Supersaurs – The Raptors of Paradise Texto: Jay Jay Burridge · pequena cidade atrás da...

Post on 01-Dec-2020

2 views 0 download

Transcript of Supersaurs – The Raptors of Paradise Texto: Jay Jay Burridge · pequena cidade atrás da...

FICHA TÉCNICA

Título original: Supersaurs – The Raptors of ParadiseTexto: Jay Jay BurridgeTexto e ilustrações © Supersaurs Limited, 2017Edição original publicada em língua inglesa por Supersaurs, uma chancela de Bonnier Zaffre, LondonOs direitos morais do autor e ilustrador estão certificadosSupersaurs app © Supersaurs Limited, 2017Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2017Tradução: Carlos Grifo BaboRevisão: Ana Albuquerque/Editorial PresençaIlustrações: Chris West & Jay Jay BurridgeComposição: A. Sena Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.Depósito legal n.º 431708/171.ª edição, Lisboa, novembro, 2017

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) àEDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730-132 Barcarenainfo@presenca.ptwww.presenca.pt

Descobre mais sobre o mundo dos supersauros em www.supersaurs.com

1

Chegada de Barco− depois de ter feito nada, de nada –

Koto Baru, Wokan, Ilhas de Aru, Província das Molucas da Indonésia Oriental, 1932

Beatrice Kingsley acordou de sobressalto num emaranhado de cordas e lona velha. Os motores do Orca tinham mudado de tom, o que significava que o pequeno mas muito carre-

gado vapor estava a reduzir o andamento, o que significava… terra! Endireitou-se vivamente, esfregando a cara e piscando os olhos a livrar-se do sono, ao mesmo tempo que espreitava para fora para a noite sem luar. Tudo estava mergulhado na escuridão, à exce-ção das estrelas lá em cima e das luzes de bordo do Orca, mas o inconfundível cheiro quente e húmido da floresta, vindo da ilha cada vez mais próxima, enchia-lhe as narinas. Era embriagante.

− Bea, estás acordada? – soou um chamado trovejante vindo da casa do leme.

− Estou sim, capitão! – e a rapariga pulou descalça pelas esca-das acima, até junto do Capitão Woods, de pé e iluminado pela luz ténue da sua mesa de navegação.

− Pois, calculei que estivesses. Dá uma ajuda, sim? – e apontou para um longo rolo de corda grossa. – Vou atracar, mas preciso

11

que saltes para o cais – não caias à água – e ates a outra ponta a qualquer coisa sólida.

O Orca aproximou-se lentamente do velho e frágil cais. Uma lanterna pendia preguiçosamente fora da amurada do barco, mas o negrume da noite ia dando gradualmente lugar à luz acinzen-tada que banha todas as coisas antes do amanhecer. Bea foi tão longe quanto possível, com um pé assente na amurada, pronta a saltar.

− Eu daqui não vejo grande coisa, Bea. Tens de me guiar.− Mantenha o rumo, Comandante, estamos quase lá – res-

pondeu Bea. – Vou saltar aos três… dois… − Deixou-se cair sem ruído nas tábuas, de corda na mão, e enrolou-a em volta de um poste, mantendo-a tensa enquanto o barco acostava suavemente. Finalmente, tinham chegado.

− Ótimo trabalho, Bea. Faz-me aí um nó lais de guia e, quando estiveres despachada, lanço-te o cabo da popa.

Daí a dois minutos, com o Orca amarrado em segurança, Bea limpou as mãos à saia de algodão axadrezada e voltou-se para olhar para lá do cais. Era um alívio estar em terra firme. Mal conse-guira suportar os dois dias e duas noites que passara confinada ao pequeno espaço do Orca, vindo de Papua, mas agora estava ansiosa por explorar. Queria aproveitar ao máximo o tempo fora do barco. Ainda só tinham chegado a meio da viagem e teriam de repetir tudo para chegarem a casa, em Inglaterra.

− Nada mau para um marinheiro de água doce. És muito melhor do que os madraços da minha tripulação. – E o Comandante Woods estendeu a mão para a ajudar a voltar a bordo.

12

− Quer que eu acorde toda a gente e lhes diga que estamos aqui? – perguntou Bea.

− Deixa-os lá dormir o seu sono de beleza. Durante um bom bocado não se passará nada. A verdade é que também eu vou recu-perar umas ressonadelas que tenho em atraso, e sugiro que faças o mesmo.

Num único movimento fluido, o comandante lançou-se para a sua cama suspensa e depois inclinou o chapéu até tapar a cara. Tal como dissera, daí a pouco estava a dormir.

Mas Bea estava acordadíssima e achou melhor fazer alguma coisa útil. As malas dela, juntamente com as da avó e as do Theodore, tinham sido as últimas a entrar a bordo, de modo que tinham de ser as primeiras a sair. Assim sendo, deitou-se ao tra-balho. A bagagem dela era simples e leve. Uma mala pequena com algumas mudas de roupa simples, mais o fato de montar e as botas para o caso de surgir a oportunidade de, ao menos uma vez, fazer o que queria e encontrar alguém com um alossauro que ela pudesse montar. Para sua grande satisfação, Bea tramara, logo no início da viagem, a perda de uma segunda mala, muito maior, que vinha atafulhada de belas toaletes e vestidos de cerimónia. A avó, Bunty, obrigara-a a emalá-los, mas eram demasiado tolos para usar quando corresse ou montasse.

Bea era ótima em Biologia, Ciências e Artes Visuais, e a avó pro-movera-a a ilustradora e relatora oficial do que sucedesse naquela viagem. As inclinações de Bea não eram de admirar, dado que cres-cera com os olhos sempre postos na biblioteca do pai, cujos livros continham todo o tipo de informação, diagramas e ilustrações.

13

Os amigos, muitas vezes, gozavam-na pelo seu desinteresse no que dizia respeito a novelas na moda ou mexericos da escola. Bea optava sempre por ser unicamente fornecedora de informações concretas. Na pasta da escola, trazia as ferramentas da sua atividade: um caderno de apontamentos; um grande caderno de esboços já com muitos desenhos coloridos; e a sua bolsa dos lápis já muito usada, com um buraco a precisar de ser urgentemente cosido. Havia tam-bém um rolo de cordel, com marcações prévias para eventuais medições, e cola para o caso de ser necessário afixar alguma coisa. Finalmente, havia uma caixa de metal, contendo pincéis e tintas de aguarela, para dar vida aos desenhos que fizesse.

A avó de Bea, Bunty, via o emalar com outros olhos. Cada uma das suas três malas de viagem era suficientemente grande para se caber lá dentro, e continha o mais incrível conjunto de espartilhos, saiotes e chapéus que se possa imaginar. Ao que parecia, aquilo era considerado «viajar com pouco peso», mas, como era muitas vezes lembrado a Bea, «nunca se sabe o que pode vir a acontecer». A ava-liar pelo simples peso das malas, Bunty esperava que acontecesse tudo e mais alguma coisa, incluindo o fim do mundo. E ela queria ter o chapéu certo para usar na ocasião.

Bunty Brownlee, juntamente com o marido, o falecido Sidney Brownlee, tinha construído na América, com grande êxito, uma quinta para criação de sáurios. Quando Sidney morreu, Bunty regressara a Inglaterra para tomar conta das suas antigas pro-priedades em Oxfordshire, depois de ter transformado a quinta que tinham no Quénia numa empresa de safáris, onde as pessoas podiam observar os últimos tiranossauros gigantes em liberdade.

14

Estava muito habituada a climas quentes e a trabalhar ao lado dos homens, mas não achava que isso fosse desculpa para deitar a per-der as boas maneiras.

Por fim, vinha o equipamento de Theodore Logan, um velho e maltratado saco do exército que continha toda a sua vida. Se Theodore lá trouxesse uma muda de roupa, a nova indumentária seria igual à que ele sempre usava. O certo é que ele não parecia ter adquirido muita roupa desde que Bea o conhecia. Era muito pro-vável que dormisse com o seu chapéu de cowboy posto.

Os artigos mais importantes para Theodore eram a faca, o chapéu e a arma – por essa ordem −, seguidos por toda a espé-cie de equipamento de sobrevivência e primeiros socorros. Tinha combatido na Primeira Grande Guerra e, durante esse tempo, aprendera algumas lições particularmente duras, levando o lema de Bunty «nunca se sabe o que pode vir a acontecer» a todo um novo nível de preparação. Theodore tinha trabalhado para Bunty e Sidney desde que o encontraram, um jovem e escanzelado pas-sageiro clandestino, trocando a dura e cinzenta vida nas docas de Londres pela promessa de um novo mundo – a América. Agora, mais cowboy londrino do que rapaz da rua, Theodore era uma presença sólida e de confiança junto das duas mulheres da sua vida.

Bea encontrou um carrinho de compras meio estragado num lado do cais para empilhar as bagagens e empoleirou-se em cima destas, balançando os pés e vendo nascer o dia. De início, a pri-meira luz desenhou a silhueta da ilha na outra ponta do cais e depois, quando o sol se ergueu enfim acima do horizonte baixo,

15

mergulharam Bea e o Orca num lago de ouro derretido que se foi estendendo pelas tábuas, uma de cada vez, e depois sobre a pequena cidade atrás da rapariga.

Dois tripulantes saíram do porão, espreguiçando-se e boce-jando. Passaram em bicos de pés pelo comandante que ressonava e serviram-se do café que Bea fizera, agradecendo com uma incli-nação de cabeça a bebida quente, o porto sossegado e o patrão adormecido. Mas tudo o que é bom acaba depressa e, quando o Comandante Woods se levantou tão depressa que até caiu da rede soltando um grito, Bea percebeu que Bunty vinha a chegar ao convés.

− Bom dia, Comandante. O que está a fazer deitado debaixo da rede? Ah, Beatrice, minha querida, cá estás tu! Sê uma boa menina e vai arranjar um carregador.

− Não me parece que este seja esse género de porto, avó – retorquiu Bea, apontando para o cais vazio,

enquanto o jovem moço de bordo entregava uma chávena de café a Bunty e se escapava rapidamente da frente dela.

− Claro que é. Todos os portos têm carregadores, a questão está só em dares atenção ao problema. E tinha-te custado muito dar uma ajuda? – conti-nuou Bunty. – Podias muito bem teres

tu feito este café, em vez de estares para aí sentada a tomar conta das nossas malas. Pelo menos, a tripulação tem estado ativa.

16

Bea ainda abriu a boca para dizer alguma coisa contra aquela injustiça, mas depois voltou a fechá-la, achando que era melhor não levantar problemas – pelo menos logo no princípio do dia. Em vez disso, puxou de mau modo do bloco e escreveu: «1 – NUNCA tornar a fazer café para toda a gente.»

Theodore Logan curvou-se cuidadosamente ao passar a porta da cabina. Sem dúvida de que o Orca fora construído para gente mais baixa. Fez um aceno de chapéu para Bunty e deixou que o nariz o guiasse até à cafeteira do café.

− Pelo cheiro, este parece que foi feito a meu gosto. Parece que vocês, rapazes, estão finalmente a apanhar o jeito de um café como deve ser. – Apertou a mão ao comandante. – Wilbur, obri-gado pela viagem, companheiro. Agora vamos deixar-te em paz. Devemos estar prontos para partir de novo daqui a alguns dias, como combinado.

As pessoas gostavam instintivamente de Theodore Logan, e o Comandante Woods não era exceção. Durante as últimas noites, tinham partilhado um copinho ou dois do apreciado whiskey sin-gle malt de Theodore, o comandante apresentara algumas valentes garrafas de rum e esta combinação levara a uma muito bem-hu-morada competição de antigas histórias e cicatrizes. Mas, no que a Bea dizia respeito, ela e Bunty tinham passado a viagem a fazer uma data de nada.

Theodore apressou-se a ajudar Bunty a descer do barco para o cais, afastando com um aceno o franzino moço de bordo.

− Agora, encarrego-me eu das coisas. Já fizeste que chegasse, aquelas malas são mais pesadas do que parecem, hã? Bea, toma

17

conta da Bunty enquanto eu vou ver se arranjo um carregador, está bem? – E, dito isto, Theodore afastou-se com passos decididos.

Ao olhar o porto deserto, Bea não pôde deixar de pensar que aquela chegada à ilha de Aru, destino final da épica estirada que fora aquela viagem, era a maior desilusão com que alguma vez se deparara. As suas férias de verão deviam ser passadas a divertir-se com as amigas no campo luxuriante de Oxfordshire e a cavalgar o seu adorado alossauro, o Ferrugem. Não a ser arrastada através de meio mundo até às Ilhas das Especiarias, as Molucas, viajando em muitos, muitos comboios, aviões e automóveis diferentes, e final-mente no Orca, um cargueiro desconfortável e mal cheiroso. Mas ali estavam. A avó a precisar como sempre de ajuda para sair de um barco, Theodore, que seguia Bunty pelo mundo fora, asseguran-do-se de que ela saía dos barcos como devia ser, e Bea. Escreveu: «2 – NUNCA tornar a entrar num barco» e depois, daí a um minuto, acrescentou entre parênteses «(a não ser que seja a pri-meira a entrar no de volta a casa)».

Bea suspirou. Aquele dia estava a transformar-se num dos tais para esquecer. Ela gostava muito de Bunty e de Theodore, mas às vezes conseguiam ser insuportáveis, e nunca a consultavam para as decisões importantes. Havia apenas um mês que lhe tinham pre-gado com aquela viagem em cima. Bunty dissera que seria uma boa oportunidade para verem as muitas criaturas e locais exóticos que enchiam as páginas dos livros do pai dela, mas a pressa extraor-dinária em chegar ali tinha tornado tudo difícil de apreciar. Bea voltou a suspirar. Por vezes, a falta de uns pais verdadeiros era mais do que ela conseguia suportar.

18

Bunty, dando pelo estado de espírito de Bea, tentou animar a neta. – Lembras-te daquele encantador gorro de penas que a tua tia-avó Geraldine te deu? Aquele que infelizmente se perdeu com a tua outra mala? Pois olha, veio mesmo daqui.

− Eu julguei que tivesse vindo de uma loja na Arcada Burlington, em Londres – retorquiu Bea, de mau humor.

− Bem, sim, o chapéu veio daí, mas aquelas penas encantado-ras vieram mesmo daqui de tão longe. É extraordinário. Se tiver-mos sorte, talvez possamos ver alguns desses raptores-do-paraíso enquanto cá estivermos. Podias apanhar penas que chegassem para fazeres o teu próprio gorro, quando voltarmos a casa.

− Mal posso esperar – disse Bea em tom definitivo.Daí a poucos minutos, Theodore regressava, caminhando ao

longo do cais.− Trago boas novidades. Vem aí uma espécie de carregador.

Só não faço ideia quando chegará. Mas, em vez de esperar, podía-mos deixar aqui as bagagens e ir dar uma volta pela povoação. Vou pedir ao comandante que tome conta das nossas coisas. Além disso, Bunty… a estação dos correios é logo ao cimo da estrada.

− Eu antes preferia ficar aqui – disse Bea rapidamente. Aquilo era só porque queria ter algum tempo para si mesma.

Theodore e Bunty olharam um para o outro durante um momento e depois responderam em estereofonia: − Ótimo!

− A sério? – Bea ficara confusa. Nunca concordavam com os planos dela.

− Absolutamente, minha querida – respondeu Bunty. – Fica e espera pelo carregador. Nós não demoramos. A mim é que me

20

dá jeito ir dar uma volta e pôr uma carta no correio, antes que faça calor demais. – Dito isto, Bunty sorriu a Bea com alguma exage-rada animação, abriu a sombrinha e apoiou-se no braço que Logan lhe estendia.

Bea ficou a vê-los afastarem-se, com um leve enrugar de testa. Sem dúvida que ali havia coisa.

21