo, n. 101, p. 106.
99
3. Proporcionalidade como princípio de solução de colisões vinculadas
a direitos fundamentais e a proporcionalidade relacionada aos meios
Nos parece salutar apontar para o leitor, antes mesmo da
avaliação do princípio da proporcionalidade vinculado a casos que tratam de
direitos sociais (trabalhistas), a diferença existente entre proporcionalidade
princípio e proporcionalidade causa X efeito, pois de forma até comum
observamos enorme confusão sobre o tema.
Isso porque, quando tratamos tecnicamente, sobretudo de
eventual reparabilidade de um determinado dano supostamente causado
dentro de uma demanda, a lei infraconstitucional113 nos atrai para a aplicação
do raciocínio na fixação do quantum indenizatório num modelo denominado
equitativo, partindo de critério supostamente denominado proporcionalidade,
que avalia: 1) a existência do dano; 2) a extensão do dano; 3) o grau de
contribuição do agente para a ocorrência do dano114.
A proporcionalidade aqui referida nenhuma relação possui com
o princípio da proporcionalidade discutida e sustentada seja na teoria de
Alexy, ou da teoria de Dworkin, isso porque, trata-se de critério de aferição do
“quantum”, e não da avaliação no nível de princípios constitucionais de
eventual resistência entre duas garantias ou direitos constitucionais.
Infelizmente, a liberdade na aferição do quantum deixado
apenas e tão somente nas mãos do julgador, gera uma discricionariedade
aviltante, inviabilizando em certa medida, a aplicação do direito como previsto
no próprio texto constitucional, ou seja, o trilho processual se esvai, sendo
113 Artigo 944 do Código Civil “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
114 Destaque-se que a contribuição para o dano pode ter critério de natureza objetiva, ou seja, no caso de indenização que seja sustentada pela reparação na hipótese de responsabilidade objetiva, essa contribuição se origina “in re ipsa”, com a avaliação das teorias do risco.
100
substituído muitas vezes (ou em quase todas às vezes) pelo juízo da
consciência, inaceitável pelo ordenamento jurídico nacional.
Contudo, discutir o tema da aplicabilidade do quantum nesse
microssistema infraconstitucional não é o objetivo do presente estudo, sendo
apenas necessário destacar, como se procurou fazer, a evidente diferença
entre um e outro.
3.1 Eficácia Horizontal e vertical dos direitos fundamentais (mito ou
verdade?)
Inúmeros trabalhos científicos e de grande valia ao
desenvolvimento da ciência, tem sido apresentados com o objetivo de
estudar a eficácia ou não dos direitos fundamentais inseridos no texto de
1988.
Daí falar-se em eficácia vertical, eficácia horizontal das
previsões existentes no texto de 1988 e no de outras nações.
Respeitamos em tempo e modo referidos posicionamentos, até
porque nos permitiram e nos permitem avançar nos estudos das soluções
dos conflitos sociais, que a cada dia se evidenciam com características das
mais diversas.
A pergunta que nasce como consequência lógica é: Seria
possível criar respostas legais para todas as circunstâncias conflitivas
sociais?
Para nós a resposta negativa é evidente.
Nessa seara, que a tendência de aplicação, como se tem
utilizado atualmente, da eficácia horizontal e vertical do texto constitucional
101
não nos parece medida que de guarida total à solução dos mais variados
conflitos sociais.
Isso porque, se partiria para uma “normatização” do texto
constitucional, na já ultrapassada classificação da norma-regra e da norma-
princípio.
Contudo, há que se notar, que quando tratamos de direitos ou
garantias fundamentais, simplesmente não podemos dar validade para um
desses direitos em detrimento do outro, sob pena de se negar vigência ao
próprio texto constitucional.
Sob esse ângulo, definitivamente a solução é oca.
De outro prisma de análise, podemos ter ainda, regras
infraconstitucionais criadas, e, portanto, formalmente aplicáveis, que
simplesmente contrariam preceitos de espectro constitucional.
Imagine-se a inserção de uma norma legal que simplesmente
proíba o ingresso de um determinado gênero de pessoas nas partidas de
futebol.
Ora, sabemos todos que essa regra, como posta é
inconstitucional, simplesmente pelo fato de não obedecer o princípio da
isonomia constitucional (interpretação conforme o princípio), não sendo
possível afastar o princípio constitucional e aplicar a regra infraconstitucional.
Em resumo, o que nos parece necessário é a ampliação não do
conceito de norma, mas de compreensão de sua criação não apenas pelo
legislativo, e sim pelo caso concreto. Explique-se.
Havendo um conflito em direitos ou garantias fundamentais, não
há solução diversa salvo compreender que da análise do caso concreto
avaliada pelo princípio da proporcionalidade, nasce uma norma. Uma norma
102
específica para aquele caso, e que poderá não servir para mais nenhum
outro.
Essa pode, ser a tônica da possibilidade do direito alcançar os
anseios da sociedade, ao menos quanto aos conflitos de direitos e garantias
fundamentais, o que nos parece já, um bom começo.
4. Necessidade de fundamentação plena
Os tribunais, ou melhor, o próprio Judiciário Brasileiro como um
todo, caminha no sentido de soluções rápidas, da entrega da tutela em tempo
menor, da diminuição do número de processos.
Para isso foram criadas metas, e em tudo que se lê e se houve,
não só no Judiciário, mas nessa nossa sociedade violentamente capitalista
se revela em números.
Numa conclusão absolutamente simplória, os homens viraram
números!! E isso facilmente se observa em toda a obra-projeto sobre a
modernidade do pensador polonês Zygmunt Bauman115, que codifica esse
momento como “Mundo Líquido”, onde todos os caminhos são cambiantes e
flexíveis, ou ainda na obra “o mundo é plano”116 do jornalista americano
Thomas Friedman, ao destacar o desenvolvimento (se assim se pode
chamar) no século XXI.
Não obstante a duração razoável do processo esteja inserida
textualmente na Carta de 1988, sua dimensão não pode ser suplantada por
um tecnicismo formalista – incorporado nos seus praticantes quase a um
nível robótico.
115 Destaques para uma de suas obras da coleção denominado. ZYGMUNT, Bauman. Amor líquido. São Paulo: Zahar, 2012, passim.
116 FRIEDMAN, Thomas. O mundo plano. São Paulo: Editora Objetiva, 2005, passim.
103
É contrariando essa linha que propugnamos pela aplicação do
princípio da proporcionalidade, pois em inúmeros casos nos dias atuais, os
critérios de hierarquia, cronologia e especialidade de normas
infraconstitucionais são insuficientes para solucionar conflitos.
Unindo referidas questões da atualidade e pensando na árdua tarefa
de fundamentar uma decisão por meio da aplicação do princípio da
proporcionalidade de modo a entregar a tutela com o mínimo de segurança
jurídica, acabamos por desaguar na questão da fundamentação da decisão
judicial, que de igual sorte encontra supedâneo no texto constitucional,
considerando a redação do artigo 93, inciso IX.
A rigor, a fundamentação exacerbada de uma decisão judicial é direito
fundamental do cidadão 117 . Ademais toda restrição a qualquer direito
fundamental de, necessariamente, observar o princípio da proibição de
excesso (Übermassverbot). Dessa forma, toda restrição a direito fundamental
deve ser proporcional. 118
No caso de colisão de princípios a decisão deve trafegar
obrigatoriamente – para que seja suficientemente fundamentada – pelos
subprincípios que sustentam a proporcionalidade, a saber: o princípio da
adequação, a máxima do meio mais suave e da proporcionalidade em
sentido estrito.
Aqui, é de extrema relevância a realização do caminho na decisão,
para que fique claramente demonstrado ao jurisdicionado o mínimo de
subjetividade possível na decisão.
De salientar ainda, que referida decisão deve demonstrar ao seu final
que não aniquilou a garantia ou direito fundamental vencido no caso
117 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, cit., p. 399.
118 ABBOUD, Georges, CARNIO. Henrique Garbellini e OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e filosofia do direito, cit., p. 238.
104
concreto, mas que apenas lhe retirou parte da intensidade no sentido de
preservar intacta aquela garantia constitucional que preponderou no caso
avaliado.
Nesse sentido, apenas para exemplificar, ao julgar uma ação que
envolva o direito constitucional de greve em contraponto ao direito de
constitucional de propriedade, por meio do mecanismo processual
identificado como interdito proibitório, o caso concreto poderá revelar a
prevalência de um ou de outro, através dos contornos fáticos que envolvem a
demanda, proibindo o excesso de um dos direitos a ponto de aniquilar o
outro.
Essa demonstração só ocorrerá com a realização do caminho de
testes dos subprincípios com o caso concreto.
No caso citado, não se afastará o direito a greve, mas poderá ser
necessário relativizar esse direito se o princípio da propriedade estiver sendo
violado numa intensidade insustentável. De outro lado, não se negará o
direito a posse e a propriedade, desde que a greve não seja de uma
intensidade de modo a invadir o direito à propriedade.
Esse o caminho que nos parece necessário e conforme a constituição
para que a decisão e sua fundamentação sejam plenas.
Como se pode observar, ao se tratar de direitos e garantias
fundamentais, o cuidado deve ser ainda mais severo, sendo de extrema
necessidade o exato conhecimento dos fatos (caso concreto) que envolvem a
colisão.
Ao tratar da relação de emprego, e de direitos fundamentais que a
circundam, a CLT apresenta uma hipótese muito útil ao conhecimento desses
fatos, como se observa na transcrição do artigo 765:
105
“Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão
ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo
andamento rápido das causas, podendo determinar
qualquer diligência necessária ao esclarecimento
delas”.(grifei)
Relevante destacar que no caso do Julgador necessitar de outras
informações para ter conhecimento do caso concreto, deve se valer desse
dispositivo legal para a própria prevenção de violação de direitos
fundamentais no caso concreto.
O Tribunal Constitucional Alemão, quando necessário, nesse mesmo
sentido busca todas as informações necessárias extra autos, para o
julgamento de referidas colisões, como ofícios aos órgãos públicos, perícias,
e demais hipóteses.
4.1 Os Direitos Sociais e a Insuficiência de Regras Infraconstitucionais
para Solução de Conflitos (um mundo “novo”)
Como já destacado no presente trabalho, os direitos sociais,
que envolvem também os direitos e garantias relacionados às relações de
capital e trabalho, como se revestem de conteúdo constitucional (artigos 6º e
7º) de fundamentabilidade, constantemente se apresentam ao Judiciário em
casos concretos em conflito com outras garantias e/ou direitos fundamentais.
E qual a razão ou quais as razões para que isso ocorra? Talvez
possamos observando o contexto social, enumerar algumas delas.
Por primeiro, poderíamos destacar o dinamismo das relações
sociais nos dias atuais, que por vários ângulos de análise, tornam fértil o
terreno dos conflitos.
106
A sociedade brasileira, assim como em outros países que
possuem em seu cerne a relação ou regime capitalista, avança como um
todo, numa velocidade incontrolável na busca pelo capital.
O sucesso no mundo dito capitalista se reduziu ao sucesso
financeiro.
Nada mais há de importante, relevante ou interessante, ainda
que isso seja inserido nas mentes das pessoas em geral, de forma
inconsciente muitas vezes.
A família, o lazer, o descanso, são elementos que
definitivamente – e infelizmente – ecoam na sociedade capitalista num
segundo plano.
O aparato para a inserção desse novo modo de viver e de
pensar absolutamente desgastante, em certa medida, encontra amparo na
tecnologia e na elevada concorrência do mercado. Ambas, possuem seu viés
positivo e necessário – o que é inegável – contudo, utilizadas
desenfreadamente, como hoje se observa, causam evidente desgaste para
toda a sociedade.
No caso da relação de trabalho, por exemplo, na visão
absolutamente capitalista podemos destacar que o empregado bom é o
empregado “on-line”, ou ainda àquele empregado que troca sua família, seu
descanso, suas férias, para atender qualquer pedido da empresa a qualquer
tempo.
Evidentemente que esse cenário de desvirtuamento desse tipo
de relação não poderia trazer problemas idênticos àqueles enfrentados pela
legislação infraconstitucional de 1943 (CLT) e algumas de suas alterações.
O regime de criação da CLT atendia a realidade cultural
absolutamente diversa, onde a comunicação era realizada por carta, não por
107
internet, onde o trabalho era manual, e não totalmente automatizado, onde a
produção era o segredo do sucesso, e não a gestão.
Mudando o cenário, evidente que o espectro do conflito se
altera e acreditar que a edição de leis será mais rápida que o avanço social é
uma utopia.
Exemplo clássico poderia ser dado pelo fenômeno
administrativo que alcança as relações de emprego de hoje, denominado
terceirização, que na verdade é a exteriorização de parte do processo
produtivo de uma empresa.
Há quem defenda – e, aliás, são inúmeros os projetos de lei -
que há de existir uma lei para resolver toda a questão da terceirização,
principalmente em razão da defesa de que em regra, referidos serviços
adicionam o empregado a uma situação precária de vida.
Mas afinal, será que hoje terceirizamos todos os tipos de
serviços, ou a cada dia nascem inúmeras novas profissões e atividades
empresariais?
Será que uma lei de terceirização já não nasceria solucionando
apenas poucos conflitos?
Outra questão que pode ser posta diz respeito às atuais
reivindicações realizadas por empregados no judiciário nos dias atuais.
Noutra época, os processos tratavam de problemas já postos e
conhecidos muito bem pela legislação ordinária. O trabalhador reivindica o
pagamento de horas extras, cabendo ao Juiz por meio de simples subsunção
dos fatos discutidos com os pedidos, reconhecer ou não o direito.
Contudo, nos dias atuais, enfrentamos questões difíceis (hard
cases), geralmente vinculadas a direitos ditos inespecíficos, em que
empregados são revistados com suposta violação a sua intimidade,
108
discussões sobre a privacidade ou não dos e-mails, debates sobre doenças
psíquicas muitas vezes oriundas do desgaste emocional aviltante causado
pelo trabalho, a existência ou não de assédio moral e sexual em situações
corporativas, entre outros tantos exemplos.
Indaga-se então: Será a lei infraconstitucional capaz de criar
uma hipótese de incidência para essa complexidade de mundo em que
vivemos, permitindo ao julgador que pela simples subsunção do fato a uma
norma pré-estabelecida dê guarida a essa ou aquela proteção?
Evidente que não.
Então como compatibilizar a promessa do Estado Democrático
de direito, enquanto uma escolha política de um povo com as garantias e
direitos fundamentais por meio da edição de leis?
E mais, como compatibilizar a garantia da decisão dita “justa”
ou mais próxima do justo, e fundamentada sem a utilização de critérios
objetivos capazes de externar a segurança jurídica da decisão, evitando
assim a discricionariedade num elevado grau?
No nosso entender há apenas uma saída, que é justamente a
aplicação dos princípios de forma volátil quanto às garantias e direitos
fundamentais, permitindo a análise de casos concretos individualmente, pelas
regras do princípio da proporcionalidade.
Além do exposto, por fim, é necessário passar em revista aos
princípios específicos do direito do trabalho para avaliar se existe, em certa
medida, choques com o princípio da proporcionalidade, ou se na verdade,
referidos princípios dão completude ao sistema.
Para isso nos valeremos da obra do Professor Uruguaio
Américo Plá Rodriguez, que sedimentou em obra memorável os princípios da
relação entabulada entre capital e trabalho.
109
4.2 O princípio da proporcionalidade e os princípios do direito do
trabalho. Choque ou complemento?
4.2.1. In dubio, pro operário
Para Américo Plá Rodriguez119 a regra do in dubio pro operário
é o “critério que deve utilizar o juiz ou o intérprete para escolher, entre vários
sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao
empregado”.
E continua, agora citando Deveali, no sentido de que “podemos
dizer que o reconhecimento do caráter especial do Direito do Trabalho
importa em rechaçar o princípio admitido no direito privado, segundo o qual
os casos duvidosos devem resolver-se a favor do devedor (in dúbio, pro reo).
(...) Se o direito privado aceita o princípio do favor pro reo é porque, na
generalidade das relações civis ou comerciais, o devedor é o mais fraco e
necessitado. Mas nas relações laborais ocorre exatamente o contrário, posto
que, na generalidade dos casos, o trabalhador, cuja situação de debilidade
frente ao empregador constitui o pressuposto básico do direito laboral,
apresenta-se como credor frente a seu empregador”.120
Isso mostra, de certa maneira, que o ramo do direito do trabalho
possui princípios próprios, não estando vinculado à premissa de igualdade
entre às partes que demandam.
Aqui, cumpre salientar, que na nossa visão, esse desiquilíbrio é
da relação, que se sustenta, principalmente na subordinação.
Noutras palavras, as regras infraconstitucionais, em tese, não
diferenciam o faxineiro do diretor de uma empresa, bastando que se
119 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: Editora LTr, 2004, pág. 107.
120 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho, cit., p. 108.
110
comprove os elementos da relação de emprego, podemos pensar na
formação do vínculo empregatício, na interpretação do princípio in dubio pro
operario.
Na verdade, o princípio em testilha, pode ser aplicado apenas e
tão somente na legislação infraconstitucional, pois se debruça ao que parece,
nos tradicionais critérios de validade ou não validade de norma, optando
entre uma e outra, não se podendo falar, com todo respeito, nessa aplicação
no nível de discussão entre colisão de direitos fundamentais, sob pena de se
priorizar um direito em detrimento do esvaziamento completo do outro, o que
não se pode aceitar, como já destacado.
4.2.2. Norma mais favorável
Leciona ainda o saudoso Américo Plá Rodriguez121 que a regra
da norma mais favorável determina “no caso de haver mais de uma norma
aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não
seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas”.
Importante destacar mais uma vez, que quando tratamos de
regras infraconstitucionais e que não sejam emplacadas pela colisão de
direitos fundamentais talvez a aplicação do princípio encontre guarida, pois
estaremos tratando de dúvidas de subsunção dessa ou daquela norma.
Mais há ainda outra hipótese de sucesso no princípio posto,
quando tratamos não de proporcionalidade, mas sim, de interpretação
“conforme” o texto Constitucional.
Referimo-nos ao caput do artigo 7º da Constituição Federal que
dita especificamente:
121 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho, cit., p. 107.
111
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social”.
Vê-se que o direcionamento do princípio da norma mais
favorável encontra sustentação no próprio texto maior, e por essa razão,
estamos tratando de aplicação de um princípio com sustentação numa
interpretação dita “conforme”, ou seja, que possui em seu bojo a irradiação
da “regra” principiológica no epicentro constitucional para um ramo específico
do direito.
Isso se torna de clareza solar, quando apresentamos exemplos
clássicos. Vamos a uma deles.
Se o instrumento coletivo firmado entre duas categorias fixa
hora extra de 70% e a Constituição Federal revela que o adicional mínimo a
ser aplicado (inciso XVI do artigo 7º) é, “no mínimo” de 50%, o que ocorre
na verdade é a aplicação do caput do artigo 7º já citado combinado com o
artigo XVI do mesmo artigo, para conferir ao trabalhador a hora extra com
70%, tendo em vista que essa regra melhora sua condição social, pois
aumenta seu poder de compra e sua sustentação financeira, além de
claramente tornar possível o avanço da própria economia.
Por tal razão, não elevamos na verdade o instrumento coletivo a
uma categoria maior que o texto constitucional, e sim, respeitamos o texto
constitucional, que claramente indica essa possibilidade. Mas observe-se,
aqui não há um choque entre direitos e garantias fundamentais
constitucionais, há sim uma completude do texto constitucional realizado pela
via dos instrumentos coletivos.
Mas repita-se, isso se dá no nível de direitos regulamentados
infraconstitucionalmente em hipótese em que não se observe choque ou
colisão de direitos fundamentais.
112
Américo vai adiante, sugerindo métodos de aplicação de
prevalência. Um desses métodos é o do critério de aplicação, e, citando
Durand 122 , propõe os seguintes princípios orientadores de aplicação da
norma mais favorável:
1) a comparação deve ser efetuada considerando o conteúdo
das normas. Não pode, entretanto, compreender as
consequências econômicas longínquas que a regra possa
ocasionar. Pode ocorrer que uma convenção coletiva,
impondo às empresas um ônus muito pesado, seja geradora
de desemprego e provoque uma perturbação econômica aos
trabalhadores. Nem por isso deixa de ser considerada mais
favorável, se o estatuto que estabelece é, em si mesmo,
preferível ao da lei;
Com evidente respeito ao mestre e ao momento em que o texto
fora redigido, nos dias atuais, não se permite mais, uma visão micro do
mundo do trabalho.
Tanto é verdade, que o próprio texto constitucional permite a
redução salarial (ainda que apenas firmada por instrumentos coletivos) de um
empregado.
Se essa visão fosse correta, estaríamos negando o texto
constitucional, para a aplicação de um princípio sem a observância da
realidade social. Assegurar a aplicabilidade de uma única forma nos atrai
para a antiga visão de mera “subsunção”, e no caso, o que é pior,
“subsunção” entre aspas, pois estamos tratando de uma suposta “subsunção”
de princípio específico, o que nos parece impossível de sustentar.
Nessa linha, não só é possível, como conveniente e legitimo, o
afastamento desse princípio seja para atender o comando constitucional - no
122 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho, cit., p. 127-128.
113
caso do exemplo dado – como na hipótese de que essa aplicação pura e
simples seja capaz de atrair a colisão de garantias fundamentais de
empregados e de empregadores, pelo critério de aplicação do princípio da
proporcionalidade, esse sim de natureza vinculativa ao Estado Democrático
de Direito.
2) a questão de saber se uma norma é ou não favorável aos
trabalhadores não depende da apreciação subjetiva dos
interessados. Ela deve ser resolvida objetivamente, em função
dos motivos que tenham inspirado as normas;
Aqui, como já comentado, verifica-se a identificação plena do
saudoso professor com o dito “espírito da lei” ou “espírito do legislador”, o
que não parece possuir mais espaço numa visão dita pós-positivista.
Não obstante a ideia apresentada de uma apreciação objetiva
da norma, o que afasta o julgamento conforme a consciência, repudiado nos
dias atuais, nos parece que a objetividade não encontra supedâneo na
inspiração do legislador, mas sim, no texto constitucional, seja pela aplicação
da proporcionalidade, caso em choque garantias fundamentais, seja pela
interpretação conforme, fazendo valer a vontade do texto maior, com menor
nível de discricionariedade possível.
E continua o Autor:
3) o confronto de duas normas deve ser feito de uma maneira
concreta, indagando se a regra inferior é, no caso, mais ou
menos favorável aos trabalhadores. Uma cláusula de escala
móvel, admitindo a revisão dos salários, no caso de variação
de custo de vida em 10%, em elevação ou em baixa, enquanto
o coeficiente legal de revisão é de 5%, será julgada
prejudicial em caso de alta do custo de vida, posto que
impede a revisão dos salários, enquanto teria sido favorável
no caso de baixa, retardando a diminuição dos salários;
114
Salientamos que mesmo na existência de previsibilidade da
melhoria da condição social do trabalhador no caput do artigo 7º do Texto
Constitucional, como bem apontado pelo renomado jurista, deve ser avaliado
o caso concreto, no sentido de observar a existência ou não de colisão de
direitos ou garantias fundamentais.
Não podemos deixar escapar que empresas, enquanto pessoas
jurídicas e geradoras de emprego, de igual forma estão sob o manto protetor
constitucional quanto às garantias ditas fundamentais.
Isso significa dizer, que em regra, podemos entender o
desnivelamento ocasionado pela subordinação existente na relação de
emprego, contudo, hipótese pode ocorrer, em que não se poderá
simplesmente esvaziar completamente um direito fundamental em detrimento
de outro apenas e tão somente em socorro do princípio da norma mais
favorável.
4) como a possibilidade de melhorar a condição dos
trabalhadores constitui uma exceção ao princípio da
intangibilidade da regra imperativa hierarquicamente
superior, não se pode admitir a eficácia de uma disposição
inferior, embora se possa duvidar de que seja efetivamente
mais favorável aos trabalhadores”.
Aqui, a hipótese nos parece ser de interpretação da regra
inferior conforme o texto constitucional.
4.2.3. Verdade real
O princípio em si já é um paradoxo, pois existe verdade
absoluta?
115
Talvez a intenção e avaliação do princípio andem estritamente
ligada à possibilidade de decisões com sustentação meramente formal, ou
seja, observando apenas a formalidade existente no contrato entre partes e
seus parâmetros de fixação não seriam indicadas para a solução de conflitos
na esfera trabalhista.
Contudo, para nós, ainda que esse princípio tenha sua origem
em estudos da relação de emprego, acaba por se confundir com o ideário de
justiça, busca constitucional para todo e qualquer ramo do direito.
O princípio da proporcionalidade aqui estudado, observado por
esse matiz, evidentemente ganha contornos significativos, pois ao analisar
caso a caso quando em choque garantias fundamentais, nos aproxima em
tempo e modo da suposta verdade real, pois afasta o “ante” normativo criado,
aplicado por simples subsunção.
Uma hipótese que poderia ser ventilada no nível constitucional
é o constante conflito – de natureza processual - entre duração razoável do
processo e garantia da ampla defesa, ambos incrustados na Carta de 1988
como garantias certas.
Poderia ser esvaziado por completo o tempo de duração
razoável do processo ou a garantia da ampla defesa com supedâneo na
busca de uma verdade dita real?
Evidente que não.
Observe-se que a verdade real não poderia e não pode ter mão
única, tendo em vista que um resultado obtido em qualquer processo judicial
vale para todas às partes que dele participam.
Na hipótese ventilada, podemos ter uma duração que nos
parece excessiva do processo, contudo necessária para permitir a ampla
defesa; de outro lado, casos existem em que concedida à possibilidade de
116
defesa de forma suficiente, evidente que prevalecerá a duração razoável do
processo como motor de aceleração da decisão.
117
CAPÍTULO 3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS RELAÇÕES
TRABALHISTAS
3.1 Constituição Federal e os Direitos Sociais do Trabalhador
Através dos tempos chegando até a presente quadra,
identificamos hoje no texto da Carta de 1988 direitos sociais.
Referidos direitos e garantias encontraram no então texto de
1988 expressão inigualável. Isso porque desde o Preâmbulo da Carta, se
observa que os direitos sociais são especificados mesmo na “antevisão” da
redação Constitucional, portanto, base de sua construção, de seu objetivo.
Importante destacar que direitos sociais devem ser observados
na leitura da constituição de uma forma mais abrangente, como garantias e
direitos da sociedade como um todo, e não especificamente dos
trabalhadores.
Contudo, de uma forma mais específica, cabe pontuar que os
valores sociais do trabalho, ou seja, a importância valorativa do trabalho para
o seio da sociedade como um todo, é identificada no texto como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito.
3.2 Escorço Histórico
Há evidente avanço histórico no texto constitucional ao longo
dos tempos.
A esse avanço passamos a nos dedicar.
118
Como todos sabemos a carta política de 1988 se apresenta
num viés formal e material de observação123.
Nos ensina Paulo Gustavo Gonet Branco124:
Fala-se em Constituição no sentido substancial quando o
critério definidor se atém ao conteúdo das normas
examinadas. A Constituição será, assim, o conjunto de
normas que instituem e fixam as competências dos principais
órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por
quem, além de disciplinar as interações e controles
recíprocos entre tais órgãos. Compõem a Constituição
também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a
ação dos órgãos estatais, em benefício da preservação da
esfera de autodeterminação dos indivíduos e grupos que se
encontram sob a regência desse Estatuto Político. Essas
normas garantem às pessoas uma posição fundamental ante o
poder público (direitos fundamentais).
Escorado na lição de Konrad Hesse constante na obra “Temas
Fundamentais de Direito Constitucional”, o mesmo autor implementa inserido
no conteúdo substancial outro desdobramento: “A Constituição passa a ser o
local para delinear normativamente também aspectos essenciais do contato
das pessoas e grupos sociais entre si, e não apenas as suas conexões com
os poderes públicos”125.
Sob o aspecto formal, continua o Autor: “é o documento escrito
e solene que positiva as normas jurídicas superiores da comunidade do
123 O leitor pode encontrar todos os textos das constituições nacionais no site: www.planalto.gov.br.
124 MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed. Revista e atualizada, São Paulo; Saraiva, 2001, p. 63 e 64.
125 Idem, p. 65.
119
Estado, elaborados por um processo constituinte específico. São
constitucionais assim, as normas que aparecem no diploma constitucional,
que resultam das fontes do direito constitucional, independente do seu
conteúdo126”.
Desnuda-se aos nossos olhos que a Constituição de um País é
a regra superior que compõe suporta o ordenamento jurídico, visa garantir a
segurança de “por quem”, “quando” e “como” se dará um comando e suas
inter-relações de uma nação, além reger como norma 127 de natureza
essencial a relação entre pessoas e grupos que pertencem a essa mesma
sociedade128.
126 MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 66.
127 Nos dias atuais há imensa discussão doutrinária no campo da filosofia do direito sobre o que é norma, principalmente no campo constitucional, pois após o giro linguístico ocorrido na Europa tratando o texto da norma como linguagem, há evidente decadência da visão positivista de Hans Kelsen propalada em sua obra “Teoria Pura do Direito”, tratando a norma como “dever ser” de uma sociedade. Nos dias atuais, ainda, concorre com essa Teoria aquela apresentada por Friederich Müller denominada “Teoria Estruturante do Direito”, que tem em si a ideia de que num julgamento o Estado através de um Juiz competente cria a norma com o julgamento, fazendo com que o texto da lei tenha conteúdo meramente linguístico e em certa medida programático, sendo a norma efetivamente criada com a decisão judicial. Esse destaque é necessário, tendo em vista que pelo dinamismo do direito do trabalho ocasionado pelas mudanças sociais e constantes no mundo do trabalho, talvez num futuro próximo não seja mais possível á aplicação da simples subsunção, pois trará tratamentos iguais para fatos sociais diferentes. Na teoria estruturante cada julgamento trata em si e isoladamente cada fato social, elevando inclusive a importância do magistrado, que se afasta de uma função meramente mecânica, permitindo o avanço no entendimento em acompanhamento aos fatos sociais. Em palavras mais simples, a “Teoria Estruturante” trata cada caso como único. Ao leitor que pretender compreender com maior densidade o tema, sugerimos no campo filosófico a leitura da obra “Verdade e Método” de Hans-Georg Gadamer e no campo do direito a importante avaliação Georges Abboud na Obra “Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais”, Editora Revista dos Tribunais, em especial páginas 46/47.
128 Destaca Manoel Gonçalves Ferreira Filho na obra “Curso de Direito Constitucional”, Ed. Saraiva. 16ª Edição. São Paulo, 1987, p. 87 “A Constituição é a base da ordem jurídica e a fonte de sua validade. Por isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode contra ela dispor. A supremacia da Constituição decorre de sua origem. Provém ela de um poder que institui a todos os outros e não é instituído por qualquer outro, de um poder que constitui os demais e é por isso denominado Poder constituinte”.
120
Não se vê portanto, a possibilidade de se ignorar a envergadura
e significação de tal documento, também conhecido como carta, como se
entregue fosse a cada cidadão em seu respectivo endereço garantindo sua
aplicabilidade em respeito ao ser social.
No espectro do direito dito trabalhista, vinculados às
expressivas garantias sociais à crescente desses direitos são incontestáveis,
como já indicou Paulo Bonavides ao tratar da relação do direito
Constitucional com o Direito do Trabalho:
São numerosos os dispositivos constitucionais que inserem
princípios de proteção aos trabalhadores consagrando
admiráveis conquistas da classe obreira. Medite-se a esse
respeito no sindicato livre, no direito de greve, na previdência
social, no salário mínimo, no repouso semanal remunerado,
na participação obrigatória nos lucros da empresa etc.
(arts.6º,7º,8º e 9º)129
Contudo, o objetivo aqui é apenas destacar parte dos avanços
ocorridos com o passar do tempo no direito do trabalho no texto e contexto
constitucional.
A Constituição ainda Imperial de 1824, criada no período
escravagista, em tese nada citou em relação ao tema, proibindo apenas o
trabalho na hipótese de violação de costumes, segurança e saúde de
cidadãos, além da extinção das corporações de ofícios, como se observa em
seu artigo 179.
“XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou
commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha
aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.
129 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, cit., p. 46.
121
XXV. Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes,
Escrivães, e Mestres”. (SIC)
O texto Constitucional de 1891, mesmo já pertencente ao
período republicano, sob influência clara da Constituição dos Estados Unidos
da América 130 , apresentou dois avanços, sendo eles:1) liberdade de
associação e liberdade do exercício de profissão, ambos identificados no
artigo 72, parágrafos 8º e 24º respectivamente.
Os professores Octavio Bueno Magano e Estêvão Mallet131 com
esteio em Pinto Ferreira que “A Constituição de 1934 é a primeira a abrir
largo espaço à ordem econômica e social, o que denota clara influência do
constitucionalismo social”.
Tal fator fora observado principalmente em razão da revolução
constitucionalista paulista de 1932, que apresentou a extrema necessidade
da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte pelo então Getúlio
Vargas.
Assinalam referidos Autores132 o texto do artigo de nº 115 para
fundamentar referida assertiva, que dita: “a ordem econômica deve ser
organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida
nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses
limites, é garantida a liberdade econômica”.
130 BELTRAN, Ari Possidonio. Direito do Trabalho e Direitos Fundamentais. São Paulo: Ltr 2002, p.110.
131 MAGANO, Ocatvio Bueno e MALLET, Estêvão. O Direito do Trabalho na Constituição. Ed 1ª. Editora Forense; 1993; p.11.
132 MAGANO, Ocatvio Bueno e MALLET, Estêvão. O Direito do Trabalho na Constituição, cit., p. 12.
122
Além disso, foi criada a Justiça do Trabalho133 - ainda que não
tão independente como nos dias atuais, em razão de encontrar-se vinculada
ainda ao Poder executivo (artigo 122 da CF de 1934); no espaço destinado
ao direito coletivo do trabalho implementou a autonomia sindical, pluralidade
sindical, reconhecendo as associações profissionais (artigo 120, parágrafo
único); reconhecendo ainda, as convenções coletivas de trabalho (artigo 121,
parágrafo 1º, letra “j”).
No que se refere ao direito dito individual do trabalho, os
notáveis os avanços, tenho em vista agora presentes: o princípio da isonomia
salarial (artigo 121, parágrafo 1º, letra “a”); 2) O salário mínimo (artigo 121,
parágrafo 1º, letra “b”); 3) a proibição do trabalho do menor de 14 anos e
noturno dos aos menores de 16 anos, bem como no caso de ambiente
insalubre protegeu a mulher e menores de 18 anos (artigo 121, parágrafo 1º,
letra “d”); 5) fixação de indenização na hipótese de dispensa sem justa causa
(artigo 121, parágrafo 1º, letra “g”); 6) limitou jornada diária em 8 horas,
acenando para sua prorrogação apenas através de autorização legal (artigo
121, parágrafo 1º, letra “c”; 7) garantiu o repouso semanal (artigo 121,
parágrafo 1º, letra “e”); assegurou o direito às férias anuais remuneradas134.
(artigo 121, parágrafo 1º, letra “f”)
Prelecionam os professores Magano e Mallet 135 que referida
Constituição ainda se expressou quanto: “da assistência médica e sanitária
ao trabalhador e à gestante, assegurando-se a esta descanso antes e depois
133Silva Filho, Ives Gandra Martins. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. Organizadores Amauri Mascaro Nascimento, Irany Ferrari, Ives Gandra Martins da Silva Filho. 3ª Ed. São Paulo; LTr, 2011, p.139
134 Ressalte-se que até então vigia sobre as férias a lei 4.982 de 25 de dezembro de 1925 que deu direito ao gozo de férias de 15 dias sem prejuízo do recebimento aos empregados de estabelecimentos comerciais, industriais, bancários e de instituições de caridade do Distrito Federal e Estados.
135 MAGANO, Octavio Bueno e MALLET, Estêvão. O Direito do Trabalho na Constituição, cit., p. 13.
123
do parto, sem prejuízo do salário e do emprego. Instituiu-se a previdência
social, mediante contribuição igual da União, do empregador e do
empregado”.
Nesse sentido, o texto de 1934 foi um divisor de águas para a
conquista no texto maior de direitos sociais.
Os textos encampados pelas Constituições de 1937 e de 1946
com características corporativistas136, inserindo o trabalho agora como dever
social, sendo que a de 1937 proibiu a greve137 e o lock-out138, bem como
reconheceu o sindicato como mero ente receptor de determinações do poder
estatal, com função meramente assistencial.
Digno de nota quanto ao texto da Constituição de 1946, o
reconhecimento da greve como direito (artigo 158), e no campo individual,
por ter observado o maior desgaste do trabalho realizado no período noturno,
garantindo diferença na paga (artigo 157, inciso III); além desses avanços,
houve por bem criar a assistência aos desempregados (artigo 157, XV);
136 Ensinam Estêvão Mallet e Octávio Bueno Magano com esteio em Marcello Caetano sobre os postulados básicos e princípios do corporativismo: “a atividade econômica deve guiar-se por padrões morais; não há duas classes sociais irredutivelmente opostas, mas número indefinido de grupos econômicos operando em colaboração harmônica; a atuação social do indivíduo há de se desenvolver através do seu grupo econômico; o interesse nacional coloca-se acima de todos os interesses particulares; o Estado tem deveres a cumprir na vida econômica e social”. MAGANO, Octavio Bueno e MALLET, Estêvão. O Direito do Trabalho na Constituição, cit., p. 15.
137 A greve ou estado de greve, como forma de pressão reivindicatória, consiste na paralização coletiva dos trabalhos pelos empregados visando atendimento de suas reivindicações. Foi durante muitos anos considerada como delito penal (exemplos da Inglaterra, em 1799/1880, Nos Estados Unidos por decisão em 1806, bem como pelo Código de Napoleão na França em 1806) como destaca SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 5. No Brasil, não foi diferente, com proibições no texto constitucional, contudo, hoje, o direito de greve é assegurado pelo artigo 9º da Constituição Federal de 1988.
138 Expressão inglesa que traduzida livremente significaria “fechar a porta”. Na verdade é atitude do empregador que consiste em paralisar as atividades da empresa, se valendo do seu poder econômico, com objetivo de frustrar alguma reivindicação da classe trabalhadora. Proibida tal prática no Brasil pela Lei 7.783/89, artigo 17.
124
permitiu a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa (artigo 157,
IV); bem como firmou a necessidade do seguro contra acidentes do trabalho
(artigo 157, XVII).
Já o texto de 1967, no dizer de Magano e Mallet139 “apresentou
poucas inovações, mas todas elas significativas”.
Sucintamente, apontam os Autores algumas inovações: no
campo processual: irrecorribilidade das decisões do Tribunal Superior do
Trabalho salvo se contrárias a Constituição (artigo135); no campo do direito
social (Título III do texto, artigo 158), inserindo os seguintes princípios
programáticos140 destacam: liberdade de iniciativa, valorização do trabalho
como dignidade humana, função social da propriedade, harmonia e
solidariedade entre os fatores de produção, desenvolvimento econômico,
repressão ao abuso do poder econômico caracterizado pelo domínio dos
mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrários dos lucros,
participação dos trabalhadores na gestão da empresa, ainda que em casos
excepcionais, além da criação através do inciso XIII do Fundo de Garantia
por tempo de Serviço, ainda como opção ao regime de estabilidade, dando
início a decadência da estabilidade decenal.
Destacam os mesmo autores, a importância da criação do
salário-família, com previsão constitucional 141 (artigo 158), dando a este
natureza previdenciária, possibilitando o ressarcimento dos valores pagos a
esse título.
139 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 18.
140 Princípios programáticos são em síntese aqueles que têm como objetivo disciplinar interesses sociais e econômicos, e como exemplos poderíamos citar a valorização do trabalho e a busca pela Justiça social.
141 O salário-família já possuía previsão infra-constitucional na lei 4.266/1963.
125
Como ponto negativo do Texto, podemos destacar ainda com
esteio nos autores que citam ainda palavras de época do Professor Evaristo
de Moraes, a limitação do direito de greve quanto aos servidores públicos142
e nas atividades ditas essenciais143.
Ensina Beltran144 sobre a Emenda Constitucional 1º de 17 de
outubro de 1969, objeto de revisita a finalidade do Texto Constitucional:
“Embora tal revisão não tivesse alterado o elenco dos direitos sociais, alterou
fundamentalmente a finalidade da ordem econômica: enquanto o texto de
1967consignava que ela, com fundamento nos princípios enumerados, teria
“for fim realizar a justiça social”, o texto de 1969 previa que “a ordem
econômica e social em por fim realizar o desenvolvimento econômico e a
justiça social”, tudo com fundamento nos princípios que menciona”.
Na quadratura atual, com vigência a Carta de 1988, que em
avanço inegável e incalculável, reconheceu especialmente e expressamente
os direitos dos trabalhadores, atribuindo a esses topologia especial.
No artigo 1º, de se destacar, que apresenta como fundamento
do próprio texto constitucional “os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa” (inciso IV).
Some-se a referida previsão, que direitos atribuídos à classe
trabalhadora se apresenta no capítulo II denominado “DOS DIREITOS
SOCIAIS”, que está inserido no Título II denominado “DOS DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS”.
142 Importante destacar que a discussão sobre o direito de greve do servidor público ainda não está completamente solucionada até hoje, mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal se manifestado em 25 de outubro de 2007 no Mandado de Injunção 708-DF pela aplicabilidade da lei 7.783/1989 aos servidores públicos.
143 Verificar artigos 9º e 11º da lei 7.783 de 1989 sobre greve nas atividades ditas essenciais.
144 BELTRAN, Ari Possidonio. Direito do Trabalho e Direitos Fundamentais, p.113.
126
O destaque inicial é a alteração dita topológica145 da inserção
dos direitos dos trabalhadores, que parte de uma simples declaração de
direitos na Constituição de 1967, aparecendo nessa quadra, como garantia
fundamental. Isso é muito relevante, pois pela primeira vez na história
constitucional146, se reconhece a importância dos direitos sociais147 como
fundamentais148, daí a fala de que o texto Constituição de 1988, além de
democrática, na sua forma, é uma Constituição social de direito em sua
essência.
No trabalho denominado “Dumping Social149 referido momento
histórico e de previsão, não deixou ser observado, que destacaram com
fundamento Norberto Bobbio: “A consolidação do Estado Social constitui, de
acordo com o jurista italiano, um compromisso histórico entre a propriedade
privada como direito absoluto, própria do Estado Liberal, e o mundo do
trabalho organizado. Um compromisso necessário para salvar o sistema
capitalista, do qual nasce direta ou indiretamente a democracia moderna”.
145 Topologia além de um ramo da matemática pode ser compreendida no contexto como um conjunto de partes de um conjunto que verificam certas propriedades de intersecção e união.
146 Não obstante a Constituição Federal de 1967 tenha valorizado o trabalho como viés da dignidade humana, a mudança é significativa.
147 Conceitua José Afonso da Silva os direitos sociais com as seguintes palavras: “assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais, são portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional Positivo.30ª ed, São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p.287.
148 Ao explicar a importância do texto constitucional como base do direito de um País destaca o professor Nelson Nery Junior: “[...] É cada vez maior o número de trabalhos e estudos jurídicos envolvendo interpretação e aplicação da Constituição Federal, o que demonstra a tendência brasileira de colocar o Direito Constitucional em seu verdadeiro e meritório lugar: o de base fundamental de um direito do País”. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª edição, p.25.
149 MAIOR, Jorge Luiz Souto e MENDES, Ranulio e SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr., 2012, p.16.
127
Adicionam os autores revelando a base sustentadora da nova
carta, que trouxe o chamado capitalismo social responsável, numa visão
axiológica150:
[...] O direito social não é apenas uma normatividade
específica. Trata-se de uma regra transcendental que impõe
valores à sociedade e, consequentemente, a todo ordenamento
jurídico. Esses valores são: a solidariedade (como
responsabilidade social de caráter obrigacional), a justiça
social (como consequência da necessária política de
distribuição dos recursos econômicos e culturais produzidos
pelo sistema), e a proteção da dignidade humana (como forma
de impedir que os interesses econômicos suplantem a
necessária respeitabilidade à condição humana).
Tais direitos sociais estão sacramentados no texto
constitucional dos artigos 6º ao 11º, contudo, nem todos tem referência direta
ao trabalho, se fazendo importante, realizar uma estreita e pontual
classificação com amparo no Professor José Afonso da Silva, que acenou
para a divisão entre direitos sociais do homem produtor e direitos sociais do
homem consumidor.
Aponta que o homem dito consumidor encontra seus direitos no
artigo 6º da Carta de 1988, como os direitos à saúde, segurança social,
desenvolvimento intelectual, desenvolvimento da família entre outros.
Nos valendo de suas palavras151:
Entram na categoria de direitos sociais do homem produtor,
os seguintes: a liberdade de instituição sindical (instrumento
de ação coletiva), o direito de greve, o direito de o trabalhador
150 Visão de valores.
151 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional Positivo, cit., p. 287.
128
determinar as condições de seu trabalho (contrato coletivo de
trabalho), o direito de cooperar na gestão da empresa (co-
gestão ou autogestão) e o direito de obter um emprego. São os
previstos do artigo 7º ao 11º.
Além de tais destaques, não podemos afastar o Ato das
disposições Constitucionais Transitórias (artigo 10º) que de igual sorte trouxe
inúmeras garantias.
O artigo 193 do texto, inserido no Título VIII que trata da ordem
social, destacou ainda: “a ordem social em como base o primado do trabalho
e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
O artigo 8º delimitou a forma da organização sindical; o artigo 9º
o direito de greve; o artigo 10º revelou a representação parelha dos órgãos
públicos que se refiram a interesses profissionais e o ario 11º tratou do
representante interno na empresa, como objetivo de promover o
entendimento dos trabalhadores com a direção da empresa.
Mas também não poderíamos afastar o registro quanto ao
significante avanço no texto do Artigo 7º da Constituição Federal de 1988,
esses sim, reais conquistas da relação de emprego e trabalho.
São eles:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:”
Já na cabeça do artigo, verificamos duas alterações
significativas.
129
Por primeiro, o tratamento igualitário ao trabalhador rural152 e ao
trabalhador urbano, encontrando uma isonomia - agora constitucional –
quanto ao tratamento destes, não obstante a legislação crie perspectivas
próprias de cada forma de prestação de serviço em razão do desgaste,
localidade, entre outras situações consideradas e razão da característica da
prestação de serviços.
De forma segunda, a expressão constitucional “além de outros
que visem à melhoria de sua condição social”, está a revelar um pacto social
oriundo dessa isonomia, ou seja, diz o texto maior, que a regra dos direitos
sociais não está limitada ao que o próprio texto destaca, mas sim que,
direitos que visem à melhoria dessas condições sociais do trabalhador e
urbano, e só esses, encontrarão respaldo no texto maior153 154.
Vamos aos incisos:
Inciso I:
152 Ver lei 5.889/73, portanto anterior ao texto constitucional que estatui normas específicas para o trabalho rural no Brasil.
153 Aqui destaca-se o princípio da interpretação dita “conforme”, como ensina Luis Carlos Hiroki Muta com as seguintes palavras: “Tal princípio não é, propriamente, específico da interpretação constitucional, mas um princípio que orienta o controle de constitucionalidade, ou seja, o exame da validade ou não de uma lei em face da Constituição, dotada de supremacia formal. Se todos os meios de interpretação disponíveis (gramatical, histórica, lógica etc.) não permitirem a redução do texto a um sentido e conteúdo unívoco, coexistindo vários, uns constitucionais e outros não, o que deve prevalecer, segundo tal princípio, é a interpretação que conduza a uma solução conforme a Constituição. MUTA, Luis Carlos Hiroki. Direito Constitucional. Tomo I. Ed. Elsevier.Rio de Janeiro. 2007, p. 35.
154 No mesmo sentido Willis Santiago Guerra Filho e Henrique Garbelinni Carnio em “Teoria da Ciência Jurídica”. Ed. Saraiva,2009. São Paulo; 2ª Edição, p. 179, item 6: “ Princípio da interpretação conforme a Constituição, que afasta interpretações contrárias a algumas das normas constitucionais, ainda que favoreça o cumprimento de outras dela. Determina também, esse princípio a conservação da norma, quando inconstitucional, quando seus fins possam harmonizar-se com os preceitos constitucionais, ao mesmo tempo em que estabelece como limite à interpretação constitucional as próprias regras infraconstitucionais impedindo que ela resulte numa interpretação contra legem, que contrarie a letra e o sentido dessas regras”.
130
“I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou
sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos”;
Em razão da discussão na Assembleia Constituinte, foi afastada
a figura da estabilidade plena (decenal), que havia sido instituída pela lei Eloy
Chaves em 1923155.
Para Amauri156 em obra escrita em 1989, portanto logo após a
edição do texto, quatro são as novidades apresentadas pela então Carta
Social, a saber: supressão da estabilidade no emprego; o retorno da
indenização no caso de dispensa; a adoção do conceito de dispensa
arbitrária; garantia de outros direitos, além da indenização compensatória,
que seriam objeto de lei.
“II - seguro-desemprego, em caso de desemprego
involuntário157”;
Por corolário lógico, tendo a Constituição Federal de 1988
extirpado a estabilidade plena, precisaria assegurar com pulso firme
garantias para empregados que sofressem dispensa de seus empregos.
Relevante compreender que a atitude constitucional visava
garantir também o equilíbrio econômico, pois empregado sem emprego, e,
portanto, sem renda, não ativaria a economia através do consumo, ainda que
esse fosse para sua subsistência.
“III - fundo de garantia do tempo de serviço”;
155 Consultar lei 5.107 de 1966 sobre o FGTS, bem como o inciso XII do artigo 157 da CF de 1946 e 158 XIII da CF de 1967.
156 MASCARO, Nascimento Amauri. Direito do Trabalho na Constituição de 1988. Saraiva.1989, p. 45.
157 Consultar Decreto-lei 2.284 de 10 de março de 1986 que institui o seguro desemprego no Brasil.
131
Já inserido na constituição de 1967 pela Emenda de 1969, o
regime de FGTS, contudo tratado ainda à época como opcional158.
Diferentemente, a Constituição de 1988 inseriu o regime de
forma definitiva, respeitado, evidentemente, o direito adquirido realizado por
opção do empregado.
Na época, muitas foram às críticas dos doutrinadores,
principalmente em razão do entendimento de que a estabilidade não poderia
ser trocada por nada, em razão da ideologia que circundam a relação de
emprego e seus princípios.
Amauri159 ao avaliar, chegou a dizer: “Se há um instituto que
apresenta dois efeitos paralelos e opostos de modo claro, é o Fundo de
Garantia do Tempo de serviço. Protege e desprotege. Garante e traz
insegurança. É um bem e é um mal”.
A verdade é que o texto constitucional realizou uma troca clara,
partindo da estabilidade na relação para a possibilidade da dispensa,
tentando criar uma teia de possibilidades para que os empregados não
ficassem a deriva em caso de dispensa do emprego, prestigiando ainda, o
princípio da solidariedade constitucional, que sob a égide dos recolhimentos
mensais de 8% com base no salário do empregado realizados pelo
empregador, passaria então definitivamente a contribuir com o acesso a
subsistência do empregado em caso de desligamento de seu ofício.
Mesmo com as críticas da época, todas extremamente
fundamentadas, conseguimos identificar hoje a importância desse marco
fixado pelo Constituinte.
158 Ver artigo 165, XIII da Constituição de 1967 e leis 5.107 de 1966 e 5.598 de 1973.
159 MASCARO, Nascimento Amauri. Direito do Trabalho na Constituição de 1988, cit., p. 94.
132
Isso porque, nessa quadra, é fácil identificar a grande migração
de empregados entre empresas no mundo dito “globalizado”, e mais, em
breve conversa com a Professora e importante jurista portuguesa Maria do
Rosário Palma Ramalho, guardadas as diferenças culturais evidentemente,
conseguimos identificar as enormes dificuldades encontradas em Portugal
nos dias atuais em razão da manutenção do regime de estabilidade para a
realização de uma simples dispensa de um empregado, o que muitas vezes
compromete a própria economia da empresa, e por consequência, daquele
País.
Noutras palavras, o que a nós parece, é que a fidelização do
regime de FGTS pela Constituição Federal de 1988 foi um avanço, contudo,
por inúmeras razões, não tão bem compreendido à época.
“IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte
e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”;
Conta Amauri 160 , em síntese, que três modificações foram
introduzidas pelo texto, por primeiro, a atribuição de competência ao
Congresso Nacional para fixar o salário mínimo por lei; por segundo, o
acréscimo constitucional para que o salário mínimo comtemple no âmbito
familiar161 à educação, à saúde, o lazer e à previdência social como garantias
asseguradas com o recebimento desse salário; por terceiro, insere a
necessidade de reajustes periódicos, mesmo sem determinar o tempo para
tanto.
160 MASCARO, Nascimento Amauri. Direito do Trabalho na Constituição de 1988, cit., p. 133 e 117.
161 As Constituições de 1934,1937 tratavam o salário mínimo como garantia mínima individual, o que foi alterado pelo texto da CF de 1946 para revelar o atendimento no âmbito familiar.
133
“V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do
trabalho”;
O Texto constitucional evoluiu ainda, não só para fixar um
salário mínimo, bem como para abrir um espaço para a fixação de pisos
através de regras inerentes á complexidade do trabalho, evoluindo nos dias
atuais para a fixação de salários mínimos para determinadas profissões,
desde que superiores ao mínimo, visando à melhoria da condição social dos
empregados.
Não obstante seja reservado à União legislar sobre matéria
trabalhista (artigo 22 do Texto Constitucional), por delegação (parágrafo
único do mesmo artigo 22), editada por lei complementar, é permitido ao
Estado atuar nessa seara162.
“VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção
ou acordo coletivo”;
Até o texto de 1988, nenhuma Constituição Nacional havia
tratado do tema “irredutibilidade 163 ”. Essa uma importante e relevante
inovação.
Aqui, identificamos uma garantia dúplice, tendo em vista que a
regra é dirigida ao Estado e ao empregador.
Ao Estado, no sentido de que os programas de reajustes não
devem violar o poder de compra e das garantias mínimas asseguradas e de
outro lado, ao empregador, impedindo Constitucionalmente a redução do
salário nominal, no intuito de garantir ao trabalhador o instituto da
162 Apenas como exemplo ver lei complementar 103/2000, como preleciona Amauri Mascaro Nascimento. Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Salário, Conceito e Proteção. Sao Paulo LTr. 2008. São Paulo, p. 175.
163 Consultar artigo 468 da CLT sobre alterações no contrato de trabalho.
134
previsibilidade, ou seja, o trabalhador tem o direito de realizar sua
programação com base no salário que recebe.
Contudo, a regra constitucional abriu uma importante exceção,
ao relatar que “salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva”.
Seria então permitida a redução pela redução desde que
elaborada por entidades sindicais?
Evidente que a resposta prima facie é negativa. O texto
estampa a possibilidade da redução em momento de desestruturação
econômica ou social em que um bem maior que o salário esteja em perigo, a
exemplo o próprio emprego. Aqui há evidente espaço para a aplicação do
princípio da proporcionalidade em determinadas situações.
Essa conclusão é retira do “caput” do texto constitucional,
relembrando seus termos que garante o disposto nos incisos “além de outros
que visem à melhoria de sua condição social”.
Noutras palavras reduzir por reduzir não alcança essa
finalidade, o que nos leva a crer que a então Constituição Federal dever ser
lida como avanço e não como retrocesso social.
Uma redução salarial só pode ser reconhecida quando apontar
o mal maior que seria causado em caso da ausência daquela negociação
entre os atores sindicais.
Por fim, importante ressaltar, que o texto depositou importante
confiança nos representantes da categoria, ressalvando que apenas as
negociações por eles realizadas podem acarretar a redução, inovação que
aponta para o destaque da autocomposição.
“VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que
percebem remuneração variável”;
135
Não escapou ainda ao texto maior, eventual violação que
poderia ser propagada aqueles salários pagos de forma variável, comum aos
vendedores, retirando do texto anterior a expressão “fixo”.
Isso porque, ao dizer que o salário mínimo dará a família o
conteúdo mínimo de sobrevivência, não poderia em contradição, revelar que
o mínimo seria garantido apenas se alcançada uma variação salarial imposta
pelo empregador.
De certo modo, reafirma o inciso VII a proteção às garantias
mínimas oriundas da parcela salarial.
Portanto perfeitamente possível na vigência do texto de 1988 a
fixação de salário variável puro164, desde que ao final do mês, receba o
salário mínimo.
“VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral
ou no valor da aposentadoria”.
Mesmo a regra do 13º salário datar de 1962165, não havia nos
anteriores textos constitucionais referida garantia, que elevou seu pagamento
a garantia constitucional.
“IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno”;
Os textos das constituições de 1937,1946 e 1967 já haviam
tratado do tema, não havendo grande inovação.
“X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua
retenção dolosa”;
164 Exemplo do vendedor comissionista puro.
165 Lei 4090 de 13 de julho de 1962 que estipula a gratificação natalina alterada pela 4.749 de 12 de agosto de 1965, bem como do empregado rural nas leis 5.589/73.
136
Tentando atenuar regimes de trabalho culturalmente inseridos
no Brasil, sobretudo no campo, em que comumente havia retenção de
valores salariais, condicionando seu pagamento a determinadas situações,
não passou distante do texto constitucional, não obstante indique a
necessidade de lei para tanto, a proibição da retenção salarial, o que é
medida de extrema importância principalmente num país de dimensões
continentais como o nosso.
“XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da
remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa,
conforme definido em lei”;
Mesmo com a previsão já destacada no cerne das constituições
de 1946 e 1967, essa última tratando inclusive da participação na própria
gestão, contudo sem qualquer resultado prático, a inovação do texto de 1988
foi a desvinculação do recebimento de alguma parcela sob referida rubrica
desvinculado da remuneração166.
Essa importante referência constitucional fez com que houvesse
maior atratividade do empresariado em criar mecanismos de participação,
sem que tal parcela acabasse por integrar o contrato de trabalho para efeito
de reflexos em inúmeras verbas167.
“XII - salário-família pago em razão do dependente do
trabalhador de baixa renda nos termos da lei168”;
Criado pelo Texto de 1967, mantido pela Emenda de 1969, foi
novamente estampado na Carta de 1988, deixando para o legislador
166 MASCARO, Nascimento Amauri. Direito do Trabalho na Constituição de 1988, cit., p. 147.
167 Ver lei 10.101/2000 que regulamentou a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa.
168 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
137
infraconstitucional a fixação dos limites. Sem relevante inovação sob o ângulo
constitucional.
“XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas
diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e
a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho169”.
Embora não de forma explícita como assevera Orlando Gomes
e Elson Gottschalk170 desde 1932 já se fixava limite da duração do trabalho 8
(oito) horas diárias e 48 (quarenta e oito) semanais.
Contudo, o texto da Carta de 1988, reduziu referida fixação de
48 (quarenta e oito) horas semanais para 44 (quarenta e quatro) horas
semanais, trazendo evidente avanço na proteção do trabalhador, com
permissão de redução e compensação de horários desempenhados através
da atuação dos sindicatos, tendo em vista o constante nascimento de
inúmeras atividades em socorro do clamor da modernidade, bem como em
razão dos desdobramentos das especificações de cada atividade
desempenhada171.
Importante dizer, que o texto constitucional criou no nível de
garantia fundamental dois módulos limitadores para o excesso de duração do
trabalho, um diário e outro semanal, ou seja, ultrapassado qualquer dos
módulos, estará o empregador em pleno descumprimento a previsão
constitucional.
169 Vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
170 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 19 ed., Rio de Janeiro, 2012, p. 287.
171 Veremos adiante em tópico oportuno a intensa discussão da época quanto à interpretação de referido artigo, pois doutrinadores sustentavam a possibilidade de tal acordo ser realizado entre trabalhadores e empregadores de forma direta, enquanto outros creditavam a postura constitucional direcionada apenas aos atores representativos da categoria.
138
“XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos
ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”;
Além proteger diretamente em linhas gerais o trabalhador
quanto à duração do trabalho, a Constituição de 1988 foi adiante,
reconhecendo o desgaste físico ocasionado pelo labor realizado em turnos
chamados de ininterruptos.
Aqui se está a proteger com fixação de jornada limitada a seis
horas, aqueles empregados que atuam em escalas de revezamento de
horários. Exemplo: uma indústria que funcione 24 horas diárias, com
empregados que revezem na escala, ora trabalhando das 6 às 12, ora das 12
às 18, ora das 18 às 24, ora das 24 às 6.
Esses empregados, de acordo com o texto, não poderão
laborar mais de 6 (seis) horas diárias, devido ao excessivo desgaste causado
ao organismo em razão da constante alteração do horário de sua jornada de
trabalho.
Avanço digno de nota no campo da proteção aos direitos
sociais.
“XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos
domingos”;
Mesmo existindo já desde a Constituição de 1934, e vinculado
pela lei 605/49, são dois os princípios assegurados pelo Texto de 1988, nas
palavras de Amauri172 :”1º) O repouso semanal será remunerado, o que
significa que o trabalhador terá o direito ao descanso da semana sem
prejuízo do salário(...) 2º) O descanso semanal será preferentemente no
domingo, não o sendo recairá sobre outro dia da semana, a critério do
empregador”.
172 MASCARO, Nascimento Amauri. Direito do Trabalho na Constituição de 1988, cit., p. 180/181.
139
Hoje, com a velocidade e a gestão do trabalho a distância, pelos
avançados meios de comunicação e com a globalização do mercado de
trabalho, esse avanço constitucional se torna cada vez mais palpável.
Empregados hoje atuam como se fossem “ligados a uma
tomada”, e a necessidade do descanso cada vez mais tem ocupado lugar
especial na doutrina. Nos dias atuais, desligar o computador não significa
muitas vezes descansar, pois temos o blackberry, o i-phone o i-pad e tantos
outros meios que acabam mantendo o empregado em atenção constante.
O descanso aos domingos inclusive mereceu especial atenção
no trabalho desenvolvido pelo Professor Leonel Maschietto em sua tese de
doutoramento junto a PUC de São Paulo que teve como tema “O Trabalho
aos domingos como elemento de dissolução da entidade familiar e restrição
ao direito ao lazer”.
“XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no
mínimo, em cinquenta por cento à do normal173”.
Referida previsão no nível constitucional extirpou do mundo
jurídico a previsão do artigo 59 da CLT que fixava adicional até então inferior,
criando digamos “um não incentivo” a realização de trabalhos extraordinários
por parte do empregador, sem que a remuneração desse trabalho de certa
forma recompensasse o maior desgaste do empregado.
“XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um
terço a mais do que o salário normal174”;
Inserido no texto a periodicidade das férias em pelo menos um
ano com o respectivo direito ao descanso, bem lhe garante o abono de 1/3
sobre o valor.
173Vide Decreto lei 5.452 de 1943, art. 59 § 1º.
174 Voltaremos ao tema para tratar especificamente da Convenção 132 da OIT.
140
“XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do
salário, com a duração de cento e vinte dias”;
Aqui houve evidente avanço, pois as constituições anteriores
não fixavam tempo, apenas utilizando até então expressões como “antes e
depois do parto”, contudo, o artigo 392 da CLT proibia o trabalho em quatro
semanas anteriores ao parto e em oito semanas após o parto, tendo o texto
constitucional se apresentado como fator tempo a garantia de 120 dias175.
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
Deixou claro à Constituição a importância do direito a licença,
contudo preferiu deixar os limites serem fixados por lei infraconstitucional.
“XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos, nos termos da lei”;
Em continuidade ao cerne de tratamento isonômico, deixou o
texto de forma clara sua intenção de proteger a mulher, permitindo a livre
concorrência entre homens e mulheres.
Atentemos para a expressão “incentivos específicos”, que de
certa forma está a conduzir o legislador a atuar dentro de sua teia de
normatividade de modo a incentivar a aglutinação da mulher ao mercado,
sem esquecer a proteção que é merecedora em razão de condições
especiais.
Assegure-se que essas condições especiais não se vinculam
em nenhuma hipótese a capacidade da mulher, que tem demonstrado, no dia
a dia que sua força e capacidade é no mínimo igual a do homem, se
considerado o gênero, mas sim, a merecida proteção com relação a
maternidade em seus amplos aspectos entre outros, sem que se crie
175 MASCARO, Nascimento Amauri. Direito do Trabalho na Constituição de 1988, cit., p. 185.
141
qualquer embaraço em razão dessa proteção a sua constante inserção no
mercado de trabalho.
“XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no
mínimo de trinta dias, nos termos da lei”;
Adotado pelo texto constitucional, como já dito, a não
preservação da estabilidade, tendo em vista a fixação do regime de FGTS
como obrigatório, criou como segurança, e nesse nível, voltando-se
especificamente ao direito do dos trabalhadores, regra imediata quanto ao
limite mínimo de 30 (trinta) dias e pró-futuro de proporcionalidade do aviso
prévio.
Importante nesse momento compreender isso, em especial em
razão do Mandado de Injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal sobre
o tema e a edição da recente lei 12.506/2011 que está a tratar do tema após
23 anos de silêncio das casas legislativas do nosso país.
“XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança”;
Firmou ainda o texto em testilha como garantia, tendo em vista
a experiência adquirida desde a revolução industrial, com vertiginosos
excessos de trabalho com consequências realmente devastadoras quanto à
saúde e a própria vida dos trabalhadores, uma harmonização entre normas
de saúde, higiene e segurança, que desde 1978 (Nrs – Portaria 3.214 de
1978) avançam no sentido de concretizar o comando constitucional.
“XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas,
insalubres ou perigosas, na forma da lei”;
Aqui houve a elevação ao contexto constitucional o trabalho em
referidas condições, para insalubridade 176 e periculosidade 177 que já
176 Artigo 189 da CLT.
142
possuíam previsão à época na lei infraconstitucional, criando a figura do
adicional de penosidade, que até a presente data é um “vácuo jurídico”, pois
não encontrou norma infraconstitucional que o instrua e denomine. Há hoje
um projeto de lei de 2002 sobre o tema, que ainda não foi aprovado178.
“XXIV – (omissis)”;
“XXV – (omissis)”;
“XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho”;
A expressão reconhecer tem significado especial nesse caso,
pois identifica de forma constitucional a legitimidade plena dos pactos
celebrados pelos atores sociais sindicais em nome de suas categorias.
Noutras palavras, reconhece a constituição e empresta força de
fonte do direito para o sistema dos textos produzidos pela via dos
instrumentos coletivos.
Evidente que não há direito absoluto, e como já destacado no
presente trabalho, há uma dependência direta do caso concreto na avaliação
de direitos fundamentais .
“XXVII - proteção em face da automação179, na forma da lei”;
Com uma visão extremamente avançada aos fatos culturais e
sociais ocorridos no mundo, o texto não ignorou a imensa probabilidade dos
avanços tecnológicos tornarem dispensável a atuação do ser humano nos
inúmeros campos de trabalho.
177 Artigo 193 da CLT.
178 Consultar projeto de lei 7.097/02.
179 Do latim “automatus” que significa mover-se por si”.
143
Referido inciso, evidentemente tem também como receptor da
norma o Estado, que através de ações afirmativas, em decorrência do
princípio da solidariedade dos entes públicos e privados, criar políticas de
proteção a eventual empobrecimento das possibilidades de emprego em
razão da automação.
A diminuição dos postos de trabalho, em razão da troca do
homem pela máquina é observado com absoluta tranquilidade nos dias
atuais, e, apenas para exemplificar, não são poucos os ônibus que já estão a
operar sem a função do cobrador, o sistema bancário se vale da internet e de
seus caixas eletrônicos para a realização de transações financeiras, deixando
os operadores desses sistemas, que neles atuavam por muitos anos, em
vertiginosa decadência profissional.
“XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando
incorrer em dolo ou culpa”;
Aqui, houve evidente avanço quanto à reponsabilidade do
empregador dita horizontal em relação a acidentes.
Isso porque, independente da atuação do Órgão da Previdência
Social, que suporta necessidades dos empregados em caso de infortúnios, já
com contribuição do empregador, esse se viu agora, sujeito de dever em
relação a eventual ocorrência de acidente, não só mais na espécie culpa
grave e dolo, mas sim, inclusive, na hipótese de simples culpa.
Some-se a isso que o Código Civil editado em 2002, aplicável à
referida relação de forma subsidiária, ampliou a responsabilização do
empregador, permitindo inclusive sua responsabilidade objetiva, ou seja,
aquela que mesmo que não tenha contribuído em razão de negligência,
imprudência ou imperícia, desde que a atividade por si desenvolvida,
apresente risco ao trabalhador, deverá responder.
144
Convém destacar o texto do artigo 927 e parágrafo do Código
Civil vigente.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”.
Algumas discussões nasceram em razão de referida
possibilidade, principalmente pelo fato do texto constitucional não possuir a
previsibilidade da responsabilidade sem culpa, dita teoria do risco,
subdividida na doutrina como risco proveito, com fundamento na expressão
“Ubi emolumentum, ibi et onus esse debet”, vinculando aquele se se vale de
uma atividade danosa colhendo o bônus, deve suportar o ônus; risco criado,
que decorre da criação do risco pela atividade; risco excepcional, pelo
desempenho de uma atividade imposta e incomum a função da vítima ; e
risco profissional, que decore da própria atividade desenvolvida.
Como já salientado, somo favoráveis à aplicação da
responsabilidade dita objetiva, observado caso a caso, tendo em vista que o
texto Constitucional não é limitador de direitos, pela simples observância do
artigo 7º caput.
“XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de
trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores
urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho180”;
180 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000.
145
Inserido no texto a garantia da busca de direitos, contudo,
resguardando pelo fator lapso temporal, referida pretensão, garantindo que a
Justiça do Trabalho mantém suas portas abertas para apreciação de
questões oriundas da relação de emprego pelo prazo de 2 (dois) anos do
final do contrato, limitando contudo, a discussão aos últimos 5 (cinco) anos
contados da data da propositura da ação.
Exemplificando, um empregado que labora por cinco anos e
espera até um dia antes da prescrição de 2 (dois) anos após sua saída para
ingressar com a ação, não reclamará os últimos cinco anos, mas sim apenas
praticamente 3 (três) anos, pois os últimos 5 (cinco) anos são considerados
da data da distribuição da ação.
Importante destacar, que ações meramente declaratórias, como
declaração simplesmente da relação de emprego não sofrem a incidência da
prescrição nos termos do artigo 4º do Código de Processo Civil.
De outro lado, não obstante Sumulado pelo Excelso TST que
eventuais créditos inerentes ao FGTS se submetam a prescrição trintenária,
o STF, em 2012, reconheceu em sede de recurso extraordinário a
repercussão geral do tema, pois parte da doutrina tem entendido que por se
tratar de direito trabalhista, deveria ser submetido à regra de prescrição
quinquenal do artigo ora apreciado e não nos termos da lei 8.036/90, artigo
23, parágrafo 5º.
“XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado
civil”;
Regra claramente protetiva de isonomia de tratamento se opera
no inciso XXX do texto constitucional, inviabilizando seja no momento da
admissão, seja no exercício das funções, diferença de tratamento aos
empregados em razão de sexo, idade, cor e estado civil.
146
Referido inciso, impede diagnósticos pelas empresas do
instituto odioso denominado preconceito, procurando garantir a qualquer
gênero de ser humano, qualquer violação em razão da pouca idade ou
avançada idade, de sua situação civil (aqui muita importância para as
mulheres, que como deve ser, não podem ser estigmatizadas em razão de
serem casadas e em idade fértil), pois eventual gravidez, garantia provisória
no emprego, além da proteção a imensa diversidade existente no Brasil de
raças, permitindo que todos aos olhos do texto constitucional, tenham o
direitos de perceber o mesmo salário para o qual foram contratados.
“XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”;
Tema relevante diz respeito aquele ser humano que possui
necessidades especiais, que também não escapou a proteção constitucional,
com intenso trabalho nos dias atuais do Ministério Público do Trabalho, digno
de nota, bem como da própria legislação infraconstitucional, que criou
obrigatoriedade de cotas para inserir referidos trabalhadores no mercado de
trabalho.
Evidente que não há sentido para que qualquer tratamento
diferenciado seja recebido por referidas pessoas quanto a salário. Dificuldade
que existe, nos dias atuais, em razão da ausência de politicas públicas claras
sobre a inserção, seja no campo do transporte, seja no campo da própria
habilitação para determinadas funções, é encontrar empregados nessas
condições devidamente habilitados, função que nos termos da lei, pertence
ao Estado.
“XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e
intelectual ou entre os profissionais respectivos”;
Aos olhos da Constituição Federal, todo trabalho tem igual valor
no significado de “nível de importância”, não no sentido de ser remunerado
147
de forma idêntica, pois dependendo do cargo e função desenvolvida, um
salário será fixado.
Além de valorizar toda e qualquer forma de trabalho, o texto
implementa mais uma vez a isonomia, destacando que mesmo entre os
profissionais respectivos, deve ser reconhecida a isonomia.
“XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a
menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos181”;
Regra claramente protetiva se observa no inciso XXXIII ao
menor que está em desenvolvimento intelectual e físico.
Apesar do texto se apresentar como uma Emenda de 1998,
inegável que nos dias atuais essa proteção é de vital importância, pois traz a
lume a garantia de que em referido momento da vida, se permita ao jovem
maior proteção aos riscos do trabalho em ambiente não sadio, seja pelo
contato com agentes biológicos ou de perigo iminente, seja pela própria
impossibilidade de um sono reparador no momento de desenvolvimento de
sua estrutura psíquica e corporal.
“XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo
empregatício permanente e o trabalhador avulso”.
Apenas para destacar, em regra a atuação do trabalho avulso
se dá em zonas portuárias, com forte atuação sindical e do Órgão Gestor de
Mão de obra, que pela força de atuação, tendo a Constituição Federal
implementado idênticas condições de direitos.
181 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
148
“Parágrafo único. São assegurados à categoria dos
trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV,
XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência
social”182.
Especial atenção, merece o parágrafo único do Texto
Constitucional, que estendeu ao doméstico 9 (nove) direitos garantidos aos
empregados urbanos.
Tratou-se de considerável avanço, pois as constituições
anteriores silenciavam sobre o tema, a CLT afastava a aplicação das regras
dos urbanos aos domésticos, havendo apenas à época a precisão da lei
5.589 de 1972, que pouco ou nada diz de extrema relevância, salvo
conceituar no campo jurídico quem é o empregado que deva ser considerado
doméstico.
Há hoje movimentação mundial, especialmente da Organização
Internacional do Trabalho que busca equiparar o doméstico ao mais próximo
possível do trabalhador urbano, como já foi feito pelo direito espanhol183,
havendo recente edição de Emenda Constitucional 72/2013 promulgada em 3
de abril do mesmo ano, que garantiu aos empregados domésticos idêntico
tratamento ao empregado dito comum.
Não obstante muitos direitos ali elencados dependam de
regulamentação, trata-se de importante avanço, evitando a segregação de
referidos empregados de direitos e garantias que já deveriam ter sido
reconhecidas a longas décadas.
182 Importante destacar para o leitor que há Projeto de Emenda Constitucional (478/2010) que visa igualar todos os direitos do empregado doméstico aqueles já conquistados pelo trabalhador urbano. Em janeiro de 2012, através do Real Decreto 1620 de 2011, a Espanha já reconheceu inúmeros direitos dos empregados domésticos daquele País. A luta pela igualdade de direitos tem sido discutida e debatida incessantemente junto a Organização Internacional do Trabalho, que por meio da Recomendação 201 e a Convenção 189 luta pelo trabalho decente no mundo.
183 Real Decreto 1.620 de 2011.
149
3.3 Apenas um Destaque do Avanço Do Estado de Direito Liberal ao
Estado Social dos Direitos Fundamentais
Os avanços acima demonstrados estão a nos revelar que
partimos de um Estado interventor, autoritário, individualista, para um Estado
que visa reconhecer direitos e garantias fundamentais para todos e em todos.
A clara evolução do Estado aqui relatada pode ser observada
em contexto absolutamente ímpar no mundo, na obra do Ilustre Professor
Paulo Bonavides 184 escrito como tese para defesa da Cátreda junto a
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, ainda na década de
1950, mas de inigualável atualidade.
Aponta o professor a histórica evolução constitucional através
dos tempos com revoluções primeiro na busca da liberdade e da igualdade,
até os dias atuais, em que se busca a fraternidade e de outras gerações de
direitos, o que diz ser objeto da busca do “Homem concreto185”.
Revela que perpassando pela institucionalização do poder,
encontramos o Estado liberal, Estado Socialista, o Estado Social (das
Constituições meramente programáticas) se chega ao Estado Social dos
Direitos fundamentais, que diz ser esse último por inteiro capacitado da
juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem esses
direitos.
Destaca o avanço através dos tempos da substituição do
homem-súdito pelo homem-cidadão, já ocorrida desde a declaração dos
direitos do homem, pelos franceses, relatando que sempre viveremos da
observação da revolução francesa.
184 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal Ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 9ª Edição. 2009.
185 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal Ao Estado Social, p. 31.
150
Salienta que a qualificação do povo titular de nova legitimidade,
“não somente encarna a vontade dos governados, senão a transmuta em
vontade governante”.
Essa razão histórica de avanço da própria forma política e
ideologia da sociedade converge ao que parece, com a existência de uma
estruturação de Poder – enquanto escolha social - que não permite se olhar
de forma diferente para cada cidadão, não se permite negar vigência das
garantias constitucionais a cada cidadão, não se permite negar resposta a
cada cidadão, pois passaram esses por escolha política e social de
governados a governantes. Esse é o Estado Social dos Direitos
Fundamentais.
Nesse sentido de avaliação que encontra especial localização a
ideia de aplicabilidade plena do princípio da proporcionalidade, afastando a
(im)pura ideia de que o positivismo tudo soluciona, afastando a antiquada
ideia de que o todo não se divide em partes e que às partes não compõem o
todo.
A robótica não é capaz de jurisdicionar no Estado Democrático
de Direitos Fundamentais na existência de conflitos entre garantias e direitos
fundamentais. A Concretude desses direitos somente se dá pelo homem para
o homem independente de quem seja o homem.
4. Hipóteses de Atratividade do Princípio da Proporcionalidade no
Direito do Trabalho
O cerne do presente trabalho é de alguma forma colaborar para
o raciocínio a aplicabilidade concreta do princípio da proporcionalidade
inserido no contexto das relações sociais, em especial as relações que
vinculam empregados e empregadores.
151
Inviável abordar todas as hipóteses possíveis, tendo em vista
que o próprio princípio por abandonar a antiquada receita da subsunção, já
nasce com o famoso adágio popular como “divisor de águas” de um único
vetor próprio da norma com seu consequente exato.
Isso em razão da veemente negação da existência de direitos
absolutos na colisão de garantias e direitos fundamentais em casos
concretos, contudo, procuramos avaliar algumas situações mais comuns,
principalmente dos dias atuais, que em grande parte envolvem direitos
chamados inespecíficos, pois assim o são em relação ao trato do cotidiano
observado entre empregados e empregadores.
4.1 A revista íntima
A revista íntima dos empregados pelos prepostos dos
empregadores tem levado um número sem fim de processos ao Tribunal
Superior do Trabalho, para que este venha dirimir a seguinte controvérsia:
Está havendo violação de um direito ou exercício desmesurado de outro?
Como sabemos, fora consagrada a dignidade da pessoa
humana186 como princípio fundamental em nosso ordenamento após a efetiva
promulgação de nossa Constituição Federal de 1988 (artigo 1º, III), donde
ainda podemos observar a bem-vinda 187 positivação dos direitos de
186 Jorge Miranda salienta que a “dignidade da pessoa humana é da pessoa em qualquer dos gêneros, masculino e feminino. Em cada homem e em cada mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade” e que “cada pessoa tem, contudo, de ser compreendida em relação com as demais. A dignidade de cada pessoa pressupõe a de todos os outros”. MIRANDA, Jorge. Escritos Vários sobre Direitos Fundamentais. Estoril: Princípia Editora, 2006, pág. 474.
187 Para Flávia Piovesan a “Carta de 1988, como marco jurídico de transição ao regime democrático, alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais, colocando-se entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria”. PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 11ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pág. 25.
152
personalidade da pessoa, efetivamente no seu artigo 5º188 (caput e incisos V
e X). A Revista íntima violaria, então, em tese, prima facie, este direito.
Também fora consagrado no texto constitucional o direito de
propriedade (artigo 5º, XXII), sendo este o fundamento legal encontrado pelo
empregador para o exercício do seu poder de direção. Porém este exercício
estaria sendo praticado abusivamente.
Este quadro nos leva a necessidade de analisar os dois
institutos constitucionalmente tutelados, e não os resolver como uma
antinomia189 propriamente dita, como alguns pensam, pois estamos perante
uma colisão de garantias e valores constitucionais, que apenas a
proporcionalidade será capaz de resolver, por se tratarem de direitos e
garantias suportadas pela carta de 1988.
Como bem disse João Leal Amado 190 “estamos, afinal, no
coração do conflito entre as exigências gestionárias, organizativas e
disciplinares do empregador, por um lado, e os direitos do trabalhador, por
outro”.
188 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
189 Trata-se aqui de uma antinomia aparente, já que os critérios para solucioná-la são normas integrantes do ordenamento jurídico e o intérprete ou o aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas, conforme definição da professora Maria Helena Diniz, cf. DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 8ª edição, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 25.
190 AMADO, Joao Leal. Contrato de Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 218.
153
E continua o jurista português:
Não propriamente os seus direitos enquanto trabalhador
(direito à greve, liberdade sindical, direito a descanso semanal
e a férias, direito ao salário, segurança no emprego, etc), mas
os seus direitos inespecíficos, isto é, os seus direitos não
especificamente laborais, os seus direitos enquanto pessoa e
enquanto cidadão (direitos de 2ª geração, hoc sensu).
É certo que o empregador detém o poder de direção e deve
exercê-los conjuntamente com os demais atos de gestão de seu negócio.
Também é certo que dentre os direitos fundamentais do
empregado temos o direito à privacidade e a própria intimidade, ambos
direitos consagrados no já citado artigo 5º, X, da Constituição Federal.
Ora, detendo o empregador o poder de direção cabe ao mesmo
tornar eficaz toda e qualquer medida para que o risco de sua atividade seja
efetivamente atenuado, sendo certo, porém, que este poder não se mostra
absoluto, ou seja, há limitações.
Temos observado que várias empresas, sob a justificativa do
aumento da produção, segurança do negócio, controle de estoque,
fiscalização e comando dos empregados, o monitoramento dos passos e
atividades dos seus empregados, importando o fenômeno da revista íntima
pessoal uma destas modalidades efetivamente adotadas para viabilização
desse monitoramento.
Não sem razão, já que em alguns seguimentos a empresa tem
o dever de fiscalização não só para com ela mesma e seus acionistas, mas
também para com o Estado e com toda a sociedade. Trata-se de um dever
muitas vezes até de cunho social.
154
Imaginemos o caso de uma empresa que fabrica armas.
Evidente que além de proteger a sua propriedade, referido empregador,
diminui o risco de desvios de armas que podem municiar traficantes e outros
segmentos espúrios, garantindo, ainda que de forma indireta, a segurança
nacional, em respeito ao princípio da solidariedade constitucional, em que a
sociedade como um todo, unida ao Estado, deve buscar o bem estar da
população.
Outro exemplo ainda pode ser dado.
Alguns seguimentos do ramo farmacêutico têm dentre seus
produtos industriais, determinadas drogas que, se o desvio não for
eficazmente coibido, poderão ser objeto efetivo de comércio ilegal. Assim, a
utilização de meios rigorosos para fiscalização com o objetivo de impedir a
saída ilícita do medicamento da empresa é de certa forma uma obrigação. A
empresa estaria obrigada a impedir (ou ao menos contribuir) para que não
sejam estes medicamentos instrumentos de tráfico ilegal, já que a
comercialização indiscriminada no mercado negro afeta significantemente a
saúde pública.
Esta seria uma hipótese cabível da manutenção da revista
íntima na empresa, que seria implantada em razão da empresa, por exemplo,
manipular medicamentos psicotrópicos, chamados controlados, submetendo-
se a fiscalizações severas de vários órgãos sanitários e até mesmo policiais.
Recentemente observamos o caso do furto das provas do
ENEM por três empregados da gráfica responsável pela impressão dos
exames. Para evitar este tipo de ação e para cumprir condições contratuais
de sigilo, poderia o empregador, caso assim entendesse, proceder a revista
dos empregados envolvidos no processo de impressão e transporte das
referidas provas, até que as provas saíssem de sua guarda e
responsabilidade.
155
Importante salientar que estas medidas em nada se
caracterizam como sendo discriminatórias. Seriam sim, absolutamente
necessárias, dentro do padrão da proporcionalidade, desde que na sua
concretude não esvaziassem outro direito fundamental garantido
constitucionalmente.
Nesse sentido leciona Guilherme Machado Dray191.
Não constituirão, pois, práticas discriminatórias, todas
aquelas que se baseiem em convicções enraizadas na
sociedade quanto ao reconhecimento da adequação social e
‘económica’ de certos motivos de diferenciação, na medida,
obviamente, em que tais convicções se revelem objectivamente
adequadas ao tipo de actividade laboral que se visa
desenvolver e desde que não se afigurem contrárias, como tal,
à dignidade humana.
Neste contexto, podemos verificar que a revista íntima, por si
só, não é reprovada pelos nossos Tribunais do Trabalho prima facie.
Pelo contrário, o próprio TST-Tribunal Superior do Trabalho tem
admitido reiteradamente a possibilidade da revista íntima do empregado:
“RECURSO DE REVISTA. REVISTA NOS PERTENCES DO EMPREGADO (BOLSAS E SACOLAS). INEXISTÊNCIA DE DIREITO A DANO MORAL. A mera revista visual e geral nos pertences do empregado, como bolsas e sacolas, não configura, por si só, ofensa à intimidade da pessoa, constituindo, na realidade, exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder de direção e fiscalização. Recurso de revista conhecido e provido”. (Processo: RR - 2121700-69.2005.5.09.0029. Data de Julgamento: 07/04/2010, Relatora
191 DRAY, Guilherme Machado. O Princípio da Igualdade no Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 1999, pág. 277.
156
Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 09/04/2010)
“RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - REVISTA VISUAL DE BOLSAS E SACOLAS. A inspeção visual de bolsas, pastas e sacolas dos empregados, sem contato corporal ou necessidade de despimento, e ausente qualquer evidência de que o ato possua natureza discriminatória, não é suficiente para, por si só, ensejar reparação por dano moral. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido”. (Processo: RR - 1587500-13.2006.5.09.0012. Data de Julgamento: 17/03/2010, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 19/03/2010)
É que, conforme já salientado, isoladamente consideradas, as
revistas, por si só, não têm o caráter de implicar em reconhecimento imediato
de dano ou interferência na intimidade do empregado, conforme o já citado
entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Pois bem, feitas estas considerações a respeito da possibilidade
da revista íntima pelo empregador, passamos agora a analisar os elementos
no caso concreto do vencimento desse princípio em razão do outro, sem que
o direito da intimidade seja esvaziado completamente.
O tão salientado poder diretivo que o empregador é possuidor,
que é o poder de comando da empresa e que lhe permite determinar o modo
como a atividade do empregado deve ser realizada, em decorrência do
contrato de trabalho, sofre marcantes limitações192, sendo a principal delas: o
direito fundamental de intimidade do empregado, que protege este (como
pessoa) da efetiva ingerência abusiva dos outros.
192 Podemos também citar como limitação o dever de assistência, citado por Antônio Monteiro Fernandes como sendo “a responsabilidade do empregador pelas condições de segurança e de vida que são oferecidas no âmbito da organização que criou e dirige” inclusa aí “a exigência da oferta de ‘boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral’”. FERNANDES, Antonio monteiro. Direito do Trabalho. 13ª edição. Coimbra: Almedina, 2006, pág. 283.
157
Para a professora Alice Monteiro de Barros193, esta ingerência
se dá através “dos sentidos dos outros, principalmente dos olhos e dos
ouvidos de terceiro” e a “tutela dirige-se contra as intromissões ilegítimas”.
É justamente a extrapolação dos limites desta ingerência
decorrente do poder de direção do empregador o freio legal e o marco
limítrofe entre o direito do empregador - poder de direção estampado
constitucionalmente como o direito de propriedade - e o direito do empregado
(direito a intimidade).
O freio legal ao poder fiscalizatório empresarial, tem origem no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da
Constituição Federal de 1988) e na regra constitucional da inviolabilidade da
honra e intimidade das pessoas (art. 5º, X, do mesmo texto magno), e dá-se
justamente no momento em que o exercício daquele direito do empregador
colide diretamente com o do empregado, sendo o seu elemento divisor: o
abuso do exercício.
Mauro Schiavi 194 leciona que “o poder de fiscalização do
empregador quando exercido com abuso, pode violar a intimidade dos
empregados e causar-lhes prejuízo de ordem moral”.
Guilherme Machado Dray195 por seu turno nos relata que “o
direito do trabalho, desde a célebre ‘Questão Social’, sempre avançou
gradualmente no sentido da limitação das arbitrariedades e do poder de
‘direcção’ do empregador”, seja limitando a jornada, proibindo o trabalho
193 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: LTr, 2009, pág. 642.
194 SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2009, pág. 133.
195 DRAY, Guilherme Machado. Código do Trabalho Anotado. 5ª edição, Coimbra: Almedina, 2007, pág. 110.
158
infantil, protegendo as trabalhadoras grávidas ou protegendo o emprego e
limitando o despedimento.
Agora, numa fase mais contemporânea, continua o jurista
português, o Direito do Trabalho passa a atender “a novos problemas, mais
sofisticados, próprios da sociedade laboral hodierna, em que o exercício dos
poderes patronais lança mão da ciência e da tecnologia para efeitos de
controlo e gestão da unidade produtiva”.
E o vem fazendo muito bem, seja na esfera legal, doutrinária e
na esfera jurisprudencial. Vamos a esfera legislativa.
4.2 Esfera legislativa
As limitações ao poder diretivo do empregador, quando abusivo,
foram definidas em nossa Constituição Federal de 1988, especificamente nos
artigos 1º, III (que encerra o princípio da dignidade da pessoa humana) e IV
(valores sociais do trabalho), no artigo 5º, X (regra constitucional da
inviolabilidade da honra e intimidade das pessoas) e nos artigos 5º, XXIII, e
173, §1º, inciso I (limitação expressa ao atendimento da função social).
A Lei n.º 9.799, de 26.5.1999, por seu turno, incluiu o artigo 373-
A na CLT, deixando expresso, em seus vários incisos, a intenção legislativa
em limitar o poder diretivo do empregador, quando dispôs:
“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a
corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho
e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas
empregadas ou funcionárias”.
E, mais recentemente, o Código Civil de 2002 assim prevê:
159
“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis196, não podendo o seu
exercício sofrer limitação voluntária”.
“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a
lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e
danos197, sem prejuízo de outras sanções previstas em
lei”.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Podemos observar assim que as normas supracitadas
apresentam um traço denominador bem comum, ou seja, visa-se garantir um
justo e efetivo equilíbrio entre a manutenção na esfera jurídica do trabalhador
dos direitos que lhe assistem enquanto cidadão e o princípio da liberdade de
gestão empresarial.
196 Segundo as lições de Fábio Konder Comparato “nenhum indivíduo tem o direito de decidir da natureza do justo e do injusto” e que “as vontades particulares são suspeitas; elas podem ser boas ou más, mas a vontade geral é sempre boa: ela nunca conduziu ao engano, ela jamais o fará” e “a vontade geral impõe, assim, a supremacia do bem público sobre o interesse privado”. KOMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pág. 250-251.
197 Para o professor Mauro Schiavi “o dano moral pode atingir a pessoa, na sua esfera individual, mas também um grupo determinável ou até uma quantidade indeterminada de pessoas que sofrem os efeitos do dano derivado de uma mesma origem”. SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos e atuais do dano moral coletivo decorrente da relação de trabalho. São Paulo: Revista LTr, 2008, vol. 72, n.º 07, julho de 2008, pág. 82.
160
4. 3 Esfera doutrinária
Também em nossa moderna doutrina, observamos
manifestações das mais valiosas no tocante ao tema em comento.
O poder diretivo do empregador é obviamente uma realidade e
porque não dizer uma efetiva necessidade para garantia até mesmo da
manutenção do negócio empresarial, mas também encontra eco na doutrina
a defesa da necessidade de se criar e manter certas limitações a este poder
diretivo do empregador.
O professor Amauri Mascaro Nascimento 198 leciona com a
grande propriedade, que sempre lhe é peculiar, que “abre-se, no direito do
trabalho, uma esfera de proteção que não pode ser deixada unicamente à
autonomia individual nos contratos de trabalho e à economia de mercado.
Pressupõe mecanismos de atuação interferentes porque se situa em um
âmbito de ordem pública social tão significativo para as relações trabalhistas
como são os direitos fundamentais da pessoa para o direito constitucional,
como são os direitos de personalidade”.
E continua, “a fiscalização não é um poder ilimitado sob pena de
transgressão do direito à privacidade (ex. abuso nos meios de revista do
empregado na saída da fábrica)”.
Sandra Lia Simon 199 é menos comedida ao afirmar que “as
revistas íntimas pessoais não encontram fundamento no poder de direção do
empregador, por privilegiarem um único direito, o de propriedade, em
detrimento de diversos valores constitucionais, tais como a dignidade da
198 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Princípios do direito do trabalho e direitos fundamentais do trabalhador. São Paulo: Revista LTr, 2003, vol. 67, n.º 08, agosto de 2003, pág. 907.
199 SIMON. Sandra Lia. Revistas pessoais: direito do empregador ou desrespeito aos direitos humanos fundamentais do empregado? Brasília: Revista do TST, vol. 69, n.º 02, jul/dez de 2003, pág. 71.
161
pessoa humana do trabalhador, seus direitos de personalidade, o princípio da
presunção de inocência, as garantias dos acusados, o monopólio estatal da
segurança”.
Na mesma linha José João Abrantes200, ao afirmar que “o poder
de ‘direcção’ do empregador e o correlativo dever de obediência do
trabalhador, exercendo-se em relação a uma prestação que implica
‘directamente’ a própria pessoa deste, as suas energias físicas e intelectuais,
representam um potencial perigo para o livre desenvolvimento da
personalidade e para a dignidade de quem trabalha”.
Não comungamos com a ideia de inflexibilidade, principalmente
em casos efetivamente excepcionais, como já salientamos em linhas
anteriores. Obviamente sem exageros de qualquer sorte.
Importa ressaltar que seria bem razoável (num mundo ideal) a
prevalência, nos contratos de trabalho, da predominância da boa-fé bilateral
entre as partes.
Nessa linha Alice Monteiro de Barros201 bem leciona que “é de
todos sabido que o contrato de trabalho envolve um mínimo de fidúcia entre
ambas as partes. Se ao empregador remanesce dúvida sobre a integridade
moral do candidato ao emprego deve, então, recusar a contratação. Não há
como conciliar uma confiança relativa com o contrato de trabalho variável
conforme a natureza da atividade da empresa”.
Mauro Schiavi202, assevera que “em compasso com o princípio
da função social da empresa, deve o empregador investir em tecnologias
200 Estudos sobre o Código do Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 147.
201 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: LTr, 2009, pág. 643.
202 SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2009, pág. 134.
162
para fiscalização de seu patrimônio sem precisar recorrer a revistas pessoais
que causem grande constrangimento ao empregado”.
Aqui, verificamos o meio, justificando o fim, em total sinergia
com o texto de 1988 e ao princípio da proporcionalidade.
4. 4 Esfera jurisprudencial
Como já asseveramos em linhas anteriores, a revista íntima, por
si só, não é reprovada pelos nossos Tribunais do Trabalho.
O TST-Tribunal Superior do Trabalho tem admitido a revista
íntima do empregado quando feita sem contatos físicos, de forma superficial,
meramente visual e sem discriminação203.
Todavia não tem tolerado de forma alguma as condutas
abusivas dos empregadores que extrapolam do seu poder de direção,
submetendo alguns empregados a tratamentos discriminatórios (elegendo os
revistados), humilhantes (revistas em público em roupas íntimas) e vexatórios
(atacando a imagem ou a dignidade do empregado).
As ementas abaixo colacionadas deixam patente e indiscutível
este posicionamento204:
203 Ainda neste sentido: RR-647840-84.2006.5.12.0034-Data de Julgto: 10/03/2010, Rel. Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 30/03/2010; ROMS-43900-58.2009.5.05.0000 Data de Julgto: 09/03/2010, Rel. Ministro: Pedro Paulo Manus, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Divulgação: DEJT 19/03/2010; RR-2064000-12.2005.5.09.0652, Data de Julgto: 24/02/2010, Rel. Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, 4ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 05/03/2010; RR-1229000-81.2007.5.09.0015 Data de Julgto: 16/12/2009, Rel. Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 05/02/2010.
204 Neste mesmo sentido: RR-1196700-76.2005.5.09.0002 Data de Julgto: 03/02/2010, Rel. Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 19/02/2010 e RR-41185-60.2004.5.15.0058 Data de Julgto: 30/09/2009, Rel. Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 02/10/2009.
163
“RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Desfundamentado o recurso de revista, quando não indicado nenhum dos pressupostos de que trata o artigo 896, e alíneas, da CLT. Recurso de revista não conhecido. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VISTORIA DIÁRIA. EMPREGADOS EM ROUPAS ÍNTIMAS. A submissão de empregados a revistas apenas em roupa íntima juntamente com outros colegas de trabalho, cujo procedimento é repetido a cada vez que tivessem que entrar ou sair da empresa, configura prática vexatória e constrangedora, que fere a dignidade dos seus empregados, direito fundamental, irrenunciável, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido no tema. (...)”. (RR - 1388200-71.2004.5.09.0002 Data de Julgamento: 14/04/2010, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 23/04/2010).
“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VISTORIA DIÁRIA. EMPREGADOS EM ROUPAS ÍNTIMAS OBRIGADOS A CAMINHAR EM FILA PARA SEREM VISTORIADOS. EVIDÊNCIA DE DANO MORAL. OFENSA A DIREITO FUNDAMENTAL. A v. decisão expressamente declina que a atividade da empresa reclamada demanda zelo na fiscalização do patrimônio, pois comercializa produtos farmacêuticos, cujas substâncias podem ocasionar sérias conseqüências. A proteção do patrimônio, todavia, não dá margem a ofensa a direito fundamental do empregado, pela prática reiterada de fiscalização, na entrada e na saída, com vistoria dos trabalhadores em roupas íntimas, em fila, em exposição que não pode ser recepcionada, face o direito à dignidade da pessoa humana. Evidenciado o descumprimento do termo de compromisso firmado com o Ministério Público em diversas filiais da reclamada e da comprovação de que a empresa submetia seus empregados a tais revistas, não há como afastar a existência de dano moral, restando ilesos os dispositivos invocados. Recurso de Revista não conhecido. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. A decisão recorrida encerra entendimento acerca de estar o valor da condenação apto a indenizar os danos sofridos pelo reclamante, não trazendo elementos que permitam concluir pelo acerto ou desacerto do quantum fixado pela sentença e mantido pela
164
Corte a quo. Recurso de revista não conhecido”. (RR - 182100-16.2003.5.06.0004 Data de Julgamento: 19/08/2009, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 04/09/2009)
O STF-Supremo Tribunal Federal, suscitado acerca da matéria,
manifestou-se por duas ocasiões.
Na primeira por intermédio do Agravo Regimental em Agravo de
Instrumento n.º 220.459-2 (julgamento 28.9.1999) a Ementa deu-se assim:
“EMENTA: - Agravo regimental. Revista pessoal em
indústrias de roupas íntimas. - Inexistência, no caso, de
ofensa aos incisos II, III, LVII e X do art. 5º da Constituição.
Agravo a que se nega provimento”.
O Relator Ministro Moreira Alves assim se posicionou:
“1. Inexistem, no caso, as alegadas ofensas aos incisos II, III,
LVII e X do art. 5º da Constituição, porquanto as revistas
pessoais em causa, dada a natureza dos produtos fabricados
pelas ora agravadas e feitas por amostragem, não infringem,
por si sós, os citados dispositivos constitucionais, não dando
margem a danos morais como salientou o acórdão recorrido,
examinando o caso concreto”.
Noutra oportunidade, através do exame do Recurso
Extraordinário n.º 160222-8-Rio de Janeiro (julgamento 11.4.1995-DJ 01-09-
1995-PP-27402) a Ementa deu-se assim:
“E M E N T A - I. Recurso extraordinário: legitimação da
ofendida - ainda que equivocadamente arrolada como
testemunha -, não habilitada anteriormente, o que, porem,
não a inibe de interpor o recurso, nos quinze dias seguintes
ao termino do prazo do Ministério Público , (STF, Sums. 210
165
e 448). II. Constrangimento ilegal: submissão das operarias
de industria de vestuário a revista intima, sob ameaça de
dispensa; sentença condenatória de primeiro grau fundada na
garantia constitucional da intimidade e acórdão absolutório
do Tribunal de Justiça, porque o constrangimento
questionado a intimidade das trabalhadoras, embora
existente, fora admitido por sua adesão ao contrato de
trabalho: questão que, malgrado a sua relevância
constitucional, já não pode ser solvida neste processo, dada a
prescrição superveniente, contada desde a sentença de
primeira instância e jamais interrompida, desde então”.
(grifamos)
O Relator Ministro Sepúlveda Pertence lamentando ter que
deixar de apreciar a questão em razão da citada prescrição superveniente
assim se manifestou:
“12. Lamento que a irreversibilidade do tempo corrido
faça impossível enfrentar a relevante questão de direitos
fundamentais da pessoa humana, que o caso suscita, e
que a radical contraposição de perspectivas entre a
sentença e o recurso, de um lado, e o exarcebado
privalismo do acórdão, de outro, tornaria fascinante.
13. Não tenho alternativa: declaro extinta a punibilidade
do fato pela prescrição da pretensão punitiva”.
4.5. A fiscalização de e-mails
Todos aqueles que atuam no ramo trabalhista possuem
conhecimento do dinamismo em que está acometido o direito laboral em
razão das mudanças decorrentes das alterações dos quadros econômico e
social, motivados pela automação nas empresas, pela robotização das linhas
166
de produção e principalmente pelas novas tecnologias no campo da
informática.
Neste rol de implementos tecnológicos nos interessa
especificamente discutir aqui a questão da fiscalização do empregador sobre
suas mensagens de internet, mais especificamente os e-mails do
empregado-cidadão, sejam eles corporativos ou não.
Interessa saber se esta fiscalização sobre os e-mails fere os
direitos do empregado-cidadão 205 à privacidade e ao sigilo de
correspondência ou se esta fiscalização decorre do pleno poder diretivo do
empregador e do seu direito de propriedade, já que o e-mail disponibilizado é
corporativo e concedido para “fins de trabalho”.
E mais. Tal atitude do empregador se justificaria para garantia
de direitos futuros (neutralização de ônus) em razão da sua responsabilidade
objetiva, caso venha a ser acionado judicialmente em razão de prejuízos
causados a terceiros pelo uso indevido da ferramenta eletrônica por parte do
empregado nas dependências da empresa.
Diante deste quadro e mesmo se tratando de e.mail corporativo,
teria o empregador amparo legal para invadir certa esfera de privacidade do
empregado-cidadão e, por conseguinte, violar um direito fundamental
constitucionalmente conferido? Seriam os direitos fundamentais efetivamente
relativizados na sua aplicação na presente situação?
Podemos notar aí uma colisão entre o direito de privacidade do
empregado-cidadão e o poder potestativo do empregador (representado pelo
205 A expressão empregado cidadão revela claramente que ao ultrapassar os muros da empresa, esse empregado não perde sua condição de cidadão, ou seja, suas garantias e direitos constitucionais não se desprendem em razão da existência de um contrato de trabalho, pelo contrário, se solidificam, orientando atos e condutas tanto do empregador como do empregado.
167
direito de propriedade no texto maior), e isso é natural quando se trata da
eficácia horizontal206 dos direitos fundamentais.
Como bem disse João Leal Amado 207 “estamos, afinal, no
coração do conflito entre as exigências gestionárias, organizativas e
disciplinares do empregador, por um lado, e os direitos do trabalhador, por
outro”.
E continua o jurista português:
“Não propriamente os seus direitos enquanto trabalhador
(direito à greve, liberdade sindical, direito a descanso
semanal e a férias, direito ao salário, segurança no emprego,
etc), mas os seus direitos inespecíficos, isto é, os seus direitos
não especificamente laborais, os seus direitos enquanto
pessoa e enquanto cidadão (direitos de 2ª geração, hoc
sensu)”.
Diante desse quadro a sociedade anseia respostas a seguinte
indagação: quais valores (aqui retomada a questão da jurisprudência dos
valores) devem prevalecer ou se será mais um caso solucionável
exclusivamente pelo critério usual para estes colisão entre direitos
fundamentais?
206 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a incidência dos direitos fundamentais, previstos na Constituição, também às relações privadas. É a vinculação “geral” dos particulares – e não somente do Estado - aos direitos fundamentais e isso se justifica porque tais direitos, como princípios e valores que obviamente são, não podem deixar de serem aplicados em toda a ordem jurídica e, por conseguinte, também nas áreas do direito privado (princípio da unidade do ordenamento jurídico).
207 AMADO , Joao Leao. Contrato de Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 218.
168
Como sabemos, o cidadão ganha status jurídico de empregado
quando do preenchimento dos requisitos elencados no artigo 3º da CLT,
passando a figurar dentro de uma empresa como ente ao qual recaem
deveres (prestação de serviços, boa-fé contratual, assiduidade etc) e direitos
(percepção de salários, boa-fé contratual, respeito à integridade física e moral
etc).
Mas nessa lógica, não deixa o empregado a sua condição de
cidadão percebida mais claramente nos relacionamentos ocorridos do lado
de fora da empresa, ou seja, continua sendo e gozando dos direitos de
cidadão dentro da empresa também, não abandonando jamais esta condição.
É que o podemos denominar de empregado-cidadão.
É o que ocorre também com o contribuinte-cidadão, preso-
cidadão etc. Todos numa condição jurídica própria e específica, mas sem
abandonar a condição humana e os direitos fundamentais do cidadão.
Como empregado-cidadão tem garantido expressamente na
Constituição Federal os seguintes direitos fundamentais, dentre outros:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
169
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal [...]
4.6 A Fiscalização do Empregador sobre as Mensagens de Correio-
Eletrônico do Empregado-Cidadão
Como dissemos alhures, interessa saber se esta fiscalização
sobre os e-mails do empregado-cidadão decorre do pleno poder diretivo do
empregador e do seu direito de propriedade, já que o e-mail disponibilizado é
corporativo e, sendo este e-mail corporativo, teria o empregador amparo legal
para invadir certa esfera de privacidade do empregado-cidadão.
Já sabemos que o poder de direção do empregador encontra
seu fundamento no direito de propriedade (CF, artigo 5º, XXII), sendo certo
que a própria Constituição Federal também lhe impôs como limitação
expressa o atendimento da função social (CF, artigo 5º, XXIII, e artigo 173,
§1º, inciso I).
Também encontramos seu fundamento no artigo 2º da CLT208,
na medida em que o empregador “dirige a prestação pessoal do serviço”.
Sucede que, detendo o empregador este poder diretivo
(também chamado de poder de comando), lhe é permitido definir e gerir toda
a forma de como a atividade do empregado deverá se realizar.
Para o professor Maurício Godinho Delgado 209 , o poder de
direção é definido como sendo "o conjunto de prerrogativas asseguradas pela
ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador,
para o exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado,
ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção,
208 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
209 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ª edição. São Paulo: LTr, 2006, pág. 631.
170
regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à
empresa e correspondente prestação de serviços".
Este poder de fiscalização se caracteriza pelo poder de controle
num sentido amplo, ou seja, é o grupo de prerrogativas que detém o
empregador para o acompanhamento eficaz e permanente das atividades
executadas pelo empregado, incluída aí também certa vigilância necessária
dentro das dependências da empresa, tais como: o controle de acesso a
internet, revistas íntimas, vigilância das portarias, monitoramento através de
circuitos internos de televisão, etc.
4.7 Regra constitucional da inviolabilidade da intimidade e vida privada das pessoas
Esta regra, prevista no artigo 5º, X, da Constituição, a princípio
retira do empregador, qualquer possibilidade de violar, acessar ou fiscalizar
as mensagens eletrônicas do empregado quando a ferramenta eletrônica é
utilizada pelo empregado para fins profissionais e pessoais, desde que não
utilizado de forma abusiva.
Ensina Antonio Jeová Santos210 que
o direito à privacidade ou à intimidade nada mais é do que
projeção da dignidade humana. Para ser digno, é necessário
que o ser humano possa dispor, no âmbito da sua esfera
individual, de um largo espaço em que prefira permanecer
sozinho, sem a intromissão de terceiros. Esse reduto diz
respeito à própria liberdade individual. Nem o Estado, muito
menos outros indivíduos podem nele interferir.
210 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral na internet. São Paulo: Editora Método, 2001, pág. 166.
171
Salvo previsão contratual, instituição de programa e políticas
específicas de vedação e regras de utilização da ferramenta eletrônica, o
empregador em hipótese alguma poderá acessar os e.mail’s dos
empregados.
Como sabemos, os correios eletrônicos são comumente
utilizados pelas pessoas para comunicação com o mundo externo e com
seus amigos e familiares, a exemplo do que ocorre com o telefone e demais
instrumentos de comunicação da empresa, e isso, salvo oposição expressa e
procedimentalizada, deve ser tolerada pelos empregadores pelos seguintes
fundamentos em várias situações hierárquicas:
- os usos e costumes (CLT, Art. 8º e LICC, Art. 4º)
- função social da empresa (CF, Art. 5º, XXIII)
- função social do contrato (CC, Art. 421)
- direito à informação (CF, Art. 5º, XIV)
4.8 Regra constitucional da inviolabilidade da correspondência
Conforme já colocado, esta regra tem previsão constitucional no
artigo 5º, XII, e se revela importante instrumento de proteção da vida privada
do empregado, na medida em que pode não ser da vontade do empregado a
violação de sua intimidade (não ilícita) ao tratar com seus amigos e familiares
sobre os mais variados assuntos pessoais.
Nunca é demais lembrar que o artigo 187 do Código Civil
assevera que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-
lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, e isso poderia ser caracterizado
pelo uso abusivo do empregador do seu poder diretivo.
172
Ademais a Lei n.º 9.296/96, que regula a parte final do inciso XII
do artigo 5º da CF, prevê em seu artigo 10º que:
Constitui crime realizar interceptação de comunicações
telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo
da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não
autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Esta conduta ilícita é denominada por Marcelo de Luca
Marzochi 211 de crime de computador, definindo-o “toda conduta ilícita
praticada por meio de computador ou sistema de informática, que venha
causar prejuízo ou moral a outrem”.
Obviamente há que frisar que os exageros não podem ser
suportados.
Antônio Lago Junior212 lembra que “quando se fala em Internet,
a grande questão jurídica que se coloca é a seguinte: quais seriam os limites
para o direito constitucional consagrado ‘a liberdade de expressão do
pensamento e ao direito de informação”.
E conclui: “nenhum direito, por mais nobre que seja, é absoluto
e, por essa razão, estará sujeito a sofrer certas restrições a fim de
salvaguardar os direitos de outrem”.
Poderíamos até sustentar que quebra de sigilo do e.mail do
empregado, alegando que a atitude do empregador se justificaria para
garantia de direitos futuros (neutralização de ônus) em razão da sua
211 MARZOCHI. Marcelo de Luca. Direito.br: aspectos jurídicos na Internet no Brasil. São Paulo: LTr, 2000, pág. 21.
212 JUNIOR. Antônio Lago. Responsabilidade civil por atos ilícitos na internet. São Paulo: LTr, 2001, pág. 95.
173
responsabilidade objetiva, caso venha a ser acionado judicialmente em razão
de prejuízos causados a terceiros pelo uso indevido da ferramenta eletrônica
por parte do empregado nas dependências da empresa.
O argumento não é impertinente, mas esbarra em duas
premissas muito práticas:
- as causas excludentes de responsabilidade do empregador,
como por exemplo, culpa exclusiva da vítima ou de terceiros;
- o poder diretivo do empregador “não é poder de polícia”,
cabendo tão somente ao empregador, caso haja dúvidas ou certa
desconfiança quanto aos procedimentos do empregado, notificar a autoridade
específica estatal para as providências legais.
4.9 O direito ao descanso e a exigência de trabalho
Leciona Luciano Martinez 213 , com apoio no artigo 24 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que toda pessoa tem direito ao
repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração
do trabalho e que “trata-se, portanto, de uma proteção oferecida ao
trabalhador visando, fundamentalmente, a sua saúde laboral e a sua
integridade física”.
Daí a rigidez na proteção e a limitação às transações que, a
princípio, pressupõe lesividade.
Quanto às modalidades de intervalo para descanso, Adalberto
Martins214 assevera que os “descansos relacionados com a jornada são os
denominados ‘intervalos legais’ (intrajornadas e interjornadas)” e “os
213 MARTINEZ , Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 298.
214 MARTINS, Adalberto. Manual Didático de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, pág. 220.
174
descansos relacionados com o trabalho semanal são os ‘descansos
semanais’”.
Assim, os intervalos situados dentro da duração diária de
trabalho são os intervalos intrajornadas e os intervalos situados entre uma
jornada e outra são os denominados intervalos interjornadas.
Como características principais, podemos afirmar que os
intervalos intrajornadas admitem distintas variações temporais, como por
exemplo: 1 hora a 2 horas, quinze minutos, dez minutos etc (conforme a
norma legal examinada). Além disso, podem ser ou não remunerados,
segundo a respectiva norma jurídica aplicável.
Já o intervalo interjornada, por sua vez, diz respeito a um
padrão temporal básico, qual seja, o de 11 horas segundo o disposto no
artigo 66 da CLT215, que comporta raríssimas exceções.
Há também outras figuras, como o descanso semanal e
descanso em feriados, que são muito próximas na ordem jurídica trabalhista.
Contendo estrutura jurídica similar, submetidas a regras
idênticas ou afins, enquadram-se naquilo que se denomina: dias de repouso.
Insta salientar que o decreto regulamentador da Lei n. 605/49
trata, inclusive, de maneira igual às duas figuras jurídicas, englobando-as sob
215 Art. 66 - Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.
175
a denominação geral de "dias de repouso": ilustrativamente, artigos 1º216;
6º217, caput; 7º218, caput; 11219, caput do Decreto n.° 27.048/49).
Como bem salienta Homero Batista Mateus da Silva 220
“respondem os descansos semanais remunerados por incontáveis questões
controvertidas no âmbito dos contratos de trabalho, verificando-se grande
desconhecimento sobre a matéria no âmbito dos departamentos pessoais e
operadores do direito em geral”, principalmente quanto aos requisitos de
autorização do trabalho aos domingos e feriados pelo Ente Público (leia-se o
Ministério do Trabalho através da SRTE-Secretaria Regional do Trabalho e
Emprego).
4.10 A proteção do mercado da mulher e a igualdade de tratamento
Uma das principais formas de proteção do mercado de trabalho
da mulher é a garantia de emprego à gestante, conferida pela norma
constitucional.
216 Art. 1º Todo empregado tem direito a repouso remunerado, num dia de cada semana, perfeitamente aos domingos, nos feriados civis e nos religiosos, de acordo com a tradição local, salvo as exceções previstas neste Regulamento.
217 Art. 6º Executados os casos em que a execução dos serviços for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho nos dias de repouso a que se refere o art. 1º, garantida, entretanto, a remuneração respectiva.
218 Art. 7º É concedida, em caráter permanente e de acordo com o disposto no § 1º do art. 6º, permissão para o trabalho nos dias de repouso a que se refere o art. 1º, nas atividades constantes da relação anexa ao presente regulamento.
219 Art. 11. Perderá a remuneração do dia de repouso o trabalhador que, sem motivo justificado ou em virtude de punição disciplinar, não tiver trabalhado durante toda a semana, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.
220 MATEUS DA SILVA. Homero Batista. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Volume II – Jornadas e Pausas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pág. 125.
176
Tem por objetivo principal a proteção da saúde e integridade
física do nascituro e, em segundo plano, assegurar a tranquilidade à mãe
que, nesse estado, encontra-se mais suscetível de alterações emocionais,
que poderão interferir negativamente no desenvolvimento da criança, bem
como garantir que a mesma possa ter condições de se manter, enquanto
estiver cuidando do nascituro nos seus primeiros meses de vida, atrelando-se
ao contrato de trabalho da empregada gestante, desde a confirmação da
gravidez, até cinco meses após o parto.
Este entendimento solidificou-se em setembro de 2012, com a
alteração do Item III da Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho.
Súmula nº 244 do TST
Súmula n.º 244 do TST. GESTANTE. ESTABILIDADE
PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do
Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012,
DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador
não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente
da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a
reintegração se esta se der durante o período de estabilidade.
Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais
direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade
provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese
de admissão mediante contrato por tempo determinado.
177
Também na OIT – Organização Internacional do Trabalho,
criada com o Tratado de Versalhes em 1919, institucionalizaram-se medidas
de proteção especial ao trabalho feminino, por meio de instrumentos
internacionais, que desde então vão se sucedendo e se aperfeiçoando,
através de Convenções, cuja vigência pende de ratificação pelo País-membro
e de Recomendações.
Preconizou, esta criação, em seu “sétimo princípio” a igualdade
de remuneração para homens e mulheres por um trabalho de igual valor,
acolhendo-o na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em
seu artigo XXIII, 2.
Igualmente, a OIT, através da Convenção n.100 e da
Recomendação n.90, ambas de 1952, sendo o primeiro passo para um
segundo momento retratado, em numerosos instrumentos internacionais,
sobre a igualdade e de tratamento entre homens e mulheres.
Seguiram-se a Convenção de n. 4, de 1919, sobre o trabalho
noturno de mulheres, revista pelas Convenções de ns. 41/34, 89/48 e uma
recomendação sobre o trabalho noturno de mulheres na agricultura, a de n.
13/21. Ainda quanto ao trabalho em subterrâneos, a de n. 4/19, referente à
proteção de mulheres e menores contra o saturnismo, e a de n. 13/21,
relativa à interdição de trabalho com emprego de cerusita.
Na esfera de proteção à maternidade, citem-se as seguintes
Convenções: a Convenção de n. 3/19, revista pela de n. 103/52, a de n.
95/52 e a de n. 110, parte VII, de 1958, e de n. 183, de 2000.
A proteção à maternidade abrange os seguintes direitos, sendo
uns próprios da mulher, na qualidade de gestante, outros respeitantes ao seu
relacionamento e ao do cônjuge masculino com a criança, no período da
gravidez e gestação:
178
a) transferência de função, por motivo de saúde, durante a
gravidez, com a garantia de retorno, cessado o impedimento;
b) direito de pôr fim ao contrato de trabalho, se, com base em
atestado demonstrar ser o trabalho prejudicial à sua gestação;
c) dispensa de horário de trabalho, para fim de realização de, no
mínimo, seis consultas médicas, além de exames complementares.
No período do parto e do pós-parto:
a) licença à maternidade, tida como benefício de natureza
previdenciária, cuja retribuição se faz pelo salário-maternidade;
b) direito a descansos remunerados na jornada de trabalho,
para fim de amamentação do filho. Serão em número de dois, de meia hora
cada um, até que a criança complete seis meses, limite este passível de
dilatação, a critério da autoridade competente;
c) em período de amamentação, as mulheres não deverão ser
empregadas em trabalhos que acarretem exposição a benzeno ou a produtos
contendo benzeno (Convenção OIT n. 136);
d) nos estabelecimentos em que trabalhem pelo menos trinta
mulheres com mais de dezesseis anos de idade, a mulher gestante terá
direito a local apropriado onde possa guardar seu filho, sob a vigilância e
assistência, no período de amamentação;
e) direito à assistência gratuita aos filhos, desde o nascimento
até seis anos de idade em creches e pré-escolas (art. 7º, XXV da
Constituição da República).
Os direitos comuns pertinentes durante a maternidade são:
179
a) Garantia de emprego e de salário. A proibição de sua
dispensa estende-se desde a confirmação da gravidez até cinco meses após
o parto (art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT);
b) assistência médica e hospitalar (arts. 201 a 203 da
Constituição da República);
Além do mais, o pai detém direito assegurado pela Carta
Magna, quanto a licença à paternidade, prevista no artigo 7º, XIX e artigo 10,
§1º do ADCT.
4.11 Limites da negociação coletiva
Preliminarmente é importante salientar que a Constituição não
fez vedações legais e sequer impôs limites às negociações coletivas,
conforme podemos observar pelo disposto no seu artigo 7° in verbis:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos
coletivos de trabalho;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”
180
Aliás, a bem lançada definição de “negociação coletiva” por
Paulo Sergio João221, a qual, segundo ele, “deve ser entendida como uma
forma de adequação de interesses entre as partes, cujo objetivo é o alcance
de uma solução capaz de satisfazer, no plano imediato, as divergências
emergentes e, no plano mediato, ser uma oportunidade de aprendizado na
busca de melhores condições sociais e de trabalho”.
Também nesse mesmo sentido Suely Ester Gitelman222, que
entende que “no Direito do Trabalho vigente não se busca mais somente a
proteção do contrato individual de trabalho e sim, a oferta de emprego para
toda a coletividade, razão pela qual, em decorrência da flexibilização das
normas trabalhistas, os direitos individuais de trabalho podem ser objeto de
transação, uma vez que em decorrência da concessão desses direitos
advirão vantagens mais favoráveis ou benéficas para todos os
trabalhadores”.
E conclui:
“A flexibilização laboral surgida da crise econômica que
assola o país, é um mecanismo de ajuste da empresa face à
instabilidade econômica, com o intuito de garantir postos de
emprego, e deve ser recebida não com surpresa e indignação,
mas como forma de sindicatos que atuam na mesma posição
celebrarem acordo afastando definitivamente o paternalismo
estatal das relações de trabalho”.223
221 JOÃO, Paulo Sergio. Estrutura sindical no Brasil e negociações coletivas – efeito das cláusulas em negociações coletivas sobre o direito material. In Direito, gestão e prática: direito empresarial do trabalho. Coord. Denise Poiani Delboni e Paulo Sergio João. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, série GVlaw, pág.31.
222 GITELMAN, Suely Ester. A convenção coletiva de trabalho no direito brasileiro. São Paulo: s.n., 2001, Dissertação de Mestrado, Programa: Direito, Orientador: MANUS, Pedro Paulo Teixeira, pág. 119.
223 GITELMAN, Suely Ester. A convenção coletiva de trabalho no direito brasileiro, cit., p. 123.
181
Porém, este não é o entendimento predominante na doutrina.
Em sentido oposto ao entendimento de que as convenções ou
acordos são objeto de livre negociação e estipulação, o Jurista Maurício
Godinho Delgado 224 salienta que todos aqueles preceitos constitucionais
anteriormente citados “colocam como valor intransponível o constante
aperfeiçoamento das condições de saúde e segurança laborais, assegurando
até mesmo um direito subjetivo à redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Por essa razão,
preceitos jurídicos que, ao invés de reduzirem esse risco, o alargam ou
aprofundam, mostram-se francamente inválidos, ainda que subscritos pela
vontade coletiva dos agentes econômicos envolventes à relação de
emprego”.
Ainda: “as normas jurídicas estatais que regem a estrutura e
dinâmica dos intervalos trabalhistas também são, de maneira geral, no Direito
Brasileiro, normas imperativas. O caráter de cogência próprio às regras do
Direito do Trabalho também deve ser enfatizado”.225
Nesse diapasão, entende-se que a renúncia, pelo trabalhador,
no âmbito da relação de emprego, a alguma vantagem ou situação resultante
de normas respeitantes a intervalos poderia ser prejudicial e, por
conseguinte, ser declarada inválida.
Paulo Sergio João 226 assevera que: “quanto às partes, a
liberdade de negociação livre de trabalhadores relativamente aos
empregadores sobre as condições de trabalho está diretamente vinculada ao
224 DELGADO, Maurício Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas. 3ª edição. São Paulo: Editora LTr, 2003, pág. 120.
225 DELGADO, Maurício Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas, cit., p. 120.
226 JOÃO, Paulo Sergio. Estrutura sindical no Brasil e negociações coletivas – efeito das cláusulas em negociações coletivas sobre o direito material. In Direito, gestão e prática: direito empresarial do trabalho. Coord. Denise Poiani Delboni e Paulo Sergio João. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, série GVlaw, pág.32.
182
exercício da liberdade sindical, direito este de natureza individual, mas
exercido coletivamente por meio de agrupamento em torno do sindicato,
entidade chamada para capacitar e legitimar a manifestação da autonomia
privada de modo coletivo”.
E conclui de forma muito pertinente 227 : “qualquer restrição
imposta pelo Estado no exercício desta liberdade implica violação direta do
exercício da liberdade sindical”.
Agora, se por meio dos instrumentos coletivos autônomos não
se reconhece validade a acordos, quanto mais por meio das relações
bilaterais, ou seja, aquelas feitas diretamente entre empregado e
empregador.
De forma taxativa a doutrina entende que a transação
meramente bilateral, sem o apoio e amparo de negociação coletiva, também
se submete ao mesmo conjunto indissolúvel de princípios e regras.
Deste modo, como critério geral, será inválida a transação
bilateral que provoque prejuízo do trabalhador (artigo 468, CLT228), como por
exemplo, a redução de intervalo por aquém do mínimo fixado na legislação
(como o intervalo para refeição e descanso de, pelo menos, 1 hora – artigo
227 JOÃO, Paulo Sergio. Estrutura sindical no Brasil e negociações coletivas – efeito das cláusulas em negociações coletivas sobre o direito material. In Direito, gestão e prática: direito empresarial do trabalho, cit., p. 32.
228 Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
183
71 229 , caput, CLT); ou eliminação de intervalo remunerado habitual
espontaneamente concedido pelo empregador (Súmula n.º 118 do TST230).
Portanto, como defende o Professor Maurício Godinho
Delgado231: “o espaço para a renúncia é praticamente nenhum, assim como é
extremamente reduzido o espaço para a própria transação bilateral
(preservando-se válida apenas quando não for lesiva)”.
Mais uma vez nosso entendimento, data venia, inclina-se na
contramão do reconhecimento absoluto da rigidez destas transações,
inclusive, também, quanto às alterações bilaterais, ou seja, é possível sim
uma flexibilização neste ponto, desde que avaliadas pontualmente garantias
e direitos constitucionais.
Primeiro porque o próprio legislador já previu no ordenamento
algumas hipóteses de produção de atos unilaterais pelo empregador em
busca de reduzir um dos intervalos legais (redução sem real prejuízo).
É o que podemos notar, por exemplo, no disposto no artigo 71,
§ 3º da CLT232, que permite que se diminua o lapso temporal mínimo de 1
hora para refeição e descanso caso o estabelecimento atenda integralmente
229 Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.
230 Súmula nº 118. JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. Os intervalos concedidos pelo empregador na jornada de trabalho, não previstos em lei, representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviço extraordinário, se acrescidos ao final da jornada.
231 DELGADO, Maurício Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas. 3ª edição. São Paulo: Editora LTr, 2003, pág. 120.
232 CLT, art. 71. § 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares.
184
às exigências concernentes à organização dos refeitórios e quando os
respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a
horas suplementares.
Ainda que tal possibilidade de redução dependa de ato do
Ministério do Trabalho e Emprego, depois de ouvido o órgão responsável
pela área de segurança e medicina do trabalho do respectivo ministério
(artigo 71, § 3º), tal hipótese já contempla a quebra do caráter absoluto da
impossibilidade de alteração.
Fora isso, e, ainda no campo da alteração bilateral, houve
manifestação de Leonel Maschietto sobre a matéria233, donde defendeu a
autonomia privada da vontade de certos grupos de empregados, podendo
destacar dentre eles os altos empregados, os advogados de notável saber
jurídico e outros empregados, excluídos do grupo de hipossuficientes e
inseridos de forma indiscutível no grupo dos que gozam de plena autonomia
jurídica para dispor diretamente de seus direitos (leia-se aqui: assuntos de
seu interesse).
Isso tudo no escopo infraconstitucional, pois a avaliação no
circuito constitucional deve tratar caso a caso.
Roberto Barreto Prado 234 , por seu turno, defende que “a
prerrogativa pertence ao sindicato e não aos empregados individualmente
considerados. ‘Êstes’ são abrangidos pelas normas do ‘acôrdo’ coletivo,
ainda que contra sua expressa e manifesta vontade”.
233 MASCHIETTO, Leonel. A Liberdade Contratual no Direito Individual do Trabalho Contemporâneo. Anais do 49º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. Coordenação Amauri Mascaro Nascimento. São Paulo: Editora LTr, junho/2009, págs. 91-93.
234 PRADO, Roberto Barreto. Tratado de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1967, vol. II, pág. 723.
185
Os “hipossuficientes” ou os empregados com “debilidade
econômica absoluta”, descritos por Cesarino Junior235 num outro momento
cultural e econômico, estão, em relação aos autossuficientes
(empregadores), “numa situação de hipossuficiência absoluta, pois
dependem, para viver e fazer viver sua família, do produto de seu trabalho”.
Um outro grupo surge com certa autonomia privada da vontade,
afastando sensivelmente a necessidade de interferência e proteção estatal e
se manifestando isoladamente e com independência jurídica, podendo
livremente manifestar sua vontade a anuir àquilo que bem quiser dispor,
excetuados, por óbvio, as situações de fraudes e outros vícios de vontade.
Mas ainda o próprio Professor Maurício Godinho Delgado236 traz
duas situações em que a doutrina e jurisprudência têm aceitado o que,
diríamos, é do campo da flexibilização, ou seja, reconhecem que há espaço
aberto à negociação coletiva no tocante à flexibilização das normas relativas
a intervalos intrajornadas.
A lacuna da lei quanto aos expressos limites da negociação
impõe a busca das respostas no conjunto das regras e princípios do Direito
do Trabalho, bem como na leitura prática que a jurisprudência tem produzido
a esse respeito.
Ainda lecionando, sobre esta questão Maurício Godinho
Delgado237 defende que sempre que se falar em flexibilização, transação e
235 CESARINO JUNIOR, A.F. Direito Social Brasileiro. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1970, 1º vol., pág. 25.
236 DELGADO, Maurício Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas. 3ª edição. São Paulo: Editora LTr, 2003, pág. 121.
237 Para Maurício Godinho Delgado, sempre que se falar em flexibilização, transação e negociação coletiva, devemos refletir em torno dos princípios do direito do trabalho, ressaltando o princípio da adequação setorial negociada, sendo que à luz de tal princípio as normas autônomas coletivas negociadas somente podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista quando observarem dois critérios autorizativos essenciais: a) quando as normas coletivas implementarem padrão setorial de direitos superior ao padrão
186
negociação coletiva, devemos refletir em torno dos princípios do Direito do
Trabalho e em dois critérios essenciais.
O primeiro critério, o da norma mais favorável, é marcadamente
simples, já que se trata de alteração mais vantajosa ao empregado. Logo,
difícil concluir pela ilegalidade, já que a norma coletiva não chega sequer a
afrontar, portanto, o princípio da indisponibilidade de direitos obreiros ou o
das garantias mínimas.
A análise do segundo critério, o das normas autônomas
transacionando parcelas trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa e
não de indisponibilidade absoluta, parece merecer maiores comentários.
É possível vislumbrar-se norma coletiva negociada que afronte
apenas parcelas trabalhistas de indisponibilidade relativa (embora rara a
hipótese, já que as normas concernentes a intervalo são, essencialmente, de
saúde do trabalhador).
Isso ocorreria, por exemplo, com uma norma que ampliasse o
intervalo não remunerado entre dois interregnos de trabalho (alargando, pois,
o intervalo máximo de 2 horas de que fala o artigo 71, caput da CLT –
dispositivo que tem sido comum nas negociações coletivas da área de
transporte urbano). A indisponibilidade aqui seria relativa, porque o
alargamento do intervalo não afetaria, em princípio, diretamente a tutela da
saúde do trabalhador.
Contudo, imperativo reconhecermos que grande parte das
normas relativas a intervalo são normas de saúde e segurança laborais, e,
por conseguinte, normas de saúde pública. Como tem predominado na
geral oriundo da legislação heterônoma aplicável (o clássico princípio da norma mais favorável, portanto); b) quando as normas autônomas transacionarem parcelas trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios do direito do trabalho. Jornal Trabalhista. Brasília: CTA, ano XI, n.º 535, 12.12.94.
187
doutrina e jurisprudência, tais, asseguram às parcelas trabalhistas a
qualidade de indisponibilidade absoluta (entendimento que não comungamos,
como já explanado).
Sendo direitos revestidos (ou reconhecido por alguns) como de
indisponibilidade absoluta, os mesmos não poderiam ser transacionados nem
mesmo por negociação coletiva.
Observe-se que referida discussão como posta, é realizada
apenas no aspecto infraconstitucional, e não no escopo do conflito de direitos
resguardados e garantidos constitucionalmente.
A justificativa, segundo a doutrina, tentando avançar para o
campo constitucional, é que tais parcelas são aquelas caracterizadas na
essência por uma tutela de interesse público, por se constituírem em uma
base mínima aceitável de direitos 238 que a sociedade democrática não
concebe ver reduzido em qualquer seguimento econômico-profissional, sob
pena de se afrontar a própria dignidade da pessoa humana e a valorização
mínima deferível ao trabalho (artigos 1.º, III e 170, caput, CF/88).
Isso significa, por exemplo, poder ser reconhecido como
inválido o dispositivo de convenção ou acordo coletivo que dispense o
intervalo intrajornada em lapsos temporais de trabalho superiores a 4 horas
contínuas (ou superiores a 6 horas), afrontando, a princípio, os respectivos
intervalos mínimos específicos pelo artigo 71 da CLT239.
238 Instituto esse conceituado por Maurício Godinho Delgado como “patamar mínimo civilizatório”. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: Editora LTr, 1995, págs. 166-167).
239 Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.
188
Outrossim, como sabemos, o intervalo de 1 hora em jornadas
superiores a 6 horas (caput do artigo 71 da CLT) pode sim ser reduzido caso
o estabelecimento tenha refeitório próprio (e não haja a prática de horas
suplementares), pois como já salientamos, esta redução é expressamente
autorizada pela lei (§ 3º do artigo 71 da CLT).
Mas, temos que admitir, será inválida (se avaliada
infraconstitucionalmente) a supressão do referido intervalo ou sua redução a
níveis temporais incompatíveis ao cumprimento de seus objetivos centrais
(saúde, higiene e segurança laborais), como por exemplo, a fixação de
intervalo para almoço de 10 (dez) e 15 (quinze) minutos.
Noutro aspecto, poderá ser reconhecida em casos concretos se
avaliada na esteira do princípio da proporcionalidade, em que a colisão de
direitos fundamentais se apresentarem em discussão.
Bem, como de maneira geral todos os intervalos intrajornadas
são bem curtos (excetuado o previsto no caput do artigo 71 da CLT), mesmo
uma simples redução pode ser tida como afronta à tutela das normas
imperativas de saúde, medicina e segurança do trabalho, podendo vir a ser
reconhecida como inválida, ressalte-se, na questão avaliada
infraconstitucionalmente .
Permitindo a Constituição a efetiva diminuição do salário240 por
negociação coletiva nos termos do artigo 7º, VI241, aparentemente podemos
240 Cesarino Junior, leciona que “é princípio ensinado pelos tratadistas do salário que este deve obedecer à três critérios no seu cálculo: as necessidades do trabalhador, as possibilidades da empresa e a produtividade do trabalho. (...) ‘Êste princípio foi até certo ponto consubstanciado no art. 137, letra c, da Constituição de 1937, que inscreveu: ‘a modalidade do salário será a mais apropriada às exigências do operário e da emprêsa”.(in, CESARINO JUNIOR, A.F. Consolidação das Leis do Trabalho. 4ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, vol. I, pág. 433.)
241 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
189
supor que a mesma confere plena validade à norma coletiva negociada que
suprimisse até mesmo os intervalos intrajornadas remunerados (quem sabe,
também aquele descrito no artigo 72 da CLT242, por exemplo), dependendo
caso a caso referida avaliação.
Mas é importante salientar que estas reduções devem vir
acompanhadas de meios calibradores, a fim de se evitar o embate direto com
o disposto no artigo 7.º, XXII 243 , CF, que trata da redução dos riscos
inerentes ao trabalho.
E mais: segundo nos informa Otavio Pinto e Silva 244 “toda
negociação deve partir de um pressuposto básico: o de que as partes se
comprometem a negociar de boa-fé e a proceder com lealdade em todos os
seus entendimentos, assim como na execução do que vier a ser acordado”.
Isso poderá trazer maior legitimidade a negociação coletiva
redutora dos intervalos e outras questões.
Em resumo, a avaliação na esfera infraconstitucional muita se
separa da avaliação na esfera constitucional, e havendo colisão de direitos
constitucionais, apenas caso a caso, sem esvaziamento completo de um em
face do outro, podemos encontrar a solução adequada.
242 Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.
243 XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
244 SILVA, Otavio Pinto e. A contratação coletiva como fonte do direito do trabalho. São Paulo: Editora LTr, 1998, pág. 105.
190
5. Casos práticos internacionais
Considerando as linhas traçadas até então para a aplicação do
princípio da proporcionalidade, necessário se torna trazer alguns casos
práticos, dando início pelos casos ou situações postas no Judiciário
Internacional. As decisões e os respectivos países escolhidos são
justificados, em especial, pelo conteúdo trabalhado em seu texto com base
no princípio da proporcionalidade.
Oportuno salientar, que o presente estudo busca desvendar a
possibilidade da aplicação do princípio da proporcionalidade e seus
contornos nas relações de emprego e trabalho, e em certa medida sua
diferenciação do princípio da irrazoabilidade, hoje denominado por muitos de
princípio da razoabilidade.
Defendemos ainda, na linha científica proposta, e com
fundamento nos autores citados, a aplicação de regramentos que visam dar
contornos objetivos à aplicação do princípio da proporcionalidade, o que se
dá por meio dos subprincípios já aqui detalhados.
De outro lado, em razão do contexto que se apresenta referido
princípio, que visa solucionar casos concretos de choques entre garantias
e/ou direitos fundamentais, e observando ainda, a diferenciação que
procuramos demonstrar quanto à criação da norma no momento do
julgamento, afastando a visão puramente “do texto sem contexto” da norma
ou ainda, a busca pelo espírito do legislador no momento de sua criação,
inviável nos pareceu afastar do presente trabalho casos concretos, em que
referido princípio da proporcionalidade ou ainda, da razoabilidade são
destacados como meios aparentes de fundamento.
Evidentemente que o objetivo não é de crítica a essa ou aquela
decisão, pois a compreensão de aplicabilidade do princípio e de seus
subprincípios não é tarefa fácil, mas sim, de exercitar tecnicamente o que até
aqui foi apresentado.
191
De salientar ainda, que não tivemos acesso ao processo em
sua integralidade, mas apenas aos Acórdãos na íntegra.
5.1 Situação 1 – Caso Português dos Delegados de Propaganda Médica
Em 21 de Agosto de 2006 os trabalhadores (delegados de
propaganda médica) envolvidos em uma despedida coletiva intentaram uma
ação (processo n. 2993/06.5TTLSB.L2.S1)245 , com processo especial, no
Tribunal de Trabalho de Lisboa contra a empresa que os despediu.
Pleiteavam que tal despedida fosse declarada ilícita e ainda a reintegração
nos seus postos de trabalho com a antiguidade e categoria de antes, além de
que lhes fossem pago retribuições que, englobando os danos patrimoniais e
os morais, somavam dez mil euros para cada um.
A ré era uma empresa farmacêutica que figurava na lista das
150 empresas com capital próprio de 20 milhões de euros e ocupa a 17ª
posição entre a 25 maiores empresas farmacêuticas. Entretanto, afirma que o
mercado farmacêutico atravessava fase complicada economicamente,
especialmente em Portugal, onde o governo estava em crise e a população
com baixas condições financeiras. Além disso, enfrentava congelamento de
preços e perda de mercado em função do crescimento dos medicamentos
genéricos.
A ré foi condenada no primeiro julgamento e interpôs recurso
para o Tribunal da Relação de Lisboa. Foi proferida nova decisão que decidiu
julgar a ação procedente e improcedente o pedido reconvencional e, em
consequência disso, declarou ilícita a despedida coletiva operada pela ré e
245Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/14d1de64de83bac780257b1a004ccb84?OpenDocum (acesso em 17.3.2014)
192
que visou os autores, condenando-a a reintegrá-los nos seus postos de
trabalho, com a antiguidade e categoria que lhes pertenciam, a pagar aos
autores, além das retribuições, acrescidas dos respectivos subsídios de férias
e de Natal devidos, até ao trânsito em julgado da decisão, a importância de €
4.000,00 a título de indenização por danos não patrimoniais sofridos e bem
assim a pagar-lhes a quantia que viesse a ser apurada em sede de execução
de sentença e correspondente aos danos patrimoniais sofridos em resultado
de terem sido privados de veículo automóvel, cedido pela ré, e dos prêmios
trimestrais de produtividade não recebidos desde Dezembro de 2005.
Quantias estas acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde a
data dos respectivos vencimentos e até efetivo e integral pagamento.
Inconformada, a ré interpôs, de novo, recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa, que deliberou não acolher o recurso interposto e
confirmar, na íntegra, a sentença recorrida. Desta decisão que apresenta
recurso de revista, o qual vai manter a decisão, com os fundamentos que
passamos a expor.
De acordo com o STJ, ainda que a ré tenha demonstrado a
existência de previsíveis alterações de mercado no que respeita a procura
dos seus bens, não ficou suficientemente demonstrado que essa alteração
implicasse a necessidade de dispensa dos autores, cuja atividade, não só,
não foi reduzida, como se apurou que a ré teve necessidade de contratar
mais pessoal com formação idêntica.
Em suma, verificou-se a inexistência de um nexo de
causalidade entre as razões de mercado apurados e a dispensa efetuada, de
forma que, “segundo juízos de razoabilidade, aquelas fossem idóneas a
determinar uma diminuição de pessoal operada através do despedimento
colectivo dos autores, o que torna o despedimento ilícito, ao abrigo do
art.º429, c) do CT., com referência ao art.º 431 do mesmo diploma, tal como
foi decidido na sentença recorrida”. E, por considerar a dispensa coletiva
ilícita, manteve-se a condenação à ré em relação aos danos não
patrimoniais, posto que demonstrado o infortúnio causado aos empregados.
193
O que importa ressaltar nesta decisão, para os objetivos
propostos, é mostrar quão intrínseco à ideia de direito é a noção de
proporcionalidade, mesmo que, justamente por normalmente permanecer
implícita, inconsciente, se dá de modo ilegítimo, incongruente com o que se
propõe numa democracia.
No caso sob análise, quando dizem que a questão a ser
resolvida é verificar o nexo de causalidade entre as razões expostas pela
empresa e a necessidade de se despedir determinados empregados, aí
reside o lócus privilegiado da proporcionalidade, que é o que fundamenta e
dá sentido ao vínculo existente entre às partes em conflito. É o que
proporciona avaliar a legitimidade de uma conduta em relação aos reflexos
que ela terá na parte contrária.
Chega-se à conclusão de que, havendo problemas econômicos
ou de qualquer ordem, será lícita a dispensa coletiva se ficar demonstrado
que esta surtirá efeito em reduzir ou solucionar os problemas enfrentados.
Tal procedimento interpretativo é denominado como um juízo de
razoabilidade. Apesar desta denominação, podemos verificar grande
semelhança com o que temos apontado como uma aplicação ilegítima da
proporcionalidade, posto que fundamentada em uma compreensão
inautêntica.
Tomando o direito como um instrumento a ser utilizado para
conformar o convívio social, parte-se do pressuposto de que uma conduta
pode ter sua legitimidade aferida com a sua adequação com a lei, com um
princípio, com o que se diz ser a constituição, com um valor, ou seja, trata-se
de descrever uma relação em que se estabelece um critério e, então, se
avalia uma conduta. Se esta estiver conforme aquele, ela é considerada
lícita.
Este é o ponto em que a violência é mascarada, fundamentada
em discursos retóricos em que o ser humano, em sua singularidade, é
deslocado, fica fora do debate, tendo sua vida totalmente absorvida pelo
194
direito. A proporcionalidade, se aplicada corretamente nos termos que se
propõe neste trabalho, propicia desconstruir estes discursos, estas crenças,
além de soluções legítimas. No caso em questão, por exemplo, pode-se até
considerar um “acerto” quanto ao conteúdo da decisão, mas o pano de fundo,
o não dito do que se decidiu é o local que se identifica o problema. Mostrando
a empresa que, em caso de crise financeira, poderia reduzir custos e
permanecer mais competitiva no mercado com uma demissão coletiva, esta
se mostraria lícita? Mas seria legítima? Acreditamos que a proporcionalidade
oferece um caminho mais correto a ser seguido. Deveria a empresa, além de
mostrar a necessidade de tal dispensa, deveria ainda, mostrar que não teria
outras alternativas mais benéficas aos empregados e, por último, dever-se-ia
mostrar até que ponto o ordenamento jurídico-político possibilita uma
dispensa coletiva para salvaguardar interesses da empresa. Não nos parece
correto, desde uma abordagem comprometida com os direitos humanos, que
uma empresa possa proceder a uma dispensa coletiva, mas não possa sofrer
um recuo econômico, que não a coloque em risco, é claro.
5.2 Situação 2 – Caso Português de Sanção Abusiva e Danos Morais
O autor instaurou no Tribunal de Trabalho de Almada ação
(processo n.598/09.8TTALM.L1.S1)246 contra o Banco de Portugal pedindo
que se declarasse extinto por caducidade o procedimento disciplinar ou que,
subsidiariamente, se declare que os comportamentos que lhe são imputados
no referido procedimento não constituem violação do dever de segredo. Além
disso, requer que o réu seja condenado a lhe pagar indenizações que
englobam vários aspectos, como subsídios descontados e danos não
patrimoniais, entre outros.
Foi declarada “ilícita e consequentemente nula a sanção de
suspensão aplicada ao Autor, devendo o Réu proceder à eliminação do
246 Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0c2476d8654aef080257ab10037f704?OpenDocument (acesso em 18.3.2014)
195
registo disciplinar daquele da infracção em causa e repor a respectiva
antiguidade como se nunca tivesse sido sancionado”, além do dever de
indenizar os danos materiais e os não patrimoniais.
O réu, inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa, assim como o autor, e descontentes com a decisão
deste, ambos impetraram recurso de revista para o TSJ. Aquela corte alterou
a sentença recorrida na parte em que condenou o réu a pagar ao autor o
montante de seis mil euros a título de danos morais, mas manteve o restante,
ou seja, a reintegração do autor e as indenizações por danos materiais. O
STJ confirmou a sentença recorrida.
Aparenta ser relevante o ponto em que se discute se é devida
ou não a indenização referente aos danos não materiais, no qual focaremos a
análise desta decisão, pois podemos encontrar, embora não tenha sido
explicitada pelos magistrados, uma aplicação correta da proporcionalidade.
O autor alega que sofrera um processo disciplinar ilícito, o qual
continha em seu início a intenção de sua dispensa, e, portanto, sofrera danos
psicológicos, tendo sua vida familiar e profissional afetada. Dever-se-ia
decorrer daí, portanto, uma indenização por danos não materiais.
Acontece que tal procedimento disciplinar foi instaurado pelo
fato de o autor ter descumprido seu dever de sigilo em relação ao banco em
que trabalhava. Isto aconteceu quando o autor, em um processo judicial,
juntou documentos sigilosos e, devido ao caráter público do processo, no
entender do banco, houve quebra do dever de sigilo. O autor alegou que sua
conduta era lícita, uma vez que coerente com seu direito de ação.
O cerne da discussão é, então, a licitude de tal procedimento
disciplinar, dependendo da resposta a esta questão a possibilidade ou não de
indenização referente a danos morais. Não resta dúvida, no processo, que o
autor sofreu danos psicológicos e em sua convivência familiar e profissional,
mas há que se decidir se tais danos decorreram de um procedimento
196
disciplinar ilícito e, portanto, deveria ser indenizado, ou se tal procedimento
constituía direito do banco, sendo legítimo, caso em que não há que se falar
em indenização.
Ao analisar a questão, sem mencionar em nenhum momento o
princípio da proporcionalidade, assim se argumentou:
Nem se diga que o A./apelante ao haver procedido
daquele modo, o fez no exercício do seu direito de
acção. Repare-se que o mesmo, ao exercer aquele
direito, nem sequer juntou ou requereu a junção de tais
documentos com a petição inicial formulada no aludido
processo, mas apenas como elementos de prova
meramente acessória à que já havia indicado nos autos
e apenas em sede da audiência de discussão e
julgamento que ali teve lugar, sendo certo que poderia e
deveria ter actuado de outro modo, designadamente
apresentando outros elementos de prova, mormente
testemunhal, que, porventura, fossem capazes de
esclarecer o tribunal, naquele outro processo, sobre a
actividade desenvolvida pelo A. ao serviço do ali R., ou,
no mínimo, solicitar a este autorização para a respectiva
utilização em juízo ou requerer ao tribunal a junção dos
mesmos pelo próprio R., já que eram documentos que
lhe pertenciam e que estavam em seu poder,
permitindo, desse modo, a abertura de uma discussão
prévia sobre a sigilosidade dos elementos contidos
nesses documentos e, consequentemente, a
possibilidade ou não da junção dos mesmos àquele
processo, ou a forma de se obter a junção dos mesmos
sem pôr em causa os direitos em conflito (o direito do A.
os poder utilizar enquanto elementos de prova e o
direito de sigilo deles decorrente, designadamente em
197
relação às pessoas ou entidades a que se reportavam
esses documentos).
Assim, ainda que de âmbito limitado, não há dúvida que
o aqui A./apelante, ao actuar da forma que o fez no
referido processo e em relação à junção de tais
documentos, violou o sigilo profissional a que estava
vinculado».
Demonstrou-se na decisão que, embora tais documentos
pudessem provar o que alegava o autor, não ficou demonstrada a sua
adequação, posto que além de haver outros meios de prova à sua
disposição, tão eficientes quanto este, houve excesso também em tê-los
juntado sem antes discutir tal possibilidade, pois sabia tratar-se de segredos
de terceiros, que também mereciam proteção jurídica.
E, ao proceder deste modo, ou seja, com excesso, observou-se
realmente que direitos de terceiros foram desrespeitados sem nenhuma
causa que o tornasse legítimo. Podemos vislumbrar aqui, portanto, as três
etapas da aplicação do princípio da proporcionalidade, apesar de não
mencionadas explicitamente, como propomos ser o modo correto.
Decorreu-se do exercício hermenêutico realizado uma decisão
correta, legítima, em que se pôde verificar que o autor, ao agir de modo
desproporcional, ensejou um procedimento disciplinar legítimo, não podendo
requerer indenização moral por danos sofridos em um procedimento que tem
sua origem em seu próprio ato ilícito. Seria um caso em que estar-se-ia a
utilizar o direito contra o próprio direito, a pior forma de injustiça que existe,
pois a mais dissimulada.
198
5.3 Situação 3 – Caso Português da Dispensa por Justa Causa e Boa-Fé
Trata-se de caso (processo n. 4914/07.9TTLSB.L1.S1)247 em
que a autora pede que se anule a sanção disciplinar de dispensa com justa
causa e se condene a ré a compensá-la no valor das retribuições que deixou
de auferir desde a dispensa até ao trânsito da sentença e a pagar-lhe €
1.500,00 de indenização por danos patrimoniais e € 35.000,00 por danos não
patrimoniais, com juros. A empregada desempenhava a função de técnica
superior de higiene e segurança.
Após a realização da audiência de julgamento foi proferida
sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente, porque
parcialmente provada, declarando ilícita a dispensa da autora, que anulou, e
condenando a ré, em conformidade, a reintegrar a autora no seu posto de
trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a condenando a
pagar à autora a quantia de € 49.416,56 acrescida de juros de mora, à taxa
legal, desde a citação e até integral pagamento, somada das quantias que se
vierem a vencer pelo mesmo título (art. 437.º do CT aprovado pela Lei
99/2003) até ao trânsito em julgado da decisão final do processo.
A ré, inconformada, interpôs recurso de Apelação para o
Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe concedeu provimento, julgando
procedente o recurso interposto e revogando a sentença recorrida por
considerar que existiu justa causa na dispensa efetuada, com a consequente
absolvição da ré dos pedidos contra si formulados. Decisão contra a qual a
autora interpôs recurso de revista, levando o caso ao TSJ, o qual confirmou a
decisão.
247 Disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e71f52e348eef140802579d1004bfa43?OpenDocument (acesso em 19.3.2014)
199
A recorrente argumentou que, devido ao caráter de perenidade
intrínseco à relação laboral, o recurso à sanção de dispensa em processo
disciplinar apenas se justifica, “no necessário respeito pelo princípio da
proporcionalidade, quando as medidas conservatórias ou correctivas se
revelarem de todo inadequadas”, entendendo que foi desproporcional sua
dispensa em razão de sua conduta ter sido um ato isolado, além de se tratar
de trabalhadora com 6 anos de emprego e sem antecedentes disciplinares.
Resumindo, tal decisão “atenta contra o princípio da proporcionalidade que
deve existir entre a sanção e a gravidade da infracção.
A recorrente tinha que fazer visitas em estabelecimentos e
elaborar relatórios anuais da atividade dos serviços de segurança, higiene e
saúde no trabalho. As empresas têm que apresentar tal relatório,
impreterivelmente, até o dia 30 de abril. Acontece que a empregada efetuou
algumas visitas, mas não elaborou, logo em seguida, os relatórios
correspondentes, como seria o procedimento normal.
Restando ainda vários relatórios a serem feitos e o prazo quase
no limite, a técnica de higiene e segurança solicitou à empregadora
autorização para frequentar uma ação de formação sobre ‘Ruído’, pedido que
lhe foi indeferido em virtude de ainda não terem sido efetuados os relatórios
das vistorias acima referidas, e ainda porque nessa altura, em 14.3.2007,
estava-se ainda em período de realização dos relatórios anuais da atividade
dos serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que as empresas
têm que apresentar no ISHST, impreterivelmente, até ao dia 30 de Abril.
A autora entrou de baixa médica no dia seguinte, em 15.3.2007,
por 10 dias, depois prorrogados por mais 30 e depois novamente prorrogada
até 23.5.2007. Apurou-se ainda que a autora, ao sair da reunião do dia 14 de
Março de 2007, o fez a cantarolar, depois da gerente da ré não lhe ter dado
autorização para frequentar a ação de formação pelos motivos acima
referidos, o que, no entender da corte, denuncia uma falta de respeito e
urbanidade para com a empresa.
200
Além disso, enquanto a autora estava afastada do serviço, foi-
lhe solicitado que prestasse informações sobre os documentos
correspondentes às visitas que havia feito, pois os mesmos, deixados por ela
antes de sair, não continham as informações necessárias para que outro
técnico pudesse fazer os relatórios. A autora somente respondeu ao segundo
contato feito, mas não forneceu informações necessárias para resolver a
situação. A ré teve que contratar outra técnica de higiene e segurança que
teve que se deslocar às empresas que mais urgentemente necessitavam dos
relatórios a fim de repetir as vistorias.
Em relação às atitudes da autora, ponderou a corte que “era-lhe
exigível, nas descritas circunstâncias, outra conduta, não sendo preciso ir
mais longe para significar que, num quadro de normalidade, aferível pelo
padrão ou critério geral do bom pai de família, deveria ter cumprido
adequadamente os seus deveres funcionais, elaborando em tempo próprio os
relatórios sequentes às vistorias realizadas, aceitando, com urbanidade e
sem retaliação, a negação de autorização para frequência do referido
workshop, colaborando, com normal disponibilidade, na realização alternativa
dos relatórios que a sua ausência, sem mais, inviabilizou.”
Assim, decidiu que “o cominado despedimento mostra-se
proporcionado à gravidade do comportamento assumido pela A.”
Deve ser destacado que a proporcionalidade foi utilizada como
argumento interpretativo tanto pela autora, para afirmar que sua dispensa foi
desproporcional, quanto pela corte, no sentido contrário, para decidir pela
licitude da dispensa, considerando que esta foi proporcional ao
comportamento assumido pela autora. Devemos, então, destacar qual
interpretação está correta, de modo que fique claro que o princípio da
proporcionalidade não oferece um álibi hermenêutico capaz de sustentar ou
fundamentar qualquer resposta, mas constitui um procedimento através do
qual, se corretamente efetuado, pode-se obter uma decisão correta, legítima.
201
Apesar de em nenhum caso ter-se percorrido, explicitamente,
as etapas da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido
estrito, podemos perceber que apenas uma interpretação as percorre,
mesmo que não tenha ficado claro. Esta, que é a correta, é a interpretação
do STJ.
Na argumentação da autora o princípio da proporcionalidade é
utilizado de modo a se verificar a licitude da dispensa no processo disciplinar
tendo como pano de fundo que esta se deve à correlação ou não com o
ordenamento jurídico, o que pode se dar considerando-o no todo, seus
princípios ou qualquer norma. Trata-se de erro comum, já indicado aqui, que
se repete em várias decisões também no Brasil. O que se tem, na verdade, é
uma decisão, a priori, de que a dispensa não pode ser considerada lícita e,
então, procede-se a uma busca no ordenamento jurídico de alguma regra
que comporte tal interpretação. Não se percorre as etapas dos sub-princípios,
o que acarretaria, inevitavelmente, a ilegitimidade do pressuposto assumido.
Em contraposição, na decisão do STJ fica claro que o processo
disciplinar mostrou-se necessário para apurar as condutas da autora,
totalmente incompatíveis com o que se espera de um empregado. Depois,
mostra-se que a punição de dispensa, além de necessária, era adequada,
posto que qualquer outra pena, mais branda, não seria condizente com suas
atitudes. E, principalmente, que por tais atitudes serem graves, houve a
quebra da confiança, de modo que seria impossível requerer da empregadora
que mantivesse o vínculo empregatício, o que tratar-se-ia em liquidação de
seus direitos. Importa salientar que, na decisão, não há que se falar em
liquidação dos direitos da empregada, posto que esta deu causa à dispensa
sem estar acobertada por nenhum direito que pudesse legitimar suas
condutas.
202
5.4 Situação 4 – Casos da Inconstitucionalidade na Colômbia sobre
Subordinação no Contrato de Trabalho Foi proposta uma ação de inconstitucionalidade (expediente D-
2581, sentença C-386/00)248 em relação a uma lei que altera o artigo 23 do
Código Sustantivo del Trabajo, o qual estabelece os requisitos para se
configurar uma relação de trabalho. Traz como requisitos essenciais a
atividade ser desempenhada pelo próprio trabalhado (alínea a) e o salário
como contraprestação ao serviço (alínea c). A alínea b é alvo da presente
ação de inconstitucionalidade, sendo seu texto:
“b. La continuada subordinación o dependencia del
trabajador respecto del empleador, que faculta a éste
para exigirle el cumplimiento de órdenes, en cualquier
momento, en cuanto al modo, tiempo o cantidad de
trabajo, e imponerle reglamentos, la cual debe
mantenerse por todo el tiempo de duración del contrato.
Todo ello sin que afecte el honor, la dignidad y los
derechos mínimos del trabajador en concordancia con
los tratados o convenios internacionales que sobre
derechos humanos relativos a la materia obliguen al
país, y”.
De acordo com o autor, o grande problema está na expressão
“mínimos”, pois entende que ao acrescentar esta palavra, há um retrocesso
em relação às conquistas históricas dos trabalhadores. Entende ele que o
legislador não pode reduzir a esfera de proteção apenas aos direitos
mínimos, sendo que deve-se impor como limite aos poderes do empregador
todos os direitos dos trabalhadores. No seu entender constituem os direitos
“não mínimos” os que emanam das demais fontes formais que não a lei,
248 Disponível em:
http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2000/c-386-00.htm (acesso em 20.3.2014)
203
como a convenção coletiva, laudo arbitral, pacto coletivo, contrato de
trabalho, estatutos sindicais, acordos e decisões unilaterais do empregador
que gerem direitos. Além de que, sustenta que tal alteração não está de
acordo com a Constituição, uma vez que esta reconhece a necessidade de
proteção aos trabalhadores, para equilibrar uma relação injusta por natureza.
O ministro do trabalho e da seguridade social proferiu parecer
em que sustenta a legitimidade de tal alteração. Diz que esta tinha como
finalidade aumentar os índices de emprego, no contexto de abertura
econômica. Salienta ainda que o papel da Constituição é justamente
consagrar os direitos mínimos, a partir dos quais devem se desenvolver as
relações sociais, inclusive nas relações de trabalho. Não há, portanto,
nenhuma inconstitucionalidade, em sua opinião.
A Corte decidiu que a expressão “mínimos” não é
inconstitucional, posto que não se trata de diminuir direitos conquistados.
Ainda assevera que:
“En consecuencia, el literal b) del artículo 23 del C.S.T.
no puede entenderse como una norma aislada ni del
ordenamiento jurídico superior, ni del conformado por
los tratados y convenios humanos del trabajo, ni de las
demás disposiciones pertenecientes al régimen legal
contenido en el referido código que regulan las
relaciones individuales y colectivas del trabajo, de las
cuales pueden derivarse derechos para el trabajador
que deben ser respetados por el empleador. Por
consiguiente, sin perjuicio del respeto de los derechos
mínimos mencionados, cuando el empleador ejercite los
poderes propios de la subordinación laboral esta
obligado a acatar los derechos de los trabajadores que
se encuentran reconocidos tanto en la Constitución,
como en las demás fuentes formales del derecho del
trabajo.”
204
Portanto, o argumento principal é que o artigo em apreço deve
ser interpretado dentro do contexto institucional do país, deve-se levar em
consideração todo o ordenamento, sendo que assim considerado, pode-se
demonstrar que quando se diz que os limites dos poderes inerentes ao
empregador nas relações de trabalho, estes são os direitos pertencentes aos
empregados. Estes direitos não podem ser considerados, portanto, em uma
interpretação sistemática, como sendo apenas aqueles positivados
formalmente, mas todos os provenientes de tratados de direitos humanos que
integrem o ordenamento jurídico, e todas as demais fontes de direitos no
âmbito do direito do trabalho.
Esta decisão é fundamental para o empreendimento aqui
proposto de propiciar uma compreensão correta do princípio da
proporcionalidade. Sua relevância não se deve muito aos argumentos
trazidos para se decidir sobre a constitucionalidade ou não do artigo atacado,
mas mais da discussão em si, ou seja, da importância do tema central que a
condiciona: como pode o direito conferir legitimidade à relação laboral?
Não pretendemos explicitar se o princípio da proporcionalidade
foi aplicado ou não e nem como teria sido tal aplicação. Não vamos discutir
também sobre o acerto ou erro da decisão, discorrendo sobre o que nela foi
dito. Vamos focar, por hora, exatamente no que não foi dito, intentando
explicitar o pano de fundo que conforma tanto o discurso do autor quanto o
da Corte, mostrando o quão próximos estão entre si, e quão distantes ficam
da questão essencial do que é o direito, partindo de uma compreensão
inautêntica deste, sendo que a consequência é a impossibilidade de se
aplicar corretamente o princípio da proporcionalidade ao partir dos
pressupostos assumidos.
O grande problema é que se busca decidir questão
fundamental, ou seja, quais os limites, o que conforma uma relação
empregatícia legítima. Do modo como procedem autor e Corte, podemos ver
que assumem um pressuposto comum: a legitimidade do direito do trabalho
reside em proporcionar as garantias trabalhistas que não podem ser violadas
205
em nenhuma hipótese. A questão então a ser resolvida é decidir sobre os
critérios e limites do que seriam os direitos mínimos.
A crítica que fazemos é a seguinte: é possível o direito
estabelecer, a priori, quais os direitos mínimos possuem os trabalhadores e,
ainda, estabelecer que estes nunca podem ceder? É possível o direito conter
as respostas antes dos problemas? O que permanece encoberto na
argumentação do autor e da Corte é que respondem afirmativamente a estas
questões. E, assim procedendo, ter-se-ia como consequência lógica que,
estabelecendo-se de antemão o que é o correto, o que é lícito, os limites das
condutas, podemos vislumbrar os parâmetros que possibilitam ver a correção
ou não de uma pretensão ou conduta apenas mostrando se se enquadra ou
não com o assumido.
O direito, assim compreendido, torna-se simples instrumento
com o qual busca-se resolver os conflitos de interesses. Isto se mostra
problemático, pois não possibilita decisões que abarquem todos os interesses
e pontos de vista envolvidos, tolhe-se o debate, a inclusão dos envolvidos em
nome de uma falaciosa neutralidade em que um interesse prevalece e o outro
é extinto. É esta (in)compreensão fundamental sobre o direito que acarreta,
como já explicitamos em outros casos abordados, uma aplicação puramente
retórica do princípio da proporcionalidade, em que este nada mais faz que
servir como álibi teórico para uma decisão subjetivista imposta a todos. O que
se vê, quando assumidos implicitamente os pressupostos aqui evidenciados,
é uma busca no ordenamento de qualquer texto normativo ou, na falta de
algum, a invocação de algum princípio, a partir dos quais seja possível
mostrar a licitude de uma conduta ou interesse, por estar de acordo com o
direito.
O princípio da proporcionalidade, nos moldes aqui propostos,
rompe com esta compreensão equivocada do direito, pois comprometida com
seu caráter ficcional, ou seja, parte-se da impossibilidade de o direito
propiciar respostas sem casos, antes destes. Uma conduta ou interesse não
pode ser avaliada somente em relação ao ordenamento jurídico,
206
independentemente da conduta ou interesse que a contradiz, pois assim ter-
se-á sempre uma decisão em que se escolhe qual deve prevalecer, sendo
que a outra será descartada. É por isso que os direitos, inclusive os
fundamentais, não são absolutos, o que não foi ponderado na decisão em
discussão. Este nos parece seria o caminho mais correto para se abordar o
assunto. Assim, apesar de se poder concordar que a expressão “mínimos”
não é inconstitucional, dever-se-ia explicitar que a legitimidade do exercício e
– o que é inerente – a restrição de outros, está atrelada na manutenção, no
máximo possível, dos direitos em conflito, ou seja, de modo que nenhum
possa ser aniquilado.
5.5 Situação 5 – Casos da Inconstitucionalidade na Colômbia Contra os
arts. 15 (parcial) e 156 (parcial) do Código Sustantivo del Trabajo
Vamos, então, analisar um caso em que um cidadão propõe
uma ação (expediente D-5310 e D-5321, sentença C-177/05) 249 para
contestar a constitucionalidade do artigo 16 do Código Sustantivo del Trabajo
da Colômbia. Seu texto é o seguinte:
“ART. 16.- Efecto. 1. Las normas sobre trabajo, por ser
de orden público producen efecto general inmediato, por
lo cual se aplican también a los contratos de trabajo que
estén vigentes o en curso en el momento en que dichas
normas empiecen a regir, pero no tienen efecto
retroactivo, esto es, no afectan situaciones definidas o
consumadas conforme a las leyes anteriores.
“2. Cuando una ley nueva establezca una prestación ya
reconocida espontáneamente o por convención o fallo
249 Disponível em:
http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2005/C-177-05.htm (acesso em 23.3.2014)
207
arbitrario por el patrono, se pagará la más favorable al
trabajador”.
Sustenta o autor que ao se aplicar as normas de trabalho de
modo que produzam efeito geral e imediato há desrespeito, caso a nova
norma seja prejudicial ao trabalhador, à Constituição, posto que esta não
poderia permitir um retrocesso em relação a direitos sociais, devendo
prevalecer a norma mais benéfica.
O problema jurídico a ser resolvido, de acordo com a própria
Corte, é saber se as novas normas que versam sobre as questões laborais
podem ter efeito imediato em todas as relações vigentes, devido ao seu
caráter público, ou apenas podem afetar estas se forem para benefício do
trabalhador, nunca podendo prejudicá-lo.
Invocando sua própria jurisprudência a Corte diz que a questão
passa por, primeiro, diferenciar os direitos adquiridos das expectativas de
direito, sendo que:
“A partir de la mencionada sentencia, la Corte ha
decidido que, en principio, los cambios en la ley laboral
se aplican a las relaciones de trabajo vigentes,
independientemente de si son favorables o
desfavorables para los intereses del trabajador, siempre
y cuando el trabajador no tenga ya un derecho adquirido
a que se aplique la vieja normatividad, por cuanto ya
había reunido los requisitos necesarios para poder
acceder al derecho cuya reglamentación fue
modificada.”
Podemos constatar que o raciocínio lógico construído é de que
somente quando se trata de direitos adquiridos, ou seja, direitos que passam
a integrar definitivamente o patrimônio do seu titular, tem-se um limite claro
para a atividade legislativa. Ou seja, o legislador tem que levar em
208
consideração tais direitos, mas pode frustrar meras expectativas de direitos,
não sendo estas óbice à sua atividade de prescrever regras para o convívio
social. Reconhecer a diferença entre direitos adquiridos e expectativas de
direito é essencial, na visão da Corte, para que se possa vislumbrar quais os
limites da discricionariedade do poder legislativo.
Esta discussão é tão essencial quanto a anterior, pois também
trata de uma questão fundamental, trata-se de decidir sobre questões
essenciais em relação ao direito, que vão condicionar sua compreensão e
toda sua aplicação subsequente. Muito além da decisão de
constitucionalidade em causa, interessa explicitar o que fundamenta tal
decisão, os pressupostos assumidos, especialmente porque, neste caso,
poderemos mostrar uma compreensão, pelo menos à primeira vista, correta
do direito, diferentemente da última decisão analisada e, especialmente,
como é fundamental para tal compreensão o princípio da proporcionalidade.
Primeiro devemos destacar que a interpretação oferecida até o
momento não está incorreta, mas estaria se parasse neste ponto em que
chegou. Se terminasse aí, não restaria diferença essencial entre ela e a
decisão anterior. O que poderíamos extrair das duas, como já fizemos em
relação à anterior, é que partem do pressuposto de que o ordenamento, em
si, contém as respostas para os conflitos que devem ser decididos, de modo
que qualquer decisão que se enquadre no ordenamento, ou no que diz sê-lo
o intérprete, estaria correta. O trabalho do juiz seria “escolher” qual interesse
considera deva prevalecer e, uma vez que consiga encontrar para ele uma
disposição normativa, sua decisão estaria fundamentada e, portanto, correta.
Já evidenciamos a incongruência e debilidade de se proceder
deste modo, ou seja, partindo de uma compreensão inautêntica do que é o
direito, especialmente onde se pretende afirmar um Estado Democrático de
Direito. Passamos a considerar agora outros argumentos trazidos na
presente decisão, que constituem, também, jurisprudência da própria Corte,
quando decidia um caso em que a alteração da lei frustraria expectativas de
209
trabalhadores que não tinham ainda adquirido um direito, mas estavam muito
próximos disso:
“Conforme al principio de proporcionalidad, el legislador
no puede transformar de manera arbitraria las
expectativas legítimas que tienen los trabajadores
respecto de las condiciones en las cuales aspiran a
recibir su pensión, como resultado de su trabajo. Se
estaría desconociendo la protección que recibe el
trabajo, como valor fundamental del Estado (C.N.
preámbulo, art. 1º), y como derecho-deber (C.N. art.
25). Por lo tanto, resultaría contrario a este principio de
proporcionalidad, y violatorio del reconocimiento
constitucional del trabajo, que quienes han cumplido con
el 75% o más del tiempo de trabajo necesario para
acceder a la pensión a la entrada en vigencia del
sistema de pensiones, conforme al artículo 151 de la
Ley 100 de 1993 (abril 1º de 1994), terminen perdiendo
las condiciones en las que aspiraban a recibir su
pensión”.
A Corte considera que mesmo se tratando apenas de uma
expectativa de direito, posto que não cumpridos ainda os requisitos
necessários para que estes se tornassem direitos adquiridos, a expectativa
se mostrara muito próxima de consolidar-se. Se ficasse ao alvedrio do
legislativo a possibilidade de frustrá-la, poder-se-ia falar em injustiça, sendo
que a Corte considera tal possibilidade desproporcional. O que deve ficar
claro neste caso é que se considera ser desproporcional piorar a situação de
quem se encontra muito próximo de atingir um status que lhe garantiria de
tais mudanças prejudiciais. Podemos vislumbrar aqui, então, ser aplicada
uma proporcionalidade. Mas o foi de modo correto?
Acreditamos que não. Apesar da argumentação mais
sofisticada, que avança muito mais nas questões abordadas e aprofunda as
210
discussões, podemos demonstrar como que os pressupostos assumidos
permanecem os mesmos. O pano de fundo que condiciona a discussão e,
portanto, limita as compreensões possíveis, permanece impensado. O
exercício hermenêutico desenvolvido pela Corte leva à conclusão de que a
desproporcionalidade é proveniente da ínfima quantidade de tempo que
separa a expectativa de direito de sua “aquisição”. Portanto, o pressuposto
permanece sendo de que, em regra, somente quando se trata de direito
adquirido a situação do empregado não pode ser alterada para prejudicá-lo.
Acredita-se poder encontrar respostas no mundo das ideias, as
quais podem ser acopladas, posteriormente, ao mundo dos fatos.
Para reforçar a crítica desenvolvida vamos recorrer à aplicação
do princípio da proporcionalidade feita pela Corte na decisão em apreço, em
que percorre seus subprincípios, a fim de que possamos deixar claro que a
proporcionalidade não é mero método de interpretação para aplicação do
direito, mas constitui uma postura do intérprete na busca de uma solução
legítima, a qual deve ser construída, e não escolhida, como se houvessem
várias respostas antes do caso. Assim procedeu a Corte:
“El anterior análisis permite concluir que las reformas laborales
que disminuyen protecciones alcanzadas por los trabajadores son
constitucionalmente problemáticas por cuanto pueden afectar el principio de
progresividad. Ellas podrían vulnerar la prohibición prima facie de que no
existan medidas regresivas en la protección de los derechos sociales. Por
ende, la libertad del Legislador al adelantar reformas laborales de este tipo
dista de ser plena, pues no sólo (i) no puede desconocer derechos adquiridos
sino que además (ii) debe respetar los principios constitucionales del trabajo
y (iii) las medidas deben estar justificadas, conforme al principio de
proporcionalidad. Esto significa que las autoridades políticas, y en particular
el Legislador, deben justificar que esas disminuciones en la protección
alcanzada frente a los derechos sociales, como el derecho al trabajo, fueron
cuidadosamente estudiadas y justificadas, y representan medidas adecuadas
211
y proporcionadas para alcanzar un propósito constitucional de particular
importancia.”
Não basta percorrer as três etapas referentes aos subprincípios
da proporcionalidade se parte-se de uma compreensão incorreta do que é o
direito. Isto fica claro nesta decisão em que se considera que o legislador
pode produzir leis prejudiciais aos trabalhadores desde que estas se mostrem
“medidas adequadas e proporcionais para alcançar um propósito
constitucional de particular importância”. Esta lógica não seria diferente para
os conflitos de interesse aos quais o direito deve dar uma resposta. O
problema é que não se consegue romper com a formalidade do direito, e o
exercício hermenêutico não passa de uma retórica que busca fundamentar
uma decisão subjetivista. O que só é possível se assumido, a priori, que
realmente existe “um propósito constitucional de particular importância”, o
que equivale a assumir que há direitos mais fundamentais que outros, ou
pelo menos que devem prevalecer quando em conflito. A decisão será
qualquer coisa, menos proporcional, pois descartará um direito ou interesse
para que outro prevaleça, como se fosse este mesmo o escopo do judiciário.
O princípio da proporcionalidade deve, pelo contrário, não
justificar a licitude de uma conduta ao promover sua correlação com o
ordenamento, mas deve, depois de se averiguar se tratar de interesse
legítimo, ainda confrontá-lo com interesses contrários. Não cabe ao juiz
escolher entre estes, desde que todos legítimos, mas construir uma decisão
em que sejam preservados ao máximo. Assim, não se pode dizer que uma lei
nova pode prejudicar expectativas de direitos por estas não conformarem,
ainda, direitos adquiridos, mas também não dá para considerar que estes
configurem limites intransponíveis, o que acabaria por criar condições em que
soluções de compromisso, ou seja, democráticas, seriam impossíveis.
Decidir-se que o retrocesso deve ser impossível em alguns
casos e decidir-se que será tolerável em outros, independentemente do caso
concreto, são posições que parecem contrárias, mas na verdade, por
possuírem o mesmo fundamento, têm como consequência a imposição de
212
um ato de força em que um pressuposto prevalece e impede o debate, o
confronto com outros pontos de vista. O direito é usado contra outros direitos.
Trata-se de paradoxo consequente de uma má compreensão do que é o
direito e o papel de seus intérpretes. Em nosso entender, tratando-se de
direitos adquiridos ou expectativas de direito, o caminho para a solução deve
ser o mesmo. Somente podem ser prejudicados se se mostrar que é
necessário que o seja, que o prejuízo seja o menor possível e que,
principalmente, independentemente da importância da medida que requer tal
prejuízo, seja para fomentar a criação de novos empregos ou para enfrentar
crises econômicas, o prejuízo não pode significar aniquilação de direitos nem
de expectativa legítima, já que não são aqueles absolutos nem esses
descartáveis.
6. Casos Práticos da Justiça Trabalhista Nacional e a Utilização
Equivocada dos Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade
6.1 Situação 1 - Revista Íntima em Empregados
Procuraremos analisar criticamente duas decisões sobre o
mesmo tema, considerando que a revista íntima realizada em empregados
tem sido matéria constante nos Tribunais.
A primeira se refere ao processo Nº TST-RR-3588100-
54.2007.5.09.0015 de relatoria da Exa. Sra Ministra Maria de Assis Calsing,
na 4ª Turma, com julgamento ocorrido em 29/02/2012.
Neste caso, o empregado, vigilante que trabalhava numa
agência bancária, diariamente, além de passar pelo detector de metais
sempre que adentrava ao estabelecimento, ainda era submetido à revista
pessoal.
Tal revista pessoal ainda era filmada, bem como realizada na
presença de um segundo segurança.
213
Havia então, um detector de metais, uma revista pessoal que
era filmada, além da presença de um terceiro funcionário como expectador.
O I. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região considerou
que ainda que sem contato físico, mas condicionando os empregados a
levantar a calça e a camisa nas condições acima assinaladas, tais revistas
ofenderiam a dignidade do trabalhador.
Asseverou ainda que a conduta da Reclamada para com seus
empregados, em relação aos quais deveria manter relação de confiança,
autoriza a conclusão de que havia presunção de que aqueles empregados
revistados poderiam cometer furtos.
Decidiu então o Regional da seguinte forma:
“Assim, considerando a gravidade do dano, a capacidade
econômica das reclamadas, o princípio da razoabilidade e tendo
como norte o fato de que o dano moral é acima de tudo
incomensurável, condeno a Reclamada ao pagamento de
indenização por dano moral no importe de R$ 20.000,00’.”
O Tribunal Superior do Trabalho, ao avaliar a decisão, disse que
o I. Regional considerou que a revista realizada, por si só, por seu caráter
abusivo e por colocar o empregado em situação vexatória, deveria ser
indenizada, porém, relatou que a questão deveria ser analisada à luz da
licitude da conduta de promover tais revistas nos funcionários. Ponderou
ainda que:
“...os direitos fundamentais, que se assentam na própria
Constituição da República, podem sofrer limitação quando
estiver em jogo a necessidade de se viabilizar o funcionamento
adequado de certas instituições – são as situações chamadas
de relações especiais de sujeição.”
214
Dito isto, descreveu o princípio da proporcionalidade e seus
subprincípios, donde concluiu que apenas sendo cada um deles obedecidos
é que se poderia proceder à limitação de direitos fundamentais.
Porém, apesar de descrever corretamente como deveria ser
aplicado o princípio da proporcionalidade, destacou:
“Necessário verificar, assim, a partir do quadro registrado pelo
Regional (portanto, dentro dos limites traçados pela Súmula 126
desta Corte), se o meio escolhido, isto é, a revista íntima
(solicitar que o empregado levantasse a camisa e as barras das
calças, sem contato físico), foi adequado para atingir o resultado
almejado. E a conclusão a que se chega é que sim, o
comportamento adotado mostrou-se adequado, sobretudo
porquanto consignado pela decisão recorrida que não eram
praticados excessos, uma vez que não havia contato físico, nem
eram adotados quaisquer procedimentos que fossem, por si
sós, constrangedores.Dessa feita, em respeito ao princípio da
proporcionalidade, e, porquanto constatado, a partir do quadro
fático retratado no acórdão regional, que as revistas praticadas
pela Reclamada tinham por finalidade apenas a preservação da
segurança do patrimônio da Empresa, e dos próprios
Empregados, tratando-se de comportamento adequado,
sobretudo porquanto consignado pela decisão recorrida que não
eram praticados excessos, uma vez que não havia contato
físico, nem eram adotados quaisquer procedimentos que
fossem, por si só, constrangedores, não se constata a prática
de ato ilícito por parte do Empregador, nos termos dos arts. 187
e 927 do CCB, sendo indevida a indenização por danos morais”.
O TST se referiu - como se observa - ao princípio da
proporcionalidade para reformar a decisão do Regional, afastando a
condenação imposta.
215
Não houve ainda demonstração explicita e de forma
suficientemente fundamentada que a conduta de revistar os empregados,
apesar de se mostrar aparentemente a mais adequada para a finalidade de
garantir o patrimônio do empregador – aos olhos do Julgador -, deveria ainda
se mostrar necessária e, mesmo assim, se ofendesse de modo a esvaziar
direito fundamental do empregado, deveria ser coibida e, portanto, passível
de indenização.
O TST até descreve os subprincípios da proporcionalidade e
ressalta sua aplicação, mas fica adstrito apenas à fase da adequação, sem
mostrar a necessidade da conduta adotada (revista dos funcionários), ou
seja, que não teria meio mais suave, e muito menos a fase que nos parece
mais relevante, qual seja: a proporcionalidade em sentido estrito, pois não
considerou se, em relação à outra parte, é preservada sua garantia
constitucional ainda que em medida menor em razão do caso concreto.
O segundo caso trata da revista íntima em agente de disciplina
de presídio. O processo tem como identificação o Nº PROCESSO Nº TST-
RR-28000-10.2009.5.11.0019 e também é de relatoria da Exa. Sra Min. Maria
de Assis Calsing, na 4ª Turma, com julgamento em 03/08/2011.
O contexto revela que o agente de disciplina era submetido a
revista íntima onde tinha de se desnudar, agachar três vezes e abrir a boca
botando a língua para fora; essa revista era feita em uma sala fechada,
perante dois colegas que deixavam o turno e era de pleno conhecimento seu
desde o curso preparatório para o ingresso na função; o próprio agente ao
deixar o turno também vistoriava os que entravam para lhe render.
Importante salientar que o detector de metais e aparelho raio-x que havia no
presídio não se prestavam a detectar a entrada de droga.
A questão que o TST coloca é se a pretexto da defesa da
segurança ou de um interesse coletivo, a intimidade de um indivíduo, direito
fundamental, pode ser afrontada na forma como acima foi exposta.
216
O Juízo de origem deferiu o pleito de indenização por danos
morais, no valor de R$10.269,20, em razão do procedimento de revista íntima
a que o empregado fora submetido, por entender que acarretou em desvalia
moral e social face ao constrangimento diário comprovado por meio de suas
testemunhas. Esta decisão foi reformada pelo Tribunal Regional, que
considerou prevalecer sobre os direitos fundamentais do agente penitenciário
o interesse público, e destacou o fato da necessidade de tal procedimento,
uma vez que:
“o detector de metal não consegue detectar droga quando
envolvida em massa de pão ou de pizza e introduzida no ânus
de uma pessoa; que no raio-x se detecta apenas a parte óssea
da pessoa ou se tiver metal; que este invólucro que mascara o
transporte de drogas no corpo humano pode ser confundido no
raio-x por alimentos e fezes”.
O Tribunal Superior do Trabalho, se escorando no mesmo
sentido delineado pelo Regional acenou no mesmo sentido partindo do
seguinte pressuposto:
“os direitos fundamentais, que se assentam na própria
Constituição da República, podem sofrer limitação quando
estiver em jogo a necessidade de se viabilizar o funcionamento
adequado de certas instituições – são as situações chamadas
de relações especiais de sujeição.”
Apesar de apontar as três etapas da aplicação do princípio da
proporcionalidade, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito, disse o Tribunal Superior do Trabalho:
“...é, portanto, o princípio da proporcionalidade que vai traçar a
legalidade ou não de determinada conduta quando estiver na
balança esta mesma conduta em oposição a um direito
fundamental individual.”
217
Em outro momento, discorre mais pormenorizadamente sobre o
princípio da proporcionalidade e seus subprincípios:
“Ainda segundo o autor dantes citado, estes critérios
correspondem às seguintes perguntas: a) o meio escolhido foi
adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?; b) o
meio escolhido foi o “mais suave” ou o menos oneroso entre as
opções existentes no jogo?; c) o benefício alcançado com a
adoção da medida buscou preservar valores mais importantes
do que os protegidos pelo direito que a medida limitou? (op. cit.,
p. 376). Sendo afirmativas todas as respostas, será legítima a
limitação ao direito fundamental.”
Como nem o detector de metais nem o aparelho de raio-x
poderiam substituir a revista que era procedida, considerou-se que o meio
era adequado.
Quanto à sua necessidade reconheceu-se na decisão que:
“se poderia cogitar da existência de outros meios para se
detectar a presença de drogas na entrada dos presídios, como,
por exemplo, cães farejadores, câmaras de segurança e portal
detector de drogas e explosivos que acusam a presença de
substância entorpecente pela emanação do calor humano.
Entretanto, não há como se cogitar de que cão farejador
pudesse, pelo olfato, cheirar, no ânus de alguém, droga envolta
em pão ou pizza, em razão da presença de odores bem mais
fortes na localidade. Da mesma forma, as câmaras de
segurança não podem ser colocadas nos banheiros onde as
drogas assim transportadas são liberadas, até mesmo sob pena
de ferir, aí sim, a intimidade dos indivíduos. E com relação ao
portal detector de drogas pela emanação do calor humano, o
preço desta aparelhagem, infelizmente, a torna praticamente
inviável para os presídios brasileiros, os quais, como se pontuou
218
anteriormente, revelam situação caótica. Ademais, ainda estão
apenas em fase de teste pela polícia federal, como dá conta a
imprensa escrita.”
Cogita-se três diferentes meios alternativos ao procedimento
aplicado. Porém todos são refutados. Diz-se que:
“não há como se cogitar de que cão farejador pudesse, pelo
olfato, cheirar, no ânus de alguém, droga envolta em pão ou
pizza, em razão da presença de odores bem mais fortes na
localidade”; que as câmeras de segurança não poderiam ser
instaladas no banheiro, sob pena de ferir a intimidade dos
indivíduos; já em relação “ao portal detector de drogas pela
emanação do calor humano, o preço desta aparelhagem,
infelizmente, a torna praticamente inviável para os presídios
brasileiros”.
Queremos destacar que não basta, pela metodologia de
avaliação utilizada no presente trabalho afirmar não haver meios mais
suaves, nem mesmo listar alguns e, a partir de uma avaliação subjetiva,
refutá-los, quando a afirmativa em relação aos cães farejadores deveria ser
provada, e não apenas deduzida; quanto às câmeras no banheiro, faltou
explicitar porque seria mais atentatório à dignidade humana do que a revista
a que são submetidos os agentes (eles concordariam com essa afirmação?);
e quanto ao detector de drogas, a refutação se dá com base em um critério
econômico, mas também não se explicita a legitimidade de tal argumentação.
No tocante à terceira etapa, a proporcionalidade em sentido
estrito, considerou o TST que:
“a resposta a esta última indagação exsurge cristalina no
sentido afirmativo, porque o objetivo da revista era nada menos
do que garantir a segurança dos presídios, em benefício de toda
219
a população, inclusive dos que ali trabalham. A razão pública
aqui suplanta a limitação da intimidade do Autor.”
Esta conclusão só é possível a partir do pressuposto de que a
proporcionalidade em sentido estrito deveria responder à questão colocada: o
benefício alcançado pela revista íntima buscou preservar valores mais
importantes do que os protegidos pelo direito que tal medida limitou?
E, assim, decidiu o TST depois das ponderações sobre o
princípio da proporcionalidade que:
“não se divisa, no caso dos autos, violação do art. 1.º, III e IV,
da Constituição da República (princípios da dignidade da
pessoa humana e dos valores sociais do trabalho)”.
Trata-se de grande equívoco, pois a última fase é justamente
para garantir que nenhum dos direitos (fundamentais) em conflito seja
totalmente extinto, que ceda completamente ao outro. Isto é o que garante a
democracia. Trata-se da função de impor limite ao poder, o que sustenta a
função contramajoritária dos direitos fundamentais.
Portanto, dizer-se que o interesse público deve prevalecer sobre
o privado é um pressuposto falso, ilegítimo e impossível de se compatibilizar
com a democracia e a proporcionalidade. Os direitos fundamentais devem
servir justamente para que uma pessoa não tenha seus direitos (sua
dignidade) completamente aviltados frente a qualquer instituição, frente à
ordem, frente ao interesse público ou mesmo por questões econômicas.
O princípio da proporcionalidade não pode servir como um
instrumental à disposição de quem o aplica para compatibilizar determinada
conduta com o ordenamento, de modo que tal proceder, como já salientado,
somente poderia decidir por sua legalidade ou licitude. Ocorre que tal
princípio, além de propiciar esta análise, impele o órgão responsável pela
decisão a ir além, a confrontar tal conduta não apenas com o ordenamento
220
jurídico, mas com seus efeitos em relação a quem tenha, em função dela,
direitos (também fundamentados no mesmo ordenamento) aviltados.
Deve-se deixar claro, portanto, que tal princípio deve rechaçar
totalmente a possibilidade de um direito prevalecer e justificar a exclusão de
outro. Uma decisão correta, legítima, proporcional, é aquela em que há uma
solução de compromisso, em que cada direito cede até um ponto que não
possa ser ultrapassado.
6.2 Situação 2 – Entidades Sindicais e Multas Cominatórias
Trata-se de hipótese em que tanto o sindicato profissional como
as entidades sindicais patronais pugnam a exclusão das multas cominatórias
que lhes foram impostas em decorrência do não cumprimento da decisão
liminar que determinara a manutenção dos serviços mínimos. Processo nº
5440820125050000 544-08.2012.5.05.0000, relatoria do Exmo Sr.Ministro
Walmir Oliveira da Costa, Seção Especializada de Dissídios Coletivos,
julgamento em 12.8.2013.
O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região declarou a
abusividade da greve, autorizou o desconto dos dias parados, fixou multa ao
sindicato profissional no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)
e aos sindicatos econômicos no valor de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil
reais). Apreciando as reivindicações dos trabalhadores, extinguiu o processo,
sem resolução de mérito, no tocante às cláusulas não econômicas, e deferiu
reajuste salarial de 7,5% (sete e meio por cento) e vale refeição no valor
unitário de R$ 11,22 (onze reais e vinte e dois centavos).
Disse a R. decisão:
“Em obediência aos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, a multa por descumprimento de ordem judicial
(astreintes) deverá ser fixada pelo magistrado em consonância
com as peculiaridades de cada caso, tendo em conta a
221
capacidade econômica das partes, sob pena de torná-la
excessiva, implicando enriquecimento sem causa.”
A partir desta argumentação o Tribunal Superior do Trabalho
decidiu por reduzir a multa imposta ao sindicato dos trabalhadores, levando
em consideração seu porte, porém em momento algum explicita qual seria
esse porte, não apresenta um critério a partir do qual possa afirmar que a
multa imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho era desproporcional.
Já a multa imposta aos sindicatos econômicos foi excluída,
posto que o Tribunal Superior do Trabalho considerou não ter ficado provado
nos autos a responsabilidade patronal pelo descumprimento da ordem judicial
nem que tenha contribuído para o não atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade, conforme artigos 9 e 11 da Lei nº 7.783/1989.
Quanto à multa imposta ao sindicato profissional, se o valor se
mostra absurdo, caso em que de plano é possível aferir sua ilegitimidade,
tratar-se-ia de afronta à razoabilidade. No tocante à proporcionalidade, é
necessário, ao declarar abusivo o valor estipulado, explicitar porque o seria,
explicitar qual o critério utilizado para se aferir a legitimidade de tal conclusão,
mostrando que o valor estipulado não serviria para coibir a ação que ensejou
a multa sem que, porém, não torne inviável seu pagamento pelo sindicato, o
que, na decisão do TST, por mais que esteja pressuposto, não foi explicitado.
Já a decisão de extinguir a multa imposta aos sindicatos
econômicos nos parece ainda mais carente de uma correta fundamentação.
Importante ressaltar que a Lei nº 7.783/1989 traz em nos artigos 9º e 11 o
seguinte:
“Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de
negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou
diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes
de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja
paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração
222
irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a
manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da
empresa quando da cessação do movimento
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao
empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar
diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os
empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum
acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços
indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da
comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade
aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a
sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”
Importa chamar a atenção que a proporcionalidade,
especialmente em casos que envolvem o conflito de direitos fundamentais,
não pode ser utilizada como um instrumento ou mera técnica hermenêutica à
disposição do órgão julgador para dirimir dúvidas quanto à estipulação de
valores, como no caso para diminuir o valor da multa imposta ao sindicato
dos trabalhadores, ou para extinguir a multa imposta aos sindicatos
econômicos, valendo-se para tanto de confrontar as ações de cada parte com
(um)a lei, desconsiderando-se deliberada ou inconscientemente o caráter
político da decisão.
Fica claro que os artigos transcritos da Lei 7.783 de 1989
possibilitam, ao limitar o direito de greve, tanto ao empregador garantir suas
atividades, podendo contratar livremente os serviços não prestados, quanto à
comunidade a prestação mínima do serviço, se essencial, prejudicando-a o
mínimo possível. E, neste ultimo caso, a responsabilidade é tanto dos
empregados como dos empregadores, obrigados de comum acordo.
223
Toda esta dimensão, data venia, não foi levada em
consideração no presente caso avaliado pelo TST, que, portanto, deixa de
aplicar corretamente a proporcionalidade, cuja ideia consta da lei supracitada,
ou seja, resolver o conflito de modo a garantir o mínimo de cada direito em
tensão, além dos direitos de terceiros ou da coletividade que possam ser
aviltados.
Importante destacar que, apesar de o TST considerar não terem
os sindicatos econômicos contribuído para a não prestação do serviço no
mínimo exigido em decisão liminar, ao final, condena-os no tocante às
matérias que ensejaram a greve, salientando ainda que:
“Portanto, não foi o sindicato profissional que "deu causa ao
rompimento", mas os representantes da classe patronal que se
negaram a discutir a possibilidade de alteração da norma
coletiva, proclamando no processo negocial a validade e a
prevalência da cláusula 70ª da CCT 2011/2012.
Sendo assim, a pretensão dos suscitantes, ora recorrentes, de
que fossem examinadas em sede de dissídio coletivo outras
condições afora aquelas relativas ao reajuste salarial, aos
tíquetes de alimentação e ao plano de saúde beira à
deslealdade negocial e à litigância de má-fé.”
A questão é que, apesar de reconhecer que a atitude da classe
patronal beira à deslealdade negocial e à litigância de má-fé, e de demonstrar
que a Constituição confere à Justiça do Trabalho competência normativa
para decidir o conflito coletivo, observando que as empresas deixaram toda a
frota à disposição dos empregados para o serviço que:
“na hipótese em comento, conquanto os autos revelem
intransigência de ambas às partes quanto a forma de
cumprimento da liminar, como registrado na ata da audiência de
conciliação já mencionada, é certo que não há demonstração no
224
sentido de que o sindicato econômico impôs obstáculos ao
cumprimento da ordem judicial”.
Não há, portanto, ao que parece, a aplicação da
proporcionalidade de modo correto apontado pela doutrina, como até propicia
a lei, que, na verdade, não foi aplicada corretamente também. O conflito
político, ou seja, que envolve diretamente os direitos fundamentais, nem
mesmo foi salientado. Condena-se as atitudes patronais que ensejam a
greve, tanto que o TST mantém o deferimento do aumento real de 2,72%
(dois vírgula setenta e dois por cento); não se leva em consideração que a lei
estabelece o dever tanto dos empregados como do patrão de manter o
mínimo de serviços essenciais, e, mesmo assim, retira-se a multa imposta
aos sindicatos econômicos e diminui-se a multa imposta ao sindicato dos
trabalhadores.
O não-dito de tal decisão é o que preocupa. A possibilidade de
decidir a questão desmembrando-a e, então, decidir cada problema
pontualmente, tendo como parâmetro sua legalidade (invoca-se qualquer lei
que o prove) ou sua necessidade/possibilidade (invoca-se a jurisprudência da
Corte os problemas sociais, econômicos etc a serem evitados), acaba por
camuflar o monopólio da violência requerido pelo Estado e a impossibilidade
da política, ou seja, da participação efetiva de cada indivíduo de modo que
ninguém ou nenhuma classe possa ter seus direitos (e, especialmente, o
direito a ter direitos) extintos.
6.3 Situação 3 – Danos Morais e Proporcionalidade
Nesta decisão se aborda uma questão (processo nº TST-RR-
393-13.2010.5.02.0221, relatoria do Exmo Sr. Ministro Alexandre de Souza
Agra Belmonte, 3ª Turma, julgamento 26.6.2013).
Referida questão diz respeito ao fato de que a despeito de se
reconhecer que:
225
“O TST deve exercer um controle sobre o quantum fixado nas
instâncias ordinárias, em atenção proporcionalidade prevista no
artigo 5º, V, da CF, esta Corte vê-se impedida de decidir a
questão quando na mesma não tiver sido, quanto aos fatos,
alvo de apreciação do TRT, na hipótese do Tribunal “a quo” não
ter trazido elementos balizadores para tanto, como “o capital
social da empresa, a profissão da autora ou sua expectativa
salarial; e estes elementos não foram disponibilizados no
decisum”.
O TST, fundamentando sua decisão na súmula 126 (Incabível o
recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, "b", da CLT) para
reexame de fatos e provas), diz que o reexame do conjunto fático-probatório
é defeso em seus julgamentos.
A questão é bastante interessante.
Numa primeira análise, se trata de proporcionalidade entre dano
e conduta para fixação de uma reparação (como apresentamos a diferença
no presente trabalho), e não propriamente de aplicação do princípio da
proporcionalidade entre conflito de garantias/direitos fundamentais.
Contudo, se bem observado, verifica-se que a garantia dessa
proporcionalidade encontra-se no rol de direitos e garantias fundamentais do
Texto Constitucional, ou seja, sua defesa, pode e deve ser arguida pela via
do princípio da proporcionalidade aqui estudado desde que exista colisão
com outro direito fundamental.
Aqui muitos choques entre garantias e direitos fundamentais no
nível do texto maior podem ocorrer, sendo possível a avaliação através dos
critérios dos subprincípios da proporcionalidade, pela fixação ou não da
indenização e de sua extensão.
Isso porque dita o artigo 5º, V da CF:
226
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Mas há um choque de garantias Constitucionais extremamente
relevantes num único inciso.
Observe-se que ao mesmo tempo em que se têm uma garantia
fundamental expressa de um direito de resposta e indenização, seja essa
moral ou material, no mesmo inciso constitucional, se resguarda outra
garantia de igual quilate para quem responde a essa violação, que se dá pela
resposta proporcional ao agravo que essa cometeu.
Algumas questões nascem obrigatoriamente da situação posta,
sendo elas:1) Como se avalia tal questão sem observar os fatos diretamente?
2) Como se avalia a questão posta a um Tribunal que possui o dever de velar
pela Constituição sem avançar para o entendimento de que a norma não é o
texto, mas se forma no caso concreto? O que se chama no Acórdão de tese
não seriam os próprios fatos?
Nesse sentido, duas reflexões se sobrepõem as questões acima
realizadas: 1) ou o Tribunal Superior do Trabalho está a adotar, ainda que
sob outra rubrica, ainda de natureza positivista, a teoria da proporcionalidade;
ou o Tribunal Superior do Trabalho no caso de indenização permite a invasão
no terreno dos fatos, pois outro raciocínio não é passível de enquadramento
na nossa ótica.
No caso do Acórdão aqui apreciado, nos parece que a ausência
de pré-questionamento do tema – ainda que no terreno dos fatos, chamado
de tese – não foi invocado, atraindo o respeito pelo TST da inércia de
jurisdição.
Isto está claro quando o Acórdão destaca que:
“como se vê, é irrefragável a ocorrência de ilícito e dano, mas
não há no acórdão recorrido outros elementos que autorizem o
227
arbitramento de novo valor à indenização. Para se avaliar que o
valor fixado é desproporcional ou desarrazoado seria
imprescindível a presença dessas circunstâncias fáticas”.
6.4 Situação 4 – Valor Indenizatório e Súmula 126 TST
Esta decisão (AIRR 4104720115020372 410-
47.2011.5.02.0372, relatoria de Exmo Sr. Ministro Maurício Godinho Delgado,
3ª turma julgamento em 25.9.2013) apresenta questões muito próximas das
examinadas na decisão anterior, posto que trata da quantificação do valor
indenizatório e da aplicação da súmula 126 do TST, que (res)suscita a
divisão questão de fato-questão de direito.
No tocante aos danos morais, assim se posicionou o TST
através do R. Acórdão:
“A lacuna legislativa na seara laboral quanto aos critérios para
fixação leva o julgador a lançar mão do princípio da
razoabilidade, cujo corolário é o princípio da proporcionalidade,
pelo qual se estabelece a relação de equivalência entre a
gravidade da lesão e o valor monetário da indenização imposta,
de modo que possa propiciar a certeza de que o ato ofensor
não fique impune e também para que possa servir de
desestímulo a práticas inadequadas aos parâmetros da lei.”
Este posicionamento mostra, com todo respeito, uma
aproximação que não nos parece ser legítima entre os princípios da
razoabilidade e o da proporcionalidade, em razão da dificuldade efetiva de
aplicação e reconhecimento dos respectivos princípios.
Como já antedito, o princípio chamado hoje de razoabilidade,
simplesmente teve origem com a denominação de princípio da
228
irrazoabilidade, ou seja, aos olhos de qualquer um, o caso é absurdo,
irrazoável; Já o princípio da proporcionalidade enfrenta choque de garantias e
direitos fundamentais prometidos a cada cidadão pelo texto Constitucional,
com avaliação de maior preponderância de uma garantia em face da outra,
sem que a vencida seja completamente abandonada, no caso concreto.
Na parte final do Acórdão, não obstante não faça referência
específica ao princípio da proporcionalidade relata que:
“pelo qual se estabelece a relação de equivalência
entre a gravidade da lesão e o valor monetário da
indenização imposta, de modo que possa propiciar a
certeza de que o ato ofensor não fique impune e
também para que possa servir de desestímulo a
práticas inadequadas aos parâmetros da lei”.
Aqui, demonstrado o equilíbrio que é propiciado pelo princípio
da proporcionalidade, contudo, em razão do não conhecimento do mérito do
recurso por aplicação da Súmula 126 do TST, não se observa a avaliação
dos subprincípios para a fixação ou não do dano, o que na verdade acabaria
por revelar, com todo respeito, uma decisão fundamentada no Juízo da
consciência, o que não é admitido pela Carta Constitucional de 1988.
No que diz respeito à súmula 126 do TST, o Acórdão assim
dispõe:
“Ressalte-se que as vias recursais extraordinárias para
os tribunais superiores (STF, STJ, TST) não traduzem
terceiro grau de jurisdição; existem para assegurar a
imperatividade da ordem jurídica constitucional e
federal, visando à uniformização jurisprudencial na
Federação. Por isso seu acesso é notoriamente restrito,
não permitindo cognição ampla.”
229
Como já salientado, data venia, tal posicionamento é
completamente ilegítimo, pois além de se pautar numa polarização
impossível (questão de fato-questão de direito), numa concepção de norma já
superada, e tem como pressuposto a existência de uma ordem jurídica que
só pode ser mantida, coerentemente, se lhes couber o monopólio de dizer o
que cabe e não cabe, atraindo mais uma vez o Juízo da consciência.
Com respeito a todos os esforços do Tribunal Superior do
Trabalho, a nós não parece ser essa a Garantia Constitucional que
possuímos, e nem a que esperamos nessa quadra.
6.5 Situação 5 – Formalidades Legais e Proporcionalidade
O cerne da controvérsia na presente situação em destaque,
está em saber se poderia a empresa reclamada, após o recurso, em sede de
embargos de declaração, comprovar através de página do Diário Oficial a
irregularidade da data da publicação certificada nos autos, o que tornaria seu
apelo tempestivo (Processo RR 942001920035150109 94200-
19.2003.5.15.0109, relatoria do Exmo Sr.Ministro Guilherme Augusto Caputo
Bastos, 2ª Turma, julgamento 31.8.2011)
Na Origem o Tribunal Regional da 15ª Região não conheceu do
recurso ordinário da reclamada empresa por entendê-lo intempestivo.
Opostos embargos de declaração, a egrégia Corte Regional negou-lhes
provimento.
A parte teve conhecimento da publicação da decisão em
28/09/2006, conforme consta da folha do diário oficial colacionada, sendo
que, após recorrer para o TST, esse se posicionou no sentido de destacar
que não é razoável exigir-lhe que se precavesse à eventual declaração de
intempestividade causada por erro na certidão judicial, erro esse que,
inclusive, é atribuível ao próprio Poder Judiciário. E assim justifica.
230
“A contemporânea leitura processual deve-se dar
através da ótica constitucional, que assegura ao
jurisdicionado, entre outros, o direito ao devido processo
legal. Tal princípio, em sua acepção substancial, limita a
visão formalista do processo e exige que o julgador se
paute, ao proferir suas decisões, pelos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, não observados, a
meu ver, no caso”.
Apesar de não explicitar a proporcionalidade e, especialmente,
não diferenciá-la da razoabilidade, ambos os princípios são citados como
fundamento. Importante ressaltar que, no mérito, estamos absolutamente de
acordo com a decisão, pois mesmo sem enfrentar a colisão das garantias do
acesso a justiça, direito de defesa, devido processo legal ou mesmo de uma
interpretação conforme do texto infraconstitucional, o entendimento já se
mostra mais avançado, pois a parte teve seu recurso não conhecido por duas
vezes, tendo que chegar ao TST para demonstrar um erro tão banal.
6.6 Situação 6 – Norma Coletiva, Horas Extras e Proporcionalidade
Foi ajustado por meio de norma coletiva o pagamento de 45
(quarenta e cinco) minutos diários a título de horas in itinere, a despeito do
fato de que o tempo verdadeiramente gasto pelo reclamante nos percursos
de ida e volta ao trabalho era de duas horas, havendo flagrante disparidade
entre o tempo de percurso efetivamente utilizado pelo trabalhador para
chegar a seu local de trabalho e aquele fixado pela norma coletiva (Processo
nº TST-RR-2388-25.2011.5.03.0148, relatoria da Exa Sra. Ministra Maria das
Graças Silvany Dourado Laranjeira, 2ª turma, julgamento em 24.4.2013)
O Tribunal do Trabalho da 3ª Região deu provimento ao recurso
ordinário interposto pelo reclamante, para aumentar os limites das horas in
itinere que foram estabelecidos por meio de norma coletiva.
231
No entendimento do relator, referida cláusula constitui:
“renúncia pura e simples à parte do direito as horas itinerantes, sem que a
reclamada tenha oferecido qualquer contraprestação específica, não se
constituindo em uma negociação equilibrada”
Não obstante o inciso XXVI do artigo 7º da CR/88 - reconheça a
validade dos acordos e convenções coletivas.
Porém, diz ele que tal situação:
“fere os limites do bom senso e afronta os princípios da
primazia da realidade e da razoabilidade, sendo certo
que: Tal cláusula é francamente lesiva ao trabalhador,
pois viola o disposto no § 2º do art. 58 da CLT,
acrescentado pela Lei n. 10.243/2001, em evidente
renúncia de direitos, sendo nula de pleno direito,
porquanto levada a efeito com a firma intenção de
fraudar ou desvirtuar norma trabalhista (art. 9º da CLT).”
No TST a decisão foi mantida, sendo que se considerou ser
princípio basilar da nossa Constituição Federal a proteção dos direitos
humanos, o qual alberga a proibição do retrocesso social. E, de acordo com
este princípio:
“uma vez reconhecidos, os direitos fundamentais, entre os
quais se insere o direito ao trabalho justo, adequado e não
prejudicial à vida e saúde do trabalhador e aos direitos sociais
laborais, não podem ser eles suprimidos ou diminuídos.”
Assim, observando-se a técnica da “ponderação de interesses e
considerando o princípio da proporcionalidade”, não há que se falar, no
entender do TST, em ofensa do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal.
232
A proporcionalidade é usada como meio de fundamentação da
decisão que, apesar de parecer correta no mérito, não me parece quanto à
fundamentação.
Não se explicita as etapas da proporcionalidade de modo
correto, pois apesar de considerar que havia “renúncia pura e simples à parte
do direito as horas itinerantes, sem que a reclamada tenha oferecido
qualquer contraprestação específica, não se constituindo em uma negociação
equilibrada”, logo depois parte de pressupostos que não são verídicos, data
venia, como a afirmação de que “direitos fundamentais não podem ser
suprimidos ou diminuídos”. O principal argumento utilizado é o princípio da
proibição de retrocesso, o que evidencia partir-se do pressuposto de que os
direitos fundamentais são absolutos e existem “em si mesmos”, e não apenas
em conflito, no caso concreto.
Diz ainda que: “houve afronta os princípios da primazia da
realidade e da razoabilidade”.
O fato de não se proceder às etapas da proporcionalidade e não
se proceder a uma argumentação mais exaustiva é muito prejudicial nesse
tipo de julgamento, permissa venia, mesmo que no mérito possa estar na
visão de uns ou de outros correto, pois a impressão que fica, como na
maioria dos julgados, é que o papel do juiz é escolher qual direito deve
prevalecer, qual deve ser garantido e qual deve/pode ser afastado, o que é
totalmente contrário à proporcionalidade de modo que esta se preste a
efetivar o Estado Democrático de Direito.
6.7 Situação 7 – Adicional de Periculosidade, Norma Coletiva e
Proporcionalidade
Esta decisão é bastante interessante e frequenta bastante os
tribunais. O Tribunal Regional do Trabalho decidiu como válida a redução do
233
adicional de periculosidade por meio de negociação coletiva. Já o Tribunal
Superior do Trabalho reformou o Acórdão, com o argumento de que se trata
de direito que não pode ser flexibilizado por meio de normas coletivas, por
constituir medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantida no
art. 193, § 1.º, da CLT, resultando desse entendimento não ser possível a
fixação de percentual inferior ao legal (Processo nº TST-RR-43500-
54.2009.5.02.0056, relatoria da Exa Sra. Ministra Maria de Assis Calsing, 4ª
Turma, julgamento em 18.9.2013)
Em conflito temos o direito a higiene, saúde e segurança
(constantes no rol de direitos fundamentais), sem entrar no mérito da
impossibilidade da saúde, higiene e segurança do empregado poderem ou
não ser “monetarizadas” por meio de criação de adicionais, pois questão
afeta a outra discussão, mas foi a solução à época encontrada pelo
legislador; e de outro lado, temos outro direito, o direito também fundamental,
relativo ao reconhecimento constitucional dos instrumentos coletivos de
trabalho firmados entre os entes sindicais.
Aqui, como já destacamos no presente estudo, não há que se
falar em prevalência da vontade coletiva em detrimento da vontade de um
cidadão, pois a aplicação do princípio da proporcionalidade também possui
como cerne ser contramajoritária.
Em nenhuma das decisões, seja do Tribunal Regional seja do
Tribunal Superior, fala-se em proporcionalidade, não obstante seja
escancarado o conflito entre os direitos fundamentais.
Porém, pensamos que esta seria imprescindível para uma
decisão fundamentada, inclusive para atender o artigo 93, inciso IX da Carta
de 1988.
Poderia o Tribunal Superior do Trabalho decidir, como se
legislando estivesse, e fixar a base de quais matérias podem ou não ser
transacionadas em negociações coletivas sem observar o choque entre os
234
direitos fundamentais? Se não há direito absoluto, nem mesmo os direitos
fundamentais, como poderia ser admitida tal postura? Não haveria na
hipótese uma espécie de “engessamento” da matéria, com decisão
puramente no que se acha certo ou errado, portanto, impedindo a aplicação
da proporcionalidade para se chegar a respostas constitucionalmente
corretas?
Nas duas decisões diz-se aplicar a Constituição, sendo que de
acordo com o Regional, esta garante a validade das negociações coletivas,
enquanto que no entender do TST a Constituição não permite negociação
que envolva direito que não pode ser flexibilizado. Fica patente como uma
decisão que envolve o conflito de direitos fundamentais não se legitima a não
ser por meio do princípio da proporcionalidade. As duas decisões se
fundamentam em premissas corretas, mas que, por desconsiderarem a
tensão existente, a qual deve ser mantida de modo que nenhuma das partes
ceda em relação à outra e que lhes seja garantida a máxima eficácia de seus
direitos, deixa encoberto o pano de fundo político a ser resolvido.
Concordamos que as negociações coletivas devem ser
reconhecidas, e também que há casos em que elas devam ser
desconsideradas ou sofrer limitações, ou seja, as duas premissas são
possíveis, e por isso mesmo, já fica evidente a ilegitimidade de se considerar
uma em detrimento da outra. E, ao se considerar ambas, deve se valer do
princípio da proporcionalidade, a partir do qual podemos vislumbrar os casos
em que o valor estipulado em lei poderia ser reduzido em uma negociação
coletiva, sendo que esta também teria que se mostrar proporcional, ou seja,
que a redução se mostrasse necessária, adequada e que, no caso concreto,
fosse o modo de privilegiar ao máximo os direitos fundamentais em conflito.
235
6.8 Situação 8 – Limites de Jornada e Princípio da Proporcionalidade
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Processo nº
TST-ARR-47-77.2010.5.04.0004, relatoria do Exmo Sr. Ministro Guilherme
Augusto Caputo Bastos, 5ª Turma, julgamento em 12.6.2013).
Limitou a jornada de trabalho, posto que desconsiderou os
cartões de ponto apresentados, visto que continham marcação britânica dos
horários, conforme a Súmula 338, III (Os cartões de ponto que demonstram
horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova,
invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do
empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.
(ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003). Porém, não adota a integralidade
da jornada trazida pelo empregado, expondo que estaria obrigado a tanto, já
que:
“O magistrado apenas aplicou, em sua decisão, os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao
que está autorizado. Eventual insatisfação com os
limites da jornada deveriam ter sido impugnados
diretamente com dispositivos pertinentes.”
Diz-se que na decisão foram aplicados os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, sendo que em nenhum momento foi
demonstrada tal aplicação, muito menos a diferenciação entre estes
princípios.
Até possível vislumbrar certa proporcionalidade na decisão,
posto que ao se desconsiderar os cartões de ponto devido às marcações
britânicas, o que indica não representarem a realidade, não acatou
integralmente à jornada indicada pelo reclamante.
Apenas faltou explicitar e desenvolver melhor a
proporcionalidade.
236
Em outra questão deste julgamento, o Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região decidiu pela aplicação do piso salarial regional, para
cálculo do adicional de insalubridade.
Acontece que o TST reformou esta decisão, com o fundamento
de que a Súmula Vinculante número 4 do STF que diz ser inconstitucional a
utilização do salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem
de servidor público ou de empregado, tratando a matéria de forma genérica,
ou seja, não elegeu o salário ou a remuneração do trabalhador a ser utilizada
para a base de cálculo relativa ao adicional de insalubridade. Porém, apesar
de reconhecer tal inconstitucionalidade, a parte final da Súmula Vinculante nº
4 do STF vedou a substituição desse parâmetro por decisão judicial, razão
pela qual, outra não pode ser a solução da controvérsia senão a permanência
da utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de
insalubridade, ressalvada a hipótese de salário profissional strictu sensu, até
a edição de Lei dispondo em outro sentido ou até que as categorias
interessadas se componham em negociação coletiva para estabelecer a base
de cálculo que incidirá sobre o adicional em questão.
O Tribunal Pleno desta Corte chegou a editar a Resolução nº
148/2008, modificando a redação da Súmula nº 228 e cancelando a Súmula
nº 17, na tentativa de ajustar o entendimento da Casa ao teor da Súmula
Vinculante nº 4 do STF.
Todavia, no dia 15/7/2008, o Ministro Presidente do Supremo
Tribunal Federal concedeu liminar nos autos da Reclamação nº 6.266/DF,
ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria - CNI, suspendendo a
aplicação da nova redação da Súmula nº 228, na parte em que permite a
utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade.
Neste sentido a decisão do STF:
"(...) Com efeito, no julgamento que deu origem à
mencionada Súmula Vinculante nº 4 (RE 595.714/SP,
237
Rel. Min. Cármen Lúcia, Sessão de 30.4.2008 -
Informativo nº 510/STF), esta Corte entendeu que o
adicional de insalubridade deve continuar sendo
calculado com base no salário mínimo, enquanto não
superada a inconstitucionalidade por meio de lei ou
convenção coletiva. Dessa forma, com base no que
ficou decidido no RE 565.714/SP e ficado na Súmula
Vinculante nº 4, este Tribunal entendeu que não é
possível a substituição do salário mínimo, seja como
base de cálculo, seja como indexador, antes da edição
de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o
adicional de insalubridade. Logo, à primeira vista, a
nova redação estabelecida para a Súmula nº 228/TST
revela aplicação indevida da Súmula Vinculante nº 4,
porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo
salário básico no cálculo do adicional de insalubridade
sem base normativa".
Seguindo a decisão do STF, ao manter o salário mínimo como
base de cálculo, apesar de reconhecida sua inconstitucionalidade, ressalta o
TST que:
“a solução “importou na observância do princípio da
segurança jurídica, com o fim de não serem
surpreendidas as partes com um parâmetro para cálculo
do adicional de insalubridade, sem que lei assim
disponha.”
No tocante ao critério a ser utilizado para cálculo do adicional de
insalubridade me parece que a decisão do TST, que reformou a do TRT,
mostra-se incorreta, ao contrário desta.
A fundamentação baseou-se em uma decisão e uma súmula
vinculante do STF, que dizem que apesar de a CF proibir usar-se como
238
critério o salário mínimo, o mesmo deve continuar sendo usado até que haja
lei ordinária regulamentando a questão.
Tal decisão não me parece proporcional. Privilegia a “segurança
jurídica” e a “proibição de surpresa”, quando na verdade parece haver é uma
negligência quanto a direitos fundamentais dos trabalhadores nestas
condições, o que só poderia ter ocorrido com a demonstração da
proporcionalidade, o que não houve no caso.
Sem falar que tal fundamentação parece guardar relação com a
concepção de normas constitucionais programáticas, como se a CF, apesar
de prever expressamente algo (no caso, que o salário mínimo não pode ser
utilizado como critério), não pode ser aplicada diretamente. Tais modos de
compreender o Direito e a CF me parecem não consonantes com o Estado
Democrático de Direito.
Se é inconstitucional utilizar como critério o salário mínimo, uma
decisão que pretendesse por sua utilização, além de se poder se dar apenas
em um caso concreto, deveria explicitar porque tal decisão seria legítima, ou
seja, a partir da proporcionalidade, porque seria um meio necessário e
adequado para que sua aplicação não se mostrasse pior que sua não
aplicação, o que quer dizer que protegeria melhor direito(s) fundamental(is).
Interessante notar o forte cunho político – paradoxal - de uma
decisão que proíbe o magistrado de resolver um caso concreto conforme
norma constitucional uma vez que, ao aplicá-la, estaria legislando, sendo que
a Corte, ao criar uma Súmula com força de lei, por ser vinculante, acaba por
editar uma norma que desaplica a própria Constituição.
239
6.9 Situação 9 – Condições Mínimas de Higiene e Danos Morais
No presente caso (Processo nº TST-RR-1170-
65.2010.5.09.0459, relatoria do Exmo. Sr. Ministro Guilherme Augusto
Caputo Bastos, 5ª Turma, julgamento em 6.2.2013).
O reclamante laborou para o primeiro reclamado no período de
01.04.2009 a 16.11.2009, nas atividades de corte de cana de açúcar,
recebendo salários de R$ 666,00 ao mês. Ressaltou o Tribunal Regional do
Trabalho da 9ª Região que no desempenho de suas funções o reclamante
não dispunha de condições mínimas de higiene, ante a inexistência de
instalações sanitárias no local de trabalho, o que evidencia o
descumprimento das normas de saúde e higiene do trabalho. Em razão
disso, considerando a condição econômica do primeiro reclamado e a
gravidade da situação ofensiva a que submetida o reclamante, majorou a
compensação por danos morais para o importe de R$ 1.200,00 (um mil e
duzentos reais).
O TST optou por manter a decisão, sendo que:
“Considerando-se, ainda, a situação econômica do
reclamante e o curto período contratual (7 meses e 15
dias), bem assim a função pedagógica da condenação,
tem-se que o valor arbitrado mostra-se consonante com
os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Afasta-se, pois, a alegada violação dos artigos 5º, V, da
Constituição Federal e 944 do CC.”
Esta decisão se parece em muito com a maioria daquelas que
tem por objeto quantificar o valor de dano moral. Repete as mesmas linhas,
sempre buscando uma equivalência entre a condição de empregado e
empregador, de modo a não enriquecer o primeiro nem quebrar o segundo,
sem esquecer-se do caráter educativo.
240
Porém o detalhe que nos chama a atenção, para além do fato
de se propagar viger entre nós o sistema aberto, no qual o juiz pode escolher
subjetivamente o valor a atender tais requisitos.
Apesar de se alegar ter decidido com base na
proporcionalidade e razoabilidade, fica evidente sequer a diferenciação entre
estes dois princípios, e que, neste caso, torna evidente os prejuízos
decorrentes, pois a parte fica adstrita a um Juízo de valor pessoal e não
constitucional.
A nosso ver, o fato da inexistência de instalações sanitárias no
local de trabalho constituir um fato absurdo na presente quadra, uma afronta
temerária contra a dignidade humana, trata-se, portanto, de atitude que não
passa nem no exame da razoabilidade.
Diante disso, nos parece que a proporcionalidade usada para
justificar o valor da indenização se mostra distante da evolução do julgado.
Diante de fato tão grave à dignidade humana, nem sequer
razoável, o valor se mostra extremamente módico em razão da conduta do
empregador, bem como inexplicável. Utiliza-se do princípio da
proporcionalidade como mero instrumento retórico para quantificar o valor
indenizatório a um dano causado a um empregado, como se este fosse
apenas um dano comum.
Evidente que não se trata de qualquer dano. A
proporcionalidade deveria servir muito mais para explicitar o quão absurda é
a condição de trabalho em que inexiste instalações sanitárias.
A dignidade do empregado é completamente aviltada, pelo fato
de receber um tratamento completamente díspar com o que se espera
receber qualquer ser humano. Assim, quantificar a indenização referente ao
dano, utilizando-se como critérios a condição de quem causou o dano e de
241
quem o sofreu, sendo que se trata, obviamente, de analisar as condições
econômicas de cada um, se mostra totalmente inadequada no presente caso.
Sem falar que, a pretexto de evitar o enriquecimento ilícito de
quem sofreu o dano (que não é objeto do estudo), estipula-se uma
indenização módica para um ato em que não houve simplesmente um dano à
pessoa, mas esta foi negada sua existência enquanto pessoa, enquanto ser
humano que merece condições minimamente higiênicas no local de trabalho.
7. Súmulas do TST e a proporcionalidade
Dentro da metodologia apresentada no presente estudo,
observamos que algumas Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho acabam
por destoar da efetiva aplicação do princípio da proporcionalidade.
Visando exemplificar, tendo em vista que não é objetivo do
presente trabalho avaliar a totalidade das Súmulas, destacamos três, que a
nós parecem muito revelar quanto à inadequação, permissa venia, da
aplicação.
7.1 Súmula 369 do TST
A Súmula 369 do Tribunal Superior do Trabalho possui a
seguinte redação:
Súmula nº 369 do TST
DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA
(redação do item I alterada na sessão do Tribunal
Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012,
DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
242
I - É assegurada a estabilidade provisória ao empregado
dirigente sindical, ainda que a comunicação do registro
da candidatura ou da eleição e da posse seja realizada
fora do prazo previsto no art. 543, § 5º, da CLT, desde
que a ciência ao empregador, por qualquer meio, ocorra
na vigência do contrato de trabalho.
II - O art. 522 da CLT foi recepcionado pela Constituição
Federal de 1988. Fica limitada, assim, a estabilidade a
que alude o art. 543, § 3.º, da CLT a sete dirigentes
sindicais e igual número de suplentes.
III - O empregado de categoria diferenciada eleito
dirigente sindical só goza de estabilidade se exercer na
empresa atividade pertinente à categoria profissional do
sindicato para o qual foi eleito dirigente.
IV - Havendo extinção da atividade empresarial no
âmbito da base territorial do sindicato, não há razão
para subsistir a estabilidade.
V - O registro da candidatura do empregado a cargo de
dirigente sindical durante o período de aviso prévio,
ainda que indenizado, não lhe assegura a estabilidade,
visto que inaplicável a regra do § 3º do art. 543 da
Consolidação das Leis do Trabalho.
No tocante a proporcionalidade, objeto do nosso trabalho, a
preocupação a sua não aplicação adere aos termos do inciso II de referida
Súmula, que limitou a 7 (sete) o número de dirigentes e a 7 (sete) suplentes
no que se refere a estabilidade.
Com todo respeito que é merecedor o Tribunal Superior do
Trabalho, nos parece que referida Súmula não poderia ser editada nesses
243
termos, não obstante se compreenda a ideia de pacificação de conflitos sobre
o tema que se apresenta naquela Corte há longa data.
Sustentamos referida posição tendo em vista que não há, data
venia, como se reconhecer a recepção constitucional do artigo 522 da CLT
que dispõe ser limitado ao número de 7 (sete) o número de diretores do
sindicato, tendo em vista que se trata não de recepção, pois a interpretação
conforme já afastaria a aplicabilidade do artigo, mas sim, de colisão de
direitos fundamentais, que apenas no caso concreto poderia ser solucionada
pelos Tribunais.
Ressaltam referidos incisos do artigo 8º da Constituição
Federal:
“I- a lei não poderá exigir autorização do Estado para a
fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão
competente, vedadas ao Poder Público a interferência e
a intervenção na organização sindical”
“VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado
a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou
representação sindical e, se eleito, ainda que suplente,
até um ano após o final do mandato, salvo se cometer
falta grave nos termos da lei”
Diz o artigo 522 da CLT:
“Art. 522. A administração do sindicato será exercida
por uma diretoria constituída no máximo de sete e no
mínimo de três membros e de um Conselho Fiscal
composto de três membros, eleitos esses órgãos pela
Assembléia Geral”.
244
Por primeiro diga-se que o texto político de 1988
garante a não “ interferência e a intervenção do Poder
na organização sindical”.
Isso já tornaria inviável a proposta sumular de recepção do
artigo 522 da CLT, que nada mais é que a interferência pela própria lei na
organização sindical.
Referida situação traz a lume a necessidade de uma avaliação
constitucional do tema, pois regra não existe que se compatibilize com a
Constituição quanto a limitação do número de dirigentes que cada sindicato
possa vir a ter.
Nesse cenário, passamos a ter (constitucionalmente) a
proibição da dispensa do dirigente sindical e sua estabilidade (inciso VIII do
artigo 8º da CF), além da já citada não interferência do Estado na
organização sindical.
Na metodologia apresentada quanto a aplicabilidade do
princípio da proporcionalidade, que visa a proibição de excessos quanto a
garantias e direitos fundamentais, apenas no caso concreto, avaliando a
necessidade do sindicato quanto ao número de diretores, poderíamos chegar
a uma conclusão segura.
Tal fato se evidencia, principalmente, pois sabemos que não
temos apenas um número enorme de sindicados, como também, uma
variação de amplitude imensa de representatividade.
Um sindicato de trabalhadores bancários da capital de São
Paulo agrega uma representatividade extensa, precisando talvez de um
número infinitamente superior de diretores estáveis, com desmembramento e
necessidades em vários segmentos do sindicato, preservando a atuação
desses em relação à categoria.
245
De outro lado, para um sindicato de proporções infinitamente
menores, talvez 7(sete) dirigentes seja um excesso.
Nesse contexto constitucional, deveria e deve ser avaliado o
número de dirigentes estáveis, pela simples aplicação do princípio da
proporcionalidade.
7.2 Súmula 331 do TST
Aqui, nossa preocupação reside principalmente no inciso II do
texto sumular, quanto à impossibilidade de vínculo de emprego entre a
administração pública direta, indireta ou fundacional após a Carta de 1988,
com espeque no artigo 37, inciso II do Texto Constitucional.
Dita referida Súmula:
Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos
os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT
divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa
interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente
com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho
temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante
empresa interposta, não gera vínculo de emprego com
os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou
fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a
contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de
246
20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a
de serviços especializados ligados à atividade-meio do
tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a
subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por
parte do empregador, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas
obrigações, desde que haja participado da relação
processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta
e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas
condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta
culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º
8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do
cumprimento das obrigações contratuais e legais da
prestadora de serviço como empregadora. A aludida
responsabilidade não decorre de mero inadimplemento
das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de
serviços abrange todas as verbas decorrentes da
condenação referentes ao período da prestação laboral.
Com todo respeito que é merecedor o entendimento Sumular,
como já salientado no presente trabalho, o Texto Constitucional não pode ser
interpretado por meio de um único artigo, bem como a Carta de 1988 não foi
elaborada priorizando um direito em detrimento de outro, muito menos dever
se avaliada isoladamente em função da proteção do Estado.
247
Não são poucas as ações em que a administração pública
sabedora dessa interpretação equivocada e isolada do artigo 37 do Texto
maior, atua em verdadeiro “venire contra factum proprium”.
Demonstre-se que apenas considerando o caso concreto se
poderá aplicar o artigo 37, inciso II ou outro texto constitucional, como o
artigo 7º caput, e seus desmembramentos, como garantias e direitos
fundamentais.
Por primeiro, necessário se ler o caput do artigo 37 da
Constituição que exige da administração pública a atuação dentro dos
princípios, como a moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e
eficiência.
Em continuidade, ressalta a necessidade de concurso público.
Numa interpretação pura do artigo, primeiro deve se identificar
se a contratação se deu dentro dos parâmetros desses princípios, caso
contrário, não se poderia aplicar a regra do inciso II.
Afastado o respeito a tais princípios, descabido seria proteger o
ato que desrespeita a própria constituição.
Observe-se ainda, que os termos do contrato realizado com o
empregado devem ser avaliados sobre a proporcionalidade dos direitos, com
avaliação da proibição de excesso da própria administração pública.
Não temos dúvida, na metodologia utilizada, que prevaleceria o
reconhecimento da relação de emprego e os direitos elencados no artigo 7º
do Texto Constitucional, garantindo assim a aplicação a cada caso concreto o
manto constitucional da proporcionalidade, garantindo a prevalência de
direitos de minorias, com atuação contramajoritária, nos termos aqui já
discutidos.
248
7.3 Súmula 363 do TST
Dita referida Súmula:
Súmula nº 363 do TST
CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) - Res.
121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem
prévia aprovação em concurso público, encontra óbice
no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo
direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em
relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o
valor da hora do salário mínimo, e dos valores
referentes aos depósitos do FGTS.
Na hipótese da Súmula ora comentada, a situação é
praticamente idêntica àquela acima delineada, contudo, cria com todo
respeito uma anomalia no ordenamento jurídico, pois ao declarar nula a
relação, incorre em três equívocos de plano: 1) cria um regime que não
existe, com pagamento de salário mínimo e depósito de FGTS; 2) protege a
quem deu causa a nulidade, mais uma vez socorrendo o interesse público
num estágio a priori, portanto deficiente; 3) condena quem prestou o serviço
a ser um nada jurídico.
Repise-se, apenas reconhecendo a colisão de direitos no caso
concreto, é possível solucionar o caso, portanto, não é hipótese, ao que
parece, para a redação sumular pré-concebida para toda e qualquer
hipótese.
249
CONCLUSÃO
Chegou a hora de concluir, o que não significa limitar a linha de raciocínio e pensamento aqui desenvolvidos.
Na verdade há aqui apenas uma passagem para uma nova empreitada de reflexões para que o direito se avive, por meio de seus pensadores, que na verdade representam seus construtores por essência.
Não se pretendeu aqui construir um raciocínio de que a aplicação do princípio da proporcionalidade é instrumento capaz de dirimir toda e qualquer controvérsia. Na verdade o objetivo foi aprofundar o conhecimento dessa forma de pensar, que no nosso sentir, revela de um lado a possibilidade de acompanhar nossa sociedade nos avanços diários, que trazem consigo inúmeras discussões jurídicas que envolvem a colisão de direitos fundamentais, e de outro, desvendar o nascimento e o desenvolvimento histórico e de aplicabilidade do princípio.
Procuramos ainda explicar a necessidade do reconhecimento do princípio da proporcionalidade para o efetivo reconhecimento do Estado Democrático de Direito, no seu viés estruturante da democracia.
Houve tentativa de acompanhar os avanços no pensamento desde o jusnaturalismo, positivismo em suas duas escolas, chegando ao pós-positivismo.
Considerando que defendemos sua aplicação em cada caso, foram apresentados casos concretos, com apontamento de sua aplicabilidade ou não dentro da teoria desenvolvida.
O trabalho foi desafiador, e os estudos nos revelaram que:
1) A evolução constante das relações sociais no mundo moderno não pode aguardar de forma silente a criação de leis, decretos, e regramentos infraconstitucionais para solucionar questões inerentes a colisões entre direitos fundamentais.
2) No que se refere ao direito do trabalho propriamente dito, o artigo 8º da CLT autoriza o reconhecimento de princípios para solução de conflitos, o que somado ao movimento da Constitucionalização do Direito e da interpretação conforme, garante uma segurança na linha de julgamento e consequente entrega da tutela à sociedade, afastando o julgamento conforme a consciência.
3) A aplicação do princípio da proporcionalidade possui um enorme grau de relevância na solução de matérias vinculadas às relações de trabalho, sobretudo pela natureza social destas, na medida em que houve uma mudança de eixo da proteção à propriedade para a proteção ao ser humano.
250
4) Numa colisão entre direitos fundamentais, o artigo 765 da CLT autoriza expressamente que os julgadores determinem as diligências necessárias e apropriadas para verificar no caso concreto para qual direito será dada a prevalência, sem que o outro seja expurgado do ordenamento jurídico, e assim, garantindo à sociedade a fundamentação da decisão.
5) A utilização dos subprincípios do princípio da proporcionalidade permite preservar a unidade da constituição para a sociedade em cada caso concreto, revelando a importância de cada caso para cada sujeito que compõe a relação intersubjetiva em que o direito está em discussão.
6) O princípio da proporcionalidade é arma de defesa contra correntes majoritárias, impedindo no nível de discussões de direitos fundamentais, a não preservação do Estado Democrático de Direito, que não é garantia de guetos, mas sim de todos.
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