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1 CONCEITUAO DE SANTIFICAO
A santificao um aspecto da Soteriologia Subjetiva. Soteriologia
Subjetiva consiste na obra do Esprito Santo no crente, ou seja, a aplicao da
redeno. Entende-se por Soteriologia Objetiva o que Deus faz por ns em Cristo e
Subjetiva (encarnao, expiao e justificao); o que Deus faz em ns pelo
Esprito Santo. Alm da santificao outros aspectos fazem parte da Soteriologia
Subjetiva, tais como: justificao, regenerao e converso.
Segundo Hermisten Maia (2001, p. 211),
A doutrina da santificao tem como pressuposto uma srie de atos do Esprito Santo em nossa vida, resultantes da obra vicria de Cristo; assim, quando falamos de santificao, iniciando pela eficcia da obra de Cristo, pressupomos sem importar a ordem aqui: vocao eficaz, arrependimento, f, regenerao, adoo, justificao e unio com Cristo.
A doutrina da santificao pressupe a imperfeio do homem; ela est
relacionada com o homem pecador, consciente de seus pecados, mas que, ao
mesmo tempo, descontente com a sua prtica, deseja se aperfeioar
espiritualmente. Esta insatisfao com o pecado, seguida do desejo de santificar-se,
pertence ao homem que foi gerado de novo pelo Esprito que agora nele habita,
abrindo-lhe os olhos do corao desejos santos de crescimento e maturidade
espiritual.
Santidade a naturalidade do homem espiritualmente ressurreto, da mesma forma como pecado a naturalidade do homem espiritualmente morto; e, ao buscar santidade pelo fato de obedecer a Deus, o cristo na verdade segue o anseio mais profundo do seu ser renovado. (PACKER, 1991, p. 104).
O novo nascimento o ponto fundamental para falar de santificao.
No existe regenerao sem santificao; ou seja: a regenerao se torna real na
santificao (RYLE, 2009, p. 40). Joo Calvino (2006, p. 269) na exposio carta
aos Romanos diz que a marca mais garantida pela qual os filhos de Deus devem
distinguir-se dos filhos deste mundo a regenerao operada neles pelo Esprito de
Deus para a sua inocncia e santidade.
Abraham Kuyper (2010, p. 312) corrobora ao dizer que na
regenerao, Deus se aproxima de uma pessoa nascida em iniquidade e morta em
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seus delitos e pecados e planta o princpio de uma nova vida espiritual em sua
alma.
John Murray (2010, p. 90-91) escreve:
Se esse no for o caso de na regenerao o homem ser passivo, ou seja, o objeto de uma ao em que unicamente Deus o agente, ento, definitivamente, no poderia haver Evangelho, pois, a menos que Deus, por sua graa soberana e ativa, desfizesse nossa inimizade em amor e nossa descrena em f, nunca poderamos oferecer a resposta da f e do amor.
O professor de Teologia Sistemtica, do Seminrio Presbiteriano do
Sul, Reverendo Mestre Oadi Salum traz a seguinte contribuio:
A santificao do crente tem o seu passo inicial no instante da regenerao, do novo nascimento, do nascer de cima, do alto conforme indica o termo grego anothen em Joo 3. 3,7. O primeiro captulo desse processo dinmico v-se no oferecimento gracioso de uma nova vida, e o seu eplogo, ou seu pleno cumprimento, o seu aperfeioamento, o seu desfecho glorioso, no neste mundo, mas no Reino de Deus. (SALUM, 2009, p. 93).
Se por um lado a regenerao o incio da santificao, temos por
outro lado a justificao como o fundamento judicial da santificao. Na regenerao
o crente recebe um corao novo, com uma santa disposio; na justificao Deus o
declara justo, perdoando todos os seus pecados, os quais foram pagos
definitivamente por Cristo; por isso, j no h nenhuma condenao. Encontram-se
em paz com Deus e amparados pela justia de Cristo.
Na justificao Deus declara o homem justo, como em um tribunal de
justia, um ato forense. Temos uma mudana em nossa condio legal. Na
santificao Deus purifica o homem da corrupo do pecado; envolve uma
transformao moral resultante da regenerao. J. C. Ryle (2009, p. 74) diz que
aqueles que so justificados, tambm so sempre santificados; aqueles que so
santificados sempre foram justificados.
certamente verdade que somos justificados em Cristo to-somente pela misericrdia divina, mas igualmente verdade e correto que todos quantos so justificados so chamados pelo Senhor para que vivam uma vida digna de sua vocao. Portanto, que os crentes aprendam abra-lo, no somente para a justificao, mas tambm para a santificao, assim como ele nos deu ambos os propsitos, para que no venham a mutil-lo com uma f igualmente mutilada. (CALVINO, p. 274).
Entender-se- justificao como:
Um ato da livre graa de Deus para com os pecadores, no qual ele os perdoa, aceita e considera justas as suas pessoas diante dele, no por qualquer coisas neles operada nem por eles feita, mas unicamente pela perfeita obedincia e plena satisfao de Cristo, a eles imputadas por Deus e recebidas s pela f (CATECISMO MAIOR, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1810).
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A santificao no deve ser confundida com justificao. Ela no pode
ser roubada de seu significado, tampouco ser trocada por qualquer outra coisa. O
significado deve ser sempre o de tornar santo o que era impuro ou menos santo.
Porm, muitos a confundem com justificao. Esse um erro comum. Por isso
importante uma compreenso clara da diferena entre ambas.
Franklin Ferreira (2007, p. 874) preocupado em esclarecer a diferena
bsica entre justificao e santificao, prope uma tabela baseada no pensamento
de Erickson Millard, Wayne Grudem e Herman Bavink, como se pode observar
abaixo1:
A justificao A santificao A justificao uma ocorrncia instantnea, que se completa em um instante. O pecador declarado perfeitamente justo no momento em que cr em cristo e no evangelho.
A santificao um processo que exige toda uma vida para se completar, e no ser concluda enquanto o cristo no chegar ao cu.
A pessoa ou justificada, ou no . A justificao acontece pela declarao de Deus de que um homem justo, com base nos mritos de Cristo.
possvel ser mais ou menos santificado. Ou seja, h diferentes graus de santificao, mas no de justificao.
A justificao uma questo uma questo forense. A retido que recebemos mediante nossa justificao no propriamente nossa, mas a perfeita retido do nosso mediador, Jesus Cristo, a ns atribuda somente por meio da f.
A santificao uma transformao real do carter e da condio do homem. A retido alcanada por meio da santificao nossa prpria retido, gerada em ns pelo Esprito Santo, embora misturada com debilidade e imperfeio.
A justificao uma obra objetiva, um ato de Deus a nosso respeito, que afeta nossa condio perante Deus, nosso relacionamento com ele.
A santificao uma obra subjetiva, uma obra de Deus em ns, que afeta nosso interior.
Na justificao, somos libertos da culpa. Na santificao, somos libertos da corrupo.
Nossas obras no desempenham qualquer papel na justificao.
Nossas obras so importantes na santificao. Deus ordena que lutemos, vigiemos e nos esforcemos no caminho da santificao.
A justificao confere-nos o direito de ir para o cu, bem como a ousadia de ingressar nas manses celestiais.
A santificao torna-nos adequados para habitar no cu, capacitando-nos para usufruir do lar celestial quando ali estivermos habitando.
Conforme o Catecismo Maior de Westminster, pergunta 77, na
justificao, o pecado perdoado; na santificao ele subjugado. George
Whitefield (s.d, p. 8) declara que pela justificao de Cristo os crentes passam
legalmente a ter vida; pela santificao so tornados espiritualmente vivos; pela
primeira recebem, o direito glria; pela segunda, so tornados dignos de glria.
1 Esta tabela esta baseada no pensamento de Millard J. Erickson, Introduo teologia sistemtica, p. 418;
Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, p. 622; e Herman Bavinck, Teologia sistemtica, 521.
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Segundo Hermisten Maia (2001, p. 209) aquele que nos regenerou e justificou,
tambm nos santifica, modelando-nos conforme a imagem de Cristo (Rm 8. 29).
Poder-se-ia definir santificao como a obra contnua de Deus na vida
do crente, tornando-o realmente santo (ERICKSON, 1997, p. 417-418). Hoekema
(1997, p. 199) complementa dizendo que esta obra de Deus implica nossa
participao mediante a qual Deus liberta a ns, pecadores justificados, da
contaminao do pecado, renova toda a nossa natureza conforme a sua imagem e
nos permite viver de forma a agrad-lo. A palavra santificao, segundo o
dicionrio da Bblia de Almeida (1999, p. 143) o ato, estado e processo de se
tornar SANTO.
Alfredo Borges Teixeira (1976, p. 252) ao versar sobre o assunto em
sua Dogmtica evanglica diz que a santificao a obra do Esprito Santo
mantendo e desenvolvendo a vida do novo ente que gerou na Regenerao.
Os autores Franklin Ferreira (2007, p. 871); Hermisten Maia (2001,
207) e Ryle (2009, p. 44) corroboram com a definio de Louis Berkhof sobre
santificao, a saber: Santificao a graciosa e continua operao do Esprito
Santo pela qual ele liberta o pecador justificado da corrupo do pecado, renova
toda a sua natureza imagem de Deus, e o capacita para praticar boas obras
(BERKOF, 2007, p. 489).
O termo santificao reveste-se de uma profunda importncia, e os
equvocos a seu respeito so tantos e to graves que se faz importante definio
dos termos santificao, santidade, santo. Sendo assim, torna-se fundamental
atentar para o que as confisses de f reformadas dizem e o que a Bblia ensina.
1.1 Harmonia das Confisses de F Reformadas
Entende-se como Smbolos de F, os credos, confisses e catecismos
que a Igreja produziu em sua histria para sintetizar os ensinamentos bblicos, assim
como defender e apresentar uma expresso articulada da f crist. O Telogo
Hermisten Maia admite que os credos da Reforma apresentem trs objetivos
especficos, a saber:
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(1) evidenciar os fundamentos bblicos de seus ensinos; (2) demonstrar que suas doutrinas estavam em acordo com os principais credos da Igreja; e (3) demarcar sua posio teolgica em relao teologia romana e s demais correntes provenientes da Reforma (COSTA, 2007, p. 14).
Reconhecer-se- que os principais catecismos e confisses
reformados produzidos so: a Confisso Gaulesa (1559); a Confisso Escocesa
(1560); a Confisso Belga (1561); os Trinta e nove artigos da Igreja da Inglaterra
(1563); o Catecismo de Heidelberg (1563); a Segunda Confisso Helvtica (1562-
1566); os Cnones de Dort (1618-1619); e a Confisso de Westminster e seus
Catecismos Maior e Menor (1647-1648). Conforme proposto no subttulo esta parte
exibir a harmonia entre as confisses reformadas, no que concerne a santificao.
1.1.1 Confisso Belga (1561)
A confisso Belga foi inspirada na Confisso Gaulesa, escrita em Frances, em 1561, pelo pastor reformado Guido de Brs, numa poca em que os protestantes dos Pases Baixos sofriam intensa represso da Espanha catlica que dominava a regio. (COSTA, 2007, p. 15).
A confisso Belga em seu artigo 24 diz o seguinte sobre a santificao
e as obras do homem:
Cremos que essa verdadeira f, tendo sido acesa no homem pelo ouvir da Palavra de Deus e pela obra do Esprito Santo, regenera e o torna um novo homem. A verdadeira f o faz levar uma vida nova e o liberta da escravido do pecado. Por isso, impossvel que essa f justificadora leve os homens a se descuidarem da vida piedosa e santa. [...] Pois, no falamos de uma f v, mas da f que a Escritura diz que atua pelo amor (Gl 5.6). Ela move o homem a exercitar-se nas obras que Deus mandou na sua Palavra. Essas obras se procedem da boa raiz da f, so boas e agradveis a Deus, porque todas so santificadas por sua graa; [...] De outro modo, essas obras no poderiam ser boas, assim como o fruto da rvore no pode ser bom se a rvore no for boa. Ento, fazemos boas obras, porm no para merecermos algo, pois que mrito poderamos ter? Antes, somos devedores a Deus pelas boas obras que fazemos, e no ele a ns, j que Deus quem efetua em ns tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.13). Contudo, no queremos negar que Deus recompensa as boas obras; mas, por sua graa, ele coroa seus prprios dons. (CONFISSO BELGA, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1755).
Em suma pode-se dizer que a santificao obra sobrenatural
realizada pelo Esprito Santo; no algo que fazemos por ns mesmos. A
santificao a libertao do comando da velha natureza, que foi mortificada com
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Cristo. Neste sentido, cada cristo santo, j tendo experimentado mudana,
transformao, regenerao. Antes, ele era escravo do mundo, de Satans e do
pecado. Agora, ele separado do pecado e do mundo, para servir aos desgnios de
Deus.
1.1.2 Catecismo de Heidelberg (1563)
O Catecismo de Heidelberg o segundo dos padres doutrinrios da Igreja Reformada e originou-se no ano de 1563, na cidade de Heidelberg (da o seu nome), capital do eleitorado alemo do Palatinado. O prncipe eleitor Frederico III, que se tornou calvinista em 1560, encarregou Zacarias Ursinus (professor da faculdade de teologia de Heidelberg) e Gaspar Olevianus (pregador da corte) de prepararem um manual de instruo doutrinria para consolidar a f reformada em seus domnios. O novo catecismo foi aprovado e publicado em 1563. O sucesso foi imediato e, em sua terceira edio, as perguntas e respostas foram agrupadas em 52 Dias do Senhor, de modo que seu contedo pudesse ser estudado ao longo de um ano. (CATECISMO DE HELDELBERG, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1750).
O Catecismo de Heidelberg na seo que trata sobre Deus Esprito
Santo e nossa Santificao, faz a seguinte pergunta: O que voc cr sobre o
Esprito Santo? e responde da seguinte forma:
Primeiro: creio que Ele verdadeiro e eterno Deus com o Pai e o Filho. Segundo: que Ele foi dado tambm a mim. Por uma verdadeira f, Ele me torna participante de Cristo e de todos os seus benefcios. Ele me fortalece e fica comigo para sempre (CATECISMO DE HELDELBERG, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1765).
Ao analisar a pergunta do catecismo de Heidelberg, nota-se que no
h de forma explicita a questo da santificao. Contudo, entende-se que o Esprito
Santo, a terceira pessoa da trindade Deus. Sendo assim, o autor da santificao
em ns. Na economia divina, ou economia trinitria, certas obras so atribudas mais
particularmente ao Esprito Santo, no somente na economia geral de Deus, mas
tambm na economia especial da redeno.
Ao falar de economia trinitria faz-se a distino existente nas pessoas
da trindade para que elas sejam identificadas em suas funes.
No obstante, no convm dissimular ou disfarar a distino que a Escritura revela que se atribuem ao Pai o incio de toda ao e a fonte e origem de todas as coisas; ao Filho, a sabedoria, o conselho e a ordem de dispor tudo; ao Esprito Santo, o poder e a eficcia de toda a ao. (CALVINO, 2006, p. 51, v. 2).
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Embora haja essas distines claramente perceptveis nas Escrituras
(Mt 3. 13-17, onde as trs pessoas esto presentes, cada uma, porm,
desempenhando uma funo especfica), no se deve pensar que so diferentes
ttulos que se atribuem a Deus significando apenas diversos modos ou maneiras;
mas devemos observar que uma distino, no uma diviso. (CALVINO, 2006, p.
50, v. 2). Esta distino jamais mostrar alguma diviso entre elas, uma vez que h,
na Trindade, santa comunho e unicidade.
Conforme Joo Calvino (2006, p. 52, v.2),
O Pai est todo no Filho, o Filho todo no Pai, como ele prprio tambm o declara... Portanto, quando falamos simplesmente do Filho, parte de sua relao com o Pai, bem e propriamente O asseveram proceder de Si Mesmo e, por isso, O chamamos de princpio nico. Quando, porm, consideramos a relao que Ele tem com o Pai, com razo fazemos o Pai o princpio do Filho.
O Esprito Santo quem aplica no eleito, regenerao, ou seja, o
novo nascimento, tendo em vista o objetivo final, a glorificao. A santificao o
crescimento da regenerao para o objetivo final da glorificao.
Conclui-se, ento, que o Esprito Santo, na obra da santificao
quem efetua em [ns] tanto o querer como o realizar, segundo a boa vontade [de
Deus] (Fp 2.13), impelindo todos os cristos a desenvolverem a salvao (Fp 2.12).
1.1.3 Cnones de Dort (1619)
Os Cnones de Dort formam o terceiro padro doutrinrio adotado pelas igrejas reformadas. Jacobus Arminius, pastor da Igreja Reformada em Amsterd (da arminianos, adeptos ou defensores dos seus ensinamentos), afirmava que a salvao depende da prescincia de Deus, no que foi contestado. Depois da sua morte, em 1609, o grupo arminiano publicou, em 1610, A Remonstrncia (pleito, pedido). O documento expunha o Arminianismo em cinco pontos (CNONES DE DORT, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1749).
Em relao aos cinco pontos do arminianismo no ser discutido aqui.
No dia 13 de novembro de 1618, Snodo reuniu-se em Dort, ou Dortrecht, na Holanda, para decidir a questo. Os cinco artigos dos arminianos foram discutidos e uma comisso preparou o texto dos cnones ou regras de doutrina em que se condenava a doutrina arminiana e se expunha a doutrina da Escritura. Os Cnones de Dort foram aceitos por todas as igrejas reformadas como uma correta expresso do sistema calvinista (CNONES DE DORT, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1749).
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Percebe-se no 3 e 4 captulos da doutrina, que trata sobre a
corrupo do homem, a sua converso a Deus e como ela ocorre, no artigo 16, o
seguinte ensinamento:
O homem no deixou, apesar da queda, de ser homem dotado de intelecto e vontade; o pecado, que tem penetrado em toda a raa humana, no privou o homem de sua natureza humana, mas trouxe sobre ele depravao e morte espiritual. Assim tambm a graa divina da regenerao no age sobre os homens como se fossem mquinas ou robs, e no destroi a vontade e as suas propriedades, ou a coage violentamente. A graa a faz reviver espiritualmente, traz-lhe a cura, corrige-a e a dobra de forma agradvel e, ao mesmo tempo, poderosa. Como resultado, onde dominava rebelio e resistncia da carne, agora, pelo Esprito, comea a prevalecer uma pronta e sincera obedincia. Esta a verdadeira renovao espiritual e liberdade da vontade. Se o admirvel Autor de todo bem no agisse desse modo conosco, o homem no teria esperana de levantar-se da sua queda por meio de sua livre vontade, pela qual ele, quando ainda estava em p, se lanou na perdio (CNONES DE DORT, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1780).
A renovao moral, pela qual estamos mudando de modo crescente
em relao quilo que fomos, decorre da agncia do Esprito Santo em nosso
corao (Rm 8.13; 12.1,2; 1Co 6.11,19,20. Deus chama seus filhos para a santidade
e d-lhes graciosamente o que Ele ordena (1Ts 4.4; 5.23).
1.1.4 Confisso e Catecismos de Westminster (1643-1649)
A Confisso de F e os Catecismos so conhecidos historicamente,
como Smbolos de Westminster. Eles foram elaborados pela Assembleia de
Westminster (1643-1649), convocada pelo Parlamento ingls para elaborar novos
padres doutrinrios, litrgicos e administrativos para a Igreja da Inglaterra. Foram
convocados 121 ministros (telogos), alm de 20 membros da Cmara dos Comuns
e 10 membros da Cmara dos Lordes.
A Igreja Presbiteriana do Brasil adota como exposio das doutrinas
bblicas, a Confisso de F de Westminster, o Catecismo Maior e o Catecismo
Menor ou Breve Catecismo. (NASCIMENTO; MATOS, 2007, p. 67). Entretanto
reconhecem a Bblia Sagrada como nica norma de f e prtica. Todavia, em
virtude de a Bblia no apresentar as doutrinas j sistematizadas, adotamos a
Confisso de F e os Catecismos como exposio do sistema de doutrinas
ensinadas na Escritura. (NASCIMENTO; MATOS, 2007, p. 67).
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A Confisso de F Westminster dedica o captulo XIII para tratar sobre
a doutrina da santificao dividindo-o em trs pargrafos, dos quais receber nossa
ateno o paragrafo II, visto que os demais j foram citados anteriormente. Segue a
transcrio do texto:
II. Essa santificao no homem todo, porm imperfeita nesta vida; ainda persistem, em todas as partes dele, restos da corrupo; da nasce uma contnua e irreconcilivel a carne lutando contra o Esprito, e o Esprito contra a carne. (Bblia de Genebra, p. 1793).
Ao comentar sobre a Confisso de F de Westminster, Hodge (1999, p.
268) destaca que esta obra de santificao envolve a destruio do velho corpo de
pecado, bem como o desenvolvimento da graa implantada na regenerao; ela
tambm primeiramente interna e espiritual e, ento, externa e prtica.
Nos captulos sexto e stimo da carta aos Romanos, claramente
ensinado que todo o corpo de morte no prontamente apagado, no exato momento
da regenerao. Da segue-se necessariamente que as disposies graciosamente
implantadas e alimentadas em ns pelo Esprito, devem entrar em conflitos com as
tendncias para o mal que permanecem.
Glatas 5. 24 diz: As pessoas que pertencem a Cristo Jesus
crucificaram a natureza humana delas, junto com todas as paixes e desejos dessa
natureza (NTLH); e ainda, Colossenses 3. 5,10: faam morrer tudo o que pertence
natureza terrena de vocs [...] e se revistam do novo [homem], o qual est sendo
renovado em conhecimento, imagem do seu Criador (NVI). (Grifo nosso).
A luz do notrio fato da natureza humana de que o carter moral de
todas as aes se deriva das disposies morais interiores e das inclinaes que as
impelem. Conforme Lucas 6. 44-45 Porquanto cada rvore conhecida por seu
prprio fruto. [...] O homem bom do bom tesouro do corao tira o bem, [...] porque a
boca fala do que est cheio o corao. Visto que o carter do fruto determinado
pelo carter da rvore que o produz, assim o carter moral das aes depende do
corao do qual procedem: Se vocs crescerem como uma rvore saudvel, iro
produzir frutos saudveis. Mas, se a rvore for doente, os frutos sero podres. Os
frutos nos revelam a verdade sobre a rvore (Mt 12. 33 A Mensagem).
Em resposta a pergunta 75, o que santificao? O Catecismo Maior
de Westminster afirma:
Santificao a obra da graa de Deus pela qual os que Deus escolheu, antes da fundao do mundo, para serem santos so, nesta vida, pela poderosa operao de seu Esprito, que aplica a morte e ressurreio de
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Cristo, renovados no homem interior, segundo a imagem de Deus, tendo os germes do arrependimento que conduz vida e de todas as outras graas salvadoras implantadas no corao deles, e tendo essas graas, de tal forma estimuladas, aumentadas e fortalecidas, que eles morrem cada vez mais para o pecado e ressuscitam para a novidade de vida (CATECISMO MAIOR, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1810)
O Breve Catecismo de Westminster, ao responder a mesma pergunta, o que
santificao?, traz de forma sintetizada, contudo, no menos pertinente a seguinte
definio:
Santificao a obra da livre graa de Deus, pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, e habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retido (CATECISMO MAIOR, In BBLIA DE GENEBRA, 2009, p. 1830).
Deste modo, com base nas observaes feitas nos Smbolos de F
Reformados, conclui-se que: (1) A santificao uma obra do Deus triuno. (2) A
santificao o resultado da unio vital de Cristo com o crente. (3) A santificao
tem o seu incio na regenerao. (4) A santificao sinaliza a eleio divina. (5)
Embora seja uma obra do Deus triuno, o homem tem a sua responsabilidade. (6) A
santificao um processo que comea no novo nascimento, todavia jamais ter fim
nesta vida.
1.2 Termos Bblicos de Santificao e Santidade no Antigo Testamento
No Antigo Testamento, a f descoberta em Israel assinala para a
criao de um sistema tico, legal e ritual e, assim, coloca um firme limite ao redor
da nao escolhida, para que a identidade da nao, como povo escolhido e
separado por Deus, fosse evidente a todas as outras naes ao redor. Fazer parte
da aliana era sinal de separao dos outros povos, para servir exclusivamente a
Deus. Para entender este conceito santidade/santificao, deve-se examinar, no
Antigo Testamento, os termos que denotam isso.
[...] a palavra santificar qadash, um verbo que usado no niphal, piel, hiphil e hithpael. O significado original dessas palavras incerto. Alguns so de opinio que o vocbulo qadash relacionado com o chadash, que significa brilhar. Isso estaria em harmonia com o aspecto qualitativo da ideia bblica de santidade, a saber, a de pureza. Outros, com maior grau de probabilidade, derivam-no da raiz qad, significando cortar. Isto faria da ideia de separao a ideia original. A palavra indicaria, ento, isolamento, separao, ou majestade. Embora este significado das palavras santificao e santidade possa parecer-nos inusitado, , com toda probabilidade, a ideia a ideia fundamental expressa por elas. Diz
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Girdlestone: Os termos santificao e santidade so atualmente empregados com tanta frequncia para descrever qualidades morais e espirituais, que mal comunicam ao leitor a ideia de posio ou de relao existente entre Deus e uma pessoa ou coisa a ele consagrada; contudo, v-se que este o significado real da palavra. (BERKOF, 2001, p. 485).
Harrison destaca trs aspectos do uso do termo santificao:
1. Aplicados a Deus: Significa a Sua superao e transcendncia sobre toda a criao. Em sua, supremacia, majestade, reverncia glria. 2. Aplicados a Objetos e Instituies: So santos, no em si mesmos, somente em seus usos, quando apartados do uso comum e dedicados a Deus. tpico o frequente uso do termo santo em xodo e Levtico com referncia a objetivos to diversos como: o tabernculo e suas oferendas, gua, vestiduras sacerdotais e a terra. 3. Aplicados a Homens: A santidade considerada frequentemente como santidade cerimonial que provm de atos adequados de consagrao, como se pode ver em xodo 29.1: Isto o que lhes fars, para os consagrar, a fim de que me oficiem como sacerdotes. (HARRISON, 1987, p. 484).
Conforme dito deve-se reconhecer que santificao/santidade um
termo bblico de muito peso. A ideia de separar-se ou apartar-se significa tudo o que
caracteriza Deus como separado dos homens e, tambm, tudo o que deve distinguir
o cristo como separado para Deus.
No Antigo Testamento, nos livros mais antigos, a santidade do povo de
Deus vista em termos cerimoniais. A santidade descrita pela observncia do
servio especial dos sacerdotes ou como deviam se purificar, bem como a
observncia de certos rituais. Aro, o sacerdote carregava inscrito em sua mitra:
Santidade ao Senhor (x 28. 36-38; Nm 16.5) indicando a sua consagrao total
ao servio de Deus, tendo sido separado para dirigir o culto pblico e oferecer os
sacrifcios a Deus. J os livros mais recentes, principalmente os salmos e profetas,
descrevem a santidade em termos ticos que envolvem a prtica da justia, de uma
conduta correta, amorosa, verdadeira e que seja humilde diante de Deus.
A santidade primeiramente aplicada a Deus, no fato de que Deus
divino e absolutamente distinto da criatura. Ele santo em Sua graa, justia, amor,
bem como, em sua ira. O Senhor moralmente perfeito, e continuamente faz o que
certo, pois o modelo do sumo bem o prprio Deus. A santidade representada na
Escritura vista tambm como a luz da glria divina que se transforma em fogo
devorador (Is 5.24; 10.17; 33.14).
Diferentes formas foram usadas para revelar a santidade de Deus no
Antigo Testamento. Uma delas foram os terrveis julgamentos sobre os inimigos de
Israel (x 15. 11-12; Ez 20. 39-44), e a separao de um povo para si.
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Em um sentido derivado, a ideia de santidade tambm aplicada a coisas e pessoas que so colocadas numa relao especial com Deus. A terra de Cana, a cidade de Jerusalm, o monte-templo, o tabernculo e o templo, os sbados e as festas solenes de Israel - todas estas coisas so chamadas santas, visto serem consagradas a Deus e introduzidas no resplendor da sua augusta santidade. Similarmente, os profetas, os levitas, e os sacerdotes so chamados santos na qualidade de pessoas que foram separadas para o servio especial do Senhor. (BERKOF, 2007, p. 252).
A augusta santidade de Deus expressa em sua lei (Sl 19. 8-9) e, em
suas obras, conforme mostrado em 1Cr 16.29 Tributai ao Senhor a glria devida ao
seu nome [...] adorai o Senhor na beleza da sua santidade. Tremei diante dele,
todas as terras, pois ele firmou o mundo para que no se abale.
A santidade a coroa imutvel de Deus, a sua glria, a sua beleza.
Joel Beeke (2010, p. 209) afirma que a santidade mais do que um mero atributo
de Deus. Na viso de Jonathan Edwards (apud BEEKE, 2010, p. 209) a santidade
a soma de todos os seus atributos, o esplendor de tudo que ele .
Joel R. Beek (2010, p. 208), expe a ideia de santificao no
pensamento puritano, da seguinte forma:
Os puritanos no viam qualquer disparidade entre os conceitos de santidade no Antigo e do Novo Testamento, embora entendessem que os testamentos variam em sua nfase sobre o que a santidade envolve. O Antigo Testamento enfatiza em especial a santidade moral e ritual, enquanto o Novo Testamento enfatiza a santidade transformadora, interior (Lv 10.10-11; 19.2; 1Ts 5.23; Hb 10.10).
A ideia de que somos pecadores evidente na Escritura Sagrada:
Deus nos escolheu para sermos aquilo que no ramos. A escolha divina no foi
baseada em mrito algum; o Seu proposito tornar o seu povo santo.
Segundo Calvino (2000, p. 13) das muitas recomendaes excelentes
que a Escritura faz, no h nenhuma melhor que este princpio: Sede santos porque
eu sou santo.
Deus estabeleceu um vinculo entre sua santidade e a santidade do seu
povo. Segundo o pensamento de Franklin Ferreira (2007, p. 858):
O plano de redeno tem como alvo desfazer o estrago da queda e renovar a imagem de Deus no ser humano. Naturalmente, isto insinua que o povo escolhido e redimido ser transformado e separado para, novamente, refletir essa imagem. Quando Deus exige santidade do seu povo esta a razo: ... Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo. [...] Eu sou o SENHOR, vosso Deus (Lv 19. 2,4). Deus revelou os pormenores sobre o que isso quer dizer em sua lei. No contexto deste captulo de Levtico, ele revelou leis morais, civis e cerimoniais, para ilustrar a natureza da santidade de Deus e da santidade que ele esperava de seu povo. A santidade inclui no furtar, no mentir, no fazer falsos votos (19. 11-12), a proibio de uma linguagem que profane o nome de Deus (19. 12), a proibio da opresso de outros (19.13), a proibio do abuso dos que tm
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incapacidades fsicas (19. 14), a proibio de vingana (19. 18), a proibio de espiritismo e adivinhao (19. 31) e a proibio de opresso do estrangeiro (19. 33-34). Deve-se notar que todas as proibies afirmam virtudes positivas. A santidade inclui respeito pelo patrimnio dos outros, a valorizao da honestidade, da integridade, do louvor ao Senhor, da misericrdia, da compaixo, do juzo justo, do amor, do perdo, da confiana no Senhor pelo futuro e da justia.
A santificao, portanto, inclui a conformidade ao padro de justia que
se manifesta no carter de Deus. A santidade sempre uma expresso de uma
relao. Ela nunca de bondade moral, avaliada em si mesma, mas sempre como
de bondade tica vista em uma relao com Deus.
1.3 Termos Bblicos de Santificao e Santidade no Novo Testamento
O Novo Testamento estabelece um alto padro de santidade para a
espiritualidade. O fiel discpulo de Cristo, nascido do alto percorre o caminho da
santificao sem a qual ningum ver o Senhor (Hb 12.14) na busca do precioso
alvo que a plenitude de vida conforme a imagem de Cristo (Rm 8. 29) (SALUM,
2009, p. 94). Deus chama seu povo santidade, a pertencer to-somente a ele, de
modo que habitados pelo Esprito Santo, cada um traga no corao o registro feito
pelo prprio Esprito: Santidade ao Senhor!
O novo testamento no diz que os crentes devem ter vidas santas a fim de se tornarem santas; ao invs disso, ensina que os crentes, por serem santos, devem viver vidas santas! Esse, pois, o primeiro e fundamental aspecto do dom divino da santificao. (PACKER, 1994, p. 162-163).
O termo bblico de santidade/santificao no Novo Testamento tem
como palavra-chave: hagios (santo) e seus derivados. Louis Berkof descreve os
termos usados no Novo Testamento da seguinte forma:
O verbo hagiazo derivado de hagios, que, como a palavra hebraica qadosh, expressa primariamente a ideia de separao. Todavia, empregado em vrios sentidos diferentes no Novo Testamento. Podemos distinguir os seguintes: (1) empregado num sentido mental, com referncia a pessoas ou coisas, Mt 6.9; Lc 11.2; 1Pe 3.15. [...] (2) tambm empregado, ocasionalmente, num sentido ritual, isto , no sentido de separar do ordinrio para propsitos sagrados. [...] (3) empregado ainda para denotar a operao de Deus pela qual ele, especialmente por intermdio do seu Esprito, produz no homem a qualidade subjetiva da santidade, Jo 17.17; At 20.32; 26.18; 1Co 1.2; 1Ts 5.23. (4) Finalmente, [...] empregado num sentido expiatrio. (BERKOF, 2007, p. 485).
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Para Anthony Hoekema (1997, p. 201) a palavra santo (hagios)
utilizada com diferentes sentidos, a saber:
Usualmente descreve a santificao dos crentes, como em Efsios 5. 25, 26: ...Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse (hagiasse), tendo-a purificado por meio da lavagem de gua pela palavra. Nesse sentido, a santidade significa pelo menos duas coisas: (1) separao da prtica do pecado deste presente mundo, e (2) consagrao ao servio de Deus.
Berkof (2007, p. 485) ainda definindo termos pondera sobre os adjetivos
e os substantivos que denotam, e/ou expressam a ideia de santidade e santificao.
Ele descreve do seguinte modo:
(1) Hieros. A palavra menos empregada, e tambm menos expressiva hieros. Acha-se unicamente em 1Co 9.13; 2Tm 3.15, e, a, no se referindo a pessoas, mas a coisas. No expressa exclencia moral, mas o carter inviolvel da coisa referida, resultante da sua relao com Deus. [...] (2) Hosios. A palavra hosios ocorre com mais frequncia. Acha-se em At 2.27; 13.34, 35; 1Tm 2.8; Tt 1.8; Hb 7.26; Ap 15.4; 16.5, e se aplica no somente a coisas, mas tambm a Deus e a Cristo. [...] (3) Hagnos. A palavra hagnos ocorre em 2Co 7.11; 11.2; Fp 4.8; 1Tm 5.22; Tg 3.17; 1Pe 3.2; 1Jo 3.3. Ao que parece, a ideia fundamental da palavra a liberdade da impureza e corrupo num sentido tico. (4) Hagios. A palavra realmente caracterstica do Novo Testamento , porm, hagios. Seu significado primrio o de separao na consagrao e dedicao ao servio de Deus. Com isto se relaciona a ideia de que aquilo que posto parte do mundo para Deus, tambm deve separar-se da corrupo do mundo e participar da pureza de Deus. Isto explica por que hagios depressa adquiriu um significado tico. [...] quando falamos da santidade em conexo com a santificao, temos em mente tanto uma relao externa como uma qualidade subjetiva interior. O vocbulo no Novo Testamento para santificao hagiasmos. Embora denote purificao tica, inclui a ideia de separao, isto , a separao do esprito de tudo que impuro e corrupto, e uma renuncia dos pecados para os quais os desejos da carne e da mente nos levam. Enquanto hagiasmos denota a obra da santificao, h outras duas palavras que descrevem o resultado do processo, que so, hagiotes e hagiosune. A primeira se acha em 1Co 1.30 e Hb 12.10; e a segunda em Rm 1.4; 2Co 7.1 e 1Ts 3.13. Estas passagens mostram a qualidade da santidade ou de estar livre da corrupo e da impureza essencial para Deus, foi demonstrada por Jesus Cristo, e dada ao cristo.
Ao analisar a Bblia, mais especificamente o Novo Testamento
percebe-se que a santificao do crente se d por meio da unio com Cristo, pela f
e por meio da verdade, ou seja, a Palavra.
O apostolo Paulo ensina que a santificao se d por meio da unio do
crente com Cristo em sua morte e ressurreio. Romanos 6. 4, 6 Portanto, fomos
sepultados com ele na morte por meio do batismo [...] o nosso velho homem foi
crucificado com ele (NVI). E ainda no (vv.10): Porque morrendo, ele morreu para o
pecado uma vez por todas; mas vivendo, vive para Deus; entende-se que a
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santificao como a morte para o pecado em Cristo e com Cristo, que tambm
morreu para o pecado.
Paulo enfatiza o que significa morrer para o pecado em Rm 6, visto
considerar este texto o cerne da doutrina da santificao. Nesta conexo, John
Murray tem um comentrio de contundente significao prtica e pastoral:
Estamos tambm prontos a dar ateno quilo que julgamos ser os difceis e empricos fatos da confisso crist, e temos apagado a clara linha de demarcao que define a Escritura. Como resultado, perdemos nossa viso da sublime vocao de Deus em Cristo Jesus. Nossa tica perdeu sua dinmica e nos conformamos a este mundo. Desconhecemos o poder da morte para o pecado na morte de Cristo, e no somos capazes de suportar o rigor da liberdade da emancipao redentora. Morremos para o pecado: a glria da realizao de Cristo e a garantia da tica crist esto atadas a esta doutrina. Se vivemos em pecado, ento no morremos para ele; e se j morremos para o pecado, ento no mais vivemos nele; pois, como viveremos ainda no pecado, ns os que para ele morremos?. (MURRAY, 1957, p. 205).
Nos captulos sexto e stimo da epstola de Paulo aos Romanos
claramente ensinado que todo o corpo de morte no imediatamente destrudo, no
exato momento da regenerao. Da segue-se necessariamente que as tendncias
graciosamente implantadas e sustentadas devem entrar em conflito com as
tendncias para o mal que permaneceram. Gl 5.24 diz que os que so de Cristo
Jesus crucificaram a carne com suas paixes e concupiscncias; e ainda, Cl 3.5
mortificai, pois nossos membros de carter terreno.
A luz do notrio fato da natureza humana de que o carter moral de
todas as aes se deriva das disposies morais interiores e das inclinaes que a
impelem. O mesmo assegurado nas Escrituras: A pessoa boa tira o bem do
depsito de coisas boas que tem no seu corao. E a pessoa m tira o mal do seu
depsito de coisas ms. Pois a boca fala do que o corao est cheio (Lc 6.45
NTLH).
Visto que o carter do fruto determinado pelo carter da rvore que
o produz, assim o carter moral das aes depende do corao do qual procedem:
Ou fazei a rvore boa, e seu fruto bom, ou fazei a rvore corrupta, e seu fruto
corrupto (Mt 12.23).
O crente agora chamado a viver uma nova vida porque ressuscitou
com Cristo e compartilha com ele sua vida ressurreta e, esto sendo restaurados a
imagem do prprio Cristo.
Em 1Co 1.30 , porm, por iniciativa dele que vocs esto em Cristo
Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para ns, isto , justia, santidade e
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redeno (NVI). A palavra usada para santidade hagiasmos. As verses bblicas
Almeida Revista e Atualizada e Almeida Revista e Corrigida traduzem por
santificao. O apostolo Paulo ensina que Cristo no s nos traz santificao, mas
ele a nossa santificao. Se somos um com Cristo, estamos sendo santificados. E
a nica forma de ser santificados ser um com Cristo (HOEKEMA, 1997, p. 202). O
apstolo Paulo em sua 1 carta aos Corntios 6.11 escreve: Mas vocs foram
lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no
Esprito de nosso Deus (NVI). [Grifo nosso].
Calvino expressa bem isso dizendo: Enquanto Cristo permanece fora
de ns, e ns estamos separados dele, tudo o que ele sofreu e fez pela salvao da
raa humana permanece sem utilidade e sem valor para ns (CALVINO apud
HOEKEMA, 2006, p. 202).
O apstolo Paulo em Rm 7.24 ao dizer: Como sou infeliz! Quem me
livrar deste corpo que me leva para a morte? (NTLH), se depara com o desespero
quando conclui que a fora de vontade (e ele era extremamente disciplinado, Gl
1.14) no tem condies de levar o cristo ao destino que Deus o manda alcanar.
Contudo, Paulo encontra sua resposta/soluo no v.25 Que Deus seja louvado, pois
ele far isso por meio do nosso Senhor Jesus Cristo!.
O processo de santificao depende total e absolutamente de Cristo.
Conforme Calvino (apud COSTA, 2006, p.265) A genuna santidade e
irrepreensibilidade se encontram unicamente nele, em Cristo. E ainda enfatiza que
quanto mais eminentemente algum se destaca em santidade, mais ele se sente
destitudo da perfeita justia e mais que claramente percebe que em nada pode
confiar seno unicamente na misericrdia de Deus. (CALVINO apud COSTA, 2006,
p.266).
A santificao um processo2 de crescimento espiritual marcado por
um combate violento entre a carne e o esprito, entre o velho homem e o novo
homem; todavia, apesar disso, tem-se a vitria em Cristo. Nesse processo o cristo
sabe que est sendo
capacitado para largar o mal e seguir o bem: Tendo, pois, amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do esprito, aperfeioando a nossa santidade no temor de Deus (2 Co 7.1). preciso viver de forma consistente com a nova identidade e natureza em Cristo: ...e vos revistais do novo homem criado segundo Deus, em justia e retido procedentes da verdade (Ef 4.24). (FERREIRA, 2007, p. 868).
2 Sobre o processo da santificao ser tratado nos captulos seguintes.
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Indubitavelmente no contexto teolgico encontram-se posies e/ou
convices divergentes no que concerne a santificao. Por esta razo, o termo
santificao tem sido observado de diversas perspectivas. No captulo seguinte
sero abordadas algumas perspectivas sobre santificao.
2 PERSPECTIVAS SOBRE A SANTIFICAO
No decorrer da histria da igreja o tema santidade tem sido examinada
e ponderada por muitas perspectivas: asctica, mstica, sacramental, etc. Uma
busca por santidade mediante a fuga do mundo, pela elevao e/ou contemplao,
ou ainda, pela graa sobrenatural dos sacramentos caracterizam esse momento
histrico.
Porm, em meados do sculo XVI, em grande medida o protestantismo
clssico afastou os conceitos ascticos, msticos e sacramental avanando para
uma perspectiva mais bblica. No entanto, certos nmeros de nfases divergentes
comearam a surgir.
Ao se estudar sobre a santificao ficam claras as posies
divergentes de alguns telogos. Cada autor esboa sua compreenso a respeito da
doutrina levando em conta o contexto teolgico de cada um. Embora haja
divergncias em alguns aspectos, em outros se percebe um entendimento. Apesar
de existir controvrsias acerca dessa doutrina, no se deve minar a realidade da
santidade, tanto nos promovem tal controvrsia quanto em seus seguidores.
Neste captulo sero abordadas as perspectivas sobre santificao.
So elas: Perspectiva Wesleyana, Perspectiva Pentecostal, Perspectiva de Keswick,
Perspectiva Agostiniano-Dispensacionalista e Perspectiva Reformada. Certamente
existem vrias outras perspectivas, contudo destacaro apenas estas cinco.
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2.1 Perspectiva Wesleyana
A perspectiva wesleyana pode ser chamada tambm de o
perfeccionismo wesleyano. O perfeccionismo Wesleyano desenvolveu-se em
meados do sculo XVIII, sob o nome de perfeio crist. Essa proposta doutrinria
alega uma segunda graa transformadora que, normalmente, porvindoura ao novo
nascimento, ou seja, a converso.
Segundo Melvin Dieter ao tratar sobre o a perspectiva wesleyana diz
que:
No pensamento wesleyano, o compromisso integral de algum no relacionamento de amor com Deus e com o prximo no um estado superior fixo. Em vez disso, um novo estgio, uma nova arena de resposta tica vontade divina, prpria da regenerao que decorre do novo nascimento em Cristo (GUNDRY (Ed), 2006, p. 17).
O ensinamento wesleyano merece ao mesmo tempo aplausos e
criticas. A compreenso de John Wesley sobre santidade concentra-se na
depravao total e corrupo completa da humanidade decada; no amor a Deus e
aos homens; e, finalmente concentra-se na f, em confiana a Deus. Este um
ponto forte de sua doutrina.
Mormente, um problema dessa doutrina acerca da perfeio, do
corao puro, da inteira santificao, ou segunda beno, como muitos vieram a
chama-la (embora Wesley no a chamasse assim), est no fato de que criam que
mediante o Esprito de Deus, em um s momento, erradica do corao do cristo
todas as motivaes, exceto o amor.
J. I. Packer ao argumentar sobre a doutrina de Wesley corrobora com o
pensamento supracitado, ao dizer:
A perfeio, da maneira como Wesley a encarava, tinha uma estrutura comparvel. Objetivamente, era uma purificao final do corao atravs da erradicao e destruio do pecado inato e a canalizao de todas as energias pessoais do homem intelectuais, volitivas, emocionais, motivadoras para a nica atividade sustentada de amar a Deus e aos outros. Subjetivamente, era o reconhecimento consciente, dado diretamente pelo Esprito Santo, de que a pessoa fora de tal forma transformada em seu interior, que agora a sua nica motivao puro amor, e que ficar, de fato, orando, regozijando-se e dando graas com o corao ardente, durante todo o tempo em que estiver acordada (PACKER, 1991, p. 135).
Entre as denominaes e/ou grupos cristos que abraam a ideia de
perfeio nesta vida, destaca-se: Metodista wesleyana; Metodista Livre; Exrcito da
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salvao; Igreja de Deus; Aliana Crist e Missionria, Igreja do Nazareno e Igreja
Peregrina da santidade (MARSDEM apud HOEKEMA,1997, p. 221). Esses grupos
ensinam sobre a possibilidade dos crentes atingirem, ainda nesta vida, um estado de
santificao plena. Essa santificao plena uma experincia distinta e
subsequente justificao, bem como uma experincia instantnea recebida por f,
envolvendo na erradicao da natureza pecaminosa.
Sendo assim, nessa viso, estariam aptos a evitar pecados que so
geralmente circunscritos, ou seja, transgresses voluntrias de leis conhecidas.
Ao mesmo tempo em que concordam com a ideia de perfeio nesta
vida, estes grupos geralmente dizem que no creem na possibilidade de perfeio
impecvel. O perfeccionismo na cosmoviso wesleyana parece embaraado at
mesmo para ele.
Num lugar ele diz: Por perfeccionismo [...] eu no defendo o termo impecvel, ainda que no me oponha a ele. Em outro lugar, porm, ele diz: Perfeio impecvel uma expresso que eu nunca uso para no me contradizer. [...] J. Siddlow bater, por exemplo, diz: Em nenhum lugar o Novo Testamento promete ou sugere completa impecabilidade de natureza ou conduta ainda nesta vida; o que faz, sim, ensinar a verdadeira santidade, operada pelo Esprito Santo. Donald Metz coloca assim: Por causa das qualidades infinitas que ainda carregam as cicatrizes do pecado, esse mesmo crente (que vive em estado de perfeio) no cumprir perfeitamente a lei de Deus. Outro escritor nazareno, J. Kenneth Grider qualifica de modo semelhante: A frase perfeito amor [...] um problema para muitas pessoas que supem que nossa expresso de amor a Deus e aos homens no realmente sem mcula. S podemos entender que seja um amor despido de motivaes carnais. [...] Melvin E. Dieter afirma: Devemos observar que o wesleyanismo [...] certamente no considera que haja uma perfeio impecvel, so provavelmente, mais mal entendidos nesse ponto do que em qualquer outro (HOEKEMA, 1997, p. 222).
A teologia wesleyana defende o perfeccionismo a partir da concepo
bblica que estabelecem o cerne da ideia de santificao plena. John Wesley
enumera algumas caractersticas da santificao:
1) Amar a Deus de todo corao e o prximo como a si mesmo; 2) ter a mente de Cristo ; 3) produzir o fruto do Esprito (de acordo com Glatas 5); 4) restaurao da imagem de Deus na alma, recuperao da imagem moral de Deus, que consiste em retido e santidade genunas; 5) ter retido interior e exterior, santidade de vida que brota da santidade de corao; 6) santificao divina no corpo, na alma e no esprito; 7) perfeita consagrao individual a Deus; 8) entrega contnua, por intermdio de Jesus, dos pensamentos, palavras e aes do individuo como sacrifcio de louvor e aes de graa a Deus; 9) salvao de todo o pecado (DIETER In GUNDRY, 2006, p.21).
John Wesley, Finney e os grupos citados anteriormente alegam que h
exemplos bblicos de pessoas perfeitas. Eles citam No, J, Zacarias e Isabel,
Natanael como exemplos que confirmam a doutrina da perfeio. Deve-se lembrar
22
de que na cosmoviso perfeccionista a expresso perfeio definida como a
habilidade de abster-se de transgresses voluntrias a leis conhecidas.
Conquanto encontra-se em Gn 6.9 o relato de que No era homem
justo e integro, porm em Gn 9.21 No se embriaga. Ainda citam J como exemplo
de pessoa perfeita, no entanto o prprio J declara que se abomina e se arrepende
no p e na cinza.
Em Filipenses 3.15 onde se l: Todos, pois, que somos perfeitos,
tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, tambm isto
Deus vos esclarecer; e, 1 Corntios 2.6: Entretanto, expomos sabedoria entre os
experimentados.... A expresso traduzida por experimentados a palavra grega
teleios (que significa maduro) e a mesma palavra grega usada no texto de
Filipenses 3.15 traduzida por perfeio.
William Barclay nos ajuda a entender essa palavra grega teleios,
perfeito.
Ela era empregada no apenas para a absoluta perfeio, mas tambm para certo tipo de perfeio, por exemplo: 1) significa desenvolvido plenamente em contraposio ao no desenvolvido; um homem maduro em contraposio a um jovem; 2) usa-se para descrever o homem de mente madura em oposio a um principiante em algum estudo; 3) quando se trata de oferendas, significa sem mcula e adequado para o sacrifcio a Deus; 4) aplicado aos cristos, com frequncia designa os batizados como membros plenos da igreja em oposio aos que esto sendo instrudos para serem recebidos na igreja (BARCLAY apud LOPES, 2007, p. 32).
Ralph Martin alm de atestar o pensamento de Barclay, declara ao
acrescentar que,
esse termo perfeio era muito usado pelos falsos mestres. Os judaizantes se vangloriavam de sua perfeio, quer fosse como judeus que professavam guardar a lei em sua inteireza, quer como judeus cristos que se gloriavam da circunciso. Os cristos gnsticos, por sua vez, reivindicavam serem iluminados, como homens do Esprito. Paulo, porm, explicitamente negou aquilo que eles afirmavam ter obtido, isto , a perfeio (MARTIN apud LOPES, 2007, p. 137).
A epstola de Tiago 1.4 ao tratar sobre a provao que produz
perseverana descreve a perfeio como uma finalidade, veja: Ora, a perseverana
deve ter ao completa, para que sejais perfeitos e ntegros, em nada deficientes.
Ao observar superficialmente esse texto parece que d base doutrina wesleyana,
porm deve-se fazer a seguinte pergunta: o que significa perfeito? Willian
Hendriksen analisando o texto responde a pergunta da seguinte forma:
Certamente no significa sem pecado. Em Tiago 3.2 escreve que todos tropeamos em muitas coisas. [...] A inteno de Tiago transmitir o conceito de integridade, ou seja, que no fica a desejar em nenhum ponto.
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[...] A New International Version traduz o termo como maduro. No tocante aos leitores da carta de Tiago, o termo perfeito significa maduro. Um sinnimo de maduro a palavra integro (HENDRIKSEN, 2001, p. 41).
Uma observao exegtica fidedigna do texto evitar interpretaes
equivocadas. Entretanto, levando em conta que a bblia interpreta a prpria bblia,
faz-se notrio que a doutrina da santificao perfeita no tem muita sustentao
devido aos vrios textos que contradizem essa ideia. Algumas passagens bblicas
que contradizem o ponto de vista wesleyano, ou seja, a doutrina perfeccionista,
textos tais como:
1Reis 8. 46- Quando pecarem contra ti (pois no h homem que no
peque)...; Salmo 32. 3- Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus
ossos pelos meus constantes gemidos todo dia; Provrbios 20.9- Quem pode
dizer: purifiquei o meu corao, limpo estou do meu pecado?; Romanos 3.23- pois
todos pecaram e carecem da glria de Deus; Tiago 3.2- Porque todos tropeamos
em muitas coisas. E no pode ficar de fora o texto ureo de 1Joo 1.8- Se
dissermos que no temos pecado, enganamo-nos a ns mesmos, e no h verdade
em ns (ARC).
Ao analisar o texto percebe-se que o verbo traduzido por temos esta
no tempo presente. Com isso descarta toda interpretao de que essas palavras so
aplicadas a pecados passados. O apstolo Joo ensina que se algum diz que no
tem pecado agora, no presente, engana-se a si mesmo.
Anthony Hoekema diz que o crente, no importa o quo avanado
esteja, no pode dizer que vive sem pecado. importante ver que Paulo no s foi,
no passado, mas ainda se considerava o principal dos pecadores (1Tm 1.15)
(HOEKEMA, 1997, p. 230).
J. C. Ryle de forma memorvel comenta o ponto em apreo da
seguinte forma:
Qual o santo que pode ser citado na Palavra de Deus, dentre aqueles cujas vidas so contada com detalhes, que fosse literal e absolutamente perfeito? Qual deles, escrevendo sobre si mesmo, jamais falou sobre sentimentos livres de imperfeio? Ao contrrio, homens como Davi, Paulo, Joo declararam com linguagem forte que o que sentiam no corao eram fraqueza e pecado (RYLE apud HOEKEMA, 1997, p. 225).
A ocorrncia de autores bblicos que frequentemente contam suas
falhas em alcanar a perfeio deve ser aceito como testemunhos pessoais, todavia
no deve ser usados como desculpas na luta pela perfeio.
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O apstolo Paulo ao escrever a carta aos Filipenses 3. 13-14- Irmos,
quanto a mim, no julgo hav-lo alcanado; mas uma coisa fao: esquecendo-me
das coisas que para trs ficam e avanando para as que adiante de mim esto,
prossigo para o alvo, para o prmio da soberana vocao de Deus em Cristo Jesus.
Esse versculo pode ser empregado como lema do cristo em busca de santidade.
Embora a doutrina perfeccionista, ou doutrina da perfeio plena tenha
vrios equvocos de se admirar e copiar a paixo pela santidade. Stephen Neill
acerta ao dizer: Onde quer que a igreja afunde em uma plcida aceitao da
mediocridade, o perfeccionismo aparece como ferres para nos alertar (NEILL apud
HOEKEMA, 1997, p. 231). Somos verdadeiramente novos, mas ainda no
totalmente novos.
2.2 Perspectiva Pentecostal
O movimento pentecostal teve seu incio em meados do sculo XX, nos
Estados Unidos. Em janeiro de 1901, um grupo de alunos que estudavam no Bethel
Bible College de Topeka, Estado do Kansas, chegou concluso de que falar em
lnguas era a evidncia externa inicial de que uma pessoa foi batizada no Esprito
Santo. O registro de Atos 2.4 era a base para tal concluso.
Segundo Stanley M. Horton,
[...] em 1906, W. J. Seymour, um pregador negro, adepto do movimento holiness, acolheu essa doutrina no Texas, encontrou apoio entre outros do mesmo movimento e foi convidado para ir Califrnia. Em pouco tempo, Seymour uniu-se antiga Igreja Metodista da Rua Azusa, n. 312, em Los Angeles. Esse lugar transformou-se num centro onde brancos e negros se congregavam. Logo as pessoas comearam a chegar de toda a parte dos EUA e do Canad, at de outros pases. Seymour evitava chamar a ateno para si, e os cultos eram marcados por louvor e adorao a Jesus. A partir da surgiram inmeras igrejas pentecostais (HORTON In GUNDRY, 2006, p. 115).
Entender o histrico das origens do pentecostalismo e dos ventos de
doutrina que passaram pelo movimento reavivalista, bem como, o seu progresso
doutrinrio facilitar a percepo do refinamento e estabilizao da verdade
pentecostal.
Com base no contexto wesleyano holiness, a experincia da
santificao era requisito obrigatrio para o recebimento do batismo com o Esprito
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Santo. Para muitos a santificao era uma segunda obra definitiva da graa que
purificava o crente do pecado, transformando-os em vasos puros, para que assim se
tornassem cheios do Esprito Santo.
Assim sendo, muitos pentecostais continuam a ensinar a santificao
como uma segunda obra, crendo que o batismo com o Esprito Santo representa
uma terceira experincia.
A perspectiva pentecostal acerca da santificao e a perspectiva
wesleyana criam e ensinavam que a perfeio crist imputada e acontece pela f
no sangue de Cristo, de modo que, no momento em que a pessoa justificada, a
santificao completa (HORTON In GUNDRY, 2006, p. 118).
Em contrapartida nem todos os pentecostais pensavam assim.
Existiam aqueles que declaravam que, na converso, Deus perdoava aos
pecadores, mas deixava-os repletos de pecado e corrupo que era imprescindvel
uma segunda ao da graa para impedir que fossem para o inferno.
O conflito estabelecido pelas divergncias de pensamento resultou na
ciso do movimento pentecostal. Os grupos pentecostais holiness continuaram a
ensinar acerca da santificao como uma segunda obra da graa como sendo pr-
requisito para o batismo com o Esprito Santo. Por outro lado, as Assembleias de
Deus ensinava que a f e a purificao do sangue de Cristo so pr-requisitos para
o batismo com o Esprito Santo.
As Assembleias de Deus permaneceram firmes ao enfatizar a
santidade cristocntrica, opondo-se a ideia da segunda obra definitiva da graa. Os
seus materiais escritos legitimam o assunto.
Myer Pearlman, um dos mais influentes escritores assembleianos
parece ser uma exceo. Ele afirma:
[...] devemos reconhecer que o progresso na santificao muitas vezes implica uma crise na experincia, quase to definida como a da converso. De forma ou de outra, o crente recebe uma revelao da santidade de Deus e da possibilidade de andar mais perto dele, e essa experincia crist, na qual dever decidir se retrocede ou segue avante com Deus. Confessando seus fracassos passados, ele faz uma reconsagrao e, como resultado, recebe um acrscimo novo de paz, alegria e vitria, como tambm o testemunho de que Deus aceitou essa sua reconsagrao. Alguns chamam essa experincia de uma segunda obra da graa (PEARLMAN apud HORTON In GUNDRY, 2006, p. 121).
Embora essa citao parea contrria ideia assembleiana, Pearlman
deixa claro sua rejeio a qualquer ensino que proponha a possibilidade do indivduo
ser salvo ou justificado sem ser santificado. Para ele a erradicao do pecado inato
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antagnica s Escrituras e experincia crist. Para ele fica claro que no existe
lugar para uma experincia de santificao como a que ensinavam os pentecostais
da virada do sculo XIX para o Sculo XX (PEARLMAN apud HORTON In
GUNDRY, 2006, p. 122).
As Assembleias de Deus aps discusso sobre a questo da
santificao plena, mais precisamente por causa da palavra plena reuniu-se em
conselho geral para debater se excluiriam ou no essa palavra. Aps dois dias de
debate, a deciso unnime foi pela retirada da palavra plena. Assim o ponto 9 [nove]
da declarao ficou com o ttulo simplesmente de santificao. Segue a declarao
do ponto 9 [nove]:
Santificao o ato de separao de tudo quanto mal, e de dedicao a Deus (Rm 12. 1,2; 1Ts 5.23; Hb13. 12). As escrituras ensinam que sem santidade ver o Senhor (Hb 12.14). Pelo poder do Esprito Santo somos aptos a obedecer ao mandamento: sejam santos, porque eu sou santo (1Pe 1. 15,16). A santificao realiza-se no crente mediante o reconhecimento da identidade com Cristo na morte e ressurreio, mediante a considerao diria dessa unio pela f, e mediante a entrega contnua de todos os talentos ao domnio do Esprito Santo (Rm 6.1-11, 13; 8.1, 2, 13; Gl 2.20; Fp 2.12; 1Pe 1.5).
Essas definies so correlatas ao que fora ensinado por Myer
Pearlman. Ao analisar os escritos de Pearlman, principalmente um livro didtico
muito usado nos institutos bblicos pentecostais, encontra-se uma incluso na
definio de santificao. Stanley Horton destaca duas das incluses feitas por
Pearlman, a saber: 1) separao do pecado e do mundo e 2) dedicao, ou
consagrao, comunho e obra de Deus por meio de Cristo (PEARLMAN apud
HORTON In GUNDRY, 2006, p. 122).
Na viso de Pearlman os termos santificado e santo so sinnimos,
embora ele entenda que o sentido primordial de santo seja separao para o
servio, o que inclui a ideia de purificao. Ainda reconhece a pureza como condio
da santidade, porm no sendo a santificao em si, pois esta primeiramente
separao e dedicao.
P. C. Nelson, fundador do Colgio Sudoeste das Assembleias de Deus,
corrobora com Pearlman ao afirmar que a santificao exibe o fruto do
relacionamento correto com Deus numa vida separada do mundo pecaminoso e
dedicada a Deus (NELSON apud HORTON In GUNDRY).
Com base em 1 Corntios 6.11- Mas vocs foram lavados, foram
santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Esprito de
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nosso Deus chama a ateno para o fato de muitos andarem altura do chamado
recebido, e outros que abertamente se envolvia com o pecado. Segundo Raymond
Carlson a santificao implica em duas grandes verdades. A primeira a
consagrao [...] a segunda verdade a purificao (CARLSON apud HORTON In
GUNDRY, 2006, p. 124).
Hebreus 10.10, 14- Quando cremos no Senhor Jesus Cristo e o
aceitamos como Salvador, somos nele justificados pela f, e nos apresentamos
diante de Deus sem condenao alguma para a alma. Somos regenerados, isto ,
nascidos de novo por intermdio da operao do Esprito Santo e da Palavra de
Deus, e nos temos convertido em novas criaturas. Tambm somos separados do
pecado, lavados e purificados pelo sangue de Jesus (1Jo 1.7) e por nossa prpria
vontade nos separamos para servir a Deus, e Cristo agora nossa justia, santidade
e redeno.
Pearlman (apud HORTON In GUNDRY, 2006, p. 124) destaca que a
santificao , nesse sentido, simultnea justificao, e Williams (apud HORTON In
GUNDRY, 2006, p. 124) todo o crente em Cristo santificado posicionalmente
quando aceita Cristo. Em outras palavras, ambos os autores apontam a santificao
como uma obra progressiva. Horton declara que ainda que todos os crentes sejam
separados para Deus em Cristo, essa relao de separao apenas indica o
processo de vida pelo qual a santidade de Deus se realiza (HORTON In GUNDRY,
2006, p. 125).
Atualmente as Assembleias de Deus tratam acerca da santificao
incluindo o aspecto instantneo e progressivo. Harris afirma que a santificao
instantnea; no momento em que a pessoa confia em Cristo, separada do pecado
e para Deus (HARRIS apud HORTON In GUNDRY, 2006, p. 126). Stanley Horton
faz uma definio interessante acerca da santificao instantnea e progressiva. Ele
escreve:
Existe um aspecto progressivo da santificao mediante o qual crescemos na graa (2Pe 1. 4-8; 3.18). mas tambm existe um aspecto instantneo da santificao mediante o qual, no momento em que nascemos de novo, somos separados do mundo para seguir a Jesus, e somos santos neste sentido. Infelizmente, algumas igrejas muito formais tm colocado algumas pessoas no pedestal e as chamam santos. O NT, porm, chama todos os crentes de santos, somos consagrados e dedicados a seguir Jesus. Todos so santos se levados para a direo certa, mesmo que tenham apenas comeado a seguir o caminho. triste que a palavra santo tenha sido distorcido pelos que a empregam como um ttulo para seus heris (HORTON, 2006, p. 126).
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Na perspectiva pentecostal, principalmente na Assembleia de Deus,
reconhecem que o batismo nas guas declara a unio com Cristo na morte e
ressurreio. Colossenses 2.11, 12 Nele tambm vocs foram circuncidados [em
sinal da aliana e promessa], no como uma circunciso feita por mos humanas,
mas com a circunciso feita por Cristo, que o despojar do corpo da carne. Isso
aconteceu quando vocs foram sepultados com ele no batismo, e com ele foram
ressuscitados mediante a f no poder [ou operao] de Deus que o ressuscitou
dentre os mortos. E ainda em Glatas 2.20, Paulo testemunha: Fui crucificado com
Cristo. Assim, j no sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora
vivo no corpo, vivo-a pela f no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.
Horton comenta sobre os versculos anteriormente citados, dizendo:
esta claro que a vida de santidade possvel para ns apenas por causa da obra
de Cristo e que a santificao inicial, ou posicional, necessria para comearmos a
viver de forma santa (HORTON In GUNDRY, 2006, p. 127).
Como argumento para definir a necessidade da santificao
progressiva, Horton usa o texto de 1 Co 3.1 Eu, porm, irmos, no vos pude falar
como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianas em Cristo. Horton quer
explicitar que o estado dos crentes de corinto no estavam a altura da posio que
tinham em Cristo. Ele apresenta vrios outros texto, tais como: (Ef 4.22-24; Cl 3.5-
10; 1Co 3.13-14); que harmonizam com o ensino de Paulo em 1Ts 4. 3, 4 Pois
esta a vontade de Deus: a vossa santificao, que vos abstenhais da prostituio;
que cada um de vs saiba possuir o prprio corpo em santificao e honra.
Horton continua seu pensamento dizendo:
Esses versculos no significam que toda a responsabilidade de obter a santificao progressiva esteja no crente. Temos nossa parte, mas Deus tambm tem a dele. Ele indicou os meios para prover tanto a santificao externa quanto a interna na vida cotidiana. Esses meios so: o sangue de Cristo, o Esprito Santo e a Palavra inspirada de Deus, os 66 livros da Bblia (HORTON In GUNDRY, 2006, p. 128).
E finaliza descrevendo:
A santificao progressiva deve envolver a pessoa como um todo. Mas, a Bblia ensina que as provas e os efeitos externos da santificao devem ser consequncia da obra interior. O Esprito Santo o agente, e sua obra o meio mais importante da santificao progressiva (HORTON In GUNDRY, 2006, p. 129).
Os wesleyanos concordam em certa medida com os pensamentos de
Horton, no que concerne a experincia do batismo e obra inicial do Esprito. Porm,
encontram dificuldades em entender como algum pode ser cheio do Esprito e no
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ter o corao totalmente purificado, ou seja, aperfeioado no amor pela plenitude de
sua presena e poder.
Por outro lado, na apurada significao das Assembleias de Deus ao
tratar a doutrina da santificao assemelha-se muito do movimento wesleyano e
at mesmo de outras posies teolgicas.
Anthony Hoekema ao dialogar sobre a perspectiva pentecostal ora
analisada por Stanley Horton apresenta aceitao com parte do que fora dito sobre a
santificao, sobre a posio posicional e progressiva. Observe o que Hoekema
expem:
Estou de acordo tambm que a santificao progressiva obra de Deus e responsabilidade nossa. Reconheo que as trs pessoas da Trindade esto envolvidas na santificao, que um aspecto de nossa unio com Cristo, e que o fato de o Esprito nos encher e tornar a nos encher uma necessidade. Valorizo ainda a observao dele quanto ao fato de os meios de santificao serem o sangue de Cristo, o Esprito Santo e a Bblia. Concordo tambm que impossvel nesta vida viver sem pecado. Fico feliz pelo fato de Horton mostrar que o proposito da santificao a perfeio no ser alcanado antes da vida futura (HOEKEMA In GUNDRY, 2006, p. 152).
Embora Hoekema tenha certa aceitao com o pensamento de Horton,
ele refuta alguns destes ensinos e confessa:
Encontro certa dificuldade com relao ao emprego que ele faz da palavra cooperar para designar a relao entre a nossa tarefa e a de Deus na santificao. Dizer que devemos cooperar com Deus no que tange nossa santificao implica que parte da tarefa realizada por ns e parte, por Deus. Mas a atuao de Deus em ns no se interrompe enquanto estamos atuando e, da mesma forma, no paramos de realizar a tarefa porque Deus est operando. prefervel dizer que a santificao uma obra de Deus em ns que envolve nossa participao responsvel (HOEKEMA In GUNDRY, 2006, p. 152).
Assim sendo, conclui-se que entre os pentecostais h concordncia
acerca de cada aspecto plano grandioso da redeno. Eles creem que a justificao
e a santificao inicial acontecem no mesmo momento; a primeira nos coloca numa
nova posio diante de Deus, e a ltima nos concede um novo estado. Harold D.
Hunter afirma que a santificao parte da experincia inicial de salvao e
tambm um processo de purificao que dura a vida toda (HUNTER apud
HORTON In GUNDRY, 2006, p. 147).
Ao que parece alguns pentecostais da corrente holiness e alguns de
corrente no-holiness concordam muito mais do que no incio do sculo XX.
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2.3 Perspectiva de Keswick
Keswick o nome de uma cidade de veraneio na regio dos lagos, no
Distrito Lake, Inglaterra; onde se realizam desde 1875 convenes anuais para o
aprofundamento da vida espiritual ou a promoo da santidade prtica, como alguns
preferem cham-la.
O propsito inicial do ensino de Keswick nos dias de hoje tem pouco
lugar, ou mesmo nenhum, nas instrues dadas nas convenes. Anteriormente, o
ensino de Keswick, em seus muitos aspectos e formas, origina-se no que Paulo diz
em Romanos 6. 1-14 Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que
seja a graa mais abundante? De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado,
ns os que j morremos? Ou, porventura, ignorais que todos ns que fomos
batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados
com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os
mortos pela glria do Pai, assim tambm andemos ns em novidade de vida.
Porque, se fomos unidos com ele na semelhana da sua morte, certamente, o
seremos tambm na semelhana da sua ressurreio, sabendo isto: que foi
crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja
destrudo, e no sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu est
justificado do pecado. Ora, se j morremos com Cristo, cremos que tambm com ele
viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, j no
morre; a morte j no tem domnio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez
para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim
tambm vs considerai-vos mortos para o pecado, mas vivo para Deus, em Cristo
Jesus. No reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que
obedeais s suas paixes; nem ofereais cada um os membros do seu corpo ao
pecado, como instrumentos de iniquidade; mas oferecei-vos a Deus, como
ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de
justia. Porque o pecado no ter domnio sobre vs; pois no estais debaixo da lei
e sim da graa. [grifo nosso]
Com base nos versculos citados acima,
muitos mestres como Robert Pearsall Smith deduziram uma frmula para uma vida mais elevada, vida em plano mais alto, uma vida em que, embora o corao pecaminoso da pessoa permanea como era antes, a fora que a
31
arrasta para baixo, dos desejos errados e da fraqueza moral, efetivamente anulada (PACKER, 1991, p. 143).
No se pode considerar a conveno de Keswick como um sistema
doutrinrio, to pouco uma denominao e/ou organizao. Embora muitos
intelectuais tenham participado do movimento no existe nenhum tratado teolgico
ou dos ensinamentos de keswick.
Algo interessante chama a ateno na conveno de Keswick. Ela
adota uma temtica especfica para cada dia da conveno.
No primeiro dia ressalta o pecado. No segundo dia, apresenta-se a proviso divina para a vida crist virtuosa. O terceiro dia o tema consagrao e no quarto dia vida no Esprito. Sendo que, no incio das convenes tinham esses quatro destaques consecutivos: pecado, proviso de Deus, consagrao e estar cheio com o Esprito. Esse ltimo tinha uma nfase maior, visto que o ensinamento mais caracterstico de Keswick diz respeito ao direito adquirido por todo cristo de viver uma vida plena no Esprito (MCQUILKIN In GUNDRY, 2006, p. 168-169).
Posteriormente foi acrescentado um quinto elemento ou tema, servio,
que logo se tornou a marca registrada da conveno de Keswick.
Um ponto forte do ensino de Keswick caracteriza-se pelo crescimento
espiritual na direo da semelhana cada vez maior com Jesus Cristo. J. I. Packer
ao elogiar o ensino de Keswick destaca:
A unio do crente com Cristo na morte e ressurreio, e a transformao de corao dessa forma produzida, so de fato a fonte da libertao do pecado para a justia (Romanos 6.14, 17, 18, 20-22) e do amor agradecido a Deus que motiva a obedincia crist (Romanos 12.1) (PACKER, 1991, p. 146).
O eixo no qual o ensino de Keswick se sustenta, pode-se dizer que o
perfeccionismo wesleyano modificado.
Atravs do reavivamento de santidade do meio do sculo XIX, ao qual o ensino de Keswick deu asas, esta ideia de salvao com duas salvaes em separado, uma da culpa do pecado e a outra do poder do pecado, tornou-se padro em todo o pensamento evanglico, com exceo dos luteranos confessionais e calvinistas, e em alguns quartis ainda sobrevive (PACKER, 1991, p. 146).
Keswick tem sido regularmente acusado de ensinar a perfeio crist,
conceito de que possvel viver sem pecado. Keswick ensina que os cristos, pelo
poder do Esprito que habita neles, tm a capacidade de escolher no violar
deliberadamente a vontade conhecida de Deus.
Se a definio de pecado incluir essa deficincia involuntria, ento Keswick no ensina que ningum tenha nesta vida a capacidade de no cometer pecado. No entanto, uma vez que muito da nfase na vitria se concentra no campo da disposio, os preletores muitas vezes do impresso de que a vitria compatvel possvel, tanto a vitria contra a tentao de cometer atos pecaminosos conscientes e deliberados, quanto vitria contra a deficincia nas atitudes inconscientes. Contudo, o ensino oficial afirma que
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todo crente nesta vida permanece com a tendncia natural ao pecado e cometer o pecado se o Esprito Santo no exercer sua influencia de equilbrio (MCQUILKIN In GUNDRY, 2006, p. 171). .
Keswick caracteriza a santificao de trs formas: posicional prtica e
permanente ou completa. Para que o ser humano viva em amor e unio com Deus,
far-se- necessrio eliminar a barreira do pecado. O processo para eliminao do
pecado se chama santificao e como j fora dito acima, ocorre de trs formas.
A primeira forma a posicional, em que o pecador separado do
pecado para tornar-se propriedade exclusiva de Deus. Ela pode ser desmembrada
em trs partes:
a) Em primeiro lugar, a pessoa perdoada, de forma que a consequncia do pecado, a punio eterna, eliminada. b) Em segundo, a pessoa justificada para remoo da culpa, da lembrana pecaminosa. c) em terceiro lugar, a pessoa perdoada e justificada regenerada, ou libertada da autoridade controladora de uma disposio pecaminosa. Alguns consideram essa etapa parte da santificao prtica, j que se trata mais de uma condio a ser vivida que da concesso de um ato legal, como no caso do perdo e da justificao. Eu a incluo na santificao posicional, uma vez que faz parte do processo inicial da salvao e resulta numa posio que a condio de todo crente verdadeiro. A promessa feita por Keswick, de completa vitria sobre todo pecado conhecido, vai alm de qualquer coisa que no novo testamento possibilita presumir neste mundo. (MCQUILKIN In GUNDRY, 2006, p. 173).
O segundo a prtica, que a manifestao exterior da posio oficial
do crente no dia-a-dia.
A santidade mais que uma condio legal; significa ser salvo de atitudes e aes pecaminosas. [...] Somos convocados a completar, ou aperfeioar, o nvel de santidade que temos (2 Co 7.1). Esse processo de santificao disponvel a todos os que acham, pela graa de Deus, na posio de separados do pecado para serem propriedade de Deus. (MCQUILKIN In GUNDRY, 2006, p. 174).
E, a terceira e ltima forma a santificao permanente ou completa.
a transformao do crente semelhana de Jesus.
Essa condio final, comumente chamada glorificao, um estado de santificao completa em que o crente no mais tentado pelo pecado nem suscetvel a ele. (MCQUILKIN In GUNDRY, 2006, p. 174).
Embora existam essas trs formas, ou trs sentidos, no projeto divino
de transformar pessoas imperfeitas em santos, no ensino de keswick, a doutrina da
santificao concentra-se na segunda forma: prtica.
A promessa feita por Keswick, de completa vitria sobre todo o pecado
conhecido, vai alm de qualquer coisa que o Novo Testamento possibilita esperar
neste mundo.
33
Segundo Melvin Dieter (In GUNDRY, 2006, p. 202):
A doutrina de Keswick encara com mais seriedade certos elementos essenciais da teologia evanglica-arminiana que fundamentam o wesleyanismo. Keswick toma a perspectiva wesleyana da possibilidade, e mesmo da necessidade, da invaso da vida crist pela plenitude de Deus, e a incorpora perspectiva da vida em santidade, mantendo ao mesmo tempo traos fundamentais da teologia reformada a fim de adaptar-se a suas definies.
O telogo reformado Anthony Hoekema tambm comenta sobre o
ensino de Keswick. Ele expe sua critica elogiando alguns pontos, mas discordando
de outros.
Valorizo a nfase que ele [Keswick]3d a vitria o NT define a vida crist
como uma vida de vitria (Rm 8.37; 1Jo 5.4). Tambm gosto quando ele insiste que a unio com Cristo o cerne da teologia paulina e ressalta a importncia de ser cheio do Esprito. Concordo que a vida de santidade o propsito da salvao. Estou de acordo [...] que o crente ainda tem tendncia ao pecado [...] que alguns cristos, talvez muitos, precisam renunciar prpria vontade entregando-se totalmente ao Senhor algum tempo depois da converso. Discordo quanto definio de pecado [...] e da distino que McQuilkin faz entre os dois tipos de cristo. (HOEKEMA In GUNDRY, 2006, p. 206-208).
J Stanley Horton (In GUNDRY, 2006, p. 210) diz que muitos autores
pentecostais tm uma divida com a postura clssica de Keswick. Horton expe o
pensamento pentecostal em relao ao ensino de Keswick demostrando o que esto
de acordo e no que discordam.
Enfatizamos igualmente toda a obra de Cristo e a unio com ele. Reconhecemos a obra do Esprito na santificao progressiva do crente e esperamos que ele nos ajude a resistir tentao. Concordamos que para isso necessrio consagrao total, entrega incondicional vontade e ao propsito de Deus, como foi revelado em sua Palavra. No entanto no concordamos em nossa definio de enchimento do Esprito e plenitude do Esprito. Reconhecemos que a plenitude est disponvel aos que a pedem (Lc 11.13), e identificamos o enchimento inicial com o batismo com o Esprito Santo (com a evidncia externa inicial do falar em outras lnguas). [...] Entre os pentecostais no existe concordncia quanto necessidade da experincia da crise. (HORTON In GUNDRY, 2006, p. 210-212).
John Walvoord discorre sobre o pensamento agostiniano-
dispensacionalista em relao perspectiva de Keswick em relao a santificao.
Na perspectiva agostiniano-dispensacionalista encontra-se pouco questionamento
em relao perspectiva de Keswick. Walvoord diz:
Assim como nas concepes pentecostais, wesleyana e reformada, nos crculos de Keswick existe grande variedade de perspectivas em relao doutrina da santificao. Ainda que cada autor apresente a perspectiva pessoal neste simpsio sobre santificao, existe conformidade de opinies no conhecimento da justificao como o ato decisivo de Deus, com a
3 O termo entre colchetes no consta na citao de Anthony Hoekema. uma inferncia nossa.
34
santificao inicial ocorrendo no mesmo momento. Todos rejeitam a ideia de que h alguma experincia pela qual se atingem a impecabilidade e a libertao do pecado deliberado e do pecado involuntrio. Todos chamam a ateno para a santificao final nos cus e, ao mesmo tempo, cada um ressalta a responsabilidade do crescimento na santificao na experincia crist na terra. [...] O problema de do ensino de Keswick que ele parece dar a entender que, por um ato da vontade, o cristo pode atingir um nvel elevado de perfeio espiritual. (WALVOORD, In GUNDRY, 2006, p. 213).
O ensino de Keswick tem sido muito influente por oferecer o que todo
cristo anseia: uma libertao plena do pecado e uma comunho mais ntima com
Cristo.
De acordo com a perspectiva agostiniano-dispensacionalista, todas as
concepes apresentadas se esclareceriam se o batismo com Esprito, assim como
a justificao, fosse definido como o ato realizado uma vez por todas no momento
da converso (WALVOORD, In GUNDRY, 2006, p. 214).
No prximo ponto abordar-se- sobre a perspectiva agostiniano-
dispensacionalista, suas caractersticas, pontos fortes e fracos, bem como uma
crtica de telogos de outras perspectivas.
2.4 Perspectiva Agostiniano-dispensacionalista
A perspectiva agostiniana de santidade fora concludente contra Pelgio
e reiterada contra o semipelagianismo medieval pelos reformadores, sendo ainda
apoiada por mestres conservadores luteranos e reformados.
Packer ao comentar sobre a santidade agostiniana descreve:
O seu princpio bsico de que Deus, por sua graa (o que significa amor gratuito e imerecido por ns, pecadores) e mediante a graa (significando o Esprito ativo em nossa vida pessoal) precisa operar, e opera em ns, tudo o que jamais conseguiremos em termos de f, esperana, amor, adorao e obedincia, que ele requer. (PACKER, 1991, p. 120).
No vocbulo do prprio Agostinho, Deus d o que ordena.
Considerando a ideia de Agostinho Deus d o que ordena Packer diz: Isto tem que
ser assim, porque todos somos naturalmente anti-Deus em nosso corao e nunca
em qualquer estgio ficamos completamente livres da influencia do pecado
(PACKER, 1991, p. 120).
35
Na reflexo de Packer, o homem no consegue reagir positivamente a
Deus, sem a graa. E ainda assim, mesmo quando o Esprito opera com graa na
vida do homem, ele est sujeito a se manchar pelo pecado.
Desde os tempos dos primeiros pais da igreja, vrios telogos lutam
para traar o carter moral do indivduo antes e depois da salvao. H
concordncia de ideias de que o indivduo antes da salvao est em pecado.
Entrementes, o alvo da discusso diz respeito ao grau de transformao que ocorre
depois do novo nascimento.
O texto de 2 Corntios 5.17 - E, assim, se algum est em Cristo,
nova criatura; as coisas antigas j passaram; eis que se fizeram novas - torna-se
base para alguns que salientam a grande mudana que ocorre com o novo
nascimento. Outros destacam a transformao como algo gradativo que atinge o
ponto mximo com a perfeio celestial. E, ainda h queles que levantam a
possibilidade da eliminao total do pecado; e, os que asseguram que as pessoas
tm duas naturezas depois da salvao, ou seja, a velha natureza (pecaminosa) e a
nova natureza (semelhante natureza de Deus, que inclui a vida eterna).
No decorrer da histria da igreja, os cristos continuaram a discutir
sobre o conceito das duas naturezas. Walvoord ao referir sobre o conceito
agostiniano de pecado diz:
Em virtude da profunda conscincia do carter pecaminoso do ser humano, Agostinho deu muita ateno a esse aspecto do indivduo, mesmo depois da converso. Raramente, porm, ele faz referencia a algum aspecto do novo carter do indivduo depois da converso como natureza, preferindo ficar com a palavra carne (sarx). (WALVOORD, In GUNDRY, 2006, p. 219).
As caractersticas agostinianas em referncia a santificao, destaca
trs nfases que do forma sua opinio, so elas: humildade, atividade e
transformao.
Destacar-se-ia primeiramente a insistncia na necessidade de mais
deliberada humildade. Esta humildade deve ser em reconhecer que o homem no
perfeitamente puro, santo, bom e imutvel. Romanos 7. 18- Porque eu sei que em
mim, isto , na minha carne, no habita bem nenhum, pois o querer o bem est em
mim; no, porm, o efetu-lo. Porque no fao o bem que prefiro, mas o mal que
no quero, esse fao.
Esse texto deixa claro que todo homem est sujeito tendncias
pecaminosas e incessantemente ao assdio das sedues, engano, orgulho,
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paixes ilcitas, soberba e concupiscncia. Sendo assim, se humilhar na presena
do Deus Salvador reconhecendo nele a total dependncia extremamente
importante e demonstra por parte do homem pecador, humildade.
Packer (1991, p. 122) diz:
Os agostinianos esto certos de que Bunyan entendera a essncia dessa verdade quando cantou: Aquele que est embaixo nenhuma queda precisa temer, Aquele que est humilhado, nenhum orgulho; Aquele que humilde sempre h de ter Deus como seu guia. Eles consideram este estado como parte da obra do Esprito de nos induzir a um senso constantemente ampliado do contraste entre a gloriosa santidade de Deus e a nossa inglria pecaminosidade. Desta forma, medida que a obra da santificao continua, e nos tornamos mais semelhantes a Deus e mais ntimos dele, mais do que nunca nos conscientizamos da diferena existente entre ns e ele.
O conceito de natureza pecaminosa pode ser mais bem resumido
como o conjunto de atributos humanos que demonstram o desejo pelo pecado e a
predisposio para ele.
A palavra natureza usada pelos dispensacionalistas da atualidade em sentido menos completo do que o usado em referncia s duas naturezas de Cristo. A tendncia a limitar a caracterstica do pecado no crente percebida no uso que Ryrie faz do termo capacidade e no emprego por outros dispensacionalistas da expresso pecado interior ou de qualquer outra expresso que evite o termo natureza. Quando se evita a palavra natureza, entretanto, muitas difcil encontrar outra palavra que a substitua de maneira satisfatria (WALVOORD, In GUNDRY, 2006, p. 225).
Aps versar sobre a humildade, o conceito de pecaminosidade, de
forma bem enftica desenvolvido a necessidade da atividade por parte daqueles
que so servos de Deus em todos os aspectos da vida humana.
A santidade na perspectiva agostiniana uma santidade que exige
trabalho rduo. o oposto em relao tranquilidade dos quietistas evanglicos,
que afirmavam que no se pode fazer nada que agrade a Deus at que voc tenha
um impulso da parte do Esprito para tomar alguma iniciativa. Sem isso, no se deve
pretender coisa alguma de significado espir