Post on 12-Mar-2020
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TANIA DUQUE LOPES
HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA
Narrativas de um processo de construção em Campinas
CAMPINAS
2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
TANIA DUQUE LOPES
A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA
Narrativas do processo de construção em Campinas
Dissertação de Mestrado Profissional apresentada à
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual
de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a
obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva: Políticas
e Gestão em Saúde, na Área de Concentração em
Política, Gestão e Planejamento.
Orientadora: Profa. Dra. Mariana Dorsa Figueiredo
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA TANIA DUQUE LOPES, E ORIENTADO PELA
PROFA. DRA. MARIANA DORSA FIGUEIREDO
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CAMPINAS
2015
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A todos aqueles que caminham comigo,
de longe ou de perto,
onde quer que estejam!
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Agradecimentos
Agradeço aos meus pais, Sonia e José Carlos por todo o esforço e base que me fizeram
chegar onde estou... Estamos juntos sempre!
As minhas irmãs Carla e Nadia. A última, pelo incrível companheirismo e amor de todas as
horas!
A Mariana Dorsa, pela paciência, cuidado, puxões de orelha e por acreditar em mim em
horas que nem eu acreditava: “Tania, quando você fala, seus olhos até brilham!” Foi mais
que fundamental! Obrigada!
A todos os meus mestres da UFSCar e da Unicamp, com quem aprendo, discuto e cresço
cada vez mais!
A minha turma de Mestrado, amigos que ganhei como um presente! Identificação de cara!
E como são bons nossos encontros! Não estamos preparados para nos separar!
Aos meus amigos queridos, os quais me sustentam a todo o momento pelo quais sinto um
amor enorme!
Em especial a Carina, minha amiga mais que irmã, no qual nem consigo explicar esse
afeto! Linda e generosa e diva, vencemos mais uma etapa!
Ao Bruno, Paula e Julia pelo cuidado e carinho, que me faz aprender cada vez mais!
Conseguimos fazer nosso livro!
A Cris Marçal, amiga encantadora, em que vivemos tantas fases! A Julia, Ivana, Janaina,
Ju Varela por me lembrar de vez em quando de onde viemos! É muito bom tê-las por perto!
A Marcinha pela acolhida e carinho de todas as horas! Ana Luiza pela motivação e beleza!
Ao Nilton, Helga e Elis, minhas paixões desde sempre!
Ao Movimento de Trabalhadores Cândido, em especial a Comissão e todos que já
passaram por ela. Tenho um orgulho enorme de fazer parte da construção dessa história.
A todos os guerreiros da Atenção Básica e da Saúde Mental que ainda lutam por um SUS
melhor!
A todos que me ajudaram de uma forma ou de outra a contar essa história...
Esse Mestrado tem um gosto especial, o gosto de um final de ciclo, da mudança e do
crescimento! Obrigada a todos que estiveram comigo nesses últimos dois anos, tão difíceis,
mas tão enriquecedores. Saio deles, mais forte e mais feliz!
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Roda Viva Chico Buarque
Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra lá
Roda mundo, roda-gigante Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração...
“E vivas as mudanças,
As reinvenções da vida
e as novas histórias!!”
http://letras.mus.br/chico-buarque/
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RESUMO
A Atenção Básica dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) tem como premissa
manejar as necessidades do território. A grande prevalência de sofrimento psíquico
constitui um desafio e faz-se necessário o suporte de profissionais da saúde mental. Em
Campinas, a rede de saúde mental nasce junto com a Atenção Básica: em 1973, quando
havia somente oito unidades de saúde, em três delas havia equipes de Saúde Mental
composta por psicólogo, psiquiatra e assistente social. Apesar do histórico de pioneirismo
de Campinas nas lutas pelas políticas públicas em saúde, há poucos estudos que relatam
como se deu o processo de constituição da rede de Saúde Mental em Campinas a partir da
Atenção Primária (Básica). O presente estudo objetivou ouvir sete atores sociais que
protagonizaram e participaram da constituição da rede de Saúde Mental em Campinas de
forma a identificar os fatores que dificultaram e potencializaram esse processo. A partir de
uma metodologia qualitativa, foram realizadas entrevistas abertas com esses atores, e
análise de documentos. Desse estudo, conclui-se que os investimentos feitos na formação
dos profissionais propiciaram um ambiente de criação e invenção de novos equipamentos e
tecnologias hoje já instituídas. Além do investimento na ampliação da Atenção Básica e da
Saúde Mental foram fatores fundamentais que contribuíram para a constituição da rede de
Saúde Mental de Campinas. Uma das tecnologias que se destaca é a experiência em apoio
matricial. Atualmente a cidade passa por um período difícil de retrocessos nessas políticas.
O desafio atual é como manter e avançar essas tecnologias frente ao atual desinvestimento
na Atenção Básica tendo como consequência: profissionais sobrecarregados e retrocessos
na rede de saúde. Logo, recontar essa trajetória pode trazer luz aos arranjos necessários para
melhorar as políticas públicas em Campinas com relação à Saúde Mental na Atenção
Básica.
Palavras-chave: Saúde Mental; Atenção Primária à Saúde; Apoio Matricial; História; Saúde
Coletiva.
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ABSTRACT
Primary health care within Brazil’s national health system, Sistema Único de Saúde
(SUS) aims to manage the needs of the territory. The high prevalence of mental suffering
represents a challenge and makes the support of mental health professionals essential. In
Campinas, the mental health network was created at the same time as the primary health
care services: in 1973, there were only eight health units, and three of them had mental
health teams composed of a psychologist, a psychiatrist and a social worker. In spite of
Campinas being a pioneer in public health policies, there are few studies that describe the
process of creation of the mental health network from the primary health care in
Campinas. The present study aimed to interview seven people that struggled and actively
took part in this process so as to identify the factors that might have made this process
easier or more difficult. A qualitative methodology was used. Seven open interviews and
document analysis were carried out. This study led to the conclusion that the investment
in professional development created an environment that allowed the creation and
invention of new services and technologies that are commonplace nowadays. With the
investment in the expansion of primary health care and mental care, this was an important
factor that contributed to the creation of the mental health care system in Campinas. One
of such technologies is matrix support. At present Campinas is going through a period of
retreat in these policies. The present challenge is to maintain and advance these
technologies taking into account the lack of investment in primary health care, which
means overworking professionals and retreats in the health network. Therefore, retelling
this trajectory might bring light to the necessary arrangements to improve the public
policies of mental health in primary health care system in Campinas.
Palavras-chave: Mental Health; Primary health care; Matrix support; History; Public health
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráficos
Gráfico 1: Taxa de Crescimento da População segundo Diretorias Regionais ________ 35
Gráfico 2: Equipes de PSF completas versus o crescimento populacional em
Campinas nos anos de 2001 a 2013 ________________________________________150
Quadros
Quadro 1: Períodos analisados no estudo ___________________________________ 18
Quadro 2: Linha do Tempo do Governos e Secretários de Saúde__________________ 29
Quadro 3: Equipamentos de saúde criados em Campinas desde 1840 a 1970 ________ 33
Quadro 4: Serviços do Estado em Campinas em meados dos anos 50 e 60 __________ 37
Quadro 5: Serviços próprios oferecidos pelo INAMPS em Campinas ______________ 37
Quadro 6: Cronologia dos equipamentos da rede de Saúde Mental de Campinas _____ 59
Quadro 7: Rede de Saúde de Campinas de 1995 a 1997 ________________________ 65
Quadro 8: Rede de Saúde Mental de 1995 a 1997 _____________________________ 68
Quadro 9: Procedimentos das equipes de Saúde Mental na Atenção Básica_________ 69
Quadro 10: Produção das atividades realizadas versus o esperado ________________ 70
Quadro 11: Histórico entre 1990 a 2011
Relação Prefeitura Municipal de Campinas e Serviço de Saúde Cândido Ferreira ______98
Quadro 12: Histórico de 2012 a 2015
Relação Prefeitura Municipal de Campinas e Serviço de Saúde Cândido Ferreira _____ 101
Quadro 13: Equipes de Saúde Mental na Atenção Básica em 2012
por Centro de Saúde _____________________________________________________111
Quadro 14: Equipes de Saúde Mental na Atenção Básica em 2014
por Centro de Saúde _____________________________________________________113
Figuras
Figura 1. Representação do objeto de estudo __________________________________24
Figura 2: Composição da Rede de Saúde Mental em 2012 ______________________ 109
Figura 3: Composição da Rede de Saúde Mental em 2014 ______________________ 109
Figura 4: Mapa de Centros de Saúde por Distrito _____________________________ 153
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LISTA DE ABREVIATURAS
ACD ou ATD – Auxiliar de Consultório Dentário
ACS – Agente Comunitário de Saúde
AIS – Ações Integrais de Saúde
CAPS – Centro de Apoio Psicossocial
CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
CEBES – Centro de Estudos de Saúde
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
CECO – Centro de Convivência
CEDOC – Centro de Documentação
CETS – Centro de Educação dos Trabalhadores de Campinas
CEVI – Centro de Vivencia Infantil
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CRAISA – Centro de Referencia Integral a Saúde do Adolescente
CRATOD – Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas.
CRIAD - Centro de Referência em Alcoolismo e Drogadição
CS – Centro de Saúde
ESF – Estratégia de Saúde da Família
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IDISA – Instituto de Direto Sanitário Aplicado
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
MOPS – Movimento Popular de Saúde
NAAS – Departamento de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde
NAC – Núcleo de Atenção a Crise
NAPS – Núcleo de Apoio Psicossocial
NASF – Núcleos de Apoio à Saúde da Família
ONG – Organização não Governamental
OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde
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OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde
OS – Organização Social
PAIS mental – Programa de Ação Integrada da Saúde Mental
PAISM – Programa de Saúde Integral a Saúde da Mulher
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PMC – Prefeitura Municipal de Campinas
PSF – Programa de Saúde da Família
PT – Partido dos Trabalhadores
PTS – Projeto Terapêutico Singular
PUCCamp - Pontifícia Universidade Católica de Campinas
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SAR – Secretaria de Ação Regional
SEESPS - Secretaria do Estado da Educação e da Saúde Pública
SPDM - Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina
SUDS – Sistema Unificado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
T.O – Terapeuta Ocupacional
TAC – Termo de Ajuste e Conduta
UBS – Unidade Básica de Saúde
Unicamp – Universidade de Campinas
VER-SUS – Vivência e Estágio no SUS
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SUMÁRIO
Capítulo 1 - Sobre a Pesquisa
Apresentação _____________________________________________________________ 1
Introdução _______________________________________________________________ 5
Objetivo Geral ____________________________________________________________ 13
- Objetivos específicos: _________________________________________________________________________ 13
Metodologia _____________________________________________________________ 15
- Entrevistas e participantes da pesquisa ___________________________________________________________ 19
- Documentos analisados________________________________________________________________________ 23
- Narrativas ___________________________________________________________________________________ 23
Capítulo 2 - Vamos a História.... __________________________________________ 27
Linha do Tempo dos Governos e Secretários de Saúde _________________________________ 29
A evolução da Saúde Pública em Campinas ________________________________________ 31
- Contextos políticos da década de 70 e 80 ________________________________________________________ 31
A Expansão de 1989 a 1991 ___________________________________________________ 43
- Municipalização dos Serviços ___________________________________________________________________ 43
- A Expansão da Rede Assistencial _______________________________________________________________ 44
Dos Ambulatórios para a Saúde Mental na Atenção Básica ______________________________ 47
A reestruturação da Saúde Mental em Campinas _____________________________________ 47
- Implantação dos Serviços Intermediários (CAPS e Hospital Dia) _______________________________________ 55
Primeiras concepções sobre o cuidado da Saúde Mental na Atenção Básica ___________________ 61
- A equipe de Saúde Mental na Atenção Básica em meados de 90 ______________________________________ 61
Período de 1993 a 2000 ______________________________________________________ 65
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As práticas que ecoaram na rede de Saúde Mental ____________________________________ 65
As mudanças em 2001... _____________________________________________________ 73
- Cenário: O Começo do Paidéia _________________________________________________________________ 73
- O Projeto Paidéia Saúde da Família _____________________________________________________________ 75
- Saúde Mental: O Resgate do cuidado em rede e inicio da prática em apoio matricial ______________________ 80
- Avanços e expansão na Saúde Mental ___________________________________________________________ 81
- A Proposta Paidéia para Saúde Mental na Atenção Básica ___________________________________________ 84
- Mudanças no Processo de Trabalho da Saúde Mental Atenção Básica__________________________________ 85
- A questão do sigilo x compartilhamento ___________________________________________________________ 87
- Ausência de Recursos Humanos para sustentar o projeto ____________________________________________ 87
- Construção do Apoio Matricial na Rede de Campinas _______________________________________________ 90
A singularidade do Cândido Ferreira _____________________________________________ 93
- De Sanatório a Serviço de Saúde Cândido Ferreira ______________________________________________________ 93
- Da filantropia a co-gestão ___________________________________________________________________________ 93 - Cronologia da Relação Prefeitura Municipal de Campinas e Serviço de Saúde Cândido Ferreira _____________ 98
De 2010 a 2015 __________________________________________________________ 105
Impactos para a Rede de Saúde e Saúde Mental _____________________________________ 105
O Movimento de Trabalhadores do Cândido Ferreira _________________________________ 116
Capítulo 3 - Discussão
Seção 1: Como se fazia e faz a Saúde Mental na Atenção Básica? 124
1. Os Encontros: com os usuários, as equipes, a rede e com o seu núcleo
- Quem precisa da Saúde Mental? _______________________________________________________________ 128
- Os que não chegavam ... _____________________________________________________________________ 129
- A Mudança de fluxos: Como eles chegam até as equipes de Saúde Mental? ____________________________ 131
- A Parceria com as equipes: Saúde Mental X Saúde da Família _______________________________________ 133
- O Encontro com as Famílias ___________________________________________________________________ 135
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2. A Estrutura – “Re”-inventando modos de fazer _________________________________________________ 136
- Reuniões de equipe, atendimento compartilhado e visitas domiciliares ________________________________ 136
- Equipes fixas e equipes volantes na lógica do Apoio Matricial ________________________________________ 139
- O apoio (ou não) da Gestão ___________________________________________________________________ 141
- O efeito das equipes de Saúde Mental na Atenção Básica __________________________________________ 142
- Diminuição da medicalização __________________________________________________________________ 142
- Mudança de visão da comunidade e das equipes _________________________________________________ 144
- A transformação do cuidado ao paciente _________________________________________________________ 145
Seção 2: Aspectos políticos:
1. O Desmonte da Atenção Básica e as desafios da Saúde Mental nesse contexto ___________ 148
- Equipes de Saúde X Apoio Matricial ____________________________________________________________ 154
2. A Relação Cândido X Prefeitura:___________________________________________ 158
- Pequenos esboços e reflexões sobre a discussão de Recursos Humanos ______________________________ 158
Considerações Finais __________________________________________________ 162
Referências Bibliográficas ______________________________________________ 168
Anexos ______________________________________________________________ 176 - ANEXO I :Lei de Co-Gestão Cândido e Prefeitura Municipal de Campinas ______________________________ 176
- ANEXO II: Relação de Trabalhadores do Convênio PSF do SSCF gerenciados pela PMC ________________ 179
- ANEXO III : Parecer de aprovação do Comitê de Ética _____________________________________________ 182
- ANEXO IV: carta (Denuncia) Aberta a População __________________________________________________ 186
- ANEXO V: Links para os videos sobre o Movimento de Trabalhadores Cãndido _________________________ 188
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Apresentação
Esse estudo está dividido em três grandes capítulos. O primeiro descreve como esse
foi realizado, as pessoas entrevistadas, o porquê da escolha da cidade de Campinas e as
metodologias utilizadas. O segundo refere-se à narrativa da história da Saúde Mental da
Atenção Básica de Campinas, a partir da perspectiva de uma trabalhadora da Saúde Mental
do SUS Campinas. O terceiro capitulo tratará da discussão das narrativas realizadas e se
subdivide em duas seções. A primeira discute as estratégias utilizadas da Saúde Mental na
Atenção Básica durante os períodos e suas características singulares e a segunda transcorre
sobre o cenário político para a manutenção e sustentação dessa prática.
Não se pretende aqui construir uma história única e sim mais um olhar sobre os
elementos e determinantes dessa política e das práticas desses atores.
Sobre a autora e suas implicações...
Encontros...
O meu encontro com Campinas aconteceu em 2008, após ter me formado em
Psicologia na Universidade Federal de São Carlos e ter vividos momentos importantes no
movimento estudantil.
A paixão pelo SUS aconteceu no meu 2° ano da universidade pelo projeto VER-
SUS (Vivência e Estágio no SUS). Encantei-me profundamente com a sua potência,
problemas e pelas histórias daquelas pessoas que na fila de espera, ansiavam por algo.
Quando me formei vim fazer o Aprimoramento em Administração e Gestão de
Serviços de Saúde, na Unicamp estagiar no Centro de Saúde DIC III. Lá aprendi muito
sobre como funciona a Atenção Básica. Muita produção de vida todos os dias, mas muitos
dilemas também.
Aprendi sobre a gestão de um serviço com cem funcionários e sobre Saúde Mental
no território. Percebi como tem gente que gosta do que faz, e tem quem precisa sobreviver.
Lá também encontrei e atendi pessoas graves, que sofriam e se queimavam. Vi pobreza e vi
alegria. Minha passagem pelo DIC III foi singular... Terminei meu aprimoramento, certa de
que a Atenção Básica e o território mexeram comigo...
2
Fui trabalhar no antigo NAC (Núcleo de Atenção a Crise), hoje Núcleo de
Retaguarda, em uma vaga temporária. Lá vi outras pessoas em sofrimento, mas uma equipe
disposta a fazer rede. No meu primeiro dia, recebi o tal molho de chaves. Foi difícil! Vi
intervenções e manejos incríveis, tanto da equipe (enfermagem e técnica). Ás vezes a rede
falhava e muita gente ainda começava seu tratamento ali. Sai de lá com a sensação de que
aquelas paredes têm uma história e um cheiro que é difícil de esquecer.
Depois fui me encontrar com o CAPS Novo Tempo (24h) e lá me envolvi com outra
clínica: reabilitação e crise ao mesmo tempo. A tal loucura de um CAPS. Fiz parcerias
incríveis. Vi o vinculo das formas mais extremas. Vi adoecimento; vi precarização, vi uma
equipe também guerreira e às vezes exausta, lutando por essa tal Reforma Psiquiátrica. Vi
pacientes irem ao Carnaval pela primeira vez; artistas pintando em pela crise; vi pessoas
melhorando. Senti os plantões de fim de semana. Vi apostas, para inovar, fazer e mudar.
Fazíamos rede o tempo todo! Tive que aprender sobre implicação e sobreimplicação em
relação à equipe, os pacientes e com os meus limites.
Mas existia um flerte com a Atenção Básica que crescia. Ainda no CAPS, adorava
as reuniões de matriciamento e as suas potencialidades. Até que fui trabalhar no CS Santa
Lúcia e CS Vila União. Locais muito próximos com realidades bem diferentes. Descobri
que cada equipe dentro de um mesmo Centro de Saúde guarda grandes diferenças!
Aprendi a fazer mais parcerias, mas agora com aqueles que não gostavam tanto de
saúde mental e não estudaram para isso. Eis o desafio! Tentar sensibilizar os profissionais
para a Saúde Mental, ampliar a visão dos casos de pacientes nomeados como
“poliqueixosos”, tornar uma ferida que não cicatriza em uma pessoa que tem história e
desejos e um que um psicótico que tem diabetes precisa de cuidados era uma missão
cotidiana, seja nas reuniões de equipe, seja nas visitas domiciliares, atendimentos em
conjunto ou em conversas individuais.
E quando um da equipe começa a gostar de conversar com o paciente, não se
assustar quando ele chora e entender que isso não se resolve somente se acolhe. Era o auge,
o reconhecimento do meu trabalho velado.
Mas também foi e é difícil, bancar algo contra hegemônico contra a queixa/conduta
e a clínica degradada, do que dá mais trabalho. Difícil entender que história de vida é
diferente de história clínica. Criei e recriei diversas estratégias. Eu atendia os pacientes, em
3
conjunto ou não. Mas o foco era a equipe, eles precisavam aprender a manejar os casos que
chegavam cada vez mais graves. Eu precisava mostrar que eles podiam fazer e fazer bem!
Já que por algum tempo, cuidávamos de 7 equipes e que dali a um tempo iria embora.
Desde que entrei havia rumores de sermos demitidos pela finalização do Convênio
com o Serviço Cândido Ferreira que sou contratada. Esses tempos foram angustiantes para
mim e para a equipe. Inicio projetos ou não? Atendo casos novos? A dúvida era constante e
adoecedora. Mas também via o adoecimento dos meus colegas que não conseguiam fazer
mais pela sobrecarga de trabalho.
Estava bem difícil sustentar o trabalho nesses moldes e não virar um ambulatório,
que daria menos trabalho. Nesse momento, pensei em estudar sobre isso, percebi que essas
dificuldades não eram só minhas, mas podia ser do modelo, ou do modelo inserido no atual
SUS Campinas. Nesse momento foi quando descobri que Campinas tinha tido equipes de
Saúde Mental trabalhando nas unidades desde a década de 70. Encantei-me por descobrir
essa história e saber como foi possível a sustentação disso por tanto tempo. O produto
dessas investigações, inquietações e reflexões desenharam as linhas a seguir...
4
5
Introdução
A Atenção Primária à Saúde1 tem como premissa estar próxima da vida das pessoas e
manejar as necessidades da população em território específico. Ela é definida oficialmente
como um conjunto de ações de saúde que tem como objetivo a atenção integral e é considerada
o contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada do sistema e o centro de
comunicação da Rede de Atenção à Saúde (1). Tem como princípios e diretrizes a
universalidade, o acesso integral ao usuário, o território demarcado e adscrito, a número de
população referenciada (população adscrita), responsabilização, vinculo, integralidade do
cuidado, humanização, trabalho em equipe e participação social.
As equipes da Atenção Básica devem manejar as necessidades de saúde de maior
frequência e relevância em seu território, porém considerando que ser resolutiva significa
também acolher toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento, bem como identificar
riscos, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo (1).
Nesse sentido, a Atenção Básica tradicionalmente aborda e se empenha em demandas de
grande prevalência como hipertensão arterial, diabetes, tuberculose, pré-natal, controle de
endemias, atenção a gestante, criança, idoso, etc. Porém, tem surgido ao longo dos anos um
aumento das queixas referentes às diversas manifestações de sofrimento psíquico e isso tem
sido um grande desafio para a maioria das equipes.
Os dados do Ministério da Saúde (2) ressaltam que as queixas psiquiátricas são a
segunda causa de procura por atendimento na atenção básica pela população, sendo as mais
comuns: depressão, ansiedade, fobias, alcoolismo, entre outras.
Os desafios das equipes em lidar com essa temática foram abordados em um estudo
realizado por Figueiredo (3,4), no qual profissionais (enfermeiros, médicos e auxiliares de
enfermagem) destacaram a insuficiência de sua formação para a compreensão dos processos
psíquicos e das formas de lidar adequadamente com as diversas situações com as quais se
deparam no cotidiano. Eles admitem que haja incertezas com relação às intervenções que não
estão nos protocolos, como é o caso da maioria das intervenções em saúde mental. Colocam
1 Usaremos nesse texto o conceito de Atenção Básica a Saúde e Atenção Primária a Saúde como sinônimos, ora
respeitando os momentos históricos os quais foram empregados.
6
ainda dificuldades em como lidar com o choro do paciente e o sentimento de impotência e
angustia que esses casos despertam. A complexidade dos problemas enfrentados pela
população, como por exemplo, a violência, torna mais difícil o contato com o sofrimento dos
pacientes (5, 6).
Infelizmente, segundo Almeida Filho (7), na maioria da formação dos profissionais na
área da saúde ainda prevalece à lógica do modelo biomédico, caracterizado pela perspectiva
biologicista da doença e o não reconhecimento da determinação social; e pela formação laboratorial
e hospitalocêntrica de perspectiva reducionista. Este modelo se contrapõe à perspectiva e às
intervenções em saúde mental como algo mais amplo, que vê na comunidade, na singularidade do
sujeito e na ação interdisciplinar um conjunto potente para a eficácia do processo terapêutico.
Historicamente, há uma formação acadêmica deficitária na área da saúde para o tratamento
das pessoas com morbidades que afetam a saúde mental. E quando essa formação existe, ocorre
principalmente em ambulatórios psiquiátricos, onde esses profissionais têm contato somente com
pacientes com transtornos mentais graves e em períodos de crise, sem a apresentação das
especificidades de adoecimento psíquico que ocorrem na Atenção Básica. Logo, acabam por
estigmatizar o sofrimento psíquico e se julgam incapazes de lidar com esse problema.
Tendo em vista a complexidade do tema, o constante aumento das queixas com o
sofrimento psíquico, a má formação dos profissionais da saúde, e a dificuldade destes em
abordar, conduzir e acompanhar pessoas com sofrimento emocional e no manejo dos
transtornos mentais faz-se necessário que os profissionais das equipes de referência da
Atenção Básica tenham algum tipo suporte de profissionais da saúde mental para lidar
com essas questões.
Em Campinas, o profissional de Saúde Mental já compunha a Atenção Primária á Saúde
desde o final da década de 1970. O processo da construção da rede de saúde mental do
município é peculiar. Essa rede nasce com o surgimento da própria atenção primária baseada
nos postos comunitários, quando havia somente oito unidades de saúde (somando os Centros de
Saúde estaduais) e em três delas já possuíam equipes de Saúde Mental composta por psicólogo,
psiquiatra e assistente social, somando Em 1978, havia no município, 16 postos de Saúde e um
Ambulatório de Saúde Mental (8).
Esse processo aconteceu mesmo antes do movimento da Reforma Psiquiátrica
Brasileira, que teve início nos anos 1980, sob forte influência da corrente italiana, liderada
7
principalmente por Franco Basaglia2. Essa corrente propunha que o cuidado dos pacientes
psiquiátricos não devia ser nos “manicômios” ou hospitais psiquiátricos, ou seja, em cárcere,
mas devia se dar onde moram, próximos às suas famílias, em seus territórios (9). As condições
dos hospitais psiquiátricos eram péssimas e Franco Basaglia em visita ao Brasil chegou a
comparar o Hospital colônia em Barbacena a campos de concentração nazistas. Após varias
lutas, começou a haver intervenções nesses hospitais e produzir o seu fechamento.
Diante disso, fez-se necessário criar serviços substitutivos para atender esses pacientes.
Muitos equipamentos e tecnologias foram criados desde 1980. Dentre esses serviços, destacam-
se os Centros de Atenção Psicossocial3 (CAPS – 1992), considerados a principal política
pública relacionada à saúde mental no país. Muitos municípios iniciaram a construção de suas
redes de saúde mental somente a partir da implantação de CAPS (9).
Campinas também foi vanguarda na adoção e criação dos modelos de atenção à saúde
mental. Os movimentos pela saúde mental de Campinas foram sempre muito empenhados com
a Reforma Psiquiátrica. Em 1990, firma-se um convênio de co-gestão com o Sanatório Dr.
Cândido Ferreira e a partir do olhar de que o tratamento aos portadores de transtornos psíquicos
deveria ser fora dessas instituições (manicômios). A rede de saúde mental sofre mudanças,
inclusive a Atenção Primária. Há um grande investimento no fechamento dos hospitais
psiquiátricos da cidade – Santa Isabel (1939 a 1985), Casa de Saúde Bierrenbach de Castro
(1936- 1992), Tibiriçá (1968-2002) – o Sanatório Dr. Candido Ferreira sofre mudanças
radicais, intensas e continuas, passando a ser um Serviço de Saúde.
Em Campinas (2001), inova na tecnologia dos equipamentos, já que alguns dos Centros
de Atenção Psicossocial passam a ser de funcionamento 24 horas, de forma que o paciente,
quando em crise, não precisa necessariamente de internação hospitalar, podendo ser cuidado
pela sua equipe de referência, no próprio CAPS. Logo, Campinas segue ao longo dos próximos
anos, produzindo conhecimentos e formas de fazer o cuidado em saúde e constitui um modelo
que se torna referência para o país.
2 Promoveu uma importante reforma no sistema de saúde mental italiano. Em 1973 o Serviço Hospitalar de Trieste, dirigido por Basaglia, foi considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como referência
mundial para reformulação da assistência à saúde mental. 3 Portaria N° 224/MS, de 29 de Janeiro de 1992.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sa%C3%BAde_mentalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1973http://pt.wikipedia.org/wiki/Triestehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Mundial_de_Sa%C3%BAde
8
Hoje, a rede de assistência à saúde mental do município mostra-se bastante ampla,
diversificada e complexa. Está organizada em vários níveis de atenção e conta com serviços
básicos, serviços ambulatoriais especializados, hospitalares, de urgência e emergência e
serviços próprios da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico. Conta com 6 CAPS 24 horas, 2
CAPS Infantis (mais dois em implantação), 3 CAPS Álcool e Drogas (mais um em
implantação), sendo um deles 24 horas. Uma casa de acolhimento transitório, 6 Centros de
Convivência e residências terapêuticas ligadas aos CAPS e outras para pacientes mais
comprometidos.
Com essa gama de equipamentos foi se estruturando alguns “modos de fazer” que
influenciaram muitas cidades e contribuíram para a construção da Política de Saúde Mental
Brasileira. Entre elas, se destacam os conceitos de apoio matricial e equipes de referência.
Ambos são arranjos organizacionais que procuram diminuir a fragmentação das especialidades
e desta forma, se tornar um espaço interdisciplinar de ações, facilitando a comunicação através
de um sistema de compartilhamento de casos e responsabilidades (10,11).
A equipe de referência se baseia em conceitos como vinculo e territorialização, em que
um usuário possa ter a mesma equipe de profissionais em que possa se referenciar, perto da sua
residência. O apoio matricial é utilizado quando a equipe sente a necessidade de suporte (no
caso, em saúde mental) para abordar e conduzir um caso e juntos (apoiador e equipe de
referência) irão formar o projeto terapêutico e as intervenções necessárias. Muitos profissionais
confundem o campo da saúde mental como núcleo específico da psicologia, psiquiatria ou da
terapia ocupacional, e o apoio matricial objetiva contribuir para a desconstrução dessa visão.
Com isso, Campos (11,12) diferencia os conceitos de núcleo e campo: considerando núcleo
como “o conjunto de saberes e de responsabilidades específicos de cada profissional" e campo
como "saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a várias profissões ou especialidades
(como a saúde mental)".
Baseado nesses conceitos implementados nos serviços de saúde campineiros, em 2003 o
Ministério da Saúde lança um documento intitulado “Saúde mental e atenção básica: o vínculo
e o diálogo necessários”. Neste documento, algumas diretrizes gerais foram delineadas, no
sentido de incluir ações de saúde mental na atenção básica, propondo o Apoio Matricial da
saúde mental às equipes de atenção básica, a formação como estratégia prioritária e a inclusão
da saúde mental no sistema de informações da atenção básica como principais ferramentas.
9
Em 2008, baseado também nos conceitos de apoio matricial e influenciado pela
experiência de Campinas, o Ministério da Saúde cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família
(NASF), através da portaria GM nº154 de março de 2008 (13,14). Essa portaria coloca que o
NASF tem o objetivo de oferecer apoio matricial às equipes de saúde da família a fim de
ampliar suas ações e aumentar sua resolubilidade. Há a exigência de cada equipe de NASF
conter pelo menos um profissional de saúde mental, o que aumentará a discussão sobre apoio as
equipes em todo país.
Logo, reviver e elucidar a história da Saúde Mental em Campinas pode trazer reflexões
importantes sobre os passos e descompassos, entraves e desafios da Política em Saúde Mental
na Atenção Básica em Campinas e no Brasil.
Em vários momentos da história da saúde mental da Atenção Básica há muitas lacunas.
Parte delas possivelmente devido às instabilidades políticas no município, durante as quais os
projetos e modelos de saúde mental se tornaram confusos e a sustentação da rede ficou
dependente da disponibilidade individual dos profissionais que compunham a rede (8). Assim,
o que as pessoas que participaram dessa história têm a dizer sobre o desenvolvimento da Saúde
Mental na Atenção Básica em Campinas?
Apesar desses momentos de instabilidade, nos anos que se seguiram, a gestão investiu
bastante na política ligada aos CAPS e Campinas foi construindo uma densa gama de
equipamentos. Em 1990, iniciam-se as primeiras discussões sobre como melhorar o cuidado em
saúde mental na rede da Atenção Primária em Saúde (o que seria o embrião do apoio
matricial4), mas esse arranjo ganha força e corpo teórico na rede de Campinas em 2001, com o
“Projeto Saúde Paidéia”, onde esses foram implantados na rede, dentre eles o apoio matricial
em saúde mental às equipes de referência (4). Dessa forma, nos perguntamos como foi para os
agentes da constituição da Atenção Primária em Saúde em Campinas acompanhar essa rede de
equipamentos surgindo, já que a construção dos CAPS era prioridade. Qual era a parte que
cabia às equipes de Saúde Mental na época? Como foi a introdução dessa nova política
chamada apoio matricial?
São muitas questões que podem elucidar e apontar caminhos para os atuais
acontecimentos de Campinas. Nos últimos anos, as políticas em saúde não priorizaram recursos
4 Apoio matricial tem definido seu conceito somente em 1999, pelo Prof. Dr. Gastão Wagner de Souza (11)
10
para a Atenção Básica, poucos novos Centros de Saúde foram abertos em detrimento do
aumento da população. Isso gera uma sobrecarga constante nos serviços. É constante o
desfalque de trabalhadores nos serviços, a escassez de medicamentos e insumos que dificulta
muito o trabalho dos profissionais da saúde em Campinas. Quanto às políticas em saúde
mental, essas ficaram difusas, as pessoas que viveram o processo anterior mantinham algumas
práticas e os trabalhadores mais novos não tinham esses parâmetros e produziram outras formas
de fazer. Esse fato pode ser um dos fatores que elucidem porque o modelo da Saúde Mental na
Atenção Básica atualmente se diferencia de unidade para unidade, algumas mais ambulatoriais,
outras com uma relação mais horizontal com as equipes de referência.
Logo, há indefinições sobre o “como fazer”, sobre a prática dos profissionais. Portanto,
a sustentação de alguns arranjos muitas vezes depende do perfil e da dedicação de seus
profissionais, sem respaldo institucional adequado.
Um exemplo dessa situação é que em cada região de Campinas (Distritos de Saúde) as
unidades da Atenção Básica contam com um número diferente de profissionais, às vezes dando
preferência a um tipo de especialidade, sem necessariamente um estudo para tal. A atuação de
tais profissionais também é heterogênea entre distritos e unidades, muitos deles atuando
somente como especialistas, não operando o arranjo de apoio matricial.
Simultâneo a isso, desde 2012 os profissionais da saúde mental da Atenção Básica
contratados pelo Serviço de Saúde Dr. Candido Ferreira sofriam ameaças de demissão sem a
segurança que os projetos continuariam. Eram 37 profissionais que se concentravam em regiões
onde havia maior vulnerabilidade da população e das equipes. Alguns desses profissionais
pediram demissão, fizeram outros processos seletivos internos outros ainda aguardam a sua
demissão. Com isso, pela falta desses profissionais e a desassistência gerada, houve um nítido
aumento da demanda dos CAPS e esse impacto foi sentido pela rede como um todo. Esse
processo continuou até julho de 2014, onde as vagas foram repostas por profissionais
concursados.
Porém, a maioria desses trabalhadores concursados não obteve formação na perspectiva
do apoio matricial, o que aumenta a probabilidade de novamente se criar uma cultura
ambulatorial e especialista nas unidades. Visto a sobrecarga e demanda existente, a falta de
diretriz e a ausência de formação desses e de seus gestores.
11
Diante dos acontecimentos atuais, algumas questões sobre essa história nos instigam a
conhecer e refletir sobre os processos e entraves ocorridos:
Por que na década de 70 houve a decisão de colocar esses profissionais de saúde mental
na Atenção Básica, e não em setores de especialidade, como era comum naquela época?
Como se estruturavam essas equipes? O que as tornava diferentes das que atuavam em
espaços de especialidade?
Como a Atenção Básica viveu o intenso processo da Reforma Psiquiátrica campineira?
Quais são as dificuldades históricas e as atuais dos profissionais do SUS-Campinas com
relação à saúde mental?
Diante do protagonismo histórico dos profissionais de saúde mental em sustentar suas
práticas, por que nos dias atuais não é tão evidente tal protagonismo na sustentação do
apoio matricial da saúde mental na Atenção Básica de Campinas.
Partindo dessas inquietações, o presente estudo pretende trazer à luz as questões que a
história da saúde mental na Atenção Básica traz, para que possamos pensar e repensar
dispositivos que auxiliem no cuidado dos usuários.
Estima-se que a presente pesquisa possa contribuir para se ter melhor clareza sobre os
arranjos necessários para melhorar as políticas públicas com relação à Saúde Mental na
Atenção Básica, ao apontar as dificuldades e potencialidades vivenciadas por trabalhadores e
gestores campineiros em cada período.
Vamos dar voz a alguns dos atores que fizeram essa história.
12
13
Objetivo Geral
Compor a trajetória histórica de inserção da Saúde Mental na Atenção Básica na cidade
de Campinas, a partir do ponto de vista de alguns atores que a vivenciaram, a fim de
compreender as dificuldades e potencialidades encontradas em cada período e lançar luz e
reflexões sobre os desafios atuais do SUS Campinas.
Objetivos específicos:
1. Resgatar os marcos históricos da inserção da Saúde Mental na Atenção Básica de
Campinas, a partir da narrativa dos atores que dela participaram;
2. Levantar e analisar documentos da Secretaria Municipal de Saúde;
3. Identificar os fatores que dificultaram e os que potencializaram, ao longo da
história, a produção do cuidado em saúde mental na Atenção Básica.
14
15
Metodologia
“Nos dias de hoje, parece haver ampla concordância de que
vivemos em um mundo em que, contraditoriamente, se encoraja
a amnésia e, ao mesmo tempo, se oferece à nossa fruição uma
ilimitada gama de informações”.
José Walter Nunes e Nancy Alessio Magalhães
A partir de uma metodologia qualitativa (15,16), realizamos sete entrevistas com
gestores e trabalhadores que tiveram protagonismo na construção da história da Saúde Mental
na Atenção Básica, no período de 1970 a 2014. Procuramos levantar pontos relevantes sobre os
arranjos existentes, suas potencialidades e dificuldades em cada período.
Esse período foi escolhido, pois a cidade de Campinas iniciava sua rede de atenção
primária municipal, contando com 8 postos e centros de saúde, 3 deles com equipes de saúde
mental (8). Desse modo, pesquisa aborda o início da Saúde Mental na Atenção Básica em
Campinas até os dias atuais.
O fio condutor dessa pesquisa é a metodologia de história oral (com enfoque a história
oral temática). Essa abordagem tem sido considerada pelas pesquisas atuais nas Ciências
Sociais e Humanas, como um campo teórico-metodológico que tem o compromisso ou o
impacto propositivo de auxiliar a desmistificar a visão de uma História Estruturalista. A
questão da objetividade – ou subjetividade – é a maior marca distintiva entre a disciplina da
História e a prática da história oral.
“História oral é um conjunto de procedimentos que se iniciam com a
elaboração de um projeto e continuam com a definição de um grupo de
pessoas (ou colônia) a serem entrevistadas, com o planejamento da
condução das gravações, com a transcrição, com a conferência do
depoimento, com a autorização para seu uso, arquivamento e, sempre
que possível, com a publicação dos resultados que devem, em primeiro
16
lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas. Ela é sempre uma
história do tempo presente e também reconhecida como história viva
(16).”
A história oral, ao valorizar a memória como fonte de produção de conhecimento,
amplia a compreensão e modifica a leitura tradicional relativa aos conceitos de verdade e
realidade.
“A verdade ou o real nada mais é que uma construção cultural”. Com
isso, o papel do pesquisador/historiador não tem sido contar a verdade
sobre um fato, mas conhecer as verdades e entender como essas foram
construídas pelo sujeito histórico” (18).
Priorizar as narrativas da memória, em história oral, significa produzir narrativas de
identidade, à medida que o sujeito revela como vê a si mesmo e como vê o mundo. É preciso
compreender que uma memória individual é, igualmente, uma memória social (20). Desse
modo, produzir a narrativa oral, individualizada de cada sujeito, é produzir uma história social;
é transpor os limites de um estudo de caso, reconhecendo os vínculos com os múltiplos
aspectos da vivência coletiva.
Segundo Silveira (18), dentro da compreensão da história oral como uma metodologia
há o olhar criterioso de que a entrevista não é a própria história. O pesquisador deve interpretar
e analisar a entrevista como uma fonte (fonte oral) e é preciso ter consciência que não existe
neutralidade do pesquisador. Desse modo, orienta-se a transcrição dessas. No formato textual
deve-se analisar essa fonte oral como qualquer documento, questionando e analisando como
usar essa fonte, tirando dela as evidências e os elementos que irão dar luz ao seu objeto de
estudo. Salienta ainda que na construção das narrativas, o autor deve ser sempre quem fez as
entrevistas, dirigiu o projeto e assumiu publicamente a responsabilidade do que está dito,
gravado e usado (18).
17
Dentre as modalidades da história oral (história oral de vida; história oral temática;
tradição oral), faço a opção peça modalidade da história oral temática. (17; 19; 20).
Na história oral temática, há a existência de um foco central (no caso, a história da
Saúde Mental na Atenção Básica) que justifica o ato da entrevista em um projeto, recorta e
conduz a possíveis maiores objetividades. Embora reconheça que objetividade absoluta não
existe.
Apesar das diferenças entre a história oral temática e da de vida (onde tem como centro
de interesse o próprio individuo e sua trajetória desde a infância, passando pelos diversos
acontecimentos e conjunturas), ambos os tipos de entrevista em história oral pressupõe a
relação com o método biográfico: seja concentrando-se sobre um tema, seja debruçando sobre
um individuo e os cortes temáticos efetuados em sua trajetória, a entrevista terá como eixo a
biografia do entrevistado, sua vivência e experiência. (20). Assim, detalhes da historia pessoal
do narrador (entrevistado) interessam apenas na medida em que relevam aspectos relevantes
sobre a temática central.
Contudo, o meu movimento como pesquisadora-narradora se refaz a cada momento da
pesquisa, o que me permitirá estabelecer canais de diálogo com os atores e seus contextos, com
o meu próprio contexto e comigo mesma. Será a minha percepção (embora seja sempre uma
imagem deformada) que me permitirá avançar na compreensão sobre de que forma a história de
Campinas com o avanço das políticas e a Reforma Psiquiátrica influenciaram a Saúde Mental
na Atenção Básica.
“A história oral temática é quase sempre usada como técnica,
pois articula, na maioria das vezes, diálogos com outros documentos”.
(José Carlos Sebe Bom Meihy, 2005)
Com isso, o trabalho de campo da presente pesquisa constituiu-se de:
I. Realização de sete entrevistas abertas com gestores e trabalhadores (atores sociais)
que participaram dos vários momentos da constituição da Saúde Mental na Atenção
18
Básica e do SUS Campinas, atuantes no SUS-Campinas. O critério de seleção
desses atores se deu pela influência que essas pessoas ainda exercem sobre a Política
Pública de Campinas, seja de forma militante ou na construção concreta do
cotidiano dos serviços. Os períodos analisados estão demonstrados no Quadro 1:
Quadro 1: Períodos analisados no estudo
Período Ano
Criação das Unidades de Atenção Básica contendo
as equipes de Saúde Mental; Final dos anos 70
A Expansão da Rede de Saúde priorizando a
Atenção Básica e as mudanças da Reforma
Psiquiátrica
Anos 90
Expansão da rede de Saúde Mental (meados de
2000); Meados de 2000
Período atual onde ocorreram mudanças
significativas
2010-2014
II. Análise de documentos da Secretaria Municipal de Campinas que apontam para a
Política Pública de Saúde Mental, no período de 1970 a 2014 e análise de produções
bibliográficas (Mestrados, Doutorados e artigos) que se referem à história da Saúde
Mental na Atenção Básica.
As entrevistas foram baseadas na vivência de cada ator social no período estudado e se
iniciavam com o relato do que motivou a pesquisa:
“O que instigou essa pesquisa foi o fato de se ter 3 equipes de Saúde Mental na Atenção
Básica já no final da década de 70, enquanto outras cidades começaram a sua rede de Saúde
19
Mental somente com o advento dos CAPS. A partir das suas vivências, o que você tem a me
dizer sobre essa história?”.
A partir dessa pergunta disparadora, os atores iam contando a sua perspectiva dessa
história e perguntas iam surgindo a partir do relato do entrevistado. Para a História Oral, o
entrevistado ou colaborador5 tem liberdade para dissertar sobre sua vida, conduzindo o
desencadeamento da história conforme sua vontade, de modo que Meihy (17) sugere que “nas
entrevistas de história oral de vida, as perguntas devem ser amplas, sempre apresentadas em
grandes blocos, de forma indicativa dos acontecimentos e na sequência cronológica da trajetória do
entrevistado”. Mais especificamente na historia oral temática, os questionários podem ser diretos e
intuitivos ou indiretos e dedutivos (17).
Entrevistas e participantes da pesquisa
Todas as entrevistas foram feitas por mim, gravadas em áudio e vídeo e transcritas na sua
totalidade. As imagens foram registradas em vídeo, com o consentimento dos entrevistados, para
que seja possível, eventualmente, editar as imagens e produzir um vídeo-documentário, porém
nesse estudo não serão utilizadas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Unicamp
(com parecer de nº 22203914.3.0000.5404 – Anexo 3) e todos assinaram o Termo de
Consentimento Livre Esclarecido e o termo de uso de áudio e vídeo.
A escolha dos entrevistados foi guiada pelos objetivos da pesquisa e pelo destaque que
essas pessoas obtiveram na história de Campinas e que poderiam fornecer depoimentos
significativos. Houve a opção de selecionar pessoas de diferentes períodos da história e sua
inserção na rede de Saúde de Campinas. Mas não foi possível contemplar todos os momentos,
atores sociais e intelectuais orgânicos importantes, devido ao reduzido tempo para a conclusão
do estudo. A opção por esse caminho levou a um viés a favor de um tipo de modelo de fazer
saúde e suas características, sem conseguir, no entanto, se aprofundar nos demais pontos de
vista contrários ou com criticas a esse modelo apontado e nos engendramentos políticos
existentes em cada período.
5 Termo utilizado pelos pesquisadores em história oral ao se referirem as pessoas entrevistadas, reconhecendo a participação ativa destes no estudo.
20
“O processo de seleção de entrevistados em uma pesquisa de historia oral
se aproxima, assim, da escolha de “informantes” em antropologia, tomados
não como unidades estatísticas, e sim como unidades qualitativas – em função
de sua relação com o tema estudado – seu papel estratégico, sua posição no
grupo, etc. Convém selecionar os entrevistados entre aqueles que
participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou
situações ligadas ao tema que possam fornecer depoimentos significativos
(19).”
Os entrevistados foram consultados anteriormente sobre a publicação de trechos das
entrevistas e sua autoria nesse estudo. As trajetórias de vida desses atores nos períodos do
estudo estão descritas abaixo em ordem alfabética, respectivamente:
Carolina Moraes Sombini: Psicóloga. Iniciou sua trajetória nos Centro de Saúde Escola Balão
do Laranja e Integração através de um estágio sobre clínica (PUCCamp) e o aprimoramento
(Unicamp). Trabalhou como psicóloga no CAPS Novo Tempo e posteriormente assumiu o
cargo de apoio institucional nos Distritos Noroeste e Sudoeste, respectivamente. Coordenou o
Centro de Convivência Tear das Artes e atualmente está na coordenação do CAPS infantil
Espaço Criativo.
Clarice Aparecida Scopin Ribeiro: Assistente Social. Na década de 70, como funcionária
concursada pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, trabalhou em Franco da Rocha,
no Manicômio Judiciário, no Hospital Psiquiátrico da Vila Mariana em São Paulo e
Ambulatório de Saúde Mental da Vila Guarany. Em1986 mudou-se para Campinas,
trabalhando no Ambulatório de Saúde Mental do Estado. Em 1989 assumiu a coordenação
desse equipamento com a intenção de desativá-lo para a criação de novos dispositivos, como
propunha a Política Municipal para a Saúde Mental. Coordenou o Hospital Dia no processo de
transformação do Sanatório Dr. Cândido Ferreira, assim como da criação do Centro de
Convivência. Participou do processo de fechamento do Hospital psiquiátrico Tibiriçá. Em
2004, foi coordenadora de Saúde Mental de Campinas. Coordenou também o CAPS Davi
Capistrano por 5 anos e sua transição de CAPS II para CAPS III. Tornou-se apoio institucional
21
em Saúde Mental do Distrito de Saúde Sudoeste em Campinas e logo após trabalhou com
educação dos trabalhadores no CETS (Centro de Educação dos Trabalhadores de Campinas).
Atualmente exerce a função de Apoio Técnico no Distrito de Saúde Leste.
Florianita Coelho Braga Campos: Psicóloga. Em 1980 trabalhou pelo Estado no Ambulatório
Itapeva (hoje CAPS Itapeva). Chega a Campinas em 1982, no Ambulatório de Saúde Mental do
Estado. Fez especialização em Saúde Pública. Nessa época, participa das comissões de saúde
mental do Pró- Assistência pela PUC. Foi também coordenadora de Saúde Mental da Regional
de Saúde (83 municípios). Em 1987 saiu do Estado e se tornou professora da PUC Campinas.
Em 1991 e 1992 trabalhou no Sanatório Dr. Candido Ferreira. Após isso, vai para Santos por
três anos e retorna a Campinas trabalhando na área de Saúde Mental em um Regional de Saúde.
Trabalhou novamente no Candido de 1997 a 2000. Em 2001 a 2004 se torna coordenadora de
saúde mental do município. De 2004 a 2006 é consultora do Ministério da Saúde. Atualmente é
professora da Universidade Federal de São Paulo- Baixada Santista.
Gastão Wagner de Sousa Campos: Médico sanitarista. Atualmente é professor titular da
Universidade Estadual de Campinas, foi secretário de Saúde de Campinas em 1989 e 1990
(gestão Jacó Bitar) e em 2001 e 2002 (Gestão Antônio Costa Santos/ Izalene Tiene) até aceitar
o cargo de Secretário Executivo do Ministério da Saúde no qual permaneceu até final de 2004.
Em todos esses momentos continuou seguindo sua carreira docente, onde foi responsável pela
formação de diversos trabalhadores da rede de saúde Campinas, através dos cursos de
especialização, residência e aprimoramento e demais pós-graduações. Autor de diversos artigos
de referência para estudos sobre o SUS como exemplo: apoio matricial, equipe de referência,
cogestão e organização de coletivos.
Maria da Góia Coelho: Psicóloga. Em 1979, fez um curso de Saúde Mental Comunitária
promovido pelo Ministério da Saúde/Estado/Unicamp, onde lhe foi apresentado a Saúde
Pública. Em 1980 iniciou como psicóloga do Estado no primeiro Ambulatório de Saúde Mental
do Estado em Campinas e logo depois pediu transferência para o Centro de Saúde Escola de
Paulínia pela interlocução que havia com a Unicamp, onde permaneceu por três anos. Em 1986
22
fez o curso de especialização em Saúde Pública. Em 1988 entrou na Prefeitura de Campinas e
iniciou seu trabalho no Centro de Saúde Aurélia até 1998 (Atenção Básica) e foi para o Centro
de Saúde Barão Geraldo, no qual inaugurou as atividades corporais no CAPS Estação e
permaneceu com esse projeto por 10 anos. Hoje está aposentada da Prefeitura Municipal em
Campinas, mas atuante nos projetos de Práticas Integrativas como o Movimento Vital
Expressivo.
Nelson Rodrigues dos Santos: Médico Sanitarista. Em 1970 lecionou na Universidade Estadual
de Londrina. Participou de projeto da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) em
Brasília chegando a Campinas em 1978 quando dirigiu o Centro de Saúde Escola de Paulínia e
coordenou, em Campinas, os programas da rede de postos da Secretaria Municipal de Saúde na
gestão Sebastião de Moraes. Foi secretário de saúde de 1983 a 1988. De 1989 a 1990 foi
secretário estadual do governo de São Paulo. De 1990 a 2006 esteve no Ministério da Saúde
como Secretário Executivo Nacional do Conselho Nacional de Saúde. Esteve no cargo de
Professor titular da Unicamp de 1978 a 2006, onde foi responsável pela formação de diversas
trabalhadores da Rede de Campinas, através dos cursos de especialização, residência e
aprimoramento. Atualmente é presidente do IDISA (Instituto de Direto Sanitário Aplicado).
Raquel Pastana Teixeira Lima: Psicóloga. Entrou na Prefeitura de Campinas em 1977 e foi
para área da saúde em 1984 trabalhar no Centro Santa Mônica, onde um ano depois passa a
coordenar esse equipamento. De 1989 até 1992 permanece na Assistência Técnica em Saúde
Mental do município (que hoje se aproximaria da coordenação de saúde mental). Após esse
período, por dois anos coordena e atende os pacientes do Centro de Saúde Santa Odila e de
1994 a 1998 assume a supervisão do Distrito Sul (hoje conhecida como apoio institucional). De
lá, Raquel vai coordenar a Policlínica II até 2001 onde se torna apoiadora no NAAS
(departamento de saúde da Secretaria Municipal de Saúde) até final de 2004. Em 2005 se
aposenta da Prefeitura e se torna consultora do Ministério (Política Nacional de Humanização).
De 2009 a 2010 exerce a função de coordenadora de Saúde Mental na cidade de Amparo.
23
Documentos analisados6:
A cidade de Campinas, hoje - 1987 (21)
Relatório da Área de Saúde Mental - janeiro de 1997 a outubro de 1998 (22)
Projeto: “Gestão de Recursos para a implementação da Reestruturação da
Assistência em Saúde Mental – Campinas –SP – 1999 (23)
Texto base para discussão sobre matriciamento – Programa Paidéia - 2004 (24)
Breve relato da Saúde Mental em Campinas – 2005 (25)
Compilado de textos produzido pelo CEDOC sobre Saúde Mental. Dentre os
documentos estão relatórios das várias regiões de saúde, seminários e textos-base
para discussão em Fóruns (26).
Narrativas:
Para se chegar à compreensão da evolução e características dos acontecimentos da Saúde
Mental na Atenção Básica foi preciso intercalar as diversas histórias entrelaçadas no objeto de
estudo. A História da cidade Campinas e seu pioneirismo em lutas sociais pela saúde e os
avanços adquiridos pela Saúde Coletiva no Município, a evolução da Atenção Básica
campineira e contexto da Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica Brasileira. Esses refletem em
alto grau a condução das políticas públicas em Saúde Mental e influenciaram
significativamente do objeto desse estudo (Saúde Mental na Atenção Básica) como
representado na figura 1:
6 A maioria dos documentos está arquivada no CEDOC (Centro de Documentação da Secretaria Municipal de
Saúde de Campinas).
24
Figura 1. Representação do contexto em que se insere o objeto de estudo: “História da Saúde Mental na
Atenção Básica de Campinas”
A partir das histórias contadas pelos atores e pelas informações levantadas nos
documentos, compus uma narrativa tal como propõe Ricoeur (27). Para o autor, as narrativas
são construções de histórias sobre o agir humano, isto é, a composição de um enredo que dá
sentido e coerência aos acontecimentos. Se uma ação pode ser narrada é porque ela já está
articulada em signos e normas, ou seja, já está inserida no mundo pelo agir social e está
simbolicamente mediatizada. “O que é ressignificado pela narrativa é o que já foi pré-
significado no nível do agir humano” (27), ou seja, contar uma história, ou escrever uma
narrativa, significa pré-compreender o que ocorre com o agir humano.
Para Onocko Campos (28, 29, 30, 31), a narrativa é um recurso interpretativo potente
para processar o material produzido em pesquisas, já que se trata de uma abordagem
construtiva, que não busca somente compreender, mas também transformar, propor
alternativas, buscar soluções. Retomando a interpretação em Freud (32), a autora aponta que a
interpretação deve ser composta por dois movimentos: a análise e a construção. A análise seria
o movimento da fragmentação, o trabalho de esmiuçar os fenômenos e as informações para
.
.
Saúde Mental
e
Reforma
Psiquiátrica
Atenção
Básica Saúde
Mental na
Atenção
Básica
Saúde Coletiva de
Campinas
História do Município
de Campinas
25
poder compreendê-los. E a construção, seria a dimensão necessária para alinhavar os
fragmentos, organizar o material para elaborar linhas de sentido que possam contribuir como
saídas para os impasses encontrados.
A transposição do campo prático por meio da narrativa evidencia sua função de ligação,
de construção. Compor uma narrativa é, no dizer do autor, operar um agenciamento dos fatos,
encadear os acontecimentos com certa coerência e com uma causalidade possível, “(...) é fazer
surgir o inteligível do acidental, o universal do singular, o necessário ou verossímil do
episódico” (27). Assim, além da função de ruptura que pressupõe uma análise, a narrativa
opera construções, o que é fundamental nas pesquisas em saúde e, sobretudo, nas vinculadas à
área de políticas, planejamento e gestão.
Foram, portanto, construídas narrativas a partir da transcrição das entrevistas abertas.
Estas permitiram fazer emergir um sentido para a construção dessa história a partir da trajetória
desses atores. Por conseguinte, foi feito um estudo permitindo destacar as diferentes percepções
e opiniões, de acordo com o perfil do ator social e sua narrativa.
Entendo que o ato de (re)construir a narrativa a partir da voz dos sujeitos protagonistas
e suas trajetórias de vida tratando sobre as percepções que eles trazem sobre a Saúde Mental na
Atenção Básica, pode trazer à tona perspectivas, tentativas, construções permaneceram no
passado ou perduram até os dias atuais.
26
27
Vamos a História...
O perigo de uma história única:
É assim que se cria uma única história:
Mostre a um povo uma coisa, somente uma coisa,
Repetidamente,
E será o que eles tornarão para si.
É impossível falar da única história sem falar em poder.
Como é contada, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, Tudo realmente
depende do poder.
Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa,
Mas de fazê-la definitiva daquela pessoa.
Chimamanda Adichie (poetisa africana)
Vamos, então, as várias histórias...
___________________
28
29
Linha do Tempo dos Governos e Secretários de Saúde
Presidente Ano Prefeito Secretário de Saúde Saúde Mental Cândido
Ernesto Geisel
1976 Lauro Pericles
Gonçalves
1977
Francisco Amaral Sebastião de Moraes Não existia o cargo
1978
João Figueredo
1979
1980
1981
1982 José Nassif
Mokarzel (maio a dez de 82)
Sem informações Sem informações
1983
José Roberto Magalhaes
Teixeira (1983-1988)
Nelson Rodrigues dos Santos
Mauro Bilharinho
1984
José Sarney
1985
1986
1987
1988
1989
Jacó Bittar
Gastão W. Souza Campos
Maria Alice Paes /Raquel Pastana + William Valentin
Everton Soeiro
Fernando Collor
1990 Ana Miller
1991 Ana Miller (2 meses)
/Micole / Marsilio
Mauricio Jacinto
William Valentini
1992 Antonio da Cruz
Garcia
Itamar Franco
1993 José Roberto Magalhaes
Teixeira
Rogério Jesus Pedro 1994
Fernando Henrique Cardoso
1995 Carmem Lavras
Ana Raimundo /Claudio Banzato/ Paulo Dalgalarrondo 1996 Edivaldo Orsi
1997
Francisco Amaral
Odair Albano Sem informações 1998
1999
2000 Igor Carlos Del
Guércio Sem informações
2001 Antônio da Costa Santos (Toninho)
Gastão W. Souza Campos
Florianita Braga Campos 2002
Izalene Tiene
Luis Inácio Lula da Silva
2003 Maria do Carmo Carpinteiro 2004 Clarice Scopin
Nobusou Oki
2005
Helio de Oliveira Santos
Gilberto Selber
Elza Lauretti Guarido 2006
Francisco Kerr Saraiva
2007
2008
2009 Deivisson Viana Dantas/ Eduardo Camargo Bueno 2010
Dilma Rousseff
2011 Demetrio Vilagra Adilson (Nov-Jan 2012) Carla Machado
2012 Pedro Serafim Fernando Brandão
2013 Jonas Donizette Cármino de Souza
Sara Sgobin/Simone Bonavita 2014
Telma Palmieri 2015
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Nassif_Mokarzelhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Nassif_Mokarzelhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Nassif_Mokarzel
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A evolução da Saúde Pública em Campinas
Contextos políticos da década de 70 e 80
O contexto político dos anos 70 no Brasil se baseava em uma sociedade com grande
concentração de renda, excludente e desigual. A ditadura já estava instaurada (Golpe Militar -
1964) e com esse regime autoritário, houve um crescimento considerável da concentração de
renda e em consequência o aumento a miséria no país.
Essa população marginalizada começou a migrar para os maiores centros e a população
rural foi mudando para as cidades. As pessoas iam para esses locais mais desenvolvidos com a
esperança de sair da miséria. Desse modo, as periferias aumentaram em todo o país (33).
Em Campinas, esse processo migratório ocorre entre a década de 30 e 40,
principalmente pelas proximidades e construções das fábricas e das grandes rodovias em
implantação: Via Anhanguera, (1948), Rodovia Bandeirantes (1979) e Rodovia Santos
Dumont, década de 1980 (33) 7. Na década de 30, o município passa por um intenso processo
de industrialização e crescimento urbano gerando falta de estrutura e saturação das redes que já
existiam, uma vez que os loteamentos não tinham redes de água e de esgoto.
Estes novos bairros, implantados originalmente sem infraestrutura urbana, 1970/1980,
os fluxos migratórios levaram a população de Campinas a praticamente duplicar de tamanho
(33).
Entre o fim da década de 1960 e 1970, a cidade passava por sérios problemas. Os
indicadores sociais diminuíam e o poder público havia perdido a capacidade de administrar a
cidade e se direciona ao poder do capital industrial e imobiliário. Para justificar esse momento
campineiro, a historiadora Rosana Baenninger (34, 35) diz que aquele migrante herói que
7 http://www.campinas.sp.gov.br/sobre-campinas/campinas.php
http://www.campinas.sp.gov.br/sobre-campinas/campinas.php
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construiu a cidade e era valorizado, passa de fundador da cidade a marginal como citado na
passagem a seguir:
"No final dos anos 60, e inicio dos anos 70, o migrante já aparece
como bode expiatório: causa do crescente surgimento das favelas, da
desorganização urbana e do aumento da mendicância na cidade"
(34,35).
Campinas tem sua origem diretamente ligada aos tropeiros e a abertura de caminhos
para o sertão de Goiás e Mato Grosso. A cidade foi fundada coma chegada de Francisco
Barreto Leme que se mudou com sua extensa família e conterrâneos e se afixou nas terras da
antiga sesmaria por meados de 1760. Em 1774 foi celebrada sua primeira missa, evento que
marca a fundação da cidade, mas essa somente ganhou categoria oficial de cidade em 1847.
Anteriormente era distrito do município de Jundiaí (36). De tal modo, imigrantes foram
responsáveis por fundar e erguer a cidade, se destacando muito pela produção de cana de
açúcar e posteriormente de café (36).
Os problemas de saúde naquela época advinham principalmente da falta de saneamento
e redes de esgoto e água. Com isso começaram a ser feitas, nas próximas décadas, obras com
financiamento principalmente da produção cafeeira e dos repasses da verba do Estado de forma
a não ameaçar o processo de desenvolvimento econômico baseados na importação de mão de
obra. Esses fatos desencadearam a expansão do campo médico.
Com isso, alguns equipamentos de saúde foram surgindo ao longo dos anos. Um marco
para a Saúde Publica foi a criação do Serviço Sanitário de São Paulo, pois as atividades
posteriores expandiram-se a partir das atividades de fiscalização da medicina e combate a
varíola que junto com os laboratórios ou institutos foram os pilares do serviço sanitário da
época. Em 1846 é fundado o primeiro Centro de Saúde de Campinas. A partir daí outros
equipamentos foram criados como demonstra o quadro abaixo:
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Quadro 3: Equipamentos de saúde criados em Campinas desde 1840 a 1970
Século XIX
1846 Centro de Saúde de Campinas 1 ° estabelecimento estatal para a Assistência em Saúde da cidade
1876 Santa Casa de Misericórdia 1° Hospital de Campinas, que também abrigava órfãs pela mortalidade de endemias
1879 Hospital Sociedade Portuguesa de Beneficiência
Foi fundado com o propósito de atender a colônia lusa residente da cidade e não atendia as camadas mais pobres da população
1886 Casa de Saúde Antigo Hospital do Circolo Italiani Uniti foi fundado para atender a colônia italiana e não atendia a população mais pobre
1894 1° Código Sanitário do Estado Regulamentava as atividades de combate às epidemias
1896 Código Sanitário reorganizado em 3 zonas Reorganização pelas zonas da Capital (12 distritos), Santos (3) e Campinas (3) e 12 distritos os territórios remanescentes
Anos 10 1916 Maternidade de Campinas Atendia gestantes gratuitamente e também oferecia assistência privada a saúde
Anos 20 Expansão da
cidade
1922 Seção de Assistência Médica da Prefeitura Municipal de Campinas
1924 Sanatório Doutor Candido Ferreira Destinado a pacientes com doenças mentais
Anos 30 intenso
processo de industrialização
1936 – 1992 Casa de Saúde Bierrenbach de Castro Destinado a pacientes com doenças mentais
1933 a 1938 Criação dos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões)
Organizados por categorias profissionais: marítimos, comerciários, bancários e trabalhadores em transportes e cargas
1938 Centros de Saúde e Hospitais Psiquiátricos Vinculados a Secretaria do Estado da Educação e da Saúde Pública (SEESP)
Anos 40 1939 – 1985 Hospital Psiquiátrico Santa Isabel
Atendimento a pacientes com doenças mentais
1943 Hospital Vera Cruz Instituição privada e conveniada
Anos 50
Privado Não houve muitas alterações. Predominavam a prática da medicina privada e individual, principalmente pelos avanços dos hospitais privados aos consultórios conveniados do IAP.
Público Os Serviços de Saúde Pública se limitavam a vacinação, puericultura e controle de moléstias infecto contagiosas, principalmente voltadas à população excluída dos serviços conveniados.
1954 Primeiro Posto de Atendimento Médico funcionava no bairro Taquaral, junto à Igreja Nossa Senhora de Fátima. Era primeiramente do município e depois passa a ser do Estado.
Anos 60
1966 INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) Uniformiza os benefícios dos antigos IAPs
Final Hospital Samaritano Pela criação do convênio a empresa de medicina Samcil e os funcionários das fábricas Pirelli e da Rhodia
Anos 70 1970 Unimed Através do convênio com as empresa Bosch
Fonte: Dados compilados (38,39)
34
Voltando a década de 70, havia uma grande expansão da cidade e falta de estrutura para
comportar tanta gente. Canesqui e Queiroz (1987) colocam que o déficit habitacional fica
melhor caracterizado pela favelização crescente do município que se inicia por volta de 1965 e
cresce consideravelmente a partir da segunda metade dos anos 70, quando da intensificação da
corrente migratória. Enquanto em 1973 apenas 2% da população (6.998 hab.) estavam na
situação favelada. Em 1983 esse índice sobe 9%. Como consequência de um mesmo modo de
produção econômica e social, as condições de saúde em Campinas refletem um quadro geral de
população que vive em condições de saúde precária (40).
O professor Nelson Rodrigues dos Santos nos relata que esse processo migratório e
aumento das cidades geraram uma tensão social de modo que até mesmo para o regime
ditatorial ficou intolerável. Regime esse que se mostrava centralizador e com poucos recursos
para as Prefeituras Municipais. Portanto, esse regime não dispunha de redes pulverizadas para
controlar essa tensão nas periferias e isso se tornou um problema (41).
"Essa tensão social gerada nas periferias, que era uma população que
chegava a arruamentos, em loteamentos irregulares, em assentamentos,
verdadeiros assentamentos irregulares, sem linha de ônibus, sem saúde, sem
educação, sem rede de água e esgoto e pressionavam a Prefeitura sem
recursos para que pudessem estender as redes urbanas de loteamento formal
de água, esgoto e linhas de ônibus e emprego para essa população" (41)
(Nelson Rodrigues dos Santos em entrevista)
35
De forma a ilustrar essa grande expansão e consequente tensão, podemos ver no gráfico
1 abaixo o crescimento da população de Campinas por regiões na década de 70 por em relação
há décadas posteriores:
Fonte: Sumário de dados. População Campinas e região, 1998 (42)
Gráfico 1: Taxa de Crescimento da População segundo Diretorias Regionais
Desse modo, o governo ditatorial vale-se dos governos Estaduais para abrir alguns
convênios com recursos mínimos. O objetivo era haver programas compensatórios de direitos a
essa população. Apesar desse recurso não ser suficiente para resolver os direitos de cidadania
dessa população, ele, por outro lado, diminuía essa tensão social existente (41).
Nesse mesmo período inicia-se o surgimento e articulação, em nível nacional, de
movimentos populares "clandestinos" mais progressistas em defesa dos direitos da população e
contra a ditadura e alguns movimentos de classes de trabalhadores (39; 41). Esses pensadores,
inclusive sanitaristas estavam dispostos a lutar para que os recursos aumentassem e pressionar
mais os orçamentos municipais para que aqueles programas compensatórios se tornassem algo
que abarcassem as necessidades da população (41).
36
Esses intelectuais foram em grande parte influenciados pelos modelos de sistemas de
saúde da Itália, Cuba e Inglaterra e começaram a produzir textos e estratégias para a
possibilidade de uma Reforma Sanitária Brasileira.
Outros sanitaristas, porém, tentava nas periferias urbanas transformar aquele recurso
mínimo dos programas compensatórios em pequenos postinhos de saúde em casas alugadas na
periferia nas quais médicos e dentistas iam uma a duas vezes por semana.
No final dos anos 70, instaura-se pelo regime militar uma crise da previdência social
(recurso recolhido de trabalhadores que iriam retornar a sociedade em benefícios sociais). Os
governantes retiram grande parte dos recursos previdenciários para fazer grandes obras como a
usina de Itaipu e a Transamazônica. Nesse sentido, para cortar custos, o governo foi
pressionado a mudar os convênios com as empresas privadas (hospitais) e "contratar" os
governos estaduais e municipais, já que a tabela de procedimentos era a metade do custo do
privado (Convênio das Ações Integradas em Saúde- 1983).
Como o recurso das Prefeituras era mínimo e escasso, mesmo com essa "metade" do
seria a do privado, foi possível expandir e formar as redes básicas. Desse modo, os municípios
se empoeiraram e assumiram um novo papel perante a população, resgatando responsabilidades
que antes era apenas competência do Estado e a da União. Com isso, houve um reconhecimento
maior da população sobre as políticas e as Prefeituras Municipais ficaram mais próximas da
população e mais sensíveis a sentir as tensões sociais que surgiam (41)
Os serviços da Secretaria Estadual de Saúde (Centros de Saúde) que existiam em
Campinas, cumpriam com as ações de “Saúde Pública” e ofereciam assistência programática a
mulheres, crianças, idosos, pessoas acometidas por doenças infectocontagiosas, principalmente
tuberculose e hanseníase, e pessoas com problemas de saúde mental (38). Os Centros de Saúde
atendiam quem não tinha carteira assinada (com registro empregatício em Carteira de Trabalho
e Previdência Social), que não poderiam ser atendidas pelo complexo INPS / INAMPS.
Esses Centros de Saúde do Estado eram bastante ociosos, onde as demandas geralmente
não apareciam. Havia o Centro de Saúde tipo I (localizado na Avenida Faria Lima) e Centros
de Saúde tipo II. O primeiro tinha especialidades médicas e o tipo II havia somente o médico
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generalista. Havia também um Centro Saúde Escola da PUC, que era ligado aos cursos de
medicina, psicologia e terapia ocupacional (41,43).
Eram os seguintes os serviços da Secretaria de Estado da Saúde no município:
Quadro 4: Serviços da Secretaria de Estado da Saúde em Campinas em meados dos anos 50 e 60
CENTRO DE SAÚDE / BAIRRO ANO DE INÍCIO DE FUNCIONAMENTO
TAQUARAL 1954 BARÃO GERALDO 1954 SANTO ODILA 1957 CENTRO 1960 AURÉLIA 1960 SOUSAS 1960 JOAQUIM EGÍDEO
1960
Fonte: História das unidades de saúde – SMS/PMC- 1999 (CAMPINAS -1999) apud em Rocha (2015) /(38).
O INAMPS tinha serviços próprios e mantinha contratos e convênios com outras
instituições. Dos serviços próprios destaca-se que para a Saúde Mental, somente tinha o serviço
ambulatorial em Psicologia.
Quadro 5: Serviços próprios oferecidos pelo INAMPS em Campinas
Serviços próprios oferecidos pelo INAMPS em Campinas
Ambulatório de Atendimento da Avenida Campos Salles;
Ambulatório de Atendimento da Rua Barão de Jaguara;
Ambulatório de Atendimento da Rua Barreto Leme;
Serviço de Radiologia;
Farmácia;
Serviço de Eletrocardiografia;
Serviço de Psicologia;
Serviço de Audiologia;
Laboratório de Análises Clínicas e;
Serviço de Fisioterapia
Fonte: História das unidades de saúde – SMS/PMC- 1999 (CAMPINAS -1999) apud em Rocha
(2015) / (38)
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Em Campinas, os movimentos populares se fazem presentes na luta pela assistência a
saúde principalmente pela atuação das comunidades eclesiais de base, determinado grupo de
técnicos de saúde e de um movimento do Departamento de Medicina Preventiva e Social da
Unicamp. Como reflexo dessa luta surge: os Postos de Saúde (44).
Inicia-se então um modelo (serviços da saúde sob gestão municipal) que já apontava
para o que seria o futuro da Saúde pública brasileira. Ali houve uma instalação de uma rede de
unidades básicas de saúde. Em um primeiro momento, foram improvisados serviços de Saúde,
criando atendimentos volantes, e, depois, pequenos pontos de atendimento, que viriam a ser os
embriões dos atuais postos de Saúde, formato que permitiu Sebastião de Moraes ampliar a
capacidade do acesso da população aos serviços.
Esse reconhecimento da população diante dos postinhos municipais acabou criando
condições para que os Centros de Saúde do Estado (que eram ociosos) se municipalizassem.
"A descentralização para os municípios na saúde significou
aproximar as decisões de governo d