Post on 05-Aug-2020
i
Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutor em Sociologia, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Ana
Alexandre Fernandes
Nota: Esta tese não foi redigida de acordo com a nova grafia do acordo ortográfico.
ii
A meu pai. Homem bom,
de raro sentido cívico e humanista convicto.
iii
AGRADECIMENTOS
A presente investigação prolongou-se por vários anos, multiplicando contactos e
apoios que me obrigam à gratidão. Em primeiro lugar gratidão à minha família sempre
cooperante e paciente. A minha orientadora Professora Doutora Ana Alexandre
Fernandes, a quem dedico respeito e amizade, teve influência relevante no
esclarecimento dos problemas sociológicos e no incentivo ao trabalho. Um
agradecimento ao Professor Doutor José Luís Estramiana pela oferta do seu livro e
debate de ideias sobre efeitos psicológicos do desemprego bem como ao Professor
Doutor Gimenez-Nadal pela cedência de estudos sobre o uso do tempo em Espanha.
Um agradecimento ao Professor Doutor Lucas da Suécia pela cedência de artigo e troca
de perspectivas sobre o impacto do desemprego na satisfação pessoal. Ainda um
agradecimento a todos os que acompanharam a elaboração e revisão do texto,
especialmente a minha irmã Mafalda e ao escritor António Leitão.
Um agradecimento também aos desempregados que aceitaram colaborar; vidas
de trabalho sem emprego por detrás das estatísticas. As suas experiências de vida são
uma preciosa lição de Humanidade.
iv
RESUMO
A presente investigação, cujos resultados se apresentam com o título “Trabalho e
Vidas – Práticas sociais e vivências subjectivas no desemprego” propõe-se conhecer e
compreender práticas sociais, sentidos do trabalho e vivências do desemprego na área
da Grande Lisboa. O estudo decorreu entre 2005 e 2010. Para analisar as experiências
vividas no desemprego utilizou-se uma metodologia mista: inquérito por questionário,
entrevistas aprofundadas, “grupos de encontro” (focus groups) e histórias de vida. Os
desempregados abrangidos na pesquisa pertencem às áreas dos Centros de Emprego de
Cascais, Lisboa e Sintra. Foram inquiridos 300 desempregados, entrevistados 60
desempregados, participaram em “grupos de encontro” (focus groups) 77 e realizaram-
se 10 histórias de vida.
As linhas de orientação na análise da experiência pessoal são as seguintes:
valores sociais; atitudes em relação ao trabalho; relação com o dispositivo público de
emprego e expectativas; impacto do desemprego (finanças, integração social e estigma,
solidariedades familiares, relações de sociabilidade, organização e ocupação do tempo,
bem-estar psicológico, saúde); estratégias de procura de emprego; expectativas de
trabalho e de futuro.
Identificaram-se cinco tipos ideais de desemprego na vivência do papel social de
desempregado, que variam em função de dados objectivos, atitude dependente do
Estado, motivação para o trabalho e estratégia dominante na relação com o Centro de
Emprego.
Foi possível distinguir fases (não necessariamente iguais para todos) no processo
psicológico de reacção ao desemprego, desde choque a fatalismo, última fase de
adaptação ao estatuto de desempregado, quando o desemprego persiste. Aí se incluem
ainda o optimismo e pessimismo Vários factores de combinação múltipla condicionam a
reacção ao desemprego: condições financeiras, actividades de substituição, integração e
apoio familiar, redes sociais independentes do trabalho e importância dada ao trabalho.
Foram ainda identificadas estratégias pessoais de ocupação do tempo, conquista
de emprego e satisfação pessoal bem como trocas e solidariedades familiares no
desemprego.
v
ABSTRACT
This investigation, the results of which are presented under the title Work and
Lifes – Social Practices and Subjective Experiences in Unemployment, pretends to grasp
work sense and life-experiences in unemployment in the Greater Lisbon area. The study
was conducted from 2005 until 2010. In order to analyze the experiences of
unemployment, a mixed methodology was used: survey by questionnaire, in-depth
interviews, focus groups and life stories. The survey was conducted among 300
unemployed persons around Employment Offices in Cascais, Lisbon and Sintra; 60
unemployed persons were interviewed, 77 took part in focus groups and 10 life stories
were made.
The guidelines for the analysis of personal experience are as follows: social
values, attitude towards work; the relationship with the public employment office and
expectations toward it; the impact of unemployment (finances, social integration and
social stigma, family solidarity, social relationships, time-management and occupation,
psychological well-being, health); job seeking strategies, work expectations and long-
term expectations.
Five optimal unemployment types were identified in the unemployed person’s
social role, which vary according to objective data, a “state-dependency” attitude, work
motivation and dominant strategy in the relationship with the Employment Office.
It was possible to differentiate stages (not necessarily the same for all persons) in
the psychological reaction to unemployment, ranging from shock to fatalism, the last
step of adaptation to unemployment, when it persists long enough. These also include
feelings of optimism and pessimism. Several multiply-combining factors affect the
reaction to unemployment: financial conditions, alternative activities, family integration
and family, work-independent social networks and the importance given to work.
There were also identified time-occupancy, job-getting and self-satisfaction
personal strategies, as well as family permutations and solidarity during unemployment.
vi
RÉSUMÉ
La présente investigation dont les résultats se présentent sous le titre “Travail et
Vies – Pratiques Sociales et Expériences Subjectives Vécues au Chômage” nous
propose de comprendre les différents sens du travail et des expériences du chômage
dans une zone de Lisbonne, “a Grande Lisboa”1 L’étude a eu lieu de 2005 à 2010. Pour
analyser les expériences vécues au chômage, nous avons utilisé une méthodologie
mixte: enquête par questionnaires, entretiens approfondis, “groupes de rencontres”
(focus groups) et histoires de vie. L’enquête a été réalisée auprès de 300 chômeurs dans
les zones des ANPE2de Cascais, de Lisbonne et de Sintra; 60 chômeurs ont été
interviewés, 77 ont participé à des “groupes de rencontre” (focus groups) et 10 histoires
de vie ont été racontées.
Les lignes d’orientation de l’analyse de l’expérience personnelle sont les
suivantes : valeurs sociales, attitudes concernant le travail, relation avec le dispositif
public de l’emploi et expectatives, impact du chômage (finances, intégration sociale et
stigmates, solidarités familiales, relations de sociabilité, organisation et occupation du
temps, bien-être psychologique, santé), stratégies de recherche d’emploi, expectatives
de travail et de futur.
Cinq types idéaux de chômage ont été identifiés en ce qui concerne l’expérience
du rôle social du chômeur, ceux-ci varient en fonction de données objectives, de
l’attitude dépendant de l’Etat, de la motivation envers le travail et de la stratégie
dominante en ce qui concerne la relation avec l’ANPE.
Il a été possible de distinguer des phases (pas forcément identiques pour tous)
dans le processus psychologique de réaction au chômage, à partir du choc jusqu’au
fatalisme, dernière phase d’adaptation au statut de chômeur, à savoir quand le chômage
persiste. On y inclut encore l’optimisme et le pessimisme. Plusieurs facteurs de
combinaison multiple conditionnent la réaction au chômage : conditions financières,
activités de remplacement, intégration et soutien familial, réseaux sociaux indépendants
du travail, importance attribuée au travail et groupe social d’appartenance.
1 C’est une sous-région qui englobe plusieurs municipalités telles que Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Vila Franca de Xira. 2 Les ANPE au Portugal sont appelées “Centres d’Emploi”, “Centros de Empregos”.
vii
Des stratégies personnelles d’occupation du temps, une conquête de l’emploi et
une satisfaction personnelle tout comme des solidarités familiales dans une situation de
chômage ont aussi été identifiées.
viii
ÍNDICE
PARTE UM
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………................1
I. PROBLEMÁTICA…………………………………………………………………………...6
I.1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA………………………………………………………... 6
I.2. OBJECTIVOS DO ESTUDO……………………………………………………................37
I.3. ALGUNS CONCEITOS OPERATÓRIOS PRIVILEGIADOS…………………………... 38
II. CONSTRUÇÃO SOCIAL DO TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DE
UM CONCEITO……………………………………………………………………………….43
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………43
II.1. ITINERÁRIO HISTÓRICO DE UM CONCEITO………………………………………..44
II.2. O TRABALHO NO MUNDO INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL…………................50
III. DESEMPREGO: GÉNESE, CONTORNOS E VIVÊNCIAS……………….................59
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………...............59
III.1. GÉNESE DO CONCEITO……………………………………………………………… 60
III.2. RAÍZES EXPLICATIVAS DO DESEMPREGO MODERNO………………………….66
III.3. CONTORNOS E FRONTEIRAS DO CONCEITO “DESEMPREGO”………................70
III.4. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DESEMPREGO…………………………….75
IV. TRABALHADORES E MERCADO DE TRABALHO EM PORTUGAL E
NA EU E ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO………………………………………..87
IV.1. POPULAÇÃO ACTIVA E POPULAÇÃO INACTIVA…………………………………87
IV.2. ACTIVIDADE E EMPREGO…………………………………………………………….88
IV.3. ALGUNS INDICADORES RELATIVOS AO TRABALHO……………………………90
IV.4. ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO E ACTIVIDADE…………………………….94
V. RETRATOS ESTATÍSTICOS DO DESEMPREGO:
DADOS COMPARATIVOS ENTRE PORTUGAL E EU……………………………….....97
V.1. ALGUNS INDICADORES DO DESEMPREGO EM PORTUGAL……………………..97
ix
V.2. DESEMPREGO “SUBSIDIADO”……………………………………………………….108
V.3. DESEMPREGO REGISTADO NOS CENTROS DE EMPREGO (CE)………………..110
V.4. “COLOCAÇÕES” (AJUSTAMENTO ENTRE OFERTA E PROCURA DE
EMPREGO)…………………………………………………………………………................115
V.5. ESTATÍSTICAS DE DESEMPREGO EM DUAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS:
INE E IEFP…………………………………………………………………………………….117
V.6. DADOS COMPARATIVOS DO DESEMPREGO EM PORTUGAL
E NA EU……………………………………………………………………………………….118
VI. DESEMPREGO, POBREZA, EXCLUSÃO, PROTECÇÃO
SOCIAL, ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO……………………….123
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………..123
VI.1. DESEMPREGO, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL ………………………………..124
VI.2. MECANISMOS DE PROTECÇÃO SOCIAL…………………………………………..127
VI.3. ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO………………………………..131
PARTE DOIS
I. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO……………………………………………….135
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………….135
I.1. CRITÉRIOS QUE PRESIDIRAM À SELECÇÃO DE ENTREVISTADOS
E DE INQUIRIDOS…………………………………………………………………………...138
I.2. INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO……………………………………………………139
I.3. GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS)…………………………………………142
I.4. ENTREVISTAS…………………………………………………………………………...143
I.5. TRAJECTÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA……………………………………………..147
II. RESULTADOS DO INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO…………………………...148
II.1. CARACTERIZAÇÃO SOCIOGRÁFICA……………………………………………….148
II.2. ECOLOGIA HABITACIONAL E FAMILIAR DO DESEMPREGO…………………..154
x
II.3. SOCIABILIDADE FAMILIAR………………………………………………………….155
II.4. SOLIDARIEDADE E APOIO FAMILIAR……………………………………………...156
II.5. PROTECÇÃO SOCIAL E SITUAÇÃO FINANCEIRA………………………………...157
II.6. VALORES SOCIAIS…………………………………………………………………….160
II.7. RELAÇÃO DOS DESEMPREGADOS COM O DISPOSITIVO
PÚBLICO DE EMPREGO: RELAÇÃO COM OS CENTROS DE EMPREGO (CE)
E EXPECTATIVAS…………………………………………………………………………...162
III. SITUAÇÕES E ATITUDES FACE AO EMPREGO A PARTIR
DO INQUÉRITO……………………………………………………………………………..170
III.1. SITUAÇÃO FACE AO EMPREGO…………………………………………………….170
III.2. DURAÇÃO DO DESEMPREGO E VARIÁVEIS ASSOCIADAS…………………….171
III.3. MOTIVO DE CESSAÇÃO DO ÚLTIMO EMPREGO………………………………...174
III.4. COMO CONSEGUIU O ÚLTIMO EMPREGO………………………………………..175
III.5. ATITUDES FACE AO EMPREGO…………………………………………………….177
IV. O DESEMPREGO A PARTIR DO INQUÉRITO……………………………………..189
IV.1. ADAPTAÇÃO AO DESEMPREGO……………………………………………………189
IV.2. IMPACTO DO DESEMPREGO NA PERCEPÇÃO DA OCUPAÇÃO DO
TEMPO………………………………………………………………………………………..190
IV.3. IMPACTO DO DESEMPREGO NA OCUPAÇÃO DO TEMPO……………………...190
IV.4. DESEMPREGO E LAZER……………………………………………………………...195
IV.5. IMPACTO DO DESEMPREGO NA RELAÇÃO COM O TEMPO…………………...196
IV.6. IMPACTO FAMILIAR E SOCIAL DO DESEMPREGO……………………………...197
IV.7. IMPACTO FINANCEIRO DO DESEMPREGO……………………………………….199
IV.8. SAÚDE, TRABALHO E DESEMPREGO……………………………………………...199
IV.9. IMPACTO PSICOLÓGICO OU SUBJECTIVO DO DESEMPREGO………………...203
IV.10. RELAÇÃO COM O FUTURO………………………………………………………...215
xi
V. PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO E RELAÇÃO COM O
DISPOSITIVO PÚBLICO DE EMPREGO (CE) A PARTIR DA ANÁLISE
DAS ENTREVISTAS………………………………………………………………………...217
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………..................217
V.1. ARQUITECTURA DO PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO……………………..218
V.2. TIPOS IDEAIS DE VIVÊNCIA DO PAPEL SOCIAL
DE DESEMPREGADO……………………………………………………….........................225
VI. ORGANIZAÇÃO DO TEMPO NO DESEMPREGO A PARTIR DA ANÁLISE
DOS GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS) E DAS ENTREVISTAS…………237
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………..237
VI.1. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO FEMININO…………………………………................239
VI.2. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO MASCULINO………………………………................253
VI.3. DESEMPREGO E SOLIDARIEDADES FAMILIARES……………………................260
VII. ESTRATÉGIAS DE PROCURA DE EMPREGO E DE SATISFAÇÃO
PESSOAL – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA……………….265
VII.1. PROCURAR EMPREGO……………………………………………………................265
VII.2. COMPATIBILIZAR TRABALHO E FAMÍLIA……………………………................280
VII.3. ESTRATÉGIAS DE FORMAÇÃO…………………………………………………….282
VII.4. TRABALHO INFORMAL……………………………………………………………..283
VII.5. CRIAR O PRÓPRIO EMPREGO…………………………………………...................290
VII.6. TRABALHO OCASIONAL…………………………………………………................292
VII.7. TRANSIÇÃO PARA A REFORMA…………………………………………………...294
VIII. FASES E REACÇÕES AO DESEMPREGO A PARTIR DA ANÁLISE
DE ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA…………………………………………….295
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………..295
VIII.1. CHOQUE……………………………………………………………………................297
VIII.2. PESSIMISMO – 1ª FASE……………………………………………………………..300
VIII.3. OPTIMISMO…………………………………………………………………………..307
xii
VIII.4. PESSIMISMO – 2ª FASE……………………………………………………………..321
VIII.5. FATALISMO………………………………………………………………………….334
CONCLUSÕES E REFLEXÕES FINAIS………………………………………………….336
BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………..365
LISTA DE FIGURAS – PARTE UM……………………………………………………….414
LISTA DE FIGURAS – PARTE DOIS……………………………………………………..416
LISTA DE QUADROS – PARTE UM……………………………………………………...420
LISTA DE QUADROS – PARTE DOIS……………………………………………………421
ANEXOS……………………………………………………………………………………...422
xiii
LISTA DE ABREVIATURAS
Act – Actos
ATL – Actividades de Tempos Livres
BES - Bem-Estar Subjectivo
CE - Centro de Emprego
CNP – Classificação Nacional de Profissões
Cor – Coríntios
DGERT – Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho
DSM-IV – Diagnostic and Statiscal Manual of Mental Disorders, 4th ed.
EA – Zona Euro
EEE - Estratégia Europeia para o Emprego
EQLS - European Quality of Life Survey
EVS - European Values Study FMI - Fundo Monetário Internacional
Gen – Génesis
GIP – Gabinete de Inserção Profissional
IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional
IIESS – Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social
ISSP - International Social Survey Programme
Jo – João
Mc – Marcos
Mat – Mateus
MOW - Meaning of Work
MSST – Ministério da Segurança Social e do Trabalho
xiv
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
OMS – Organização Mundial de Saúde
Prov - Provérbios
REAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza Nacional
RSI – Rendimento Social de Inserção
SILC - Inquérito Nacional ao Rendimento do Agregado
Tes – Tessalonicenses
UE - União Europeia
EU – European Union
UNIVA – Unidade de Inserção na Vida Activa
1
INTRODUÇÃO
Entrado o século XXI, acentuou-se a actualidade política e social do debate
relativo às relações do trabalho e do não trabalho, debate que se vem a intensificar com
a emergência da crise económica e financeira que teve início na primeira década do
século. Constitui um dos vectores de expressão, mais ou menos explícita, dos medos e
esperanças do Homem no terceiro milénio. Medos e esperanças vinculados às grandes
questões filosóficas dos sentidos da vida. Que modelo de sociedade? Sem sustento, sem
salário, terá a vida sentido?
A análise sócio-histórica do trabalho vem demonstrando como a visão da sua
centralidade na vida humana corresponde à fase relativamente recente das sociedades
ocidentais, organizadas em torno da produção e da distribuição de bens e serviços, de
que Adam Smith, com Recherches sur la Nature et les Causes de la Richesse des
Nations, constitui marco histórico. No Ocidente, o trabalho é tido como elemento
fundamental da condição humana. A perspectiva de uma sociedade sem trabalho tem
mais de perturbador do que de atraente, num quadro societal em que se impõe como
“facto social total”, com valor, também económico e pessoal.
O direito ao trabalho e o objectivo do pleno emprego foram ganhando posição
central desde o primeiro quartel do século XX, legitimados na Constituição da
Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1919) e em outros documentos
internacionais. Tais referências são cada vez mais raras ou inexistentes, num mercado
de trabalho marcado pela precariedade e insegurança.
Num processo sócio-histórico de transformação das ideias, desenvolvimento dos
Estados e das economias, o trabalho perdeu o sentido religioso e secularizou-se
totalmente, enquanto factor de produção conjugado com a máquina industrial.
No século XX, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento industrial
fizeram das máquinas o braço e o cérebro do homem social. O volume de trabalho
exigente em esforço físico diminuiu e favoreceu a luta por salários melhores e redução
de horários. Mas ao objectivo ideal de pleno emprego e de libertação pelo trabalho
sobrepõe-se o impacto das inovações tecnológicas num capitalismo sem fronteiras.
Surgem novos desafios para desenhar caminhos socioeconómicos ao nível glocal
(síntese do global com o local) que contribuam para integração social, quando o
trabalho remunerado e estável se converte em miragem.
2
Temas com presença regular implícita na vida dos trabalhadores ou dos que
procuram emprego, “trabalho” e “não-trabalho” são assunto de discursos políticos e
técnicos e objecto de estudo.
Mais recentemente, a globalização do mercado económico e de emprego, a par
da intensa revolução tecnológica, colocam novos desafios, em termos socioculturais,
económicos e psicológicos. As recentes transformações económicas relacionadas com
deslocalizações industriais e abertura dos mercados conduziram a uma acentuada
redução dos postos de trabalho em todos os sectores de actividade facto que empurrou
para o desemprego ou para situações de pré-reforma trabalhadores em plena idade
activa. Os mais velhos, que atingiram 40 ou 50 anos, não só se encontram no
desemprego como perdem propriedades conotadas com a empregabilidade. Já os mais
novos debatem-se com a precariedade associada ao início da actividade profissional.
A construção social e histórica da centralidade do trabalho nas sociedades
modernas tem o reverso da medalha no afastamento de grande número de trabalhadores
da actividade laboral numa sociedade e economia baseadas na produção e no consumo.
Daqui emerge um paradoxo que convida a pensar a questão da centralidade do trabalho
na vida social, das trajectórias de vida e de trabalho, do estatuto social de cada indivíduo
e da família, em referência à sua posição no mercado de trabalho.
O desemprego é uma questão social complexa que afecta as estruturas da sociedade
salarial e conduz a processos de desqualificação social (Gallie e Paugam, 2000). O
impacto psicológico e social negativo do desemprego dá relevo à importância do
trabalho (Schnapper, 1998). O desemprego constitui-se na sociedade actual como um
problema social com fortes impactos nas sociedades do bem-estar. Trata-se não da
realidade homogénea do desemprego, mas da realidade sociológica plural. Ponderam-se,
pois, “desempregos” no “desemprego”. Tal abordagem considera a presença de
categorias sociais e demográficas de recursos materiais e simbólicos diversos no
desemprego com implicações nas vivências da sociedade e do indivíduo.
Da referência ao trabalho/não-trabalho, emprego/desemprego emergem
categorias sociais que se relacionam com a existência ou não de recursos materiais e
simbólicos em graus diversos. Os impactos sociais do desemprego reflectem-se não só
nas condições de vida mas também na coesão social e familiar e pode conduzir à
estigmatização individual que decorre da desvalorização social inerente.
Mas será que o desaparecimento do pleno emprego, e a emergência crescente de
taxas de desemprego configuram o “fim do trabalho” (Rifkin, 1996)? E essa realidade
3
socioeconómica corresponderá a um quadro cultural onde o trabalho se torna valor
social em extinção, como propõe C. Méda (1999)? Quais os valores sociais dos que não
têm acesso ao emprego? Será o trabalho valorizado e factor de integração social? Como
se constrói o papel de desempregado e como é vivido nas suas multiplicidades sociais?
Como se relacionam com o dispositivo público de emprego e o que esperam de uma
instituição promotora de emprego (Centro de Emprego)? Como vivem os
desempregados a falta de emprego? Imaginam o futuro com trabalho? Como reagem ao
desemprego? A questão da organização e ocupação do tempo é importante para quem
perdeu emprego. Que estratégias desenvolvem na conquista de emprego e na ocupação
do tempo? Como se caracterizam as trocas e solidariedades familiares no desemprego?
Nesta pesquisa propomo-nos investigar e compreender sentidos atribuídos ao
trabalho e vivências do desemprego, isto é, procuramos conhecer as estratégias pessoais
e familiares de estruturação da vida e satisfação das necessidades numa sociedade
salarial. Procuramos realizar uma análise compreensiva das representações em relação
ao trabalho bem como das opções de vida e de organização dos tempos sociais que,
permitindo assegurar recursos materiais e simbólicos, garantam a sobrevivência e a
reprodução individual e colectiva. Mereceu especial atenção a organização e ocupação
do tempo no desemprego, seja para sobrevivência e reprodução social, retorno ao
emprego ou construção ou reconstrução identitárias.
Para a concretização deste objectivo combinámos duas perspectivas utilizando
metodologias complementares de análise. Utilizámos uma (i) metodologia quantitativa
concretizada na realização e análise de resultados de um inquérito por questionário a
300 inquiridos desempregados e uma (ii) qualitativa que designamos de microssocial a
partir da realização e análise de 60 entrevistas aprofundadas, 10 “grupos de encontro”
(focus groups) e 10 histórias de vida. Os desempregados abrangidos na pesquisa
pertencem à área da Grande Lisboa (Centros de Emprego de Cascais, Lisboa e Sintra).
Este trabalho de pesquisa intitulado “Trabalho e Vidas – Práticas Sociais e
Vivências Subjectivas do Desemprego” é constituído por duas partes distintas mas
interdependentes. A primeira parte é constituída pelo enquadramento teórico e
formulação da problemática. A pesquisa bibliográfica dá forma ao problema sociológico
a partir da questão social que representa o desemprego nas sociedades modernas a
conceptualização da investigação e a definição da metodologia.
4
O capítulo I trata das questões de partida, de uma revisão da literatura científica
de modo a definir os conceitos básicos em ordem à formulação do problema, definição
de objectivos de estudo e metodologia da pesquisa.
O capítulo II que designámos por “Construção Social do Trabalho” é dedicado a
uma análise sócio-histórica do trabalho no Ocidente, dando conta do processo social e
historicamente informado da génese e transformações do trabalho ao longo do tempo.
O capítulo III, intitulado “Desemprego: Génese, Contornos e Vivências”
integra a génese e evolução da categoria desemprego em relação com a Questão Social e
com a emergência da sociedade salarial e do Estado de Bem-Estar. Abordam-se ainda
algumas perspectivas quanto às raízes explicativas do desemprego moderno, fronteiras
do conceito, seu enquadramento legal em Portugal; problema de mensuração; apresenta-
se ainda são ainda uma revisão da literatura sobre o desemprego em sociologia e
psicologia social.
“Trabalhadores, Mercado de Trabalho em Portugal e na UE e Envelhecimento
Demográfico” é o título do capítulo IV que se debruça sobre o enquadramento
populacional da população portuguesa. Aqui exploramos a informação estatística
relativa à população activa e inactiva, actividade e alguns indicadores relativos ao
emprego, bem como, tendências de envelhecimento demográfico e promoção da
actividade.
O capítulo V designado “Retratos Estatísticos do Desemprego em Portugal e na
UE” - analisa indicadores estatísticos do desemprego em Portugal e na EU. No caso
português tem em conta os dados de duas fontes, do Instituto Nacional de Estatística
(INE) e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
No capítulo VI – “Desemprego, Pobreza, Exclusão Social, Protecção Social e
Valores Sociais” - relaciona-se desemprego, pobreza, exclusão social e apresentam-se
os mecanismos da protecção social, designadamente os quatro tipos de regime de
protecção na Europa e a cobertura do desemprego pelo Estado em Portugal.
A segunda parte é constituída pela análise dos resultados da pesquisa empírica
relativos às condições de vida, práticas sociais e vivências subjectivas dos
desempregados que foram objecto de estudo, como se apresenta de forma mais
pormenorizada seguidamente. Aí se integram os resultados obtidos por recurso ao
inquérito por questionário, entrevistas, grupos de encontro (focus groups) e histórias de
vida.
5
No primeiro capítulo começamos por apresentar a metodologia com os critérios
que presidiram à selecção dos entrevistados/inquiridos, apresentação do inquérito por
questionário, grupos de encontro (focus groups), entrevistas e histórias de vida. Nos
capítulos II a IV apresenta-se os resultados da análise dos dados recolhidos no inquérito
por questionário. No capítulo II -“Resultados do Inquérito por Questionário” - analisam-
se resultados e principais tendências da amostra, com dados de natureza objectiva e
subjectiva quanto à ecologia habitacional e familiar, sociabilidade, solidariedade e apoio
familiar, protecção social e situação financeira, valores sociais, relação com o
dispositivo público de emprego e expectativas em relação ao mesmo.
O capítulo III - “Condições e atitudes face ao emprego a partir do inquérito” são
apresentados indicadores de desemprego como: situação face ao emprego e ao
desemprego, tempo no desemprego e atitudes face ao emprego.
No “Desemprego a partir do Inquérito”, que constitui o capítulo IV –
apresentam-se resultados relativos à adaptação ao desemprego e ao impacto do
desemprego.
O capítulo V – “Papel Social de Desempregado e Relação com o Dispositivo
Público de Emprego a partir das entrevistas ” é dedicado à arquitectura do papel social
de desempregado a partir da relação com os Centros de Emprego. A partir da análise das
entrevistas são tipificados cinco tipos ideais de desemprego.
“Organização do Tempo no Desemprego e Solidariedades Familiares” é título do
capítulo VI. Percorre as principais formas de ocupação e organização do tempo, bem
como solidariedades familiares no desemprego a partir da análise de grupos de encontro
(focus groups) e das entrevistas. Esta segunda parte do trabalho prossegue nos dois
capítulos seguintes cujos títulos respectivos são “Estratégias de Procura de Emprego e
de Satisfação Pessoal – Análise das entrevistas” e “Fases e Reacções ao Desemprego –
Análise de entrevistas e histórias de vida”
Por fim, as “Conclusões e Reflexões Finais” - integram uma perspectiva de
síntese dos resultados de investigação e algumas reflexões de encerramento.
6
I. PROBLEMÁTICA
I.1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
“Trabalhai meus irmãos: que o trabalho
é riqueza, é virtude, é vigor.”
António Feliciano de Castilho
Introdução
Documentos internacionais, nomeadamente deliberações e acordos diversos,
configuram os princípios fundamentais em relação ao trabalho. O direito ao trabalho e o
objectivo do pleno emprego são dois aspectos que vêm ocupando posição central desde
o primeiro quartel do século XX, explicitados na Constituição da Organização
Internacional do Trabalho (OIT, 1919) no pós I Guerra Mundial, completada, 25 anos
depois, pela Declaração de Filadélfia (1944). Nos anos sessenta, a convenção nº 122 da
OIT sobre a política de emprego (1964, artº 1) estabelece o objectivo do “pleno
emprego, produtivo e livremente escolhido”. Outros eventos e consequente
documentação, como a conferência de Bretton Woods (1944), o Encontro Mundial para
o Desenvolvimento Social de Copenhaga (1995), a Declaração Universal dos Direitos
do Homem (1948) ou, mais recentemente, a Carta Social Europeia (1996), abordam os
problemas do direito ao trabalho, em continuidade histórica com a ideia tradicional de
trabalho (Kelly, 2000). Tais eventos e documentos não encontram reflexo nas condições
económicas da era pós-industrial, onde a escassez de trabalho é uma realidade para os
diferentes sectores económicos. Exercício de apreciação do vocabulário usado por
actores sociais e institucionais (governos ou parceiros sociais) a propósito do trabalho
permite concluir que as referências à noção de pleno emprego são cada vez mais raras
ou inexistentes; contornos de utopia social, num mercado de trabalho segmentado pela
precariedade e insegurança à escala mundial, quando parte crescente da população
activa se vê afastada da participação regular e estável no mercado laboral. Os problemas
7
com o trabalho a nível mundial levaram a OIT à expressão “trabalho digno ou decente”
como pré-condição para o desenvolvimento sustentável3.
Vive-se um tempo onde o trabalho estável, esse bem valorizado ao longo dos
tempos nas sociedades ocidentais e do qual depende a nossa sobrevivência económica e
relevância estatutária, está em crise num processo de transformação intensa marcado
pela precariedade do emprego e fragilidade dos laços laborais. Veja-se pois o problema
do trabalho no Ocidente em articulação com o não-trabalho, desemprego e
desqualificação num eixo de problematização que inclui os valores sociais, tempos
sociais, fases e reacções ao desemprego.
I.1.1. Trabalho e não-trabalho
A perspectiva de uma sociedade humana sem trabalho tem mais de perturbador
do que de atraente, num quadro societal onde o trabalho humano se estruturou como
“facto social total”, com valor social, económico e pessoal ao longo de milénios.
Contudo, a ideia de trabalho não é central em muitas sociedades primitivas. “O homo
œconomicus é apenas uma das dimensões do homem social” afirma Schnapper (1998:
44), pelo que abordar o tema do trabalho humano convida a uma abordagem como
“facto social total”. Na civilização ocidental, o trabalho constrói-se como elemento
fundamental da condição humana, com dimensões de fenómeno social total, numa
implicação de atitudes culturais variadas em relação ao seu valor, finalidade e formas de
organização, desde a mais remota antiguidade4.
Num contexto mundial de precarização do trabalho e crescente rarefacção em
variados sectores de actividade económica, com os problemas psicossociais e
económicos ligados ao desemprego, entram em jogo diferentes perspectivas e
discussões no pensamento socioeconómico. Na fase actual, o desemprego é uma
experiência de vida pessoal e social que atinge cada vez mais cidadãos; mantém com o
emprego os suaves limites de uma linha oscilante ao sopro da economia que aliada à 3 Segundo o Director-Geral da OIT, trabalho digno ou decente é entendido no sentido humanista como trabalho “remunerado em nível suficiente para o sustento familiar; é a forma de trabalho adequada à mulher e ao jovem; é o trabalho que não se utiliza de formas degradantes, da força ou da escravidão e tampouco da mão-de-obra infantil”, Entrevista de J. Somavia (2002) à IPS News in MURRAY, Isabel, Juan Somavia defende trabalho decente, Entrevista a Juan Somavia a 31 de Janeiro de 2002. http://www.bbc.co.uk/portuguese/economia/020131_isabelrs.shtml 4 Como defende Gil Mantas (1999, vol. 1, p. 29): “Assim, como fenómeno social estruturante, não é de estranhar que o trabalho tenha conhecido múltiplas representações, resultantes da inserção espacial e temporal das referências consideradas e, ( ...) do grupo ou grupos que as elaboraram”.
8
marca de aspectos sócio-demográficos como género, idade e qualificações, recebe ou
rejeita homens e mulheres, jovens e adultos num processo de integração ou de
desqualificação social.
Nos primórdios da humanidade, é provável que o trabalho5 fosse sobretudo meio
de subsistência de caçadores-recolectores primeiro e depois de agricultores, embora as
finalidades puramente utilitárias se pudessem misturar com outros sentidos, pois nas
sociedades primitivas o carácter lúdico e a componente religiosa caracterizavam as
actividades. A partir da exploração de resultados da Antropologia das sociedades ditas
primitivas, Méda (1995) mostrou como, em muitas delas, nem sequer existe vocábulo
equivalente à palavra “trabalho” usada no Ocidente. O conceito de “facto social total”
de Mauss permite compreender como nessas sociedades um mesmo fenómeno
desempenha simultaneamente várias funções societais onde sagrado e profano não estão
ainda separados. A vida é profundamente ritualizada e o mundo colectivo organiza-se
por referência ao sagrado. O homem é um ser total membro de uma família, tribo, clã.
Não tem existência individual. Só existe no todo e pelo todo colectivo da sociedade
mecânica, para retomar a designação de Durkheim. Se aceitarmos que o jogo está na
essência do Homo Ludens, convém referir que a dimensão simbólica e lúdica está
presente nos fenómenos objectivos de vida dessas sociedades. Além do trabalho
também economia, religião, arte ou política não existem enquanto sistemas autónomos e
especializados.
Contudo, o valor dado ao trabalho está inscrito de forma muito profunda na
civilização ocidental; insere-se no mito prometeico de domínio do Homem sobre a
Natureza que conduziu, primeiro, à criação e produção de objectos primitivos e, depois,
à produção de objectos, técnica e cientificamente mais elaborados (Schnapper, 1979:
47). Também Marx fundamenta o homem social na sua relação com o trabalho não
alienado6.
Max Weber coloca o problema da especificidade do Ocidente ao questionar
porque é que a génese da Revolução Industrial ocorre no Ocidente e não noutras regiões
do Mundo que, durante muito tempo, estiveram cientificamente mais avançadas. Para
5 Sem o sentido de “emprego” pois era então inexistente a relação salarial introduzida pela sociedade capitalista. 6 “É justamente aperfeiçoando o mundo dos objectos que o Homem se revela verdadeiramente como um
ser genérico. A sua produção é a sua vida genérica criadora”, Marx (1972: 147), Manuscritos de 1844.
9
Schnapper (1998) o valor do trabalho é indissociável da especificidade das tradições
culturais.
No processo de construção social do trabalho no Ocidente (capítulo II), a
civilização grega é exemplo de noção utilitária e restritiva, desvalorizando o trabalho,
considerado degradante, de satisfação das necessidades materiais, e remetido para a
mão-de-obra escrava (veja-se o conceito “ócio”). A Filosofia ou a Política, actividades
mais nobres, não eram consideradas trabalho (Méda,1995). Para Gregos e Romanos, o
ócio (otium), actividade livre, era a maior nobreza do homem, por oposição ao
negotium, actividade de obrigação.
Mesmo nas sociedades actuais a noção de trabalho está carregada de sentidos e
implicações teóricas. Assim, apesar da divisão social do trabalho e da complexidade das
sociedades contemporâneas, o trabalho pode também ser abordado como facto social
total. Kelly (2000: 9) propõe que se considerem cinco aspectos do trabalho, desde o
utilitário ao institucional, passando pela dimensão individual, ética e social7.
Tal proposta de classificação permite reconhecer como a noção de trabalho é
complexa de sentidos. Compreende actividades afastadas do que se entende
correntemente por emprego. O termo emprego está associado em geral ao trabalho no
quadro de uma relação contratual com remuneração, o que põe problemas quanto à
classificação de “outras formas de trabalho, como as actividades independentes que
escapam em grande parte aos critérios do mercado” (Kelly, 2000: 6).
Também na pedagogia da criança se tem dado importância ao valor do trabalho.
Pestalozzi (1774-1779) e Freinet (1974), entre outros, são exemplos significativos, com
ecos a instituições até de inspiração católica (Oficinas de S. José dos Salesianos)8.
7 Vejam-se as dimensões referidas: a) Aspecto utilitário: meio de sobrevivência ou de subsistência; meio
de enriquecimento pessoal; instrumento de segurança e de prosperidade colectivas e factor de produção; b) Aspecto individual: imperativo psíquico, inerente à natureza humana; expressão da criatividade; meio de afirmação ou de justificação pessoal; via de acesso ao poder, meio de defesa contra a inactividade, o aborrecimento ou as tentações; c) Aspecto ético: vocação espiritual e meio de redenção; prova da qualidade de ser eleito por Deus; submissão sacramental à vontade de Deus; meio de acesso a um ideal universal; d) Aspecto social: necessária obrigação social; meio de socialização; meio de afirmação da identidade social; cimento da solidariedade e da coesão social; e) Aspecto institucional: instrumento da autoridade e da ordem; mecanismo tradicional de repartição; critério de dever de participação social. 8 Para Pestalozzi a associação trabalho-natureza é fundamental na pedagogia infantil. Também associa
trabalho manual e cultura geral, ao permitir que crianças órfãs ou abandonadas se eduquem e aprendam uma profissão. Em Freinet o trabalho é natural na criança e constitui ferramenta importante na educação do aluno. Pelo trabalho ligado à expressão é possível educar e disciplinar em quadro de trabalho colectivo e em função de alguma melhoria ou para o ambiente escolar ou comunitário.
10
Numa polémica actual, alguns autores afirmam a vizinhança perturbadora de uma
sociedade sem trabalho (Forrester, 1995 e Rifkin, 1997), enquanto outros defendem o
papel essencial do trabalho como factor de integração social (D. Schnapper, 1998). A
primeira linha argumentativa baseia-se em dados empíricos que assinalam uma
tendência objectiva de perda de empregos no Ocidente tecnológico e, muito
especialmente, do trabalho remunerado estável, associado à construção de carreira no
quadro de uma empresa ou organização, enquanto, por outro lado, a matriz
civilizacional e os dados relativos aos valores sociais evidenciam a importância do
trabalho como o valor mais importante para os cidadãos contemporâneos, empregados e
desempregados, logo a seguir ao valor família, o que apoia a segunda linha de
pensamento. Todavia, o sentido atribuído ao trabalho tende a ser predominantemente
utilitário - fazer face à subsistência - sendo menos valorizado o ideal de trabalho como
fonte de realização, provavelmente pela raridade de emprego para uma fatia cada vez
maior da população e pelo efeito psicológico que a visibilidade do desemprego tem para
os ainda empregados (Vide discussão sobre valores sociais).
No que se refere à análise do capitalismo liberal e do impacto das novas
tecnologias no mercado de trabalho, tendem a enfrentar-se duas correntes. A primeira,
que se designará “pessimista e catastrófica”, sublinha a tendência crescente para a
supressão de postos de trabalho em todos os sectores de actividade, num caminho sem
retorno para o “fim do trabalho” (Forrester, 1995 e Rifkin, 1997). Já a perspectiva
“optimista”, frequente em algum discurso político e económico, tende a acentuar a
importância da tecnologia na criação de novos postos de trabalho e de novas profissões,
em substituição de perfis profissionais em recessão e a valorizar a formação ao longo da
vida, como recurso essencial para evitar o desemprego ou conseguir um novo emprego.
Sem detrimento do valor de esperança desta última proposta, as evidências numéricas
parecem demonstrar alguma dificuldade: mesmo nos países mais desenvolvidos não é
fácil assegurar, por via das qualificações e da alta tecnologia, a substituição do volume
de postos de trabalho perdidos em grandes unidades de produção por novos postos de
trabalho e obtidos em menor número em pequenas ou micro empresas. Se os avanços
tecnológicos têm permitido mais empregos para alguns, também o desenvolvimento
tecnológico vem contribuindo para a redução do trabalho existente e a disposição de
parte do tempo dedicado ao trabalho com vista à realização de outras actividades ou
11
como tempo vazio. O desenvolvimento da sociedade de informação ligada à “economia
do imaterial” tem colocado o problema do emprego/desemprego tecnológico e da
adaptação pessoal e social às mudanças como questão central de diferentes governos e
economias9.
Contudo, para Castel (1995) e Schnapper (1998) o trabalho vai continuar a ser a
norma de organização social do futuro porque a sociedade está organizada em torno do
trabalho e da produção. Surge então uma questão fundamental: como manter ou
restaurar a legitimidade política do indivíduo-cidadão, sujeito de direito, que perdeu o
emprego e se vê afastado do sistema de produção? Caberá à Política e ao Estado
reinventar um sistema mais equilibrado que permita, reconhecer económica e
socialmente, a utilidade e a actividade social de todos aqueles que já não trabalham e
que não conseguem um novo emprego? Tal abordagem remete para a discussão em
torno da relação desemprego-exclusão-cidadania e para os riscos de ruptura social. A
ideia de trajectória proposta por Schnapper (1998) como a ponte entre integração e
exclusão social é retomada nesta investigação. Muitos indivíduos que vivem a
experiência de não trabalho, não caem obrigatoriamente na exclusão social, nem aí
permanecem definitivamente. Mas, num contexto de trabalho assalariado, onde o risco e
a insegurança são factores dominantes, a incerteza nos “destinos” ou percursos pessoais
tende a aumentar. Tanto se pode ser um quadro superior bem integrado no sistema
produtivo e remuneratório como, de seguida, ficar desempregado e fora do sistema. Se o
sistema familiar também estiver enfraquecido e sem capacidade de gerar e manter
solidariedades, a crise pessoal e familiar instala-se facilmente, num processo gradual de
desqualificação social.
I.1.2. Desemprego
Como o trabalho, também o desemprego constitui problema sociológico,
histórico, jurídico e político. O direito ao trabalho e a obrigação de trabalhar foram
estruturados num longo processo histórico-social com apogeu na sociedade da época
industrial. Correlativamente, a construção social da ideia de realização, por via da
9 Ao contrário da profecia “empresas qualificantes”, Ginsbourg (1998) sublinha que desde os anos 70,
houve em França uma ruptura em matéria de valorização do trabalho. As empresas reduziram os espaços de formação e de construção de aprendizagens organizadas no seu contexto, situação que se tem agravado nas décadas seguintes.
12
actividade profissional, ganhou contornos de complexidade crescente, numa economia
que substituiu o homem pela máquina em muitos postos de trabalho, com implicações
no alastramento de situações de desemprego.
Para se considerar desemprego, o não-trabalho deve resultar da não
concretização de venda e compra da força de trabalho, num contexto de progressiva
generalização das relações capitalistas de trabalho e destruição de formas de produção e
trabalho não capitalistas, sobretudo após a I e II Revoluções Industriais10.
Todavia, nem mesmo na sociedade capitalista o não-trabalho, por si só, basta
para definir a existência do desemprego. A condição de existência e predominância do
capitalismo é necessária, mas não suficiente para a génese do desemprego. Requerem-se
duas condições complementares para que seja possível o surgimento da noção moderna
de desemprego e desempregado. A identificação do desemprego (como status social e
situação estatisticamente mensurável) ocorre progressivamente; supõe avanço da
relação salarial11 e institucionalização do desemprego com criação de instituições e
mecanismos que definem e apoiam os desempregados12.
O desemprego é problema complexo não apenas do ponto de vista quantitativo
mas também qualitativo, na medida em que afecta a vida das pessoas e da sociedade
salarial e se liga a processos de desqualificação social (Gallie e Paugam, 2000). Pode ser
abordado como problema político, económico e sociológico. Tecnicamente, pode existir
em toda a sociedade algum desemprego voluntário ou involuntário. Contudo, o aumento
do desemprego gera fenómenos de marginalização, por via da qual surgem mecanismos
de exclusão social e que implicam um aumento de despesa com prestações sociais e
reforço da máquina policial do Estado. As dificuldades em travar ou diminuir o
desemprego constituem desafio para os governos, com valor sublinhado em objectivos
políticos e conjugado com a retórica de sucesso, sempre que os indicadores estatísticos
dão sinais de estabilização ou quebra.
10 Segundo Freyssinet (1991), três factores contribuíram para o surgir da relação salarial capitalista de trabalho: 1 - destruição das formas de produção pré-capitalista (agricultura familiar, artesanato, pequenos comércios), o que obrigou grande número de pessoas a procurar outro trabalho remunerado; 2 - oscilação da renda do trabalho provocada pelas constantes flutuações da actividade económica. O facto implicou, num primeiro momento, a redução do salário real do chefe de família e, num segundo momento, a necessidade de trabalho de outros membros da família; 3 - oscilação do nível de emprego provocada pelo ritmo e modalidade de acumulação capitalista, com “destruição” de postos de trabalho e redução do uso da mão-de-obra, seja por crises cíclicas, seja por introdução de novas tecnologias. 11 Além da impossibilidade de existência e reprodução de formas de trabalho não-capitalistas. 12 Estas duas condições só se constituirão plenamente a partir de 1930 nos EUA, França e Inglaterra. Só então se poderá falar, nestes países, em desemprego e desempregado no sentido moderno.
13
Trabalho, não-trabalho, emprego e desemprego são questões de evidente
importância social e sociológica que têm dado origem a abundante reflexão teórica e
investigação empírica. Para uma proporção crescente de jovens e de adultos estar
desempregado passou a fazer parte das suas vidas, configurando mesmo um modo de
vida no desemprego, como propõe Grell (1986). Concorda-se com Schnapper (1998)
para quem trabalho e cidadania são valores essenciais de integração social na civilização
do Ocidente. A nível internacional, desde os anos 1930 até estudos mais recentes, que o
desemprego e as experiências de vida dos desempregados têm sido estudados
considerando as reacções dos indivíduos à privação de emprego e modos de vida.
Globalmente os estudos apontam para o impacto negativo do desemprego vivido como
tempo “vazio”– provoca traumatismo profundo na vida dos indivíduos com efeitos
negativos ao nível individual, familiar e social, manifestação de um estatuto social
inferiorizado. Após estudo de experiências vividas pelos desempregados em França,
Schnapper (1998) concluiu que os “desempregados estavam dessocializados e se
sentiam atingidos na sua dignidade pessoal. A provação que atravessavam revelava a
importância da norma do trabalho” (1998: 47). Para esta autora, o estatuto social, lato
sensu, é o que dá ao indivíduo o sentimento da dignidade e respeito próprios. O seu
estudo relativo às experiências de desemprego, reformas antecipadas e exclusão conclui
que, nas sociedades ocidentais, o estatuto social do indivíduo e a sua dignidade são
postos em causa pela perda de emprego. Contudo, as formas de não emprego têm
diferentes sentidos e existe uma hierarquia de estatutos sociais em função da sua
distância ao emprego. Considere-se pois que trabalho, desemprego, suas consequências
ou vivencias não são únicos mas plurais. A diversidade sociológica continua presente
apesar do termo genérico “desemprego”.
Como assinalam Gallie e Paugam (2000) quando o estatuto social está
dependente da participação no sistema produtivo e de trocas existe alta probabilidade de
que o desemprego conduza a perda de estatuto e sentimento de falhanço num processo
de desqualificação social, empobrecimento e ruptura de laços sociais.
A hipótese de aceitação ou rejeição social do desempregado chama o conceito de
“estigma” no sentido de Goffman (1963/ 1975). Os estigmas têm em comum marcar a
diferença e atribuir um lugar ao indivíduo13.
13
Para Goffman (1963/ 1975: 42): “Um estigma representa (…) um certo tipo de relação entre o atributo e o estereótipo (…). Em todos os casos de estigma (…) encontramos os mesmos traços sociológicos: um
14
O risco de etnocentrismo ao abordar um objecto de estudo tem sido sobejamente
sublinhado. Schnapper (1979) alerta a propósito da distância entre investigador e
desempregado e também do termo “desemprego” cunhado administrativamente mas que
abrange uma pluralidade de estádios de vida e situações múltiplas. Semelhanças nas
perturbações e alterações aos ritmos de vida, não igualizam os desempregados;
continuam a pertencer a categorias sociais diferentes, nomeadamente nos recursos
materiais e simbólicos com possível implicação em vivências plurais. O desemprego
não apaga socializações anteriores. Assim, a vivência do desemprego pode ser afectada
pela combinação de variáveis individuais, familiares e sociais como idade, género,
percurso e competências escolares, profissão anterior, duração do desemprego, origem e
pertença social, estado de saúde, apoio familiar, rendimento socioeconómico, entre
outras. Tal reparo não significa apologia de efeitos atomizados ou individuais
impossíveis de serem tratados sociologicamente. O desemprego não é apenas problema
individual, sendo possível, tal como em outros objectos de estudo, encontrar relações
entre experiências individuais e fazer ecoar sentidos sociológicos. Porém, evitar o
individualismo não sociológico também não significa cair no estrito determinismo
sociológico do comportamento humano; antes vigiar a multiplicidade de determinações
singulares do desemprego levando em linha de conta factores estruturais que em cada
tempo e espaço podem afectar as vivências sociais, nomeadamente do desemprego. Daí
a importância de estudar os diferentes quadros vivenciais ou os desempregos no
desemprego. Neste âmbito as variáveis biográficas têm toda a pertinência na forma de
viver o desemprego. Fase do ciclo de vida pessoal e familiar, posição na estrutura
social, trajectória social, projecção do futuro e redes relacionais constituem aspectos
pertinentes a não descurar na análise das experiências do desemprego. Além disso, o
tempo no desemprego pode afectar as reacções e vivências dos desempregados. Como
se processam as experiências do desemprego em diferentes momentos e fases do
desemprego? Várias são as interrogações que a análise das vivências do desemprego
suscita.
Segundo César das Neves (1999) o desemprego é problema não tanto de
pobreza, que os mecanismos sociais resolvem, mas de não ter nada que fazer.
Controversa, sem dúvida, esta ideia quando se sabe que, sendo o Estado social
indivíduo que tenha podido facilmente se fazer admitir no círculo das relações sociais ordinárias possui uma característica tal que se pode impor aos olhos desses que o reencontram e se desviam dele (…). Ele possui um estigma, uma diferença infeliz ao que esperávamos”.
15
português “sub-protector” (Duncan e Paugam, 2000), nem todos os desempregados têm
direito a auferir subsídio de desemprego. Além disso, tal direito não se mantém por um
período de tempo indeterminado pois o desemprego corresponde a uma condição social
temporária, pelo que, mesmo que o período de desemprego se prolongue, o subsídio de
desemprego termina. Apenas os desempregados de idade mais avançada e com o
número de anos de contribuição para a Segurança Social suficientes para a reforma
estão em condições de viver menos pressionados em relação ao futuro, nomeadamente,
quanto a assegurar recursos necessários à sobrevivência, consumos e projectos de vida
pessoal e familiar.
Assim, embora a questão da organização e ocupação do tempo seja importante
para quem perdeu o emprego e participa numa sociedade acelerada, na qual os outros
cidadãos com emprego vivem a um ritmo intenso, tal afirmação merece reparo quanto
ao contexto português, caracterizado por um Estado Providência sub-protector e onde
54% dos desempregados não tem acesso ao subsídio de desemprego14.
Contudo, a dimensão temporal da vida social constitui variável fundamental na
reflexão sociológica sobre o desemprego, numa época em que os horários de trabalho
não diminuem para quem trabalha mas desaparecem para quem já não têm emprego.
Abordar o tempo no desemprego, percepções e maneiras de viver tal fase de vida remete
para a consideração do espaço, pois habitualmente, espaço e tempo ficam perturbados
na vida dos indivíduos desempregados. Desnorteado o tempo de trabalho com horários
de trabalho que não têm mais de ser cumpridos, é abalado também o espaço de trabalho
pela ausência de locais como fábrica, oficina ou escritório aonde as deslocações já não
podem ocorrer. O tema é tanto mais interessante quanto a ocupação, as muitas
responsabilidades e o envolvimento em muitos projectos é símbolo de valor e sucesso
profissional e social15.
14
Caso se conte com os que procuram um primeiro emprego, então apenas 31% dos desempregados recebe subsídio de desemprego (INE, Inquérito ao Emprego, 1º trimestre de 2011). Num contexto de grave crise económica e dívida pública, enquanto aumenta o desemprego surgem medidas restritivas ao Estado social, por exemplo, limitadoras da despesa pública. Assim, as alterações previstas nas regras de atribuição do subsídio de desemprego com início a partir de Março de 2012 atingem sobretudo os trabalhadores mais velhos. A prestação máxima desce de 1257 para 1048 euros mensais e passa de três anos para um limite máximo de dois. Os pedidos de reforma antecipada sofrem também sérios cortes desde Janeiro de 2012. Cada ano de antecipação até aos 65 anos de idade passou a ser penalizado em 7,5% ainda que exista uma bonificação de 1% por cada três anos de descontos feitos pelos trabalhadores. 15
Lembre-se, a título de exemplo, como um administrador tem a sua agenda totalmente preenchida com actividades diversas, geridas por uma secretária, e se desdobra na participação em diferentes funções com estatutos sociais associadas ao seu poder económico ou simbólico. A secretária tem funções de
16
A questão da ocupação do tempo para quem muito trabalha na profissão e fora
dela surge na literatura de ajuda e desenvolvimento pessoal, convidando à busca de um
tempo desinteressado, livre, mesmo que de curta duração, espaço para distensão e
recuperação psico-física do organismo sob efeito de stress, um caminho de saúde física
e psicológica ou desenvolvimento espiritual16.
Ocupação do tempo e duração do período de desemprego tem sido também
considerado nas políticas activas de emprego. Ser activo, estar ocupado, fazer coisas e
aprender a fazer, no fundo trabalhar mesmo sem ter emprego, são aspectos sublinhados
como estratégias políticas de inserção social e estatutária dos desempregados17. É
comum afirmar-se que quanto maior é o período de tempo no desemprego menores são
as probabilidades da pessoa desempregada conseguir uma nova colocação mas
desconhecem-se estudos conclusivos. A propósito do tempo no desemprego e num
estudo clássico, Jahoda e outros investigadores (Jahoda et al., 1972) assinalaram que os
homens ao diminuírem a actividade profissional ou ficarem sem trabalho nas fábricas e
minas se desorientam com a alteração dos ritmos temporais fora de casa, enquanto as
suas mulheres mantêm a regularidade de rituais e rotinas com ocupações domésticas e
familiares.
Pode considerar-se o desemprego como fase de vida temporária, longa ou
repetitiva, na vida dos sujeitos. A sua relação com o hábito do trabalho, inscrito nas
experiências que os sujeitos fazem das organizações e os processos de socialização que
viveram na família e no trabalho, não serão de menosprezar na abordagem desta
temática, ligada às questões de identidade pessoal e social que a experiência laboral
fabrica. O factor tempo de desemprego, na sua variabilidade e extensão, levou a ter em
conta a interacção de factores variados (género, idade, profissão e estilo de orientação
dos sujeitos). Araújo (2006) abordou o problema do quadro temporal a propósito da
experiência de doutoramentos em Portugal. O contexto é bastante diverso do
desemprego. A maioria dos doutorandos, ao contrário dos desempregados, estavam
organização e controlo do tempo social e do seu valor simbólico, pois o espaço-tempo ocupado por diferentes actividades, projectos e actores sociais não tem o mesmo valor simbólico. Nas palavras do filósofo J. Needleman (1999: 11) “Vivemos numa cultura que nos obriga a fazer demasiadas coisas, a assumir demasiadas responsabilidades, a tomar demasiadas decisões e a dizer sim a demasiadas oportunidades. Ao fim de quase um século de invenções destinadas a poupar tempo, vemo-nos privados do próprio tempo”. 16 Veja-se a este propósito o livro de Kundtz (2000). 17 Os antigos programas ocupacionais do IEFP (actualmente Programas de Emprego e de Inserção) correspondem, precisamente, a oportunidades de ocupação com trabalho em instituições públicas ou autarquias, a troco de uma pequena contribuição financeira.
17
dispensados da sua actividade regular como professores ou investigadores, mantinham
uma remuneração, bem como a possibilidade de regressar à actividade anterior após
conclusão do doutoramento com um estatuto social em progresso; estavam numa fase
de vida diferente por opção ou por obrigação de carreira em perspectiva construtiva de
futuro. Contudo, ambos, doutorandos e desempregados, têm que lidar com a
perturbação dos seus quadros de vida temporal e espacial e a necessidade de os
reorganizar. A questão da (des)organização do tempo coloca-se também para os
reformados, embora a situação apresente contornos muito diferentes relativamente a
quem está em situação de desemprego involuntário. Fase definitiva em fim de carreira, a
reforma é direito social encarado de forma positiva e cuja concretização é planeada no
ciclo de actividade profissional. O desemprego é fase temporária não planeada na vida
mas que, por vezes, se prolonga sem retribuição. O estatuto de desempregado é
provisório e negativo por referência ao trabalho. O estatuto de reformado é definitivo e
encarado de forma positiva mesmo pelos desempregados.
O ingresso na situação legal de desemprego obriga ao cumprimento de regras e
ritos legalmente definidos pelo Estado e socialmente aceites no âmbito do exercício de
um papel social, o de desempregado; garante inclusão social com o acesso à
participação num quadro legalmente definido de direitos e deveres, cujo grau de
exigência varia em função da dependência do Estado. A representação social negativa,
de que o desemprego e o facto de “estar desempregado” se revestem, convoca para o
desemprego e para o desempregado uma nebulosa identidade de carácter provisório e
instável, de onde parecem estar ausentes referências identitárias de auto-
reconhecimento, enquanto factor de inclusão social, mas também de reconhecimento
social positivo que não permite a configuração de grupo social ou classe. A
permanência no desemprego corresponde a um período de transição identitária cujas
regras permitem aceder a direitos como o subsídio e à sua manutenção temporária, num
intervalo de tempo de vida onde a maior adaptabilidade, mesmo que estratégica ao
estatuto de desempregado, pode implicar a permanência nesse estatuto por um período
mais longo ou a sua fixação nesse espaço de trânsito. A ocorrência de situações de
desemprego é geralmente considerada como um acontecimento negativo para cidadãos e
famílias.
Apesar do desemprego ser um problema social nas economias capitalistas e
comum a muitos e diferentes países, rareiam estudos comparativos internacionais e
18
transculturais sistemáticos. A diversidade de situações, quanto aos sistemas de
protecção social, normas sociais, culturais e redes de entreajuda em diferentes contextos
sócio-espaciais, exige atitude prudente na generalização de resultados de um país para
outro. Além disso, grande parte das pesquisas efectuadas orientam-se mais para as
consequências do desemprego na saúde do indivíduo do que para o desemprego como
fase de vida e para os efeitos do desemprego na organização do tempo e do espaço, nas
opções de vida e no sistema familiar. Podem ser identificadas as seguintes variáveis
moderadoras nos efeitos negativos do desemprego: as atitudes face ao trabalho,
nomeadamente os valores profissionais e as representações sociais do trabalho e do
desemprego; os apoios em formação; o suporte familiar e o nível socioeconómico do
agregado doméstico; a definição objectiva e subjectiva dos papéis sexuais; a percepção
do desemprego na sociedade global; as redes sociais e os apoios; a vulnerabilidade
pessoal às experiências negativas e à evolução dos papéis sociais (Warr, 1984).
Problema psicossocial que tem merecido estudos em psicologia e sociologia, o
desemprego interessou a vários autores no que respeita às consequências psicológicas e
familiares. Gallie et al. (1995) estudaram, em Inglaterra, a mudança social e a
experiência no desemprego, tendo concluído a existência de uma correlação alta entre
situação no mercado de trabalho (emprego estável, desemprego ou emprego precário) e
nível de saúde física e psíquica. Em Inglaterra, as pessoas que vivem situações de
desemprego, emprego instável ou inseguro e mal remunerado tendem a manifestar baixo
nível de bem-estar psicológico revelado na perda de auto-estima, angústia, tensão
familiar, resignação e retraimento, assim como, baixo nível de bem-estar físico e alta
frequência dos serviços de saúde. A estas situações sobrepõem-se dificuldades
financeiras, num ritmo concertado de negatividade, onde se associam desvantagens.
A experiência de desemprego foi fortemente documentada na população
masculina. O resultado não é uma imagem agradável e muitas das descrições
encontram-se em estudos dos anos 1930 (Jahoda et al., 1981) e em literatura mais
recente essa experiência é referida com dados qualitativos em citações de entrevistados
(por exemplo, Sinfield, 1981); geralmente os homens sentem-se envergonhados e
magoados quando desempregados e se na contingência de viver de subsídio. Poderá até
haver, por parte dos homens, um sentimento de desespero em conseguir novo trabalho,
nomeadamente se as suas competências estiverem desactualizadas (Dex, 1986). Com
base nestas experiências, alguns investigadores sugeriram que o fenómeno do
19
desemprego passa por uma série de fases. Primeiro surge a surpresa e o choque. Depois,
o optimismo e a fé em conseguir novo emprego, para, de seguida, se transformar em
pessimismo, ansiedade e angústia por não se conseguir emprego. Finalmente, surgem o
fatalismo e o desânimo. Esta descrição elaborada por Eisenberg e Lazersfeld (1938)
ainda tem eco na revisão feita por Jahoda (1982) e em Harrison (1976). Embora seja
possível encontrar homens que tenham passado por todas estas fases, há críticos para
quem tais dados se relacionam apenas com um determinado momento no tempo;
consideram não ser correcto assumir que todos os homens passaram pelas mesmas fases
e por essa ordem (Sinfield, 1981). Estudos mais recentes sobre stress sofrido por
desempregados são bastante variados e relacionam idade com estado de saúde, duração
do desemprego, recursos, indemnizações recebidas, condições do mercado de trabalho e
experiências profissionais anteriores. Estudos longitudinais possibilitaram maior
evidência dos aspectos desenvolvidos sobre a experiência dos homens desempregados.
Na revisão da literatura elaborada por Brown et al. (1995) não foi encontrada qualquer
diminuição na motivação dos homens para trabalhar.
Tais estudos examinaram a procura de emprego por parte dos homens, suas
relações familiares e condições financeiras. Muito frequentemente, o desemprego
prolongado poderá ser visto como fenómeno que coloca as famílias na pobreza.
Geralmente, para as esposas a situação de desemprego prolongado dos maridos é
particularmente penosa.
Para Loison (2002) em países como a França, o estatuto de desempregado é
humilhante e estigmatizante, o que origina isolamento; o desempregado fecha-se na
esfera doméstica por vergonha do seu estatuto. Contudo, os desempregados mantêm
alguns laços sociais com a família e as relações regulares com os técnicos de
instituições públicas, constituindo formas compensatórias para colmatar o afastamento
do mercado de trabalho. Para o autor, a sociedade portuguesa atribui um estatuto débil
ao emprego, a economia informal está omnipresente e a relação com as instituições não
é estigmatizada em geral. A coesão da sociedade portuguesa permite que os
desempregados, uns mais, outros menos, beneficiem de contactos sociais, motivos que
justificam, para Loison (2002) o estatuto de desempregado como pouco estigmatizado
por comparação com a situação dos desempregados em França. Ana P. Marques (2009),
a propósito do desemprego de longa duração no Norte do País assinala riscos de
20
dissociação de laços sociais, relação consigo próprio, auto-estima e emergência de
doença e psicopatologias.
Como é vivido o desemprego? Existem desempregos no desemprego, quer dizer,
diferentes tipos de desempregados em função de várias características e atitudes? Como
se hierarquizam os valores em relação ao trabalho e quais os valores sociais mais
importantes para os desempregados? Quais as atitudes dos desempregados face ao
emprego e à ocupação do tempo? Como se caracterizam as trocas e solidariedades
familiares no desemprego? Como vivem os desempregados a sua sociabilidade? Quais
as reacções ao desemprego? O que esperam e como perspectivam o futuro?
I.1.3. Desqualificação social
O desemprego pode ser analisado por referência à noção de “desvio social”.
Existirão sub culturas no desemprego? “Desvio social” remete para os conceitos de
“cultura” e “subcultura”, podendo corresponder, a maneiras de sentir, pensar e agir
“segundo valores, normas e regras, agulhadas por símbolos e signos, orientadas por
padrões de mentalidade e acção que carrilam condutas” (Godinho, 1982). Assim, as
subculturas implicam sempre uma base triádica para que se possa definir a sua
existência: grupo, comportamentos e sistema de valores. Por isso, um grupo só poderá
ser considerado subcultura se apresentar um sistema de comportamento e valores
específicos que lhe permitam a afirmação da diferença.
Desemprego é processo social potencialmente gerador de fenómenos de
desqualificação social como marginalidade, pobreza e exclusão18. O desenvolvimento
económico e tecnológico tem vindo a implicar a vivência de situações de desemprego
tecnológico ou estrutural no capitalismo liberal, levando ao afastamento de pessoas e
famílias do processo produtivo; privando-as dos recursos mínimos aceitáveis na
sociedade onde vivem, facilita a emergência e a reprodução de marginalidade, pobreza e
exclusão social. Segundo Vincent (1979) o conceito “marginal” é primeiro que tudo
18 A gravidade dos problemas de exclusão social, pobreza e marginalidade, em extensão e intensidade, nos diferentes países ocidentais, implicou que os governos dos países membros da UE e da OCDE definissem políticas sociais visando a integração social, o combate à exclusão social e à pobreza, baseadas em quatro objectivos prioritários: promoção da criação de emprego; fortalecimento dos sistemas de educação e de formação para jovens e adultos e apoio à mobilidade das pessoas; reforma do sistema de protecção social e das políticas sociais; combate à pobreza e à exclusão social de grupos sociais mais vulneráveis, pelo do desenvolvimento de medidas específicas.
21
uma definição geográfica. A palavra passa de adjectivo a substantivo quando se torna
visível que existem indivíduos marginais com relação ao centro. Pode afirmar-se que
toda a sociedade produz os seus marginais dentro de limites toleráveis. Este autor
distingue entre “marginal” e “excluído”, considerando “marginal” aquele que “o mundo
de produção rejeita nas suas fronteiras”, enquanto que o “excluído” está
deliberadamente condenado pela legislação ou pela cultura dominante. Daí que associe
“marginalidade” a um “estado passageiro ou efémero” e “exclusão” a “durável” e, em
certos casos, “definitiva”. Também Le Goff (1979) considera que, na realidade
histórica, são os “fenómenos de marginalização” que levam à “exclusão”, bem como à
“recuperação” ou à “reintegração”. Os processos de marginalização podem conduzir à
exclusão social, conceito que se reporta a todo o processo socioeconómico e cultural
que não permite o acesso de indivíduos e de populações específicas ao conjunto de
direitos e deveres relativos à cidadania, socialmente definidos em normas e documentos
nacionais e internacionais, onde se incluem os direitos cívicos - direito ao trabalho,
educação, cultura, saúde e protecção social, entre outros. As dinâmicas sociais e
económicas dos processos de construção e de estratificação social configuram
sociedades não igualitárias, onde o acesso aos direitos constitucionais não é o mesmo
para todos, de facto, visto que pessoas e grupos desfavorecidos são afastados de
recursos de ordem económica, social ou cultural (J. Ferreira de Almeida, 1992;
Capucha, 1998a).
Embora o desemprego não corresponda sempre a situações de pobreza e de
exclusão social, é possível afirmar tratar-se de fenómeno conducente às margens da
economia, da sociedade e do exercício da cidadania de pessoas e famílias, grupos
potencialmente vulneráveis. Com o desemprego podem agravar-se as situações de
marginalidade e de pobreza já existentes. Por tal motivo, pode chamar-se ao
desemprego “indústria de pobres”. Fábrica de produção massiva de pessoas e famílias
pobres à escala mundial. Situações de pobreza que podem ser temporárias, quando se
criam condições sócio materiais e socioculturais propiciadoras da integração social ou,
pelo contrário, definitivas e conducentes à exclusão social, quando dinâmicas, políticas,
pessoas e famílias vulneráveis não oferecem respostas favoráveis à reintegração social.
Alguma literatura emprega o termo “pobreza” como equivalente ao termo
“exclusão social”. Contudo, é mais correcto considerar que a pobreza, tal como o
desemprego e a marginalidade, é processo social gerador e reprodutor de exclusão. Ao
22
olhar para a sociedade contemporânea estudiosos propõem o termo “nova pobreza”19.
Há tendência para relacionar pobreza com escassez de recursos necessários às condições
materiais de existência. Nos estudos de pobreza tem sido dominante a corrente
socioeconómica que implica uma diversidade de conceitos ligados aos recursos
disponíveis, tais como “pobreza relativa” e “pobreza absoluta”. Outra corrente,
designada culturalista, defende que as situações prolongadas de pobreza tendem para
culturas de pobreza, como definiu Lewis (1979), a que correspondem estruturas
mentais, económicas e sociais com expressão em modos de vida, maneiras de pensar e
de agir que atribuem especificidade àquelas culturas20.
Como se vive no desemprego e que estratégias asseguram a sobrevivência e a
reprodução dos grupos domésticos?
A expressão “modo de vida da pobreza” (J. Ferreira de Almeida et al., 1992),
pretende operar a síntese entre as duas correntes, conjugando a análise das condições
materiais de grupos sociais desfavorecidos com os aspectos activos e socioculturais tais
como estilos de vida, representações simbólicas, valores, interesses e maneiras de agir
das pessoas e das famílias.
O risco de pobreza da população portuguesa21 era, em 2009, de 17,9%, segundo
o INE. Significa que um quinto dos habitantes vivia com rendimentos inferiores a 434
euros por mês. A taxa de risco de pobreza de um adulto com pelo menos uma criança
19 Nas palavras de L. Capucha (1998), “de forma geral, nos países desenvolvidos, a pobreza é integrada por categorias sociais tendencialmente excluídas. Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, predomina uma situação em que às elites se contrapõe uma massa de pessoas extremamente pobres, que constituem, porém, a situação mais normal nesses países. Nos de desenvolvimento intermédio a pobreza tende a apresentar um carácter duplo e o caso de Portugal é disso mesmo uma boa ilustração”, (...) onde “a par de situações tradicionais de pobreza, extensas mas raramente colocadas à margem da sociedade, emergem recentemente categorias atingidas por fenómenos da chamada “nova pobreza” como resultado do processo de modernização, e de que são exemplo os desempregados de longa duração, os grupos étnicos e culturais minoritários, os toxicodependentes, os detidos e ex-reclusos e as pessoas portadoras de deficiência”. 20 Disso nos dá conta este antropólogo que estudou as culturas de pobreza no México, ao afirmar: “Quando aplico o conceito de cultura ao estudo da pobreza, pretendo unicamente chamar a atenção para o facto de a pobreza das nações modernas não ser só um estado de privação económica, de desorganização ou de falta de coisas, mas também algo de positivo no sentido de que possui uma estrutura, uma ratio e mecanismos de defesa sem os quais os pobres não conseguiriam subsistir. Em suma, é um estilo de vida, altamente estável e persistente, herdado por cada nova geração dentro da mesma linha genealógica. A cultura da pobreza tem as suas modalidades e consequências sociais e psicológicas distintas para cada membro. Constitui um factor dinâmico que atinge a esfera da participação numa cultura nacional mais ampla e se converte ela própria numa subcultura” (O. Lewis, 1979). 21 Segundo os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC) do INE, realizado em 2010. "Considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 43,4% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2009", lê-se neste relatório. A taxa de privação material da população portuguesa subiu para 22,5%. A taxa de risco de pobreza para a população idosa aumentou para 21% em 2009, face aos 20,1% registados em 2008.
23
situava-se nos 37% e de famílias com crianças nos 19,1%. Entre os desempregados, a
percentagem foi, em 2009, de 36,4%. Quase metade da população portuguesa (43,4%)
estaria em risco de pobreza não fossem os apoios da Segurança Social. É provável que,
face à evolução desfavorável da economia e do desemprego as condições de vida dos
portugueses se tenham agravado.
Os desempregados vítimas de despedimentos por motivos tecnológicos são em
grande número em toda a Europa e muitos deles convertem-se em desempregados de
longa duração, dado que não conseguem novo emprego no espaço de um ano. Muitos
fazem parte da nova pobreza ou da pobreza do desenvolvimento. Estudar como os
desempregados vivem esta fase, objectiva e subjectivamente, é por demais relevante,
num contexto social português de aumento do desemprego e ainda dominado por baixas
qualificações e baixos salários. Na verdade o desemprego tem vindo a aumentar, com
consequências para trabalhadores desempregados e implicações na despesa pública,
ruptura da sociedade salarial a par da fractura dos modos de socialização que o mercado
de trabalho estrutura; também alguns autores (I. Kovács, 1998) alvitram que pessoas
sem emprego estável não têm condições para aprendizagens no trabalho ou fora dele.
São dez as linhas de orientação na análise da experiência pessoal no
desemprego: valores sociais; atitudes em relação trabalho; relação com o dispositivo
público de emprego; integração social, estigma social, solidariedades familiares,
relações de sociabilidade com a família, amigos e outros laços sociais; organização e
ocupação do tempo; estratégias de procura de emprego; saúde; bem-estar psicológico;
expectativas de trabalho e expectativas de futuro.
A noção do processo está subjacente ao estudo das experiências do desemprego
ao considerar a dinâmica dos efeitos produzidos ao longo do tempo, fases e etapas. A
dimensão temporal é, pois, de toda a relevância ao considerar o desemprego não como
um acontecimento estático mas antes dinâmico na sincronia e diacronia das suas
consequências e vivências. O desemprego é processo social. Não constitui realidade
homogénea mas plurifacetada e fragmentada, abrangendo uma pluralidade de estados
possíveis, vivenciais e significados que se complementam, contradizem ou
interpenetram. Assim, o desemprego pode abranger uma diversidade populacional com
diferentes origens sócio-familiares e processos de socialização, bem como uma ampla
escala de gradação nas formas de lidar com o trabalho e o desemprego; reflecte-se no
discurso e é evidenciada nas práticas dos sujeitos, sua percepção e uso do tempo,
24
adaptação, inadaptação e ruptura psicossocial, rejeição passiva, procura activa de
soluções inovadoras. Neste sentido, o desemprego é uma realidade multifacetada nas
situações objectivas mas também nas formas subjectivas das próprias vivências.
Argumenta-se que trabalho e emprego como prática e como valor social
desempenham papel central na qualificação social e nos processos identitários dos
trabalhadores. Assim, uma situação de não trabalho assalariado, como o desemprego,
molesta a identidade pessoal e profissional. O desemprego tem pois impacto nos modos
de vida dos trabalhadores sem emprego, como evidenciam estudos já referenciados.
Na presente investigação serão analisados os valores sociais dos desempregados
e atitudes em relação ao trabalho, pelo que faremos aqui breve reflexão teórica.
I.1.4. Valores do trabalho e valores sociais
As categorias relativas aos valores do trabalho usadas na presente investigação
têm por base a proposta de Herzberg (1966) e de Inglehart (1990).
Herzberg distinguiu os valores de trabalho segundo dois tipos - «factores
intrínsecos» que se relacionam com aspectos característicos da própria actividade,
motivadores por si mesmos e sob controlo dos sujeitos (actividade interessante,
autonomia, sentido de realização, utilidade percebida, etc.) e «factores extrínsecos»,
independentes do trabalho realizado, mas relacionados com as consequências que
advêm do facto de se trabalhar (salário, segurança do emprego, possibilidade de
promoção, etc.).
Segundo Inglehart, as mudanças culturais davam conta de uma alteração maciça
na infra-estrutura das sociedades industrializadas avançadas e tais alterações sistémicas
poderiam repercutir-se a nível dos valores, atitudes, comportamentos e opiniões. O
autor distingue valores “materialistas” (associados a objectivos como satisfação de
necessidades básicas, crescimento económico e coesão social) e valores “pós-
materialistas” (associados a objectivos ligados a preocupações de teor intelectual,
estético, qualidade de vida e participação na tomada de decisão a nível do trabalho e da
política). Assim, os valores “materialistas” estariam relacionados com a
conceptualização de valores “extrínsecos” e os “pós-materialistas” com os valores
“intrínsecos”.
25
Outros estudos apontam para uma orientação de valores muito dependente de
factores económicos: uma posição económica mais favorecida proporciona uma
orientação intrínseca mais marcada, enquanto uma posição económica menos favorecida
tende a realçar valores extrínsecos de forma mais evidente (Caetano et al., 2003).
Jesuíno (1993), por exemplo, mostra a relação entre o tipo de valores e as características
sócio-demográficas. Pode notar-se que a orientação de valores anda intimamente ligada
à satisfação das necessidades22, na medida em que se dá mais importância a “valores
extrínsecos” (correspondentes às necessidades básicas), até à sua satisfação e tornarem
possível a aspiração a valores de carácter extrínseco.
Rodrigues (1995) analisou as atitudes dos portugueses sobre o trabalho (níveis
de satisfação/insatisfação). Numa análise comparativa entre 1991 e 1994, a percentagem
de indivíduos insatisfeitos permaneceu quase inalterada; no entanto, os portugueses
revelavam-se mais insatisfeitos em 1994 quanto às remunerações e mais pessimistas
relativamente às características de contexto nas situações de trabalho. Os principais
motivos de satisfação correspondem a “trabalho interessante”, “trabalho perto de casa” e
“bom ambiente de trabalho”. Nos motivos de insatisfação apontados, “fraca
remuneração” e “condições de trabalho” ocupam lugares cimeiros. A dimensão mais
valorizada no trabalho é material ou de sobrevivência, seguida da expressão individual.
Para os portugueses o trabalho é, sobretudo, uma forma de assegurar rendimento que
proporcione alguma segurança. No entanto, “expressão individual” e “utilidade social”
surgem igualmente como ambições legítimas para alguns.
Em 1997, Vala (2000) mostra que o aspecto tido por mais importante em
Portugal é a segurança no trabalho, seguido de boas oportunidades de promoção e da
remuneração elevada23.
22 A este propósito lembra-se a Teoria da Motivação Humana de Maslow (anos 1950) que fundamenta uma hierarquia das necessidades humanas - biológicas, psicológicas e sociais (Sampaio, 2009). As necessidades humanas estariam organizadas numa hierarquia de importância, representada graficamente em forma de pirâmide (“Pirâmide de Maslow”), cuja base é constituída por necessidades fisiológicas e de sobrevivência e cujo topo é constituído por necessidades de status e auto-realização. A teoria considera o ser humano na sua totalidade uma vez que enfatiza a integração dinâmica dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Maslow vê o ser humano como eternamente insatisfeito e sujeito de uma série de necessidades, que se relacionam entre si por uma escala hierárquica; uma necessidade deve estar razoávelmente satisfeita, antes que outra se manifeste como prioritária. Nesta hierarquia, o indivíduo procura dar satisfação às necessidades fisiológicas, fundamentais à existência, e às necessidades de segurança, antes das necessidades sociais, de estima e auto-realização. 23 Inquérito do International Social Survey Programme (ISSP). Comparados os dados com outros países (Vala, 2000), nomeadamente Alemanha, Espanha, Hungria e Suécia, os resultados indicam mais importância dos valores extrínsecos em Portugal, Espanha e Hungria e igual importância de valores na
26
No inquérito realizado em 1997 (Alice Ramos, 2000), cerca de 64% dos
indivíduos afirmaram que gostariam de ter um emprego remunerado mesmo que não
precisassem do dinheiro, percentagem que diminui em 2006 (Freire, 2008) para 56%.
Apesar do menor peso registado, pode compreender-se que o trabalho assume lugar
central na vida de grande parte da população portuguesa. Deste modo, o trabalho ocupa
lugar fundamental na vida das pessoas e relaciona-se intimamente com outras
dimensões igualmente importantes da vida social.
Avaliados valores sociais e centralidade do trabalho (Jesuíno, 1993), observou-
se que o aspecto mais importante destacado pelos portugueses é a família; seguem-se
trabalho e amigos. O aspecto menos importante é a política, seguido da religião. A
comparação com os resultados europeus mostra que, em termos globais, o trabalho e a
família são ainda mais valorizados, em média, nos países europeus. Outros estudos
concordam na valorização da família (Alice Ramos, 2000). A maior parte dos inquiridos
gostaria de gastar mais tempo com a família; seguem tempos livres e amigos.
Relativamente ao emprego, ocorre uma predisposição consensual para menos tempo24.
Pode observar-se que a família é, efectivamente, a dimensão de vida mais importante.
Observando a evolução entre 1990 e 1999 (M. Villaverde Cabral e Jorge Vala,
2001), não se registaram alterações significativas na sociedade portuguesa quanto à
adopção de valores materialistas e pós-materialistas. Relativamente ao conjunto dos
países da UE, nota-se uma ligeira perda de realce nos valores pós-materialistas e um
reforço dos valores materialistas e mistos.
Segundo Inglehart, a emergência de valores pós-materialistas só poderá advir
quando os problemas económicos e de segurança básicos se encontrem minimamente
superados. O processo de mudança de valores dava conta de uma mudança maciça na
infra-estrutura das sociedades industrializadas avançadas, podendo tais alterações
sistémicas repercutir-se ao nível dos valores e dos comportamentos individuais.
Será que a mudança para valores pós-materialistas se irá concretizar, uma vez
que as dificuldades socioeconómicas pedem resposta às necessidades básicas dos
indivíduos? Estará a tese de Inglehart comprometida pela crise económica na UE e seu
reflexo futuro? Alemanha e na Suécia o que, segundo o autor, apontava para uma possível relação entre valores intrínsecos do trabalho, valores pós-materialistas e desenvolvimento económico-social. 24 “Quanto maior é a disposição para dar tempo à família, aos amigos e aos tempos livres, menor é a disposição para dar mais tempo ao trabalho” (Alice Ramos, 2000: 60).
27
Considerando a importância da dimensão temporal e sua relevância no estudo do
desemprego apresentem-se algumas reflexões sobre esta temática.
I.1.5. Tempos sociais
O tempo é realidade objectiva e subjectiva que atravessa qualquer temática:
trabalho, desemprego, família, ciclo de vida, lazer e religião, entre outros. Berger e
Luckmann (1997) assinalam o tempo como fazedor da intersecção entre quatro eixos
centrais da vida: dimensão individual, ritmo social, tempo das instituições e processos
da desigualdade social.
“O tempo é a essência mais misteriosa” escreveu Massimo Bontempelli. A
dimensão temporal da vida social raramente é tomada como objecto de meditação.
Contudo, desde os primeiros tempos das Ciências Sociais, que a reflexão sobre o
significado do tempo está presente, como é o caso dos textos de Durkheim no início do
século XX ou de Sorokin e Merton nos anos trinta e quarenta do mesmo século que
esquematizam algumas maneiras de estudar e compreender as questões do tempo.
Também a antropologia social britânica, como por exemplo o trabalho de Evans-
Pritchard sobre os Nuer faz, não apenas descrições do tempo bastante diferentes das
sociedades ocidentais mas também comentários analíticos das relações entre estruturas
temporais e estruturas sociais. Posteriormente, alguns trabalhos em História, Sociologia
e Antropologia desenvolvem esforços para a compreensão do tempo (De Grazia 1962,
Moore 1963, Gurvitch 1964, Thompson 1967, 1968, Leach 1971, Abrams 1972, Geertz
1973, Bertaux 1981) e assinalam a separação entre “tempo físico” e “tempo social”.
Os sistemas do tempo reflectem as actividades sociais do grupo (Straw e Elliott,
1986). A sua iniciação é colectiva e a sua observância continuada resulta da necessidade
social. Como afirmam Sorokin e Merton (1937) os sistemas do tempo emergem da vida
colectiva e são perpetuados pela necessidade de coordenação social e um produto
essencialmente resultante da interacção social.
A complexidade da temática do tempo é tão vasta que Macey (1994) lhe dedicou
uma enciclopédia. No contexto sociológico o tempo é considerado em três sentidos
principais: objecto real que pode ser medido e administrado; medida de movimento,
mudança e evolução; percepção, sentimento ou símbolo da experiência subjectiva do
Mundo e da vida.
28
Lévi-Strauss (1988), pese embora a controvérsia,25opõe sociedades “quentes” às
sociedades “frias”. Nas primeiras, dominadas pela crença na eficácia do progresso e
mudança social, predomina a concepção do tempo linear e histórico, enquanto as
sociedades “frias” implicam uma percepção centrada no passado e numa perspectiva
atemporal.
O centramento no presente opõe-se à noção tecnológica dos sistemas
económicos e políticos que valorizam inovação, desenvolvimento e mudança. Contudo,
tempo linear e tempo circular podem coexistir e entrecruzar-se. Exemplo de diferenças
nas representações do tempo entre classes populares e elites, é o caso dos camponeses
do século XIV com uma noção cíclica e repetitiva do tempo marcado simbolicamente
por ritmos e ritos festivos, religiosos e de trabalho, ao lado do tempo linear da história
tradicional (Pais, 2003), de que ainda permanecem resquícios em alguns meios rurais.
Tempos sincrónicos e “invertidos” (Pais, 2003) constituem outra forma de
representação do tempo. Tempo que se aprofunda aqui e agora mas onde o passado
pode ser fonte de inspiração para pensar e agir. Sincronia e diacronia podem
harmonizar-se quando se tenta acreditar que a vida pode mudar.
Porém, o tempo mecânico, conhecido de todos, vingou nas sociedades ocidentais
tendo sido classificado como abstracto e alienante. O tempo linear impôs-se. Na
sociedade Ocidental, a noção de tempo assenta numa perspectiva linear e externa, algo
que pode ser preenchido, trocado, vendido. É esta representação que dá sentido à
expressão vulgarizada na sociedade industrial time is money.
Todavia tal percepção do tempo não é válida para todas as sociedades e culturas
nem para todas as épocas. As sociedades ditas primitivas, bem como as sociedades
menos industrializadas reflectem uma representação do tempo mais cíclico e cujos
ritmos se harmonizam aos ritmos naturais e biológicos. Contudo, numa época em que a
industrialização vingou praticamente à escala mundial, tal ideia pode parecer uma
quimera idealizada de um tempo perdido. Porém, não deixa de se sentir a diferença de
ritmos com o abrandamento do tempo e uma harmonização mais natural quando se viaja
da cidade para campo.
25 J. Goody (The Domestication of Savage Mind) e G. Balandier (Antropologiques) não concordam com esta posição e defendem que, na sua diversidade, todas as sociedades são históricas ou têm a sua historicidade.
29
Com as sociedades industriais modernas passou a ser comum a compreensão do
tempo dominada pela medição do tempo físico: minutos, horas, semanas, meses, anos.
Estas unidades precisas são usadas para organizar as actividades nos sistemas
produtivos. Os ritmos das fábricas, dos escritórios e das escolas impõem-se e pode falar-
se do “tempo organizacional” (Lewis e Weigert, 1981). Neste contexto, o “tempo do
não trabalho” é tido como residual, algo que aparece depois de cumpridas as obrigações
dos empregos e das organizações formais em que se participa ou quando delas se deixa
de participar. Terá saído daqui a pouco feliz expressão “dias úteis”? O que serão “dias
inúteis”?
Os sociólogos sublinharam as características racionais e instrumentais das
sociedades industriais e esforçaram-se por estudar os espaços de trabalho,
particularmente grandes locais estruturados burocrática e tecnicamente. Muitos aspectos
da vida social para lá do local de trabalho foram assim descurados. Contudo, têm
surgido vozes críticas que assinalam a excessiva atenção dedicada à grande empresa e
os seus efeitos na compreensão dos processos e dos mercados de trabalho (Granovetter,
1984). Outros, como Gershuny (1978, 1983) e Pahl (1984), mostram que a natureza do
próprio trabalho está a mudar. Também o movimento feminista e os “estudos das
mulheres” forçaram as Ciências Sociais a explorar seriamente o papel das mulheres na
força de trabalho e em casa. Tais contributos levam a relativizar a dominância do
“tempo organizacional” e a olhar particularmente para o tempo de não trabalho
organizacional, nomeadamente para o significado das mulheres como agentes activos na
modelação do “tempo social”. Ao lado dos ritmos e das rotinas do local de trabalho ou
até na sua ausência existem o “tempo familiar” e o “tempo doméstico”, um padrão
distintivo da vida social em que actividades afectivas e expressivas estão intimamente
ligadas, mais do que separadas dos papéis instrumentais e que sobressaem no ritmo e
organização de vida dos desempregados. Esta questão é relevante quando se explora
sociologicamente a ocupação e os sentidos do tempo no desemprego, esgotado que é o
tempo de trabalho formal no espaço organizado de um escritório, fábrica ou oficina.
I.1.5.a) Tempos sociais, mulheres e homens
Numa dimensão populacional, as mudanças assinaladas, por exemplo por
Anderson (1984), permitem considerar que o potencial dos laços extensivos inter
geracionais, particularmente do lado das mulheres, tendem a aumentar. Um dado
30
demográfico geral afirma que as mulheres vivem mais do que os homens, casaram com
homens mais velhos do que elas próprias e se tornaram parentes numa idade mais jovem
do que os seus companheiros. Consequentemente, existem mais mulheres e durante
mais tempo. Têm, assim, a oportunidade de desenvolver laços intergeracionais e com
maior impacto do que os homens nas novas gerações (Straw e Elliot, 1986).
As mulheres estão mais envolvidas no “tempo não recorrente” ou no que Straw e
Elliot (1986) designam “tempo geracional”. Tradicionalmente, são as mulheres que
exercem controlo sobre os nascimentos, casamentos e mortes (Chamberlain e
Richardson, 1981) e, ainda que hoje muito deste trabalho esteja profissionalizado, são as
mulheres que intimamente cuidam destes assuntos. Lidar com nascimentos, casamentos,
doenças e mortes é ainda “trabalho de mulheres” (Straw e Elliot, 1986), o que cria laços
entre diferentes gerações (filha, mãe, avó, tia avó, irmãs e filhas da mais nova geração).
Além disso, o sistema de cuidar e controlar os outros não é hierárquico mas
cíclico e a filha pode tornar-se “mãe” cuidadora dos pais quando estes sofrem uma
doença ou se tornam idosos, como se verá. O cuidado, a tutela e o controlo também
podem ocorrer em relação a mulheres mais jovens a propósito do casamento ou em
relação a netos.
Para lá do “tempo geracional” as vidas das mulheres têm quadros temporais e
ritmos, uns longos, outros curtos. Os intervalos curtos reflectem as necessidades básicas
económicas e sociais da família, o que implica que algumas actividades sejam repetidas
muito frequentemente. Por exemplo, a organização do cuidar de crianças, compras,
limpeza, lavar e cozinhar requer uma estrutura temporal e essa estrutura é quase sempre
responsabilidade das mulheres, tenham emprego ou não. Esse poder feminino para
definir a ordem dos acontecimentos ocorre dentro de constrangimentos externos do
“tempo organizacional” como horários de trabalho dos maridos ou dos filhos, horários
escolares dos filhos, horários do comércio, do centro de saúde e do CE, por exemplo.
Estes são limites externos impostos, em relação aos quais as mulheres tomam as suas
decisões26.
A experiência do tempo das mulheres é distinta dos homens, em parte porque os
ritmos biológicos têm uma influência social considerável (Cottle, 1976; Straw e Elliott,
26 Para More (1963: 55) “O poder decisional dos maridos é certamente variável entre famílias, grupos étnicos, “classes” e sociedades, mas os envolvimentos temporais das mulheres dentro da família tende a conferir-lhes uma autoridade na alocação e direcção do tempo dos outros”.
31
1986), inspirando bases de identidade e pertença. Cada cultura impõe um conjunto de
convenções sociais em cima dos ritmos biológicos que marcam as fases de
desenvolvimento social para os indivíduos. Da situação de dependência na infância e na
adolescência, as mulheres passam, mais rapidamente do que os homens, para a
experiência dos filhos, concretizem ou não a convenção do casamento, e assumem um
conjunto de tarefas temporariamente ligadas às necessidades dos mesmos filhos.
Habitualmente, nas nossas culturas, ainda são as mulheres que mais assumem a
responsabilidade de cuidar dos filhos e das necessidades dos parentes idosos em certa
fase do ciclo vital.
Para Crook (1982) as mulheres podem esculpir o “tempo familiar” nas famílias
operárias porque os seus maridos, pais, irmãos e filhos estão ausentes. Ainda que os
homens vitimados pelo desemprego passem a estar mais presentes, a falta de emprego
poderá desorientar os seus ritmos temporais, enquanto as mulheres mantêm os rituais de
regularidade e rotina das tarefas domésticas e familiares, como salientam Jahoda e
colegas (1972).
Straw e Elliot (1986) assinalam que não é evidente que os homens
desempregados passem a ter um papel em relação ao “tempo familiar” e, no caso da
Escócia, os homens desempenham tipicamente um pequeno papel no desenho do tempo
de não trabalho, mesmo se estão em casa. É a mulher que tem a responsabilidade e o
poder de olhar para os calendários internos e externos das suas famílias. Dentro de casa
é a mulher que decide o que deve ser feito, quando e como e também determina como
responder às exigências do tempo exterior em termos de tempo livre em conjugação
com os ritmos da família. Porém, nas últimas décadas, a maior paridade nos casais bem
como os divórcios (que fazem surgir famílias monoparentais também masculinas)
conferem aos homens um papel mais activo na gestão do tempo familiar e de
actividades em casa.
I.1.5.b) Tempos sociais e desemprego
Fagin & Little (1984) e Fröhlich (1983), bem como Kilpatrick & Trew (1982)
citados por Warr (1987) observaram longos períodos de inactividade nos indivíduos
desempregados e a sua dificuldade em preencher os dias. Também Lemaire (1987), a
partir da afirmação de que o trabalho ocupa todo o tempo diário, deduz que a sua
32
ausência provoca nos desempregados dificuldades de adaptação. Já em décadas
anteriores, Jahoda et al. (1933/1981) tinham concluído as alterações de ritmo de vida
dos operários desempregados de Marienthal, nomeadamente a dificuldade de ocupação
do tempo por parte dos homens. Durante a segunda guerra mundial, Komarovsky
(1940) citava um desempregado, numa referência à sua saúde mental, como exemplo de
reacção habitual à perda da rotina diária de trabalho: “I’m going crazy with so much
time on my hands and nothing to do” (Komarovsky,1940, cit. in Warr, 1987).
Quanto ao uso do tempo em Espanha, por exemplo, os desempregados dedicam
a maior parte do tempo que tinham enquanto empregados a mais tempos livres e uma
pequena parte é dedicada a actividades de produção doméstica (Gimenez-Nadal et al.,
2010-2012). Todavia, a produção doméstica tende a aumentar nas áreas de altas taxas de
desemprego e onde o emprego é reduzido, enquanto em áreas de baixas taxas de
desemprego o trabalho no emprego é substituído por actividades de mais tempos livres e
cuidados pessoais. Tempo livre, que a Filosofia moderna faz equivaler a ócio na linha
de Platão, Aristóteles e Cícero (otium cum dignitate), sentido oposto ao de preguiça.
E ainda, comparando o bem-estar emocional de indivíduos empregados e
desempregados durante actividade similares, os desempregados relatam sentimentos de
maior tristeza, stress e sofrimento do que os empregados (Krueger e Mueller, 2008).
Todavia, estes valores negativos dos desempregados são compensados pela ocupação do
tempo vago em actividades mais gratificantes (Knabe et al., 2010). Além disso, as
diferenças do sentimento de gratificação na ocupação do tempo entre os dois grupos
tendem a aumentar com o aumento das taxas regionais de desemprego (Gimenez-Nadal
et al., 2010-2012).
Tendo em conta investigações anteriores (Jahoda et al., 1972; Warr,1987; Fagin
& Little, 1984; Fröhlich, 1983; Kilpatrick & Trew, 1982; Gimenez-Nadal et al., 2010-
2012), argumenta-se que o desemprego tem impacto na organização da escala de vida
temporal dos desempregados, pelo que se tentou esclarecer qual a ocupação do tempo
das pessoas sem emprego e em que medida o fim do trabalho fora de casa altera as
rotinas na gestão do tempo e os sentidos do mesmo trabalho. Espera-se encontrar
também diferenças na organização do tempo entre géneros e em diversos grupos etários.
33
I.1.5.c) Fases e reacções ao desemprego
Os estudos da percepção do desemprego, nomeadamente do seu impacto
emocional, foram beber referências à análise dos acontecimentos stressantes na vida dos
indivíduos e conduziram à proposta da ideia de fase considerando a forte carga
emocional associada à perda de emprego e à desestruturação do tempo. Kaplan no
Compêndio de Psiquiatria (cit. por Holmes, 1978: 747) apresenta uma tabela com
valores médios de factores de stress a partir de uma lista de 43 acontecimentos vitais.
Nessa lista “ser demitido do emprego” aparece em 8º lugar com uma percentagem de
47%. Assim, a situação de desemprego surge como um dos eventos mais stressantes
comparativamente a muitos outros acontecimentos sociais27.
O desemprego pode apresentar várias fases, no que respeita à forma como é
sentido, vivido e gerido. A noção de fase remete para a ideia de temporalidade, uma vez
que toda a experiência de vida tem um enquadramento espácio-temporal.
Contributos de vários autores (Jahoda e Lazarsfeld, 1933/72, Powell e Driscol,
1973, Harrison, 1976, Hill, 1977, 1978, Hayes, 1976, Bryar, 1977, Kaufman, 1982,
Hayes e Nutman, 1981, Sinfield, 1981, entre outros), no campo da Psicologia Social
desde os anos 1930 e, sobretudo, desde a década de 1970, têm abordado o problema e
assinalam a quebra do bem-estar psicológico como resultado do prolongamento do
desemprego. Apesar da diversidade de propostas revistas por Estramiana (1992) a partir
de resultados de investigações empíricas, parte-se da síntese esquemática temporal de
Harrison (1976; conforme figura 2 que não se afasta da análise proposta em, Os
Desempregados de Marienthal conduzido por Jahoda e Lazarsfeld (1933/72) nos anos
1930) sem descurar as propostas de Hill (1977, 1978), Powell e Driscol (1973),
Kaufman (1982) e Hayes e Nutman (1981).
Harrison (1976) considera, grosso modo, a existência de uma curva moral com
quatro fases no desemprego. A primeira corresponde ao choque emocional, pelo
impacto stressante do acontecimento. É frequentemente seguida da fase optimista em
que se rejeitam os aspectos negativos, se acredita conseguir um novo emprego e se tenta
mudar de vida. O prolongamento da situação de desemprego faz emergir a fase
pessimista no contexto de insucesso na obtenção de um novo emprego e de perda ou
27 Os factores de stress com mais peso são alguns acontecimentos da vida afectiva como morte do cônjuge (100%), divórcio (73%), separação conjugal (65%), privação de liberdade por detenção (63%), morte de um familiar próximo (63%), lesão ou doença pessoal (53%) e casamento (50%).
34
redução das prestações sociais. Tal situação convoca dois perfis de atitudes. Por um
lado, a disposição para colocar várias interrogações, tais como, a aceitação de salários
baixos, a hipótese de mudança de profissão ou de área geográfica, o que terá,
certamente, implicações na vida familiar. Por outro, quando toda a busca infrutífera de
emprego se combina com a idade avançada, tende a ocorrer uma atitude de desistência
na procura de emprego. A última fase corresponde a um refinamento da etapa anterior
ao configurar o fatalismo, a impossibilidade de mudança e a adaptação ao desemprego
como modo de vida.
Figura 1. Fases de reacção ao desemprego
Moral Preocupações Económicas Aborrecimento Declínio do respeito por si mesmo
Aceitar um salário mais baixo? Diminuição das possibilidades de novo emprego
Abandonar a minha profissão?
Deveria Mudar de região?
Desistir de procurar emprego
Choque Optimismo Pessimismo Fatalismo Fonte: Harrisson (1976), p.34 in António Estramiana: El Impacto Psicológico del Desempleo (pp. 126-127).
Harrisson assinala a variabilidade de reacções perante a perda de emprego e a
sua duração (dependendo de várias características, individuais e outras, como as
expectativas perante o próximo emprego e a experiência anterior no desemprego).
Destaca, no entanto, que a maioria das pessoas com idades entre vinte e cinco e
quarenta e cinco anos, com experiência de desemprego prolongada, atravessa a
sequência já referida de choque, optimismo, pessimismo e fatalismo.
Também Hill (1977, 1978) distingue três fases temporais no desemprego com
algumas sub divisões: na fase inicial (duração de algumas semanas a dois meses) são
possíveis 2 reacções: a resposta traumática (com sentimento de destruição da dignidade
e deterioração da vida); a resposta optimista (com negação da situação e sentimento de
“estar de férias”). Nesta fase inicial domina a percepção de desemprego temporário.
35
Consequentemente, não ocorre nenhuma alteração à identidade profissional do
indivíduo. A fase intermédia pode durar vários meses e neste período desaparece o
possível sentimento de euforia inicial. As poupanças diminuem ou acabam, os pedidos
de emprego fracassam e a procura de emprego reduz-se. Surgem problemas perante a
incapacidade de aceder a um emprego satisfatório. Na fase de adaptação ao desemprego
(duração de nove meses a um ano) tende a ocorrer a aceitação do desemprego, enquanto
a procura de trabalho é inconstante. A esperança de encontrar um emprego diminui a
breve prazo. Do ponto de vista psicológico, à ansiedade e estado depressivo, próprios da
fase anterior, sucede a aceitação da situação do desemprego.
Outro autor, Hayes (1976) distingue cinco fases no processo de quebra
psicológica dos desempregados, desde uma primeira fase de choque até à última fase de
adaptação ao estatuto de desempregado mas não refere períodos temporais.
Powell e Driscol (1973) assentam na ideia de três etapas diferentes, desde um
sentimento de descontracção e alívio que marcaria a primeira fase de cerca de um mês,
ao posterior esforço sistemático para encontrar emprego, caracterizado pela auto
confiança com duração variável em função de vários factores (segurança económica,
estímulos positivos do mercado de trabalho, não pensar no fracasso e ter apoio familiar).
Por fim, a dúvida e a perda do optimismo inicial marcam a terceira etapa, a que se junta
a hesitação na tomada de decisões, ansiedade, depressão, frustração e quebra nas
relações pessoais.
Estudo posterior de uma amostra de trabalhadores altamente qualificados no
desemprego (Kaufman, 1982) acrescenta uma última fase de mudança psicológica à
proposta anterior: a resignação e apatia.
Também os resultados de Bryar (1977) concordam com os autores anteriores
embora considere apenas 2 estádios: o sentimento inicial de choque paralelamente ao
optimismo para encontrar emprego é seguido do sentimento de auto culpabilização e
depressão na fase posterior, que culmina na falta de iniciativa à medida que o tempo
passa e as expectativas de encontrar emprego diminuem.
A descrição de 3 fases na reacção ao desemprego prolongado é também a
conclusão de Hayes e Nutman (1981). Para estes autores a esperança e optimismo com
negação de mudança na vida ocorre como sub fase num quadro de um primeiro estádio
de choque e imobilismo. A segunda fase é longa e nela surge a pressão sobre a
36
identidade individual, pois a ideia dominante na sub fase optimista do período anterior
de que tudo se resolverá perde vitalidade, enquanto, com frequência, pode surgir um
estado depressivo. Numa terceira fase, o prolongamento do desemprego implica a
necessidade de encontrar e internalizar uma nova identidade.
Estas propostas não estão isentas de críticas. Sinfield (1981) discorda de um
modelo geral descritor da experiência de desemprego, uma vez que os autores não
entram em conta com factores como idade, nível sócio económico e conhecimento do
mercado laboral, por exemplo. Além disso, tais modelos mesmo considerados
descritores não são explicativos (Fryer e Payne, 1986; Kelvin e Jarrett, 1985). Acresce
que os factores que determinam a passagem de uma fase para outra não são
considerados (Kelvin e Jarrett, 1985).
Como se viu, é notória a diversidade de estádios entre autores (Fryer, 1985),
desde as 2 fases descritas por Bryar (1977) até às 7 assinaladas por Zawadsky e
Lazarsfeld (1935). Além disso, tem sido criticado o facto de o modelo ser aplicado a
períodos diferentes de desemprego (Warr, 1984b) e o facto de não se mencionar a
duração de cada uma das fases descritas.28 Assim, a tentativa de explicar a mudança de
atitudes dos desempregados tendo em conta um modelo temporal pode ser visto como
insuficiente (Binns e Mars, 1984) baseado numa concepção errónea determinista do
comportamento humano que não tem em conta os significados individuais da perda de
emprego e diversidade de reacções (Estramiana, 1992).
Apresentamos reservas a tal ideia que individualiza completamente o
comportamento humano. Pensamos que a dimensão temporal de cada estádio é aspecto
que deveria merecer mais atenção dos investigadores. Ao registarem a existência de
várias fases de reacção ao desemprego, seria de todo o interesse haver uma referência à
duração de cada uma e de como reagem os desempregados que vivem diferentes
períodos de duração do desemprego. Além disso, e pese embora a possível diversidade
de atitudes de cada pessoa em particular e alguma aleatoriedade, sugere-se que é
possível encontrar regularidades e fases na reacção à ausência de emprego por parte de
grupos de desempregados.
O conjunto de ideias problematizadas no capítulo I é sintetizado no esquema da
figura 1.
28 Salvo raras excepções, como Hill (1977, 1978).
37
Trabalho Emprego
Trabalho irregular e informal
Figura 2. Esquema de problematização
Desemprego
Apresentam-se, seguidamente, de forma mais pormenorizada, os objectivos
desta investigação.
I.2. OBJECTIVOS DO ESTUDO
Este projecto propõe-se investigar e compreender sentidos do trabalho e
vivências do desemprego entre desempregados, nomeadamente, estratégias pessoais e
familiares de estruturação da vida, conquista de emprego e satisfação pessoal. Pretende-
se realizar uma análise compreensiva das representações em relação a trabalho, bem
como a compreensão de opções de vida e de organização dos tempos sociais que,
permitindo assegurar recursos materiais e simbólicos, garante a sobrevivência e a
reprodução individual e colectiva. A reflexão analítica-compreensiva decorrerá num
processo de investigação das vivências subjectivas da vida e práticas sociais.
Qualificação Social
Marginalidade Pobreza Exclusão Social
Valores sociais
Atitudes face ao emprego Expectativas de emprego
Organização do tempo Relação com o Centro de Emprego Estratégias pessoais de procura de emprego e da satisfação pessoal Fases e reacções ao desemprego
Estatuto e Papel Social (Vivências)
Desqualificação
social
Tempos Sociais
38
Parte-se de uma reflexão aprofundada, na primeira parte, sobre os conceitos de
trabalho e desemprego no Ocidente. Incluem uma revisão de contributos de investigação
sobre o desemprego, análise de estatísticas do mercado de emprego, desemprego e
envelhecimento demográfico, considerações sobre pobreza, desemprego, protecção
social e atitudes dos portugueses face ao trabalho. A análise de dados empíricos são
objectivos que constam da segunda parte e dedicam-se às práticas sociais e vivências
subjectivas no desemprego enquanto experiência pessoal e social. Constituem pois
objectivos a análise das: condições objectivas de vida dos desempregados inquiridos;
atitudes face ao emprego; valores sociais e valores em relação ao emprego; expectativas
de emprego e de futuro; impacto do desemprego; saúde; papel social de desempregado e
relação com o dispositivo público de emprego; organização do tempo; estratégias de
procura de emprego e de satisfação pessoal; fases e reacções ao desemprego.
Quais as vivências dos desempregados num contexto pessoal de ausência de
trabalho? Em que medida e de que modo os desempregados experimentam e inventam
práticas inovadoras para viver um espaço social e um tempo que lhes é permitido e
reconhecido, ao abrigo do estatuto de cidadão desempregado mas com uma conotação
negativa de identidade - pois não foi a circunstância de perder (o emprego) que gerou
uma condição destituída, o estatuto de desempregado?
Como se verá de forma mais detalhada no capítulo I da Parte Dois, combinámos
métodos quantitativos e qualitativos na pesquisa. A metodologia quantitativa
evidenciada na exploração de um inquérito por questionário a 300 inquiridos
desempregados serviu de fundo à realização e análise de 60 entrevistas aprofundadas,
10 “grupos de encontro” (focus groups) e 10 histórias de vida. Os desempregados
abrangidos na pesquisa pertencem à área da Grande Lisboa (Centros de Emprego de
Cascais, Lisboa e Sintra).
I.3. ALGUNS CONCEITOS OPERATÓRIOS PRIVILEGIADOS
Vejam-se alguns conceitos operatórios de suporte analítico, destacando os de
acção social, estratégia e habitus. Merecem ainda atenção algumas perspectivas de
análise por ventura pertinentes.
A acção humana tem sido objecto de conceptualização por diferentes
perspectivas de análise. Pode simplificar-se a abordagem, em duas tendências. Uma
corrente “determinista” e que se distingue em três ramificações: a primeira sublinha, em
39
perspectiva psicológica, o papel crucial dos factores intrínsecos ao indivíduo; a segunda,
de tendência sociológica, valoriza a determinação sociocultural do comportamento
humano; a terceira, perspectiva tecnológica, muito em voga na actualidade com o
desenvolvimento das inovações tecnológicas, atribui valor determinante à tecnologia
mais do que às organizações, práticas sociais e individuais. Embora diferentes, tais
perspectivas apresentam a mesma desvantagem: abordam a pessoa como elemento
passivo, sem autonomia no comportamento e na tomada de decisão, totalmente
dependente de condicionalismos internos e externos. Durkheim (1980) foi um dos
precursores na abordagem sociológica dos determinantes sociais da acção. Propôs uma
definição objectiva de acção social, que sublinha o carácter coercivo e exterior ao
indivíduo. Para ele, a acção social consiste em maneiras de agir, pensar e sentir,
exteriores ao indivíduo consciente e voluntário, dotadas de um poder de coerção em
virtude do qual se lhe impõem. Em retirada do determinismo social da acção, Weber
(1982) propõe a definição subjectiva. Toda a acção social, para ser considerada como
tal, tem por condição implícita, atender ao comportamento dos outros actores e às
consequências recíprocas29. Neste sentido, toda a acção social é intersubjectiva,
significativa, voluntária e consciente para os agentes, quer se trate de aceitação passiva
quer de intervenção positiva numa situação concreta.
A propósito do conceito de estratégia, Wrigley (1966: 72) colocou o problema
da distinção entre racionalidade consciente e inconsciente a propósito das estratégias
familiares, do seguinte modo: “Os actos dos homens foram sempre influenciados pela
avaliação dos seus interesses pessoais e pelas suas respostas às normas sociais (e) é
interessante estudar estratégias de formação de família como se os casais se
comportassem de acordo com esses estereótipos de pensamento e de acção”.
A própria palavra estratégia, importada do campo militar, é em si mesma
perigosa, na medida em que supõe que todos os actos e comportamentos de indivíduos e
famílias são o resultado da planificação, ponderação e decisão racionais, produzindo
uma resposta equilibrada.
Pode, assim, propor-se a ideia de racionalidade inconsciente como fio condutor
do comportamento individual e grupal, sendo certo que nem sempre as pessoas se
comportam de acordo com estereótipos de pensamento e de acção, apesar de,
frequentemente, a acção social ser influenciada pela avaliação que indivíduos e grupos
29 Weber distingue 4 tipos de acções: racionais, instrumentais (ou acções por fins), afectivas e tradicionais.
40
fazem, consciente ou inconscientemente, dos seus interesses pessoais e grupais, da
melhor forma de os atingir e da adequação às regras sociais. No fundo, a questão é saber
quais as características que levam os indivíduos, ao tomar decisões sobre as suas vidas
pessoais e familiares, a escolher caminhos separados que se conjugam para produzir o
comportamento colectivo e formar um modelo de comportamento. Por outro lado, o que
é que os padrões de comportamento colectivo nos revelam sobre os interesses e as
motivações individuais? Também Brettell (1991), a propósito da análise do fenómeno
emigratório, colocou o problema da racionalidade consciente e inconsciente e do perigo
para o investigador de atribuir decisões racionais e premeditadas a partir da
identificação de relações significativas entre variáveis. Afirma Brettell (1991:26): “a
ligação de manifestação de um determinado comportamento a uma motivação específica
deve ser estabelecida com maior cuidado e com plena consciência de todas as
alternativas que são possíveis num contexto cultural determinado”.
Assim, é bastante perigoso estabelecer relações objectivas e unívocas de
causalidade entre duas variáveis no domínio do comportamento humano. Além disso, é
frequente os investigadores sociais encontrarem contradições entre as normas de um
comportamento ideal e o comportamento real, muitas vezes expressas na diferença entre
o “dizer” e o “fazer”.
Disso mesmo nos deu conta Robert K. Merton (1965: 78), no seu ensaio clássico
sobre funções manifestas e latentes: “Não se deve partir do princípio de que as razões
que as pessoas apresentam para o seu comportamento (“agimos por razões pessoais”)
coincidem com as consequências observadas destes tipos de comportamento. A intenção
subjectiva pode coincidir com a consequência objectiva, mas pode também não
coincidir”.
A noção de habitus é referência central no presente estudo e serve de alicerce a
Bourdieu (1997) para uma teoria da acção com características diferentes da anterior.
Esse “princípio activo, irredutível às percepções passivas, de unificação e das
representações” (Bourdieu, 1997: 55) é proposto como o equivalente historicamente
constituído do “eu” kantiano, que opera a síntese do universo sensível por via da
intuição e da ligação às representações.
Veja-se a utilidade operatória do conceito de habitus, termo definido por
Bourdieu (1997) como “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que,
integrando todas as experiências passadas, funciona em cada momento como uma
matriz de percepções, de apreciações e de acções” que estruturam a conduta social de
41
indivíduos, membros de qualquer grupo ou classe social, em contextos e situações
diversificados. Para Bourdieu, a maior parte das acções humanas é sustentada por
disposições adquiridas. Diremos que não só as acções mas também as representações
emergem dessas disposições duráveis e transponíveis que fazem com que “acção” e
“representação” possam interpretar-se como orientadas para esta ou aquela direcção,
sem que seja possível estabelecer que houve previamente decisão consciente. Tal como
Bourdieu, consideramos que mesmo os processos individuais de pensamentos e de
sentimentos estão ligados a correntes dinâmicas do campo social, de onde emergem
valores, ideologias, maneiras de pensar, sentir, agir e estilos de vida.
A teorização deste conceito surge no âmbito de estudos sociológicos e o seu
valor conceptual reside no facto de introduzir na análise, entre condições exteriores e
acção, um conjunto de variáveis subjectivas, onde se incluem as experiências passadas
assim como a lógica cultural do meio de origem, que representam resposta inconsciente
às situações objectivas. Os grupos sociais transmitem valores, regras e normas de
conduta aos seus membros e asseguram a sobrevivência e continuidade enquanto grupo,
não apenas à custa de mecanismos externos; implicam o “princípio do inconsciente”,
como referiram Bourdieu e Passeron (1971), ou um conjunto de variáveis subjectivas a
que se reporta o conceito de habitus. A Família, escola, grupos sociais de pertença são
sistemas de estruturação social geradores de práticas sociais e de habitus de classe.
Como princípio gerador de práticas distintas e distintivas, o habitus é sistema de
dispositivos operatórios, relativamente permanentes e estáveis, elabora-se a partir de
processos estruturais ao longo da vida de cada indivíduo e onde a origem familiar, o
percurso escolar e o grupo de pertença constituem elementos que desempenham papel
relevante na realização da existência pessoal e de histórias colectivas diferentes. Nas
palavras de Bourdieu (1997) o habitus é esse “princípio gerador e unificador que
retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição num estilo de vida
unitário, quer dizer, um conjunto unitário de escolhas de pessoas, de bens, de práticas”.
É possível combinar-se na análise, o papel activo e dinâmico do agente social
com o peso dos factores socioculturais na acção social (Grell, 1986). A ideia é partir do
conceito de habitus de Bourdieu para o de “processos autoprodutores”. (Grell, 1986)
estudou os modos de vida dos desempregados no Québec e concluiu que, apesar da
redução de rendimentos financeiros, da alteração de tempos quotidianos ritmados pelo
trabalho, os desempregados continuam a viver a sua vida. Esta perspectiva questiona a
pré-noção de trabalho limitada ao trabalho remunerado com conteúdos, ritmos,
42
finalidades e produtos que escapam ao controlo dos trabalhadores convertendo-se no
único trabalho que permite estatuto, identidade e inserção social.
Se, por um lado, é possível considerar os desempregados como actores sociais
que operam a produção da sua existência pessoal segundo uma racionalidade consciente
e inconsciente, com factores estruturais subjacentes, por outro, o papel da incerteza, a
ausência de planificação e a ocorrência de imprevistos podem ser equacionados como
factores que permitem o surgimento de novas respostas aos problemas. Deste modo, o
desenvolvimento da acção social integra “processos auto produtores” - movimento pelo
qual uma pessoa inicia práticas e produz iniciativas, não segundo uma sucessão de
acontecimentos prováveis ordenados mas na instabilidade de uma vida. Tal perspectiva
de síntese permite ultrapassar as visões determinista e accionista para valorizar a relação
com o desenvolvimento de dispositivos operatórios “auto produtores”, com o
sublinhado que estes se apoiam sempre em processos estruturais (formação escolar e
profissional, origem familiar, meio socioeconómico e saberes práticos), constituindo-se
como recursos que os desempregados integram, consciente ou inconscientemente, na
construção da vida. Os “processos auto produtores” abrangem práticas, situações de
vida, rede de sociabilidade, encontros previstos ou imprevistos e constituem
oportunidade à adaptação e à acção. É da interdependência entre processos estruturais e
“processos auto produtores” que podem surgir novos dispositivos operatórios para a
acção social. Tais ligações interdependentes caracterizam-se por elevada complexidade.
Não se situam ao nível das práticas conscientes; daí resultam novas práticas, na medida
em que o indivíduo, enquanto ser social, consciente e inconscientemente se apropria das
mesmas e filtra os mundos sociais, organiza a sua subjectividade pessoal e
intersubjectividades no seu meio de pertença e, assim, produz a sua vida. O peso
respectivo dos processos e a maneira como eles interagem no espaço social do não
trabalho apresentam diferentes particularidades de caso para caso e podem dar origem a
percursos de vida bem diferentes. Contudo, pode encontrar-se algumas tendências de
regularidade e identificar sinais de um processo geral sociológico com diferentes
tonalidades, apesar das histórias particulares subjacentes.
Entende-se, seguindo a perspectiva weberiana, que a acção social diz respeito a
toda a actividade inter-relacional que manifesta uma atitude organizada, orientada para
um fim ou por valores, implicando alguma previsibilidade, regulação normativa, jogo de
expectativas e realizações simbólicas de objectivos. Assim, toda a acção social tem
dimensão relacional e intersubjectiva e ocorre num tempo e espaço social. A acção do
43
agente no espaço social é influenciada por variáveis como género, idade, meio
sociocultural de pertença, características individuais, características do sistema e
percepção que cada agente tem desse mesmo sistema e recursos disponíveis.
Tal perspectiva é central no eixo conceptual, valorizando a interdependência
complexa entre factores estruturais e processos “auto produtores”.
A identidade das pessoas desempregadas é vista enquanto processo, um processo
continuamente em estruturação, desestruturação e reestruturação, baseado em habitus de
classe e mecanismos “auto produtores”.
Para observar e analisar alguns aspectos da relação dos desempregados com o
dispositivo público de emprego, recorre-se à perspectiva sempre actual de Goffman
(1993) ao encarar a realidade como “encenação da vida quotidiana” e compreender o
comportamento humano nas situações a que este fica submetido no seu papel social. O
agente social ou actor social inscreve-se num contexto de representação dramática nesta
vida que é um palco onde todos viajamos em acção e interacção.
Trabalhar, estar desempregado e lidar com o desemprego constituem um
processo social dinâmico complexo onde interagem factores diversos na produção de
sentidos pessoais e sociais, tais como condições materiais de existência, regras sociais,
representações sociais do trabalho e do desemprego, mediadores micro-sociais na
relação com o mundo, de que a família é parte integrante, e mediadores macro sociais
que integram os apoios estatais.
II. CONSTRUÇÃO SOCIAL DO TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DE
UM CONCEITO
“Quem não quiser trabalhar, não tem
o direito de comer.” S. Paulo
INTRODUÇÃO
O conceito de trabalho tem variado de significado ao longo da História. Dotado
de vários sentidos, domínios e valores, justifica breve referência histórica, que permita
compreender o dinamismo, as interacções e a contínua evolução da sua realidade.
44
O Dicionário de Língua Portuguesa30define “trabalho” como o exercício de
actividade humana, manual ou intelectual, produtiva; implica esforço para que uma
tarefa seja realizada. A ascendência etimológica da palavra está no latim tripaliare, do
substantivo trepalium, latim vulgar tripaliu, aparelho de tortura composto de três paus,
ao qual eram atados os condenados. Trabalhar significava, pois, estar submetido a
tortura. Esta noção define o adjectivo “trabalhoso” como algo que dá muito trabalho e
causa muita fadiga. Saltam à vista a dimensão física que não dá conta da complexidade
socio-histórica mas também o carácter negativo do trabalho como esforço. A palavra
“trabalho”, esclarece o historiador Jacques Le Goff (1979), não existia antes do século
XI. De acordo com Godelier (1974), o significado da palavra “trabalho”, conhecido
como “obra a fazer, ou execução de uma obra”, surge somente em finais do século XV e
o significado da palavra “trabalhador” aparece em finais do século XVII.
II.1. ITINERÁRIO HISTÓRICO DE UM CONCEITO
Na Antiguidade Clássica, na Grécia em apogeu, por volta do século V A.C.,
como na Roma Imperial, podíamos considerar duas vertentes relevantes: de um lado, as
elites de prestígio com trabalho exclusivamente intelectual, artístico e especulativo31; do
outro, o comum da população com tarefas rústicas e penosas (o “trabalho braçal”) que
tinham sua maior evidência na condição de escravatura. Assim, os gregos conferiam ao
trabalho um sentido negativo considerando-o degradante e alusivo exclusivamente à
satisfação das necessidades materiais. A mitologia grega, rica em exemplos relativos às
actividades dos deuses e dos mortais32, fala das proezas dos seus Heróis (Ciclopes e
Titãs) e dos famosos “Doze Trabalhos de Hércules”. Não rareavam os casos em que o
trabalho era imposto pelos deuses como punição dos erros e transgressões dos humanos.
Os mais conhecidos referem-se a Sísifo e às Danaides. Sísifo foi condenado a empurrar
uma grande pedra até ao cume de um monte. A pedra rolava pela encosta e Sísifo era
obrigado a repetir a tarefa indefinidamente. Parece claro que o castigo residia na
30 Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora. 31 A Filosofia e a Política, actividades mais nobres, não eram consideradas trabalho (Méda, 1995: 6). 32 Na verdade os deuses mitológicos participavam das qualidades e defeitos dos mortais e com estes mantinham um intercâmbio intenso e sem constrangimentos.
45
inutilidade do trabalho feito33. Quanto às Danaides, mulheres que assassinaram seus
maridos, foram condenadas a passar o resto da vida tentando encher de água um tonel
sem fundo, tarefa também ela repetitiva e inexequível.
Todavia, e de acordo com Gil Mantas (1999), a Antiguidade Oriental evidencia
também um sentido positivo do trabalho, como na epopeia suméria de Gilgamesh, onde
se expressa “o orgulho do operário perante o resultado do seu trabalho”. Assim, para
este autor a atitude generalizada de aversão ao trabalho no Mundo Antigo “limita-se a
um mito, a que se colam perfeitamente as imagens estereotipadas de Gregos passando o
dia em discussões na ágora e de Romanos, naturalmente perdendo o tempo e perdendo-
se nos espectáculos do anfiteatro” (Mantas, 1999: 41). Citações de Catão, o Velho, e de
Virgílio são exemplos de referências romanas quanto ao valor atribuído ao trabalho e à
sua função pedagógica e prometaica pondo em causa a ideia geral de desprezo do
mesmo trabalho.34
Os romanos acreditavam no poder do trabalho; este era afinal uma forma de
acção agonística capaz de transformar o mundo: Labor omnia vincit improbus35. No
entanto, importa também salientar que não era esta a ideologia dominante, como se
infere de importantes fontes escritas. Existia também uma opinião intelectual pejorativa
quanto ao exercício de ocupações laborais. Era, em larga medida, a opinião dos
honestiores, para os quais o otium cum dignitate (de Cícero)36 representava um ideal
naturalmente contraditório a qualquer tipo de ocupação que prejudicasse a
disponibilidade de si próprio e a dignidade e gravidade consideradas apanágio das
classes altas em Roma. Este tipo de ideologia, característico do patriciado, determinou
um número muito significativo de atitudes emblemáticas por parte da franja dominante
da sociedade romana.
33 Por esse motivo, até hoje, usa-se a expressão “Trabalho de Sísifo” para designar qualquer tarefa inútil, destituída de sentido. 34 Estes exemplos contradizem o juízo generalista e estereotipado de desvalorização do trabalho pela sociedade romana: “Eu logo desde o começo gastei toda a minha adolescência na frugalidade, na dureza e no labor, trabalhando nos campos, nas rochas da Sabina, limpando-as de pedras e semeando-as” (Catão, apud Columela 11.1.26). Virgílio, no seu jeito poético escreve: “O próprio pai dos deuses não quis que fosse fácil a agricultura; foi ele o primeiro a renovar os campos com arte, aguçando aos mortais o entendimento com os cuidados, e não deixando o seu reino cair em pesado torpor. (...) Surgiram então as várias artes; tudo venceu o trabalho perseverante, e o acicate da necessidade em sua dura condição” (Virgílio, Georg., I, 121-123, 145-146). 35 Tradução: “O trabalho árduo vence todas as dificuldades” (Virgílio - Geórgica I, 145-146). 36 Tradução: “Ócio com dignidade”.
46
Não existia propriamente uma repulsa generalizada do trabalho manual, mas sim
de determinados aspectos com ele relacionados e de determinadas categorias de
trabalhadores. O desenvolvimento da escravatura, sobretudo a partir do século II a. C.,
teve bastante influência em tal atitude, cuja causa principal parece residir na ideia de
que qualquer trabalho remunerado é sinónimo de dependência e de alienação da
liberdade – o que parecia mal não era trabalhar, mas sim trabalhar para outros em troco
de pagamento (Gil Mantas,1999: 37).
Ainda a propósito do mundo romano, apraz deixar um apontamento
relativamente ao contributo dos grafitos de Conímbriga,37que permitem subentender a
existência de trabalhadores ocupados na moldagem de peças e outros na cozedura,
sugerindo uma organização de equipas, tal como noutras regiões do Império38.
No Ocidente judeo-cristão, o texto bíblico afirma a origem da Humanidade num
paraíso, logo perdido e a sobrevivência sujeita ao trabalho39, segundo afirma Deus a
Adão: “Maldita seja a terra por tua causa (…). Comerás o pão com o suor do teu
rosto”.40 Ou a imperiosa necessidade de trabalhar afirmada por S. Paulo: “quem não
quiser trabalhar não tem direito de comer”41. Mesmo se noutros pontos o não trabalho
ganha primazia aos olhos de Deus: “Olhai como crescem os lírios do campo! Não
trabalham nem fiam. (...) Não vos inquieteis portanto com o dia de amanhã, pois o dia
de amanhã já terá as suas preocupações. Bem basta a cada dia o seu trabalho”42. Na 1ª
Epístola aos Coríntios de S. Paulo, como na Cidade de Deus de Santo Agostinho, surge
de forma clara a defesa do trabalho como valor humano. S. Bento tem como lema da sua
regra Ora et labora (reza e trabalha). Gradualmente, muitas actividades foram sendo
reconhecidas de mérito e o interesse da comunidade tornou-se critério.
O Cristianismo, apesar de suas raízes e da ampla difusão, principalmente, a
partir de fins de século II entre as populações urbanas, não conseguiu alterar
37 A organização do trabalho e as médias de produção estabelecidas para cada dia de trabalho, variavam de acordo com o tipo de peças a produzir e com as suas dimensões. 38 Testemunhos do exercício de profissões no território português durante o domínio romano permitem desvendar a origem de algumas profissões ainda vigentes nos nossos tempos introduzidas ou desenvolvidas no domínio romano ligadas a actividades urbanas, rurais (incluindo a exploração de minas e de pedreiras), actividades marítimas e actividades administrativas, existindo, por exemplo registos de amas, barbeiros, sapateiros, estucadores, lenhadores, canteiros, oleiros, etc. Conforme Gil Mantas, 1999: pp. 61-62. 39 De acordo com a visão religiosa ocidental, a preguiça é um dos sete pecados capitais. Ao perderem o paraíso, Adão e Eva são condenados por Deus a um penoso castigo: o trabalho. 40 Gen, III-17 e 19. 41 2ª Epístola aos Tes, III, 10. 42 Mat, VI, 25, 26, 28, 34.
47
positivamente a condição dos trabalhadores. No entanto, é indiscutível o seu contributo,
tal como virá a ser o do Socialismo na época moderna, para idealizar e promover o
trabalho, considerado por S. Lucas uma bênção de Deus e, por S. Paulo, obrigatório
modo de vida43.
Mesmo os textos bíblicos expressam a dualidade dos sentidos positivos e
negativos do trabalho44. O trabalho é anterior ao pecado. De facto, o Génesis antecipa
ao sinal do trabalho humano como castigo por desobediência divina, a ideia de que
Deus trabalhou para criar o Mundo e ao sétimo dia descansou45. O espaço-tempo de não
trabalho depois da obra realizada com resultados satisfatórios ou gratificantes assinala,
desde logo, a importância do equilíbrio entre trabalho e não trabalho nas sociedades
humanas a partir do direito divino ao trabalho e ao ócio. Deus é apresentado como
trabalhador, oleiro que modela o homem a partir do pó da terra, homem que será o
jardineiro do jardim do Éden46. Paulo orgulha-se do trabalho das suas mãos (Act
XVIII,3; XX,34; I Cor IV,12) e além disso, o preguiçoso é criticado (Prov XIII,4;
XXI,245; XVI,26; Tes III,10). Também Jesus é trabalhador e filho de carpinteiro (Mc
VI, 3; Mt XIII, 35).
Assim, nos textos históricos abundam sentidos do trabalho de sinais contrários
que se opõem ou complementam ao longo da História e segundo a evolução
socioeconómica, a que Coelho (1999: 76), a propósito da Época Medieval, adjectiva de
“amálgama ideológica”, “justificações para o elogio e o desprezo do trabalho” e,
sobremaneira, para a valorização ou desvalorização de certas profissões. Na Idade
Média Europeia, o elemento espiritual dominava os aspectos económicos (Kelly, 2000),
não obstante a doutrina cristã próxima do povo, relativa à dignidade do trabalho, central
à valorização do homem.
É a Reforma de Lutero que sublinha o investimento do trabalho humano como
valor nobre e espiritual enquanto vontade de Deus. O trabalho não é visto ainda como
43 “Ora nós temos ouvido dizer que há entre vós pessoas desregradas, as quais, em lugar de trabalharem, se ocupam com futilidades. A estas ordenamos e exortamos em nome do Senhor Jesus Cristo, a que trabalhem pacificamente, para comerem assim o pão que eles mesmos tiverem ganho”, Paulo, 2ª Tes, III,10-13. 44 Mantas (1999: 31) propõe o trabalho no Génesis não apenas como castigo infligido ao Homem mas também como possibilidade de redenção e satisfação (Gén, 4,22). 45 Deus aparece também como trabalhador em outras passagens (Gén II, 7, 18 e 19; SI VIII, 4; Jo V,17; VI,28). 46 “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida e o homem transformou-se num ser vivo (...). O Senhor levou o homem e colocou-o no jardim do Éden para o cultivar e, também para o guardar” (Gén, 2, 19).
48
meio de realização pessoal. De facto, a doutrina luterana no plano social, ligava-se ao
status quo e desconfiava do enriquecimento pelo trabalho47. Neste contexto, caberá ao
Calvinismo desempenhar um papel de relevo no “processo de destruição criadora do
Cristianismo para dar lugar a uma ideologia do trabalho de grande alcance. O trabalho
lucrativo ganhou peso na existência humana e a doutrina da predestinação permitia uma
afirmação de si como parte dos eleitos por via do enriquecimento que não só passou a
ser aceite mas também enobrecido. Quanto maior o sucesso na actividade maior a prova
de se pertencer aos eleitos de Deus (Weber, 1981; Fanfani, 2002; Kelly, 2000).
O movimento filosófico do Iluminismo sublinhava o papel da razão e das
instituições religiosas. Como refere Fanfani (2002) “o ideal racionalista levou à
aspiração de transformar todo o Estado numa república democrática onde o comércio
fosse Deus”.
O século das Luzes valoriza a importância do indivíduo e, com Adam Smith,
progride a “secularização do trabalho, factor de produção, na máquina industrial”
(Kelly, 2000: 8). O trabalho, enquanto actividade humana, não serve apenas o
enriquecimento individual mas adquire, historicamente, características positivas por
oposição à inactividade, o que permite classificar os cidadãos de virtuosos se trabalham
versus preguiçosos se não o fazem48.
Lembremos também o individualismo defendido por Hobbes em Inglaterra, e
como John Locke propunha o direito a um credo individual ou ainda a teoria cartesiana
mecanicista, com primado do racional. Seguem-se a aritmética política de William Petty
e o materialismo económico de Adam Smith. Neste processo sócio-histórico de
evolução das ideias, desenvolvimento dos Estados e das economias, o trabalho
secularizou-se completamente, enquanto factor de produção conjugado com a máquina
industrial. O trabalho ganha socialmente um sinal positivo, enquanto a inactividade é
cunhada negativamente, cabendo à sociedade o seu controlo. Assim, a disciplina social
obrigava os pobres a fornecer o seu trabalho-mercadoria às fábricas, enquanto muitos
ricos se poderiam dedicar a uma vida de folgança (Bauman, 1998) 49.
47 « Le travail, dans la société traditionnelle, devait assurer le salut des âmes » (Kelly, 2000 : 7). 48 “A ética do trabalho foi transformada num instrumento de disciplina social que condenava as camadas pobres a fornecer o seu trabalho, como uma mercadoria nas sinistras oficinas do sistema industrial. Esta ética tornou-se uma arma de humilhação dos pobres” (Kelly, 2000: 8; ver também Bauman, 1998). 49 Mas “a busca do enriquecimento pessoal era um dever moral, embora dissociado pouco a pouco de qualquer fim público ou ético. Na era industrial, o trabalho era um meio de enriquecimento. A ideia de ganhar dinheiro era aceite como uma preocupação da civilização ocidental” (Kelly, 2000: 8).
49
Na sua evolução, a ideia de trabalho passa a combinar, ao mesmo tempo, a
possibilidade de meio económico e de fim espiritual. O projecto teocrático de Calvino
encontrou eco junto da burguesia, classe empreendedora ocupada de coisas úteis e
interessada em agir por si mesma, representante do individualismo que retirou,
progressivamente, à conduta económica os elementos religiosos e éticos originais.
Com o idealismo alemão de Hegel o trabalho é reconhecido como essência da
existência humana e um laço com o Espírito universal. Sublinhando a dimensão
colectiva, antecipa na evolução histórica o trabalho alegre e autónomo. Vem o
determinismo histórico retomado por Marx e que evolui para a construção de um
modelo dialéctico onde o primado é dado às forças económicas, sendo atribuída à noção
de trabalho uma dimensão prática e política. Para Marx o trabalho é uma função
humana fundamental que em si mesma é factor de enriquecimento. Mas na sociedade
capitalista essa dimensão utópica está condenada pela alienação que leva à escravidão
assalariada (Méda, 1995).
Weber (1981) anunciou a afirmação do individualismo no Protestantismo e a sua
relação com o desenvolvimento do espírito capitalista ao demonstrar que a ética
protestante continha valores úteis ao crescimento do individualismo e de uma atitude
activa na relação com o Mundo, de que beneficiou a configuração de espírito da
burguesia empresarial. Constituem factores relevantes o ascetismo mundano centrado
numa visão do trabalho como vocação, o controlo das paixões, a parcimónia, o auto-
sacrifício e a responsabilidade em relação aos outros. Segundo Weber, o êxito da
actividade económica evidenciado pelo aumento e acumulação de riqueza assume, com
o Protestantismo, valor de uma confirmação divina. Na perspectiva weberiana, a
construção do processo de secularização que ocorre nas diferentes vias do
Protestantismo foi perdendo de forma gradual o vínculo ascético-religioso a par da
crescente autonomia e afirmação da racionalidade instrumental nas sociedades de
capitalismo desenvolvido.
Assim, ganhar dinheiro passou a ser aceite como uma preocupação central da
civilização industrial ocidental. A noção de trabalho como meio de enriquecimento
afastava-se progressivamente de fins públicos e éticos e ganhava contornos de uma
“ideologia de avidez” (Kelly, 2000: 8). Com a emergência da sociedade industrial, foi
dado um novo papel e sentido ao trabalho: “O trabalho, no mundo industrial, perdia o
50
seu carácter de ideal como perdia a sua sanção ética” (Kelly, 2000: 9). O emprego
tornou-se um critério de repartição da prosperidade nacional e de exercício de deveres
públicos.
No desenrolar da história da Humanidade, o trabalho foi passando de uma
posição em que os seus agentes eram discriminados e humilhados no contexto social,
para uma posição em que passou a ser dignificado e valorizado na nova sociedade,
ferramenta necessária para o progresso. O seu agente, o trabalhador, esteve sujeito ao
mesmo processo de reconstrução de significação da sua posição social, bem
exemplificada na polémica semântica de termos como “operário” e “trabalhador”,
valorizado conforme os interesses de grupos50.
Como todos os fenómenos humanos, as perspectivas do trabalho podem ser
diversas nas suas múltiplas representações, percepções e atitudes, objectiva e
subjectivamente referenciadas por diferentes grupos de pertença social e em diferentes
complexos histórico-geográficos.
II.2. O TRABALHO NO MUNDO INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL
Introdução
Profundas mudanças ocorreram com a predominância das actividades industriais
sobre o trabalho rural e artesanal. A invenção da máquina a vapor, de novas ferramentas
de trabalho e a criação de equipamentos para a indústria têxtil tornaram possível a
evolução de um novo sistema de trabalho.
A Revolução Industrial proporcionou um fenómeno de alterações ideológicas,
económicas e sociais que transformaram uma sociedade quase exclusivamente agrária
50 Em 1890, a cidade de Pelotas (Brasil) assistiu a uma polémica entre dois jornais sobre o significado da data do 1º de Maio, reveladora de disputa pelo conteúdo da palavra “operário” e formas de presença política na sociedade. O jornal Correio Mercantil, ao comentar a primeira comemoração na Europa, chamou ao 1º de Maio a “festa do proletariado universal” e foi contestado pelo jornal A Opinião Pública. Segundo o Correio Mercantil, operário e proletário eram iguais, com a diferença que proletário era aquele que vivia do emprego mal remunerado. Já o A Opinião Pública considerava que proletário é aquele que só contribui com sua prole para o Estado, enquanto o operário é quem produz. O proletário viveria de biscates, expedientes ilegais ou da caridade pública; o operário trabalhava. E concluía: "a festa do 1º de Maio, não foi dos proletários do frei Thomaz (editor do jornal adversário), mas sim dos operários, quer dizer, de todas as classes trabalhadoras ". Ver LONER, Beatriz: “Trabalhadores e cidadania: a recusa da segregação”, in VI Encontro Estadual de História. Passo Fundo, Julho de 2002.
51
numa verdadeira sociedade industrial e urbana. O predomínio das máquinas, a
intensificação do comércio, o trabalho agora operário e não mais artesanal, além de
outros factores, fizeram da Revolução Industrial um marco histórico singular e
profundamente marcante na história do trabalho.
Na agricultura, entre 1760 e 1820, os enclosers iniciados no século XVI
intensificaram-se, os direitos à terra comunal foram perdidos e o povo ficou submetido
à exploração do trabalho e à opressão. Os camponeses pobres, privados das suas terras –
transformadas em pastagens – acorriam, aos milhares, às cidades, na busca de um
trabalho que lhes mitigasse a fome. Forçados a vender a força dos seus braços aos donos
das fábricas que se erguiam aqui e além, foi assim que se viram, de um momento para o
outro, transformados de trabalhadores autónomos e independentes em servidores dos
donos do capital. De camponeses passaram a operários.
A Revolução Industrial trouxe consigo a intensidade da exploração da mão-de-
obra; o tempo começou a ser controlado por industriais. O trabalhador perdeu o saber e
o controle do ciclo global do produto ao ocupar-se nas indústrias; viu-se expropriado do
seu saber. Também as relações entre patrões e operários se tornaram cada vez mais
duras e menos pessoais.
Os ventos da novidade e do progresso alastravam pela Europa, e buscavam
novas invenções que se adequassem ao ritmo ligeiro do quotidiano. O tempo, outrora
marcado pelo ciclo do sol e cantado pelos relógios das catedrais, é medido com rigor e
segmentado em parcelas cada vez mais curtas que o taylorismo e a organização
científica do trabalho criteriosamente escalpelizam para evitar desperdícios de gestos,
tempo e dinheiro. O tempo tornou-se bem valioso para aqueles que almejavam ganhar
dinheiro como assinala a expressão “time is money”. Cada minuto requeria
aproveitamento urgente. Nas fábricas, os trabalhadores eram amestrados no ritmo da
máquina.
II. 2.1. Operariado, associativismo operário e capitalismo industrial
Diferentemente do artífice tradicional, o operário perdia o controlo do processo
de trabalho e a ligação ao produto final. Incluído na linha de produção, deixa de
acompanhar o circuito produtivo desde o início até ao fim, para somente intervir em
determinada fase, local e numa tarefa específica, generalizando-se, assim, a divisão do
52
trabalho. Com a substituição do homem pela máquina irromperam lutas “anti-máquina”
um pouco por todo o lado. Muitos trabalhadores reagiam contra a introdução da
máquina, mas faziam-no não só em defesa dos seus empregos, como também contra a
perda de controlo dos seus ofícios, o que, além de afectar as suas condições económicas
se traduzia, em última análise, numa efectiva perda de poder e de prestígio
socioprofissional (Mendes, 1999).
Não obstante o peso das questões de princípio, inicialmente terão sido sobretudo
necessidades, tanto das famílias como das empresas, que terão levado à progressiva
entrada de mulheres e crianças nas fábricas. O recurso a esta mão-de-obra existia já
desde o Antigo Regime na actividade agrícola, no artesanato e na indústria caseira. As
crianças trabalhavam nas minas, eram ajudantes de cozinha, operadoras de portinholas
de ventilação ou nas fábricas51. Era mão-de-obra barata, eficiente e, também, menos
reivindicativa. O trabalho da mulher, fora do lar, suscitava opiniões diversas, originando
uma polémica que haveria de perdurar até aos dias recentes.
A Revolução Industrial foi cenário das inúmeras transformações desencadeando
um surto de produtividade sem precedentes e abrindo alas à inovação e ao progresso
tecnológico, mas deixou milhões na miséria. Com os operários germinava a semente do
que viria a ser o Capitalismo Industrial.
Ao longo do tempo o capitalismo industrial foi revelando imperfeições e
injustiças. Além das circunstâncias mencionadas, a concentração do capital em poder de
reduzido número de pessoas, a ausência de direitos em favor do trabalho, a falta de
motivação dos que passaram a “vender-se” sem participação integral no processo
produtivo, o crescimento desordenado das cidades com de bairros miseráveis, foram
condições que provocaram forte reacção por parte de grandes pensadores do tempo.
Eram escritores inspirados no Iluminismo, defensores do chamado socialismo utópico,
permitindo o despontar das ideias de Karl Marx, para quem, a economia era o facto
gerador de todos os acontecimentos históricos.
Segundo Marx (1970), todo o trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana
de trabalho, no sentido fisiológico, e, no seu carácter abstracto, cria o valor das
mercadorias. Por outro, todo o trabalho é ainda consumo de força humana para um
51 “O trabalho infantil não era novidade. A criança era parte intrínseca da economia industrial e agrícola mesmo antes de 1780 e como tal permaneceu até ser resgatada pela escola.” THOMPSON, E. P. (1989), A formação da classe operária, Vol. 1, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
53
determinado fim e, nessa qualidade, produz valores de uso. Podemos então confinar o
trabalho em duas dimensões: a primeira, abstracta, refere-se ao trabalho que cria valores
de troca - é o trabalho fetichizado; a segunda, concreta, refere-se ao trabalho que cria
valores de uso, valores socialmente úteis - é o trabalho com sentido.
Ao realizar o trabalho produtivo, o indivíduo vende a sua força por um salário ao
ao proprietário dos instrumentos de produção. Assim a força de trabalho vendida será
embutida no capital sob a forma de capital variável, de modo a que, por meio do
processo de produção, valorize o capital inicial e seja incrementado na mais-valia52,
aumentando a jornada de trabalho além do que o trabalhador precisa para sobreviver.
A mais-valia parece ser uma simples consequência do processo, mas é muito
mais: é o motor de todo o processo. É meio pelo qual a burguesia acumula capital,
através da exploração do trabalho. Marx elucida que para transformar dinheiro em
capital, o possuidor do dinheiro tem de encontrar o trabalhador livre no mercado de
mercadorias, livre nos dois sentidos, o de dispor como pessoa livre de usar a força de
trabalho como sua mercadoria, e o de estar livre, inteiramente despojado de todas as
coisas necessárias à materialização de sua força de trabalho, não tendo além desta, outra
mercadoria para vender (Marx, 1970: 189).
As relações conflituosas entre capital e trabalho reflectiram de forma marcante a
sociedade e o indivíduo. Consequentemente, era inevitável a luta de classes e tornava-se
urgente a necessidade de valorizar o trabalho e os trabalhadores.
Em 1867, no 1º volume do Capital, Marx afirmava que os patrões se esforçavam
continuamente por reduzir o custo do trabalho e gerir os meios de produção substituindo
trabalhadores por equipamentos. Os capitalistas tiram proveito não só de uma cada vez
mais alta produtividade, custos reduzidos e melhor controlo do posto de trabalho, mas
também da criação de uma imensa reserva de trabalhadores sem emprego, cuja força de
trabalho se mantém imediatamente disponível à exploração. Marx profetizava que a
automação crescente da produção acabaria por eliminar em absoluto o trabalhador.
Evocou, de forma visionária, a última metamorfose do trabalho quando os humanos
fossem substituídos por máquinas automáticas. Previu a evolução de máquinas cada vez
52 A mais-valia pode ser absoluta ou relativa. A mais-valia absoluta consiste no aumento da jornada de trabalho. A mais-valia relativa consiste na diminuição do tempo gasto para a execução do trabalho.
54
mais sofisticadas e que substituiriam o trabalho humano, afirmando que cada novo
avanço tecnológico altera as capacidades do trabalhador em operações mecânicas53.
Todavia, para Marx o processo de substituição do trabalho humano por
máquinas, no limite, levaria ao fracasso, pois ao criar uma reserva de trabalhadores sem
emprego e uma baixa crescente dos salários, haveria cada vez menos consumidores e
cada vez menor poder de compra para animar o mercado.
Mesmo economistas ortodoxos, como John Bates Clark (1907), fundador da
Associação Americana de Economia e William Leiserson (1919) estão, em parte, de
acordo com Marx quanto aos ganhos de produtividade e à ideia de substituição de seres
humanos por máquinas como causas da criação de uma reserva sem emprego. Contudo,
consideravam as mutações tecnológicas um mal necessário para a prosperidade
económica global. As novas indústrias utilizariam, por sua vez, mais mão-de-obra. Os
recursos daí resultantes seriam reinvestidos em novas tecnologias redutoras de emprego
que, uma vez mais substituiriam o homem, reduziriam os custos unitários e
aumentariam as vendas criando um círculo crescente, perpétuo, de crescimento
económico e prosperidade. O desemprego constitui, nesta perspectiva, uma reserva
natural de mão-de-obra54.
No Japão do “familismo social” a harmonia dos objectivos individuais e
colectivos produziu uma ética de sacrifício e de esforço no seio do grupo e de
concorrência entre grupos (Kubota, 1983; Sampson, 1989); apresenta algumas
semelhanças com a civilização do trabalho na sociedade ocidental, que não é uniforme
mas marcada por heranças culturais diversas. O capitalismo anglo-saxónico não é igual
ao do centro-europeu e, mesmo na Europa, autores como Milner, referido por Kelly
(2009: 10), assinalam diferentes traços significativos: a Alemanha com estruturas e
ideias corporativas, a França onde domina o elitismo da hierarquia, a Itália com
estruturas e relações feudais / paternalistas, a Suécia com individualismo equilibrado
pela preocupação social numa economia de empresa aberta ao exterior. Contudo, a
53 “(…)Transforma (...) as tarefas do trabalhador em operações mecânicas, de modo que a certo momento o pode substituir. Vemos, directamente, como uma forma particular de trabalho é transferida do trabalhador para o capital sob a forma de máquina, e como a sua própria força de trabalho é desvalorizada em consequência desta transposição. Daí a luta do trabalhador contra o maquinismo. O que até aí resultava da actividade laboriosa do trabalhador sai da máquina” (1996: 38 cit. por David Mclellan,1997). 54 “Haverá sempre uma reserva de trabalhadores sem emprego e não é possível nem normal que ela seja totalmente suprimida. O bem-estar dos operários impõe que o progresso continue e que não se consiga atingir este resultado sem provocar movimentos provisórios de mão-de-obra” (J.B. Clark, 1907: 452).
55
industrialização e o correlativo sistema de sociedades industriais ou comerciais
sustentadas na expansão tecnológica tendem a apagar as especificidades locais e a
permitir designar os países desenvolvidos como um conjunto que entra na era pós-
industrial.
Curiosamente, na actualidade, a economia do capitalismo avançado vive
circunstâncias bem semelhantes às referidas no passado.
II.2.2. Trabalho na modernidade e pós-modernidade
Giddens (2000, citado por Biehl e Appel-Silva, 2006) comenta que, em todos os
tempos, os sujeitos tiveram a percepção dos riscos a que estavam expostos,
principalmente, perante fenómenos da natureza. Mas, na pós-modernidade, surgiu o
risco “intencionado”. O medo é adoptado como estratégia com consequências positivas
para os resultados das empresas, e a noção de risco torna-se presente no quotidiano do
trabalho ao generalizar-se entre dirigentes empresarias a noção de que as pessoas são
facilmente substituíveis. O risco do fracasso, sem a possibilidade de controlo sobre as
condições envolvidas, é factor que pode funcionar como coerção interna.
Modernamente, o trabalhador, ao interiorizar os objectivos empresariais em
detrimento dos objectivos pessoais, adquire uma “existência inautêntica”. Passou a agir
em função de objectivos não seus, mas hétero-determinados pelo poder empresarial, o
que lhes traz conflitos, sofrimento e cisão nos conteúdos psíquicos, em processo
alienante. Deste modo, a alienação do trabalhador vem sendo sedimentada por uma
consciência que, ao formar-se, acaba por anular aspectos do contexto, por cisão e
negação de conteúdos psíquicos.
Mas novos tipos de alienação surgiram na pós-modernidade (Antunes, 2000
citado por Biehl e Appel-Silva, 2006). Richard Sennett (1998), em pesquisas sobre o
trabalho flexível, encontrou como forma de alienação uma relativa indiferença por parte
dos sujeitos em relação ao trabalho, uma falta de vínculo com as tarefas desenvolvidas e
um compromisso parcial em relação aos resultados alcançados. A consciência
apresentava-se fragmentada e a compreensão simplificada, visto que os pensamentos
não se associavam a ponto de encontrar um sentido complexo e analítico ao contexto
“trabalho”.
56
A crise de fins dos anos 60 e princípios de 70 - que na verdade era expressão de
uma crise estrutural - fez com que, entre tantas outras consequências, o mundo
produtivo implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando a
recuperação do ciclo de expansão e, ao mesmo tempo, recompondo o seu projecto de
domínio social, abalado pela confrontação anterior, contestatária de alguns pilares da
sociabilidade do capital e de seus mecanismos de controlo social.
A reestruturação produtiva teve início no Japão, no grupo Toyota, sendo por isso
denominada de “toyotismo”. Tal modelo ganhou terreno e alastrou pelo Mundo inteiro.
Com ele, uma nova forma de organização industrial e de relação entre capital e trabalho
emerge das cinzas do taylorismo/fordismo.
Este movimento surge como resposta à crise do sistema capitalista: declínio nas
taxas de lucro; esgotamento do modelo taylorista/fordista que levara a grande excedente
de produção; avanço do capital especulativo que tirava capital da esfera produtiva;
concentração dos monopólios e oligopólios; e crise do Estado de bem-estar social com
crise fiscal do Estado capitalista (Antunes, 1999).
Aproveitando a experiência do fordismo, o novo modelo de produção tem como
objectivo solucionar problemas que teriam levado a uma crise estrutural. Inicia-se um
processo de reorganização do capital, tanto do ponto de vista das forças produtivas,
quanto do ponto de vista político e ideológico. Mas, naturalmente, a implantação do
“toyotismo” no Ocidente teria de adaptar-se às singularidades e particularidades de cada
contexto nacional no que diz respeito às condições económicas, sociais, políticas e
ideológicas. Para controlar as condições de implantação deste novo modelo, emerge o
neoliberalismo (ou políticas da sua influência), com a privatização do Estado, a
desregulamentação dos direitos do trabalho e a falência do sector público estatal.
Posteriormente, ocorre intenso processo de reestruturação da produção e do
trabalho e dá origem ao modelo flexível de produção no intuito de recuperar o ciclo
reprodutivo do capital. Estas mudanças previam: desconcentração da produção;
flexibilização dos direitos dos trabalhadores; avanço tecnológico, com desemprego
estrutural; trabalho polivalente; produção de mercadorias ligada à procura do mercado;
“círculos de qualidade” (CCQs); destruição do sindicalismo de classe e sua conversão
em sindicalismo dócil (ou mesmo “sindicalismo de empresa”), entre outras, (Antunes,
1999).
57
Ainda sobre as características dos Estados neoliberais, Toledo (citado por
Antunes, 1999) afirma que a desigualdade é tida como necessária para impulsionar a
liberdade e o empreendimento do mercado. O conceito de liberdade ligado a uma
conduta individual é pano de fundo para justificar políticas de desregulamentação
estatal e privatização. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva avançam nos países
dependentes do capital externo, como é o caso de Portugal desde Junho de 2011, através
dos ajustes impostos pelos organismos financeiros, como Fundo Monetário
Internacional – FMI – e Banco Mundial. Uma das fases do reajuste dá-se com redução
do emprego no sector público e grandes cortes financeiros nos programas de carácter
social.
A flexibilização dos trabalhadores ocorre com a redução do contingente
necessário ao processo produtivo55, reduzindo, por conseguinte, os gastos com a força
de trabalho. Um único indivíduo passa a realizar várias tarefas - é o trabalho polivalente.
Enquanto no apogeu do taylorismo/fordismo o vigor de uma empresa era medido pelo
número de operários que nela laboravam, na era da acumulação flexível e da "empresa
magra", o sinal de robustez é colocado nas empresas que dispõem de menor contingente
de força de trabalho e que, apesar disso, têm maiores índices de produtividade. Além
disso, a flexibilidade e a polivalência dos operários atinge progressivamente outros
grupos profissionais, nomeadamente os quadros qualificados. Por outro lado, a
produção é incrementada a partir de horas extraordinárias, trabalhadores temporários ou
subcontratados. Agudizada pelo incremento da robótica e da micro-electrónica, que
substitui o “trabalho vivo” de homem pelo “trabalho morto” de máquina, a
flexibilização acarreta desemprego estrutural e subproletarização expressa no trabalho
precário, parcial, temporário, subcontratado, entre outros. Grande contingente de
trabalhadores passa a ter flexibilidade de emprego e de salário, enquanto se instala a
desregulamentação das condições de trabalho e dos direitos laborais e sociais.
55 Como mostrou o clássico depoimento de Satochi Kamata, a racionalização da Toyota Motor Company, empreendida no seu processo de constituição, "não é tanto para economizar trabalho mas, mais directamente, para eliminar trabalhadores. Por exemplo, se 33% de 'movimentos desperdiçados' são eliminados em três trabalhadores, um deles torna-se desnecessário. A história da racionalização da Toyota é a história da redução de trabalhadores e esse é o segredo de como a Toyota mostra que sem aumentar trabalhadores, alcança surpreendente aumento na sua produção. Todo o tempo livre durante as horas de trabalho tem sido retirado dos trabalhadores da linha de montagem, sendo considerado desperdício. Todo o seu tempo, até ao último segundo, é dedicado à produção" (Kamata, 1982:199 citado por Antunes, 2000: 5).
58
Engendrada a sociedade de consumo, o fortalecimento de valores consumistas
estimulados por estratégias publicitárias constitui uma das formas de sustentação da
produção e competição capitalistas. Ao trabalhador-consumidor são feitos apelos para
consumir, numa corrida à aquisição de bens, produtos de curta duração. Sem consumo
não há produção, sem produção não há emprego. A discussão sobre consumismo abre
debate sobre o limite entre trabalho como meio de suprir as necessidades básicas e a
aquisição de produtos e bens de serviços para além destas necessidades.
O novo capitalismo afecta também o carácter pessoal dos indivíduos,
principalmente porque não oferece condições à construção de uma narrativa linear de
vida, sustentada na experiência (Sennett, 1998).
Palavras como “risco” e “desafio” passam a fazer parte da vida da nova classe
trabalhadora. Sennett (1998) demonstra como o trabalhador fordista, apesar de ter o seu
trabalho burocratizado e rotinizado, consegue construir uma história cumulativa baseada
no uso disciplinado do tempo com expectativas a longo prazo. Já para o trabalhador
flexibilizado, as relações de trabalho, os laços de afinidade com os outros não se
processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de
mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de
conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família.
Além da flexibilidade, uma nova organização do tempo perpassa por estes
sistemas de poder – o curto prazo. Vivemos numa sociedade impaciente concentrada no
momento imediato. O curto prazo substituiu o longo prazo como forma hegemónica de
organização do tempo. Quase não existe mais espaço para a vivência de um tempo
linear, previsível, onde a conquista é cumulativa, onde é possível adiar projectos em
prol de um objectivo maior. No seu lugar aparecem os empregos temporários e os
contratos de curto prazo. Estamos sempre a recomeçar56.
A flexibilidade do tempo requer flexibilização também do carácter identificada
por ausência de apego temporal a longo prazo, tolerância com a fragmentação e
desvinculação emocional. Por tal razão, Sennett (1998) argumenta que o trabalho
flexível leva a um processo de degradação dos trabalhadores, pois com a introdução de
novas tecnologias organizacionais o trabalho tornou-se fácil, superficial e ilegível.
56 Sennett (1998: 35) constata: “Hoje, um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no decurso da vida de trabalho, e mudar a sua base técnica pelo menos três vezes durante esses quarenta anos de trabalho”.
59
Visualizando outra forma de organização social do homem, Antunes (2000)
coloca a premência da busca de uma sociedade onde o trabalho esteja ao serviço da
satisfação das precisões humanas, resgatando a sua essência; que o trabalho se limite ao
tempo necessário para produzir valores-de-uso e não ao tempo excedente, produtor de
valores-de-troca e mais-valia; que o trabalho por isso seja autónomo e livre, de modo
que o homem não esteja alienado do processo produtivo e da apropriação do seu
produto. A consequência de um trabalho livre e autónomo é reflectida na “esfera livre e
autónoma da vida fora do trabalho”(Antunes, 2000). Influenciados pela sociedade
actual, resta-nos saber se queremos e podemos mudar de rumo.
Em síntese, o mundo do trabalho tem caminhado num trilho de profundas
transformações a grande velocidade: recentes modificações se iniciaram e já novas
pressões se fazem sentir, conjugando mudanças, modas e conceitos renovados. O ritmo
acelerado das mudanças na economia impõe plasticidade às organizações e às pessoas,
em evolução aparentemente linear e dispensa trabalhadores.
III. DESEMPREGO: GÉNESE, CONTORNOS E VIVÊNCIAS
“Aos sem trabalho o que resta?
Uma sílaba – é a dor. Tra-ba-lha-DOR!
ba-lha-DOR! lha-DOR!
DOR!”
António Leitão
INTRODUÇÃO
A análise histórica da “invenção” do desemprego permite perceber que as
fronteiras entre emprego, desemprego e inactividade não foram sempre claras, pelo
contrário: surgem como categorias socialmente constituídas que, portanto, revelam
concepções e representações das relações dos homens com o trabalho.
A categoria “desemprego” é relativamente recente; consequência da sociedade
que se foi erigindo ao longo de séculos: construção histórica da organização social cujos
momentos principais foram o fim do século XIX início do XX e anos 1930. Melhor
60
compreensão da génese da categoria “desemprego” pode advir ao recuperar as
formulações da “Questão Social”57 que a precederam. Não se circunscrevendo apenas à
existência de pobreza, a “Questão Social” afirma-se quando os problemas sociais são
causados pelo próprio sistema social e põem em perigo o seu funcionamento e coesão58.
É possível diferenciar, nas sociedades ocidentais europeias, duas problematizações
distintas para a “Questão Social” que precedem a construção do desemprego enquanto
categoria descritora do social. A primeira, entre o século XIV e fins do século XVIII,
diz respeito à pobreza das sociedades pré-industriais. A segunda, no século XIX, é a do
pauperismo das grandes massas proletárias com a industrialização.
Recue-se então até ao pobre na sociedade a partir de fins da Idade Média.
III.1. GÉNESE DO CONCEITO
Após as perturbações causadas pela Peste Negra (século XIV) a miséria e a
pobreza alastram de uma forma sem precedentes. Considerada séria ameaça à ordem
social tradicional, a pobreza leva à emergência da “Questão Social” (Gautié, 1998).
Himmelfarb (1988) sugere que, até ao século XVI, a concepção de pobreza era
fortemente marcada pelo pensamento religioso. Assim, a pobreza era vista ou como
bênção que se desejava com devoção ou como desgraça que deveria ser piedosamente
suportada. Tais tipos de pobreza eram personificados pelas figuras do pobre santo e do
pobre ímpio. Aos não pobres cabia o dever sagrado da caridade.
Embora essa concepção de pobreza não tenha perdido toda a fundamentação
religiosa, ela foi paulatinamente deixando de ser pensada a partir de idealizações do
pobre, ou seja, de um carácter enobrecedor. A partir do século XVI, com a secularização
progressiva da concepção de pobreza, vai emergindo uma dificuldade: distinguir os
verdadeiros dos falsos pobres. Só os primeiros deveriam ser amparados.
57 A expressão “Questão social” surge no final do século XIX para identificar as disfunções sociais vinculadas à sociedade industrial. Pode ampliar-se o seu uso no espaço e no tempo para designar o colocar em perigo a coesão social. Assim e segundo a fórmula de Castel, “a questão social é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco da sua fractura” (1995: 18). 58 Segundo Gautié (1998), as formulações da “Questão social” referem-se a “representações e modalidades de acção da sociedade sobre si mesma”.
61
A dicotomia “bom pobre”/“mau pobre” justifica tratamentos específicos. “Bom
pobre” referia-se a inválidos, crianças e velhos – os incapazes de trabalhar. Apenas o
“bom pobre” era merecedor da caridade cristã. “Mau pobre” era o pobre válido; podia e
deveria trabalhar, mas preferia viver de ajudas; haveriam de pagar pela sua frugalidade,
conforme a “Poor Law” (Lei dos Pobres) criada a partir de 1601 em Inglaterra59. Em
França, a segunda metade do século XVII marca o início do “grande enclausuramento”,
segundo a expressão de Foucault, onde todos os marginais são relegados a hospícios de
caridade, ou levados ao trabalho forçado (Gautié, 1998 e Costa, 2002). O desemprego
era encarado como problema individual e moral passível de caridade pública ou privada
ou de punição, conforme os casos.
No fim do século XVIII e início do XIX,60 assiste-se a uma oscilação na
concepção da pobreza que já se anunciava em fins do século XVII, mas que será
precipitada por dois acontecimentos: a Revolução Francesa, no campo político, e a
Revolução Industrial, no campo económico (Gautié, 1998). No que respeita à
Revolução Francesa, enunciou uma nova formulação da “Questão social”, prometendo a
extinção da pobreza e miséria61. Ecoavam reivindicações operárias com vista à
consagração legal do direito ao trabalho62.
Não se tinha uma nítida compreensão do que era ser desempregado63.
Confundia-se o desempregado com outras figuras da categoria de não-trabalho
59 As “Poor Law” obrigavam as paróquias a dar assistência aos indigentes, ao mesmo tempo que incitavam a trabalhar os aptos. 60 Virá neste período a queda das regulações tradicionais que daria, mais tarde, na criação não só de um mercado de trabalho mas também na concepção do próprio trabalho. 61 Como afirmado nos trabalhos da Assembleia Constituinte: “onde existe uma classe de homem sem subsistência, existe uma violação dos direitos da humanidade, o equilíbrio social é rompido” (Castel 1995: 185). 62 Como revela Fourier (1841: 178): “Passámos séculos a tagarelar sobre os direitos do Homem sem nos lembrarmos de reconhecer o mais essencial de todos eles, o direito ao trabalho, sem o qual os outros nada são”. 63 No século XIX, quando o verbo “desempregar” entra em cena, numa linguagem corrente, passa a denominar uma interrupção de actividade que implica perda de salário, independentemente do motivo. A condição de empregado assalariado nada tinha de dignificante. Assim, estar na condição de assalariado era equivalente a ‘cair em desgraça’, a ser condenado a viver de ‘jornada de trabalho’ e sob o domínio da necessidade: “A condição de assalariado, que hoje ocupa a grande maioria dos activos e a que está vinculada a maior parte das protecções contra os riscos sociais, foi, durante muito tempo, uma das situações mais incertas e, também, uma das mais indignas e miseráveis. Alguém era um assalariado quando não era nada e nada tinha para trocar, excepto a força dos seus braços. Alguém caía na condição de assalariado quando a sua situação se degradava: o artesão arruinado, o agricultor que a terra não alimentava mais, o aprendiz que não conseguia chegar a mestre” (Castel, 1995: 21).
62
(prostitutas, vagabundos, miseráveis, doentes e inválidos). O desempregado era visto
como pessoa privada de trabalho qualquer que fosse o motivo64.
No século XIX, a despeito do progresso e da riqueza decorrentes da
industrialização, a “Questão Social” não desapareceu - como esperavam os mais
optimistas –, agravando-se consideravelmente. Havia então um sentimento de se estar
perante um fenómeno social novo que ultrapassava o indivíduo. Para a nova
problemática o fenómeno é consequência directa do desenvolvimento do novo sistema
económico - o “pauperismo”. Assim, não é de estranhar que, no início da
industrialização, a expressão classes dangereuses (classes perigosas) – que
originalmente se referia, em França, aos vagabundos, criminosos e marginais – se
estenda aos trabalhadores como um todo - classes labourieuses, classes dangereuses
(Chevalier apud Schwartzman, 2004: 87).
O problema social não dizia respeito apenas aos sem trabalho; era problema
também dos que trabalhavam. À pobreza clássica, “resíduo” composto dos desafiliados
da ordem tradicional, veio suceder uma miséria maciça, rapidamente percebida como
consequência directa do novo sistema económico, onde a fábrica produzia agora dois
artigos, “algodão e pobres”.
A “Questão Social” vem merecendo atenção da Igreja Católica, presente em
documentos importantes dos Papas, a partir de fins do século XIX. Por exemplo: Leão
XIII, encíclica Rerum Novarum (1891); Pio XI, encíclica Quadragesimo Anno (1931);
Paulo VI, encíclica Populorum Progressio (1965); João Paulo II, encíclicas Laborem
Exercens e Sollicitudo Rei Socialis (1987).
Segundo Salais, em 1891, os desempregados não constituíam uma categoria
específica dentro dos sem profissão e nem mesmo no interior da “população não
classificada” (Salais, 1986). Impõe-se a necessidade de separar distintamente os pobres
permanentes (mendigos, delinquentes e outros) e os pobres de ocasião, operários que,
temporariamente, apresentavam necessidades. É desta cisão que emerge a categoria
“desempregado”. A primeira separação entre vagabundos e desempregados ocorre, em
1892, em Marselha. Por via da fundação de uma instituição, é formado um fundo de
64 Entendiam-se como desemprego situações em que o trabalhador estaria doente, em repouso, em festa ou qualquer outra forma de interrupção do trabalho.
63
assistência e o seu funcionamento faz nascer uma terminologia que diferencia o
“preguiçoso” impostor do desempregado que procura emprego sem o encontrar65.
A noção de desemprego nasce tanto de necessidades práticas quanto do desejo
de compreensão de um novo fenómeno. Segundo Topalov (1994) a “invenção do
desemprego” foi uma autêntica batalha de palavras e representou uma reorganização
completa das representações sociais. Foi necessária grande inovação lexical para fazer
surgir a categoria “desemprego”. E esta, por si só, é forte indício da génese de uma nova
representação do desempregado (trabalhador industrial sem trabalho).
Como refere ainda Topalov, o papel dos reformadores franceses na construção
do desemprego enquanto categoria de descrição do Mundo - expressão da “Questão
Social” – foi de extrema importância. As palavras (em francês e em inglês) que se
referem ao desemprego e ao desempregado passaram por um processo convergente de
inovação lexical, embora percorrendo caminhos diferentes66. Os dicionários procederam
a uma nítida mudança quanto ao uso das palavras chômer/chômage e
unemployed/unemployment a partir de 1880, passando então a definir a falta de emprego
dos trabalhadores industriais. Novas classificações entram no quotidiano popular não só
através da língua mas, fundamentalmente, através da prática institucional. Nos dois
casos descritos, os novos sentidos implicaram também uma dupla inovação. De um
lado, a perda do carácter geral de falta ou ausência de actividade, o que significa que
nem todas as pessoas que estão fora das oficinas ou das indústrias estão desempregadas.
Por outro, com o reconhecimento do desemprego como fenómeno social, produz-se a
necessidade de inovação lexical, ou seja, chômage e unemployment designariam o
fenómeno social e chômeur e unemployed designariam a condição individual do
trabalhador (Costa, 2002).
65 “A separação funda-se na relação indivíduo/instituição, mediante a alocação de uma espécie de seguro subordinado à procura de um trabalho. O trabalho é considerado prova simples, rápida e conclusiva para distinguir o impostor que mendiga por preguiça do infeliz que procura verdadeiramente trabalho, sem poder encontrá-lo” (Salais, apud Aued, 2003). 66 No caso francês, o termo “desemprego” evoluiu de um verbo (chômer) para um substantivo (chômage). No caso inglês, o termo evoluiu de um adjectivo (unemployed) para um substantivo (unemployment). Isto ocorreu porque houve uma profunda alteração no conteúdo das palavras. As palavras chômer e unemployed tinham no início acepção muito genérica – falta ou ausência de actividade e estado de ócio. A palavra em francês é mais antiga e tem, para além desse significado anterior, também um significado religioso e festivo. Já o vocábulo inglês (unemployed) assumiu, no decorrer dos anos, uma acepção de “sem objectivação”. Longe de ser uma descoberta - fruto de tomada de consciência de uma nova realidade -, o conceito “desemprego” foi, assim, “inventado”, apresentando-se como produto de uma elaboração teórica e fruto de uma “batalha de classificações”, resultante dos sucessivos afrontamentos entre os distintos “produtores de saber” (Topalov, 1994).
64
A objectivação do desemprego como facto social ou como problema industrial
provocou o rompimento com o diagnóstico individual e moral, a introdução de uma
nova linguagem e tipologia e, por fim, a construção de um modelo de representação
social67. O desemprego passa a ser visto como fenómeno social. A solução ao
desemprego era facultar a todos os trabalhadores a relação regular e estável de emprego
e, para aqueles a quem faltasse emprego, apoio público, mas já não nos moldes da
caridade.
A categoria “desemprego” é, pois, construída na intersecção de esforços para
compreensão do fenómeno da existência de pessoas sem lugar no mercado de trabalho –
porque não querem ou porque não encontram – e do esforço institucional por parte de
um Estado de Bem-Estar nascente, que procura estruturar o mercado de trabalho e
estabelecer protecções aos que nele se integram.
Será, então, com a implementação do assalariamento68 que surge um novo olhar
sobre o chômeur, uma vez que, estabelecido o contrato de trabalho institucionalizado, a
sua ruptura significava o fim de um elo entre trabalhador e empregador de forma
permanente, categorizando esta ruptura como período de desemprego (Demazière,
2006).
Beveridge (1909) teve um papel essencial na construção da categoria
“desemprego” ao diferenciar as suas várias causas (sazonal, conjuntural cíclica ou
estrutural) de inadequação. Em França, na mesma época, é um durkheimiano, Lazard,
quem define o desemprego como facto social irredutível aos indivíduos que o compõem
(Topalov, 1994). O desemprego será objecto de mensurações estatísticas: a princípio, no
quadro dos censos (o de 1896 é o primeiro onde aparecem os desempregados em
França); depois, a partir dos anos 1930, nos Estados Unidos, por sondagens, graças ao
desenvolvimento desta técnica69.
67 O desemprego ganha, assim, a acepção moderna que se conhece apenas a partir do momento em que o desempregado deixa de figurar entre a vasta categoria dos pobres, passando a ser definido pelo seu contrário (o emprego) e por critérios objectivos (sem emprego e procura activa do mesmo). A nova classificação baseava-se então, numa definição das causas económicas e não económicas ou das voluntárias e involuntárias. Assim, a objectivação do desemprego assenta, inicialmente, em duas condições: o carácter involuntário do desemprego e a procura de um emprego. Tais condições possibilitaram, no início, a mensuração do desemprego. 68 Sobre a constituição da sociedade salarial ver Castel (1995). 69 O trabalho estatístico dará maior existência concreta ao conceito e lhe irá conferir carácter operatório. O desemprego torna-se categoria de referência de diferentes actores, servindo-lhes para ajustar as suas interacções (Gautiè, 1998).
65
Segundo Freyssinet (1991), salvo em períodos excepcionais da História, em
todas as sociedades há uma mobilização abaixo da capacidade total de trabalho, ou nas
suas palavras, uma subutilização do potencial de trabalho. Entretanto, tal subutilização
não é suficiente para definir a existência da categoria “desemprego”. Em primeiro lugar,
porque o desemprego, enquanto categoria social, somente pode surgir numa forma
específica de organização social: a capitalista. Aqui se distinguem duas classes, os
desprovidos de meios de produção que dependem da venda da força de trabalho e os
detentores dos meios de produção, que, por alguma razão, no momento não desejam
empregar os meios e as pessoas.
Segundo Topalov, a concepção moderna de desemprego e, principalmente, as
estratégias de reforma foram plenamente concebidas na Conferência Internacional de
191070. O desemprego acaba sendo definido pela Organização Internacional do
Trabalho71 (OIT) em 192572.
Nos anos 1930 assiste-se ao remate do desemprego como categoria operatória,
alvo prioritário da política económica. A obra de Keynes (1936) funda um novo
paradigma cujo quadro justifica a intervenção pública, ao mesmo tempo que são
definidas as suas modalidades de acção. A inovação e força do keynesianismo reporta à
reconciliação entre económico e social, que o século XIX considerava contraditórios.
Como resume Rosanvallon (1995: 159), “a partir dos anos 1930, a ideia de direito ao
trabalho ia progressivamente dissolver-se na perspectiva keynesiana das políticas
públicas de estímulo da actividade económica”.
Beveridge (1944) reintegra tal dimensão económica no programa mais global do
Estado-Providência, quadro de referência de grande parte dos países ocidentais após a II
Guerra Mundial. Os “Trinta Gloriosos”73 marcam, assim, o reino das políticas de pleno
70 Representou um espaço de legitimação da nova concepção de desemprego - ficaram estabelecidas prescrições práticas (instituições de administrações de desemprego, seguro de desemprego, etc.) fundamentais à noção de desemprego moderno, construção de métodos de aferição do desemprego e popularização dos novos termos. 71 A OIT é uma agência multilateral criada em 1919, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) e especializada em questões do trabalho. A ideia de uma legislação laboral internacional surgiu como resultado das reflexões éticas e económicas sobre o custo humano da Revolução Industrial. 72 “A situação de todo o trabalhador que, podendo e querendo ocupar um emprego submetido a contrato de trabalho, se encontra sem trabalho e na impossibilidade, em consequência do estado do mercado de trabalho, ser ocupado num tal emprego” (Comte, 1995 apud Costa, 2002: 23). 73 Expressão criada por Jean Fourastié, referindo-se aos anos de expansão económica entre 1945 e 1975.
66
emprego, ao mesmo tempo que a idade de ouro da ciência económica pensa ter
encontrado as receitas para um crescimento estável e infinito (Gautiè, 1998).
III. 2. RAÍZES EXPLICATIVAS DO DESEMPREGO MODERNO
A noção moderna de desemprego é construída sob a égide de reformas sociais ao
longo dos anos de 1880 a 1910 e é definitivamente estabelecida a partir de 1930 pela
conjunção de três condições históricas e materiais: existência de organização social
capitalista, expansão da relação salarial e institucionalização do desemprego. Tais
condições deram origem ao chamado modelo de representação social da força de
trabalho (emprego, desemprego e inactividade).
A criação de instituições com objectivos de regulação do mercado de trabalho74 -
seja pelo estabelecimento de leis e regras para garantir e estender a relação salarial, seja
pelo apoio aos desempregados, com indemnização ou recolocação - modifica
radicalmente a imagem do trabalhador e do desempregado. O desempregado passa da
imagem negativa de pobre para a imagem positiva de trabalhador (com direitos e
benefícios), momentaneamente privado de emprego e com direito a apoio. A crise dos
anos 1930 impulsionou a intervenção directa do Estado na economia, principalmente,
no mercado de trabalho. Tal intervenção visava gerir o desemprego e alargar a relação
salarial. Os fundos públicos foram, paulatinamente, substituindo as caixas profissionais
de seguro. O mesmo ocorreu com as associações dos desempregados que em pouco
tempo substituíram obras de caridade (Costa, 2002: 25).
74 O mercado de trabalho apresenta-se como um espaço regulado por formas institucionais, sendo um espaço sempre aberto e incompleto, deixando de ser regulado exclusivamente pelo princípio da racionalidade económica. Dado que se encontra inserido numa formação capitalista, de submissão do trabalho ao capital, há o princípio do domínio da oferta sobre a procura de emprego, segundo um processo complexo, conflitual e, em grande medida, instável pelas forças sociais em presença. Ainda sobre este tema, Rodrigues (1988) aprofunda a conceptualização do mercado de trabalho, onde propõe a substituição dessa expressão pela de "sistema de emprego" que define como um "conjunto organizado das estruturas, dos agentes e dos mecanismos económicos e sociais que moldam a utilização e a circulação da mão-de-obra em interacção com os processos de reprodução desta mão-de-obra" (Rodrigues, 1988: 56-57). Desta forma, o sistema de emprego não se apresenta como simples espaço de confronto da oferta e da procura, neutro ou vazio, mas é constituído por poderes e filtros que o estruturam. Este modelo resulta da confrontação da estrutura dos stocks e dos fluxos de postos de trabalho com a estrutura de stocks e dos fluxos da população empregada, inactiva, desempregada e emigrada. Os vectores responsáveis pela evolução da oferta de emprego, contribuindo para moldar a população de um país, são: a) modos de gestão da mão-de-obra; b) estruturas de qualificação; c) modelos organizacionais; d) processos de produção; e) tipos de empresas; f) categorias produtivas; g) componentes da procura final (Marques, 2009: 24).
67
A análise do fenómeno do desemprego é indissociável da conceptualização do
mercado de trabalho como fenómeno social complexo, multidimensional,
interdependente do conjunto da sociedade e da economia global.
Na perspectiva neoclássica de análise do mercado de trabalho, o desemprego
resultaria de uma opção racional e individual entre tempo de trabalho e tempo de lazer,
com cariz “voluntário” ou “de espera”, não pressupondo, portanto, nenhum
disfuncionamento do mercado de trabalho. Entravam na categoria “desempregado”,
maioritariamente, jovens em inserção, pessoas de idade próxima da reforma, mulheres
em semi-actividade.
No sentido inverso ao da tese liberal do desemprego voluntário, a visão
keynesiana apresenta as deficiências do mercado relativamente ao emprego e admite a
intervenção dos poderes públicos para obtenção de pleno emprego - como uma das
várias situações possíveis - que depende do crescimento económico induzido pelo
consumo e pelo investimento. O aumento do desemprego dito "involuntário" explicar-
se-ia a partir dos desajustamentos crescentes ao nível da insuficiência e inadequação da
formação e qualificação da mão-de-obra face às necessidades das empresas. Tal iria
justificar, a partir dos anos 1970, medidas destinadas a aumentar o nível de qualificação
dos jovens e dos desempregados de longa duração (DLD). São avançadas também
explicações para o aumento do desemprego baseadas nos efeitos do desenvolvimento
tecnológico (Marques, 2009).
A abordagem marxista, embora coexista com a perspectiva neoclássica, define o
mercado de trabalho de modo completamente diferente, já que a força de trabalho se
encontra no centro da sua conceptualização. Na óptica marxista não se trata de
identificar barreiras à mobilidade do trabalhador, mas de considerar que tal mobilidade
ocorre em contexto de relação de domínio do capital sobre o trabalho. A mobilidade é,
portanto, sempre forçada, na medida em que o trabalhador se encontra em situação de
constrangimento (vender a força de trabalho em troca de salário) para sobreviver. A
característica essencial desta concepção do mercado de trabalho consiste no princípio de
determinação da oferta de trabalho (do lado das empresas), sobre a procura (do lado dos
trabalhadores).
O desemprego perspectiva-se, assim, como "inevitável'' e, acima de tudo, como
necessário à reprodução do capital. Com efeito, a existência de um "exército industrial
68
de reserva"75, segundo Marx, afigura-se necessária ao funcionamento cíclico da
economia capitalista permitindo, em cada momento de crise (fases de sobreprodução),
manter a taxa de lucro a partir da pressão exercida nos salários, dada a disponibilidade
de mão-de-obra (Marques, 2009). Segundo Lafargue (1883: 25) “Os próprios
trabalhadores, ao cooperarem na acumulação dos capitais produtivos contribuem para o
acontecimento que, mais tarde ou mais cedo, os deve privar de uma parte do seu
salário”.
O desemprego é, nos dias de hoje, entendido como um dos mais incontornáveis,
prementes e dramáticos problemas, cuja compreensão se relaciona com a existência de
uma organização social que, economicamente, se baseia no predomínio de relações
salariais; estas implicam que “o trabalhador não dispõe de outra possibilidade de
participação no trabalho social, e portanto de fonte de rendimento, excepto pela
obtenção de um emprego assalariado” (Freyssinet, 1991: 5). Assim, a história do
desemprego pertence à história do assalariamento do modo de produção capitalista.
A disjunção entre tempo de trabalho, destinado a obter um rendimento, e tempo
de trabalho privado ou doméstico, canalizado para a satisfação directa das necessidades
do agregado familiar, constitui uma das características do trabalho assalariado. Trata-se,
aí, de actividade na esfera pública e à qual é reconhecida utilidade traduzida em
rendimento. Subjacente ao fenómeno do assalariamento encontra-se o processo de
mercantilização da força de trabalho, gerando a existência de mão-de-obra requisitada
ou rejeitada pelo mercado de trabalho. Pelo trabalho assalariado, portanto, reconhecido
como útil, o indivíduo forja a sua relação de pertença à esfera pública, logrando uma
posição e identidade sociais, a partir das quais se inter-relaciona com os outros e se
estabelecem um conjunto de direitos e deveres de cidadania (Freyssinet, 1991). É, então,
no seio do movimento histórico de transformação do trabalho em emprego, objecto de
garantias, direitos e deveres, que faz sentido falar da instituição da sociedade salarial. A
novidade da actual “Questão Social” parece residir no questionamento da centralidade
da relação salarial e na sua função integradora na sociedade (Castel, 1995).
75 O principal motivo para um "exército industrial de reserva" é o baixo custo salarial. A maior acumulação requer mais trabalho, mas a isso não corresponde necessariamente maior número de empregados. O capitalismo procura extrair o máximo de trabalho do menor número possível de trabalhadores. Percebe-se então que a produção do “exército industrial de reserva” corresponde ao progresso da acumulação do capital.
69
No entender de Freyssinet (1991), é possível identificar três grandes fontes
explicativas do desemprego. Pode ser explicado pela análise da dinâmica do mercado de
trabalho. Assim, seria o afluxo de potenciais trabalhadores ou presença injustificada de
certas categorias populacionais no mercado de trabalho que estaria na base do
desemprego. Para outra perspectiva, o desemprego explica-se pelo comportamento dos
desempregados, grosso modo, considera-se que “não falta trabalho, não há é vontade de
trabalhar”. Preguiça, má vontade, informação deficiente, inadaptação ou exigências
excessivas da população desempregada originam desemprego. Para uma terceira
perspectiva, o desemprego explica-se pelo inexorável progresso técnico.
Os efeitos do progresso técnico sobre a estrutura do emprego têm sido
amplamente discutidos. Do debate é possível distinguir as posições centradas ora sobre
os efeitos transitórios ora sobre os impactos duráveis do progresso técnico na estrutura
de emprego. Os efeitos transitórios prendem-se com a concepção do progresso técnico
enquanto factor de aceleração das mutações que influenciam a composição qualitativa
dos colectivos de trabalho, bem como a distribuição sectorial do emprego. Uma vez que
a adaptação dos trabalhadores a tais mudanças não é imediata, nem perfeita, é possível
compreender que daqui poderá resultar um desemprego transitório de adaptação. Na
perspectiva dos efeitos duráveis, o progresso técnico implica destruição de um conjunto
de empregos, não compensada pelos novos empregos que necessariamente cria76. Uma
análise atenta mostra que a relação entre mudança técnica e emprego não é automática:
“é função de processos económicos e sociais que operam em três domínios principais -
os critérios de orientação da procura e selecção das inovações; o nível e os modos de
satisfação das necessidades; as condições de utilização da força de trabalho”
(Freyssinet, 1991: 64).
O volume de desemprego tem sofrido grande aumento desde o fim da década de
1990. Freyssinet (1991) reconhece algumas transformações essenciais no mercado de
trabalho com capacidade explicativa para o aumento de desemprego. A destruição das
formas de produção pré-capitalista implica que determinados grupos sociais busquem
rendimentos alternativos, nomeadamente pela procura de trabalho assalariado. 76 A este respeito, Freyssinet verifica que o discurso dominante sobre os impactos da evolução tecnológica sobre o emprego tende a modificar-se por relação à conjuntura económica em que é produzido, destacando a função ideológica cumprida por tais narrativas. Assim, em períodos de forte crescimento económico tende a predominar um discurso enaltecendo os efeitos positivos das mudanças tecnológicas. Em momentos de crise ou recessão económica, vigora uma narrativa tendente a acentuar a inevitabilidade dos custos sociais, nomeadamente o desemprego, em prol do natural curso da modernização e competitividade (Freyssinet, 2004: 61-62).
70
Simultaneamente, os períodos de redução do salário real, proveniente do trabalho do
“chefe” de família, evidenciam a insuficiência de um único salário para satisfazer as
necessidades uma família operária, obrigando mulheres e crianças a ingressar no
mercado de trabalho. Concomitantemente, o ritmo e as modalidades de acumulação de
capital, pautados por crises cíclicas que provocam a diminuição do nível de actividade e
pela introdução de técnicas mais mecanizadas que reduzem as necessidades de mão-de-
obra, podem, em certas fases, conduzir à destruição de postos de trabalho. É pela
combinação de tais movimentos que Freyssinet (1991) explica a constituição de uma
espiral crescente de desemprego permanente, mas de amplitude variável que, num
mercado de trabalho fortemente concorrencial, exerce pressão sobre o nível salarial e
sobre as condições de trabalho.
A composição do volume de desemprego é bastante diferenciada e, sob o prisma
da reinserção profissional, poderá traduzir a existência de desemprego a duas
velocidades: desemprego de transição e desemprego de exclusão (Clavel, 2004: 71). O
“desemprego de transição” caracteriza-se por passagem rápida pela situação de
desemprego. Trata-se de situação em que o tempo curto de afastamento do mercado de
trabalho não compromete possibilidades de reinserção. Tal situação, ao prolongar-se
indefinidamente, corporiza a precariedade crónica do “desemprego de exclusão”77.
III. 3. CONTORNOS E FRONTEIRAS DO CONCEITO “DESEMPREGO”
A identificação e o reconhecimento do desemprego enquanto categoria social,
estatisticamente mensurável, constituem elementos de um processo que assenta na
consciência da impossibilidade de regresso às modalidades de organização social e
económica pré-capitalistas78. Por muito tempo, os desempregados são privados de
quaisquer direitos e formas de rendimento, vítimas de um opróbrio social que os marca
de parasitas e incapazes. O processo de constituição da legitimidade do desemprego
enquanto problema social é igualmente reforçado pela emergência de instituições
77 O desemprego de exclusão assinala “uma ruptura progressiva, até mesmo definitiva, com o mundo do trabalho e com os modos de socialização que este último estrutura: a instalação na precariedade induz um duplo movimento de desconstrução e de reconstrução sociais e subjectivas de uma identidade estruturada por uma lógica de sobrevivência material e psicológica” (Clavel, 2004: 72). 78 “É a emergência do assalariado como forma única e irreversível de utilização da força de trabalho que determina o aparecimento do desemprego como posição socialmente reconhecível” (Freyssinet, 1991: 7).
71
especializadas nas questões do desemprego e dos desempregados, bem como de
prestações sociais destinadas a garantir rendimento durante o desemprego (subsídio de
desemprego).
Um dos problemas da identificação do desemprego resulta do facto de este
implicar a combinação de um critério de situação – não ocupar emprego – com um
critério de comportamento – procurar emprego. De acordo com a OIT, o desemprego
poderá abranger todas as pessoas que, a partir de idade determinada e ao longo de um
período de referência estejam: sem trabalho (isto é, não tenham emprego assalariado ou
não assalariado); disponíveis para o trabalho (emprego assalariado ou não assalariado,
durante o período de referência) e à procura de trabalho (diligências, num período
recente definido, para encontrar emprego assalariado ou não assalariado)79. Tais
condições são muito abrangentes mas não resolvem totalmente o carácter
potencialmente ambíguo do fenómeno; se a primeira clarifica que nos reportamos a
trabalho realizado com ou sem remuneração, a segunda não contempla
constrangimentos decorrentes de doença ou frequência de cursos de formação e a
terceira não define modalidades de procura de emprego admissíveis (Freyssinet, 1991).
Ledrut (1966) distingue três tipos de desemprego: de crise, estrutural e
tecnológico80
III.3.1. O caso português: desemprego formal e desemprego social
O Instituto Nacional de Estatística (INE) segue a definição anterior de forma
mais restrita, ao implicar: desemprego involuntário, procura de emprego no período
especificado ou nas três semanas anteriores e inscrição para emprego no CE. Por seu
turno, o IEFP trabalha com o conceito de desemprego registado, isto é, o “conjunto de
indivíduos com idade mínima especificada, inscritos nos Centros de Emprego, que não
têm emprego81, que procuram um emprego82 e que estão disponíveis para trabalhar83”.
79 Conceito de desemprego segundo a “Resolução sobre Estatísticas da População Activa, do Emprego, do Desemprego e do Subemprego” da 13ª Conferência Internacional dos Estaticistas do Trabalho, OIT, 1982. 80 Desemprego de crise corresponde à recessão da actividade económica devido às flutuações dos movimentos de capitais, que provoca a supressão de empregos; desemprego estrutural respeita a fase de expansão na qual se produzem certos movimentos de empresas (fusão, concentração) que põem em causa o equilíbrio compensador entre criação e desaparecimento dos empregos; desemprego tecnológico abrange movimentos de emprego devido à mudança técnica (Ledrut, 1966). 81 Baseando-se na declaração do candidato de não ter trabalho, no momento da inscrição e em todos os contactos subsequentes enquanto inscrito como desempregado nos CE (CSE, 1996: 14).
72
Para além das diferenças conceptuais de desemprego, os dados produzidos pelo INE e
pelo IEFP diferem também pelas distintas estratégias metodológicas.
Existem outras definições sobre diferentes tipos de desemprego (desempregado à
procura do primeiro emprego, desempregado à procura de novo emprego e
desempregado de longa duração84, desempregado com declaração para subsídio de
desemprego, por exemplo).
A protecção no desemprego85 visa substituir o rendimento de trabalho em
situações decorrentes da inexistência total e involuntária de emprego de pessoas com
capacidade e disponibilidade para o trabalho. É caracterizada pela atribuição de
subsídios com vista a minorar as consequências do desemprego86. A legislação em vigor
tem vindo a mudar, num contexto de aumento do desemprego e endividamento do
Estado, com duplo objectivo: reduzir a despesa pública (ao diminuir o valor das
prestações sociais e o tempo para usufruir da prestação social) e abranger outra
população desempregada.
A presente investigação não se limita a considerar os conceitos formais de
desemprego e desempregado mas, numa perspectiva sociológica, inclui os que, embora
desempregados, desistiram de procurar emprego e os não inscritos no CE mas que, não
tendo emprego, se consideram a si próprios desempregados. Nesta perspectiva fazer um
“biscate” remunerado é compatível com a condição de desempregado. Não são
excluídos os indivíduos que se encontrem em posições intermediárias entre as
categorias emprego, desemprego e inactividade. Note-se que tal perspectiva de emprego
se afasta da OIT; consideramos desempregado quem faça trabalho não remunerado.
Como é sabido, as informações sobre mercado do trabalho são resumidas num
único indicador - taxa de desemprego. Prevalecendo tal concepção continuar-se-á com
as controvérsias e as desconfianças em torno da aferição do desemprego. As situações
82 O acto de inscrição no CE implica a obrigatoriedade de resposta ou comparência às convocatórias do CE. Em 2006, a alteração das regras de atribuição do Subsídio de Desemprego explicitou, de uma forma mais compulsiva, os actos de comprovação da procura de emprego. 83 Depende da verificação de condições para começar a trabalhar imediatamente ou, pelo menos, nos próximos 30 dias (CSE, 1996: 14). 84 Entende-se por desempregado de longa duração qualquer “trabalhador sem emprego, disponível para o trabalho e à procura de emprego há 12 meses ou mais. Nos casos dos desempregados inscritos nos Centros de Emprego, a contagem do período de tempo de procura de emprego (12 meses ou mais) é feita a partir da data de inscrição nos Centros de Emprego”. Vide INE (www.ine.pt). 85 Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro. 86 Subsídio de Desemprego (SD), Subsídio Social de Desemprego (SSD) e Subsídio de Desemprego Parcial (SDP).
73
intermediárias entre emprego e desemprego abundam e põem em “cheque” a taxa de
desemprego convencional: uma baixa taxa de desemprego poderá coincidir com
significativa população em “trabalho informal” ou em “biscates” no sector informal da
economia.
III.3.2. Problema da mensuração do desemprego
No prisma quantitativo, e decorrente das principais condições definidoras de
desemprego apresentadas, é comum proceder à decomposição da população total em
três categorias: activos ocupados, inactivos e desempregados. Tal modelo de
representação da força de trabalho, no entender de Freyssinet (1991), engendra
múltiplas dificuldades uma vez que conduz a uma noção residual do desemprego, não
abarca os intercâmbios entre as três categorias o que, a par do aumento do desemprego,
constitui uma das características da crise contemporânea. Por último, subestima o
número de desempregados.
Segundo Guimarães (1991) a dificuldade de mensuração do desemprego prende-
se ao facto de que parte importante dos desempregados se encontra hoje em posições
intermediárias entre as três categorias (emprego, desemprego e inactividade). Tal
modelo, embora seja por várias vezes reconhecido como limitado, continua a ser, o
método mais amplamente aceite entre todos os países do mundo que realizam pesquisas
sobre emprego e desemprego (Costa, 2002).
As categorias emprego e desemprego são e sempre foram heterogéneas, mas nas
últimas décadas a heterogeneidade ampliou-se de tal forma que situações anteriormente
consideradas marginais se tornaram preocupantes. Malinvaud (1989) expõe de forma
lúcida as causas e efeitos das transformações ocorridas nas últimas décadas nos
mercados de trabalho, tanto nos países desenvolvidos, que vêm sofrendo recentemente
com a precarização e surgimento de situações atípicas de trabalho, como nos países em
desenvolvimento, que desde há bastante tempo têm apresentado grandes dificuldades
em aplicar as recomendações da OIT no que se refere ao cálculo do desemprego.
Aumento do desemprego, aparecimento e ampliação de situações intermediárias
às situações do modelo tradicional suscitaram grande interesse pelas estatísticas e pelos
métodos utilizados para a medição de variáveis do mercado de trabalho em geral e em
específico do desemprego.
74
Os métodos utilizados revelam-se inadequados para debater uma realidade que
se apresenta cada vez mais complexa. O emprego informal, a compatibilidade e rotação
entre ocupação e programas de formação, as antecipações à reforma, o trabalho a tempo
parcial, a suspensão temporária dos contractos de trabalho são entre muitos outros
fenómenos que, num contexto de crise, adquirem maior dimensão e conotação, abalando
a medição das categorias tradicionais (empregado, desempregados e inactivos) e
favorecendo um estado de desconfiança e descrédito quanto á validade e a pertinência
das estatísticas de desemprego, bem como, sobre a neutralidade dos métodos
estatísticos.
A capacidade de aferição das estatísticas de emprego e desemprego tem sido
palco de discussões um pouco por todo o mundo. Segundo Cattani (1996), de acordo
com a OCDE, se fossem adoptados novos critérios para classificação de trabalho, as
taxas de desemprego em média subiriam cerca de 40%. Também Pochmann (1999)
afirma que, possivelmente, os números do desemprego mundial são maiores que o
registado pelas taxas de desemprego convencionais e que os dados oficiais tendem a
subestimar o desemprego.
Maruani (2002) usou a expressão “fronteiras do desemprego” para se referir aos
que ficam de fora das estatísticas: assalariados precários e trabalhadores pobres,
mulheres, jovens e trabalhadores (cuja idade os põe no limite entre actividade e
reforma). Daí que a discussão sobre o desemprego deva estar ligada ao modo de
funcionamento do mercado de trabalho, o que não acontece quando se tomam as
estatísticas como um indicador em si mesmas.
Desta reflexão, se conclui pela presença de um hiato entre modelo e realidade:
gravitam em torno do desemprego convencional pessoas permanentemente sub
empregadas e, sobretudo, uma população flutuante que passa, às vezes rapidamente, de
uma categoria a outra. As estatísticas portanto, sob as amarras do modelo tradicional,
dissipam os fluxos e negligenciam outras formas de desemprego, hoje bastante
expressivas.
75
III.4. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DESEMPREGO
É no contexto da crise dos anos 1930, com o aumento do desemprego, que se
realizam as primeiras pesquisas sociológicas87 e psicossociológicas para interpretar a
repercussão do desemprego. Neste período, aumentaram as taxas de desemprego e
muitas fábricas faliram. Surgiram as primeiras manifestações do desemprego no sentido
moderno: para muitos, as fábricas asseguravam trabalho assalariado de actividade
exclusiva como único sustento. Perdido o estatuto de trabalhador, assistia-se à
degradação das condições de vida. Os primeiros desempregados confrontaram-se com
desemprego instituído, em oposição a emprego assalariado; desemprego frágil e sem
qualquer protecção. Por tais razões os desempregados começaram a protestar contra as
condições miseráveis de vida – contra fome e miséria.
Uma das primeiras pesquisas sociológicas sobre o desemprego decorreu em
Greenwich nos anos 1930 por Bakke (1933 e 1940). Pela mesma época estuda-se
Marienthal. Em Les Chômeurs de Marienthal”88, talvez o estudo mais notável de então,
publicado décadas mais tarde, Lazarsfeld, Johada e Zeizel (1981) descrevem uma
comunidade marcada por desemprego maciço de operários, fracamente indemnizados,
devido a encerramento da fábrica local. Os autores assinalam as consequências
negativas do desemprego: degradação do nível de vida e das relações familiares,
enfraquecimento das actividades sociais, políticas e de lazer e desestruturação do tempo
quotidiano. O desemprego é vivido por todos como perda de estatuto e reconhecimento
social. Foram identificados quatro tipos de famílias com comportamentos distintos:
“estáveis”, “resignadas”, “desesperadas” e “apáticas” a partir de elementos diversos
como: projecção do futuro, procura de emprego e comportamentos quotidianos. Os
resultados mostram que o desemprego não afecta apenas condutas individuais. O
desemprego modifica as formas da vida social, nomeadamente a estruturação do tempo;
leva ao relaxamento das relações inter-subjectivas e à degradação da coesão social.
Nos anos 1960, surge a análise da experiência do desemprego tendo em conta o
carácter normativo nos aspectos de caracterização institucional. São consideradas
relevantes as formas de acesso ao emprego, a forma como é realizada a sua procura e as
87 Contudo, tais pesquisas, naquele momento, dão pouca importância à diversidade de reacções ao desemprego. 88 P.F. Lazarsfeld, M. Jahoda e H. Zeisel (1981), Les Chômeurs de Marienthal, Paris, Ed. de Minuit.
76
actividades relacionadas com o mercado de trabalho. A protecção social começava a
solidificar-se e a situação económica era, então, favorável. Com sintomas de
prosperidade e desemprego diminuto, este apresentou uma face menos dramática.
Contudo, nunca desapareceu o dramatismo associado ao desemprego, como mostra
Raymond Ledrut (1966) que, no primeiro grande estudo francês sobre o tema, propõe
tipos de desemprego: "crónico, inferiorizado e desemprego de longa duração"89. O
desemprego é definido como "perda de estatuto", "decadência social", estigma. A
humilhação é encarada como “incómodo” social e como “vergonha” social. O
desemprego não se reduz à privação de emprego ou a uma simples “inferioridade
económica”. Sociologicamente é, também, “inferioridade social”, ligada à
desvalorização da posição de desempregado e à “impotência social” experienciada, em
confronto com sentimento de humilhação, rejeição, isolamento e constrangimento à
paralisia colectiva. Tal acumulação define a “fraqueza social” dos desempregados com
tendência a um círculo vicioso.
As biografias de investigação resultam da necessidade de compreender a forma
como os desempregados definem a sua situação, explorando-se diferentes abordagens
do que é viver o desemprego. Tal orientação de pesquisa teve início nos anos 1970,
quando os índices de desemprego começavam a subir vertiginosamente. Tal realidade
não podia ser ignorada nem apenas entendida como fase de transição. O prolongamento
do tempo de desemprego e as questões sobre a sua resolução inspiraram uma nova
abordagem numa perspectiva compreensiva da sociologia com influência em estudos
posteriores, como é o caso de D. Schnapper (1994).
A condição de desempregado é claramente diferenciável de outros estatutos
sociais, permitindo formular a hipótese de pluralidade de situações vividas. Numa
sociedade em que a actividade profissional desempenha papel integrador das pessoas,
conferindo dignidade, o desemprego constitui uma provação (Schnapper, 1994). D.
Schnapper debruça-se sobre a maneira como os desempregados vivem o desemprego,
89 A tipologia de Ledrut parte de critérios institucionais: três grupos cujas combinações resultam em seis tipos de desempregados dos pouco aos muito inferiorizados. Veja-se pois: desempregado pouco ou nada inferiorizado com tempo curto de desemprego (inferior a um mês) designado de “desempregado de transição”; desempregado pouco ou nada inferiorizado com tempo médio de desemprego (entre um e seis meses) designado de “desempregado de reserva”; desempregado pouco ou nada inferiorizado com tempo longo de desemprego (superior a seis meses) designado “desempregado de depressão”; desempregado mediamente inferiorizado com tempo médio de desemprego designado de “desempregado intermitente”; desempregado medianamente inferiorizado com tempo longo de desemprego, “desempregado vulnerável”; desempregado fortemente inferiorizado com tempo longo de desemprego designado de “desempregado crónico” (Ledrut, 1966).
77
tentando distinguir e explicar a pluralidade das reacções dos desempregados, propondo
tipologias de enquadramento. Estas tipologias90 centram-se, principalmente, sobre os
efeitos desestabilizantes do desemprego, ao nível individual, familiar e social. Os
sujeitos afectos a esta “doença social” vivem uma desorganização dos seus hábitos,
sofrendo por vezes de instabilidade identitária, onde são confrontados com inquietude
diária e futuro incerto. A autora considera três tipos de experiências vividas que são,
simultaneamente, três formas de enfrentar o desemprego: “desemprego total”;
“desemprego invertido”; “desemprego diferenciado”. Três dimensões permitem
distinguir as três formas de viver o desemprego. A primeira: capacidade de adopção de
actividades de substituição do trabalho e investimento em estatuto alternativo - a
vivência positiva do desemprego é tanto maior quanto mais o indivíduo se envolva em
actividades que o realizem. A segunda: intensidade e forma das sociabilidades – a
integração do desempregado em redes sociais independentes do trabalho, diminui as
consequências negativas do desemprego. A integração familiar é a terceira dimensão –
quanto melhor for o apoio e integração familiar menos o desempregado se ressente da
crise de estatuto social; a contrario, as dificuldades familiares tendem a agravá-la. Aos
três elementos diferenciadores juntam-se dois vectores principais de análise. Por um
lado, o lugar do trabalho na vida dos indivíduos que aparece determinante na
experiência do desemprego. Especialmente para os que vivem o desemprego como
"total" o trabalho define estatuto e identidade sociais e orienta modelos de
comportamento. O “desemprego total” representa a maior parte dos desempregados que
sentem humilhação, aborrecimento, perda de confiança em si, dessocialização; é vivido
como perda do estatuto social procurado pelo trabalho precedente, o fechamento em si
mesmo e a ruptura de solidariedades anteriores. Esta vivência é descrita como
“infelicidade”, “desvalorização”, “choque, iniquidade, depressão nervosa”. “No fundo, é
como se a gente não vivesse” (Schnapper, 1994: 100); um mundo marcado pela
marginalização social e por falta de socialização; aqui, o íntimo é pautado por vazio e
receio do futuro.
Por outro lado, tipos diferentes de desemprego são experiência privilegiada de
grupos sociais diversos: “desemprego total” vivido pelos "trabalhadores manuais",
embora possa incluir “empregados” e “quadros” de origem modesta. Diversamente,
90 O conceito de desempregado é substituído pelo de desemprego, pois para os sociólogos a tipologia não classifica as pessoas, formaliza relações subjectivas e sociais no desemprego.
78
outros grupos sociais por via da substituição de estatutos invertem, mesmo que
provisoriamente a experiência de desemprego e estabelecem relações fora do mundo de
trabalho: jovens de origem social média ou superior, sem graves problemas financeiros
preferem definir-se como estudantes ou artistas, em vez de desempregados. Trabalho
independente e ocupações com viagens, desporto, fotografia, leitura, criação artística
são actividades alternativas que valorizam o período de desemprego. Tal é o
"desemprego invertido" e consiste numa valorização do período de desemprego.
Caracteriza-se por um sistema de valores em que o trabalho tem lugar secundário
relativamente às ocupações que proporcionam realização individual. Os sujeitos
investem o tempo do desemprego em actividades de interesse pessoal, recuperando
paixões abandonadas. Os desempregados descrevem esta vivência como, “eu não tenho
vergonha, no sentido de inutilidade social”; “eu tenho necessidade de criar”; “para mim
o desemprego são férias”; “é uma coisa que eu considero ser positiva” (Schnapper,
1994: 163-183). Diferentemente, os quadros vivem o desemprego investindo tempo em
tentativas de regresso ao mercado de trabalho – procura-se de forma sistemática um
emprego, investem em formação, sentem-se activos e vivem o desemprego como uma
pausa relativa, evitando interiorizar a condição de desempregado e os riscos de
desprofissionalização e dessocialização. Trata-se do “desemprego diferenciado”,
caracterizado pela procura intensiva e diária de emprego: “procuro aproveitar o tempo
morto para adquirir outros conhecimentos” (Schnapper, 1994: 194-232).
Para Schnapper na diversidade de vivencias existem afinidades relativas entre
certas experiências de desemprego e certas categorias sociais. As variáveis ditas de
caracterização (sexo, idade, estado civil e níveis de escolaridade) têm alguma influência
na forma como esta realidade é apreendida e vivida; contudo, não é determinante,
agindo em relação com as três dimensões constitutivas da experiência do desemprego:
forma como o indivíduo vive as suas vocações; sociabilidade no desemprego;
integração familiar. Os recursos simbólicos, relacionais, culturais e financeiros são
fundamentais e decisivos na forma como se vive a experiência de privação de emprego.
Em França, os trabalhos ulteriores centram-se em categorias particulares de
desempregados (também considerados nas políticas públicas), nomeadamente jovens e
desempregados de longa duração.
79
Jacques Le Mouêl (1981) apresenta dois modos diferentes de viver o
desemprego. O "desemprego doença"91 caracteriza jovens para quem o trabalho
assalariado é necessidade fundamental; a procura de emprego estável é objectivo
primordial. O desemprego apresenta-se como experiência traumatizante e pautada pela
procura de emprego; preocupação, humilhação, aborrecimento, solidão e vazio pontuam
o dia-a-dia destes jovens desempregados. O "desemprego banalizado"92, refere-se a
jovens que se despediram do último emprego para poderem realizar projectos
alternativos ao trabalho assalariado, utilizando estrategicamente um conjunto de apoios
institucionais que procuram rentabilizar (CE, organismos de formação, ajuda social,
trabalho temporário, etc.).
Em Inglaterra o primeiro programa de pesquisa sobre as consequências sociais
do desemprego ocorre a meio dos anos 1980, sobre a relação trabalho, emprego e vida
dos alojamentos93.
Mais recentemente, a pesquisa de Gallie e Paugam (2000) sobre a regulação
social do desemprego estabelece comparações na Europa tendo em conta os regimes de
protecção social e ultrapassa a perspectiva das monografias locais.
Do Brasil vem o contributo de Marineide Silva (2009) com a análise qualitativa
da complexidade do desemprego que adjectiva de “mosaico”. Procura entender as
diferentes dimensões objectivas e subjectivas do desemprego, tendo em conta a
compreensão subjectiva de quem vive essa condição. A permanência no desemprego de
muitos desempregados entrevistados revela a quebra do ciclo emprego-desemprego-
emprego. A vivência do desemprego não é homogénea e o sofrimento não é igual para
todos; depende de factores como a valorização dada ao trabalho, a trajectória familiar
(sobretudo do pai), os projectos de futuro e os investimentos familiares no processo de
escolarização e profissionalização. Silva (2009) construiu quatro categorias de
identidade do desempregado, tendo em conta a ideia de estratégias identitárias
(conforme Dubar): “sobrevivente”, “esperançoso”, “apreensivo” e “optimista” e conclui
que o “apreensivo” é o que mais sofre com o desemprego. M. Conceição Quinteiro (s.
91 Na tipologia de Schnapper corresponde ao "desemprego total". 92 Na tipologia de Schnapper corresponde ao "desemprego invertido”. 93 Intitulado “The social change and economic life initiative”. Os resultados foram publicados em GALLIE, D., MARSH, C. e VOGLER, C., eds. (1994), Social Change and the Experience of Unemployment, Oxford, Oxford University press.
80
d.) pesquisa o impacto do desemprego de longa duração na vida familiar e pessoal e
assinala diferenças de género, em desempregados de São Paulo e Lisboa
Refém da Economia, o desemprego não mereceu, por muito tempo, atenção aos
sociólogos portugueses mas nas últimas décadas têm surgido alguns contributos avulsos
no contexto nacional com diferentes perspectivas. Ana Duarte (1996) abordou, em
interessante dissertação de mestrado, o tema do desemprego e reconstituições
identitárias num grupo de mineiros do Norte de Portugal. A autora assinala não existir
localmente um tipo único de desemprego, assim como não existe um tipo único de
agentes desempregados. A diferenciação do desemprego é, desde logo, visível nos seus
protagonistas, pois em função do sexo, da idade e da classe social da família, por
exemplo, o fenómeno assume perfis particulares.
A propósito da vivência quotidiana dos desempregados, Pereira (1999) refere
que a diferenciação expressa-se em função de três domínios estruturais. Um primeiro
respeita à relação com o “campo económico”; um segundo, à mobilização através das
suas redes relacionais e das famílias; um terceiro reflecte no modo como se perspectiva
o futuro. Para este autor, o perfil dos protagonistas do desemprego e sua conjugação
com os domínios estruturais identificados origina tipos específicos de desemprego
organizados em torno de três grandes configurações - um “desemprego incerto e
indefinido”, um “desemprego estratégico” e um “desemprego muito prolongado com
transição para a situação de reforma”.
Serôdio et al. (1999) abordaram brevemente o desemprego de longa duração na
Azambuja considerando a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Tristany
(1999)94 avaliou a colocação de jovens desempregados de média e longa duração e
conclui pela importância do CE e das habilitações escolares na colocação. As
experiências de desemprego em Portugal (Belmonte e Cascais) e em França mereceram
atenção de Loison (2006), concluindo que os desempregados em Portugal se sentem
menos estigmatizados do que em França e estão mais integrados socialmente. Para
Loison, a sociedade portuguesa atribui um estatuto débil ao emprego, a economia
informal está omnipresente e a relação com as instituições não é estigmatizadora, em
geral. Em outra perspectiva, Pedro Araújo (2008) estudou o desemprego de meia-idade,
concluindo pela forte dependência dos desempregados em relação ao Estado após uma
vida de trabalho na mesma empresa (Leiria) e a impossibilidade de conseguir novo 94 Em tese de mestrado em Economia e Política Social.
81
emprego. Também o desemprego de longa duração foi alvo de investigação de Ana P.
Marques (2009) no Norte de Portugal tendo concluído pelo risco de exclusão social e
degradação da saúde mental. Jorge Caleiras (2011) analisou trajectórias e formas de
enfrentar o desemprego por parte dos desempregados em Coimbra e mostrou que o
desemprego provoca empobrecimento de parte daqueles que o sofrem.
O impacto do desemprego na saúde mental, especificamente na depressão (grupo
de desempregados de uma fábrica em Leiria, sobretudo mulheres), interessou a Gomes
(2003); concluiu que “disponibilidade económica”, “claridade ambiental” e
“oportunidade para controlo” são dimensões da vida afectadas pelo desemprego,
sugerindo a importância de medidas políticas e mais investigações sobre o tema.
O desemprego é problema psicossocial que tem merecido atenção da psicologia
social, nomeadamente quanto às consequências psicológicas e familiares. É
acompanhado de várias diferenças individuais e sociais (Estramiana,1992: 93), o que
levou muitos autores a focar a impossibilidade de generalização dos seus efeitos
(Feather e O’Brien, 1986; Liem e Rayman, 1982, por exemplo). Mesmo que muitos
trabalhadores se sintam afectados negativamente pelo desemprego, outros podem não
manifestar qualquer mudança e alguns experimentam até melhoria do seu bem-estar.
Os estudos realizados durante a recessão económica dos anos de 1930
apresentam evidência empírica de que os homens desempregados com idades entre
trinta e quarenta anos são mais afectados do que os restantes grupos etários (por
exemplo, Hall, 1934; Eisenberg e Lazarsfeld, 1938). Também Daniel (1974) chegou à
conclusão de que os desempregados de idades médias (35 a 45 anos) manifestavam
maior preocupação pela perda do emprego. Por outro lado, os mais velhos (idades acima
dos 55 anos e mais perto da reforma) parecem conformar-se com a ideia de desemprego.
Saúde mental e bem-estar em homens desempregados foram estudados por
Hepworth (1980) em função da idade, tendo-se concluído pior saúde mental e bem-estar
subjectivo para homens entre 35 e 45 anos. Warr (1978) detectou que os indivíduos
entre 45 e os 55 anos apresentavam pior satisfação consigo próprios, menor interesse
pelas coisas, inquietude, aborrecimento, depressão, infelicidade, solidão, maior
ansiedade e menor satisfação com a vida presente do que outros grupos de idade.
Jackson e Warr (1984) apresentam pior saúde mental para os grupos de 30-39 anos e
40-49 anos e em 1985, concluem maior deterioração psicológica e física dos indivíduos
entre 20 e 54 anos desempregados há 9 meses.
82
Para trabalhadores altamente qualificados e desempregados (Kaufman, 1982)
surgem resultados idênticos com o grupo 30-40 anos a sofrer maior impacto negativo do
desemprego (depressão, irritação, anomia e baixa satisfação com a vida). Outro aspecto
importante neste estudo é a relação entre os anos de prática de trabalho e o tipo de
reacção ao desemprego. O stress pela perda de emprego aumenta com o aumento de
tempo de experiência de trabalho, sobretudo para quem trabalhou entre 6 e 14 anos.
Existe também uma alta correlação entre a idade e a experiência profissional, podendo
considerar-se que os indivíduos entre 30 e 40 anos já criaram fortes laços de
identificação com o emprego.
Estramiana (1992: 98) observou, em Espanha, efeitos diferenciais do
desemprego no bem-estar psicológico dependendo da idade da pessoa desempregada.
Foi no grupo de idades intermédias que se detectou deterioração.
Os estudos sobre o desemprego nos seus efeitos psicológicos têm sido
concentrados nos homens. Todavia, algumas investigações sugerem que trabalho
remunerado e sua perda não têm os mesmos efeitos no homem e na mulher (Einsenberg
e Lazarsfeld, 1938; Fraser, 1980; Milham et al., 1978; Pahl, 1978) devido a definições
tradicionais do papel sexual e diferente socialização.
Ambos os argumentos são frágeis, tendo em conta a mudança social das últimas
décadas com o afluxo das mulheres ao mercado de trabalho, o que, certamente, terá
implicações nos sistemas de valores sociais. É legítimo supor que também as mulheres
são afectadas pelo desemprego no seu bem-estar físico e psicológico (Estramiana,
1992). Watkins (1982), Bersoff e Crosby (1984), Repetti e Crosby (1984), Cochrane e
Stopes-Roe (1981) assinalam para a mulher o benefício psicológico da obtenção de um
posto de trabalho. Bebbington e outros (1981) referem menores níveis de quebra
psicológica para ambos os sexos quando há emprego. Estramiana (1929), numa ampla
revisão, conclui, tal como Warr (1987), que mulheres à procura de emprego e inscritas
em Centro de Emprego sofrem o impacto negativo do desemprego sobre o estado
psicológico idêntico ao dos homens. O estudo de Estramiana (1992), em Espanha,
conclui por uma associação significativa entre desemprego e deterioração do bem-estar
psicológico tanto para homens como para mulheres.
Quanto ao envolvimento no trabalho, na revisão da literatura elaborada por
Brown et al. (1983) não foi encontrada qualquer diminuição na motivação dos homens
para trabalhar. Warr e Lovate (1977) estudaram 1655 desempregados da indústria
83
siderúrgica e concluíram a existência de forte relação entre envolvimento no trabalho e
procura de emprego. As pessoas mais envolvidas no trabalho eram mais activas na
procura de emprego, realizavam mais procuras directas junto de empresários e seis
meses após encerramento da fábrica obtinham trabalho com muito maior frequência. As
conclusões de Warr e Jackson (1985) vão no mesmo sentido. Por outro lado, Tazelaar
(1988) defende que a atitude na procura de emprego não está relacionada apenas com a
ética no trabalho mas também com variáveis como a percepção das oportunidades de
encontrar emprego.
Existem abundantes estudos sobre o efeito moderador do envolvimento do
trabalho na saúde mental dos desempregados. Warr (1978) e Ulla et al. (1985) mostram
que os desempregados com alta motivação para o trabalho manifestavam mais sintomas
de depressão, infelicidade, solidão, irritação, aborrecimento, menor actividade. Outros
investigadores concluem por uma relação estatisticamente significativa entre motivação
para o emprego e depressão (Blanch, 1988; Feather e Barber, 1983; Feather e Bond,
1983; Feather e Davenport, 1981) ou que a perda de saúde mental é maior para aqueles
cujo envolvimento no emprego é também maior (Warr e Jackson, 1985). Diversamente,
Estramiana (1992:109) mostra uma correlação significativa entre envolvimento no
emprego e auto-estima positiva.
O apoio social vem sendo assinalado por vários autores quer como factor de
amortecimento do impacto de eventos vitais que afectam negativamente a saúde, quer
como factor etiológico determinante do estado de saúde física e psíquica; os resultados
dos estudos não são todavia coincidentes (Estramiana, 1992), embora haja alguma
evidência empírica de que a percepção de apoio social é uma variável importante para
reduzir a ansiedade, a depressão, a irritação e os sintomas somáticos produzidos por
situações de stress no trabalho ou na sua ausência.
Gore (1973) aponta a influência do apoio social na redução dos efeitos derivados
da perda do posto de trabalho95. Os indivíduos pertencentes a um contexto social rural
declaravam sentir-se mais apoiados do que os indivíduos de um contexto urbano. Além
disso, os desempregados por maior período de tempo e que não sentiam apoio
apresentavam maiores níveis depressivos. Ullah et al. (1985), com ampla amostra de
95 Trata-se de um vasto trabalho de investigação durante um período de dois anos com cem trabalhadores desempregados. O autor encontrou também diferenças significativas no apoio social tanto no grupo de desempregados como no grupo de controlo em função do contexto.
84
jovens desempregados, mostraram que os indivíduos a receber ajuda económica de
alguém manifestavam menor perda de saúde psicológica. Os indivíduos sem apoio
social mostravam pior bem-estar psicológico e maior tendência para depressão. O apoio
da família como dos amigos torna-se especialmente importante porque são entidades
representativas de fortes vínculos emocionais (Estramiana, 1992). Tais laços
influenciam a redução de sintomas depressivos (Lin et al., 1985). Estramiana
(1992:115) observou uma perda de bem-estar emocional nos desempregados com
menor grau de apoio social, pelo que esta variável deve ser tida em conta ao abordar as
diferenças no bem-estar psicológico entre diferentes grupos de trabalhadores
desempregados.
Outros estudos encontram relação entre dificuldades económicas e deterioração
psicológica (Hall, 1934; Little, 1976; Estes e Wilensky, 1978; Warr, 1984b; Buendía,
1987; Kaufman, 1982 e Estramiana, 1992). Todavia, Kasl (1982) não encontra
associação significativa entre ambas as variáveis. Warr e Jackson em dois estudos (1984
e 1985) apresentam resultados não concordantes.
Quanto à ocupação do tempo tende a considerar-se que a ocupação do tempo de
forma organizada e com vista a objectivos é importante para usufruir de bem-estar
psicológico na situação de desemprego, de acordo com alguma evidência empírica
(Estramiana, 1992: 119). Para Jahoda (1982) a quebra psicológica detectada em
desempregados tem relação com a desestruturação do tempo que acompanha as
mudanças ocorridas no estatuto de emprego. Um estudo de Feather e Bond (1983) junto
de licenciados conclui que os desempregados têm menor organização e carecem de
objectivos. O trabalho impõe metas, estruturas e rotinas que faltam no desemprego.
Além disso, a ausência de metas e de estrutura de utilização do tempo,
independentemente de estar empregado ou desempregado, andavam associadas a
maiores sintomas depressivos e a menor auto-estima (Feather e Bond, 1983). A quebra
psicológica e a perda de auto-estima em função da falta de estrutura temporal também é
apontada por Rowley e Feather (1987). Acresce que quanto maior era a duração do
tempo no desemprego maiores eram as dificuldades para ocupar o tempo de forma
estruturada e com objectivo. Brenner e Bartell (1983) concluem que a percepção de alta
ocupação de tempo contribui para o bem-estar psicológico. Os autores assinalam ainda
que a adaptação inicial à estruturação do tempo, depois da perda de emprego, determina
a posterior percepção da ocupação desse mesmo tempo. Para Fryer e Paine (1984) a
85
capacidade de estruturar o tempo é uma das características principais, a par da
capacidade de iniciativa e de ser activo, permitindo enfrentar a situação de desemprego
de forma satisfatória. Os resultados de Warr e Payne (1983) mostram que a ocupação do
tempo em actividades passivas no desemprego está associada a um aumento de
“transtornos psíquicos menores” (ansiedade, depressão, aumento da tensão e da
insatisfação). Tais investigações concordam em que a capacidade de dar sentido à
organização do tempo no desemprego tem efeitos benéficos no bem-estar psicológico.
Estramiana (1992) conclui que a capacidade ou possibilidade de a pessoa desempregada
dar sentido temporal às actividades quotidianas é variável relevante para interpretar o
impacto afectivo diferencial do desemprego.
Em estudo efectuado por Platt (1986) acerca da relação do desemprego com o
para-suicídio, os dados indicaram que a taxa de para-suicídio é significativamente
superior nos desempregados; o número de suicídios é maior em desempregados e tende
a aumentar com a duração do desemprego. O desemprego prolongado torna-se factor
significativo no respeitante ao comportamento suicida, uma vez que pode conduzir a um
aumento de tensões familiares e de violência; alterações na estrutura familiar; depressão
e sentimentos de falta de esperança; perda de auto-estima e de auto-confiança; crescente
isolamento e privações financeiras.
Segundo Blakely, Collings e Atkinson (2003), vários estudos longitudinais
revelam que o desemprego origina sintomas de depressão e ansiedade.
Outro estudo (Platt, 1986), que pretendia avaliar as variações dos factores
psicológicos nos desempregados, concluiu que os desempregados eram mais
predispostos à depressão e manifestavam mais sentimentos de falta de esperança e
desespero. Todavia, o impacto psicológico do desemprego pode tornar-se menos grave
em áreas de trabalho onde o desemprego é mais frequente, em anos de recessão
económica ou em grupos sociais e classes etárias onde o desemprego é comum.
Blakely, Collings e Atkinson (2003) tentaram determinar associações entre
status no trabalho e posição socioeconómica com o suicídio. Verificam que a relação
causal entre desemprego e suicídio é pouco clara. Também o nível socioeconómico está
associado ao risco de suicídio, embora alguns estudos levantem a hipótese de distinção
pouco nítida entre posição socioeconómica e status no trabalho, dificultando, pois, a
atribuição da relação causa-efeito bem como o seu estudo. Num estudo recente
86
efectuado à população da Nova Zelândia, comprovam empiricamente que o desemprego
está fortemente relacionado com o suicídio, aumentando a sua probabilidade.
Em Portugal, mantém-se tal tendência estatística na relação
desemprego/suicídio/para-suicídio. Recentemente, ao analisar as taxas de suicídio dos
indivíduos com e sem actividade económica96 verificou-se que as taxas são mais
elevadas entre indivíduos sem actividade económica, homens e mulheres (Campos e
Leite, 2002). Na década de 1990 a maioria dos indivíduos que cometeram suicídio
estavam desempregados97.
Gomes (2003) refere que numa situação de desemprego ficam afectadas ou
perdem-se funções essenciais para uma boa saúde mental (confiança, identidade
individual, contacto social e partilha de experiências, por exemplo). O autor aponta o
suicídio como um dos resultados negativos relacionados com o desemprego.
Em suma, viu-se como o desemprego se desenvolveu na sua história recente em
relação com as necessidades de funcionamento do mercado de trabalho e a emergência
do Estado de Bem-Estar. Foram apresentadas ainda considerações sobre a limitação
sociológica à sua definição e os seus problemas de mensuração. Equacionaram-se ainda
alguns dos estudos a nível internacional e nacional sobre a temática.
Seguidamente, serão analisados alguns dados estatísticos relativamente ao
mercado de trabalho em Portugal e na UE.
96 Para ambos os sexos e para os anos de 1993 a 2000. 97 Dos dados apresentados destaca-se o facto de, em Portugal, um dos pontos máximos de suicídio ter ocorrido nos anos 1980, época de crise económica (afectada pela conjuntura económica e social) onde terão existido elevadas taxas de desemprego.
87
V. TRABALHADORES E MERCADO DE TRABALHO EM PORTUGAL E NA
EU E ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO
“Deus pôs o trabalho por sentinela da virtude.”
Confúcio
IV.1. POPULAÇÃO ACTIVA E POPULAÇÃO INACTIVA
Na década 1998 – 200898, a população activa no Continente apresentou
aumentos sucessivos, à excepção de 200899. Verifica-se que, entre os 15 e 64 anos, para
o aumento contribuiu, sobretudo, a faixa etária dos 25 a 54 anos (mais 538 mil)100. Ao
invés, o grupo etário dos 15 a 24 anos registou uma diminuição de cerca de 211,7 mil.
Salienta-se ainda que o aumento da população activa feminina verificado nesse período
representou quase o dobro do ocorrido na população masculina101.
Figura 3. População activa dos 15 aos 64 anos por sexo e grupo etário
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego.
No que respeita à população inactiva (e à semelhança do período 2003-2005),
em 2008 aumentou 0,4%, o que resultou num aumento de 17,5 mil inactivos face a
2007, não obstante em relação a 1998 se ter verificado diminuição de cerca de 15 mil 98 OEFP (2009), Aspectos Estruturais do Mercado de Trabalho, Lisboa, Observatório do Emprego e da Formação Profissional. 99 Face ao ano anterior, volta a registar-se igual número de população activa (5 381,2 mil indivíduos), dado que o aumento de 0,1% de activos masculinos é compensado pela diminuição de 0,1% de activos femininos. 100 Passou de 3.385,8 para 3.923,8. 101 Cerca de 294,6 mil mulheres face a 150,7 mil homens.
88
inactivos. Contudo, verifica-se que tal aumento entre 2007 e 2008 não reflectiu
comportamentos idênticos nas diversas componentes: enquanto o número de
domésticas/os e de outros inactivos diminuiu (10,1 mil e 52,6 mil, respectivamente), o
número de reformados e de estudantes subiu (63,4 mil e 16,9 mil, respectivamente).
Figura 4. População inactiva
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
IV.2. ACTIVIDADE E EMPREGO
Desde a viragem do milénio que Portugal vem registando taxas de actividade102
e de emprego103 superiores à média dos 27 países da UE, apesar de se verificar que, a
partir de 2001, as taxas de emprego da UE e de Portugal tendem a aproximar-se. De
facto, a taxa de emprego portuguesa vem decrescendo progressivamente desde esse ano,
enquanto a europeia prossegue em sentido inverso, resultando numa redução do
diferencial de 5,6% em 1999 para 2,4% em 2007, como se pode verificar nas figuras 5 e
6.
102 A taxa de actividade relaciona a população activa com a população total. 103 A taxa de emprego define a relação entre a população empregada e a população em idade activa (15 e mais anos)
89
Figuras 5 e 6. Taxa de actividade e taxa de emprego em Portugal e na UE
Fonte: Comissão Europeia, Employment in Europe 2008 – Statistical Annex
A taxa de actividade, calculada para a população de 15 a 64 anos, tem
aumentado progressivamente desde 1998, situando-se nos 74,4% em 2008 (mais 3,8%
face a 1998). Apesar de as taxas de actividade feminina e masculina apresentarem
valores superiores em 2008 face a 1998, o comportamento desta taxa traduz diferentes
evoluções. Enquanto a taxa de actividade masculina tem registado alguma oscilação,
com o valor mais alto em 2002 (79,9%), a taxa de actividade feminina tem aumentado
gradualmente desde 1998, passando de 62,7% em 1998 para 69,3% em 2007 e 2008, o
que indica uma tendência para a feminização do mercado de trabalho.
Figuras 7 e 8. Taxa de actividade por sexo e taxa de actividade por grupo etário
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
Considerando os diferentes escalões etários, nota-se que, entre 1998 e 2008, o
aumento da taxa de actividade se repercutiu por todos os grupos de idades, à excepção
90
dos jovens de 15 aos 24 anos (diminuição de 5,7%, tendo-se fixado nos 41,5% em
2008).
Relativamente à população de 25 a 54 anos e de 55 a 64, na década em análise, as taxas
de actividade registaram aumentos na ordem dos 4,2% e 3%, respectivamente, devido
ao incremento da taxa de actividade feminina104. A aceleração significativa das
mutações económicas e sociais, dá lugar a novas formas de emprego, mais flexíveis, que
requerem frequentemente novas formas de protecção social. As novas formas de
trabalho atípicas constituem fenómeno complexo e sugerem a ideia de emprego
transitório, instável e inseguro. Os vários tipos de trabalho precário resultam de um
conjunto de circunstâncias que, de modo ostensivo ou latente, fragilizam o vínculo
contratual, ampliando as margens de manobra do empregador na definição das
condições de trabalho, designadamente as respeitantes à estabilidade, e reduzindo, por
conseguinte, as possibilidades de resposta do trabalhador.
IV.3. ALGUNS INDICADORES RELATIVOS AO TRABALHO
Olhando para a evolução do trabalho temporário na figura 10, verifica-se um
aumento do trabalho temporário no emprego total na UE 15, como em Portugal. No
caso português, é notável o incremento desde 1996 com peso continuamente superior
aos dados comunitários. A UE 15 passou, em 1996, de 14.459.900 trabalhadores para
21.533.200, em 2007, acusando uma taxa de crescimento de 41,9%, enquanto Portugal,
no mesmo período, registou uma taxa de crescimento de 176,4%, ao passar de 328.400
para 865.400. Para avaliar o carácter temporário deste trabalho, convém referir que, por
exemplo, na UE 15 e em 2007, apenas cerca de 24% destes trabalhadores tinham
contrato com duração superior a um ano (Margarida Antunes, 2008).
104 De facto, ocorre uma evolução favorável das taxas de actividade feminina nos escalões etários correspondentes, (aumentos de 7,9% e 7,6%), uma vez que as taxas de actividade masculina evidenciaram quebras nas faixas etárias dos 15 aos 24 anos e dos 55 aos 64 anos (5,9% e 2,3%, respectivamente) e o grupo de idades entre 25 e 54 anos registou uma subida pouco expressiva (0,1%).
91
Figura 9. Evolução do peso do trabalho temporário no emprego total (Portugal e EU)
Fonte: Eurostat
O trabalho a tempo parcial105 apresenta a mesma tendência na UE 15; o seu peso
vem aumentando continuamente no emprego total106 (entre 1996 e 2007 de 47,6%). Em
Portugal, de 1996 para 2007 ocorre a taxa de crescimento expressiva de 42,2% (de
298.300 trabalhadores a tempo parcial para 424.000 respectivamente).
No respeitante ao trabalho a tempo parcial involuntário, evolui
significativamente o seu peso no trabalho a tempo parcial total em Portugal de 2001 a
2007, passando de 22% para cerca de 39% (cerca de 165.000 trabalhadores).107
Quanto ao trabalho por conta própria, a situação de Portugal e da UE 15 (figuras
10 e 11) não são similares. Normalmente, o trabalho por conta própria é considerado
alternativa para quem não encontra emprego por conta de outrem. Assim, em períodos
de taxas de desemprego elevadas, aumentam tais situações. Em Portugal, no entanto,
não se tem detectado tal correspondência, antes pelo contrário. Em anos de subida da
taxa de desemprego, tem-se verificado uma redução no número de trabalhadores por
conta própria sem outros trabalhadores ao serviço, enquanto em finais dos anos 1990,
com taxas de desemprego baixas, Portugal apresentava uma das maiores taxas de auto-
105 Nesta categoria é necessário distinguir o trabalho a tempo parcial involuntário do trabalho a tempo parcial voluntário. Apenas o primeiro permite avaliar as condições de acesso a um emprego. 106 Em valor absoluto, passa de 23.563.000 trabalhadores, em 1996, para 34.775.300, em 2007. 107 Na UE 15, por ausência de dados estatísticos, não é possível identificar com rigor a evolução, mas pelo valor de 2007 pode concluir-se que a tendência não foi muito diferente da ocorrida em Portugal, havendo nesse ano cerca de 7.500.000 de trabalhadores com esta situação (Antunes, 2008: 3).
92
emprego da UE. Já na UE, tem-se assistido a um aumento contínuo do número deste
tipo de trabalhadores (Antunes, 2008).
Figura 10. Evolução de trabalho por conta própria em Portugal
Nota: Refere-se a trabalhadores entre 15 e 64 anos Fonte: Eurostat.
Figura 11. Evolução de trabalho por conta própria na UE 15
Nota: Refere-se a trabalhadores entre 15 e 64 anos Fonte: Eurostat
Relativamente a situações de trabalhadores com dois empregos, é possível
verificar um aumento, entre 1996 e 2003, começando a diminuir de forma instável,
deste então, provavelmente devido à “degradação progressiva das condições do
mercado de trabalho” (Antunes, 2008: 4).
93
Figura 12. População com dois empregos em Portugal
Fonte: Eurostat
Na UE 15, a evolução é mais contínua e ascendente, havendo, em 2007, quase
6,5 milhões (6.411.000) de cidadãos em tal situação (Figura 13).
Figura 13. População com dois empregos na UE 15
Fonte: Eurostat
Inquirida a população portuguesa quanto à necessidade do duplo emprego (T.
Costa Pinto et al., coords., 2009: 22), a razão mais frequentemente invocada é a
“necessidade económica decorrente da insuficiência do rendimento obtido” na
actividade principal (79,5% das respostas).
94
IV.4. ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO E ACTIVIDADE
O aumento da esperança média de vida é aspecto pertinente quando se aborda o
mercado de trabalho108e as questões relacionadas com o emprego. Os indicadores de
envelhecimento demográfico da generalidade dos países europeus apontam
sistematicamente para aumento da proporção de indivíduos com mais de 65 anos e
redução da proporção de jovens com idades até aos 14 anos. Esta realidade manifesta-se
em acentuada erosão na base das pirâmides etárias e alargamento dos efectivos no topo,
por adiamento progressivo da morte. Tal desequilíbrio inter-geracional aparece como
característica marcadamente europeia, acentuando os traços de um envelhecimento que
parece irreversível à luz da evidência empírica actual (Ana A. Fernandes, 1997).
Em alguns países, como Suécia e Dinamarca, a proporção de indivíduos com
mais de 65 anos diminuiu mas a tendência geral nos outros Países é inversa.
Apresentam uma subida mais acentuada dos mais idosos na população, os países do Sul
(Espanha, Grécia, Itália e Portugal). São, também, estes os países onde a
natalidade/fecundidade continua a baixar, atingindo valores nunca antes registados.
De acordo com dados do Eurostat, a história demográfica da UE, está em vias de
inaugurar a diminuição da população por volta de 2015. O envelhecimento da
população colocará desafios económicos, orçamentais e sociais importantes. Segundo o
The 2009 Ageing Report: Underlying Assumptions and Projection Methodologies109, a
estrutura etária da população na União Europeia até 2060 sofrerá alterações dramáticas.
Nos próximos 50 anos, Portugal poderá continuar com cerca de 10 milhões de
habitantes, mas manter-se-á a tendência de envelhecimento demográfico, projectando-se
que, em 2060, residam no território nacional cerca de 3 idosos por cada jovem110.
Um dos aspectos a merecer muita atenção diz respeito ao emprego das
populações em idade activa e das populações mais idosas.
A UE15 assistirá, nos próximos anos, a uma alteração bem significativa da
relação entre coortes da população em idade de trabalhar. O cenário é de
envelhecimento da população trabalhadora - à medida que aumenta o peso relativo dos
108 Factores essenciais para o aumento da esperança média de vida foram o recuo da mortalidade infantil, e, mais recentemente, recuo da mortalidade na terceira idade. 109 Disponível em: http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication13782_en.pdf 110 INE - Projecções de População Residente em Portugal 2008-2006.
95
mais idosos, aumenta também a idade média da população potencialmente activa. O
fenómeno do envelhecimento demográfico assume posição central no debate
contemporâneo pelas incontornáveis implicações na estruturação do tecido produtivo. O
aumento da esperança de vida, com avanços sobretudo, ao nível das probabilidades de
sobrevivência a partir dos 65 anos, leva a um alargamento do tempo de inactividade.
Todavia, as sociedades pós-modernas, com a sua personalização hedonista recusam o
envelhecimento e promovem o ideal de juventude como valor (Lipovetsky, 1989).
As abordagens ao envelhecimento activo111 abundam, surgindo as questões
relativamente ao tema a partir de dois panoramas distintos. O primeiro respeita à
valorização do conceito de “envelhecer” e as representações negativas associadas. A
actividade seria um elemento estruturante para ruptura com a relação
envelhecimento/incapacidade, onde os mais velhos são tolerados como “fardo”,
economicamente improdutivos, (Ana P. Gil, 2007). O segundo, refere-se à crescente e
urgente necessidade de participação económica da população com longa experiência de
vida, como base para a própria sustentabilidade financeira do Sistema de Segurança
Social e para cumprimento da Estratégia Europeia para o Emprego (EEE).
Face às tendências demográficas em curso e respectivas projecções, os mais
idosos ainda em idade activa constituem uma das reservas de mão-de-obra mais
importantes para a acção política comunitária no domínio do emprego e nos próximos
anos112. A prática intensiva da reforma antecipada nas últimas décadas revelou que aos
seus benefícios estavam associados custos importantes, tanto para trabalhadores e
desempregados mais idosos como para sindicatos, empresas e governos: deterioração do
status dos mais idosos no mercado de trabalho (com efeitos nos níveis de
empregabilidade), aumento dos custos laborais não-salariais e dos gastos públicos com
pensões, diminuição do suporte social dos sindicatos e perda de mão-de-obra
qualificada, experiente e produtiva.
A estes custos as actuais tendências demográficas vieram acrescentar fortes
impactos negativos na sustentabilidade financeira dos sistemas de Segurança Social e no
111 O envelhecimento activo é definido como “o conjunto de orientações e acções de natureza política que visam assegurar uma maior participação económica dos grupos etários mais velhos ainda em idade activa” (Pestana, 2003: 13). Também é considerado em termos de prolongamento de actividade física. 112 Os mais idosos são fundamentais na reserva de mão-de-obra; na verdade os jovens serão cada vez menos (componente demográfica) e, também, não parece razoável assistir à antecipação da sua entrada na vida activa, em virtude das actuais políticas educativas e práticas educacionais (componente comportamental). Todavia, parece viver-se o paradoxo de taxas de desemprego cada vez mais altas na população entre 16 e 24 anos.
96
funcionamento dos mercados de trabalho, razões que, no seu conjunto, têm levado os
governos a inverter políticas, nomeadamente com o objectivo de contrariar a passagem
precoce à inactividade, quer através da reforma antecipada, quer através da experiência
de situações temporárias, apoiadas financeiramente, de desemprego, doença e
invalidez113.
Os principais motivos apontados para a decisão de passagem à inactividade
indiciam como factores de influência o stress profissional e a (in)satisfação com o
trabalho, o nível de rendimentos, as condições do mercado de trabalho ou questões de
saúde do indivíduo ou de seus próximos (familiares, etc.), entre outros.
Um inquérito realizado a activos em Portugal (Ana A. Fernandes, 2007)
demonstra que a maioria dos inquiridos aspiram à reforma no tempo regulamentar mas
gostariam de manter uma actividade económica.
As investigações114 permitem concluir que a discriminação etária se expressa
fundamentalmente em quatro domínios: perda prematura do emprego; dificuldades no
recrutamento e na reentrada no emprego; exclusão da formação profissional; transição
para a inactividade.
No caso português, são frequentes os movimentos entre inactividade e
desemprego e inactividade e emprego. Uma vez que o desemprego tende a prolongar-se
nos trabalhadores de mais idade, muitos indivíduos optam ou aceitam a passagem
definitiva à inactividade (exemplo, reforma), dada a impossibilidade de regresso ao
emprego (Ana A. Fernandes, 2007).
A discriminação etária é bastante expressiva no que respeita ao recrutamento,
embora quase 70% dos inquiridos de um estudo (IESE/ EUREQUIPA, 2004) discorde
do limite na idade de recrutamento por parte das empresas, considerando que os
trabalhadores mais idosos não só têm mais experiência como são tão úteis como os
jovens. Quanto à formação, as evidências empíricas revelam serem os trabalhadores
mais idosos os que menos beneficiam de acções de formação da iniciativa dos
empregadores, apesar da sua maior necessidade.
113 De facto, a reestruturação das empresas expressa no emagrecimento de mão-de-obra tem levado a uma utilização intensiva das reformas antecipadas dos trabalhadores mais idosos, nomeadamente com a transição temporária pelo estatuto de desempregado. 114 Um exemplo interessante é o inquérito comunitário realizado em 1993. E. Drury (Eurolink Age), Age Discrimination against Older Workers in the European Community – A Comparative Analysis.
97
V. RETRATOS ESTATÍSTICOS DO DESEMPREGO:
DADOS COMPARATIVOS ENTRE PORTUGAL E UE
“Há mais ferramentas do que trabalhadores.”
Jean de la Bruyère
V.1. ALGUNS INDICADORES RELATIVOS AO DESEMPREGO EM PORTUGAL
De acordo com os dados do INE quanto ao emprego em Portugal, em 2009, a
taxa de actividade da população activa (15 e mais anos) foi de 61,9% (menos 0,6% do
que no ano anterior), apesar da tendência de incremento entre 2003 e 2008. Por seu
lado, o desemprego vem aumentando drástica e continuamente nos últimos anos.
Seguindo a tendência ascendente a partir de 2003115, o número médio de
desempregados no Continente, em 2009, foi de 528,6 mil (aumento de 101,5 mil
relativamente ao ano anterior). A taxa de desemprego116 em 2009 (9,5%) apresenta um
valor bastante superior a 2003, ano em que registou o valor mais baixo (6,3%). Dados
mais recentes do INE permitem concluir que a taxa de desemprego atingiu 10,8% em
2010 e 12,4% no 3º trimestre de 2011.
115 Interrompida em 2008 com diminuição no desemprego. Ver em anexo quadro com população total activa, empregada, desempregada e inactiva, por região NUTS II. 116 A taxa de desemprego relaciona população desempregada e população activa (conjunto de indivíduos com o mínimo de 15 anos que, no período de referência constituem mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico). Vide INE.
98
Figura 14. População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%)
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego
a) Género
De acordo com os dados do INE, as mulheres continuam mais atingidas pelo
desemprego. Ao longo de todo o período em análise, o número de mulheres
desempregadas foi sempre superior ao número de homens desempregados.
Pela primeira vez desde 2003, o desemprego feminino117 apresentou, em 2008,
redução face ao ano anterior (menos 19,1 mil desempregadas) para retomar, em 2009, a
tendência de subida.
117 Também os homens registaram uma descida do número de desempregados em 2008, embora menos acentuada (com menos 2,5 mil indivíduos).
99
Figura 15. População desempregada (milhares) por sexo
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego
De facto, em 2009, a taxa de desemprego masculina situou-se nos 8,9%, ao
passo que a feminina subiu para 10,2%, embora tenha diminuído neste ano a diferença
registada entre géneros. Ambos os valores são os mais altos desta série temporal. Como
se verifica na figura 16, a taxa de desemprego feminina apresentou-se sempre superior à
masculina, deixando transparecer a persistência de uma relação de maior
vulnerabilidade no contexto do mercado de trabalho.
100
Figura 16. Taxa de desemprego (%), por sexo
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego b) Idade
Entre 2003 e 2009, todos os escalões etários registaram aumentos no
desemprego, com especial destaque para o grupo dos 25 aos 34 anos (aumento de 5,5%
passando de 14,5% para 20%) e do grupo dos 45 e mais anos que, em 2009,
praticamente duplica (passando de 3,6% para 7%)118.
Quanto à população desempregada com 45 e mais anos (155,5 mil), o seu
aumento de 1,6% traduziu-se numa subida da respectiva taxa de desemprego que se
fixou nos 7%. No respeitante aos escalões etários 15-24 anos e 25-34, a subida de
desemprego repercutiu-se igualmente nas taxas de desemprego que, registando
acréscimos de 3,6% e 2,2%, se fixaram nos 20% e 10,9%, respectivamente. Em 2010 o
desemprego atingia 22,7% dos jovens entre 15 e 24 anos de idade, 10,9% dos 25 aos 54
e 9,1% de maiores de 55 anos de idade.
118 Contrariamente a 2008, onde se observou um decréscimo de desemprego, em 2009 todos os grupos etários sofreram aumentos. Deste modo, encontravam-se em situação de desemprego 93,4 mil jovens (15-24 anos) e 158 mil adultos com idades entre 25 e 34 anos (grupo etário mais atingido em 2009, seguido do grupo 45 e mais anos – 155,5 milhares - com os valores mais altos desde 2003). Também o grupo dos 35 aos 44 anos registou aumento em relação ao ano anterior (mais 26,5 mil desempregados).
101
Figura 17 – População desempregada (milhares) por grupo etário
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego
Figura 18. Taxa de desemprego (%) por grupo etário
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego c) Escolaridade
Relativamente ao desemprego por nível de escolaridade completo, tendo por
base a população activa de 15 a 64 anos, verifica-se que, em 2009 e face ao ano anterior,
o número de desempregados com nível de escolaridade inferior ou igual ao secundário e
pós-secundário aumentou, apresentando a taxa de desemprego mais elevada em 2009. É
igualmente importante salientar que a esse ano correspondem os números mais altos de
desemprego daqueles que completaram até ao 3º ciclo do ensino básico. Em
contrapartida, os que finalizaram o ensino superior foram em menor número.
102
Figura 19. População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%) por nível de
escolaridade completo
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego d) Jovens
Os resultados do inquérito sobre a entrada dos jovens no mercado de trabalho
disponibilizados pelo INE, no que respeita ao tempo decorrido entre a saída da escola e
o primeiro emprego, informam que a média entre os diferentes grupos etários é de 20,4
meses. Quanto mais idosos maior o intervalo entre formação e primeiro emprego –
enquanto em indivíduos entre 15 e 19 anos o tempo médio é de 11,4 meses, nos
indivíduos entre 30-34 anos o tempo duplica (25,2 meses), conforme figura 20.
103
Figura 20. Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por grupo etário
Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho
Já no concernente ao peso das habilitações no tempo de espera para obtenção do
primeiro emprego, pode observar-se que quanto mais elevadas as habilitações menor o
intervalo entre fim do percurso formativo e início da actividade profissional.
Figura 21. Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por nível de escolaridade
Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho
Família e amigos são o apoio mais comum para ingresso no mercado de trabalho
(45,1%), enquanto 31,2% afirmam tê-lo conseguido por candidatura espontânea junto
de entidades empregadoras. Apenas 3% recorreu ao CE. De acordo com os dados
divulgados, a rede social permanece basilar para entrada no mercado de trabalho.
104
Figura 22. Meios para encontrar o primeiro trabalho de mais de três meses que os indivíduos com idade entre 15 e 34 anos tiveram após a saída da escola (%)
Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho
Apesar do número crescente de jovens que optam pela carreira militar para
evitar o desemprego (quase triplicou nos últimos três anos), tal valor apresenta-se, ainda
assim, pouco expressivo (0,8%)119. O primeiro trabalho ocorre com maior incidência
nos grupos profissionais de nível intermédio, conforme pode verificar-se na figura 23,
com 22,6% dos jovens nos serviços e vendedores, 20,8% operários, artífices e
trabalhadores similares, 12,5% pessoal administrativo e similar e 12% trabalhadores não
qualificados. Só 10,7% dos indivíduos se incluíam no grupo de especialistas das
profissões intelectuais e científicas.
119 Segundo dados do Exército, em 2009, um quinto (20%) dos jovens que entraram para as Forças Armadas estavam inscritos em CE, enquanto nos três anos anteriores não ultrapassava 6%. Ver mais em: Catarina Madeira (2009).
105
Figura 23. Profissão exercida no primeiro trabalho de mais de três meses por indivíduos com idade entre 15 e 34 anos após a saída da escola (%)
Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho
e) Sectores de actividade
Em 2009, a maioria dos desempregados à procura de novo emprego provinha
dos sectores “Serviços” (248,3 mil) e “Indústria” (212,9 mil). O sector “Agricultura”
manteve sensivelmente o mesmo número de desempregados em 2009 face a 1998120; os
sectores “Serviços” e “Indústria” registaram aumentos de cerca de 144,9 mil e 125,7 mil
desempregados, respectivamente121. Em relação ao ano anterior, registaram-se aumentos
nos desempregados em todos os sectores, com especial destaque para a Indústria (mais
65,2 mil desempregados122). Os serviços apresentam uma variação da taxa de
desemprego em relação ao ano anterior de 24,6% (Figura 24).
120 Exceptuando o ano 2000 em que se registou o menor número de desempregados deste sector, com apenas 5,7 mil. 121 Ou seja, uma variação de 144% e 140%, respectivamente. 122 Correspondendo a um incremento de 44%.
106
Figura 24. População desempregada à procura de novo emprego por sector de actividade anterior ao desemprego (milhares)
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
f) Regiões
Em termos absolutos, no Continente, o Norte permanece a região com maior
número de desempregados em 2009 (cerca de 217 mil), seguido de Lisboa (139,3 mil) e
do Centro (92,7 mil). No total das três regiões, registou-se um aumento de 245 mil
novos desempregados entre 1998 e 2008. O Algarve mantém-se como a região onde se
regista menor número de desempregados (valor mais elevado em 2009, com 23,1 mil).
Todavia, em termos relativos a leitura muda.
As regiões Norte (11%), Alentejo (10,6%) e Algarve (10,3%) registaram as mais
altas taxas de desemprego em 2009, todas superiores à média do Continente (9,5%);
inferior à média continental apenas a região Centro (6,9%). Note-se que, no Algarve, se
registou um aumento de 3,3%, relativamente ao ano anterior.
107
Figura 25. Taxa de desemprego por regiões (%)
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
Em todas as regiões, as mulheres foram mais afectadas pelo desemprego,
excepto na região de Lisboa, onde os homens se destacaram nos últimos quatro anos.
Tal situação ocorreu também no Algarve em 2004 e 2007.
Na figura 26, apresentam-se os dados respeitantes à taxa de desemprego por
região e sexo.
108
Figura 26. Taxa de desemprego por região e sexo 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
NORTE
Total 4,9 4,4 4,1 3,7 4,9 6,8 7,7 8,8 8,9 9,4 8,7 11
Homens 4 3,8 3,4 3 4,1 5,8 6,8 7,5 7,1 7,1 7,4 -
Mulheres 6,1 5,1 5 4,6 5,8 8 8,6 10,4 10,9 12 10,1 -
CENTRO
Total 2,9 2,4 2,2 2,8 3,1 3,6 4,3 5,2 5,5 5,6 5,5 6,9
Homens 2,3 2 1,2 2 2,3 3,1 3,5 4,2 4,3 3,7 4 -
Mulheres 3,5 2,8 3,2 3,6 4 4,1 5,2 6,3 6,8 7,7 7,1 -
LISBOA
Total 6,1 5,9 5,3 5,1 6,7 8,1 7,6 8,6 8,5 8,9 8,2 9,8
Homens 5,2 6,1 4,9 4,3 6,1 7,8 7,2 8,4 8,2 9,2 8,1 -
Mulheres 7,1 5,8 5,8 6 7,5 8,6 8,1 8,8 8,8 8,5 8,4 -
ALENTEJO
Total 8,1 6,4 5,3 6,9 7,5 8,2 8,8 9,1 9,2 8,4 9 10,6
Homens 5,1 4 3,1 4,6 5,1 6,2 6,8 8 8,1 6,3 6,7 -
Mulheres 12,4 9,9 8,6 10 10,6 10,7 11,5 10,6 10,5 10,9 11,7 -
ALGARVE
Total 6 4,7 3,5 3,8 5,2 6,1 5,5 6,2 5,5 6,7 7 10,3
Homens 5 3,5 2,7 2,9 4,2 5 4,9 5,1 4,4 6,2 5,4 -
Mulheres 7,4 6,3 4,6 5 6,6 7,5 6,3 7,7 7 7,3 9 -
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego * Não disponíveis dados da Taxa de Desemprego por região com discriminação por sexo respeitante a 2009. Apenas disponível informação sobre o total. V. 2. DESEMPREGO “SUBSIDIADO”123
O número de beneficiários com processamento de prestações de desemprego124
subiu a partir de 2008 – 262,278 mil - até ao fim de Dezembro de 2009 - 362, 719 mil.
Os dados por género e grupo etário não estão disponíveis para este último ano mas no
respeitante à informação até 2008, nota-se aumento dos beneficiários do sexo masculino
em 2008 (mais 11 mil relativamente a 2007). Já o número de beneficiárias, neste mesmo
período, registou ligeira redução (menos 931).
123 Desemprego com apoio financeiro da Segurança Social. 124 Após breve período de dois anos em que desceu (2006 e 2007).
109
Figura 27. Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de subsídio (2009)
Subsídio Dezembro 2009
Subsídio Desemprego 244 134
Subsídio Social de Desemprego * 118, 585
Total 362,719
Fonte: IIESS, IP - Unidade de Estatística (*) Inclui subsídio social de desemprego subsequente e prolongamento de desemprego.
Como se pode observar na Figura 28, as prestações de desemprego aumentaram
expressivamente em 2009, atingindo o valor mais alto por comparação a anos
anteriores. Acresce que de 2009 para 2010 se regista uma diminuição do número de
prestações de desemprego para 295,218 abrangidos.
Com as alterações legislativas ao subsídio de desemprego em 2012 a tendência é
para uma redução dos desempregados abrangidos.
De acordo com dados do IEFP (início de Outubro de 2012) 47% dos
desempregados registados não recebem qualquer prestação social (nem subsídio nem
RSI).
110
Figura 28. Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de subsídio
Fonte: IIESS, IP - Unidade de Estatística V.3. DESEMPREGO REGISTADO NOS CENTROS DE EMPREGO (CE)
Os pedidos de emprego registados nos CE do Continente, em fins de Dezembro
de 2009, subiam a 504.775, número mais elevado dos últimos anos, depois de uma
quebra em 2006 e 2007.
Figura 29. Evolução do desemprego no Continente, em milhares
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
111
O Norte regista a maior incidência de desemprego. Contava cerca de 229 mil
desempregados inscritos em Dezembro de 2009 (aumento de cerca de 41 mil novos
desempregados face a 2003). Seguem-se as regiões de Lisboa e Centro. Em 2009,
Lisboa contava 120 mil desempregados, mesmo assim número inferior ao registado em
2003 (mais 4 mil desempregados). Já a região Centro registava em 2009 perto de 98 mil
desempregados (o valor mais alto no período em causa).
Figura 30. Desemprego por regiões (em milhares)
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
Como pode observar-se na figura 31, apesar da disparidade inconstante entre
sexos ao longo dos anos, as mulheres continuam as mais afectadas pelo desemprego. No
entanto, 2009 apresenta-se como ano em que é menor tal divergência, com maior
número de inscrições de desempregados do sexo masculino125.
125 Comparativamente ao ano anterior, o aumento registado nesse mesmo período foi de 63,2 mil novas inscrições de desempregados masculinos e 29 mil do sexo feminino.
112
Figura 31. Desemprego por sexo (em milhares)
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
Ao nível das habilitações e em comparação com a estrutura de 2001, nota-se que
os desempregados com 2ª e 3º ciclos do ensino básico, secundário ou superior têm
vindo a destacar-se no desemprego total, em detrimento dos que apresentam níveis
inferiores. Contudo, os desempregados com 1º ciclo do ensino básico continuam os
mais representativos (cerca de 143 mil em 2009; mais 31 mil desempregados face a
2001), seguindo-se os do 3º ciclo de ensino básico (99,9 mil, o que corresponde a um
aumento de 52 mil relativamente a 2001).
113
Figura 32. Desemprego registado por habilitações, em milhares
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
Quanto ao tempo de permanência de desempregados em ficheiro, nos CE do
Continente, em fins de 2003 estavam inscritos, há menos de um ano, 268.883
indivíduos, representando 60,7% do total do desemprego registado, dos quais 178.193
(66,3%) inscritos há menos de 6 meses. Os restantes 174.222 eram desempregados de
longa duração. Em 2009 e comparativamente a 2003 o número de indivíduos inscritos
há menos de um ano subiu consideravelmente, correspondendo a 65,2% do total do
desemprego registado.
114
Quadro 1. Desemprego registado por tempo de inscrição, em milhares
2003 % 2006 % 2009 %
DESEMPREGO REGISTADO 443 105 100,0 440 125 100,0 504 775 100,0
< 6 meses 178 193 40,2 187 407 42,6 217 753 43,1
6 a < 12 meses 90 690 20,5 72 849 16,5 111 605 22,1
12 a < 24 90 619 20,4 89 721 20,4 91 685 18,2
>= 24 meses 83 603 18,9 90 148 20,5 83 732 16,6
< 1 ano 268 883 60,7 260 256 59,1 329 358 65.2
> = 1 ano 174 222 39,3 179 869 40,9 175 417 34,8
Tempo médio de inscrição (meses)
13,4
-
14,1
-
13,0
-
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
A análise das profissões mais comuns aos desempregados inscritos nos ficheiros
dos CE do Continente vem confirmar a forte representatividade dos seguintes grupos
profissionais ao longo dos anos126:
• “serviços de protecção e segurança” - 12,4% em 2003, 14,7% em 2007 e
13,8% em 2009;
• “trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio” - 10,5% em 2003,
11,5% em 2007 e de novo 10,5% em 2009;
• “trabalhadores não qualificados das minas, construção civil e indústria
transformadora” - 9% e 9,2% entre 2003 e 2007, aumentando para 9,6% em
2009;
• “empregados de escritório” - a decrescer ao longo dos anos: 12,1% em 2003,
10,8% em 2006 e 9,2% em 2009;
• “operários e trabalhadores similares da indústria extractiva e construção civil”
– a subir: 5,5% entre 2003 e 2007; 6,6% e 9,2% em 2008 e 2009,
respectivamente.
126 Serão apontados os valores mínimos e máximos observados para cada profissão ao longo do período considerado, assim como o valor mais recente (correspondente a 2009).
115
As profissões com menos inscrições foram as mais qualificadas e pertencem ao
grupo 1 da CNP, não excedendo no seu conjunto 1% em todos os anos considerados.
Também com pouca relevância e com iguais valores ao longo dos anos, surgem
“agricultores e pescadores – subsistência” (0%) e ”trabalhadores não qualificados da
agricultura e pescas” (0,2%).
Figura 33. Desempregados inscritos por profissão (Movimento ao longo do ano)
Fonte: IEFP - Direcção de Serviços de Estudos V.4. “COLOCAÇÕES”127 (AJUSTAMENTO ENTRE OFERTA E PROCURA DE EMPREGO)
Seguidamente pode observar-se o volume de colocações entre 2003 e 2009. A
evolução anual mantém trajectória ascendente desde 2004 e, em 2009, atinge valores
muito próximos dos registados em 2003.
127 Ofertas de emprego satisfeitas ao longo do mês, com candidatos apresentados pelos Centros de Emprego. Fonte: IEFP.
116
Figura 34. Colocações de desempregados ao longo dos anos (Continente)
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
Analisando em simultâneo a evolução das variáveis desemprego, ofertas e
colocações ao longo dos anos, é de realçar, a partir de 2008, o comportamento ainda
positivo das colocações face a um agravamento significativo da procura de emprego por
comparação com anos anteriores.
Figura 35. Desempregados inscritos ao longo dos anos, ofertas recebidas e colocações efectuadas (Continente)
Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
Em 2010 foram recebidas 124.851 ofertas de emprego e efectuadas apenas
66.485 colocações. Embora fora desde objecto de estudo, pode colocar-se a questão,
num contexto de aumento do desemprego, relativa aos motivos que levam a que, apesar
da reduzida percentagem de ofertas em relação à procura, mais de 40% fiquem por
117
satisfazer. Este assunto merece, provavelmente, a atenção do serviço público de
emprego para investigação futura.
V.5. ESTATÍSTICAS DE DESEMPREGO EM DUAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: INE E IEFP
Os dados do INE e do IEFP sobre o desemprego, embora apresentem muitas
vezes resultados diversos, seguem, no entanto, evolução semelhante. As razões para a
discrepância prendem-se com o facto de que as duas entidades se baseiam em métodos
estatísticos bem diferentes. Pelas considerações feitas no capítulo III.3. quanto às
dificuldades de mensuração do desemprego, é provável que os números oficiais
divulgados por INE e IEFP não reflictam a verdadeira dimensão do desemprego em
Portugal. Até 2006 o desemprego registado pelo IEFP superava o do INE para, de 2007
a 2009, se inverter a situação.
Quadro 2. Desemprego INE e IEFP Anos 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Desemprego – INE 243,5 219,6 199,9 208,4 265,0 335,4
Desemprego –IEFP 387,3 345,7 316,8 316,5 336,7 417,6
Anos 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Desemprego – INE 357,9 412,2 416,9 435,3 413,1 510,8
Desemprego –IEFP 451,2 466,1 448,0 397,9 382,2 478,4
Fonte: INE – Inquérito ao Emprego; IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
118
Figura 36. Desemprego INE e IEFP
Fonte: INE – Inquérito ao Emprego; IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego
V. 6. DADOS COMPARATIVOS DO DESEMPREGO EM PORTUGAL E NA UE
Quando comparadas as taxas de crescimento económico para 2010-2015
previstas pelo FMI para a Zona do Euro (1,4% ao ano) e para Portugal (0,8% ao ano)
com as previstas para as “economias avançadas” (2,3% ano) e para os EUA (2,7% ano),
conclui-se que os desequilíbrios mundiais se irão acentuar - as taxas de crescimento
económico previstas para as “economias avançadas” e para os EUA são o dobro das
previstas para a Zona do Euro, e o triplo das previstas para Portugal. Relativamente às
chamadas “economias emergentes”, a China ocupa lugar de destaque, com taxas anuais
de crescimento económico entre 9% e 10%.
Em 2008, a taxa de desemprego portuguesa, apesar da diminuição face a 2007,
permaneceu superior à europeia128. Deste modo, em 2008, 7,7% da população activa
portuguesa encontrava-se desempregada enquanto essa percentagem era de 7% para a
média dos países da UE 27. Relativamente a 2009 e apesar do aumento das taxas de
desemprego tanto em Portugal como na UE, manteve-se a mesma diferença (9,6% e
8,9%, respectivamente).
128 Em resultado, principalmente, dos aumentos progressivos desde 2000 e da descida mais significativa que a taxa média europeia registou nos últimos quatro anos, atingindo desde 2007 os valores mais baixos desta série.
119
Quadro 3. Taxas de crescimento económico (variação no PIB real) verificadas no período 1992-2009 e previsões do FMI para o período 2010-2015
Países
Média de Taxas de Crescimento Verificadas
Taxas de Crescimento Previstas
1992-01 2002-09 2009 2010 2011 2015 Média
2010-11-15
ECONOMIAS AVANÇADAS
2,8% 1,6% -3,2% 2,3% 2,4% 2,3% 2,3%
EUA 3,5% 1,7% -2,4% 3,1% 2,6% 2,4% 2,7%
AREA EURO 2,1% 1,0% -4,1% 1,0% 1,5% 1,7% 1,4%
Portugal 2,9% 0,4% -2,7% 0,3% 0,7% 1,4% 0,8%
Grécia 2,5% 3,1% -2,0% -2,0% -1,1% 1,4% -0,6%
Espanha 3,0% 2,2% -3,6% -0,4% -0,9% 1,7% 0,1%
Finlândia 2,9% 1,7% -7,8% 1,2% 2,2% 2,1% 1,8%
Irlanda 7,5% 2,9% -7,1% -1,5% 1,9% 2,5% 1,0%
China 10,3% 10,3% 8,7% 10,0% 9,9% 9,5% 9,8%
Fonte: FMI (2010), Perspectivas da Economia Mundial: Reequilibrar o crescimento, Abril. Figura 37. Taxas de desemprego em Portugal e na EU
Fonte: Eurostat, Labour Force Survey.
A economia mundial atravessa a pior crise económica e financeira dos últimos
50 anos, com consequências graves para trabalhadores e famílias. Desde o segundo
semestre de 2008, tem-se observado uma queda significativa da produção em muitos
países, façam ou não parte da OCDE, provocando uma diminuição brutal dos níveis de
emprego e um aumento considerável do desemprego. Como ocorreu em graves
120
recessões passadas, os grupos que já se encontram em situação de desvantagem no
mercado de trabalho (jovens, trabalhadores com baixa qualificação, imigrantes,
minorias étnicas e, entre eles, os que têm empregos temporários ou não convencionais)
são as principais vítimas.
Os resultados divulgados pelo European Labour Force Survey permitem
destacar os grupos mais vulneráveis pela contracção do emprego resultante da recessão.
O aumento da taxa de desemprego global e no respeitante ao género deveu-se,
principalmente, ao aumento da taxa de desemprego masculino. O fosso entre taxas de
desemprego dos dois sexos, pela primeira vez, não só desapareceu como reverteu: em
Junho de 2009, a taxa de desemprego masculina excedeu a feminina. Observe-se a
figura 38.
Figura 38. Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o género
Fonte: Eurostat, EU LFS. Data non-seasonally adjusted.
Veja-se a taxa de desemprego para os diferentes grupos etários. Como se
observa no gráfico 50 respeitante à UE, a partir do segundo quartel de 2008, o
desemprego aumentou para todos os grupos, com particular impacto na população mais
jovem (15-24 anos).
121
Figura 39. Taxas de desemprego na UE, segundo o grupo etário
Fonte: Eurostat, EU LFS.
Comparando dados em Portugal, o desemprego dos jovens manteve-se, até por
volta de 2003, bastante afastado da média na EU; a partir de então os valores
aproximaram-se. Em 2000, a taxa de desemprego da população mais jovem situava-se,
em Portugal, nos 8,6%, ao passo que a UE duplicava este valor (17,4%). Em 2006,
Portugal aproximava-se rapidamente da UE aumentando 16,3%, embora ainda abaixo
da média europeia. Tal tendência inverteu-se no ano seguinte: Portugal ultrapassou, pela
primeira vez, a média europeia (baixou para 15,4%), registando 16,6%. Em 2009 e pela
primeira vez no período em análise, a taxa de desemprego dos jovens contrariou a
tendência evolutiva até então, reduzindo para 16,4% (Figura 40).
Figura 40. Taxa de desemprego dos jovens
Fonte: Eurostat, Labour Force Survey.
122
Respeitante às habilitações, pode observar-se um aumento da taxa de
desemprego a partir do final de 2008 e que se manteve no início de 2009 para todos os
níveis de escolaridade. No entanto, os mais afectados foram os de escolaridade mais
baixa129.
Figura 41. Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o nível de escolaridade completo
Fonte: Eurostat, EU LFS. Data non-seasonally adjusted
Por fim, também a nacionalidade tem influência no desemprego, conforme
figura 42. Comparativamente aos nacionais, os estrangeiros apresentam uma taxa de
desemprego mais alta; os dos países da UE são menos vulneráveis; os não pertencentes
à UE são bastante mais afectados.
129 É possível perceber que a grande maioria dos desempregados se reparte entre os que têm baixos e médios níveis de escolaridade, sendo os mais escolarizados os menos penalizados e vulneráveis ao desemprego.
123
Figura 42. Taxas de desemprego na União Europeia, segundo a nacionalidade
Fonte: Eurostat, EU LFS. Data non-seasonally adjusted
VI. DESEMPREGO, POBREZA, EXCLUSÃO, PROTECÇÃO SOCIAL,
ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO
“A pobreza humilha os homens até ao ponto
de se envergonharem das suas virtudes.”
Luc de Vauvenargues
INTRODUÇÃO
As sociedades humanas conhecem, desde sempre, fenómenos de exclusão. As
desigualdades entre Homens e a exclusão social têm estado presentes em diversos tipos
de sociedades estratificadas. Mesmo na polis grega, apurada no ideal de democracia,
havia homens e “sub-homens” - os que gozavam da liberdade e podiam entregar-se ao
«ócio», com base numa suficiência de bens, e os de estatuto inferior. Aceitava-se como
normal esta condição nas sociedades antigas, sendo que cada um vivia de acordo com a
sua fortuna, o seu fado, sem conotação com sentimentos de (in)justiça.
Com os iluministas e enciclopedistas, sobretudo no contexto francês, tais
concepções foram postas em causa.
124
As sociedades modernas reclamam o direito à igualdade para todos. A igualdade
perante a lei, ainda que de carácter meramente formal, justifica um movimento para o
fim das diferenciações estatutárias e tentativa de erradicação das desigualdades mais
gritantes. Contudo, as sociedades geram, de forma natural e constante, a exclusão social.
A vida humana reveste-se de uma multiplicidade de dimensões e o insucesso num sector
afecta os demais. Há um multiplicador social de insucessos que conduz à exclusão
social. Não há sociedades que não gerem qualquer forma de exclusão. De uma maneira
ou de outra, as pessoas são continuamente afastadas da esfera dos bens e dos privilégios
económicos, do mundo dos valores, da escolaridade normal e de um ambiente familiar
condigno. A exclusão abrange não apenas as relações sociais, como as representações
que lhes são próprias (Fernandes, 1995).
As sociedades contemporâneas são palco de grandes e complexas mudanças que
afectam várias dimensões da vida. O trabalho afigura-se elemento de estratificação
social e delimitação do status porque permite acesso diferenciado aos recursos
disponíveis. Assim, é dimensão fundamental na vida das pessoas e emerge como
objecto passível de múltiplas valorizações (Caetano et al., 2003). Os valores do trabalho
revelam o grau de importância que lhe é atribuído bem como as atitudes e o significado
que se lhe confere.
VI.1. DESEMPREGO, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL
Pode definir-se pobreza como situação de privação por falta de recursos (A.
Bruto da Costa, 2008) o que significa alguma forma de exclusão social.
Considerando que a desigualdade é princípio intrínseco a qualquer forma de
estruturação social, torna-se lícito esperar diferentes habilidades de articulação e de
acumulação de recursos (que ultrapassam a esfera económica, englobando ainda aqueles
que derivam dos capitais cultural e social) quer materiais quer sociais, por parte dos
vários actores. Existe assim uma separação entre os que conseguem mobilizar recursos
no sentido de participação social plena e os que, por falta desses mesmos recursos, não
têm capacidade para o fazer.
A falta de recursos impossibilita a satisfação das necessidades essenciais, o que,
por sua vez, cria uma condição existencial que atinge os mais diversos e profundos
125
aspectos da vida e da personalidade humanas. Tal privação vai empurrando “para fora
ou para a periferia da sociedade” aqueles que “não participam dos valores e das
representações sociais dominantes” (Fernandes, 1995: 16). O excluído encontra-se fora
dos universos materiais e simbólicos, sofrendo a acção de uma espiral crescente de
rejeição, que culminará na interiorização de um sentimento de auto-exclusão. São estes,
assim, postos à margem, como tão cruamente assinala Viviane Forrester (1996).
O processo multiforme de exclusão social constrange para fora ou para a
periferia da sociedade categorias diferentes de população. Existe uma profunda
clivagem entre os que “estão dentro” e os que “estão fora”, a camuflar a anterior
oposição entre “dominantes” e “dominados”. Os excluídos têm nula ou fraca
participação económica e ausência total de relacionamento com os integrados. Os
processos de exclusão podem ser hetero ou auto-infligidos: as pessoas também se
excluem do meio social quando sentem ou pressentem que os seus valores não são
partilhados.
A exclusão afigura-se, assim, como fenómeno multidimensional e social ou
conjunto de fenómenos sociais interligados que contribuem para a efectivação do
excluído. Ao nível da exclusão, coexistem fenómenos sociais diferenciados, tais como
desemprego, marginalidade, discriminação, pobreza, entre outros. A configuração da
exclusão está também estritamente associada à desintegração social (quebra de laços de
solidariedade e risco de marginalização), à desintegração do sistema de actividade
(mutações económicas) e à desintegração das relações sociais e familiares
(aparecimento de novos tipos de estruturas familiares mais vulneráveis — famílias
monoparentais — e enfraquecimento das redes de entreajuda familiares, de vizinhança e
comunitárias).
A crise por que passam as sociedades de hoje - económica, política, cultural e
moral - está presente nas relações sociais e faz desaparecer a certeza e a segurança
relativamente ao futuro. O desemprego - enquanto efeito privilegiado da crise - é fase de
instabilidade e de incerteza nas trajectórias dos agentes e suas famílias. A exclusão do
mercado de trabalho gera pobreza e esta impede o acesso a bens e serviços socialmente
relevantes (habitação, saúde, lazer). Os afectados por esta condição não conseguem uma
identidade (social) no trabalho, na família ou na comunidade, tornando-se excluídos das
relações sociais e do mundo, como das representações a elas associadas. É cavado,
126
assim, um fosso, no seio das sociedades actuais, constituído pela separação entre mundo
do trabalho - que permite o consumo - e espaços de desemprego e de exclusão.
Embora ter emprego nem sempre proteja as pessoas do risco de pobreza130, em
2007, apenas 8% da população empregada na UE27 detinha um rendimento abaixo da
linha de pobreza, por comparação com 42% da população desempregada. No entanto,
mesmo que a população empregada esteja menos exposta ao risco de pobreza do que os
restantes grupos, ela representa uma grande percentagem em risco de pobreza, visto que
uma grande parte da população adulta se encontra a trabalhar (65% na UE27).
O emprego ou a sua ausência tem um impacto importante na taxa de risco de
pobreza. Com efeito, enquanto a taxa de risco de pobreza dos trabalhadores é de 12%, o
valor aumenta para 25% na população sem emprego residente em Portugal (EU-SILC
2008). Verificam-se taxas ainda mais altas nos desempregados (35%) e nos outros
inactivos (28%) em 2008. A taxa de risco de pobreza dos desempregados aumentou 3
pontos percentuais face aos rendimentos de 2006 (EU-SILC 2007) e 4 pontos
percentuais face a 2005 (EU-SILC 2006)131.
O recurso à assistência e ao subsídio surge, essencialmente, por motivos de
ordem económica - o baixo nível da maior parte das pensões combinado com a perda de
poder de compra contribuem para o risco de pobreza. Almeida et al. (1992: 16)
concluíram existir uma elevada correlação entre as fontes e os níveis de rendimentos
auferidos pelos grupos sociais: os idosos e os desempregados, duas das categorias mais
vulneráveis à pobreza e à exclusão social, têm como principal fonte de rendimentos,
respectivamente, as pensões e os subsídios. Estes montantes estão, em geral, bastante
abaixo dos valores médios de outros tipos de rendimentos, o que propicia situações
negativas.
130 Segundo o relatório com os indicadores sobre a pobreza (2009) apresentado pela Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN), a taxa de risco de pobreza é relativamente elevada mesmo para os que têm trabalho (in-work poverty). Para o Eurostat, este risco anda bastante ligado a situações de emprego mal remunerado e pouco qualificado, emprego precário, trabalho em part-time involuntário e ao tipo de agregado onde os trabalhadores vivem, assim como ao nível da condição económica dos restantes membros do seu agregado. 131 Note-se que entre os reformados a taxa de risco de pobreza (20%) tem vindo a diminuir desde 2004 (EU-SILC 2005), quando a taxa era de 25%. Neste grupo, a taxa é superior quando se referem as mulheres (22%) em comparação com os homens (18%; REAPN, 2008).
127
É possível perceber que a estrutura do mercado de trabalho funciona como factor
de agravamento das condições de precariedade e exclusão e que os desempregados se
apresentam como categoria onde a incidência da pobreza pode assumir valores
extremos, uma vez que, por exemplo, a privação de emprego pode atingir a totalidade
do agregado familiar. Os contratos de trabalho de curta duração e as situações
provisórias aumentaram nos últimos anos, com mais passagens entre períodos de
actividade e inactividade e reduzindo o peso da situação de salário regular e estável,
enquanto se torna mais frequente o recurso a fontes de rendimento alternativas e nem
sempre suficientemente compensatórias.
A análise da vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social implica uma
dimensão subjectiva que englobe quer o sentido dado às respectivas vivências quer os
modos de adaptação aos constrangimentos situacionais.
O acesso a algum sistema geradores de rendimento e ao mercado de bens e
serviços representa factor de inclusão/exclusão social na medida em que condiciona a
disponibilidade de recursos financeiros que permitam às famílias adquirir bens e
serviços. A impossibilidade de, por insuficiência de recursos, não ser possível satisfazer
tais necessidades configura não apenas uma forma de privação, mas também um factor
de exclusão da sociedade (A. Bruto da Costa, 2008).
VI.2. MECANISMOS DE PROTECÇÃO SOCIAL
Na Europa, os Estados-Providência definiram o desemprego, o estatuto de
desempregado e desenharam “mediadores de compensação” (Paugham, 2000), como
protecções sociais aos desempregados para enfrentar a privação de emprego. “Em casa
dos pobres ouve-se o relógio do Estado” (Straw e Elliot, 1986) e o regime de protecção
no desemprego tem efeito decisivo na privação financeira. Todavia e comparando
apenas as medidas (passivas e activas) de reparação na eventualidade do desemprego, é
notório que as coberturas estatais apresentam grande heterogeneidade na UE. Num dos
pólos encontra-se o regime “universal” típico dos países nórdicos — mais abrangente,
com níveis de protecção mais altos e por períodos mais longos — e, no pólo oposto, os
regimes “liberal-mínimo” e “sub-protector”, com níveis de protecção reduzidos e
relativamente aos quais é provável surgirem maiores dificuldades financeiras por parte
128
dos desempregados. O tipo de regime de protecção mais próximo da realidade dos
países do Sul da Europa (Portugal, Grécia, Itália e Espanha) é o “sub-protector”
caracterizado por: acesso às protecções fortemente dependente da participação no
mercado de trabalho; número reduzido de beneficiários; nível mínimo de protecção;
prestações baixas; políticas activas de emprego fracas; maior probabilidade de os
beneficiários se confrontarem com dificuldades económicas graves ou viverem abaixo
do limiar de pobreza; alta probabilidade de o desemprego se prolongar - embora
dependendo do nível de desenvolvimento económico (Gallie e Paugam, 2000).
Quadro 4. Regimes de protecção no desemprego (unemployment welfare regimes) na Europa
Regime
Cobertura Nível e duração da compensação
Políticas activas de combate ao desemprego
Regime sub-protector (sub-protective)
Muito incompleto
Muito fraco
Quase não existente
Liberal-mínimo (liberal-minimal)
Incompleto
Fraco
Fraco
Orientado para o emprego (employment-centered)
Variável
Desigual
Extenso
Universal (universalistic)
Abrangente
Elevado
Muito extenso
Fonte: Gallie, Duncan; Paugam, Serge (2000), Welfare Regimes and the Experience of Unemployment in Europe, Oxford, Oxford University Press, p.5.
Quanto à proporção de desempregados a receber benefícios, (Gallie e Paugam,
2000) assinalam grande diversidade nos diversos regimes de protecção e semelhança
entre países do Sul da Europa. Em 1993 a proporção de desempregados a receber
benefícios é inferior a 10% na Grécia e em Itália e inferior a 30% em Portugal e
Espanha. Por seu lado, a Suécia, incluída no regime universal, tem uma cobertura de
86%. Em Portugal, em Agosto de 2009, 46% dos desempregados inscritos nos CE
129
recebiam subsídio de desemprego132 enquanto o número de desempregados a auferir
subsídio social de desemprego133 aumentou 42% nesse período. Em 2011 a cobertura do
subsídio de desemprego diminuiu (no 1º trimestre abrangia 42,7% e no 4º trimestre
41,1%), o que dá ideia do agravamento da fragilidade da cobertura da protecção
social134.
De acordo com dados divulgados135, os valores médios de apoios sociais a
desempregados em pouco superam o valor máximo de 500 euros136. O subsídio social
de desemprego é significativamente inferior ao valor do subsídio de desemprego e
mesmo inferior ao limiar de pobreza. Em 2008, segundo dados do INE, 35% dos
desempregados com subsídio tinham rendimento inferior ao limiar de pobreza.
A despesa em políticas activas de emprego é também muito baixa no Sul da
Europa. Os montantes despendidos em políticas activas de emprego, no que respeita ao
ano de 1996, referem-se a menos de 1% do PIB na Grécia, Espanha e Reino Unido e
1,1% em Portugal137.
O grau de integração social dos desempregados, em cada sociedade, depende da
forma e das estruturas familiares, em particular no apoio que estas podem providenciar
(Gallie e Paugam, 2000). A natureza da família apresenta-se, assim, como factor de
indiscutível influência na experiência do desemprego. Parece provável que
desempregados em tipos de residência diferentes (desempregado que vive sozinho,
desempregado que vive com os pais ou desempregado que tem a cargo várias crianças)
não irão partilhar experiências similares. Partindo da hipótese de que a natureza da
estrutura familiar terá efeitos decisivos ao nível da protecção dos desempregados, o
primeiro factor que importa ter em conta é o grau de estabilidade da família enquanto
132 Enquanto o número de desempregados registados aumentou 111.719 entre Agosto/2008 e Agosto/2009, o número de desempregados a receber subsídio aumentou apenas 62.017 no mesmo período. Fonte: MTSS, GEP, Boletim Estatístico, Agosto de 2009. 133 Atribuído quando o desempregado não tem direito a subsídio de desemprego e não tem recursos para viver e cujo valor é significativamente inferior ao subsídio de desemprego. Em Agosto de 2009 abrangeu 107.412 desempregados. 134 INE, Estatísticas de Emprego, 1º trimestre de 2011 e de 2012. 135 Site do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, em 2009. 136 Subsídio de desemprego: 519.56 euros; subsídio social de desemprego inicial: 322.41 euros (62% do subsídio de desemprego); subsídio social de desemprego subsequente: 344.45 euros (66,3% do subsídio de desemprego) e subsídio social de desemprego - prolongamento (6 meses nos termos do DL 68/2009): 290.79 euros (56% do subsídio de desemprego). Idem. 137 Único País deste grupo onde é visível, de 1985 para 1996 um incremento relativo no peso das políticas públicas de emprego no PIB.
130
instituição, ou seja, grau de institucionalização/des-institucionalização do modelo
tradicional de família.
Nesse âmbito, no mapa da Europa, é possível distinguir três grupos de países,
desde uma elevada des-institucionalização (Dinamarca, Suécia e, em menor grau,
Reino-Unido) a uma permanência do modelo tradicional de família (sul da Europa -
Grécia, Portugal, Espanha e Itália) e uma situação intermédia (França, Alemanha,
Holanda e Bélgica). São também visíveis diferenças entre países no respeitante ao papel
(funções e responsabilidades) atribuído à família — aferidas, principalmente, por
indicadores como o cuidado com crianças e jovens — e à forma como a atribuição
dessas funções e responsabilidades se articula com as políticas sociais visando a família.
Quando comparadas as proporções de filhos adultos (de 20 a 29 anos) a residirem com
os pais, torna-se evidente que o processo de “desfamiliarização” é muito mais intenso
no Norte do que no Sul da Europa: mais de dois terços dos jovens continuam a viver
com os pais em Itália, Espanha e Portugal, e mais de metade encontram-se na mesma
condição na Grécia e na Irlanda.
Gallie e Paugam (2000) pretenderam relacionar dois princípios recorrentes nos
exercícios de comparação dos regimes de bem-estar: a “desmercadorização” e a
“desfamiliarização”. Num extremo, encontram-se países com políticas sociais que
levam à “desfamiliarização” e implicam a existência de apoios institucionais à
reprodução familiar; no outro, sociedades onde a família permanece o principal
mecanismo de providência, o principal mecanismo atenuador das insuficiências de
assistência pública, mas igualmente de eventuais falhas do mercado de trabalho.
É, assim, possível distinguir três modelos de residência familiar, que permitem
dar conta de funções e responsabilidades atribuídas à família, abrangência das políticas
de família e grau de institucionalização/des-institucionalização do modelo tradicional de
família: dependência extensiva (extended dependence model); autonomia relativa entre
gerações (relative inter-generational autonomy); autonomia avançada entre gerações
(advanced inter-generational autonomy).
Examinando o quadro 12, é evidente a correspondência entre regime “sub-
protector” e modelo de “dependência extensiva” nos países do Sul da Europa. É
igualmente clara a relação entre regime “universal” e modelo de “autonomia avançada
entre gerações”.
131
Quadro 5. Regime de protecção no desemprego e modelo de residência familiar por País
Regime de Protecção no Desemprego
Modelo de Residência Familiar
Dependência extensiva
Autonomia relativa entre gerações
Autonomia avançada entre gerações
Regime sub-protector
Itália, Portugal,
Grécia e Espanha
Liberal-mínimo/ Orientado para o emprego
Irlanda
França e Bélgica
Reino Unido
Regime universal
Holanda, Alemanha,Dinamarca
e Suécia Fonte: Gallie, Duncan; Paugam, Serge (2000), Welfare Regimes and the Experience of Unemployment in Europe, Oxford, Oxford University Press, p.17.
De acordo com a análise, existem muitas diferenças na forma como os regimes
de protecção no desemprego actuam. De um lado, os regimes do Norte da Europa com
bons níveis de apoio; do outro, os países do Sul da Europa onde a assistência financeira
pública é mínima.
No caso da sociedade portuguesa, as lacunas de protecção abertas pelo regime
“sub-protector” encontram-se compensadas pela acção de uma “sociedade-providência”
(Boaventura S. Santos, 1995) onde as redes de relações sociais se substituem ao
Estado— medida através da reduzida “des-institucionalização” do modelo de família
tradicional e pelos apoios familiares prestados. Porém, segundo Eduardo Rodrigues, tem
vindo a ocorrer o enfraquecimento da sociedade-providência nas últimas décadas como
resultado da mudança social na modernidade (crescente urbanização, isolamento social
e nuclearização da família) e de algumas opções do Estado.
VI.3. ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO
Um dos critérios convencionais para a definição de desempregado reside na
manifestação, por parte deste, da sua disponibilidade para trabalhar e procurar emprego.
Tal procura e os critérios usados relacionam-se com a condição financeira em que se
encontram os desempregados. Países onde a substituição do salário é alta e por um
132
período de tempo mais longo, permitem aos desempregados viverem condições
similares àquela em que se encontravam quando trabalhavam. Isto também lhes dá uma
oportunidade de procurar trabalho minuciosamente. Assim, parece plausível que o grau
de estigmatização social a que estarão sujeitos será menor uma vez que existem menos
sinais visíveis da sua perda temporária de posição. Nos países em que a compensação
financeira é muito mais limitada, o risco de pobreza e de crescimento de dificuldades é
muito mais elevado (Gallie e Paugam, 2000), como no Sul da Europa.
Os dados evidenciam alto nível de envolvimento no trabalho dos desempregados
residentes na EU (Gallie e Paugam, 2000): 64% afirmaram que gostariam de ter uma
ocupação profissional ainda que não necessitassem do dinheiro. Em todos os países, o
nível de envolvimento no trabalho dos desempregados supera em muito o valor dos
empregados. Portugal está muito acima da média europeia com 70,7% de
desempregados para 58,8% de empregados. Talvez a privação de emprego ponha em
evidência os benefícios que o trabalho proporciona, além do claro propósito de
compensação financeira. Não é possível inferir, a partir dos dados, que regimes de
protecção mais generosos dêem origem a baixos níveis de motivação entre
desempregados, pois os valores mais altos de envolvimento no emprego registaram-se
na Dinamarca (83%), Holanda (80%) e Suécia (79%)138. Outro dado importante a
considerar é que o facto de auferir subsídio não limita a motivação para trabalhar (Gallie
e Paugam, 2000).
Relativamente às diferenças entre géneros nota-se que, na UE, as desempregadas
(68%) são um pouco mais susceptíveis do que os desempregados (60%) de afirmar que
gostariam de ter um emprego ainda que não necessitassem do dinheiro dele proveniente.
Não existem, em geral, diferenças significativas entre homens e mulheres no que
respeita ao compromisso perante o emprego. Portugal apresenta dos maiores valores de
compromisso com o trabalho (76% homens e 67% mulheres). Especialmente para os
homens estes valores só são superados pela Dinamarca e Holanda (Gallie e Paugam,
2000). O envolvimento ou compromisso no trabalho das desempregadas é inferior em
8% aos homens, o que poderá indicar o peso, ainda, das actividades de substituição na
vida das mulheres, associado à vida familiar. Além disso, o envolvimento das mulheres
138 Em geral, os regimes de bem-estar desenhados para proporcionar um nível relativamente elevado de protecção da qualidade de vida estão associados a elevados níveis de compromisso no trabalho.
133
no emprego está, pelo menos parcialmente, enraizado nas suas crenças e valores
relativamente aos papéis de género.
Nas sociedades tradicionais, as mulheres casadas ou vivendo maritalmente que
auferiram benefícios tinham menor probabilidade de serem mais comprometidas com o
trabalho. Assim, o efeito do benefício financeiro é bastante diferente nos dois tipos de
sociedade, aparentando existir uma associação entre benefícios e baixo envolvimento no
trabalho, no caso específico das mulheres casadas, em sociedades que apresentam um
maior tradicionalismo na cultura de género.
Segundo Gallie e Paugam (2000), existem três tipos de (in)flexibilidade na
escolha de emprego: nível de remuneração; qualificações e competências; localização
geográfica. Portugal apresenta valores abaixo da média europeia para todas as
dimensões avaliadas e a diferença entre homens e mulheres é mais significativa: 42%
dos homens e 31% das mulheres afirmaram que aceitariam tais condições. É na
flexibilidade para a mudança de zona residencial que surgem algumas diferenças mais
significativas entre sexos. No contexto europeu, 37% dos homens consideraram mudar
de residência para 23% das mulheres. Relativamente a Portugal, a diferença mantém-se
– 31% dos homens estariam dispostos a mudar de residência para 20% de mulheres.
Pode observar-se que as mulheres são consideravelmente menos predispostas a aceitar
mudar de área de residência ou aceitar um vencimento inferior para obter um emprego,
mas, em contrapartida, são menos inflexíveis no que toca a aceitar um emprego que
requeira outro tipo de qualificação (embora os valores que as diferenciem dos homens
sejam pouco significativos, quer no contexto português, quer no contexto europeu).
134
PARTE DOIS
135
I. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
“Um progresso do conhecimento nunca é mais do que uma vitória parcial e efémera sobre a ignorância humana.”
R. Quivy e Campenhoudt
INTRODUÇÃO
A dúvida, não a mesquinha, mas a que desassossega na busca de respostas e
incita à reflexão, é timbre da humanidade, desde os tempos primevos em tentativas de
explicação e compreensão do mundo e da morte e estimula questões e contributos
científicos ao longo dos tempos.
Neste capítulo serão apresentadas as opções metodológicas e os critérios que
presidiram à recolha de informação, por via do inquérito por questionário, realização de
entrevistas, grupos de encontro (focus groups) e histórias de vida.
Estudar as vivências das situações de desemprego e as estratégias que as
pessoas desenvolvem para voltarem ao emprego ou para se adaptarem à vida sem
emprego sugeriu uma pesquisa aprofundada sobre percursos e trajectórias de vida,
rotinas e formas de ocupação do tempo e do espaço. Tendo em conta o objecto de
estudo, os objectivos desta pesquisa e os trabalhos realizados por outros investigadores,
a escolha de uma metodologia conjunta de tipo qualitativo - baseada em entrevistas,
trajectórias biográficas e grupos de encontro (focus groups) - articulada com uma
abordagem mais extensiva de inquérito por questionário a desempregados,139 foi
considerada a forma mais adequada de aproximação à complexidade vivida do
desemprego.
Esta metodologia mista deu voz plural e iluminou a complexidade das
dimensões ligadas à experiência social do desemprego, nomeadamente as etapas do
desemprego, do choque à adaptação, tentativas de mudança de vida e de regresso ao
139 Na sua grande maioria inscritos em Centros de Emprego do IEFP na região de Lisboa.
136
mercado de trabalho ou, pelo contrário, conformismo, precariedade económica,
desestruturação de quadros de vida, perturbação da vida familiar, desorganização do
tempo e tentativas de reorganização, entre outras, sem a pretensão de esgotar o objecto
na sua totalidade.
Jahoda, Lazarsfeld e Zeizel (1981) anteciparam nos anos 1930 a análise do
impacto do desemprego numa comunidade alemã, com um estudo incontornável sobre o
desemprego. “Os desempregados de Marienthal” mantêm actualidade nos tempos
coevos, tendo os autores salientado a importância das análises do tipo mais qualitativo
sobre a vivência do desemprego e as alterações do espaço-tempo vivido.
Na literatura revista sobre a análise sociológica das experiências do desemprego
predomina a orientação para uma metodologia qualitativa que permita elucidar a
complexidade vivencial do desemprego na vida dos cidadãos entrevistados, com a
recolha de testemunhos descritivos e interpretativos dos acontecimentos vividos, num
modelo de inteligibilidade que liga acções sociais a acções individuais (Marques, A. P.,
2009).
Muitos dos estudos já realizados sobre o desemprego permitem o levantamento
de situações. Todavia, não há completa homogeneidade quanto às metodologias
utilizadas, embora tenda a predominar a abordagem qualitativa. Se, nuns casos a
preferência metodológica vai claramente para a realização de estudos de caso e a
recolha de informação sob a forma de entrevistas (Lazarfeld et al., 1981, Paugham,
2003; Schnnaper, 1981; Araújo, 2007; Loison, 2002; Caleiras, 2008; Serôdio, et al.,
1999; Marques, 2009; Duarte, A. 1998; Pereira,1999), noutros, a opção é o inquérito
extensivo (Gallie, et al., 2000; Tristany, 1999; Freire, et al., 2000).
Não se pretende discutir críticas às diferentes abordagens metodológicas, tanto
mais que todas as escolhas têm limitações e riscos de enviesamento. Todavia, e mesmo
na actualidade, não está encerrado o debate sobre metodologias de tipo quantitativo e
qualitativo, com pontos fortes e fracos para uma e para outra. As metodologias de tipo
qualitativo têm sido consideradas mais adequadas à investigação de temas específicos
como as questões de género ou as que implicam universos mais fechados, de que são
exemplo os mundos académico e empresarial e as populações em situação de exclusão
social (Araújo, 2006). Por via da metodologia qualitativa (entrevistas aprofundadas,
137
focus groups, trajectórias e histórias de vida), é possível aceder às estruturas implícitas e
aos sentidos de acção não consciencializados e verbalizados pelos indivíduos (Araújo,
2006), embora se possa perder maior quantidade de informação extensiva que o
levantamento num inquérito permite.
O método de questionário extensivo tem alguns pontos fracos. Por exemplo,
perca de aprofundamento da informação obtida, risco de obter respostas consensuais
como resultado da forma como as questões são enunciadas. Não obstante, e dado que a
profundidade e sensibilidade na recolha de informação estaria presente nas entrevistas e
histórias de vida, considerou-se enriquecer a investigação com um inquérito em
questionário, proporcionando uma amostra mais ampla do que a das entrevistas.
Os inquéritos nacionais e internacionais serviram de quadro de referência para a
investigação do tipo microssociológico, quer no que respeita a regularidades
encontradas, quer quanto a conceitos e quadro teórico construído.
As opções metodológicas foram realizadas, como aconselha o ofício da
sociologia, em função dos objectivos e das hipóteses interrogativas de trabalho e
pareceram os processos mais adequados para atingir o objecto de estudo, ajustando o
diálogo entre campo teórico e campo empírico.
Assim, optou-se por ensaiar a análise qualitativa combinada com uma análise do
tipo quantitativo, embora sem amostra estratificada, permitindo recolha de dados mais
extensivos, com referência aos desempregados inscritos em três Centros de Emprego na
área de Lisboa (Cascais, Lisboa e Sintra).
O desenho da pesquisa implicou colocar as questões da representatividade,
fiabilidade e validade da investigação como suporte dos critérios de selecção dos
entrevistados e do número de entrevistas por referência à saturação da informação
obtida (Marques, 2009).
O contacto prévio com a realidade empírica e com os técnicos do dispositivo
público de emprego enquanto informantes privilegiados permitiu identificar homens e
mulheres cujas situações de vida pessoal e social mereciam atenção quanto à vivência
do desemprego e impacto desta experiência em suas vidas.
138
I.1. CRITÉRIOS QUE PRESIDIRAM À SELECÇÃO DOS ENTREVISTADOS E
DOS INQUIRIDOS
Em resumo, os critérios que presidiram à selecção dos entrevistados e inquiridos
permitiram abranger uma multiplicidade de casos possíveis, a saber:
• género;
• grupos etários: menores de 25; 25-34; 35-44; 45-54; mais de 55;
• níveis de escolaridade, desde o inferior ao 1º ciclo até ao nível de licenciatura ou
mais;
• condição de desempregado (menos de 6 meses, 6 meses a um ano e mais de um
ano, abrangendo assim desempregados de curta e de longa duração);
• nacionalidade.
No conjunto, o objectivo foi abranger diferentes grupos sociais vulneráveis e as
mais diversas situações de cidadãos atingidos pelo desemprego. Nas entrevistas houve
em conta uma representação equitativa de género e atenção especial a desempregados
com mais de 45 anos, num contexto de políticas de envelhecimento activo, sem descurar
os outros grupos etários, nomeadamente os jovens, apesar de uma representação em
menor número no conjunto dos entrevistados. Como é sabido, apesar de as estatísticas
assinalarem para Portugal altas taxas de emprego feminino, as mulheres mantêm
posição de destaque no desemprego comparativamente aos homens, salários mais
baixos e vínculos de trabalho mais precários. Além disso, o desemprego atinge
fortemente o grupo etário dos jovens até aos 29 anos e, apesar do desemprego afectar,
sobremaneira, os grupos sociais com mais baixas qualificações, existe um número
crescente de jovens mais escolarizados que convivem com claras dificuldades de
inserção profissional e de permanência no mercado de trabalho qualificado,
nomeadamente com forte participação no trabalho precário e temporário (Pais, 2001;
Marques, 2006).
139
I.2. INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO
Com vista à recolha de informação mais ampla sobre condições de vida
objectivas e perspectivas subjectivas, realizámos um inquérito por questionário junto de
homens e mulheres desempregados dos concelhos de Cascais, Lisboa e Sintra (tendo em
conta a diversa tipicidade dos espaços sócio geográficos). Foram inquiridos 300
desempregados (150 homens e 150 mulheres). A estruturação da amostra e o documento
de recolha da informação podem ser consultados em anexo.
A informação recolhida permitiu a reconstituição dos percursos de vida com
dados objectivos (demografia, situação socioeconómica e ecologia familiar, ocupação
do tempo no desemprego, situação face ao emprego), assim como dados subjectivos
(valores sociais e valores do trabalho, relações de sociabilidade, apoio familiar, por
exemplo), sendo notória a heterogeneidade dos percursos de inserção profissional e de
desemprego. Muita informação pormenorizada foi recolhida no inquérito com
objectivos de comparação em função de traços estruturais da amostra mas sem
objectivos de extrapolação dos resultados para a generalidade dos desempregados de
universos mais vastos.
Quadro 1 – Dimensões de análise e variáveis do inquérito por questionário
Dimensões
Variáveis
Caracterização
sóciodemográfica
Nacionalidade
Concelho onde nasceu
Sexo
Idade
Nível de instrução Estado Civil
Caracterização
sóciofamiliar
Marido/esposa/companheiro/a trabalha? Profissão do marido/mulher ou companheiro(a) Pai trabalha ou trabalhou Profissão do pai Mãe trabalha ou trabalhou Profissão da mãe
140
Ecologia habitacional e
Familiar
Tipo de habitação do inquirido Nº de pessoas com quem habita
Composição do agregado familiar
Proximidade geográfica dos familiares mais próximos
Sociabilidade familiar Frequência de visita entre familiares
Solidariedade e apoio
familiar
Recebe ajudas familiares?
Tipo de ajudas que recebe dos familiares
Protecção social e situação financeira
Recebe subsídio de desemprego? Recebe outro subsídio ou pensão? Escalão do subsídio ou pensão Escalão de rendimentos do agregado doméstico Capacidade de poupança do agregado familiar Principal fonte de sobrevivência
Valores sociais
Importância de: Vida social Participação religiosa Emprego Vida familiar Amigos Participação política
Relação dos desempregados
com o dispositivo público de
emprego
Inscrito no Centro de Emprego?
Tempo da inscrição no Centro de Emprego?
Inscrição no CE útil?
Média de deslocações mensais ao Centro de Emprego?
Expectativas relativamente ao Centro de Emprego
Situação face ao emprego
Já teve trabalho remunerado? Há quanto tempo saiu do último emprego? Categoria profissional do inquirido Duração do último emprego Motivo da saída do último emprego Primeira vez que ficou sem emprego?
Atitudes face ao emprego Forma como conseguiu o último emprego Actualmente à procura de emprego? Iniciativas de procura de emprego nos últimos meses Situação de trabalho preferida Área profissional preferida Posição quanto à possibilidade de arranjar emprego actualmente Posição quanto à possibilidade de arranjar emprego dentro de 2 ou 3 anos
Valores do trabalho Aspectos mais importantes para aceitar um emprego
Motivação para o trabalho
ou
envolvimento/centralidade
concorda ou discorda: Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum
141
do trabalho140
Sociabilidade no trabalho Tinha muitos amigos no trabalho?
Impacto do desemprego -
Integração ou estigma social
Sinto-me isolado? Passei a ter mais conflitos familiares? Deixei de ser tão respeitado pela família e amigos? Passei a ter menos amigos? Os meus familiares e amigos não sabem que estou sem emprego? Pensam de mim que sou um inútil?
Impacto do desemprego –
Adaptação
Dificuldade de adaptação ao desemprego?
Impacto do desemprego –
Relação com o tempo e
percepção da ocupação do
tempo
Deixei de saber o que fazer com o tempo disponível?
Passei a ocupar o tempo de uma forma mais interessante?
Impacto do desemprego –
Ocupação do tempo Ocupação do tempo comparativamente a quando empregado: Ocupações domésticas/caseiras Com os filhos Em trabalhos incertos Com a família Com os amigos Em actividades de tempos livres Tipo de actividades de tempos livres desde que ficou desempregado
Impacto do desemprego –
Financeiro
Passei a ter menos dinheiro?
Impacto familiar e social do
desemprego
Passei a dedicar mais tempo à família? Passei a ter mais conflitos familiares? Deixei de ser tão respeitado pela família e amigos?
Saúde Ao longo da minha vida tenho sido uma pessoa quase sempre saudável? Os meus problemas de saúde começaram quando comecei a trabalhar? Tipo de problemas de saúde Toma medicamentos habitualmente? Última vez que foi ao médico
Impacto do desemprego na
saúde
Os meus problemas de saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego?
140 O conceito de centralidade do trabalho refere-se à definição de Paullay et al. (1994, conforme Ramos 2000): as crenças que os indivíduos têm relativamente ao grau de importância do trabalho nas suas vidas. A centralidade do trabalho é percebida como um produto da socialização, uma vez que os indivíduos aprendem a valorizar o trabalho a partir da sua religião, cultura, família e amigos.
142
Impacto do desemprego no
estado psicológico
Como se sente actualmente?
Relação com o futuro Como perspectiva o futuro?
Expectativas Como perspectiva a vida dos filhos?
Numa segunda fase, procedeu-se à dinamização de 10 grupos de encontro (focus
groups), realização de 60 entrevistas e 10 histórias de vida.
I.3. GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS)
No contexto da organização de “grupos de encontro” (focus groups)141 foram
convidados a participar em sessões de discussão 77 homens e mulheres (25 homens e de
52 mulheres com idades) com idades compreendidas entre os 29 e os 59 anos para o
sexo masculino e os 22 e 63 anos de para o sexo feminino. A escolaridade variou entre
“saber ler e escrever” e “mestrado”. O conjunto inclui homens e mulheres residentes nas
áreas geográficas de Lisboa, Sintra e Cascais e contém, deliberadamente, um conjunto
multigeracional de indivíduos.
Os grupos de encontro (focus groups) foram um recurso metodológico
complementar ao inquérito e entrevistas no caso específico de pesquisa da organização e
ocupação do tempo no desemprego.
Os grupos de encontro (focus groups) funcionaram sempre à mesma hora e com
a regularidade de dois por semana, com a duração de três horas e ao longo de oito
semanas. Nestes grupos foi possível a emergência de liderança. A dinamizadora
(investigadora, neste caso) podia lançar um tema para debate ou deixar ao critério do
grupo a escolha. Foi notório o interesse dos participantes nos debates e na partilha, a
capacidade de entreajuda e a manifestação de interesse por uma regularidade no
141 Moreno elaborou o psicodrama como técnica de grupo e foi o inventor da sociometria e de expressão “psicoterapia de grupo” nos EUA. Ver DREYFUS, Catherine (1980) Psicoterapias de grupo, Verbo, Lisboa/ S. Paulo. Também Buber (1923) definiu o seu próprio conceito do encontro em Ich und Du, Heiderberga, Lambert Schneider, All. (Tradução francesa Je et tu, Paris, Aubier-Montaigne, 1970).
143
encontro com outros da mesma situação social, quebrando assim algum sentimento de
isolamento e criando um espaço de ocupação do tempo fora de casa, que a maioria
valorizou.
O conceito “grupo de encontro” (focus group) foi definido por Moreno, pai do
psicodrama, em 1914, na revista Daimon que fundou com escritores, poetas e filósofos,
entre os quais Martin Buber142. Antes, em 1913, Moreno organiza um pequeno grupo de
encontro com prostitutas do bairro marginalizado de Spittelberg, em Viena, e ajuda-as a
reencontrar o sentimento de dignidade, contentando-se em ouvi-las, sem juízos morais.
Esta é a sua primeira intervenção estruturada.
I.4. ENTREVISTAS
Foram realizadas 60 entrevistas a partir de um guião semi-estruturado e com
abertura para que os entrevistados contassem o seu percurso de vida profissional e
familiar, formulassem interpretações quanto ao sentido da sua vida no desemprego e
abordassem expectativas quanto ao presente e ao futuro próximo ou mais distante.
As entrevistas foram, na sua maioria, semi-estruturadas e, em 10 casos, as
trajectórias, reveladoras de grande complexidade, representativas ou atípicas,
mereceram atenção biográfica mais aprofundada, centrada na recolha de histórias de
vida ao jeito de entrevista livre.
A expressão da acção humana, sob a sua forma repetitiva ou criativa, obedece
não só ao plano racional de explicitação directa mas a formas implícitas, afectivas,
informais que o conceito de estratégia está longe de apreender e a que a abordagem
qualitativa de cariz biográfico poderá aceder.
A maior parte dos temas investigados sobre a vivência do desemprego e a sua
relação com o trabalho estiveram presentes nas entrevistas e fizeram parte do inquérito.
Optou-se por deixar falar o desempregado ao proporcionar liberdade de resposta, a
142 “ Aproximar-me-ei de ti e tomarei os teus olhos para os pôr no lugar dos meus, e tu tomarás os meus olhos para os pores no lugar dos teus, e eu ver-te-ei pelos teus e tu ver-me-ás pelos meus” (Dreyfus, Catherine:1980, 21).
144
partir de um guião aberto com eixos de orientação e reduzida directividade, numa
tentativa de chegar à complexidade multidimensional da vivência do desemprego
mesmo que houvesse, aqui e ali, algum esquecimento por parte do entrevistado.
Todavia, e a título de exemplo, a percepção do tempo no desemprego foi feita
por via quantitativa, tendo sido elencadas várias categorias de utilização do tempo e sua
relação com o espaço de vida. Além disso, a ocupação e a percepção da ocupação do
tempo teve abordagem qualitativa nos grupos de encontro que revelaram grande riqueza
microssociológica. Temos consciência de que a medição da desigualdade de percepção
do modo como o desemprego afecta a utilização do tempo e do espaço bem como a
medida de outros factores em unidades que visam traduzir a realidade tem uma carga
artificial à qual não conseguimos escapar. Situação equivalente com o uso da linguagem
e a construção de conceitos que permitem comunicar e reflectir sobre a realidade mas
não são a realidade que pretendem representar.
Foi ainda possível a observação do comportamento do universo em análise na
relação com os CE, processo que durou um ano de investigação, sendo dada atenção
especial às interacções com os técnicos e à participação nas sessões do Plano Nacional
de Emprego e em grupos de actividades para que os desempregados eram convocados
ou se inscreviam.
As entrevistas tiveram duração de cerca de uma hora, embora algumas, pela
riqueza e complexidade dos percursos de vida, viessem a prolongar-se até duas ou três
horas. As entrevistas foram transcritas, dando-se conta dos factos da interlocução e com
o pressuposto de que cada história é baseada num discurso argumentador que lhe dá
sentido. O esquema operatório de análise implicou três aspectos: ordem estrutural das
categorias, selecção das proposições essenciais ao discurso e seu universo de crenças.
Assim, para lá das variações de vocabulário, importa explicitar os termos utilizados para
falar das etapas do seu percurso pessoal e profissional, os sujeitos que nele intervêm e
as razões para justificar os acontecimentos mais marcantes. Na análise das entrevistas
foi dada atenção especial à ordem da narrativa, à linguagem e à apresentação de si,
sentidos e vivências.
Pela entrevista semi-estruturada foi possível ouvir e recolher os sentidos plurais
atribuídos às acções desenvolvidas e à experiência de vida, enquanto o entrevistador
145
mantém um relativo controlo sobre a recolha de informação. A entrevista é um
momento de interacção e comunicação entre entrevistado e entrevistador. Pode oscilar
entre mais ou menos superficial e mais ou menos profunda e empática, e pareceu-nos
muito facilitadora da abordagem da experiência do desemprego, das relações
institucionais, das formas de ocupar e sentir o tempo e denotando até a expressão de
angústias, frustrações e expectativas. Muitos desempregados gostaram de falar de si e
dar as entrevistas, até sob pretexto verbalizado de haver alguém com atenção à sua
história, e de a não considerar marcada pela aparente banalidade de ser mais um
desempregado que vai ao Centro de Emprego (CE). A maioria dos sujeitos tem a noção
da sua singularidade.
As entrevistas podem ganhar uma dimensão mais íntima de confidências de si,
ocorrendo a catarse, a reflexividade pessoal e a busca de sentidos, que alguns autores
caracterizam “clinicamente” (Araújo, 2006: 61)143. É o próprio investigador, esse outro
receptor da mensagem, fora mas participante da relação, que sente esta dimensão
“clínica” como um “reflexo” na partilha de espaço e tempo intersubjectivos. Neste
movimento, o entrevistador vê-se simultaneamente como observador e participante
(Araújo, 2006: 63; Harryson & Lyon, 1993: 105). Apesar das entrevistas terem
decorrido sob a forma de conversas, a fase inicial decorre com alguma sensação de
estranheza por ambas as partes, pela artificialidade da relação iniciada e alguma falta de
à vontade. Com o andamento surge maior abertura, sobretudo se o entrevistador, parte
envolvida e antecipadamente produtor de sentidos até pela grelha de questões
enunciadas, dá feed-backs de estímulo à comunicação, aceita silêncios, pausas e alguns
desvios e evita qualquer juízo quanto à apresentação da realidade.
Fazendo parte do jogo institucional produtor de sentidos, evitou-se entrevistar
pessoas já entrevistadas para outros objectivos de enquadramento institucional144.
143 “O efeito clínico estende-se para além desse produto capaz de ser narrado, contado, trabalhado e reconstruído pelo investigador” (Araújo, 2006: 62). 144 A deslocação conceptual para fora do sistema por via das leituras realizadas e a migração física devido à assumpção temporária de novas funções em outras instituições permitiram a relatividade do olhar a partir do duplo sentido de lugar, dentro e fora, vinculativo ao mundo social e profissional. A ausência do IEFP em dois períodos de tempo para desempenho de outras funções, se fez retardar o desenvolvimento dos trabalhos, permitiu também um distanciamento físico no espaço social e uma visão a partir de fora. A prática de investigação foi condicionada, como muitas outras, pela falta de recursos diversos (destacando-se limitações institucionais). Assim, toda a pesquisa, investigação teórica, empírica e a produção do texto final decorreram em simultâneo com a actividade laboral a tempo inteiro. Além disso, as restrições no
146
Acautelou-se, pois, entraves ao desenvolvimento das entrevistas ou notas de
ambiguidade nos papéis investigador/técnico. Todavia, foi nítido que, em muitos casos,
o contacto prévio positivo com os desempregados já conhecidos facilitou a sua
disponibilidade para a realização de entrevistas por outros entrevistadores envolvidos,
tendo-se revelado de grande riqueza no que respeita a conteúdos, fluência, densidade
dos acontecimentos da narrativa e expressão de si.
Foram as seguintes as linhas centrais do guião de entrevista:
1. percurso escolar;
2. trajectória profissional;
3. vida familiar;
4. percepção do trabalho, do desemprego e do seu impacto;
5. ocupação do tempo;
6. rede de sociabilidade;
7. estratégias para regressar ao trabalho ou adaptação ao desemprego;
8. reacções ao desemprego;
9. saúde, trabalho e desemprego;
10. expectativas em relação ao futuro.
acesso à base de dados de inscritos no IEFP limitaram a ideia inicial de constituição de uma amostra estratificada e representativa dos desempregados que constituísse um fundo quantitativo da investigação qualitativa. Tal situação foi ultrapassada mas tardiamente. Assim, estes factos dificultaram, do ponto de vista metodológico, o acesso a uma amostra mais representativa da população desempregada ao nível do distrito de Lisboa ou mesmo a nível nacional. As fortes limitações de tempo para a investigação teórica e empírica, os constrangimentos financeiros e humanos e a necessidade de gestão de imprevistos na investigação com mudanças funcionais de instituição e locais de trabalho, condicionaram a fluência e o ritmo da investigação.
147
I.5. TRAJECTÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA
Bourdieu (1997), embora discutindo a “ilusão biográfica” a propósito da
metodologia das histórias de vida, não deixou de reconhecer, no prefácio à edição
francesa de Os Desempregados de Marienthal, o valor da investigação e do método
utilizado, tendo mais tarde recorrido à metodologia biográfica para o livro La Misère du
Monde (1993).
A linearidade das histórias de vida é uma aparência. Os quadros do passado que
se colam sucessivamente são pedaços de memórias acumuladas de uma pluralidade de
vida que se decide organizar de uma forma determinada, como refere Pais (2003) ao
propor que para dar conta das ruturas de vida são necessários métodos pós-lineares;
métodos que permitam relacionar o todo e as partes, tal como uma moeda que só o é se
tiver os dois elementos da equação: cara e coroa. Também a teoria da gestalt pode
ajudar na apreciação de continuidades e descontinuidades da vida. De facto, a teoria da
gestalt põe “fundo” e “forma” em relação e deste jogo de pares pode extrair sentidos e
conteúdos.
Neste estudo foram realizadas 10 histórias de vida. Na análise das trajectórias
biográficas emerge a atenção ao quotidiano com a adaptação ou não à normalidade de
ocupação do tempo sem emprego, percepção dos modelos de transmissão de normas e
da organização social (Poirer et al., 1999), a que se ligam as estruturas reguladoras dos
comportamentos dos sujeitos no espaço e no tempo onde ocorrem relações de poder
(Araújo, 2006). No caso do desemprego, enquanto processo e fase de vida, foi notório
como cada sujeito se colocava num discurso de relação entre si e os outros, cuja história
raramente se referia a outros desempregados mas fazia emergir interpretações da vida
pessoal e social em diálogo com o poder instituído. De facto, no plano individual
afirma-se “aquilo de que eu preciso”; no plano social, político e institucional já
emergem posições quanto “àquilo que são os direitos dos desempregados”, “à forma
como nos deviam apoiar” e até sugestões no ajustamento do inquérito de investigação
para recolha de mais informação pessoal que consideram interessante.
148
II. RESULTADOS DO INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO
II.1. CARACTERIZAÇÃO SOCIOGRÁFICA
Os inquiridos do presente estudo (idades compreendidas entre 16 e 60 anos)
apresentam idade média de 40 anos. Os escalões etários distribuem-se de forma
relativamente equitativa. O mesmo não acontece com o nível de instrução (Figura 2),
onde se verifica uma diferença percentual entre níveis de instrução mais básicos (1º, 2º e
3º ciclos) e mais avançados (secundário e superior), sendo que a maioria dos
desempregados aparece entre os primeiros níveis de qualificação.
Quanto à nacionalidade, a generalidade é de nacionalidade portuguesa (cerca de
97%). Os restantes vêm predominantemente de países de língua oficial portuguesa.
<25 anos
19,3%
25-35 anos
18,7%
35-44 anos
21,3%
45-55 anos
21,3%
>55anos
19,3%
1º ciclo
27,3%
2º ciclo
26,7%
3º ciclo
24,7%
Sec. e pós-
secundário
9,3%
Superior
12%
Figura 1. Idade Figura 2. Instrução
149
No concernente ao estado civil e
situação conjugal, a maior
percentagem (2/3) refere-se a
indivíduos casados ou em união de
facto (66,1%), seguidos de cerca de
23% de solteiros, um pequeno
número de divorciados (9,4%) e
uma percentagem diminuta de
viúvos (1,7%). Entre os solteiros
nota-se um nível de instrução
superior e, entre os divorciados ou
separados de facto, um nível de
instrução secundário ou pós
secundário (χ2=41,255; g.l.=8;
p=0,000).
Solteiro(a)
22,8%
Casado(a) ou
união de facto
66,1%
Divorciado(a)
ou separado (a)
de facto
9,4%
Viúvo(a)
1,7%
Figura 3. Estado civil/situação conjugal
Ao nível da categoria profissional (Figura 4), é possível observar que a maioria é
constituída por: operários, artífices e similares (cerca de 24%); trabalhadores
administrativos (17%); pessoal dos serviços e vendedores (quase 16%). As habilitações
e qualificações de nível médio e superior evidenciam menor representação (técnicos e
profissionais de nível intermédio; especialistas das profissões intelectuais e científicas,
quadros superiores da administração pública e dirigentes). Foi identificado ainda um
grupo, o de maior percentagem, cuja categoria profissional não se enquadra em
nenhuma das assinaladas (26,6%).
150
Operários
artífices e trab.
similares
23,8%
Pessoal
administrativo e
similares
17%
Pessoal dos
serviços e
vendedores
15,6%Técnicos
profissionais e de
nível intermédio
7,5%
Especialistas das
profissões
intelectuais e
científicas
5,3%
Quadros
superiores da
admin. pública e
dirigentes
4,3% Outra
26,6%
Figura 4. Categoria profissional do inquirido
Apesar de as ocupações terem ocorrido nas actividades profissionais referidas, a
grande maioria dos inquiridos (88,5%) expressaram que se tivessem oportunidade,
mudariam de profissão. A tendência mais comum apontava para uma profissão na área
técnica e de especializações, seguida de áreas administrativas, comercial e serviços
(Figura 5).
O desejo de mudança para áreas artísticas e da saúde é menos expresso. Estes
interesses são superados pela possibilidade de reconversão em profissões de carácter
operário (7,2%) e no âmbito da educação (7,7%). Somente cerca de 1/10 dos inquiridos
manifestou interesse em manter a profissão, o que provavelmente reflecte a proporção
de insatisfação e realização com a actual categoria profissional.
4 ,8 %
5 ,8 %
7 ,2 %
7 ,7 %
1 1 ,5 %
1 6 ,4 %
1 8 ,3 %
2 8 ,4 %
0 % 2 0 % 4 0 % 6 0 % 8 0 % 1 0 0 %
S a ú d e
A r te s
O p e r á r io s
E d u c a ç ã o
A m e s m a
C o m e r c ia l e s e r v iç o s
A d m in is tr a tiv a
T é c n ic o s e e s p e c ia liz a ç õ e s
Figura 5. Área profissional de preferência
151
Relativamente ao total de inquiridos não solteiros (N=230), a maioria refere que
o cônjuge ou companheiro(a) exerce uma profissão (cerca de 75%). Neste sentido e
como 25% dos cônjuges/companheiros(as) não trabalha, verifica-se uma situação em
que nenhum membro do casal aufere rendimentos do trabalho, o que poderá constituir
índice de precariedade, de insegurança e/ou de dificuldade de sustentabilidade
económica de ¼ das famílias.
Numa caracterização da actividade profissional do cônjuge/companheiro(a),
observa-se, em primeiro lugar, maior diversidade de categorias profissionais do que as
nomeadas pelos próprios inquiridos (Figura 4). A maior percentagem (mais de 15%)
inclui pessoal dos serviços e vendas, operários e artífices, técnicos profissionais e de
nível intermédio e ainda especialistas das profissões intelectuais e científicas. Em menor
número aparece o pessoal administrativo e os trabalhadores não qualificados de minas,
construção e obras. Com representação de menos de 5% vêm os trabalhadores ligados
aos serviços e comércio, às instalações de máquinas e montagem, à agricultura e pescas
e ainda à administração pública e chefia.
Outra diferença está no maior número de especialistas das profissões intelectuais
e científicas e de técnicos profissionais e de nível intermédio.
Trabalhadores ñ
qualificados da
agricultura e
pescas
0,8%
Agricultores e trab.
Qualificados da
agricultura e
pescas
0,8%
Operadores de
instalações e
máquinas e trab.
de montagem
1,7%
Trabalhadores ñ
qualificados dos
serviços e
comércio
3,3%
Quadros superiores
da admin. pública e
dirigentes
4,2%
Trabalhadores ñ
qualificados das
minas, construção
e obras
6,7%
Pessoal
administrativo e
similares
10%
Especialistas das
profissões
intelectuais e
científicas
15,8%
Técnicos
profissionais e de
nível intermédio
17,5%
Operários, artífices
e trab. similares
18,3%
Pessoal dos
serviços e
vendedores
20,8%
Figura 6. Categoria profissional do cônjuge/companheiro(a)
152
Relativamente à situação quanto a emprego dos pais (Figura 7), pode verificar-se
que a quase totalidade dos pais tem ou teve actividade profissional, o que não acontece
com as mães, com menor envolvimento no mercado de trabalho (54,1%), revelando um
padrão geracional onde o papel doméstico da mulher sempre foi dominante.
91,1%
8,9%
54,1%
45,9%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Trabalha/trabalhou Não trabalha/trabalhou
Pai
Mãe
Figura 7. Situação dos pais dos inquiridos face ao trabalho
Nas Figuras 8 e 9, é apresentada uma caracterização da profissão exercida
actualmente ou no passado, por pais e mães dos inquiridos.
Relativamente aos pais, pode verificar-se que a maioria são (ou foram), por um
lado, operários ou artífices e, por outro, técnicos profissionais e de nível intermédio.
Com cerca de 10% surgem os casos ligados a agricultura e pescas em nível qualificado,
como serviços e vendas e ainda às especializações intelectuais e científicas. Com menos
peso percentual surgem profissões não qualificadas no âmbito da agricultura e pescas,
serviços e vendedores, minas e construção bem como pessoal administrativo e quadros
superiores da administração pública e dirigentes.
153
Trabalhadores ñ
qualificados da
agricultura e pescas
0,9%
Quadros superiores da
administração pública e
dirigentes
1,8%
Trabalhadores ñ
qualificados dos
serviços e
comércio
2,3%
Pessoal administrativo
e similares
4,1%
Operadores de
instalações e máquinas
e trabalhadores de
montagem
4,6%
Trabalhadores ñ
qualificados das minas,
construção e obras
6,4%
Pessoal dos serviços e
vendedores
10,9%
Especialistas
das profissões
intelectuais e
científicas
10,9%
Agricultores e
trabalhadores
qualificados da
agricultura e pescas
13,2%
Técnicos profissionais e
de nível intermédio
21,8%
Operários, artífices e
trab. Similares
23,2%
Figura 8. Profissão dos pais dos inquiridos
No que se refere às mães, verifica-se diferente e menos heterogénea distribuição
pelas várias profissões, sendo as mais mencionadas, as ligadas a serviços e vendas, ao
operariado, com significativa parcela de especialistas das profissões intelectuais e
científicas e trabalhadoras não qualificadas dos serviços e comércio.
Quadros superiores
da administração
pública e dirigentes
2,4% Pessoal
administrativo e
similares
4,7%
Trabalhadores ñ
qualificadores das
minas, construção e
obras
6,3%
Agricultores e
trabalhadores
qualificados da
agricultura e pescas
7,1%
Técnicos e
profissionais de
nível intermédio
7,1%
Trabalhadores ñ
qualificados dos
serviços e comércio
12,6%
Especialistas das
profissões
intelectuais e
científicas
16,5%
Operários, artífices
e trabalhadores
similares
17,3%
Pessoal dos serviços
e vendedores
26%
Figura 9. Categorial profissional das mães dos inquiridos
154
II.2. ECOLOGIA HABITACIONAL E FAMILIAR DO DESEMPREGO
Quanto à situação habitacional dos inquiridos (Figura 10), verifica-se que mais
de metade reside em casa própria (não há indicação de hipoteca ou não). Seguem
situações de residência em casa alugada e em casa dos pais, em percentagens muito
próximas. Menor percentagem reside em quarto alugado.
Sendo a residência em casa dos pais factor importante da comunidade de
recursos e sustentabilidade económica perante o desemprego, considerou-se relevante
apresentar (Figura 11) uma caracterização da situação familiar dos inquiridos em tais
condições (N=57). Da leitura deste gráfico, pode concluir-se que cerca de 2/3 dos
residentes em casa dos pais são solteiros; os restantes casados/união de facto (19,3%) ou
divorciados/separados de facto (15,8%).
Casa própria
(hipotecada
ou não)
55,5%
Casa alugada
19,7%
Casa dos pais
19,1%
Quarto
alugado
4,4%
Outra situação
1,3%
Solteiro
64,9%
Casado(a) ou
união de facto
19,3%
Divorciado(a)
ou separado(a)
de facto
15,8%
Figura 10. Tipo de habitação dos inquiridos
Figura 11. Situação familiar dos inquiridos que residem em casa dos pais
Os inquiridos não se encontram em circunstância residencial de isolamento,
sendo que mais de metade vive com 2 ou 3 pessoas, 26% com 4 ou mais pessoas e
apenas 18,1% com 1 pessoa.
Quanto à constituição do agregado familiar, nota-se que quase metade dos
inquiridos tem o seu próprio agregado familiar (mulher ou marido ou companheiro/a e
filhos). Cerca de 20% constitui família nuclear confinada aos cônjuges e 5% apenas
com os filhos (famílias monoparentais). O agregado familiar de 20% dos indivíduos é
família alargada a três gerações (pais/irmãos/avós). Para a percentagem residual de
0,7% de inquiridos o agregado familiar é constituído pelo próprio mais os avós.
155
18,1%
55,9%
26,0%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1 Pessoa 2-3 pessoas 4 pessoas ou mais
Pais, irmãos e
avós
0,7%
Avós
0,7%
Outros
3,2%
Filho(s)
5%
Pais e irmãos
9%Pais
10,4%
Conjuge ou
companheiro(a)
21,9%
Conjuge ou
companheiro(a)
e filho(s)
48,9%
Figura 12. Número de elementos do agregado
familiar (além do inquirido) Figura 13. Constituição do agregado familiar
Note-se que, em cerca de 1/4 dos agregados domésticos, coexistem mais pessoas
à procura de emprego, factor que certamente contribui para a fragilização de auto-
sustentação e equilíbrio. Observa-se ainda que o contacto com pessoas desempregadas é
comum na restante esfera social dos inquiridos (78,2% tem outros familiares ou amigos
desempregados).
Uma análise da proximidade geográfica entre familiares mais directos permite
afirmar que, no geral, existe grande proximidade: quase 30% reside na mesma freguesia
e cerca de 24% no mesmo concelho. Apenas 4% refere ter a família mais chegada em
outro país (Figura 14).
II.3. SOCIABILIDADE FAMILIAR
Quanto à visita entre familiares, a periodicidade diária ou semanal é a prática
mais comum (56,1%). Neste caso, salienta-se que 72,2% residem na mesma freguesia
ou concelho e 21,6% no mesmo distrito. Ainda uma elevada proporção de inquiridos
(37%) expressam visitas pontuais ou a sua inexistência. Por fim, uma minoria (6,8%)
expressa uma prática mensal de visitas. Visto que a proximidade geográfica e os
contactos sociais entre os familiares mais chegados são factores protectores (psicológico
e de integração social) face ao desemprego, parecem merecedores de registo os altos
índices de acessibilidade geográfica e de sociabilidade revelados pelos inquiridos.
156
Mesma
freguesia
29,7%
Mesmo
concelho
23,9%
Mesmo
distrito
24,2%
Noutro
distrito
18,1%
Noutro país
4,1%
Mensalmente
6,8%Pontualmente
ou nunca
37,1%
Diária ou
semanalmente
56,1%
Figura 14. Local de residência dos familiares mais
próximos Figura 15. Frequência de visitas na família
II.4. SOLIDARIEDADE E APOIO FAMILIAR
Relativamente à ajuda de familiares, a maioria (70%) afirma não receber
qualquer tipo de ajuda, mas ainda assim é expressiva a percentagem dos que dela
beneficiam (30%)145.
Quanto ao tipo de ajuda (Figura 16) predomina o financeiro (53,4%). No
entanto, a ajuda no alojamento é também identificada por bastantes inquiridos (21,9%).
Num terceiro nível e com expressão análoga surgem duas ajudas: cuidar dos filhos
(12,3%) e alimentação (11%).
145 Este valor é muito superior ao referido quanto à questão da capacidade de poupança do agregado doméstico em que apenas 6% afirma necessidade de endividamento ou ajuda. Pode deduzir-se que os inquiridos recorrem aos familiares antes de recorrer ao endividamento, o que permite sublinhar o papel fundamental das famílias no apoio aos seus desempregados.
157
Outra
1,4%
Alimentação
11,%
Tomar conta
dos filhos
12,3%
Alojamento
21,9%
Ajuda
financeira
53,4%
Figura 16. Natureza da ajuda familiar recebida
II.5. PROTECÇÃO SOCIAL E SITUAÇÃO FINANCEIRA
Quanto ao rendimento financeiro dos agregados domésticos (Figura 17),
observa-se que cerca de metade dispõe de rendimentos superiores a 749€ mensais. No
escalão de rendimentos de 500€ a 748€ mês enquadram-se 23,2%. O destaque incide,
no entanto, sobre inquiridos cujos agregados dispõem de rendimento mensal inferior a
499€ mês, sugerindo condições de pobreza e exclusão social. De notar ainda que 102
dos inquiridos não expressaram o escalão de rendimento.
2,0%
4,0%
11,6%
23,2%
19,7%
23,2%
16,2%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
<=150 €/mês
151-299 €/mês
300-499 €/mês
500-748 €/mês
749-998 €/mês
999-1496 €/mês
=>1497 €/mês
Figura 17. Rendimento financeiro do agregado familiar
Complementando estes dados com informação relativa à capacidade de
poupança, verifica-se que a sustentabilidade económica da generalidade dos agregados
se caracteriza de precária (respectivamente 37,2% gastam todo o dinheiro de que
dispõem, 40,1% tem de prescindir de certos bens necessários e 6,4% chega a precisar de
158
se endividar ou de ajudas146). Somente 16,3% dos agregados dá sinais de estabilidade
económica, na medida em que refere capacidade de poupança.
Necessidade de
endividamento
ou de ajudas
6,4%
Conseguem
poupar
16,3%
Gastam todo o
dinheiro de que
dispõem
37,2%
Prescindem de
certos bens de
que
necessitavam
40,1%
Figura 18. Capacidade de poupança do agregado familiar
Sobre a protecção social, nota-se que a maioria dos inquiridos (86,2%) beneficia
de subsídio de desemprego. Entre os restantes (N=38), identifica-se assinalável
proporção de situações de precariedade, dado que, ocorrendo o desemprego em muitos
casos por motivos não imputáveis aos inquiridos (fim do contrato e fecho da empresa,
por exemplo), estes não recebem subsídio de desemprego. Os indivíduos sem subsídio
têm normalmente o 2º ciclo de escolaridade (χ2=12,829; g.l.=3; p=0,005).
2,8%
5,6%
8,3%
11,1%
16,7%
25,0%
30,6%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Doença
Motivos familiares
Empresa fechou
Outro
Foi despedido
Despediu-se
Terminou o contrato
Figura 19. Motivos para o desemprego entre os inquiridos que não auferem subsídio de desemprego
146 É de supor que a expressão “pedir ajuda” possa ter sido interpretada como recurso ao exterior da família nomeadamente endividamento, uma vez que se encontram valores muito díspares na comparação das respostas a duas questões no inquérito, como já foi referido. De facto, por um lado, em outra questão, 30% afirmam beneficiar de ajuda e, por outro, nesta questão, apenas 6,4% assinalam a necessidade de endividamento ou de ajuda.
159
Ainda 5,5% dos inquiridos auferem diferente tipo de subsídio ou pensão, com
destaque para o rendimento social de inserção (RSI).
Na Figura 20 encontra-se identificado o escalão de subsídio de desemprego e
pensão. Aqui há a salientar o significativo número de inquiridos (73 indivíduos) que não
expressaram o valor recebido. Não obstante, para o total de inquiridos que prestaram
informação (N=227) aparece uma concentração em torno dos limites inferior e superior
do salário mínimo nacional, nomeadamente, 37,2% com subsídio entre 300€ e 499€
mensais e 26,5% entre 500€ a 748€ mensais.
Há que realçar ainda a percentagem de inquiridos com subsídios inferiores a
299€ mensais (13%), situados assim em limiar de pobreza e de exclusão social e
económica, considerando, nomeadamente, que 2,3% estão no escalão mínimo 0 a 150€
mensais. Por contraste, 23% dos inquiridos auferem prestação mais generosa (valor
superior a 749€).
2,3%
10,7%
37,2%
26,5%
9,8%
13,5%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
<=150 €/mês
151-299 €/mês
300-499 €/mês
500-748 €/mês
749-998 €/mês
=>999 €/mês
Figura 20. Subsídio de desemprego ou outro tipo de subsídio ou pensão auferida
Tais dados assumem especial relevância quando se verifica que cerca de 2/3 dos
inquiridos tem como principal fonte de sobrevivência o subsídio. Destaca-se ainda a
assumpção da família como importante estrutura de sustentação e apoio para cerca de
1/3 dos inquiridos, onde cônjuge/companheiro(a) assim como os pais têm particular
destaque. Assiste-se, por último, a uma percentagem residual cuja principal fonte de
sobrevivência é trabalho ocasional (1,3%) ou outro não referido (1%).
160
Outros
familiares
0,7%
Pensão
1%
Rendimento
social de
inserção
1%
Outro
1%
Trabalho
ocasional
1,3%
Pais
12,1%
Conjuge ou
companheiro(a)
17,8%
Subsídio de
desemprego
65,1%
Figura 21. Principal fonte de sobrevivência II.6. VALORES SOCIAIS
Quando questionados sobre a importância de um conjunto de valores sociais, os
indivíduos demonstram preocupação especial com a vida familiar e o emprego (Figura
22). Valores como amizade e vida social são relegados para segundo plano: 29% não dá
qualquer importância aos amigos e 60% não se interessa pela vida social. À política e à
religião dá-se importância quase nula.
1,3%
9,1%
19,7%
28,7%
79,8%
93,9%
2,6%
6,1%
20,2%
42,6%
16,7%
4,2%
96,3%
84,8%
60,1%
28,7%
3,5%
1,9%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Participação política
Participação religiosa
Vida social
Amigos
Emprego
Vida familiar
Muito importante Mais ou menos importante Nada importante
Figura 22. Valores sociais
161
Na análise da importância média147 de valores segundo a categoria etária148,
observam-se variações no posicionamento face à vida social (k-s(4)=20,04; p<.001) e à
religião (k-s(4)=14,12; p<.05). Assim, é possível afirmar com significância estatística
que os inquiridos com mais de 55 anos dão mais importância à vida social do que as
outras categorias etárias (com excepção do grupo entre 45 e 54 anos). No respeitante à
participação religiosa, os mais idosos (> 55 anos) dão mais importância do que os mais
jovens (<25 anos e entre 25 a 34 anos) – Vide Figura 23.
1
1,2
1,4
1,6
1,8
2
2,2
2,4
2,6
2,8
3
<25 anos 25-34 anos 35-44 anos 45-54 anos >55 anos
Participação política
Participação religiosa
Vida social
Amigos
Emprego
Vida familiar
Figura 23. Posicionamento valorativo médio dos valores (Escala: 1=Muito importante e 3= Nada importante)
Deve ainda salientar-se a inexistência de diferenças significativas entre homens
e mulheres no concernente aos valores sociais.
Quanto à vida social, verifica-se que os indivíduos com o 1º ciclo tendem a
considerar a vida social importante, enquanto os indivíduos com o 3º ciclo tendem a
mostrar-se indiferentes à vida social (χ2=27,796; g.l.= 8; p=0,001).
147 É de recordar que os valores médios calculados oscilam entre 1=Muito importante e 3= Nada importante. 148 Foi utilizado para o efeito o teste Kruskall-Wallis.
162
II.7. RELAÇÃO DOS DESEMPREGADOS COM O DISPOSITIVO PÚBLICO DE
EMPREGO: RELAÇÃO COM OS CENTROS DE EMPREGO (CE) E
EXPECTATIVAS
Da totalidade dos desempregados da amostra, somente 1% não está inscrito no
CE149; a quase totalidade encontra-se vinculada a esta entidade. Sobre o tempo de
inscrição no CE, verifica-se que 26,2% estão inscritos há menos de 6 meses, cerca de
metade (51%) entre 6 meses a 1 ano e 22,8% há mais de 1 ano. Constituindo a inscrição
para emprego uma obrigatoriedade para o benefício do subsídio de desemprego
(auferido por 86,2%), as percentagens apresentam tendência temporal semelhante à
expressa pelos inquiridos relativamente ao tempo de desemprego (Figura 24), facto
reforçado pela correlação positiva - considerada moderada a forte consoante os autores -
(R Spearman=0,59, p <.001).
>12 meses
22,8%
6 a 12
meses
51%
<6 meses
26,2%
Figura 24. Tempo de inscrição no CE
Note-se, porém, alguma incongruência de respostas entre os inquiridos inscritos
há mais de 12 meses (14,1% declararam estar desempregados há menos de 6 meses e
outros 31,3% entre 6 a 12 meses).
149 Trata-se de indivíduos que se deslocaram ao CE a informar-se sobre procedimentos para: requerer o subsídio de desemprego, aceder à formação profissional e criar o próprio emprego.
163
80,6%
0,7%
14,1%
11,9%
88,4%
31,3%
6,0%
9,6%
46,9%
1,5%
1,4%
7,8%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Inscrito há <6meses
Inscrito entre 6 a 12 meses
Inscrito há >12 meses
Desempregado há <6 meses Desempregado entre 6 a 12 meses Desempregado entre 12 a 24 meses Desempregado há >24 meses
Figura 25. Tempo de inscrição no CE de acordo com o tempo de desemprego
A idade revela-se factor associado ao tempo de inscrição no CE e por isso se
conclui que quanto mais idade, mais alargado no tempo o vínculo ao CE, conclusão
reforçada pela correlação positiva e moderada entre as duas variáveis (R de Spearman=
0,446, p <.001) – Figura 26. Entre homens e mulheres não existem diferenças no que
respeita a tempo de inscrição.
53,9%
5,4%
9,1%
25,0%
16,2%
15,2%
15,8%
23,6%
21,2%
5,3%
25,7%
33,3%
29,1%
21,2%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Menos de 6 mese s
6 mese s a 1 ano
1 ano ou mais
menos de 25 anos
25 a 34 anos
35 a 44 anos
45 a 54 anos
mais de 55 anos
Figura 26. Tempo de inscrição no CE de acordo com a categoria etária
O mesmo não acontece com o nível de instrução (χ28,290 = 46,62; p < .001), em
que se verifica uma tendência de inquiridos com 2º ciclo completo (n=27; residual=2,2)
e com ensino superior (n=19; residual=4,2) estarem associados a uma inscrição mais
curta (menos de 6 meses). A análise descritiva mostra ainda que indivíduos com o 1º
ciclo do ensino básico (n=55; residual=3,6) estão inscritos predominantemente entre 6
meses e 1 ano (Figura 27).
164
2,6%
37,2%
36,4%
35,5%
23,6%
21,2%
25,0%
25,0%
24,2%
11,8%
6,1%
13,6%
25,0%
8,1%
4,5%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Menos de 6 meses
6 meses a 1 ano
1 ano ou mais
1º ciclo
2º ciclo
3ºciclo
Secundário
Superior
Figura 27. Tempo de inscrição no CE de acordo com o nível de instrução
Ao examinar, para homens e mulheres, a associação de algumas variáveis com o
tempo de inscrição no CE, foi possível concluir que os homens inscritos há menos de 6
meses tendem a receber ajuda de familiares (χ2 8,715; g.l. 2; p. 0,013) assim como a
passar o mesmo ou nenhum tempo com os filhos (χ2 7.430; g.l.2; p. 0,024). Os
desempregados entre 6 meses e 1 ano tendem ao pessimismo quanto à possibilidade de
“arranjar emprego actualmente” (χ2 8,229; g.l.; p. 0,016) e a não concordar que “ter um
emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” (χ2 6,124; g.l. 2; p. 0.047)150.
As mulheres desempregadas há menos de 6 meses tendem a concordar que, após
o desemprego, “deixaram de saber o que fazer com o tempo disponível” (χ2 8,467; g.l.
2; p. 0.014).
As deslocações dos desempregados ao CE podem ocorrer de forma voluntária
para requerer subsídio de desemprego, procurar emprego, orientação ou formação
profissional, por exemplo, ou por convocatória deste organismo para efeitos de
apresentação quinzenal151 caso aufiram subsídio, prova do cumprimento da
obrigatoriedade da procura de emprego, controlo de faltas, ofertas de emprego ou
encaminhamento para formação profissional, por exemplo. Nesse sentido, uma análise
150 Apesar deste destaque esta associação é ténue e pouco significativa. 151 Em 2006 foi publicada legislação relativa ao subsídio de desemprego, que passou a definir a obrigatoriedade de apresentação quinzenal dos desempregados com subsídio, bem como fazer prova do cumprimento da obrigatoriedade da procura de emprego. A legislação anterior obrigava à apresentação mensal, situação em que se encontram os inquiridos, uma vez que o inquérito decorreu entre Dezembro de 2005 e Fevereiro de 2006.
165
da frequência de deslocações ao CE constitui indicador do dinamismo relacional entre
desempregados candidatos a emprego e dispositivo público de emprego. Verificando-se
que as situações mais comuns entre inquiridos (cerca de 2/3) correspondem a uma
deslocação mensal (34,3%) ou menos (30,7%)152, pode considerar-se o rácio de
dinamismo baixo. Só o restante terço de inquiridos mantém contacto mais frequente
com o CE, efectuando, em média, duas (20,1%) ou mais (15%) deslocações por mês.
30,7%
34,3%
20,1%
15,0%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Nenhuma deslocação
Uma deslocação/mês
Duas deslocações/mês
Três ou mais deslocações/mês
Figura 28. Deslocações mensais ao CE
A maioria dos inquiridos (86,9%) tem o CE como útil, a sua inscrição no CE153.
No entanto, cerca 1/10 dos inquiridos (13,1%), não lhe reconhece utilidade.
O recurso a esta instituição encontra-se associado a diferentes motivações ou
expectativas. Assim, pode afirmar-se que a principal expectativa, expressa por 68,7%, é
o “emprego”, ou seja, conseguir o reingresso no mercado de trabalho, nomeadamente
através de propostas de ofertas de emprego. A expectativa de alguns não revela, no
entanto, prioridade no regresso imediato ao mercado de trabalho, mas sim num
investimento em factores promotores da sua empregabilidade. Neste contexto, 16,2%
esperam que o CE proporcione a oportunidade de “formação profissional” e 3,8%
“orientação profissional”154. Uma percentagem reduzida (6,5%) refere, no entanto,
como expectativas a oportunidade de criação do próprio emprego. Aqui se incluem 152 Aqui se incluem 81% daqueles que não auferem subsídio de desemprego e 92% dos que apenas recebem outro apoio social como o Rendimento Social de Inserção (RSI). 153 Note-se que 87% de reconhecimento de utilidade ao CE contrasta com o contacto muito reduzido e, como se viu no capítulo V, com a muito baixa colocação no mercado de trabalho. É provável que outros motivos que não o emprego justifiquem o sentido de utilidade do CE. Estes dados podem ainda resultar do jogo de expectativas dos inquiridos em relação aos inquiridores. 154 Procedimento aliás obrigatório no contexto do acesso à formação profissional da rede de Centros de Formação Profissional do IEFP.
166
expectativas de apoio à estruturação e implementação de projecto empresarial.
Percentagem mais escassa manifesta a expectativa de procedimentos para requerimento
da prestação social de desemprego.
Outra
0,7%
Orientação
profissional
3,8%
Subsídio de
desemprego
4,1%
Criação do
próprio
emprego
6,5%
Formação
16,2%
Emprego
68,7%
Figura 29. Expectativas quanto ao apoio prestado pelo CE
Os indivíduos com nível de instrução superior tendem a esperar um processo de
orientação e encaminhamento para formação profissional, enquanto indivíduos com
escolaridade de 2º ciclo têm como expectativa tratar do subsídio (χ2=15,959; g.l.=8;
P=0,043).
A análise descritiva mostra ainda que, apesar de, no geral, os inquiridos
adoptarem uma atitude positiva quanto à possibilidade de emprego (56%), é entre os
que mais vezes se deslocam ao CE (três ou mais vezes por mês) que mais parece existir
esperança de encontrar emprego155.
155 Na variável “possibilidade de arranjar emprego actualmente” agregaram-se as respostas “muito provável” e “nada provável” (categoria “optimista”) e as respostas “pouco provável” ou “nada provável” (categoria “pessimista”). Passou assim a tratar-se a variável de forma dicotómica e com maior número de frequências em cada uma.
167
54,8%
58,0%
51,0%
65,6%
45,2%
42,0%
49,0%
34,4%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Nenhuma
Uma vez por mês
Duas vezes por mês
Três ou mais vezes por mês
Optimista
Pessimista
Figura 30. Atitude face à possibilidade de encontrar emprego de acordo com a média de deslocações ao CE
Utilizou-se a variável “tempo de inscrição no CE” como equivalente à variável
“tempo de desemprego” por forma a abranger os candidatos a primeiro emprego. Ocorre
uma semelhança na distribuição entre inquiridos do sexo masculino e sexo feminino,
quanto a receberem ajuda de familiares, em função do tempo de inscrição no CE. Os
inquiridos com menor tempo de inscrição (menos de 6 meses) são os que mais revelam
receber ajuda de familiares (46,43% do sexo feminino e 41,86% do sexo masculino). Os
que menos revelam receber ajuda de familiares encontram-se inscritos entre 6 meses e 1
ano (22,97% do sexo feminino e 16,67% do sexo masculino). Apesar da presente
semelhença de distribuições entre sexos, verifica-se tendência estatisticamente
significativa para os homens desempregados há menos de 6 meses receberem ajuda de
familiares (χ2=8,715; g.l.=2; p=0,013).
Nos diferentes tempos de inscrição no CE, o escalão de subsídio de desemprego
ou pensão mais auferido é de 300€ a 499€ mensais. Os inscritos há menos de 6 meses,
revelam maior proporção de escalões mais baixos de subsídio (20% inferior a 299€
mensais) assim como a menor percentagem de escalões mais elevados (17,5% com mais
de 749€.
Em oposição, os inscritos entre 6 meses e 1 ano revelam maior percentagem de
escalões de subsídio mais elevados (26,83% superiores a 749€ mensais) e menor
proporção de escalões de subsídio mais baixos (11,39% inferiores a 299€ mensais), a
par dos inscritos há mais de 1 ano (12,5%). Apesar destes destaques, não se verifica
relação estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no CE e escalão de
subsídio de desemprego ou pensão.
168
É no grupo de inscritos há mais de 1 ano que se verifica maior percentagem de
agregados com rendimentos menos elevados (menos de 300€ mensais), que, no seu
conjunto, totalizam 24,45%. Em contrapartida, é também neste grupo que se regista a
maior percentagem de agregados com rendimentos mais elevados (mais de 999€
mensais), nomeadamente 46,66%; de realçar os rendimentos entre 999€ e 1496€
mensais que, com 33,33%, constitui a maior percentagem dos 3 grupos de inscritos no
CE. Contudo, não se verifica relação estatisticamente significativa entre tempo de
inscrição no CE e escalão de rendimento do agregado doméstico.
Quanto à média de deslocações dos inquiridos ao CE em função do tempo de
inscrição, verifica-se que os inquiridos com menos de 6 meses de inscrição são os que
se deslocam menos de 3 vezes ao CE.
Em termos genéricos, é de assinalar o reduzido recurso ao CE em qualquer
grupo de inscritos, nomeadamente: a elevada percentagem dos que em média não fazem
qualquer visita ao CE (33,87% dos inscritos há menos de 6 meses, 27,91% dos inscritos
entre 6 meses e 1 ano e 34,48% dos inscritos há mais de 1 ano); a elevada percentagem
que em média faz uma visita ao CE (29,03% dos inscritos há menos de 6 meses, 36,43%
dos inscritos entre 6 meses e 1 ano e 36,21% dos inscritos há mais de 1 ano).
Em consonância com a semelhança de distribuições de deslocações médias dos
inquiridos em função do tempo de inscrição no CE, pode acrescentar-se que não se
verifica uma relação estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no CE e
escalão de rendimento do agregado doméstico.
A principal expectativa dos inquiridos face ao CE é um emprego. Têm esta
expectativa 62,16% dos inquiridos inscritos no CE há menos de 6 meses, aumentando
para os 73,43% nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e passando para 65,63% nos
inscritos há mais de 1 ano.
A segunda expectativa tem a ver com formação e vai decrescendo com o tempo
de desemprego (referida por 24,32% dos inscritos há menos de 6 meses, 14,69% dos
inscritos entre 6 meses e 1 ano e somente 10% dos inscritos há mais de 1 ano).
169
Em contrapartida, a expectativa de
criar próprio emprego, ainda que reduzida,
vai aumentando com o tempo de
desemprego (4,05% dos inscritos há menos
de 6 meses, 6,29% dos inscritos entre 6
meses e 1 ano e 9,38% dos inscritos há mais
de 1 ano).
Tratar do subsídio de desemprego,
orientação profissional, etc., são
expectativas com expressão muito reduzida
em qualquer dos grupos (0 e 6,29%).
Não se verifica uma relação estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no
CE e expectativas.
A procura de emprego caracteriza a generalidade dos inquiridos,
independentemente do tempo de inscrição no CE. Apesar disto, verifica-se uma ligeira
flutuação das respectivas percentagens consoante o tempo de desemprego (13,89% dos
inquiridos inscritos há menos de 6 meses não procuram de emprego, reduzindo a
percentagem para 8,28% nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e atingindo o máximo -
17,19% - nos inscritos há mais de 1 ano).
Em consonância com a semelhança de
percentagens de inquiridos que se encontram ou
não à procura de emprego actualmente por tempo
de inscrição no CE, pode ainda referir-se que não
se observa relação estatisticamente significativa.
Na Figura 32 observa-se a diferença de
atitude de inquiridos do sexo feminino e
masculino no que se refere à posição perante a
possibilidade de emprego actualmente, em
Figura 31 Distribuição percentual das expectativas face ao
CE e tempo de inscrição no CE
Figura 32 Distribuição percentual das expectativas face ao
CE e tempo de inscrição no CE por género
170
função do tempo de inscrição no CE.
O sexo feminino vai diminuindo o optimismo com o aumento do tempo de
inscrição no CE. A maioria das inquiridas inscritas há menos de 6 meses (70,97%)
manifesta optimismo quanto a arranjar emprego, optimismo que diminui para 49,32%
das inscritas entre 6 meses e 1 ano e atinge a percentagem mínima de 43,75% nas
inscritas há mais de 1 ano. Comparativamente, maior percentagem de inquiridos do
sexo masculino (65,52%) revela optimismo, quando o tempo de inscrição no CE excede
1 ano.
De notar que o sexo masculino apresenta oscilações no seu optimismo ao longo
do tempo de desemprego. A maior percentagem de inquiridos optimistas (73,7%)
verifica-se quando se encontram inscritos há menos de 6 meses, diminuindo para 46%
nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e aumentando para 65,5% nos inscritos há mais de 1
ano.
Verificando-se uma relação estatisticamente significativa entre “tempo de
inscrição no CE” e “possibilidade de arranjar emprego actualmente” (χ2=11,363; g.l.=2;
p=0,003), tal associação decorre do posicionamento do sexo masculino (χ2=8,229;
g.l.=2; p=0,016), donde se infere tendência para homens desempregados entre 6 meses e
1 ano terem atitude pessimista.
III. SITUAÇÕES E ATITUDES FACE AO EMPREGO A PARTIR DO
INQUÉRITO
III.1. SITUAÇÃO FACE AO EMPREGO
A quase totalidade dos inquiridos (96%) já teve emprego remunerado, ao passo
que 4% se encontram à procura de primeiro emprego (Figura 33).
171
Já teve
emprego
remunerado
96%
Nunca teve
emprego
remunerado
4%
Figura 33. Situação face ao emprego
III.2. DURAÇÃO DO DESEMPREGO E VARIÁVEIS ASSOCIADAS
Sobre o total de inquiridos que tiveram emprego remunerado, nota-se que a
situação mais frequente é a de desemprego de média duração (3/4 entre 6 meses e 1
ano); 23,5% desemprego há menos de 6 meses; 20% desemprego de longa duração
(DLD), com maior presença entre 1 e 2 anos. Apesar de reduzida, há ainda a proporção
de 2,8% desempregados há mais de dois anos que poderá indiciar maior fragilidade
social.
Para 60,5% é a primeira vez que se encontram desempregados; resta uma
percentagem de cerca de 40% para quem a situação se repete.
23,5%
56,5%
17,2%
2,8%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
<6 meses
6 a 12 meses
12 a 24 meses
>24 meses
Figura 34. Duração da situação de desemprego
172
Não há diferenças entre homens e mulheres no respeitante à duração do
desemprego.
Considerando a idade (χ212,285 = 89,95; p <.001), verifica-se tendência para que
os mais jovens com menos de 25 anos (n=29; residual=6,9) e 25-34 anos (n=23;
residual=3,7) estejam desempregados há menos tempo (menos de 6 meses). Os mais
idosos, menos de 55 anos (n=42; residual=2,7), estão desempregados entre 6 meses e 1
ano e entre 1 e 2 anos. Além disso, os indivíduos entre 45-54 anos (n=18; residual=2,6)
tendem a permanecer mais tempo no desemprego (mais de 1 ano, nomeadamente mais
de 2 anos).
43,3%
8,1%
6,1%
12,5%
34,3%
16,8%
4,1%
25,0%
16,4%
24,2%
22,4%
25,0%
4,5%
24,8%
36,7%
37,5%
1,5%
26,1%
30,6%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Menos de 6 meses
6 meses a 1 ano
1 a 2 anos
Mais de 2 anos
menos de 25 anos
25 a 34 anos
35 a 44 anos
45 a 54 anos
mais de 55 anos
Figura 35. Duração do desemprego por escalão etário
Tendo em conta o nível de instrução (χ212,285 = 41,93; p < .001), é possível
verificar uma tendência para os inquiridos mais escolarizados (com nível superior;
n=16; residual= 3,6) estarem desempregados há menos tempo (menos de 6 meses). Ao
contrário, os menos escolarizados estão desempregados há mais tempo: 1º ciclo (1 a 2
anos); 2ºciclo (mais de 2 anos); 3º ciclo (1 a 2 anos); secundário (mais de 2 anos).
173
4,5%
34,8%
42,9%
25,0%
28,4%
24,8%
16,3%
37,5%
28,4%
23,6%
30,6%
12,5%
14,9%
8,7%
2,0%
25,0%
23,9%
8,1%
8,2%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Menos de 6 meses
6 meses a 1 ano
1 a 2 anos
Mais de 2 anos
1º ciclo
2º ciclo
3ºciclo
Secundário
Superior
Figura 36. Duração do desemprego por nível de instrução
Analisando o tempo de duração do último emprego (Figura 37) é possível
verificar que, na sua maioria (58,7%), as situações de desemprego ocorrem previamente
à possibilidade de admissão como efectivos, ou seja, até perfazerem 3 anos em empresa.
Neste caso, as situações de permanência no emprego entre 1 a 3 anos (39,5%) e as
inferiores a 1 ano (19,2%) constituem a segunda situação mais frequente.
A permanência no último emprego por um período superior a 4 anos, caracteriza
41,3% dos inquiridos, destacando-se 11,4% em situação de desemprego após mais de 30
anos no último emprego.
Na Figura 38 apresenta-se o tempo de permanência na última empresa, somente
para inquiridos cujo motivo de desemprego foi a cessação de contrato (N=92). O que se
deduz do gráfico permite identificar que as situações de cessação do contrato incidem
quase na totalidade (90,9%) sobre casos de permanência na empresa até 3 anos. Tal
facto, poderá constituir um indicador das tendências de contratação do mercado,
orientadas para contratualização de curta duração, onde são evitadas as situações de
efectividade, com consequentes impactos negativos ao nível do desemprego e da
fixação e estabilização do know how experiencial.
174
19,2%
39,5%
9,6%
7,0%
5,5%
4,4%
3,3%
11,4%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
<1 ano
1-3 anos
4-10 anos
11-15 anos
16-20 anos
21-25 anos
26-30 anos
>30 anos
34,1%
56,8%
1,1%
2,3%
2,3%
1,1%
0,0%
2,3%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
<1 ano
1-3 anos
4-10 anos
11-15 anos
16-20 anos
21-25 anos
26-30 anos
>30 anos
Figura 37. Duração do último emprego Figura 38. Duração do último emprego (entre os que
terminaram contrato)
III.3. MOTIVO DE CESSAÇÃO DO ÚLTIMO EMPREGO
Na Figura 39, apresentam-se os motivos que levaram ao desemprego. Pode
observar-se que a situação de cessação de contrato foi a mais frequente (32,7%),
seguida de encerramento da empresa (23,9%). Surgem ainda o despedimento sem justa
causa e os casos de pré-reforma.
As situações de desemprego decorrentes de factos associados ao trabalhador
(auto e hetero despedimento, doença e condicionamentos familiares) representam
31,2%, com realce para 3,9% por despedimento (não discriminado). Esta categoria é
complexa e inclui uma variedade de situações como: despedimento por extinção do
posto de trabalho; despedimento colectivo; auto-despedimento devido a salários em
atraso; acordo de revogação para despedimento de efectivos devidamente fundamentado
com vista a redução de postos de trabalho devido a reestruturação empresarial.
1,05%
1,40%
1,75%
5,61%
10,18%
23,86%
23,86%
32,68%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Motivos familiares
Pré-reforma
Doença
Despediu-se
Outro
Empresa fechou
Foi despedido
Terminou o contrato
Figura 39. Motivos para o desemprego
175
Apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas quanto ao
motivo de saída do último emprego segundo o género e dominar para ambos “fim de
contrato” e “despedimento”, é possível observar, na análise descritiva, que as mulheres
saíram mais por questões de doença, familiares, encerramento de empresa ou ainda por
cessação de contrato (Figura 40). Por outro lado e em comparação, os homens parecem
viver situações de despedimento (auto e hetero).
Figura 40. Motivos para o desemprego em função do género
Na análise dos diferentes motivos do termo do último emprego de acordo com a
categoria etária (χ228,285 = 71,94; p < .001), verifica-se que os mais jovens (menos de 25
anos) tendem a associar-se mais a situações de auto-despedimento (n=7; residual=3,2),
cessação de contrato (n=25; residual=3,6) e fecho de empresa (n=1; residual=3,7). A
faixa etária seguinte (25-35 anos) está também mais ligada a cessação de contrato
(n=24; residual=2,1) e a condicionamentos familiares (n=2; residual=2,1). Os inquiridos
com mais de 55 anos experimentam outra realidade ao atingir o desemprego por pré-
reforma (n=4; residual=4) ou por encerramento de empresa (n=20; residual=2,1).
III.4. COMO CONSEGUIU O ÚLTIMO EMPREGO
Relativamente ao modo como se chegou ao último emprego (Figura 41), nota-se
que as redes sociais e familiares dos inquiridos desempenharam um papel principal,
segundo indicação de quase metade dos inquiridos (47,3%). A segunda estratégia mais
176
referenciada foi a candidatura directa a uma empresa, seguida da resposta a anúncio.
Estas duas últimas estratégias expressam uma acção directa sobre o mercado. Não
obstante, evidenciam diferentes tipos de intervenção. A resposta a anúncio pode ser
identificada como reacção às necessidades do mercado, enquanto a candidatura directa
se reporta a uma atitude de “pressão” sobre o mercado.
As modalidades “inscrição numa agência de recrutamento”, “através do CE” e
“apresentação de anúncio num jornal ou revista” foram as menos identificadas (3,2%).
Em termos de caracterização poderá dizer-se, que envolvendo igualmente pró
actividade, estas estratégias apresentam, por um lado, enfoque sobre um mediador
(agência de recrutamento) e, por outro, uma atitude de “espera” à reacção por parte do
mercado de trabalho.
0,4%
1,1%
1,8%
12,4%
14,2%
22,9%
47,3%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Apresentação de anúncio num jornal ou revista
Através do centro de emprego
Inscrição numa agência de recrutamento
Outra
Por resposta a anúncio de um jornal ou revista
Candidatura directa a uma empresa
Através de familiares, amigos e colegas
Figura 41. Como conseguiu o último emprego
Ao analisar o modo de obtenção do último emprego, em função do sexo, idade e
qualificações não se encontram diferenças por sexo.
Todavia, o nível de instrução anda efectivamente associado com o modo de
obtenção do último emprego (χ224,275 = 57,89; p < .001), o que se traduz, em maior
tendência de os desempregados com o 1º ciclo completo conseguirem emprego através
do contacto com familiares, amigos e colegas (n=40; residual=1,5) bem como através de
candidaturas directas (n=24; residual=2,1). Os inquiridos com 2º ciclo completo
também se apoiam maioritariamente na rede informal de contactos (n=40; residual=1,6),
enquanto os inquiridos com 3º ciclo tendem para a via de inscrição numa agência de
recrutamento (n=3; residual=1,8). Além disso, os desempregados com o 12º ano
conseguiram emprego mais através de uma candidatura directa (n=11; residual= 2,2) e
177
os licenciados por resposta a anúncio (n=9; residual=2,5). De notar ainda a seguinte
relação significativa: indivíduos que conseguem o último emprego através de inscrição
em agência de recrutamento ou publicação de anúncio têm nível de instrução secundário
ou pós secundário (χ2=33,094; g.l.=9; p=0,000).
Quanto à idade (χ224,275 = 45,17; p < .05), são os mais jovens (menos de 25 anos)
que mais conseguem emprego através do CE (n=2; residual=2,4) e de agência de
recrutamento (n=4; residual=4), enquanto nos mais idosos (mais de 55 anos) aparece a
tendência de conseguir emprego através de candidatura directa a empresa (n=17;
residual=1,9).
III.5. ATITUDES FACE AO EMPREGO
III.5.1. Trabalho enquanto laço social
Os dados obtidos permitem esclarecer que, para os inquiridos, o trabalho não é
apenas fonte de receita mas também criador de uma comunidade de relações sociais e
afectivas, na medida em que uma expressiva maioria de 80% assinala que “tinha muitos
amigos no trabalho”. Assim, a grande maioria dos inquiridos tem a vivência de uma
rede sócio afectiva no trabalho.
Curiosamente, após o desemprego, apenas cerca de 16% perderam amigos,
enquanto menos de ¼ refere partilhar o sentimento de isolamento social. Tais respostas
poderão indicar que a grande maioria dos desempregados inquiridos não sofre de
estigma social e permanece socialmente integrada após o desemprego.
80,2%
1 5,8%
23,5%
0% 20% 40 % 60% 80% 100%
Tinha muitos amigos no trabalho
Passe i a ter menos amigos
Sinto-me isolado
Figura 42. Dimensão social e afectiva do emprego e do desemprego
178
Analisando a questão “tinha muitos amigos no trabalho” em função da idade
(χ24,243= 13,88; p <.05) e do nível de instrução (χ2
4,443 = 16; p <.05), conclui-se que:
• os maiores de 55 anos (n=48; residual=3,1) tendem a concordar com o facto de
terem muitas relações de amizade em meio laboral, por oposição aos mais jovens
(menos 25 anos; n=15; residual=2,6) que tendem a discordar;
• os inquiridos com o 1º ciclo (n=55; residual=2,9) tendem a concordar com a
existência de muitos amigos no trabalho, por oposição aos de nível superior que
discordam (χ2=16,004; g.l.=4; p=0,003; n=12; residual=3).
III.5.2. Envolvimento no emprego ou a centralidade do trabalho
Pouco mais de metade dos inquiridos (54%) afirma que “ter um emprego
qualquer é melhor do que não ter nenhum”156. Pode deduzir-se que mais de metade da
amostra atribui grande valor ao trabalho/emprego por contraste com a sua ausência.
Analisada a variável em função de sexo, idade e nível de instrução, verifica-se, antes de
mais, que não existem diferenças entre sexos. Contudo, relativamente à categoria etária
(χ24,237 = 11,34; p < .05), os mais jovens tendem a concordar com a aceitação de
qualquer emprego (n=33; residual=1,9), enquanto os de idades entre 25-34 anos (n=28;
residual=1,8) e 35-44 anos (n=31; residual=2,2) tendem a considerar o contrário,
assumindo uma posição relativa quanto à implicação no emprego ou centralidade do
mesmo em suas vidas, apesar de se encontrarem desempregados (Figura 43). Assim, os
mais jovens e que, provavelmente, ainda não têm experiência de trabalho ou a têm
muito reduzida apresentam uma opinião mais favorável a qualquer emprego. Também
os maiores de 45 anos tendem a concordar.
156 Esta afirmação constitui um indicador de envolvimento no emprego ou da sua centralidade.
179
66,0%
42,9%
40,4%
63,4%
60,0%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
menos de 25 anos
25 a 34 anos
35 a 44 anos
45 a 54 anos
mais de 55 anos
Apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas entre os que
concordam e os que não concordam, consoante o seu nível de qualificação, pode
observar-se que quanto mais elevado o nível de instrução menor a disponibilidade para
aceitar qualquer emprego. Os mais escolarizados são os mais exigentes quanto às
condições para emprego e integração profissional.
Quanto à categoria profissional do inquirido (χ25,160 = 16,78; p <.05), conclui-se
que os quadros superiores da administração pública e dirigentes (n=9; residual=2,7),
bem como os especialistas das profissões intelectuais e científicas (n=9; residual=1,9)
tendem a não aceitar qualquer emprego, ao contrário do pessoal de serviços e
vendedores (n=25; residual= 2,2).
63,6%
60,9%
47,6%
47,6%
37,9%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
1ºciclo
2ºciclo
3ºciclo
Secundário
Superior
Figura 44. “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com o nível de instrução
Figura 43. “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com a idade
180
Além disso, os que se encontram desempregados há mais tempo (1 a 2 anos e
mais de 2 anos) aceitam qualquer emprego sem reservas, por contraste com os
desempregados há menos tempo (6 meses a 1 ano e menos de 6 meses).
48,3%
46,7%
76,9%
62,5%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Menos de 6 meses
6 meses a 1 ano
1 a 2 anos
Mais de 2 anos
Figura 45. “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com o tempo de duração do desemprego
Analisando a questão da expectativa de emprego nos próximos 2 ou 3 anos
(χ24,428 = 15,19; p <.05), surgem os indivíduos com uma atitude empreendedora (pensam
criar o próprio emprego) como os que menos ponderam aceitar qualquer emprego.
É interessante ainda notar que os indivíduos que referiram conflitos familiares
após o desemprego (χ21,206 = 4,03; p <.05) (n=11; residual=2) tendem mais a aceitar
qualquer trabalho, o mesmo acontecendo aos que deixaram de saber o que fazer com o
tempo (χ21,214 = 3,85; p < .05; n=47; residual=.05).
III.5.3. Procura activa de emprego e motivação para trabalho
Apesar de todos os inquiridos se encontrarem em situação de desemprego, 12%
referem não procurar emprego (Figura 46). Tal atitude pode decorrer de uma efectiva
desistência de procura como, eventualmente, da frequência (ou intenção de frequência)
de formação profissional, planeamento da criação do próprio negócio ou até uma pausa
na vida. No total dos que não procuram emprego predominam os desempregados entre 6
meses e um ano157 com quase metade das respostas afirmativas, seguidos dos
157 De notar que os desempregados entre 6 meses e um ano constituem a maior representação proporcional da amostra (56,5%).
181
desempregados entre 12 e 24 meses com 25% das respostas (Figura 47). Deve referir-se
que não foram contabilizados os inquiridos na situação de primeiro emprego, na medida
em que não se tem conhecimento da amplitude do seu tempo de desemprego mas apenas
do tempo de inscrição no CE.
Sim
88%
Não
12%
22,2%
48,2%
25,9%
3,7%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
<6 meses
6-12 meses
12-24 meses
>24 meses
Figura 46. Procura de emprego por parte do inquirido
Figura 47. Tempo de desemprego dos inquiridos que não se encontram à procura de emprego
Sobre as iniciativas de procura de emprego nos últimos meses (Figura 48),
verifica-se que as acções com recurso a redes sociais e familiares constituem a
estratégia mais corrente, nomeadamente em metade dos inquiridos (50%). A resposta a
anúncios surge como segunda prática mais comum, seguida da apresentação directa de
candidaturas a potenciais empregadores. 10,7% dos inquiridos, contactam com técnicos
de emprego, verificando-se ainda a ocorrência pontual de outras iniciativas que
interpelam a acção de um mediador, nomeadamente a inscrição numa agência privada
de recrutamento (1,5%). Um número ínfimo de inquiridos refere ainda ter anunciado
num jornal ou revista. Por fim, há a comentar a apresentação em entrevistas (1,9%).
182
Anúnciar num
jornal ou revista
0,4%
Inscrição numa
agência de
recrutamento
1,5%
Apresentação
em entrevistas
1,9%
Outra
1,9%
Contacto com
técnicos do
Centro de
Emprego
10,7%
Candidatura
directa a
potenciais
empregadores
10,7%
Resposta a
anúncios de
jornal ou revista
23%
Ajuda a
familiares,
amigos e
colegas
50%
Figura 48. Iniciativas de procura de emprego nos últimos meses
A análise efectuada não sugere diferenças entre homens e mulheres, nem por
idade nem por nível de instrução.
Conclui-se ainda a notória semelhança com as estratégias que levaram ao último
emprego. Os inquiridos tendem a repetir as estratégias que já funcionaram
positivamente (χ242,255 = 68,46; p <.05).
Assim, para referir apenas alguns casos, os inquiridos que obtiveram emprego
através de familiares, amigos e colegas continuam a procurar emprego da mesma forma
(n=74, residual= 3,3) e os que conseguiram emprego através da resposta a anúncios
continuam a privilegiar esse meio. Por exemplo, ocorre tendência para os inquiridos que
arranjaram o último emprego em resposta a anúncios ou em apresentação directa de
candidaturas, utilizarem como estratégia actual de procura de emprego a candidatura
directa a uma empresa (χ2=24,499; g.l.= 9; p=0,004).
III.5.4. Aspectos valorizados no emprego
Feito um diagnóstico dos aspectos mais valorizados para aceitação de um
emprego (Figura 49) verifica-se que a generalidade dos inquiridos assinala valores de
sentido “extrínseco ou instrumental”158. Destacam-se, primeiro, a remuneração (55,8%)
158 Utilizam-se as expressões “extrínseco” ou “instrumental” e “intrínseco” ou “expressivo” conforme Herzberg (1966) e Caetano et al. (2003).
183
e, embora mais distanciado, o trabalho estável e seguro (21,7%), aspectos que
possibilitam a satisfação das necessidades básicas e redução das incertezas face ao
futuro. Com menor expressão surgem aspectos relacionais, distância a casa e horário de
trabalho (dimensões de compatibilização com a vida pessoal e familiar); os aspectos
relacionados com a carreira profissional, como possibilidades de promoção e formação,
são assinalados por 1,1% de inquiridos.
No conjunto, os aspectos ligados aos valores “intrínsecos” ou “expressivos”
subjacentes foram referenciados com importância para aceitação de emprego somente
por 6,2%. Neste grupo incluem-se interesse e utilidade social do trabalho.
Possibilidade de
promoção e
formação
1,1%
Trabalho para
ajudar outras
pessoas
1,5%
Trabalho útil à
sociedade
2,2%
Trabalho
interessante
2,5%
Horário
4,4%
Distância de casa
5,1%
Relação com
colegas e chefias
5,8%
Trabalho estável
e seguro
21,7%
Remuneração
55,8%
Figura 49. Aspectos valorizados no emprego
Comparando os aspectos valorizados num emprego por género (χ242,255 = 68,46;
p <.05), conclui-se que os homens valorizam mais a “remuneração” (n=84;
residual=2,2) e a “possibilidade de promoção e formação” (n=3; residual=1,8). As
mulheres dão mais importância à “distância de casa” (n=12; residual=2,6) e ao
altruísmo num “trabalho que ajude as pessoas” (n=4; residual=2).
Idade e qualificações escolares não têm qualquer efeito sobre a valorização do
trabalho.
Em termos da situação de emprego preferencial no que respeita ao tempo de
ocupação (Figura 50), a opção referenciada pela maioria dos inquiridos consiste em
actividade profissional a tempo inteiro (80%). Nota-se, contudo, uma percentagem de
13% para quem seria preferível um trabalho a tempo parcial e ainda 6% para quem o
184
ideal seria trabalhar apenas algumas horas (6%). 0,7% dos inquiridos manifesta que
preferia não ter trabalho remunerado.
Nenhum
emprego
remunerado
0,7%
Emprego de
algumas
horas
6%
Emprego a
tempo
parcial
13%
Emprego a
tempo
inteiro
80,3%
Figura 50. Situação de emprego preferencial
Não existe associação entre situação de emprego preferencial e as variáveis
sexo, idade e qualificações. Todavia, em termos descritivos, são as mulheres e os jovens
que predominam na escolha de emprego a tempo parcial e de emprego de algumas
horas.
III.5.5. Área profissional preferida
Considerando a variável sexo, nota-se que os homens tendem a preferir
operariado (n=12; residual=2,6) e comércio e serviços (n=21; residual=1,6). As
mulheres preferem áreas de saúde (n=10; residual=3,1), administrativa (n=29;
residual=3,3) e de educação (n=13; residual=2,4). A Figura 51 permite observar
preferências profissionais de acordo com o sexo (χ27,208 = 37,06; p <.001).
Apesar da categoria “a mesma” não ter associação significativa com nenhum
género na análise descritiva, é possível concluir que são mais os homens a referir o
interesse na mesma área profissional. Artes, profissões técnicas e especializações
também são preferências masculinas.
185
18,8%
23,7%
54,2%
61,8%
66,7%
80,0%
62,5%
100,0%
81,3%
76,3%
45,8%
38,2%
33,3%
20,0%
37,5%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Saúde
Educação
Administrativa
Técnicos e especializações
Comercial e Serviços
Artes
Operariado
A mesma
Homens Mulheres
Figura 51. Área profissional preferida de acordo com o sexo do inquirido
A idade é também factor a considerar na preferência de áreas profissionais, uma
vez que tem associação estatisticamente significativa com as mesmas (χ228,208 = 68,63; p
<.001). Deste modo, os indivíduos com idade inferior a 25 anos tendem a preferir áreas
ligadas às artes (n=6; residual=2,5) e profissões técnicas e especializadas (n=20;
residual=2,6). Os restantes grupos apresentam as seguintes predilecções:
• 25-34 anos, educação (n=8; residual=2,8);
• 35-44 anos, área administrativa (n=12; residual=2);
• 45-54 anos, operariado (n=8; residual=3,6);
• mais de 55 anos, comércio e serviços (n=10; residual=2) e a mesma (n=11;
residual=3,9).
No que se refere ao nível de instrução (χ228,208 = 66,62; p < .001) ocorre a
distribuição seguinte:
• 1º ciclo, comércio e serviços (n=13; residual=2,9), operariado (n=9;
residual=4) e a mesma (n=9; residual=2,2)
• 2º ciclo, artes (n=7; residual=2,3)
• 3º ciclo, técnicos especialistas (n=20; residual=1,8)
• secundário, área administrativa (n=7; residual=2,6)
• nível superior, educação (n=6; residual=2,8)
186
III.5.6. Expectativas de emprego na actualidade
Analisado o entendimento sobre expectativas de emprego na actualidade (Figura
52), observa-se que pouco mais de metade manifesta uma atitude optimista (“provável
ou muito provável”). No entanto, observa-se também a existência de elevada
percentagem de pessimistas (“nada ou pouco provável”).
Nada
provável
12,1%
Muito
provável
13,2%
Pouco
provável
21,9%
Provável
42,9%
Figura 52. Expectativas de emprego na actualidade
A análise de acordo com a duração do desemprego permite concluir que o
pessimismo se agrava e diminui o optimismo, à medida que o desemprego se prolonga
(χ23,260 = 18,69; p <.001) como é visível na Figura 53.
77,8%
53,1%
43,2%
25,0%
22,2%
46,9%
56,8%
75,0%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Menos de 6 meses
6 meses a 1 ano
1 a 2 anos
Mais de 2 anos
Optimista Pessimista
Figura 53. Expectativas de emprego na actualidade de acordo com a duração da situação de desemprego
Os optimistas estão desempregados há menos de 6 meses (n=49; residual=3,9),
enquanto os pessimistas permanecem há mais tempo no desemprego (1-2 anos; n=15;
residual=2; e mais de 2 anos; n=6; residual=1,8). De facto, os desempregados há mais
187
de 1 ano tendem a manifestar-se pessimistas (“nada ou pouco provável”; χ2=19,453;
g.l.=3; p=0,000), o que é válido também para desempregados há mais de 2 anos, que
manifestam pessimismo quanto ao reingresso no mercado de trabalho em futuro
próximo de 2 ou 3 anos (χ2=39,232; g.l.=3; p=0,000).
Quanto à idade (χ24,273 = 69,04; p <.001), os mais jovens tendem a uma opção
optimista (menos de 25 anos; n=36; residual=2,1; 25 a 34 anos; n=40; residual=3,6 e 35
a 44 anos; n=46; residual=3,6). Os pessimistas têm mais de 45 anos (45 a 54 anos;
n=24; residual=2,2 e mais 55 anos; n=47; residual=7,1)
De acordo com o nível de instrução (χ24,273 = 27,59; p <.001), são sobretudo os
menos escolarizados que manifestam pessimismo, em contraste com os do 3º ciclo e do
ensino superior (pessimistas: 1º ciclo; n=50; residual=4,8; optimistas: 3º ciclo; n=45;
residual=2,1 e superior; n=26; residual=2,8). De facto, os indivíduos com o 1º ciclo
tendem ao pessimismo quanto a empregabilidade actual (χ2=27,588; g.l.=4; p=0,000) e
futura (χ2=48,059; g.l.=4; p=0,000).
III.5.7. Expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos
No concernente às expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos (Figura 54)
encontra-se uma postura expressivamente optimista (72,9%) e de maior confiança. Num
total de inquiridos optimistas, 32,3% crê que poderá arranjar bom emprego, 24,3%
considera que conseguirá arranjar emprego mesmo que precário dentro de 2/3 anos e
16,3% afirmam o empreendedorismo ou a instalação por conta própria, como solução.
Dos inquiridos pessimistas com perspectiva a médio prazo (2 ou 3 anos), 23,3%
considera que dificilmente arranjarão emprego, enquanto 3,8% afirmam que, após o
período de 2/3 anos, irão permanecer no desemprego.
Atente-se no posicionamento em relação ao emprego dentro de 2 ou 3 anos por
idade (χ24,273 = 27,59; p <.001).
Os mais jovens são os mais optimistas e consideram que poderão arranjar um
bom emprego (menos 25 anos; n=37; residual=5,9 e 25 a 34 anos de idade; n=26;
residual=2,9).
188
Os que acreditam vir a criar o próprio emprego são optimistas e andam entre 25-
34 anos (n=14; residual=2,3) e 35-44 anos (n=16; residual=2,3).
3,8%
16,3%
23,3%
24,3%
32,3%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Continuará sem arranjar nada
Criará o seu emprego
Dificilmente arranjará emprego
Arranjará qualquer coisa mesmo que precária
Poderá vir a arranjar um bom emprego
Figura 54. Expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos
Arranjar qualquer coisa mesmo que precária é a perspectiva dominante para os
indivíduos entre 35 e 44 anos (n=21; residual=2).
Os mais velhos tendem ao pessimismo. Na verdade, os que assinalam que
dificilmente arranjarão emprego têm idades entre 45 e 54 anos (n=24; residual=3,4) e
mais de 55 anos de idade (n=37; residual=8,4). São também os maiores de 55 anos que
pensam não conseguir qualquer emprego (n=9; residual=5,3).
Quanto a expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos por nível de instrução
(χ216,288 = 60,21; p <.001), a situação é a seguinte: são do nível superior os que
consideram conseguir um bom emprego (n=18; residual=2,7); também optimistas
surgem os indivíduos com o 2º ciclo (n=18; residual=1,8); numa posição pessimista são
os do 1ºciclo concordando que dificilmente arranjarão emprego (n=36; residual=5,5) ou
assinalando continuar sem arranjar nada (n=8; residual=3,4); (χ2=48,059; g.l.=4;
p=0,000).
Quanto à hipótese de empregabilidade a médio prazo (dentro de 2 ou 3 anos) de
acordo com duração do desemprego (χ212,273 = 47,62; p <.001) os resultados são os
seguintes: os que indicam que poderão arranjar bom emprego têm menos de 6 meses de
desemprego (n=34; residual=4,7); os que consideram que dificilmente arranjarão
189
emprego têm maior permanência no desemprego com períodos entre 6 meses e 1 ano
(n=46; residual=2,4), 1-2anos (n=17; residual=1,8) e mais 2 anos (n=4; residual=1,7).
IV. O DESEMPREGO A PARTIR DO INQUÉRITO
IV.1. ADAPTAÇÃO AO DESEMPREGO
Quanto à dificuldade de adaptação ao desemprego (Figura 55), pode observar-se
que a grande maioria (74%) dos desempregados refere ter sido muito difícil,
predominando tal concordância junto dos que estão em situação de desemprego pela
primeira vez (79,7%).
79,7
20,3
68,4
31,6
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
S im Não
1ª vez s em emprego
Não é a 1ª vez s em
emprego
Figura 55. Dificuldade de adaptação ao desemprego em função do número de situações de
desemprego (“Foi muito difícil para mim habituar-me a estar desempregado”)
190
IV.2. IMPACTO DO DESEMPREGO NA PERCEPÇÃO DA OCUPAÇÃO DO
TEMPO
Embora a maioria discorde da afirmação, 42,9% admitem que passaram a
“ocupar o tempo de forma mais interessante”, sinal de que para 43% a ocupação do
tempo era anteriormente tida como pouco gratificante. Neste caso, apenas a idade tem
efeito (χ2 4,238= 22,12; 4,238 p <.001); os mais velhos tendem a concordar com a
afirmação (n=24; residual=2,2), enquanto menores de 25 anos (n=29; residual=1,7) e
com idades entre 35 e 44 anos (n=34; residual=1,8) tendem a discordar.
A percepção de ocupação do tempo de forma mais interessante tem relação com
o estado psicológico positivo ou negativo dos inquiridos (Figura 56) - são sobretudo os
que têm um estado psicológico positivo que mais assinalam a ocupação mais
interessante do tempo no desemprego.
39,2%
56,1%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Estado
psicológico
negativo
Estado
psicológico
positivo
Passei a ocupar o tempo de forma mais interessante
Figura 56. Interesse na ocupação tempo e “estado subjectivo global”
IV.3. IMPACTO DO DESEMPREGO NA OCUPAÇÃO DO TEMPO
Veja-se como os desempregados ocupam o seu tempo.
As áreas mais mobilizadas no desemprego para ocupação do tempo são família
(83,6%) e actividades domésticas (83,1%).
191
Um maior dispêndio de tempo com os filhos (67,3%), amigos (66,7%) e lazeres
- “tempos livres” - (65,1%), são também soluções evidenciadas por cerca de 2/3 dos
inquiridos. Note-se, porém, que 22,4% expressam passar menos tempo com os filhos e
19,2% afirmam gastar menos tempo em actividades de lazer. Este último aspecto poderá
ligar-se à maior restrição de recursos económicos.
Relativamente à ocupação do tempo disponível na realização de trabalhos
incertos, observa-se menos ocupados por mais de metade dos inquiridos (53%). Será
que antes combinavam actividade profissional com oportunidades de “biscates”? Por
outro lado, para 30,8% dos inquiridos, a situação de desemprego veio permitir a
aceitação de mais trabalhos incertos, provavelmente antes condicionados pelo emprego.
Sobre os indivíduos que não alteraram o tempo em qualquer área da vida, os
mesmos oscilam entre 10,2% e 28,6%. A percentagem mais elevada, referente a tempo
despendido com amigos, reflecte que 28,6% não alteram as vivências sociais e
relacionais com o círculo de amigos.
A Figura 57 apresenta o tempo gasto com algumas actividades pelos indivíduos
em situação de desemprego. No fundo, transmite a percepção dos desempregados
relativamente à ocupação do tempo. Veja-se como são assinaladas as actividades de
muito maior frequência.
Pode observar-se a mesma tendência vista anteriormente. Pouco mais de metade
dos inquiridos passou a ocupar-se muito mais das tarefas domésticas e da família,
enquanto cerca de 41% aproveita muito mais com os tempos livres. Igualmente
expressivo é o muito mais tempo extra passado com filhos (36%) e amigos (mais
33,8%). Apenas 15% afirma ocupar muito mais tempo em trabalhos incertos, o que
pode ser explicar-se pelo facto de a grande maioria dos inquiridos usufruir de subsídio
de desemprego (86%). No conjunto, é visível o peso da categoria “muito mais tempo”
face às outras (“pouco mais tempo”, “o mesmo ou nenhum”), o que permite concluir
que a situação de desemprego liberta tempo, depois aplicado em esferas da vida
quotidiana identificadas.
O cruzamento desta questão com variáveis de caracterização social permitiu
concluir que existe um efeito da idade em algumas das actividades referidas: tempo com
192
os filhos (χ26,196 = 18,25; p <.05), tempo com os amigos (χ2
6,210 = 40,76; p < .001),
actividades de tempos livres (χ26,172 = 15,53; p < .05).
54%
18%16,9%
36%
8%
32,7%
15,1% 15,7%
69,2%65,1%
18,5% 16,4%
33,8%23% 33,3%
40,7%
14%
20%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Muito mais Pouco mais O mesmo tempo ou nenhum
Ocupações domésticas Filhos Trabalhos incertos Família Amigos Tempos livres
Figura 57. Tempo dedicado a um conjunto de actividades durante o desemprego
Atente-se no tempo despendido com filhos, amigos e ocupações domésticas.
Como pode ver-se na Figura 58, todas as faixas etárias revelam dedicar muito
mais tempo aos filhos. Não obstante, tal não acontece com os indivíduos menores de 25
anos (n=35; residual=3,5). Por contraste, os inquiridos entre 35 e 44 anos passam muito
mais tempo com os filhos (n=35; residual= 2,4). Os desempregados com mais de 45
anos tendem a passar apenas pouco mais tempo com os filhos. Tais diferenças têm
certamente a ver com as diferentes fases do ciclo biológico e doméstico159.
159
Se muitos dos jovens com menos de 25 anos de idade não têm ainda filhos, já os que se situam na faixa etária 35-44 anos poderão ter filhos a necessitar de apoio e de atenção, enquanto os maiores de 45 anos de idade têm, provavelmente, filhos já mais crescidos a quem dedicam pouco mais tempo.
193
35,50%
63,90%
70%
49,40%
9,70%
2,80%
10%
19%
54,80%
33,30%
20%
31,60%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
15-24
25-34
35-44
>45
Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum
Figura 58. Tempo dedicado aos filhos de acordo com a idade
O tempo dedicado aos amigos segue trajectória diferente: os mais novos
dedicam muito mais do tempo (n=28; residual=4,1), o que também sucede com a faixa
etária dos 25 aos 34 anos (n=25; residual=2,9). Por outro lado, a partir dos 35 anos
passam o mesmo tempo ou nenhum com amigos (35-44 anos - n=24; residual=2,5; mais
de 45 anos - n=29; residual= 2,9).
58,3%
51,0%
10,0%
20,6%
22,9%
32,7%
42,0%
33,3%
18,8%
16,3%
48,0%
46,0%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
15-24
25-34
35-44
>45
Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum
Figura 59. Tempo dedicado aos amigos de acordo com a idade
Apesar do aumento de muito mais tempo em ocupações domésticas e com filhos
ser comum a homens e mulheres, surgem diferenças quanto ao tempo em ocupações
domésticas (χ22,260 = 11,34; p <.05) e com filhos (χ2
2,196 = 6,20; p <.05). São
efectivamente as mulheres que mais se ocupam das tarefas de casa (n=102;
residual=3,3) e dos filhos (n=68; residual=2,5).
194
51,3%
71,3%
25,6%
16,8%
23,1%
11,9%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Homens
Mulheres
Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum
45,4%
63,0%
15,9%
9,3%
38,6%
27,8%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Homens
Mulheres
Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum
Figura 60. Tempo dedicado a ocupações domésticas de acordo com o sexo do inquirido
Figura 61. Tempo dedicado aos filhos de acordo com o sexo do inquirido
A análise descritiva mostra que os inquiridos do 1º ciclo tendem a passar o
mesmo ou menos tempo com amigos (n= 18; residual=2,6), ao passo que os do 2º ciclo
passam muito mais tempo (n=28; residual=2,6), bem como os de nível superior.
26,5%
47,5%
26,2%
25,0%
37,5%
20,6%
23,7%
41,0%
37,5%
43,8%
52,9%
28,8%
32,8%
37,5%
18,8%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
1º ciclo
2º ciclo
3ºciclo
Sec./Pós sec.
Superior
Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum
Figura 62. Tempo dedicado aos amigos de acordo com o nível de instrução
195
IV.4. DESEMPREGO E LAZER
Analisando as actividades de tempos livres (n=90; 30%) dos desempregados,
nota-se que parte significativa se dedica a actividades desportivas (34,4%) e culturais
(20%). De facto, analisada a tipologia de actividades de tempos livres em que os
inquiridos ocuparam o tempo, verifica-se que cerca de 1/3 dos inquiridos escolheu o
exercício físico (Figura 63).
A cultura surge como actividade subsequentemente identificada por maior
número de inquiridos, 20%, seguido de arte, trabalhos manuais e artesanato e
actividades lúdicas (ambas referidas por 13,33%). A jardinagem e bricolage bem como
a formação foram assinaladas por 6,7% dos inquiridos; a criação de animais por 4,44%
e o voluntariado por escassos 1,11%.
Constituindo estas actividades formas de expressão dos interesses de realização
pessoal, para as quais os inquiridos eventualmente não dispunham do tempo, nota-se a
reduzida percentagem de 6,6% que orientaram o tempo para formação e,
consequentemente, enriquecimento ou actualização profissional e, ainda, os escassos
1,11% que passaram a reutilizar o tempo em actividades de voluntariado160.
Voluntariado
1,1%Criação de
animais
4,4%
Jardinagem
e bricolage
6,7%
Formação
6,7%
Arte,
trabalhos
manuais e
artesanato
13,3%
Actividades
lúdicas
13,3%
Conhecim.
cultural 20%
Desporto e
exercício
físico
34,4%
Figura 63. Tipos de actividades de lazer (tempos livres) no desemprego
160
Também a sociedade portuguesa no seu conjunto tem uma baixa participação em actividades de contributo cívico e social à comunidade.
196
Quanto às escolhas de actividades de tempos livres em função do género (χ27,90 =
19,36; p <.05) nota-se que os homens se dedicam mais ao desporto e exercício físico
(n=22; residual=2,4), enquanto as mulheres preferem as artes, trabalhos manuais e
artesanato (n=11; residual=3,4).
Além disso, a análise descritiva evidencia que são os mais jovens, com menos de
25 anos, que mais tempo dedicam a actividades de tempos livres (n=20; residual=2,4),
ao contrário do que acontece com os mais idosos (n=15; residual=-2,6), conforme
Figura 64.
58,8%
46,2%
39,5%
26,8%
20,6%
30,8%
13,0%
30,4%
20,6%
23,1%
46,5%
42,9%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
15-24
25-34
35-44
>45
Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum
Figura 64. Tempo dedicado a actividades de lazer de acordo com a idade
De realçar que os menos escolarizados (com 1º ciclo) tendem a empregar o
mesmo ou nenhum tempo em actividades de tempos livres (χ2=11,875; g.l.=4; p=0,018).
IV.5. IMPACTO DO DESEMPREGO NA RELAÇÃO COM O TEMPO
Tentou-se ainda esclarecer a percepção dos desempregados quanto à dificuldade
na ocupação do tempo (“deixei de saber o que fazer com o tempo disponível”). A
maioria consegue dar sentido à ocupação do tempo mas é de registar dificuldade numa
percentagem de 35,7% que referiram não saber o que fazer com o tempo disponível.
Todavia, não se encontram diferenças significativas por sexo e qualificações. Apenas a
idade tem algum efeito (χ24,238 = 22,12; p <.001), sendo que os mais novos (menos de 25
anos) tendem a concordar com tal afirmação (n=31; residual=4,7).
197
IV.6. IMPACTO FAMILIAR E SOCIAL DO DESEMPREGO
Tentou-se ainda avaliar o impacto social e familiar do desemprego, ou seja, se a
situação vivida é de integração social ou de estigma, conforme Figura 65. Os dados vêm
confirmar o aumento do tempo dedicado à família para a grande maioria de 89,4% dos
inquiridos: “passei a dedicar mais tempo à família” (χ21,254 = 3,47; p <.05), com
destaque para a concordância das mulheres com esta afirmação (n=127; residual=1,9).
Os resultados sugerem a existência de integração social por parte dos
desempregados inquiridos uma vez que:
a) grande maioria partilha a sua situação com familiares e amigos. Porém, 26,7% omite
essa informação à sua rede social e afectiva, o que pode sugerir um espaço de estigma
social ou auto-marginalização para mais de um quarto dos inquiridos;
b) apenas 12% dos inquiridos concordam que deixaram de ser tão respeitados pela
família e amigos, o que indica um reduzido sentido de estigmatização social;
c) a quase generalidade dos inquiridos discorda da percepção de que os outros os
consideram inúteis pelo facto de estarem desempregados (só 6,6% concordam com a
afirmação “pensam de mim que sou um inútil”);
d) no que respeita ao ambiente familiar, a grande maioria não assinala uma vivência de
discórdia, embora 23% refiram a intensificação da conflitualidade familiar após o
desemprego (“desde o desemprego passei a ter mais conflitos familiares”).
Neste caso, analisou-se a sua relação com o grupo etário: “passei a ter mais
conflitos familiares” com “idade” (χ24,234 = 10,55; p < .05). Os que tendem a afirmar o
aumento da conflitualidade andam pelos 45 e 54 anos (n=16; residual=2,2) por contraste
com os maiores de 55 anos que tendem a discordar (n=38; residual=1,9).
Além disso, os 12% que acreditam que, após o desemprego passaram a ter
menos respeito da família e amigos demonstraram maior tendência em afirmar que
também passaram a ter mais conflitos familiares (χ21,221 = 41,92; p <.001), a sentirem-se
mais isolados (χ21,217 = 18,67; p <.001), a ter menos amigos (χ2
1,219 = 11,32; p < .05) e a
declararem que os outros os consideram inúteis (χ21,209 = 12,38; p < .001).
198
6,6%
12,1%
23,1%
26,7%
89,4%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Pensam que sou inútil
Deixei de ser tão respeitado pela família e amigos
Passei a ter mais conflitos familiares
Familiares e amigos não sabem que estou desempregado
Passei a dedicar mais tempo à família
Figura 65. Impacto social e familiar do desemprego
Assim, no respeitante à dimensão familiar, verifica-se que o desemprego veio
interferir no equilíbrio relacional da estrutura familiar de 23,1%. Neste contexto, pode
referir-se que, apesar de a família se afirmar importante estrutura de apoio e de se
manter a dedicação e envolvimento dos inquiridos, o desemprego de um dos seus
membros tem repercussões ao nível do seu equilíbrio para uma minoria, facto a que
poderá estar eventualmente associada a incerteza decorrente de insegurança económica,
a alteração de estatuto social e de auto percepção de respeito social.
Relativamente à dinâmica social, regista-se uma tendência dominante de
integração social dos desempregados inquiridos, embora surjam alguns indicadores de
estigma social para uma minoria, visto que 15,8% expressaram que o desemprego levou
a uma alteração desta dinâmica, passando a ter menos amigos. O mesmo acontece
quanto à quebra de reconhecimento social, com 12,1% dos inquiridos a manifestarem
que, com o desemprego, passaram a ser menos respeitados por família e amigos.
Outra relação de interesse diz respeito a que, para quem concordou com o facto
de passar a ocupar o tempo de forma mais interessante após o desemprego, não se
revelou tão difícil habituar-se ao desemprego (χ21,215 = 7,31; p <.05), contrariamente aos
que revelaram ter deixado de saber o que fazer com o tempo disponível (χ21,228 = 12,28;
p <.001).
199
IV.7. IMPACTO FINANCEIRO DO DESEMPREGO
A propósito ainda dos aspectos económicos, a grande maioria dos inquiridos
(95%) concorda em ter ficado com menos dinheiro depois do desemprego. Este dado é
revelador da percepção do impacto financeiro do desemprego na vida dos inquiridos.
IV.8. SAÚDE, TRABALHO E DESEMPREGO
Quando analisadas as questões relativas à saúde, observa-se que 78,3% dos
inquiridos consideram ter sido pessoas quase sempre saudáveis.
No entanto, os mais velhos (mais de 45 anos) são os que menos se identificam
com tal afirmação (χ24,273 = 11,84; p <.05): indivíduos com 45 a 54 anos (n=12;
residual=2) e com mais de 55 (n=12; residual=2,2).
Figura 66 – Ao longo da minha vida tenho sido uma pessoa quase sempre saudável
Quanto à relação entre saúde, doença e trabalho (“Os meus problemas de saúde
começaram quando comecei a trabalhar”), a maioria (66,7%) não assinala problemas de
saúde relacionados com o trabalho. Sendo provável que tenham iniciado a sua
actividade profissional ainda jovens, apenas 13,7% refere que começara com problemas
de saúde quando começara a trabalhar. Não se encontram diferenças estatisticamente
200
significativas entre as variáveis de caracterização, embora os inquiridos com menor
escolaridade (1º ciclo) tendam a considerar que não têm sido pessoas quase sempre
saudáveis (χ2=12,282; g.l.=4; p=0,015) e a afirmar que tomam medicamentos
habitualmente (χ2=22,761; g.l.=4; p=0,000).
Figura 67. Os meus problemas de saúde começaram quando comecei a trabalhar
Tentou-se ainda explorar a relação entre saúde, doença e desemprego (”os meus
problemas de saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego”). É possível concluir
que a grande maioria dos inquiridos não dá conta de alguma alteração no estado de
saúde após o desemprego, por contraste com uma minoria de 13,67%.
Figura 68 – Relação da saúde com o início do desemprego
(“Os meus problemas de saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego”)
201
Quanto ao tipo de problemas de saúde nota-se que 67% não tem problemas ou
não responde, seguindo-se aqueles que referem osteoporose e outras doenças de ossos,
oftalmológicas ou orgânicas. As doenças de foro psicológico surgem com 7,33% e,
depois, as doenças cardíacas e do foro circulatório (6,67). Por último surgem as doenças
pulmonares e respiratórias (5,33%), conforme figura 69.
Figura 69. Problemas de saúde
Analisados estes problemas em função do género (Figura 70), observa-se que o
sexo masculino refere mais doenças de ossos, seguidas das pulmonares/respiratórias e
doenças cardíacas ou foro circulatório. Por sua vez, o sexo feminino refere mais
doenças dos ossos e doenças psicológicas. Todavia, estas diferenças não são
estatisticamente significativas.
202
Figura 70. Problemas de saúde em função do sexo
Em função da idade (Figura 71), os indivíduos acima de 45 anos manifestam
mais doenças de ossos, articulações, oftalmológicas, orgânicas, doenças cardíacas e
sanguíneas. Os mais novos referem mais doenças pulmonares, respiratórias, do foro
psicológico e do sistema nervoso. Tais diferenças são estatisticamente significativas
(x2=8,701; p=,034).
203
20
33,3
28,9
17,8
13 13
51,9
22,2
0
10
20
30
40
50
60
Doenças
pulmonares e
res piratórias
Doenças
ps icológicas e
s is tema
nervos o
Doenças de
os s os e
articulações ,
oftalmológicas
e orgãos
Doenças
cardíacas e
s anguíneas
Menos de 44
anosMais de 45 anos
Figura 71. Problemas de saúde em função da idade
Quanto a medicamentos, 57% não tomam medicação habitualmente, 29,33%
tomam medicamentos habitualmente e 13,67% não sabe ou não responde.
Por último, respeitante a ida ao médico, quase metade (49,67%) foi ao médico
há menos de 1 ano, 23,67% há mais de um ano e 26,67% dizem não saber ou não
responder.
IV.9. IMPACTO PSICOLÓGICO OU SUBJECTIVO DO DESEMPREGO
Indagou-se qual a percepção do impacto psicológico do desemprego a partir da
questão “como se sente actualmente”. Os sentimentos expressos e de natureza
qualitativa podiam variar entre “entusiasmado” e “satisfeito com a vida” qualificados
como “positivos”; “insatisfeito com a vida”, “resignado”, “sem vontade para nada”,
204
“revoltado” e “desesperado” qualificados de “negativos” para efeitos de análise
estatística mais global. A variável com as opções descriminadas foi intitulada de “estado
psicológico”, enquanto a variável agregada e qualificada em “positivo” e “negativo” se
designou “estado subjectivo global”.
Observe-se a forma como os inquiridos assinalam sentir-se actualmente (Figuras
72 e 73). No conjunto manifestam mais sentimentos de tipo negativo (74,63%); domina
a insatisfação para cerca de 1/3 dos inquiridos (32,84%); depois os sentimentos de
resignação e revolta (16,04% e 14,93%). Note-se os 5,60% desesperados, bem como a
minoria apática (5,22% afirma sentir-se “sem vontade para nada”). Em contraste,
25,37% manifesta estado psicológico positivo (13,06% satisfeitos e 12,31%
entusiasmados).
Figura 72. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”)
Figura73. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”)
205
Estudaram-se ainda as relações do estado psicológico com outras variáveis,
detectando-se a existência de relações significativas entre “estado psicológico” e
variáveis abaixo designadas (p<0,05), com afinidade entre as seguintes categorias:161
• associação entre estado psicológico e o facto de o cônjuge ou companheiro trabalhar;
no entanto, apesar de haver indicações de que os inquiridos cujo cônjuge não trabalha
tendem a um estado psicológico negativo e aqueles cujo cônjuge trabalha tendem a um
estado psicológico positivo, as associações são ténues, não se revelam significativas
(χ2=; 4,233; g.l.=1; p=0,047);
• associação significativa entre estado psicológico e tempo de desemprego; os inquiridos
na situação de 1º emprego e desempregados há menos de 6 meses tendem a um estado
psicológico positivo (χ2=10,652; g.l.=3; p=0,014);
• associação significativa entre estado psicológico e tempo de inscrição no CE; os
inquiridos inscritos no CE há menos de 6 meses tendem a um estado psicológico
positivo (χ2=10,236; g.l.=2; p=0,006);
• associação significativa entre estado psicológico e procura de emprego; os inquiridos
que procuram emprego tendem a um estado psicológico negativo (χ2=11,077; g.l.=1;
p=0,003);
• associação entre estado psicológico e expectativa de arranjar emprego actualmente; no
entanto; apesar de sinais de que os pessimistas tendem a um estado psicológico negativo
e os optimistas a um estado psicológico positivo, as associações são ténues e não
significativas (χ2=7,341; g.l.=1; p=0,009);
• associação significativa entre estado psicológico e capacidade de poupança do
agregado doméstico; os inquiridos que conseguem poupanças tendem a um estado
psicológico positivo (χ2=; 15,649; g.l.=3; p=0,001);
161 Houve necessidade de agrupar de categorias de algumas variáveis para que se verificassem as condições de aplicação do qui-quadrado.
206
• associação entre estado psicológico e atitude sobre o tempo disponível; apesar de
indicação de que os inquiridos que não sabem o que fazer com o tempo disponível
tendem a um estado psicológico negativo e os que sabem o que fazer com o tempo
disponível a um estado psicológico positivo, as presentes associações são ténues e não
significativas (χ2=5,401; g.l.=1; p=0,021);
• associação significativa entre estado psicológico e interesse na utilização do tempo; os
inquiridos que passaram a utilizar o tempo de forma mais interessante tendem a um
estado psicológico positivo (χ2=4,606; g.l.=1; p=0,038);
• associação significativa entre estado psicológico e adaptação ao desemprego; os que
consideram não ter sido difícil a adaptação ao desemprego tendem a um estado
psicológico positivo (χ2=11,402; g.l.=1; p=0,001);
• associação entre estado psicológico e sentimento de isolamento; apesar de indicações
de que os inquiridos que se sentem isolados tendem a um estado psicológico negativo e
os que não se sentem isolados a um estado psicológico positivo, as presentes
associações são ténues e não significativas (χ2=5, 210; g.l.=1; p=0,031);
• associação significativa entre estado psicológico e perspectiva de futuro; os inquiridos
com estado psicológico positivo tendem a uma visão optimista do futuro (χ2=66,304;
g.l.=1; p=0,000).
No concernente ao indicador de “estado subjectivo global” (Figura 76) são os
desempregados há menos de 6 meses que tomam o seu estado psicológico como menos
negativo (63,6%) e como mais positivo (36,4%). Por outro lado, os que
maioritariamente consideram o estado psicológico negativo têm entre 6 meses e 1 ano
de desemprego (81,6%). Sem embargo, é comum a todos os grupos, que a maior parte
tem o seu “estado subjectivo global” como negativo (entre 63,6% e 81,6%).
207
63,6
36,4
81,6
18,4
73,6
26,4
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Negativo P os itivo
Menos de 6
mes es6 mes es a 1 ano
Mais de um ano
Figura 74. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função do tempo de
desemprego
Os dados são idênticos quando se cruza o “estado subjectivo global” com o
tempo de inscrição no CE. O único dado divergente respeita às manifestações de
desespero que aumentam com o aumento do tempo de inscrição no CE: 4,6% para
inscritos há menos de 6 meses, 5,1% para inscritos entre 6 meses e um ano e 8,5% para
inscritos há mais de um ano.
Como se observa na figura 75, quanto maior o tempo no desemprego maiores as
manifestações de insatisfação e resignação. Por outro lado, quanto menor o tempo no
desemprego (inferior a um ano) maiores as manifestações de satisfação, apatia (“sem
vontade para nada”) e desespero. Os revoltados predominam nos desempregados entre 6
meses e 1 ano (19,7%) e há menos de 6 meses (14,5%). Os que manifestam mais
entusiasmo encontram-se desempregados há menos de seis meses (20%), seguidos dos
desempregados há mais de um ano (17%).
208
14,5
23,6
16,420
5,4
19,7
33,3
17,7
5,48,2
5,7
45,3
1,9
17
5,5
14,5
5,5
10,2
3,8
17
9,4
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Desespera
do
Revolta
do
Insatis
feito
com
a v
ida
Res ig
nado
Sem
vonta
de para
nada
Satis
feito
com
a v
ida
Entu
s iasm
ado
Menos de
6 mes es
De 6
mes es a
1 anoMais de 1
ano
Figura 75. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função do tempo
de desemprego
Na figura 76 nota-se que os que procuram emprego têm uma percepção do seu
“estado subjectivo global” mais negativa. Tal sugere a hipótese de que a procura de
emprego sem êxito afecta o bem-estar psicológico.
Figura 76. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função da
procura de emprego
209
De facto, a figura 77 mostra que os inquiridos actualmente à procura de emprego
são os que, maioritariamente, referem “estar sem vontade para nada”, “resignados”,
“insatisfeitos com a vida”, “revoltados” e “desesperados”. Os que não procuram
emprego dizem-se “entusiasmados” e “satisfeitos com a vida”. Conclui-se assim que, os
que procuram emprego dão piores indicadores de estado psicológico. Todavia não existe
associação estatisticamente significativa entre variáveis.
Figura 77. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função da
procura de emprego
Na figura 78 é possível notar que a insatisfação com a vida é o sentimento mais
manifestado, tanto pelos que se afirmam pessimistas quanto a encontrar emprego como
pelos optimistas. Todavia, os optimistas patenteiam mais entusiasmo e satisfação. Os
pessimistas respondem, maioritariamente, estar sem vontade para nada, resignados,
insatisfeitos com a vida, revoltados e desesperados.
210
4,7
13,2
30,2
14
4,7
14
19,4
5,2
16,4
33,6
19,8
6,9
11,2
6,9
0 10 20 30 40
Des es perado
R evoltado
Ins atis feito com
a vida
R es ignado
S em vontade
para nada
S atis feito com a
vida
E ntus ias mado
P es s is mis t
aO timis ta
Figura 78. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função do
pessimismo ou optimismo relativamente à procura de emprego
Quanto à relação do indicador de “estado subjectivo global” com a manifestação
da “possibilidade de arranjar emprego” (pessimismo ou optimismo), o grupo de
pessimistas é aquele que maioritariamente manifesta estado subjectivo negativo e, ao
contrário, o grupo de optimistas maioritariamente manifesta estado subjectivo positivo.
Porém, ambos os grupos respondem maioritariamente que o seu estado subjectivo é
negativo (Figura 79).
211
66,7
33,3
81,9
18,1
0 20 40 60 80 100
Negativo
P os itivo
P es s imis t
aO timis ta
Figura 79. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função do
optimismo ou pessimismo relativamente à “possibilidade de arranjar emprego”
Quanto ao indicador de “estado subjectivo global”, aqueles que conseguem
poupanças manifestam, maioritariamente, estado subjectivo positivo, sendo que o
mesmo se aplica aos que gastam todo o dinheiro, embora neste grupo a diferença seja
menor. Os que têm de prescindir de certos bens e os que necessitam de endividamento
ou de ajuda manifestam, maioritariamente, estado subjectivo negativo (Figura 80). Tal
remete para o impacto que as dificuldades financeiras exercem no estado subjectivo dos
indivíduos, porquanto é visível que, quando a situação financeira do agregado familiar
se agrava, se agrava também o negativismo do estado subjectivo global.
212
Figura 80. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função da
capacidade de poupança do agregado familiar
Análise descritiva mais pormenorizada quanto à relação entre “estado
psicológico” e “capacidade de poupança do agregado familiar” revela que a maior parte
dos que conseguem fazer poupanças se encontra satisfeita com a vida (Figura 81). Por
seu lado, o grupo que gasta todo o dinheiro disponível, afirma-se, maioritariamente,
resignado. No grupo dos que têm de prescindir de certos bens, os sujeitos referem,
maioritariamente, estar revoltados. Por último, o grupo dos que têm necessidade de
endividamento ou de ajuda afirma-se, maioritariamente, desesperado. Tais resultados
sugerem que, à medida que a situação económica se agrava, os sentimentos se vão
tornando mais negativos, começando na resignação quando se gasta todo o dinheiro,
passando pela revolta quando é necessário prescindir de determinados bens e
culminando no desespero quando é necessário pedir ajuda ou recorrer ao
endividamento.
213
26,7 26,7 26,7
20
10,5
60,5
5,3
9,4
4,9
15,4
33,3
21,2
0
25,8
32,335,5
6,5
23,7
7,1
38,8
44,7
7,3
46,3
41,5
30,8
46,2
7,7
45,5
0
10
20
30
40
50
60
70
Conseguem fazer
poupanças
Gastam todo o
dinheiro
Têm de prescindir
de certos bens
Necessidade de
se endividar ou
pedir ajuda
Desesperado
Revoltado
Insatisfeito com
a vida
Resignado
Sem vontade
para nada
Satisfeito com a
vida
Entusiasmado
Figura 81. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função da
capacidade de poupança do agregado familiar
Questionados se no desemprego deixaram de saber o que fazer com o tempo
disponível, os concordantes percepcionam o seu estado subjectivo global
maioritariamente como negativo, enquanto os discordantes manifestam um estado
maioritariamente positivo (Figura 82).
Numa análise descritiva mais fina, os que concordaram não saber o que fazer
com o tempo disponível manifestam-se maioritariamente desesperados (81,8%), ao
passo que nos discordantes apenas 18,2 % manifesta desespero. Os discordantes
evidenciam também maior entusiasmo (89,7%), sendo que no grupo dos que
concordam, apenas 10,3% afirmam entusiasmo (Figura 83).
214
39,2
60,8
22,4
77,6
0 20 40 60 80 100
C oncordo
D is cordo
P os itivo
Negativo
Figura 82. Indicador de estado “subjectivo global” (“como se sente actualmente”:
positivo/negativo) e “deixei de saber o que fazer com o tempo disponível”
81,8
18,2
32,4
67,6
40,3
59,7
31,4
68,6
36,4
63,6
34,5
65,5
10,3
89,7
0 20 40 60 80 100
Concordo
DiscordoEntusiasmado
S atisfeito com a vida
S em vontade para nada
Resignado
Insatisfeito com a vida
Revoltado
Desesperado
Figura 83. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função de “não sei o que
fazer com o tempo disponível”
215
IV.10. RELAÇÃO COM O FUTURO
Os que perspectivam o futuro com pessimismo manifestam, na quase totalidade,
um estado subjectivo negativo, enquanto que os sujeitos com perspectivas de futuro
optimistas se repartem de igual modo entre estado subjectivo global positivo e negativo
(Figura 84).
94,9
50
5,1
50
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
P es s imis mo O timis mo
Negativo
P os itivo
Figura 84. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”:
positivo/negativo) em função da perspectiva de futuro (optimismo/ pessimismo)
Verifica-se associação fraca mas significativa (r=0,157; p=0,021) entre “como se
sente actualmente” (estado psicológico) e “não sei o que fazer com o tempo disponível”.
Quanto mais as pessoas discordam da afirmação (não saber o que fazer com o tempo
disponível), mais percepcionam o seu estado psicológico como positivo.
Quanto à relação entre a afirmação “após o desemprego passei a ocupar o seu
tempo de forma mais interessante” e estado psicológico, verifica-se associação negativa
e fraca (r=-0,211; p=0,002) - à medida que os sujeitos discordam da afirmação, diminui
a forma positiva como se sentem.
216
Explorou-se ainda a relação dos desempregados com o futuro. Numa análise
global, os inquiridos dividem-se entre encarar o futuro com pessimismo ou optimismo,
com percentagens bastante próximas (Figura 85).
Figura 85. Pessimismo e optimismo quanto ao futuro (“como perspectiva o futuro”)
Observação mais pormenorizada mostra que 45,33% perspectivam o futuro com
“entusiasmo e otimismo” mas 38,33% encaram-no com “muitos receios”. Além disso,
5,33% sentem-se desencorajados e 2% sente amargura ou indiferença (Figura 86); 7%
não sabe ou não responde. Conclui-se que, apesar das dificuldades, parte muito
significativa dos sujeitos ainda consegue encarar o futuro com entusiasmo e optimismo.
Quanto ao nível de instrução, indivíduos com o ensino secundário/pós
secundário tendem a perspectivar o futuro com optimismo (χ2=17,755; g.l.=4; p=0,001).
Figura 86. “Como perspectiva o futuro”
217
Analisando ainda as expectativas futuras dos inquiridos relativamente aos
descendentes, nota-se que a grande maioria (74%) manifesta uma atitude de confiança e
mudança positiva, considerando que os filhos terão uma vida melhor; 24% mostram
neutralidade (os filhos repetirão um nível de vida idêntico) e uns escassos 1,8%
manifesta pessimismo, considerando que as dificuldades dos filhos não lhes permitirão
sequer aspirar a ter uma vida equivalente à dos seus pais.
V. PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO E RELAÇÃO COM O
DISPOSITIVO PÚBLICO DE EMPREGO (CE) A PARTIR DA ANÁLISE DAS
ENTREVISTAS
“Somos todos viajantes no palco da vida.”
Místico português do séc. XVI
INTRODUÇÃO
A compreensão do desemprego e das experiências dos desempregados tem sido
realizada nas últimas décadas com estudo das reacções dos indivíduos à privação de
emprego e suas adaptações à nova condição de vida. Genericamente, o desemprego vem
sendo apresentado como traumatismo profundo e desestabilizador com consequências
negativas a nível individual, familiar e social e impacto na despromoção para um
estatuto social inferior162. Todavia, outros estudos concluem que o impacto do
desemprego na vida das pessoas não é homogéneo.
Os desempregados, enquanto actores sociais e apesar dos aspectos legais
definidos, ajustam as suas atitudes e tentam negociar, explícita ou implicitamente, a
desqualificação social emergente do desemprego. Goffman (1959) designa de “fachada”
o conjunto de elementos do equipamento expressivo, usado regularmente pelo indivíduo
162 D. Schnapper (1981) organiza três tipos de experiências vividas equivalentes a três formas de enfrentar a experiência de carácter traumatizante que pode caracterizar a situação de desemprego: "desemprego total", "desemprego invertido" e "desemprego diferido”.
218
para o seu desempenho padronizado, que permite aos outros ou ao público sem
informação explícita avaliar e adivinhar onde decorre a acção, qual o estatuto do actor e
que papel pretende desempenhar em palco163. O êxito e eficácia da máscara no
desempenho do papel, ou seja, a sua capacidade para convencer, implica auto-controlo e
ajustamento às expectativas sociais com o cumprimento de deveres sociais informativos
da consistência do papel em acção. Assim, a evidência da percepção social é tanto mais
rápida quanto melhor a representação sincronizada dos elementos expressivos na vida
social e nas relações institucionais.
Veja-se a arquitectura do papel social de desempregado na relação com o
dispositivo público de emprego.
V.1. ARQUITECTURA DO PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO
A análise das entrevistas e dinamização de grupos de encontro (focus groups)
permitiu estudar a emergência e vivência do papel social de desempregado na relação
com o Estado e sentidos psicossociais emergentes.
A protecção no desemprego implica várias condições cumulativas que têm em
conta o histórico de participação contributiva para a Segurança Social, condições que
podem mudar em função da conjuntura político-económica164 e o registo no IEFP para
emprego, indicador da vontade e disponibilidade para trabalhar. Assim, a inscrição do
desempregado no IEFP para emprego165 e a comparência em todos os contactos
subsequentes enquanto desempregado inscrito nos CE são condição indispensável à
atribuição e manutenção do estatuto social de desempregado e apoios respectivos166.
163 É a “fachada” que constrói as representações sociais ao transfigurar a máscara em representação
colectiva com existência própria. 164 Vide Decreto-Lei n.º 72/2010, de 18 de Junho com entrada em vigor em 01/07/2010 e Decreto-Lei 64/2012 de 15 de Março. 165 Para o subsídio de desemprego é obrigatório apresentar, aquando do requerimento, um modelo-tipo comprovativo de desemprego involuntário emitido pela entidade patronal. Todos os que não apresentem, ou porque a entidade não a quis emitir ou pelo estatuto especial em que estavam abrangidos (exemplo: bolseiro), não acedem ao direito de subsídio de desemprego. Quando há recusa da entidade, muitos desempregados recorrem ao tribunal de trabalho e aguardam decisão. 166 CSE, 1996, p.14.
219
No quadro dos planos políticos167 é imposto o aumento de esforços do
dispositivo público de emprego na activação rápida dos trabalhadores que
temporariamente se encontrem em situação de desemprego. Assume-se que as medidas
passivas de emprego (atribuição de subsídios) devem ter duração mínima que permita o
retorno ao mercado de trabalho, enquanto as medidas activas (formação, estágios
profissionais e trabalho ocupacional) reforçam o efeito da acção do serviço público de
emprego e pressionam os desempregados simultaneamente à qualificação profissional e
à ocupação do tempo disponível. Os desempregados com qualificações mais altas
(licenciados, mestres e doutores) não encontram respostas de emprego neste quadro de
referência, enquanto o legislador introduz um conjunto de medidas que se traduzem por
maior exigência no cumprimento de deveres no sentido da promoção da sua
empregabilidade, como a obrigação de procura activa de emprego e de apresentação
quinzenal.
No âmbito da Política Europeia para o Emprego, a configuração do estatuto de
desempregado é apoiada por instrumentos simbólicos estruturadores da ligação entre
Estado/IEFP e beneficiário, sendo de destacar o Plano Pessoal de Emprego (PPE)168,
oficializado aquando da inscrição do candidato para emprego169. Aí se definem os
mecanismos de inserção no mercado de trabalho para cada caso e as diligências
mínimas exigíveis em cumprimento do dever de procura activa de emprego170. Todos os
desempregados inscritos para emprego devem assinar o PPE que, por sua vez, cessa
com a inserção no mercado de trabalho.
167 Estratégia de Lisboa, e, consequentemente, do Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego, onde se integra o Plano Nacional de Emprego. 168 Conforme artigo 16º do DL 220/2006 de 3 de Novembro que actualiza legislação anterior. 169 O PPE é assinado entre o beneficiário e o CE da sua área de residência e estabelece as acções futuras do desempregado e os apoios a prestar pelo IEFP com vista à sua concretização. Em muitos CE, até 2006, era frequente este procedimento ocorrer em sessão de informação (em grupo), com duração de 3 horas, dinamizada por técnicos do CE (apresentação generalista das diferentes medidas de emprego, formação e orientação profissional). O preenchimento do PPE deveria ocorrer de acordo com o perfil pessoal e profissional e com ajuda técnica. Todavia, a quantidade e diversidade de medidas de apoio apresentadas com jargão técnico bem como a sua falta de ajustamento aos desempregados mais idosos, sem perspectivas de regresso ao mercado de trabalho e que, na melhor das hipóteses, poderão vir a transitar para a reforma não permite, muito frequentemente, a definição de um PPE realista. Todavia, a obrigatoriedade de assinatura do PPE mantém-se para todos e permite ao Estado medir resultados de intervenção no âmbito das metas definidas. 170 Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.
220
Ao entrar no campo social do desemprego, o cidadão desempregado sabe que
deverá cumprir as regras do jogo de modo a conseguir o subsídio, sua manutenção ou o
apoio para um novo emprego. A complexidade categorial e os procedimentos do
desemprego devem ser apropriados pelos trabalhadores sem emprego nos contactos
institucionais e na gestão prática da sua vida, dos subsídios de desemprego, ao PPE e
medidas de apoio. Manter o subsídio de desemprego da Segurança Social exige alguns
comportamentos na relação institucional com o IEFP. Se a apresentação física quinzenal
no CE ou em entidades que o representem171 é um indicador de sobrevivência e
permanência local, já a demonstração de estar activamente à procura de emprego pelos
próprios meios (com resposta a anúncios e comparência a entrevistas, por exemplo) é
condição objectiva para ser classificado como desempregado e sinal de actividade e
motivação para trabalhar distinguindo o preguiçoso do trabalhador. Além disso, o
desempregado é obrigado a aceitar um “emprego conveniente” proposto pelo CE ou
aceitar trabalho socialmente válido em entidades sem fins lucrativos, bem como
formação profissional. O desempregado deverá ser activo na procura de emprego172 e
deve aceitar um emprego que se adeqúe às suas competências, ao trabalho socialmente
necessário, à formação profissional e ao PPE. A cegueira da lei não olha a
particularidades e todos são obrigados a fazer prova de procura de emprego
independentemente da transição para a reforma, da actividade para criação de um
negócio ou da espera por acção de qualificação ou estágio profissional.
A visita ao CE constitui o primeiro passo no palco social de reconhecimento
como desempregado que permite tratar do subsídio de desemprego após o despedimento
ou a situação de falência da empresa onde se trabalhava. Daí que, para muitos
desempregados entrevistados, depois do confronto com o despedimento, a deslocação
ao espaço social e institucional do CE represente um marco na configuração de um novo
papel e estatuto social de que se ganha consciência como trajecto pessoal. Os contactos
com o CE marcam um rito de passagem à criação e manutenção do estatuto de
171 Gabinetes de Inserção Profissional (GIP), anteriormente designados por UNIVAS, Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, por exemplo. 172 A procura activa de emprego caracteriza-se pela procura continuada com vista à inserção socioprofissional, através de envio de currículos espontâneos; respostas escritas a anúncios de emprego; respostas ou comparências a ofertas de emprego divulgadas pelo CE ou pelos meios de comunicação social; apresentações de candidaturas espontâneas; diligências para criação do próprio emprego ou para criação de uma nova iniciativa empresarial; respostas a ofertas disponíveis na internet; registos do curriculum vitae em sítios na internet.
221
desempregado e de vivência do papel social que antecipa a avaliação posterior pela
Segurança Social com vista à atribuição de qualquer prestação.
Entrar no CE é passar pela porta e transitar do espaço público vago e indefinido
da rua por onde circulam cidadãos anónimos, ao espaço sociopolítico onde se define o
estatuto social de desempregado. As regras legais estão definidas e é pela exposição de
cada situação particular e da apresentação da máscara circunstancial de cada sujeito que
o estatuto social é aplicado individualmente pelos técnicos ao serviço da instituição.
Neste sentido, o contacto com o CE, como tão bem assinala Joaquim (e outros
entrevistados), é um momento chave, que se pode designar como rito de passagem
sociopolítico, marco fundamental na definição de um estatuto e papel social, o de
desempregado. Tanto mais que é a partir deste contacto que se evolui para uma nova
etapa, de acesso ou não ao subsídio de desemprego.
Quando cheguei à porta do CE e se abriu a porta e entrei assim que entrei vi lá duas
colegas mais novas também desempregadas da fábrica à espera de serem atendidas e mais
gente e foi aí que eu percebi, que eu percebi mesmo que estava desempregado.
(Joaquim, 58 anos, 4ª classe, operário qualificado, desempregado há 1 ano).
Assim, entrar no CE é entrar em cena no quadro de representação teatral que a
vida social tão bem exercita, como sugeriu Goffman (1959). Em cena, os sujeitos
ajustam-se aos papéis sociais esperados, cidadãos desempregados em relação com os
funcionários representantes do Estado. O espaço de recepção é amplo e multifuncional,
permitindo espera, atendimento e consulta de ofertas de emprego. A secretária é objecto
físico que separa os actores em relação, como um muro baixo que demarca espaços de
poder e de controlo cénico. O controlo do quadro de acção dá impressão de segurança
ao técnico no atendimento, não só pelo papel de representação que lhe é conferido mas
pelo domínio de “jargão técnico”, procedimentos e regras que lhe permitem ter
autoridade de informar o outro sobre o que deve fazer e o que se espera que faça. Pode
aplicar-se aqui a noção de precedência dramática e directiva na medida em que existem
222
nas equipas de trabalho diferentes níveis de responsabilidade que implicam diferentes
possibilidades de contacto173.
Após o início do subsídio de desemprego, os desempregados têm a obrigação de
se deslocar regularmente ao CE para o chamado (em jargão técnico), “controlo dos
subsidiados”. E se, há alguns anos, o controlo implicava contacto mensal com o
dispositivo público de emprego, desde 2006 a legislação exige apresentação quinzenal e
procura activa de emprego. Tal demonstração carece da visibilidade de envio de e-
mails, cartas de resposta a anúncios, auto-proposta ou recolha de carimbos após o
contacto directo com empresas em número mínimo de três174.
Ir ao CE apenas quando é obrigatório pode ser uma forma de negar a
inferioridade sentida pelo estatuto e pela aceitação de incapacidade de resposta
institucional. É o caso de João, 35 anos, licenciado em Sociologia, desempregado há 6
meses, subsidiado:
Eu só lá vou quando me chamam até porque já me disseram que para mim não há nada. E
claro, vou sempre comprovar que fiz alguma coisa para procurar emprego. É obrigatório.
Mais nada!
Manter contacto com o CE está sujeito a factores externos que podem levar ao
incumprimento de deveres com efeitos negativos para o desempregado.
Eu já apanhei um susto. É que não recebi a carta onde me chamavam ao CE e então faltei.
Quando soube tive que ir lá justificar e disseram-me que tivesse atenção ao correio que se
faltasse às convocatórias comunicavam à Segurança Social e eles depois me cortavam o
subsídio. Mas comigo não é assim, porque eu sou cumpridor vou, só que se não recebo a
carta não posso saber e então não vou.
(A.G., 47 anos, desempregado subsidiado há 8 meses, licenciado e jornalista com experiência de 23
anos).
As entrevistas confirmam os resultados do inquérito realizado mas permitem
compreender também melhor o reconhecimento ou não da utilidade na inscrição no CE
173 Daí que só muito raramente um desempregado entre em contacto directo com o director do CE. Tal pode ocorrer em situações extremas de reclamação. 174 A maior frequência de contacto por parte dos desempregados subsidiados e o aumento do desemprego fez alargar a rede institucional onde pode ocorrer a apresentação quinzenal, por exemplo em Juntas de Freguesia e GIP’s.
223
ou também a insatisfação com os resultados. A grande maioria dos entrevistados
gostaria de contar com apoio do CE na obtenção de emprego e muitos dos não
subsidiados, com escolaridade inferior à licenciatura, imaginam ser contactados pelo CE
para emprego.
Eu fiquei à espera que me chamassem quando houvesse alguma coisa para mim mas
quando vi que não recebia nenhuma proposta comecei a ir lá (ao CE.
(José, 43 anos, 6º ano de escolaridade, motorista, desempregado há 5 meses, não subsidiado).
A inscrição para emprego no CE pode ser útil também na intermediação de
outros problemas, tais como taxas moderadoras do centro de saúde, candidatura ao RSI,
apoio jurídico ou apoio escolar.
Hoje fui ao CE para pedir uma declaração para isenção das taxas moderadoras no centro
de saúde e outra para a escola da minha filha porque estou desempregada. Não está fácil
conseguir emprego mas acho que vale a pena estar inscrita, sei lá.
(Luísa, 35 anos, 8º ano de escolaridade, operária fabril, desempregada há 8 meses).
Só vim ao CE pedir uma declaração para o apoio da Segurança Social (RSI) porque não
tenho de que viver, não há trabalho, mas tive que me inscrever para me passarem a
declaração.
(Domingos, 54 anos de idade, pedreiro, desempregado há 20 meses).
A ida ao CE pode ainda ser um motivo para sair de casa e agir sobre a
possibilidade de regresso ao mercado de trabalho (informação de ofertas de emprego
recepcionadas no CE e contacto com os técnicos).
Eu prefiro ir ao CE pois sempre saio de casa e posso ver os anúncios que lá têm. É sempre
aquela esperança de poder tentar alguma coisa. Os técnicos no atendimento vão mudando,
uns dias uns, outros dias outros mas já vou conhecendo alguns.
(Ilda, 45 anos, 7º ano de escolaridade, operária fabril, desempregada há 18 meses).
De vez em quando mandam-me cartas para ir lá e eu vou, sempre saio de casa e algumas
vezes até é para actividades e estamos ocupados, em conjunto várias pessoas
desempregadas, sempre falamos das nossas histórias e aprendemos alguma coisa.
(Maria José, 42 anos, 9º ano de escolaridade, desempregada da indústria automóvel há 9 meses).
224
Convocada para uma sessão do Plano Nacional de Emprego (PNE)175 explica:
Éramos muitos, aí uns 25 numa sala, uns mais novos outros mais velhos, uns com estudos,
outros sem estudos, foi uma manhã inteira a ouvir falar dos apoios (para os
desempregados), durante umas três horas. No fim tivemos que preencher uma ficha a
escolher alguma coisa para fazer que eu não sabia bem o quê para pôr lá (no Plano
Pessoal de Emprego); que eu quero mesmo é trabalho mas era preciso escolher mais
alguma coisa até conseguir trabalho e com a ajuda das técnicas ajudaram-me a escolher
uma coisa para me ajudar a ver melhor o que fazer.
Também Mário, 40 anos, licenciado, desempregado da área de gestão com um
projecto de criação do próprio emprego, passou pela experiência de participação numa
sessão para definição do PPE e num programa de orientação:
Eu quero criar o meu negócio, pensei nisso assim que fiquei desempregado, com apoio do
CE e foi isso que escrevi na folha do meu Plano. Comecei a tratar de tudo e fiz uma
reunião com uma técnica, fui a um gabinete que faz projectos para me ajudarem e lá fui
desenrolando tudo mas sempre é um processo demorado. Então quando já estava nos cinco
meses de desemprego chamaram-me para uma actividade porque o negócio ainda
demorava mais algum tempo. Então praticamente obrigaram-me a escolher outra coisa,
para fazer umas actividades no Centro, quer dizer um programa durante uma série de dias
que terminei agora pois como não pude fugir a isso lá me inscrevi para o Balanço de
Competências176. Eu já me tinha orientado para o projecto de criação de emprego, de
modo que de todas as actividades ainda era aquela que poderia fazer mais sentido para
mim. Para dizer a verdade quando começou e éramos muitos, achei um tanto estranho o
grupo ter gente tão diversa, uns com a quarta classe, outros com licenciaturas, achei que
não fazia nada ali, que era uma perda de tempo, e todos ali com experiências tão diversas
mas a doutora soube despertar o interesse em todos e foram uns dias em que debatemos
temas interessantes e as nossas experiências e ganhámos mais consciência das nossas
qualidades, do nosso valor, daquilo que queremos fazer e das competências a desenvolver.
O relato permite notar os aspectos seguintes: a nível institucional, a dimensão
coerciva vista negativamente pelo desempregado. O projecto e as actividades
175 Estas sessões deixaram de se realizar. 176 Os programas de Orientação Profissional, para apoio aos desempregados, foram uma prática muito frequente, implicando grande actividade dos CE até 2006. Porém, na área da Grande Lisboa, deixaram de ser realizados após a criação da rede alargada de Centros Novas Oportunidades (CNO) para onde os desempregados passaram a ser prioritariamente encaminhados, no sentido de aumentarem a sua escolaridade por via do processo RVCC (reconhecimento, validação e certificação de competências).
225
preparatórias à criação de um negócio não são suficientes para o CE atingir as metas
administrativas do PNE. O desempregado é pois obrigado a aceitar outras actividades
propostas pelo CE. A nível individual a contrariedade e distanciamento ao desemprego
em grupo onde se misturam desempregados de condição vária. Por fim, a valorização
quanto à participação nas actividades pela partilha e auto-conhecimento.
O apoio do CE pode ser visto com sentido crítico, por falta de empregos
disponíveis e de apoio na orientação das vidas profissionais.
O CE é mais de desemprego do que de emprego pois tem lá pessoas desempregadas mas
não arranja emprego. Para os licenciados então não há respostas mas temos que ir sempre
lá. Estive a pedir para ter apoio em orientação profissional para mudar a minha vida mas
não consegui, disse-me para ir à Faculdade de Psicologia. Ir ao CE é degradante, é uma
indignidade, até para os técnicos.
(Joana, 41 anos, psicóloga, desempregada há 1 ano).
V.2. TIPOS IDEAIS DE VIVÊNCIA DO PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO
Não se pode afirmar existir localmente um tipo único de desemprego, assim
como não existe um tipo único de agentes desempregados.
Tendo por referência Paugam (2003) e Schnapper (1994), identificaram-se 5
tipos ideais de vivência do papel social de desempregado (desemprego distanciado,
desemprego negociado, desemprego adaptado/ interiorizado, desemprego reivindicado e
desemprego anulado) que variam em função de dados objectivos, atitude dependente do
Estado, motivação para o trabalho e estratégia dominante na relação com o CE,
conforme quadros 2 e 3.
Os tipos ideais não constituem quatro fases pelas quais os desempregados devem
necessariamente passar, embora possam ser etapas de um processo de desqualificação
social. Assim, não é intenção apresentar um processo determinista do desenvolvimento
da carreira psicossocial dos desempregados. A singularidade de circunstâncias ou
acontecimentos pode deter ou adiar a passagem de um tipo para outro tipo.
226
Quadro 2. Tipo de desemprego, vivências e contacto técnico
Tipo de desemprego
Vivência do
desemprego
Contacto técnico
1.Desemprego distanciado
Independência com
auto-produção de
sentido; dependência
distanciada
Obrigatório e circunstancial
2.Desemprego negociado
Dependência estratégica
Obrigatório e regular
3.Desemprego adaptado/
interiorizado
Dependência instalada
Obrigatório e pontual
4.Desemprego reivindicado
Dependência organizada
Intervenção pontual
5.Desemprego anulado Independência;
dependência distanciada
Intervenção pontual ou nula
227
Quadro 3. Tipo de desemprego, motivação para o trabalho, características dos desempregados e estratégias de relação com o Centro de Emprego
Tipo de desemprego
Motivação
para o
trabalho
Características dos
desempregados
Estratégias
dominantes
1.Desemprego
distanciado
Forte Mais qualificados pró-activos
(procura de emprego, mudança
profissional ou criação do próprio
negócio).
Idades inferiores a 47 anos.
Nível do subsídio de desemprego
superior a 999 euros.
Distanciação
Negação
Oposição
Afirmação
Elaboração
2.Desemprego
negociado
Forte com
integração
adiada
Candidatos a formação
profissional, estágios profissionais
ou outras medidas.
Forte representação dos jovens
com experiência de trabalho
reduzida. Desempregados
subsidiados com idades inferiores a
45 anos.
Distanciação
Cooperação
3.Desemprego
adaptado/
interiorizado
Dominada pela
cultura do
trabalho mas
desistente.
Varia de fraco a
forte.
Desempregados mais idosos
subsidiados sem possibilidade de
regresso ao mercado de trabalho
com baixas ou altas qualificações.
Desempregados de longa duração.
Beneficiários RSI.
Interiorização
Adaptação
Cooperação
4.Desemprego
reivindicado
Varia do fraco
ao forte.
Predomina o
fraco
Imigrantes que pretendem
inscrição para emprego com vista à
obtenção de autorização de
residência e ao RSI.
Candidatos nacionais ao RSI.
Reivindicação
Sedução
5.Desemprego
anulado
Fraco Jovens candidatos a 1º emprego ou
com reduzida experiência
profissional; qualificados com
projectos de vida alternativos
Distanciação
228
Os que partilham a vivência do “desemprego distanciado” caracterizam-se por
recusa da dependência relativamente ao Estado e aos trabalhadores sociais e pelo desejo
de regressarem rapidamente a uma actividade profissional garantida que proporcione
segurança financeira e permita recuperar o reconhecimento social. Todavia, são pouco
flexíveis a aceitar uma actividade profissional abaixo das suas qualificações. Evitam
assim a perda de identidade. Embora possam estar em situação de dependência
económica do Estado pelo subsídio de desemprego, manifestam autonomia e
autoprodução de sentido profissional. A motivação para o emprego é forte e fazem por
manter o tempo muito ocupado na procura de emprego ou em actividades relacionadas
com a sua carreira para não perder competências, como é o caso de: A.G. (jornalista, 47
anos, casado e com 2 filhos) ou em outras actividades que possam vir a dar fruto; Joana
(psicóloga, 41 anos, em união de facto, sem filhos) que frequenta uma pós-graduação
em SPSS e faz estágio em regime de voluntariado; Diogo (Relações Internacionais, 39
anos, em união de facto, com 2 enteados, ex-Director de um Centro de Formação
empresarial) optou por criar um negócio relacionado com o seu gosto por decoração. Do
ponto de vista objectivo têm em comum a diferenciação académica, idades inferiores a
47 anos, experiência de trabalho superior a 8 anos que apura sentido identitário e um
nível de subsídio de desemprego superior a 999 euros mensais. Encaram negativamente
os contactos com o CE e sentem desconforto ao participar em actividades com outros
desempregados menos qualificados. As visitas ao CE limitam-se ao estritamente
necessário. Fogem do sentimento de inferioridade social, de humilhação pelo seu
estatuto por via da ocupação exacerbada do tempo e alguns racionalizam os primeiros
tempos de desemprego como férias merecidas. As suas estratégias dominantes são a
distanciação e negação do papel de desempregado, a oposição ao CE e afirmação de si
com elaboração das suas necessidades e projecto profissional. Evitam, assim, a
humilhação e perda de dignidade que reaviva o sentimento de decadência e angústia de
insucesso. Ir ao CE apenas quando é obrigatório é forma de negar a inferioridade
sentida pelo seu estatuto e aceitação de incapacidade de resposta institucional. São os
casos dos relatos anteriores de João, A.G. e Joana. No caso de Joana a sua relação com
o CE tem sido simultaneamente distanciada (para evitar desqualificação social do
estatuto de desempregada) e reivindicativa (para conseguir apoios e tentar mudar a
229
situação); tenta evitar a desqualificação social e despromoção da relação social,
nomeadamente quando procura emprego, o que sente com a palavra “desempregada”.
Dizer que se está desempregado é mal visto. Passei a dizer que saí da empresa para
desenvolver outro projecto profissional e que sou free-lancer, é parte verdade porque
como me ando a dedicar a lançar-me por conta própria…
(Joana, 41 anos, psicóloga, desempregada há 1 ano, subsidiada).
O controlo dos subsidiados pode ter uma percepção negativa, sobretudo para os
mais qualificados. Normalmente, procuram emprego muito mais vezes do que o CE
impõe e as visitas quinzenais ao CE são desvalorizadas. Veja-se alguns exemplos.
A.G., 47 anos, desempregado há 8 meses, licenciado e jornalista com
experiência de 23 anos, afirma em desabafo rebelde:
Não conto com o CE para emprego, não têm nada para mim. Eu farto-me de procurar na
internet e nos contactos. Mas para irmos todos os 15 dias só para nos controlarem era
preferível darem-nos uma pulseira electrónica e tinham menos trabalho e perda de tempo
com tantos atendimentos.
Outro desempregado refere:
Só vou ao CE se me chamam. Já me disseram que para mim não há nada.
(Rodrigo, 33 anos, mestre em engº mecânica, desempregado há 4 meses sem subsídio).
Avaliar a percepção que o Estado faz dos desempregados passa no discurso
crítico de muitos que receiam a quebra no estatuto social.
Isto do controlo é um bocado estúpido, é de lei mas não acho bem. Parece que nos vêem
como malandros que se querem aproveitar e, pelo menos para mim, não é isso. Eu quero é
trabalhar mas onde é que há trabalho?
(Manuela, 37 anos, 12º ano de escolaridade, técnica de turismo, desempregada há 4 meses,
subsidiada).
230
Muitos desempregados mais qualificados assumem o CE como estrutura sem
qualquer utilidade para a sua situação; têm consciência do desemprego como problema
de volume cada vez maior e que toca cada vez mais os qualificados. Gostariam que o
dispositivo público de emprego tomasse consciência dessa mudança e implementasse
medidas ajustadas a cada desempregado e onde os mais qualificados também fossem
contemplados.
Vou ao CE só quando é obrigatório porque me disseram que para mim não tinham nada,
nem formação. Não sou prioritária! Foi o que me disseram. Ao princípio estava a pensar
que tinham mais alguma ajuda, que até queria que me ajudassem a fazer um plano de
orientação de carreira mas quando falei nisso ficaram a olhar para mim; O CE já me disse
que para as minhas condições não tem nada. Não percebem que o desemprego mudou e
que há muitos licenciados que precisam de ajuda. Eu já lá apareci com uma análise SWAT
da minha situação mas às tantas meti debaixo da mesa porque percebi que estava
deslocada em termos de comunicação. Então percebi que não valia a pena. Agora voltei lá
e levei uma declaração em como estou a fazer um estágio não remunerado. Assim, estou
isenta da apresentação quinzenal.
(Joana, 41 anos, psicóloga, desempregada há 1 ano, subsidiada).
A dependência estratégica caracteriza o “desemprego negociado”. Trata-se da
racionalização e aceitação da dependência económica (quando existe) e institucional em
relação a todos os procedimentos necessários para acesso a medidas de emprego ou
formação profissional por parte do IEFP. Engloba jovens com pouca ou nenhuma
experiência de trabalho, desempregados tendencialmente jovens e subsidiados com
idades inferiores a 45 anos. Têm a aspiração comum de melhorar qualificações e
conseguir um estatuto social mais digno ligado ao emprego. Nas estratégias predomina
alguma distanciação a fim de evitar a aprendizagem da desqualificação social a que não
querem estar confinados e, por outro, o jogo de cooperação com os técnicos para
acederem a oportunidades negociadas institucionalmente. Sentem desconforto e
irritação ao utilizar os serviços do CE quando não conseguem as respostas com a
celeridade pretendida, fazendo prolongar-se a situação desejada provisória. Não
rejeitam contactos frequentes com o CE, pelo contrário, anseiam por resposta
institucional, certos da importância de não perder tempo nem alargar o desemprego.
231
Enquanto aguardam os resultados de uma oportunidade institucional, adiam a procura
de emprego mas desejam conseguir um emprego estável e, se possível, bem
remunerado. Activam a procura de emprego se a demora institucional se prolonga, o
que resulta frequentemente em desistências de processos de formação profissional e
outros.
Estou inscrita no CE pois pode ser que se consiga emprego mas não é só. Eu agora estou à
espera de fazer um curso de formação de informática.
(Ana, 19 anos, 9º ano, candidata a primeiro emprego).
Aceder ao emprego é muito difícil para jovens com pouca ou nenhuma
experiência. Contra eles está um mercado de emprego que, em geral, demanda
experiência em áreas específicas.
Eu vejo os anúncios na internet ou vou ao CE ver e depois se dá telefono para as empresas
mas pedem sempre experiência neste ou naquele ramo e assim é muito difícil.
(Marco, 20 anos, 12º ano de escolaridade, 3 meses de experiência profissional, não subsidiado).
Eu estou à espera de formação há 3 meses e ainda não me chamaram. Queria mesmo
tirar o curso, acho que assim vou ter mais oportunidades. Vim saber o que se passa mas
se demorar muito procuro trabalho e desisto.
(Ricardo, 23 anos, 10º ano de escolaridade, desempregado sem subsídio).
Os cidadãos na condição de “desemprego distanciado” ou “negociado”
consideram a sua inferioridade social como situação temporária e tentam desenvolver
actividades e manter uma “fachada limitativa” do insucesso. De alguma forma podem
integrar uma categoria mais ampla designada por Clavel (2004) como “desemprego de
transição.”177
O problema dos que se encontram em “desemprego adaptado/ interiorizado” é o
da aprendizagem da desqualificação social acentuada pelo prolongamento do
desemprego e que se traduz por crise de identidade. A cultura do trabalho domina mas é
abandonada por impossibilidade de regresso ao mercado do trabalho, numa combinação
177 Desemprego “adaptado/interiorizado” e “reivindicado” podem ser equivalentes a desemprego de “exclusão” corporizando uma precariedade crónica.
232
de idade avançada e baixas qualificações; mas a força da idade tem peso dominante. São
sobretudo os desempregados mais idosos subsidiados sem possibilidade de regresso ao
mercado de trabalho, com baixas ou altas qualificações, nomeadamente desempregados
de longa duração, que alimentam este grupo-tipo. Domina o conformismo e manifestam
dependência e submissão ao poder do Estado e dos técnicos do CE. A dependência
económica do Estado é acompanhada de dependência psicossocial. Da humilhação
inicial que todos confirmam viver, ao serem confrontados com o desemprego após mais
de 25 anos de actividade profissional, uns passam a viver o desemprego de forma mais
positiva (“desemprego adaptado”) e outros de forma mais negativa (“desemprego
interiorizado”) consoante as perspectivas de transição para a reforma, a ocupação do
tempo em actividades alternativas gratificantes e o grau de aceitação e integração
familiar.
Quando assinam o PPE, dão-se conta de que lhes é atribuída a responsabilidade
de procurar activamente emprego, independentemente da capacidade para o fazer e dos
constrangimentos extrínsecos ou intrínsecos. Procuram emprego mas deparam-se com
respostas negativas. Ganham consciência da idade com factor limitativo no acesso ao
mercado de trabalho:
Procuro emprego mas com a minha idade não é fácil…E tenho que pedir para porem os
carimbos e em muitos lados não querem ou dizem que não têm.
(Carla, 52 anos, 6º ano de escolaridade, empregada de escritório, desempregada há 16 meses, subsidiada).
Gostava que me ajudassem a procurar emprego porque sozinho está muito difícil. Só
queria arranjar alguma coisa. Telefono ou vou aos restaurantes ou café mas quando digo a
idade dizem-me que já não dá.
(Luís, 50 anos, 6º ano de escolaridade, empregado de mesa, desempregado há 14 meses, não subsidiado).
Os que vivem o “desemprego adaptado” tendem a receber subsídio de
desemprego e a aceitar o estatuto de desempregado como transição para a reforma, com
todas as obrigações implícitas até ao desfecho (procura de emprego sem sucesso ou até
encenada, comparência no CE e no controlo, participação em actividades institucionais),
enquanto preenchem o tempo com rotinas de actividades que em muitos casos já
desenvolviam antes de cair no desemprego mas que se intensificam: agricultura,
233
realização de obras em casa ou na casa dos filhos, cuidar da casa e dos netos; ou, mais
raramente, os mais qualificados e urbanos, inscrevem-se em actividades desportivas ou
culturais, por exemplo em Universidade da Terceira Idade. Predomina a cooperação
com o dispositivo público de emprego mesmo se inicialmente acontece algum
confronto178.
Eu gostava de trabalhar, sempre fui muito activo e não gosto de estar parado. Ainda
procuro emprego, até porque é obrigatório mas já sei que não vou arranjar nada. Se não
há para os novos, quanto mais para os mais velhos. O que espero agora é passar à
reforma quando terminar o subsídio.
(Arlindo, 62 anos, electricista, casado, desempregado com subsídio).
No “desemprego interiorizado” domina a interiorização do desemprego como
forma de perda de identidade de empregado e, em geral, é aceite a cooperação com os
técnicos do Estado para todas as actividades solicitadas. Muitos operários ou
empregados administrativos não têm actividades alternativas ou, então, desenvolvem
algumas actividades em casa ou com a família; cumprem rotinas de ir ao café e evitar o
ensimesmamento e melindre da queda no desemprego sem alternativas. Os que vivem
uma ecologia mais rural prosseguem actividades no campo (agricultura e pecuária), no
mar (pesca), em arranjos da casa e no apoio à família que já faziam parte da sua vida
antes do desemprego. Em geral, as mulheres dedicam-se a actividades mais diversas
mas onde dominam as domésticas e os filhos (consoante a fase do ciclo biológico e
familiar). Muitos dos que já esgotaram qualquer tipo de subsídio de desemprego e não
conseguem trabalho solicitam o RSI, ficam dependentes da família ou caem na
marginalidade.
Recorre-se ao termo de Paugam (1991) a propósito da tipologia da pobreza para
designar o “desemprego reivindicado”. Este tipo de vivência do desemprego
caracteriza-se pelo agravamento dos níveis de dependência referidos anteriormente e
organiza-se na reivindicação do estatuto de desempregado mesmo sem auferir subsídio.
Enquadram-se neste ideal-tipo os imigrantes (pretendem o RSI, pelo que é exigida a
178 Muitos foram informados pela entidade patronal de que a situação é de pré-reforma e desconhecem as obrigações a que o estatuto de desempregado obriga.
234
inscrição para emprego, sendo a mesma necessária à obtenção de autorização de
residência) e os candidatos nacionais ao RSI. Uns e outros encaram o RSI como apoio
financeiro que reivindicam. O RSI representa, também, num processo de
desqualificação social, o último elo na relação com o Estado. Para os grupos sociais
nacionais mais escolarizados, com percursos anteriores de integração familiar, social e
profissional regulares, nomeadamente para as “culturas de trabalho”, trata-se de uma
dependência envergonhada que custa solicitar para sobreviver. Para muitos dos
estrangeiros, nacionais sem-abrigo ou marginais trata-se do direito a reivindicar a
sobrevivência, na continuidade de um habitus de caridade.
As estratégias dominantes na relação com os técnicos do CE são de
reivindicação e sedução para conseguirem o estatuto desejado mesmo que não tenham
disponibilidade, interesse ou condições de imediato para emprego; situação que
abordam por recurso a racionalizações e auto-justificações baseadas em motivos de
saúde ou familiares, operando-se uma dependência acrescida em relação aos serviços
públicos e envolvimento reivindicado do estatuto de assistido. A intervenção do serviço
público de emprego tem sido pontual; tende a aumentar com o esforço de controlo pelo
Estado dos seus assistidos. Os sujeitos fazem por apreender e compreender a
engrenagem dos serviços de emprego e da segurança social e alguns beneficiários179
tornam-se mediadores/angariadores informais no apoio a outros candidatos a RSI.
Alguns vivem de recursos subsidiários e praticam com frequência actividades diversas à
margem do mercado de trabalho. A maioria destes indivíduos provém de meios sociais
muito desfavorecidos e as trajectórias até à marginalização são bastante variadas.
Alguns, com capital social e económico de origem familiar, desenvolveram percursos
profissionais e de vida problemáticos. Outros, perdida a integração profissional e
prolongado o desemprego sem subsídio, vêem no RSI o último recurso de apoio
financeiro mínimo. São frequentes ainda problemas de alcoolismo ou de consumo de
drogas, potencialmente estigmatizantes e limitadores de desempenhos conscientes que
dificultam a reinserção laboral ou a integração social. É o caso de João a viver num
centro de acolhimento para sem abrigo (ex-toxicodependente e desempregado há 6 anos,
sem subsídio).
179 Sobretudo estrangeiros com algum domínio linguístico e conhecedores do funcionamento do sistema burocrático.
235
Comecei a receber o RSI mas cancelaram porque faltei a uma convocatória do CE.
Agora não recebo nada. Como vivi por aí não recebi a carta e a assistente social disse
para me vir inscrever outra vez.
Uma minoria, caiu, por circunstâncias da vida, (como divórcio, morte do
cônjuge, problema grave com negócio ou doença) numa situação de extrema dificuldade
socioeconómica a colmatar minimamente e de forma envergonhada com o recurso ao
RSI.
Preciso do rendimento mínimo (RSI) porque sou doente e a assistente social disse que eu
precisava de uma declaração do CE para pedir, por isso fui ao CE.
(Maria, 55 anos, 4ª classe, ajudante de cozinha, desempregada há 30 meses, não subsidiada).
O RSI é uma medida de protecção social abrangendo uma população de
características cada vez mais diversificadas. Em parte dos entrevistados, auferir RSI não
significa desmotivação para trabalhar mas impossibilidade de o conseguir e necessidade
de sobreviver. Fim do subsídio ou circunstâncias de vida (que nem sequer permitiram o
acesso ao mesmo) levam muitos desempregados a tentar o RSI como último reduto. A
família, quando existe, tem recursos e é apoiante, constitui a estrutura de protecção
social de apoio basilar. Veja-se o processo social e economicamente desqualificante do
entrevistado seguinte.
Eu tinha o negócio de restauro e já ganhei bom dinheiro mas a partir de certa altura a
situação complicou-se e foi-se agravando, sabe? Sempre foi uma área de trabalho
incerto mas dantes tinha muitos clientes, até fiz trabalhos nas ilhas e em Espanha mas foi
piorando. Às tantas era só impostos para pagar e tive que fechar tudo, atelier e lojas,
vivia na casa com o atelier e saí para uma pequena, depois fui para um quarto. Os meus
pais apoiam-me mas para não estar só dependente deles, que já têm alguma idade, pedi o
RSI. Procuro muito emprego, faço contactos mas não há nada. Não sei o que fazer.
Felizmente não tenho filhos.
(André, 48 anos de idade, 12º ano de escolaridade, curso de restauro, ex-empresário, solteiro sem
filhos, beneficiário RSI).
236
Quando o desemprego toca ambos os cônjuges (cada vez com mais frequência)
aumentam as dificuldades das famílias. São as solidariedades familiares, muito
especialmente da parte dos pais, que permitem a sobrevivência dos agregados familiares
carenciados e enfrentar contrariedades. O aumento de qualificações é visto, por vezes,
como estratégia importante para melhorar o futuro profissional e ser integrado no
mercado de trabalho.
Não consigo emprego e então pedi o RSI, tenho uma filha de seis anos e uma bebé com
12 meses. O meu marido também está desempregado e já lhe disse que ele tem que
estudar mais porque o 9º ano que eu tenho não é nada, quanto mais o 6º que ele tem. Eu
fui chamada para me mandarem para as Novas Oportunidades para fazer o 12º e um
curso e estou muito satisfeita porque assim vai ser melhor para mim. São os meus pais
que nos ajudam. Sem eles nem sei o que seria.
Considera-se, por fim, o “desemprego anulado” (equivalente ao “desemprego
invertido” de Schnapper) corresponde à experiência de jovens candidatos a primeiro
emprego ou com reduzida experiência profissional e sem identidade social definida pelo
trabalho. Aqui se incluem também qualificados (com ou sem apoios sociais) que
buscam modos de vida alternativos a curto ou médio prazo, nomeadamente parte dos
que querem criar o seu próprio negócio. Para todos eles o trabalho assalariado é
secundário. Não vivenciam qualquer inferioridade social e, na maior parte dos casos,
não estão dependentes do Estado. Em geral, têm forte integração sócio familiar e redes
sociais não dependentes do trabalho. Os mais jovens contam com bastante apoio
familiar. No global não têm dificuldades económicas. A situação é de negação do
estatuto de desempregado, pelo que o mesmo é anulado em prol de estatutos
alternativos como o de estudante, actriz, músico, pintor. Na falta de identificação com a
ideia de emprego, a estratégia é de distanciação em relação ao CE.
Aquilo na fábrica era um horror. Agora acabou tudo e ainda bem. Acho que não era vida
para mim, agora quero tirar um curso profissional e aprender uma profissão de que
goste, talvez informática. Bem sei que tenho poucos estudos mas vou esforçar-me. Aquilo
acabar foi um sopro de ar fresco.
(L., 26 anos, 9º ano, empregada fabril, desempregada há 3 meses).
237
Eu não esperava que a fábrica fechasse. Mas depois vi que era mesmo assim e até
cheguei a um ponto, nos últimos meses, que estava desejosa que tudo acabasse. Já não se
aguentava o ambiente negativo na fábrica e as conversas do fecha não fecha. (…) Já não
estudo há muito tempo, não sei se vou conseguir mas vou estudar e candidatar-me ao
curso de farmácia. A minha irmã é farmacêutica e eu aos sábados tenho o hábito de a
ajudar. Eu gostava do que fazia mas não era assim aquela coisa de grande entusiasmo e
assim, percebe; era para ter um salário e quando saía gostava de ter a minha vida cá
fora. Não era do tipo de ficar obcecada com o trabalho e de levar trabalho para casa.
Aliás, a política da empresa não era essa. Vou tentar seguir outro rumo.
(E., 28 anos, solteira, sem filhos, engenheira, desempregada há 1 mês de uma multinacional que
encerrou. Tem apartamento próprio com hipoteca mas vive em casa dos pais).
VI. ORGANIZAÇÃO DO TEMPO NO DESEMPREGO A PARTIR DA
ANÁLISE DOS GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS) E DAS
ENTREVISTAS
“Trabalha em algo, para que o diabo te encontre sempre ocupado.”
S. Jerónimo
INTRODUÇÃO
Para analisar a temporalidade dos desempregados podem considerar-se “padrões
diários” e “padrões semanais” de actividade, o “tempo recorrente” e o “tempo não
recorrente” ou “tempo geracional”. O “tempo social” representado pelo “tempo
familiar” e pelo “tempo doméstico”, sobretudo para as mulheres, prevalece sobre o
“tempo organizacional” perdido com o fim do emprego e que ainda ressurge na relação
com as instituições.
Muitos dos homens e mulheres mais velhos viram a sua infância abreviada,
nomeadamente com o encurtar da permanência na escola e o tomar de muitas
238
responsabilidades da vida adulta, sobretudo com a entrada precoce no mercado de
trabalho para muitos homens e algumas mulheres; enquanto para outras não eram pouco
frequentes tarefas como limpar, lavar, cozinhar, fazer compras e tomar conta dos irmãos
mais novos nas famílias de origem.
Os jovens, com destaque para as mulheres com responsabilidades domésticas,
enfrentam um conflito de dois tipos de tempo: “tempo da família” e “tempo da
organização” sob a forma do calendário escolar.
No caso das profissões altamente qualificadas e com horários pouco rígidos e
extensos os entrevistados revelam a sensação de um tempo vivido até ao limite ocupado
horas a dentro em actividades geradoras de motivação ou que tinham que ser feitas para
atingir metas claramente visíveis como o fecho do jornal e a sua saída no dia seguinte.
O tempo pode assim ser percepcionado como espaço. Tempo-espaço a ser ocupado,
sujeito à rentabilização e produtividade que lhe confere sentido. No desemprego são,
sobretudo, as actividades de substituição por via das responsabilidades familiares ou do
trabalho informal que permite ligar-se ao tempo dos outros, entrar no tempo dos outros
e sentir-se parte integrante.
A maioria dos homens de todos os escalões etários optam por criar rotinas que
lhes permitem sair de casa. Não só para alguns porque a casa é o espaço tradicional
feminino mas por motivos de isolamento e de busca seja do convívio social, seja de um
emprego. As mulheres, mesmo as mais novas tendem a permanecer mais tempo em casa
e a manter um sentido social pelo cuidar da casa, dos filhos ou dos pais já idosos.
Mesmo assim, assinalam também o sentimento de algum esvaziamento temporal
socialmente significativo, bem como a falta não só de uma remuneração mais alta que o
subsídio de desemprego não substitui na totalidade, mas de uma ocupação socialmente
útil por via do trabalho remunerado.
Considere-se agora a análise de forma mais detalhada por género e idade.
239
VI.1. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO FEMININO
A. é a mais nova das mulheres ouvidas; com 22 anos de idade, tem uma filha de
vinte e quatro meses. Operária fabril residente em Mem Martins, apenas concluiu o 6º
ano de escolaridade. Desempregada há dois anos e três meses, não aufere subsídio de
desemprego. Desligada da escola, não pretende aumentar o nível de escolaridade mas
idealiza voltar a trabalhar numa fábrica, embora refira também gostar muito de bichos
pelo que lhe agradaria tratar de animais. A maternidade e o facto de não ter a filha na
creche, bem como a espera de uma cirurgia, tiveram implicações no abrandamento da
sua procura de emprego. O tempo ocupado com a filha e com as actividades domésticas
não são suficientes para A., que gostaria de voltar ao ritmo fabril e, sobretudo, de ter
salário. Contudo, sente-se realizada como mulher por ter passado este tempo com a
filha. Apresentamos a síntese da sua ocupação diária.
De manhã vou ao café e à loja. Depois, venho fazer o almoço e depois tomo conta da
minha filha e arrumo a casa e vou passear a minha cadela à rua. Depois, venho fazer o
jantar, dou banho à minha filha e preparo a minha filha para dormir. Vejo televisão com
o meu marido e depois vamos dormir.
Outra situação é apresentada por B., solteira sem filhos, com 25 anos e o 12º ano
de escolaridade. Vive com os pais e está desempregada há três meses. Tem alguma
experiência como caixeira de loja, não aufere subsídio de desemprego e conta com o
apoio financeiro e de alojamento por parte dos pais. As obrigações para com os seus
cães marcam o início da actividade matinal. A sua situação objectiva, bem como as
actividades diárias, são distintas do caso anterior mas incluem a preparação de refeições.
A tarde é dedicada a algum trabalho de voluntariado com idosos e à procura de
emprego. Ver televisão é parte da noite Sente que o seu tempo mudou com o
desemprego e queria ter um salário para as suas despesas.
Mais matinal, R. é mulher de 27 anos, engenheira industrial, casada e sem filhos.
O marido é bancário. R. apenas tem experiência de trabalho na área comercial e deseja
conseguir um emprego na sua área profissional. Desempregada há dois meses, aufere
240
subsídio de desemprego que durará por dez meses. Acorda à mesma hora a que
acordava quando tinha actividade profissional e reserva a manhã a cuidar da casa e
procurar emprego. Confecciona refeições e vê T.V. em vários momentos do dia mas
especialmente à noite. Considera que a ocupação do seu tempo mudou com o
desemprego e, para além de conseguir um novo emprego, o que gostaria mesmo era de
trabalho na sua área de estudos: O tempo parece que ficou mais solto, com mais tempo mas que
passa num instante.
No mesmo grupo etário, é notório como na lista de G., desempregada com 26
anos de idade e o 6º ano de escolaridade, a palavra mais repetida é “filho” tendo em
conta que G. é mãe de uma criança de 3 anos a quem dedica grande parte do seu tempo
diário desde que acorda às 8h. Do seu calendário está ausente a procura de emprego.
Também da lista de actividades diárias de C. não consta a procura de emprego.
Aos 28 anos, solteira e sem filhos aproveita o tempo no desemprego para concluir a
licenciatura em gestão de empresas. Refere que o desemprego marca uma “grande
mudança” na sua vida, nomeadamente com intervalos de ausência de actividade escolar
no Verão e mais tempo vago. Ao dia de trabalho adjectivado de “cheio” e de forte
intensidade, opõe-se o tempo no desemprego com um ritmo mais lento e sentido como
algo vazio quando não tem aulas.
Foi uma mudança muito grande. Agora não tenho nada para fazer até finais de Setembro
que começo as aulas da universidade. Antes de ficar desempregada, tinha o dia cheio.
Acordava cedo, estudava, entrava às 11h no trabalho e saía às 17h. Tinha que sair a
correr para estar na universidade das 18h às 23h. Depois apenas tinha tempo para
dormir.
C. acorda mais tarde comparativamente a quando tinha emprego e prepara as
refeições e cuida da cozinha enquanto os pais trabalham. Desempregada há cinco meses
da actividade de assistente administrativa, irá receber subsídio de desemprego durante
mais seis meses. Amigos, cinema, música, internet e T.V. ganharam espaço e tempo na
sua vida.
Como se viu no caso de A., para muitas mulheres a dedicação aos filhos,
sobretudo em idades precoces, constitui um substituto da actividade profissional que
facilita a adaptação ao tempo no desemprego. Tal refere E., mulher com 28 anos de
241
idade, casada e com o 7º ano unificado, residente na linha de Sintra, operária durante
seis anos e meio; desempregada com subsídio de desemprego há dois anos. O
nascimento de um filho marca grande mudança no ciclo de vida doméstica, ao qual se
veio juntar outra mudança, o desemprego.
Quando fiquei desempregada tinha tido a minha filha há pouco tempo, por isso tudo
mudou. Além de ficar em casa, tinha que tratar dela, por isso não me custou tanto ficar
em casa porque tinha o tempo mais ocupado, embora, é claro, de maneira diferente.
D. 32 anos e separada com uma criança a cargo ficou desempregada pela terceira
vez. Divide o tempo entre cuidar do filho e procurar emprego, nomeadamente com
deslocações semanais ao CE.
Todas as mulheres entre os 30 e os 34 anos de idade passaram a orientar o tempo
no desemprego em função dos filhos, da confecção de refeições e das actividades
domésticas. Esta conclusão também é válida para mulheres entre os 35 e os 45 anos
(independentemente do nível de instrução), à excepção de duas que não têm filhos.
Veja-se o caso de M. com 34 anos e o 9º ano de escolaridade. É casada e tem uma filha
de dez anos. Passou a dedicar mais tempo à casa e a actividades para as quais, quando
trabalhava, não tinha tempo ou disposição, tais como estar mais com a filha, coser à
máquina, fazer uma sobremesa para o jantar ou ver televisão. Residente em Sintra, foi
empregada fabril durante oito anos, aufere subsídio de desemprego e da sua agenda não
consta actualmente a procura emprego. Assinala do seguinte modo as diferenças
relativamente a quando tinha emprego.
Levanto-me mais tarde. Fico mais tempo com a minha filha. Tenho mais tempo para
fazer outras coisas como cozer à máquina, fazer um doce para o jantar, passar a ferro,
que antigamente não tinha tempo e quando vinha do trabalho já estava cansada.
Com 34 anos de idade, T. tem apenas a 4ª classe e está desempregada há seis
meses. Reside numa aldeia perto de Sintra e ficou desempregada depois de ter
trabalhado num lar de idosos durante seis anos. Continuará a receber subsídio de
desemprego durante dois anos. Mãe solteira viveu maritalmente com o pai dos dois
242
filhos (com oito e seis anos) de quem está separada há dois anos mas que a apoia no
pagamento da renda de casa. Toma medicamentos para tratar uma depressão, não tem
amigos nem família próxima. Todavia, as relações de proximidade são geradoras de
apoios solidários e, assim, conta com o apoio de uma vizinha a quem ajuda na horta e a
cuidar dos animais, que em troca lhe oferece produtos hortícolas. Também uma ex-
patroa de um escritório onde trabalhou nas limpezas a ajuda. Sem amigos, nem família
por perto e com gosto pela leitura e escrita apesar da baixa escolaridade, ocupa mais
tempo a ler e a escrever do que anteriormente. Registam-se as suas palavras quanto às
mudanças ocorridas na ocupação do tempo. Ligada ao ritmo rural, o esquema de T., ao
contrário de outros esquemas temporais, não apresenta qualquer referência a horários.
Ajudo a vizinha na horta. Durmo mais do que dormia. Cuido dos filhos durante mais tempo.
Faço a lida da casa mais apurada. Leio muito mais. Ajudo a vizinha a cuidar dos
pássaros e dos animais da horta. Penso demais o que é mau … e daí escrevo, escrevo…
A sua última frase “Penso demais…” remete, como explicou, para a
preocupação com os problemas de saúde dos filhos e para a dificuldade em conseguir
emprego que permita conciliar trabalho e família.
A.S., operária, tem 37 anos, sétimo ano de escolaridade e foi operadora de linha
numa fábrica na zona de Lisboa. Casada, tem uma filha de quatro anos de idade que está
em casa com ela. Pertence à igreja evangélica. Tem um bom relacionamento com o
marido e conta com o seu apoio. Desempregada há um ano irá auferir subsídio de
desemprego durante mais seis meses e quer voltar ao mercado de trabalho. Contudo, há
dois meses que não procura emprego, justificando que não tem obtido qualquer resposta
positiva nos contactos já efectuados, o que a desmotiva. É uma das poucas mulheres que
assinala fazer actividade física. Cumpre as obrigações domésticas e por oposição, ao
ritmo operário, o desemprego proporciona-lhe mais tempo e mais calma para a vida,
especialmente para a educação da filha.
O meu dia depende da hora de me levantar. Agradeço pelo dia que vai começar. Faço
ginástica pela manhã, arranjo o pequeno almoço e preparo o almoço para mim e para a
filhota. Muitas das vezes faço compras, vou à Igreja e faço as coisas de casa. Ocupo o
243
tempo com a Inês e divirto-me com ela. Hoje, devido a estar desempregada, tenho mais
tempo e calma para poder gerir a minha vida e a educação da Inês. Em termos de
compras tento ir quando vai menos gente.
A experiência profissional é comum ao conjunto destas mulheres adultas. Tal
não é o caso de M.C., casada, sem filhos, 35 anos de idade e que nunca trabalhou. Tem
o 10º ano de escolaridade e concluiu um curso de cabeleireira mas não gosta da
profissão e não procura exercer tal actividade. Diz sofrer do sistema nervoso e ter
problemas em conciliar o sono, embora não tome qualquer medicação. Não procura
trabalho. Actividades domésticas e trabalhos manuais estão presentes na sua rotina. O
isolamento social parece marcar o dia a dia desta mulher que manifesta gosto por
passear mas também falta de recursos financeiros.
Deito-me normalmente às 24 ou às 0.30h no fim da novela. Depois durmo até às 3 ou 4
horas e acordo sem sono. Dou voltas na cama dum lado para o outro, não consigo
dormir. Depois aí às 7h dá-me o sono e durmo até às 10 ou 11h. Sofro bastante dos
nervos. Sou super nervosa. Tudo me dói, recentemente, costas, coluna e pescoço. Não
consigo aguentar a cabeça em pé levantada. Às 11h tomo o pequeno almoço. De seguida
vou às compras do dia e faço o almoço. Às 14h tomo o almoço. De seguida lavo a loiça,
dou uma volta quando tenho que sair, senão vou para o sofá fazer crochet ou malhas.
Adoro trabalhos manuais. Às 17 ou 18h tomo o lanche. Em seguida preparo o jantar e às
20h janto com o meu marido. Depois de arrumar a cozinha vou para a sala ver novelas e
fazer crochet até me deitar.
O que eu gostava de fazer era passear longe, à beira mar ou no campo, por exemplo na
verdejante Sintra. Passo muito tempo em casa sozinha porque para ir passear para
algum sítio é muito dinheiro que se gasta e eu não tenho. Se eu tivesse muito dinheiro
viajava bastante. Acho que hospedeira de aviões é uma boa profissão. Adoro inglês e
gostava de estudar para ser recepcionista de um hotel ou guia turística.
A.B., residente em Cascais, com 34 anos, foi auxiliar de educação durante 15
meses e recebe subsídio de desemprego. Com o 6º ano e, apesar de comprar diariamente
o jornal, não refere, na sua ocupação do tempo, a resposta a qualquer anúncio de
emprego mas afirma continuar a fazer tudo o que já fazia quando trabalhava. Todavia,
244
no desemprego, a casa e a família ocupam-lhe todo o tempo, como se nada mudasse,
excepto, não ter trabalho. Mesmo assim, sente a falta das relações interpessoais e do
convívio que o emprego proporcionava, prova de que o trabalho cumpre uma função
sócio-relacional para além da função económica. A concentração no trabalho tem ainda
uma função psicológica ao permitir a separação de outras dimensões da vida e um
distanciamento de outros problemas. Elenca, pormenorizadamente, as suas actividades
domésticas e com os filhos que se resumem.
Eu acho que na minha vida não mudou nada. Continuo a fazer as coisas que sempre fiz,
só não há trabalho. Contínuo a dar atenção aos meus filhos, a limpar a casa e a dar
atenção ao meu marido. Mas continua a faltar trabalho. Que eu gostava e sinto falta de
conviver com outras pessoas. Porque no trabalho a gente esquece o resto dos problemas.
O depoimento de A.C. (residente em Lisboa, 36 anos, casada, três filhos em
idade escolar e pré-escolar, 9º ano de escolaridade, desempregada da área administrativa
há três meses com subsídio de desemprego) faz lembrar um esquema rigoroso de
organização científica do trabalho. Trata-se de uma lista de actividades completamente
dedicada ao agregado doméstico, com intervalo para um breve convívio com amigas no
café e, embora com alusão a ver anúncios no jornal, ausente de qualquer referência a
tentativas de resposta. Para A.C. foi fácil a adaptação ao desemprego, pois continuou
“com o tempo muito ocupado com aquilo que já fazia em casa e para estar com os filhos
mas com tempo para fazer mais e melhor”. Esta afirmação sugere a hipótese de que, no
desemprego, as mesmas tarefas podem demorar mais tempo a ser executadas, do que
quando havia emprego. O telejornal e a telenovela encerram o dia.
V. tem 37 anos, o 4º ano de escolaridade e acabou de ficar desempregada depois
da morte do idoso de quem cuidava. Solicitou subsídio de desemprego. De
nacionalidade brasileira, é casada e tem os filhos no Brasil. Vive há cinco anos em
Portugal com o marido, também brasileiro. Para lá das ocupações domésticas, ocupa o
tempo em alguns biscates: faz bolos e salgados para vender a pessoas conhecidas e
começou a vender produtos de cosmética por catálogo muito recentemente.
245
Quanto às visitas a familiares, no total são 6 as mulheres até aos 45 anos que
referem visitar diariamente a família, sobretudo as suas mães que também se encontram
em casa. De facto, as visitas a familiares, especialmente às mães, estão muito presentes
no mundo feminino. As mulheres são as grandes dinamizadoras das sociabilidades na
família.
Considere-se D. (37 anos, 9º ano de escolaridade, casada, desempregada do
comércio), desde que ficou grávida e que não aufere subsídio de desemprego. Visita
diariamente a mãe acompanhada do seu bebé, e conta com o seu apoio. O horário
exaustivo que apresenta é exemplo da forma como muitos desempregados exteriorizam
a organização rigorosa do tempo. Cuidar do bebé, tarefas domésticas, sociabilidade e
apoio familiar ao sobrinho são aspectos centrais na gestão do seu tempo.
A.D. é outra mulher casada, 39 anos, sem filhos, frequência universitária e
técnica administrativa. Procura activamente emprego e faz uma descrição diferente das
suas actividades diárias, embora também assinale actividades domésticas, preparação de
refeições, ver T.V., e visita aos pais, onde almoça. Procura emprego no jornal e
enquanto não consegue novo emprego ocupa parte do tempo em aprendizagens ligadas
às artes. Considera uma forma interessante de “fruir o tempo” e “aprender aquilo que
nunca tinha tido possibilidade quando trabalhava”. A fruição do ócio mostra que o
indivíduo não é “exclusivamente trabalhador”. As actividades de ócio são alicerce de
cultura, no sentido de Pieper (1958/ 1969).
Com outra mulher, repete-se o padrão dos filhos e da casa, enquanto o acordar é
mais tardio. I.R. tem 40 anos e o 12º ano de escolaridade e gostaria de conseguir novo
emprego. Desempregada de um escritório, está a auferir subsídio de desemprego há um
ano, com direito a dezoito meses. Contacta quinzenalmente o CE e tenta apresentar-se a
ofertas de emprego. Vê também o jornal quando vai ao café. Mais dedicada à família,
descreve o que mudou na sua vida com o desemprego.
Levanto-me um pouco mais tarde, dou mais apoio aos meus filhos em tempo de aulas.
Ajudo nos trabalhos da escola. Tenho mais tempo para organizar as coisas em casa para
que, aos fins-de-semana, possa sair com o marido e os filhos.
246
F. tem 41 anos, é casada, com um filho de 9 anos a cargo. Dois mais velhos já
trabalham, um de 21 anos numa transportadora e o mais velho, 23 anos, numa
instituição bancária. Vive em Lisboa. O marido é camionista e ausenta-se
frequentemente. Apenas com o 4º ano, já teve inúmeros trabalhos, com início aos 13
anos de idade. Nos últimos três anos tem trabalhado no refeitório de uma escola mas
interrompe nas férias escolares durante três meses. Não aufere subsídio de desemprego
mas não tem preocupações financeiras. Assinala a insatisfação com o tempo vazio de
actividade e de convívio social. O tempo no desemprego é tempo de isolamento social
em casa.
Não é que eu precise do dinheiro porque o meu marido ganha o suficiente para mim e
para o mais novo porque os outros dois já conseguem desenrascar-se sozinhos
praticamente, mas fazia-me falta para ocupar o meu tempo, porque agora passo os dias
inteiros aqui sozinha sem nada para fazer. Há sempre um chão para limpar, o almoço
para fazer, mas lá era diferente porque distrai-me com as professoras e com as colegas,
riamo-nos muito e agora não. Às vezes vou lá visita-las com o pretexto de produtos da
Yves Rocher que a namorada do meu filho vende, assim ajudo-a e sempre vou passear
mas não posso estar lá tanto quanto gostaria.
Agora o meu dia-a-dia é andar às compras sozinha, vou buscar o mais novo a escola e
vou lá pô-lo e aí aproveito para ir tomar o pequeno-almoço ao café e sempre vou
ajudando nas vendas da Yves Rocher da rapariga mas chega a um ponto que também
cansa…
A procura activa de emprego e o interesse em investir num negócio são
assinalados por M.M., 41 anos, residente em Cascais com uma filha de vinte anos.
M.M. tem o curso de técnica de turismo e a frequência do terceiro ano da licenciatura
em Economia. Natural de Angola, de onde viajou para Portugal com a família após o 25
de Abril de 1974, trabalhou como técnica de turismo durante dez anos e está
desempregada há sete meses, com direito a auferir subsídio de desemprego durante dois
anos. Não esgota o tempo em actividades domésticas. Almoçar em casa da mãe é mais
uma regularidade que volta a aparecer. Procura emprego diariamente e tenta estruturar
condições para um negócio. Gosta muito de se ocupar em actividades de restauro e
247
pintura. Aqui reaparece o lazer como forma de realização pessoal na ocupação do tempo
diário do desemprego, a T.V. e a Internet.
Outro caso, L., 43 anos, está centrada na procura activa de emprego apesar de 4
filhas com 13, 11, 10 e 5 anos que vivem com ela. Produtora cinematográfica executiva
desempregada, é separada do marido que também se encontra desempregado. Sem
auferir subsídio de desemprego conta com o apoio financeiro da mãe e deslocou-se ao
CE para solicitar uma declaração a fim de se candidatar ao RSI. Muito empenhada em
conseguir trabalho, frequenta muitos sites de empregos e responde a múltiplos anúncios.
Também faz trabalhos gratuitos não só para se ocupar mas porque gosta muito de
fotografia e de cinema; actividades que a ajudam também a manter contactos e
competências. Dedica ainda algum tempo à casa, às refeições e às filhas, ajuda nos
trabalhos escolares e visita ou recebe diariamente a visita da sua mãe e fala com amigas.
Eu passo muito tempo nos sites a procurar emprego e também falo com muita gente.
Claro, também há a casa e as miúdas e a minha mãe. Falo bastante com amigas, às vezes
mais por telefone e evito adiar a procura de emprego. E os trabalhos que faço por gosto
ou porque me pedem. A fotografia e o cinema são uma paixão mas não espero nem
pretendo trabalhar nesta área.
Para L. o desemprego marca uma grande diferença em relação ao período de
actividade laboral. Dada a natureza do trabalho cinematográfico, o seu ritmo variava,
embora fosse predominantemente intenso e sem horários, obrigando a viagens e
separações da família.
Uma outra situação diz respeito a I. Natural de Lisboa residiu toda a vida nos
Açores, onde vivem os pais. Regressou a Lisboa para ingressar na Universidade,
licenciou-se em Psicologia. Com 45 anos, está desempregada há onze meses de uma
empresa de formação e consultoria e aufere subsídio de desemprego por mais dois anos.
Vive em união de facto e não tem filhos. A sua descrição da ocupação diária está livre
de bitolas esquemáticas de marcação do tempo. Ao longo do período de desemprego
houve algumas alterações nas actividades desenvolvidas e no seu ritmo de sono, que se
tornou progressivamente mais tardio. Os três primeiros meses de desemprego foram
dedicados à procura de emprego de forma intensiva, actividade que mantém
248
actualmente em articulação com outras novas ocupações. Quanto ao ritmo de sono
passou a deitar-se tardiamente e a acordar muito mais tarde do que quando trabalhava e
à medida que o desemprego se prolongou. Muito activa e tendo-se ressentido da
ocupação do tempo no desemprego, concluiu que dormir de manhã é uma forma de
encurtar o dia. Estar nas redes sociais à noite proporciona o convívio e alimenta o sonho
de conseguir trabalho, nomeadamente contactos e clientes para trabalhar por conta
própria. Assim, à noite permanece muito tempo nas redes sociais da internet para tentar
contactos e mostrar as suas competências. O ciberespaço é o seu meio de convívio
diário e o hipismo a sua distracção nos tempos livres. Encontra-se com o irmão
semanalmente e visita os pais três vezes por ano.
Fico acordada até tarde na internet para poder fazer contactos e durmo de manhã. Assim
o dia não fica tão longo. Dedico a tarde à procura de emprego e vou de quinze em quinze
dias ao CE como é obrigatório e para procurar emprego, mas não tenho conseguido
nada. Aliás, no CE dizem sempre que não têm nada para mim. (…) Envio imensas cartas
e e-mails com currículos, também fiz uns concursos públicos mas na minha área não há
quase nada. Dois concursos para psicólogos num ano são muito pouco. (…) Como gosto
de tratamento de dados em estatística fiz um curso. Às vezes, nos tempos livres, fazia
algumas análises de dados para teses de pessoas amigas, pode ser que sirva para
trabalhar, até por conta própria nessa área. (…) Comecei um estágio não remunerado
em análise de dados há pouco tempo (…) que comuniquei ao CE. O estágio é à distância
e só preciso de ir a uma reunião todas as semanas e enviar os relatórios semanais.
Habitualmente, não marco nada à sexta feira para ir para a margem sul para o centro
hípico onde o meu companheiro é professor. Passo lá o fim de semana e ando a cavalo,
encontro-me com amigos. É um grande gosto e grande distracção.
O desemprego mudou muito a sua actividade. O relato é de uma ocupação
intensiva do tempo, nomeadamente, na procura de emprego na internet e em jornais,
tendo solicitado ajuda ao CE; não obteve apoio “porque já tinha habilitações a mais!”
Três meses após o desemprego, iniciou uma pós graduação em um programa estatístico
que lhe ocupa o fim da tarde e a noite até às 23h, três vezes por semana. As suas
actividades de lazer são mantidas, com domínio do hipismo e de encontros com amigos.
Todo este pulsar de actividades sem emprego permitem, por fim, o gozo do ócio, num
249
sentido positivo, de realização e liberdade humana. Não escreveu Aristóteles “ocupamo-
nos para podermos estar desocupados”?
O desemprego mudou muito o meu dia a dia, claro, pois antes todo o dia era só trabalho
e agora não. Durmo de manhã, procuro emprego e faço muitas outras coisas como
estudar para tentar outras alternativas de trabalho. Mantenho é os tempos livres e não
abdico dos cavalos.
Veja-se outro caso do mesmo grupo etário. I. tem 45 anos, reside em Carcavelos;
mãe solteira, com uma filha de 20 anos de idade. Licenciada em Antropologia, exerceu
actividade bancária, trabalhou para uma Câmara Municipal e escreveu em revistas. Está
desempregada há cinco anos e não recebe subsídio de desemprego. Quando a filha era
criança contou com algum apoio financeiro da mãe. Tem o tempo muito ocupado, como
refere no seu depoimento. O trabalho informal permite-lhe preencher parte do tempo
diário e obter alguns recursos financeiros para assegurar a sobrevivência. Faz da pintura
um hobbie, prazer que, por vezes, lhe rende algum dinheiro. Descreve de forma
genérica a sua ocupação diária e as alterações ocorridas com o desemprego.
Nos primeiros tempos procurava emprego mas agora é muito menos. Aproveitei e tirei
um curso de massagem oriental, ajudo a minha mãe, dou massagens, faço doces para
restaurantes, ando sempre numa fona com os animais, não é pouco! E ainda tenho
pretensões em estágios de Antropologia não remunerados. Também tenho um hobbie que
não me ocupa todos os dias mas que me traz prazer e já ganhei algum dinheiro com ele:
pinto quadros a óleo e depois vêm os amigos e compram e os amigos dos amigos.
À medida que a idade avança, os relatos femininos assinalam também, para as
mulheres que tiveram filhos, a presença de netos, aos quais dedicam parte do tempo
disponível, como é o caso de H., de 43 anos com uma neta que leva à e trás da escola
todos os dias, para além do apoio que ainda dá à filha mais nova, estudante de 15 anos.
Cuidar dos netos tende a repetir-se com muita frequência para mulheres a partir
dos 50 anos, de que são exemplo as breves linhas de M.A. (52 anos de idade, sexto ano
de escolaridade e operária fabril subsidiada) ou de I.A. (53 anos de idade, 4ª classe,
250
empregada doméstica) que assinala mais tempo de sono, lida da casa, brincar com a neta
e passear.
O labor centrado nas acções domésticas, na confecção de refeições e no apoio a
filhos ou netos é válido mesmo para aquelas mulheres cujos filhos já trabalham mas
ainda residem em casa dos pais. De facto, muitos dos filhos, apesar de já trabalharem,
vivem em casa dos pais e, quando o local de trabalho não é distante da residência,
optam por almoçar em casa com as mães, o que permite também alguma poupança. São
mais raros os casos em que, não residindo os filhos com os pais, aqueles vão almoçar a
casa destes. Nestas circunstâncias, é mais frequente o hábito de jantar, proporcionando,
assim, mais algum tempo disponível para convívio familiar. Também em alguns casos
menos frequentes, as mulheres, com filhos já crescidos no liceu ou a trabalhar e cuja
família vive na proximidade geográfica, apoiam os sobrinhos nas deslocações entre casa
e escola. É o caso de O., 49 anos, casada e mãe de três filhos já crescidos. É técnica
oficial de contas, desempregada há seis meses com direito a subsídio de desemprego
durante mais um ano. Tem empregada doméstica duas vezes por semana e gosta de se
dedicar à jardinagem. Passou a acordar mais tarde e a deitar-se mais tarde do que
quando trabalhava, faz algumas tarefas domésticas, dedica-se à jardinagem, apoia os
filhos e sobrinhos e visita diariamente os pais. Perdeu a esperança de encontrar
emprego, tendo em conta a falta de receptividade das entidades empregadoras que a
consideram “velha”. O serão é reservado ao convívio familiar com a T.V. e lavores.
Outra mulher, P., 48 anos, com o 9º ano de escolaridade, divorciada, funcionária
administrativa e descrente de conseguir novo emprego, apoia a filha, cuida da casa e das
refeições e dedica as tardes a um curso de artes decorativas, sonho de vários anos que o
tempo no desemprego permitiu tornar realidade. Todavia, sente a falta de emprego e
receia o futuro quando o subsídio de desemprego terminar. Ler e ver T.V. fazem parte
do registo nocturno.
Nos grupos etários subsequentes aumenta a frequência do apoio às mães idosas,
nomeadamente no cuidar das mesmas e o zelo dos netos.
M.L. vive com o marido e com a filha, tem 52 anos de idade, o 5º ano comercial,
apoia a mãe e não desistiu de procurar emprego. Embora tenha consciência das
dificuldades, mantém a idealização de dar continuidade ao itinerário profissional
251
anterior de publicitária num jornal. M.L. estimulou A., de 22 anos de idade, a mais nova
do grupo de encontro e operária fabril, a prosseguir estudos, considerando que “há tanta
coisa bonita na vida, tanta coisa para aprender”. Reparte o seu tempo entre a leitura de
jornais e de anúncios, o apoio à filha, as visitas à mãe, os passeios com o cão e a pintura
cerâmica e o artesanato no seu atelier, para além dos trabalhos domésticos, e os
telefonemas diários de uma amiga, como escreve, numa forma mais livre de horários do
que a maior parte dos participantes, embora com pormenor. O lazer ligado às artes
reaparece como fonte de gratificação.
Considere-se agora o caso de M.G. (51 anos, casada), com a mãe de 87 anos a
cargo, situação que lhe toma muito tempo. Além disso, a proximidade geográfica
facilita a visita, quase diariamente, ao filho e neta da parte da tarde. Não ter emprego
permite mais liberdade na hora de acordar. Cuidar da mãe, da casa, compras, refeições e
passeios com a mãe são outras regularidades. Desempregada há dois anos, desistiu de
procurar emprego activamente, embora aufira subsídio de desemprego. Para a sua
desistência contribuem o apoio à mãe e o sentimento de marginalização do mercado de
trabalho devido à idade. Apesar de desempregada afirma que “não faz da sua vida um
tempo sem interesse” e refere a possibilidade de alguma mudança na ocupação diária do
tempo.
É nas mulheres maiores de 55 anos (11 casos) que ocorre maior frequência de
dedicação aos netos (10 casos), mas também de apoio às mães idosas (4 casos).
Também a ocupação na horta ou no jardim, a cuidar de plantas e animais, tem maior
representação neste grupo etário (8 casos). A prática religiosa é assinalada por duas das
mulheres mais velhas e a actividade de ginástica também é considerada (4 casos).
O caso seguinte é ilustrativo de muitos outros. M.J. (55 anos, casada,
desempregada do comércio e sem subsídio de desemprego) ocupa-se com um neto,
animais e plantas e resume a sua actividade diária.
O relato de F.I. (56 anos de idade, casada, curso geral do comércio,
desempregada da área administrativa e sem subsídio de desemprego), assinala uma vida
diária ocupada entre compromissos familiares, nomeadamente no tratar da neta, da casa
e da alimentação. O filho almoça diariamente em sua casa, o que a obriga “a ter o
almoço pronto a horas”. Consegue também ir duas vezes por semana à ginástica com o
252
apoio de uma vizinha no cuidar da neta. No seu relato é notório o preenchimento do
tempo disponível. Da noite fazem parte o telejornal e, a telenovela na T.V. e a leitura.
C.C., 58 anos e com o 9º ano de escolaridade, trabalhou na indústria de
componentes eléctricas e está desempregada, tal como o marido. Ambos auferem
subsídio de desemprego. A sua ocupação é marcada pela atenção ao horário da refeição
de almoço para o marido que se ausenta de casa (“se está bom vai à pesca”) e o filho,
bem como nos cuidados domésticos como assinala.
A minha hora de levantar normalmente é entre as 7 e as 8h. Tenho que ter o almoço
organizado para o meu marido que vai almoçar a casa. Embora também esteja
desempregado, gosta de ir ver o mar, se está bom para a pesca e lá anda nas voltas dele.
A manhã passa num instante. À tarde normalmente é para arrumar a casa, tratar da
roupa e pensar no jantar. O meu filho tem que levar almoço para o trabalho, o que é
uma preocupação estar constantemente a pensar no que vou fazer para a refeição.
Tirando isto vou às compras, à farmácia e é assim o meu dia.
S. é a mais velha, com 63 anos de idade. Natural de um país africano, tem a
terceira classe e foi empregada de limpeza num colégio durante quinze anos. Tem três
filhos em Luanda, dois deles desempregados. Vive com uma neta de 16 anos, está
desempregada há dois meses e recebe a prestação social de desemprego que irá
prosseguir pelo período de dois anos e meio. Espera transitar para a reforma logo que
possível. Refere, de forma muito sintética, o seu ciclo diário onde consta a prática
religiosa da missa, a regularidade de visita a familiares e alguma costura. Acorda mais
tarde do que quando trabalhava e passou a dispor de tempo para cuidar da saúde.
Com o desemprego tenho mais tempo para tratar da saúde. Vou ao médico, faço exames.
Quando se está empregado não há tempo para tratar da saúde e eu acordava muito
cedo, às cinco e meia da manhã, para ir trabalhar.
Por fim um caso merecedor de destaque é o de FL, 56 anos de idade,
desempregada há um mês e que aguarda o deferimento do subsídio de desemprego.
Residente em Lisboa, é economista e tem um curriculum muito diferenciado com
253
mestrado em Inglaterra, pós-graduações e experiência profissional diversificada e muito
relevante. Divorciada e com duas filhas, a mais nova frequenta a universidade e ainda
vive em sua casa. FL era assessora de uma estrutura de missão de projectos
comunitários e tinha um salário de três mil e oitocentos euros. Considera-se mulher
muito activa, demonstra grande dificuldade de adaptação ao desemprego e sente-se
perdida na ocupação do tempo, mas também frustrada com a falta de respostas para
trabalhar. O desemprego é, para ela, uma morte social.
Agora não sei o que fazer. No primeiro mês tive que tratar de muita coisa, estava muito
ocupada mas agora não sei o que fazer. Sou muito activa e trabalhava muito e gostava
do meu trabalho. Também não gosto de andar por aí a ver isto ou aquilo. Vou para a
net, envio propostas a anúncios ou candidaturas espontâneas mas não respondem. Já
nos consideram velhos com certeza. Do CE dizem que nos vão chamar para formação,
acho bem porque eu quero estar ocupada mas espero que seja para uma formação que
valha a pena. Não ter trabalho é horrível. É como se tivéssemos morrido.
VI.2. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO MASCULINO
Veja-se agora como os homens ocupam o tempo.
P.B., o mais jovem de 21 anos, é solteiro e vive com os pais, sendo a mãe
doméstica e o pai reformado. Tem o 12º ano completo com curso tecnológico
informático e curso de formação profissional em programação informática. Não procura
emprego e pretende candidatar-se ao ensino superior, passando muito tempo em casa
com a mãe e a sobrinha.
D., com 28 anos de idade, é separado, tem um filho criança e reside em casa dos
pais em Lisboa. Com o 9ºano de escolaridade, está desempregado há três semanas. O
desemprego desestruturou a organização do seu tempo. A aceleração e a fragmentação
temporal foram substituídas por um tempo contínuo e vagaroso com reduzida actividade
e um acordar mais tardio.
254
Para trabalhar no Pingo Doce eu levantava-me sempre às seis e meia da manhã. Agora
não preciso, não tenho compromissos. Levanto-me mais tarde, arranjo-me e depois a
minha mãe faz o almoço e comemos. Depois vou ao café e dou umas voltas. Às vezes vou
à advogada por causa de ver o meu filho e é assim e agora vou começar a procurar
emprego.
Outro jovem, P.C., 29 anos, é solteiro, reside em casa dos pais no Cacém e tem o
11ºano de escolaridade. Trabalhou como empregado de bar durante cinco anos, ficando
desempregado há quatro meses. Aufere subsídio de desemprego desde há três meses
com direito a 360 dias. Dado à vida nocturna, manteve o mesmo ritmo de sono de
quando trabalhava à noite como empregado de bar. O hábito de trabalho nocturno foi
substituído pelo consumo na frequência de cafés, bares e discotecas, em saídas com os
amigos durante a noite. O seu tempo é também orientado para os amigos na frequência
de espaços públicos durante o dia, café e centro comercial ou na realização de
actividades de lazer, como pesca ou idas à praia, ver T.V. e leitura. Não faz qualquer
referência à procura activa de emprego.
P.A. (37 anos e 11º ano de escolaridade) exerceu como técnico de operações de
telecomunicações. O último trabalho durou dois anos numa empresa de antenas
parabólicas e aufere subsídio de desemprego. Já teve um negócio por conta própria,
conseguindo montar uma oficina com um colega. Esta actividade gorou-se por
desentendimento. A propósito da procura de emprego assinala, com sentido de humor,
que “nas entrevistas já me consideram velho”. Casado, sem filhos, passa grande parte do
dia fora de casa, participa nos escuteiros e descreve do seguinte modo a ocupação do
tempo sem demonstrar preocupações em relação a qualquer escala temporal.
Ler jornais e ir a entrevistas de emprego (quando as há); passear; encontrar amigos e ex
colegas; actividades com os escuteiros. Como não tenho filhos cuido dos filhos dos
outros mas é giro. Navegar na internet em sites técnicos de electrónica e computadores e
de empregos. É onde encontro anúncios e consigo ir a entrevistas para me dizerem que já
sou velho e eu me rir um bocado. Tarefas domésticas , como aspirar. Dormir. Ler.
C.V. tem o 8º ano incompleto e 35 anos. De nacionalidade portuguesa, tem
vivido sempre com os pais, cabo-verdianos. O pai está reformado e era subempreiteiro;
255
a mãe é doméstica mas no período balnear dedica-se a vender bolas de Berlim e gelados
na praia. C.V. está ansioso por conseguir emprego. Frequenta o CE com a regularidade
de duas vezes por semana para ver as ofertas de emprego e “vai aqui e ali” procurar
emprego.
N. (38 anos, 9º ano de escolaridade, casado e técnico de vendas) está
desempregado há um mês e acredita que vai conseguir um novo emprego em breve. A
sua lista temporal é orientada para o exterior da casa e para o mercado de trabalho de
manhã e de tarde.
Noutros casos, raros, indivíduos mais escolarizados, conseguem ocupar parte do
tempo com trabalhos para os quais obtêm remuneração complementar ao subsídio de
desemprego, como acontece com J.L. de 43 anos, engenheiro mecânico que vive em
união de facto, não tem filhos, e ocupa parte do tempo com explicações. Acresce que
não desiste de procurar emprego diariamente.
Levanto-me pelas 8h, depois do pequeno almoço compro o jornal, vejo os sites de
emprego da internet até à hora de almoço. Na internet não aparecem muitos empregos
na minha área. É mais nos jornais. Faço o almoço, almoço e vou ao café. Da parte da
tarde dou explicações de matemática até sensivelmente às 20h. Depois de jantar
encontro-me com alguns amigos. Deito-me por volta da meia-noite.
É também o caso de A.G. de 48 anos, licenciado em Comunicação Social e
fotógrafo jornalista. Com experiência de 23 anos num grande jornal e desempregado há
dois anos, está a receber subsídio de desemprego. O acompanhamento deste caso desde
o início180 da situação de desemprego permitiu constatar as mudanças que podem
ocorrer na ocupação e organização do quadro temporal e de actividades das pessoas
desempregadas. Na primeira fase (1 semana) A.G. “não fazia nada a não ser ver alguns
e-mails”, também “dormia até mais tarde” e foi “ao médico do centro de saúde”, pois
aquando do despedimento teve uma subida de tensão arterial e deu entrada em urgências
do hospital. Durante o primeiro mês, passou a levar os dois filhos (sete e nove anos) à
180 Com follow ups em diferentes períodos temporais após o desemprego: 1 semana, 1 mês, 3 meses, 6 meses, 8 meses, 1 ano, 2 anos, 3 e 4 anos.
256
escola em substituição da mulher e, permanecendo muito tempo em casa, começou a
procurar emprego e a fazer um blog. O computador em casa é o substituto da actividade
profissional, utilidade que distrai a apatia vivida. Aos 3 meses refere, ocupar mais
tempo com os filhos mas não se sente gratificado; pelo contrário, o estatuto de marido e
de pai parece ter-se ressentido, pelo menos, na sua percepção pessoal, do facto de estar
desempregado. Também persiste na procura de emprego e consegue uma pequena
colaboração. Ao longo do tempo do desemprego, os filhos, quando crianças, continuam
a ser referências importantes no uso do tempo e no cumprimento de horários. Aos seis
meses de desemprego comenta:
Agora sou sempre eu que vou levar e buscar os miúdos e tenho ficado algum tempo no
centro de ATL para onde eles vão que é de uma pessoa amiga. Ela já me pediu algumas
vezes para eu tomar conta daquilo quando ela se ausenta. Já o fiz algumas vezes mas eu
não tenho jeito para miúdos, deixo-os fazer tudo e depois tenho de me zangar.
Gradualmente aumenta a sua actividade, como se verá a propósito do trabalho
informal.
No prosseguimento da análise da ocupação do tempo pelo género masculino,
convém referir que as actividades podem não ser remuneradas e contudo contribuir de
forma significativa para a economia doméstica. É o que acontece com A.M. de 47 anos,
casado, residente em Sintra, 7º ano unificado, chefe de oficina de automóveis e
desempregado há ano e meio, com subsídio por mais um ano. Ocupa grande parte do
tempo a cuidar da sua moradia e tem vindo a construir uma casa num terreno perto da
sua, para o filho que vai casar dentro de meses. Também prepara o seu almoço e
mantém alguma actividade mecânica. Não esquece o espaço convivial com os amigos
no café e não refere qualquer procura de emprego, mas assinala o estigma da idade.
Outro homem que desistiu de procurar emprego face aos insucessos devido à
idade é J.J., de 44 anos. Tem o curso industrial e gostaria de frequentar a Universidade.
Autodidacta, tem muitos interesses culturais e competências raras no desenho, que
nunca tentou explorar profissionalmente. Foi chefe de produção numa empresa e recebe
subsídio de desemprego há catorze meses. Apesar de referir o interesse em iniciar
actividade por conta própria, da sua lista de ocupações diárias não consta qualquer
257
iniciativa nesse sentido. Divorciado, vive com o pai e a filha de treze anos. Afirma ter
mudado bastante a organização do seu dia com a experiência do desemprego e assinala
que passou a valorizar as tarefas domésticas, actividades habituais das mulheres. Deste
conjunto de homens é um dos que passa mais tempo em casa, onde realiza diversas
actividades, nomeadamente artísticas.
O início do dia nesta fase da minha vida sofreu uma grande transformação. Começo por
ir às compras e fazer comida para mim, minha filha e meu pai. Estou a dar um valor
maior às lides caseiras porque são repetitivas e pouco criativas. Leio livros, pinto
quadros a óleo e procuro novas actividades e temas para aprofundar. Vejo televisão e
ajudo a minha filha nos trabalhos da escola. No final do dia o sono não surge por vezes
e a leitura ajuda a passar o tempo.
O caso de J.J. não é excepção. Outros, também cozinham desde que ficaram
desempregados. É também frequente, para os que têm filhos em idade escolar, o apoio
às deslocações entre casa e escola e o apoio nos trabalhos escolares, sobretudo quando
as mães também trabalham. Assim nos refere A.I., 43 anos, com o 9º ano de
escolaridade, empregado de mesa e desempregado há oito meses a receber subsídio, mas
também D.S., 45 anos, 4ª classe, talhante de profissão, desempregado com subsídio,
bem como A.R., operário fabril com 42 anos, desempregado com subsídio, ou ainda
P.F., engenheiro de 45 anos, casado e com dois filhos, que pretende avançar com a
criação do próprio emprego, tendo já submetido o projecto a aprovação do IEFP. Todos
eles preparam os pequenos-almoços e almoços dos filhos, acompanham os filhos entre
casa e escola e ajudam nos trabalhos escolares. O convívio do casal e ver T.V. são
actividades nocturnas que se mantém no desemprego.
Matinal, A.R. descreve a sua ocupação diária desde as 6.30h e, onde, para além
do apoio às filhas, consta ir buscar a mulher ao trabalho, fazer compras, ver T.V. e jogar
às cartas.
A partir dos 48 anos surgem, com alguma frequência, relatos de apoio a netos
nas viagens para o infantário, mas também idas à pesca, como assinala B.C., residente
em Cascais, 9º ano, serralheiro, desempregado há dez meses que aufere subsídio de
desemprego e não tem tido qualquer oportunidade de emprego.
258
São poucos os homens com mais de 50 anos que persistem na procura de
emprego, mas alguns, como C.M., não desistem. Tem 52 anos, o 6º ano de escolaridade,
reside em Lisboa, era encarregado de construção civil e o seu último trabalho durou 13
anos. Aufere subsídio de desemprego há quatro meses e irá receber por mais trinta
meses, caso não consiga emprego. De manhã: ajuda na arrumação da casa e procura de
emprego. De tarde: ocupação indefinida.
V.S., solteiro com 50 anos de idade, vive com a filha de 25 anos que
trabalha. Serralheiro e desempregado há apenas 2 meses, a auferir subsídio de
desemprego, assinala visivelmente a dificuldade pessoal na gestão e ocupação do tempo
no desemprego.
Eu não posso estar sem fazer nada. A pessoa vai aonde? Levanta-se, vai ao café, dá uma
volta …isso não é para mim. Sempre fui muito activo.
Além disso, como se viu anteriormente, certos homens levam as mulheres ao
trabalho e de regresso a casa. Alguns já o faziam quando trabalhavam, outros passaram
a fazê-lo depois de desempregados. É um apoio familiar e mais uma actividade que os
obriga a sair de casa e a ter horários. No grupo dos maiores de 55 anos, residentes na
zona rural de Sintra, há ainda uma ocupação descrita como gratificante nos trabalhos da
terra ou com os animais. Disso nos dá conta D.A. de 55 anos, com a 4ª classe, operador
de máquinas de cartão canelado e desempregado há dois anos, com direito a subsídio de
desemprego durante mais um ano. Acresce que o café ressurge em várias descrições
como o local de encontro dos homens, desempregados ou não. Domina a percepção de
não conseguir um novo emprego para si; fado comum a outros amigos.
Os meus tempos livres são ocupados em minha casa, a tratar do quintal, dos meus
passarinhos, das plantas, etc. E também ir levar e buscar a esposa ao serviço (trabalha
na base aérea na cozinha).Tudo o que faço é com gosto, com prazer. Depois também vou
até ao café falar com os amigos. Há uns da minha idade, outros mais novos, outros mais
velhos na mesma situação de desemprego que eu. Não se arranja nada.
259
São raros os desempregados que se dedicam a actividades de voluntariado, mas é
o caso de C.L., 52 anos de idade e natural de Viseu. Veio viver para Lisboa com os pais
aos 3 anos e praticamente toda a família já faleceu. Tem um segundo casamento há
dezassete anos e a mulher é professora. O filho é adulto e independente. CL cursou
Direito, concluindo a licenciatura a um ritmo lento. Passou a exercer como solicitador.
Considera-se muito activo e não gosta de estar parado, nem em casa. Não refere
qualquer participação nas actividades domésticas. Mantém hábitos de ocupação do
tempo livre que já tinha quando trabalhava, tais como, ir ao café, onde frequenta, há
mais de vinte anos um grupo, e encontra-se diariamente com um amigo. Além disso, é
voluntário num hospital; dá apoio a doentes com SIDA e doentes terminais, em
sequência da doença de um amigo.
Alguns não esquecem a actividade física ou desportiva como ocupação de parte
do tempo livre; é o caso de J.H. de 57 anos, com a 4ª classe, que trabalhou como
encarregado de tratamento de superfícies. Essa actividade matutina combina-se com
outras como, a leitura de jornais desportivos e de informação geral, enquanto de tarde
vai buscar o neto ao infantário e cuida de uma pequena horta; à noite vê o telejornal.
Todas estas actividades já faziam parte da sua vida quando trabalhava, excepto o cuidar
do neto. Não conta regressar ao mercado de trabalho e espera conseguir a reforma
quando findar o subsídio de desemprego. A sua mulher, também desempregada, tem as
mesmas expectativas de passagem à reforma e ocupa-se sobretudo com actividades
domésticas, nomeadamente com as refeições, o neto e faz crochet.
Veja-se a posição de um homem de 58 anos, com a 4ª classe, natural de e
residente em Sintra, operário fabril, desempregado há um ano. Para ele a sua maior
característica é ser trabalhador, por isso tem muito com que se entreter. O seu vínculo
ao mundo rural é evidente na ocupação do tempo no desemprego, e fonte de rendimento
para a economia doméstica.
Gosto muito do contacto com o campo e vou para as serras tirar o mel, chego a carregar
caixas de sessenta quilos de mel e depois vendo em Sintra.
260
Uma das listas mais pormenorizadas e preenchidas de acções diárias é a de G.J.,
de 57 anos de idade. Com o 7º ano liceal antigo, foi empregado de comércio. A mulher
ainda trabalha; descreve pormenorizadamente um dia tipo de que fazem parte muitas
actividades domésticas e reparações em casa, ao contrário da maioria dos participantes,
acrescido da confecção de refeições. Trata dos animais e das plantas. Além disso, dá
apoio regular à família, sogra e duas irmãs solteiras idosas e tenta recuperar casas
antigas numa aldeia da Beira Baixa. A este homem não falta certamente trabalho não
remunerado, que reverte em favor da economia doméstica. Desempregado há 3 meses,
espera passar do desemprego à reforma e, assim, mudar do estatuto social de
desempregado para o estatuto de reformado. Na sua lista, como em outras, a mensagem
subliminar que surge das listas temporais muito pormenorizadas parece afirmar o tempo
bastante ocupado de uma pessoa trabalhadora que se distingue do preguiçoso, mesmo
que o trabalho remunerado já não exista.
VI.3. DESEMPREGO E SOLIDARIEDADES FAMILIARES
A fé nas próprias capacidades, as oportunidades e capacidades de prevenção face
ao futuro e ao inesperado, a confiança nos outros e na reciprocidade dos gestos e o
crédito votado às instituições como instrumentos de protecção colectiva face ao
imponderável assumem-se como factores estruturantes no sucesso de estratégias de
resiliência individual e colectiva. Para ancorar tais estratégias, tornam-se indispensáveis
as redes de relações sociais. Por essa razão, as teorias do capital social, na enorme
diversidade de entendimento deste conceito, têm vindo a demonstrar a “força dos laços
fracos” e, sobretudo, o papel estrutural das redes de relações sociais na criação de
segurança e de coesão social, mas também de competitividade na sociedade moderna.
Granovetter (1973) introduziu novos conceitos de rede e classificou os laços sociais
existentes em fracos (weak ties), aqueles nos quais o investimento é menor ou nulo,
como, por exemplo, entre indivíduos participantes de um grupo ou associação, e fortes
(strong ties), nos quais os indivíduos despendem mais tempo, intensidade emocional e
trocas; por exemplo, com o círculo familiar e de amigos.
261
Mauss abordou o movimento de dádivas e retribuições (don e contre don) e, no
caso do desemprego, é legítimo perguntar se ocorrem trocas, como ocorrem e como são
identificadas pelos envolvidos. Para Attias-Donfut (1995) identificar a presença de uma
dádiva na relação exige operações mentais diversas que implicam abstrair da relação e
referenciá-la enquanto elemento distinto. Tal identificação ocorre mais facilmente
quando se trata de dádivas em rituais simbólicos (presentes de Natal ou de aniversário,
por exemplo) e valores financeiros. A sinalização pelos agentes envolvidos é mais
difícil quando se trata de trocas no âmbito da vida quotidiana, sobretudo se não são
materiais mas sob forma de prestação de serviços.
O reconhecimento de necessidades familiares e a disponibilidade são duas
condições básicas para concretização de dádivas sob várias formas. No ciclo de vida
familiar não está presente apenas a “lógica da necessidade” mas também a “lógica da
reciprocidade” e a “lógica da complementaridade” (Attias-Donfut, 1998).
O apoio social pode ser considerada de diferentes formas. Cobb (1976) aponta
três tipos de apoio: apoio emocional, apoio ao sentimento de auto-estima e apoio
derivado de um sentimento social de obrigações mútuas; Thoits (1982) distingue apoio
sócio-emocional (afecto, simpatia, aceitação e estima) do instrumental (conselho,
informação, ajuda económica, ajuda nas responsabilidades do trabalho e da família);
Warr e Jackson (1982) distinguem apoio económico de apoio emocional.
As trocas inter-geracionais permanecem uma realidade nas sociedades modernas
e pós-modernas que pode ser facilitada pela permanência de modelo de residência
familiar extensivo. No Sul da Europa e em Portugal tende a predominar um padrão
familiar em que os filhos saem tardiamente de casa dos pais. Além disso, a tradição na
“sociedade-providência” portuguesa parece combinar-se com dificuldades económicas e
favorecer um modelo de residência familiar de dependência extensiva com
“institucionalização” do modelo de família tradicional e apoios entre familiares.
Poinsard e Descamps (1935) notaram o carácter instável da família no Sul de
Portugal por relação à estabilidade da família no Norte (Minho), ligada à pequena
propriedade e à economia familiar.
Porém, solidariedades familiares e trocas entre pais, filhos e netos são várias e
têm importância também no desemprego, como se analisou na área da Grande Lisboa. A
262
análise do inquérito revela grande proximidade entre desempregados inquiridos e
familiares: quase 30% reside na mesma freguesia e cerca de 24% no mesmo concelho.
Tal vizinhança é mais marcada em Sintra e é, certamente, facilitadora de trocas
familiares como, aliás, referem os inquiridos quando 30% afirma receber ajudas. Os
desempregados recebem e dão. Os dados relativos à ocupação do tempo mostram que
muitos dos desempregados constituem apoio para a família com importância nas trocas
descendentes e ascendentes. Tais trocas não se caracterizam tanto pelo investimento de
capital, mas pelo investimento em afectos, tempo e trabalho. As trocas ocorrem segundo
relações de doação e relações de reciprocidade (Razeto in Tiriba, 2004).181
Em geral, as trocas ocorrem nos afectos, em ajuda doméstica e financeira, no
cuidar de crianças e em assistência na doença. Cuidar dos pais idosos é reciprocidade
afectiva e instrumental ainda presente em filhas educadas num contexto tradicional na
sociedade portuguesa e ocorre também entre mulheres desempregadas. As que não
conseguem regressar ao mercado de trabalho canalizam muito do seu tempo para trocas
inter-geracionais e constituem apoio familiar básico inscrito em uma linha de dádiva e
contra-dádiva matrilateral que envolve avós, filhas e netos.
É sobretudo no sentido descendente que se dão as transmissões económicas de
pais para filhos jovens ou de avós para netos. A situação varia quando os pais já idosos,
em lares ou em casa dos filhos, necessitam de apoio financeiro e do seu cuidado, apesar
de os filhos estarem desempregados. No caso de desemprego de pais mais idosos é
frequente estes, sobretudo mulheres, cuidarem dos netos e apoiarem os filhos nas
refeições. Quando a componente feminina da família está desempregada ocorre um
reforço da actividade doméstica mas as acções no contexto familiar também são
reforçadas ao nível da dádiva descendente e ascendente: preparar refeições para filhos já
casados ou que vão almoçar a casa, cuidar dos netos, ir buscar netos à escola, visitar
pais idosos e cuidar de pais e sogros co-residentes.
Embora menos frequentes e menos intensos, os dados indicam que parte dos
homens desempregados também se envolve na dádiva das famílias: na relação homem-
mulher conduzir a mulher para e do trabalho e ajudar a preparar refeições; na relação
181 Relações de doação (quando um dos sujeitos se assume como doador e outro como beneficiário, o que não implica um correspondente fluxo no sentido inverso); relações de reciprocidade (quando os bens fluem bilateralmente, sem acordo do intercâmbio), conforme Razeto in Tiriba, 2004.
263
pai-filhos conduzir os filhos à escola, ajudar nos trabalhos de casa, preparar o pequeno
almoço, construir a casa do filho, por exemplo; na relação avô-netos ir buscar os netos à
escola; mais raramente, na relação filhos-mães cuidar de mães idosas co-residentes.
Assim, o apoio familiar no âmbito da dádiva e trocas recíprocas nas famílias e
redes sociais são mecanismos micro sociais compensatórios com importância notória no
desemprego. Vejam-se alguns exemplos.
A. (43 anos, produtora cinematográfica executiva, sem subsídio, separada, 4
filhas) equaciona o apoio familiar tendo por referência a mãe.
Vivo com o apoio da minha mãe. Se a minha mãe não me ajudasse eu estaria a viver
debaixo da ponte e a passar fome com as minhas filhas. A minha mãe tem 81 anos e vem
todos os dias do castelo até à minha casa para ver se está tudo bem. Agora já sofre de
saúde e tem muitas despesas e quero fazer o possível por aliviar-lhe as despesas. Ela
agora foi passar uns tempos à quinta a Torres Novas mas liga todos os dias para saber
se está tudo bem.
R. (39 anos, 12º ano de escolaridade, casado, uma filha, desempregado há cinco
meses) assinala a importância do apoio familiar para a sua jovem família:
Claro que posso contar com a ajuda dos meus pais e dos meus sogros e os padrinhos
também dão uma ajuda para a bebé. Vivemos perto dos meus sogros e há sempre alguma
ajuda a tomar conta da menina e na nossa alimentação, muitas vezes vamos comer à
casa dos meus sogros ou à dos meus pais, eles sabem que eu estou desempregado e
preocupam-se.
Mais raramente, também ocorre a dádiva entre irmãos. J. (54 anos, 4ª classe,
indústria hoteleira), vive só num apartamento que comprou há anos com empréstimo
bancário mas que só consegue pagar com ajuda da irmã. Contudo, o desemprego de um
elemento da família e a necessidade de receber apoio financeiro pode provocar
desequilíbrios e até conflitos familiares.
264
A minha irmã empresta-me dinheiro, que é como quem diz dá, porque se calhar não
tenho hipótese de lho pagar. Mas já teve problemas com o marido. Para me ajudar a
mim tem problemas com o marido. Se as coisas se complicarem talvez tenha que entregar
a casa ao banco.
J.C. (28 anos, desempregado há 3 meses, sem subsídio de desemprego) vive em
união de facto com a companheira também desempregada e a filha em casa alugada. O
casal conta com apoio financeiro dos pais de ambos e deste modo conseguem
sobreviver.
Se não fosse a família não sei como seria, eu estou desempregado e ela também. Temos
ajudas dos meus pais que vivem perto e dos pais dela que estão na Suíça.
Contrariamente, quando falham todos os apoios familiares torna-se necessário
recorrer a apoios estatais. É o caso de S. (34 anos, 12º ano de escolaridade, viúva com
filha de seis meses, natural da Guarda), desempregada há três meses sem subsídio. Sem
suporte familiar e sem emprego, vê-se na contingência de solicitar apoio da
Misericórdia para a creche da filha e no acesso a bens essenciais, bem como RSI, o que
refere, não gostaria de fazer.
R. (30 anos de idade, 8º ano de escolaridade, casado com três filhas), tem a
mulher desempregada e vivem em casa alugada. Nos últimos meses o casal tem
sobrevivido e pago as despesas da casa com o apoio da mãe de R. que, todavia, não
pode continuar a suportar as despesas, pelo que a solução é o realojamento em família
alargada em casa da mãe.
A.R. (35 anos, solteiro, sem filhos, desempregado há 10 anos) vive com a mãe
de 74 anos que sofre de problemas de foro psiquiátrico e a quem presta todos os
cuidados.
Sandra (31 anos, reside com o companheiro desempregado e dois filhos),
desempregada há dois anos, sem subsídio, aufere RSI. Este caso constitui outro bom
exemplo do papel das redes familiares como suporte social e apoio socioeconómico.
265
Se não fosse a ajuda dos meus pais não sei como seria. Já tínhamos entregue a casa. Mas
a minha mãe ajuda-me muito. E a minha avó que já morreu também me dava muito.
Quando a minha avó morreu a minha mãe vendeu uma casa na terra e do que recebeu
deu logo quinhentos euros a cada filha. Está sempre a ajudar. Custa-me pedir mas ainda
agora vai ter que ser pois chegou uma carta de corte de luz. A minha mãe não dá
dinheiro, por exemplo para um café, se queremos, fazemos em casa, mas não quer que
nos falte nada. Vamos ao hipermercado e ela paga as despesas das compras do mês,
paga a prestação da casa, água, gás e luz.
VII. ESTRATÉGIAS DE PROCURA DE EMPREGO E DE SATISFAÇÃO
PESSOAL – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA
“Quanto mais avanço na estrada da vida
mais necessário considero o trabalho. ”
P. Corneille
VII.1. PROCURAR EMPREGO
Quanto à procura efectiva de emprego, é possível distinguir dois tipos de
procura: uns orientam a procura para determinados empregos (procura profissional
selectiva); outros fazem-no de forma indiferenciada e em todas as direcções. Os que
tendem a seleccionar empregos específicos pretendem ver reconhecidas algumas
capacidades e qualificações, que consideram susceptíveis de ser valorizadas no mercado
de trabalho. Pode admitir-se que a aposta em determinadas características e/ou
qualificações para orientar a procura de emprego revela uma certa confiança nas
próprias capacidades. Ao invés, a procura pouco selectiva, orientada em várias
direcções, parece ocorrer com indivíduos menos apetrechados em capitais profissionais
susceptíveis de serem valorizados no mercado de trabalho ou desesperados por
conseguir emprego. Um dos aspectos importantes quanto às atitudes perante o emprego
é, então, a flexibilidade dos sujeitos no tipo de emprego que estão dispostos a aceitar.
Parece provável que um alto nível de inflexibilidade na escolha de emprego se tornará
factor prejudicial e prolongará o desemprego.
266
No desemprego acontece, normalmente, uma procura activa de trabalho que
funciona como actividade de estruturação do tempo e submissão a uma rotina; constitui
também a legitimação de conduta social reconhecida pelo Estado e pela família. Para a
estruturação do tempo concorrem outras actividades, nomeadamente a nível familiar.
Curiosamente, esse tempo que é de trabalho, vazio para muitos porque não reconhecido
e menos pressionado por comparação com ritmos intensos de quem tem emprego, pode
ganhar uma dimensão de movimento. Veja-se também capítulo VI.
Às vezes tenho a sensação de que não fiz nada e de que o tempo não passa mas quando
olho para trás fico admirado e até assustado porque já se passou um ano. Assustado com
medo de não conseguir mudar a minha situação.
No caso dos trabalhadores de uma multinacional automóvel, a análise de
algumas entrevistas a 20 trabalhadores até aos 50 anos mostrou, primeiro, que o choque
emocional ocorre durante o período de trabalho e que a informação prévia de
encerramento abre espaço à procura activa de emprego. Procurar emprego é também
sentir-se activo e atribuir-se valor por tentar.
Esta semana enviei 50 currículos. Já sei que não vou receber quase nenhuma resposta
porque em Portugal não há o hábito de as empresas responderem. Mas sempre fiz alguma
coisa e tentei.
Todavia, uma minoria muito reduzida, com projectos alternativos como
prosseguir formação (exemplos: E., 28 anos, engenheira desempregada de empresa
multinacional e Luísa, 26 anos, 9º ano e empregada fabril), criar o próprio emprego ou
dar prioridade à maternidade, não se dedica à procura de emprego, excepto em
cumprimento das exigências legais a que o subsídio obriga. Alguns mais escolarizados e
sem dificuldades financeiras, que viveram o desemprego como choque depois de vidas
profissionais muito exigentes e ocupadas, procuram inicialmente emprego sem grande
empenhamento e permitem-se inverter a negatividade convocando a ideia de férias.
Ao contrário do que é por vezes sugerido, os desempregados procuram emprego
intensamente. Foi essa a realidade encontrada no conjunto de entrevistados, embora tal
267
actividade sofra quebra a partir dos 50 anos. Em geral, a procura de emprego é orientada
para a área profissional de experiência anterior. Face à não obtenção de emprego a
tendência é flexibilizar a procura em termos de qualificações e alargar, assim, a procura
em áreas profissionais. As expectativas salariais também diminuem e pondera-se aceitar
salários mais baixos. O mais difícil, sobretudo para as mulheres, é o problema
geográfico na procura de emprego. A procura repetida e inconsequente de emprego,
nomeadamente quando há filhos, pode levar ao desespero (mesmo com subsídio) ou à
desistência de procurar. Vejam-se alguns depoimentos.
Vou todas as semanas ao CE procurar emprego mas já estou desesperado porque não
consigo nada. Não perco tempo e vou logo contactar mas quando telefono ou vou às
empresas dizem que já não precisam.
(António, 34 anos, 11º ano de escolaridade, casado e com filhos, técnico comercial, desempregado há
3 meses, subsidiado).
Procurar emprego está a ser uma frustração. Está pior do que há alguns anos em que era
mais fácil encontrar. Ao princípio só procurava na minha área, agora procuro em tudo,
quero qualquer coisa, só que também não há; em cada área que se procura pedem
experiência e assim não dá.
(Álvaro, 40 anos, 12º ano de escolaridade, técnico de seguros, desempregado há 11 meses, subsidiado).
Eu não quero viver de subsídios, quero trabalhar mas está a ser difícil. Vai-se à procura e
nada. Já corri os hotéis todos de Lisboa e nada; até nem querem pôr carimbos para o CE.
O último emprego que tive até foi pelo CE, fui lá e gostaram de mim mas antes de fazer 3
anos despediram-me a mim e aos outros para não se ficar efectivo.”
(Adriano, 38 anos, frequência universitária, recepcionista de hotel, desempregado há 5 meses,
subsidiado).
Tenho ido várias vezes ao CE e respondo a empregos sem ser na minha área mas não
consigo nada; gasto dinheiro a ir aqui e ali levar as apresentações às empresas que me
dão no CE e nada, dizem que já estão preenchidas. Às vezes é no dia a seguir à entrada da
oferta. Não dá para perceber. É uma frustração e fico revoltada e desesperada. Gostava
que me explicassem o que se passa.
(Maria, 46 anos, engenheira química, desempregada há 17 meses, não subsidiada).
268
Ana iniciou a procura activa de emprego logo que ficou desempregada.
“Eu comecei logo a procurar emprego. Imprimo o currículo e vou às farmácias, faço isso
a várias por dia. O CE só exige três tentativas de procura de emprego por mês mas eu
faço só isso num dia. Espero que no Verão já esteja empregada, acho que sim, apesar de
ver que ainda não tive nenhuma resposta.”
(Ana, 38 anos, técnica de farmácia, casada e sem filhos, desempregada há 20 dias).
Ana faz parte da população trabalhadora realizada com a actividade profissional,
tendo perdido o emprego inesperadamente. Começou a fazer diligências para emprego
de forma intensa, personalizada e esperançosa, logo após o despedimento. Caso
conseguisse emprego não iria requerer subsídio, como fez 20 dias depois. Espera ser
colocada na sua área profissional, embora ainda não tenha obtido respostas à sua
candidatura. A esperança é a última a morrer e Ana não baixa os braços mas insiste em
tentar novo emprego, superando em muito as exigências do CE na procura activa de
emprego. Prefere personalizar o contacto na procura, (tal como fez anteriormente
quando mudou de empregos), a enviar o currículo formalmente e à distância. A
consciência da necessidade de enfrentar as contas por pagar ou a circunstância do
prolongamento do desemprego fá-la considerar a possibilidade de alargar o campo de
busca de emprego. Olhando para a sua situação profissional e familiar, pondera que a
ausência de filhos é circunstância benéfica num contexto de desemprego e não pretende
engravidar nesta fase da vida.
M. (43 anos, natural de Minas Gerais no Brasil) é caso de grande fragilidade no
acesso ao mercado de trabalho. Às fracas qualificações profissionais e baixas
habilitações escolares juntam-se idade e depressão como factores de vulnerabilidade
intrínsecos que se cruzam com factores de vulnerabilidade extrínsecos, como
generalização do desemprego e falta de oportunidades. A dificuldade de reinserção
profissional leva-a a equacionar o regresso ao Brasil. Não fossem tais limitações e
escolheria permanecer em Portugal. A sua vida no Brasil e em Portugal tem a marca da
dedicação ao trabalho. M. não rompe o círculo vicioso entre baixas qualificações e
ausência de trabalho e também não consegue aceder a qualquer trabalho informal.
269
Prisioneira da depressão, sente-se limitada em termos cognitivos para fazer
aprendizagens e por isso não se disponibiliza para aumentar a escolaridade e ingressar
num Centro Novas Oportunidades, por exemplo.
Neste contexto, as opções de saída do desemprego afiguram-se muito limitadas.
Simultaneamente, o apoio financeiro do Estado social sob a forma de subsídio de
desemprego desempenham papel fundamental na sobrevivência, enquanto o subsídio se
mantiver.
M.R. (52 anos de idade, 4ª classe) é mais um “homem de trabalho” com saber de
experiência feito. Encarregado geral de uma fábrica onde trabalhou 29 anos, não
consegue emprego e, com 3 filhos, refere necessidades financeiras. Não desistiu de
fazer contactos na procura de emprego mas não encontra oportunidades.
O subsídio de desemprego é pequeno para a minha situação e felizmente que o mais velho
já trabalha mas ainda tenho os dois mais novos a crescer. Veio a miúda já com dez anos
de diferença do irmão e depois o miúdo que agora tem dez. É difícil. Vou tirando de
algumas reservas que tenho mas de onde se tira não cresce. E ainda agora estive a ver ali
e não querem ninguém com cinquenta anos ou mais. O que é que uma pessoa vai fazer?
Ainda por cima só tenho a 4ª classe. No jornal vejo os anúncios mas não vejo nada para
mim. Procuro bastante. Sou um homem de trabalho. Atirava-me a trabalhar e dava conta
do recado. Por três vezes voltei à fábrica de sabão e sabonetes, estive lá vinte e nove anos.
Fui subindo sempre. Fiz a escala toda de operário até encarregado geral. Não precisava
de fazer contas para calcular as toneladas necessárias de matéria-prima. E não errava.
Diziam-me: ‘Você tem as quantidades certas na cabeça’. Com a prática sabia sempre se o
sabão estava com a qualidade certa.
A entrevista seguinte evidencia como a total falta de trabalho remunerado e
estável associada a um passado de toxicodependência conduz à perda de autonomia, de
onde decorre a incapacidade para cumprir obrigações familiares e legais. Trata-se de um
processo de empobrecimento e desqualificação social agravado por não se reunirem as
condições legais para acesso ao subsídio. É o acesso à reduzida prestação do RSI que
permite manter, com um mínimo de apoio, aqueles que, sem emprego e vulneráveis, se
encontram nas fronteiras da integração social.
270
J.E. (do Baixo Alentejo, 45 anos, 9º ano de escolaridade), encontra-se
desempregado há onze meses, aufere RSI e reside num abrigo.
O seu discurso centra-se no trabalho ausente: procura inglória e falta de emprego são
temas.
Eu procuro mas não encontro. Da última vez uma doutora do Centro mandou-me ir a
uma entrevista. Era para jardineiro. Depois o senhor disse para eu ligar passados dois
ou três dias, eu liguei e ele disse-me que tinha preferido uma pessoa da zona, ali de
Sacavém. Então eu vim dizer ao Centro que não tinha ficado para eles saberem. Não
quero que me cortem o rendimento de inserção porque não tenho mais nada.
Nos casos RSI, a procura de emprego tem um ritmo mensal ligado ao pagamento
da prestação pela Segurança Social, uma vez que o dinheiro é referido como crucial
para a acção. Assim, a intensidade na procura de emprego tende a ocorrer após receber a
prestação mensal e a diminuir ou desaparecer quando o dinheiro se esgota.
Eu posso procurar trabalho depois de receber. Agora recebemos aí a vinte e quatro ou
vinte cinco. Aí eu compro o jornal e vejo o que há. Faço telefonemas para os sítios ou
compro bilhetes e vou lá falar ou às entrevistas. Mas quando se acaba o dinheiro não
posso ir. Só o passe são vinte euros. Ainda no outro dia apanhei uma multa no autocarro
de quase cem euros para ir a uma empresa. Vir ao CE também é melhor depois de
receber, disse há bocado à doutora, mas quando me chamam venho sempre.
R., 39 anos, 12º ano de escolaridade, casado, uma filha, desempregado há cinco
meses. Considera que tinha um salário “relativamente bom” que lhe permite subsídio de
desemprego à volta dos 800 euros durante quase três anos. Todavia, rejeita a
inactividade e afirma querer trabalhar. Apesar de ponderar a hipótese de procurar
emprego fora da sua área profissional, o seu discurso é de alguma ambiguidade quanto a
aceitar emprego com remuneração muito abaixo do valor que recebe de subsídio:
271
Os salários andam muito baixos e sei que é difícil que me paguem aquilo que eu estava a
ganhar mas também pagarem só 500 euros ou ainda menos que é o salário mínimo é muito
mau e nada garante que se fique lá a trabalhar, pois os trabalhos são muito precários.
Não é só pela comparação com o que se recebe, é sobretudo para fazer face às despesas e
agora com a minha filha é pior.
Outro caso, H. (30 anos, solteira sem filhos e bacharel em turismo), procura
emprego intensamente. Começou por trabalhar na área administrativa durante 6 meses.
Depois, esteve 4 anos como “transferista” e hospedeira de congressos e foi “bus
assistant” numa agência de viagens. Transitou por várias actividades sem viver a
experiência de desemprego. Todavia, já se inscrevera num outro CE há anos, após
terminar a formação. Esta foi a primeira vez que ficou desempregada. Era efectiva e
recebeu uma parca indemnização. Pretende aproveitar o tempo no desemprego para
aprender alemão e continuar a procurar emprego activamente. Equaciona mudar para
outro País, caso não encontre emprego em Portugal. Encara tal possibilidade com muito
realismo.
Eu não paro de mandar currículos e de responder a concursos nos sites mas até agora
nada. E sabe uma coisa, não respondem, uma pessoa até se sente mal. É surreal! Tem
piada, sem ter piada nenhuma, que os poucos que me respondem são os das candidaturas
espontâneas. Pelo menos sempre dizem que receberam a candidatura, que de momento
não têm vagas mas que vão arquivar o cv e que depois contactam em caso de necessidade.
Eu mando por semana aí umas vinte candidaturas mas no CE só exigem três procuras de
emprego por mês. Por enquanto ainda estou só a procurar na minha área que é onde
tenho formação e experiência mas se isto se complicar mais começo a mandar currículos
para outras áreas. Há tanta gente desempregada e uma pessoa vê quando vem ao CE.
Quando se está empregado não se tem tanta noção disso. É surreal! A minha chefe
também saiu e foi para a companhia angolana e parece que precisam de mais alguém.
Então ela já me disse que está interessada em mim pois já conheço as aplicações e tenho
experiência no ramo e ela sabe como eu trabalho. Eu para além do português falo bem o
inglês, francês e espanhol mas queria aprender o alemão pois sei muito pouco. Se o CE
tiver formação em línguas e me puder encaminhar tanto melhor pois evito gastar dinheiro.
Quero mesmo aproveitar este intervalo para isso, sempre aprendo e pode-me ser útil para
o trabalho. Também concorri para uma companhia do Médio Oriente que vai abrir um
balcão em Lisboa e ficaram de me dizer alguma coisa nas próximas semanas. Se não
272
surgir nada no espaço de seis meses estou a pensar emigrar, pois aqui não dá para ficar
sem emprego e sem perspectivas. Como não tenho marido nem filhos arrisco e vou ainda
não sei para aonde. Talvez a Alemanha fosse boa hipótese mas teria que aprender bem o
alemão e só tenho umas luzes, por isso também é bom aprender mais.
No relato de H. identificam-se várias ideias centrais no âmbito da procura
intensiva de emprego:
• falta de resposta das empresas às candidaturas, provocando mal-estar no
desempregado;
• procura de emprego começa na área onde se tem competências para se alargar a outras
áreas, caso não seja obtido emprego;
• importância dos contactos profissionais anteriores para um novo emprego;
• motivação para formação em línguas através do CE;
• disponibilidade para emigrar, pois não tem compromissos familiares.
Hugo (29 anos, 9º ano de escolaridade, desempregado há uma semana) reside em
quarto alugado com um amigo. Com experiência diversa foi cozinheiro durante três
anos num Hotel em Lisboa e afirma ter sido despedido para a empresa não o passar a
efectivo. Agora, pretende procurar emprego e fazer curso de cozinha para melhorar as
competências, pois enquanto trabalhava não conseguiu frequentar formação.
Eu já tinha trabalhado ano e meio como ajudante de cozinha e fui também empregado de
balcão e tinha estado mais quatro anos num posto de carburantes. Mas prefiro a cozinha.
Eu aprendi sempre tudo o que sei a trabalhar mas gostava de aprender mais e tirar a
carteira profissional. Os meus colegas tiraram o curso através da Escola de Hotelaria do
Estoril e eu também queria mas o horário não dava. Eu entrava às seis horas, depois saía
às três da tarde com almoço. Para ir para o curso era longe e eu não tenho carro, então
não fui. Quero aproveitar agora para fazer isso. Já fui à Pontinha para saber e agora
fiquei também inscrito no CE para um curso de cozinha. É chato estar desempregado e
estar em casa mas agora é assim. Mas eu vou procurar trabalho.
273
J., 54 anos, 4ª classe, trabalhou em hotéis de 5 estrelas. Faz parte dos
desempregados de meia-idade confrontados, em termos de reingresso no mercado de
trabalho, com idade e baixa escolaridade. Como outros desempregados entrevistados,
tem consciência da idade como factor de exclusão no acesso ao mercado de trabalho (o
que é assinalado também por sociólogos, a propósito da diminuição do número de
colocações com o aumento da idade, Centeno et al., 2001). Idade e redução de
empregos combinam-se para limitar a reentrada no mercado de trabalho dos mais
idosos. Em J., a baixa escolaridade é compensada por competências feitas de anos de
experiência e formação associada.
Dantes nem precisava de procurar. Agora é difícil. O meu problema é a idade para
trabalhar. Ainda sou novo para a reforma mas sou velho para me aceitarem a trabalhar.
Isso é que chateia! Já me disseram isso ao telefone e sei que directamente na cara não
dizem por uma questão de educação. Eles não precisam de um indivíduo agora.
Antigamente sim, pediam muitos profissionais, agora reduzem pessoal e alguns até fecham.
Agora querem gente até aos trinta anos e parece que não lhes interessa que saibam. Não é
fácil. Parece que quando uma pessoa diz que sabe da profissão ainda é pior. É diferente de
antigamente em que era importante saber. Também acho que talvez seja mais fácil para
eles dar ordens a miúdos. Mas o que é facto é que precisamos todos de trabalhar.
Consciente da necessidade de actualização profissional, refere as suas limitações
em termos informáticos e o interesse em formação nesta área, uma vez que ainda
mantém a esperança de novo emprego.
Outro desempregado, José (35 anos, licenciado, casado, 2 filhos) esteve
desempregado três vezes nos últimos três anos. Embora de aparência calma, revela
ansiedade para conseguir estabilidade profissional, tendo em conta os diversos trabalhos
já realizados (ensino e call-centres).
Eu gostava mesmo era de conseguir estabilizar em qualquer área, isto assim é complicado.
Eu já estive aqui e acolá e queria mesmo era estabilizar.
274
O caso de J.C. (28 anos, em união de facto, companheira desempregada, uma
filha, desempregado há 3 meses, subsídio de desemprego) exemplifica a diversidade de
experiências de trabalho e situação de vida instável de adultos jovens.
Já trabalhei em muita coisa, a maior parte do tempo fui empregado de balcão e mesa
durante seis anos em vários sítios. Quando trabalhei no W um mês e meio como empregado
de mesa não me pagaram parte do salário nem as gorjetas. Fiquei muito chateado. Sempre
me fiz ao trabalho e trabalhei um mês nas festas da cidade Z, outro mês num armazém nas
cargas e descargas e, por vezes, montava iluminações em eventos. Também já fiz uns meses
de servente de pedreiro, ajudante de serralheiro e ajudante de padaria e fui motorista de
ligeiros em Lisboa. Tudo o que fiz era porque ía sabendo através de gente conhecida. Agora
que falo nisso tudo parece sempre a rodar, uma roda viva! O último foi cerca de cinco
meses como distribuidor interno de correio e agora vem o subsídio de desemprego. Tinham
ligado a dizer que eu ía ficar e afinal não. Fiquei muito chateado. E eu que tinha ido a uma
entrevista optei por isto pois sempre era um bocadinho melhor do que o outro trabalho
através de um amigo e que eu disse que não, e agora não tenho nada! Nos correios o
salário base era 360 euros mas depois tinha uns complementos e chegava aos seiscentos.
Agora não tenho nada! Estive a ver com a doutora do CE se havia alguma coisa para mim
mas também há pouca coisa e para mim não há nada.
A rotatividade de ocupações é, como refere, “um sempre a rodar” de onde
dificilmente escapa. E, mesmo quando surge hipótese menos má nesse rodar, ela pode
disfarçar-se nas empresas onde cada empregado é um número e não uma pessoa. A
raridade de ofertas de emprego no dispositivo público de emprego comparativamente
com o número de desempregados inscritos também parece uma constante. A
necessidade de recursos económicos para o agregado familiar dificulta ou impede a
desejada formação. J.C. procura emprego intensamente mas tem tido muitas
dificuldades face aos trabalhos precários e sem salário base.
Gostava de tirar um curso para ficar com uma profissão e o 12º ano mas são entre dois a
três anos e eu preciso de trabalhar. Assim não posso fazer o curso porque preciso de
trabalhar. Tenho procurado tudo, até já respondi para a meo, a zon e a herbalife. Vou todo
bonitinho de fatinho e tudo para a reunião e afinal são mais de cem pessoas numa sala para
eles apresentarem a empresa e o produto. Depois queriam que se comprasse os produtos, aí
275
uns cem euros, para vender e eu disse-lhes, então eu estou desempregado e querem que eu
vos compre produtos? Nem pensar!”. É como na meo e na zon, dizem que dão um salário
base mais comissões, conforme o que se vende, mas não é assim. Vendes ganhas, não
vendes não ganhas. E é andar a trabalhar, a bater de porta em porta sem receber. Desses já
desisti de concorrer. Mas vejo tudo o resto. Acredita que até para a agricultura já
concorri?
V. (37 anos, 4º ano de escolaridade, nacionalidade brasileira, aguarda subsídio)
tem experiência de 3 anos como empregada doméstica e a tomar conta de idoso. Procura
emprego através dos contactos pessoais, CE e jornais.
Y. (transmontano, 58 anos, solteiro, desempregado há seis meses) não tem
família nem emprego. Com a rede social e familiar quase inexistente é determinado na
procura de emprego diária e a pé.
Não tenho irmãos nem mais família chegada, só uns tios já velhos na província e queria
mesmo era arranjar trabalho. Levanto-me, arranjo-me e corro as obras todas mas não
consigo nada, dizem todos que estão cheios.
E., cinquenta anos, casada, tem uma filha na Universidade. Assinala a idade dos
mais idosos como limite para regresso ao mercado de trabalho. Quer trabalhar mas
percebeu que dificilmente conseguirá emprego.
Não faz ideia o que eu tenho procurado de trabalho. Querem pessoas com a prática que eu
tenho mas sem a minha idade. Quer dizer, querem mais novas. E eu, o que faço? Também
tenho direito a viver.
S. (34 anos, 12º ano de escolaridade, viúva com uma filha de seis meses,
desempregada há três meses sem subsídio), natural da Guarda, tem uma rede social
muito estreita e experiência profissional diversificada. Na Guarda trabalhou um mês
numa loja de confecções e 9 anos num hipermercado com funções de repositora,
empregada de caixa e de contabilidade. Foi na restauração que conseguiu emprego em
276
Lisboa mas por pouco tempo e não acedeu ao subsídio de desemprego. As tentativas
para conseguir emprego têm sido infrutíferas. Com uma rede social muito reduzida,
prossegue a procura de emprego intensamente com resposta a anúncios, contactos
directos com o CE e com empresas.
O patrão tinha 8 empregados e despediu 3 que estávamos lá há menos tempo e entretanto
morreu o meu marido. Eu ía ficando um mês e outro e assim se foi prolongando, no total
deu uns quatro meses, ganhava 500 euros mais as gorjetas, mas agora não tive subsídio de
desemprego porque o contrato foi pouco tempo. Tenho procurado muito trabalho mas não
consigo.
D. (Tem 40 anos, curso industrial) corresponde a um dos poucos casos que
conseguiu emprego no período de entrevistas. Desempregado há dois anos e meio com
subsídio, vive com a filha de doze anos e com o pai numa vivenda deste. Antes, foi
operário especializado e depois chefe de produção numa empresa que fechou. Sente
urgência de emprego quando o subsídio se aproxima do fim. Teve que lidar com a
concorrência de 700 candidatos após resposta a anúncio de jornal e conseguiu emprego
como segurança. Considerando-se pessoa curiosa pela cultura, espera que o emprego se
torne permanente. Com experiência da estigmatização dos mais idosos em outras
candidaturas, tem agora ideia diferente ao conseguir emprego. Manifesta vontade em
criar um negócio por conta própria mas desiste da ideia por falta de recursos. D. gosta
muito de desenhar e já foi seleccionado pelos estúdios da Walt Disney em Lisboa, há
anos, mas não compareceu, reacção que nem ele próprio compreende. Será o hábito de
insucesso causador do medo de êxito?
E agora estou já no subsídio, o social e tinha mesmo que arranjar alguma coisa. Quando se
está com o subsídio de desemprego que era quase o mesmo que o meu ordenado a pessoa
sempre se acomoda. Agora não. Já é muito pouco e como eu disse no programa de
orientação à doutora, nem que fosse para segurança, que é o que vai acontecer, eu tinha
que arranjar alguma coisa. Vem a calhar porque sou muito curioso de conhecimento, de
cultura. Pelo meu perfil talvez possa progredir. Concorreu muita gente. Éramos uns
setecentos e era gente de todo o tipo, novos, velhos, jovens. Também me parece que as
277
empresas de segurança não se importam de meter pessoas mais velhas e com mais
responsabilidade e que dão garantias de não estragarem a vida por mexer ou tirar uma
carteira, qualquer coisa e desaparecer.
Veja-se, agora, o caso de J., exigente na escolha de emprego. Tem 42 anos e vive
no concelho de Sintra. Natural de Angola, filho mais novo, concluiu o 3º ano de gestão
de empresas. As origens familiares estão em Coimbra, onde o avô paterno exerceu
como engenheiro civil e o pai, bancário, se reformou. A mãe é formadora no Exército. É
casado há dezassete anos com uma engenheira informática. Tem um filho com doze
anos. Foi técnico comercial e está desempregado há cinco meses, com 750 euros de
subsídio. Considera viver de forma desafogada, dado o salário da mulher. Equaciona a
dificuldade em aceitar emprego face aos baixos salários por comparação com o custo de
vida e com o salário anterior. Com extensa rede de contactos propiciadora de acesso ao
mercado de trabalho, tem uma perspectiva pouco flexível de emprego, quanto às
qualificações e salário. Tal atitude está longe de representar a maioria dos entrevistados.
Sobre o desemprego, uma pessoa ao princípio abana um bocado mas depois… enfim tem de
se animar. Eu já ganhei muito bem e, para dizer a verdade, depois da situação que já tive
não vou aceitar um ordenado de 600 ou 750 euros como me propuseram em Vila Franca de
Xira. Tinha que ir de carro e o meu automóvel é a gasolina e gasta muito; mais almoço fora
de casa, eu chegava ao fim do mês com duzentos ou duzentos e cinquenta euros. Era muito
pouco. Sabe, eu trabalho arranjo, porque conheço muita gente e trabalho há. Só que tem
que se ver o quê e em que condições. Eu se quisesse tinha trabalho no Brasil mas não vou
arriscar, tendo a mulher uma boa situação cá. O meu pai também falou com um coronel
com quem vou falar para ver a hipótese de entrar para o SIS, mas não me interessa ir para
operacional, que esses estão quase todos fora, no País Basco.
Inês (37 anos, divorciada, filha de 8 anos, desempregada há 10 meses sem
subsídio, recebe ajuda de um centro alimentar da Misericórdia) com o 12º ano de
escolaridade, está qualificada com formação profissional. Sempre vivenciou empregos
precários e não tem direito a subsídio de desemprego (embora tenha usufruído de
subsídio anteriormente). Não consegue explicar, com base nas suas características
278
individuais, por que não arranja emprego: tem 37 anos (“não sou velha”), qualificação,
experiência profissional e curriculum actualizado. As diligências que faz são
inconsequentes em qualquer hipótese de trabalho. Os contactos com o CE também não
se revelam eficazes. Procurar emprego implica também despesas que muitas vezes não
são tidas em conta por parte do dispositivo público de emprego ou dos empregadores.
Muitos desempregados gastam os parcos recursos em telefonemas e bilhetes de
transporte para deslocações ao CE ou contacto directo com potenciais empregadores.
Precisam, frequentemente, de ponderar e fazer opções entre procurar emprego e
despender recursos financeiros em outras necessidades essenciais como alimentação,
renda de casa, água, gás e luz.
Também estou inscrita no CE e vou lá, depois levo contactos, gasto dinheiro a telefonar
para as empresas e a ir lá mas não consigo nada. Já não sei o que hei-de fazer. Por
exemplo, tenho que planear as idas ao CE por causa das despesas de comboio e as
propostas às empresas vejo aquelas em zonas para que não tenha que apanhar muitos
transportes por causa dos gastos.
Acresce que os técnicos do dispositivo público de emprego solicitam a entrega
de carta de apresentação aos empregadores na fase de entrevista, para reenvio de
destacável com resultado ao CE. Caso não façam entrevista, devem os desempregados
devolver o documento.
Muitas vezes contactamos por telefone, por exemplo, e dizem que já não precisam. Gastou-
se dinheiro para nada e ainda se tem que gastar dinheiro e tempo a ir ao CE informar,
porque eles muitas vezes não informam logo e o CE continua a mandar pessoas. E, muitas
vezes, não dá para perceber, porque a oferta era de ontem e hoje já está preenchida.
Quando vou, aproveito para ver mais ofertas mas já estou a ficar desesperada sem nada.
A esperança é o seguro do pobre. Porém, o insucesso na procura de emprego tira
alimento, mata expectativas, destrói a esperança e favorece o desespero. Inês sabe que
279
não pode desistir, tanto mais que tem uma criança a cargo mas o insucesso é, por vezes,
insuportável.
M. (56 anos de idade, RSI, solteiro sem filhos, sétimo ano dos liceus); vive há
três anos uma situação de desemprego prolongado. Deslocou-se ao CE à procura de
emprego. Foi empregado bancário em Moçambique durante ano e meio mas não
conseguiu ser integrado nos bancários quando chegou a Portugal. Esteve desempregado
em três períodos diferentes, auferindo então o subsídio de desemprego. A sua
experiência laboral é multifacetada e cheia de descontinuidades, o que sugere um
padrão de flexibilidade com percursos qualificantes desenraizados que facilmente caem
na desqualificação social e profissional.
Venho cá ao Centro todas as semanas para ver se há trabalho. Eu queria mesmo era emigrar
outra vez, mas é difícil sem ter dinheiro de base. Eu já fui e sei como é, é necessário ter
algum dinheiro para os primeiros tempos. Mas eu não tenho nada e assim não dá. Estou sem
chão para andar. Eu faço qualquer coisa e tento saltar se souber que ali há chão mas se
souber que é um vazio, então não posso fazer nada. Eu arrisco e dou um passo ou mais mas é
se souber que há chão ali à frente.
Sem consciência de que a idade é, entre outros, um factor limitativo no mercado
de trabalho, desloca-se semanalmente ao CE na tentativa de encontrar emprego em
qualquer uma das áreas em que já trabalhou. Nas conversas havidas e face às ofertas de
emprego existentes, rejeita a hipótese de ser empregado de mesa por motivos de saúde
ou de se deslocar para fora de Lisboa. Tem posição muito crítica em relação ao
desenvolvimento do País e sublinha que o melhor é emigrar, embora reconheça a
inviabilidade de tal hipótese na sua vida. Este caso combina vários factores de
vulnerabilidade interna e externa: idade, problemas de saúde e fragilidade do mercado
de trabalho. M. tem consciência das suas limitações físicas mas pretende regressar ao
trabalho. Idealiza emigrar para outro país europeu; considera porém, que lhe falta o
suporte financeiro para tal passo, o que o coloca num círculo vicioso.
280
VII.2. COMPATIBILIZAR TRABALHO E FAMÍLIA
C., 32 anos, 9º ano de escolaridade, (divorciada e separada), vive com o filho de
18 meses. A sua vida tem a marca de começos e recomeços no trabalho, a que se juntam
dois insucessos afectivos. Compareceu no CE para requerer subsídio pela terceira vez.
Faz parte do sub-grupo de 17,9% de portugueses182 que constituem núcleos
monoparentais com filhos em Portugal.183 Auto-classifica-se mãe solteira; inclui-se no
número crescente de famílias monoparentais chefiadas por mulheres solteiras e que, à
data de 2001, atingia 26,3 %.184
Estar desempregada tem um peso assinalável numa vida a sós, com a
responsabilidade de uma criança. No Sul da Europa, o apoio estatal às mães sós é
mínimo. Portugal combina fraco apoio do Estado e das famílias (provavelmente
também elas pobres), alta taxa de emprego de mães sós e alta taxa de pobreza - o que
reflecte o problema dos baixos salários e baixas qualificações (Gallie e Paugam, 2000).
C. não conta com ajuda da família. É incansável na procura de emprego com horários
que lhe permitam conciliar trabalho e filho. Interrompeu o subsídio de desemprego que
recebia há dois meses para aceitar um posto de trabalho como ajudante de cozinha a que
se candidatara. Todavia, a experiência não foi além de duas semanas.
Tenho que começar tudo outra vez. Era um trabalho bom para mim por causa dos horários
e das folgas, por causa de ir buscar o meu filho à creche, não tenho apoio de ninguém.
Mudei-me de casa e tive que esperar por creche. Agora vai ser difícil encontrar um
trabalho que dê com o horário que eu preciso. Mas vou sempre tentar. E começar tudo
outra vez.
D. tem experiência diversificada num tempo social que não favorece
enraizamento no trabalho mas estimula a dispersão. Foi empregada de balcão numa
182 De acordo com os Censos de 2001, INE. 183 E dos 46,2% de núcleos monoparentais separados ou divorciados (Censos de 2011). 184 Entre 1999 e 2001 cresceu de 14,8% para 26,3 %. A presente investigação abrange 7 % de mulheres com famílias monoparentais que responderam ao inquérito. Na investigação o número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres (7%) é superior em mais do dobro, às famílias monoparentais chefiadas por homens (3%).
281
pastelaria, vigilante de crianças e copeira. Agora terminou uma experiência breve como
ajudante de cozinha.
Antes fui empregada de balcão durante 24 meses com contratos renovados de 6 em 6 meses
mas fui despedida porque tiveram que reduzir pessoal e antes estive num ATL 6 meses como
vigilante de crianças e depois foram 16 meses na copa de um restaurante mas nunca dava
para continuar e fui despedida.
O trabalho é central na sua vida para assegurar a sobrevivência e pensa recorrer à
Misericórdia de Lisboa, enquanto não consegue emprego nem subsídio. De novo
desempregada, divide o tempo entre cuidar do filho e procurar emprego, nomeadamente
com deslocações semanais ao CE. “Agora vou começar tudo outra vez” é frase que
repete como quem, envolvida num jogo de tabuleiro, cai numa casa que a manda
recomeçar no ponto de partida. Esta vida com descontinuidades frequentes marca os
tempos modernos e D., como tantos outros entrevistados, foi apanhada no labirinto do
desemprego e do fim das relações conjugais. Espera conseguir trabalho mas receia a
incompatibilidade de horários com a creche do filho. Gostaria de poder dizer em breve
que tem um bom trabalho e não voltar a ficar desempregada num curto espaço de
tempo. Sabe que, com muito trabalho e alguma sorte, consegue-se escapar ao
desemprego.
Deslocar-se a entrevistas representa marcação temporal não dependente do
próprio. A marcação de entrevista introduz uma referência no imaginário pessoal e no
jogo de expectativas individuais e familiares. Tal compromisso implica o contacto com
actores sociais do mundo do trabalho mesmo que as entrevistas não aconteçam durante
um largo período de tempo e não resultem favoráveis a uma integração profissional. A
entrevista remete para a ideia de jogo, hipótese de ganhar ou perder, pelo que conseguir
a marcação de entrevistas suscita normal entusiasmo e expectativa. O mais difícil é
viver a resposta ou várias respostas de imediato negativas ou o vazio da ausência. A
impossibilidade de diálogo que a ausência de resposta implica gera desmotivação e
perda de auto-confiança e daí um sem número de desistentes.
282
Quando respondem ou marcam entrevistas uma pessoa fica contente, há aquela
esperança de que talvez se vá conseguir. Mas a maior parte das vezes não dizem nada e é
frustrante.
(H., 35 anos, 12º ano, técnico de vendas, desempregado há 8 meses).
VII.3. ESTRATÉGIAS DE FORMAÇÃO
Considere-se agora a importância da formação como estratégia para o emprego.
A transposição de legislação comunitária obriga, em muitos casos, a profissionais
certificados, como é o caso da refrigeração e climatização. Em tais condições,
qualificações adequadas marcam a diferença de oportunidades no mercado de emprego,
sobretudo quando rareiam profissionais. R.D. conhece as regras do jogo. Além disso,
face às dificuldades em Portugal, alguns desempregados pensam na hipótese de emigrar.
R.D., trabalhou em Timor-Leste, quer formação e emprego e demonstra interesse em
emigrar de novo.
Se eu conseguisse essa certificação superior à que tenho era muito bom porque pedem
muito. Arranjava logo emprego. Se eu a tivesse, já tinha trabalho porque a legislação
obriga mas não há técnicos certificados e a certificação é muito cara. É muito difícil de
conseguir porque é muito caro. Se conseguisse através do CE é que era bom. Já me inscrevi
quando cá estive antes mas não sei se consigo. Até assinei um plano em que o CE se
compromete a ajudar-me na formação mas já foi há mês e meio e ainda não fui chamado
para nada. É revoltante. Não percebo isto de haver um acordo comigo e nada de resposta e
de haver legislação que obriga a ter técnicos no País e afinal parece que os técnicos ainda
não existem, nem é possível formá-los. Se conseguisse alguma coisa para fora do País ia-
me embora outra vez! Acho que vai ser uma questão de tempo se aqui não conseguir nada.
M. (37 anos, 12º ano de escolaridade, 3º ano da licenciatura em Direito e 3º ano
de Comunicação Social) ficou desempregado pela segunda vez com o fim de trabalho
não permanente no aeroporto. Gostaria de fazer formação profissional numa área com
alguma saída. A sua história ocupacional é feita de descontinuidades e apresenta alguma
diversidade. Está a experienciar o desemprego pela terceira vez. A formação
283
profissional é vista como via para facilitar a inserção mais estável no trabalho desde que
escolhida a área cuidadosamente.
Agora como estou desempregado até gostava de aproveitar para fazer uma formação com
saídas e que me dê mais estabilidade, lembrei-me do técnico de gás, embora goste mais de
turismo. É uma área que eu acho que ainda há falta de gente qualificada. Até é preciso
certificação para exercer. O problema é que isso é caro.
VII.4. TRABALHO INFORMAL
A tentativa de aceitar trabalhos informais, nomeadamente na mesma área
profissional, ajuda a não perder qualificações e a manter ou activar contactos
interpessoais no mercado de trabalho. Nos trabalhos informais, embora muito pouco
frequentes quando há subsídio, os desempregados procuram algum rendimento
financeiro complementar mas, sobretudo, ocupar o tempo com sentido e viabilizando o
exercício de uma vocação profissional que se desqualifica sem prática.
Após choque e revolta, A.G. (jornalista fotógrafo, 48 anos) deixa-se contagiar
pelo optimismo a procurar emprego na sua área e aceita trabalhos pontuais. Tem clara
consciência de que não pode parar se quer manter qualificações e voltar ao mercado de
trabalho. Porém, ganha consciência da realidade do mercado mais inconstante e sem
contratações estáveis que permitam responder às necessidades da família.
A.G. e outros quadros qualificados, face à falta de oportunidades de emprego, pensam
em estigmatização por parte das empresas, como já se referiu.
A.G. é um caso raro que manteve muita actividade e trabalho enquanto
desempregado com subsídio, a partir do sexto mês de desemprego.
Se parar nunca mais posso vir a exercer. Então eu tenho um amigo que é fotógrafo e tem
uma empresa de fotografia de eventos. Faz casamentos, baptizados e essas coisas. Ele
pediu-me e eu já fiz uns trabalhos para ele. Não é que goste deste tipo de trabalhos mas
estou activo, aprendo, saio de casa e ganho algum dinheiro. Na minha profissão não posso
284
parar. Até vou comprar outra máquina melhor e depois outra lente mais potente para
fotografar. Felizmente eu tenho conhecimentos de redacção e de fotografia e penso que isso
dá valor ao meu currículo. Parar é morrer. Mas também sei pela experiência que estou a
ter que as empresas hoje não se querem comprometer com contratações e com a minha
idade ainda é pior. Na minha área no máximo querem contratar como free-lancers, ora eu
não posso perder o subsídio de desemprego para uma situação assim. Já fui ao CE para ver
as hipóteses de acumular o subsídio de desemprego com algum trabalho mas os valores não
só têm de ser baixos, o que para mim não seria problema, mas parece que pode suscitar
desconfianças da Segurança Social e como o que tenho são trabalhitos pontuais continuo
assim. Senão trabalhar como jornalista ou foto-jornalista, o que eu gostaria era de ter uma
editora (ri-se), coisas que não dão dinheiro.
Este relato evidencia os seguintes aspectos:
• oportunidade de alguma actividade em fotografia através de um amigo;
• importância de praticar a profissão para manter qualificações, actualizar competências e
relações interpessoais e sair de casa;
• alteração do regime de contratação do mercado de trabalho;
• dificuldade em aceitar substituir o subsídio de desemprego (regular e elevado) por
hipóteses de trabalho como free-lancer (irregulares e de valor reduzido) devido à
necessidade de enfrentar as despesas familiares;
• tentativa em cumprir a lei mas confronto com a desconfiança dos mecanismos estatais;
• auto-realização como foto-jornalista;
• gosto frustrado pela criação de editora como negócio.
Os resultados do inquérito mostraram que muitas maneiras de procurar emprego
repetem estratégias do passado, sobretudo o contacto com família e amigos.
Especialmente, são os desempregados com mais altos níveis de qualificação que tentam
arranjar emprego por resposta a anúncios ou por candidatura espontânea (auto-
proposta).
285
Entretanto, A.G. decide manter uma pequena colaboração com revista trimestral
de uma Associação sem fins lucrativos (com a qual já trabalhava antes de ficar
desempregado), para se manter activo. Além disso, fez contactos no CE para explorar a
hipótese de criar um negócio mas desistiu da ideia.
A revista da Associação é coisa pouca. Eles não têm dinheiro e gostam da minha ajuda. É
uma forma de eu me manter activo na profissão e às vezes há hipótese de receber alguma
coisa. Por exemplo, em vez de receber em dinheiro combino com eles porque me dá jeito
mais material fotográfico. Ainda pensei em fazer um projecto para um negócio mas desisti.
O que eu gostava era de ter uma editora mas acho que isso não tem viabilidade.
Além disso, A.G. deu pequena colaboração não remunerada no ATL onde
deixava os filhos. A experiência no ATL foi de curta duração (“ não me sinto
vocacionado para a área!”) e não impediu actividades de actualização do blog, procura
de emprego, colaboração com um amigo e com a Associação.
Dos contactos efectuados no âmbito da procura de emprego, ao oitavo mês surge
proposta de colaboração como foto-jornalista para cobrir os eventos culturais de uma
Fundação de renome. Mais uma vez a irregularidade e precariedade da situação não
convidam a renunciar ao subsídio de desemprego “quando há dois filhos para criar”.
A.G. consegue manter este pequeno trabalho com o apoio do amigo fotógrafo que
recebe a prestação pecuniária trimestralmente e emite os recibos verdes necessários.
Tais actividades ajudam a manter a sua identidade profissional. Estas acções não
só ocupam o tempo, como criam um quadro temporal significativo de valorização
profissional e pessoal. Revestem-se ainda de dimensão emotiva agradável com
esperança em mudar o rumo de vida. Evita-se a depressão.
Até ao primeiro ano de desemprego A.G. procurava emprego intensamente mas
“era quase tudo call centres”. Com o tempo, A.G. foi diminuindo a procura de emprego,
certo de que na sua idade “já não há emprego e que as empresas só querem free-
lancers”. Abdicou de uma oportunidade como free-lancer pois “era um valor mínimo e
instável, muito inferior ao subsídio de desemprego e há dois filhos para criar e uma casa
para pagar.”
286
Contudo, aos três anos e oito meses de desemprego (findo já o subsídio de
desemprego), conseguiu outra actividade de free-lancer em foto-jornalismo, enquanto,
pela mesma época, a actividade com a Fundação diminuía substancialmente. Continua a
dedicar-se ao blog mas, desses contactos, como de outros, não resulta qualquer
oportunidade de trabalho. As actividades domésticas nunca fizeram parte da sua
ocupação diária no desemprego e os tempos passados em casa são ocupados com
trabalho fotográfico ou contactos no computador.
A. (43 anos, produtora cinematográfica executiva, sem subsídio, separada, 4
filhas) explora intensamente o mercado de trabalho formal e a sua rede de contactos
informais. Contudo, tem tido dificuldade em conseguir emprego, seja pela idade, seja
pelo que as entidades patronais consideram excesso de habilitações. Conta com o apoio
da mãe, afectivo e financeiro, mas já equaciona solicitar o RSI. No seu discurso vão
surgindo dados sobre posição social e familiar; apesar de desempregada, é parte de um
nós - o grupo social de pertença. Este caso pode ser classificado como desemprego
“distanciado.”
A minha mãe e os meus amigos dizem que nunca viram ninguém como eu que trabalha tanto
e não ganha nada. Desde há 3 anos tem sido péssimo. O último trabalho que tive pago
foram 4 meses, o ano passado em que fiz um recibo único. Fora isso tenho feito trabalhos
que não são pagos. Fiz a fotografia do Estoril Open, do Lisbon-Estoril Festival e mais. No
Lisbon-Estoril Festival encontrei o Paulo Branco que me disse que não percebia porque
não me via há tanto tempo e eu disse-lhe que é porque eu estou desempregada. Falou-me da
hipótese de trabalhar com ele num próximo filme mas eu quis saber quanto é que ele paga e
se paga no final do mês. E ele disse que não sabia quanto me pode pagar, nem os prazos de
pagamento, diz que ainda não pagou a pessoas que fizeram o último filme dele há um ano.
O que fazer quando se tem qualificações e se é excluído? É pergunta que coloca
a si própria. A frustração por não conseguir emprego, leva-a a pensar reduzir as
referências qualificantes do curriculum.
Já pensei em tirar coisas do currículo e pôr menos habilitações mas tenho receio. Porque
eu já trabalhei com todos os grandes directores de marketing do País. Conheço muita gente
287
tenho receio que o meu currículo vá parar às mãos de algum e que diga, há eu conheço
esta, mas então não pôs aqui que já fez isto e aquilo? Está a ver a situação? No outro dia
concorri para a easyjet para a emissão de bilhetes electrónicos. Estive quase para tirar
coisas do c.v. mas não tirei por causa disso. Se fosse um director que me conhecesse não
seria bom. Mas não era. O senhor chamou-me para a entrevista só para saber porque é que
eu tinha concorrido com aquele currículo. Eu disse-lhe que é porque preciso de trabalhar,
qualquer trabalho. E ele disse-me que aquele trabalho nem pensar, que estava abaixo do
que eu tenho capacidades e que seria desmotivante. Eu respondi-lhe que é por essas
maneiras de pensar que eu não arranjo emprego.
Refere outra hipótese de trabalho não remunerado mas que lhe poderá abrir
reconhecimento e hipóteses de trabalho.
No outro dia fui à Gulbenkian e estive lá com X que me convidou a fazer a fotografia para
uma exposição em Nova Iorque, diz que vai falar com o curador da exposição. Estranhei e
disse-lhe ‘pois se não consigo trabalho aqui’ e ele disse-me que o mercado é mesmo assim,
faço uma exposição em Nova Iorque e abrem-se todas as portas aqui. Aqui é preciso sempre
algum show off, já termos sido reconhecidos fora. Então eu aceitei. Também é de graça mas
pode ser que dê em alguma coisa.
A. explora intensamente o mercado de trabalho formal e a sua rede de contactos
informais para tentar uma oportunidade que lhe permita sair da situação precária em que
se encontra sem emprego, sem dinheiro e sem perspectivas de futuro. Além disso,
procurar emprego sem obter respostas é extremamente frustrante. A sua posição é de
abertura a todas as possibilidades e parece não rejeitar nada.
Tenho uma amiga que ficou sem empregada e eu ofereci-me para ir para lá. Sei fazer tudo.
Tínhamos empregada mas os meus pais ensinaram-nos a fazer tudo. Mas ela disse-me que
nem pensar, que não se ia sentir bem comigo a fazer esse trabalho e ainda se lhe
perguntassem quem era a empregada dizer que era eu. No outro dia inscrevi-me para um
call centre. Não me via a bater às portas a chatear as pessoas mas sei que têm também os
que estão ao telefone. E não me importava, são 400 euros mês por 4 horas por dia. Dava
jeito. Disse ao meu marido que era bom para ele mas ele rejeitou, que nem pensar, estar a
atender telefones, gente doida e chata que reclama. E eu disse: Qual é o problema se lhe
288
pagam? Eu não me importava. Trabalhava, recebia e era uma forma de não estar só a
responder a anúncios sem que me respondam.
O seu capital social é vasto no mundo da cultura e da comunicação mas todas as
portas permanecem fechadas. Concretiza muito trabalho não remunerado e o seu nome
aparece de vez em quando nos jornais quando divulgam este ou aquele evento. Nesta
perspectiva, A. poderia ser contabilizada como empregada nas estatísticas oficiais do
INE, caso fosse entrevistada aquando da realização desses trabalhos não remunerados. É
o desemprego que as estatísticas podem esconder. Faz parte do desemprego selectivo
involuntário, pois é o mercado e a sua rede de contactos que a colocam nesta posição.
Por um lado, o mercado pelos critérios de selecção dos empregadores que ao verem o
seu currículo rejeitam a hipótese de lhe permitir trabalhos menos qualificados,
nomeadamente em outras áreas profissionais. Por outro, o seu grupo social e familiar
fixa-a no espaço social a que sempre pertenceu, não lhe facultando ajudas quando se
trata de optar por fazer trabalhos desqualificados ou de baixa qualificação,
nomeadamente na limpeza de casas e em call-centres. Tal rigor no espaço social é, em
parte, interiorizado por A. que não procura trabalho em limpezas no mercado aberto
mas apenas se disponibiliza quando uma amiga manifesta interesse em conseguir uma
empregada.
Tenho quatro irmãos. Um está em Angola como director de uma empresa e já lhe disse para
me arranjar alguma coisa. Ele disse-me que sim, que era possível, mas tinha que deixar cá
as crianças. Mas eu vejo que não podia deixar cá as 4 crianças à minha mãe com 80 anos.
Era demais para ela. Outro irmão é chef mas anda quase sempre fora a dar formação. Já
lhe disse que me arranjasse alguma coisa, que sei descascar batatas e não tenho problemas
em trabalhar. Mas ele diz que não, não pense nisso. Agora eu ía meter a minha irmã com as
minhas empregadas na cozinha?! E eu respondo, pois é com essas atitudes que vocês estão
a contribuir para a minha felicidade.
A. tem historial de trabalho com dias muito cheios e intensos, feitos de um
tempo dilatado sem horários mas com objectivos, por oposição à experiência do tempo
lento no desemprego que ganha intensidade quando consegue um trabalho mesmo que
289
não remunerado. Em contraste com a sua experiência anterior, ambiciona um trabalho
regular, com rotinas, horário fixo e salário certo ao fim do mês para esta fase
amadurecida da vida. O seu desejo contrasta com a tendência do mercado de emprego:
cada vez mais trabalho inseguro, horários instáveis e salários precários. As incertezas de
trabalho aguçam-se em todas as frentes. O trabalho idealizado para esta fase de vida
opõe-se ao trabalho precário, de salário irregular no cinema como lhe propõe Paulo
Branco: muito trabalho sem horários; um salário que se desconhece quanto é e quando
chegará.
Uma proposta insustentável para quem vive na precariedade e precisa de pagar as contas
no fim do mês. O que eu gostaria agora era de ter um emprego, por exemplo, quatro meses
e tinha o meu horário e todos os meses recebia certo. Já não tenho paciência para viver
como vivia, a começar a filmar às 6 da manhã e a terminar às duas da manhã.
A. tem, claramente, mais capacidade de resiliência e abertura do que o marido
para lidar com a adversidade do desemprego. Desconhece de onde lhe vem essa força,
só sabe que não se pode deixar abater, especialmente pelas filhas. Neste caso, os filhos
funcionam como factor ecológico no suporte da saúde mental e enfrentamento do
desemprego. Com o futuro em suspenso vive um dia de cada vez. Aberta aos contactos
sociais aceita as sugestões que possam tornar o seu presente futurível. Realizar a
exposição de fotografia em Nova Iorque é uma possibilidade que lhe convém mas ainda
pouco consistente. Tem um presente vazio de oportunidades de emprego, cheio de
crianças e onde chegam propostas de trabalho não remunerado. Imagina que poderá
saltar para a ribalta nacional com a projecção de uma exposição em Nova Iorque. É
preciso acreditar em algo para sobreviver melhor. Com a declaração na mão para
requerer o RSI, resta-lhe enfrentar o presente com a coragem que tem mantido no
passado recente. Não abdica do sorriso, enquanto alimenta a esperança. Acredita e faz
acreditar que o mundo é um lugar bom.
290
VII.5. CRIAR O PRÓPRIO EMPREGO
Uma minoria de entrevistados (8%) gostaria de criar o próprio emprego, embora
a grande parte não faça qualquer esforço concreto nesse sentido, por falta de recursos
financeiros.
F. (50 anos, 6º ano de escolaridade, pedreiro) já emigrou para a Arábia Sáudita e
Kuweit. Está desempregado há ano e meio e recebe subsídio. É um dos muitos casos
frustrados na criação de negócio.
Tenho tentado mudar a minha vida e ela anda para trás. Tentei criar o próprio emprego e
fui a uma sessão mas é muito difícil. Tenho o material de trabalho todo em casa mas não
posso trabalhar porque vêm os fiscais e cortam-me o subsídio.
G. (46 anos, casado, 2 filhos), é outro que gostaria de criar um negócio. Sempre
trabalhou na restauração mas mudou de área profissional nos últimos anos. O derradeiro
emprego foi motorista de pesados. Aufere subsídio e gostaria de criar o seu negócio,
embora não avance com qualquer projecto, consciente das necessidades financeiras. A
sua opinião oscila consoante se coloca na posição de trabalhador ou na posição de
futuro empresário. Considera o trabalho na área da restauração como uma escravatura e
encara o desemprego como pausa para tentar criar um negócio.
Para o negócio precisava de comprar a casa, restaurá-la para fazer o que quisesse da casa.
Mas não tenho dinheiro. Eu já tive negócios. Aos seis ou sete anos não ía à escola e ía
apanhar grilos, espiga e flores e depois vendia. Também já produzi suspensões para
iluminação decorativa que vendia e já vendi bolos.
Sandra (31 anos, vive com o companheiro também desempregado e dois filhos)
tem duas motivações: trabalho por conta própria e formação. Com sentido de iniciativa,
já explorou uma ideia de negócio para si, a partir de referências de uma amiga, e para o
291
companheiro. Embora sem recursos financeiros mostra-se muito motivada para criar o
próprio emprego.
Eu também gostava de ter um negócio mas não tenho dinheiro nem vou pedir aos meus pais
para isso. Para comer é uma coisa para investimentos é outra. Uma amiga minha criou
uma loja e está a ser um sucesso. Já me disse para abrir uma em Lisboa com a marca dela.
Eu já fui ver uma loja para alugar e se conseguisse algum apoio financeiro avançava pois a
minha amiga dá-me todo o apoio. Para o meu marido fomos ver um café mas no bocado em
que estivemos lá, só apareceram dois clientes. Agora a loja era bom porque são só 400
euros de renda e pouco mais, comprar cabides e suportes para as roupas e pronto. Se eu
conseguisse um empréstimo a fundo perdido mas soube no CE que já não há. Lá falaram-
me do micro-crédito para pequenos negócios e deram-me um número de telefone para me
informar. Fiquei inscrita para as duas coisas, para avançar com a criação de emprego e
para a formação que também preciso.
S. (43 anos, licenciada em Direito, sem filhos), trabalhou cinco anos como
directora de contas numa multinacional de publicidade. Estava na empresa há cinco
anos; habituada a convites para mudanças, não expressa sentido de grande identificação
com a empresa. A palavra forte do depoimento é “conseguir”. Tenta manter o
optimismo mas não se imagina em casa. Está a equacionar a possibilidade de trabalho
por conta própria e vai pedir informações ao IEFP para o efeito.
R. (42 anos de idade, licenciada em Psicologia, desempregada há um ano) tem
uma atitude muito activa e tenta ocupar o tempo ao máximo para não sentir o
desemprego. Procura intensamente emprego, frequenta uma pós-graduação que está a
terminar, enquanto iniciou um estágio não remunerado e pensa trabalhar por conta
própria em análise de dados. Respondeu a dois concursos de emprego um público e
outro privado e está em processo de selecção:
Tenho direito a mais um ano de subsídio mas apetece-me começar a trabalhar em
Setembro. Terminei agora a formação que estava a fazer em SPSS e tenho que me ocupar.
Depois quero trabalhar nesta área por conta própria. Talvez crie uma empresa. Também
292
me quero candidatar a um mestrado. Num ano aparecerem apenas 2 concursos é muito
pouco, a situação está mesmo mal. Se não fosse eu ter uma boa estrutura mental já teria
enlouquecido. Eu é que invento muita coisa para fazer e estou sempre ocupada. Assim, não
tenho maus pensamentos.
O. (40 anos, 6º ano de escolaridade, solteiro, desempregado há 15 dias de uma
loja) planeou abrir uma loja na mesma área de negócio, logo que ficou desempregado,
investindo a indemnização que irá receber da empresa e o subsídio de desemprego. É o
filho mais novo de um conjunto de 8 irmãos. Começou a trabalhar cedo e é um self
made man. Como criou a empresa antes de solicitar o subsídio de desemprego não teve
aprovação do projecto de criação do próprio emprego pelo IEFP mas determinado e
entusiasmado vai prosseguir com o negócio, investindo a indemnização e algum
dinheiro de reserva.
Também N. (39 anos, licenciado e ex-Director) decidiu abrir uma loja em zona
de excelência logo que se colocou a hipótese de desemprego. Como O., o vínculo ao
IEFP e à Segurança Social foi usado estrategicamente para conseguir apoio financeiro,
operando grande distanciamento ao papel de desempregado. O seu projecto de próprio
emprego foi criado e subsiste passados dois anos, tendo criado mais um posto de
trabalho. A sua atitude é de satisfação e entusiasmo.
VII.6. TRABALHO OCASIONAL
A.R. (35 anos, solteiro, sem filhos), está desempregado há 10 anos. Actualmente
vive do RSI, que recebe em datas incertas (o que não permite gerir bem as contas) e de
biscates, importante complemento na sua vida.
Este mês em trinta dias só trabalhei três, foi no senhor Joaquim a pintar dois quartos, levei
as compras do senhor João do supermercado para o andar e limpei o quintal da tia Luísa.
Dantes conseguia-se fazer muita coisa e ganhar bem. Eu chegava a ganhar mais do que o
meu cunhado que era pintor de construção civil e também tinha sempre trabalho!
293
C.L., 52 anos, solicitador, desempregado há 8 meses com subsídio. Não
consegue emprego. Trata, raramente, de alguns assuntos a particulares.
Tem sido difícil estar nesta situação. É que não posso pôr um anúncio no jornal a oferecer
os meus serviços. Os solicitadores não o podem fazer. Contacto as entidades e digo que
tomei conhecimento de que precisam de um solicitador mas nem isso legalmente posso
fazer. Depois algumas entidades querem pagar muito pouco. Por exemplo, fiquei revoltado
porque a Câmara Municipal X me queria pagar 500 euros por uma avença. Mas talvez
surja uma hipótese para a Companhia de Seguros Y onde está atualmente um presidente
que eu conheço. Trato, uma vez por outra, de assuntos jurídicos que me pedem.
J.E. tem conseguido respostas positivas para alguns trabalhos mas em condições
de ilegalidade que não agradam, pelo que vem declinando essas possibilidades. O que
não invalida a aceitação de alguns biscates raros pois não quer pôr em causa a prestação
social que recebe.
Já tenho conseguido algumas coisas mas eles não querem assinar contrato e a doutora está
a ver, eu tenho três filhos e quero contribuir para a educação deles e ter uma vida com
alguma estabilidade e sem assinar contrato não dá. Um ou outro biscate é uma coisa mas
trabalhar sempre ilegal não.
A mesma posição tem outro entrevistado (C.M., 37 anos, 2 filhos e 9º ano,
desempregado há um ano) que vive situação idêntica e para quem a instalação no
desemprego retira toda a dignidade pessoal e social e pode criar condições para uma
recaída na droga.
Neste contexto e caso se mantenha a situação de ausência de trabalho, outro
caso, J.E., equaciona a possibilidade de regressar à casa dos pais, no Alentejo, onde a
sua rede social é mais extensa e pensa poder fazer a experiência de tentar vida por lá,
com trabalhos possíveis.
294
Entretanto, permanece em Lisboa e conta mudar-se para um quarto alugado logo
que o Estado envie a desejada prestação que lhe permite ainda estar integrado, mesmo
que de modo frágil, no sistema social.
VII.7. TRANSIÇÃO PARA A REFORMA
H. tem 48 anos, o 6º ano de escolaridade e 34 anos de descontos na Segurança
Social. Impressor gráfico com vasta experiência, teve um acidente de trabalho aos 35
anos. Manifesta pessimismo quanto às oportunidades de emprego. Motivado para
trabalhar, sabe que não terá mais oportunidades, pelo que liga o desemprego à transição
para a reforma, por invalidez.
A partir dos quarenta as portas fecham-se todas, independentemente das habilitações. A
pessoa tem que ir à luta mas as portas estão todas fechadas!
J., 63 anos, é outro caso de sonho de negócio frustrado com expectativas de
transição para a reforma após o desemprego.
Camilo (54 anos e 9º ano de escolaridade), preparou-se para a reforma após o
desemprego como quem acautela a reforma. Mantém e alimenta paixão por automóveis
antigos, entra em corridas e tem vários automóveis. Com 37 anos de descontos para a
Segurança Social e previdente, “comprou” mais quatro anos a pensar na reforma para
breve. Na sua perspectiva, quanto à ocupação do tempo, tem muito trabalho apesar de
não ter emprego, levando em conta um novo projecto para uma casa e um investimento
num terreno. Já requereu a reforma há quatro meses, certo de que não há emprego para
os mais idosos e de que ele próprio não contrataria gente mais velha. Quanto às
perspectivas de futuro, assinala a transição para a reforma e a ocupação do tempo em
actividades gratificantes. Reformar-se é procurar mais satisfação pessoal.
Já é tempo de deixar de ter um trabalho remunerado e continuar a dedicar-me àquilo de
que gosto.
295
VIII. FASES E REACÇÕES AO DESEMPREGO A PARTIR DA ANÁLISE
DE ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA
“Todo o conhecimento começa no sentimento.”
Leonardo da Vinci
INTRODUÇÃO
A análise das entrevistas parte do esquema da curva moral no desemprego de
Harrison (1976): choque, optimismo, pessimismo e fatalismo. Porém, tais fases são
aprofundadas com informação mais pormenorizada relativa aos estados subjectivos
identificados e fazemos equivaler fatalismo a resignação. Consideram-se ainda as
propostas de Hill (1977, 1978), Powell e Driscol (1973), Kaufman (1982) e Hayes e
Nutman (1981).
A informação recolhida no inquérito foi debatida com os entrevistados para
esclarecer as fases psicológicas numa auto-avaliação se e em que medida se
relacionavam com o desemprego, situação confirmada para quase todos os estados
negativos (excepto em um dos casos, em que o desemprego foi antecedido de divórcio e
num caso de coincidência do desemprego com a morte do cônjuge). Algumas
manifestações de satisfação e entusiasmo podem estar relacionadas não apenas com a
idealização do projecto de vida profissional mas com circunstâncias particulares de vida
familiar, como o nascimento de um filho. Muitos dos vocábulos centrais que adjectivam
maneiras de sentir e viver subjectivamente o desemprego serviram de categorias para o
inquérito e são retomados neste capítulo. Expressões como “choque”, “vergonha”,
“revolta”, “insatisfação”, “resignação”, “apatia”, “desespero” têm conotação pessimista
por contraste com as expressões “satisfação” e “entusiasmo” de conotação optimista.
Pretende-se, sempre que possível, apresentá-las separadamente pois traduzem estados
psicológicos de conotação diversa que por vezes convergem, têm continuidade ou se
justapõem dentro de cada uma das categorias mais gerais (pessimista/optimista). Foi
possível identificar várias fases comuns a grande parte dos entrevistados entre 35 e 58
296
anos com variações em função de factores diversos de natureza biográfica e de natureza
não biográfica. Nem todos passam, obrigatoriamente, pelas mesmas e por todas as fases.
Porém, o faseamento da vivência psicológica do desemprego pode corresponder, para
muitos, a um processo de degradação psicológica e desqualificação social e ocorrer de
forma mais ou menos rápida em diferentes circunstâncias. Factores inesperados podem
aliviar a degradação da vida, impedir o agravamento ou até facilitar a inversão.
Tais etapas apresentam diferenças em relação a autores referidos anteriormente.
Espera-se distinguir fases no processo de quebra psicológica dos desempregados, desde
uma primeira fase de choque (não necessariamente para todos) até ao fatalismo, última
fase de adaptação ao estatuto de desempregado, quando o desemprego persiste
demoradamente. Vários factores combinados de formas múltiplas condicionam a
reacção ao desemprego: condições financeiras, actividades de substituição do emprego,
integração e apoio familiar, redes sociais independentes do trabalho e importância dada
ao trabalho.
Foram entrevistados 60 desempregados com características diferentes e vários
tempos de desemprego. Seguiu-se, em vinte casos, uma análise longitudinal ao longo do
tempo, que permitiu dar conta das mudanças ocorridas na actividade em geral, na
procura de emprego e no estado subjectivo, em particular.
Pese embora a possível diversidade de atitudes de cada pessoa e alguma
aleatoriedade, sugere-se que é possível encontrar regularidades e fases na reacção à
ausência de emprego por parte de grupos de desempregados. Serão exploradas
entrevistas de desempregados em diferentes tempos de desemprego, condições
objectivas e subjectivas, tendo por referência a ideia de processo. Num diálogo com os
dados empíricos aborda-se a ideia de fase na reacção ao desemprego a título
exploratório e expondo a variabilidade que pode ocorrer, caso a caso, por referência a
um modelo geral.
Apresentam-se alguns casos elucidativos das experiências subjectivas vividas
pelos desempregados.
297
VIII.1. CHOQUE
A partir da revisão de autores e dos dados empíricos com algumas entrevistas
longitudinais, pode afirmar-se que o choque corresponde ao estado inicial de confronto
inesperado com a situação de perda de emprego.
Trata-se de uma fase de curta duração cujo desenlace varia em função de vários
factores, nomeadamente da actividade do sujeito. Nos casos estudados, a fase de choque
não excedeu um mês de desemprego. Quando as experiências de emprego são
prolongadas, o choque com o desemprego tende a ocorrer ainda durante o último
período de trabalho dadas as exigências legais para comunicar a ocorrência do
desemprego. Disso nos dá conta A.G., jornalista fotógrafo, desempregado pela primeira
vez. Este caso paradigmático foi acompanhado desde o início do período de
desemprego, o que permitiu constatar as suas reacções à ausência de emprego ao longo
do tempo e as mudanças na ocupação e organização do quadro temporal185. Com
experiência de 23 anos num semanário, o desemprego foi um choque com início ainda
no período de trabalho:
Apanharam-me de surpresa, não estava à espera. Foi um grande choque. O jornal tinha sido
reestruturado e eu contava ficar. Aliás, ironia das ironias, eu até esperava ser promovido. O
meu chefe reformou-se e eu esperava ficar a dirigir a secção. Afinal acabaram com a secção
e nas vésperas de Natal deram-me a notícia e quiseram negociar a minha saída amigável.
Foi o que aconteceu. Ainda trabalhei um mês mas sem obrigação de horários e depois tive
um mês de férias.
Assim, A.G. viu-se confrontado com o desemprego inesperadamente quando até
contava com uma promoção. São as voltas da economia que dão voltas às vidas pessoais
e familiares. O choque corresponde ao impacto emocional stressante de que fala
Harrison (1976) e, no caso de A.G., surgem sinais de estado depressivo que se
prolongam por um período superior a um mês, com ansiedade, dificuldades em dormir e
irritabilidade, por exemplo, que o levam a consultar médico.
185 Ver capítulo “Organização do tempo no desemprego”.
298
O choque é vivência comum a vários grupos sociais. Para lá da situação de
evento inesperado, o choque, no caso de A.G. e de todos os entrevistados, relaciona-se
com as seguintes características:
• forte motivação para trabalhar e ligação à actividade profissional;
• trabalho definidor de estatuto e identidade sociais;
• sentimento de segurança no emprego reforçado, neste caso, pela experiência de
23 anos de trabalho na mesma empresa com sentimento de grande dedicação;
• desemprego como primeira experiência de vida.
F.L. (mulher, 57 anos de idade, tem origens sociais de classe média alta; é
economista muito diferenciada profissionalmente e com muitos anos de experiência em
várias empresas) representa outro caso que viveu o sentimento de choque. Com uma
vida muito activa, reúne as mesmas características de forte ligação ao trabalho e a
circunstância do surgimento do desemprego de forma inesperada. Contudo, há dois
anos, com uma outra direcção executiva, fora abordada uma hipótese de despedimento.
Muito centrada no trabalho, o trabalho era a sua vida. Para F.L., o choque ocorreu ainda
durante o período de trabalho com o anúncio e a negociação do desemprego. A
ocupação em actividades no âmbito das questões legais do desemprego desenvolvidas
na semana após a saída do local de trabalho colocou entre parêntesis o confronto com as
consequências do desemprego. É posteriormente que tem a percepção do impacto do
desemprego na sua vida, nomeadamente ao nível da ocupação do tempo. Tendo em
conta o salário muito elevado, sabe que irá perder muito rendimento mas o que mais a
preocupa é a ocupação do tempo. Sem emprego, o tempo é espaço vazio.
Em todos os casos analisados em que ocorre a fase de choque, o trabalho é
central na descrição de si mesmo, num padrão, em geral, de muitos anos de trabalho
estável na mesma empresa, seja em quadros superiores ou em operários qualificados.
Muitas vezes, mas nem sempre, a profissão constitui um elemento importante para a
definição da persona. Acresce que o desemprego acontece, muito frequentemente, como
primeira ocorrência na vida profissional ou, se não é o caso, foram alimentadas muitas
expectativas que redundaram em frustração. Contudo, a esperança de conseguir
299
emprego não é sempre reduzida, ao contrário do que sugere Hayes (1976). Além disso,
as experiências de emprego tendem a ser de longa duração, o que permite uma
identificação não só com o trabalho mas também com a empresa.
Características algo diferentes são as de D. Choque foi também o que sentiu
devido à forte frustração quando confrontada com o desemprego. Com o 9º ano de
escolaridade, 32 anos e uma criança, está inscrita no CE há dois anos e meio e recebeu
subsídio de desemprego por duas vezes. Interrompera o subsídio de desemprego que
recebia há dois meses para aceitar novo trabalho como ajudante de cozinha. Estava
muito satisfeita com o horário e as folgas para conciliar trabalho e vida familiar, pois
nem sempre é fácil conseguir horários de trabalho compatíveis com horários de creches
e escolas; situação difícil de gerir quando não existem outros apoios familiares ou de
amigos. Todavia, a experiência não durou mais de duas semanas, pelo que, primeiro
com sentimento de choque e frustração, depois com revolta e tristeza, voltou a entrar no
CE para requerer de novo o subsídio de desemprego.
No período experimental de trabalho e fui despedida! Estava tudo a correr bem. Tenho pena,
tinha tudo orientado. Aquele emprego era bom e ele disse-me para eu desistir do subsídio de
desemprego e tudo, que eu ía ficar, que gostava do meu trabalho. Afinal mandou-me embora.
Foi um choque.
Também Ana se viu confrontada com o choque do desemprego. Casada e sem
filhos, tem 38 anos e formação como técnica de farmácia. Entrevistada pela primeira
vez vinte dias após o desemprego, vivencia ainda algum choque. O desemprego entrou
em confronto com as suas expectativas de emprego seguro feito de oportunidades de
escolha individual. Emprego seguro e direito à escolha individual foram interrompidos
pelo desemprego, como se vê nas declarações. Ao longo da experiência de trabalho
nunca passou pelo desemprego. As mudanças de local de trabalho ocorriam tendo em
conta valores do trabalho como melhor salário ou proximidade de casa. Contudo, o
desemprego muda radicalmente o contexto como se o livre arbítrio individual, esse acto
de autonomia e capacidade de decisão, deixasse de existir, tornado bem volátil ou
ausente. O desemprego foi para Ana e para os colegas uma situação inesperada,
300
sobretudo tendo em conta a área profissional: o mundo das farmácias, antes seguro e
estável, foi contagiado pela instabilidade e pela destruição de postos de trabalho; uma
decisão unilateral do patronato proporciona a sensação de choque e abatimento.
Nunca pensei que isto me fosse acontecer. Acho que ainda nem estou em mim. Sabe, na
minha área, farmácia, ninguém pensava ficar desempregado. Podíamos escolher. Estávamos
num sítio e mudávamos, escolhíamos ir para outro por este ou por aquele motivo. Não se
ouvia falar de desemprego. Eu fui-me aproximando sempre de casa e melhorando por vezes
o salário. Com o desemprego é diferente. A nossa vontade não conta. Compraram a farmácia
e despediram sem dizerem nada, quer dizer sem propor uma negociação, como baixar os
salários.
Noutro caso, Joaquim, de 56 anos, chefe de produção fabril, refere também o
impacto negativo do desemprego. A ideia relativa às dificuldades económicas da
empresa durante anos serviu de preparação psicológica para o despedimento e evitou a
sensação de choque que o efeito surpresa teria provocado.
Assim, a disponibilidade de informação prévia sobre a hipótese de desemprego,
nomeadamente de encerramento das empresas, permite uma antecipação psicológica.
Nestes casos, se viu, quando a informação é prévia ao fecho da empresa, o sentimento
de choque ocorre ainda durante o tempo de actividade profissional.
VIII.2. PESSIMISMO – 1ª FASE
Pessimismo é vocábulo moderno. Denota, no sentido genérico, atitude de
abatimento e desesperança perante a vida, aliada a uma vaga e geral opinião de que a
dor e o mal predominam na existência do Homem. É a antítese do “optimismo”, que
designa a crença de que existe um certo saldo positivo, de prazer e bem e de que o bem
no fim triunfará186. O Homem comum é optimista ou pessimista não por motivos
teóricos, mas devido a circunstâncias da sua vida, como sejam melhor ou pior saúde,
186 Entre optimismo e pessimismo situa-se a doutrina intermédia do “melhorismo” segundo a qual o Mundo, em conjunto, faz progressos na direcção do bem, concepção de Herbert Spencer, por exemplo.
301
problemas afectivos, dificuldades ou prosperidade material e temperamento. No caso do
desemprego, perante a incapacidade de aceder a um qualquer emprego ou a um emprego
satisfatório surgem problemas de natureza diversa. À dúvida e perda do optimismo
junta-se a hesitação na tomada de decisões, ansiedade, depressão, frustração e quebra
nas relações pessoais. A fase de transição com enfoque pessimista culmina no fatalismo
com a construção de uma nova identidade adaptada ao estatuto de desempregado.
Consideram-se seis formas de sentir o “pessimismo”: vergonha/estigma, revolta,
insatisfação, resignação, apatia e desespero.
VIII.2.1. Vergonha/ estigma
“Vergonha” é palavra de sentido amplo ligada à reputação como sentimento ou
como reconhecimento público desse sentimento. Equivale a honra (Pitt-Rivers, 1965/
1988: 30 e 31):
“Como base da reputação a honra e a vergonha são sinónimas porque a falta
de vergonha é desonrosa (…). Como tal, a honra e a vergonha são os
componentes da virtude.”
O trabalho é valorizado socialmente.187 Um homem com emprego corresponde a
uma conduta socialmente esperada, pelo que desejada em termos pessoais. Ter emprego
é ser um Homem na sua verticalidade. “Sentir-se envergonhado” resulta da preocupação
com a reputação por parte de uma pessoa honrada que se sente humilhada.
É possível sugerir relação entre “vergonha” e “estigma”, para ser ou não
socialmente aceite. Os estigmas têm em comum marcar a diferença e atribuir um lugar
ao indivíduo188. Em termos temporais, vergonha e estigma tendem a ocorrer pouco
187 Veja-se a este propósito referência aos valores sociais no Capítulo I.1. 188 Para Goffman (1963/ 1975: 42): “Um estigma representa (…) um certo tipo de relação entre o atributo e o estereótipo (…). Em todos os casos de estigma (…) encontramos os mesmos traços sociológicos: um indivíduo que tenha podido facilmente se fazer admitir no círculo das relações sociais ordinárias possui uma característica tal que se pode impor aos olhos desses que o reencontram e se desviam dele (…). Ele possui um estigma, uma diferença infeliz ao que esperávamos”.
302
tempo após o desemprego ou quando, agravada a situação financeira se vêem em
situação de carência económica a necessitar de pedido de apoio.
Joaquim (58 anos, operário, 4ª classe), que também sentiu o choque do
desemprego após 30 anos de trabalho na mesma empresa, expressa o sentimento de
vergonha ao tomar consciência do desemprego, após entrar no CE.
(…) E foi aí que eu percebi mesmo que estava desempregado. E pode-se dizer que senti
vergonha, não sei como é com os outros mas eu senti vergonha e se pudesse, se tivesse de
que viver não estava ali.
Fazendo ele próprio parte das “culturas de trabalho”, sofre, no seu íntimo, com a
desonra da perda de emprego após uma vida dedicada à mesma empresa. É como se
deixasse a pergunta “se isto, (um homem desempregado), é um homem”.
Outros operários com muitos anos de fábrica manifestam o mesmo sentimento,
ainda que de forma menos evidente. O sentimento de vergonha pertence às sociedades
tradicionais, pelo que embora surja com pouca expressão no total das entrevistas,
apresenta evidente manifestação em desempregados com mais de 50 anos e com origens
sociais rurais. Porém, a mágoa pela perda de estatuto profissional acompanha muitos
quadros técnicos e superiores que ficaram, inesperadamente, desempregados.
Correspondem ao tipo de desemprego que Schnapper (1994) classificou de “total” e à
nossa categoria desemprego “distanciado” que se apresentou no capítulo V.
Y. (natural de Trás-os-Montes, 58 anos, 4ª classe, solteiro, desempregado há seis
meses, sem filhos, sem família, sem subsídio de desemprego, sem alojamento) dorme
num centro de acolhimento da Misericórdia de Lisboa. O seu valor ético do trabalho fê-
lo abdicar da possibilidade de acesso ao subsídio de desemprego preferindo um trabalho
instável mas remunerado que rapidamente terminou. Embora contrário à dependência
do Estado, pensa requerer RSI. Interiorizada a “cultura do trabalho” sente uma
dependência como vergonha social.
303
Se calhar ainda tenho de pedir aquele rendimento da assistência para ter algum enquanto
não trabalho. Não queria, é uma vergonha mas se calhar tem de ser. Isto assim é um
desespero.
A dependência envergonhada não toca apenas parte da população masculina sem
recursos materiais, sem apoio social e para quem ser autónomo pelo trabalho faz parte
da reputação. Algumas mulheres também se debatem com este problema. Inês, 37 anos,
divorciada, está desempregada há 10 meses, não aufere subsídio, nem consegue novo
emprego. Ainda reside num pequeno apartamento alugado mas equaciona a hipótese de
se mudar brevemente para um quarto e requerer o RSI.
Quando se tem uma criança que precisa de ser alimentada perde-se a vergonha. Ao princípio
gastei o pouco que tinha e comecei a pedir ajuda aos vizinhos; não tenho mais a quem
recorrer mas os vizinhos também não podem ajudar sempre: é um bocadinho de azeite, um
bocadinho de leite para a menina e assim, mas não se pode pedir sempre. Então comecei a ir
à Misericórdia, é por ela que faço isto, a situação está muito difícil. Levo duas caixas e trago
para casa.”
Outro aspecto merecedor de nota, relaciona-se com o impacto do desemprego,
sobretudo masculino, na relação homem/ mulher. Disso nos dá conta Sandra (37 anos)
desempregada quando se refere ao companheiro também desempregado:
O meu marido também ficou desempregado. Farta-se de procurar e nada. Não o posso ver
em casa sem fazer nada mas ele não tem culpa, coitado, farta-se de procurar mas não
consegue nada.
Também R. (42 anos de idade, licenciada em Psicologia, desempregada há um
ano, em união de facto) se reporta à relação entre homem e mulher.
Também há a questão da família. Acho que o desemprego pode colocar problemas na
relação. Uma amiga falou-me disso a propósito do marido e eu também noto isso no meu
304
caso, que é uma relação menos convencional e ele às vezes não percebe que eu preciso de
apoio ou porque é que estou desempregada.
Aliás, apesar dos resultados do inquérito apontarem maioritariamente para uma
boa integração social e familiar dos desempregados, 23,1% expressam mais conflitos
familiares provocados pelo desemprego, a par da diminuição do respeito no seu meio
social e afectivo.
Além disso, R. refere a ideia de estigmatização por parte das empresas em
relação aos desempregados, no que é acompanhada por outros desempregados.
Na procura de emprego sentimos logo que ficamos em desvantagem quando dizemos que
estamos desempregados. No outro dia falava com um amigo e ele disse-me: e porque é que
dizes que estás desempregada? Podes dizer que a empresa fez redução de pessoal e que
negociaste fazer um curso de formação para te actualizares em análise de dados. Vi logo
tudo de outro prisma com esta meia verdade, só não é verdade que negociaram comigo!
Mas se calhar ele tem razão. Sentimo-nos logo menos frágeis e menos estigmatizados!
Prossiga-se com o caso de A.G. Lentamente, depois do choque, A.G. entra numa
fase ambivalente que se prolonga por cerca de 6 meses: forte diminuição da actividade
no primeiro mês é retomada depois com alguma procura de emprego de forma diária e a
construção de um blog; em simultâneo, durante os dois primeiros meses surgem
vergonha e estigma face à possibilidade de ser reconhecido como desempregado pelos
vizinhos.189 Também não partilha com os pais que está desempregado. A.G. perdeu
contactos profissionais após o desemprego e algumas amizades ligadas à empresa.
Convive menos com amigos, situação que justifica devido ao estado de espírito e à
necessidade de controlar mais as despesas do que anteriormente. Além disso, não é o
único desempregado muito qualificado a ponderar o efeito estigmatizante da palavra
desempregado junto das empresas. Mas também emana curta e frustrada esperança pelo
regresso rápido ao mercado de trabalho (“disseram-me que podia contar com eles –
189 “Não quero que os vizinhos me vejam a sair de casa a horas diferentes do que era habitual.”
305
jornal - para me apoiarem nos contactos mas nada”) na contradição da vivência de um
tempo parado e vazio onde há espaço para a apatia190.
“Acho que as empresas nos vêem logo com maus olhos quando no currículo ou na entrevista
dizemos que estamos desempregados. Até já me aconselharam a omitir e dizer que sou free-
lancer. Não sei se o devo fazer.”
VIII.2.2. Revolta
A fase de revolta apresenta uma tonalidade pessimista mas implica energia a
necessitar libertação. Revolta corresponde ao “pessimismo activo” em que existe
rebeldia e tumulto enérgico de palavras. A fase de revolta pode surgir sem qualquer fase
prévia ou suceder às fases de choque ou de choque e optimismo. O sentimento de
revolta é mais expressivo no primeiro ano de desemprego, sobretudo entre 6 meses e 1
ano quando o desemprego persiste, Embora também ocorra logo após o desemprego. Na
revolta predomina o sentimento de injustiça pela situação vivida e é fase muito comum
entre adultos desempregados. Habitualmente, é fase de curta duração com evolução
favorável para outros estados psicológicos como o optimismo - caso se encontrem
respostas adequadas em termos de apoios financeiros, sócio-familiares ou em formação
- ou evoluir negativamente. A evolução no sentido positivo pode melhorar o estado
emocional e permitir uma fase esperançosa quanto às hipóteses de emprego nos tempos
vindouros ou adaptação a um modo de vida no desemprego. Em sentido negativo, pode
agravar-se o sentimento de degradação moral, na ausência de acontecimentos que
ajudem a melhorar a vida profissional. As manifestações de revolta ocorrem,
predominantemente, logo após o desemprego ou quando se esgota a esperança do
optimismo em relação a novo emprego e à resposta eficiente das instituições,
nomeadamente do dispositivo público de emprego e da Segurança Social. Quando não é
encontrada alguma solução de vida alternativa ao desemprego, a revolta pode virar-se
contra o próprio e gerar auto-culpabilização convocando um estado depressivo. Em
190 “Tenho muita coisa para arrumar em casa, fotografias e isso mas agora não me apetece fazer nada e passo o tempo no computador a enviar currículos e no blog.”
306
geral, os revoltados são de mais de 35 anos e podem ter todo o tipo de qualificações e
origens sociais. Veja-se um caso.
R.D., é do Seixal e regressou recentemente a Lisboa depois de uma experiência
de trabalho que durou cinco anos e meio em Timor–Leste. Com 47 anos de idade e
desempregado há 3 meses, vive temporariamente num lar da Misericórdia e está em
contacto regular com a mãe idosa que reside no Seixal. A mulher e o filho de nove anos
permaneceram na Indonésia até haver condições para o realojamento familiar. Com o 9º
ano de escolaridade, tem formação na área de electromecânica de refrigeração e
climatização realizada no IEFP e experiência de 20 anos no ramo. Decidiu solicitar o
RSI para conseguir sobreviver, motivo pelo qual se deslocou ao CE a fim de se
inscrever para emprego. Antes, aproveitara a ida ao CE para se inscrever em formação
com vista a obter a certificação pretendida. A sua revolta é manifesta pela dificuldade
em conseguir emprego e por não ser convocado para formação, e, assim, obter
certificação essencial para exercer na sua área, dada a transposição de directiva
comunitária e exigência do mercado. Rebeldia e tumulto enérgico de palavras afirmam
necessidade em ser ouvido e provocar mudança de atitude junto do dispositivo público
de emprego.
Vim para Portugal mas isto está pior do que eu pensava. Não consigo emprego em lado
nenhum. Dizem que eu tenho um bom currículo mas não consigo emprego. Vim para cá
porque se acabaram lá muitos projectos de investimento e só tinha uns trabalhinhos de vez
em quando mas fiz mal em vir. A minha mulher teve que ser operada a um tumor e foi para
Bali na Indonésia com o filho porque em Timor não havia condições. Gastei muito dinheiro
com isso, mais de sete mil euros. Eles ficaram em Bali. Ela arranjou um part-time, não
ganha muito mas sempre vai dando. A vida lá é mais barata do que em Timor e do que aqui.
Eu agora é que estou pior. Estou a viver num lar da Misericórdia, teve de ser. Já fiz uns
trabalhos à experiência de uns dias ou de quinze dias mas não pagam. Não percebo isto. É
revoltante.
Parado, sem actividade profissional, R.D. sente ameaçada a sua identidade
devido à perda do estatuto associado ao trabalho e à impossibilidade de fazer formação
de modo a recompor a vida. Como homem vive também a perda do papel de provedor
307
da família que subsiste sozinha na Indonésia, sem que possa também dar qualquer apoio
à mãe idosa.
No caso de C., a fase de choque não dura mais que breves dias para dar lugar à
acção (“eu não posso parar!”) e sentimento de revolta (“a minha vontade é apresentar
queixa contra ele pois já fez isto a mais gente”). Não pode parar porque precisa de
trabalhar para sobreviver com a filha. C. desistira do subsídio de desemprego para
trabalhar e sente-se revoltada por ter sido tratada injustamente:
Disse-me que gostava do meu trabalho, disse-me para dar baixa do subsídio de desemprego
e afinal manda-me embora ao fim de uns dias e não paga; diz que não pode pagar.
O acompanhamento de F.L. ao longo dos primeiros 6 meses demonstrou grande
dificuldade de adaptação ao desemprego. F.L. sentiu-se perdida na ocupação do tempo,
mas também frustrada com a falta de respostas para trabalhar. A idade é reconhecida
pela entrevistada como factor impeditivo de regresso ao mercado de trabalho, apesar de
qualificações altamente diferenciadas e de se considerar pessoa muito activa. Embora
com características de desemprego distanciado, reivindica apoio do IEFP para a sua
situação. O desemprego é, para ela, morte social.
Não ter trabalho é horrível. Já nos consideram velhos e eu sou tão activa. A experiência não
conta. É como se tivéssemos morrido.
VIII.3. OPTIMISMO
A expressão “optimismo” congrega os sentimentos positivos de satisfação e
entusiasmo. O termo terá sido empregue pela primeira vez em 1737 para caracterizar a
doutrina de Leibniz, segundo a qual o Mundo existente é o melhor dos mundos
possíveis, embora, posteriormente ao terramoto de Lisboa de 1755, tenham surgido
divergências entre Voltaire, Rousseau e Kant sobre a ordem e a bondade do Mundo. A
noção optimismo veio a ganhar extensão no sentido psicológico da tendência habitual
308
para encarar as situações e os acontecimentos da vida pelo lado positivo (Freitas, 1991).
O optimismo pode ser considerado, do ponto de vista subjectivo, como a disposição do
espírito de quem aprecia os acontecimentos da vida pelo lado bom. Assim, no conceito
de optimismo, encontram-se as expressões mais populares de satisfação no sentido de
contentamento, alegria e prazer, bem como a ideia de entusiasmo no depoimento dos
entrevistados.
Após o choque emocional podem surgir várias tonalidades de vivência
emocional. Nem sempre surgem entusiasmo e satisfação após o choque de desemprego
mesmo que os desempregados iniciem a procura de emprego. Aliás, em tempos de crise
económica e de aumento do desemprego, as expectativas de novo emprego são menores
do que em tempos mais favoráveis. Além disso, a idade constitui factor muito limitativo
de acesso a novo emprego quer para os desempregados mais velhos quer para os mais
novos sem experiência que procuram um emprego. Também as habilitações escolares
em falta ou em “excesso” podem bloquear o acesso ao mercado de trabalho. O
optimismo é assinalado pela atitude de auto-confiança e contentamento que se manifesta
no esforço sistemático e intensivo para encontrar emprego. Tem duração variável em
função de vários factores (segurança económica, reacções positivas do mercado de
trabalho, auto-confiança, apoio familiar e actividades de substituição). Por vezes,
contribuem para estes indicadores positivos factores externos e de natureza afectiva
como o nascimento de um filho e o apoio familiar, mas também a consciência de
recursos pessoais e relacionais para concorrer no mercado de trabalho ou mudar de vida.
De facto, nesta fase optimista trata-se da rejeição dos aspectos negativos e da fé em
mudar de vida, mesmo que entre início do desemprego e procura intensiva de emprego
ocorra uma pausa de “estar de férias”. Além disso, a percepção de desemprego como
temporário é comum aos mais jovens e aos mais escolarizados, o que reforça a visão
optimista. São tendências dos optimistas procurar emprego activamente, empenhar-se
na criação do próprio emprego ou investir em formação ou em percursos de qualificação
alternativos. A esperança domina. Em geral, não sofrem dificuldades económicas,
contam com apoio familiar, estão bem integrados na família e na sociedade. A
valorização do trabalho assalariado pode ir de muito a pouco ou nada valorizado.
Tendem a reagir de forma optimista ao desemprego indivíduos incluídos no
“desemprego distanciado”, “desemprego negociado” e “desemprego anulado”,
309
conforme capítulo V. Todavia, se falham os projectos de emprego, criação de negócio e
qualificação ou ainda, se se alteram as condições de vida materiais, os desempregados
podem vivenciar estados psicológicos de tendência negativa como “revolta”,
“insatisfação”, “resignação” ou até, mais raramente, “apatia” e “desespero”.
É optimismo que subjaz às palavras de A.G. (jornalista fotógrafo, 48 anos) ao
imaginar a mudança no curto prazo:
Eu quero acreditar que é um tempo passageiro que isto vai passar e que eu vou conseguir um
novo emprego.
Vejam-se alguns testemunhos em que satisfação ou optimismo estão presentes
mesmo após a fase de choque. Comece-se pelo “estar de férias”.
VIII.3.1. Estar de férias
A ambivalência na aceitação psicológica da perda do emprego aparece também
na negação como mecanismo de defesa espelhada na ilusão de “estar de férias”. Trata-se
de uma fase breve e pouco frequente que se liga tanto a um estado psicológico positivo
como negativo. Ao imaginar “estar de férias” é encenada, provisoriamente, a
continuidade da vida profissional com direito a férias depois de muito trabalho intenso.
Por alguns momentos o estado psicológico alivia e tudo se passa como se a ruptura
profissional não existisse. Quadros superiores de posição social diferenciada, cuja
actividade profissional era muito intensa com trabalho sem horários e que valorizam
muito o trabalho como fonte de satisfação, manifestam a conversão psicológica do
desemprego em férias, nomeadamente, mulheres licenciadas com crianças a cargo.
Considerem-se dois casos.
De início foi um choque e até me levou ao hospital com uma subida brusca de tensão. Não
contava mesmo com aquilo mas passado algum tempo optei por aceitar a situação de início
como umas férias merecidas. Só que depois o tempo se foi prolongando enquanto eu
procurava emprego.
310
(A.G., jornalista fotógrafo, 48 anos de idade, licenciado em Comunicação Social, 23 anos de trabalho
num jornal, desempregado pela primeira vez).
Eu trabalhava bastante e ía e vinha todos os dias de Cascais para Lisboa, gastava muito tempo.
Era o meu marido que ía levar e buscar a nossa filha ao infantário; mal tinha tempo para a ver.
Foi muito chato ficar desempregada mas por outro lado comecei a ver as coisas de outra
maneira, percebe? E vejo que tenho agora um tempo para estar com a minha filha que nunca
tive, está a ver? Não é que não queira trabalhar, ando à procura mas não vou aceitar qualquer
coisa e está a ser muito bom estar com a minha filha e ter mais tempo. É como se tivesse umas
férias prolongadas.
(Simone, 32 anos, licenciada em gestão, 1 filha de 4 anos, desempregada há dois meses e a aguardar
subsídio de desemprego).
Neste caso, as férias são magia para estar com os filhos gozando ao máximo a
sua companhia, ainda que cumprindo as obrigações para com o CE ou ainda que, algum
tempo depois, se intensifique a procura de emprego. A ilusão de estar de férias,
corresponde, nos casos entrevistados, a um período breve e não a uma característica
permanente de qualquer tipo de desemprego.
Simone aguarda o subsídio de desemprego, que será um contributo para o
rendimento familiar com o salário do marido. Reacção e vivências idênticas não
ocorrem com mulheres da mesma idade e com crianças a cargo mas sem recursos
financeiros para experienciarem o sentimento gratificante de umas férias prolongadas
com a prole. Nestes casos, a premência é encontrar outro trabalho mesmo que mal
remunerado e instável, como acontece com D. (32 anos, mãe solteira).
Alguns, apesar do choque, passam por uma fase ambígua onde se mistura a
revolta e se alimenta a representação do papel de temporariamente de férias, mesmo que
continuem a sofrer com o desemprego, a cumprir obrigações para com o Estado e a
procurar emprego activamente. A.G. sofreu bastante com o desemprego e já foi referido
anteriormente. Quando ganhou mais confiança com a entrevistadora, apesar de
explicitar uma atitude temporária de férias, está longe de se reconhecer satisfeito com a
vida.
311
Na população entrevistada não aparecem jovens quadros de origem média ou
superior com este tipo de atitude (gozo de férias) e que Schnapper designa de
desemprego “invertido”. Aparecem sim, jovens e adultos que abrem espaço no
desemprego e o valorizam para novas formas ou estilos de vida alternativos mesmo que
seja necessária preparação (“desemprego anulado”), conforme capítulo V.
Considera-se “estar de férias” uma sub-fase que tanto pode surgir mais
globalmente numa forma de sentir caracterizada pela revolta como pelo optimismo.
VIII.3.2. Entusiasmo
Ainda no que respeita ao optimismo, a expressão entusiasmo foi a menos usada
pelos entrevistados, embora se possam referir alguns casos, sobretudo quando se trata
da criação de um negócio ou da obtenção de novas qualificações. Tal estado de
exaltação, embora não muito frequente, tende a ocorrer quando o intervalo entre ficar
desempregado e conseguir um novo emprego é muito curto ou quando surge a
oportunidade de transição rápida para a reforma, para a criação do próprio emprego
(embora nesta última situação ocorram sempre alguns meses de espera entre a
aprovação do projecto e o início da actividade, o que pode gerar ansiedade) ou o
ingresso em actividades para uma nova qualificação. De qualquer modo, quem vai dar
início à criação do seu posto de trabalho deixa-se entusiasmar pela ideia de dedicação a
um projecto. As pessoas que vivem este sentimento encontram-se tendencialmente
desempregados há menos de 6 meses e, um pouco menos, entre 6 meses e 1 ano. Têm,
regra geral no caso dos adultos, apoio familiar, experiência profissional mesmo que em
outras áreas de actividade, ou são jovens sem encargos familiares, e com apoio familiar,
e reduzida experiência profissional. Todos têm em comum sonhos ou antecipação do
futuro que começam a afeiçoar no presente.
I., tem 30 anos, é engenheira e trabalhou sete anos na mesma multinacional de
L.. Vive com o namorado que tem um cargo importante numa multinacional. Deslocou-
se ao CE para saber as condições de acesso ao subsídio de desemprego. Viveu a
experiência difícil do ambiente tenso com vista ao encerramento da fábrica e sentiu o
choque, pois era alguém que se dedicava muito ao trabalho na empresa. Levava trabalho
para casa (preparação de projectos de formação para ministrar na Irlanda e formação na
312
Alemanha, por exemplo). Face ao fatal encerramento da fábrica, começou a concorrer
para outros empregos. Lidou com mais resistência psicológica ao ambiente psicológico
na fábrica nos meses que antecederam o fecho do que L.. De postura auto-confiante e
dinâmica, não se identifica com o estatuto de desempregada. As respostas recebidas às
candidaturas de emprego dão-lhe satisfação e entusiasmo porque confia numa
oportunidade. Durante alguns dias, debateu-se quanto à opção a seguir: aguardar o
encerramento e receber a indemnização a que tinha direito ou sair assim que
conseguisse emprego.
Nunca me vi a receber o subsídio de desemprego. Quero trabalhar. Pensei em tornar-me
sócia da empresa do meu irmão e do meu pai mas não sei, não me entusiasma muito. Tenho
concorrido para muita coisa e vejo os meus colegas, anda tudo ao mesmo. O ambiente já é
de competição porque não está fácil. O pior são os casados e com filhos. Eu tenho estado na
dúvida. Já fui fazer testes de selecção e a algumas entrevistas. Não sei se espere pela
indemnização ou se saia assim que tiver uma resposta.
No momento da segunda entrevista soube-se que quando recebeu a resposta da
primeira empresa, optou por sair para uma multinacional francesa de consultoria de
projectos mas ficou desiludida com a mesma. Parece que quem trabalhou com altos
padrões de qualidade e condições de excelência dificilmente se adapta a empresas de
complexidade sistémica e capacidade organizativa inferior. Entretanto, I. que vivia
maritalmente casou. Três anos passados, apesar de manter actividade profissional, não
se sente realizada profissionalmente. Saiu da empresa francesa para uma pequena
empresa de componentes para a indústria automóvel. Mudou de empresa em busca de
melhor rumo mas as dificuldades económicas da empresa confrontaram-na com o lay
off. Compensou esta fase difícil com a gravidez de um primeiro filho e a maternidade.
Sem dificuldades económicas no agregado familiar devido à boa posição profissional do
cônjuge, I. não deixa de sentir insatisfação pela falta de emprego que considera uma
fase temporária, sem perder o optimismo e capacidade de acção que a caracteriza.
313
VIII.3.3. Satisfação
São sobretudo os desempregados há menos de 6 meses que se revelam mais
satisfeitos com a vida. Outros, como A.G., conseguem tal manifestação quando a
situação de actividade melhora.
Ao fim de seis meses no desemprego, A.G. conseguiu uma colaboração para
cobrir eventos culturais, actividade que o ocupa bastante e cria um tempo significativo
agradável com sentido de valorização profissional e pessoal e refere “Se eu conseguisse
ficar é que era bom; ao menos não estou parado. No meu ramo parar é morrer!”.
Como se viu, L. também saiu da multinacional mas não procurou emprego.
Aproveitou o início do desemprego para se preparar para ingresso na licenciatura de
Farmácia, o que veio a acontecer. Posteriormente, auferiu o subsídio de desemprego
durante grande parte da licenciatura e continuou a viver em casa dos pais. Investindo
num projecto de vida alternativo, L. não vivenciou as fases de pessimismo e fatalismo
que podem atingir aqueles cuja vida se prolonga sem emprego e sem projectos de vida.
Enquadra-se no “desemprego anulado”.
R. é filho de pais portugueses emigrantes e nasceu em Inglaterra. Tem 39 anos, é
casado com uma jurista e tem uma filha bebé nascida quando ficou desempregado há 3
meses. Inicialmente sentiu o desemprego de forma muito negativa (“foi um choque
curto”), compensado de imediato com o nascimento da filha.
Não foi fácil encarar esta situação. O que me ajudou foi o nascimento da minha filha e ficar
com a cabeça e o tempo ocupado com ela. É uma grande alegria para mim. Quando nasce
um filho não podemos pensar no pior.
O sentimento de satisfação e até de entusiasmo resulta dessa compensação do
nascimento da filha, conjugada no tempo com o início do desemprego, experiência
parental que lhe dá alento e alegria. Nesta situação pode estar-se perante aquilo que
Freud designou de “satisfação substitutiva”, uma vez que insatisfeita uma exigência
pulsional ocorre a satisfação de outras tendências ligadas à pulsão original. Sendo esta
314
satisfação substitutiva mais elevada, pois corresponde a um investimento emocional
mais frutuoso ou amoroso, pode falar-se em “sublimação” de uma necessidade.
A relação entre optimismo e níveis etários mais jovens é exemplificada por H.,
mulher com 27 anos de idade, grávida, casada, 12º ano de escolaridade, técnica de
restauro, desempregada há 2 meses e residente em Sintra. Tem família por perto e conta
com o apoio do marido. Gostaria de aproveitar o tempo de desemprego para criar o seu
próprio negócio de restauro e venda de peças antigas. Sintética nas palavras e
sorridente, afirma que os seus maiores interesses são “ter um bebé saudável, fazer
importação de peças antigas e restauro e conseguir manter a calma, a paz e a harmonia”.
Este é um caso de “desemprego anulado”.
Após o período inicial de desemprego A. (43 anos, produtora cinematográfica
executiva, sem subsídio de desemprego, separada, 4 filhas e com apoio familiar)
enfrenta com alegria a vida familiar e a precariedade económica provocada pelo
desemprego. Afirma ser uma forma de lidar melhor com a situação e evitar transmitir às
filhas sinais dramáticos para as proteger das dificuldades. Mostra capacidade de
resiliência rara ao lidar com o desemprego, conseguindo manter-se activa e alegre. Faz
trabalhos gratuitos para estar ocupada, manter contactos e actualiza competências. Está
desempregada há dois anos e meio e o marido, de quem está separada, ficou
desempregado há um ano. Das entrevistas realizadas parece certo que A. é lutadora com
forte capacidade de resistência à adversidade. Contudo, pode questionar-se: Serão
entusiasmo e alegria completamente autênticos ou máscara social a bem do equilíbrio
das filhas e das relações sociais, uma vez que afirma: “rio para não chorar”?
Ninguém percebe como eu não me vou abaixo com esta situação mas eu digo que não pode
ser. Alguém tem que se manter firme e dar às filhas a ideia de que o mundo é bom. A elas isto
passa-lhes tudo ao lado, têm que comer e que vestir, vão à escola e brincam e eu ando bem
disposta. Alguém tem que se aguentar já que o pai delas está muito deprimido. Eu faço por
estar alegre e sempre bem disposta. Todos se perguntam como é que eu aguento. Rio para
não chorar.
315
Outro caso, H., natural de e residente em Lisboa, 30 anos, solteira sem filhos e
Bacharel em turismo, vive em casa própria com empréstimo bancário e com uma amiga.
Desempregada há duas semanas, mantém o entusiasmo de quem sabe que surgirá um
emprego brevemente. Trabalhou quatro anos e meio numa empresa de aviação
estrangeira, como agente de reservas e passagens, e afirma atitude optimisticamente
activa quanto a conseguir novo emprego. Procura intensamente emprego desde que
soube que iria ficar desempregada. Tem consciência do seu valor medido em
conhecimentos e experiência. Já teve vários empregos de curta duração.
Também me calhou a mim. A situação nas companhias de aviação não está boa. Mas
acredito que vá melhorar e que eu consiga emprego. Eu mando por semana aí umas vinte
candidaturas mas não recebo respostas - É surreal! - e por agora vou ter o subsídio de
desemprego. Já tenho alguma experiência e conhecimento de várias línguas mas queria
aprender também o alemão. Vou continuar a procurar emprego e gostava de aproveitar o
tempo no desemprego para aprender alemão. Já penso ir para outro país caso não encontre
emprego em Portugal.
Li, 41 anos, 12º ano de escolaridade, uma filha com sete anos, vive com a filha e
com o companheiro que trabalha. Trabalhou em ourivesarias e depois dedicou-se a essa
mesma actividade por conta própria a recibos verdes. Fazia jóias e arranjos de peças.
Depois de encerrar essa actividade “porque dava muito pouco” exerceu como operadora
de registo de dados durante dois anos, também a recibos verdes. Está inscrita no CE há
quatro meses e não aufere subsídio de desemprego. Apoiada pela família, sente-se
entusiasmada com a hipótese de mudar de área de trabalho depois de fazer formação:
Gostava muito de fazer jóias e assim. Mas na minha área está muito difícil e eu também
gosto muito de cozinha e de pastelaria. Fui fazer um curso de acepipes no CEPSA e gostei
muito, embora fosse curto, e vi os outros a trabalharem e as coisas maravilhosas que faziam
para festivais e assim. A minha família apoia-me e acha que devo tentar outra coisa. Até a
minha filha me fala dos pratos que depois posso fazer em casa. Até posso abrir um
restaurante depois, quem sabe?
316
Neste caso, Li não teve experiências de trabalho de longa duração em empresas,
escritórios, por exemplo, nem sonha com tal hipótese. Ligada às artes, conta com o
apoio financeiro e afectivo do marido e da família. Também a expectativa de fazer
formação numa área diversa mas motivante constitui factor positivo que contribui para a
sua satisfação e entusiasmo. A idealização do futuro também está aí, não apenas com o
curso mas com a hipótese de um negócio: “porque não uma pastelaria ou um
restaurante?”, imagina.
Optimismo é revelado também por D. (40 anos, curso industrial, vive com o pai
e a filha) que irá começar a trabalhar como segurança privado. Após ficar desempregado
procurou emprego mas face à dificuldade em conseguir, assumiu a ideia de
“desemprego-férias” durante dois meses.
S. é outro caso que após um mês no desemprego tenta manter o optimismo e
algum entusiasmo. Com 43 anos, é licenciada em Direito e reside em Lisboa sozinha,
sem filhos. Trabalhou cinco anos como directora de contas numa multinacional de
publicidade de referência no mercado, depois de outros trabalhos altamente qualificados
na mesma área. A falta de trabalho implicou a sua dispensa. Está desempregada há três
semanas.
O desemprego não foi propriamente um choque porque dado o contexto do mercado pensei
nisso mas de qualquer forma é sempre uma surpresa. Sabe, esta é uma área de trabalho
muito complicada, sente-se logo a crise. Mas eu quero trabalhar, não posso estar em casa
porque sou muito activa. Não me sinto abatida. Sinto algum entusiasmo pois acho que vou
conseguir alguma coisa ou então criar uma empresa.
Para o entusiasmo de S. contam vários factores. Sabe que os tempos estão
difíceis para conseguir emprego na sua área. Todavia, há poucos dias quase o conseguia,
hipótese que alimenta a esperança de não ficar presa ao desemprego. Além disso, irá
receber o valor máximo de subsídio de desemprego permitido por lei, o que lhe permite
algum à vontade na gestão das suas despesas e da vida diária, pese embora a redução
financeira a que se vê obrigada face ao salário anterior. Não tem encargos nem
preocupações com filhos e pretende criar uma empresa.
317
As evidências permitem concluir que nos primeiros tempos de desemprego, após
a fase de choque (quando ela ocorre), parte dos desempregados, sobretudo os mais
jovens e escolarizados, com recursos financeiros e apoio familiar, vivem sentimentos de
optimismo sentindo-se mesmo entusiasmados e satisfeitos com a vida.
Outros, como Camilo (54 anos e o equivalente ao 9º ano de escolaridade),
prepararam a entrada no desemprego como quem acautelou a reforma. Satisfação é o
que sente. Proprietário de casas, propriedades e automóveis de colecção encontra-se
desempregado há oito meses e recebe o valor máximo de subsídio. Trata-se de um caso
de desemprego planeado. Está inscrito no CE como desempregado depois de ter
vendido a sua empresa de representante da TMN, tendo ficado, estrategicamente uns
tempos, como Director da empresa e a mulher como chefe de loja para virem a usufruir
do direito ao subsídio de desemprego.
Sinto-me satisfeito com a vida. Já trabalhei muito e sempre fui muito organizado e fiz boas
opções de negócios. Já é tempo de deixar de ter um trabalho remunerado e continuar a
dedicar-me àquilo de que gosto, principalmente os carros de colecção. O que eu gostaria
agora era de passar para a reforma pois estou a perder dinheiro no desemprego. Recebo o
máximo mas é metade do que receberia com a reforma. Também gosto muito de estar com os
netos, é um entusiasmo estar com os miúdos.
Preparada a entrada no desemprego, Camilo não passou pela fase de choque nem
de pessimismo, pois não pretende regressar ao mercado. Quer actividades gratificantes e
depois transitar formalmente para a reforma.
Retoma-se o caso do A.G. Apesar de ter vivenciado choque em relação ao
desemprego e receio do estigma social, A.G. tenta aceitar positivamente o desemprego
imaginando mudanças no curto prazo: “Quero acreditar que é um tempo passageiro
que isto vai passar e que vou conseguir novo emprego”.
As palavras de A.G. poderiam ser letra de canção: É preciso acreditar. Porém
“querer acreditar” é motivação para algo e exige esforço, não é o próprio estado de
acreditar. Envolver-se no projecto de um blog, alimentá-lo com fotografias e
informações é forma de aliviar tensão, ocupar tempo e mente, esforçar-se por acreditar,
318
enquanto no blog se multiplicam visitas e contactos em potência. O sucesso do blog
leva-o a imaginar que poderá abrir um espaço cibernáutico de contactos e, quem sabe,
trabalho inesperado e bem-vindo. No meio das tentativas para procurar emprego tenta
acreditar que nem tudo o que acontece na vida é planeado; será que um emprego pode
surgir do imprevisto ou acidental?
Passo o tempo no computador a enviar currículos e no blog. Até acho que estou a gastar
muito tempo no blog mas gosto daquilo. E sabe-se lá se pode aparecer alguma coisa …Sei
lá, uma pessoa programa tanto a vida e depois, afinal, é-se despedido ao fim de tantos anos!
…Sei lá, pode ser que surja alguma coisa, através do blog sem planear, é visto por tanta
gente que se interessa! Seria bom. Sei lá!
A expressão “sei lá” assinala, precisamente, a dificuldade em fazer a leitura do
mundo contemporâneo na sua instabilidade económica e profissional que afecta
indivíduos e famílias. A.G. e muitos outros desempregados entrevistados que passaram
pelas fases até agora assinaladas procuram emprego. Porém, esperança e optimismo não
estão isentas da invasão de sentimentos negativos em relação ao estatuto de
desempregado e à quebra nas relações sociais. Nomeadamente, está presente o receio de
estigma e marginalização no recrutamento de empresas face à idade e ao vocábulo
“desemprego”, que considera marcado por conotações sociais negativas. Será o
desempregado visto como incompetente, preguiçoso, vadio?
Assim, o futuro entra em jogo com a esperança e a esperança marca a espera da
chegada do futuro. Os provérbios populares assinalam o paradoxo da esperança.
Afirmar “quem espera sempre alcança” marca a firmeza da esperança, uma espera
paciente e activa pela conquista um futuro melhor, por oposição a “quem espera
desespera”, esperar sem que nada aconteça, esperar que gera desespero e fadiga. Se por
um lado esperança permite ação transformadora rumo ao devir, por outro, esperar sem
que nada se altere pode transformar-se no desespero da ausência de esperança. É entre
estes dois sentidos da esperança que se movem os nossos desempregados. A mesma
pessoa pode vivenciar os dois estados de alma e oscilar entre um e outro consoante
319
algumas variáveis sociológicas ou psicológicas e as respostas que o presente oferece aos
seus investimentos e solicitações.
VIII.3.4. Libertação
Pode encontrar-se uma sub-fase no optimismo designada “desemprego
libertação”. Compreende situações em menor percentagem: o desemprego é vivido,
após alguma surpresa e tensão inicial, com alívio, descontracção e libertação. Os
entrevistados são em geral, pessoas ainda jovens, sem filhos nem responsabilidades
familiares que irão auferir subsídio de desemprego. Partilham ainda fraca motivação e
ligação à actividade profissional e, muito frequentemente, o desejo de mudar de
profissão. Em alguns casos, o stress vivido na actividade profissional torna-se
insustentável, pondo mesmo em causa a saúde, pelo que desejam mudar de vida.
O prolongamento da insegurança quanto ao futuro da empresa é gerador de
muita tensão psicológica. Alguns trabalhadores, sobretudo os mais jovens, com
demonstrações de vitalidade e sonhos para mudança de vida, desejam que tudo acabe.
Veja-se o caso de uma jovem (L., 26 anos, 9º ano e empregada fabril, desempregada há
mês e meio), para quem o desemprego foi “sopro de ar fresco”:
Aquilo na fábrica era um horror. Já não suportava estar naquela linha de montagem, doíam-
me as costas, os braços e os olhos. E não parávamos. Agora acabou tudo e ainda bem. Acho
que não era vida para mim, agora quero tirar um curso profissional e aprender uma
profissão de que goste, talvez informática. Bem sei que tenho poucos estudos mas vou
esforçar-me. Aquilo acabar foi um sopro de ar fresco.
Quando o fim da empresa já foi definido e o futuro se constrange na demora
prolongada de encerramento, a tensão emocional no quotidiano organizacional a par das
negociações colectivas, desemprego e libertação combinam-se, sobretudo para os mais
novos, (com apoio familiar e sem dificuldades financeiras), que equacionam outras
hipóteses de projecto de vida. O tempo de desemprego pode ainda ser aproveitado como
tempo de estudo, formação e mudança de rumo profissional depois da tensão vivida. No
trecho seguinte, apresenta-se a perspectiva de E., (28 anos, engenheira, desempregada
320
de uma multinacional que encerrou), que apesar do choque vivido inicialmente pretende
aproveitar o desemprego para cursar farmácia, a exemplo da irmã (mais velha). Tem
apartamento próprio (com hipoteca) mas vive em casa dos pais, o que constitui um
apoio.
Eu não esperava que a fábrica fechasse. Ninguém esperava. Quando começaram a falar
nisso ainda estava tudo no ar, vai, não vai, serão rumores mas depois ficou manifesto para
mim e para muitos que era mesmo assim, sabe, embora muitos também não acreditassem e
quer dizer que antes também não imaginei que pudesse fechar. Mas depois vi que era mesmo
assim e até cheguei a um ponto, nos últimos meses, que estava desejosa que tudo acabasse.
Já não se aguentava o ambiente negativo e as conversas do fecha não fecha. Eu via muitos
colegas ansiosos na procura de emprego e sem saberem o que fazer à vida. Parece que o
mercado está difícil. Já nem diziam uns aos outros para onde tinham concorrido por causa
da competição mas eu acho que agora vou aproveitar para mudar a minha vida. Já não
estudo há muito tempo, não sei se vou conseguir mas vou estudar e candidatar-me ao curso
de farmácia. Eu vou estudar outra vez e acho que é uma boa alternativa a ficar dependente
do emprego aí fora, percebe? Eu vou conseguir equivalências a muitas cadeiras pelo curso
de engenharia que tenho e mesmo que entre para uma privada, como vivo em casa dos meus
pais aproveito o subsídio de desemprego para investir numa nova profissão. A minha irmã é
farmacêutica e eu aos sábados tenho o hábito de a ajudar. Eu gostava do que fazia mas não
era assim aquela coisa de grande entusiasmo e assim, percebe; era para ter um salário e
quando saía gostava de ter a minha vida cá fora. Não era do tipo de ficar obcecada com o
trabalho e de levar trabalho para casa. Aliás, a política da empresa não era essa. Vou tentar
seguir outro rumo.
O trecho evidencia sete aspectos relevantes:
• improbabilidade de uma grande multinacional fechar;
• situação emocional difícil de suportar antes do encerramento, com fortes tensões
sociais e psicológicas na organização;
• desemprego como tempo-espaço para dar novo rumo à vida, com investimento numa
outra licenciatura orientada para uma actividade liberal por conta própria;
• subsídio de desemprego como suporte de apoio ao financiamento na formação;
• família como suporte do novo projecto de vida;
321
• reprodução do mesmo percurso profissional da irmã como alternativa ao trabalho
assalariado;
• tempo cheio de novos significados ligado a um novo espaço organizacional que
transita da fábrica para a universidade.
J. apresenta uma situação mais extrema em que o desemprego foi também vivido
como libertação. De 47 anos e licenciado em Direito, trabalhava para uma empresa de
advogados cujo sócio principal teve problemas com a justiça. Perdeu emprego e alguns
salários. Liberto das “confusões judiciais”, viveu o desemprego como uma experiência
positiva, libertação e férias. Está desempregado há quatro meses, mostra-se activo mas
só procura emprego para cumprir as obrigações do CE. Pretende mudar de vida e abrir
um negócio numa área completamente diferente:
Ter ficado desempregado foi um bom acontecimento na minha vida para me libertar de um
padrão que levava há muito tempo, já era um hábito, tinha o meu salário mas isso não era
tudo. Libertei-me do stress! Agora tenho gozado uma espécie de férias e ando a pensar em
abrir um negócio. Vamos ver.
VIII.4. PESSIMISMO – 2ª FASE
VIII.4.1. Insatisfação
Insatisfação é, certamente, a fase psicológica mais frequente; em um ou outro
caso, relaciona-se com outras circunstâncias da vida que não apenas o desemprego (por
exemplo, coincidência com morte do cônjuge ou divórcio). É manifestada por muitos
entrevistados adultos com experiência profissional e que não conseguem emprego,
formação, criação de negócio, nem outras respostas às suas necessidades,
nomeadamente materiais. Pode ser ou não antecedida das fases de choque e de revolta.
O pensamento da fase optimista de que tudo se resolverá enfraquece. Os insatisfeitos
repartem-se pelos diferentes tipos de desemprego (distanciado, negociado, adaptado,
interiorizado e reivindicado), excepto o desemprego anulado. A sua permanência
322
depende do apoio familiar, condições financeiras, da capacidade individual de acção
sobre a realidade e de encontrar soluções práticas para a vida profissional e pessoal.
Insatisfação não corresponde necessariamente a um estado de derrota mas a
descontentamento que pode predispor à acção. Não é difícil encontrar pessoas
insatisfeitas no conjunto dos desempregados entrevistados. As manifestações de
insatisfação aumentam com o aumento do tempo de desemprego e agrava-se com a
quebra financeira. Como se viu em capítulo anterior, para a grande maioria dos
desempregados o trabalho é valor central nas suas vidas. Além disso, o desemprego
implica, em geral, perda de rendimento socioeconómico, desestruturação temporal e
dano no estatuto social. Quando toda a busca infrutífera de emprego se combina com a
idade avançada, tende a ocorrer a instabilidade ou desistência na procura de emprego.
Ressoam as palavras dos Rolling Stones: I can get no satisfaction. But I try. O
refinamento da insatisfação configura o fatalismo; impossibilidade de mudança e
adaptação ao desemprego como modo de vida nos seus diferentes rostos: resignação,
apatia e desespero.
Vejam-se alguns exemplos paradigmáticos mas diferente uns dos outros.
A.G. aborda o assunto relacionado com a ocupação do tempo e com a vida
familiar. Nesta fase, também está presente ansiedade e tristeza ao não conseguir
respostas positivas de emprego e com o enfraquecimento e ineficácia dos contactos
sociais.
A coisa que mais me custa é a minha mulher chegar a casa e perguntar o que é que eu fiz
durante o dia. Acredita que até parece uma provocação porque eu tenho a sensação de que
não fiz nada? Até tenho montes de coisas para fazer, para organizar no escritório de casa,
que antes não tinha tempo de fazer porque trabalhava muito, e com horários muito longos.
Agora não me apetece e passo o tempo no computador a enviar currículos e no blog.
No caso de S., a insatisfação com a vida tem um fundo de tristeza. O apoio das
instituições sociais como a Misericórdia de Lisboa constitui uma alternativa à falta de
apoio sócio-familiar e estatal. Holmes (1978) analisa o grau de stress provocado por
323
acontecimentos de perda como a morte do cônjuge e o desemprego191. Neste caso, à
morte do cônjuge associam-se outras dificuldades como a perda de emprego e as
implicações de carência económica crescente, enquanto falta também apoio familiar.
Aos poucos, os recursos financeiros vão-se esgotando e surgem dificuldades com as
despesas fixas como alojamento e alimentação. Combina o stress pela morte do marido
com o stress pela perda de emprego sem subsídio de desemprego, dados que poderiam
levar a considerar a situação social e psicologicamente explosiva. S. começa a sentir-se
refém dos limites de pobreza mas pedir apoio social está longe de se afigurar situação
fácil para quem tem dignidade. Contudo, sem apoio familiar nem emprego, vê-se na
contingência de pedir ajuda para a creche da filha e bens essenciais. Pensa ainda na
possibilidade de requerer o RSI, o que não gostaria de fazer. A acontecer, seria a
confirmação de carência económica, castradora da dignidade social.
A situação é complicada mas o pior mesmo foi a morte do meu marido e parece que vem
tudo por arrasto a complicar-se. É uma tristeza mas não me posso deixar ir abaixo. Tenho
uma filha para cuidar. É o que me dá forças. Já tenho dificuldades em pagar a casa e
preciso mesmo de encontrar uma solução. Não é fácil, procuro emprego, vou ao CE, já fui a
entrevistas e nada. Quero trabalhar. Não gostava nada de pedir apoio social, nunca me
imaginei nesta situação, é uma tristeza, uma angústia mas tenho uma filha para criar e tenho
que pôr o orgulho de lado.
R., motorista referido anteriormente, sente-se insatisfeito depois de uma fase de
revolta pelos salários em atraso e horas extraordinárias não pagas. Com três crianças e a
mulher também desempregada, a família vai deixar a casa alugada onde vive e proceder
a realojamento em casa da mãe. As dificuldades financeiras agravaram-se com o
desemprego da mulher e o nascimento da última filha, o que levou a entregar ao banco o
apartamento adquirido com empréstimo.
A.R., 35 anos, solteiro, sem filhos, 9º ano de escolaridade, desempregado há 10
anos. Consumia drogas até 1998 e continua a considerar-se toxicodependente. Aufere
191 Na sua lista têm mais peso, como factores de stress, alguns acontecimentos da vida afectiva como “morte do cônjuge” (100%). Também o desemprego surge neste estudo com peso bastante stressante (47%), comparativamente a muitos outros acontecimentos sociais.
324
RSI. Fez um curso de jardinagem e trabalhou numa Associação. Reconhece a
importância do trabalho para equilibrar a sua vida, sentir o preenchimento pessoal de
gratificação face à utilidade pessoal e social que do mesmo advém.
Sinto-me vazio, não me sinto útil nem para mim nem para os outros, para a sociedade.
Dantes não ligava ao trabalho, agora acho que é importante, que nos preenche se gostamos
do que fazemos como era o meu caso com a jardinagem. Se não gostamos é diferente, é um
frete.
J.E., tem 45 anos, 9º ano de escolaridade e consumiu drogas. Desempregado há
onze meses, sem apoio familiar, aufere RSI e reside num abrigo. Quer trabalhar mas não
consegue emprego. Revelou a importância do trabalho não apenas como fonte de
remuneração mas também como ocupação de valor psicológico e preventivo da doença
mental, como a depressão.
F. tem 58 anos, o 6º ano de escolaridade e era caixeira. Tem uma filha
desempregada, sem subsídio que reside com os pais. Desempregada há três semanas,
não pensa ainda muito no que lhe acontecerá quando terminar o subsídio de
desemprego. Todavia, sente alguma preocupação, pois desconhece se poderá transitar
para a reforma.
Como me sinto? Insatisfeita. Sem trabalho e ainda à espera de subsídio como vou sobreviver
e se a minha filha também não consegue nada? Isto está muito mau. Seria bom se eu
conseguisse entrar na reforma a seguir mas se calhar não consigo. Daqui a algum tempo vou
perguntar na Segurança Social como é, pois eles é que têm que me informar. Vamos lá ver. E
preocupa-me a situação da minha filha.
Veja-se agora um caso onde a insatisfação se relaciona não só com a situação de
desemprego mas com a responsabilidade individual.
M.R. (35 anos de idade, 11º ano de escolaridade incompleto dos Salesianos) não
vivenciou choque ou revolta e assume a responsabilidade pela perda do emprego por
problemas de toxicodependência. O pai trabalhou no Casino do Estoril como técnico de
325
máquinas e já está reformado. Tem um irmão mais velho. Vive com os pais; embora
casado (sem filhos) está separado da mulher há um ano; alimenta a esperança de uma
reconciliação; bebe e fuma muito e considera-se toxicodependente, embora tenha
deixado os consumos há seis anos. Os pais constituem o grande apoio social e
financeiro. A insatisfação que sente é insatisfação consigo próprio pela responsabilidade
na situação de desemprego e na separação da mulher.
Eu perdi o melhor emprego que tive até hoje. O meu pai fez um pedido e entrei para a
Fábrica X. Em pouco tempo passei de operário desqualificado a operário especializado e fui
por aí acima até ao laboratório de análises químicas. Mas eu já andava nos consumos e
depois fiquei de baixa prolongada para me tratar. Quando voltei propuseram-me fazer o
trabalho de baixo: esfregar, carregar e não estive para isso. Fiquei lá dia e meio e fui-me
embora. Voltei a meter baixa. Depois chamaram-me para fazer a rescisão do contrato. Não
posso dizer que senti um choque porque a culpa foi minha. Dei cabo da minha vida e agora
não consigo encontrar nada. Valem-me os meus pais.
Veja-se o caso de Ana, 48 anos e o 12º ano de escolaridade, solteira, sem filhos,
que vive sozinha, delegada de informação médica, natural da zona de Santarém,
segunda filha de um casal já falecido. O pai era militar e a mãe doméstica. Tem vasta
experiência e formação especializada como delegada de informação médica em várias
empresas nacionais e multinacionais da indústria farmacêutica. Ficou desempregada há
um ano e pela segunda vez. A primeira foi de muito curta duração. Agora, tratou-se de
despedimento colectivo. Como todos os entrevistados na fase optimista, Ana rejeitava
os aspectos negativos e acreditava conseguir novo emprego na sua área profissional.
Primeiro, equacionou a hipótese de mudança de área geográfica e mudou-se do Algarve
para Lisboa; depois, ponderou facilmente a aceitação de salários baixos e a hipótese de
mudança de profissão. Mesmo assim, não conseguiu emprego. O prolongamento da
situação de desemprego leva à fase pessimista no contexto de insucesso na obtenção de
um novo emprego e de perda ou redução das prestações sociais.
Quando ficou desempregada, logo após o choque, assumiu uma atitude optimista
e pensou que dentro de 3 ou 4 meses já estaria a trabalhar. Porém, o desemprego tem
vindo a prolongar-se. O entusiasmo resfriou a pouco e pouco e, actualmente, domina o
326
pessimismo não desistente pois continua a lutar. Ana não conta com apoio familiar e
apenas se relaciona com a cunhada (ex-mulher do irmão) que também vive em Lisboa
com os filhos. Já equaciona a idade como factor impeditivo de acesso a empregos.
Findo o entusiasmo inicial após muita procura de emprego inconsequente na área da
indústria farmacêutica, Ana começou a procurar emprego na área comercial para
qualquer função mas, mesmo assim, não tem conseguido, o que se torna desesperante.
Todos os dias digo a mim mesma: lá vou eu para a minha luta! Há dias muito negros mas
todos os dias vou à minha luta. Há dias em que se está muito entusiasmado porque se
respondeu a isto e àquilo e fica-se com esperança de alguma coisa, pelo menos uma
resposta. Depois, passam uma, duas, quatro semanas e nada, nenhuma resposta e
fraquejamos. É mais do que insatisfação. Mistura-se tudo de negativo. Tive que pensar que
cada dia é um dia e virar a página porque senão cai-se no fundo. Eu agora já estou por tudo,
preciso é que surja alguma coisa mesmo que não seja na informação médica. E se não
arranjar nada, não sei, mas posso meter-me em casa de alguém para cuidar de crianças ou
assim. Não sei, só sei que tenho de sobreviver.
Insatisfação é também o que sente M. à beira de completar 56 anos de idade;
vive há três anos uma situação de desemprego prolongado. É solteiro sem filhos, tendo
vivido em união de facto durante alguns períodos da vida. De origem goesa e natural de
Moçambique, de onde regressou depois do 25 de Abril de 1974, nunca se integrou
completamente na sociedade portuguesa e no mercado de trabalho. Em Moçambique,
estudou no colégio dos Maristas e tinha, com os colegas, expectativas quanto a serem os
futuros quadros do país, o que não aconteceu por causa da descolonização.
Para além de ter uma posição crítica em relação à descolonização, M. tem o
sentimento de um passado perdido, cujas experiências e vivências transformadas em
narrativa de vida perderam sentido no mundo contemporâneo e deixaram de ter valor
porque o passado não conta. Só vale o presente. Porém, o seu presente é vazio. Foi
empregado bancário em Moçambique. “Ficar de fora” descreve bem a sua situação de
marginalização no espaço social da segunda República. Esteve desempregado em três
períodos diferentes, auferindo então o subsídio de desemprego. Actualmente, recebe
327
RSI há 10 meses e vive em quarto alugado, no apartamento de um senhor idoso. Tem
apoio da Misericórdia para renda, alimentação e medicação.
Eu vi-me na situação de ter aquele rendimento, como é que se chama, não é o subsídio de
desemprego?! São os 160 euros por mês e tenho mais o apoio da Misericórdia na
alimentação, no quarto e no pagamento da medicação porque tenho problemas de coração.
Tomo 9 comprimidos por dia, não posso fazer trabalhos pesados nem andar a correr. Venho
cá ao Centro todas as semanas para ver se há trabalho.
“Sem chão para andar ou um chão vazio” retrata bem a percepção do presente,
embora mantenha alguma esperança em relação ao futuro. M. não é um desistente. As
relações familiares são quase inexistentes. Tem dois irmãos mas não se relacionam. Está
envolvido na comunidade local por via da ajuda na igreja da sua paróquia,
nomeadamente nas angariações de bens para os pobres mas não se mostra crente. M.
tem consciência das suas limitações físicas mas pretende regressar ao trabalho.
J., 54 anos, 4ª classe, indústria hoteleira, vive só num apartamento que comprou
há anos com empréstimo bancário mas que só consegue pagar com a ajuda da irmã.
Divorciado há 12 anos, tem uma filha adulta e independente. Trabalhou em hotéis de 5
estrelas. Faz parte dos desempregados de meia-idade confrontados, em termos de
reingresso no mercado de trabalho, com a idade “avançada” e as baixas habilitações
escolares. Sente-se insatisfeito com a vida pela dificuldade em conseguir emprego.
C.V., 35 anos, 7º ano unificado, desempregado há seis meses, vive com os pais.
A sua actividade ocupacional ao transitar da actividade com o pai (subempreiteiro) para
o mercado aberto cai no trabalho desqualificado de estafeta e evolui para alguma
qualificação como vigilante. Esta ficou comprometida com o fim do trabalho não
permanente e um cartão do Ministério da Administração Interna que não pode renovar
por falta de recursos financeiros. Face à experiência de trabalho e considerando a
escolaridade mínima obrigatória para a sua idade, não valoriza a necessidade de
aumentar qualificações. A urgência é trabalhar – por necessidade material e de
ocupação psicológica.
328
Não me vejo a estudar mais, nunca gostei. Eu quero mesmo é trabalhar, faço qualquer coisa,
preciso, não é só pelo dinheiro, é porque eu acordo e sinto que me falta qualquer coisa, é
aborrecido, aborrecido e depois posso cair na depressão.
E., cinquenta anos, casada, tem uma filha na Universidade. Recebe subsídio de
desemprego no valor de trezentos euros há dois anos. As suas palavras expressam a
frustração de desempregada por oposição a empregada ou reformada.
Gostava de não estar aqui e de ter dinheiro para governar a casa, estar no activo com um
ordenado bom ou na reforma com dignidade. É triste uma pessoa levar a vida assim depois
de tantos anos de trabalho.
VIII.4.2. Resignação
Jahoda, Lazarfeld e Zeisel (1933/1972) no estudo de Marienthal mostram que
atitudes perante o desemprego mudam em função dos recursos económicos, com
diferentes resultado psicológicos. Quanto menos rendimentos económicos mais
resignação e apatia entre desempregados e famílias. Diremos também que mais
desespero.
Na presente investigação, parte significativa de desempregados com mais de 45
anos sentem-se resignados com a falta de oportunidades de emprego; também os
desempregados há mais de 6 meses. Já procuraram muito sem resultado. Podem fazer
parte de qualquer tipo de desemprego abordado no capítulo V., à excepção do
“desemprego anulado”. “O que é que posso fazer?” É questão frequente, revisitado o
sentimento de culpa agora sem mais lugar. Parcos de palavras, afirmam-se conformados
embora ofendidos. Mostram grande resistência ao sofrimento e tentam manter
actividades que lhes ocupem o dia. Prolongado que foi o tempo de desemprego por mais
de um ano sem conseguir qualquer trabalho, desistem de procurar e dedicam as sobras
de tempo a actividades diárias ou semanais (veja-se capítulo relativo à organização e
ocupação do tempo). Trata-se da adaptação a um modo de vida no desemprego, possível
quando asseguradas as necessidades de sobrevivência, apoio e integração familiar. Por
vezes, ocorre a transição da resignação para a apatia. Enquanto os conformados com a
329
dor moral do desemprego prosseguem actividades alternativas de ocupação do tempo,
os apáticos vivem a indiferença, o aniquilamento da vontade e das paixões. Veja-se um
exemplo com tonalidades várias: resignação, apatia, fatalismo.
B., de 58 anos, apenas concluiu o 7º ano no ensino regular. Com a profissão de
electricista exercida durante trinta e cinco anos, em seis empresas, não consegue
trabalho desde que ficou desempregado pela última vez há cinco anos. Considera-se
homem activo mas perdeu vitalidade e entusiasmo. Já desistiu de procurar emprego.
Conta com o apoio da mulher que ainda trabalha como cozinheira.
Sabe eu tentei muito conseguir emprego. No meu tempo não contava as habilitações, contava
saber trabalhar. Agora perguntavam-me no CE as habilitações e diziam que eram poucas
mas nas empresas não me perguntam, querem é saber da idade e acham-me velho. Então que
é que vou fazer? Desistir, é o que faço. Não vale a pena procurar porque uma pessoa já se
sente mal, parece que anda a mendigar. Já desisti há tempos. Uma pessoa pensa no passado
e às vezes aparece um restinho de esperança mas é só isso, depois fica a tristeza, a falta de
esperança, o que é que se vai fazer da vida, a falta de vontade, a indiferença. Tenho coisas
para cuidar em casa e na horta e nem me apetece mas sei que tenho que ter força mas não é
fácil, não é nada fácil.
VIII.4.3. Apatia
A fase de apatia é mais rara e só aparece num pequeno número de entrevistados,
normalmente adultos com muita experiência, mais de 45 anos, valorizam bastante o
trabalho e vivem a frustração de não conseguir emprego. Pode surgir em sequência de
qualquer fase anterior, nomeadamente, logo após o início do desemprego. Os apáticos
integram os tipos de desemprego adaptado/ interiorizado e reivindicado, sobretudo
quando o desemprego se prolonga por um ano e a esperança morre. Os que vivem um
estado de apatia são afectados por uma quebra de ânimo. Deixam-se invadir pela
indolência numa insensibilidade que lhes toma a vida de forma global. Sentem-se “sem
vontade para nada” e não investem em actividades de substituição. Mesmo que já
tenham vivido sentimentos de entusiasmo, acção e esperança na procura de emprego,
são feridos pela insensibilidade, indiferença ou indolência. Tolhidos num fado de
imobilismo, as suas circunstâncias de vida, aliadas à sua psicologia, não motivam um
330
estado positivo, nem qualquer acção para mudança. Esta fase psicológica caracteriza-se
por desorganização e crise como resultado da desesperança e abandono social a par da
inactividade na procura de emprego. A dificuldade em reorganizar o tempo, ter
ocupações de interesse e o sentimento de profunda degradação moral constituem outras
características do estado de apatia; corresponde a um enfraquecimento da capacidade
individual em lidar com a realidade e pode apresentar traços depressivos. Aparece em
expressões frequentes (“não ter vontade para nada”) o que, conjuntamente com outros
factores, poderá ou não cumprir os critérios psiquiátricos de depressão (DSM IV). Além
disso, o acelerar da desqualificação social leva, frequentemente, a uma apresentação
física pessoal mais descuidada. Não surgindo acontecimentos favoráveis ao emprego ou
à ocupação do tempo que possam melhorar o estado psicológico, mantém-se a tendência
de apatia ou até passagem ao desespero. Vejam-se duas situações.
Procurei muito emprego mas não consigo nada. Sempre fui homem de trabalho. Já não sei o
que fazer. É muito chato estar desempregado e estar em casa mas agora é assim, sem nada
para fazer. Sinto-me sem vontade para nada.
(Manuel, 57 anos, serralheiro, desempregado há 30 meses).
Outro caso, M. (43 anos, natural de Minas Gerais, Brasil, imigrada em Portugal
há nove anos, divorciada), vive com uma filha de 15 anos num quarto. Afirma ter lidado
bem com o divórcio mas sofreu um trauma posterior pois o namorado foi assassinado.
Emigrando rumo a Portugal, residiu com a filha em Alcobaça depois de breve estada em
Lisboa. Contudo, a motivação da filha pela área de Economia trouxe a decisão de se
deslocarem de novo para Lisboa. Deixou a empresa de limpezas, onde trabalhou oito
anos, em Alcobaça, e recebe subsídio de desemprego. Os trabalhos em que esteve foram
sempre conseguidos através de contactos pessoais e facilmente mudava de uns para
outros. Actualmente, não consegue emprego. Neste caso, desemprego, depressão e
apatia combinam-se.
Para mim estar desempregada é uma humilhação! (E chora.) Sempre trabalhei toda a vida.
Quando cheguei a Portugal, cheguei um dia e no outro estava a trabalhar num restaurante.
331
Depois saí dali e fui para a empresa de limpezas em Alcobaça e vivi lá com a minha filha.
Foi uma senhora que ía ao restaurante e trabalhava nessa empresa que me falou que
precisavam de mais alguém para trabalhar e eu fui e fiquei. Estive lá oito anos e só saí para
vir para Lisboa outra vez por causa dos estudos da minha filha. Está muito difícil sem
trabalho. Procuro e não encontro.
N., desempregado há 10 meses, tem 55 anos e o 9º ano de escolaridade feito no
CNO e está desempregado há três anos. Trabalhou durante mais de trinta anos na
indústria siderúrgica. As suas palavras marcam a transição de estádios subjectivos no
desemprego que acompanham modificações socioeconómicas e a imobilidade para o
emprego.
Ao princípio a pessoa tem esperança mesmo que se sinta revoltada com a situação porque
não merecia aquilo que aconteceu mas eu procurava emprego e tentava tudo. Até fiz as
Novas Oportunidades. Diziam que era bom, que valia a pena, sempre aprendi alguma coisa e
convivi mas emprego nada, tentei, tentei mas as portas continuaram fechadas. E o tormento
a aumentar em cada não, a pessoa fica aflita, desesperada com a vida. Um homem ainda
novo, acho eu, mas foram tantos nãos e acham-nos velhos. Então desisti e já não procuro.
Tanto me faz. E não me apetece fazer nada. É uma preguiça que me dá. Vou um bocadinho
ao café e pronto. Durmo mal, acordo muitas vezes e ando irritado mas pronto, o que é que
hei-de fazer? A mulher está em casa, faz costuras para fora e eu p’ra li estou.
VIII.4.4. Desespero
O sentimento de ameaça à própria identidade pela perda do estatuto associado ao
trabalho e a incapacidade para provedor de si próprio e da família podem levar ao
desespero e à depressão. Esta fase psicológica caracteriza-se pela desorganização e crise
como resultado do sentimento de desesperança e abandono social a par da inactividade
na procura de emprego. Relaciona-se com falta de recursos financeiros e falta de
expectativas em conseguir emprego mesmo para quem ficou desempregado há poucos
meses. No caso dos mais idosos, quando o desemprego se prolonga até um ano a
inactividade na procura de emprego anda a par do desespero. É vivida por indivíduos
332
sem condições de sobrevivência, sem casa e sem apoio familiar. Vejam-se os exemplos
seguintes.
Y., transmontano residente em Lisboa, 58 anos, solteiro, desempregado há seis
meses é homem sem filhos, sem família, sem subsídio de desemprego, sem alojamento
e dorme num centro de acolhimento da Misericórdia. Vive o desespero da falta de
recursos materiais e afectivos. Na sua vasta experiência profissional como motorista
contam-se, mais recentemente, duas permanências no estrangeiro, durante seis anos na
Noruega e, posteriormente, em Inglaterra. Foi a Noruega que mais o cativou, tendo em
conta excelente salário e boas condições de trabalho. Consequentemente, teria acesso ao
subsídio de desemprego. A boa ética de trabalhador levou-o a não aceitar subsídio de
desemprego e optou por trabalhar em Inglaterra. Tal vivência em Inglaterra foi menos
positiva; regressou num curto espaço de tempo a Portugal mas sem conseguir novo
emprego. Vive com angústia e calma aparente a situação de “sem abrigo” em que se
encontra. Pondera as consequências de ter preferido a acção de trabalhar a receber
subsídio. A sua valorização ética do trabalho fê-lo abdicar da possibilidade de subsídio,
preferindo um trabalho instável mas remunerado. Tal condição e a incapacidade de
conseguir novo emprego deixaram-no em situação de forte vulnerabilidade
socioeconómica e sem abrigo, situação que se agrava pela falta de apoio familiar e
ausência de actividades de substituição. O maior problema é a carência económica.
Eu sempre trabalhei e depois consegui ir para a Noruega, o pior era o frio, era mesmo muito
frio mas ganhava-se bem e eu com a minha mãe doente, todo o dinheiro era para ela.
Pensava arranjar os dentes mas não dava; o dinheiro ía para ela. Depois a obra da ponte
terminou e vim para cá. Tive o subsídio de oitocentos euros mas eu não queria estar sem
trabalhar e não queria depender de ninguém e arranjei logo outra coisa. Consegui ir para
Inglaterra mas aquilo lá não correu bem e regressei. Só que foi mau que nunca mais
consegui trabalho e já não tive direito ao subsídio de desemprego. Gastei o pouco dinheiro
que tinha de lado, que a minha mãe já morreu. Podia ter ficado cá sossegado a receber o
subsídio, um bom subsídio aí uns três anos sem me preocupar mas quis trabalhar e perdi
tudo. Agora não tenho nada e tive que pedir ajuda à Misericórdia. Tenho onde dormir e onde
jantar. Para o almoço temos que nos desenrascar. Tenho que aceitar esta situação mas não
gosto. Sou um homem de trabalho. Sempre fui muito trabalhador. É um desespero. Não
encontro nada.
333
“Quem espera desespera” diz o adágio popular. Y atenua o desespero com o
sonho de uma nova oportunidade de trabalho no estrangeiro que sabe quase impossível,
uma vez que a empresa que o contratara fechou. Por vezes, o desespero adormece no
sonho de conseguir trabalho, um destes dias, ao virar a esquina de alguma obra.
D., 55 anos, casado, 6º ano de escolaridade, desempregado há um mês e é
electricista. Foi ao CE pela segunda vez tratar do subsídio de desemprego e refere que o
cunhado também está desempregado. Tem preocupações financeiras devido aos salários
em atraso, o que põe em risco a sua habitação e a sobrevivência da família. Preocupado
com a sobrevivência do dia a dia, D. não se mostra disponível para aceitar propostas de
formação, uma vez que tem o pensamento absorvido pelos problemas das dívidas. Além
disso, a sua grande motivação é trabalhar, oportunidade que não surge.
No CE falaram-me em fazer formação mas uma pessoa já não tem cabeça para nada com
tanta preocupação. Já não há cabeça para aprender. Eu precisava era de trabalho. Uma
pessoa está desmoralizada. Procura trabalho e não há nada. Fica-se desanimado. É
desesperante. O meu cunhado também se farta de procurar trabalho e não encontra. E se o
homem sabe trabalhar! Andamos desmoralizados! Eu tenho uma conta aberta no banco mas
não a movimento já há muito tempo porque não tenho dinheiro. No banco disseram-me que
eu tinha que pagar 15 euros ao banco mas eu disse que não tinha, que logo que tivesse ía lá
tratar de tudo.
Choque, revolta e desespero é o que sente D. após perder o emprego recente e
aguardar novo subsídio ou novo emprego. “Como vou sobreviver?” é a questão central.
O seu estado psicológico é de preocupação e desespero para conseguir um novo
trabalho no mais curto espaço de tempo, pois carece de recursos financeiros. Equaciona
pedir apoio à Misericórdia para sobreviver com a mulher e filhas enquanto não chegam
subsídio ou emprego.
Vejam-se agora alguns dados relativos ao bem-estar psicológico. Para M. a
tendência depressiva do passado é sublinhada pela ausência de trabalho. M. tem só a 3ª
classe feita no Brasil. A idade e a reduzida escolaridade, num contexto de aumento do
desemprego, constituem factores de vulnerabilidade, obstáculos à reinserção
profissional mesmo em limpezas. M. não reúne os comprovativos da procura de
334
emprego como a lei obriga e afirma que “as empresas não querem pôr carimbos a
comprovar ou dizem que não têm.” Com uma depressão diagnosticada, está a ser tratada
há sete meses pela médica de família. Tal situação de saúde dificulta-lhe a
aprendizagem pelo que não aceitou a hipótese de tentar uma escolaridade básica
reconhecida em Portugal por via do programa Novas Oportunidades, conforme sugestão
do CE. A tendência depressiva do passado é sublinhada pela ausência de trabalho.
Eu sempre fui depressiva mas agora estou pior. Foi de não ter trabalho. Tomo medicamentos
mas estou muito em baixo e não tenho cabeça para aprender nada. Podia ir para a escola
aprender mas não consigo, a minha filha é muito querida, tem muita paciência e tenta-me
ensinar mas eu não consigo.
Um homem de 47 anos, operário, desempregado há nove meses afirma um
estado psicológico negativo e a necessidade de apoio psicossocial.
Estamos psicologicamente em baixo. Estamos quase a bater no fundo e precisamos que nos
levantem. Ter com quem falar e quem nos conforte é importante.
VIII.5. FATALISMO
O fatalismo de Harrison corresponde à última fase de desemprego. Neste
contexto, o indivíduo é impotente para dirigir o curso dos acontecimentos de modo a
conseguir novo emprego. Trata-se da adaptação ao estatuto de desempregado com
aceitação de um modo de vida alternativo. A nosso ver, tem características equivalentes
à resignação. Podem também aí desembocar insatisfação ou apatia. O fatalismo não
apresenta apenas características de passividade mas contornos activos na estruturação
do tempo sem emprego e na organização de novos modos de vida, nomeadamente com
actividades de substituição.
O caso de A.G. é paradigmático do desemprego como processo de várias fases
na sincronia e diacronia temporal. Nem sempre a psicologia do sujeito se fixa
335
demoradamente numa fase; pode ser permeável a várias formas de sentir, tendo em
conta a dinâmica com o mundo exterior e o dinamismo psicológico. O acompanhamento
muito regular do processo vivido por A.G. ao longo de 4 anos permitiu apresentar um
itinerário que percorre várias fases, nem sempre diacrónicas mas que, por vezes, se
justapõem: choque inicial, revolta, estar de férias, optimismo, insatisfação com
depressividade mas consciente das dificuldades objectivas, desespero e “fatalismo
activo” no sentido de não abdicar da realização de alguns projectos pessoais e
profissionais, lutar por trabalho no quadro da nova realidade precária e sem emprego.
A.G. persiste na acção e culmina na adaptação fatalista ao desemprego crónico mas com
trabalhos, ditos “colaborações”; trazem reduzida contribuição financeira ao agregado
doméstico, embora sustentem uma identidade profissional mesmo que frágil e insegura.
De início, A.G. está desadaptado do desemprego quer pelo inconformismo em
relação à situação vivida quer por não encontrar outra forma satisfatória de fruir o
tempo livre, quando antes, a vida era de grande actividade profissional dentro e fora da
empresa. Uma vez que a experiência do tempo e do tempo no desemprego é sempre
percepção subjectiva com traços emotivos e mentais, é notória a dificuldade em
enfrentar um tempo sem obrigações e rotinas associadas a marcos temporais. O
desemprego é percepcionado tempo vazio porque a função principal de ocupação do
tempo com trabalho desaparece; cuidar dos filhos, procurar emprego, fazer o blog não
são actividades suficientemente realizadoras. Tempo e espaço associam-se mutuamente
e ficar desempregado é ficar em outro espaço que não a empresa. Ficar desempregado é
também, para A.G. diminuir ou perder contactos com antigos colegas ou amigos. Ficar
desempregado implica novos espaços apartados do mundo socioprofissional e que se
configuram como não-lugar - espaço de ausência do trabalho com objectivos, relações
interpessoais, hierarquia e salário. A simbologia tradicional da casa é de tempo e espaço
femininos. Regra geral, a casa é espaço do domínio privado; substituição desqualificada
em relação ao espaço público do emprego.
Após dificuldades de adaptação ao desemprego, a capacidade de resiliência
estrutura formas de lidar com o desemprego e com o trabalho informal mesmo se o
emprego tarda ou desaparece. Tal situação ocorre com A.G. e muitos outros
336
desempregados limitados ao não emprego. Desenha-se um novo modo de vida sem
emprego, sem planos de futuro. No fatalismo como na resignação o presente é senhor.
CONCLUSÕES E REFLEXÕES FINAIS
Iniciámos esta pesquisa com o objectivo de conhecer as práticas sociais,
vivências subjectivas e compreender sentidos atribuídos ao trabalho. Assim, procurámos
identificar estratégias pessoais de estruturação da vida e satisfação das necessidades de
quem não tem emprego na sociedade salarial portuguesa do século XXI. Foi possível
realizar uma análise compreensiva das atitudes em relação ao trabalho bem como a
compreensão de vivências do desemprego, organização dos tempos sociais, procura de
emprego e reacções ao desemprego.
Recorrendo a uma metodologia mista, foram obtidos neste estudo dados a partir
de um inquérito (por questionário) realizado junto de 300 pessoas privadas de emprego,
os desempregados (na área da Grande Lisboa). Tais dados foram complementados
qualitativamente no âmbito de 60 entrevistas, 10 “grupos de encontro” (focus groups)
com 77 desempregados e 10 histórias de vida. Os “grupos de encontro” (focus groups)
foram um recurso metodológico complementar ao inquérito e entrevistas usado apenas
no caso específico de pesquisa da organização e ocupação do tempo no desemprego.
Vimos como o desemprego é fenómeno complexo na sua configuração,
diversidade de características de quem o sofre, consequências, fases e reacções dos
desempregados. Constitui provação numa sociedade em que a actividade profissional
desempenha papel de integração social. A noção genérica de desemprego esconde uma
pluralidade de vivências do papel social, ocupação do tempo, estratégias de procura de
emprego e de lidar com o desemprego. Considerando a identidade da pessoa
desempregada como processo, foi possível analisar diferentes fases e reacções numa
perspectiva longitudinal. Quanto ao impacto do desemprego na vida dos indivíduos,
conclui-se pelo reconhecimento de consequências financeiras, psicológicas e de
organização do tempo. Na investigação emergiram opções de vida e de organização dos
337
tempos sociais como estratégias para assegurar recursos materiais e simbólicos que
garantem a sobrevivência e a reprodução individual e colectiva.
Considerem-se algumas conclusões de uma forma integrada e mais
pormenorizadamente. Comecemos por algumas características sócio-demográficas,
económicas e familiares dos inquiridos merecedoras de destaque.
• Um modelo de residência não isolado favorável à sobrevivência com proximidade
física entre familiares e notória sociabilidade
Como vimos na primeira parte, no Sul da Europa domina o modelo de residência
extensivo. Esta situação pode favorecer a sobrevivência em países de Estado sub-
protector como Portugal. Sem características de modelo extensivo (embora 26%
residam com 4 ou mais pessoas), a análise da ecologia habitacional dos desempregados
revelou que nenhum dos inquiridos reside sozinho. Mais de metade vive com 2 ou 3
pessoas, e apenas 18,1% com 1 pessoa. Quase metade dos inquiridos tem o seu próprio
agregado nuclear constituído sobretudo pelo casal e filhos; 20% partilha uma família
alargada a três gerações (pais/irmãos/avós); cerca de 20% vive em família nuclear
restrita aos cônjuges e 5% apenas com os filhos, constituindo famílias monoparentais.
Quanto aos que residem com pais, cerca de 2/3 dos inquiridos são solteiros.
É notória a grande proximidade entre inquiridos e familiares: quase 30% reside
na mesma freguesia e cerca de 24% no mesmo concelho. Tal vizinhança é mais marcada
em Sintra, situação que, certamente, facilita maior intensidade nas trocas familiares.
Indicador da sociabilidade familiar são as visitas entre familiares. A assiduidade de
visita diária ou semanal (56%) foi o mais expresso pelos inquiridos. Além disso, os
desempregados assinalam, no inquérito como nas entrevistas e nos grupos de encontro
(focus groups), muito maior ocupação do tempo com os filhos e com a família. É pois
notória a sociabilidade entre familiares. Outro aspecto respeita às solidariedades.
• Solidariedades familiares ascendentes e descendentes
No presente estudo, identificaram-se apoios, trocas e solidariedades familiares
entre pais, filhos e netos. Os dados do inquérito concluem que 30% dos inquiridos têm
apoios familiares. Além disso, as entrevistas e a pesquisa qualitativa da ocupação do
tempo permitem concluir a importância dos apoios familiares (sobretudo da parte dos
338
pais) à sobrevivência no desemprego. Para além deste apoio, os dados relativos à
ocupação do tempo revelam que muitos dos desempregados são eles próprios apoio para
a família com importância nas trocas descendentes e ascendentes com destaque para o
papel das mulheres. É relevante o papel da família, como factor protector de eventual
notoriedade na situação de desemprego. Assim, o apoio familiar no âmbito da dádiva e
trocas recíprocas e redes sociais são mecanismos micro-sociais compensatórios no
âmbito da “sociedade-providência” com importância no desemprego. Afigura-se
provável que em Portugal, país com protecção pública reduzida, a protecção privada
funcione como mecanismo de compensação que reforça a dependência familiar.
• Sociabilidade relativamente intensa e trabalho como laço social
Vista a relação com o trabalho e pese embora a forte importância do salário, a
grande maioria dos inquiridos refere uma vivência afectiva no trabalho com relações de
amizade192e manutenção da rede de amigos após o desemprego. Este aspecto não só
evidencia a dimensão social do trabalho mas dá sinais de não isolamento apesar do
desemprego, como se concluiu numa questão específica sobre o isolamento social.
Note-se, também, que após o desemprego os inquiridos passam a ocupar muito mais
tempo com a família e com os amigos.
• Generalização do desemprego ou uma sub-sociedade de desempregados?
Ainda a propósito da rede social no desemprego em cerca de 1/4 dos agregados
domésticos dos inquiridos, coexistem mais pessoas à procura de emprego, factor que
certamente contribui para a fragilização da auto-sustentação e do equilíbrio
socioeconómico. Observa-se ainda que o contacto com pessoas em situação de
desemprego é comum na restante esfera social - grande parte (78,2%) tem outros
familiares ou amigos desempregados. Desta constatação emergem duas questões para
pesquisa futura: Esta rede social é consequência da generalização do desemprego na
sociedade que faz com que cada vez mais cidadãos tenham alguém desempregado na
família ou entre amigos? Ou estamos perante uma sub-sociedade de baixos recursos
materiais e simbólicos onde o desemprego se reproduz? Ou combinam-se os dois
aspectos?
192 Sobretudo os maiores de 55 anos por contraste com os mais jovens; os inquiridos com o 1º ciclo de escolaridade por oposição aos de nível superior.
339
• Precariedade económica no desemprego
Como é do conhecimento geral, a perda de emprego tem como consequência imediata
perda de rendimento económico, mesmo para quem aufere subsídio. Analisada a
questão, confirmou-se que para a grande maioria de inquiridos, (apesar de 86,23%
beneficiar de subsídio), o desemprego gera perda de rendimento económico (95%
concordam em ter ficado com menos dinheiro depois do desemprego). Foram
encontradas situações muito diversas em termos de rendimentos (subsídio de
desemprego e rendimento do agregado doméstico) dos inquiridos. Note-se que nos
diferentes tempos de inscrição no CE, o escalão de subsídio de desemprego ou pensão
mais frequente nos inquiridos é de 300€ a 499€ mensais. O facto de 25% dos
cônjuges/companheiros(as) dos inquiridos não trabalhar é digno de nota: nenhum
membro do casal dispõe de rendimento do trabalho, o que poderá constituir indicador de
precariedade, insegurança e/ou dificuldade de sustentabilidade económica de ¼ das
famílias. A sustentabilidade económica da generalidade dos agregados tem
características de precariedade (37,2% gastam todo o dinheiro de que dispõem, 40,1%
tem de prescindir de certos bens necessários e 6,4% chega a ter necessidade de se
endividar ou de ajudas193). Somente 16,3% dos agregados apresenta indicadores de
estabilidade económica com capacidade de poupança. Como se viu, a família é
importante estrutura de apoio. Cerca de 1/3 dos inquiridos contam com apoio de
carácter financeiro, alojamento e alimentação; cônjuge/companheiro(a) assim como os
pais assumem particular destaque. Como se viu no capítulo VI (Primeira Parte), os
desempregados fazem parte das categorias com maior risco de pobreza, sobretudo
quando não há direito ao subsídio de desemprego. Com o agravamento da crise
económica desde 2008 e recentes alterações ao subsídio de desemprego, é provável que
a sobrevivência se venha agravando. Face aos dados obtidos e apesar de não ser este um
enfoque específico da presente investigação, concorda-se com as conclusões de Caleiras
(2011) quanto às consequências de empobrecimento, sobretudo quando não há acesso a
subsídio, quando a prestação do mesmo é baixa ou quando o subsídio termina.
193 Como já foi referido é de supor que a expressão “pedir ajuda” possa ter sido interpretada como pedido fora da família ou endividamento, uma vez que se encontram valores muito díspares na comparação das respostas a duas questões no inquérito. De facto, por um lado, em outra questão, 30% afirmam beneficiar de ajuda e, por outro, nesta questão, apenas 6,4% assinalam a necessidade de endividamento ou de ajuda.
340
• Valores sociais: a importância da família e do emprego
A vida familiar e o emprego constituem os valores mais importantes para os
inquiridos, o que concorda com os dados de Jesuíno (1993) e de Ramos (2000; neste
caso apenas quanto à família) relativos à população portuguesa. Encontraram-se
algumas diferenças de valores em função da idade: os maiores de 55 anos dão mais
importância à vida social194 e à vida religiosa.
• Uma relação com os Centros de Emprego (CE) frágil mas considerada útil com
expectativas de emprego
Viu-se que a quase totalidade de inquiridos está inscrita nos CE. Nota-se que
quanto mais idade mais alargado o tempo de inscrição. Os homens inscritos há menos
de 6 meses tendem a receber ajuda de familiares e a passar o mesmo ou nenhum tempo
com os filhos, enquanto os desempregados entre 6 meses e 1 ano tendem ao pessimismo
quanto à possibilidade de “arranjar emprego actualmente” e a não concordar que “ter
um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum”. As mulheres desempregadas
há menos de 6 meses tendem a concordar que após o desemprego “deixaram de saber o
que fazer com o tempo disponível”.
Analisada a relação com o CE conclui-se por uma reduzida frequência nas
deslocações a este serviço. Os que menos se deslocam não recebem qualquer subsídio.
Todavia, a grande maioria de inquiridos considera úteis os CE (embora, 13,1% não
reconheça qualquer utilidade a esta estrutura).
Apesar de, no geral, os inquiridos adoptarem uma atitude positiva quanto à
possibilidade de emprego, é entre os que mais vezes se deslocam ao CE (três ou mais
vezes por mês) que mais parece existir essa esperança.
São várias as expectativas em relação ao CE. Em primeiro lugar, o emprego
(68,7%), seguido da formação (16,2%) e da criação do próprio emprego (6,5%). A
expectativa de emprego apresenta flutuações nos diferentes tempos de desemprego, mas
a expectativa com formação diminui com o tempo de desemprego (passa de 24,32% dos
inscritos há menos de 6 meses para 10% dos inscritos há mais de 1 ano), enquanto a
expectativa de criar o próprio emprego aumenta (4,05% dos inscritos há menos de 6
194 Também o grupo 45-54 anos.
341
meses para 9,38% dos inscritos há mais de 1 ano). Porém, não se verifica relação
estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no CE e expectativas dos
desempregados.
• Procura de emprego como característica comum
A procura de emprego constitui característica comum entre os inquiridos,
independentemente do tempo de inscrição no CE. Embora não seja evidente uma
relação estatisticamente significativa, verifica-se ligeira flutuação das respectivas
proporções consoante o tempo de desemprego (13,89% dos inquiridos inscritos há
menos de 6 meses não estão actualmente à procura de emprego, reduzindo a proporção
para 8,28% nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e atingindo o máximo - 17,19% - nos
inscritos há mais de 1 ano). É provável, assim, que haja mais desistentes na procura de
emprego quando o tempo de inscrição no CE se prolonga. Também não é evidente uma
relação estatisticamente significativa entre estratégias de procura de emprego e tempo
de inscrição no CE.
• Situação face ao emprego: predomina emprego remunerado inferior a 3 anos,
desemprego de média duração
A quase totalidade dos inquiridos já teve emprego remunerado e uma minoria de
4% é candidata a primeiro emprego. Predomina o desemprego de média duração (3/4
entre 6 meses e 1 ano), enquanto 20% são desempregados de longa duração. Além
disso, cerca de 40% de inquiridos repetem a situação de desemprego. Os mais jovens
(menos de 25 anos e 25-34 anos) e os mais escolarizados (nível superior) tendem para
desemprego há menos tempo. Viu-se que o tempo de duração do último emprego é, na
sua maioria (58,7%), inferior a 3 anos na empresa embora 11,4% experiencie o
desemprego, após mais de 30 anos no último emprego. O facto de as situações de
cessação do contrato incidirem na quase totalidade (90,9%) sobre casos de permanência
na empresa até 3 anos é indicador das tendências de precariedade na contratação.
Quanto aos motivos que levaram ao desemprego, a situação de cessação de contrato foi
o mais frequente (32,7%), seguido do encerramento da empresa (23,9%).
342
• Conseguir o último emprego através de familiares e amigos
Redes sociais e familiares dos inquiridos tiveram importância fundamental na
concretização do emprego (47,3%), sobretudo entre os menos escolarizados. Outra
influência mais referenciada foi a candidatura directa a uma empresa, sobretudo para
desempregados com o 12º ano de escolaridade, seguindo-se resposta a anúncio,
sobretudo para licenciados. Apenas 1,1% conseguiu emprego através do CE. O facto de
quase metade dos inquiridos afirmar que conseguiu o último emprego através de
familiares e amigos mostra que família, relações pessoais e mercado de trabalho
convivem e os processos sociais de distribuição de posições na estrutura social são
regulados por estas instituições. São os mais escolarizados que obtêm emprego através
de anúncios num exercício de acesso ao mercado de trabalho mais distanciado das
relações familiares e sociais.
• Centralidade do trabalho e compromisso com o trabalho
Mais de metade da amostra inquirida atribui grande valor ao trabalho/emprego
por contraste com sua ausência (“ter um emprego qualquer é melhor do que não ter
nenhum”). São os menores de 25 anos e os maiores de 45 anos que mais concordam
com a afirmação. Além disso, os desempregados há mais de um ano aceitam qualquer
emprego sem reservas. Apesar de não existirem diferenças estatisticamente
significativas entre aqueles que consideram que qualquer emprego é melhor que
nenhum e os que afirmam o contrário, pode observar-se que quanto mais elevado o
nível de instrução, menor a disponibilidade para aceitar qualquer emprego. Os mais
escolarizados são, pois, mais exigentes quanto às condições para um emprego e
integração profissional. Quadros superiores da administração pública e dirigentes,
especialistas das profissões intelectuais e científicas (ao contrário do pessoal dos
serviços e vendedores) e indivíduos com uma atitude empreendedora (pensam criar o
seu próprio emprego dentro de 2 ou 3 anos) correspondem aos que menos ponderam
aceitar um emprego qualquer.
Além do claro propósito de compensação financeira, o emprego permite uma
actividade de participação colectiva e é alicerce de construção identitária com benefício
para a estabilidade psicológica do indivíduo e apoio ao equilíbrio familiar. Dados de
investigação na UE (Gallie e Paugam, 2000) mostram um mais forte compromisso com
343
o trabalho por parte dos desempregados comparativamente a quem tem emprego. Parece
que é quando existe uma ruptura na continuidade da actividade profissional que os
indivíduos mais se apercebem dos benefícios que o emprego proporciona.
Analisadas as atitudes e valores em relação ao trabalho, viu-se a importância, em
geral, do trabalho para os desempregados, pese embora alguma menor motivação de
tipos específicos como o “desemprego reivindicado” e o “desemprego anulado”.
Note-se que, apesar do forte compromisso com o trabalho em geral, a grande
maioria dos inquiridos expressou que, ocorrendo oportunidade, mudaria de profissão.
Dá-se preferência sobretudo a áreas técnicas e especializações, seguindo-se áreas
administrativa, comercial e de serviços. Encontraram-se diferenças de género, idade e
nível de escolaridade.
Ocorre ainda forte dificuldade de adaptação ao desemprego para a maioria dos
inquiridos, sobretudo tratando-se do primeiro desemprego.
• Procura activa de emprego e motivação para o trabalho; o papel da rede social e
familiar
A maioria dos inquiridos (88%) encontra-se à procura de emprego. Dos outros
12%, quase metade estão desempregados entre 6 meses e um ano. Sobre as iniciativas
de procura de emprego nos últimos meses verifica-se que metade dos inquiridos recorre
a redes sociais e familiares. Ocorre pois a repetição de estratégias que funcionaram no
passado. A segunda estratégia é a resposta a anúncios, seguida da apresentação directa
de candidaturas a potenciais empregadores; 10,7% contactam com técnicos de emprego.
• Valores em relação ao trabalho: remuneração, trabalho estável e seguro
Os aspectos mais valorizados para aceitação de emprego são remuneração e trabalho
estável e seguro, que possibilitam satisfação das necessidades básicas e redução das
incertezas quanto ao futuro. Não obstante, comparando géneros, os homens valorizam
mais a “remuneração” e a “possibilidade de promoção e formação”; as mulheres dão
mais importância à “distância de casa” e ao “trabalho que ajude as pessoas”. Assim, os
homens revelam maior inflexibilidade quanto ao salário e qualificações e as mulheres
maior inflexibilidade quanto ao afastamento da residência.
344
• Emprego preferencial a tempo inteiro
Quanto ao tempo ocupado com trabalho, a grande maioria dos inquiridos
valoriza mais o trabalho a tempo inteiro, tendência idêntica aos outros cidadãos em
Portugal, empregados e desempregados, talvez devido aos baixos salários. São as
mulheres e os jovens que mais optam por emprego a tempo parcial e trabalho ocasional.
• Expectativas optimistas de emprego na actualidade e dentro de 2 ou 3 anos
Considerem-se as perspectivas de emprego. Mais de metade dos inquiridos
revela pendor optimista, considerando “provável ou muito provável” conseguir emprego
na actualidade - estão desempregados há menos de 6 meses, são jovens e detentores do
3º ciclo ou ensino superior; uma elevada percentagem de inquiridos manifesta-se
também pessimista face ao reingresso no mercado de trabalho (“nada ou pouco
provável”), situação que tende a agravar-se com o prolongamento do desemprego,
sobretudo no caso do desemprego de longa duração (têm mais de 45 anos e reduzida
escolaridade). O optimismo tende a ser mais marcado quanto às expectativas de
emprego dentro de 2 ou 3 anos (72,9%) do que no curto prazo. De novo o optimismo é
dominado pelos mais jovens (até aos 34 anos). Estão aqui fortemente representados os
empreendedores (25 a 44 anos), o nível de educação superior e o desemprego há menos
de 6 meses. Os mais velhos tendem ao pessimismo, situação que se agrava com o
aumento da idade: entre 45 e 54 anos pensam que “dificilmente arranjarão emprego”; os
maiores de 55 anos afirmam “continuar sem arranjar nada”, no que são acompanhados
pelos menos escolarizados (1º ciclo) e que permanecem há mais de 6 meses no
desemprego.
• Dar ou não sentido positivo à relação com o tempo
Quase metade dos inquiridos dá sentido positivo à ocupação do tempo no
desemprego (“passei a ocupar o tempo de uma forma mais interessante”). Tal percepção
acompanha o estado psicológico positivo - são sobretudo os que têm estado psicológico
positivo que mais assinalam a ocupação interessante do tempo.
A maioria dos inquiridos consegue dar sentido à relação com o tempo
(discordam da afirmação “deixei de saber o que fazer com o tempo disponível”). Porém,
mais de um terço sentiu alguma perturbação ao referir não saber o que fazer com o
345
tempo disponível. São os mais jovens (menos de 25 anos) que tendem a concordar com
esta afirmação.
• Ocupação do tempo no desemprego dominada pela família e actividades domésticas
Família e actividades domésticas foram um reinvestimento por parte da maioria
dos inquiridos, contribuindo, provavelmente, para fortalecer laços familiares,
acompanhar melhor os filhos e apoiar a qualidade de vida. São sobretudo as mulheres
que mais se ocupam das tarefas domésticas e dos filhos. Também amigos e lazeres
contam com mais tempo. Contudo, um quinto afirma gastar menos tempo em
actividades de lazer, o que poderá ligar-se a restrições económicas ou estado
psicológico. Os inquiridos estão com a mesma ou menor ocupação (mais de metade) em
trabalhos incertos.195 Quanto à rede social são os mais jovens (menos de 34 anos) e os
indivíduos do 2º ciclo que passam a dedicar muito mais tempo aos amigos.
• Lazer: o predomínio de actividades desportivas e culturais
Parte significativa dos desempregados dedica-se a actividades desportivas
(sobretudo os homens) e culturais. Arte, trabalhos manuais, artesanato e actividades
lúdicas têm aqui algum peso (sobretudo entre mulheres). São os mais jovens (menos de
25 anos) que mais se dedicam aos tempos livres. Os menos escolarizados tendem a
ocupar o mesmo ou nenhum tempo nessas actividades.
• Integração familiar e social do desemprego
Posta a hipótese de impacto do desemprego na desintegração familiar e social
conclui-se pela existência de integração familiar e social dos desempregados e reduzida
estigmatização na rede social de pertença. Os indicadores apontam para uma grande
maioria com as seguintes características: partilha a sua situação de desemprego com
familiares e amigos (embora 26,7% omita essa informação à sua rede social e afectiva;
tal pode sugerir um espaço de estigma social ou auto-marginalização para mais de um
quarto dos inquiridos); discorda da frase “passei a ser menos respeitado pela família e
amigos”; a quase generalidade dos inquiridos discorda da frase “pensam de mim que
sou um inútil”; não assinala uma vivência de discórdia familiar (embora 23% refira a
intensificação da conflitualidade familiar); não perdeu amigos. De referir a minoria de
195 Embora quase um terço afirme maior ocupação com os mesmos após o desemprego.
346
12% que, acreditando receber menos respeito da família e amigos, demonstra maior
tendência em afirmar ter mais conflitos familiares, sentir isolamento, ter menos amigos
e declarar que os outros os consideram inúteis. Este sub-grupo de desempregados
poderá estar em risco de desintegração social, com reflexos no bem-estar psicológico.
• Vida saudável
Quanto à saúde, a grande maioria considera ter sido saudável toda a vida; os
mais velhos identificam-se menos com tal afirmação. Não é assinalada qualquer relação
entre início de actividade profissional e doença, nem alterações da saúde após o
desemprego. Os indivíduos acima de 45 anos manifestam mais doenças de ossos,
articulações, oftalmológicas, orgânicas, cardíacas e sanguíneas. Os mais jovens referem
mais doenças pulmonares, respiratórias, do foro psicológico e do sistema nervoso. Tais
diferenças são estatisticamente significativas.
• Estado psicológico ou subjectivo dominado pela insatisfação
Considere-se agora o estado psicológico no desemprego. Conclui-se que os
sentimentos dominantes nos inquiridos são de tipo negativo: insatisfação, resignação e
revolta. Curiosamente, procurar emprego corresponde a um estado psicológico negativo,
o que poderá indicar a dificuldade em lidar com o insucesso da procura. Note-se,
também, que as manifestações de desespero aumentam com o tempo de inscrição no
CE; insatisfação e resignação aumentam com o tempo de desemprego.
Quanto aos que revelam estado psicológico positivo com manifestações de
satisfação e entusiasmo apresentam as seguintes características: são candidatos a
primeiro emprego e desempregados há menos de 6 meses; conseguem poupanças no
agregado familiar; adaptam-se facilmente ao desemprego; passaram a usar o tempo de
forma mais interessante; têm uma visão optimista do futuro.
O estado subjectivo negativo é comum a pessimistas e optimistas quanto a
encontrar emprego. O sentimento de insatisfação com a vida é sentimento dominante
nos pessimistas e optimistas na procura de emprego, embora estes últimos revelem
menos negativismo. Os pessimistas respondem, maioritariamente, estar sem vontade
para nada, resignados, insatisfeitos com a vida, revoltados e desesperados.
347
A análise descritiva revela que os sentimentos têm pendor mais negativo à
medida que a situação económica se agrava: os que conseguem fazer poupanças sentem-
se predominantemente satisfeitos; os que gastam todo o dinheiro encontram-se
resignados; os que prescindem de bens encontram-se revoltados; os que necessitam de
ajuda ou endividamento encontram-se desesperados.
Quanto à ocupação do tempo, os indivíduos que não sabem o que fazer com o
tempo disponível têm predisposição psicológica negativa. Os desesperados, na sua
maioria, não sabem o que fazer com o tempo disponível. Por contraste, os
entusiasmados revelam capacidade para ocupar o tempo no desemprego.
• Relação com o futuro divide-se entre optimismo e pessimismo; há confiança manifesta
no futuro dos filhos
Os inquiridos manifestam-se divididos quanto às perspectivas de futuro, embora
predomine o optimismo. Foi detectado que o pessimismo quanto ao futuro acompanha o
estado psicológico negativo. A grande maioria sente-se confiante em relação ao futuro
dos filhos.
• Papel social de desempregado e relação com o dispositivo público de emprego (CE)
Vimos que a visita inicial ao CE representa o primeiro passo de reconhecimento
do desemprego, ou seja, do papel social de desempregado. É a partir desse momento
que o estatuto social de desempregado se aplica a cada sujeito, com repercussões nas
responsabilidades (deveres e direitos) definidas. O apoio do CE é visto com sentido
crítico, pelo controlo dos subsidiados, falta de empregos disponíveis e de apoio na
orientação das vidas profissionais, sobretudo pelos mais qualificados.
Foram propostos 5 tipos ideais de vivência do papel social de desempregado:
“desemprego distanciado”, “desemprego negociado”, “desemprego adaptado”/
“interiorizado”, “desemprego reivindicado” e “desemprego anulado”. Os tipos ideais
variam em função de dados objectivos, atitude dependente do Estado, motivação para o
trabalho e estratégia dominante na relação com o CE. Os tipos ideais não constituem
necessariamente fases para todos os desempregados, embora possam ser etapas de um
processo de desqualificação social.
348
Aqueles que partilham a vivência do “desemprego distanciado” caracterizam-se
por recusa da dependência relativamente ao Estado (em contraste com “desemprego
reivindicado”) e aos técnicos, pelo desejo de regressar rapidamente a uma actividade
profissional garantida que proporcione segurança financeira e reconhecimento social.
Recusam degradar a sua identidade, inflexíveis em não aceitar uma actividade
profissional abaixo das suas qualificações e com baixos salários. A motivação para o
emprego ou para a criação de um negócio é forte, concretizando-se em acções de
procura de emprego ou em múltiplas actividades de trabalho informal e/ou formação.
Desse modo, evitam perda de competências. Encaram negativamente os contactos com
o CE, visto como estrutura inútil perante as suas necessidades e experimentam
desconforto ao participar em actividades com outros desempregados menos
qualificados. A tendência é para idades inferiores a 47 anos e subsídio acima dos 999
euros. As estratégias de acção e relação dominantes são várias como a distanciação,
negação e afirmação.
O “desemprego negociado” aceita a dependência económica e institucional em
relação ao Estado com vista a aproveitar de medidas de emprego ou de formação
profissional do IEFP. Jovens com pouca ou nenhuma experiência de trabalho,
desempregados subsidiados com idades inferiores a 45 anos integram este grupo.
Aspiram a melhorar qualificações e a obter estatuto social mais digno ligado ao
emprego. Nas estratégias predomina alguma distanciação (a fim de evitar a experiência
da desqualificação social) e cooperação com os técnicos (para acesso a oportunidades
negociadas institucionalmente). Sentem desconforto e irritação com os serviços do CE
quando não conseguem respostas prontas, pois se prolonga a situação desejada
provisória. Desistem quando os processos de ingresso em formação demoram e tomam
outras opções para ingresso na vida activa.
Viver o “desemprego adaptado”/“interiorizado” implica aprender a
desqualificação social marcada pelo prolongamento do desemprego. Instala-se a crise de
identidade, embora se tente que a inferioridade social seja temporária, desenvolvendo
actividades e mantendo uma “fachada limitativa” do insucesso. Membros da “cultura do
trabalho”, só a podem aplicar na vida privada. Por impossibilidade de regresso ao
mercado do trabalho a motivação forte pode enfraquecer. Domina a resignação e
349
manifesta-se dependência e submissão ao Estado e técnicos do CE. A dependência
económica do Estado é acompanhada por dependência psicossocial. Encontram-se nesta
situação desempregados com muitos anos de experiência profissional, subsidiados, com
baixas ou altas qualificações e sem hipóteses de regresso ao mercado de trabalho.
Vivem uns o desemprego de forma mais positiva (“desemprego adaptado”) e outros de
forma mais negativa (“desemprego interiorizado”) consoante as perspectivas de
transição para a reforma, ocupação do tempo em actividades alternativas gratificantes e
grau de aceitação e integração familiar. Os que vivem o “desemprego adaptado” tendem
a encarar o subsídio de desemprego e o estatuto de desempregado como transição para a
reforma. No “desemprego interiorizado” domina a interiorização do desemprego como
forma de perda de identidade e, em geral, é aceite a cooperação com os técnicos do
Estado para todas as actividades solicitadas. Daí que as estratégias dominantes sejam
interiorização, adaptação e cooperação.
Os níveis de dependência referidos anteriormente agravam-se no “desemprego
reivindicado”. Ocorre então a reivindicação do estatuto de desempregado mesmo sem
subsídio. Enquadram-se neste tipo ideal os imigrantes e os candidatos nacionais ao RSI.
Uns e outros encaram o RSI como apoio financeiro que reivindicam. O RSI representa,
também, num processo de desqualificação social, o último elo na relação com o Estado.
As estratégias dominantes na relação com os técnicos do CE são de reivindicação e
sedução para conseguirem o estatuto desejado mesmo sem disponibilidade, interesse ou
condições imediatas para emprego. Fazem por apreender e compreender o
funcionamento dos serviços de emprego e da Segurança Social e alguns beneficiários
estrangeiros tornam-se mediadores/angariadores informais no apoio a outros candidatos
estrangeiros a RSI. Alguns ensaiam trabalhos pontuais e praticam com frequência
actividades diversas à margem do mercado de trabalho.
O “desemprego anulado” corresponde à experiência de jovens candidatos a
primeiro emprego ou com reduzida experiência profissional e sem identidade social
definida pelo trabalho. Aqui se incluem também qualificados (com ou sem apoios
sociais) que buscam modos de vida alternativos a curto ou médio prazo, nomeadamente
parte dos que querem criar o seu próprio negócio. Para todos eles o trabalho assalariado
é secundário. Não vivenciam qualquer inferioridade social e, na maior parte dos casos,
350
não estão dependentes do Estado. Em geral, têm forte integração sócio-familiar e redes
sociais independentes do emprego. Os mais jovens contam com significativo apoio
familiar. Em geral, não têm dificuldades económicas. A situação é de negação do
estatuto de desempregado, pelo que este é anulado em prol de estatutos alternativos
como o de estudante, actor, músico, pintor, empresário, etc.. Na falta de identificação
com a ideia de emprego, a estratégia é de distanciação em relação ao CE.
A análise das entrevistas, grupos de encontro (focus groups) e histórias de vida
permitiu aprofundar resultados obtidos no inquérito no que respeita à ocupação do
tempo, estados psicológicos e estratégias de procura de emprego e de satisfação pessoal.
Façam-se pois algumas considerações a este propósito.
• Organização do tempo
Um dos pilares centrais no processo de desemprego é a organização e ocupação
do tempo, seja para sobrevivência e reprodução social, retorno ao emprego ou
construção ou reconstrução identitárias. Vimos que no desemprego se perdem variáveis
organizacionais de gestão do tempo, embora apareçam outros marcadores, como as
obrigações para com o Estado ou se reforcem os deveres para com a família. Os
desempregados criam marcações temporais de actividade para que muito concorrem os
ritmos e necessidades da família. Também se retomam ou prosseguem hábitos de
desporto, cultura e trabalho que introduzem referências na orientação do tempo e na
normalidade da vida social. A marcação diária, separando globalmente tempo de
trabalho e tempo livre, fica perturbada sobremaneira e os desempregados necessitam de
definir objectivos muitas vezes diários (“o que é que eu vou fazer amanhã”) para se
sentirem activos e socialmente úteis ou, talvez, menos inúteis. Lembre-se que a maioria
dos desempregados considera muito difícil a adaptação ao desemprego. Contudo, não
vive passivamente sem quaisquer actividades: ocupa-se da economia doméstica e
familiar, de actividades de lazer e de trabalhos informais. Os desempregados
desenvolvem então estratégias em três vias: sobreviver assegurando a reprodução social,
regressar ao mercado de trabalho e manter ou transformar a identidade profissional.
A análise da organização do tempo de homens e mulheres permitiu identificar
diferenças entre aqueles que ainda pretendem regressar ao mercado de trabalho e
351
procuram emprego e aqueles que não acreditam na possibilidade de aí voltar ou que,
ocupados com funções maternais, desistiram de procurar.
Os trabalhos informais são poucos frequentes entre os entrevistados. Porém,
quando tais trabalhos existem, os desempregados tentam conseguir algum rendimento
financeiro ou em espécie e ocupar o tempo, conferindo-lhe um sentido positivo e
viabilizando o exercício de uma vocação profissional que se desqualifica se não é
exercida (sobretudo para os mais qualificados). Assim, a tentativa de aceitar trabalhos
informais, nomeadamente na mesma profissão, ajuda a não perder qualificações e a
manter ou activar contactos interpessoais no mercado de trabalho e na rede afectiva.
No caso das profissões altamente qualificadas e com horários pouco rígidos e
extensos, os entrevistados revelam a sensação de um tempo antes vivido até ao limite;
um tempo ocupado em actividades geradoras de motivação ou com objectivos claros e
metas definidas (exemplo, o fecho da impressão do jornal). O tempo pode, assim,
percepcionar-se como espaço; tempo-espaço a ser ocupado. Rentabilização,
produtividade e resultados são geradores de sentido temporal. No desemprego são,
sobretudo, as actividades de substituição por via das responsabilidades familiares ou do
trabalho informal que permitem ligação ao tempo dos outros, entrada no tempo dos
outros e sentimento integrante.
A maioria dos homens de todos os escalões etários optam por criar rotinas que
lhes permitem sair de casa. Não só, para alguns, porque a casa é o espaço tradicional
feminino, mas por motivos de isolamento e de busca seja do convívio social, seja de
emprego. As mulheres, mesmo as mais jovens tendem a permanecer mais tempo em
casa e a manter um sentido social pelo cuidar da casa, dos filhos ou dos pais idosos.
Mesmo assim, assinalam também o sentimento de algum esvaziamento temporal
socialmente significativo, bem como a falta não só de remuneração (que o subsídio de
desemprego não substitui na totalidade), mas de uma ocupação socialmente útil por via
do trabalho remunerado.
Quando já está definida a situação de desemprego e o futuro se constrange num
adiamento (onde a tensão emocional no quotidiano da vida organizacional acompanha
as negociações colectivas na empresa), entrar no desemprego pode ser vivido com
352
alívio, sobretudo para os mais jovens que equacionam outros projectos de vida. O tempo
de desemprego pode ainda ser usado como tempo de estudo e mudança de rumo.
Ao usar uma metodologia mista para analisar a organização do tempo, foi
possível tornar visíveis ritmos no desemprego de homens e mulheres de diversas idades,
níveis de instrução, situação familiar, tempo no desemprego e experiências
profissionais.
No caso dos desempregados estudados, parece ter havido uma forte
interiorização do tempo organizacional, que surge em listas de organização do tempo
em função das horas e dos minutos, listas por vezes exaustivas, onde se destacam as
mulheres. De facto, a evidência é, para a maioria, de esquemas metódicos e com a
marcação de horários rigorosos, na apresentação das actividades diárias. Outra hipótese
é de que se esteja perante uma forma de apresentar com valor o tempo de desemprego,
muitas vezes percepcionado como tempo vazio e sem as balizas que o emprego
introduz. Assim, o tempo feminino emergente dos diferentes esquemas de ocupação
diária é um tempo denso, recheado de actividades, muitas delas já presentes quando
existia emprego e que se tornaram dominantes no espaço diário do desemprego. É o
caso do cuidar dos filhos, das actividades domésticas ou da horta para as mulheres e dos
trabalhos nas hortas, da pesca ou de obras em casa para os homens.
É nítida a diferença entre grande parte das listas temporais de mulheres e
homens quanto à forma: elas fazem listas mais extensas; eles são mais sintéticos, como
se o seu tempo fosse mais vazio.
O relevo do tempo na vida de mulheres e homens desempregados reflecte, para
muitos, um tempo mais maleável e mais controlável do que quando trabalhavam.
Todavia, a forma esquemática e orientada por horas e minutos como descrevem a sua
ocupação mostra a influência do “tempo organizacional”, como estratégia que pode
conferir mais sentido e valor ao tempo de não emprego.
Ao contrário do que poderia pensar-se, o tempo dos desempregados não é
objectivamente tempo vazio mas tempo ocupado em múltiplas actividades, sendo que
parte delas já existiam secundariamente. Tal não invalida que, do ponto de vista
subjectivo, possa haver também a noção de tempo vazio que é necessário preencher e a
que é urgente dar sentido. Como se analisou, os desempregados tentam incutir um
353
padrão de racionalidade à ocupação e gestão do tempo com uma preocupação, por parte
de muitos, na medição do tempo físico em horas e minutos que lembra o tempo da
fábrica, da oficina ou do escritório. Porém, a ocupação do tempo apresenta
características de mais monotonia e menos diversidade após o desemprego.
Da análise efectuada pode concluir-se que a idade constitui o grande factor
distintivo entre aqueles que ainda ocupam o tempo a procurar emprego e os que já não o
fazem. São os mais jovens, com menos de 45 anos ou até aos 50 anos, que mais tendem
a manter a disposição de insistir na procura de emprego. De facto, os mais velhos e
muitos dos que se encontram desempregados há vários meses perderam a esperança de
conseguir novo emprego e desistiram da ou aliviaram muito a procura196.
Além disso e em geral, os desempregados entrevistados tendem a acordar mais
tarde do que quando desempenhavam uma actividade profissional. Todavia, o acordar
matinal e rotineiro mantém-se para aqueles, ou sobretudo aquelas, que marcam o ritmo
diário em função da vida escolar dos filhos. As mães têm em comum o facto de
pautarem as vidas diárias pelas necessidades da prole. Em geral, sempre que há filhos
em idade escolar, o dia das mulheres começa mais cedo do que para quem os não tem,
excepto se vivem em meio rural com hábitos de tarefas agrícolas. Acresce que as mães
com crianças não inscritas em creche ou jardim-de-infância tendem a não procurar
emprego de forma intensiva. Assim, muitas mulheres casadas ficam acomodadas a
cuidar das crianças, como alguém, ainda que limitada em recursos financeiros, que se
confina a uma prisão afectiva gratificante. O material das entrevistas evidencia padrões
temporais comuns às vidas de mulheres operárias mas com variações em função da
idade.
Apesar de o Estado e de uma multiplicidade de associações no âmbito da
economia solidária oferecerem uma estrutura de creches, jardins de infância e lares de
idosos, muitas mulheres casadas, influenciadas pela tradição ou limitadas pela falta de
recursos financeiros ou por carência de estruturas na sua área de residência, preferem
assumir a responsabilidade desses cuidados. Assim, evitam também um acréscimo das
196 Também as mulheres com crianças tendem à desistência, embora temporariamente, na procura de
emprego.
354
despesas. Além disso e mesmo quando apoiadas por tais estruturas, não desaparecem os
laços multi-geracionais entre mulheres, como dar apoio a pais idosos ou netos.
No global, as mulheres comungam da realização de actividades no tempo social
familiar e doméstico com a execução de tarefas (arrumar a casa, preparar refeições,
lavar a loiça, passar a ferro, etc.). A descrição destas actividades é assinalada pelas
mulheres das classes operárias e burocráticas como acções que preenchem os seus dias;
não são porém destacadas pelas mulheres de profissões técnicas, intelectuais e
científicas197.
A partir dos cinquenta anos surgem mais casos de mulheres desempregadas que
assumem outro papel de apoio familiar. Trata-se da necessidade de tomar conta de mães
ou pais idosos, situação relevante na economia doméstica, quer os pais partilhem ou não
do mesmo agregado doméstico.
Em geral, são poucos os homens que dedicam o seu tempo a actividades
domésticas, embora passem mais tempo em casa e dêem mais apoio a filhos ou netos.
De facto e comparativamente às mulheres, os homens estão menos presentes no tempo
familiar e no tempo doméstico: menos centrados e ocupados em casa e muito menos em
actividades domésticas, ainda que alguns afirmem “dar uma ajuda” ou cozinhar. Para
muitos, se a casa é objecto de trabalho é-o enquanto estrutura a melhorar (pinturas,
pequenos arranjos ou grandes obras), sublinhando alguns relatos, o contributo deste
trabalho para a economia familiar. Os homens não são “muito caseiros”, mesmo quando
não se afastam da área da residência. O café é referido como espaço convivial por
excelência, onde se pode ler o jornal, nomeadamente anúncios de emprego, sem gastar
dinheiro, sobretudo em Cascais e Sintra. As mulheres, quando vão ao café, fazem-no
para consumo pontual, regressando às tarefas domésticas, familiares ou outras.
A análise assinala a existência de padrões diários. O tempo das refeições ou o
café são exemplos de rotina. As famílias têm o hábito de comer pelo menos uma
refeição em conjunto, o jantar. Se ocorre mais alguma refeição, isso significa que os
elementos da família não se afastam demasiado do agregado doméstico. As refeições
têm um significado universal simbólico de partilha, “solidariedade” ou amizade. A ida
197 Estes dados confirmam os resultados do inquérito por questionário onde se concluía que são as mulheres que mais se ocupam das tarefas domésticas e dos filhos.
355
ao café é também uma circunstância com forte valor de sociabilidade no caso dos
homens.
Se alguns dos entrevistados mais novos beneficiam de ajuda familiar,198 muitos
dos menos jovens são também apoio a netos, filhos, cônjuge e pais idosos, como
assinalam. Acresce que o tempo familiar é conjugado sobretudo no feminino. São as
mulheres que dinamizam os contactos familiares e mais se envolvem no cuidar de
filhos, netos e pais idosos.
Os dados obtidos permitem confirmar a regularidade de visitas familiares
concretizadas pelos desempregados, com papel de destaque para a dinamização de
contactos sociais e familiares pelas mulheres. Além disso, as narrativas biográficas
corroboram a expressiva acessibilidade geográfica entre familiares, bem como uma
notável sociabilidade já antes assinalada no inquérito.
Assim, um outro padrão diário relevante são as visitas entre familiares,
particularmente entre mães e filhas. Straw e Elliot (1986) consideram também este facto
proeminente entre comunidades operárias da Escócia, porque mães e filhas permanecem
durante a maior parte da vida bastante próximas e recorrem menos ao apoio formal das
instituições. Como se referiu, o dia-a-dia de algumas mulheres não se confina aos
lugares onde dormem, mas divide-se entre dois ou mais alojamentos (sobretudo a casa
das mães), onde passam parte regular do tempo, tal como Young e Willmott (1965)
concluíram há décadas. Além disso, mesmo que a família e os amigos não estejam
presentes fisicamente, é possível manter o contacto por telefone ou internet. Em suma, a
vida social em família parece ganhar com o tempo de não emprego, desempenhando as
mulheres um forte papel dinamizador.
O contacto com os CE ou outras instituições públicas ou privadas está presente
durante o desemprego, mas os dados sugerem pouca extensão de tempo com as
deslocações, muito especialmente no desempregado de longa duração. De facto, é
notório que a organização temporal dos desempregados raramente inclui a deslocação
regular ao CE, o que indica que as actividades e procedimentos no âmbito deste
contacto institucional não se integram num padrão regular diário (nem semanal). Não 198 Recorde-se que 30% dos inquiridos no inquérito por questionário beneficiam de ajuda familiar: 53,4% da ajuda é de carácter financeiro, 21,9% em alojamento, 12,3% ajuda no cuidar de filhos e 11% em alimentação.
356
obstante, alguns marcos temporais do Estado surgem por via do CE; mas também por
via da escola ou de jardins-de-infância, por exemplo, ou do trabalho do cônjuge. Para
muitas mães, não é fácil proceder à “estratificação do tempo” (Lewis e Weigert, 1981)
numa ordem hierárquica e usual. Por vezes ou até muitas vezes quando há crianças, o
“tempo familiar” tem precedência sobre o “tempo organizacional” a que o Estado para
deslocações ao CE ficando as exigências externas e formais do dispositivo público de
emprego abaixo das obrigações domésticas e familiares (por exemplo: “chamaram-me
mas não pude ir porque não tinha onde deixar a minha filha” ou ainda “porque tinha o
meu filho doente”) ou paridade (“fui mas levei o meu filho”).
Quanto aos grupos etários, é notório que os mais jovens (de ambos os sexos e
solteiros) investem na procura de emprego e tendem a dedicar-se a outras actividades
fora de casa, nomeadamente saídas e contactos com amigos. Quando permanecem em
casa, uma das suas acções dominantes é a internet e, em alguns casos, estudar ou
procurar emprego. Ao olhar para o padrão de homens e mulheres mais jovens, o que
mais os distingue na ocupação do tempo é o facto de serem ou não casados, de terem ou
não terem filhos. De facto, encontram-se mulheres já casadas e com crianças aos quais
se dedicam e rapazes que permanecem solteiros em casa dos pais e não realizam tarefas
domésticas em contraste às raparigas.
Os homens com mais de 30 e até 45 anos não deixam de apoiar os filhos,
sobretudo no âmbito escolar. Alguns também preparam refeições. Para as mulheres do
mesmo grupo etário, acrescem outras actividades no tempo familiar, como visitar e
apoiar as mães e cuidar de sobrinhos. Contudo, no que respeita à procura de emprego,
encontram-se diferenças nas mulheres em função do grau de escolaridade: as mais
escolarizadas tendem a maior empenho na procura de emprego.
Entre as mulheres surgem ainda algumas balizas do tempo geracional como a
organização do baptismo ou do casamento dos filhos e a preparação do funeral de algum
dos pais, o que constitui sinal distintivo em relação aos homens.
As actividades de tempos livres estão presentes na vida de muitos
desempregados como acções que já vinham do tempo de emprego ou como actividades
gratificantes para as quais não havia tempo. É o caso de ginástica, desporto, pesca,
pequena agricultura, lavores, escultura e pintura, por exemplo. Quando se trata de
357
prática de continuidade, a experiência é de um aumento do tempo comparativamente a
quando havia emprego. Comparando homens e mulheres, pode notar-se que a ocupação
dos tempos livres tende a apresentar maior variedade de actividades para as mulheres do
que para os homens no seu conjunto. Além disso, no caso das mulheres, as ocupações
de lazer parecem acompanhar uma diferenciação social em função da maior ou menor
escolaridade199. Dedicar-se ao restauro, pintura e fotografia artísticas, produção de
cinema ou hipismo são actividades de ócio de mulheres licenciadas até aos 45 anos, por
contraste com ver telenovelas, fazer actividade física ou crochet para as mulheres de
escolaridade mais baixa. Ver T.V. é actividade comum a todos.
Um aspecto relevante a considerar respeita ao efeito da duração do desemprego
na ocupação do tempo. Quando analisada a ocupação do tempo, ao longo dos períodos
de desemprego de cada desempregado, emergem frequentemente diferenças na
estruturação das actividades bem como na percepção temporal. Embora para as
mulheres pouco qualificadas e com filhos a cargo ou para as mais idosas pareça mais
fácil a adaptação e ocupação do tempo no desemprego, para os homens desempregados
e para as mulheres ou mais qualificadas ou em outra fase do ciclo de vida doméstico não
só a ocupação do tempo pode variar ao longo do desemprego, como também os sentidos
dados ao tempo no desemprego200.
Por fim, assinalem-se duas notas a partir da pesquisa micro-sociológica. Uma diz
respeito à economia doméstica que, para alguns, parece beneficiar um pouco do fim do
tempo de emprego. Ganhos não contabilizados na produção doméstica podem equilibrar
os rendimentos familiares, embora, neste caso, seja muito escasso o número dos que
referem dedicar o tempo a trabalho não declarado ou a biscates. Todavia, não será de
descurar o impacto favorável de algumas actividades de âmbito familiar e doméstico ou
até de lazer na economia doméstica (cuidar dos filhos e dos pais, tratar da horta ou da
pequena agricultura e dos animais, ir à pesca, fazer obras em casa e a casa do filho).
Para Burda e Hammermesh (2010) e Gimenez-Nadal et al. (2010-2012), a propósito de
outros contextos, os custos sociais das flutuações do desemprego poderão ser menores
199 Provavelmente um indicador do meio socioeconómico de pertença. 200 De notar que as listas temporais desta investigação têm uma datação precisa, pelo que não é possível transmitir e acompanhar para cada caso uma leitura longitudinal da ocupação do tempo dos desempregados, à excepção de 2 casos.
358
do que os esperados, pelo que este item deveria merecer a atenção da ciência
económica.
O outro aspecto a considerar respeita à ocorrência de algumas diferenças na
ocupação do tempo em função da localização geográfica dos desempregados. Muitos
dos homens e mulheres que vivem na periferia de Sintra partilham uma ecologia rural
que se manifesta na ocupação do tempo em tarefas ligadas ao campo, situação que não
ocorre em Lisboa, Cascais ou em subúrbios, como Rio de Mouro, Mem Martins; alguns
dos homens residentes na área de Cascais ou na proximidade das praias de Sintra
dedicam-se à pesca.
Em suma, pode esclarecer-se que o desemprego tem impacto na organização e
na ocupação do tempo dos desempregados, modificando rotinas, ritmos e sentidos do
trabalho. O tempo de emprego perdido pelos desempregados é transformado em tempo
para família, cuidados da casa, lazer e produção doméstica. Também foram encontradas
diferenças na organização do tempo entre géneros, em diversos grupos etários e de
escolaridade no desemprego. Avultam papéis sociais distintivos entre homens e
mulheres e responsabilidades femininas e masculinas de onde poderá derivar, para
ambos os géneros, segurança, identidade e poder nas formas de apropriação e ocupação
do tempo sem emprego.
• Estratégias de procura de emprego
A análise da organização do tempo permitiu identificar estratégias de
estruturação da vida e de ocupação do tempo. Considere-se agora a conquista de
emprego e satisfação pessoal. As estratégias de procura de emprego são diversas e
implicam diligências como realizar contactos, comparecer em entrevistas,
compatibilizar trabalho e família, melhorar qualificação e oportunidades no mercado de
trabalho, emigrar, fazer trabalho informal, criar o próprio emprego, aceitar ou não
trabalho ilegal, transitar para a reforma. Trabalho informal (por exemplo, em hortas e
com animais) é fonte de gratificação e de rendimento em espécie mais do que
estratégias de regresso ao mercado; já o trabalho informal ligado ao mercado, como os
casos de A.G. e A. com fotografia, é tentativa de manter actividade na área profissional,
actualizar competências e contactos.
359
Os desempregados encontram-se presos num paradoxo (double bind) - o sistema
social e institucional pretende que, independentemente da idade e das habilitações,
comecem a trabalhar, de modo a evitar a dependência económica do subsídio; porém, o
mercado de emprego persiste na sua rejeição. Restam formação e estágios profissionais
como esforço para integração nas estruturas de emprego e programas ocupacionais
enquanto estratégias de ocupação do tempo. A ligação entre presente e futuro
enfraquece com o trabalho instável e mal remunerado, sem protecção social. Os
desempregados entrevistados raramente passam de um “eu” (individual) para um “nós”
(colectivo).
• Fases e reacções ao desemprego
Analisadas as reacções ao desemprego com abordagem qualitativa,
identificámos fases no processo de quebra psicológica dos desempregados, desde uma
primeira de choque (não necessariamente para todos) até ao fatalismo, última fase de
adaptação ao estatuto de desempregado, quando o desemprego persiste demoradamente.
Aí se incluem ainda o optimismo e pessimismo. Vários factores combinados de formas
múltiplas condicionam as reacções ao desemprego: situação financeira; actividades de
substituição do emprego; integração e apoio familiar; redes sociais independentes do
trabalho; importância dada ao trabalho. Considerando as reacções como processo foi
possível encontrar dinâmicas na transição entre fases, ao contrário de uma perspectiva
estática. Registem-se algumas notas.
O choque corresponde a uma fase de curta duração e varia em função de vários
factores, nomeadamente da actividade do indivíduo. Nos casos estudados, a fase de
choque não excedeu um mês de desemprego. Quando as experiências de emprego se
prolongam, o choque tende a ocorrer ainda durante o último período de trabalho por
causa dos requisitos legais. “Choque” é vivência comum a vários grupos sociais e para
lá da situação de evento inesperado, relaciona-se com as seguintes características: forte
motivação para trabalhar e ligação à actividade profissional; trabalho definidor de
estatuto e identidade sociais; sentimento de segurança e identificação com a empresa;
desemprego como primeira experiência de vida. Após o choque emocional podem
acontecer outras vivências emocionais. Nem sempre surgem entusiasmo e satisfação,
mesmo que se inicie a procura de emprego.
360
Consideram-se seis formas no sentimento do “pessimismo”: vergonha/estigma,
revolta, insatisfação, resignação, apatia e desespero e que são normalmente
interrompidas por uma fase intermédia de optimismo.
“Vergonha” resulta da preocupação com a reputação por não se ter emprego.
Tende a ocorrer após o choque. Trata-se de um sentimento mais comum entre homens
de origem rural e que fazem parte das “culturas do trabalho”. Porém, o estigma
acompanha muitos quadros técnicos e superiores com forte sentido de identidade,
inesperadamente desempregados.
A revolta é fase de curta duração e ocorre nos primeiros tempos de desemprego.
Predomina o sentimento de injustiça e é comum entre adultos desempregados. Evolui
favoravelmente para outros estados psicológicos como o optimismo - quando se
encontrem respostas em termos de apoio financeiro, sócio-familiar ou formação - ou
evoluir negativamente. A evolução no sentido positivo pode melhorar o estado
emocional e permitir uma fase esperançosa quanto às hipóteses de emprego ou
adaptação a um modo de vida no desemprego. Negativamente, pode agravar-se o
sentimento de degradação moral, na ausência de acontecimentos que ajudem a melhorar
a vida profissional. As manifestações de revolta ocorrem, predominantemente, logo
após o desemprego ou quando se esgota a esperança em relação a novo emprego e à
resposta eficaz das instituições, nomeadamente do dispositivo público de emprego e da
Segurança Social.
O optimismo é assinalado pela atitude de auto-confiança e contentamento que se
manifesta no esforço sistemático e intensivo para encontrar emprego. Emerge e tem
duração variável em função de diversos factores (segurança económica, reacções
positivas do mercado de trabalho, apoio familiar e actividades de substituição). Por
vezes, para estes indicadores positivos contribuem factores externos e de natureza
afectiva como nascimento de um filho e apoio familiar, mas também a consciência de
recursos pessoais e relacionais no concurso ao mercado de trabalho ou mudança de vida.
Sentir o desemprego como temporário é comum aos mais jovens e aos mais
escolarizados, o que reforça o optimismo. São tendências dos optimistas procurar
emprego activamente, empenhar-se na criação do próprio emprego ou investir em
formação e percursos de qualificação alternativos. A esperança domina. Em geral, não
361
há dificuldades económicas, conta-se com apoio familiar, boa integração na família e na
sociedade. A valorização do trabalho assalariado pode ir de muito a pouco ou nada. Os
indivíduos incluídos no “desemprego distanciado”, “desemprego negociado” e
“desemprego anulado” tendem a reagir de forma optimista ao desemprego.
A ilusão de “estar de férias” corresponde a fase breve e pouco frequente que se
liga tanto a um estado psicológico positivo como a um estado negativo. “Estar de férias”
corresponde a uma encenação, provisória de continuidade da vida profissional. É vivida
quando há subsídio de desemprego, sobretudo por quadros superiores de posição social
diferenciada, com forte sentido identitário e sentimento de injustiça pelo desemprego.
Também aqui se incluem algumas mulheres casadas, licenciadas, sem dificuldades
económicas e com crianças a cargo.
Entusiasmo e satisfação são manifestações próprias de pessoas auto-confiantes e
dinâmicas, com subsídio, sobretudo jovens e quadros superiores, que apresentam,
intensamente, candidaturas de emprego ou investem em projectos de vida alternativos
(mudança de profissão, criação de um negócio). Experimentam satisfação e entusiasmo
porque confiam numa oportunidade. O sentimento de satisfação e até de entusiasmo
resulta por vezes da combinação com outros eventos. Há ainda os que esperam transitar
do desemprego para a reforma. Entusiasmo e satisfação ocorrem, sobretudo, nos
primeiros seis meses de desemprego.
Pode encontrar-se uma sub-fase no optimismo que se designou “desemprego
libertação”. Compreende situações em menor percentagem: o desemprego é vivido,
após alguma surpresa e tensão inicial, com alívio, descontracção e libertação. Os
entrevistados são, em geral, pessoas ainda jovens, sem filhos nem responsabilidades
familiares que irão auferir subsídio. Partilham fraca motivação e ligação à actividade
profissional e, muito frequentemente, o desejo de mudar de profissão.
Insatisfação é a fase psicológica mais frequente, manifestada por muitos
entrevistados adultos com experiência profissional e que não conseguem emprego,
formação, criação de negócio nem outras respostas às necessidades, nomeadamente
materiais. Pode ser ou não antecedida das fases de choque e de revolta. Os insatisfeitos
repartem-se pelos diferentes tipos de desemprego (distanciado, negociado, adaptado,
interiorizado e reivindicado), excepto o desemprego anulado. Insatisfação não
362
corresponde necessariamente a um estado de derrota mas a descontentamento que pode
levar à acção. Não é difícil encontrar pessoas insatisfeitas no conjunto dos entrevistados
e inquiridos. Aumento de insatisfação e aumento do tempo no desemprego andam a par.
O refinamento da insatisfação configura: fatalismo; impossibilidade de mudança e
adaptação ao desemprego como modo de vida nos seus diferentes rostos: resignação,
apatia e desespero.
A resignação abrange parte significativa de desempregados com mais de 45 anos
sem hipóteses de emprego. Já procuraram muito sem resultado. Podem incluir-se em
qualquer tipo de desemprego, à excepção do “desemprego anulado”. Conformados,
mostram grande resistência ao sofrimento e tentam manter actividades que lhes ocupem
os dias. Ocorre a adaptação a um modo de vida no desemprego, possível quando
asseguradas as necessidades de sobrevivência, apoio e integração familiar.
Apatia é sentimento mais raro e só aparece num pequeno número de
entrevistados, normalmente adultos com muita experiência que valorizam bastante o
trabalho e vivem a frustração de não conseguir emprego. Os apáticos vivem a
indiferença e o aniquilamento da vontade. Desmotivados, não procuram emprego e
desinvestem de formas alternativas de ocupação do tempo. Este estado pode surgir em
sequência de qualquer fase anterior. Os apáticos integram os tipos de desemprego
adaptado/ interiorizado e reivindicado, sobretudo quando o desemprego é prolongado e
a esperança se desvanece. Não surgindo acontecimentos favoráveis a emprego,
ocupação do tempo ou obtenção de rendimentos que possam melhorar o estado
psicológico, mantém-se a tendência de apatia ou até pode surgir passagem ao desespero.
O sentimento de ameaça à própria identidade pela perda prolongada do estatuto
associado ao trabalho e a incapacidade para prover a si próprio e à família podem levar
ao desespero e à depressão. Esta fase caracteriza-se pela desorganização e crise como
resultado do sentimento de desesperança e abandono social a par da inactividade.
O fatalismo de Harrison, corresponde à última fase de reacção ao desemprego e,
em nosso entender, tem características idêntica à resignação. Trata-se da adaptação ao
estatuto de desempregado com aceitação de um modo de vida alternativo. O fatalismo
não apresenta apenas características de passividade mas contornos activos na
estruturação do tempo sem emprego e na organização de novos modos de vida.
363
Uma nota final quanto às estratégias pessoais de estruturação de vida no
desemprego e para regressar ao mercado laboral. Os resultados permitem concluir por
uma multiplicidade de situações de desemprego, onde predomina a tendência de
reprodução de estratégias que funcionaram no passado. Apenas uma minoria apresenta
sequências de vida que não são um mero decalque mas onde há espaço para a inovação
na reorganização dos quadros de vida mesmo que assentes em factos estruturais (como
se viu nos casos do desemprego anulado e distanciado). A maioria repete padrões já
conhecidos de procura de emprego, organização do tempo com a família ou em
trabalhos não remunerados a partir de mecanismos operatórios reprodutores.
Tendo em conta os resultados obtidos sugere-se o seu aprofundamento,
nomeadamente quanto a aspectos negativos e efeitos no estado psicológico que
respeitem mais avaliações durante os primeiros seis meses e no período superior a um
ano para homens e mulheres de diferentes grupos etários. É provável que os jovens se
encontrem em melhor posição do que outros grupos de desempregados: não sofrem
tantas pressões económicas nem têm as mesmas responsabilidades familiares. Pode
afirmar-se que os efeitos negativos do desemprego são sobretudo importantes para o
grupo de idades médias caracterizado por já ter uma socialização prolongada no
trabalho (Estramiana, 1992).
Como propõem vários autores (Cook et al., 1982; Hartley, 1980; O’Brien, 1985;
Stern, 1982, entre outros), seria importante também estudar os efeitos do desemprego na
saúde pessoal como parte da história laboral, isto é, o tipo de trabalho anterior ao
desemprego e não a saúde como elemento isolado do trabalho.
No futuro, seria interessante que as investigações transversais se combinassem
com outras que tivessem em conta os seguintes aspectos: obedecer a um desenho
longitudinal; proceder à utilização de períodos de desemprego inferiores a 6 meses e
superiores a um ano; criar períodos temporais de desemprego homogéneos; considerar
grupos específicos de idade; haver um grupo de controlo de trabalhadores não
desempregados e com as mesmas características demográficas e profissionais dos
desempregados (no caso do estudo da relação entre saúde ou bem-estar psicológico e
desemprego). Também o desenvolvimento de pesquisas comparativas em contextos
sociais diversos teria toda a pertinência.
364
No caso português e dada a escassez de estudos em sociologia, psicossociologia
e psicologia social sobre o desemprego em diferentes perspectivas, toda a investigação é
desejável. Ao longo do itinerário de pesquisa e com apoio da revisão de literatura vimos
como o tema “desemprego” é complexo e pode ser explorado em diferentes conexões
num contexto de intensa flexibilização do trabalho e de mudança dos padrões de
protecção ao trabalhador e ao desempregado. O aumento do desemprego e o seu
prolongamento introduzem o paradoxo do fenómeno da privação involuntária e
ocasional do trabalho (juridicamente reconhecido e estatisticamente calculado) que
adquire carácter permanente.
Por referência a tal complexidade, outros países na Europa, como a França
conferiram autonomia disciplinar ao desemprego como categoria heurística legitimando
a constituição e legitimação social e científica de uma nova disciplina, a sociologia do
desemprego. Como refere Nadya Guimarães (2002), uma sociologia do desemprego
deve ter a responsabilidade de analisar a construção institucional e normativa do
fenómeno bem como a sua significação subjectiva. Em Portugal, existe ainda muito
caminho para caminhar, ou seja para investigar, numa possível agenda para uma
sociologia do desemprego.
Os dados aqui apresentados são exploratórios muito especialmente, no que
respeita ao bem-estar psicológico e desemprego, configurando uma primeira
aproximação ao tema em Portugal. Esperamos que esta pesquisa, ainda que modesta, ao
apresentar situações e a análises tipificadas, permita informar e apoiar a formulação de
políticas sociais e de boas práticas em relação aos desempregados nas áreas da prestação
social, emprego e saúde. Carecem claramente de apoio, com vários enfoques, grupos de
desempregados diversos, dos quais se destacam, em termos psicológicos, os apáticos e
desesperados. Estruturar o tempo de forma satisfatória durante o desemprego pode
ajudar a enfrentar uma situação de stress como a perda do emprego. Não devendo ser
entendido como alternativa adequada à obtenção de um posto de trabalho, a ocupação
do tempo, deveria ser tida em conta de forma mais expressiva e qualificada pelas
instituições públicas ao desenharem planos de intervenção com vista a minimizar
consequências psicológicas negativas derivadas da vivência do desemprego.
365
Vivem-se tempos de crise. O vocábulo “crise”, do grego separar, decidir,
corresponde a um estado transitório de incerteza e dificuldades mas também pleno de
possibilidades de renovação (Morujão, 1989). Que futuro? Que sociedade? Uma
Civilização do trabalho sem emprego? Compete ao Estado Social, economia e sociedade
restaurar a dignidade social de vidas de trabalho sem emprego. Espera-se que Portugal e
a Europa saibam aproveitar a oportunidade da crise para renovar a participação de
trabalhadores e jovens sem emprego numa economia mais solidária entre gerações,
evitando alimentar uma sub-sociedade de excluídos no quadro das dinâmicas
económicas e sociais.
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Eurostat - http://epp.eurostat.ec.europa.eu
Instituto do Emprego e Formação Profissional - www.iefp.pt
Instituto Nacional de Estatística - www.ine.pt
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desigualdades.cies.iscte.pt/
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Organization For Economic Co-Operation and Development (OCDE) -
http://www.oecd.org
Segurança Social – www.seg-social.pt
Site pessoal de Eugénio Rosa, (economista, membro do Gabinete de Estudos da CGTP e
responsável pelo Gabinete Técnico da Federação Nacional dos Sindicatos da Função
Publica) - http://www.eugeniorosa.com/
http://ipsnews.net/terraviva/05_somavia.shtml
Legislação
Decreto-Lei n.º 174/72 de 24 de Maio.
Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.
Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro.
Decreto-Lei n.º 72/2010, de 18 de Junho.
Decreto-Lei n.º 64/2012 de 15 de Março.
414
LISTA DE FIGURAS
PARTE UM
Figura 1 - Fases de reacção ao desemprego
Figura 2 - Esquema de problematização
Figura 3 - População activa dos 15 aos 64 anos por sexo e grupo etário
Figura 4 - População inactiva
Figuras 5 e 6 - Taxa de actividade e taxa de emprego em Portugal e na UE
Figuras 7 e 8 – Taxa de actividade por sexo e taxa de actividade por grupo etário
Figura 9 – Evolução do peso do trabalho temporário no emprego total (Portugal e EU)
Figura 10 – Evolução de trabalho por conta própria em Portugal
Figura 11 – Evolução de trabalho por conta própria na UE 15
Figura 12 – População com dois empregos em Portugal
Figura 13 – População com dois empregos na UE 15
415
Figura 14 – População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%)
Figura 15 - População desempregada (milhares) por sexo
Figura 16 – Taxa de desemprego (%), por sexo
Figura 17 – População desempregada (milhares) por grupo etário
Figura 18 – Taxa de desemprego (%) por grupo etário
Figura 19 – População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%) por nível de
escolaridade completo
Figura 20 - Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de
mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por grupo etário
Figura 21. Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de
mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por nível de
escolaridade
Figura 22 - Meios para encontrar o primeiro trabalho de mais de três meses que os
indivíduos com idade entre 15 e 34 anos tiveram após a saída da escola (%)
Figura 23 - Profissão exercida no primeiro trabalho de mais de três meses por
indivíduos com idade entre 15 e 34 anos após a saída da escola (%)
Figura 24 - População desempregada à procura de novo emprego por sector de
actividade anterior ao desemprego (milhares)
Figura 25 – Taxa de desemprego por regiões (%)
Figura 26 – Taxa de desemprego por região e sexo
Figura 27 - Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de
subsídio (2009)
Figura 28 - Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de
subsídio
Figura 29 – Evolução do desemprego no Continente, em milhares
Figura 30 - Desemprego por regiões (em milhares)
Figura 31 - Desemprego por sexo (em milhares)
416
Figura 32 – Desemprego registado por habilitações, em milhares
Figura 33 – Desempregados inscritos por profissão (Movimento ao longo do ano)
Figura 34 – Colocações de desempregados ao longo dos anos (Continente)
Figura 35 – Desempregados inscritos ao longo dos anos, ofertas recebidas e colocações
efectuadas (Continente)
Figura 36 – Desemprego INE e IEFP
Figura 37 – Taxas de desemprego em Portugal e na EU
Figura 38 – Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o género
Figura 39 – Taxas de desemprego na UE, segundo o grupo etário
Figura 40 – Taxa de desemprego dos jovens
Figura 41 – Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o nível de escolaridade
completo
Figura 42 – Taxas de desemprego na União Europeia, segundo a nacionalidade
LISTA DE FIGURAS
PARTE DOIS
Figura 31 - Distribuição da amostra em função da idade
Figura 32 - Distribuição da amostra em função do nível de instrução
Figura 33 - Distribuição da amostra em função do estado civil/situação conjugal
Figura 34 - Categoria profissional dos inquiridos
Figura 35 - Área profissional de preferência
Figura 6 - Categoria profissional do cônjuge/companheiro(a) dos inquiridos
Figura 7 - Situação dos pais dos inquiridos face ao trabalho
Figura 8 - Categoria profissional dos pais dos inquiridos
Figura 9 - Categorial profissional das mães dos inquiridos
417
Figura 10 - Tipo de habitação dos inquiridos
Figura 11 - Situação familiar dos inquiridos que residem em casa dos pais
Figura 12 - Número de elementos do agregado familiar (além do inquirido)
Figura 13 - Constituição do agregado familiar
Figura 14 - Local de residência dos familiares mais próximos
Figura 15 - Frequência de visitas na família
Figura 16 - Natureza da ajuda familiar recebida
Figura 17 - Rendimento financeiro do agregado familiar
Figura 18 - Capacidade de poupança do agregado familiar
Figura 19 - Motivos para o desemprego entre os inquiridos que não auferem subsídio de
emprego
Figura 20 - Subsídio de desemprego ou outro tipo de subsídio ou pensão auferida
Figura 21 - Principal fonte de sobrevivência
Figura 22 - Valores sociais
Figura 2 - Posicionamento valorativo médio dos valores sociais
Figura 24 - Tempo inscrição no Centro de Emprego
Figura 25 - Tempo de inscrição no Centro de Emprego de acordo com o tempo de
desemprego
Figura 26 - Tempo de inscrição no Centro de Emprego de acordo com a categoria etária
Figura 27 - Tempo de inscrição no Centro de Emprego de acordo com o nível de
instrução
Figura 28 - Deslocações mensais ao Centro de Emprego
Figura 29 - Expectativas quanto ao apoio prestado pelo Centro de Emprego
Figura 30 - Atitude face à possibilidade de encontrar emprego de acordo com a média
de deslocações ao Centro de Emprego
418
Figura 31 - Distribuição percentual das expectativas face ao CE e tempo de inscrição no
CE
Figura 32 - Distribuição percentual das expectativas face ao CE e tempo de inscrição
por género
Figura 33 - Situação face ao emprego
Figura 34 - Duração da situação de desemprego
Figura 35 - Duração do desemprego por escalão etário
Figura 36 - Duração do desemprego por nível de instrução
Figura 37 - Duração do último emprego
Figura 38 - Duração do último emprego (entre os que terminaram contrato)
Figura 39 - Motivos para o desemprego
Figura 40 - Motivos para o desemprego em função do género
Figura 41 - Como conseguiu o último emprego
Figura 42 - Dimensão social e afectiva do emprego e do desemprego
Figura 43 - “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com
a idade
Figura 4 - “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com
o nível de instrução
Figura 45 - “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com
a duração do desemprego
Figura 46 - Procura de emprego por parte do inquirido
Figura 47 - Tempo de desemprego dos inquiridos que não se encontram à procura de
emprego
Figura 48 - Iniciativas de procura de emprego nos últimos meses
Figura 49 - Aspectos valorizados num emprego
Figura 50 - Situação de emprego preferencial
419
Figura 51 - Área profissional preferida de acordo com o sexo do inquirido
Figura 52 - Expectativas de emprego na actualidade
Figura 53 - Expectativas de emprego actual de acordo com a duração da situação de
desemprego
Figura 54 - Expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos
Figura 55 - Dificuldade de adaptação ao desemprego em função do número de situações
de desemprego (“Foi muito difícil para mim habituar-me a estar desempregado”)
Figura 56 - Interesse na ocupação tempo e “estado subjectivo global"
Figura 57 - Tempo dedicado a um conjunto de actividades durante desemprego
Figura 58 - Tempo dedicado aos filhos de acordo com a idade
Figura 59 - Tempo dedicado aos amigos de acordo com a idade
Figura 60 - Tempo dedicado a ocupações domésticas de acordo com o sexo do inquirido
Figura 61 - Tempo dedicado aos filhos de acordo com o sexo do inquirido
Figura 62 - Tempo dedicado aos amigos de acordo com o nível de instrução
Figura 63 - Tipos de actividades de lazer (tempos livres) no desemprego
Figura 64 - Tempo dedicado a actividades de lazer de acordo com a idade
Figura 65 - Impacto social e familiar do desemprego
Figura 66 – Ao longo da minha vida tenho sido uma pessoa quase sempre saudável
Figura 67 - Os meus problemas de saúde começaram quando comecei a trabalhar
Figura 68 - Relação da saúde com o início do desemprego (“Os meus problemas de
saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego”)
Figura 69 - Problemas de saúde
Figura 70 - Problemas de saúde em função do sexo
Figura 71 - Problemas de saúde em função da idade
Figura 72 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”)
Figura 73 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”)
420
Figura 74 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em
função do tempo de desemprego
Figura 75 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função
do tempo de desemprego
Figura 76 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em
função da procura de emprego
Figura 77 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função
da procura de emprego
Figura 78 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função
do pessimismo ou optimismo relativamente à procura de emprego
Figura 79 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em
função do optimismo ou pessimismo relativamente à “possibilidade de arranjar
emprego”
Figura 80 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em
função da capacidade de poupança do agregado familiar
Figura 81 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função
da capacidade de poupança do agregado familiar
Figura 82 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em
função do tempo disponível
Figura 83 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função
de “não sei o que fazer com o tempo disponível”
Figura 84 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em
função da perspectiva de futuro (optimista/ pessimista)
Figura 85 - Pessimismo e optimismo quanto ao futuro (“como perspectiva o futuro”)
Figura 86 - “Como perspectiva o futuro”
LISTA DE QUADROS
421
PARTE UM
Quadro 1 – Desemprego registado por tempo de inscrição, em milhares
Quadro 2 – Desemprego INE e IEFP
Quadro 3 – Taxas de crescimento económico (variação no PIB real) verificadas no
período 1992-2009 e previsões do FMI para o período 2010-2015
Quadro 4 - Regimes de protecção no desemprego (unemployment welfare regimes) na
Europa
Quadro 5 – Regime de protecção no desemprego e modelo de residência familiar por
País
Quadro 6 – Comparação do nível de compromisso no emprego entre empregados e
desempregados
Quadro 7 – Flexibilidade no vencimento, qualificações e residência
LISTA DE QUADROS
PARTE DOIS
Quadro 1 - Dimensões de análise e variáveis do inquérito por questionário
Quadro 2 - Tipo de desemprego, vivências e contacto técnico
Quadro 3 - Tipo de desemprego, motivação para o trabalho, características dos
desempregados e estratégias de relação com o Centro de Emprego
422
ANEXOS