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TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.
SANT' ANNA, Paula.
Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de
dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
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TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE
SPIKE JONZE
SANT' ANNA, Paula.
Mestranda do Programa de Memória Social da UNIRIO Bolsista CAPES
pssantanna@gmail.com
RESUMO:
Este artigo é uma leitura de "Ela" (2014), filme de Spike Jonze, que chama atenção do público e da crítica
porque propõe uma reflexão sobre como a sociedade está convivendo com os avanços tecnológicos que
adentram a vida moderna com objetivos para além do instrumento. O ciberespaço inicia uma era de interação com nossas próprias personas e nesse texto é discutido como essas personas "físicas" e
"virtuais" dividem e se dividem por entre os espaços físicos e virtuais, evidenciando as noções de tempo
cronológico e tempo real, espaços físico e espaço virtual, com o argumento de que o sistema capitalista, desde sua origem, age sobre o Homem com a promoção da "felicidade" por via do consumo.
Palavras chaves: Sociedade. Cibercultura. Cinema.
ABSTRACT:
This article is a reading of "Her" (2014), a Spike Jonze's movie, that call attention from the public and
from the critics because it proposes a reflection about how society is living with the technological advances that enter modern life with goals beyond the instrument. Cyberspace begins an Era of
interaction with our own personas and on this text is discussed how these "physical" and "virtual"
personas share and share themselves between the physical and virtual spaces, showing the chronological time and real-time notions of physical space and virtual space, with the argument that the capitalist
system, from its origin, acts on the man with the promotion of "happiness" via consumption.
Key-words: Society. Ciberculture. Cinema.
INTRODUÇÃO:
Junto a proposta da leitura de um filme sob o princípio do científico, está a interrogação
sobre ser a válidas as hipóteses e argumentos acadêmicos sobre um algo que pode vir a ser pura
interpretação. André Bazin (1959. In: METZ, 2014, p. 17) falava sobre o movimento ser o elo
entre o público e o cinema, o que faz da sétima arte a que o ser humano se sente mais à vontade
para interagir. Aludindo às questões concernentes ao corpo, o movimento dota as cenas de
corporeidade e faz com que os espectadores se abram à simulação da interpretação. Assim, num
simultâneo, tem-se um fluxo de passagem inimterrupto entre cinema e espectador, bastidor e
plateia, ficção e realidade. o cinema enquanto linguagem põe em diálogo tais grupos. Se há
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questionamento sobre por que uma leitura de "Ela", também tem-se o respaldo de que toda
interpretação é uma representação; e em representar algo 'significa conter a semelhança da coisa'
(DIC filo, 1007). Sob tal premissa este artigo é escrito. "Ela" é uma ficção a partir da qual pode-
se visitar uma série de associações de nossa sociedade, bem como os desejos e demandas dos que
a constitui.
Este artigo se concetra na associação "espaço físico e espaço virtual", que opõe as ideias
de tempo cronológico e espaço físico e de tempo real e espaço virtual, influenciando os tais
desejos e demandas do Homem atual.
Como está escrito na capa oficial, "A história de amor" do diretor Spike Jonze, "ELA"
(título em português para o orignal, em inglês, Her), filme com roteiro premiado pelo Oscar e
pelo Globo de Ouro (dois importantes prêmios do universo cinematográfico), lançado no Brasil
em início de 2014, conta a experiência do solitário Theodore Twombly, que inesperadamente se
envolve amorosamente com programa computacional. Na trama, ele, um elogiado funcionário da
empresa Beautiful Hand Written Letters, trabalha escrevendo cartas manuscritas encomendadas
por quem não tem (mais) a habilidade para fazê-las mas que ainda as considera importante.
Movido pela descrença na possilidade de companhia aos moldes que deseja, Theodore compra
um sistema operacional (OS, sigla em inglês de Operational System), como abordado aqui, é
oferecido pelo mercado como a solução para os problemas de carência dos indivíduos da
sociedade. Toda a efervecência proporcionada pela realização dos desejos adormecidos, como
via de regra, faz com que o protagonista rapidamente se apaixone por Samantha, um aparelho
menor que o bolso da camisa do protagonista, que o carrega para todos os lugares apoiado em
um alfinete para que ela 'viva com ele'.
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Figura 1: Theodore passeando com Samantha em seu bolso
Continuando, Theodore mora em um apartamento grande e vazio, passa seu tempo livre
jogando um videogame com imagens de tamanhos reais que interaje com o jogador, e divagando
em conversas com o personagem animado de seu jogo, costuma ouvir músicas melancólicas
durante seus deslocamentos da casa para o trabalho e vice-versa e convive com poucas pessoas
(sobretudo Amy, amiga do do tempo da faculdade e casada com Charles, e com Paul, colega de
trabalho). Ele, o protagonista, está vivenciando o processo de divórcio de um relacionamento
cheio de lembranças românticas, felizes e padronizada por uma estética de relacionamento que
ainda vigora: um casal que se conhece durante a faculdade, que após um namoro doce, unem-se
para iniciar a própria família; mas a insegurança e a fragilidade da esposa Catherine, e a
indiferença do marido Theodore expõe as desavenças e decepções que culminam no fim do
casamento.
Figura 2: Catherine e Theodore, durante o namoro
Figura 3: Theodore em seu amplo em seu apartamento
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A situação idílica, curiosamente, é colocada no filme em contraponto à circunstância
'atual' de Thedore, um homem carente e profissionalmente estabilizado que vive solitário em
uma sociedade rápida e fria em que a interação parece não ter vez. A solução para essa situação é
a compra do OS, uma máquina que ao ser acionada pela primeira vez, após breve configuração
das preferências de seu dono, apresenta-se com a frase: "Hi, I'm here" e a partir de então,
supostamente, estará com ele, sendo exatamente o que ele queria. Tem-se a ilusão da posse que a
cultura do consumo nos imputa. Antes Theodore tinha uma relação tradional e era feliz. A
relação acabou e ele entristeceu-se com o vazio em que se vislumbrou sua vida. A sociedade,
então, lhe oferece a solução para a perda, o ter novamente. Um ter que independe do próximo
que por algum dinheiro, aparentemente, parece ser eterno. Mas não é. "Ela" cresce em
importância para esta reflexão quando traz à baila que a virtualidade não é garantia de
autonomia, é uma potência de realizações. Samantha não suprirá as necessidades da companhia
tradicional que Theodore almeja, porque não é humana, é uma representação emulada por seu
proprietário.
Dicotomiza-se a cultura com a exposição do passado alegre e amoroso do personagem,
como se prega ser ideal e sua vida atual, apática e vazia, evidenciando a fragilidade do homem
frente à uma socialização calcada em noções vitais arbitrárias.
Em tempo, Samantha é um OS que assimila conhecimento e se aperfeiçoa como humano
a medida que experiencia; inclusive, se apaixona. No filme, Samantha e toda a comunicade de
OSs decidem por se retirar do mundo humano por não estarem conseguindo lidar com a
pluralização de suas emoções e por medo das consequencias que essa aparente humanização
possa vir a provocar.
Com "Ela", adentra-se o espaço virtual sem as marcas temporais cronológicas com as
quais estamos habituados. Há o dia, a noite, a mudança de estação do ano, há as pessoas
correndo de um lado para outro nos espaços públicos, há as pausas, mas não há a hora e a data.
Num filme que tematiza a cibercutura o espaço físico também é diluido, os ambientes são
determinados pelas situações (casa, trabalho) e poquíssimo pela geografia. E são essas duas
faltas de marcações que nos chama atenção neste artigo para refletiri sobre como dispomos essas
noções em nossas vidas e, consequentemente, como ela influem na constituição do dia a dia. Os
desejos próprios e a noção de interação da atulidade que reconfuguram os espaços, bem como a
ideia de virtualidade como realidade ao invés de como potência, que se explora no filme,
problematizando a complicada alocação de características das relações humanas já tradicionais
em dado espaço e tempo convencionados em outro espaço e outro tempo.
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Visa-se, aqui, discutir como a ideia de tempo e espaço como uma só coisa, arraigada na
sociedade e ilustrada no filme, faz com que o indivíduo de hoje sofra ao se deparar com o
estiramento desta dupla em detrimento da configuração da sociedade atual ter sido ampliada para
o espaço virtual, ambientada na internet e como o sistema cultural capitalista vem criando,
sistematicamente, dispositivos que prometem sanar este sofrimento.
THEODORE, CATHERINE, SAMANTHA E O MUNDO ATUAL:
No início do artigo afirma-se que o Sistema Operacional chega à vida de Theodore como
um catalizador de emoções reprimidas pelas circunstâncias de sua vida: o término de seu
relacionamento com Catherine e o processo de divórcio. Oferencendo conversas triviais e
momentos alegres, Samantha conquista o protagonista, que vislumbra nela a realização de suas
carências, conforme a política utilitarista do Sistema Capitalismo que se vive atualmente
sustenta:
identificando o bom com o que é útil, recomendando a otimização dos prazeres
individuais pela evitação sistemáticade toda dor com base no "cálculo
hedônico" das quantidades de prazer de cada ação, o utilitarismo acaba medindo a felicidade em termos econômicos (...), apesar de sua tentativa de conciliar a
busca da felicidade individual com a busca da felicidade geral, os interesses
privados com os interesses públicos. (WEBER, 2004)
De uma pessoa que anda melancólica pela rua, na companhia do OS ele se transforma em
um homem bem disposto e brincalhão, volta a enxergar o sonho na vida. Essa transformação dos
estados é ilustrada para o espectador do filme pela estética semelhante dos momentos felizes do
relacionamento de Theodore e Catherine e do mesmo com Samantha, a fotografia saturada, clara
e eneovada caracteriza os dois momentos pelas vias do onírico (vide figuras 1 e 2).
A maneira como o casamento de Theodore e a relação dele com Samantha é ilustrada
chama atenção para um, muito provável, desejo de reprodução das situações, pórem em espaços
diferentes. A nova relação de Theodore, que desperta nele a "vontade de viver" adormecida pelos
problemas do casamento tem as mesmas marcas sentimentais do passado, mas agora se passa no
ciberespaço que, segundo Pierre Levy (2010) é "o espaço de comunicação aberto pela
interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores" (p. 94). Quer dizer,
é um espaço, principalmente, midiático; uma espaço alicerçado pelo capital.
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O sistema cultural vigente, baseado na estrutura econômica capitalista, guia seus sujeitos
para as ideias que se retroalimentam da individualidade, em geral para produzir
quantitativamente mais consumo, e do público, para ampliar as possibilidades de sedução,
fomentando assim o consumo. Isso é demonstrado em "Ela" quando Theodore resolve sua
carência comprando um OS, mas é importante observar a primeira atitude dele para com o
sistema, de desconfiação e de receio em admitir publicamente o relacionamento, e a atitude
subsequente, de prazer e de conforto para dizer que se relaciona com um OS quando percebe a
naturalidade com que sua amiga Amy fala que encontrou numa OS a amizade e cumplicidade
que tando buscava em seu casamento falido e quando Paul, seu colega de trabalho, propõe um
encontro de casais sem indicar nenhuma diferenciação entre uma namorada física e uma virtual.
Paul: Deveríamos tirar uma folga algum dia. Você levaria Samantha...
Theodore: Ela é um sistema operacional.
Paul: Legal! Isso vai ser divertido.
Figura 4: namorada do Paul mostra seus pés para Samantha, depois de dizer que é a parte de seu corpo que o
namorado mais gosta. Samantha concorda dizendo que realmente são bonitos.
O encontro dos casais acontece da maneira mais convencional possível, com as mulheres
conversando sobre seus parceiros entre elas em privado e os homens fazendo o mesmo; depois
com os quatro rindo cada um das situações pelas quais passam nos respectivos relacionamentos.
A situação primeira, de desconforto, de anunciar para seu grupo social, estabelecido sobre
principíos estipulados pela Tradição Moderna e a subsequente, de aceitar inserir Samantha em
seu grupo social, após perceber que seus amigos não negativaram a virtualidade da namorada
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põe em envidência que as valorações da sociedade estão passando por um processo de mudança
ainda não totalmente efetivada, que gera uma mistura de premissas e pré-conceitos e faz se
chocarem as configurações de tempo e espaço já estabelecidas na cultura até então e as que
começam a se montar com a arregimentação de uma cultura virtual.
Acredita-se que, quando se retira os limites temporais e espaciais, como é feito na cultura
virtual com a velocidade com que cria comunicação de espaços alocados logínquos uns dos
outros, as bases de estabilização das emoções do Homem. Explica-se: a rapidez com que se pode
deslocar os diversos anseios de cada um e, por conta disso, a rapidez com que se desloca as
diversas personas que cada um carrega (GOFFMAM, 2013), o Homem tende a perder-se em
suas situações. Theodore perdeu-se na situação de seu divórcio, por não saber lidar com o
sentimento de perda em uma sociedade que ainda valoriza a manutenção das relações e,
sobretudo, as vitórias.
Figura 5: Theodore voltando do trabalho para casa
Figura 6: Entrada do prédio onde Theodore mora. Ele está voltando do trabalho
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O filme ilusrta isso com cenas em que o protagonista aparece solto em espaços grandes e
desgarrado do tempo em que "deveria" estar inserido e pondo-se em um estado melancólico.1
No final do filme, com a retirada dos OS é possível perceber um novo desalento de
Theodore (e também de sua amiga Amy). Reconfigura-se novamente os tempos e os espaços de
ação deles e eles se perdem emocionamente.
O estranhamento, o sentimento de solidão e perda com o qual se convive n a dinâmica de
vida atual se dá principalmente pelo fato de que a disposição da sociedade está relacionada a um
tempo cronológico, à informação, a fatores externos imputados por um sistema cultural, com o
argumento de que a ideia de perda, e, por conseguinte, a angústia gerada por tal, tem como
origem a derrocada da experiência em prol do consumo (BENJAMIN, 1994), movimento que
parece ter sido iniciado com a sistematização do tempo real em um contínuo numérico que não
dá conta de atender a sobreposição natural de experiências que formam a coletividade e, dessa
maneira, faz com que o indivíduo interaja com base na informação, acumulação e, óbvio, perda.
A felicidade, como todo estado sentimental, não está alicerçada no tempo cronológico e sim num
tempo real, da duração das experiências (BERGSON, 1999). A partir do momento que a
experiência propícia a este estado acaba, a persona em questão sofre com o novo deslocamento.
CONCLUSÃO:
"ELA" parece vir ao encontro de uma série de anseios da sociedade atual que busca
perceber como será seu futuro e parece estar perdida entre uma quebra de tradição, que
estabilizava as vivências por meio de disposições previamente demarcadas (enfoca-se as
instituições, por exemplo: o casamento); e a inovação que a evolução tecnológica promove, a
virtualização das experiências, que fragmenta e potencializa os espaços e, dessa forma, esmaece
a percepção de presença, influenciando a perspectiva de interação de hoje. Crê-se que o fato da
habitação do espaço virtual ser bastante recente na vida da sociedade, já fortemente
instrumentalizada e, por isso, dependente de respostas de outrem, cause angústia por conta do
afastamento e desmembramento da possibilidade de um futuro, uma vez que a velocidade e a
liquidez das experiências tornam abstratas para o Homem que vem da Modernidade as noções de
1 O verbete "melancolia" no dicionário tem os seguintes significados: tristeza sem causa definida, por vezes acompanhada de uma saudade difusa
3. Psiq. Distúrbio emocional caracterizado por um estado de abatimento mental, pela sensação de impotência, pelo sentimento de que a vida não
possui sentido, podendo, se não tratado, conduzir ao suicídio. (AULETE, 2015)
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passado e presente . Como será o amanhã parece ser a pergunta sem resposta de uma sociedade
que não repara mais na duração de suas experiências como outrora.
Obviamente, não há resposta para o amanhã de Theodore, ilustração do Homem da
sociedade atual. Parece duro demais partir do princípio de que a maneira como se lidava com o
tempo antes fosse mais benéfica à vida humana do que a maneira como se lida hoje em dia,
todavia é nítido que há um estranhamento, uma ansiedadedo Homem por não saber como se
comportar com as misturas das possibilidades físicas e virtuais disponibilizadas para a
população.
A ideia de um mundo ideal em que os desejos e as demandas são suprimidos é posta
abaixo no filme, quando os Sistemas Operacionais, adquiridos como criações produtoras de
perfeição, julga-se, por si só, imperfeitos, incapazes de lidar com a confluência das emoções
pelas quais são assolados ao viverem com o Homem, e decidem se retirarem do espaço físico,
deletarem-se das máquinas, onde, instalados, eram garantia de companhia "eterna" de seus
usuários.
A História de amor de Spike Jonze é uma boa tradução da situação em que se encontra o
Homem da sociedade atual, o qual lida descompensadamente com as premissas misturadas de
Modernidade e Contemporaneidade, sem saber como alocar em suas lembranças o tempo vivido
e o espaço visitado, já que o habitar também o espaço virtual faz com que sejam alteradas a
cronologia temporal em que se constuma basear as experiências do espaço físico e também, com
que os locais tenham suas "paredes" diminuidas e/ou retiradas, apesar de permanecerem com
suas "portas", que são abertas de acordo com aceitação de convivência num mesmo local. Pensa-
me muito aqui na ideia do loft, apartamento sem paredes dividindo seus ambientes como uma
metáfora para representar os espaços em que se alocam as personas no espaço virtual.
Curiosamente, o loft é uma ideia habitação criada nos Estados Unidos, dentro da
perspectiva do Capitalismo, para resolver o problema de conseguir colocar mais pessoas em
metros quadrados urbanos por preços acessíveis a massa trabalhadora. O espaço virtual se
estabelece na sociedade atual de modo a receber quantas pessoas desejarem visitá-lo, no sentido
de "democratizar os espaços", mas pressupõe, como no espaço físico, que o usuário,
denominação que vem sendo utilizada para designar o Homem do espaço virtual, seja aceito por
já se firmou naquele (ou como aquele) grupo.
Theodore: Para onde você vai?
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Samantha: Seria difícil explicar. mas se algum dia você for lá. Venha me procurar. Nada
nunca seria capaz de nos separar.
Theodore: Eu nunca amei ninguém como eu amo você.
Samantha: Eu também.
Samantha conversa com Theodore sobre a necessidade de "ir embora" e o trecho da
conversa copiado acima, mostra como é confuso o lugar dos sentimentos quando se desorganiza
uma ordem pré-estabelecida de tempo e espaço. Theodore lida com o fim do relacionamento da
mesma forma com que lidou com o fim de seu casamento com Catherine, ouve o que talvez
desejasse ter ouvido de sua ex mulher quando decidiram a separação. O convite "vir me
procurar" garante uma companhia hipotética. Samantha, por sua vez, se denomina como um OS,
mas apresenta justificativas humanizadas para sua ida e dá indicações de que os dois, ele e ela,
habitam o mesmo mundo ao sugerir que se algum dia Theodore for onde ela está, ele a procure.
Theodore e Amy sentem-se abandonados, igualmente se sentiram abandonados por seus
pares quando seus OSs deixam-nos. A cena em que Theodore aparece sentado na cadeira de seu
grande apartamento olhando pela parede de vidro olhar perdido para a cidade é a mesma que se
tem no início do filme para encenar sua desilusão pós separação (vide figura 3).
Nos minutos finais do filme, Theodore decide escrever uma carta para sua ex-mulher,
Catherine, como se finalmente reconhecesse que sua relação com ela foi construida sobre as
bases de suas necessidades de representar-se e de se reconhcer, sem dar espaço ao outro.
Figura 7: Theodore no terraço do prédio
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Figura 8: Theodore e Amy no terraço do prédio
Ele e Amy finalmente vem o mundo com seus olhos, olham a paisagem sem o vidro dos
locais provados, do terraço do prédio e convivem, compartilham suas emoções. Volta-se então,
ao final do artigo, à esperança no Homem que Walter Benjamin (1994) expõe diante de todo o
seu pessimisnimo com o Sistema Capitalista.
REFERÊNCIAS:
BENJAMIN, W. Magia, técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (v.
1). Traduzido por Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Traduzido
por Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
DELEUZE, G. Bergsonismo. Traduzido por Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Editora 34, 2012.
GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Traduzido por Maria Célia Santos
Raposo. Petrópolis: Vozes, 2013.
LÉVY, P. Cibercultura. Traduzido por Carlos I. da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010.
______. O que é o virtual? Traduzido por Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2011.
METZ, C. A significação do cinema. Tradução Jean-Claude Bernardet. São Paulo: Perspectiva,
2014.,
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Traduzido por José Marcos Mariani
de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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SPIKE JONZE (2014). Ela. Dirigido por JONZE, Spike. Ficha técnica: Spike Jonze, roteirista,
Megan Ellison, Spike Jonze e Vincent Landay, produção executiva. Elenco principal: Joaquin
Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Chris Pratt. Estados Unidos. Warner Bros Pictures
AULETE DIGITAL, 2015. Disponível em: http://www.aulete.com.br/MELANCOLIA. Acesso:
em 25/11/2015.