Post on 09-Aug-2015
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Os rios e a paisagem da cidade sustentável.
Autores
Pérola Felipette Brocaneli1
Mariana Voss Rossini2
Samira Rodrigues3
Resumo
São Paulo desenvolveu-se sobre as áreas inundáveis, e conseqüentemente, sempre
existiram problemas com as enchentes todos os anos. Ao consultar legislações sobre áreas
de preservação permanente, verificou-se que existem leis prevendo o afastamento mínimo
dos cursos d’água desde 1867. Ainda sim, a legislação não foi cumprida e a ocupação não
foi fiscalizada e devidamente punida. Como resultado, as inúmeras enchentes agravam-se a
cada ano. O governo recentemente adotou reservatórios pluviais como solução para conter
as cheias. Os chamados “piscinões” são construídos a céu aberto, onde o excedente das
cheias é armazenado e posteriormente devolvido ao rio. No entanto, a qualidade das águas
e a forma como tais reservatórios são feitos, compromete a preservação das várzeas e
degrada entorno de onde são implantados. Por que não adotar soluções viáveis que, além
de restaurar a qualidade das margens, são sustentáveis e potencializariam tais regiões ao
invés de degradá-las?
Palavras-chave
Legislação ambiental, rios, piscinões, sustentabilidade, paisagem
A cidade de São Paulo desenvolveu-se sobre as várzeas, retificando e canalizando seus
cursos d água, desenvolvendo-se sobre as áreas inundáveis da cidade. Políticas públicas
destinadas ao saneamento das cidades proporcionaram meios de redesenhar o leito natural
dos rios e córregos, transformando-os em canais retificados ou canalizados, além de
viabilizar que o sistema viário se estruture sobre os rios canalizados ou as margens dos
canais retificados.
1BROCANELI, Pérola Felipette. Arquiteta graduada na FAU_MACKENZIE / 1993, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela
FAU_MACKENZIE / 1998 e, Doutora em Arquitetura e Urbanismo _ área de Paisagem e Ambiente pela FAU_USP / 2007.
2 ROSSINI, Mariana Voss. Estudante do 10° semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU_MACKENZIE.
3 RODRIGUES, Samira. Estudante do 9° semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU_MACKENZIE.
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Sobre as áreas de preservação permanente APP, segue-se abaixo em ordem cronológica o
tabelamento das principais alterações encontradas, no tocante a sua regulamentação.
Figura 1: Tabela de legislação ambiental de interesse desta pesquisa.
Lei n. 1507
26 de setembro de 1867.
Fixa a despesa e orça a receita geral do Império para os
exercícios de 1887 - 68 e 1868 - 69, e dá outras providencias,
Imperador Dom Pedro Segundo.
Decreto no 23.793
23 de janeiro de 1934 Aprova o código florestal, presidente Getulio Vargas.
LEI N° 4.771
15 de setembro de 1965
Institui o Novo Código Florestal, presidente Humberto de
Alencar Castelo Branco.
Lei n° 6.535
15 de junho/julho4 de 1978
Acrescenta dispositivo ao Artigo 2° da Lei n° 4.771, de 15 de
Setembro de 1965, presidente Ernesto Geisel
Resolução CONAMA Nº
004/1985
"Dispõe sobre definições e conceitos sobre Reservas
Ecológicas" - Data da legislação: 18/09/1985, Status: Revogada
Lei 7.511, de 7 de julho de 1986 Altera dispositivos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965,
presidente José Sarney de Araújo Costa
Lei Federal N° 7.803, de 15 de
agosto de 1989
Altera a redação da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965, e
revoga as Leis n° 6.535, de 15 de julho de 1978 e 7.511, de 7 de
julho de 1986, presidente José Sarney de Araújo Costa.
Resolução CONAMA
Nº 010/1993
"Estabelece os parâmetros básicos para análise dos estágios de
sucessão de Mata Atlântica" - Data da legislação: 01/10/1993
Resolução CONAMA
Nº 237/1997
"Regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental
estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente" - Data da
legislação: 22/12/1997
DECRETO ESTADUAL Nº
42.837, 03 DE FEVEREIRO DE
1998
Regulamenta a Lei nº 5.598, de 6 de fevereiro de 1987, que
declara área de proteção ambiental regiões urbanas e rurais ao
longo do curso do Rio Tietê, nos Municípios de Salesópolis,
Biritiba Mirim, Mogi das Cruzes, Suzano, Poá, Itaquaquecetuba,
Guarulhos, São Paulo, Osasco, Barueri, Carapicuíba e Santana
do Parnaíba, revoga o Decreto nº 37.619, de 6 de outubro de
4 Foi encontrado no texto da lei 6535, claro equivoco no mês de publicação.
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1993, e dá providências correlatas. Governador Mario Covas.
Resolução CONAMA
Nº 303/2002
"Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente" - Data da legislação: 20/03/2002
Resolução CONAMA
Nº 302/2002
"Dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente de reservatórios artificiais e o regime
de uso do entorno" - Data da legislação: 20/03/2002
Resolução CONAMA
Nº 369/2006
"Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública,
interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a
intervenção ou supressão de vegetação em Área de
Preservação Permanente-APP" - Data da legislação:
28/03/2006.
Fontes: http://www.lei.adv.br e http://www.planalto.gov.br/ccivil e www.mma.gov.br/port/conama
Como se pode observar no trecho abaixo citado, a discussão sobre a faixa de preservação
ao longo dos rios e córregos é discutida já na Lei n. 1507 /1867, 5 como citado abaixo.
Art. 39. Fica reservada para a servidão publica nas margens dos rios navegaveis e de que se fazem os navegaveis, fóra do alcance das marés, salvas as concessões legitimas feitas até a data da publicação da presente lei, a zona de sete braças contadas do ponto médio das enchentes ordinarias para o interior, e o Governo autorisado para concedêl-a em lotes razoaveis na fórma das disposições sobre os terrenos de marinha.” (Lei n. 1507 / 1867)
Como se pode constatar, as legislações seguintes não obedeceram aos princípios de
preservação estabelecidos em 1867, pois a legislação do Código Florestal (LEI 4771/65 -
Institui o novo Código Florestal, alterada pelas Leis 7803 e 7875/89), que estabelece entre
outra matérias as APPs - Áreas de Proteção Permanente, existem faixas non aedificandi em
cursos d’água que são estabelecidas de acordo o tamanho do leito, como está definido no
Art. 2º (citado abaixo) e em desacordo com o art. 39 da Lei n. 1507 /1867 (citado acima).
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
5 A primeira redação para preservação dos rios é editada 67 anos antes da publicação primeiro Código
Florestal Brasileiro em 1934 e, 98 anos antes do Código Florestal elaborado em 1965, que com
alterações e complementações está vigente até hoje. Vale ressaltar que Considerando-se uma braça 2,2
metros, o afastamento do ponto médio das enchentes seria de 15,4 metros para o interior, como ilustrado na figura 02, estes
15,4 metros deveriam iniciar-se no ponto dois e, seguir em direção ao interior.
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1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) as bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)”
O desenvolvimento da cidade de São Paulo, também não obedeceu ao Código Florestal Lei
4771/65, pois vários foram os projetos de retificação e canalização de rios e córregos na
cidade de São Paulo que não respeitaram as áreas de preservação permanentes dos cursos
d’água descritas desde 1867 em “sete braças contadas do ponto médio das enchentes
ordinárias para o interior”, construindo rios retificados e avenidas de fundo de vale.
Figura 02: Avenidas de fundo de vale que constam nos planos e foram construídas entre 1980 e 2000. Fonte: MEYER et al: 2004, pág. 89. Também disponível em <http://lume.fau.usp.br>, visitado em 20/04/2007
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Figura 3: Zoneamento de várzeas.
Legenda
Zona
1 Leito menor, área de escoamento rápido – deve ser totalmente desimpedida
Zona
2
Leito maior – área de inundação com significativa parcela da vazão - área de alta
restrição (parques e construções adequadas)
Zona
3
área de inundação com águas praticamente paradas – construções à prova de
inundações
áreas seguras (para T = 100 anos p.ex.) - controle de erosão – reservatórios de
controle de cheias – áreas de infiltração
Nível d’água para o leito maior do rio
Vegetação no solo úmido
Vegetação no solo seco
Lençol freático
Linha do lençol freático
Fonte: BROCANELI adaptado de STUERMER, 2008.
Atualmente, há muitos conflitos e divergências na interpretação da legislação ambiental
brasileira, quando o assunto é afastamento de rios e córregos, de forma que Machado e
Loch (2006), ao estudarem o assunto elaboram o quadro 01.
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Figura 4: Áreas de preservação permanente junto aos rios, aos lagos e às nascentes segundo o código florestal e as resoluções 302/2002 e 303/2002 do CONAMA.
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE JUNTO AOS RIOS, AOS LAGOS E ÀS NASCENTES SEGUNDO
O CÓDIGO FLORESTAL E AS RESOLUÇÕES 302 E 303/2003 DO CONAMA
LARGURA DO CURSO D’ÁGUA LARGURA MÍNIMA DA FAIXA DE PRESERVAÇÃO
MENOS DE 10 METROS 30 METROS
DE 10 A 50 METROS 50 METROS
DE 50 A 200 METROS 100 METROS
DE 200 A 600 METROS 200 METROS
DE MAIS DE 600 METROS 500 METROS
LAGO OU RESERV. URBANO 30 METROS AO REDOR DO ESPELHO
LAGO OU RESERV. RURAL < 20 Ha 50 METROS AO REDOR DO ESPELHO
LAGO OU RESERV. RURAL > 20 Ha 100 METROS AO REDOR DO ESPELHO
REPRESA HIDRELÉTRICA 100 METROS AO REDOR DO ESPELHO
NASCENTE OU OLHO D’ÁGUA RAIO DE 50 METROS
Fonte: MACHADO, S. D. ; LOCH,C., 2006
Foi colocado na tabela acima somente a largura da faixa de preservação junto aos elementos hídricos,sem a expressão “em cada margem”, porque em nenhum momento o Código Florestal traz esta expressão. Em seu artigo 2º, o referido código nos traz: “em sua faixa marginal, cuja largura mínima será...”. Uma faixa pode compreender a soma dos afastamentos das duas margens, e que , tomando-se o exemplo mínimo, 15 mais 15 seriam 30 metros. Isso estaria em pleno consenso com a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, Lei 6766/79, que impõe uma faixa “non aedificandi” de 15 metros, porém especifica que é “de cada lado” do curso d’água. Deve-se lembrar ainda que a Lei 6766/79 sofreu alterações através da Lei 9.785/99, portanto, posterior às alterações do Código Florestal, mas a faixa de 15 metros não
foi alterada. (MACHADO, S. D. ; LOCH,C., 2006)
Deve-se salientar que o Decreto Estadual Nº 42.837/98, preserva e reserva áreas a fim de
proteger o cinturão meândrico do rio Tietê, definindo:
no artigo 21, define as características da zona do cinturão meândrico, apenas para o rio
Tietê;
Art. 21 - A zona de cinturão meândrico compreende a parte da faixa de terreno da planície aluvial do Rio Tietê, constituída geralmente por solos hidromórficos não-consolidados, sujeitos a inundações freqüentes por transbordamento do canal fluvial, podendo apresentar, em alguns trechos, áreas de solos mais consolidados e
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ligeiramente elevados em relação ao conjunto. Parágrafo único - A zona de cinturão meândrico tem por finalidade o controle das enchentes, considerando-se suas características geomorfológicas, hidrológicas e sua função ambiental.
no artigo 22, regulamento o uso adequado do cinturão meândrico, no “§ 4° - Podem ser
realizadas obras, empreendimentos e atividades de utilidade pública ou interesse social,
desde que obedecido ao disposto no parágrafo único do artigo 21.” Apresenta a exceção
que colabora para a construção de piscinões, justificando atender a situações de
emergência ou de risco, mesmo que estas ações sejam incompatíveis com as diretrizes de
preservação.
Deve-se observar, com ênfase, que se a Lei 1507/1867 tivesse sido atendida para todos os
rios e córregos e o poder público adotado os critérios de concessão dos chamados “terrenos
reservados” 6, seguindo usos compatíveis com os possíveis alagamentos, estariam
contemplados e protegidos todos os cinturões meândricos dos corpos hídricos.
Figura 5: Interpretação da Lei 1501 / 1867, com base no zoneamento de várzeas de STUERMER,
2008.
Representação gráfica do “a zona de sete braças* contadas do ponto médio das
enchentes ordinárias para o interior”, descritos na Lei 1.507/1867, por
BROCANELI.
* sete braças equivalem a 15,4 metros.
Representação gráfica dos “terrenos reservados” (NUNES, 1967) sobre os quais
“o Governo autorisado para concedêl-a em lotes razoaveis na fórma das
6 Terrenos reservados são aqueles fronteiriços ao ponto médio das cheias, que estendem até o limite da planície de inundação,
segundo NUNES, 1976.
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disposições sobre os terrenos de marinha”, conforme descrito na Lei 1.507/1867.
Interpretação gráfica de BROCANELI para a preservação dos rios descrita na Lei
1.507 / 1867 , que segundo BROCANELI, ROSSINI e RODRIGUES coincide com
a descrição do cinturão meândrico definido para o rio Tietê no Decreto Estadual
Nº 42.837/98
Fonte: BROCANELI completando STUERMER, 2008.
Ainda segundo Machado e Loch (2006) o simples fato de termos uma faixa de 30, 50, 100,
200 ou 500 metros não quer dizer que tenhamos preservação, pois pode-se ter invasões de
assentamentos informais, gerando desmatamento e poluição, considerados pelos autores,
como algo muito pior do que o estreitamento da faixa de preservação, de forma ordenada.
Mas devemos salientar que a invasão das áreas de preservação de várzea é um problema
não só ambiental, mas também social e econômico e, portanto não é solução para este
problema diminuir as áreas de preservação permanente.
A manutenção das áreas inundáveis é antes de tudo uma preocupação social e econômica,
afinal, os danos e prejuízos das enchentes são para todo o tecido urbano e todos aqueles
que se relacionam com a cidade.
É necessário que nos atenhamos ao “espírito da lei”, que é preservar a boa qualidade das
águas para o abastecimento das populações, sendo assim a legislação ambiental deve ser
cumprida, posto que é legislação.
Considerando o contexto ambiental mundial, divulgado em fevereiro de 2007, a questão
ambiental passou a ser debatida em todos os meios de comunicação, mas a interpretação
dos dados parece que depende de cada um e, ocorre de maneira diferenciada em cada
profissão.
Para que as mudanças ambientais mundiais necessárias a sobrevivência da humanidade,
em razoáveis condições de qualidade de vida, é necessário que em todas as áreas do
conhecimento desenvolva-se a consciência de um limite à urbanização e da necessidade de
manter as diversas questões ecossistemas em equilíbrio
Muitos acreditam que nas áreas urbanas não há mais como respeita ou aplicar o Código
Florestal, mas ações que possam corrigir ambientalmente o ambiente urbano são possíveis
quando o “valor” atribuído ao ambiente é maior que aquele atribuído aos índices de uso e
ocupação do solo incompatíveis com as fragilidades do território.
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São Paulo, durante o período em que se modernizou, pode-se constatar que as
preocupações ambientais giravam em torno das questões sanitárias, com enfoque no
afastamento dos efluentes, vide as avenidas de fundo de vale e as ainda atuais propostas
de piscinões.
As enchentes são conseqüência da falta de planejamento ambiental e preservação das
áreas frágeis gerando grandes conseqüências para toda a cidade, no entanto a construção
de piscinões não resolve a questão da macro-drenagem da cidade e, mesmo que a resolva
parcialmente não resolve questões como: lazer, qualidade de vida, umidificação e
refrigeração do espaço urbano, além de produzir uma paisagem que torna inacessível ao
cidadão, um espaço que a principio é público impede o uso do rio como espaço público.
Os piscinões ao serem instalados na cidade exigem mudanças no entorno imediato e
constroem uma paisagem indesejada pela comunidade local, mesmo assim são construídos.
Um parque linear também é uma maneira de trabalhar a macrodrenagem e construir a
paisagem da cidade respeitando a paisagem natural do local, além de possibilitar trabalho,
lazer, refrigeração e umidificação para o entorno.
Desta forma, fica a questão: pode-se alterar o entorno (consolidado) para a implantação de
um piscinão,mas não se pode interferir na área consolidada para restaurar as condições
mínimas de drenagem e proteção das áreas frágeis das várzeas, com a restauração dos
corredores biológicos natos ao local.
Estudo de um caso: Piscinão Rincão (RRI_1 e RRI_2)
O controle das cheias dos rios que cortam a cidade sempre foi foco de intervenções urbanas
e, inclusive, tema de Premiação de Urbanismo como o Prêmio Prestes Maia de 1998.
A vencedora _ Hidrostudio Engenharia, que apresentou a construção de piscinões como
proposta de solução da macrodrenagem da Bacia do Aricanduva. Em 2000, a mesma
empresa elabora para o DAEE um Plano Diretor de Macrodenagem da Sub-Bacia do Alto-
Tietê, cujas intervenções com alguns piscinões, foram previstas para a Etapa de
Implantação.
Para a Bacia do Aricanduva, em 1998, foram previstos 8 piscinões, e até 2008 já foram
implantados 9 reservatórios.
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Figura 6: Localização dos piscinões da Bacia do Aricanduva. Samira Rodrigues, 2008. Base: Google Earth.
Passados dez anos e com grande parte das obras para o controle da macrodrenagem da
Bacia do Aricanduva concluídas, a solução proposta e premiada mostrou ser ineficaz e
incompleta, além de produzir uma paisagem descaracterizada e sem qualquer qualidade
estética.
Todos os reservatórios são intervenções em área urbana consolidada. Os piscinões são
implantados em toda a grande São Paulo em caráter emergencial (há mais de uma década)
parecem ser a solução perfeita para a questão das enchentes e drenagem. Mas, na
realidade, não são soluções para as enchentes, pois se não forem desassoreados e
saneados constante e corretamente, perdem eficiência de desempenho e são
urbanisticamente um desastre:
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são grandes áreas que criam grandes barreiras urbanas de difícil transposição;
com a péssima qualidade da água e grande quantidade de resíduos sólidos que vão para os
reservatórios, assemelham-se a esgotos a céu aberto quando cheios – cujo esvaziamento e
processo de limpeza são lentos;
a contaminação do solo pela água impossibilita o uso voltado para o lazer quando vazios;
Constantemente são previstas novas áreas de piscinões, pois a política de uso e ocupação
do solo não está baseada em diretrizes ambientais que considerem as questões de
macrodrenagem das águas superficiais ou a preservação dos solos frágeis.
E tanto isto é verdade, que o CONAMA editou a resolução nº 369, de 28 de março de 2006,
que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo
impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de
Preservação Permanente.(MACHADO, S. D. ; LOCH,C., 2006)
O piscinão afasta as pessoas e os parques lineares as atraem, então qual a lógica de
implantar-se um piscinão?
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Figura 7: Localização da área do piscinão rincão (RRI-1 e RRI-2) Fonte: DAEE
A implantação destes piscinões no Córrego Rincão, explicita os prejuízos e vantagens de
um reservatório na vizinhança, como seguem informações.
A área em questão está localizada entre as estações Penha e Vila Matilde do Metrô. Possui
aproximadamente cem mil metros quadrados e é de propriedade pública. A retificação do
córrego foi feita entre as décadas de 70 e 80 quando a linha leste-oeste do metrô foi
implantada.
Após as obras do Metrô a área permaneceu desocupada, um matagal abandonado
eventualmente cortado para receber espetáculos circenses.
A falta de espaços de lazer e prática de esportes na região fez com que a população do
entorno se mobilizasse através das associações de bairro e conseguisse a concessão de
uso do espaço para atividades de lazer.
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Figura 8: Sobreposição do traçado do rio natural e atual, além da localização do “piscinão Rincão”. Imagem elaborada por RODRIGUES, 2008. Bases: Google Earth; Sara Brasil _ 1930 e Gegran_1974.
Aos poucos foram instalados, pela comunidade, 3 campos oficiais de futebol, com vestiários,
quadra poliesportiva para futebol society, quadra poliesportiva para voleibol, quadra de
futebol de areia, quadra de futevôlei e voleibol de areia, quadra coberta de malha, quadra
coberta de bocha, pista de bicicross, pista de cooper, playground, lanchonete com área
coberta, instalações sanitárias, área coberta com mesas para jogos.
O local de lazer, batizado “Parque do Rincão”, passou a ser freqüentado por cerca de 1.500
pessoas diariamente, além de ser usado para aulas de educação-física e lazer das escolas
e creches mais próximas.
No entanto, no início do ano de 2002, devido às recorrentes enchentes do Córrego
Aricanduva a prefeitura autorizou, em caráter emergencial, a construção dos dois
reservatórios previstos no Relatório de Macrodrenagem – ocupando praticamente toda a
área do Parque.
A população, revoltada e diante da possibilidade de perder o espaço de lazer, mobilizou-se
na tentativa de impedir que o piscinão fosse construído. As associações se uniram em um
Comitê que elaborou um Relatório, enviado à SIURB, contestando a necessidade das obras.
Apesar das mobilizações contra o projeto do piscinão Rincão, este foi executado, e o projeto
dos equipamentos de lazer previstos, após as pressões populares, não foi executado.
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O plano regional estratégico da Subprefeitura da Penha, mesmo após a construção do
piscinão, em suas diretrizes para a rede estrutural hídrica e ambiental prevê para o local um
Caminho Verde – Quadro 1 da lei 13.885/04, algo que valida a necessidade de prever outras
formas de trabalhar a paisagem e a macro drenagem da cidade.
Figura 9: Análise da área, com base em foto aérea de RODRIGUES, 2008. Base: Google Earth.
Com base no quadro de custos abaixo, é visível que o orçamento para a implantação de
piscinões é bastante equivalente a construção de parques lineares, o que demonstra que a
cidade tem algumas diretrizes ambientais e que, se implantadas atenderiam ao Código
Florestal.
Reflexões finais
Qual a cidade do futuro que se pretende construir, premiando a construção de piscinões?
Apesar do aspecto insalubre e do mau cheiro, cerca de mil pessoas continuam a utilizar o
local para caminhadas diariamente, e os 10 times de futebol de várzea revezam um campo
de futebol que foi improvisado nas proximidades do Metrô Penha.
A interpretação dada pelos técnicos que elaboram, contratam e aprovam piscinões
desconsidera a necessidade de preservação das áreas de preservação permanente. A
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preservação das APP’s são o “espírito da lei” do Código Florestal e também da Lei 1.507 /
1867.
Os projetos ditos emergenciais estão sendo reproduzidos na cidade há mais de uma
década, degradando o entorno da área em que são implantados, o que repercute na
sociedade e na economia do local, sobretudo na dinâmica imobiliária da região.
Ao invés de se implantar projetos como este, a área poderia ser valorizada com a criação de
Parque(s) Linear(es), que permitiria a revitalização dos córregos e a preservação das áreas
inundáveis, com a valorização da paisagem natural de forma agradável. Os parques lineares
também são obras de macro drenagem, pois diminuiriam a vazão e a velocidade das cheias,
diminuiriam o transbordamento a jusante, recuperariam a mata ciliar destinada a filtrar a
carga difusa nas águas superficiais. Desta forma, os parque lineares também colaborariam
para a recuperação e melhoria da qualidade das águas, para o equilíbrio do micro clima da
região, para a qualidade de vida das pessoas, valorizando a área junto ao mercado
imobiliário, uma vez que, no caso do Rincão, a proximidade ao metrô poderia transformar o
Parque Linear num pólo de desenvolvimento para o bairro.
É evidente que a qualidade da água que chega ao local ainda seria um problema, mas este
é um problema a ser resolvido com outras ações que independem da implantação de um
piscinão.
Bibliografia
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2002.
______________ Resolução Nº303/02. Brasília, 2002
______________ Resolução Nº302/02. Brasília, 2002
______________ Resolução Nº237/97. Brasília, 2002
______________ Resolução Nº010/93. Brasília, 1993
______________ Resolução Nº 004/85. Brasília, 1985
16
MACHADO, S. D. e LOCH, C. Análise da Ocupação das Margens de Rios, Córregos e
Canais de Drenagem: Reflexos da Aplicação do Código Florestal e Resoluções do
Conama em Área Urbana. COBRAC 2006 - Congresso Brasileiro de Cadastro Técnico
Multifinalitário · UFSC Florianópolis · 15 a 19 de Outubro 2006
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Acesso em 20/09/2008.