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FACULDADES INTEGRADAS HÉLIO ALONSO
COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
FUTEBOL E GUERRA:
UMA QUESTÃO HISTÓRICA, POLÍTICA E MIDIÁTICA
Trabalho de conclusão do curso deComunicação Social – Jornalismo das para o título de bacharel das Faculdades Integradas Hélio Alonso.
ALUNO: DANIEL COLLYER BRAGA
ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR PERY COTTA
RIO DE JANEIRO
2011
RESUMO
Este trabalho apresenta as principais interseções entre futebol e guerra.
Contextualização histórica da Guerra do Futebol. Aplicação das diretrizes do livro
“Marketing de Guerra” no âmbito futebolístico. Fatores políticos, históricos, religiosos,
culturais, étnicos e sócio-econômicos são confrontados com acontecimentos da história
do futebol para a explicação de determinadas rivalidades. Futebol como instrumento de
manipulação de massa, arma contra conflitos armados e disseminador de paz.
Apresentação midiática em Internet e jornal impresso de fatos em que o futebol é
utilizado contra a guerra de alguma forma.
Palavras-chave: guerra, futebol, jornalismo, mídia.
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................1
1 A Guerra do Futebol e a guerra no futebol.............................................................3
1.1 A Guerra do Futebol....................................................................................................3
1.2 A guerra no futebol......................................................................................................4
2 O Futebol e a Guerra étnico-política e religiosa....................................................8
2.1 Irã x Estados Unidos (Copa do Mundo de 1998)........................................................8
2.2 Portugal x Angola (Copa do Mundo de 2006)............................................................9
2.3 A antiga Iugoslávia......................................................................................................9
2.4 Israel, na Europa ou na Ásia?....................................................................................10
2.5 Malvinas....................................................................................................................10
2.6 Os Hooligans.............................................................................................................11
2.7 Católicos x Anglicanos..............................................................................................11
2.8 Povo x Poder ou Pobres x Ricos................................................................................12
2.9 Derby della Capitale..................................................................................................14
3 Futebol, uma arma contra a guerra.......................................................................16
3.1 Seleção Brasileira no Haiti em 2004.........................................................................16
3.2 O Santos de Pelé e as guerra civis na África (1969).................................................18
3.3 Pelé e a Guerra Civil do Líbano................................................................................19
4 A Guerra e o Futebol na Mídia..............................................................................21
4.1 Seleção Brasileira no Haiti em 2004.........................................................................21
4.2 Santos de Pelé na África............................................................................................23
Considerações Finais.....................................................................................................25
Referências Bibliográficas e Eletrônicas.....................................................................27
1
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende mostrar que o futebol tem associação direta com a guerra
conforme concepções apresentadas por vários fatos datados por diversos autores. O presente
trabalho tem embasamento onde ambos conceitos se tangem de alguma maneira. A
articulação dos resultados estão separados em capítulos distintos, para um melhor
entendimento sobre assunto.
A ideia surgiu há alguns anos assistindo à uma matéria feita pelo repórter Régis
Rösing, da Rede Globo. O jornalista citado apresentava que os termos do futebol são
diretamente retirados dos termos de guerra, com palavras simples, como ataque, defesa,
artilheiro, bomba e arqueiro. Foi possível então, perceber que a associação entre guerra e
futebol ia muito mais além. Pesquisando sobre o assunto, é possível concluir que o futebol
poderia influenciar diretamente uma guerra positiva ou negativamente. Assim como, uma
guerra pode ser iniciada em decorrência da rivalidade causada por uma partida de futebol.
Antes de o inglês Charles Miller trazer o esporte para o Brasil, os chineses jogavam
uma espécie de futebol com a cabeça de seus inimigos. Cuju, como era chamado, está datado
no século III a. C. Os Maias, há mais de três mil anos, também tinham um jogo em que duas
equipes se enfrentavam com objetivo de acertar uma bola em um determinado local do campo
adversário. Estudiosos afirmam que o “esporte” era levado tão a sério que o líder do time
derrotado, era condenado à morte.
O futebol sempre despertou paixão sobre aqueles que o acompanham e participam e, a
cada ano, torna-se mais profissional. Além de sofrer inúmeras atualizações e modernizações.
Ainda assim, o lado bretão do esporte jamais é esquecido. Seja pela atuação de
torcidas organizadas, que acabaram virando gangues, como pela paixão exacerbada dos
torcedores, acompanhada pelo ódio aos rivais, gerando guerra física ou verbal.
2
Atualmente são incalculáveis os valores financeiros que o futebol gera ao redor do
mundo, atraindo grande atenção do mundo capitalista. Além disso, o futebol é usado como
instrumento para interesses externos, ferramenta de manipulação das massas.
O futebol tem sua fama de “maior esporte do mundo” afirmada quando observamos
fatos simples. Pelé, o rei do futebol, foi eleito o maior atleta do século XX, dentre atletas de
todas as outras modalidades. Os rostos de Pelé e Ronaldo “Fenômeno” estão entre os cinco
mais conhecidos no planeta, disputando com Jesus Cristo, por exemplo.
Uma partida de futebol seria capaz de parar um conflito armado? Seria possível iniciar
uma guerra? Existem rivalidades futebolísticas extremas a ponto de causarem mortes? São
esses e outros questionamentos que estão levantados e respondidos neste trabalho.
Não há um livro que, especificamente, trate sobre guerra e futebol de forma tão direta
e simples quanto esta pesquisa, que traz inúmeros casos e notícias sobre o assunto. O que
existem são livros que contam determinados casos. Por exemplo, “A guerra do futebol: e
outras histórias”, de Ryszard Kapucinski, como o título apresenta, conta a história da Guerra
do Futebol, um conflito armado ocorrido em 1969 entre Honduras e El Salvador, que teve
como estopim três partidas de futebol das eliminatórias da Copa do Mundo de 1970.
Mais do que um trabalho de conclusão de curso, é uma compilação de informações
sobre futebol, com datas, curiosidades e dados.
3
1. A GUERRA DO FUTEBOL E A GUERRA NO FUTEBOL
1.1. A Guerra do Futebol
A Guerra do Futebol, também conhecida como a Guerra das 100 horas, foi um conflito
armado entre El Salvador e Honduras, que durou do dia 14 ao dia 18 de Julho de 1969. Até aí,
tudo “normal”. E se pensarmos que o estopim para esta guerra foi uma partida de futebol? Foi
exatamente isso que aconteceu.
Havia outros motivos para a corriqueira inimizade entre os dois países. O futebol foi
usado como desculpa para a guerra. A região apresentava estruturas políticas problemáticas.
O jornalista polonês Ryszard Kapuscinski apresenta sua ótica dessa história em seu livro “A
Guerra do Futebol”. Kapuscinski foi ao México tentar aprender com um amigo jornalista um
pouco mais a respeito da complicada América Latina da época, quando o conflito explodiu.
Kapuscinski compreendia fatores bem mais importantes por trás de uma “simples”
guerra de cinco dias entre dois países que figuram entre os mais pobres da América Central.
El Salvador, além de ser o menor país da região, apresentava excesso de população nas áreas
urbanas e quase toda a zona rural controlada por apenas 14 grandes latifundiários. Sem
alternativas, grande parte da população migrava para a vizinha Honduras, com área
praticamente seis vezes maior do que El Salvador. Com o passar do tempo, 300 mil
imigrantes já estavam lá e a escassez de terras começou então a preocupar o governo
hondurenho. Não permitida de realizar a reforma agrária pela poderosa United Fruit
(representante estadunidense nos países pobres), Honduras optou por expulsar os imigrantes
salvadorenhos. A bomba-relógio estava preparada, apenas esperando para ser detonada. Foi
quando chegaram aqueles jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970.
Tudo foi superdimensionado pela mídia a partir daí. A primeira partida foi realizada
no domingo, dia 8 de Junho, na capital hondurenha Tegucigalpa. Os jogadores de El Salvador
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tiveram uma noite péssima, perturbados por pedradas nas janelas do hotel, foguetórios,
buzinas e gritos da multidão. Acabaram derrotados por 1 a 0 no dia seguinte. Em El Salvador,
naquele mesmo momento, Amelia Bolanios, de 18 anos, suicidou-se usando a arma do pai
com um tiro no peito. Tornando-se mártir.
O motivo do suicídio foi ligado aos vexames sofridos por sua seleção em Honduras. O
governo salvadorenho então se encarregou do enterro, tratando como uma questão nacional.
No dia 15, a seleção de Honduras chegou ao país vizinho para a segunda partida da série e
teve o mesmo tratamento dado ao adversário dias antes. A delegação hondurenha foi alvo de
ovos podres no hotel. Para chegar ao estádio, foram utilizados carros blindados. Durante o
jogo, torcedores mostravam fotos de Amelia Bolanios. Assim, Honduras acabou derrotada por
3 a 0.
Na capital San Salvador, carros de hondurenhos foram destruídos, dois torcedores
foram assassinados e dezenas de feridos chegavam aos hospitais. Nas horas seguintes, a
fronteira dos países foi fechada. No dia 27 de Junho, com um grande aparato de segurança, as
equipes fizeram a terceira partida na Cidade do México. A seleção de El Salvador se garantiu
na Copa com uma vitória de 3 a 2. Nesse momento, o jornalista mexicano, amigo de
Kapuscinski, cravou que uma guerra aconteceria. O repórter polonês então foi para a capital
hondurenha, Tegucigalpa. No dia seguinte da chegada de Kapuscinski, a cidade sofreu um
ataque aéreo, onde uma bomba foi lançada. Aquele era o início oficial da guerra.
O saldo final daquelas 100 horas seguintes, segundo Kapuscinski, foi de 6 mil mortos,
12 mil feridos e 150 mil ficaram sem casas e terras. Vilarejos inteiros foram arrasados. A
guerra só cessou por conta da atuação da Organização dos Estados Americanos (OEA). Os
pobres foram os que mais sofreram. Durante aquele pequeno período, a loucura dos governos
de Honduras e El Salvador teve um pretexto, o futebol.
1.2. A guerra no futebol
É possível aplicar em um jogo de futebol todos os princípios fundamentais das guerras
convencionais para se alcançar êxito. Através deste conceito, é possível usar um conjunto de
táticas e estratégias para fazer um time mais competitivo, persuadindo o competidor em
ganhar a batalha. Alguns fundamentos devem ser utilizados em determinadas situações
particulares do jogo. Além disso, é necessário compreender o comportamento do adversário,
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reagindo a ele de um jeito exclusivo. Jogando de forma correta, qualquer time de futebol pode
virar o jogo.
Ries e Jack Trout, autores do famoso livro de Administração “Marketing de Guerra”,
defendem a possibilidade de uma disputa entre empresas da própria maneira que um exército
se prepara para uma guerra verdadeira. A ideia dos autores foi baseada no general da antiga
Prússia, Karl Von Clausewitz, que registrou em 1832 o tratado sobre a guerra chamado “On
War”. Sendo assim, é possível que os princípios de guerra também possam ser aplicados
numa competição esportiva.
Para poder ganhar, é imprescindível construir um plano tático e estratégico, usando os
princípios gerais da guerra convencional, adaptados ao mundo esportivo. Analisando estas
diretrizes que podem ser adaptadas aos campos de futebol, LIMA (2007) explica:
Princípio Um: Encontre um ponto fraco no competidor e ataque este ponto.Toda equipe tem pontos fortes e fracos. Às vezes o sistema defensivo de um time é forte do lado direito e fraco do lado esquerdo, ou pode ter a defesa forte mais o meio de campo deficiente. Alguns times são seguros no sistema defensivo, mas fracos em sua força de ataque. Ao analisar o jogo de uma equipe, é possível identificar os setores mais deficientes, e utilizar esta informação durante o jogo para realizar o ataque e vencer a competição.
Princípio Dois: Lance um ataque sobre a frente mais estreita possível.Com raras exceções, um time deve procurar concentrar seus ataques em uma frente mais estreita possível. Descobrir o ponto fraco do adversário e concentrar suas jogadas explorando esta fraqueza. A tentação de utilizar todas as suas possibilidades de ataque fará com que a equipe divida suas forças e deixe de aproveitar as melhores oportunidades de um jogo. Por exemplo, se um time descobre que seu competidor tem deficiência em um setor especifico da defesa, deve procurar explorar esta deficiência fazendo suas principais jogadas ofensivas naquele setor.
Princípio Três: Um bom movimento de ataque deve ser feito um setor ainda em competição.Muitas vezes observamos durante uma partida de futebol, que uma das equipes está dominando totalmente determinado setor, por exemplo, o meio do campo. Este domínio pode estar ocorrendo pela qualidade técnica superior dos jogadores ou por um outro motivo tático. Mas, no entanto, o time que esta sendo dominado continua insistindo em realizar suas jogados justamente por aquele setor, perdendo todos os embates e comprometendo seu jogo. Portanto, é preciso concentrar as jogadas nos setores onde tem chance de vencer, evitando perder tempo e esforços inutilmente.
Princípio Quatro: A surpresa tática deve ser um elemento importante no plano.Os movimentos competitivos inesperados são sempre mais eficazes. Quanto maior asurpresa, mais tempo levará o adversário para reagir e defender-se. Por isto, a preparação deve ser feita da maneira mais discreta possível, em um ataque silencioso e certeiro. Esteja sempre preparado para surpreender o adversário. Mude o esquema tático durante o jogo, quando perceber que o adversário se adaptou a sua estratégia e a mesma não estiver mais surtindo efeito.
Princípio Cinco: Procure manter a superioridade de força no campo de batalha.
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Mesmo que as equipes tenham o mesmo numero de jogadores é possível obter superioridade de força em momentos e locais específicos do jogo. Para isto, é preciso agir com inteligência. Observamos que muitas vezes um time consegue ter três atacantes contra dois defensores, em um contra-taque, por exemplo. Ou quando estiver sendo atacado, conseguir quatro jogadores defendendo contra dois ou três do adversário atacando. Dependendo do posicionamento dos jogadores, é possível conseguir sempre uma superioridade de forçar em determinados momentos críticos do jogo, e utilizar esta tática para vencer a partida.
Princípio Seis: Independente de seu sucesso, o pequeno nunca deve atuar como o grande.O pequeno time, com menos recursos técnicos, algumas vezes consegue uma superioridade momentânea durante o jogo, e então começa a atuar como a grande equipe, saindo para o ataque, e acaba comprometendo seu desempenho. É preciso resistir à tentação e manter-se cuidadoso durante a partida, independente do resultado, respeitando a condição superior do adversário. Seja porque o competidor esta jogando em casa, seja porque tem um numero maior de jogadores, ou mesmo porque tem uma condição técnica melhor.
Princípio Sete: A superioridade da Defesa.Em todas as batalhas, quem defende sempre tem uma vantagem competitiva sobre quem ataca. Uma equipe que inicia um jogo atacando, para ter sucesso, precisa ter uma grande superioridade em relação à equipe que esta defendendo. Seja em termos táticos ou mesmo na qualidade bastante superior de seus jogadores. A melhor estratégia defensiva é a coragem para contra-ataca nos momentos certos pegando o adversário desprevenido.
Princípio Oito: Fortes movimentos competitivos devem ser sempre bloqueados.Sempre que um time estiver sofrendo ataque, deve procurar descobrir a natureza e a forma deste movimento para poder bloqueá-lo. Por exemplo, se a equipe esta sendo atacada através de lançamentos por bolas aéreas, porque o adversário tem bons finalizadores de cabeça, a equipe deve procurar impedir que ocorram os lançamentos, ao invés de tentar defender-se deles.
Princípio Nove: Esteja preparado para recuar no momento certo.Um time de futebol pode se encontrar numa situação, dentro da partida, em que a relação de forçar mudou, e este time não tem condições de continuar combatendo de forma equilibrada com o adversário. Neste caso, esteja preparado para saber recuar. Seria uma espécie de “recuo tático organizado”, e não uma debandada. Recuar de forma desorganizada cria as condições propícias para que o adversário avance e liquide com a partida mais facilmente ainda.
Princípio Dez: A motivação é uma grande arma tática.Existem diversas armas que podem ser utilizadas por um time durante uma partida. A motivação é uma das armas mais poderosas e por si só, poderá mudar os rumos de um jogo. O mais interessante, é que esta arma não exige investimento algum, depende apenas da capacidade do técnico e dos jogadores de criar um estado de espírito estimulante para gerar uma energia extra de entusiasmo e disposição física e mental. Isto é motivação.
A postura errada dos técnicosÉ comum assistirmos pela televisão, durante as partidas de futebol, alguns técnicos de times, na beira do gramado, se “descabelando” e “xingando” o juiz, os adversários e até seus próprios jogadores para tentar reverter uma situação. Muitas vezes estes treinadores deixam-se envolver muito pela situação do jogo e alteram tanto seu estado de espírito, que criam uma situação difícil para si próprio e para seu time. À medida que alteram seu humor, os técnicos perdem a tranqüilidade para avaliar estrategicamente o jogo, e perceber as táticas do adversário, além de deixar de analisar o contexto para agir de forma adequada com o objetivo de vencer a disputa. A postura dos técnicos deveria ser como a de um jogador de xadrez, que
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mantém a serenidade durante o jogo. Estes analisam todas as jogadas do adversário, do ponto de vista tático estratégico, imaginando seus possíveis movimentos futuros, e agindo de acordo com sua percepção para envolver e bloquear as ações do oponente e conquistar a vitória.
Preparando a vitóriaTodos estes princípios e ações que acabamos de apresentar tem um objetivo principal: criar as condições para um time de futebol se tornar mais competitivo e vencer as partidas. Em geral são idéias simples e fáceis de serem implantadas, mas demandam muita observação do jogo, e um entendimento dos princípios gerais da tática e estratégia.
Acredita-se que a observação cuidadosa destas ideias pode ser bastante útil aos
técnicos e jogadores de futebol para tornarem seus times mais competitivos e,
consequentemente, mais vencedores.
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2. O FUTEBOL E A GUERRA ÉTNICO-POLÍTICA E
RELIGIOSA
Analisando alguns casos no futebol, é possível identificarmos algum tipo de conflito,
causado por determinados fatores que podem ser de origem étnica, religiosa, política,
aquisitiva e/ou histórica.
2.1. Irã x Estados Unidos (Copa do Mundo de 1998)
Na França, dois países inimigos entram em campo num clima de suspense. O ódio
estaria presente na partida? Não é o que acontece. Num ato improvável, os onze atletas que
jogavam pela seleção do Irã, nação governada por islâmicos fundamentalistas, entregam flores
aos seus grandes inimigos, os onze jogadores dos Estados Unidos. As equipes se
confraternizam e posam para fotos juntas.
São raros os jogos que tiveram tanta tensão quanto Irã x Estados Unidos. O motivo
iniciou em 1979 quando uma revolução no Irã desbancou o poder do xá Reza Pahlevi, que
admitia características do ocidente como o futebol. Assim, o comando foi dado ao aiatolá
Khomeini, que era adepto da reza séria e luta franca. Seu combate contra os Estados Unidos
fez os funcionários da embaixada reféns por 14 meses. Na mesma época no Ocidente, os EUA
ajudaram o Iraque em sua guerra contra o Irã.
O sorteio da Copa do Mundo de 1998 fez com que as duas seleções se enfrentassem na
primeira fase, no grupo F. Na verdade, os atletas iranianos não tinham motivos para o ódio
aos adversários. Quem agia assim eram os aiatolás. Eles recriminavam o futebol, “práatica
ocidental”, de forma cruel. Em 1984, Habib Khabiri, então capitão da seleção na Copa de
1978, foi executado pelo regime aiatolá ao ser acusado de ligações com a oposição.
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Para incomodar mais o regime aiatolá, a vaga para a Copa de 1998 teve reações de
alegria fora da autoridade iraniana. Quando o sorteio colocou os estadunidenses no caminho
do Irã, o governo tentou lucrar sobre o jogo entre o “Grande Satã” e os eleitos de Alá. O
oportunismo dos aiatolás incomodou aqueles que sempre praticaram futebol em condições
terríveis. O camisa 4 iraniano, Mohammad Khakpour, declarou na época: “São 3 pontos. E
nada mais”. E foram estes três pontos e nada mais que o Irã faturou contra os EUA. 2 x 1 foi o
placar final e ambas seleções foram eliminadas ainda na primeira fase.
2.2. Portugal x Angola (Copa do Mundo de 2006)
O jogo entre Portugal e Angola teria tudo para ser mais um clássico futebolístico-
histórico entre uma metrópole contra uma ex-colônia, assim como Inglaterra x Estados
Unidos (1950) e Portugal x Brasil (1966). Porém, além das animosidades provocadas até a
independência de Angola, em 1975, houve outro incômodo anterior ligado ao futebol.
Em 2001, um amistoso em Lisboa, que era tido como uma festa de união dos dois
povos, teve um clima bastante tenso. O jogo acabou com quatro jogadores de Angola
expulsos por faltas violentas, imigrantes angolanos quebrando as arquibancadas do Estádio
José de Alvalade e Portugal goleando por 5 a 1.
Apesar desse histórico, o jogo válido pelo Grupo D, foi realizado no dia 11 de Junho e
terminou com um morno placar de 1 a 0 para Portugal. O gol foi marcado logo aos quatro
minutos do primeiro tempo pelo atacante Pauleta.
2.3. A antiga Iugoslávia
As guerras étnicas da década de 1990 entre os países que formavam a Iugoslávia
permanecem no futebol. Quando a já separada Sérvia e Montenegro derrotou em sua capital
Belgrado a Bósnia e Herzegovina, torcedores das duas seleções brigaram arremessando
cadeiras e disparando rojões. O jogo era válido pelas eliminatórias da Copa do Mundo de
2006. Pelo menos seis pessoas sofreram ferimentos sérios. As duas confederações de futebol
levaram multas entre 23 a 26 mil euros. Mesmo com a punição, sempre que repúblicas da ex-
Iugoslávia se enfrentarem, existe o temor que hajam confusões parecidas. As repúblicas que
formavam a extinta Iugoslávia e formam este “grupo de risco” são:
– Bósnia e Herzegovina;
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– Croácia;
– Eslovênia;
– Macedônia;
– Montenegro; e
– Sérvia.
2.4. Israel, na Europa ou na Ásia?
Na geografia política contemporânea, Israel sempre pertenceu ao continente asiático.
No futebol, porém, a seleção israelense joga as eliminatórias da UEFA1 desde 1980, por não
haver resistência muçulmana ao Estado judeu. Fato que ocorre com frequência no Oriente
Médio.
Em 1958, a animosidade política com os vizinhos geográficos quase foi favorável a
Israel na disputa por uma vaga na Copa do Mundo do ano citado. Indonésia, Egito e Sudão
rejeitaram jogar contra Israel nas eliminatórias. Porém, a FIFA decidiu que fosse realizado
pelo menos um confronto para que a vaga fosse válida.
País de Gales foi o escolhido para enfrentar os israelenses. Foram disputadas duas
partidas que acabaram vencidas pelos galeses pelo mesmo placar de 2 x 0, classificando País
de Gales para a disputa da Copa do Mundo de 1958.
2.5. Malvinas
A Guerra das Malvinas ocorreu entre Argentina e Inglaterra, do dia 2 de Abril ao dia
14 de Junho de 1982. O motivo da guerra foi a disputa da soberania sobre o território das
Ilhas Malvinas, ocupadas pelo Reino Unido desde 1833 e, naquele momento, reclamadas pelo
governo argentino. A guerra terminou com a recuperação do território por parte do exército
britânico, que teve 255 baixas, contra 649 dos inimigos argentinos.
A Copa do Mundo de 1982 havia começado em 13 de Junho e, por causa da guerra, a
rádio argentina Rivadávia impediu os locutores da partida entre Inglaterra e Alemanha de
pronunciar palavras como “britânico” ou “Inglaterra”. A equipe formada pelo locutor Juan
Carlos Morales e mais dois comentaristas se utilizaram de termos como “o time de vermelho”,
1 Union of European Football Associations. Em tradução livre para o português: União das Federações de
Futebol Europeias. Órgão máximo que administra o futebol da Europa.
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“o adversário da Alemanha” e até “os piratas”. A única exceção aconteceu quando um dos
repórteres se distraiu e disse o nome proibido: “Está machucado o 5 da Inglaterra, Coppell”.
2.6. Os Hooligans
A violência dos hoolligans2 do futebol britânico se mostra como uma simbólica
nostalgia da guerra. A vida nos tempos pacíficos atuais acaba tornando-se chata, além da
glória britânica parecer algo num passado bem distante. Uma partida de futebol é uma ocasião
de se sentir em um combate não se arriscando muito mais do que ossos quebrados e
ferimentos leves.
A maior mostra de hooliganismo inglês foi a tragédia do Estádio de Heysel, na
Bélgica. Aconteceu durante a final da Taça dos Campeões Europeus de 1985, disputada entre
o Liverpool da Inglaterra e a Juventus da Itália. Esse acontecimento teve 38 mortos e um
grande número de feridos. Os hooligans ingleses foram os responsáveis pelo ocorrido. A
UEFA então proibiu as equipes britânicas de jogarem competições do continente por um
período de cinco anos.
As torcidas organizadas brasileiras são geralmente associadas às práticas de hooligans
por também terem casos de comportamentos violentos, confusões premeditadas e ódio
excessivo ao rival. Um dos casos aconteceu em 2009 no durante um jogo no Paraná. A partida
foi entre Coritiba e Fluminense, válida pela última rodada do Campeonato Brasileiro. Após o
término do jogo e a confirmação de rebaixamento do time da casa, os integrantes da torcida
organizada do Coritiba, Império Alviverde, invadiram o campo e depredaram totalmente o
estádio Couto Pereira causando grande prejuízo ao clube paranaense.
2.7. Católicos x Anglicanos
Para os escoceses, não há maior rivalidade no futebol mundial do que a Old Firm3.
Assim é chamado o clássico da cidade de Glasgow, entre Rangers x Celtic, os dois maiores
clubes de futebol da Escócia. Muito além do esporte, durante um longo período, este embate
2 Adeptos do Hooliganismo. O termo é utilizado para definir o comportamento destrutivo, desregrado e
arruaceiro. Comumente, é associado à pratica de vandalismo associado ao uso em excesso de álcool e drogas, no
esporte ou fora dele.
3 “Velha Firma”, traduzindo para o português.
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foi também de cunho religioso, com os católicos apoiando o Celtic e os protestantes do lado
do Rangers.
Juntamente à rivalidade entre os clubes, da mesma cidade, os torcedores também
levam consigo assuntos fora do futebol. As torcidas seguem duas filosofias político-religiosas
antagônicas em suas respectivas histórias. A amplitude é tamanha que o clássico é tido como
o de maior ódio recíproco no mundo.
Os torcedores do Rangers, em sua grande maioria são devotos do Anglicanismo,
religião da Rainha do Reino Unido. Sua torcida mostra sempre uma grande bandeira que tem
o rosto da Rainha Elizabeth II, a atual líder anglicana. Os torcedores do Rangers também
idolatram o UVF4 e sempre levam bandeiras do Reino Unido aos estádios.
Já o Celtic, é o clube dos escoceses católicos. Também agrega os irlandeses e seus
descendentes que residem na Escócia. O Celtic chega a ter milhares de torcedores entre os
católicos da Irlanda e da Irlanda do Norte. A grande bandeira que é exibida pela sua torcida é
alviverde e tem retrato do falecido papa João Paulo II. Também levam bandeiras da República
da Irlanda e da Escócia. Os mais extremistas também exaltam o IRA5.
A intolerância era tamanha, que não admitia jogadores de outras religiões nos clubes.
Esta “regra” só foi violada em 1988, quando o Rangers contratou o jogador católico Mo
Johnston. Contudo, a rivalidade não foi diminuída em nada após este fato.
2.8. Povo x Poder ou Pobres x Ricos
Desde que o futebol tornou-se essa paixão que se conhece hoje, existem os clubes que
foram fundados e adotados por seus torcedores de classes sociais diferentes. Uns foram eleitos
pelos menos favorecidos e pelo povo. Outros, consequentemente, foram escolhidos pelos mais
ricos, poderosos ou artistrocratas.
No mundo, existem vários exemplos de clássicos entre “Times do Povo” contra “Time
dos Ricos”, conforme os exemplos da TABELA 1.
4 Ulster Volunteer Force. Em tradução livre para o português: Força Voluntária do Ulster. Grupo paramilitar da
Irlanda do Norte que segue a coroa britânica. Tanto no Reino Unido quanto na Irlanda, o grupo é considerado
como terrorista.
5 Irish Republican Army. Em português: Exército Republicano Irlandês. Grupo paramilitar católico e
reintegralista que fazia luta armada pela integração da Irlanda do Norte à República da Irlanda.
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País Cidade/Região “Time do Povo” “Time dos Ricos”
Argentina
Buenos Aires Boca Juniors River Plate
Rosario Rosario Central Newell’s Old Boys
Áustria Viena Rapid Austria
Brasil
Rio de Janeiro – RJ Flamengo Fluminense
Porto Alegre – RS Internacional Grêmio
Salvador – Bahia Bahia Vitória
São Paulo – SP Corinthians São Paulo
Colômbia Cali America Deportivo
DinamarcaMetropolitana de
CopenhagueBrondby FC Copenhague
Egito Cairo Al-Ahly Zamalek
Grécia Metropolitana de Atenas Olympiakos Panathinaikos
Itália Milão AC Milan Internazionale
México Central do México Chivas Guadalajara America
Peru Lima Alianza Universitario
Portugal Lisboa Benfica Sporting
Rússia Moscou Spartak CSKA
Turquia Istambul Fenerbahçe Galatasaray
TABELA 1 – “Times do Povo” x “Time dos Ricos”
14
Fizeram-se excessões em alguns casos, principalmente com o passar dos anos. É
possível ver hoje milionários torcendo por “times do povo”, assim como esses “times do
povo” com dinheiro suficiente para contratar os melhores jogadores dos times que
originalmente eram tidos como os mais ricos ou aristocráticos.
2.9. Derby della Capitale
O clássico entre Lazio e Roma é jogado no Estádio Olímpico de Roma, que é dividido
entre as duas equipes. Foi deste clássico que surgiram os “ultras”, que podem ser comparados
de alguma forma às torcidas organizadas brasileiras ou aos hooligans ingleses, com menos
casos de violência. Em 2004, o derby chegou a ser cancelado por conta de uma ameaça de
morte aos jogadores da partida.
A rivalidade entre as duas equipes da capital italiana se dá principalmente pela
política. Na década de 1920, os times da cidade se juntaram para formar a AS Roma, o único
time da cidade. Porém, a SS Lazio não quis fazer parte da fusão e anos mais tarde ganhou o
apoio público do ditador Benito Mussolini, ganhando uma grande torcida de nacionalistas e
fascistas. Com isso, a AS Roma acabou abraçada pelo proletariado e a esquerda socialista.
A torcida da Lazio possui o maior número de simpatizantes fascistas e nazistas na
Itália. Comumente era possível ver com os “ultras” da Lazio faixas como: “Time de Negros,
Multidão de Judeus” e “Auschwitz é sua cidade, os fornos suas casas” em provocação aos
rivais da Roma, além de fotos de Mussolini e suásticas. Na década de 1980, o aumento dos
“ultras” foi maior por conta da crescente quantidade de jogadores sulamericanos e africanos
na Itália. Como uma resposta, os “ultras” se tornaram mais xenófobos6.
O atacante italiano Paolo Di Canio ficou conhecido por fazer publicamente mais de
uma vez o gesto fascista do braço direito estendido. Na primeira vez foi durante o Derby della
Capitale. Di Canio recebeu uma multa de dez mil euros, além de ter sido repudiado pela
comunidade judaica da Itália. “Se nós estivéssemos nas mãos dos judeus, seria o fim”,
respondeu o jogador. Em 2005, o gesto foi repetido numa partida contra o Livorno, clube de
torcida também com tendências socialistas. Ao ser questionado, Di Canio rebateu com termos
usados por Mussolini: “Eu faço a saudação do braço direito reto porque é uma saudação de
um camerata para camerati”. Di Canio durante a sua adolescência fez parte dos ultras da
6 Xenofobia é o termo designado para ódio ou rancor a coisas ou pessoas estrangeiras.
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Lazio. Ele também elogiou o ditador em sua autobiografia, classificando-o como “um
indivíduo ético, e com princípios” e que na verdade, o ditador seria “mal interpretado”.
Outros jogadores da Lazio também tiveram atitudes fascistas. O atacante argentino
Mauro Zárate, repetiu o gesto de Di Canio, em março de 2010. Siniša Mihajlović, zagueiro
sérvio, que tinha devoção pelo ditador Slobodan Milosevic, em 2000, chamou um colega
negro de “macaco negro f.”; Mihajlović alegou que chamou o colega de “merda negra”, e não
de “macaco negro”.
Durante as temporadas 1999/2000 e 2000/2001, os “ultras” da Lazio foram ligados à
atentados de terrorismo. Em um, uma bomba foi plantada no museu dedicado à resistência
italiana à Segunda Guerra Mundial. A polícia romana também desarmou um artefato do
gênero em um cinema que exibia um documentário sobre Adolf Eichmann7. Os “ultras”
também depredaram cemitérios judaicos em Roma. Quando o meia Aron Winter, um
holandês negro, atuou pela própria Lazio, era sempre hostilizado com gritos de “preto judeu”.
Capítulo Três: Futebol, uma arma contra a guerra
7 Tenente-coronel da SS na Alemanha Nazista. Grande responsável pela logística de extermínio de milhões de
pessoas durante o Holocausto.
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3. FUTEBOL, UMA ARMA CONTRA A GUERRA
3.1. Seleção Brasileira no Haiti em 2004
Em Janeiro de 2004, o período político haitiano era conturbado por conta de inúmeras
crises e suspeita de manipulação das eleições do ano anterior. Iniciados na cidade de
Gonaïves, norte do Haiti, conflitos armados liderados pelos Tonton Macoute8 se
multiplicavam pela região. Com a conquista de quase toda a região norte do país, os rebeldes
já visavam Porto Príncipe, capital haitiana. No final de Fevereiro, o então presidente e
acusado de ser o causador daquela situação, Jean-Bertrand Aristide, temendo o pior, viaja
para a África do Sul em asilo político. Conforme a Constituição, o então presidente da
Suprema Corte assume o cargo como chefe de estado interino. Boniface Alexandre logo pede
ajuda à ONU, afim de reestabelecer a questão da segurança do país e uma transição política
tranquila. Em seguida, o Conselho de Segurança das Nações Unidas confirma e envia uma
Força Multinacional Interna para atuar no país, a MINUSTAH9. O comando da operação fica
por conta de um militar brasileiro, o General Augusto Heleno.
Boniface Alexandre, ao saber da presença dos militares brasileiros, considerava a
Seleção Brasileira um ponto positivo para o processo de reestabelecimento da paz. Na
chegada, os soldados brasileiros levaram, além das armas, bolas de futebol e camisas verde-
amarelas para serem distribuídas aos haitianos. Em seguida, Lula e Celso Amorim, na época
presidente e chanceler do Brasil, expuseram a ideia de um “Jogo da Paz” entre a Seleção
8 Milícia de Voluntários da Segurança Nacional. Força paramilitar haitiana criada em 1959 que obedecia o ditador François Duvalier. A expressão traduzida ao pé da letra em crioulo haitiano significa “Tio do Saco”, uma alusão ao “Homem do Saco” ou “Bicho Papão”.
9 Sigla derivada do francês: Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti. Traduzindo para o português: Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti.
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Brasileira e a Seleção Haitiana. A iniciativa teve o apoio do presidente da CBF, Ricardo
Teixeira, e dos principais jogadores, grande parte de origem humilde.
Com a grande reputação e reconhecimento da maioria dos jogadores da Seleção
Brasileira, imaginou-se que a aceitação no Haiti seria boa. Inclusive, jogadores como Ronaldo
e Kaká são embaixadores da ONU. Aliado a isso, a apresentação de jogadores como Ronaldo,
Roberto Carlos e Ronaldinho Gaúcho confirmaria humildade, respeito e comprometimento
com o povo e o ensejo dos haitianos. O que seria muito mais tranquilo do que tropas militares
agirem à força, por exemplo. O resultado seria uma presença militar melhor vista e bem
acolhida pela população haitiana, facilitando o trabalho das Forças de Paz. Além de atingir
com maior rapidez os objetivos iniciais que seriam o reestabelecimento da ordem e
possibilidade de uma transição política tranquila.
O governo haitiano e as forças de paz se uniram para reformar um estádio. A seleção
do Haiti foi formada rapidamente, pois há muito tempo não participava de um jogo oficial.
Assim que a Seleção Brasileira chegou, os integrantes foram colocados em veículos militares,
os “Urutus”, que foram conduzidos até o estádio pelas Forças de Paz. As ruas que levavam ao
estádio Sylvio Cator estavam repletas de pessoas (estima-se 1 milhão de haitianos) que
louvavam os jogadores brasileiros, que retribuíam acenando de volta. O estádio ficou
completamente lotado e ainda milhares de outros torcedores não puderam entrar. Antes da
partida, o presidente Lula esteve com o jogadores e ressaltou: “Porque é um jogo da
solidariedade, pela paz, um jogo em que o desejo é o de aproveitar esse momento para
mostrar ao mundo que é possível construir a paz sem precisar que haja guerra”.
Um dos fatos de maior emoção do “Jogo da Paz” foi a execução do hino nacional do
Haiti. As quinze mil pessoas que conseguiram entrar no estádio, cantaram em uma só voz, o
que mostrou um povo bastante orgulhoso. O resultado do jogo foi um inapelável 6 a 0 para o
Brasil. Ao final da partida, os jogadores foram direto ao aeroporto internacional de Porto
Príncipe.
A imagem transmitida pela partida foi realmente de paz, além de os jogadores se
mostrarem humildes e comprometidos para com a população haitiana. A aproximação entre
Brasil e Haiti também aconteceu. Hoje existem, inclusive, projetos de auxílio entre os dois
países para a ascensão do esporte e da educação.
Ficha Técnica do Jogo:Haiti: Max (Gabart); Thelanor, Germain (Jacques), Gabbardi e Bourcicaut (Stephane); Guillaune, Bourdot (Barthelmy), Gilles (Telamour) e Romulut (Mones); Fleury (Francis) e Desir (Herold). Técnico: Carlo Marzelin.
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Brasil: Júlio César (Fernando Henrique); Belletti, Juan (Cris), Roque Júnior e Roberto Carlos (Adriano); Juninho Pernambucano, Gilberto Silva (Renato), Edu (Magrão) e Roger (Pedrinho); Ronaldinho e Ronaldo (Nilmar). Técnico: Carlos Alberto Parreira.Data: 18/08/2004.Local: Estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe (Haiti).Árbitro: Paulo César de Oliveira (Brasil).Cartões Amarelos: Roger (Brasil).Gols: Roger (19’ e 41’), Ronaldinho Gaúcho (32’, 66’ e 81’) e Nilmar (85’).
3.2. O Santos de Pelé e as guerra civis na África (1969)
Durante a guerra civil na África em 1969, as forças inimigas cessaram a guerra entre si
para que o Santos de Pelé passasse em segurança por Kinshasa e Brazzaville10. Houve
inclusive uma mudança de tutela de um exército para outro numa região de fronteiriça. Fato
inusitado, pois era de costume na Grécia Antiga a guerra ser interrompida para a realização
dos Jogos Olímpicos da época.
Antes de chegar para o amistoso em Brazzaville no dia 19 de Janeiro, a delegação do
time do Santos passa por Kinshasa e é acompanhada por soldados do exército local, que
transferem a guarda para as forças oponentes no meio do rio que divide as duas cidades. No
dia 20, o time retorna a Kinshasa e é informado de que só poderia partir se também jogasse
naquela cidade. O Santos joga no dia 21 e Pelé recebe muitas homenagens. Assim, equipe
continua sua viagem em paz. Em seguida, a guerra recomeça.
No dia 4 de Fevereiro, a equipe santista enfrentou a Seleção do Centro-Oeste da
Nigéria, em Benin. A partida não fazia parte do plano inicial da excursão, porque os
militantes locais tinham temor que pudessem acontecer manifestações agressivas no dia da
partida. O motivo seria os confrontos que aconteciam entre nigerianos e separatistas do leste
da África, que ambicionavam a concepção de um país chamado Biafra.
Ainda assim, o jogo aconteceu. Porém, conforme descreveu na época Gilberto Castor
Marques, repórter enviado do jornal “A Tribuna”, de Santos, para a excursão: “quando o
elenco do Alvinegro Praiano chegou à cidade nigeriana, foi decretado feriado na parte da
tarde daquele dia pelo então governador da região nigeriana, Tenente-Coronel Samuel
Ogbemudia. O mesmo ainda autorizou que a ponte sobre o rio que ligava Benin a cidade de
Sapele tivesse a passagem liberada para que todos, indistintamente, pudessem assistir ao
jogo”.
10 Cidades da atual República Democrática do Congo, antigo Zaire.
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O ex-jogador Lima, que atuou naquela partida também descreveu: “Era estranho
porque era o mesmo país dividido e em guerra. Mas, a partir do momento que eles sabiam que
ia ter o jogo, ficou aquela festa danada. Era um campo pequeno, me lembro muito bem. O
pessoal ia com as cadeiras na cabeça para o estádio”.
Data Placar Adversário Local
17/01/1969 3 x 0 Seleção de Point-Noire Pointe-Noire, Congo
19/01/1969 3 x 2 Seleção do Congo Brazaville, Congo
21/01/1969 2 x 0 Seleção “B” do Congo Kinshasa, Congo
23/01/1969 2 x 3 Seleção “A” do Congo Kinshasa, Congo
26/01/1969 2 x 2 Seleção Nigéria Lagos, Nigéria
01/02/1969 2 x 0 Lourenço Marques Moçambique
04/02/1969 2 x 1 Seleção do Centro-Oeste Benin City, Nigéria.
06/02/1969 2 x 2 Seleção Accra (Hearts of Oak) Accra, Gana
09/02/1969 1 x 1 Seleção da Argélia Oran, Argélia
TABELA 2 – Relação dos jogos amistosos do Santos FC com placares, adversário e locais.
3.3. Pelé e a Guerra Civil do Líbano
No dia 6 de Abril de 1975, o Santos de Pelé visitou o Líbano e jogou contra o time
Nijmeh em Beirute. Havia uma guerra civil marcada para iniciar no próprio dia 6, porém só
foi começar no dia 14.
Na partida, Pelé iniciou como goleiro, fez defesas e não levou gol. Depois foi jogar na
linha. Em um lance genial, pegou a bola no meio de campo e fez fila e, quando ia chutar ao
gol, voltou driblando todo mundo de volta.
Durante o jogo, Pelé marcou dois gols que a FIFA não computou nos 1283 gols da
carreira do “rei do futebol”. Muitos defendem que mesmo sendo em um amistoso, esses dois
gols deveriam ser contabilizados pela grande obra realizada, que foi promover a paz. Neste
dia, Pelé conseguiu unir cristãos, muçulmanos e judeus que gritaram num só coro: “Deus,
Deus, Deus da Bola!”. Pelé foi apelidado de “O Profeta da Paz”. No Torá, livro base do
Judaísmo e escrito em hebraico, Pele, significa “milagre de Deus”. Esse milagre foi realizado
no Líbano que teve 15 anos de guerra que gerou 150 mil mortos.
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Os registros em vídeos e fotos da partida que estavam no museu do estádio foram
queimados, quando o mesmo foi destruído por um bombardeio feito por Israel e tudo se
perdeu.
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4. A GUERRA E O FUTEBOL NA MÍDIA
4.1. Seleção Brasileira no Haiti em 2004
Analisando as matérias publicadas em dois grandes portais brasileiros na Internet,
Terra (FIGURA 1) e UOL (FIGURA 2), vemos que houve uma exaltação ao heroísmo dos
jogadores brasileiros que lá foram e deram o melhor de si, levando para aquele povo muita
alegria, pelo menos naquele dia.
Um ponto a ser observado é o fato de o então presidente Lula ter dito aos jogadores
“pegarem leve” e não jogarem tão bem, por uma questão diplomática. Porém, o lado político
foi deixado de lado e a goleada foi dada em 6 a 0, com direito a um dos gols mais belos da
carreira de Ronaldinho Gaúcho.
Assistindo à matéria feita pela Rede Globo (ANEXO 1) sobre o jogo, há ainda mais
essa exaltação aos “heróis” brasileiros, principalmente a Ronaldo, jogador mais famoso.
Zagallo, então auxiliar técnico, se emociona ao falar da carreata pelas ruas de Porto Príncipe,
onde se estimou estarem pelo menos um milhão de haitianos saudando os brasileiros.
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FIGURA 1 – Matéria do Terra Esportes sobre o “Jogo da Paz”.
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FIGURA 2 – Matéria do UOL Esporte sobre o “Jogo da Paz”
4.2. Santos de Pelé na África
O recorte do Jornal do Brasil de 19 de Janeiro de 1969 (FIGURA 3) apresenta uma
pequena nota sobre a passagem do time de Santos pela África. O assunto em questão
abordado era a tentativa das autoridades da Nigéria em conseguir que o time santista jogasse
na cidade de Benin.
Nesta época, o Santos cobrava um cachê para jogar amistosos internacionais. Na
África, este cachê era de 11 mil libras, o equivalente na época a 100 mil cruzeiros novos. O
governo nigeriano dispunha apenas de 6 mil libras (55 mil cruzeiros novos) e tentaria
negociar para acontecer a partida.
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O jogo ocorreu no dia 2 de Fevereiro seguinte na cidade nigeriana de Benin. A partida
entre Santos e Seleção do Centro-Oeste da Nigéria terminou com vitória santista em 2 a 1.
FIGURA 3 – Recorte do Jornal do Brasil de 19 de Janeiro de 1969.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho foi possível entender que de fato o futebol se entrelaça à
guerra não apenas com os termos utilizados em cada uma delas. Sempre haverá muito mais
que isso. O futebol vai além de um simples esporte. Ele pode causar o mal ou fazer o bem.
Começar uma guerra ou semear a paz. Ser a diversão do rico e ao mesmo tempo ser a diversão
do pobre. Pode fazer inimigos sentarem lado a lado para acompanharem uma partida. Só o
futebol é capaz disso.
Obviamente, a mídia “vendedora de jornais” adora esse fato e o explora muito bem.
Uma simples cogitação do nome de um jogador vira um reforço espetacular para a temporada.
O clássico na final do campeonato vira uma guerra sem precedentes. É sempre assim, entra
ano, sai ano.
O futebol causa emoções intensas – primitivas e tribais, mesmo não derramando
sangue de fato. São evocados os tempos em que guerreiros pintavam os rostos, dançavam em
rituais e se portavam como animais selvagens. É natural que o jogo leve a esse fato. A
velocidade e a “agressão coletiva” também contribuem.
A rivalidade futebolística frequentemente transpassa a delicada linha do confronto
saudável. Inclusive em uma cidade tida como liberal, rica e culturalmente criativa, há o
desafio de que a civilização acalma a barbárie e dissemina a tolerância.
Foi interessante observar a diferença entre a torcida organizada brasileira, os hooligans
ingleses e os ultras italianos. Apesar de os três grupos irem aos estádios para apoiar, pular,
cantar e exaltar seus clubes de coração, existem particularidades entre eles. Essas
características foram influenciadas por fatores históricos, ideológicos e políticos.
Concluiu-se que o futebol de ontem e de hoje tem o poder de manipulação de massas.
Desde a década de 60, quando o time do Santos que tinha nada menos que o rei do futebol,
Pelé, viajava por países em guerra e as mesmas paravam para que pudessem assistir àquele
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evento esportivo. Passando pela Guerra do Futebol, onde fatores extra-campo já existentes
fizeram que três partidas de Eliminatórias da Copa do Mundo de 1970 se tornassem o estopim
para um conflito armado entre Honduras e El Salvador. Até o ano de 2004, quando, numa
manobra política internacional, o então presidente Lula teve a ideia de levar a Seleção
Brasileira ao Haiti para que o povo pudesse ter de paz e respeito naquele momento.
Pôde-se entender o porquê de o clássico de Glasgow, Escócia, entre Rangers e Celtic é
considerado como o de maior rivalidade do mundo. Como principais fatores para o “The
Firm” ser o que é, estão política, história, religião e economia.
Viu-se a possibilidade de uso das diretrizes de guerra na prática futebolística. Com a
aplicação correta de tais parâmetros, se tem uma maior probabilidade da conquista da vitória
sobre o oponente no campo de jogo. Tal qual num campo de batalha.
A mídia trata o jogador de futebol, a depender da circunstância, como um verdadeiro
herói. E o espectador, o torcedor, compra essa ideia. É o atacante que faz o gol do título, o
goleiro que pega pênaltis ou o zagueiro que tira a bola em cima da linha. Se o jogo for difícil,
vira uma batalha, uma verdadeira guerra. E, em qualquer guerra, existem os heróis.
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